UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
A Fear of Dark Water – Das Profundezas à Tradução
Relatório de projeto
Irina Alexandrovna Bogdan
Mestrado em Tradução
2014
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
A Fear of Dark Water – Das Profundezas à Tradução
Relatório de projeto
Irina Alexandrovna Bogdan
Mestrado em Tradução
Orientado por:
Professora Doutora Teresa Maria Menano Seruya
2014
Translators are the shadow heroes of literature, the often forgotten
instruments that make it possible for different cultures to talk to one
another, who have enabled us to understand that we all, from every part of
the world, live in one world.
Paul Benjamin Auster
4
AGRADECIMENTOS
Os meus sinceros agradecimentos à Professora Doutora Teresa Seruya,
orientadora deste projeto, por todo o apoio, valiosas contribuições e preciosa sabedoria,
auxílio e sugestões proporcionados para o desenvolvimento e enriquecimento do presente
trabalho.
Um especial agradecimento à minha mãe, ao meu pai, à minha irmã e à minha
sobrinha, ao Flávio por todo o amor, por estarem sempre ao meu lado e acreditarem em
mim. À Neuza e à Diana por toda a amizade e suporte ao longo de todo o percurso
académico.
E por fim, a todos aqueles que, direta e indiretamente ajudaram na concretização
deste projeto.
5
RESUMO
O presente relatório de projeto visa investigar a tradução de um dos géneros mais
populares, embora ainda pouco explorado no mundo académico, a ficção policial.
Pretende-se apresentar uma proposta de tradução de parte do livro A Fear of Dark Water
de Craig Russell, publicado a 1 de Março de 2012, pela editora Arrow Books. O presente
trabalho tem como objetivo a obtenção do grau de mestre em Tradução, pela Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, tendo o trabalho decorrido no terceiro, quarto,
quinto e sexto semestres de 2011-2014.
A tradução da obra mencionada tornou-se um desafio, em parte pelo estilo do
autor que, embora aparente ser, à primeira vista, simples e coloquial, oferece uma
resistência ao nível da estrutura frásica na língua de chegada, alongando a extensão do
original, e pelo recurso a marcas de bilinguismo e marcas culturais específicas, que
levantam dificuldades para o próprio leitor de ambas as línguas. A tradução realizada, que
serve de base para este projeto, teve por horizonte a possibilidade de edição comercial
para o público-alvo aficionado do estilo policial thriller/romance noir e/ou interessado
em literatura contemporânea inglesa.
A escolha de uma parte do livro A Fear of Dark Water teve em conta a extensão
exigida para a realização do presente projeto, tendo se procedido à tradução dos capítulos
2, 5, 21 e 34.
No que diz respeito ao relatório, este começa com um breve estudo do género,
nomeadamente uma delimitação dos seus subgéneros e definições. Procurou-se também
explorar a questão do bilinguismo, que surge ao longo da obra do autor e é algo que me é
muito familiar. Por outro lado, este é um assunto bastante discutido em Estudos de
6
Tradução. No centro de tudo encontra-se a análise do texto de partida e a reflexão sobre
os principais problemas ocorridos ao longo da tradução.
Em anexo, encontram-se o texto traduzido para português europeu e o respetivo
texto de partida.
Por fim, gostaria de referir a minha esperança de que o presente relatório possa
demonstrar o empenho e a investigação necessários ao trabalho de tradução, tanto para a
ficção policial, como para os estudos na área de tradução literária.
Palavras-chave: Russell, Craig, ficção policial, literatura, tradução, tradução
literária, tradução de ficção policial, bilinguismo, tradução bilingue, normas de tradução,
problemas de tradução, estratégias de tradução.
7
ABSTRACT
This project aims to investigate the translation of crime fiction, a genre that seems
to be less explored in the academic world. It is intended to propose a translation of part of
the book Fear of Dark Water, written by Craig Russell and published on March 1st, 2012,
by Arrow Books. This work aims to obtain a master degree in Translation by Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa and was produced during the third, fourth, fifth and
sixth semesters of 2011-2014.
The translation of the mentioned work was in itself a challenge in part by the
author’s style which, in spite of, apparently, being simple and colloquial, offers resistance
at the level of the sentence structure in the target language, which tends to be more
extensive than the structure of the source language and by recurring to bilingualism
marks, that could present some difficulty for both the translation and both target and
source language reader. The translation, that serves as the basis for this project, envisages
the possibility of a commercial publication for a target readership fond of the
thriller/romance noir and/our interested in contemporary English literature.
The choice of only part of the book A Fear of Dark Water relies in the extension
required for this project, translating of chapters 2, 5, 21 and 34.
Regarding the report, it starts with a brief genre investigation, including its
definition, as well as the definition of its subgenera. It also soughts to explore the issue of
bilingualism throughout the source text, being a subject that is also familiar to me. This,
on the other hand, is one of more discussed matters in Translation Studies. And in the
center of everything is the report that provides the analysis of the source text, as well as
the deliberation on the main problems elapsed throughout the translation.
8
The translated version, as well as the source text, is appended to the report.
Finally, I would like to mention my hope that this report can demonstrate the
commitment necessary for translation task, as well as for research in the area of crime
fiction and the whole literary translations studies area.
Keywords: Russell, Craig, crime fiction, literature, translation, literary translation,
translation of crime fiction, bilingualism, bilingual translation, norms of translation,
translation problems, translation strategies.
9
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS 4
RESUMO 5
ABSTRACT 7
ÍNDICE 9
INTRODUÇÃO 11
CAPÍTULO I 13
1.1 Ficção policial: da origem à tradução 13
1.2 Craig Russell e o motivo da escolha da obra 17
1.3 Bilinguismo na tradução 20
CAPÍTULO II 28
2.1 Tradução literária e a metodologia de Christiane Nord 28
2.2. A metodologia de Christiane Nord na tradução do texto A Fear of Dark Water 41 2.2.1 Factores extra e intratextuais 41 Quadro I. 45 Quadro II. 46
CAPÍTULO III 47
A Fear of Dark Water: um passo até à tradução 47
Normas, estratégias e problemas de tradução 47
3.1 Normas de tradução: uma tradução bem sucedida 47
3.2 Problemas e estratégias de tradução 52 3.2.1 Estratégias globais e estratégias locais 53 3.2.2 Tradução de referências histórico-culturais e culturemas 55 3.2.2.1 Os culturemas na obra A Fear of Dark Water de Craig Russell 57 3.2.3 Problemas de carácter semântico 64 3.2.3.1 Tradução e gíria 69 3.2.4 Tradução por empréstimo 75 3.2.5 Problemas de carácter sintático e estrutural 82 3.2.6 Tradução de referências intertextuais 91
10
CONSIDERAÇÕES FINAIS 93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 95
ANEXOS I
Anexo I – Tradução dos excertos de livro A Fear of Dark Water ii
Anexo II – Glossário xlv
Anexo III – Texto original A Fear of Dark Water xlvi
11
INTRODUÇÃO
A tradução, mais nomeadamente a tradução literária, é considerada um tipo de
obra em que um texto literário, existente numa língua, é recriado noutra. A literatura,
devido à sua natureza verbal, é uma das artes cujas barreiras linguísticas são difíceis de
ultrapassar. Ao contrário da música, pintura, escultura e dança, uma obra literária destina-
se, em primeiro lugar, àqueles que dispõem do conhecimento da língua em que esta foi
escrita. A tradução literária é determinada, por um lado, pelo lugar que ocupa entre os
outros tipos de tradução e, por outro, pela sua relação com o texto original. A função da
tradução de uma obra literária não é apenas comunicacional, é também estética, tratando-
se, deste modo, de um processo de transformação muito complexo do texto original no
resultado final, uma tradução.
O presente trabalho tem como objetivo aprofundar a questão da tradução literária,
nomeadamente a tradução do género policial que, por sua vez, continua a atrair poucas
atenções na crítica literária em Portugal, e apresentar a tradução de parte do livro de
Craig Russel, A Fear of Dark Water, acompanhada por uma apresentação e discussão das
dificuldades surgidas ao longo do processo de tradução devido às características do estilo
e às diferenças entre as línguas de partida e de chegada. Para esse efeito, o presente
trabalho divide-se em três partes.
Em primeiro lugar, apresenta-se uma breve introdução ao género da ficção
policial, incluindo uma contextualização histórica e a sua exploração em Portugal. Segue-
se uma breve apresentação da obra, vida e influências do autor, bem como as principais
razões que me levaram a optar por este texto e destacar, deste modo, o tema do
bilinguismo na tradução.
12
Na segunda parte do trabalho, será apresentado o enquadramento teórico-
metodológico, que se baseia, sobretudo, no modelo de análise textual direcionada para a
tradução, proposto por Christiane Nord. Na terceira e última parte, serão apresentadas as
dificuldades surgidas ao longo do processo de tradução e as estratégias propostas por
Andrew Chesterman que permitiram realizar a tradução que se segue em anexo e que
serviu como ponto de partida deste trabalho.
13
CAPÍTULO I
1.1 Ficção policial: da origem à tradução
É interessante notar que a temática do crime tem sido fundamental para o género
literário policial, também conhecido como ficção criminal ou ficção policial, há mais de
150 anos. Ao longo da sua história, este género recebeu inúmeras e distintas
classificações e descrições por parte da crítica literária, que, contudo, nunca deixaram de
parte os elementos essenciais que diferenciam o policial de todos os outros géneros: “il
delitto, l’indagine poliziesca e la soluzione o scoperta” (PETRONIO, 1985) - o crime, a
investigação e a descoberta. No entanto, com base nestes três elementos, não deixa de ser
importante responder a uma pequena, mas igualmente importante, questão: O que é o
policial?
Segundo várias definições propostas por críticos literários, pode-se concluir que
se trata de um género literário que se caracteriza, em termos de estrutura narrativa e
literária, pela presença de crime, a sua investigação e revelação, direcionado para o
processo de elucidação do mistério, empreitada, na sua generalidade, a cargo de um
investigador que procede à busca de uma identidade desconhecida, sendo que esta é a
principal função ideológica da ficção policial que apresenta o criminoso como um ser
estranho à razão natural da ordem social.
Acredita-se que a história do género policial teve início com a publicação de obras
literárias de origem norte-americana, nomeadamente as obras escritas por Edgar Allan
Poe, em meados do século XIX, que foram estimuladas pelo aumento da taxa de
criminalidade (SCAGGS, 2005). Contudo, a romancista criminal Dorothy Sayers
14
apresenta uma diferente abordagem em relação à origem do género policial que remonta,
segundo a autora, a uma época bastante anterior:
Both the detective-story proper and the pure tale of horror are very ancient in origin. [. . .]
But, whereas the tale of horror has flourished in practically every age and country, the
detective-story has had a spasmodic history, appearing here and there in faint, tentative
sketches and episodes. (SAYERS, 1992, p. 72)
Na sua publicação Great Short Stories of Detection, Mystery, and Horror (1928),
Sayers menciona vários antecessores das histórias de Edgar Allan Poe, destacando
episódios mitológicos e bíblicos, tal como o mito de Hércules ou o episódio de Susana1
referido na Bíblia.
É certo dizer que a história do policial tem raízes longas, porém, segundo uma
abordagem moderna, pode-se tirar a conclusão de que foram as obras de Edgar Allan Poe,
como The Murders in the Rue Morgue (1841), The Mystrey of Marie Roget (1842-1843) e
The Purloined Letter (1841), conhecidas para o público português como Os Assassinatos
da Rua Morgue, O Mistério de Marie Rôget e A Carta Roubada, que serviram e
continuam a servir de inspiração para muitos escritores que procuram conduzir o leitor
para o mundo do mistério e do crime em busca de um caminho para a sua solução.
Foram várias as razões que levaram à origem do género policial, de entre elas
torna-se indispensável destacar a persistência do conflito ocorrido entre o racional e o
irracional no século XVIII, assim como o interesse pelo estudo, a lógica e a dedução
1 Na mitologia grega, o mito de Hércules e Caco é um dos primeiros episódios do surgimento de
crime, em que o ladrão Caco falsifica provas, nomeadamente as pegadas, para enganar o seu perseguidor.
No que diz respeito à Bíblia, no Livro de Daniel surge o episódio de Susana que é falsamente
acusada de adultério por judeus corruptos.
15
racional como sinónimo de inteligência e de verdadeira iluminação, bem como da
insegurança, ansiedade, diferença e a luta de classes, ganância e poder sócio-económico.
No que diz respeito a Portugal, a ficção criminal obteve uma maior popularidade
no período pós segunda guerra mundial, quando teve lugar a maior importação de obras
de origem anglo-saxónica e pseudo-traduções espanholas. As primeiras traduções foram
importadas do Brasil e revistas para português europeu. A tradução de obras anglo-
saxónicas para português sofreu, muitas vezes, inúmeras transformações, tanto
quantitativas, como qualitativas, devido à sua elaboração a partir de versões já traduzidas
para francês, onde eram alterados ou mesmo omitidos vários conteúdos do texto de
partida. Segundo Maria de Lurdes Sampaio (2007), devido à inexistência de relações
interculturais e dos recursos atualmente disponiveís para o tradutor, a qualidade da
tradução, sobretudo de romances, era baixa devido à pouca informação acerca da
sociedade e cultura do texto de origem, ocorrendo alterações drásticas no texto de
chegada em relação ao original. Sampaio denota que a maior preocupação do tradutor
consistia em proporcionar um texto que fosse facilmente compreendido pelo leitor
português, recorrendo à adaptação e uso de equivalências para todas as referências
histórico-sociais, de modo a conseguir abranger um público ainda maior e despertar,
deste modo, o interesse pela literatura policial por parte do mesmo:
No nosso mercado circulam em abundância publicações rotuladas candidamente de
“histórias policiais” (…) contadas por imagens que, deste modo, se tornam acessíveis a
um vastíssimo público que inclui as crianças e os analfabetos. (AZEVEDO, 1999, p. 562)
A recetividade e o excecional acolhimento do policial pelo público português no
período do pós-guerra, deu origem a coleções emblemáticas de romances policiais como
16
a “Vampiro de Bolso”, a “Xis” ou “Escaravelho de Ouro” (SAMPAIO, 2007, p. 104) e
“Criminalidade”. A coleção “Vampiro”, ao contrário do que se pensa hoje em dia, não foi
a primeira coleção a publicar literatura policial em Portugal, mas foi, sim, a coleção
“Novelas Policiais”, lançada em 1931, que introduziu o policial na literatura portuguesa.
No entanto, a “Vampiro” é considerada a coleção mais popular, devido à importação do
conceito de “policial de bolso”, importado das edições anglo-saxónicas, criado no final da
década dos anos 20 do século XX, incluindo a publicação de autores ingleses como
Agatha Christie e Erle Stanley Gardner, num Portugal dominado pela cultura francófona,
assim como magnificas ilustrações de capas da autoria de Cândido Costa Pinto (1911-
1976).
Nos anos 50 e 60 do século passado registou-se uma grande produção de
romances, novelas e contos policiais escritos por autores portugueses, contudo, a maioria
destes autores recorria à utilização de pseudónimos anglo-saxónicos, tais como Denis
McShade (Dinis Ramos Machado) e Dick Haskins (António Andrade Albuquerque) entre
outros, de modo a que as suas obras passassem por obras estrangeiras, evitando assim a
censura estabelecido pelo regime.
Com o tempo a ficção policial tornou-se ainda mais distintiva, quebrando todas as
barreiras e apresentando críticas ao sistema político e utilizando uma linguagem mais
obscena, de modo a apresentar a obscuridade do mundo de crime de modo mais realista.
No que diz respeito à própria caracterização do género policial, tal como já foi
referido, este caracteriza-se pela existência de um mistério e de um crime, cuja ação e
desenlace são elaborados em torno de uma personagem principal, o investigador que leva
17
o leitor à solução, proporcionando assim, uma explicação para as ações do criminoso.
Pode-se considerar que esta é uma das abordagens mais tradicionais do género policial.
Entre os subgéneros da ficção policial podemos distinguir o thriller jurídico, que é
protagonizado por advogados e outros órgãos jurídicos que procuram provar a inocência
ou delito da/s personagem/s que contratam os seus serviços; o thriller médico, cujo
protagonista soluciona casos relacionados com medicina, utilizando os seus
conhecimentos na área; e, por fim, o mais comum e mais importante para o propósito do
presente relatório de projeto, o subgénero hardboiled, cujo desenlace é relacionado com
cenas de violência e sexo. Com a origem nos Estados Unidos da América nas décadas dos
anos 20 a 60 do século passado, este subgénero da ficção policial obteve a designação de
roman noir na Europa. O seu tom sombrio apresenta o crime como um acontecimento do
quotidiano do ser humano, sem necessidade de ambientes mais sofisticados, mas
retratando subúrbios humildes e sórdidos. A sua trama é desenvolvida de uma forma
prospetiva, sem necessidade de existência de uma ligação entre o assassino e o decorrer
da história, relacionando-o, porém, com o próprio investigador. Os seus autores procuram
apresentar, de uma forma realista, o contexto em que ocorre o crime e que é regido pela
lei.
1.2 Craig Russell e o motivo da escolha da obra
O novelista contemporâneo Craig Russel nasceu em 1956, em Fife, Escócia. A
sua carreira de escritor é bastante recente, sendo que o seu primeiro livro, Blood Eagle,
foi publicado em Abril de 2006, introduzindo uma nova série de livros de ficção policial
nas livrarias de mais de 20 países diferentes. Antes de iniciar a sua carreira de escritor,
18
Russell trabalhou como agente da polícia, sendo esta uma das suas maiores influências e
inspirações no género literário pelo qual optou:
I am not a great believer in genres. I feel that a good read is a good read, whatever is its
subject, matter or style. What I also believe, however, is that at any given time, one
particular genre becomes the focus for creative challenge and opportunity for a writer. I
believe that this is the crime fiction’s time. Today’s crime readers are more demanding
that in any time before. They demand a higher literary quality, they demand to be
provoked and challenged, and they are continually seeking something new and different.
They are looking for you to stretch them as readers and yourself as writer. Added to that
the current crime fiction readership is a pretty intelligent bunch; that means. As a writer,
if you insult that intelligence, or if you give them anything less than your best, you fall
flat on your face. (RUSSELL, 2007)
A série de romances sobre o detetive Jan Fabel deve-se ao seu interesse de longa
data pela língua, cultura e população alemã. Inspirando-se na sua história e mitologia,
Russell tenta dar a conhecer ao leitor uma nova visão, uma visão modernizada, da
Alemanha e da própria população alemã.
Our view of Germany still seems to begin and end with Nazism and the Second World
War. For Germans, too, the monumental evil of Nazism and the atrocities committed in
their name continues to cast a shadow over their culture (…) despite Germany’s
proximity to us both geographically and culturally, there is a lack of any depth of
knowledge or understanding about contemporary Germany and Germans. Of all the
European nationalities, our view of the Germans is the most resolutely stereotyped (…).
(RUSSELL, 2007)
No que diz respeito à personagem principal desta série, Russell escolheu o
Mordkommissionkriminalhauptkomissar – Comissário Chefe da Divisão de Homicídios
19
de Hamburgo – Jan Fabel, originário da província da Frísia e naturalidade alemã, que
leva o autor a criar uma barreira linguístico-cultural nas suas obras, com referências ao
bilinguismo do protagonista, posicionando-o entre a língua inglesa e a língua alemã. Ao
longo da sua história, Fabel é obrigado a investigar vários tipos de homicídios que
assombram a cidade de Hamburgo, desde os antigos rituais sacrificiais praticados pelos
Vikings, os homicídios-imitações de contos da autoria dos irmãos Grimm, até crimes
cometidos por psicopatas e agentes corruptos de uma unidade especial de Forças
Armadas.
A Fear of Dark Water é o sexto livro da série de Jan Fabel que investiga a
descoberta de um torso desmembrado, após uma tempestade massiva que atinge a cidade
de Hamburgo, provocando inundações. A primeira consideração de Fabel leva-o a crer
que o torso encontrado pertencia a mais uma das vítimas de um violador e homicida que
larga os corpos das suas vítimas junto ao rio Elba. Porém, outros acontecimentos e a
posterior investigação transportam Fabel para um mundo que lhe é totalmente
desconhecido, o mundo da cibertecnologia e de crimes realizados por uma organização
ambiental, tornando-o o centro das atenções das pessoas erradas e desenlaçando a história
numa tentativa de sobrevivência e defesa contra as suspeitas de que é alvo.
Uma das razões pelas quais escolhi a presente obra para a elaboração deste
trabalho, foi sobretudo o gosto pela literatura e pela investigação policial, bem como pela
história, cultura e língua alemãs, que são importantes no corpo do texto de partida e que o
distinguem de outras obras de ficção policial.
Outra, e a mais importante razão da escolha da presente obra, é a minha
identificação com a personagem principal, pois ambos temos uma origem diferente da
20
cultura e do sistema linguístico dentro dos quais vivemos na atualidade e por nos
inserirmos num dos temas mais relevantes e discutidos no campo da Linguística e dos
Estudos de Tradução – O bilinguismo.
1.3 Bilinguismo na tradução
A tradução para uma língua que não é a língua materna do tradutor sempre
recebeu críticas menos favoráveis por parte dos Estudos de Tradução e até de certos
profissionais e empresas de tradução. Apesar desta abordagem, a tradução, tal como a
retroversão, para uma língua não materna tem sido feita desde sempre, contudo, é
interessante investigar as vantagens e desvantagens da mesma em relação ao público
nativo da língua de chegada, a fim de perceber se a tradução realizada por um tradutor
bilingue, pode ser considerada tão válida e conseguida como ao nível de uma tradução
realizada por um tradutor nativo da língua de chegada.
A fim de conseguir perceber se é possível efetuar uma tradução para uma língua
não materna de modo a que esta possa ser considerada válida, optei por me basear no
trabalho de Nike K. Pokorn, Challenging the Traditional Axioms: Translation into a non-
mother tongue (2005), e considerei importante esclarecer, em primeiro lugar, a definição
dos conceitos básicos, embora muito importantes para este tema: “língua materna” e
“falante nativo”.
Apesar destes dois conceitos parecerem, à primeira vista, bem definidos e
percetíveis, uma análise detalhada destes dois termos poderá originar alguns problemas
quanto à sua definição:
21
The concepts seem clear enough and sufficiently well-defined; however, a closer
examination shows that their definitions are far from objective and water-tight. In fact,
the linguistic competence and proficiency of the native speaker are hard, perhaps even
impossible to define objectively. And although we all feel that we know who the native
speakers and foreign speakers of a particular language are, and that it is not hard to tell
them apart, it soon becomes obvious that neither linguistics nor real life provides us with
a rigorous and conclusive test which would help us establish a clear distinction between
them. (POKORN, 2005, p. 1)
Como se vê, os dois conceitos são difíceis de delimitar. Contudo, segundo Pokorn,
existem diversas variações quanto às conotações destes dois termos, que parecem
depender da posição ideológica do próprio indivíduo que proporciona a sua definição,
bem como das suas intenções. Deste modo, começaremos por analisar o termo “língua
materna” e tentar esclarecer a sua definição.
Quanto ao seu significado referencial e às conotações atribuídas, o termo “língua
materna” apresenta várias diferenças. Pode ser compreendido literalmente que um
indivíduo aprendeu com a sua mãe a língua utilizada durante o processo comunicativo.
Contudo, por vezes, o termo “língua materna” é substituído pelo termo “primeira língua”,
visto que se trata da primeira língua com que a criança entra em contacto. No entanto,
quando se refere a língua materna, não se subentende apenas a língua que um indivíduo
aprendeu com a mãe, mas também se trata de uma língua que ele domina e utiliza em
casa, pressupondo-se uma correção e fluência elevadas. É assim que os Estudos de
Tradução defendem que o tradutor deve traduzir para a sua língua materna, a sua primeira
22
língua, a língua que ele domina. Contudo, o termo “língua materna” não exclui a
atribuição de outras conotações que variam consoante a sua utilização.
The definition of the concept depends on the hidden agenda of the one providing the
definition and that they are thus likely to differ considerably and can even be
contradictory. (…) (POKORN, 2005, p. 3)
Pokorn apresenta alguns critérios encontrados na Linguística que dizem respeito à
descrição e definição do termo “língua materna”: a origem, a primeira língua aprendida; a
competência, a língua que o indivíduo domina na perfeição; a função, a língua que o
indivíduo utiliza mais; a identificação, que Porkorn divide em dois tipos: interna, língua
com que o indivíduo se identifica e externa, a língua com que os outros identificam o
indivíduo como falante nativo. Contudo, depois de apresentar estes critérios, Pokorn
chega à conclusão que nenhum destes critérios define o conceito de “língua materna” de
uma forma objetiva:
Despite their extensive use, none of these criteria defines the concept of “mother tongue”
objectively and completely; every definition necessarily reflects the original cultural,
political and personal experience and expectations of the one providing the definition.
And very often, these expectations vary considerably from those of the speakers defined
and classified by such definitions. (POKORN, 2005, p. 3)
De uma forma breve, podemos concluir que a definição do termo “língua materna”
depende da intenção do indivíduo que a pretende propor, e dos objetivos e expressões dos
indivíduos definidos pelo mesmo termo, tendo em consideração que um indivíduo poderá
ter mais do que uma língua materna ou poderá alterá-la ao longo da sua vida.
23
Quanto ao termo “falante nativo”, este, tal como o termo “língua materna”,
apresenta várias definições utilizadas pelos linguistas, de entre elas Pokorn distinguiu as
quatro mais importantes. Pode ser considerado um falante nativo de uma língua, à qual
Pokorn atribui a referência de L1, um indivíduo que nasceu numa família em que essa
mesma língua é falada. Pode ser considerado um falante nativo, um indivíduo que
adquiriu o conhecimento da L1 durante a infância numa família ou ambiente em que se
fala essa mesma língua. A terceira definição proposta por Pokorn define o falante nativo
como um indivíduo que utiliza a língua de uma forma criativa, visto que a criatividade é
um dos sinais de proficiência de uma língua. Por fim, a última e mais comum definição,
oriunda do campo da Linguística, define o termo “falante nativo” como um indivíduo que
dispõe da capacidade de produzir um discurso espontâneo e fluente e distinguir, de uma
forma intuitiva, as formas incorretas e corretas de uma língua.
Desta última pode-se tirar a conclusão de que os teóricos no campo da Linguística
pressupõem que um falante nativo é obrigado a possuir “regras de uso internalizadas e
uma perceção e reconhecimento automáticos” (POKORN, 2005, p. 8) do correto e
incorreto.2
Let me say what I expect of the native speaker. I expect the native speaker to have
internalized rules of use, the appropriate use of language, to know when to use what and
how to speak to others. I expect control of strategies and of pragmatics, an automatic
feeling for the connotations of words, for folk etymologies, for what is appropriate to
various domains, for the import of a range of speech acts, in general for appropriate
membership behavior in him/herself and of implicit – and very rapid – detection of others
as being or not being members. (DAVIES, 1991, p. 94)
2 Todas as traduções de textos originais apresentadas neste trabalho foram realizadas por mim.
24
Contudo, as definições propostas dão origem a certas questões que poderão
colocar em dúvida a capacidade do falante nativo de distinguir as formas corretas das
incorretas de uma determinada língua, visto que certos falantes, apesar de terem nascido
numa comunidade falante de uma determinada língua, não disporem dos conhecimentos
suficientes para tal. Por outro lado, existem casos em que o falante de uma língua
estrangeira (L2) adquire todo o conhecimento necessário, assim como a sensibilidade
para distinguir o correto do incorreto, de uma outra língua, tornando-o, desta forma num
falante da língua L1.
Assim, tudo que foi exposto anteriormente, leva-nos a concluir que o conceito
“falante nativo” tal como o conceito “língua materna” permanece vago, por vezes até
bastante limitado, impossibilitando aos teóricos encontrar uma definição para o
especialista em tradução mais abrangente, o que pode limitar o tradutor a realizar
traduções apenas para a sua língua materna.
Depois de estabelecer uma breve definição dos termos “língua materna” e “falante
nativo”, prosseguimos, então, para a questão da possibilidade da tradução realizada por
um tradutor bilingue.
A ideia de que o tradutor deve realizar traduções apenas para a sua língua materna,
obrigando-o a traduzir, desta forma, apenas numa direção, preserva toda a essência da
língua da sua nação. Humbold e Newmark defendem a tradução apenas para a língua
materna, baseando-se na ideia da existência de certas particularidades de uma língua que
permanecem inacessíveis para um indivíduo que não teve o contacto com essa mesma
língua desde o seu nascimento:
A foreigner appears to go on making collocational mistakes however long he lives in his
adopted country, possibly because he has never distinguished between grammar and
25
lexicology. (. . .) For the above reasons, translators rightly translate into their own
language, and a fortiori, foreign teachers and students are normally unsuitable in a
translation course. (NEWMARK, 1981, p. 180)
Segundo Newmark, o tradutor é obrigado a traduzir para a sua língua materna,
caso contrário, a tradução será “não natural, não nativa, cheia de elementos não aceitáveis
e improváveis” (NEWMARK, 1981, p. 180), mesmo que o tradutor viva durante bastante
tempo na cultura de chegada. Ou seja, mesmo que o tradutor traduza corretamente para
uma língua estrangeira, o seu produto final irá sempre ter marcas de que a tradução foi
realizada por um tradutor “não-nativo”.
Assim, os tradutores e teóricos contemporâneos tomaram o tradutor nativo como
um ideal de gramaticalidade, um ideal que dispõe de toda a capacidade de reconhecer
todos os detalhes, evidentes e subentendidos, estabelecidos entre as palavras e de,
portanto, criar traduções “perfeitas” no que diz respeito aos aspetos linguísticos e
culturais, inferiorizando deste modo o tradutor não-nativo.
A imprecisão dos termos “língua materna” e “falante nativo” foi provavelmente,
uma das razões pelas quais os teóricos têm evitado a questão do bilinguismo do tradutor.
Contudo, a questão do bilinguismo na tradução tem sido levantada ao longo de várias
épocas. Mesmo antes do século XX, a prática de tradução bilingue era bastante comum,
tornando-a, deste modo, num “evento intercultural” (POKORN, 2005, p. 28), obrigando o
tradutor a ser multi-cultural, bem como a possuir as competências gramaticais, textuais e
pragmáticas e a enriquecer o conhecimento de várias áreas disciplinares de modo a poder
trabalhar com vários tipos de texto:
26
The translator […] is a bilingual, bicultural (maybe even multicultural) person who
knows well the subject area of the original text and is therefore able to transfer it
adequately to the reality of the target culture. (POKORN, 2005, p. 29)
Contudo, os estudos contemporâneos de tradução questionam as práticas do
tradutor bilingue no que diz respeito à sua fluência e à aceitabilidade pela própria língua e
cultura para a qual se está a traduzir, defendendo a ideia de que a difícil tarefa de
recriação de um texto produzido numa língua para outra, é possível apenas se se traduzir
para a língua materna do tradutor:
Toda a teoria que defende a tradução para a língua materna parece resumir-se à
questão da “fluência e naturalidade” (POKORN, 2005, p. 33), que só é possível de
alcançar pelo tradutor que traduz apenas numa direção, ou seja, para a língua materna,
realizando deste modo uma tradução de qualidade e aceitável pelo falante de chegada.
Contudo, é importante notar que a qualidade da tradução, a sua precisão, aceitabilidade e
fluência na língua de chegada, depende, em primeiro lugar, das capacidades do próprio
tradutor, das estratégias que decidiu aplicar para a resolução de certo tipo de problemas
ocorridos durante o processo tradutório e, claro, o seu conhecimento da língua e cultura
de partida, bem como da língua e cultura de chegada.
Por esta razão, gostaria de concluir que a ideia da tradução para uma língua não
materna tem sido bastante desvalorizada no mundo da Tradução, baseando-se no
pressuposto de que o tradutor que realiza traduções para a língua não materna poderá, de
certo modo, influenciar a qualidade do texto de chegada, apresentando problemas de
fluência no texto, que levarão à sua rejeição pelo público da língua e cultura de chegada.
A tradução exige disciplina, estudo e exercício contínuo e, infelizmente, nem todos os
27
falantes/ tradutores nativos possuem estas qualidades. Um tradutor que é perfeitamente
fluente numa língua e que viveu durante uma certa quantidade de tempo numa outra
cultura, sendo estas uma língua e uma cultura não maternas, que dispõe de todo o
conhecimento acerca das mesmas e é capaz de distinguir as formas corretas e incorretas
da língua de chegada, possui a capacidade de recriar, ou seja, traduzir um texto para a
língua de chegada ao nível da fluência, gramaticalidade e naturalidade de um modo igual
ou superior a um tradutor nativo. Isto é, pela experiência própria e após algumas
conversações com outros tradutores não nativos, posso chegar à conclusão que, devido a
uma maior preocupação e cuidado de apresentar uma tradução de qualidade, originados
pela questão da desvalorização, o tradutor não nativo possui uma maior sensibilidade das
questões culturais e sociais implícitas no texto de partida e uma maior sensibilidade
linguística durante a produção do texto de partida. Um dos elementos predominantes no
processo de tradução, tanto para o tradutor nativo como para o tradutor não nativo, é o
público a quem se destina o texto. Contudo, o que distingue o tradutor nativo do não
nativo, é a preocupação deste último de utilizar o público durante o processo de edição e
refinação do texto de chegada de modo a aperfeiçoar o produto final, incorporando os
seus comentários e sugestões ao nível gramatical, estrutural e cultural. Esta é uma das
vantagens de ser um tradutor não nativo, pois o nível de recetividade do tradutor não
nativo é muito inferior, o que permite ao tradutor nativo ser mais defensivo em relação a
quaisquer tipos de comentários.
28
CAPÍTULO II
2.1 Tradução literária e a metodologia de Christiane Nord
André Lefevere, (1971)
Entre muitos dos desafios estudados pela linguística, a tradução ou a prática de
tradução ocupa um lugar bastante importante. Trata-se de uma atividade humana bastante
antiga. Desde o seu início, a tradução desempenha uma importante função social,
tornando possível a comunicação entre as pessoas. A propagação da tradução possibilitou
o acesso a outras culturas, desempenhando um papel importante no desenvolvimento de
muitas línguas e literaturas nacionais. As atividades de Martinho Lutero, o criador e líder
ideológico do período da Reforma, são um excelente exemplo da formação e
desenvolvimento da língua alemã e das suas normas. A tradução da Bíblia, realizada por
Martinho Lutero a partir dos textos originais em hebraico, fez com que a Vulgata de São
Jerónimo, a tradução da Bíblia canonizada pela Igreja Católica, fosse submetida a uma
análise crítica e, posteriormente, a uma correção. A tradução de Lutero apresenta-se, sem
quaisquer dúvidas, como uma grande influência, pois é considerada uma das etapas
cruciais na formação das ideias e premissas teóricas acerca da tradução que serviram de
base para as posteriores práticas de tradução. A contribuição de Lutero para o
“As teorias essencialistas são (…) teorias que fazem perguntas
como: “O que é…a literatura, a ética, a linguagem, a filosofia
(…) etc.,?” A tradução sempre foi abençoada com a infeliz
distinção e, no seu caso, somente no seu caso, esta pergunta
essencialista primordial foi precedida por outra, isto é, a
tradução [literária] é possível?”
29
desenvolvimento da atividade tradutória é particularmente valiosa devido ao facto de ter
deixado aos seus sucessores um estudo detalhado de todos os princípios e métodos
utilizados por si durante o processo de tradução, que explicitou na Epístola sobre a
Tradução 3. Assim, podemos dizer que os conceitos teóricos sobre a tradução têm como
base as descrições dos factos relacionados com o próprio processo de tradução. Do ponto
de vista científico, a teoria da tradução facilita e enriquece o processo tradutório. É certo
que, em algumas situações, poderão surgir dúvidas acerca da aplicação da teoria na
prática da tradução.
A questão da importância da teoria da tradução na sua prática tem sido discutida
ao longo das últimas décadas. Para uns a inclusão da teoria na tradução é bastante
importante, para outros a maior relevância para a tradução consiste na sua prática. No
entanto, a tradução não se trata apenas de um exercício teorético ou prático, mas sim de
uma combinação de ambos. A questão da teoria é relevante, pois engloba diferentes
temas como semântica, linguística, metodologias, normas e estratégias que servem de
auxílio na prática de tradução. Existem inúmeras definições de tradução. Do ponto de
vista prático, a tradução é um processo comunicativo que coloca o tradutor num ponto
intermediário entre o emissor e o recetor do texto. Do ponto de vista teórico, a tradução é
um conjunto de regras e princípios relevantes para a análise de texto. No entanto, do
ponto de vista pragmático, a teoria de tradução não engloba apenas os princípios e
estratégias, mas também as bases para a resolução de problemas que possam surgir
durante o processo tradutório. Contudo, isto não significa que qualquer proposta teórica
3 Título segundo a tradução portuguesa de Valdemar de Azevedo Ferreira, in: a Scholar for All
Seasons, Homenagem a João de Almeida Flor, Lisboa, Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de
Lisboa, Departamento de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
2012, pp. 971-988
30
possa ou deva necessariamente fornecer, na prática, uma "solução" imediata e que todos
os conceitos propostos possam ser utilizados de uma forma direta, sem ter em conta que a
relação entre a teoria e a prática de tradução é de uma maior complexidade.
No que diz respeito à tradução literária, sendo este o foco do presente trabalho,
esta é uma das áreas de tradução que é mais difícil de alcançar, não só ao nível prático
como teórico. A tradução literária relaciona-se com temas como a resolução de problemas
de mediação intercultural e interliterária mais complexos e confusos. Será que a tradução
literária é possível? O que é tradução literária? Que relação estabelece a tradução literária
com o texto de partida?
A maioria das definições de tradução literária consistem numa combinação de
conceitos gerais que caracterizam a tradução como uma fusão natural de arte e de ciência.
Assim, tendo por base esta ideia, podemos dizer que a abordagem científica da tradução
literária parte do conhecimento de uma grande variedade de problemas relacionados com
o conceito do texto literário e as dificuldades proporcionadas pelo mesmo, o
conhecimento das línguas de partida e de chegada, das tradições culturais e literárias, do
autor e da sua restante obra literária. Quanto à abordagem artística da tradução ou, melhor,
a arte da tradução, esta deve-se à mestria do próprio tradutor, à sua capacidade de análise
linguística e literária, reconhecimento das intencionalidades do texto e capacidade de
responder às questões implícitas dentro da comunicação interliterária e, posteriormente,
intercultural.
Ao iniciar a longa viagem pelo processo de tradução de uma obra, o tradutor
depara-se com uma grande questão cuja resposta irá definir o seu percurso, bem como
31
justificar as suas ações e opções. Que método adoptar a fim de obter uma tradução, um
produto final que seja adequado para a obra que se encontra perante os seus olhos?
Não se trata de uma decisão fácil. O tradutor depara-se com inúmeros fatores que,
por sua vez, influenciam e, ao mesmo tempo, dificultam a escolha do seu rumo.
No que diz respeito à escolha do método de tradução de um ponto de vista
académico, este concentra-se apenas na escolha entre a “tradução literal” e a “tradução
livre”. Ernst Merian-Genast, tal como José Ortega y Gasset, ao discutir o problema da
tradução literária, reconhece, por fim, a existência de apenas esses dois métodos, fazendo
referência a Schleiermacher: “ (O tradutor) traduz, ou seja, efetua a transferência do
conteúdo em duas direções: trazendo o autor da língua de partida ao leitor; ou leva o
leitor ao escritor estrangeiro, surgindo deste modo dois distintos métodos de tradução. No
primeiro caso, a tarefa do tradutor consta na transferência do original de modo a que este
corresponda à forma de pensar e falar do leitor, fazendo parecer como se o livro estivesse
escrito originalmente na língua do leitor. No segundo caso, o tradutor obriga o leitor a
sentir que o livro foi originalmente escrito numa outra língua, transmitindo uma outra
forma de pensar, de expressar, que lhe é desconhecida (MERIAN-GENAST, 1958).”
Contudo, a escolha de um ou de outro método apresenta, no entanto, uma
possibilidade de tradução própria. Merian-Genast, também partilha a opinião de vários
autores, dizendo que o método de tradução depende de vários factores: “Por um lado, do
seu objetivo, determinando o que é mais importante para ele, sendo o conteúdo ou forma
do original. Por outro, das características da língua para a qual está a traduzir, a sua
capacidade de mudança e de adaptação às expressões de uma outra língua (MERIAN-
GENAST, 1958).”
32
Todas estas considerações apresentam, sem qualquer dúvida, um grande valor
histórico para a tradução. No entanto, não são aceites no presente nesta forma tão radical.
O rígido dilema “ou-ou” utilizado durante a escolha do método de tradução não pode ser
aplicado na prática de tradução. O método de tradução deve, no entanto, corresponder ao
próprio texto com que se está a trabalhar, pois o principal objetivo do tradutor é redigir o
mesmo texto numa outra língua, preservando a sua essência. Pode-se dizer que o tradutor
estabelece uma relação entre o texto de partida e o texto de chegada, com base na sua
experiência cultural e linguística e na sua própria visão do mundo. Considera-se que é
graças a essa mesma relação que o texto traduzido pode servir de substituto do texto de
partida numa outra cultura.
No entanto, antes de aprofundar a questão do método aplicado na tradução do
texto de Craig Russell, A Fear of Dark Water, é importante referir a distinção entre os
conceitos “tradução literária” e “tradução do texto literário”. Portanto, no que diz respeito
à expressão “tradução literária”, o adjetivo “literária” torna-se numa definição qualitativa
do resultado da tadução, enquanto a expressão “tradução do texto literário” define apenas
o carácter dos textos a traduzir e não obrigatoriamente o carácter da própria tradução.
Ao contrário da tradução do texto literário, a tradução literária envolve a
transformação criativa do original com máxima exploração dos elementos expressivos da
língua de chegada, através de um processo de transferência das particularidades literárias
do original. Não se trata apenas da criação de um equivalente do texto de partida na
língua de chegada, mas sim da inserção do texto de partida numa outra cultura,
aumentando, não só o seu público-alvo, como também a comunicação intercultural e
literária de acordo com as necessidades da época, características do processo literário e as
33
necessidades do recetor, independentemente de este dispor do conhecimento da língua de
partida ou não. Deste modo, para alcançar todos os objetivos propostos, o tradutor deve
tomar certas medidas, aplicando várias estratégias de tradução, devido, por um lado, à
língua e cultura de chegada, e por outro lado, às suas particularidades e preferências
pessoais, sem adulterar o sentido do texto original. Apesar da vertente criativa da
tradução literária, não se pode deixar de parte que qualquer tradução resulta sempre de
um certo grau de manipulação por parte do tradutor:
From the point of view of the target literature, all translation implies a degree of
manipulation of the source text for a certain purpose. (HERMANS, 1985, p. 9)
Theo Hermans, um dos defensores da corrente desginada nos Estudos de
Tradução como “Escola da Manipulação”, reconhece o processo de tradução literária
como manipulativo, devido à complexidade que o próprio texto literário possa apresentar.
Isto é, devido à composição do texto, jogos de palavras, metáforas e outros elementos que
podem originar inúmeras interpretações, bem como as diferenças normativas, espaciais e
temporais entre a língua e cultura de partida e a língua e cultura de chegada, a tarefa de
tradução pode tornar-se bastante dificultada, obrigando o tradutor a manipular o texto de
acordo com o seu objetivo.
The Manipulation School represents an approach to translation as manipulation or more
precisely as rewriting of texts for a specific target audience in conformity with target
language norms and under various constraints. (SHAFIEI, 2012, p. 129)
34
Podemos relacionar a questão da manipulação com os métodos de tradução
“estranhante” e “naturalizante”4, tratados por Friedrich Schleiermacher (embora sem
qualquer designação) e posteriormente aprofundados e discutidos por Lawrence Venutti,
que se baseiam na escolha do tradutor em aproximar o leitor do texto e cultura de partida
ou aproximar o autor do texto de partida à cultura de chegada. No primeiro caso, o
tradutor pode optar por respeitar o texto de partida, preservando o mais literalmente
possível todos os elementos do texto de partida, afastando-o do que é considerado
tradicional na língua e cultura de chegada, provocando um efeito estranhante no seu
público. No que diz respeito ao método naturalizante, o tradutor opta por naturalizar o
texto de partida, ou seja, elaborar o texto de modo a que este provoque no seu leitor a
sensação de que o texto foi escrito originalmente na língua de chegada. É deste método
que se aproxima a teoria da manipulação, destacando a tradução como um processo de
reescrita em que o tradutor pode manipular e modificar o texto de partida para que este
seja aceite na língua e cultura de chegada. Contudo, todas as noções propostas
apresentam apenas um carácter descritivo. Todas elas reconhecem a necessidade do
tradutor tomar as suas decisões, no entanto, não indicam as formas como estas devem ser
tomadas, nem fornecem ferramentas de auxílio no que diz respeito a esta tarefa. Por isso,
Vermeer desenvolveu uma teoria de tradução em que todos aspectos acima mencionados
se tornam indispensáveis, pois remontam para a presença do tradutor, dando ao texto um
carácter criativo e tornando-o num texto literário, bem como proporcionando uma maior
autonomia ao tradutor. Vermeer tornou o conceito de tradução mais funcional. Focando-
4 Os termos “estranhante” e “naturalizante” são propostos pelo tradutor, Prof. José M. Miranda
Justo na sua apresentação da obra de F. Schleiermacher, Über die verschiedene Methoden des Übersetzens-
Sobre os diferentes métodos de traduzir, apresentação, trad., notas e posfácio por José M. Miranda Justo,
coleção Elementos Sudoeste, Porto Editora, 2003.
35
se em factores contextuais, o linguista dá prioridade a dois aspectos: a cultura e o skopos,
ou seja, o propósito da tradução, rompendo, deste modo, os paradigmas propostos pelas
teorias anteriores, colocando de parte a abordagem tradicional de equivalência do texto de
partida ao texto de chegada.
Übersetzen ist eine menschliche Tätigkeit, eine soziale Handlung zur Vermittlung von
Botschaften über kulturelle und damit gegebene sprachliche Grenzen hinweg. Die
Botschaft muβ für die Zielkutlur “vertextet” werden, und zwar so, daβ sie bei den
angesprochenen Adressaten gut ankommt und in der jeweiligen Stituation
erwartungsgemäβ funktioniert. Die Zieltext (ZT) wird ein Teil der Zielkultur.
(VERMEER, 1986)
Vermeer definiu a tradução como uma ação humana, uma atividade social dotada
de propósitos e intenções e inevitavelmente inserida num sistema cultural repleto de
particularidades, pelo que o tradutor deverá elaborar a tradução de acordo com o seu
propósito, tendo a capacidade de justificar as suas escolhas e fazendo funcionar o texto na
língua e cultura de chegada.
Tendo em conta o texto a traduzir, a sua análise e a definição desempenham um
papel de grande importância na teoria, bem como na prática da tradução. Christiane Nord
procurou sistematizar e aplicar as ideias de Vermeer na preparação e elaboração do
processo tradutório, apresentando um modelo de análise textual direcionado para a
tradução bastante abrangente. De facto, Nord, na sua publicação Text Analysis in
Translation – Theory, Methodology and Didactic Application of a Model for Translation-
Oriented Text Analysis (1991), elabora, de uma forma clara e concisa, os princípios
básicos da teoria funcionalista da tradução, acompanhados por vários exemplos. Além
disso, Nord dialogou na sua obra com publicações não só de adeptos da teoria
36
funcionalista da tradução, como também dos seus adversários, desenvolvendo algumas
das ideias destes e respondendo às críticas de que a autora foi alvo. Nord propõe uma
análise de texto que possa garantir a compreensão e a interpretação correta do texto de
partida, explicar as suas estruturas linguísticas e textuais, como também identificar os
possíveis problemas de tradução, definir estratégias e ter a capacidade de justificar as
suas escolhas.
Para tal, Nord realça os factores importantes para a elaboração de uma análise do
texto direcionada para a tradução, dentro dos quais distingue a importância do papel do
iniciador, ou seja, o cliente que solicita a tradução, o papel desempenhado pelo próprio
tradutor, a relação entre o texto de partida e o texto de chegada, etc.
No que diz respeito ao iniciador, este desempenha um papel crucial (NORD,
1991, p. 8) no processo de comunicação intercultural, dando o início e determinando o
rumo do processo de tradução.
O iniciador proporciona as instruções tradutórias de modo a que o texto traduzido
corresponda às suas necessidades e ao objetivo proposto (NORD, 1991, p. 8). Assim, o
iniciador deverá fornecer o máximo de instruções possível acerca dos factores
situacionais da receção do texto de chegada, como o destinatário, os possíveis recetores,
o tempo e o local da receção, o meio através do qual o texto é veiculado, etc.
No que diz respeito ao papel do tradutor, Nord define-o como elemento central,
sendo, ao mesmo tempo, o recetor do texto de partida e o produtor do texto de chegada.
No entanto, o tradutor não se enquadra no grupo de recetores do texto numa situação
comunicativa habitual. Isto é, o tradutor não irá ler o texto que lhe é entregue de uma
forma natural e intuitiva, ao contrário do leitor habitual. Todo o conhecimento adquirido
37
pelo tradutor acerca do texto, ou seja, todas as informações e instruções proporcionadas
pelo iniciador, irão influenciar a leitura do texto de modo a que o tradutor possa elaborar
uma análise do texto crítica, compreensiva e orientada para a tradução. Claro que, para
além dos factores mencionados, as competências do próprio tradutor desempenham um
grande papel no processo de tradução. Segundo Nord, o tradutor deverá ter o
conhecimento tanto da línguas de partida e de chegada, como das respetivas culturas,
possuir habilidades de receção e produção de texto e a capacidade de sincronizar a
receção do texto de partida com a produção do texto de chegada.
His [Translator’s] command of the source culture (SC) must enable him to reconstruct the
possible reflections of an ST recipient (…), whereas his command of target culture (TC)
allows him to anticipate the possible reactions of a TT recipient and thereby verify the
functional adequacy of the translation he produces. (NORD, 1991, p. 11)
O texto de partida poderá desempenhar várias funções e o seu grau de relevância
poderá variar durante o processo de tradução. Deste modo, o trabalho do tradutor consiste
na criação de um texto que faça sentido e tenha significado para o leitor, que esteja
inserido na língua de chegada com a situação em que se encontra o próprio leitor.
Deste modo, Nord propõe um modelo para o processo de tradução baseando-se
nos modelos já existentes na metodologia da tradução: o modelo de duas fases e o modelo
de três fases. Quanto ao modelo de duas fases, sendo que este é considerado o mais
conciso, trata-se da elaboração de uma análise, ou seja, a descodificação do texto de
partida, e uma síntese, ou seja a reconstrução do texto na língua de chegada. Neste
38
modelo, Nord considera a tradução mais próxima do texto de partida e assume o processo
de tradução baseado neste modelo como uma operação de code-switching5.
O modelo de três fases, que Nord considera ser mais aproximado à prática de
tradução na sua realidade, visa efetuar uma análise gramatical, semântica e estilística do
texto, transferir a mensagem para a língua de chegada e combinar todos os elementos no
texto de chegada que possam corresponder às necessidades e expectativas do recetor do
texto de chegada. Apesar de estes dois modelos, satisfazerem, à primeira vista, as
condições de uma boa tradução, ambos apresentam falhas.
O próprio modelo de Nord, o qual a autora designou de looping mode – modelo
circular ou o modelo em loop – visa analisar a função do texto de chegada, ou seja,
destacar todos os elementos importantes para a realização da tradução e corresponder ao
objetivo proposto pelo iniciador, e efetuar a análise do texto de partida, que a autora
divide em duas fases. Em primeiro lugar, o tradutor deve obter uma ideia geral do texto
de partida para que este corresponda às instruções dadas e, em seguida, deve realizar uma
análise mais detalhada do mesmo, destacando os elementos relevantes para o skopos do
texto de chegada. Depois de terminar a análise, o tradutor terá a capacidade de adaptar os
elementos relevantes, que destacou durante a análise, de acordo com a língua de chegada
e de terminar o processo tradutório com a reconstrução do texto de chegada. Quanto ao
próprio modelo de análise proposto por Nord, este divide-se em duas secções: os factores
5 O fenómeno de code-switching, segundo Penelope Gardner-Chloros (2008), define-se como uma
utilização de diferentes códigos linguísticos, ou seja, várias línguas ou dialectos diferentes pertencentes a
mesma língua, durante o processo comunicacional entre os falantes. Este fenómeno é cada vez mais
habitual devido ao constante contacto com outras culturas e línguas devido ao desenvolvimento tecnológico,
mas nomeadamente a utilização da internet, sendo que o code-switching torna-se mais evidente em jovens
que tendem utilizar com mais frequência as expressões de outras línguas durante a troca discursiva . O
code-switching ocorre também em contextos de bilinguismo, em que o falante utiliza regularmente duas ou
mais línguas, por vezes sente necessidade de recorrer à outra língua para explicar algo que não é
pertencente à língua que está a utilizar.
39
extratextuais e intratextuais. No que diz respeito aos factores extratextuais, são estes que
definem a situação comunicacional do texto e que influenciam a decisão de determinação
da função do texto. Entre os factores extratextuais, Nord distingue em primeiro lugar, o
emissor e o produtor do texto de partida, que muitas das vezes se resume ao próprio autor
do texto. Por vezes, a situação do produtor do texto pode ser atribuída ao tradutor, que,
segundo Nord, apesar de respeitar as instruções que lhe foram fornecidas pelo iniciador,
bem como as normas propostas pela língua de chegada, terá sempre a liberdade de optar
pela sua própria criatividade e preferências estilísticas (NORD, 1991, p. 48).
No que diz respeito à intenção do emissor, sendo este o segundo ponto destacado
por Nord, trata-se do propósito com que o emissor e o produtor elaboraram o texto. É
certo que a intenção do texto de partida, mais do que o seu conteúdo e a forma, é
importante para o tradutor, pois mesmo que o tradutor seja obrigado, por indicação e
instrução do iniciador, a modificar o texto, ele nunca deverá desviar-se da intenção do
emissor.
Outro factor bastante importante na elaboração da análise do texto de partida
direcionada para a tradução, é o recetor do texto. Nord aponta para a consideração de
aspectos como a vertente comunicativa, as expectativas do recetor em relação ao emissor
do texto de partida, a sua posição sociológica e o conhecimento do tema apresentado no
texto, sendo que a especificação do recetor no texto nem sempre pode estar diretamente
ligada ao tipo de texto que está perante o tradutor. No entanto, durante a análise do texto,
após destacar todos os elementos que possam identificar o recetor do texto, existe a
necessidade de prestar especial cuidado quanto ao recetor do texto de chegada, devido às
40
diferenças culturais e linguísticas existentes entre o recetor do texto na língua de partida e
o recetor do texto na língua de chegada:
Every TT recipient will be different from the ST recipient in at least one respect: he is a
member of another cultural and linguistic community. Therefore, a translation can never
be addressed to “the same” recipient as the original. (NORD, 1991, p. 52)
Entre outros factores extratextuais, Nord distingue o meio ou canal através do
qual o texto é comunicado, o tempo e o espaço, o motivo e a função que o texto possa
desempenhar.
Quanto aos factores intratextuais, Nord refere-se à informação semântica presente
no texto, o seu conteúdo, a composição, características lexicais, características supra-
segmentais, a estrutura de frases, elementos não-linguísticos, e a forma como todos este
elementos estão apresentados ao recetor (NORD, 1991, p. 83). Todos estes factores,
incluindo os extratextuais, são enfatizados por Nord para que o tradutor possa tomar
decisões e ter a possibilidade de repensar as mesmas de modo a produzir uma tradução
que corresponda às intenções do iniciador, às expectativas do recetor e desempenhe a sua
função.
A metodologia proposta por Nord gerou alguma crítica no que diz respeito à
aplicação do modelo na tradução do texto literário, contudo, o seu modelo considera-se o
mais completo e fornece uma base metodológica que guia o tradutor durante o processo
tradutório, permitindo-lhe compreender as suas escolhas e justificar as opções que tomou.
41
2.2. A metodologia de Christiane Nord
na tradução do texto A Fear of Dark Water
Como se referiu anteriormente, a análise do texto de partida é bastante relevante
para dar o início ao processo de tradução. É necessário realizar o levantamento de todos
os factores extratextuais e intratextuais para que o tradutor possa compreender e
distinguir os elementos relevantes que tornam o texto tão único e conseguir a sua
recriação na língua de chegada. De modo a demonstrar a relevância da análise do texto no
que diz respeito à tradução literária, foi elaborado o estudo dos factores extra e
intratextuais, com base na metodologia de Christiane Nord e presentes no texto de Craig
Russell, A Fear of Dark Water, que serve de corpo do presente trabalho.
2.2.1 Factores extra e intratextuais
O produtor e emissor deste texto encontram-se indicados na capa do próprio livro,
correspondendo à Editora Arrow Books e ao autor Craig Russell. A editora Arrow Books
faz parte do maior grupo de editoras do mundo, The Random House Group. Trata-se de
uma federação de trinta e uma diferentes empresas editoriais com publicações de mais de
mil e quinhentos livros por ano com compromisso de preservar a cultura e os valores de
cada obra. No que diz respeito à editora Arrow Books, esta é uma das editoras mais bem-
sucedidas do Reino Unido que cresceu, sobretudo, através da publicação de autores
ingleses e americanos como James Patterson, Robert Harris e Kathy Reichs. É neste
quadro que se enquadra o autor da obra A Fear of Dark Water, de Craig Russell, que
iniciou a sua relação com a editora através da publicação do seu primeiro livro Blood
42
Eagle em 2006. Desde então, o autor tem continuado a sua relação com a editora,
publicando os livros da série do detetive Jan Fabel até ao presente momento.
O texto em análise foi publicado em 2012. A capa da obra em questão fornece ao
seu recetor indícios sobre o tipo de livro de que se trata, auxiliando, deste modo, a criação
de determinadas expectativas sobre a leitura, alertando para a existência de mistério, de
crime e do obscuro.
No que diz respeito ao tempo e ao espaço desta obra, sendo esta uma obra
contemporânea, o autor procura introduzir o leitor no mundo quotidiano, apresentando
temas importantes e predominantes da sociedade, entre os quais podem-se distinguir a
tecnologia, a política, a ecologia e o terrorismo. Por vezes, pode-se considerar que o texto
apresenta um carácter biográfico, pois a descrição do mundo do crime bastante realista
deve-se, provavelmente, à experiência do autor como polícia no seu passado. No entanto,
este texto destina-se a um público-alvo inglês na sua generalidade, sendo originalmente
escrito na língua inglesa. Contudo, pode-se considerar que está dirigido a um público, não
só falante da língua inglesa, como também ao interessado por, ou com algumas noções,
da língua e cultura alemã, devido à espacialização do texto em si, cuja ação se desenvolve
em Hamburgo, Alemanha, e às inúmeras referências de língua alemã fornecidas no texto
pelo autor. A escolha da introdução destes elementos não foi realizada ao acaso. Craig
Russel optou por tentar dar a conhecer uma nova visão, modernizada, da Alemanha e da
própria população alemã ao recetor, sendo esta a sua intenção não só no texto em análise,
como também em todos os outros livros da série.
A Fear of Dark Water narra um dos episódios da vida do detetive da
Mordkommission de Hamburgo, Jan Fabel, que mais uma vez se encontra perante um
43
torso brutalmente mutilado. O corpo é descoberto durante os trabalhos de busca e
salvamento após uma enorme tempestade que atingiu e inundou a cidade de Hamburgo a
poucos dias de uma cimeira ambiental. À primeira vista, Fabel considera o torso
descoberto como mais uma vítima de um violador e assassino em série, que seleciona as
suas vítimas através das redes sociais, persegue, assassina e larga os seus corpos no rio
Elba. A investigação de Fabel, tal como os acontecimentos posteriores, levam-no até a
um grupo ativista-terrorista, Pharos, que torna este caso ainda mais complexo e sinistro,
colocando o detetive no mundo da cibertecnologia, que lhe é tão desconhecido, e
tornando-o num indivíduo perseguido por criminosos.
No que diz respeito ao conteúdo, esta obra caracteriza-se pela presença de
elementos da língua alemã, como topónimos (designações de lugares e outros elementos
geográficos), nomes próprios e designações de instituições nela representados, assim
como cargos profissionais mencionados pelo autor ao longo da história, relevantes para a
tradução, que destacam informações acerca da cultura do local da ação.
No que diz respeito à estrutura, esta obra, ao nível macrotextual, está dividida em
cinco partes, epígrafo, prólogo, parte I, parte II e epílogo, perfazendo um total de trinta e
cinco capítulos, narrados na terceira pessoa do singular, heterodiegética, não fazendo
parte da ação e dirigindo-se diretamente ao leitor durante a narrativa do desenlace da
história.
Quanto à forma, esta obra foi escrita de um modo coloquial, com predominância
de marcas de oralidade, com ocorrência de siglas e elementos apresentados em itálico. A
linguagem da escrita pode ser considerada tanto formal como informal, consoante o
contexto específico da ação, com recurso a calão e linguagem tabu, elementos geralmente
44
associados ao mundo da literatura policial. Observa-se também, o recurso a repetições,
expressões idiomáticas e paralelismos. Sendo esta uma obra policial, onde imperam
cenários de carácter criminal, existe a ocorrência frequente ao jargão técnico de cariz
policial, que pode servir, também, para instruir o leitor no mundo da criminologia.
Os quadros que se seguem demonstram, de uma forma breve, os elementos em
análise relevantes para a elaboração da tradução.
45
Quadro I.
Factores Extratextuais
Quem?
(Emissor)
- Relação de coincidência ou diferença entre emissor e produtor do texto
- Pistas provenientes de factores de ambiente textual (ex.: contracapa) ou situacional
- Craig Russell
- Editora Arrow Books ( Grupo Random House)
Para quê?
(Intenção do emissor)
- Extra-textos
- Convenções de acordo com o tipo de textos
- Pistas de contexto situacional (papel comunicativo, tempo, espaço, meio, recetor
intencionado) ou de características intratextuais
- Introdução do leitor no mundo quotidiano
- Apresentação de uma nova visão da cultura
alemã
A quem?
(Destinatário)
- Informações sobre expectativas e formação prévia a partir de ambiente textual e de
outros factores da situação comunicativa
- Diferença entre o recetor do texto de partida e do texto de chegada e a sua
influência nas estratégias de tradução
- Público-alvo inglês
- Público i nteressado por língua e cultura alemã
- Público com noções de cultura e língua alemã
Porque meio?
(Canal)
- Meio escrito ou oral
- Tipo de canal
- Existência da alteração do canal/ meio na tradução
- Meio escrito
- Impressão
- Possibilidade de edição em formato eletrónico
Onde?
(Lugar)
- Informações sobre o local de produção que se infere ser conhecida do recetor do
texto de partida e as transformações decorrentes para o recetor do texto de chegada
- Deíticos relativos ao espaço de comunicação
- Londres, Reino Unido
Quando?
(Tempo)
- Data de produção, publicação e transmissão do texto
- Influência do tempo no reconhecimento de informação pelo recetor do texto de
partida e as transformações a realizar no texto de chegada
- Deíticos relativos ao tempo de comunicação
2012
Porquê?
(Pretexto da
comunicação)
- Motivação interferida a partir do ambiente textual
- Texto intencionado para uma ocasião pontual ou uma ocasião repetida
- Coincidência entre a motivação de produção do texto de partida com a tradução
-Relação entre a motivação e a função do texto (ex.: expressiva, comissiva,
argumentativa, informativa e poética)
-Função textual vs. função da tradução (aprendizagem de língua, ênfase na
denotação em detrimento da conotação, tentativas de homologação, etc.)
Comunicação
Entretenimento
46
Quadro II.
Fatores Intratextuais6
Sobre que?
(Tema)
- Coerência ou multiplicidade de temas
- Existência da hierarquização de assuntos
- Existência da coerência entre o tema e as expectativas extra-textuais ou o ambiente
textual (título, cabeçalho, etc.)
- Universalidade do tema ou associação do tema a um determinado contexto cultural
Crime
Tecnologia
Política
Ecologia
Terrorismo
O quê?
(Conteúdo/ dimensão
referencial ou
denotativa)
- Tipo de unidade de informação
- Falhas de coerência (paradigma) ou coesão (sintagma). Possibilidade de supressão
ou reconstrução de informações em falta (paráfrase)
- Relevância de elementos conotativos
Elementos de língua alemã
Elementos verbais relacionados com os temas
predominantes
Por que ordem?
(Estrutura textual)
- Molduras textuais
- Interações textuais (citações, exemplos, notas de rodapé)
- Relação com convenções de tipo de texto
- Unidades de texto e unidades de tradução
- Marcadores de composição textual e conectores
- Epígrafo
- Prólogo (4 capítulos)
- Parte I (18 capítulos)
- Parte II (13 capítulo)
- Epílogo
Elementos não verbais - A função das imagens, gráficos, sinais tipográficos, espaços em branco
- Especificidade cultural e/ou de tipo textual destes elementos
- Marcas de oralidade
- Itálicos
- Siglas
Com que palavras?
(material lexical)
- Campo semântico determinado pelo tema ( palavras-chave)
- Palavras compostas, colocações, nomes próprios, expressões idiomáticas,
perífrases, eufemismos
- Factores extratextuais que determinam o léxico (jargão técnico, arcaísmos, etc.)
- Elementos lexicais indicativos de registo de texto e de interesse estilístico do autor
- Léxico coloquial
-Topónimos
- Nomes próprios
- Designações; Cargos profissionais
- Expressões idiomáticas
Com que frases?
(Recursos
morfológicos)
- Ordem frásica da língua de partida
- Estruturas frásicas convencionais de tipos textuais
- Tipos frásicos predominantes, subordinação ou coordenação frases curtas/longas
- Frases simples e compostas/ curtas e longas
- Registo formal e informal consoante o contexto
- Repetições
6 *Quadros retirados da Antologia de Textos Literários fornecida no âmbito da cadeira de Tradução Literária ministrada pela Professora Doutora Margarida
Vale de Gato.
47
CAPÍTULO III
A Fear of Dark Water: um passo até à tradução
Normas, estratégias e problemas de tradução
3.1 Normas de tradução: uma tradução bem sucedida
Como vimos, o capítulo anterior trata de um dos métodos indispensáveis para
a elaboração da tradução referida no presente projeto. Contudo, não basta apenas
realizar a análise textual para conseguir uma tradução bem-sucedida, pois é evidente
que o processo tradutório exige muito mais do que uma mera análise. Trata-se da
tomada de decisões por parte do tradutor que irão influenciar a qualidade da sua
tradução. No entanto, surge a questão de como se avalia a qualidade de uma tradução?
Ao longo da sua história, a teoria da tradução procurou estabelecer diretrizes
para a elaboração de uma boa tradução, estabelecendo o conceito de normas que se
transformou gradualmente num critério (não perscretivo) de avaliação da qualidade de
uma tradução, deixando de parte os conceitos “equivalência” e “fidelidade”.
A primeira noção de normas surgiu no final da década dos anos 60 do século
XX, no ensaio de Jiři Levý, “Translation as a Decision Process” (1967), sendo
desenvolvida e introduzida nos Estudos de Tradução por Gideon Toury (HERMANS,
1996). No entanto, é importante definir em que consistem as normas. Segundo Theo
Hermans, as normas podem ser consideradas entidades psicológicas e sociais que
desempenham um papel crucial na interação entre pessoas. Por outras palavras, pode
se dizer que as normas são um conjunto de regras e convenções que dispõem de uma
“função social reguladora”.
48
[Norms] help to bring about the coordination required for continued coexistence with
other people. In doing so norms ‘safeguard the conditions of social coexistence’, for
they usefully mediate between the individual and the collective sphere, between an
individual’s intentions, choices and actions, and collectively held beliefs, values and
preferences. Moreover, norms and conventions contribute to the stability of
interpersonal relations, and hence of groups, communities and societies, by reducing
contingency, unpredictability, and the uncertainty which springs from our inability to
control time or to predict the actions of fellow human beings. (HERMANS, 1996, p.
26)
No que diz respeito à questão das normas de tradução, estas desempenham um
papel de grande importância. Tratando-se de uma área que abrange uma enorme rede
de agentes sociais, sendo estes pessoas singulares ou grupos com determinados
preconceitos e interesses, a tradução dispõe de um valor cultural, obrigando o tradutor
a possuir todas as capacidades necessárias para desempenhar adequadamente um
papel de intermediário sociocultural, optando por decisões e escolhas que lhe
permitam alcançar o seu objetivo. Contudo, para bem suceder dentro de uma
comunidade, o tradutor deve operar dentro das normas propostas pela cultura e língua
de chegada, de modo a que a sua tradução seja aceite nessa mesma comunidade.
Como foi anteriormente referido, o conceito de norma na prática da tradução
foi desenvolvido por Gideon Toury, com o intuito de compreender o comportamento
tradutório. Num contexto analítico e descritivo, o teórico descreve as normas não
como sendo um conjunto de regras, mas sim ferramentas que podem ajudar o tradutor
a explorar os valores e ideias de uma comunidade. Toury define a tradução como uma
atividade regulada por normas, e são elas que “determinam o tipo e a extensão de
equivalência manifestada nas traduções” (TOURY, 1995, p. 61). Por normas, não se
49
deve entender um conjunto de regras prescritivas, mas sim uma categoria de análise
que descreve o comportamento de todo o processo tradutório.
(…)Translation itself, whereby any kind of realization (…) regarded as historically,
socially and culturally determined; in brief, as norm-governed. (TOURY, 1998, p.
13)
Em suma, as normas representam o que é considerado “certo ou errado,
adequado, natural, inadequado, inconveniente ou impróprio” (TOURY, 1995, p. 55).
Podem variar consoante o tempo e a cultura, pois absorvem diferentes graus de
padronização e de generalização de acordo com cada cultura, grupo e pessoa. Assim,
e devido ao envolvimento de vários grupos linguistico-culturais, o tradutor é obrigado
a conhecer as normas tanto da cultura de partida como da de chegada, pois todas as
suas decisões, governadas por essas mesmas normas, irão afetar as expectativas do
público-alvo em relação ao texto traduzido.
Toury distingue três tipos de normas de tradução: normas iniciais, normas
preliminares e normas operacionais. As normas iniciais determinam o rumo global do
tradutor perante um texto, localizando-o entre a escolha, segundo Toury, da tradução
em adequação ou da tradução em aceitabilidade. Por outras palavras, as normas
iniciais ajudam o tradutor a definir a direção da sua tradução no sentido de torná-la
mais adequada, dando prioridade à língua e cultura de partida ou, então, traduzir em
aceitabilidade, aproximando o texto às normas da língua e da cultura de chegada. Por
outro lado, o tradutor pode sempre optar por uma solução intermediária, respeitando
as normas de ambas as línguas e culturas. Assim, podemos concluir que as normas
iniciais são caracterizadas pela necessidade do tradutor de optar pela direção que a sua
tradução irá tomar, o que irá determinar as suas decisões, políticas e estratégias em
50
função do lugar que a tradução do texto pretende ocupar na cultura e língua de
chegada.
Quanto às normas preliminares, Toury considera-as como as normas que
antecedem o processo de tradução, tais como, a seleção de textos, autores, os géneros
a traduzir, assim como a determinação da estratégia global para inserção da tradução
na língua e cultura de chegada, que depende dos fatores extraliterários, confinados e
determinados em contextos espaço-temporais ou do grau de necessidade coletiva. Por
norma, estas decisões não são tomadas pelo próprio tradutor, mas sim por editoras ou
outras instituições envolvidas no processo de elaboração da tradução, de maneira a
que esta possa corresponder a todas as expectativas do público-alvo. Do mesmo
modo, as normas preliminares determinam o tipo da tradução a efetuar, ou seja, se
esta será uma tradução direta, como é no caso da tradução do texto de Craig Russell,
A Fear of Dark Water, do inglês para português, ou uma tradução indireta, isto é, uma
tradução realizada a partir de uma outra tradução já existente numa outra língua.
No que diz respeito ao terceiro grupo de normas proposto por Gideon Toury,
as normas operacionais são aquelas que direcionam a tomada de decisões durante a
negociação tradutória. O que distingue as normas operacionais das preliminares, é o
facto de estas últimas serem consideradas antes do processo de tradução, enquanto
que as normas operacionais são consideradas durante todo o processo de tradução, e
não só após a sua conclusão:
Operational norms concern decisions made during, rather than prior to, the atual act
of translation. (BAKER, 1998, p. 164)
Estas normas servem de modelo para a construção da tradução,
proporcionando uma estrutura/base a partir da qual o texto traduzido ganhará a sua
51
forma. Toury divide as normas operacionais em dois grupos: normas matriciais e
normas linguistico-textuais. Segundo o teórico, são estas que estabelecem uma relação
entre o texto traduzido e o texto original. As normas matriciais determinam todas as
adições, omissões, alterações e segmentações realizadas em relação ao texto de
partida. Prestam auxílio na determinação da macroestrutura do texto e envolvem a
tomada de decisões relacionadas com a tradução de determinados elementos, a divisão
em capítulos e em parágrafos, etc.
As normas linguístico-textuais, segundo Toury, governam as opções
linguísticas e estilísticas. Por outras palavras, afetam o texto ao nível microtextual,
como a construção das frases, a escolha do léxico, a utilização dos marcadores
textuais, como o itálico ou negrito, empregues para dar ênfase ou destacar algum
pormenor importante.
A tarefa de tradução coloca o tradutor diante de uma tomada de decisões
importantes que exigem muita responsabilidade em função do objetivo da tradução. É
indispensável o conhecimento e a capacidade de lidar com as normas que se referem
ao tipo de tradução a exercer, bem como com os padrões e parâmetros do meio sócio-
cultural dentro do qual essa mesma tradução será inserida. Assim, gostaria de concluir
que o conceito de normas é bastante importante no exercício de tradução. Elas [as
normas] prestam auxílio na orientação do próprio processo e na tomada de decisões,
sobretudo durante o processo de tradução de textos literários, ao nível de importação e
exportação de elementos, considerando os valores, códigos, crenças e costumes de
uma comunidade, que possam influenciar a qualidade da sua tradução. Por outras
palavras, para elaborar uma tradução, o tradutor deve definir e compreender o
propósito da mesma. Essa compreensão é baseada numa profunda familiaridade com
52
as normas estabelecidas pela cultura e a língua de chegada que permitem selecionar
um método de tradução adequado e tomar decisões apropriadas, aplicando-as durante
o processo de transferência, garantindo, assim, uma tradução coerente.
Desta forma, apesar da minha escolha de pretender aproximar o leitor o
máximo possível do texto original, preocupei-me em respeitar as normas propostas
pela língua portuguesa de modo a que o leitor possa compreender melhor o texto e o
seu sentido.
3.2 Problemas e estratégias de tradução
Antes de enumerar os problemas, também denominados por dificuldades de
tradução, ocorridos ao longo do processo tradutório dos capitulos do livro de Craig
Russell, A Fear of Dark Water, é importante perceber o que são os problemas de
tradução, assim como as estratégias de tradução e o papel que estas desempenham
durante o processo da mesma. De seguida, será efetuado o levantamento e a análise de
problemas ocorridos durante a tradução do texto, tendo por base as estratégias de
tradução propostas por Andrew Chesterman.
As estratégias de tradução entendem-se como métodos de resolução de
problemas ocorridos durante o processo de tradução de um texto e referem-se às
formas de manipulação textual, que interagem com os elementos cruciais do
conhecimento do tradutor, assim como com a sua consciência crítica do estilo e do
conteúdo do texto, as convenções linguísticas, o registo e as instruções da língua de
chegada. As estratégias podem ser divididas em dois grupos: estratégias globais e
estratégias locais.
53
3.2.1 Estratégias globais e estratégias locais
No que concerne às estratégias globais, estas relacionam-se com o texto na sua
generalidade, ou seja, o modo como o tradutor pretende solucionar as dificuldades,
aproximando-se da língua de partida, traduzindo em adequação, privilegiando a
literalidade durante o processo tradutório, isto é, o rigor e a fidelidade ao texto de
partida tão exigidos ao tradutor ao longo da sua história; ou aproximando-se da língua
de chegada, reformulando o texto de modo a adaptá-lo à sintaxe e ao estilo da língua
de chegada (tradução em aceitabilidade).
Embora não deixando de procurar o rigor, muitos tradutores optam pela
aceitabilidade, não só para facilitarem o trabalho do leitor como também, e, muitas
vezes, por receio de críticas do público ou dos seus pares.
É de relembrar que, na tradução dos excertos do livro A Fear of Dark Water
de Craig Russel, se optou por uma combinação destes dois métodos, tentando
respeitar a estrutura do texto original e adequando-o às normas da língua de chegada,
a língua portuguesa, de modo a facilitar a compreensão do texto e o seu sentido pelo
público em geral.
No que diz respeito ao segundo grupo de estratégias, as estratégias locais,
estas relacionam-se com os segmentos do próprio texto, como o léxico, as orações e
as frases. Chesterman categoriza estas estrategias em três grupos: estratégias sintáticas,
semânticas e pragmáticas.
As estratégias sintáticas tratam, sobretudo, das “alterações meramente
sintáticas” e “manipulações da forma” do texto:
[Syntactic strategies] These may be thought of as involving purely syntactic changes
of one kind or another. Larger changes obviously tend to involve smaller ones too.
Syntactic strategies primarily manipulate form. (CHESTERMAN, 1997, p. 94)
54
Por outras palavras, são mudanças estruturais em termos de sintaxe que se
preocupam mais com a organização das unidades textuais e menos com o seu
significado. Dentro deste grupo de estratégias, Chesterman distingue dez subtipos:
tradução literal, empréstimo, transposição, mudança de tipo e organização de unidade,
mudança de estrutura sintagmática, mudança de estrutura oracional, mudança de
estrutura frásica, mudança de coesão e alteração de padrões de repetição e padrões
rítmicos.
As estratégias semânticas, sendo esta a segunda categoria, resumem-se a
alterações realizadas ao nível lexical e semântico, que manipulam o significado
(CHESTERMAN, 1997, p. 101). Entre as estratégias propostas, podemos distinguir a
sinonímia, antonímia, hiponímia/hiperonínima, mudanças ao nível distribucional,
mudança de ênfase, mudança de grau de abstração, mudança de tropo, entre outras.
Por fim, o terceiro, e último grupo de estratégias de tradução, propostas por
Andrew Chesterman, as estratégias pragmáticas, resumem-se a alterações
relacionadas com as informações do texto de chegada.
By pragmatic strategies I mean those which primarly have to do with the selection of
information in the TT, a selection that is governed by translator’s knowledge of the
prospective readership of the translation. (..) they tend yo involve bigger changes
from the ST and tipically incorporate sintatic and/or semantic changes as well.
(CHESTERMAN, 1997, p. 107)
Assim, podemos dizer que as estratégias pragmáticas relacionam-se com as
decisões globais do tradutor no que diz respeito à seleção de informações e
manipulação do conteúdo, permitindo introduzir maiores alterações no texto de
chegada em relação ao texto de partida. Dentro deste grupo de estratégias,
Chesterman distingue filtragem cultural (adaptação de elementos culturais específicos
55
da cultura de partida à cultura de chegada, naturalização), mudança de grau de
explicitação (explicitação de elementos que estão implícitos no texto de partida),
mudança de informação (adição ou omissão de informações pertinentes ou relevantes,
respectivamente), mudança de visibilidade (comentários, notas introduzidas pelo
tradutor), transedição (correções efetuadas em relação ao texto de partida quando este
está escrito incorretamente), tradução parcial (tradução de sons e transcrições),
mudança interpessoal (alteração do nível de formalidade, emoção, relação texto/autor
e leitor), mudança de coerência e mudança ilocutória (alteração de atos de fala), entre
outras.
Assim, partindo das propostas de Andrew Chesterman, serão apresentadas,
nos pontos seguintes, as dificuldades ocorridas ao longo da tradução acompanhadas
pela respetiva análise e estratégia(s) aplicadas para a sua solução7.
3.2.2 Tradução de referências histórico-culturais e culturemas
Tal como foi referido no capítulo introdutório do presente projecto, uma das
características predominantes da obra de Craig Russell, A Fear of Dark Water, e que
pode ser considerada o primeiro desafio no que diz respeito ao alcance da tradução
final, é a existência de marcas típicas às quais o autor recorre com frequência ao longo
do texto. Estas marcas são designadas por culturemas ou marcas culturais. No entanto,
a necessidade de compreender o que são os culturemas e que função desempenham
num texto é de grande importância.
Nas últimas décadas, a questão dos culturemas ocorre com bastante frequência,
tanto no ramo dos Estudos de Tradução, como nos Estudos Culturais e de Fraseologia.
7 Os exemplos que se seguem não se encontram agrupados consoante a classificação de Andrew
Chesterman, mas sim, pela tipologia de problema.
56
Por definição, os culturemas entendem-se como elementos culturais específicos de um
determinado país ou área, ou seja, pertencem ao quotidiano, história, tradições e
costumes de uma determinada comunidade. Estas marcas exprimem-se em vocábulos
e expressões típicas de uma cultura que, em termos de estrutura sintática e pragmática,
apresentam uma grande complexidade e, por isso, exigem um conhecimento
contextual adicional. De acordo com Hans Vermeer (1983, p.8), os culturemas
apresentam-se como um fenómeno social da cultura X, considerado relevante pelos
membros dessa mesma cultura e que, ao ser comparado a um fenómeno social
correspondente na cultura Y, é considerado como sendo típico e específico da cultura
X. Os culturemas são, então, elementos que acarretam um valor simbólico relevante
no seio de uma comunidade, segundo Nadal (2009), a partir de figuras e personagens
reais ou ficcionais, determinados acontecimentos de caráter histórico, religioso, social,
político, folclórico, literário, etc., com um longo período de existência dentro de uma
cultura. Por outras palavras, os culturemas podem ser considerados símbolos extra-
linguísticos que servem de modelo para a criação e interpretação da realidade através
de expressões figuradas na língua e cultura a que pertencem. No entanto, ao referir
culturemas, também se deve considerar a natureza da palavra cultura e que relação
esta estabelece com a tradução.
Existem inúmeras definições do conceito de cultura e isso deve-se à
abrangência do seu skopos e à impossibilidade de uma definição mais consensual por
parte da teoria. Contudo, Larry Samovar e Richard Porter, no seu trabalho
Intercultural Communication, propõem uma definição que pode ser considerada mais
adequada ao domínio da tradução:
[Culture:] The deposit of knowledge, experience, beliefs, values, attitudes, meanings,
hierarchies, religion, notions of time, roles, spatial relations, concepts of the universe,
57
and material objects and possessions acquired by a group of people in the course of
generations through individual and group striving. (SAMOVAR L., 1997, p. 12)
Assim, definida como um conjunto de ações, a cultura é um código simbólico
através do qual é possível transmitir e interpretar mensagens. No que diz respeito à
tradução, a cultura desempenha um papel importante, permitindo reconhecer,
experimentar ou investigar os hábitos linguísticos e extralinguísticos, as
idiossincrasias e os mecanismos inconscientes que podem estar por detrás da
produção e receção do texto de partida e do texto de chegada.
Por outras palavras, trata-se de uma relação intercomunicacional que envolve
duas línguas distintas, cada uma com a sua particulariedade e hábitos diversificados,
cabendo ao tradutor, como mediador cultural, a transferência destes valores culturais
de uma língua para outra (KATAN, 2004), tornando, desta forma, a atividade
tradutória indispensável.
3.2.2.1 Os culturemas na obra A Fear of Dark Water de Craig Russell
A obra A Fear of Dark Water, tal como os restantes livros desta colecção, é
bastante rica em marcas culturais (apresentadas sob a forma de nomes, topónimos,
tradições, entre outros), tornando-a num texto literário que causa estranhamento ao
leitor durante a leitura, quer durante a leitura da obra na língua de partida, quer na
língua de chegada. Devido a este facto, o tradutor deve tomar decisões acerca da
tradução das marcas culturais presentes no texto. Por outras palavras, pode decidir
preservá-las, permitindo, assim, ao leitor um contacto mais autêntico com o texto,
com a cultura a que este pertence, e com as diferenças entre as duas culturas ou, então,
pode optar por adaptá-las à cultura de chegada. Segundo Chesterman, estas duas
58
soluções relacionam-se com a questão da visibilidade do tradutor, para a qual propõe
uma estratégia de mudança de visibilidade. Chesterman refere-se à presença explícita
do tradutor no texto de chegada por meio de marcas, como notas de rodapé,
informações apresentadas entre parêntesis, etc., que revelam a intransparência do
tradutor ao longo da obra.
A existência de várias referências a acontecimentos históricos, a outros textos
e a outros autores literários observa-se com grande frequência e pode, até, dificultar o
processo de tradução e, posteriormente, a compreensão da mesma por parte do leitor e,
a obra de Craig Russell não é exceção. Assim, de modo a não haver um desvio das
intenções do autor, optou-se por transferir todas estas marcas e referências culturais
para o texto de chegada sem a utilização de estratégias de equivalência
descritiva/funcional, recorrendo, no entanto, e, em alguns casos, a notas de rodapé que
explicitam o significado da carga cultural. Por outro lado, algumas das referências
culturais não são especificamente “nacionais”, isto é, aquelas que não oferecem
qualquer resistência no momento da tradução, que são menções a pessoas, lugares,
obras de arte e até a figuras marcantes da cultura ocidental que continuam a fazer
parte do imaginário da população. Obviamente, algumas destas referências poderão
levantar problemas no que diz respeito à compreensão por parte do leitor, contudo,
não cabe ao tradutor, salvo instruções em contrário, por parte do editor ou do cliente,
resolver esta lacuna. Desta forma, veremos os casos de ocorrência de marcas culturais
ao longo da tradução8:
8 Para conveniência de apresentação dos exemplos de problemas ocorridos ao longo do
processo tradutório, as siglas TP e TC representam o Texto de Partida e o Texto de Chegada,
respetivamente.
59
Tabela 1 – Exemplos de ocorrência de marcas culturais:
TP: TC:
1. When she reached the door of Demeril
Importing, she took a second key from
her bag and let herself in through an
ornate Jugendstil door. (p. 13, Anexo II)
1. Ao chegar à porta de Importações
Demeril, Meliha tirou outra chave da
bolsa e abriu a porta ornada em
Jugendstil.(p. vi, Anexo I)
2. There was a robust, ornate wooden
desk and a kilim-upholstered chair near
the door; the desk was piled high with
paperwork and ledgers, bills and orders
impaled on two spikes. (p. 13, Anexo II)
2. Havia uma robusta e adornada
secretária de madeira e uma cadeira
estofada em kilim perto da porta. A
secretária estava coberta de papelada e
registos, contas e encomendas
empilhadas em dois pregos. (p. vii,
Anexo I)
Nos exemplos apresentados são mencionados dois tipos de marcas culturais
distintos que, no entanto, são de grande valor para as suas culturas de origem e que
não oferecem qualquer tipo de resistência no momento da tradução. O termo
Jugendstil refere-se a um estilo de arte decorativa bastante popular nas décadas de
1890 e 1910, também conhecido por Art Noveau. Este termo recebeu o seu nome
graças à revista Jugend, a principal promotora do estilo na Alemanha, que influenciou
a arte deste país. Quanto ao segundo exemplo, a palavra kilim é uma das marcas
culturais de origem turca que atuam como modo de reforçar a identidade de uma das
personagens da obra. Este termo serve para designar tapetes de lã sem veludo,
fabricados sobretudo na Turquia e no Irão. Apesar da existência de um equivalente em
português para Jugendstil -“arte nova”, e a possibilidade de incompreensão do termo
60
kilim por parte do leitor, optou-se pela preservação das suas formas originais, de
modo a manter a intenção do autor. Nos exemplos que se seguem, observaremos
ainda outros problemas específicos da tradução a par de culturas.
Tabela 2 – Exemplos de ocorrência de marcas culturais:
TP TC
1. This morning, he was even more tense:
Susanne was attending a seminar at the
Federal Crime Bureau in Wiesbaden and
he had agreed to run her to the airport to
catch her early-morning flight to
Frankfurt. (p. 26, Anexo II)
1. Esta manhã, estava ainda mais tenso:
Susanne ia para um seminário do
Departamento Federal de Crime em
Wiesbaden e ele tinha-lhe prometido que
a levava até ao aeroporto para apanhar o
primeiro voo para Frankfurt. (p.xiii,
Anexo I)
2. Rather than battle through the city,
Fabel headed out along Behringstrasse
and onto the A7 Autobahn. (p. 29,
Anexo II)
2. Em vez de batalhar pela cidade, Fabel
guiou ao longo da Behringstrasse, que o
conduziria até à Autobahn A7. (p.xvii,
Anexo I)
Nestes exemplos deparamo-nos com a questão da traduzibilidade de nomes
próprios que, certamente, pode apresentar-se como uma grande dificuldade durante o
processo tradutório. É de notar que quando se refere o termo “nomes próprios”, não se
refere apenas os nomes de pessoas, mas também os de lugares –
topónimos, hidrónimos, corónimos, etc. É indispensável relembrar que os nomes
próprios sempre desempenharam um papel crucial para a identificação de pontos de
referência entre a comunicação intercultural e a tradução, ajudando a ultrapassar as
barreiras estabelecidas entre as línguas, exprimindo a complexidade da sua estrutura
61
semântica e as particularidades formais e etimológicas, e inúmeros nexos com outras
unidades e categorias da língua a que pertencem. Por estas razões, a questão da
traduzibilidade de nomes próprios desde sempre tem originado inúmeras discussões
no campo da teoria da tradução. Para uns, a sua tradução é inválida, devido às
particulariedades, que podem facilmente ser perdidas no ato de transferência para
outra língua. Para outros, a tradução de nomes próprios é indispensável, como por
exemplo, para Rebelo Gonçalves, que propôs dar um “uso normal às formas
vernáculas de apelidos estrangeiros de renome, designadamente de escritores, eruditos
e cientistas, sempre que essas formas tenham tradição ou, embora não a tendo,
resultem de correto aportuguesamento.” (GONÇALVES, 1966). Segundo Hermans
(1988), a tradução de nomes próprios no ramo da tradução literária pode ser dividida
em duas categorias: convencional e intencional. No primeiro caso, trata-se de uma
utilização de nomes próprios sem qualquer motivação no que diz respeito à sua
origem e significado, enquanto que a segunda categoria trata de nomes próprios com
um carácter sugestivo e expressivo, que se associam a uma determinada cultura ou
meio histórico-cultural. De modo a facilitar a tomada de decisão por parte do tradutor
no que toca a este assunto, os princípios contemporâneos de técnicas de tradução
propõem a utilização de estratégias como a substituição, a recriação, a transliteração,
a transcrição, a tradução e a aproximação fonética. No entanto, de modo a reforçar o
local e a cultura da ação da obra, o autor faz questão de referir nomes próprios,
antropónimos e topónimos, na sua forma original, como por exemplo: Jan, Werner,
Niels, Berthold Müller-Voigt, Elbe, Köhlbrandbrücke, Schanzenviertel, etc. A
permanência dos nomes na sua forma original, sem efetuar a transferência para outro
solo linguístico e, deste modo, preservando a sonoridade, pode facilitar a sua
identificação e atribuição de sentido. Assim, de modo a preservar o valor cultural do
62
texto de partida intencionado pelo autor, optou-se por transferir os nomes próprios
presentes na obra na sua forma original (ver Tabela 2, exemplos 1 e 2), com a exceção
de Hamburgo (p. iii) e Baviera (p. xvi), pois estes fazem parte das regiões/cidades
traduzidas para português que constam no Código de Redação Interinstitucional do
Português em uso na União Europeia. Contudo, não deixa de ser importante referir
que alguns, se não muitos, dos possíveis leitores desta obra não dispõem de
conhecimento suficiente da língua alemã para identificar e associar facilmente as
palavras apresentadas nesta língua, cuja tradução em português corresponde a
barragens, rias, pontes, etc, que estão acompanhadas pelo respectivo nome próprio.
Nesse caso, e de modo a não ocorrer um desvio da intenção acima referida, recorreu-
se à utilização de notas de rodapé de modo a esclarecer possíveis dificuldades quanto
à compreensão do texto, como consta nos exemplos 3 e 4 da Tabela 3.
Tabela 3 - Exemplos de ocorrência de marcas culturais com recurso a notas de
rodapé:
TP TC
1. I get the text and within a few hours a
body is found floating in the
Poppenbütteler Schleuse. (p. 156,
Anexo II)
1. Recebi a mensagem e poucas horas
depois aparece um corpo a boiar na
Poppenbütteler Schleuse. (p. xxi,
Anexo I)
2. There had been a single unmarked
surveillance unit outside the squat since
Niels Freese had taken a dive off the
Köhlbrandbrüke the afternoon before.
(p. 309, Anexo II)
2. Havia apenas uma unidade de
vigilância não identificada perto do
edificio depois de Niels Freese mergulhar
da Köhlbrandbrücke no dia anterior.
(p.xxiii, Anexo I)
63
Por outro lado, apesar da preferência em preservar as marcas e as referências
culturais constantes no texto de partida, recorreu-se, em alguns casos, a estratégias,
como a filtragem cultural, para que os elementos problemáticos pudessem
corresponder às normas da língua de chegada e não causar estranhamento ao leitor.
Segundo Chesterman, esta estratégia pode ser considerada como uma naturalização,
domesticação ou adaptação. Por outras palavras, apresenta a forma como alguns
elementos da cultura de partida são introduzidos e traduzidos na e para a língua e
cultura de chegada, quer por via de equivalências funcionais, quer por via de
exotização, estrangeirização ou estranhamento. (CHESTERMAN, 1997, p. 108).
Assim, devido às diferenças estabelecidas entre a língua de partida e a língua
de chegada, optou-se por “normalizar” alguns elementos do texto de partida, como
por exemplo o formato de fuso horário, pertencente à cultura anglo-saxónica, de 12
horas, dividido em dois períodos a.m (ante meriediem-antes do meio-dia) e p.m (post
meriediem-depois do meio-dia). Visto que a norma utilizada na cultura de chegada é o
formato de 24 horas, considerou-se necessário efetuar esta adaptação de modo a
simplificar a compreensão por parte do leitor.
Tabela 4 - Exemplos de tradução realizada por via de filtragem cultural:
TP TC
1. It wasn’t fully light and he switched on
the bedside lamp; checking his watch, he
saw it was just before six a.m. (p. 155,
Anexo II)
1. Ainda era de noite, por isso ligou o
candeeiro que estava na mesa de
cabeceira. Olhando para o relógio, viu
que faltava pouco para as seis da manhã.
(p. xx, Anexo I)
64
2. Fabel looked up at the seven a.m. sky.
(p. 308, Anexo II)
2. Fabel olhou para o céu das sete da
manhã. (p. xxiii, Anexo I)
3.2.3 Problemas de carácter semântico
O léxico é considerado parte do património histórico-cultural de uma língua.
Através dele é possível reconhecer os valores e hábitos praticados por uma
comunidade, demonstrando, assim, a forma como essa mesma comunidade visualiza o
mundo em seu redor. Sendo um fenómeno que se movimenta de uma forma dinâmica
no espaço e no tempo, o léxico torna as línguas particulares e singulares, dificultando,
assim, a sua relação (lexical) entre as línguas. No que diz respeito à tradução, vimos
que o léxico pode apresentar um grande desafio para o tradutor em termos semânticos
no que toca à transferência do seu sentido da forma mais correta e adequada. Nesse
sentido, e perante dificuldades de carácter semântico, Chesterman sugere que o
tradutor recorra às estratégias semânticas Estas resumem-se por alterações ao nível
lexical que podem “manipular o sentido das frases”. (CHESTERMAN, 1997, p. 101),
e, dentro das quais, Chesterman, baseando-se no conceito de modulação de Vinay e
Darbelnet, distingue técnicas como sinonímia, antonímia, hiponímia, paráfrase,
mudança do grau de abstração, distribuição e ênfase, entre outras. Tratando-se de um
texto literário repleto de vocábulos que apresentam diferenças linguísticas entre a
língua de partida e a língua de chegada, recorreu-se à utilização de algumas das
estratégias semânticas propostas por Chesterman, de modo a transferir o sentido
correto do texto de partida. Consideremos os seguintes exemplos:
65
Tabela 5 – Exemplos de tradução realizada por via de sinonimia:
TP TC
1. For a sliver of a second she wondered
if she had slept all night and if what she
had heard was the arrival of the
warehouse staff; but it was still dark. (p.
14, Anexo II)
1. Durante uma fração de momento
questionou-se se dormira durante a noite
toda e se o que ouvira era a chegada dos
funcionários do armazém. Contudo,
ainda era de noite. (p. vii, Anexo I)
2. Fabel realised that he recognised the
male voice from somewhere in his fully
awake world but, for now, he was too
sleepy to concentrate on locating it. (p.
25, Anexo II)
2. Fabel sabia que conhecia a voz
masculina de algum lugar do seu mundo
plenamente consciente mas, por agora,
estava demasiado ensonado para se
concentrar em localizá-la. (p. xii, Anexo
I)
3. At the very least, it would send her
pursuers on a false trail. (p.11, Anexo II)
3. No minimo, isso colocaria os seus
perseguidores na direção errada. (p. iv,
Anexo I)
Verifica-se, nos exemplos apresentados, o recurso à sinonímia. Embora o
léxico/expressões “it was still dark”, “recognised” e “false trail” possuirem um
correspondente na língua de chegada, considerou-se a sua substituição por um
sinónimo ou um lexema da mesma categoria morfosintática e significado equivalente,
de modo a se adequar melhor ao texto, clarificando o seu sentido, enriquecendo, assim,
o texto de chegada. Por outro lado, pelo mesmo motivo de uma melhor adaptação ao
texto de chegada, houve uma necessidade de se recorrer à antonímia, como se verifica
nos exemplos que se seguem:
66
Tabela 6 – Exemplos de tradução realizada por via de antonímia:
TP TC
1. If that baby or one of her bigger
brothers really blows, then it could be
winter for years. (p. 30, Anexo II)
1. Se aquele bebé ou um dos seus irmãos
mais velhos rebentarem, mas mesmo a
sério, deixaremos de ter verão durante
anos. (p. xvii, Anexo I)
Tal como o nome indica, os antónimos demonstram uma relação de oposição
existente no texto. Por norma, recorre-se a antónimos no caso de a frase do texto de
partida possuir um valor negativo, apresentando-se, no entanto, sob a forma de uma
frase afirmativa, tal como acontece no exemplo acima apresentado.
Entre outras estratégias aplicadas para a solução deste tipo problemas/
dificuldades ocorridos ao longo da tradução, realizaram-se alterações ao nível do grau
de abstração e do grau de distribuição. Segundo Chesterman, a mudança de grau de
abstração caracteriza-se pela atribuição de um grau de abstração maior ou menor no
texto de chegada em relação ao texto de partida. Isto pode provocar alterações no
texto de chegada, pois parte-se de um grau abstrato para um grau mais concreto e
vice-versa, tal como acontece nos seguintes exemplos:
Tabela 7 – Exemplos de tradução realizada por via de mudanças de grau de
abstração:
TP TC
1. Whatever the sound had been, she had
been asleep and now she was totally,
1. Qualquer que fosse o som, ela
adormecera e agora estava totalmente e
67
nerve-janglingly awake. (p. 14, Anexo
II)
estridentemente acordada. (p. vii,
Anexo I)
2. Muscle-achingly slowly, she eased the
textile roll diagonally across in front of
her, like the bar of a gate. (p. 15, Anexo
II)
2. De uma forma dolorosamente lenta,
colocou o rolo na diagonal à sua frente,
como se fosse a barra de um portão. (p.
ix, Anexo I)
Relativamente à mudança do grau de distribuição, isto diz respeito a alterações
realizadas ao nível dos componentes semânticos em relação à quantidade dos seus
elementos. Por outras palavras, realiza-se uma expansão ou uma compressão de
expressões durante a tradução em relação às expressões utilizadas no texto de partida.
Desta forma, consideremos os seguintes exemplos onde se recorreu à estratégia de
mudança de grau de distribuição na tradução dos excertos do livro A Fear of Dark
Water:
Tabela 8 – Exemplos de tradução realizada por via de mudanças de grau de
distribuição:
TP TC
1. Luxury congestion: from the number
of Range Rovers and battleship-sized
Mercs and Lexuses, Fabel guessed that
most of the usual commuter traffic from
the affluent suburb of Blankenese, a little
further upriver and upmarket from his
Ottensen flat, had been redirected away
1. Uma congestão de luxo devido ao
número de Range Rover, Mercedes e
Lexus do tamanho de um navio de
guerra. Fabel percebeu que a maior parte
do habitual tráfego afluente do subúrbio
da Blankenese, situado um pouco acima
do rio e do seu apartamento em Ottensen,
68
from the Elbchaussee, the main route
running along the side of the river. (p.
30, Anexo II)
tinha sido desviado da Elchaussee, a
estrada principal que se estendia pela
da marginal. (p. xviii, Anexo I)
2. He had been dreaming: a dream about
sitting in the house he’d grown up in in
Norddeich, in his father’s old study,
talking with a young man whom Fabel
knew was dead and who knew it
himself. (p. 25, Anexo II)
2. Tinha estado a sonhar: um sonho em
que estava na casa onde crescera, em
Norddeich, estava sentado no velho
escritório do seu pai, a conversar com um
jovem, que ambos sabiam que tinha
morrido. (p. xii, Anexo I)
3. The report on the TV was of serious
flooding all along the banks of the Elbe.
There was footage of the flood defences
down by the harbour and the
Fischmarkt being deployed. (p. 26,
Anexo II)
3. As notícias na televisão estavam a
relatar as cheias nas margens do Elbe. As
imagens demonstravam as barreiras de
proteção junto ao porto que tinham
cedido e provocado inundações e a
mobilização no Fischmarkt. (p. xiv,
Anexo I)
Os exemplos apresentados demonstram as mudanças efetuadas ao nível
distribuicional durante o processo de tradução. No que diz respeito aos exemplos 1 e 2
da Tabela 8, observa-se uma compressão dos elementos das expressões “along the
side of the river” pelo equivalente “marginal” em português, e a expressão “whom
Fabel knew was dead and who knew it himself” que foi traduzida com recurso à
compressão por “que ambos sabiam que tinha morrido”. Por outro lado, registaram-se
casos em que foi necessário recorrer a mudanças de distribuição por via de expansão,
tal como se regista no exemplo 3 da Tabela 8. A expressão “flood defences down by
69
the harbour and the Fischmarkt being deployed” foi traduzida por meio de colocação
de elementos adicionais, expandido assim a quantidade dos seus elementos de modo a
proporcionar facilidade de compreensão da mensagem intencionada ao leitor.
3.2.3.1 Tradução e gíria
A gíria9 é um elemento que se encontra frequentemente em textos literários. O
uso de gíria na literatura resume-se à intenção do autor de aproximar o texto da
realidade, “no que diz respeito a vários estilos funcionais” (ULICNY, 1988, p. 329)
que possam identificar o modo de estar, o comportamento, a origem, o estatuto social,
sexo, idade, habilitações intelectuais e linguísticas e, também, o estado de espírito de
uma personagem no momento da troca discursiva, de forma a criar um determinado
impacto no leitor. Assim, sendo um tipo de linguagem bastante frequente na literatura,
a gíria tende a aproximar as personagens da sociedade atual, através de escolhas
discursivas facilmente reconhecidas pelo leitor.
O discurso caracterizador pode integrar-se em três tipos principais. Os dois primeiros
tipos identificados por Page ([1973] 1988), contribuem para a caracterização da
personagem em termos da sua inserção num grupo – regional, histórico, sociocultural
– ou da sua individualidade. Para além destes dois tipos, acrescentamos ainda um
discurso caracterizador resultante da adequação a fatores do contexto situacional em
que decorre a troca discursiva. As variedades literárias prestam-se, portanto, a revelar
características permanentes ou pontuais, como o estado de espírito, a emoção, cólera,
tensão ou alegria extrema. (ROSA, 2003, p. 175)
Não sendo um conceito recente, devido à sua existência e utilização ao longo
da história da humanidade, a gíria pode ser definida como:
9 O termo “gíria” no contexto da sua utilização no presente relatório de projeto engloba jargão,
calão e linguagem tabu.
70
The changing vocabulary of conversation; it comes into sudden vogue, has a meaning,
usually figurative, which is known by a particular set or class and which constitutes a
sort of shibboleth during the brief period of its popularity, and then dies in the
obscure corners of forgotten words and unabridged dictionaries, or passes into the
legitimate speech. (REVES, 1926, p. 217)
É óbvio que o uso de gíria já apresenta uma certa dificuldade de compreensão,
contudo, a sua transferência para uma outra língua e, claro, para uma outra cultura
coloca o tradutor perante um enorme desafio. Por se tratar de elementos controversos,
a sua tradução apresenta-se como uma tarefa difícil para o tradutor, pois existe a
possibilidade de se perder o valor intencionado pelo autor, ou pelo menos de parte
dele, durante o processo tradutório.
Por não existirem regras próprias para a tradução da gíria, o tradutor encontra-
se numa posição bastante difícil em que deve optar por estratégias que não destruam a
essência do que está expresso no texto. A qualidade da tradução pode ser determinada,
então, pela distribuição de elementos expressivos no texto de partida e, por
conseguinte, no texto de chegada. É certo que algumas construções na língua de
partida poderão ter um grau bastante elevado de expressividade e pode ser necessário
reconstruí-las de outro modo na língua de chegada para se poder alcançar o grau
pretendido. É claro que a tradução de gíria pode representar algumas dificuldades
devido a uma possível hesitação e ao efeito negativo que possa causar no leitor.
Contudo, uma vez que se trata de uma obra literária, não existe qualquer possibilidade
de aplicação de censura numa sociedade democrática, salvo por exigência do
solicitador da tradução, ou seja o cliente. Assim, de modo a atingir este objetivo, o
tradutor deve dispor de todas as competências, tanto ao nível do conhecimento da
língua de partida, como do conhecimento da cultura e do contexto social em que a
71
expressão está inserida. Por outras palavras, este deve tentar ser fiel ao autor,
compreendendo o que foi expresso e analisando a expressão de forma bastante
aprofundada, pois a gíria manifesta-se por um sem fim de significados, que diferem
de cultura para cultura, que não podem ser traduzidos literalmente, de forma a
escolher uma referência adequada para a tradução (DROZDE, 2008, p. 1) que
corresponda às expectativas do leitor.
No que diz respeito ao próprio processo de tradução, os problemas
relacionados com a tradução de gíria ocorridos ao longo do mesmo, foram
solucionados por meio de estratégias de equivalência, tradução literal e paráfrase.
Seguimos, então, para a análise de exemplos de gíria ocorridos ao longo do texto:
Tabela 9 – Exemplos de tradução de gíria por via de equivalência:
TP TC
1. ‘That bloody storm kept me up half
the night..’ (p. 26, Anexo II)
1. O raio daquela tempestade manteve-
me acordada metade da noite. (p. xiii,
Anexo I)
2. ‘It must be ten years old now. You’re
always banging on about the
environement; this can’t be that fuel-
efficient or environmentally friendly
compared with what you could get now.’
(p. 28, Anexo II)
2. Já deve ter uns dez anos. Estás sempre
a massacrar-me o juízo por causa do
ambiente e este carro não deve gastar
pouco combustível, nem deve ser lá
muito amigo do ambiente, comparando
com o que poderias ter agora. (p. xvi,
Anexo I)
3. ‘Do you think it’s real? That we’re
responsible for screwing up the climate?
Greating storms like last night?’ (p. 29,
3. – Achas que é verdade? Que somos os
responsáveis por lixar o clima? Que
criamos tempestades como a de ontem?
72
Anexo II) (p. xvii, Anexo I)
4. I thought you and your geeks were
supposed to be the best in the business.
(p. 322, Anexo II)
4. – Pensei que tu e os teus cromos eram
suposto ser os melhores do ramo. (p.
xxxix, Anexo I)
5. The rest of us will go in the front door.
Anna, you stay with the custody guys. (p.
309, Anexo II)
5. O resto entra pela porta principal.
Anna, ficas com os tipos da custódia. (p.
xxiv, Anexo I)
6. A shit-heel outfit like Guardians of
Gaia couldn’t stretch to that. (p. 313,
Anexo II)
6. Uma cambada de imbecis como os
Guardiões de Gaia não seria capaz de se
esticar tanto. (p. xxviii, Anexo I)
Os exemplos apresentados demonstram certas expressões que foram
traduzidos por meio de equivalência para a língua de chegada. Por exemplo, a palavra
“bloody” (ver exemplo 1, Tabela 9), sendo esta uma expressão arcaíca oiginária no
Reino Unido, é utilizada para dar ênfase em situações de contentamento, surpresa,
ironia, sarcasmo ou descontentamento. Esta expressão foi substituida no texto de
chegada por um equivalente “raio”, não sendo este um equivalente direto, contudo
transmite o sentimento de descontentamento vivido pela personagem.
Quanto à expressão “banging on”, que consta no exemplo 2, trata-se de uma
expressão que descreve uma pessoa que menciona inúmeras vezes o mesmo tópico
durante uma troca discursiva, tornando-se bastante repetetivo para o quem o rodeia.
Esta expressão foi traduzida por via de equivalência pelao verbo “massacrar”
compensado pelo substantivo “juízo”, de modo a demonstrar o quão maçador se pode
tornar a pesonagem principal.
73
No que diz respeito à expressão “screwing up”, no exemplo 3, é uma
expressão de origem inglesa que serve para descrever uma acção comprometadora e
prejudicial, desta forma optou-se pela utilização do seu equivalente em português –
“lixar”. Do mesmo modo, procedeu-se à tradução das expressões “geeks” (exemplos
4) e “guys” (exemplo 5), substituindo-as pelo seu equivalente em português que
transmite na perfeição o sentido intencionado pelo autor: “cromos”, utilizado, por
norma, para a descrição de pessoas com uma elevada autoconsideração em relação à
sua área profissional, embora com comportamente infantil e embaraçoso, e “tipos”,
em geral, uma forma de tratamento, utilizada para homens e rapazes, cujo nome é
desconhecido ou que se pretende omitir.
Quanto à expressão “shit-heel outfit”, esta apresentou algum desafio em
termos de tradução. A palavra “shit-heel” é uma expressão tabu, que, por norma, é
utilizada para descrever pessoas que se consideram superiores em relação a todas as
pessoas do mundo e têm um comportamento desagradável. No que diz respeito a
outfit, esta palavra representa, no que diz respeito a slang (calão), um grupo de
pessoas. Assim, optou-se por traduzir esta expressão pelo seu equivalente em
português, “cambada de imbecís” de modo a descrever as personagens em questão.
Em relação à tradução da linguagem tabu, por norma, os tradutores
consideram utilização de expressões e palavras tabu da língua de chegada com um
sentido idêntico ao original de modo a que o leitor possa facilmente identificar as
características da situação comunicacional experienciada pelas personagens no
momento da leitura. No entanto, nos exemplos que se seguem, verifica-se a opção de
transferência via equivalência direta – tradução literal:
74
Tabela 10 – Exemplos de tradução de gíria por via de equivalente direto (tradução
literal):
TP TC
1. ‘Another shitty day,’ said Susanne
gloomily. (p. 28, Anexo II)
1. - Mais um dia de merda – disse
Susanne melancolicamente. (p.xv, Anexo
I)
2. ‘ Shit...’ Fabel paused for a moment
and sighed. (p. 31, Anexo II)
2. - Merda! – Fabel fez uma pausa
durante um momento e suspirou. (p. xix,
Anexo I)
3. ‘ This shit is clearly designed by men.’
(p. 308, Anexo II)
3. – Definitivamente, esta merda foi
feita por homens! (p. xxiii, Anexo I)
4. ‘Am I the only person in the Polizei
Hamburg with TITS…? (p. 308, Anexo
II)
4. - Serei a única pessoa da Polizei
Hamburg com MAMAS? (p. xxiii,
Anexo I)
5. ‘We’re fucked, aren’t we? (p. 320,
Anexo II)
5. – Estamos fodidos, não estamos? (p.
xxxvii, Anexo I)
Em alguns casos foi necessário dar prioridade ao sentido, deixando de parte a
fidelidade ao texto de partida. Chesterman define esta estratégia como paráfrase, ou
seja, uma tradução livre que privilegia o sentido do original e não a sua estrutura. Esta
estratégia, por norma, é utilizada na tradução de expressões idiomáticas ou expressões
típicas da cultura de partida, cujos equivalentes não existem na língua de chegada:
75
The paraphrase strategy results in a TT version that can be described as loose, free, in
some contexts even undertranslated. Semantic components at the lexeme level tend to
be disregarded, in favour of the pragrmatic sense of some higher unit such as a whole
clause. (CHESTERMAN, 1997, p. 104)
Assim, no exemplo 1 da Tabela 11, podemos identificar o recurso à estratégia
de tradução livre, devido à inexistência de um correspondente direto da expressão
idiomática utilizada pelo autor no texto original.
Tabela 11 – Exemplos de tradução por via de paráfrase:
TP TC
1. The worst thing these bozos are going
to do is chuck lentils at us. (p. 309,
Anexo II)
1. O máximo que estes palhaços nos
podem fazer é mandar-nos à fava. (p.
xxv, Anexo I)
3.2.4 Tradução por empréstimo
Sabendo que ao longo do tempo, o léxico de uma língua sofre alterações
devido, entre muitos outros factores, à globalização, que provocou um
enfraquecimento das barreiras estabelecidas entre elas, muitas línguas têm vindo a
adaptar palavras e extensões semânticas, às quais chamamos estrangeirismos ou
neologismos. A ocorrência de estrangeirismos em textos é um fenómeno bastante
frequente, no entanto, a sua tradução poderá originar algumas dificuldades, para as
quais Chesterman propõe uma estratégia de empréstimo:
76
This strategy covers both the borrowing of individual items and the borrowing of
syntagma. Like the other strategies, it refers to a deliberate choice, not the
unconscious influence of undesired interference. (CHESTERMAN, 1997, p. 94)
Dentro dos empréstimos presentes no texto de partida, encontramos os
anglicismos, os latinismos e os galicismos, e também siglas e acrónimos que se
destacaram como sendo problemáticos ao longo da tradução. Consideremos os
exemplos que se seguem:
Tabela 12 – Exemplos de tradução via empréstimo: Decalque
TP TC
1. She was in an entry foyer and a sign
listing the tenants told her that what she
was looking for – Demeril Importing –
was on the third floor. (p. 13, Anexo II)
1. Estava num saguão de entrada e a
tabuleta com a lista de proprietários
revelou-lhe de que o que procurava,
Importações Demeril, encontrava-se no
terceiro andar. (p. vi, Anexo I)
2. This morning, he was even more tense:
Susanne was attending a seminar at the
Federal Crime Bureau in Wiesbaden
and he had agreed to run her to the
airport to catch her early-morning flight
to Frankfurt. (p. 26, Anexo II)
2. Esta manhã, estava ainda mais tenso:
Susanne ia para um seminário do
Departamento Federal de Crime em
Wiesbaden e ele tinha-lhe prometido que
a levava até ao aeroporto para apanhar o
primeiro voo para Frankfurt. (p. xiii,
Anexo I)
3. A shit-heel outfit like the Guardians
of Gaia couldn’t stretch to that. (p. 313,
Anexo II)
3. Uma cambada de imbecis como os
Guardiões de Gaia não seria capaz de se
esticar tanto. (p. xxviii, Anexo I)
77
Os exemplos referidos apresentam-se como uma tradução literal de elementos
da língua de partida por meio de decalque. Segundo Chesterman, o decalque é a
reprodução de palavras ou frases sem correspondência direta na língua de chegada.
Com a globalização, a utilização desta estratégia tornou-se cada vez mais frequente,
no entanto, nem sempre se pode considerar que seja um processo mecânico de
transferência, devido à necessidade de recurso a algumas transformações, como por
exemplo, na ordem, na morfologia e na sintaxe da frase, de modo a que essa mesma
transferência faça sentido na língua de chegada.
Ainda em respeito à questão da tradução por empréstimo, existem outros
elementos que podem causar problemas durante o processo tradutório. Estes
elementos apresentam-se sob a forma de palavras de origem inglesa às quais
chamamos de anglicismos. Segundo Chesterman, os anglicismos entendem-se por
palavras ou expressões originais da língua inglesa, introduzidas numa outra língua
para nomear objetos ou fenómenos novos, que, por alguma razão, não possuem
qualquer designação na língua de chegada. Por outro lado, assim como foi
anteriormente referido, a língua portuguesa tem sofrido alterações ao nível lexical ao
longo do tempo. Relembrando que o léxico é a parte mais volátil de uma língua,
existe uma maior probabilidade de sofrer alterações devido à influência de outras
línguas em contextos comunicacionais. Em muitos dos casos, as palavras estrangeiras
são introduzidas por via de empréstimo da língua de partida e, mesmo tendo um
correspondente na língua de chegada, acabam por ser utilizadas a longo prazo na sua
forma original, integrando-se e vulgarizando-se na mesma.
78
Tabela 13 – Exemplos de tradução via empréstimo: Anglicismos
TP TC
1. ‘I can’t believe there isn’t anything on
their mainframe or whatever the hell
you call it.’ Fabel’s frustration was
beginning to boil over into anger. (p.
323, Anexo II)
1. - Não acredito que não exista nada no
mainframe ou lá como vocês o chamam
– A frustração de Fabel começou a
aferventar em raiva. (p. X)
O exemplo apresentado ilustra a designação de um novo objeto sem qualquer
correspondente na língua de chegada. Isto é, tratando-se de um computador específico
e de grande dimensão, que, por norma é utilizado para o processamento de um grande
volume de informação, o termo mainframe, não dispõe de qualquer termo técnico
que o especifique e que possa ser facilmente associado pelo leitor quanto às suas
funções e propósito. Contudo, traduzir este termo por “computador”, generalizaria o
sentido proposto, exigindo a utilização de estratégias de compensação para que o
leitor conseguisse identificar com clareza a ideia proposta pelo termo. Assim, optou-
se, por via de empréstimo, por utilizar o termo na sua forma original. Da mesma
forma, nos exemplos que se seguem, podemos observar os termos apresentados na sua
forma original, que, devido ao uso frequente, foram integrados no vocabulário
quotidiano do leitor da língua de chegada.
Tabela 14 – Exemplos de tradução via empréstimo: Anglicismos
TP TC
1. It hadn’t been his eating habits that
had most caught her attention, though: it
had been the smartphone or hand-held
1. Não se tratava do seu modo de comer,
o que lhe captou a atenção foi o facto de
ele estar constantemente a tocar com a
79
PDA he had constantly tapped at with a
stylus between overfilling his mouth. (p.
11, Anexo II)
caneta stylus no seu smartphone ou PDA
entre garfadas. (p. iv, Anexo I)
2. ‘It’s a pain, I’ll give you that. But we
were able to back-up all our emails
before it hit.’ (p. 28, Anexo II)
2. Tenho a dizer que foi uma dor de
cabeça, mas conseguimos fazer uma
cópia de segurança de todos os e-mails
antes de sermos atacados. (p. xv, Anexo
I)
3. The slogan below stated in German:
The Storm is Coming. (p. 29, Anexo II)
3. O slogan por baixo estava em alemão:
A tempestade está a chegar. (p. xvii,
Anexo I)
Tal como os anglicismos, observa-se a presença, embora inferior em relação
aos anglicismos, de latinismos e galicismos que se apresentam como idiomas,
expressões ou palavras derivadas do latim e do francês, respetivamente, utilizadas,
sob forma de empréstimo noutras línguas. A seguir seguem os exemplos de latinismos
e galicismos que surgiram, traduzidos sob forma de empréstimos diretos para a língua
de chegada:
Tabela 15 – Exemplos de tradução via empréstimo: Latinismos e galicismos
TP TC
1. ‘But where it really gets interesting is
when he gets into a discussion about
qualia. Now, I’m no philosopher, but
qualia seem to me the sensory
experiences we have of the world, how
1. - Mas o ponto mais interessante é a sua
discussão sobre qualia. Bem, eu não sou
filósofo, mas qualia parece-me ser uma
das experiências mais sensoriais que
temos do mundo, a forma como
80
we perceive our environment.’ (p. 316,
Anexo II)
compreendemos o nosso ambiente. (p.
xxxii, Anexo I)
2. A new and gleaming intrusion into his
world. A cohabitational fait accompli;
another indication that his space, his life,
was now shared. (p. 26, Anexo II)
2. Uma nova e resplandecente intrusa no
seu mundo. Um fait accompli
coabitacional. Mais uma indicação de
que o seu espaço, a sua vida eram, agora,
partilhados. (p. xiii, Anexo I)
Devido ao facto de o texto original se dirigir a um público geral que se
interessa por literatura policial, existe a possibilidade de este desconhecer assuntos e
termos associados à área da filosofia (Tabela 15, exemplo 2) e expressões típicas
francesas (Tabela 15, exemplo 2). Como tal, a fim de facilitar a compreensão do texto,
recorreu-se à colocação de notas de rodapé com a devida explicação do significado do
termo qualia e da expressão fait accompli inseridos nos exemplos acima
apresentados¸ embora esta técnica seja pouco frequente e possa ser submetida a
críticas na área da tradução literária.
Por fim, gostaria de apresentar um outro problema relacionado, ainda, com a
tradução por empréstimo que ocorreu ao longo do processo tradutório: a tradução de
siglas e acrónimos.
As siglas são constituídas por iniciais de certas unidades lexicais ou termos
longos que podem ser pronunciados na sua totalidade, enquanto que os acrónimos
incorporam sílabas de termos. O livro de Craig Russell está repleto de siglas que se
referem a diferentes grupos, organizações e instituições entre outros.
81
Relembrando, ainda, a questão da integração de alguns vocábulos introduzidos
na língua de chegada por via de empréstimo, apresentados na Tabela 16, as siglas
nestes exemplos foram preservadas devido à sua utilização no dia a dia por parte do
público português, não havendo assim qualquer necessidade de acréscimo de
informações, sob forma de notas de rodapé ou glossários anexados ao texto. No
entanto, no que diz respeito aos exemplos que constam na Tabela 17, estes, sendo
organizações de segurança e proteção, foram introduzidas no glossário que
acompanha a tradução, devido à sua relevância relativamente à compreensão do texto.
Tabela 16 – Exemplos da tradução via empréstimo: Siglas e acrónimos
TP TC
1. It hadn’t been his eating habits that
had most caught her attention, though: it
had been the smartphone or hand-held
PDA he had constantly tapped at with a
stylus between overfilling his mouth. (p.
11, Anexo II)
1. Não se tratava do seu modo de comer,
o que lhe captou a atenção foi o facto de
ele estar constantemente a tocar com a
caneta stylus no seu smartphone ou PDA
entre garfadas. (p. iv, Anexo I)
2. A booklet: print on paper, not a hand-
held satnav device or GPS navigator. (p.
11, Anexo II)
2. Um folheto: impresso em papel, não
um sistema de navegação por satélite,
nem um GPS. (p. iv, Anexo I)
3. She had crossed a city without
crossing a circuit, without connecting
with a technology: even avoiding the few
parts of the city that had CCTV, taking
circuitous detours to avoid the spots
marked in red pencil on her map. (p. 12,
3. Atravessou a cidade sem se cruzar
com um circuito, sem se encontrar com
qualquer tecnologia, até conseguiu evitar
os locais onde havia CCTV, fazendo
desvios sinuosos para evitar os pontos
marcados a vermelho no seu mapa. (p. vi,
82
Anexo II) Anexo I)
4. Try retrieving them with your PIN
from that phone. (p. 157, Anexo II)
4. Tenta recuperá-los com o PIN daquele
telefone. (p. xxii, Anexo I)
5. Meliha took a small wind-up LED
torch from her handbag and scanned the
warehouse. (p. 13, Anexo II)
5. Meliha tirou uma pequena lanterna
LED da sua bolsa de mão e examinou o
armazém. (p. vi, Anexo I)
Tabela 17 – Exemplos de tradução via empréstimo: Siglas e Acrónimos com recurso
a glossário
TP TC
1. In addition to Fabel’s team there was a
squad of eight MEK special-tactics
commandos, Fabian Menke and two
other BfV men. (p. 308, Anexo II)
1. Para além da equipa de Fabel, havia
uma equipa de intervenção de oito
comandos das forças especiais da MEK,
juntamente com Fabian Menke e dois
homens da BfV. (p. xxiii, Anexo I)
3.2.5 Problemas de carácter sintático e estrutural
Uma vez que se trata de uma tradução regida pelas normas da língua de
chegada, a língua portuguesa, ocorreram alguns problemas ao nível sintático e
estrutural das frases que exigiram a aplicação de algumas das estratégias propostas
por Chesterman, por forma a não causar estranhamento ao leitor. Vejamos os
seguintes exemplos:
83
Tabela 18 – Exemplos de tradução via transposição:
TP TC
1. A bold little girl who faced the world
pugnaciously. Fearlessly. (p. 9, Anexo
II)
1. Uma miúda audaz que confrontara o
mundo de um modo belicoso. Sem
medos. (p. ii, Anexo I)
2. She made a desperate grab for it and
only just stopped it from crashing into
the wooden side of the cupboard and
alerting her pursuers to her hiding place.
(p. 15, Anexo II)
2. Agarrou o rolo desesperadamente
pela última vez e só conseguiu impedir
que o rolo caisse para o lado de madeira
do armário e alertasse os seus
perseguidores para o seu esconderijo. (p.
ix, Anexo I)
3. Genderless, ageless. They were
silhouetted against the vague milky
bloom of the large warehouse window.
(p. 17, Anexo II)
3. Sem género, nem idade. As silhuetas
destacavam-se contra a indefinida e
esbranquiçada florescência da grande
janela do armazém. (p. xi, Anexo I)
Como podemos observar, algumas palavras do original exigiram uma
transformação ao nível da classe. A esta transformação Chesterman denomina
transposição. Esta é uma estratégia frequentemente utilizada por tradutores durante o
processo tradutório. Tal deve-se à formação dos elementos verbais da língua inglesa
que exigem a transformação das categorias gramaticais empregues no texto original,
como por exemplo, a transformação de substantivos em verbos, adjetivos em
advérbios e vice-versa, inalterando, no entanto, o sentido do original. Assim, podemos
observar a transformação do advérbio “fearlessly” (ver exemplo 1 da Tabela 18) no
84
texto de partida, para um substantivo no plural “medos” acompanhado pela
preposição de exclusão “sem”. O adjetivo “desperate” e o substantivo “grab” (ver
exemplo 1 da Tabela 18) do texto de partida transformaram-se no advérbio
“desesperadamente” e no verbo “agarrar” conjugado no pretérito perfeito da 3ª pessoa
do singular no texto de chegada, e o advérbio “genderless” e “ageless”, nos
substantivos “género” e “idade”, acompanhados pela preposição de ausência “sem” e
“nem”. Por outro lado, podemos observar outra transformação do verbo “silhouetted”
no substantivo no plural “silhuetas” (ver exemplo 3 da Tabela 18).
Da mesma forma, nos exemplos seguintes, observam-se alterações ao nível
das unidades do texto. Por outras palavras, realizou-se a transformação de uma
unidade do texto de partida numa outra diferente no texto de chegada. A este processo
Chesterman denomina de mudanças de tipo e organização da unidade, definindo-o da
seguinte forma:
A unit shift occurs when ST unit is translated as a different unit in the TT: this
happens very frequently of course, and subclassifications can be set up for units shifts
of different types. (CHESTERMAN, 1997, p. 95)
Por outras palavras, a mudança de unidade ocorre quando, tal como acontece
na transposição, em vez de efetuar a alteração da classe de palavra, efetua-se a
alteração da unidade, ou seja alteram-se morfemas, palavras, frases, parágrafos, etc.
Observam-se os seguintes exemplos:
Tabela 19 – Exemplos de tradução via mudança de unidade:
TP TC
1. One more check. Illogical: she knew 1. Verificou mais uma vez. Não fazia
85
she’d left it in the café, but she had to
check her bag and pockets again. Just to
be sure. (p. 10, Anexo II)
sentido: ela sabia que o deixara no café,
no entanto tinha de voltar a verificar a
mala e os bolsos. (p. iii, Anexo I)
2. This was a raid where speed was
everything; each second would mean
more data lost, and that meant less
evidence to bring before a court. (p. 313,
Anexo II)
2. Era um assalto em que a velocidade
significava tudo. Cada segundo resumia-
se em mais perdas de dados, o que
significava menos provas para apresentar
em tribunal. (p. xxix, Anexo I)
No exemplo 1 da Tabela 19, observa-se a transformação do adjetivo
“illogical”, numa oração constituída pelo verbo “fazer” conjugado no pretérito
imperfeito da 3ª pessoa do singular, acompanhado pelo advérbio e substantivo
“sentido”. Por outro lado, no exemplo seguinte, podemos observar a transformação da
frase do texto de partida, dividindo a mesma em duas frases na língua de chegada de
modo a facilitar a leitura, tornando-a menos “pesada” para o leitor. No que diz
respeito à junção de frases, optou-se por evitar esta possibilidade de modo a preservar
o estilo do autor.
Por conseguinte, podemos observar algumas mudanças realizadas ao nível da
estrutura sintagmática na conversão do texto de partida para o texto de chegada.
Segundo Chesterman, trata-se de várias alterações em relação ao número, género dos
constituintes da frase, e também do modo e tempo verbal utilizado, alterando-se, desta
forma, a estrutura interna da frase.
86
This strategy (or rather group of strategies) comprises a number of changes at the
level of phrase, including number, definiteness and modification in the noun phrase,
and person, tense and mood in the verb phrase. The unit itself may remain
unchanged, i.e an ST phrase may still correspond to a TT phrase, but its internal
structure changes, (CHESTERMAN A. , 1997, p. 96)
Pode-se dizer que é bastante frequente a ocorrência de algumas palavras em
inglês tratadas sintaticamente como formas plurais que, no momento da tradução,
exigem a utilização da sua forma singular em português para preservar o sentido
original. Assim, nos exemplos apresentados na Tabela 20, verificamos a alteração do
número do substantivo no plural “suits” para o singular “fato”, “coffees” para “café” e
“cobbles” para “calçada”.
Tabela 20 – Exemplos de tradução via mudança de estrutura sintagmática
TP TC
1. Both the man and woman were
dressed in grey business suits and stared
blankly at Fabel as he came in, before
returning to the joyless consumption of
their coffees. (p. 155, Anexo II)
1. Tanto a mulher, como o homem
estavam vestidos de fato cinzento.
Olharam vagamente para Fabel e
voltaram a consumir o seu café
desalentadamente. (p. xx, Anexo I)
2. A light mounted high up on one of the
warehouses cast apuddle of light and the
Hamburg rain danced as little silver
explosions on the cobbles. (p. 10, Anexo
II)
2. Um candeeiro em cima de um dos
armazéns lançou um charco de luz e a
chuva de Hamburgo dançava na calçada
como pequenas explosões prateadas.
Tentou perceber a sua posição. (p. iii,
Anexo I)
87
Da mesma forma, e na sequência da estatégia mencionada, considerou-se
necessário realizar alterações no modo das frases realizada ao longo do processo de
tradução. Ambas as frases no texto de partida estão no modo indicativo, contudo
durante o processo de tradução ocorreu a necessidade de converter o modo das frases
de acordo com as normas do português, para apresentar o estado e as emoções das
personagens:
Tabela 21 – Exemplos de tradução via mudança de estrutura sintagmatica:
TP TC
1. ‘The text I asked you about.
Remember … Poppenbütteler
Schleuse … I get the text and within a
few hours a body is found floating in the
Poppenbütteler Schleuse.’ (p. 156, Anexo
II)
1. - A mensagem de que te falei.
Poppenbütteler Schleuse, lembras-te?
Recebi a mensagem e poucas horas
depois aparece um corpo a boiar na
Poppenbütteler Schleuse. (p. xxi, Anexo
1)
2. ‘You’re kidding …’ Susanne said.
‘Did you find out who really sent it? (p.
156, Anexo II)
2. - Estás a gozar! – exclamou Susanne.
Descobriste quem a mandou? (p. xxi,
Anexo I)
Assim, no exemplo 1 da Tabela 21, efetuou-se a conversão do modo indicativo
da frase para o modo interrogativo direto, enquanto no exemplo 2 da mesma tabela,
realizou-se a conversão da frase do modo indicativo para o modo exclamativo.
No que diz respeito à estrutura das frases, optou-se por tentar conservar ao
máximo a estrutura frásica do original. Por outras palavras, recorreu-se à tradução
literal de modo a haver uma aproximação da estrutura frásica do original, sem incorrer
88
à gramaticalidade do texto de chegada. Para além do valor estrutural, ocorreu uma
preocupação com a conservação do valor do texto e do estilo do autor.
I define this rather loosely, as meaning “maximally close to SL [source language]
form, but nevertheless grammatical”. For some theorists (such as Newmark, and also
Vinay and Darbelnet), this strategy has the status of a default value.
(CHESTERMAN, 1997, p. 94)
Veremos os casos de tradução literal ocorridos ao longo da tradução da obra
de Craig Russell, A Fear of Dark Water:
Tabela 22 – Exemplos de tradução literal:
TP TC
1. Meliha made her way along the street,
hugging the wall as if the red brick had
been magnetized. They were after her.
They were after her and they would find
her. They always found everyone. And
when they found her, they would
probably kill her. Maybe not there and
then. Maybe not even in the way most
people would think of a killing. (p. 9,
Anexo II)
1. Meliha caminhou pela rua, cingindo a
parede como se os tijolos vermelhos
tivessem ímanes. Eles estavam a
persegui-la. Estavam à sua procura e
encontrá-la-iam. Encontravam sempre
todos. E, assim que a encontrassem,
provavelmente tirar-lhe-iam a vida.
Talvez não naquele momento e local.
Talvez nem se quer da forma que muitos
pensam. (p. ii, Anexo I)
2. It was cold. So cold. And wet. And
dark. And her feet hurt. She had walked
so far. Most of all, Meliha was afraid.
She was afraid of the people who were
after her, because she could no longer see
Estava frio. Muito frio. E húmido. E
escuro. E os pés doíam-lhe. Ela tinha
andado tanto. Acima de tudo, Meliha
estava com medo. Estava com medo das
pessoas que a perseguiam, sobretudo
89
them as people. (p. 9, Anexo II) porque já não as considerava pessoas. (p.
ii, Anexo I)
Como se verifica, preservou-se a estrutura frásica do original na tradução,
recorrendo a frases curtas, utilizadas pelo autor para descrever a ação e o ambiente
(ver exemplo 1 da Tabela 22), que tendem a transmitir ao leitor a sensação de cansaço
e ansiedade experienciada pela personagem, fazendo estes elementos parte da lista das
principais características do género. Desta forma, a recriação deste momento, exigiu o
recurso à literalidade.
Para concluir a questão dos problemas ocorridos ao nível sintático e estrutural,
gostaria de referir as mudanças de coesão, ocorridas ao longo do processo de
tradução. Segundo Chesterman, as mudanças de coesão debruçam-se sobretudo nas
alterações efetuadas ao nível das referências intratextuais, como repetições, elipses,
substituições, pronominalizações e o uso de conectores de vários tipos.
Tabela 23 – Exemplos de tradução via mudança de coesão:
TP TC
1. Fabel frowned and pushed his blond
hair back from his eyes. He shook
Susanne again: another grumpy response.
Switching the radio-alarm off, he rose
and stretched and made his way through
to the shower. Susanne and he had lived
together in this flat for more than two
1. Fabel franziu a testa e ajeitou o cabelo
louro para trás, afastando-o dos olhos.
Abanou Susanne novamente: mais uma
resposta rabugenta. Desligou o
radioalarme, levantou-se da cama,
esticou-se e caminhou até ao chuveiro.
Vivia com Susanne neste apartamento há
90
years, but he still found that he had to
think about its early-morning geography.
He shaved and showered. (p. 25, Anexo
II)
mais de dois anos, mas ainda achava que
devia repensar a sua geografia matinal.
Barbeou-se e tomou duche. (p. xiii,
Anexo I)
2. ‘Right,’ he said, addressing the whole
team. ‘When we go in, we arrest anyone
we come across. (p.309, Anexo II)
2. - Certo. - respondeu, dirigindo-se a
toda a equipa. – Quando entrarmos,
prendemos todos os que aparecerem no
nosso caminho. (p. xxiv, Anexo I)
3. They were after her. They were after
her and they would find her. They
always found everyone. And when they
found her, they would probably kill her.
(p. 9, Anexo II)
3. Eles estavam a persegui-la. Estavam à
sua procura e encontrá-la-iam.
Encontravam sempre todos. E, assim que
a encontrassem, provavelmente tirar-lhe-
iam a vida. (p. ii, Anexo I)
Este é um dos exemplos da ocorrência de elipses durante o processo de
tradução. Como podemos observar no exemplo 1 da Tabela 23, ocorre uma repetição
do pronome pessoal “he” e do pronome possessivo “his” na língua de partida, isto
acontece porque, em termos gramaticais, não é possível utilizar quaisquer verbos na
língua inglesa onde o sujeito esteja subentendido, sem a utilização do mesmo, ou de
um pronome que o possa substituir. Enquanto que na língua de chegada, a utilização
repetida destes pronomes causaria uma estranheza no que diz respeito à
gramaticalidade da língua de chegada. Por isso, e devido à existência de uma relação
entre o sujeito, uma vez referido, e as frases posteriores, bem como uma conjugação
de verbos que também demonstram essa mesma ligação, optou-se por omitir esses
pronomes. Veremos outros exemplos que demonstram o mesmo processo de omissão,
91
mas desta vez dos pronomes “We” – “Nós (Tabela 23, exemplo 2) e “They” – “Eles”
(Tabela 23, exemplo 2).
3.2.6 Tradução de referências intertextuais
O conceito de intertextualidade possui diversas definições, contudo, todas elas
remetem para a presença de elementos de natureza externa, num determinado texto,
inseridos pelo seu autor. No entanto, esta presença nem sempre está explícita de modo
a ser facilmente identificada e compreendida.
The many subtle intertextual networks left on the pages by the author must be
recognised by the translator and transmitted to the target readers embedded in a
different culture and context. In his role as a decoder of the complex and challenging
intertextual web that the writer has interwoven for the reader, the translator's ability
consists in reproducing the multiple layers of implied meanings and connotations in
the target language for the receiving literary and cultural context (FEDERECI, 2007,
p. 153)
Por outras palavras, a intertextualidade pode confrontar o tradutor com
diferentes problemas, desde a sua identificação no texto de partida, à sua
traduzibilidade para a língua de chegada e à sua recetividade e interpretabilidade na
cultura de chegada. Tudo isto depende do conhecimento da língua, cultura e literatura
de partida por parte do tradutor, e também da sua capacidade de pesquisa e interesse
intelectual. O processo de tradução de referências intertextuais é iniciado pela
identificação das mesmas no texto de partida no momento inicial de análise. A
identificação de intertextos é realizada a partir de sinais intertextuais que indicam a
inserção de um outro texto no texto de partida, ou até a partir do reconhecimento
espontâneo por parte do tradutor. Estes sinais podem ser apresentados sob a forma de
92
palavras, expressões, frases ou títulos, entre outros, que apontam para a existência de
uma referência. Vejamos, os seguintes exemplos:
Tabela 24 – Exemplos de tradução de referências intertextuais:
TP TC
1. Take this one: it was supposed to be a
general exploration of Platos Theory of
Forms, but it turns into a very, very
discursive piece on Platonic Simulation.
(p. 316, Anexo II)
1. Por exemplo, esta: era suposto ser uma
análise geral da Teoria das Formas de
Platão, mas torna-se numa peça muito,
mas muito discursiva acerca da
Simulação Platónica. (p. xxxii, Anexo I)
2. The books that they had found on
Meliha Kebir’s bedside table. Nineteen
Eighty-Four. Silent Spring. The Judge
and His Hangman. (p. 320, Anexo II)
2. Os livros que tinham encontrado em
cima da mesa de cabeceira de
MelihaYazar. 1984. Primavera
silenciosa. O Juiz e o seu Carrasco. (p.
xxxvii, Anexo I)
Os exemplos apresentados referem-se, sob forma de títulos, a obras de autores
canónicos da literatura inglesa e alemã, George Orwell, Rachel Carson e Friedrich
Dürrenmatt, respectivamente. Sendo obras que já dispõem de um espaço próprio no
sistema literário português, optou-se pela realização da pesquisa dos títulos
correspondentes destas obras em português, de modo a que o leitor possa facilmente
reconhecê-las e compreender a sua associação no texto.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, o presente relatório de projecto teve como objetivo apresentar a
tradução dos capítulos 2, 5, 21 e 34 da obra de Craig Russell, A Fear of Dark Water,
bem como estudar a questão da tradução literária, a tradução de literatura policial e
não deixando de parte o tema do bilinguismo na tradução (tradutor bilingue vs.
tradutor nativo), procurando demonstrar que é possível alcançar uma tradução
esperada do tradutor nativo, como também apresentar as principais dificuldades
ocorridas ao longo da realização do presente trabalho. Elaborou-se, igualmente, uma
contextualização acerca da origem e predominância da ficção policial, distinguindo a
sua história como parte da literatura portuguesa.
Em seguida, procedeu-se à elaboração de uma análise do texto de partida,
tendo por base a metodologia de Christiane Nord, de modo a determinar as estratégias
mais adequadas, que ajudassem a corresponder tanto às peculariedades do estilo e do
texto original, como às expectativas do leitor em relação ao texto de chegada.
No que diz respeito à tradução, esta demonstrou-se árdua devido às
particularidades lexicais e linguísticas existentes nas línguas de partida e de chegada,
os elementos específicos pertencentes à cultura alemã presentes no texto de partida,
bem como as referências técnicas relacionadas com o meio policial. Deve-se
considerar o facto de que a tradução do inglês para português necessita de um recurso
a transformações gramaticais. Por exemplo, os frequentemente utilizados modelos
enfáticos, que dão uma maior expressividade ao texto da língua inglesa, na sua
generalidade, correspondem aos modelos da língua portuguesa e, por isso necessitam,
como regra, de uma transformação, bem como de uma compensação da sua estrutura,
sobretudo quando se trata de estruturas inglesas com marcas de compressão, sem
94
existência de equivalentes na língua portuguesa, que requerem a descompressão na
tradução, assegurando deste modo uma maior adequação no texto de chegada.
Em suma, a metodologia de Christiane Nord e as propostas de Andrew
Chesterman prestaram auxílio no que diz respeito ao levantamento de todas as
particulariedades do texto de partida em relação à tradução, para a definição da sua
direção, os problemas a confrontar e as estratégias a aplicar no que diz respeito à
solução dos mesmos. Estou ciente de que as opções tradutórias por mim propostas
podem não ter sido as melhores. No entanto, procurou-se, no presente relatório de
projeto, demonstrar o esforço, trabalho e dedicação em apresentar uma tradução
cuidada e correta ao nível de tradutor nativo da língua portuguesa em função do texto
na cultura de chegada. Como tal, o presente trabalho relata os problemas ocorridos ao
longo do processo tradutório, acompanhados por exemplos, a respetiva análise, e
posterior justificação das escolhas realizadas.
Assim, gostaria de terminal o presente trabalho, acreditando que aprofundei
todas as questões que considero relevantes e que este trabalho possa servir de auxílio
para traduções posteriores, contendo informações e sugestões para os problemas de
tradução identificados, bem como a metodologia e referências apresentadas em estudo.
95
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