Curso de Direito
“A Tutela Antecipada”
Pedro Innocente Isaac
R.A.:441.509/9
Turma: 315-C
Telefones: 3744-6638 / 8179-9075
E-mail: [email protected]
São Paulo
2004
UniFMU
Autor: Pedro Innocente Isaac
A Tutela Antecipada
Trabalho apresentado à disciplina de
Direito Processual Civil, do curso de
Direito/UniFMU, sob orientação do
Professor Paulo Dimas.
São Paulo – SP
2004
Folha de aprovação
Autor:
Pedro Innocente Isaac
Título:
A Tutela Antecipada
Banca examinadora:
____________________________________________
Professor Orientador Sr. Dr. Paulo Dimas
____________________________________________
Professor Examinador
____________________________________________
Professor Examinador
Universidades Metropolitanas Unidas – UniFMU
São Paulo
2004
Aos meus queridos pais, que me
ensinaram a viver e me passaram um
grande exemplo de moral, ética e
humanidade, e aos meus colegas de
faculdade, pela companhia, apoio e
amizade durante os anos deste curso.
Resumo
Este trabalho discute a tutela antecipada, uma medida liminar processual de caráter
satisfativo. Em poucas palavras, a antecipação da tutela é uma maneira de a parte
requerente, via de regra o autor, obter a satisfação imediata de seu pedido, ou os
efeitos deste, antes do fim da demanda. Ela foi implementada no ordenamento
jurídico nacional na reforma processual de 1994, pela Lei nº 8.952/94, entretanto já
se concedia provimentos de caráter antecipatório através de medidas cautelares,
mesmo que estas sejam por excelência de natureza instrumental. Esta pesquisa tenta
demonstrar que este importante instituto jurídico é também uma arma contra a
morosidade da justiça, que dá a esta efetividade ao redistribuir o tempo dentro do
processo, de acordo com os aspectos legais, e tenta trazer uma maior igualdade
entre as partes, uma vez que normalmente o autor inicia a demanda em
desvantagem por ter um direito seu ameaçado ou lesionado. A elaboração do
trabalho foi feita à luz do Código de Processo Civil Brasileiro e suas recentes
modificações, além de ter sido a pesquisa feita de acordo com a doutrina e a
jurisprudência pátrias.
Palavras-chave: Justiça; Antecipação do pedido ou seus efeitos; Efetividade do
processo.
Sumário
1. Introdução
1.1. O Direito, a desigualdade entre as partes e os procedimentos de cognição
sumária..........................................................................................................7
1.2. Breve histórico da tutela
antecipada............................................................10
2. O texto legal
2.1. Da tutela antecipada genérica
a) A legislação
vigente................................................................................12
b) Anotações sobre o texto e suas
alterações...............................................13
2.2. Da tutela antecipada específica
a) A legislação
vigente................................................................................14
b) A tutela antecipada em obrigações de fazer e não
fazer.........................17
c) A execução provisória da
sentença.........................................................18
2.3. Da tutela antecipada contra o Poder Público
a) A Lei nº
9.494/97....................................................................................19
b) Considerações sobre esta espécie de tutela
antecipada...........................20
3. As espécies de tutela antecipada e seus requisitos
3.1. As espécies de tutela
antecipada..................................................................23
3.2. Da prova inequívoca e da verossimilhança da
alegação..............................23
3.3. Do pressuposto do
dano...............................................................................25
3.4. Do abuso de direito de defesa por parte do
réu............................................26
3.5. Do perigo de
irreversibilidade.....................................................................27
3.6. Do pedido em parte
incontroverso...............................................................29
4. Legitimação para requerer a antecipação da
tutela.......................................30
5. Tutela antecipada Ex
Officio............................................................................32
6. O momento para requerer e conceder a antecipação da tutela
6.1 . Da antecipação deferida no início do
processo...........................................34
6.2. Da antecipação requerida antes da instauração do
processo.......................34
6.3. Da antecipação em sede de sentença e em grau
recursal.............................35
6.4. Da antecipação concedida após a
sentença..................................................35
7. Do recurso cabível e seus
efeitos.......................................................................37
8. Conclusão............................................................................................................3
9
9. Bibliografia..........................................................................................................
41
1. Introdução
1.1.O Direito, a desigualdade entre as partes e os procedimentos de cognição
limitada
O Direito surge no mesmo momento em que é formada uma sociedade, seja
esta de dois habitantes ou de dois milhões, ou, como diz o brocardo jurídico, Ubi
societas ibi ius (“Onde está a sociedade, está o Direito”). Esta ciência, reguladora
da convivência humana, é fundada em um senso de justiça inerente ao homem. Tal
elemento basilar não só origina o Direito, como também o norteia.
Para o filósofo grego Platão, justiça é virtude suprema1, uma vez que, em sua
opinião, ela só pode ser infalível e absoluta quando divina, isto é, distinta da
conhecida e praticada pelos homens. Já para seu discípulo Aristóteles, ela
representa a igualdade, a proporcionalidade2, pois é uma situação no meio entre
dois extremos eqüidistantes com relação à posição mediada, um justo meio.
Enquanto que para os estudiosos romanos ela significa a vontade de dar a cada um
o seu – Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi. É a
partir desse senso de justiça que os positivistas criaram o Direito, elaborando
normas para conduzir a sociedade à tão sonhada igualdade. Entretando, como
colocar em prática o Direito material quando este é desrespeitado? A resposta surge
com o desenvolvimento do estudo processual. É criada então uma relação
triangular, composta basicamente por duas partes opostas, autor e réu, e um juiz,
representando o Estado, que por sua vez simboliza a União dos homens, isto é, a
sociedade.
Nos deparamos então com outra pergunta: como gerar igualdade entre as
partes de um processo se o autor, teoricamente, inicia o mesmo em desvantagem?
Já que seu direito foi ou está para ser lesado. Comprovado o perigo da morosidade
da Justiça, que eventualmente poderá ocasionar dano ou perecimento do direito
pleiteado, e a verossimilhança das alegações do autor, o magistrado poderá, a
requerimento da parte, deferir a antecipação da tutela, isto é, do pedido em sua
totalidade ou parcialidade, como medida urgente de cognição limitada.
1 E.C.B.Bittar e G.A.de Almeida, “Curso de Filosofia do Direito”, 2002, p.86.2 E.C.B.Bittar e G.A.de Almeida, “Curso de Filosofia do Direito”, 2002, p.91.
Na cognição sumária, não há exame total da lide, que por sua vez sofre
limitações ao se enquadrar no processo. Os procedimentos de cognitio limitada são
genericamente denominados de provimentos liminares. Há procedimentos que por
natureza demandam uma tutela de urgência, como o Processo Cautelar e, na grande
maioria das vezes, o Mandado de Segurança. Neste último há um direito líquido e
certo a ser comprovado pelo impetrante. Por este ter sido ou estar para ser
desrespeitado por uma autoridade coatora (impetrado/a), há a urgência de um
provimento liminar, que visa resguardar o direito do impetrante, clamado por ele
como líquido e certo. Já o primeiro procedimento tem natureza instrumental, isto é,
processual. O pedido de liminar no processo cautelar procura assegurar o
andamento válido do processo e garantir que no decorrer deste seu objeto não
pereça. Através da liminar, o juiz torna seguro o pedido do autor até o final do
processo, ou ao menos em seu grau de jurisdição, através de uma análise superficial
dos fatos e do direito.
A tutela antecipada por sua vez tem caráter liminar, isto é, pode ser tida
como uma medida liminar por antecipar o pedido do autor, via de regra, ou os
efeitos deste. Entretanto, sua natureza intrínseca é de satisfatividade do direito
reclamado, o que a torna relativamente exauriente. Apesar de ser uma tutela de
cognição limitada, é deferida com base em prova inequívoca e do convencimento
do magistrado da verossimilhança das alegações do autor, entre outros requisitos.
Isso porque este provimento jurisdicional não apenas resguarda o direito do autor,
mas como também antecipa sua tutela, podendo ele gozar deste ab initio, antes de
sua confirmação sentencial. Vale frisar que a maioria da doutrina e da
jurisprudência afasta por completo a possibilidade da concessão deste provimento
sem a audiência da parte contrária (inaudita altera pars), como afirma Reis Friede3.
Porém, há quem defenda a aplicabilidade do art. 804 do CPC, aplicável a priori à
medida cautelar, no que tange à tutela antecipada requerida diante de urgência
excepcional ou nos casos em que a citação do réu possa torná-la ineficaz. Diante
das mencionadas hipóteses legais, o magistrado teria o poder de conceder a tutela
antecipada de forma inaudita altera pars.
A ilação alcançada após o estudo das distinções entre as medidas de urgência
é que enquanto o procedimento cautelar possui natureza instrumental, resguardando
a estabilidade do processo, a tutela antecipada permite uma antecipação, como o
próprio nome diz, do direito material em si, exteriorizado no pedido inicial.
1.2. Breve histórico da Tutela Antecipada
A tutela antecipada foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro em 13
de dezembro 1994 pela Lei n. 8.952, que trouxe a redação do caput e dos incisos do
art. 273 e do art. 461. Antes de sancionada a lei retro mencionada, este instituto
legal era confundido no ordenamento jurídico pátrio com a tutela cautelar, tanto
jurisprudencial, como doutrinariamente, já que não havia previsão legal para ele.
Edoardo Ricci, professor da Universidade de Milão, elogia a disposição do art. 273
do Código Brasileiro e afirma que somente devem ser chamadas de cautelares
aquelas tutelas que se destinam a tornar possível a satisfação do Direito sem
3 R.Friede, “Limites objetivos para a concessão de medidas liminares em tutela cautelar e em tutela antecipatória”,2000, pg. 157.
provocar a sua imediata satisfação4. Corroborando com este entendimento, Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart dizem ser um absurdo ignorar a
previsão legal da tutela antecipada, uma vez que isso seria não só desconhecer a
realidade normativa brasileira, mas como também submeter-se aos conceitos da
mais rígida e antiga doutrina italiana, marcada pelo princípio da nulla executio sine
titulo (não há execução sem título)5.
Após a Nova Reforma Processual Civil, a Lei n. 10.444, de 7 de maio de
2002, trouxe nova redação para o §3º do art. 273 do CPC e ainda acrescentou a este
os §§6º e 7º. A mesma lei renovou a redação do §5º do art. 461 do mesmo diploma
legal e acrescentou a ele seu §6º, além do caput e dos parágrafos do art. 461-A.
4 RICCI, Edoardo, “Cometário ao artigo 7º da Lei n. 534/95”, p. 650.5 ARENHART, Sérgio Cruz e MARINONI, Luiz Guilherme, “Manual do processo de conhecimento”, 2001, pg. 212.
2. O texto legal
2.1. Da Tutela Antecipada Genérica
a) A legislação vigente.
Art. 273 do Código de Processo Civil Brasileiro
O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu.
§ 1º. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e
preciso as razões de seu convencimento.
§ 2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado.
§ 3º. A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e
conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e
461-A.
§ 4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer
tempo, em decisão fundamentada.
§ 5º. Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo
até final julgamento.
§ 6º. A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou
mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7º. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência
de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos
pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo
ajuizado.
b) Anotações sobre o texto e suas alterações.
Por serem motivo de estudo mais aprofundado neste mesmo trabalho, o
caput do art. 273 e seus incisos não serão objeto destas anotações, mas apenas seus
parágrafos. Todo o texto foi alterado em 13 de dezembro de 1994 pela Lei nº 8.952,
que instituiu a tutela antecipada no ordenamento jurídico brasileiro, além do
acréscimo dos parágrafos 1º ao 5º do artigo. Posteriormente, a Lei 10.444 de 7 de
maio de 2002 reformou a redação do §3º e acrescentou os §§6º e 7º.
- O §1º explica que a tutela antecipada, como qualquer outro ato judicial de
cunho decisório, deverá ser deferida ou não em decisão fundamentada.
- O §2º diz respeito à impossibilidade de deferimento da tutela antecipada
pelo juiz caso haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Quanto a
este parágrafo, a doutrina moderna menciona a possibilidade de se reverter o dano
causado pelo provimento judicial pecuniariamente. Dessa forma, a tutela
antecipada poderia ser concedida praticamente em qualquer caso, pois se houvesse
irreversibilidade do dano por ela causado, este poderia ser indenizado, em pecúnia,
à parte lesada.
- O §3º faz uma ressalva quanto à efetivação da tutela antecipada de acordo
com a sua natureza, devendo os arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A serem
observados.
- O §4º faz menção à possibilidade da revogação da tutela antecipada a
qualquer momento através de decisão devidamente motivada.
- O §5º explica que com ou sem o deferimento da tutela, o processo
prosseguirá até o final do julgamento, o que reafirma a natureza liminar deste
provimento.
- O §6º torna possível a antecipação da tutela quanto aos pedidos
incontroversos, ou seja, não contestados pela parte contrária.
- Por último, o §7º traz uma certa idéia de fungibilidade entre as tutelas
cautelar e antecipada no que tange ao deferimento da segunda no caso de o pedido
ser de natureza instrumental, isto é, cautelar, desde que presentes os requisitos
legais.
2.2. Da Tutela Antecipada Específica
a) A legislação vigente.
Art. 461 do Código de Processo Civil Brasileiro
Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer , o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente
o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
...
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar
poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,
impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado
prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as
medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso,
busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força
policial.
...
Art. 461-A do Código de Processo Civil Brasileiro
Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a
tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
§ 1º. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e
quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a
escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no
prazo fixado pelo juiz.
§ 2º. Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em
favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse,
conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.
§ 3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º. a 6º. do
art. 461.
Art. 588 do Código de Processo Civil Brasileiro
A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a
definitiva, observadas as seguintes normas:
I – corre por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a
sentença for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a
sofrer;
II – o levantamento do depósito em dinheiro, e a prática de atos que
importem alienação de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao
executado, dependem de caução idônea, requerida e prestada nos próprios
autos da execução;
III – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a
sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior;
IV – eventuais prejuízos serão liquidados no mesmo processo.
§ 1º. No caso do inciso III, se a sentença provisoriamente executada for
modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito
a execução.
§ 2º. A caução pode ser dispensada nos casos de crédito de natureza
alimentar, até o limite de 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando o
exeqüente se encontrar em estado de necessidade.
b) A tutela antecipada em obrigações de fazer, não fazer e as alterações da
legislação.
Esta modalidade de tutela antecipada vem prevista nos artigos 461 e 461-A.
A redação do artigo 461 foi modificada pela lei nº 8.952/94, havendo também o
acréscimo dos parágrafos 1º ao 5º. A lei nº 10.444/02 acrescentou o §6º e o artigo
461-A.
Se o juiz entender que há possibilidade de ineficácia do provimento final e o
fundamento da demanda for relevante, ele poderá conceder liminarmente a tutela
específica da obrigação de fazer ou não fazer. Para garantir o cumprimento desta
decisão, o magistrado poderá impor as medidas que julgar necessárias, como multa,
busca e apreensão, impedimento de atividade nociva, etc. Esta maneira de proceder
traz uma maior eficácia na sentença nas obrigações de fazer e não fazer, pois
impede que ocorra a perda desta eficácia pela delonga excessiva do processo.
c) A execução provisória da sentença.
O artigo 588 do CPC trata da execução provisória da sentença. Ora, o juiz ao
conceder tutela antecipada em sede de sentença está executando provisoriamente
esta. Isso porque tal provimento evitará que o eventual recurso de apelação seja
recebido no duplo efeito (devolutivo e suspensivo), podendo a parte vencedora ter
seu direito integrado ao seu patrimônio desde a publicação da sentença, sem que
seja necessário o trânsito em julgado desta.
Nesta hipótese, fica a tutela antecipada sujeita ao recurso de agravo de
instrumento, que, ao ser recebido no efeito suspensivo, irá permitir o recebimento
da apelação tanto no efeito devolutivo, como no suspensivo. Há um entendimento
em parte da jurisprudência de que não pode ser admita tutela antecipada em sede de
sentença, uma vez que o número de recursos de agravo tornariam inviável o bom
andamento processual no Tribunal. Entretanto, este entendimento não é objeto de
súmulas dos Tribunais Superiores.
2.3. Da Tutela Antecipada contra o Poder Público
a) A Lei nº 9.494/97
“LEI N. 9.494, DE 10 DE SETEMBRO DE 1997
Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública,
altera a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências.
Art. 1º - Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do
Código de Processo Civil o disposto no art. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei
n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu §4º da Lei n. 5.021, de 9 de
junho de 1966, e nos arts. 1º. 3º e 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992.
Art. 1º-A – Estão dispensadas de depósito prévio, para interposição de
recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e
municipais.
Art. 2º - O art. 16 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar
com a seguinte redação:
‘Art. 16 – A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se
da nova prova.’
Art. 2º-A – A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo
proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus
associados, abrange apenas os substituídos que tenham, na data da
propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão
prolator.
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra entidade da
administração direta, autárquica e funcional da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, a petição inicial deverá obrigatoriamente
estar instruída com o ato da assembléia da entidade associativa que a
autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação
dos respectivos endereços.
Art. 2º-B – A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso,
inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de
aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações,
somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado.
Parágrafo único. A sentença proferida em ação cautelar só poderá ter
caráter satisfativo quando transitada em julgado a sentença proferida na ação
principal.
Art. 3º - Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida
Provisória n. 1.570-4, de 22 de julho de 1997.
Art. 4º - Esta lei entra em vigor da data de sua publicação.”
b) Considerações sobre esta espécie de tutela antecipada
A Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, veio impor limites à concessão
de tutela antecipada contra o Poder Público, tendo sua origem no texto da Medida
Provisória nº1.570, inicialmente editada em 26 de março de 1997.
Ela faz alusão à aplicação dos arts. 5º e 7º da Lei nº 4.348/64, art. 1º e seu
§4º da Lei nº 5.021/66 e arts. 1º, 3º e 4º da lei nº 8.437/92 aos institutos da tutela
antecipada geral e específica, impondo restrições objetivas à concessão do
provimento liminar e reforçando a impossibilidade desta sem a audiência da parte
contrária (inaudita altera pars). Além do que foi exposto, a lei em pauta amplia a
recorribilidade da decisão, pois inclui obrigatório efeito suspensivo aos recursos
interpostos contra o deferimento da tutela antecipada, o que restringe o exercício da
faculdade anterior de prover ou não tal efeito quando da apreciação do recurso de
agravo de instrumento.
Esta lei impõe também limites ao objeto da antecipação, pois impede
qualquer forma de antecipação sobre prestações vencidas ou anteriores ao
ajuizamento da ação, uma vez que estas possuem prerrogativa de pagamento
através de precatórios judiciais, de forma que só poderão ser antecipadas as
prestações futuras devidas pela Fazenda Pública.
Por último, a lei em tela ainda prevê prestação de garantia real ou
fidejussória, por parte do requerente, quando houver possibilidade da pessoa
jurídica de direito público requerida vir a sofrer dano em virtude da concessão de
qualquer medida antecipatória. Isto é, em havendo risco de dano à Fazenda Pública,
o requerente da tutela antecipada deverá prestar garantia, real ou por fiança,
equivalente ao que for antecipado em decisão judicial.
3. As espécies de tutela antecipada e seus requisitos
A antecipação da tutela, como já explicado anteriormente, é uma medida
satisfativa de caráter liminar que, para sua concessão, exige que sejam atendidos
certos requisitos previstos em lei, mais especificamente no Código de Processo
Civil. Este capítulo trata exatamente destes requisitos e tenta esclarecê-los.
Mister se faz distinguir as espécies de tutela antecipada previstas no art. 273
do CPC, uma vez que cada espécie prevista em seus respectivos incisos possui
finalidade própria.
3.1. As espécies de tutela antecipada
Há duas espécies de tutela antecipada, previstas no art. 273 do CPC. A
primeira é a denominada antecipação-remédio, pois visa proteger a parte de danos
irreparáveis ou de difícil reparação (inciso I), e a segunda a denominada
antecipação-sanção, pois constitui-se numa relação do Estado contra abusos
praticados no processo, seja através de abuso de direito de defesa ou de intuito
protelatório do réu.
Para ambas as espécies são necessários os pressupostos a serem explicados a
seguir.
3.2. Da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação
Os requisitos da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação
constituem os pressupostos fundamentais para a concessão da tutela antecipada.
Geograficamente, estes requisitos estão previstos no caput do art. 273 do Código de
Processo Civil, o que os torna indispensáveis em qualquer uma das hipóteses dos
incisos I e II deste mesmo artigo.
Segundo Carreira Alvim6, prova inequívoca será aquela que apresente alto
grau de convencimento, afastada qualquer dúvida razoável, isto é, cuja
autenticidade ou veracidade seja provável. Assim, a exigência de prova inequívoca
significa que a mera aparência não basta e que a verossimilhança exigida vai muito
além do fumus boni iuris (fumaça do bom direito) exigido na tutela cautelar. Seria
então uma prova que possibilitasse uma fundamentação convincente do juiz. Desta
maneira, fica difícil desvencilharmos um pressuposto do outro, pois a prova
inequívoca é exatamente o elemento capaz de convencer o magistrado da
verossimilhança da alegação, sendo a prova suficiente para o surgimento do
verossímil, que nada mais é do que o que tem probabilidade de ser verdadeiro, que
é plausível.
A verossimilhança somente ocorre quando a prova aponta para uma
probabilidade muito grande de que são verdadeiras as alegações do litigante.
Contudo, há um juízo, relativamente subjetivo, a ser realizado pelo juiz do que de
fato constitui uma alegação verossímil. Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio
Cruz Arenhart7, a verossimilhança a ser exigida pelo magistrado deve considerar o
valor do bem jurídico ameaçado, a dificuldade de o autor provar sua alegação, a
credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência, e a própria
urgência descrita.
Há entretanto uma margem de risco aceitável, pois o juiz pode tanto errar em
sua decisão em sede de tutela antecipada, como em sua proclamação final, a
6 C.Alvim, “CPC reformado”, 1995, pg.115.7 L.G.Marinoni e S.C.Arenhart, “Manual do processo de conhecimento”, 2001, pg.227.
sentença, afinal, trata-se o Direito de uma matéria humana, sujeita à erros. Para
tanto, existem alguns recursos cabíveis para ambas as decisões.
3.3. Do pressuposto do dano
Após os pressupostos fundamentais, a lei expõe duas hipóteses alternativas
necessárias para a concessão da tutela antecipada. O inciso I, que trata da primeira
hipótese, versa sobre o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Seria este o caso da antecipação-remédio, pois ela protege a parte requerente
do provimento contra um receio de um dano ainda não ocorrido, mas prestes a
ocorrer, devendo o requerimento da antecipação da tutela vir acompanhado de
circunstâncias fáticas objetivas que demonstrem a ocorrência deste dano na falta
do provimento antecipatório pretendido.
É importante frisar que dano mencionado na lei deve ainda ser classificado
como de média ou grande intensidade, pois os danos mínimos não autorizam
provimentos de urgência. Isto vale tanto para a tutela antecipada como para a
cautelar, vez que este pressuposto é comum a ambas.
Esta hipótese de antecipação da tutela pode ser requerida em inúmeros
momentos do processo, podendo inclusive ser deferida antes mesmo da citação do
réu, por analogia ao art. 804 do CPC, que trata das hipóteses de concessão de tutela
cautelar sem a audiência da parte contrária, como afirma Reis Friede8. Isso porque
muitas vezes a citação do réu pode tornar ineficaz o provimento pretendido. Por
8 R.Friede, “Limites objetivos para a concessão de medidas liminares em tutela cautelar e em tutela antecipatória”,2000, pg. 157.
isso, antes da reforma do CPC de 1994, era tanto utilizada a expressão “ação
cautelar inominada” com finalidade satisfativa, pela semelhança entre as duas
modalidades de tutela, por ambas sugerirem importante urgência.
3.4. Do abuso de direito de defesa por parte do réu
Prevista no inciso II do art. 273 do CPC, esta seria a segunda hipótese de
antecipação da tutela descrita neste artigo. Neste caso, deve ser provado o abuso de
direito de defesa por parte do réu ou seu intuito de protelar o desfecho da demanda.
Assim, o Estado tem o poder de punir o réu por abusos por ele praticados no
processo, denominando-se esta espécie de tutela antecipada como antecipação-
sanção.
Esta foi a forma encontrada pelo legislador de coibir o réu a se utilizar
indevidamente do processo, já que a sanção pecuniária e a possibilidade de
ressarcimento por perdas e danos não se mostraram suficientes.
Foi criada neste inciso uma modalidade pura de tutela antecipada, separada
dos requisitos de urgência e do dano, mas ao mesmo tempo ligada à aparência do
bom direito e à inconsistência da defesa do réu, que autorizam uma satisfação
antecipada do direito do autor.
O abuso do direito de defesa pode ser comprovado de muitas maneiras. Uma
delas é o réu que interpõe infundados recursos contra as decisões judiciais, visando
uma demora maior para a satisfação do direito pleiteado pelo autor. Neste exemplo
é encontrado também o propósito protelatório do réu, uma vez que este atrasa a
demanda por recorrer sem válida motivação.
Com a concessão da tutela antecipada por abuso de direito de defesa ou
manifesto intuito protelatório do réu é atendido o princípio constitucional da
efetividade do processo, pois permite que o tempo do processo seja distribuído
entre as partes litigantes de acordo com a evidência do direito afirmado pelo autor e
a fragilidade da defesa apresentada pelo réu.
3.5. Do Perigo de irreversibilidade
O §2º do art. 273 do CPC, como já exposto previamente, estabelece que se
houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório, a tutela antecipada
não poderá ser concedida pelo juiz.
A tutela antecipada nada mais é do que um provimento provisório que
antecipa os efeitos do pedido inicial antes de ser atingida a cognição plena. Dessa
forma, o magistrado pode chegar à conclusão de que as coisas são diferentes do que
aparentavam ser no momento em que deferiu a tutela, proferindo então sentença de
improcedência da demanda. Assim, retornam as partes ao estado do início do
processo. Por esta razão não pode haver risco de irreversibilidade dos efeitos do
provimento antecipatório, caso contrário, o réu será lesado em seu direito de
maneira permanente.
Há uma certa dificuldade em conceituar-se a irreversibilidade referida, uma
vez que não se sabe ao certo o que é de fato irreversível por completo. Em uma
primeira análise, dificilmente um dano poderia ser irreversível, já que tanto o moral
como o material podem ser ressarcidos através de perdas e danos, isto é,
indenização pecuniária. Mas como lembra Carreira Alvim9, é possível que haja
situação em que a parte beneficiada pela tutela não tenha condições de suportar a
elevação do custo, necessária para a reparação do dano.
Deve então o juiz utilizar-se do princípio da proporcionalidade para “pesar”
na balança da justiça até que ponto os efeitos do provimento seriam irreversíveis,
ou ainda, até onde uma indenização em pecúnia poderia ressarcir os danos sofridos
pelo réu. Ao mesmo tempo, deve ele ponderar se, em havendo risco iminente de
perecimento do direito do autor, mais vale optar pela possível irreversibilidade dos
efeitos do provimento, não sendo este concedido, ou pelo deferimento da tutela
para que não haja perda ou lesão ao direito do autor, devendo este indenizar o réu
na hipótese de improcedência da demanda.
Em relação a este assunto, o egrégio Superior Tribunal de Justiça de São
Paulo já decidiu que “a exigência da irreversibilidade inserta no §2º do artigo 273
do Código de Processo Civil não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel
instituto da tutela antecipada não cumprir a excelsa missão a que se destina” 10.
3.6. Do pedido em parte incontroverso
Reza o §6º do artigo 273 do CPC que a tutela antecipada poderá ser
concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se
incontroverso. Em outras palavras, o pedido, ou parte dele, que não for impugnado
pela parte contrária, poderá ser objeto de tutela antecipada.
9 C.Alvim, “CPC reformado”, p.125.10 STJ, Resp 144.656/ES, 2ª. T., un, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU 27.10.1997, pg.54.778.
A Lei nº 10.444/02 acrescentou este parágrafo ao art. 273 porque não há
razão para que o direito não seja admitido, já que sobre ele não há controvérsia.
Seria esta uma hipótese de julgamento parcial antecipado da lide, regido pelo artigo
330 do CPC. Teríamos, então, uma decisão judicial que versa apenas sobre uma
parte do mérito, mas sem a potencialidade de pôr termo ao processo, sendo ela
passível do recurso de agravo, como afirma Athos Gusmão Carneiro11.
4. Legitimação para requerer a antecipação da Tutela Antecipada
Pelo art. 273 do Código de Processo Civil, a antecipação da tutela será
apreciada a requerimento da parte que formulou o pedido inicial. Dessa forma,
pode ser requerida pelo autor, pelo réu reconvinte – que nada mais é que o autor da
reconvenção e pelo opoente (autor na ação de oposição). Assim é o pensamento
predominante na doutrina e na jurisprudência brasileiras.
Também podem requerer a antecipação da tutela os intervenientes, como o
assistente litisconsorcial e o Ministério Público, na condição de fiscal da lei, em
benefício da pessoa assistida ou protegida.
11 A.G.Carneiro, “Da antecipação de tutela”, 2002, pg. 60.
Para Athos Gusmão Carneiro12, quanto à parte que promove a denunciação
da lide é duvidosa a possibilidade de que possa requerer a tutela antecipada, pois a
denunciação descaracteriza a verossimilhança da alegação, uma vez que a parte
denuncia a lide ao terceiro prevendo a eventualidade de que venha a perder a
demanda. Para este mesmo doutrinador, o réu não poderia requerer a antecipação
em seu favor em relação a pedido contraposto feito na contestação. Isso porque este
provimento de urgência visa distribuir o ônus do tempo no processo, evitando
prejuízo para o autor.
Já para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart13, seria sim
possível que o réu pedisse a antecipação da tutela de seu pedido contraposto
realizado em contestação, uma vez que está formulando um pedido em desfavor do
autor. Também lhes parece justo que o réu tenha direito a requerer tutela
jurisdicional de conteúdo declaratório, por rejeitar o pedido do autor. Assim, a
tutela antecipada inibirá o autor de praticar atos que poderiam impedir o réu de
praticar o ato que, em caso de improcedência, será declarado legítimo. Ainda no
pensamento destes autores, tanto o autor como o réu denunciantes da lide podem
pedir a antecipação da tutela contra o denunciado, sabendo-se que os primeiros
podem obter ressarcimento do último em ação regressiva contra ele por razão de
prejuízos decorrentes de eventual sucumbência.
12 A.G.Carneiro, “Da antecipação da tutela”, 2002, pg.57.13 L.G.Marinoni e S.C.Arenhart, “Manual do processo de conhecimento”, 2001, pg.228.
5. Tutela Antecipada Ex Officio
A tutela antecipada ex officio nada mais é do que a tutela antecipada
concedida de ofício pelo juiz. O art. 273 do Código de Processo Civil não prevê
expressamente esta hipótese, porém, parte minoritária da doutrina afirma ser esta
possível.
Para a corrente doutrinária majoritária, a própria lei especifica ser possível a
concessão da tutela antecipada apenas a requerimento da parte, tendo o juiz a
obrigação de antecipar a tutela se preenchidos os requisitos legais, por ser este um
direito subjetivo pessoal e não uma discricionariedade do magistrado. Concordam
Athos Gusmão Carneiro14 e Luiz Guilherme Marinoni15 que estão legitimados a
requerer a tutela antecipada o autor e o réu reconvinte, além das hipóteses que
permitem tal requerimento por parte de terceiros interessados. Os referidos autores,
14 A.G.Carneiro, “Da antecipação da tutela”, 2002, pg.57.15 L.G. Marinoni e S.C.Arenhart, “Manual do processo de conhecimento”, 2001, pg.228.
em suas respectivas obras infra mencionadas, sequer fazem menção da
possibilidade da concessão ex officio do provimento antecipatório em estudo.
Entretanto, para Fernando Luís França16 é primordial interpretar o texto
normativo de forma a conferir ao juiz a possibilidade de antecipar a tutela, de
ofício, quando houver violação da norma pelas partes como forma de alcançar a
efetividade e celeridade processuais. É válido frisar que o autor considera como tal
violação à norma o abuso de direito de defesa e o manifesto intuito protelatório do
réu.
Este mesmo doutrinador explica processualmente sua posição por entender
ter caráter sancionatório a antecipação da tutela no caso de comportamento ilícito
das partes em violar a norma, como se este fosse um poder do Estado de punir a
parte em questão através do juiz. Já constitucionalmente, o estudioso em questão se
justifica por entender ser a subordinação da antecipação da tutela ao pedido da
parte, em caso de abuso de direito de defesa e manifesto propósito protelatório,
uma forma de negar o acesso à justiça, uma vez que obstaculariza o próprio Poder
Judiciário de prestar a jurisdição de forma célere e efetiva, o que torna tal sujeição
inconstitucional.
6. O momento para requerer e conceder a antecipação da tutela
6.1. Da antecipação deferida no início do processo
Esta é a etapa mais comum em que é requerida a tutela antecipada, isso
porque é o momento em que o autor ingressa com a ação, pleiteando seus direitos e,
muitas vezes, necessitando da antecipação destes ou de seus efeitos desde o início.
A controvérsia doutrinária nesta fase da demanda surge em relação ao
deferimento do provimento antecipatório sem a audiência da parte contrária, isto é,
antes da citação do réu. Como já exposto anteriormente, segundo Reis Friede17, a
maioria da doutrina e da jurisprudência afasta essa possibilidade por completo.
Porém, há também um entendimento de que nas mesmas hipóteses cabíveis na
medida cautelar pelo artigo 804 do Código de Processo Civil, urgência excepcional
ou casos em que a citação do réu possa tornar ineficaz o provimento, são aplicáveis
16 F.L.França, “A antecipação de tutela ex officio”, 2003.17 R.Friede, “Limites objetivos para a concessão de medidas liminares em tutela cautelar e em tutela antecipatória”,2000, pg. 157.
por analogia à tutela antecipada, permitindo que esta seja concedida de maneira
inaudita autera pars (sem a audiência da parte contrária).
6.2. Da antecipação requerida antes da instauração do processo
Este é mais um motivo de controvérsia doutrinária, pois a lei menciona a
antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, supondo-se que tal
pedido tenha sido feito em juízo. Mesmo com a omissão quanto a esta modalidade
de tutela antecipada pelo código, ela é aceita através de ações cautelares
inominadas, como no caso de pedido de sustação de protestos.
6.3. Da antecipação em sede de sentença e em grau recursal
Se o juiz, após encerrada a instrução, se convencer da necessidade de deferir
imediata tutela ao autor, assim poderá outorgar a tutela satisfativa, como um dos
capítulos da sentença. Como afirma José Roberto Bedaque18, a antecipação
concedida na própria sentença tem como conseqüência exatamente retirar o efeito
suspensivo da apelação”. Esta nada mais é do que autorização para execução
provisória da sentença.
Salienta Cândido Dinamarco19 que o juiz pode deferir a antecipação da tutela
na própria sentença de mérito, como um de seus capítulos, não sendo correto
desdobrar o ato judicial como se contivesse uma sentença e uma decisão
interlocutória.
18 J.R.Bedaque, “Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência”, 2001, pg. 367.19 C. DINAMARCO, Tutela de urgência. Rev. Jurídica, vol.286 – agosto de 2001, pg. 18.
A tutela antecipada pode também ser requerida no processo já em grau
recursal, sendo então o pedido formulado ao desembargador relator.A urgência
pode se caracterizar pela demora resultante do acúmulo de processos, ou da
necessidade de remessa dos autos para manifestação do Ministério Público.
6.4. Da antecipação concedida após a sentença
Outro momento em que é possível o requerimento da antecipação da tutela é
após a sentença, no lapso temporal entre a publicação desta e da distribuição da
apelação no tribunal competente. Neste caso, aplica-se, por analogia, a norma da
medida cautelar incidental do artigo 800, parágrafo único do CPC, que prevê a
interposição deste provimento diretamente no tribunal.
7. Do recurso cabível e seus efeitos
A tutela antecipada é uma medida liminar, portanto, nada mais é do que
uma decisão interlocutória, já que é uma decisão através da qual o juiz, no curso
do processo, resolve questão incidente; assim reza o artigo 162, §2º do Código
de Processo Civil.
O artigo 522 do código supra mencionado diz ser cabível, no prazo de dez
dias, o recurso de agravo, retido nos autos ou de instrumento, em face das
decisões interlocutórias. Logo, o recurso cabível contra uma decisão de tutela
antecipada é o de agravo. Se este for de instrumento, será endereçado ao
Tribunal competente e lá julgado ao mesmo tempo em que a demanda corre em
primeiro grau. Se for retido nos autos, será somente apreciado na eventualidade
da interposição do recurso de apelação, sendo apreciada então somente em
segundo grau pelos Desembargadores do Tribunal, ou turma colegiada - caso
seja competência de Tribunal de Alçada -, como preliminar.
No caso de agravo de instrumento, o Desembargador Relator poderá
atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 527, II, CPC), nos casos previstos em
lei (art. 558, CPC) o que suspenderá os efeitos da decisão, tendo ela deferido ou
não o pedido de antecipação de tutela.
Entretanto, surge dúvida quanto ao recurso cabível em relação à
antecipação da tutela em sede de sentença, que permite a execução imediata de
seus efeitos, uma vez que se trata de uma decisão interlocutória por excelência
proferida em um capítulo da decisão que põe fim ao processo em seu atual grau
de jurisdição. A dúvida em questão é se o recurso cabível seria o de apelação, ou
se seria permitida a interposição de duplo recurso, tanto de apelação como de
agravo de instrumento. Porém, esta solução confrontaria o Princípio Processual
Civil da Unirrecorribilidade, que estabelece que será interposto apenas um só
recurso por decisão, salvo exceções previstas em lei.
Como o recurso de apelação tem duplo efeito a ele atribuído, artigo 520,
CPC, tanto devolutivo como suspensivo, a tutela antecipada proferida em
sentença seria uma maneira de fazer com que este recurso fosse apenas recebido
em seu efeito devolutivo, isto é, a antecipação da tutela seria uma maneira tornar
a sentença executável antes de seu trânsito em julgado, o que suspende o efeito
suspensivo da apelação. Em outras palavras, o magistrado então, prevendo o
efeito suspensivo da apelação, concede a tutela antecipada na sentença,
permitindo sua execução imediata.
8. Conclusão
A medida de urgência estudada nesta pesquisa científica tem importância
não só legal ou filosoficamente, mas em especial na prática, pois satisfaz em parte
ou em todo os efeitos do pedido do autor, mesmo que provisoriamente, devendo o
autor ressarcir o réu caso seu pedido seja julgado improcedente. Sua utilização
torna-se cada vez mais freqüente, principalmente pela grande morosidade da
Justiça, que sempre prejudica o autor, que já inicia a demanda em desvantagem, por
ter um direito seu lesionado ou ameaçado.
Freqüentemente confundido com a medida cautelar, o provimento
antecipatório tem características próprias que o diferem desta referida medida. A
tutela cautelar tem por excelência característica instrumental, visando apenas o
válido andamento do processo através da aparência do direito do autor (fumaça do
bom direito / fumus boni iuris) e do perigo da demora do processo (periculum in
mora). Já a tutela antecipada visa resguardar o próprio direito material do autor, por
isso possui caráter satisfativo, através de um exame mais aprofundado da lide, que
exige prova inequívoca para formar o convencimento do juiz quanto à
verossimilhanças da alegação do autor.
A antecipação da tutela é uma forma de auxiliar o autor a ter seu direito
integrado ao seu patrimônio desde o início da demanda, podendo também ser
requerida no curso desta ou em outras hipóteses especiais já estudadas neste
trabalho. Ao mesmo tempo, através deste provimento, torna-se viável a garantia
prevista no art. 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988: “A lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”.
Assim, a minha conclusão pessoal a respeito da tutela antecipada é de que
seus benefícios são incontáveis, podendo desde simplesmente resguardar um direito
material do autor de um dano irreparável ou de difícil reparação, como até mesmo
punir o réu contra abusos praticados por ele ao longo do processo, de maneira
alternativa ou cumulativa à sanção em pecúnia. Outrossim, este provimento
antecipatório devolve a efetividade ao processo, perdida pela morosidade da justiça
ou pelo propósito protelatório do réu, redistribuindo o tempo entre as partes
litigantes de acordo com a evidência do direito do autor e com a falta de
argumentos plausíveis do réu. Desta forma, conseguimos trazer para a esfera
processual um pouco da igualdade protegida pela Constituição e tão desejada por
todos os povos desde a formação da primeira sociedade civilizada.
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