Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática
Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos
Marílio Salgado Nogueira (Org.)
ISSN: 2316-9583
II Encontro sobre Gramática: teoria e prática Fortaleza, CE – 04, 05 e 06 de novembro de 2014
www.encontrogramatica.blogspot.com.br
Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos
Marílio Salgado Nogueira (Org.)
Departamento de Letras Estrangeiras
Fortaleza – CE
©Universidade Federal do Ceará Grupo de Estudo em Modalidade Deôntica - GEMD
EXPEDIENTE Revisão geral Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos Marílio Salgado Nogueira Revisão de texto Carlos Alberto de Souza Projeto editorial Grupo de Estudos em Modalidade Deôntica - GEMD Projeto gráfico e diagramação Maria Fabíola Vasconcelos Lopes Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos Marílio Salgado Nogueira Capa Marílio Salgado Nogueira
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará Biblioteca de Ciências Humanas
E46a Encontro sobre gramática : teoria e prática (2. : 2014 : Fortaleza,CE).
Anais do II Encontro sobre gramática: teoria e prática, Fortaleza, CE – 4 a 6 de novembro de 2014 / organizadoras, Maria Fabíola Vasconcelos Lopes, Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos, Marílio
Salgado Nogueira. – Fortaleza : s.n., 2014.
124 f. : il. color., enc. ; 30 cm.
Evento realizado pela Universidade Federal do Ceará. Grupo de Estudo em Modalidade Deôntica. ISSN 2316-9583
1.Língua portuguesa – Gramática – Estudo e ensino. 2.Análise linguística. 3.Linguística aplicada. I. Lopes, Maria Fabíola Vasconcelos. II. Vasconcellos, Maria Manolisa Nogueira. III. Nogueira,
Marílio Salgado. IV.Título.
CDD 469.5
Comissão Organizadora
Coordenação Geral Profa. Dra. Maria Fabíola Vasconcelos Lopes - UFC Profa. Ms. Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos – UFC Prof. Ms. Marílio Salgado Nogueira - SEDUC Comissão Científica Prof.ª Dr.ª Eliane Carolina de Oliveira (Universidade Federal de Goiás - UFG) Prof.ª Dr.ª Clarissa Menezes Jordão (Universidade Federal do Paraná - UFPR) Prof.ª Dr.ª Maria Medianeira de Souza (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE) Prof.ª Dr.ª Maria Valdênia Falcão do Nascimento (Universidade Federal do Ceará - UFC) Prof. Dr. Ronaldo Mangueira Lima Junior (Universidade Federal do Ceará – UFC) Prof. Dr. Gabriel de Ávila Othero (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS) Prof.ª Ms. Germana da Cruz Pereira (Universidade Federal do Ceará - UFC) Prof.ª Ms. Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos (Universidade Federal do Ceará - UFC) Prof.ª Ms. Diana Costa Fortier Silva (Universidade Federal do Ceará - UFC) Equipe de Apoio Clarisse Magno da Silva Silmara de Sousa Gomes Samira Silva de Souza
Créditos Prof. Dr. Carlos Alberto de Souza - Revisão Textual do Blog Prof. Ms. Marílio Salgado Nogueira - Criação do Blog e Editoração Antônio José Azevedo - Servidor Técnico - Administrativo (DLE/UFC)
Universidade Federal do Ceará
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Centro de Humanidades
Diretora do Centro: Profa. Vládia Maria Cabral Borges Vice-Diretor: Prof. Cássio Adriano Braz de Aquino
Departamento de Letras Estrangeira
Chefe do Departamento: Cícero Anastácio Araújo de Miranda
OBS: Todos os resumos deste livro foram elaborados por seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo à comissão organizadora do evento.
SUMÁRIO Apresentação
A alternância das formas pronominais te e lhe em cartas pessoais do Ceará ....................... Francisco Jardes Nobre de ARAÚJO/Hebe Macedo de CARVALHO
17
A formação do futuro no português do Brasil: notas diacrônicas e sincrônicas .................. Paulo Sérgio de PROENÇA
25
A articulação teoria e prática no minicurso “A ludicidade no ensino de Língua
Portuguesa”: a gramática em foco ............................................................................................ Delma Pachecho SICHU
36
Advérbios: descrição e análise de suas concepções nas gramáticas de Evanildo Bechara,
Celso Cunha, Manoel P. Ribeiro e Rocha Lima ...................................................................... Vanessa Teixeira de OLIVEIRA
42
A alternância de nós/a gente na produção de textos de alunos do 8º ano do Ensino
Fundamental ………………………………………………………………………………… Ana Paula Martins ALVES/Giselli FREITAS/Maria Vanderlúcia Sousa TABOSA
53
A Gramática de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) com experiência visual entre
surdos e ouvintes: discutindo verdades e mitos ....................................................................... Marcus Weydson PINHEIRO
63
A gramática nos textos didático-pedagógicos, em especial o livro didático .......................... Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva
70
Funcionalismo, Dr. House e a Gramática no Ensino de Língua Inglesa ............................... Larisse Carvalho de OLIVEIRA
79
Gramática Fonológica Funcional: o gesto como unidade básica ...........................................
Ronaldo Lima JÚNIOR
88
Gramáticas em Língua Inglesa: formalistas ou funcionalista? .............................................. Larisse Carvalho de OLIVEIRA
99
Intertextualidade e gramaticalidade no gênero textual tirinha: um estudo de caso ............ Ariadna Rodrigues Probo AMARA/Elizandra Dias Brandão CLÍMACO
109
Língua Portuguesa no ensino superior ..................................................................................... Raquel Figueiredo BARRETO
116
O conector sem e a expressão de modo em orações adverbiais reduzidas de infinitivo ....... Marta Anaísa Bezerra RAMOS/Camilo Rosa SILVA
124
O ensino de gramática através da leitura de textos ................................................................. Francineide dos Anjos TEIXEIRA
133
O ensino de língua portuguesa: algumas estratégias ............................................................... Maria Celeste de Souza CARDOSO
142
O ensino gramatical das gramáticas de língua portuguesa: razões para seu insucesso ....... Paulo Mosânio Teixeira DUARTE
152
O Estudo dos Pronomes na Perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo: Experiência
Didática no Estágio de Língua Portuguesa .............................................................................. Victor Flávio Sampaio CALABRIA/Eulália Vera Lúcia Fraga LEURQUIN 162
O predicado nominal em análise ............................................................................................... Tatiana Schwochow PIMPÃO
171
Os elementos linguístico-discursivos na constituição da coesão nominal em produções
escritas em PLE .......................................................................................................................... Eulália Vera Lúcia Fraga LEURQUIN/Meire Celedônio da SILVA
180
Práticas e Contexto do ensino da Língua Portuguesa em Roraima ............................... Luzineth Rodrigues MARTINS/Cristiani Dália de MELLO
193
Relação causal entre processamentos inferencial e referencial: problematização ............... Maria Manolisa Nogueira VASCONCELLOS
202
Representações sobre o ensino de gramática e suas implicações para o agir do
professor de língua materna em formação inicial .......................................... ................ Manoelito GURGEL 212
Teorias Linguísticas e suas Concepções de Gramática: alcances e limites ............................ Francisco Elton Martins de SOUZA/Mônica de Souza SERAFIM
222
Texto e gramática: porque não há você sem mim .................................................................................
Maria Claudete LIMA
231
Um tratamento reflexivo da gramática: estudo da interjeição através de Histórias em
Quadrinhos .................................................................................................................................. Ana Maria Pereira LIMA/Antonio Lailton Moraes DUARTE
240
APRESENTAÇÃO
O Grupo de Estudos em Modalidade Deôntica, vinculado ao Departamento de Letras
Estrangeiras, e o Programa de Pós-Graduação em Linguística do Departamento de Letras Vernáculas,
ambos do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará, têm a satisfação de apresentar
os anais do II Encontro sobre gramática: teoria e prática, evento realizado em Fortaleza, nos dias
4 – 6 de novembro de 2014.
Com o respaldo das ciências da linguagem, estes anais alimentam o debate público sobre a
questão da gramática e de seu ensino a partir de diferentes perspectivas: estruturalista, gerativa,
funcionalista, etc. Tais perspectivas, a nosso ver, já não suportam mais as fronteiras que lhes têm sido
impostas pelo seu próprio corpo de teorias, devendo, portanto, buscar instaurar relações de interface à
revelia de qualquer limite formal que venha a se impor. E é exatamente nessa interface que nosso
evento e, consequentemente, estes anais se colocam: no diálogo entre as várias vertentes linguísticas
para análise do mesmo fenômeno. Assim, os artigos aqui publicados, 25 no total, representam visões
convergentes e divergentes de tema ainda bastante polêmico nos dias atuais: a gramática.
Este material é dedicado aos pesquisadores da área, professores de português, LIBRAS,
línguas estrangeiras (modernas e clássicas), ao público em geral, enfim, a qualquer pessoa que se
preocupe ou se inquiete com questões de gramática e de seu ensino na escola.
Por fim, queremos expressar nossos sinceros agradecimentos a todos que colaboraram de
forma direta ou indireta para a realização do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática e para
a concretização destes anais que entendemos ser uma contribuição efetiva no sentido de instituir
diálogos possíveis entre estudiosos e interessados, mesmo que de filiações acadêmicas diversas.
Profa. Dra. Maria Fabiola Vasconcelos Lopes.
Profa. Ms. Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos.
Coordenadoras.
Por Maria Fabiola Vasconcelos Lopes
Coordenadora Geral
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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A ALTERNÂNCIA DAS FORMAS PRONOMINAIS TE E LHE EM CARTAS
PESSOAIS DO CEARÁ1
Francisco Jardes Nobre de Araújo2
Hebe Macedo de Carvalho3
Resumo:
Este estudo tem como objetivo analisar a alternância dos pronomes te e lhe com referência a 2ª
PESS SING em uso, nas cartas pessoais escritas no Ceará, durante o século XX, à luz dos
pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1972,1994). A
amostra a ser analisada é composta por 186 cartas pessoais. Busca-se investigar a atuação dos
grupos de fatores linguísticos tempo verbal e posição do pronome em relação ao verbo e da
variável social sexo/gênero na alternância das formas. Em seguida, são apresentados os resultados
dessa alternância por remetentes das cartas, com o objetivo de refinar a análise e descrever a
distribuição dessas formas por autor. Os dados analisados foram submetidos ao programa
computacional GoldVarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) e indicam que a
alternância te e lhe apresenta percentuais de uso bastante equilibrados quando se considera a
análise do conjunto das cartas. Já na análise por remetente, os resultados demonstram que há
autores que só usaram a forma te, autores que só usaram a forma lhe e autores que fazem a
alternância te/lhe em sua escrita.
Palavras-chave: Variação pronominal. Pronomes te/lhe. Cartas pessoais. Sociolinguística
Variacionista.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem como foco a variação linguística das formas pronominais te/lhe com
referência à 2ª pessoa do discurso. Os dados analisados foram coletados de cartas pessoais escritas
por cearenses de 1940 a 2000. A coleta das cartas deu-se em Quixadá, a 167 km da capital
Fortaleza. A amostra é composta por 186, sendo 94 cartas escritas por homens e 92 escritas por
mulheres. Para a análise estatística dos dados, utilizamos o programa GoldVarb X (SANKOFF;
TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), ferramenta computacional para análise de fenômenos
linguísticos variáveis. Os resultados fornecidos pelo GoldVarb X serão apresentados na seção de
análise dos dados em que constam a discussão e a interpretação dos dados com base em tabelas,
figuras e ilustrados com trechos de cartas da amostra. O artigo traz, portanto, uma descrição e
reflexão no que se refere ao estudo em tela.
1 Este texto é baseado nas seções 5.2, 5.3, 5.4.1 e 5.4.2 da dissertação intitulada “A variação ‘te’/‘lhe’ em cartas
pessoais de cearenses no século XX, de Francisco Jardes Nobre de Araújo, orientada pela Profa Dra Hebe Macedo de
Carvalho.
2 Mestre em Linguística – Universidade Federal do Ceará; integrante do Grupo de Pesquisas em Sociolinguística
(SOCIOLIN-CE/UFC); Professor de Língua Portuguesa na Escola de Ensino Médio Coronel Virgílio Távora, na
cidade de Quixadá, CE.
3 Doutora em Linguística – Universidade Federal do Ceará; Professora do Departamento de Letras Vernáculas/UFC e
do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL-UFC); Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em
Sociolinguística (SOCIOLIN-CE).
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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2 A VARIAÇÃO DAS FORMAS PRONOMINAIS TE E LHE
Conforme LYONS (2011, p. 235), na maioria das línguas naturais, existe uma
distinção entre o que se chama convencionalmente de pronomes de tratamento polidos (formas V
– de vos, em latim) e pronomes de tratamento familiares (formas T – de tu, em latim) para se
referir ao interlocutor (2ª PESS SING). Brown e Gilman (1960) observam que o uso dessas formas
de tratamento norteia-se por dois princípios, o de “poder” e de “solidariedade”.
Duarte (1993) afirma que a competição das formas tu (forma T) e você (forma V) no
português brasileiro (doravante PB) acentuou-se no início do século XX, o que pode ter ocasionado
a variação entre as formas oblíquas de tu e você. As formas V (você, o/a, lhe, se, si, seu), que
continham os valores comunicativos de polidez e de formalidade, passaram também a ser usadas
como forma T, ao lado de tu, te, ti e teu, ocasionando a competição dessas variantes entre si.
Rumeu (2013), que estudou o pronome você em cartas de uma família carioca escritas em fins do
século XIX e na primeira metade do século XX, também afirma que você passou a ser mais
produtivo nos anos 30.
A variação entre as formas te e lhe constitui uma das variações pronominais mais
recorrentes no português falado no Brasil, em diversas regiões do país. Bagno (2012, p. 230),
reconhece a forma lhe, como índice de 2ª pessoa na fala culta do PB, como um recurso legítimo e
ressalta que a alternância das variantes te e lhe apresenta variação regional: o pronome te
predomina em São Paulo e em grande parte de Minas Gerais (RAMOS, 1997; MOTA, 2008),
onde tu caiu em desuso. Já o pronome lhe é muito frequente no Nordeste, especificamente nos
estados do Ceará, onde se ouve mais tu do que você (SOARES, 1980), e da Bahia (ALMEIDA,
2009).
A forma lhe, do latim illi, dativo da 3ª PESS SING, a que as gramáticas tradicionais
atribuem a função de objeto indireto com referência a pessoas, tem sido usada na língua também
na função de objeto direto, como observam Boléo (1943), Nascentes (2003) e Monteiro (1994),
por exemplo. Uma vez que lhe, originalmente de 3ª PESS, passou a ser usado como dêiticos para
indicar a 2ª PESS, registra-se a variação desse pronome com te, o que pode ser verificado em (1),
trecho de uma carta de amigos escrita em 1973. O exemplo que segue foi retirado da amostra que
compõe o banco de dados deste estudo.
(1) Você não imagina como lhe esperei na agência [...] Não sei bem o que eu faria se
algum dia eu te reencontrasse [C058-5.8.1974]4.
Note-se, em (1), que tanto a forma lhe quanto a forma te assumem, na mesma carta,
valor de 2ª PESSOA com função sintática de objeto direto.
A seguir serão detalhados os procedimentos metodológicos adotados para a coleta, a
codificação e, consequentemente, análise de dados.
3 ANÁLISE DOS DADOS
Como já dissemos, os resultados a serem apresentados foram fornecidos pelo
programa GoldVarb X que recebeu como input ocorrências dos pronomes em alternância te e lhe
coletados de 186 cartas pessoais escritas por cearenses, durante o século XX.
Ao todo, somaram-se 481 ocorrências das quais 51% (245 dados) foram de lhe e 49%
(236 dados) de te. A alternância nas cartas é muito frequente e apresenta resultado bem
equilibrado entre as duas formas em competição.
3.1 Sexo dos autores/remetentes das cartas
4 As informações entre colchetes remetem a enumeração das cartas da amostra que compreende C001 a C186,
seguidas da data em que foram escritas.
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Das 186 cartas, 94 foram escritas por homens e 92 foram escritas por mulheres. A
recorrência aos pronomes te e lhe com valor de 2ª PESS foi 55, 9% em cartas de homens e 44,1%
em cartas de mulheres. Como se pode observar essa diferença não é significativa, isso talvez
justifique a não seleção desse grupo de fatores. Os resultados estão na tabela a seguir.
Tabela 1- Percentual de uso do lhe por sexo/gênero dos autores
Sexo/Gênero Ocorr./Total %
Homens 139/269 52
Mulheres 106/211 50
Total 245/480 51
No caso da variação aqui analisada, a diferença percentual no uso do pronome lhe por
cartas de homens (51,7%) e por cartas de mulheres (50%) foi mínima, com percentual de diferença
de apenas 1,7%. O exemplo, a seguir, é de uma carta familiar de autoria masculina, escrita na
década de 40. A forma lhe foi mais recorrente do que o te. (2) Ainda não tinha lhe escrito porque até então não tínhamos certeza da sua
rezidência (...) Zeca passo agora contarte algo de alguma couza da minha vida ministerial (...) O Juvito tem lhe escrito? (...) Zeca eu te envio esta
minha fotografia, que terei quando estava no Pará; pesava 75 Kilos. (...)
Iracema vai lhe escrever algumas cousas (...) todos nós lhe saudamos em nome do Senhor Jesus [C002-5.10.1940].
Já na carta familiar de autoria masculina da década 60, o uso de lhe é categórico.
Segue o exemplo. (3) Hontem tive a honra, de receber a sua missiva de 25 do p. p. aqual com prazer
respondo-lhe (...) o que houve foi falta de concideração, e de espírito cristão,
em lhe julgarem (...) se a igreja em Fortaleza, lhe chama-se para pastoria-la
(...) A sua querida irmã Ernestina lhe espera (...) para lhe dar um abraço, que amuitos anos deseja (...) e lhe oferecer uma feijoada. (...) Desculpe em ter
lhe tomado o tempo [C034-3.8.1966].
O mesmo se dá no trecho da carta, a seguir, escrita na década de 80, também de
autoria masculina. (4) Quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer que não quero que esta
carta venha trazer inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um
tanto preocupado (...) Já lhe fiz algum mal? (...) Será que em algum momento não lhe fui útil? (...) Será que no futuro também não posso lhe
servir em alguma coisa? (...) Gostaria de lhe assegurar que sou candidato (...)
e queria lhe pedir como irmão o seu apoio (...) Mas gostaria também de lhe
propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe sujeria uma coisa muito importante (...) Eu lhe asseguro que não falarei mal de você, ok? (...)
Será que isso não lhe serviu ao menos de favor? (...) Lembro novamente a
você a sujestão que lhe faço [C162-30.6.1988].
Nas cartas de mulheres da amostra, a forma te ocorreu com mais frequência, como
mostram trechos de duas cartas familiares, uma escrita na década de 40 (5) e outra na década de 70
(6). (5) Zéca a muito que te escrevo e não me respondes. (...) Esperamos a resposta
desta, para poder te remeter uns retratos. (...) Os meus filhos te pedem a
bençam. [C004-11.11.1943].
(6) Mais vou te explicar (...) queria já te escrever da Bahia (...) tem tanta coisa pra
te contar (...) Ezequias pede que ao te escrever mandasse um abraço (...)
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Minhas cunhadas gostaram tanto da senhora e te acharam bonita (...) te
mandam abraços [C088-9.10.1978].
Embora a diferença em termos percentuais do uso do lhe entre homens e mulheres não
seja realmente significativa, como mostra a tabela 1, é possível afirmar que os homens usaram
mais essa forma do que as mulheres, confirmando nossa hipótese inicial.
3.2 A alternância dos pronomes te e lhe por remetentes das cartas
De posse dos resultados gerais em que o percentual da variação das formas te e lhe
apresenta-se relativamente equilibrado nas cartas cearenses (51% de lhe e 49% de te), nosso
objetivo nesta seção é investigar o uso dessas formas por remetentes das cartas. Interessa-nos
analisar com detalhes até que ponto essa alternância/variação se mantém por remetente e saber
qual a distribuição dessas formas na escrita desses autores. Assim, optamos por levantar os dados
a partir de cada autor/remetente.
Ressalte-se que a amostra para efeito deste estudo é composta por 186 cartas, sendo 86
remetentes (39 homens e 47 mulheres), conforme a tabela abaixo.
Tabela 2 – Número de remetentes e a relação de cartas da amostra vs. sexo
Sexo/Gênero N° de remetentes N° de cartas
Masculino 39 94
Feminino 47 92
Total 86 186
De posse da tabela é possível dizer que 39 remetentes homens escreveram 94 cartas e
47 remetentes mulheres escreveram 92 cartas, distribuídas pelas décadas sob controle. Não foi
possível compor células ortogonais entre o número de remetentes e a quantidade de cartas escritas
por período. Em média, temos 2 cartas por remetente em cada período, contudo há casos de
autores/remetentes que só escreveram uma única.
A tabela a seguir apresenta resultados do número de ocorrências categorizado por
remetentes que usaram apenas a forma te, remetentes que alternaram as formas te e lhe em suas
cartas e remetentes que usaram apenas a forma lhe. Os resultados confirmam que a amostra não é
homogênea e a análise por autor das cartas pode nos fornecer uma descrição mais detalhada e
confiável do fenômeno nesses documentos escritos no Ceará.
Tabela 3 - Uso dos pronomes te e lhe década vs. remetente
Décadas Apenas TE Alternância
TE/LHE
Apenas LHE Total de
remetentes
I - 40-50 5 4 9 18
II - 60-70 8 8 21 37
III- 80-90 8 6 17 31
Total 21 18 47 86
Dos números apresentados, constata-se que 68 remetentes se mostraram categóricos
(21 usaram apenas te e 47 apenas lhe) no uso desses pronomes. Note-se também a diferença entre
esses números: há muito mais remetentes categóricos no uso do lhe, confirmando o resultado geral
que apresenta 51% das cartas com a presença dessa forma, bem como pode ser um indício da
preferência desse pronome na região nordeste, especificamente no Ceará. A alternância foi usada
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por apenas 18 remetentes, número inferior ao conjunto de remetentes que fizeram usos
categóricos.
Considerando o controle das cartas por décadas, realizamos o cruzamento das formas
por remetente e por década em que as cartas foram escritas. Na tabela seguinte, é possível conferir
a quantidade de remetente que usou categoricamente as formas te e lhe e que alternaram essas
formas pronominais nas décadas 40-50, 60-70 e 80-90.
A análise por remetentes e por décadas mostra, com detalhes, que a forma lhe foi a
preferida dos autores das cartas cearenses nas décadas I (9 remetentes), II (21 remetentes) e III (17
remetentes), ou seja, 47 do total de 86 autores usaram categoricamente o clítico lhe. A alternância
foi usada por apenas 18 remetentes, demonstrando que esses autores adotam um comportamento
extremamente condizente com os preceitos da gramática normativa, evitando a “mistura de
pronomes”. Seguem, na tabela seguinte, os resultados do uso de apenas lhe nas cartas em termos
percentuais.
Tabela 4 – Resultados em percentual de autores que usaram apenas lhe
Décadas Autores/Total %
I- 1940-50 9/18 50
II - 1960-70 21/37 57
III- 1980-90 17/31 54,8
Total 47/86 54,7
Do total de 86 remetentes, 54,7% usaram apenas lhe em suas cartas. Segue o gráfico
com os percentuais da tabela supracitada e com os percentuais do lhe no conjunto das 186 cartas
da amostra vs. as décadas.
Dos 86 remetentes, merece destaque a autor das cartas C114 e C162 que mais usou lhe
sem alternar com o te. Os trechos de suas duas cartas ilustram esse uso. (7) Eu mandei lhe chamar exatamente para acerta esse negócio [C114-
11.10.1980]
(8) Com estas poucas linhas quero lhe falar de um assunto (...) quero lhe dizer
que não quero que esta carta venha trazer inimizade entre nós dois (...) quero lhe dizer que ando um tanto preocupado (...) Já lhe fiz algum mal? (...) Será
que em algum momento não lhe fui útil? Será que no futuro também não
posso lhe servir em alguma coisa? Gostaria de lhe assegurar que sou
candidato (...) e queria lhe pedir como irmão, o seu apoio (...) Mas gostaria também de lhe propor um pacto (...) peço-lhe uma coisa (...) Eu até lhe
sujeria uma coisa muito importante. (...) Eu lhe asseguro que não falarei mal
de você, ok? (...) Será que isso não lhe serviu ao menos de favor? (...) Lembre-se da sujestão que lhe faço no início desta carta (...) [C162-
30.6.1988]
Note que o remetente usa lhe indiscriminadamente como OD (“mandei lhe chamar”),
como OI (“quero lhe falar”) e como CN (“não lhe fui útil?”).
Dentre os que fizeram uso de apenas te, destacamos o autor das cartas C093 e C105,
cujos trechos transcrevemos abaixo: (9) Deus te dê felicidade (...) que a virgem mãe de Deus te cubra com o manto
(...) Deus te dê paz e paciência e te conserve sempre o mesmo que conhecia
quando colega de aula. [C093-7.5.1979] (10) mamãe e todos te envia um feliz natal (...) Francisco o que posso dizer-te, e
que Deus ilumine teus passos (...) também te envio uma pequena lembrança
(...) tudo que posso dizer-te, o que representa pra mim, é como fosse um
irmão (...) já mais esquecerei te prometo, que sempre seremos amigos fieis. [C105-25.12.1979]
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Tais ocorrências, porém, não trazem nada de inovador quanto ao uso de te, pois, não é
uma só forma usada tanto para o ACUS quanto para o DAT, mas dois homônimos de étimos
diferentes: quando o remetente escreveu “te conserve”, usou o te derivado do acusativo latino tē;
quando escreveu “te dê”, “te envia”, “dizer-te” e “te prometo”, usou o te derivado do dativo latino
tibi.
Como já foi dito, a variação te/lhe foi usada por 18 autores do total de 86. Seguem
alguns exemplos dessa alternância nas cartas C171 e C174, da mesma remetente em que o te
predomina: (11) eu queria poder está aí e até ser uma pessoa em que pudesse fazer você
esquecer quem tanto te magoou (...) O que eu puder fazer para ti ajudar eu estou aqui (...) um dia você irá encontrar alguém que realmente te ama (...)
quero lhe mostrar que não devemos nos desesperar (...) estou aqui para te
ajudar (...) Te Adoro meu amigo [C171-28.8.1992]
(12) Espero que esteje bem, que Deus lhe acompanhe (...) Não lhe escrevi antes
pois estou um pouco ocupada (...) pois como lhe falei, não temos uma pessoa
para investir. Preciso saber + ou – a data que você está aqui, preciso lhe vê (...) queria lhe pedir se possível mandasse para mim duas letras de música
(...) te agradeço por tudo (...) te adoro [C174-9.12.1992]
A situação oposta, ou seja, lhe predominando na variação individual, pode ser
verificada nos trechos das seguintes cartas do mesmo remetente: (13) Você não imagina como lhe esperei na agência e como fiquei triste por ver
que não vinhas. (...) Quero que desculpes o que escrevi naquele enderêço ou
melhor naquele papel que lhe entreguei. (...) Não sei bem o que eu faria se algum dia eu te reencontrasse (...) como é que eu sendo esquecida não
consigo te esquecer. (...) não sei se era de tristeza ou se era vontade de te ver,
mas quando te vi percebi que não era tristeza. (...) Não destrua o enderêço que lhe dei, você irá precisar dele, quando eu voltar para o enderêço que lhe
dei avizarei (...) Peço-lhe inúmeras desculpas se com a chegada desta você
fique aborrecido (...) peço-lhe por tudo que você mais preza não deixe de me
escrever. (...) Francisco já que vou custar a ver-lhe isto é só vou ver-lhe em dezembro. [C058-5.8.1974]
(14) Eu lhe quero como você realmente é e não como queres ser (...) Quanto a
escolha que você me fala pensarei bem e depois mandarei lhe dizer ok? (...)
Na próxima carta mandarei lhe dizer uma coisa muito importante (...) Mais
um grande beijo daquela que não te esquece e que te admira. [C059-9.8.1974]
A análise por remetente nos permitiu comprovar que a amostra de fato não é
homogênea: há escribas em que o uso de uma determinada variante parece ser categórico,
predominando em uns a forma lhe, em outros te. Além disso, há remetentes que oscilam entre as
variantes te/lhe, também ora predominando a escolha por lhe em uns e a escolha por te em outros.
A análise da variação “só do todo” pode mascarar as diferenças e não fornecer detalhes acerca do
fenômeno em variação ou mudança.
Como mostram Menon, Loregian-Penkal e Fagundes (2013), a análise da variação no
indivíduo deixa claro que se pode considerar o todo, porém sem se esquecer das partes
fundamentais que o compõem e permite verificar se a ortogonalidade que a rodada geral apresenta
também existe na amostra individualizada. Ao se considerar o indivíduo, no nosso caso, os
remetentes, obtemos uma descrição mais confiável para dar conta do comportamento da variável
em estudo. Vimos que variação do fenômeno em tela coocorre com usos categóricos e mostrou
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que a forma lhe foi a mais frequente com persistência da função de 3ª pessoa do singular na escrita
das cartas cearenses.
CONCLUSÃO
A análise leva-nos a concluir que, na amostra de cartas pessoais cearenses, a forma lhe
(51%) apresenta competição acirrada com a forma te (49%). Dos 86 remetentes das cartas, 54,6%
empregaram o pronome lhe de forma categórica e apenas 20,9% o empregaram em variação com
te. Outro dado interessante foi constatar que a amostra não é homogênea: os escribas das cartas
tendem a manter o uso do pronome em suas cartas, ou usam apenas te ou apenas lhe. Do total de
86 escribas, somente 18 realizam a alternância te/lhe em suas missivas. Observa-se que os autores
são conservadores em sua escrita e procuram seguir as normas prescritivas da gramática, evitando
a “mistura de pronomes” tão condenada pelos gramáticos tradicionais da língua portuguesa.
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A FORMAÇÃO DO FUTURO NO PORTUGUÊS DO BRASIL:
NOTAS DIACRÔNICAS E SINCRÔNICAS
Paulo Sérgio de Proença (Unilab, Campus dos Malês-BA)
Resumo:
Aborda-se a formação do futuro (no caso do português brasileiro), em perspectiva diacrônica. O
futuro é descrito como um tempo verbal pelas gramáticas. Não seria ele um aspecto verbal, mais
do que tempo? O objetivo é verificar a forma com que o sistema da língua, em momentos
históricos diferentes, se organiza para expressar a noção de futuro no sistema verbal. O quadro
teórico tem amparo em princípios filológicos, com adoção do procedimento metodológico de
comparação entre formas de realização do futuro desde o latim clássico até a atualidade, aí
incluídas algumas línguas irmãs da família românica. A investigação propõe que a formação do
futuro em português incorpora elementos exteriores à gramatica, como a sinuosa relação
psicológica com o futuro; a percepção do passado, que atesta o já vivido (pelo próprio usuário ou
por outros sujeitos), e do presente (em processo) difere de nossas relações com o futuro, porque
ainda não existe, a não ser como projeção volitiva. Os tempos do futuro do latim clássico foram
abandonados pelo latim vulgar, passaram por simplificação e ajustes e foram adotados pelas
línguas latinas vernáculas. Esses ajustes consistiram na criação de novas formas verbais, em sua
maioria perifráristcas, com adoção de um auxiliar, no presente (para o futuro simples do
indicativo). Esse fenômeno indica que possivelmente o futuro não é um tempo verbal, mas um
modo que sugere e conserva as incertezas humanas quanto ao futuro, que não nos pertence; e,
enfim, que essa noção é retratada como um desejo presente de que (se houver futuro) a ação se
realize. Daí que deve ser percebido mais como modo do que como tempo verbal.
Palavras-chave: formação do futuro, sincronia, modo verbal
1 INTRODUÇÃO
O estudo da realização do futuro no latim clássico, no latim vulgar e nas línguas
românicas oferece elementos importantes sobre relações entre linguagem e psiquismo, que
normalmente se perdem nas exposições das gramáticas tradicionais e nas aulas de língua, que
enfatizam somente a perspectiva sincrônica. Certos fenômenos não podem ser explicados apenas
por fatores intralinguísticos: é o caso do futuro, que sofre interveniências da exposição ao
imponderável do porvir. Isso se reflete em arranjos linguísticos apropriados, como se pretende
demonstrar, em que, na formação do futuro, perífrases com o auxiliar no presente aproximam o
evento futuro do momento da enunciação. Para isso, serão expostas as formas do futuro no latim
clássico, latim vulgar, línguas românicas e no português falado hoje no Brasil em particular, com
observações sobre a formação atual desse aspecto-tempo.
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2 MODO, VOZ E APECTO
O modo e a voz devem ser definidos a partir da interferência do sujeito no processo
verbal; o aspecto, de natureza intraverbal, diz respeito à qualidade da ação.
O modo é o tom especial que o falante imprime à ação: se temos tom de certeza,
afirmação categórica, emprega-se o indicativo; se dúvida, incerteza ou potencialidade é que dão o
tom, o verbo vai para o subjuntivo; se queremos dar uma ordem, usamos o imperativo.
A voz deve ser entendida a partir da interferência do falante em relação à execução e à
recepção da ação verbal: voz ativa, se o sujeito é o agente; voz passiva, se sobre o sujeito recai a
ação; voz reflexiva, se o sujeito é simultaneamente agente e receptor da ação voz reciproca,
quando há dois ou mais agentes que são simultaneamente sujeito e objeto: a ação parte do sujeito,
transita para o objeto que, reciprocamente a devolve, tornando-a uma espécie de combinação da
voz ativa e passiva aliadas à ideia de simultaneidade.
O aspecto, por sua vez, é intrínseco à ação verbal; interessa a ação em si no que diz
respeito à qualidade: durativa, resultativa, pontual etc.; o aspecto não é subordinado à categoria de
tempo, que é exterior à ação. Bagno (2011, p. 547) assim define a noção de aspecto: “nos informa
como o falante vê a situação, o estado de coisas do enunciado [...] como um evento unitário e
concluído [...] ou como um evento em processo e inconcluso” (grifos do autor).
3 O FUTURO: TEMPO OU MODO?
As gramáticas classificam o futuro como tempo verbal. Aparentemente lógica, essa
classificação não leva em conta diferenças sutis entre tempo cronológico e tempo verbal, que é
“categoria dêitica, uma vez que indica o momento da situação relativamente à situação de
enunciação” (TRAVAGLIA, 1985, p. 52). Já o tempo entendido como sucessão cronológica é
elemento fundamental para a natureza humana: denuncia, implacavelmente, a finitude de nossa
natureza e a falibilidade dos projetos humanos. E essa característica marcante é transposta para
mecanismos linguísticos5.
O passado e o presente podem ser apreendidos como fatos já realizados ou em realização;
o futuro, por sua vez, não pode ser senão uma espécie de projeção, pois se refere a fatos ainda por
5 Fiorin (1996), a partir de princípios de semiótica discursiva, faz estudo sobre a utilização de tempos e modos; o uso
deles em dissonância com o previsto na respectiva formação e função tem efeitos próprios de sentido.
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se realizar. E, como a realização desses fatos futuros é relativamente incerta, emprega-se o futuro
como volição e desejo; é aí que reside a categoria de modo do futuro que “[...] não exprime uma
realidade [...] e sim uma possibilidade. Ora, as coisas possíveis têm raízes subjetivas. São havidas
por desejáveis, necessárias ou mesmo inevitáveis; mas não como certas. Uma vez que o futuro
passa pela subjetividade do sujeito falante, adquire caráter modal” (ELIA, 1979, p. 236). Com isso
concorda Matoso Câmara ao afirmar que “[...] a noção de futuro está intimamente associada à
dúvida, ao desejo, à imposição da vontade e funciona a rigor na categoria de modo" (CÂMARA
JR., 1985, p. 128). Ernesto Faria (1958) abona a tese de que o futuro deve ser considerado mais
como aspecto do que como tempo, por vincular-se ao subjuntivo:
O futuro latino, quanto à sua origem, prende-se ao subjuntivo indo-europeu, modo que,
exprimindo o desejo ou a intenção de fazer alguma coisa, se prestava facilmente a traduzir a ideia
de futuro. Aliás, é o futuro uma forma verbal de emprego tardio nas línguas indo-europeias.
Assim, é de se notar que as línguas mais antigas, ou mais antigamente atestadas do domínio indo-
europeu, ou não o empregam em seus primeiros textos, ou o empregam muito parcamente
(FARIA, 1958, p. 233). A noção de tempo verbal é secundária no indo-europeu, prevalecendo a
categoria de aspecto.
4 O FUTURO NO LATIM CLÁSSICO
Na conjugação latina o futuro era um tanto assistemático; os verbos da lª e 2ª conjugações
formavam-no com a desinência "-b-": amabo; amabis, habebo; habebis; os da 3ª e 4ª
apresentavam, como desinência, “-a-” para a lª pessoa e “-e-” para as demais: legam, leges;
audiam; audies.
Mesmo na estruturação lógica da conjugação latina baseada na diferenciação aspectual
infectum/ perfectum, a formação do futuro provinha de “formas volitivas, como as de flexão em -
b- [...] ou de formas de subjuntivo” (CÂMARA JR., 1985, p. 128). Essa noção se perdeu, ainda
segundo Mattoso Câmara, como consequência da rigidez da disciplina gramatical.
Segundo Vidos (1963, p. 191), há futuro perifrástico no latim clássico: “em Cícero, Séneca
o retórico, Lucrécio, etc., para indicar a possibilidade ou a necessidade; depois de Tertuliano se faz
cada vez mais frequente, e assim, entre os Pais da Igreja, a partir do século V tem a significação de
futuro e vive como tal na maior parte das línguas romances”. Abaixo, o futuro no latim clássico:
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1ª. Conjugação 2ª. Conjugação 3ª. Conjugação 4ª. Conjugação
Futuro
Imperfeito
lauda-b-o
lauda-b-is
lauda-b-it
lauda-b-imus
lauda-b-itis
lauda-b-unt
vide-b-o
vide-b-is
vide-b-it
vide-b-imus
vide-b-itis
vide-b-unt
Leg-a-m
Leg-es
Leg-et
Leg-emus
Leg-etis
Leg-ent
audi-a-m
audi-es
audi-et
audi-emus
audi-etis
audi-ent
Futuro
Perfeito
laudau-ero
laudau-eris
laudau-erit
laudau-erimus
laudau-eritis
laudau-erint
vid-ero
vid-eris
vid-erit
vid-erimus
vid-eritis
vid-erint
leg-ero
leg-eris
leg-erit
leg-erimus
leg-leg-eritis
leg-erint
audiu-ero
audiu-eris
audiu-erit
audiu-erimus
audiu-eritis
audiu-erint
5 O FUTURO NO LATIM VULGAR
A característica principal do latim vulgar foi sistemática simplificação (CÂMARA
JR., 1985, p. 131). Com relação aos tempos do futuro, houve necessidade de reelaboração, tendo
em vista algumas dificuldades, sobretudo de natureza fonética:
na 3ª e 4ª conjugações, a lª pessoa do singular era idêntica ao subjuntivo: legam/
audiam;
o “e” passou a “i”; confundiram-se, assim, formas do presente e do futuro:
leges/legis;
o “-b-” passa a “-v-”; com isso, as formas do futuro passaram a se confundir com as
do imperfeito indicativo: amabit/ amavit;
Deve-se acrescentar a isso o fato de que o futuro não era usado, a não ser na língua
literária; o falante popular, portanto, diante dessas complicações, vai inevitavelmente se servir de
outras maneiras para a expressão do futuro.
Essas inovações são as perífrases verbais com carga potencial e volitiva, constituídas
do infinitivo do verbo principal mais os auxiliares habeo, volo, debeo. Mais frequentemente,
empregava-se habeo, que acabou se fixando na maioria das línguas românicas. Poderia ele ser
colocado antes ou depois do infinitivo, até que se firmou a posposição; daí a formação atual do
futuro em português, espanhol, catalão, italiano, francês, provençal.
Durante muito tempo houve consciência da composição, pois se costumava intercalar
pronomes, quando era o caso; a preposição “de” também se interpunha em caso de anteposição do
auxiliar, para dar o sentido de dever: “hei de vencer”.
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O português conserva vestígios na colocação mesoclítica dos pronomes. As gramáticas
ensinam que a mesóclise só pode ser admitida com o emprego do futuro. Por quê? É fácil
entender. A diacronia está ai para ajudar e não para complicar; pode oferecer, em sala de aula,
oportunidade até para considerações a respeito da formação do futuro, despertando nos alunos
interesse para descobrir a razão das coisas e os fundamentos históricos da língua.
O uso frequente da perífrase com o auxiliar posposto culminou na aglutinação dos dois
vocábulos e a perda paulatina da noção de composição; as formas do auxiliar habeo foram
reduzidas com a síncope do “-b-” intervocálico e a redução (vocalismo) das vogais em contato:
habeo/ abeo/ aveo/ aeo/ aio/ ai/ ei; habebam/ habeba/ abeba/ aveva / avea / aea/ ea/ ia.
6 O FUTURO NAS LÍNGUAS ROMÂNICAS
6.1 Espanhol
Futuro
imperfecto
Modo potencial
amar-é
amar-ás
amar-á
amar-emos
amar-éis
amar-án
amar-ía
amar-ías
amar-ía
amar-íamos
amar-íais
amar-ían
Observações:
a nomenclatura espanhola é mais adequada a noções gramaticais, por remeter ao
conceito de aspecto: futuro perfecto; futuro imperfecto; modo potencial;
em espanhol os infinitivos em “-ér” ou “-ir” perdem as vogais em futuros de
formação antiga: habria.
6.2 Francês e Provençal
Francês Provençal
Futuro Condicional Futuro Condicional
chanter-ai
chanter-as
chanter-a
chanter-ons
chanter-ez
chanter-ont
chanter-ais
chanter-ais
chanter-ait
chanter-ions
chanter-iez
chanter-
aient
cantar-ai
cantar -as
cantar -a
cantar -em
cantar -etz
cantar -an
cantar-ía
cantar -ías
cantar -ía
cantar -íam
cantar -íatz
cantar -ían
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Pode-se observar que a composição é análoga às demais línguas românicas, com o
emprego do auxilia habeo.
6.3 Italiano
Futuro Condiciona
l
canter-ó
canter-ai
canter-á
canter-emo
canter-ete
canter-anno
canter-ei
canter -este
canter -ebbe
canter -
emmo
canter -este
canter-
ebbero
Observações:
a formação do futuro á análoga às demais línguas românicas;
o condicional é formado com o perfeito de avére, flexão própria da Toscana,
embora haja ocorrências de formação com o imperfeito do indicativo em certas regiões do norte da
Itália;
possivelmente canterei seja produto de cantare *hebui/ canterebbi (forma dialetal);
acham outros que aqui há analogia com o perfeito do indicativo.
6.4 Futuro em Romeno comparado com o latim vulgar
Latim vulgar Romeno
voleo cantare
velis cantare
volet cantare
volemus cantare
voletis cantare
volunt cantare
voi cîntá
vei cîntá
va cîntá
vom cîntá
veti cîntá
vor cîntá
Observações:
o auxiliar empregado é volere;
não há aglutinação;
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na língua falada não se pronuncia o “v” inicial.
6.5. O condicional romeno, com e sem anteposição:
Romeno: Condicional
com anteposição
Romeno: Condicional
com posposição
as cîntá
ai cîntá
ar cîntá
am cîntá
ati cîntá
ar cintá
cîntare – as
cîntare – ai
cîntare – ar
cîntare – am
cîntare – ati
cîntare – ar
Observações:
pode haver anteposição ou posposição (muito pouco usada) do auxiliar; no segundo
caso, emprega-se o infinitivo pleno, que tem valor de substantivo;
não se sabe ao certo se as formas do verbo auxiliar são do imperfeito de volere
(auxiliar do futuro do presente) ou do subjuntivo de habere;
não há aglutinação.
7 O FUTURO COMPOSTO
É uma dupla criação romana: é futuro e tempo composto. O que o distingue do futuro
simples é a noção aspectual, nem sempre bem percebida por alunos (e professores). Pertence ao
perfectum; assim, designa ação totalmente realizada no futuro, empregado sempre em relação a
outra ação futura. É realizado preferencialmente com o auxiliar ter que, inclusive, está
substituindo haver no sentido de “existir”. Não é usado na língua falada.
Futuro do presente
composto
Futuro do pretérito
composto
terei amado
terás amado
terá amado
teremos amado
tereis amado
terão amado
teria amado
terias amado
teria amado
teríamos amado
teríeis amado
teriam amado
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8 O CONDICIONAL
Não havia propriamente em latim uma flexão verbal correspondente ao futuro do
pretérito. Ele, na verdade, completa o sistema do infectum, fazendo referência ao passado (o futuro
simples faz ao presente). Assim como é marcada a oposição presente/ pretérito, existe também
entre o futuro do presente/ futuro do pretérito.
É pouco utilizado na língua falada popular (o futuro do presente também não é),
porque exige abstração e aplicação do raciocínio para fazer referência a um futuro em relação a
um momento passado e anterior ao presente: “É preciso que o sujeito falante, reportando-se ao
passado e continuando a situar-se no presente, considere, dessa posição por assim dizer ubíqua, o
que ocorreu posteriormente ao momento do passado a que assim se reportou” (CÂMARA JR.,
1985, p. 131).
Na fala popular e familiar é normalmente substituído pelo imperfeito do indicativo,
assim como o futuro é substituído pelo presente. Em português o condicional indica a irrealidade,
que em latim era expresso pelo pretérito imperfeito do subjuntivo.
9 O FUTURO DO SUBJUNTIVO
O aspecto perfectum indicava, inicialmente, uma ação verbal concluída no passado,
cujos efeitos se faziam sentir no momento da fala. Essa dupla noção foi se perdendo no tempo; o
perfeito passou a significar, então, somente o aspecto acabado. Para recuperar o aspecto
permansivo, algumas línguas românicas criaram um tempo composto: tenho cantado (português e
espanhol, por exemplo). O perfeito, que era também o presente do aspecto perfeito, passou a ser
um simples pretérito, em oposição ao imperfeito e, em consequência disso, o mais que perfeito
passou a indicar uma ação verbal concluída antes de outra, no passado.
Essa oposição existia também no modo subjuntivo, que não tinha futuro; isso é
normal, visto ser ele o modo do potencial do duvidoso em relação à realidade do presente e do
passado.
No latim vulgar houve confusão entre aspecto perfeito e pretérito perfeito no
subjuntivo; com isso, abandonou-se o imperfeito (cantarem) e adotou-se, como forma única, o
mais que perfeito (cantauissem).
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Devido à convergência de formas (com diferença apenas na lª pessoa), o pretérito
perfeito confundiu-se com o futuro anterior e se conservou em algumas regiões da România com
valor de futuro do subjuntivo, figurando atualmente no espanhol, português, macedo-romeno e
dialetos italianos. Abaixo, a comparação entre o futuro do subjuntivo no português e o pretérito
perfeito do latim clássico e vulgar:
Latim Português
ama(ue)ro
ama(ue)ris
ama(ue)rit
ama(ue)rimus
ama(ue)ritis
ama(ue)rint
amar
amares
amar
amarmos
amardes
amarem
10 O FUTURO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO ATUAL
A realização do futuro do português brasileiro passa por reformulação, em que se
notam operações semelhantes: simplificação do sistema; não utilização, na língua falada, do
padrão prescrito na gramática; construção por perífrase com utilização de auxiliar no presente do
indicativo (para o futuro do presente):
Futuro do presente Futuro do pretérito
Padrão escrito Padrão falado Padrão escrito Padrão falado
eu vou cantar
você vai cantar
ele vai cantar
nós vamos cantar
vocês vão cantar
eles vão cantar
vô cantá
vai cantá
vai cantá
vamu cantá
vão (vai) cantá
vão (vai) cantá
eu cantaria
você cantaria
ele cantaria
nós cantaríamos
vocês cantariam
eles cantariam
eu ia cantá
você ia cantá
ele ia cantá
nós íamos (ia) cantá
vocês iam (ia) cantá
eles iam (ia) cantá
Há elementos relativos à simplificação da conjugal verbal, mais gerais, que aqui não
são abordados, como reorganização pronominal, simplificação da concordância, supressão de
fonemas finais de algumas formas na modalidade falada, etc. Quanto ao futuro, especificamente, é
interessante notar a recuperação do processo ocorrido no latim vulgar: perífrase constituída por
verbo auxiliar (no presente) mais verbo principal no infinitivo; a diferença é que o auxiliar agora é
outro: ir. Essa formação ocorre em outras línguas românicas (francês e espanhol, por exemplo) e,
no caso do português brasileiro, ao que tudo indica, significa mais do que a ideia de futuro
próximo, incidindo sobre o futuro como um todo. Também se observa aqui a influência
psicológica de diminuir a distância entre um futuro (desconhecido) e o presente (conhecido). Com
isso, o futuro passa a ser, de fato, uma projeção (para um futuro próximo ou distante) de uma
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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vontade (presente); estamos, então, no campo da volição e das possibilidades. De fato, o futuro é
mais modo do que tempo verbal.
Uma última observação, sobre a classificação morfológica que as gramáticas
apresentam, dos elementos componentes da forma futura, segmentados assim (futuro do presente:
amarei, amarás, etc; futuro do pretérito: amaria, amarias, etc.):
Radical Vogal
temática
Desinência
modo-
temporal
Desinência
número-pessoal
Tempos a que
se referem
am- -a- -re- -i Futuro do
presente am- -a- -ra- -s
am- -a- -ria- Futuro do
pretérito am- -a- -ria- -s
A partir disso, e em analogia com a descrição de outras formas verbais, a descrição
sincrônica do sistema diz que a característica modo-temporal é marcada pelos elementos
morfológicos “-re-” e “-ra-” (futuro do presente) e “-ria-” (futuro do pretérito). Sob o ponto de
vista diacrônico, contudo, não procede a descrição, porque a composição se dá pela aglutinação do
infinitivo do verbo principal mais o presente do indicativo do auxiliar habeo (para a composição
do presente) ou o imperfeito do indicativo (para o futuro do pretérito): amar-(h)ei, amar-(h)ás; etc;
amar-ia, amar-ias, etc. É possível que, futuramente, o verbo auxiliar ir, anteposto à forma
infinitiva no português atual (vô cantá, vai cantá, etc.), se incorpore como elemento prefixal
(vocantá, vaicantá, etc.), como ocorreu como o auxiliar habeo, que se tornou parte da desinência
modo-temporal, incorporada à forma final.
11 CONCLUSÃO
Como foi visto e discutido, o futuro não e propriamente um tempo verbal; é um modo,
devido à carga de eventualidade que encerra.
No que se refere à formação e emprego do futuro, manifesta-se no latim vulgar e nas
línguas românicas a tendência à simplificação do sistema verbal clássico.
Com a perda das flexões que não se adaptaram às novas exigências de comunicação,
houve necessidade de criação de novos elementos para suprir necessidades de pensamento, através
de perífrases verbais, mais analíticas e precisas.
Hoje o mecanismo de formação do futuro das línguas românicas se repete: não é
usado, a não ser na língua escrita; é substituído pelo presente; quando usado, é expresso por
perífrase com o verbo “ir” (o mesmo fenômeno ocorre em línguas românicas). Esse fenômeno de
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permanência indica especial relação de falantes com a língua; a expressão do tempo futuro se
reveste de características linguísticas que dizem respeito a formas específicas de relação com a
dimensão temporal.
Deve-se registrar, ainda, a importância da diacronia para a simplificação do ensino e
estudo dos fenômenos linguísticos; isso se justifica pelo fato de que a diacronia tem muito a
contribuir, mostrando origem e evolução de fenômenos linguísticos. Querer recuperar a diacronia
não significa rejeitar a sincronia, de importância decisiva; o que falta é a necessária vinculação do
ensino/ aprendizado da língua, sobretudo a materna, à vida. A língua é a mediadora das interações
humanas. Por isso mesmo, tem ela a cara dos seus usuários, que dela se servem, sempre a
transformando segundo as necessidades.
Referências Bibliográficas
BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011.
BOURCIEZ, E. Éléments de linguistigue romaine, Paris: C. Klincksieck, 1956
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Editora, 1985.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.
ELIA, Silvio. Preparação à linguística românica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979.
FARIA, Ernesto. Gramática superior da língua latina. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1958.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. São Paulo: Ática, 1996.
HUBER, J. Gramática do português antigo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
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Uberlândia, 1985.
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A ARTICULAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NO MINICURSO “ A
LUDICIDADE NO ENSINO DE LÍGUA PORTUGUESA”: A GRAMÁTICA
EM FOCO
Delma Pachecho Sichu6
Resumo:
A presente proposta de trabalho tem como objetivo discutir sobre a importância de se articular
teoria e prática no que diz respeito ao ensino e aprendizagem da gramática. Entende-se que lançar
mão de metodologias inovadoras no ensino da gramática torna o aprendizado e o uso desta, de fato
significativo. O professor, nesse caso, tem um papel fundamental no sentido de encontrar
mecanismos que ajudem o aluno, por meio de atividades lúdicas, a compreender e a reconhecer a
importância da gramática no desenvolvimento da sua expressão oral e escrita. O minicurso “A
ludicidade no ensino de Língua Portuguesa” o qual faz parte do projeto Novos Talentos,
fomentado pela CAPES, é um exemplo de que quando o ensino da gramática é trabalhado de
forma lúdica e prazerosa o uso da gramática deixa de ser visto como problema para o aluno. O
minicurso, ora citado, tem como objetivo oferecer a professores da Educação Básica e alunos do
curso de Letras do Centro de Estudos Superiores de Parintins- Amazonas, propostas de ensino e
aprendizagem da Língua Portuguesa de forma lúdica e contextualizada, num constante diálogo
entre a teoria prática. O minicurso tem contribuído significativamente na formação continuada dos
participantes, provocando o pensar e o refletir sobre a importância de se promover um ensino da
Língua Portuguesa que seja significativo para o aluno, ajudando-o a melhorar sua competência
comunicativa em qualquer situação de discurso. Como base teórica, toma-se aqui os estudos de
Philippe Perrenoud (2000), Odenildo Sena (2001), Valéria Chiavegatto (2002), Irandé Antunes
(2003), Luciano Oliveira (2010), Rosa Palomanes e Angela Bravin (2012), Parâmetros
Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa, entre outros que podem contribuir significativamente
para o tema em questão.
Palavras-chave: Gramática- Teoria- Prática- Metodologia- Ludicidade
Considerações Iniciais
O Ensinar e o Aprender a Língua Portuguesa ainda é, para muitos professores e alunos,
uma tarefa extremamente difícil. Por parte dos professores há uma queixa constante de que os
alunos não sabem falar nem tampouco escrever o bom português; por outro lado, encontra-se o
aluno que se vê diante de um dilema entre dois português: um que ele usa, de fato, no seu dia a dia
e outro que é ensinado na escola e que muitas vezes parece-lhe estranho e distante de sua
realidade.
O que se percebe é a necessidade urgente de se repensar, avaliar e colocar em prática um
ensino e aprendizagem da língua materna que seja realmente significativo tanto para o professor
como para o aluno; um ensino e aprendizagem ancorados num arcabouço teórico consistente que
6 Professora do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas; Mestre em Letras e Artes.
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possa embasar a aplicação da língua portuguesa em atividades práticas; um ensino em que o
aprendiz sinta-se, realmente, usuário da língua.
O presente trabalho parte da procura de um grupo de professores da Educação Básica
Fundamental que estavam à procura de novas metodologias do ensino de Língua Portuguesa em
que o aluno não se sentisse um estrangeiro na própria língua.
Diante da procura desses professores é que se pensou em desenvolver um projeto de
extensão aliando teoria e prática, oferecendo aos referidos professores metodologias de ensino que
pudessem contribuir para uma aprendizagem mais leve, mais prazerosa e mais significativa da
Língua Portuguesa.
O projeto “A Ludicidade no ensino da Língua Portuguesa” atende professores da Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental I e II e tem como objetivo oferecer a esses professores novas
metodologias no ensino da Língua Portuguesa de forma lúdica, aliando teoria e prática. Entre os
pontos de destaque do minicurso encontra-se a gramática, considerada pelos professores como a
parte mais difícil do ensino da Língua, pois muitos dizem sentir dificuldade em saber aliar
gramática internalizada dos alunos à gramática padrão.
O presente trabalho foca-se exclusivamente na gramática, no sentido de mostrar como o
minicurso tem contribuído para propor soluções para o dilema que é ensinar e aprender gramática
na escola.
Como base teórico toma-se os estudos de Antunes (2003), Sena (2001), os PCNs (1998),
Oliveira (...) e outros que contribuíram para o esclarecimento deste estudo.
Espera-se que este estudo possa contribuir na formação de professores de Língua
Portuguesa e dos que a pesquisam.
O minicurso “A ludicidade no Ensino da Língua Portuguesa”
O minicurso em questão funciona há um ano e tem como participantes 20 professores do
Ensino Fundamental das redes estadual e municipal.
Ele surgiu da necessidade de atender às necessidades desses professores que, queixavam-se
de que participavam de muitas formações, mas dificilmente lhes eram mostrados como realmente
colocar em prática a teoria.
Diante desse contexto, o projeto foi criado a fim de dar suporte teórico e metodológico aos
professores, proporcionando-lhes metodologias de ensino da Língua numa perspectiva lúdica e
que, de fato, pudesse fazer sentido para os professores. Assim, antes de desenvolver as atividades
práticas, primeiramente se fazia uma discussão sobre o tema a ser tratado. Um dos pontos muito
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discutido no minicurso foi sobre o papel do professor de língua materna que, antes de tudo, deve
ter claramente o seu papel como mediador de conhecimento, pois a ele cabe possibilitar aos alunos
um ensino que os ajude a usar a língua em qualquer situação de discurso, com direito de usar no
seu dia-dia a gramática internalizada, mas também com o direito de ter acesso, compreender e
colocar em prática a gramática padrão.
Como se percebe, o professor deve ser consciente de que ensinar a língua portuguesa não é
repassar conteúdos gramaticais soltos, desconsiderando a gramática internalizada do aluno. O
professor, como mediador do conhecimento deve ter uma postura crítica reflexiva, ajudando os
alunos a entenderem que a língua que se usa perpassa também por questões políticas e ideológicas.
Sena (2001) diz que:
é preciso evitar, a todo custo, a postura tola de que se deve optar pelo ensino
exclusivo da norma culta e pelo apagamento da linguagem coloquial ou pelo
fortalecimento desta em detrimento daquela. O compromisso pedagógico e, por
isso, político do professor de Língua Portuguesa é oportunizar a real
aprendizagem de uma sem o massacre da outra. (SENA, 2001, p. 81).
O que se defende aqui é um ensino que não exclua a gramática internalizada do aluno, mas
que a considere no ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa, mantendo uma relação com a
gramática padrão que, na visão dos alunos, é tão distante de sua realidade; tão complexa de se
aprender.
É necessário assim que o professor de Língua Portuguesa seja competente no seu fazer
docente, compreendendo que a língua evolui conforme também a evolução da sociedade.
Phillipe Perrenoud (2000) diz que o profissional do século XXI, em especial o professor,
deve dominar e colocar em prática competências essenciais para a efetivação de um
ensino/aprendizagem significativo na escola. Essas competências exigem do educador prática
reflexiva, profissionalização, trabalho em equipe, projetos, autonomia, responsabilidade crescente
e pedagogias diferenciadas.
Por entender que o professor de língua materna deve, pois encontrar mecanismos que o
ajudem a melhorar a sua prática docente é que se enquadra o projeto “A ludicidade no Ensino de
Língua Portuguesa”, cujo objetivo é oferecer, aos professores de Educação Básica e alunos do
curso de Letras, propostas de ensino da língua numa perspectiva lúdica e contextualizada.
O projeto tem como participantes professores da Educação Básica e abrange as seguintes
comunidades: três escolas estaduais, três escolas municipais e o Centro de Estudos Superiores de
Parintins, onde funciona o curso de Letras.
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O projeto baseia-se nas propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa considerando que os conteúdos de Língua Portuguesa “articulam-se em torno de dois
eixos básicos: o uso da língua oral e escrita, e a reflexão sobre a língua e a linguagem.”
Toma-se como ponto de partida as orientações dos PCNs a fim de oferecer propostas do
ensino da Língua Portuguesa que contemplem a expressão oral e escrita do aluno, ajudando-o a
perceber os mecanismos de uso da língua e as competências comunicativas que ele deve dominar
para compreender a língua e se fazer compreendido. Entre essas competências comunicativa
encontra-se, pois a competência gramatical. De acordo com Oliveira a competência gramatical,
contribui para que o aluno compreenda sobre a importância da pronúncia
de palavras em dialetos regionais diferentes, sobre a ortografia, as
convenções e pontuação, o vocabulário, os mecanismos de formação de
palavras, a concordância e os tempos verbais na efetivação de uso da
língua (OLIVEIRA, 2010, p. 54 e 56).
Para trabalhar a competência gramatical, foram propostas atividades que pudessem levar os
participantes a perceberem a importância dos elementos que constituem a competência gramatical,
através de atividades práticas como a leitura e reescritura de texto, a contação de histórias, entre
outras atividades, tomando como foco o ensino e o uso da gramática.
As atividades foram trabalhadas de forma contextualizada, partindo antes de uma discussão
teórica e colocadas em prática num diálogo entre a gramática internalizada e a gramática padrão.
Procurou-se, portanto, desenvolver atividades redimensionando o ensino da gramática,
compreendendo que ela “...existe não em função de si mesma, mas em função do que as pessoas
falam, ouvem, leem e escrevem nas práticas sociais de uso da língua” (ANTUNES, 2003, p. 89).
E por entender que o ensino e aprendizagem da língua deve fazer sentido para o professor e
para o aluno é que o projeto trabalha constantemente com situações de usos concretos da mesma.
Busca-se em todas as atividades práticas procurar abordar os conteúdos gramaticais de forma que
estes possam ser compreendidos e colocados em prática naturalmente.
Entre as atividades trabalhadas no minicurso, destacam-se aqui algumas. A primeira tomou
como base a História em Quadrinhos intitulada “Bicho Perigoso”, de Maurício de Souza, a fim de
trabalhar a leitura, a reescritura, discutir sobre variação e preconceitos linguístico.
A segunda atividade, intitulada ditado ao professor, tomou como base a fábula “O lobo e o
cordeiro”, adaptada por Monteiro Lobato, a fim de trabalhar a leitura, a reescritura, a pontuação, a
ortografia e a sequência lógica das ideias. A partir do ditado da fábula feita pelos alunos ao
professor que, durante o ditado dos alunos, escrevia o texto no quadro. Após o término do ditado
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do texto, o professor fazia uma análise linguística do que estava escrito no quadro, considerando
diversos aspectos como a pontuação, o vocabulário e a sequência da história.
Uma terceira atividade denominada “Escrita e Leitura de contos de assombração” tinha
como objetivo tratar sobre a importância dos contos populares na história de uma sociedade, a
socialização da leitura de textos, a coerência e coesão textual.
Além das atividades acima citadas, outras foram realizadas e antes de serem colocadas em
prática houve a leitura e discussão de textos teóricos sobre os aspectos e trabalhos nas atividades.
Para Palomanes e Bravin (2012, p. 13):
O século XXI coloca os educadores, mais do que nunca, frente à necessidade de
uma reavaliação da formação dos alunos e do papel do professor no que se refere
às práticas pedagógicas voltadas a alcançar os objetivos a que se propõe a
educação formal. O ensino da modalidade padrão da língua portuguesa
ministrado, principalmente, nas escolas públicas brasileiras de ensino básico,
torna-se um desafio para o professor desta disciplina quando oferecida àqueles
que não a dominam efetivamente.
É, pois, partindo do contexto acima colocado que se coloca aqui a necessidade de se
repensar acerca do ensino da língua numa relação dialógica entre teoria e prática a fim de que os
professores possam efetivamente promover uma aprendizagem da língua materna que faça
realmente sentido para o aluno e possa ajudá-lo a ter acesso a norma padrão. Nesse sentido o
minicurso “A ludicidade no ensino de Língua Portuguesa” foi pensado como uma alternativa para
que professores participantes do projeto pudessem não só ter acesso à teoria, mas encontrar
mecanismos que pudessem aliá-la à sua prática pedagógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto tem contribuído de forma significativa na prática pedagógica dos
participantes, ajudando-os a repensar sobre o ensino de Língua Portuguesa e a importância das
atividades lúdicas no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, num constante diálogo entre
a Teoria e a Prática.
Segundo os professores envolvidos, as atividades desenvolvidas no projeto tem sido de
suma importância para sua formação continuada, pois além de permitir a discussão de textos
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teóricos há também propostas de atividades para trabalhar de forma diferenciada a Língua
Portuguesa, considerando a gramática internalizada e a gramática padrão.
Assim, tudo que se discute e propõem como atividades, é transformado em ações
praticadas em sala de aula pelos participantes do projeto, nas seis escolas públicas em que os
professores atuam.
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2008.
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ADVÉRBIOS: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE SUAS CONCEPÇÕES NAS
GRAMÁTICAS DE EVANILDO BECHARA, CELSO CUNHA, MANOEL P.
RIBEIRO E ROCHA LIMA
Vanessa Teixeira de Oliveira
Resumo:
Esse estudo consta de uma análise comparativa das definições do advérbio, tendo em vista a
abordagem de diferentes gramáticas da Língua Portuguesa. Estudando o item "advérbio",
percebemos que as gramáticas tradicionais o descrevem como uma palavra invariável que
modifica o verbo, o adjetivo e o advérbio, acrescentando-lhe uma circunstância. Nessa
perspectiva, consideramos o pressuposto básico de que os advérbios apresentam domínio restrito e
caráter homogêneo, ou seja, limitamos a conceituação do advérbio em seu aspecto morfológico
apenas não considerando a dinamicidade da língua, o que acaba limitando seu campo de aplicação.
Tal conceito se confirma em algumas ocorrências de seu uso, porém desconsidera os aspectos
sintáticos e/ou semânticos, haja vista que apenas um critério não é o suficiente para agregar o que
seja advérbio. Nosso estudo objetiva mostrar que na prática, o uso de advérbios evidencia que esta
classe apresenta comportamentos heterogêneos, tanto no que se refere ao seu posicionamento
numa sentença quanto às suas propriedades semânticas. Assim, percebemos que nos três critérios
utilizados, morfológico, sintático e semântico, encontram-se lacunas na aplicação da teoria. Para
alcançar nossos objetivos foi feita uma fundamentação teórica com base nas definições descritas
em diferentes gramáticas. Desta forma, o presente trabalho busca pesquisar o comportamento
morfológico-sintático-semântico dos advérbios a partir do estudo de algumas concepções teóricas
do fenômeno gramatical, analisando descrições gramaticais sob a ótica de autores
tradicionalmente consagrados na Língua Portuguesa, como Evanildo Bechara, Celso Cunha,
Rocha Lima e Manoel P. Ribeiro.
Palavras-chave: Advérbios. Gramática. Descrição
1. INTRODUÇÃO
Um dos maiores problemas incitados pelos profissionais de Língua Portuguesa são as
imprecisões da teoria gramatical tradicional, as quais vão desde a falta de sistematização dos
conceitos das classes de palavras à heterogeneidade dos critérios adotados. Ao analisarmos
diferentes gramáticas percebemos que há algumas divergências na descrição dessas classes e
diferentes colocações quanto aos seus critérios, considerando ainda as variadas concepções de
gramática e o que elas visam.
Neste trabalho abordamos alguns aspectos relevantes sobre a teoria do advérbio, sua
delimitação como classe e sua conceituação, objetivando investigar o tratamento dedicado a esta
classe.
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Embasamos nossa pesquisa a partir do estudo de algumas concepções teóricas a
respeito dos advérbios, analisando e comparando descrições gramaticais sob a ótica de Evanildo
Bechara, Celso Cunha, Rocha Lima e Manoel P. Ribeiro.
Numa abordagem superficial, vimos que a principal função desta classe é detalhar
como ocorre certa ação, expressa por um verbo, exprimindo circunstâncias em que esse processo
se desenvolve. Os advérbios assim descritos têm a propriedade de modificar também outros
elementos com os quais formam unidades na sentença. Basicamente, as descrições tradicionais
apontam que o advérbio pode ser um modificador do verbo, do adjetivo e do próprio advérbio.
O tema do presente estudo visa à necessidade de ampliar nossos conhecimentos em
relação a certos mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos da Língua Portuguesa, uma vez
que as classes gramaticais precisam ser compreendidas tanto em seus aspectos sintagmáticos, de
acordo com os conceitos tradicionais definidos na gramatica normativa, quanto em seus aspectos
pragmáticos, o que trata das relações entre o signo e seu usuário. Desta forma, compreendemos
que elas podem, na prática, veicular sentidos muito mais amplos que os delimitados na gramática
tradicional.
Na perspectiva das gramáticas tradicionais consideramos o pressuposto de que os
advérbios têm a propriedade de alterar o sentido de categorias específicas, com função homogênea
e conceito paradigmático, o que configura um ponto convergente nas diferentes gramáticas
analisadas.
Todavia, na prática, o uso de advérbios evidencia que os mesmos não apresentam
comportamentos homogêneos, tanto no que se refere ao seu posicionamento numa sentença
quanto às suas propriedades semânticas, o que faz cair por terra o conceito descrito pela gramática
normativa tradicional, especificado anteriormente.
Ao longo desta pesquisa também observaremos que a conceituação e a delimitação do
advérbio como classe apresentam algumas divergências. Em função de sua grande mobilidade
semântica e sintática as tentativas de definições restritas, rígidas ou mesmo simplificadas tornam-
se um componente “dificultador” do entendimento, tendo em vista a exclusão do caráter
heterogêneo advindo da natureza do próprio advérbio, como defende Mattoso Câmara em
Estrutura da Língua Portuguesa: “O advérbio é nome ou pronome que serve de determinante a um
verbo”. Em nota ele esclarece que alguns advérbios dão uma qualificação a mais a um adjetivo,
mas não sendo um aspecto geral, que deva entrar como definição da classe.
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2. A CLASSE DOS ADVÉRBIOS: UMA VISÃO GRAMATICAL
As gramáticas tradicionais, ao abordarem o advérbio, imprimem certa homogeneidade
a essa categoria. Basicamente, ele é descrito como um elemento invariável que modifica o verbo,
o adjetivo e o próprio advérbio. Vejamos algumas definições:
“São palavras que se juntam a verbos, para exprimir circunstâncias em que se
desenvolve o processo verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade.” (CUNHA, 1986, p.
499)
“O advérbio é, fundamentalmente, um modificador do verbo[...]” (CUNHA;
CINTRA,1985, p.529)
Advérbios são palavras modificadoras do verbo. Servem para expressar as
várias circunstâncias que cercam a significação verbal. Alguns advérbios,
chamados de intensidade, podem também prender-se a adjetivos, ou a
outros advérbios. (LIMA, 2012, p. 227)
Percebemos que os autores se atêm à ideia principal de advérbio como modificador
verbal, admitindo ainda seu funcionamento como modificador de adjetivo, advérbio ou oração.
Contudo, a conceituação e a delimitação do advérbio como classe agregam algumas divergências
em função de sua grande mobilidade semântica, sintática e morfológica.
Tais definições trazem uma mistura de critérios morfológicos, sintáticos e semânticos.
Ao caracterizar o advérbio como palavra invariável, considera-se um critério morfológico; ao
relacioná-lo sintaticamente ao verbo, ao adjetivo ou a outro advérbio, aplica-se um critério
sintático; e, adota-se um critério semântico, quando o considera como um modificador do sentido
da palavra ou quando se caracterizam os advérbios pelas circunstâncias que expressam.
Diante dessa análise e dos estudos de várias gramáticas, podemos dizer que as
definições dadas aos advérbios assumem características muito gerais e não dão conta do seu
potencial funcional, ou seja, os usos.
Se avaliarmos a ideia de “modificação”, por exemplo, além da falta de clareza, vemos
que não contempla boa parte dos advérbios uma vez que muitos deles não exercem essa função.
Outro fato relevante é que o advérbio pode incidir sobre outras categorias, inclusive a própria
sentença, contrapondo a premissa básica de que ele é modificador de verbo, adjetivo ou de outro
advérbio.
A noção de modificação de acordo com Perini (1996) “tem em parte uma vertente
semântica e outra sintática”. Do ponto de vista semântico, funciona como uma espécie de
ingrediente ao significado da ação; já em relação ao aspecto sintático implica uma ocorrência
conjunta a um constituinte, ou seja, “estar em construção com”. Porém, Perini defende que
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nenhuma das duas ideias particulariza a classe, já que ambas se aplicam a outras classes; como
também ainda não se aplicam a todos os elementos do mesmo grupo, já que os advérbios de
negação, afirmação e dúvida, por exemplo, não “modificam” o verbo. Tais palavras, na verdade
“expressam uma opinião do locutor ou sua dúvida sobre o enunciado”. (Bonfim, 1988, p. 6).
Sobre a ideia de “circunstância”, também ficam alguns questionamentos de relevância
para nossos estudos. Em uma das definições para a palavra no Dicionário Houaiss (2001),
encontramos: “1 – Condição de tempo, lugar ou modo que cerca ou acompanha um fato ou uma
situação e que lhes é essencial à natureza”. O conceito por si só é inexato para definir a classe, já
que, dessa forma, nem todo advérbio é circunstancial.
Nesta linha de raciocínio entendemos que os advérbios de afirmação, negação, dúvida,
também não expressariam a noção de circunstância, podendo por sua vez, assumir outro tipo de
ideia acessória, como foi explicado no parágrafo anterior. Segundo Bonfim (1988), esses
advérbios não expressam circunstância, não se referem ao processo verbal e não são
intensificadores como afirmam as gramáticas tradicionais.
2.1. Celso Cunha
Em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo, CUNHA (2008) define
advérbios como palavras que “fundamentalmente, são modificadoras do verbo”, acrescentando
ainda os chamados advérbios de intensidade que podem reforçar o sentido de um adjetivo ou de
outros advérbios (2008, p. 556). Destaca ainda que “alguns advérbios aparecem, não raro,
modificando toda a oração” (2008, p. 556). Neste caso vêm geralmente destacados no início ou no
fim da oração, de cujos termos se separam por uma pausa nítida, marcada na escrita por vírgula.
Observa-se, porém, que os advérbios de afirmação, de negação e de dúvida não se
conciliam com a proposta de Cunha, não expressam circunstância, não são intensificadores e não
dizem respeito ao processo verbal.
Cunha diz ainda que “sob a denominação de advérbios reúnem-se, tradicionalmente,
palavras de natureza nominal e pronominal com distribuição e funções às vezes muito diversas”
(p. 556). Devido a esta colocação, nota-se entre linguistas modernos uma tendência a reexaminar o
conceito de advérbios, seja do ponto de vista funcional, seja do ponto de vista semântico.
Logo após, o autor classifica os advérbios quanto à circunstância ou ideia acessória
que expressam. Fundamentado na Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), destaca a proposta
terminológica já estabelecida por ela e identifica como “espécies” de advérbios: a) de afirmação;
b) de dúvida; c) de intensidade; d) de lugar; e) de modo; f) de negação; g) de tempo; além dos
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advérbios interrogativos, que indicam circunstância de causa; de lugar; de modo e de tempo, nas
interrogações diretas e indiretas.
Quanto aos advérbios formados com o sufixo –mente, o autor cita apenas o uso
recorrente de tais advérbios na seção “Repetição de advérbios em –mente”. De acordo com o
gramático, “quando numa frase dois ou mais advérbios em –mente modificam a mesma palavra,
pode-se, para tornar mais leve o enunciado, juntar o sufixo apenas ao último deles”.
“Dir-se-ia que tudo naquele paraíso murado se movimentava lúdica e religiosamente”.
(M. Torga, CM, 176.)
Suas considerações destacam o uso repetido, porém não aprofundam reflexões sobre o
processo de formação nem tampouco dos sentidos que esse tipo de advérbio pode veicular.
Como concebe a NGB, “certas palavras por não se poderem enquadrar entre os
advérbios terão classificação a parte. São palavras que denotam exclusão, inclusão, situação,
designação, retificação, realce, etc”. Fundamentado neste conceito, Cunha aponta como palavras
denotativas aquelas enquadradas impropriamente entre os advérbios, sem maiores ou
esclarecimentos a respeito.
2.2. Evanildo Bechara
Evanildo Bechara em sua Moderna Gramática Portuguesa é um pouco mais
abrangente no tratamento dessa classe, haja vista sua análise dos critérios de natureza sintática,
morfológica, semântica, funcional e pragmática.
Segundo Bechara:
Advérbio – É a expressão modificadora que por si só denota uma
circunstância (de lugar, de tempo, modo, intensidade, condição, etc.) e
desempenha na oração a função de adjunto adverbial. [...]
O advérbio é constituído por palavras de natureza nominal ou pronominal
e se refere geralmente ao verbo, ou ainda, dentro de um grupo nominal
unitário, a um adjetivo e a um advérbio (como intensificador), ou a uma
declaração inteira. (BECHARA, 2009, p. 287)
O autor salienta a dificuldade em atribuir uma classificação uniforme e coerente no
que diz respeito às circunstâncias adverbiais, em função de ser o advérbio uma classe muito
heterogênea. Destaca que em geral seu papel na oração se prende não apenas a um núcleo verbal,
mas se amplia na extensão que se espraia o conteúdo manifestado no predicado. Para Bechara a
classe dos advérbios tem bastante mobilidade dentro da estrutura frasal e este papel singular “lhe
dá também certa autonomia fonológica, de contorno entonacional muito variado, a serviço do
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intuito comunicativo do falante” (p.290). Em observação, Bechara destaca o grupo heterogêneo
que a rigor não é incluso entre os advérbios, constituindo uma classe chamada denotadores, que
coincide com a proposta de José Oiticica das palavras denotativas as quais constam na
Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB).
Para tratar dos advérbios terminados com sufixo –mente, Bechara dedica apenas
uma pequena seção intitulada advérbios de base nominal e pronominal, na qual classifica os
advérbios quanto a sua origem e significação. Destaca que o uso do sufixo –mente para formar
advérbios nominais fica “a meio caminha, fonológica e morfologicamente, da derivação e da
composição (locução)” (p. 293).
Concluímos que Bechara, apesar de evidenciar o aspecto pragmático na
classificação dos advérbios de base nominal, limita-se mais ao processo de formação de palavras.
O autor classifica os advérbios por “espécies ou tipos”, conciliando suas ideias ao que prevê a
NGB. Reconhece que o sufixo –mente forma advérbios mas não explicita suas propriedades
semânticas. Apesar de ir um pouco mais a fundo na descrição dos advérbios de base nominal,
Bechara ainda não esclarece a respeito de como esse tipo de advérbio pode expressar o ponto de
vista do locutor em relação ao dito.
2.3. Manoel P. Ribeiro
Segundo o autor, os advérbios servem para expressão de nossas ideias ou de nosso
pensamento. São palavras, expressões ou orações que acompanham, principalmente, o verbo,
trazendo uma sugestividade maior ao texto. Ribeiro aborda de forma superficial a classificação e
definição dos advérbios delimitando-os como modificadores verbais de base nominal ou de base
pronominal. Ribeiro utiliza, basicamente, o conceito semântico, de que as palavras transmitem
certas circunstâncias e que “são elementos enriquecedores de nossas mensagens”.
Manoel Ribeiro define de maneira genérica essa classe de palavras: “O advérbio atua
como expressão modificadora (determinante) de um verbo. É ainda determinante de outro
advérbio, de um adjetivo ou de uma oração inteira”. (Ribeiro, 2013, p. 245). De forma bem sucinta
o autor aborda também uma classificação de advérbios em “espécies” com base na NGB. Segundo
Ribeiro, alguns advérbios, como meio e todo, aparecem flexionados em muitos exemplos, embora
a norma culta rejeite esse uso. Afirmativa esta, que não está coerente com a primeira conceituação
básica do advérbio como classe gramatical: “(...) classe de palavras invariável”.
Mesmo adotando vários critérios e considerando toda mobilidade desta classe, Ribeiro
limita as reflexões sobre advérbios e suas possibilidades de uso. Apesar de seus conceitos
tradicionais, o autor aponta para os estudos de Eneida Bonfim e Cláudio Cezar Henriques,
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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sinalizando que o trabalho conduz a uma necessidade de reflexão sobre determinados critérios de
classificação dos vocábulos, para que possamos analisar com maior exatidão as diferentes
mensagens do nosso cotidiano.
Aponta ainda para o enquadramento de certas palavras que sempre constituíram
alguma dificuldade. Em consonância com a NGB, o autor as identifica como “denotadores” (2013,
p. 248).
2.4. Rocha Lima
Numa abordagem sucinta, o autor delimita a função desta classe atrelada ao papel
modificador do verbo atribuindo ao mesmo as várias circunstâncias que cercam sua significação.
“Advérbios são palavras modificadoras do verbo. Servem para expressar as várias
circunstâncias que cercam a significação verbal” (p. 226).
Segundo Rocha Lima, alguns advérbios, chamados de intensidade, podem também
prender-se a adjetivos, ou a outros advérbios, para indicar-lhes o grau. Afirma que “alguns há, até,
que não acompanham a verbos, mas somente a adjetivos e advérbios – tais como tão, quão, que”.
Chama atenção especialmente para o advérbio de intensidade que, figurante em frases
exclamativas como: “Que generoso coração!” e “Que lua maravilhosa!”
Para Lima, “a força emocional dessas frases pode ser tão poderosa, que se chegue a
dispensar a presença de qualquer adjetivo – concentrando-se então no QUE a ideia global
qualificativa e intensificadora” (p. 227).
No item classificação dos advérbios, afirma que distribuem-se pelas seguintes
espécies: de dúvida, de intensidade, de lugar, de modo e de tempo. Considera ainda os advérbios
relativos e interrogativos.
Mais adiante, o autor aborda as funções do advérbio e, numa pequena seção, trata dos
advérbios em –mente, mas, da mesma forma que Cunha, Rocha Lima salienta apena que
“concorrendo na frase vários advérbios dos terminados em –mente, é usual o emprego do sufixo
apenas no último; a menos que, por ênfase, se prefira a repetição” (p. 423).
“Estávamos calma, tranquilamente, aguardando a solução do caso”.
“Falava-me doce, suave, suavissimamente”.
No restante do capítulo, Rocha Lima expõe regras de emprego de inúmeros advérbios,
mas nenhuma observação de maior relevância sobre o processo de formação dos advérbios em –
mente ou quaisquer reflexões sobre a problemática da definição e dos usos dessa classe tão
complexa.
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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3. O ADVÉRBIO NA FUNÇÃO DE ORAÇÃO E ADJUNTO ADVERBIAL
Considerando a vasta mobilidade e o “leque de funções” abarcado pela classe dos
advérbios percebemos que sua classificação e conceituação torna-se mais clara e específica nos
capítulos referentes ao adjunto adverbial e as orações adverbiais.
De acordo com Matoso Câmara, os adjuntos adverbiais são complementos
circunstanciais que ampliam a comunicação feita pelo verbo, indicando variadas circunstâncias de
ocorrência. Do ponto de vista formal, em português, tais complementos caracterizam-se por
poderem figurar como advérbio. Câmara considera a oração adverbial correspondendo a
complemento circunstancial da oração principal. O estudo desses elementos de acordo com sua
função implica numa ramificação maior de possibilidades de análise considerando a mobilidade
semântica e sintática dos vocábulos ou expressões que podem acompanhar o verbo de uma oração
completando ou ampliando a comunicação linguística.
Manoel P. Ribeiro nos aponta três exemplos. Vejamos.
1- Ele saiu às escondidas.
2- Ele saiu rapidamente.
3- Ele saiu quando eu cheguei.
De acordo com Ribeiro, nos três exemplos verifica-se que o verbo “saiu” está
modificado por uma locução adverbial, por um advérbio e por uma oração subordinada
adverbial. Sintaticamente, os três elementos grifados atuam como adjunto adverbial.
Nesta classificação, a tradição gramatical procura caracterizar semanticamente o tipo
de circunstância acrescentada ao verbo. Assim:
1- Falava-se de gramática: adjunto adverbial de assunto.
2- Falava-se de Antônia: adjunto adverbial de referência.
3- Não saí por causa do vento: adjunto adverbial de causa.
4- Saí da gafieira à meia-noite: adjuntos adverbiais de lugar e de tempo.
Manoel Ribeiro exemplifica ainda adjuntos adverbiais de companhia, de comparação,
de modo, de matéria, de meio, de reciprocidade, de favor de finalidade, etc. Cabe salientar que,
enquanto adjunto adverbial, as possibilidades de análise se apresentam de forma mais ampla já que
obrigatoriamente adotamos o critério semântico e sintático ao avaliar a possível classificação e
definição para estes termos.
Segundo Celso Cunha: “Adjunto adverbial é o termo de valor adverbial que denota
alguma circunstância do fato expresso pelo verbo, ou intensifica o sentido deste, de um adjetivo
ou de um advérbio”. (p. 165).
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Para Cunha o adjunto adverbial pode vir representado por um advérbio, por locução ou
expressão adverbial ou por uma oração adverbial. Ressalta a dificuldade de enumerar todos os
tipos de adjuntos, já que muitas vezes, só em face do texto se pode propor uma classificação exata.
Destaca a relevância de se conhecer alguns tipos de adjuntos adverbiais que enumera e
exemplifica listando dezesseis tipos de adjuntos adverbiais e salientando as inúmeras
possibilidades para classificar esses complementos de acordo com o contexto em que aparecem.
Para Celso Cunha, “as orações adverbiais funcionam como adjunto adverbial de outras
orações e vêm, normalmente, introduzidas por uma das conjunções subordinativas (com exclusão
das integrantes, que iniciam orações substantivas)”.
Evanildo Bechara apresenta a seguinte informação para adjunto adverbial:
A expansão do núcleo pode dar-se mediante um adjunto adverbial, representado
formalmente por um advérbio ou expressão equivalente. Semanticamente exprime uma
circunstância e sintaticamente representa uma expansão do verbo, do adjetivo ou do
advérbio. (BECHARA, 2010, p.53)
Para Bechara, “semanticamente, o papel dos adjuntos adverbiais é matizar o processo
designado na relação predicativa, acrescentando à mensagem informações que o falante julga
indispensáveis ao conhecimento do interlocutor.” Entretanto considera que seu comportamento
sintático na oração é heterogêneo. Sua coesão, ora é maior com o verbo ou com o sintagma verbal,
ora faz referência a toda oração. Tais aspectos entram no domínio da gramática do texto, fugindo
do âmbito de esquemas idiomáticos. Assim Bechara considera todos esses casos uniformemente
como adjuntos adverbiais, apesar de citar uma distinção entre complemento relativo e
complemento adverbial.
Bechara classifica as orações adverbiais como “orações complexas de transposição
adverbial”, que exercem funções de natureza do advérbio e as reparte em dois grupos.
as subordinadas adverbiais propriamente ditas, porque exercem função própria do
advérbio ou locução adverbial e podem ser substituídas por um destes (advérbio ou
locução adverbial; estão neste caso as que exprimem as noções de tempo, lugar, modo
(substituíveis por advérbio), causa, concessão, condição e fim (substituíveis por locuções
adverbiais formadas por substantivo e grupos nominais equivalentes introduzidos pelas
respectivas preposições); as subordinadas comparativas e consecutivas. (BECHARA,
2010, p.348).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato de a gramática normativa não considerar a dinamicidade da língua traz algumas
consequências: uma delas é não conseguir contemplar com suas definições todas as ocorrências da
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língua, ou seja, a limitação do seu campo de aplicação, o que comprova a necessidade de maiores
estudos para esclarecimento sobre alguns pontos fundamentais da teoria.
Vimos que nos três critérios utilizados, morfológico, sintático e semântico
encontramos lacunas na aplicação dessas teorias. Assim, como a gramática é prescritiva, sempre
que aborda as circunstâncias expressas pelo advérbio, o coloca de maneira geral, mas não
especifica o sentido veiculado por essas palavras.
A concordância entre gramáticos tradicionais e linguistas em relação à imprecisão que
envolve a classificação dos chamados advérbios é indicativo claro que nenhuma das correntes deu
conta, ainda, de chegar a conclusões definitivas quanto à classe adverbial.
Refletindo sobre o fato de os estudiosos agregarem a todos os elementos entendidos na
classe o fator circunstancial, destacamos que nem todo advérbio indica circunstância. Temos como
exemplos: o “não”, que não se opõe a “sim”; o “sim”, que funciona como um reforço, uma ênfase
à afirmativa, já que esta não precisa de uma marca, como acontece com a negação; os advérbios de
dúvida, que demonstram a incerteza do locutor e não da ideia expressa pelo verbo do enunciado;
entre outros.
Partindo desse pressuposto, consideraremos como únicos advérbios com a noção de
circunstância os de tempo e de lugar. Em contrapartida, estes não correspondem à ideia de
modificação verbal, que só compete aos advérbios de modo e de intensidade. Dessa maneira,
pressupõe-se que as noções de circunstância e modificação não podem conviver simultaneamente
na definição de advérbio.
Segundo Matoso Câmara Jr. “advérbio é palavra de natureza nominal ou pronominal
que na frase se acrescenta à significação de um adjetivo ou de um verbo, como seu determinante”.
O autor afirma que advérbio é, portanto, um elemento frasal terciário, pois serve de determinante
ao adjetivo ou ao verbo, que como elementos frasais secundários, determinam por sua vez um
substantivo com seu adjunto, ou um sujeito como seu predicado. Na função determinante de um
verbo os advérbios funcionam nas frases como complementos circunstanciais.
É importante destacar, por fim, que há uma discussão acerca do conceito de advérbio,
bem como de sua delimitação, por conta da heterogeneidade semântico-funcional, desta classe de
palavras. Numa reflexão mais profunda ousaríamos afirmar que não podemos determinar e/ou
restringir, a função e o sentido de algo que se mostra tão amplo. Como diz Mattoso Câmara (MC.
8, 122 citado por BECHARA, 2009, p. 288), perturba a descrição e a demarcação classificatória a
extrema mobilidade semântica e funcional que caracteriza os advérbios.
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de Gramática do Português. 5 ed. Revista - Rio de
Janeiro: Zahar, 2010.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.
BONFIM, Eneida. Advérbios. São Paulo: Ática, 1988.
CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática. 26 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2007.
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5 ed. Rio de
Janeiro: Lexikon, 2008.
LIMA, Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 50 ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2012.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do Português. São Paulo: Editora UNESP,
2000.
PERINI, Mario A. Gramática Descritiva do Português. 2ed. São Paulo: Ática, 1996.
RIBEIRO, Manoel Pinto. Gramática aplicada da Língua Portuguesa. 11ed. Rio de Janeiro:
Metáfora, 2000.
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A ALTERNÂNCIA DE NÓS/A GENTE NA PRODUÇÃO DE TEXTOS
DE ALUNOS DO 8º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Ana Paula Martins Alves (UFC – CNPq)
Giselli Freitas (UFC - CAPES)
Maria Vanderlúcia Sousa Tabosa (UFC – CAPES)
Resumo:
Pesquisas recentes, à luz da Teoria da Variação e Mudança, comprovam a frequente substituição
de nós por a gente na língua falada do Português brasileiro. Nas gramáticas normativas da Língua
Portuguesa, o uso do a gente é visto por muitos puristas como “um erro” em relação ao emprego
do nós. No entanto, atualmente, muitas pesquisas de cunho variacionista têm apontado os próprios
fatores linguísticos é que favorecem o uso do a gente e, portanto tais estudos exercem pressão para
que essa forma seja inserida no quadro pronominal português (LOPES, 1998). Neste contexto, este
estudo objetivou analisar a alternância do “nós” e do “a gente” na produção de textos de alunos
do 8º ano do Ensino Fundamental. Com isso, intencionamos verificar se fatores linguísticos e
extralinguísticos estabelecidos na pesquisa influenciam ou não a frequência ou preferência de uso
de um pronome ao invés de outro dentro de um contexto estabelecido. A investigação
desenvolveu-se com a participação de três turmas de estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental
de três escolas estaduais de Fortaleza/CE. Nosso corpus foi constituído por 150 textos, contudo,
foram encontradas, apenas, 65 ocorrências das variantes. Para a análise selecionamos quatro
fatores estruturais: função sintática, paralelismo e referência e tempo verbal. Concluímos, pois,
que o uso do “nós” e do “a gente” aparecem de modo significativo nas produções escritas,
demonstrando que tanto a forma normativa como a forma inovadora são concorrentes no contexto
linguístico da comunidade pesquisada. Verificamos, também, que a forma pronominal “a gente” se
sobrepõe à normativa “nós” na fala dos personagens adolescentes, ao passo que o contrário
acontece na fala dos personagens adultos.
Palavras-chave: Teoria variacionista; nós e a gente; Ensino Fundamental.
1. INTRODUÇÃO
Nas gramáticas normativas da língua portuguesa o uso do pronome a gente sempre é
visto por muitos puristas como “um erro” em relação ao emprego correto da gramática. Em
algumas, esse uso nem ao menos é citado, tal como vemos em Cegalla (2008), Rocha Lima (2011)
e Bechara (2001). Entretanto, atualmente muitas pesquisas de cunho variacionista têm apontado os
fatores linguísticos que favorecem tal uso e que também têm chamado atenção para que o a gente
seja colocado no quadro pronominal português.
Com uma realidade sociolinguística bastante estratificada e um acentuado
descompasso entre língua oral e escrita, o português brasileiro vem se distanciando cada vez mais
dos padrões linguísticos tidos como “corretos” estabelecidos pelas normas impostas pelas
comunidades de prestígio. Neste trabalho faremos um recorte de tal realidade no tratamento dos
pronomes pessoais que constantemente estão se atualizando em função da substituição, migração
e/ou alargamento do domínio de algumas formas: a forma do pronome de 1ª pessoa, nós, e da
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expressão a gente, com base nos dados coletados de produções de diálogos escritos, por alunos do
8º ano, em três escolas públicas em diferentes bairros de Fortaleza. É importante esclarecer que
tais análises contribuem não apenas para identificação do uso mais recorrente das formas pela
comunidade pesquisada, mas também objetiva mostrar como a frequência ou substituição de uma
forma por outra se configura em detrimento das variáveis linguísticas e extralinguísticas
estabelecidas.
Destarte, a análise nos ajudará a concluir se tais ocorrências sinalizam um processo de
variação ou de mudança linguística. Com isso, intencionamos verificar se fatores linguísticos e
extralinguísticos estabelecidos na pesquisa influenciam ou não a frequência ou preferência de uso
de um pronome ao invés de outro por estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental de três escolas
estaduais de Fortaleza/CE nas quais foram submetidos à produção de um diálogo cujo tema
estivesse relacionado à Copa do Mundo.
O presente artigo se organiza em quatro partes. Na primeira parte, apresentamos as
concepções teóricas sobre os postulados labovianos que, juntamente com os trabalhos
desenvolvidos sobre o tema em questão, subsidiarão nossa análise. Na segunda parte, descrevemos
os procedimentos metodológicos necessários para o desenvolvimento da pesquisa. Na terceira
parte, apresentamos a análise dos dados. Por fim, temos os resultados finais bem como
apontamentos relevantes para estudos posteriores.
2. A TEORIA VARIACIONISTA
A teoria da Variação e Mudança Linguística, fundamentada por William Labov (1972)
tem como objeto de estudo a variação e mudança da língua no contexto social da comunidade de
fala. A língua, segundo o sociolinguístico, é dotada de heterogeneidade sistemática. Tal
pressuposto rompe com a visão de língua homogênea preconizada no estruturalismo Saussureano
que considera a fala como caótica e desmotivada. Quando se fala em hetogeroneidade, vale
ressaltar que tal natureza não aponta como objeto primário de interesse as particularidades
idiossincráticas dos indivíduos, mas considera como objeto de estudo da Teoria as comunidades
de fala, lugar onde estão assentados os condicionamentos que estruturam a correlação
indispensável entre a língua e sociedade via análise linguística de regras variáveis condicionadas
por fatores linguísticos e extralinguísticos. Nesse sentido a ausência de heterogeneidade
estruturada da língua seria tida como disfuncional. (WEINREICH;LABOV;HERZOG, 2006, p.
36). Segundo Herman Paul (1970) uma variação linguística tem de ser definida sob condições
estritas para que seja parte da estrutura linguística; de outro modo, se estará abrindo as portas para
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regras que “ocasionalmente” se aplicam, portanto a necessidade de sistematização desses
fenômenos de variação e mudança da língua.
Estudos realizados sobre os pronomes nós e a gente dentro da abordagem variacionista
mostram não se tratar somente de uma variação, mas de uma mudança conforme aponta Lopes,
(1999). Nesse sentido, tem-se observado os diversos aspectos de uso desse fenômeno linguístico
como, por exemplo, a alternância da forma do pronome de 1ª pessoa, nós, da expressão a gente e o
encaixamento dessa expressão no subsistema dos pronomes pessoais – seja na função de sujeito,
seja na de complemento ou de adjunto.
Uma das grandes contribuições para teoria da variação observou-se em Lopes (1999),
ela acredita que para explicar as causas das mudanças ocorridas no sistema pronominal, é preciso
identificar as motivações de ordem discursivo-pragmático, os de natureza formal e social que
atuaram em tempo real de longa e curta duração. Para tanto realiza um mapeamento histórico-
descritivo da inserção de a gente no sistema pronominal do português brasileiro, europeu e
africano.
Verificando o percurso histórico da forma a gente, Lopes (1999) parte para análise
linguística e social da alternância entre o pronome nós e a forma a gente em tempo real de curta
duração. Esse tipo de análise é voltado para o comportamento do indivíduo e da comunidade. Nele
a autora percebeu que a substituição de nós por a gente, embora esteja sendo implementada de
forma acelerada nos últimos vinte anos no português do Brasil, caracteriza-se, dentro dos modelos
interpretativos de Labov (1994), como um padrão de gradação etária, pois se configura, no estudo
de tendências, como um comportamento estável da comunidade e, no estudo de painel, como um
comportamento instável dos mesmos indivíduos. Lopes afirma ainda que o processo de
pronominalização do substantivo gente se deu de maneira gradativa em consequência de uma
mudança da língua e da sociedade, isto é, o processo de mudança se realiza em um continuum em
que as formas tendem a perder seu significado semântico inicial, gramaticalizando-se algumas de
forma mais acelerada que as outras.
Maia (2003), a partir de sua investigação de duas comunidades linguísticas mineiras,
uma rural e uma urbana, conclui que o verbo na 3ª pessoa do singular e as formas nominais
mostram-se mais favoráveis ao uso de a gente, o que seria indicativo de que a ausência de marcas
morfológicas de pessoa favorece o uso dessa variante, ao passo que, ao atestar a ocorrência da
desinência número-pessoal –mos, as porcentagens confirmaram que a desinência de 1ª pessoa do
plural é um fator que favorece o uso do pronome nós. A pesquisadora considera a hipótese de que
a variação entre o pronome nós e a forma a gente é mecânica, ou seja, o número de fenômenos
variáveis em português é de natureza funcional e que, nestes casos, a variante em questão é usada
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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pelos falantes em certos contextos porque colabora para a transmissão de um determinado sentido
de nível semântico-discursivo (Apud Naro, 1998).
Por fim, em consonância, com alguns conceitos de Lopes, Zilles (2005) afirma que o
surgimento do a gente representa um novo ciclo no processo de gramaticalização e que tal
processo ocorre lento e gradualmente num continuum de mudanças que se definem como
diferentes processos que afetam um item através do tempo. E esse percurso, conforme a autora,
são reflexos de algumas evidências que comprovam uma reorganização no sistema verbal e
pronominal do português brasileiro a saber: a forma a gente está adquirindo propriedades
semânticas de pronome pessoal apoiada em um processo de gramaticalização. Segundo Zilles, a
perda progressiva da 2ª pessoa do singular em favor da 3ª pessoa e a integração da forma a gente
trouxeram consequências para o sistema verbal e pronominal. Para Zilles, um dos processos de
reorganização resulta no uso do item nominal a gente em alternância com o pronome nós.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A investigação desenvolveu-se com a participação de três turmas de estudantes do 8º
ano do Ensino Fundamental de três escolas estaduais de Fortaleza, doravante denominadas escola
A, B e C. As escolas foram escolhidas de acordo com suas características e resultados do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB – no ano de 2011.
A escola A é notadamente reconhecida por sua qualidade de ensino e resultados nas
avaliações de larga escala, tais como SPAECE, Prova Brasil, etc. Esta apresenta o IDEB de 7,3 e
altos índices de aprovações nas avaliações de ingresso ao ensino superior. Vale salientar, contudo,
que embora a escola A seja pertencente à rede pública estadual de ensino, esta possui uma prova
de seleção de ingresso, ou seja, todos os anos a escola promove teste de seleção de novos alunos,
desde os anos iniciais do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio. Destacamos que os
estudantes desta escola, na maioria, são filhos de militares e provenientes de escolas particulares.
A escola B, por sua vez, está localizada numa área central da cidade e próxima a uma
universidade. Em consequência, a escola, constantemente, recebe visitas de alunos e professores
universitários na tentativa de desenvolvimento de projetos que visam à melhoria do ensino.
Destacamos, contudo, que embora a escola seja localizada numa área central da cidade, os alunos
são pertencentes a comunidades carentes situadas na periferia. O desempenho da escola B no
IDEB de 2011 é de 2,3, uma nota relativamente baixa.
Já a escola C está situada numa área considerada de risco, marcada pela forte presença
de drogas, violência e pobreza. Os alunos são pertencentes à comunidade em que a escola está
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situada e esta, normalmente, não recebe visitas de estagiários ou professores universitários. O
IDEB da escola C em 2011 foi de 3,5.
Os dados foram coletados no mês de maio do corrente ano, em turmas do 8º ano do
Ensino Fundamental, e a atividade compreendia a produção de um texto em que se desenvolvesse
um diálogo sobre a Copa do Mundo de 2014, entre quatro participantes, a saber: dois adolescentes
e dois adultos. Salientamos, no entanto, que houve uma autorização prévia, por parte dos setores
competentes, para o procedimento de coleta de dados nas escolas.
Foram coletados 65 textos na escola A, 58 na escola B e 50 na escola C. Tendo em
vista a equidade na análise dos dados, optamos por constituir nosso corpus com 50 textos de cada
escola, totalizando uma amostra de 150 textos produzidos por alunos do 8º ano do Ensino
Fundamental.
Nossa investigação contou com uma variável dependente: a alternância do nós e do a
gente na produção escrita de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. Como variáveis
independentes, temos varáveis extralinguísticas: 1 A escola na qual os alunos redatores dos textos
estudam; 2. Os personagens participantes do diálogo: adolescente do sexo masculino com,
aproximadamente, 16 anos (P1); adolescente do sexo feminino com, aproximadamente, 16 anos
(P2); Professor de Educação Física com, aproximadamente, 30 anos (P3); e funcionária dos
serviços gerais com, aproximadamente, 40 anos (P4). Como variáveis linguísticas, temos: 1. A
função sintática do nós ou do a gente (sujeito ou complemento); 2. A presença ou ausência de
paralelismo no uso do nós e do a gente; 3. O tempo verbal em que os termos foram usados
(passado ou não passado); e 4. Referência que o nós e o a gente faz (genérica, específica e
particular).
Na análise dos dados, seguimos os pressupostos da Teoria Variacionista,
fundamentada pelo linguista William Labov (1972) por conceber a língua como um sistema
heterogêneo do qual a variação é parte inerente. O tratamento quantitativo dos dados foi feito por
meio do programa computacional GOLDVARB e utilizamos como valor de aplicação a
variante nós.
4. RESULTADO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Nosso corpus foi constituído por 150 textos produzidos por alunos do 8º ano do
Ensino Fundamental de escolas estaduais de Fortaleza. No entanto, foram encontradas, apenas, 65
ocorrências das variantes, sendo 37 nós e 28 a gente. Tendo em vista nosso objetivo de pesquisa,
analisar a alternância do nós e do a gente na produção de textos de alunos do 8º ano do Ensino
Fundamental, organizamos nossa análise a partir das variáveis extralinguísticas e linguísticas, a
saber: Escola; Personagem; Função Sintática; Paralelismo; Tempo Verbal; e Referência.
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No que diz respeito a alternância do nós e do a gente em função do fator escola, os
dados apresentaram um maior número de ocorrências na utilização do nós e do agente entre as
produções dos alunos da escola A , 30 ocorrências no total, ao passo que, nas produções das
escolas B e C, foram encontradas 17 e 18 ocorrências, respectivamente. Salientamos que a maioria
dos alunos das escolas B e C não atenderam, em essência, a proposta de produção de texto, ou
seja, grande parte dos alunos escreveram textos narrativos ou descritivos. Acreditamos, pois, que,
em decorrência deste fato, houve uma baixa ocorrência no uso dos termos investigados neste
estudo.
Os dados nos revelam, também, que os alunos das três escolas, de um modo geral,
optaram por utilizar, preferencialmente, a variante “nós”. Acreditamos que este fato se deu em
virtude dos diálogos terem ocorridos na escrita e não, propriamente, na oralidade. Segundo
Ferreira (2002), a forma “a gente” é preferida na oralidade, ao passo que “nós” é mais recorrente
na escrita, uma vez que, no processamento da língua escrita, há uma predominância do
planejamento e monitoramento do ato de escrever.
No entanto, ao observarmos o número bruto de ocorrências nas escolas B e C,
perceberemos que as duas variantes são co-ocorrentes, ou seja, estas foram utilizadas em
quantidades bem próximas, mostrando que os alunos de tais escolas apresentam alta alternância
entre os termos.
Em relação ao fator extralinguístico personagem participante do diálogo, analisando os
dados, notamos que houve maior ocorrência do fenômeno na fala dos personagens adolescentes,
tanto menina como menino, um valor de 75% no total das ocorrências. Destacamos, contudo, que,
ao analisar os textos produzidos pelos alunos, identificamos que os personagens adolescentes
tinham mais falas nos diálogos, enquanto que o personagem professor e o personagem zelador
apareciam de forma mais pontual. Acreditamos que, em virtude disso, os adolescentes
apresentaram um índice maior de ocorrência.
Um fator interessante a ser destacado na tabela 2 é o percentual de ocorrência da
variante normativanós na fala do personagem zelador (85,7%). Inicialmente, acreditávamos que
este personagem apresentaria uma predominância da forma a gente, visto que é uma forma mais
utilizada entre pessoas com um nível de escolaridade mais baixo. No entanto, os dados
demonstraram o contrário. Acreditamos que tal índice se deu pelo fato de a fala do personagem
zelador ser uma representação do pensamento do redator do texto e este associar ao adulto a fala
mais normalizada.
O terceiro aspecto relevante a ser destacado, na tabela 2, é que a forma pronominal
inovadora a gente está se sobrepondo à normativa nós na fala dos personagens adolescentes, ao
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passo que o contrário acontece na fala dos personagens adultos. Isso reforça o postulado de Leite
(2013) de que a forma a gente é predominante na fala de pessoas mais jovens.
Já em relação ao fator linguístico função sintática do nós e do a gente, de acordo com
os dados, a alternância ocorre, predominantemente, na função de sujeito, conforme podemos
verificar nos exemplos a seguir:
(C1ECP2): “Nós vamos chama a Ana que trabalha na escola”.
(A10EAP2): “Sim eu posso cuidar dessa parte. Vai que a gente aparece na Globo”.
No entanto, tendo por base o valor individual da função complemento, notamos uma
predominância da forma a gente, com 54,5% das ocorrências. Vejamos os exemplos a seguir:
(A2EAP2): “Eu conheço uma pessoa que pode botar agente num lugar muito bom”.
(C13ECP1): “Que tal a gente montar um time e escrever a gente da ki da escola”.
No que diz respeito ao segundo fator linguístico observado, verificamos que 73,8%
das ocorrências apresentaram paralelismo. Não obstante, 60.4% das ocorrências da
forma nós apresentaram paralelismo.
Destacamos, contudo, que nosso estudo considerou como paralelismo as ocorrências
dos termos analisados no âmbito do texto completo e não entre as falas dos personagens. Assim,
em muitos dos casos, o paralelismo apareceu durante o diálogo, conforme o exemplo a seguir:
(A2EA): “P1: A gente se encontra aqui, né?
P2: É, a gente pode convidar também o P3 também pra ir, não?”
Outro aspecto linguístico observado foi o Tempo verbal. Verificamos que 89.2% no
total das ocorrências foram utilizadas no tempo não-passado.
Salientamos, no entanto, que segundo nosso ponto de vista, o tempo verbal não
favorece o uso do nós e do a gente, ou seja, nossos informantes alternavam na utilização dos
termos analisados independentemente do tempo verbal, conforme podemos ilustrar nos exemplos
abaixo:
(A15EAP1): “Sim, a gente começou a falar disso”.
(B6ECP1): “Nós temos que fazer a pesquisa sobre a copa”.
O último fator linguístico analisado neste estudo foi a referência. De acordo com os
dados, a referência específica apresentou um alto índice de ocorrências, 46 num total de 65
ocorrências.
De acordo com os dados, verificamos que as formas nós e a gente concorrem na
produção dos alunos, apresentando índices de ocorrências bem próximos, 54,3% e 45,7%,
respectivamente.
Sabemos que a forma normativa nós é bastante difundida nos meios educacionais
como a primeira pessoa do plural. No entanto, segundo Omena (1998), a introdução da forma a
gente foi uma necessidade de os falantes contraporem uma referência precisa a uma imprecisa.
Isso posto, vejamos o seguinte exemplo:
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(C4ECP1): “Amanda, eu vou para o estágio, então a gente se encontra lá”.
Nesse exemplo, podemos observar que o falante utiliza a forma a gente com uma
referência precisa, ou seja, incluindo-se neste grupo. Já no exemplo:
(A20EAP2): “Mas nós não estamos mais desenvolvidos, se olhar bem, nós estamos é
menos”.
O nós não se refere à pessoa que está falando e nem ao ouvinte, mas sim a um grupo
não especificado, ou seja, refere-se às pessoas de forma genérica.
No exemplo a seguir, temos:
(C6ECP4): “Bom, gente, bom dia a todos, nós estamos aqui pra falar sobre a copa do
mundo”.
Neste exemplo, a forma nós refere-se a um personagem específico, o zelador. Com
isso, temos uma referência particular.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, diversos estudos sociolinguísticos têm discutido a variação linguística de
comunidades de fala. De um modo geral, a literatura oferece-nos uma gama de estudos que
comprovam a interferência de fatores linguísticos e extralinguísticos no domínio ou abandono de
certas formas nas comunidades de fala.
Nosso estudo se enquadra num panorama de pesquisas a respeito da alternância das
formas pronominais nós e a gente. A maioria das pesquisas desenvolvidas sobre tais termos
partem de bancos de dados de falas previamente constituídos. Nosso estudo, no entanto, volta seu
olhar para a alternância do uso do nós e do a gente nas instituições de ensino, ou seja, os dados
foram coletados pelas pesquisadoras em escolas estaduais da cidade de Fortaleza/CE.
Destarte, esta pesquisa teve por escopo analisar a alternância do nós e do a gente na
produção de textos de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. A análise estatística dos dados
levou em conta dois grupos de fatores extralinguísticos e quatro grupos de fatores linguísticos, a
saber: escola; personagens participantes do diálogo; função sintática; paralelismo; tempo verbal e
referência.
O resultado da análise revelou que os sujeitos participantes da pesquisa optaram por
utilizar, preferencialmente, a variante nós. Atribuímos este dado ao fato de os diálogos terem
ocorrido na escrita, reafirmando o postulado por Ferreira (2002) de que a forma a gente é preferida
na oralidade, ao passo quenós é mais recorrente na linguagem escrita.
Salientamos, porém, que o diálogo, solicitado na produção textual, embora coletado na
forma escrita, é um gênero no qual podemos observar as nuances típicas da modalidade fala, ou
seja, é possível depreendermos as marcas da oralidade que apontam a relação desses pronomes
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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com as variáveis linguísticas, já que as produções foram realizadas por estudantes de 8º ano do
Ensino Fundamental, adolescentes que tendem a transferir suas marcas orais para o texto escrito.
Verificamos, também, que a forma pronominal a gente se sobrepõe à normativa nós na
fala dos personagens adolescentes, ao passo que o contrário acontece na fala dos personagens
adultos, ratificando a afirmação de Leite & Guedes (2013) de que a forma a gente é predominante
na fala de pessoas mais jovens.
Destacamos, ainda, que os fatores linguísticos que se mostraram favorecedores na
alternância entrenós e a gente foram: função sintática, paralelismo e referência. Todavia, o tempo
verbal - passado ou não passado apresentou-se como fator que não favorece a alternância dos
termos analisados
Concluímos, pois, que o uso do nós e do a gente aparece de modo significativo nas
produções escritas dos sujeitos participantes, demonstrando que tanto a forma normativa como a
forma inovadora são concorrentes no contexto linguístico da comunidade pesquisada.
Enfatizamos, no entanto, que, apesar de determinadas formas serem predominantemente
consideradas do “bem falar”, muitas pesquisas de cunho variacionista vem apontando para uma
nova maneira de tratar a linguagem, oferecendo aos usuários da língua uma perspectiva mais
dinâmica do Português brasileiro.
Assim, acreditamos que, através dos resultados obtidos, a presente pesquisa oferece
contribuições para a teoria variacionista, como também é de suma importância para o ensino na
escola de maneira que poderá favorecer a minimização do preconceito a partir de uma abordagem
mais reflexiva dos usos da língua.
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sentido. São Paulo: Moderna, 2006.
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Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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A GRAMÁTICA DE LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS) COM EXPERIÊNCIA
VISUAL ENTRE SURDOS E OUVINTES: DISCUTINDO VERDADES E MITOS
Marcus Weydson Pinheiro (UFC)
Resumo:
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a língua natural dos surdos. O seu reconhecimento
como segunda língua oficial do Brasil surgiu com a Lei federal nº 10.436/2002. Para nos
expressarmos, utilizamos principalmente as mãos e as expressões faciais como articuladores para
produzirmos os sinais. Nós Surdos, por sermos uma minoria linguística e termos ricas
experiências linguísticas visuais, diferimos dos ouvintes que utilizam o canal oral-auditivo. Esta
língua se difere das orais por usar um canal visuoespacial como meio de perceber e expressar
quaisquer ideias, sentimentos, literatura, política, conhecimentos científicos, entre outros. Os
estudos linguísticos sobre as línguas de sinais têm se aprofundado e demonstram regras de sua
gramática, ora similares ora contrastivas com a gramática das línguas orais. É fato que a maioria
das pessoas pensa que as Línguas de Sinais são constituídas por meras mímicas e que, portanto,
são universais. Desse modo, o presente trabalho objetiva desmitificar os pensamentos
equivocados sobre as línguas de sinais e os sujeitos surdos, comumente reproduzidos pelo senso
comum. Fundamenta-se nas teorias sobre linguagem (VYGOTSKY, 1993), além dos estudos
linguísticos no âmbito das línguas de sinais (FERREIRA- BRITO, 1997; QUADROS &
KARNOPP, 2004; QUADROS, 2007). Assim, pretendo discutir como as pesquisas específicas
da Libras tem favorecido a acessibilidade aos coetâneos surdos, na última década, a partir do
curso de licenciatura em Letras Libras, promovido pioneiramente pela Universidade Federal de
Santa Catarina – UFSC e que se estendeu aos demais estados. Os Cursos de Letras Libras tem
formado professores com novos conhecimentos gramaticais dessa língua visuoespacial.
PALAVRAS-CHAVES: Mitos – Estudos Linguísticos – Gramática – Libras.
1 - Introdução
“A linguística tem por único e
verdadeiro objeto a língua
encarada em si mesma e por si
mesma. (Ferdinand Saussure,
p.15)
A experiência visual é primordial nas práticas discursivas e construções de significado
dos sujeitos Surdos. Apesar disso, a sociedade em geral ainda não tem conhecimento sobre a
cultura surda, ou estranham a comunicação realizada com os rápidos movimentos de mãos
percebidas através do canal visual. No início de 2014, realizei uma pesquisa com alunos ouvintes
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da disciplina de Libras da UFC a qual questionava sobre conceitos da Libras, pessoa Surda,
cultura surda e acessibilidade surda, na qual, após a análise de resultados, pude perceber um
desconhecimento geral acerca desses assuntos, não conheciam por exemplo, o que eram as
comunidades surdas brasileiras ou os diversos artefatos culturais da comunidade surda, tais como:
a língua de sinais como primeira língua em famílias de surdos, a obrigatoriedade de iluminação
para se estabelecer comunicação, as adaptações no âmbito dos desporto, como apitos e sirenes que
são substituídos por luzes e bandeiras com boa visibilidade, entre outros.
Na década de 1960, o linguista americano William Stokoe, que trabalhou como docente e
chefe de departamento da Língua Inglesa na Universidade Gallaudet, publicou os primeiros estudos
linguísticos sobre a estrutura da Língua Gestual e foi co-autor de um Dicionário de Língua Gestual
Americana. Os estudos de Stokoe foram pioneiros e deram impulso a vários outros estudos sobre Línguas
de Sinais no mundo inteiro.
Visto que a Língua de Sinais é a língua natural da comunidade surda, esse tipo de língua
apresenta uma complexidade peculiar como estruturas gramaticais próprias além de todos os níveis de
análise de uma língua como a fonologia, morfologia, sintático, semântico, dentre outros (deste modo as
Línguas de Sinais não se tratam de simples mímicas ou gestos soltos e descontextualizados utilizados pelos
surdos para facilitar a comunicação).
Assim, qualquer uma pessoa que entre no contato com uma Língua de Sinais irá percorrer o
processo de aprendizagem de uma língua como qualquer outra, similarmente como o que com o inglês, o
francês ou o espanhol. Os surdos que dominam a Língua de Sinais podem discutir assuntos de
qualquer natureza: filosofia, política, esportes, ou até mesmo produzir humor e peças teatrais e pode ser
encontrada em diversos espaços sociais, dentre os quais podemos destacar, as associações, igrejas,
shoppings e universidades.
Apesar da crença popular, as Línguas de Sinais não são universais, no nosso caso, a Língua
Brasileira de Sinais (Libras) teve sua origem influenciada pela Língua de Sinais Francesa. Finalmente, a
Libras foi reconhecida e oficializada como segunda língua oficial com a Lei Federal 10.436 de 2002, que
se pode considerar um curto período de tempo, tendo em vista a longa idade das línguas orais modernas.
As pessoas frequentemente usam a palavra linguagem em uma variedade de sentidos:
linguagem musical, linguagem corporal, linguagem das abelhas, entre outras
possibilidades. [...] utiliza essa palavra para significar o sistema linguístico que é
geneticamente determinado para desenvolver-se nos humanos. Os seres humanos podem
utilizar uma língua de acordo com a modalidade de percepção e produção desta:
modalidade oral- auditiva (português, francês, inglês, etc.) ou modalidade visuoespacial
(língua de sinais brasileira, língua de sinais americana, língua de sinais francesa, etc.).
[então, definindo língua e linguagem] Sabe-se que para vocábulo inglês language
encontram-se, no português, dois vocábulos: língua e linguagem. A diferença entre as
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duas palavras está correlacionada, até certo ponto, com a diferença entre os dois
sentidos da palavra inglesa language. A palavra linguagem aplica-se não apenas às
línguas português, inglês, espanhol, mas a uma série de outros sistemas de
comunicação, notação ou cálculo, que são sistemas artificiais ou não naturais. Por
exemplo, em português, a palavra linguagem é usada como referência à linguagem
geral, e a palavra língua aplica-se às diferentes línguas. O vocábulo linguagem, em
português, é mais abrangente que o vocábulo língua, não só porque é usado para se
referir às linguagens em geral, mas também porque é aplicado aos sistemas de
comunicação, sejam naturais ou artificiais, humanos ou não. (QUADROS e KARNOPP,
2004, p.24)
Tomemos por exemplo as Línguas de Sinais da Inglaterra e Estados Unidos, que
compartilham a mesma língua oral (o inglês), mas diferem em suas línguas de sinais. O mesmo
acontece com outros países como o Brasil e Portugal, compartilhamos a língua oral (o Português), mas
possuímos línguas de sinais diferentes.
A Libras, como Língua de Sinais, tem caráter visuoespacial e possui cinco parâmetros:
configuração de mão, ponto de articulação, orientação, movimento e as expressões faciais e corporais. Na
fala sinalizada outros aspectos gramaticais podem surgir no espaço de sinalização como movimentos do
corpo e classificadores. Outra peculiaridade das línguas de sinais são a iconicidade e arbitrariedade:
A modalidade gestual-visual-espacial pela qual a Libras é produzida e percebida pelos
surdos leva, muitas vezes, as pessoas a pensarem que todos os sinais são o desenho no ar
do referente que representam. É claro que, por decorrência de sua natureza lingüística, a
realização de um sinal pode ser motivada pelas características do dado da realidade a
que se refere, mas isso não é uma regra. A grande maioria dos sinais da Libras é
arbitrária, não mantendo relação de semelhança alguma com seu referente. (REBECA,
2012).
2 - Desenvolvimento
É importante notar que a Língua Portuguesa e a Libras possuem estruturas linguística e
regras gramaticais diferentes. Uma das especificidades da Libras, por exemplo, é o uso de recursos
visuais como os classificadores, que se fazem constantemente presentes em produções sinalizadas
e conseguem expressar o pensamento do falante durante a conversa. A Libras se constitui um
meio eficiente de comunicação para crianças surdas, adultos surdos, ouvintes sinalizantes e
tradutores/intérpretes de Língua de Sinais (TILS), ou seja, para todos os usuários.
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2.1 Estrutura Linguística da Libras
Contrário ao modo como muitos definem a surdez (...) pessoas surdas definem-se
em termos culturais e linguísticos. (WRIGLEY, 1996, p.13)
Segundo Stokoe, doutor norte-americano em Linguística, os aspectos estruturais
gramaticais básicos das línguas de sinais são: as configurações de mão, movimento e locação.
Em síntese, a estrutura das línguas de sinais, no que diz respeito à formação de
palavras, se difere da Língua Portuguesa, uma vez que a unidade mínima da Língua Portuguesa é
o som (fonema), que varia gradualmente até a formação da sílaba. Nas línguas de sinais as
unidades mínimas são os movimentos, as configurações de mão e a locação onde o sinal é
articulado.
As configurações de mão é um parâmetro fonológico primordial no desenvolvimento
das construções e no entendimento de fala sinalizada para crianças e adultos surdos, assim
como para ouvintes e intérpretes de línguas de sinais. Para exemplificar, com a configuração de
mão em “Y”, podemos ter s sinal de “aproveitar”, “avião” e “evita”.
O movimento é o parâmetro articulado que usa o espaço, pode ser realizado de
várias formas e direções. Os movimentos podem ser do pulso, internos da mão e direcionais no
espaço. (KLIMA E BELLUGI, 1979).
A locação, também chamado de ponto de articulação, é uma unidade mínima
responsável de articular o sinal. A locação pode tocar alguma área do corpo, ou no espaço em
frente ao corpo do sinalizante.
Vale ressaltar que na Libras existem variações de sinais de uma região para outra,
no mesmo país. Para exemplificar essa variação regional, podemos citar que para o verbete
“verde” existem sinais diferentes em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo.
2.2. Sistema de transcrição para LIBRAS
Vários pesquisadores vêm adotando um sistema de transcrição para a língua de
sinais tanto no Brasil como em outros países. Nesse sistema a utilização de palavras de uma
língua oral- auditiva é usada para representar os sinais. Vejamos a tabela abaixo alguns exemplos:
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Língua Portuguesa Língua Brasileira de Sinais Itens Lexicais Sinais da Libras transcritos com letras maiúsculas. Exemplo:
CASA, ESTUDAR, CRIANÇA, etc.
Duas ou mais palavras São produzidos com Sinal único, tem um hífen.
Exemplo: CORTAR-COM-FACA; QUERER-NÃO; AINDA-
NÃO, etc.
Composto duas ou mais palavras Dois sinais ou mais sinais. Mesmo sentido e significado. Única
palavra Exemplos: CAVALO^LISTRA=ZEBRA,
CASA^CRUZ=IGREJA
Desinência para gêneros
(masculino e feminino) e número
(singular e plural)
Sinais sem marcação transcritos em LP com terminação usando
o símbolo
@ para reforçar a ideia de ausência de marcação de gênero e
numero. Exemplos: AMIG@ (amiga/amigo); EL@ (ele/ela);
MENIN@ (menino/menina).
Formas exclamativas e
interrogativas
São feitos por meio da expressão facial e corporal na formação
do sinal. Exemplo: QUEM? O QUE? BONITO! FEIO!
Os verbos que possuem
concordância de gênero (pessoa,
objeto e animal).
São representados pelo tipo de classificador em Libras
Exemplo: pessoa ANDAR; veículo ANDAR, animal ANDAR
Plural Às vezes há uma marca de plural pela repetição do sinal,
representada por uma cruz no lado direto acima do sinal que
está sendo repetido:
Exemplo: CASA+, CARRO +, MENINO +
Na Libras, a regência verbal é marcada com um elemento que traz noção temporal
ao verbo para expressar o tempo que se situa. No contexto sintático em algumas frases utiliza-
se um advérbio de tempo para situa o verbo no presente (agora/hoje), no passado (ontem/já) ou
futuro (amanhã/depois).
Os tipos de frases na Libras são demarcados pela utilização de sinais acompanhados
de expressões faciais e corporais, assim como as entonações demarcam os tipos de frases na
Língua Portuguesa. Por isso, para perceber se uma frase em Libras está na forma afirmativa,
exclamativa, interrogativa ou negativa, é necessário está atento as expressões faciais e corporais
que são feitas simultaneamente com alguns sinais. Tais exemplos:
Frases em LIBRAS Tipos de Frase – Expressões Faciais/Corporais
MEU NOME P-A-U-L-O Afirmativa: A expressão facial é neutra.
SEU NOME? Interrogativa: Sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da
cabeça, inclinando-se para cima.
EL@ CASADA! Exclamativa: Sobrancelhas levantadas num ligeiro movimento da
cabeça inclinando-se para cima e para baixo.
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As frases negativas podem ser feitas por três processos: a) com o acréscimo do sinal
NÃO à frase afirmativa. Exemplo: CASA FEIA COMPRAR NÃO. b) com incorporação de
um movimento contrário ao sinal negado. Exemplo NÃ0-GOSTAR, NÃO-QUERER CARNE e c)
com um aceno de cabeça que pode ser feito simultaneamente com a ação que está sendo
negada ou juntamente com os processos acima. Exemplo: EU VIAJAR NÃO PODER.
Os autores Supalla e Newsport (1978) observaram que na Língua de Sinais
Brasileira, os verbos podem surgir como derivações de substantivos, pela mudança de tipo de
movimento. Os substantivos apresentam movimentos curtos e repetitivos, enquanto os verbos
apresentam movimentos mais longos e não-repetitivos, tais exemplos a seguir:
CADEIRA/SENTAR; ESCOVA/ESCOVAR E PERFUME/PERFUMAR.
Também outro processo de repetição é chamado reduplicação, é muito parecido
nominalização em português, assim como Libras repete o morfema (verbo). O que vem o
substantivo e verbos ambos envolvidos são diferentes no movimento. Segue os exemplos: ABRIR
LIVRO/LIVRO; ABRIR PORTA/PORTA.
Segundo Battison (1978), classificaram-se as duas restrições fonológicas na produção
de diferentes tipos de sinais envolvendo as duas mãos: “A condição de simetria” é aquela que usa
as duas mãos das mesmas configurações de mãos, a locação deve ser a mesma e o movimento
deve ser simultâneo (VÍDEO CASSETE) e alternado (TRABALHAR). “A condição de
dominância” é aquela que usa uma mão ativa produz o movimento e outra mão passiva não
produz o movimento mas serve de apoio. Tais exemplos a seguir: AJUDAR, VERDADE,
PEDRA. As duas mãos usam as diferentes das configurações de mãos.
3 - Conclusão
Compreender e entender alguns aspectos da gramática da Libras, suas regras de
formação e combinação dos elementos desta língua, por meio de estudos desenvolvidos por
linguistas surdos e ouvintes fluentes em língua de sinais. No Brasil, ainda é recente essas
pesquisas e carece de mais atenção acadêmica, ainda há poucos mestres e doutores nas áreas da
linguística, educação, interpretação/tradução, saúde e dentre outras voltadas às línguas de sinais.
No presente momento, pesquisas ainda estão em andamento aprofundando assuntos diversos da
área, em especial a gramática da língua de sinais. Pesquisas como essa, trazem a reflexão da
qualidade de “Ser humano” dos falantes de línguas sinalizadas, gerando uma postura
diferenciada no modo de ver esses falantes (surdos), respeitando a língua e seus usuários
caracterizando-os como bilíngues e biculturais. As pesquisas e artigos desenvolvidos sobre a
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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Língua Brasileira de Sinais desempenham um importante papel na divulgação e reconhecimento
da Libras como uma língua pela sociedade em geral. Esses trabalhos embasam as práticas de
ensino e o processo de aprendizagem da Língua de Sinais em ambientes diversos, principalmente
no contexto do Curso Superior de Letras/Libras ofertado em algumas Universidades Federais do
Brasil.
Referências Bibliográficas
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A GRAMÁTICA NOS TEXTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS, EM ESPECIAL O LIVRO
DIDÁTICO
Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva (UnP)
Resumo:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – os PCNs – enfatizam a ideia de que a prática docente
procure trabalhar as questões linguísticas, portanto a gramática, objetivando atender aos propósitos
pragmáticos e comunicativos de maior relevância para o aluno. Tais documentos sugerem que a
unidade de ensino seja o texto e que este seja o ponto de partida e de chegada para o trabalho com
a gramática. Ressalta-se que um ponto importante nesse assunto é saber se no livro didático essas
sugestões são consideradas, uma vez que este se constitui hoje principal referência em sala de
aula. Assim, por reconhecer a pertinência do tema, este estudo visa, de uma maneira geral, analisar
como são abordadas as questões de línguas no livro didático adotado em duas escolas de educação
básica da cidade do Natal/RN. Para isso, nossa investigação centra-se em verificar como a
gramática é trabalhada nos diversos gêneros textuais que são encontrados nesses manuais, em
particular no do 60 ano do Ensino Fundamental e no da 1
a série do Ensino Médio. Situado no
âmbito da Linguística Aplicada, este estudo é conduzido numa perspectiva qualitativa e
interpretativista, seguindo-se aportes da Linguística Funcional, da Linguística de Texto, do
Sociointeracionismo e da Didática de Língua Materna. Nas constatações deste estudo, verificamos
que as questões de língua ainda são trabalhadas nos livros didáticos da educação básica por meio
de usos isolados, apesar de esses manuais apresentarem uma diversidade de gêneros que poderiam
se apresentar como ponto de partida e de chegada para o ensino de gramática.
Palavras-chave: Gramática. Textos didático-pedagógicos. Livro didático.
1 INTRODUÇÃO
O ensino de português na educação básica, apesar de alguns avanços decorrentes de
políticas públicas, ainda se fundamenta, em sua maioria, nos estudos gramaticais. Isso porque
parte-se do entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal, em que descrição e
norma se confundem na análise do enunciado. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – tanto os do
Ensino Fundamental (PCNEF, 1998) como os do Ensino Médio (PCNEM 1999) – enfatizam a
ideia de que a prática docente procure trabalhar as questões linguísticas objetivando atender aos
propósitos pragmáticos e comunicativos de maior evidência para o aluno, de forma que essas
questões estejam ligadas ao seu ambiente histórico e social.
Tais propósitos sugerem, então, que o ensino de português seja dado na perspectiva da
descrição e da reflexão linguística, do estudo dos gêneros textuais e da promoção do letramento,
por intermédio do estudo dos mais variados textos. Acreditamos que um ponto importante nesse
assunto é o uso do livro didático ou manual do aluno, na medida em que ele pode se constituir
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como um recurso de apoio, portanto de importância secundária, ou como recurso explicitamente
adotado, por conseguinte principal referência em sala de aula para o ensino de português.
Considerando essas possíveis realidades, este estudo, de uma maneira geral, visa
analisar como são abordadas as questões de línguas no livro didático adotado em escolas de
educação básica da cidade de Natal/RN. Para isso, nossa investigação centra-se em verificar como
a gramática é trabalhada nos diversos gêneros textuais que são encontrados nesses manuais, em
particular no do 60 ano do Ensino Fundamental e no da 1ª série do Ensino Médio. A análise está
pautada nos encaminhamentos abordados nos documentos oficiais os quais sinalizam para o texto
como unidade de ensino, por meio das diversas formas de comunicação as quais se concretizam
em textos, isto é, concretizam-se em diversos gêneros textuais, bem como no reconhecimento de
que o livro didático é, atualmente, uma importante ferramenta de trabalho do professor e um
suporte pelo qual o aluno entra em contato com os mais variados textos, em geral, na modalidade
escrita.
Situado no âmbito da Linguística Aplicada, o estudo é conduzido numa perspectiva
qualitativa e interpretativista, seguindo-se procedimentos aportes da Linguística Funcional, da
Linguística de Texto do Sociointeracionismo e da Didática de Língua Materna. Assim, para um
melhor entendimento do que aqui será discutido, iniciamos o artigo falando um pouco sobre o
português na educação básica, em particular o que os documentos oficiais dizem acerca do ensino
de língua portuguesa. Em seguida, analisamos como são tratadas as questões referentes a texto e
gramática no livro didático. Para isso, fazemos usos de dois manuais do aluno: o do Ensino
Fundamental, Para viver juntos (COSTA, GRETA e SOARES, 2009); e o do Ensino Médio,
Português: ensino médio (NICOLA, 2005).
2 PORTUGUÊS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PERSPECTIVAS PARA O ENSINO NOS
PCN
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental - PCNEF
(BRASIL, 1998, p. 22) caracterizam o ensino de língua portuguesa como uma prática pedagógica
que resulta da interação de três níveis variáveis: “o aluno; os conhecimentos com os quais se
operam nas práticas de linguagem; e a mediação do professor.” Essa tríade é, assim, explicada:
O primeiro elemento dessa tríade - o aluno – é o sujeito da ação de aprender,
aquele que age com e sobre o objeto de conhecimento. O segundo elemento – o
objeto de conhecimento – são os conhecimentos discursivo-textuais e linguísticos implicados nas práticas sociais de linguagem. O terceiro elemento da tríade é a
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prática educacional do professor e da escola que organiza a mediação entre
sujeito e objeto do conhecimento (BRASIL, 1998, p. 22).
Os PCNEFs enfatizam a utilização competente da língua portuguesa não só como
meio de acesso e apropriação de bens culturais e participação ativa no mundo das letras, mas
também, e nesse caso bem mais enfático, seu emprego na resolução e superação de situações e
problemas do dia-a-dia. Vendo por esse lado, percebe-se que a ideia é que o aluno trabalhe as
questões linguísticas para propósitos pragmáticos e comunicativos de maior evidência, e que o
ensino de língua portuguesa não esteja direcionado apenas a assuntos relacionados à gramática.
Os parâmetros resumem essa prática na atividade cujo objetivo busca a “análise e
reflexão sobre a língua” (BRASIL, 1998, p. 78). Por meio dessa atividade, espera-se que os alunos
aprimorem a sua capacidade de compreensão e expressão, em contextos de comunicação oral ou
escrita. Salienta-se, pois, que o trabalho analítico e reflexivo acerca da língua tem como ponto
fundamental e inicial o exame das estruturas mais regulares percebido no desempenho discursivo.
Em se tratando do Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais para esse
nível – PCNEM (BRASIL, 1999) propõem competências e habilidades as quais permitem inferir
que o ensino de português deve, dentre seus principais objetivos, desenvolver no aluno seu
potencial crítico, seu entendimento de ver o mundo e de expressar-se linguisticamente acerca
desse mundo e de diferentes representações, pois, só assim, ele adquirirá meios para ampliar e
articular conhecimentos e competências que o possibilitem atuar, de forma adequada, nas diversas
situações de uso da língua.
Ao abrigar o ensino de português, por meio da disciplina de Língua Portuguesa, que se
encontra na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, os PCNEMs (BRASIL, 1999, p.
105) enfatizam que a inserção nessa área deve-se ao fato de que nela estão
[...] destacadas as competências que dizem respeito à constituição de significados que serão de grande valia para a aquisição e formalização de todos os conteúdos
curriculares, para a constituição da identidade e o exercício da cidadania. As
escolas certamente identificarão nesta área as disciplinas, atividades e conteúdos
relacionados às diferentes formas de expressão, das quais a Língua Portuguesa é
imprescindível.
Especificamente para a disciplina de Língua Portuguesa, essa área visa à constituição
de competências as quais deverão ser trabalhadas no processo de ensino e aprendizagem, ao longo
de todo o Ensino Médio. Por meio dessas competências, não se pretende diminuir os
conhecimentos a serem adquiridos, mas sim explicar os limites nos quais o aluno desse nível de
ensino venha a ter dificuldades para dar continuidade a seus estudos e participar da vida social.
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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Nesse caso, o ensino de português deve procurar desenvolver no aluno desta última
etapa da educação básica uma competência linguística, cuja essência não se pauta na
exclusividade do domínio técnico do uso da língua “padrão”, mas, sobretudo, no saber empregar a
língua na sua diversidade, em que se leva em consideração o contexto interativo. Para isso, os
documentos estabelecem uma síntese das teorias desenvolvidas, nas últimas décadas, acerca do
processo de ensino e aprendizagem da língua materna, bem como o papel que esse processo
exerce. O que há de novo é a forma em tornar o eixo interdisciplinar viável na disciplina de
Língua Portuguesa, pois “[...] o estudo da língua materna na escola aponta para uma reflexão sobre
o uso da língua e a vida na sociedade” (BRASIL, 1999, p. 137).
Percebemos, portanto, que está mantida e reforçada a relevância de uma prática que se
resume na atividade de “análise e reflexão sobre a língua”, já estabelecida no Ensino Fundamental.
Faz-se importante destacar que, para o Ensino Médio, os conhecimentos da língua materna devem
ser aprofundados, a fim de que o aluno continue aprendendo e cresça como pessoa e
intelectualmente, levando em consideração questões como ética, estética e política as quais
resultam na formação de valores sociais e culturais.
3 TEXTO E GRAMÁTICA NO LIVRO DIDÁTICO
As questões relacionadas a texto e gramática, aqui analisadas, foram retiradas do
corpus organizado por quatro alunos de iniciação científica, bolsistas do projeto de pesquisa do
curso de Letras da Universidade Potiguar – UnP: O ensino de português na educação básica:
texto e gramática. Esse corpus, cujas informações foram coletadas no período de agosto a
dezembro de 2010 e de agosto a dezembro de 2011, é constituído pelo que denominamos textos
didático-pedagógicos, por nós entendidos como textos adotados pelo professor em sua prática.
Como exemplos desses textos, temos o livro didático, elaborado previamente objetivando o
ensinar e o aprender; e outros textos, cuja produção não visa, inicialmente, ao ensino e
aprendizagem. Entretanto, o conteúdo desses textos, em muitas situações da prática docente,
atende aos propósitos educacionais.
Para esta análise, escolhemos o livro didático, uma vez que este se constitui, hoje,
principal referência em sala de aula e é por nós considerado o protótipo do texto didático-
pedagógico. As questões de texto e gramática serão analisadas em dois manuais do aluno7: o do
Ensino Fundamental, Para viver juntos (COSTA, GRETA e SOARES, 2009), que faz parte do
7 Empregaremos também esse termo para nos referir ao livro didático.
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catálogo disponibilizado às escolas por meio do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, e
fora escolhido para ser adotado nos anos de 2011, 2012 e 2013; e o do Ensino Médio, Português:
ensino médio (NICOLA, 2005), que, desde 2006, se encontra disponível no catálogo do PNLEM
(Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio) e foi escolhido para ser adotado nas
escolas de ensino médio da cidade de Natal nos anos de 2009, 2010 e 2011.
Em se tratando de como no livro didático do Ensino Fundamental8, em particular no
do 60 ano, texto e gramática são trabalhados, verificamos que o manual apresenta uma diversidade
de gêneros textuais, principalmente contos populares, histórias em quadrinhos e notícias.
Percebemos que no LDEF a leitura e a produção de textos escritos ocupam espaço
privilegiado em atividades com objetivos já bem definidos. No entanto, a temática dos textos se
volta, em grande parte, a uma realidade de uma única região do país: a sudeste.
As questões de gramática, apesar de os autores afirmarem que os conhecimentos
linguísticos serão apresentados e analisados nos textos por meio de uma abordagem reflexiva, o
que nos remete à “análise e reflexão sobre a língua” proposta pelos PCNEF (BRASIL, 1998, p.
78), continuam sendo trabalhadas de forma isoladas. Isso pode ser visto em várias passagens do
manual. Dada às limitações deste estudo, reproduzimos a seguir apenas uma delas:
Releia:
HOMEM-PEIXE ENCERRA DESAFIO
a) Em que tempo está o verbo que aparece no título da notícia?
b) Por que o título, embora diga respeito a um fato já acontecido, apresenta o verbo
nesse tempo?
(LDEF, p. 126)
A reprodução acima nos mostra que, mesmo utilizando um texto para trabalhar com
questões de língua, como a categoria do verbo, por exemplo, o trabalho com a gramática no LDEF
analisado ainda não apresenta uma proposta que possibilite ao aluno uma análise e reflexão sobre
o uso da língua. Apesar da grande diversidade de gêneros textuais encontradas no manual, as
questões de gramática ainda são trabalhadas de forma isoladas sem que possibilite ao aluno
“refletir” sobre os usos linguísticos considerando essa diversidade textual.
8 A partir de agora LDEF.
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Quanto ao livro didático do ensino médio9, em particular o da 1
a série, para
analisarmos como texto e gramática são trabalhados nesse manual, remetemos inicialmente a
verificar com qual concepção de gramática as questões de língua serão abordadas. Percebemos,
então, que a concepção de gramática nesse manual está ligada à concepção de linguagem como
expressão do pensamento. Daí, uma valorização pela gramática normativa, já que, na primeira
parte do LDEM, o autor trabalhar os termos gramaticais apenas dentro da variedade padrão da
língua.
Tal concepção pode também ser constatada nos capítulos que tratam sobre as questões
de gramática, como, por exemplo, os capítulos 4 e 6 (LDEM, p. 42 e 81, respectivamente)10
. Isso
porque, apesar de os capítulos serem introduzidos por textos, estes não passam de “pretextos”,
conforme Geraldi (2003, 2005), para uma abordagem deslocada de questões de gramática.
No capítulo 4, como pode ser visto a seguir, as questões relacionadas a aspectos
gramaticais, como concordância verbal e nominal, são introduzidas por um anúncio referente à
exportação de carne bovina, a saber:
Exportadores de carne argentinos
Querem seguir exemplo do Brasil
Após a leitura da anúncio acima, responda; o que é de nacionalidade argentina, a carne ou os exportadores? Claro que são os exportadores, e nada se dizem sobre a carne que exportam e sua nacionalidade, e por que
sabemos disso? O adjetivo gentílico argentino está no masculino plural, concordando com um nome
também masculinos, plural exportadores, se ao contrário, o adjetivo gentílico estivesse no feminino singular, “exportares” de carne argentina querem seguir exemplo do Brasil. Com certeza seria a carne e não
os exportadores, ou seja a carne seria de nacionalidade argentina.
(LDEM, p. 47)
Como podemos verificar, logo abaixo desse anúncio, são feitos alguns
questionamentos que devem ser respondidos com base na leitura do texto. Como se trata de
solicitar ao aluno a leitura de um anúncio, tem-se a ideia de que o leitor/ouvinte, no caso o aluno,
possa entender o texto com base nas leituras que ele já tem sobre o tema para, a partir desse
entendimento, compreender por que os argentinos querem tanto seguir o exemplo do Brasil, no
que tange à exportação de carne, e por que esse fato propiciou a produção de um gênero
9 A partir de agora LDEM
10 Restringiremos a nossa análise apenas ao capítulo 4.
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publicitário. O que se vê, no entanto, é uma leitura já direcionada com um único propósito de
justificar regras do uso padrão de aspecto gramatical da flexão de pessoa e número – a
concordância verbal – e da flexão de gênero e número – a concordância nominal.
As questões de concordância, tanto a verbal como a nominal, vão sendo explicadas na
seção intitulada A gramática da frase (LDEM, p. 49) por meio de exemplos soltos
descontextualizados do texto inicial: o anúncio publicitário. Esses exemplos vão desde citações de
obras da literatura brasileira, como em (01) e (02), até aqueles que já se tornaram comuns na
abordagem de aspectos gramaticais de concordância, como em (03), (04) e (05):
(01) a) Memórias de um sargento de milícias é a melhor crônica do Brasil de D. João VI.
b) As Memórias de um sargento de milícias são a melhor crônica do Brasil de D. João
VI. (LDEM, p.49) (02)
a) Dom Casmurro é o livro machadiano mais conhecido.
b) Dom Casmurro e Memórias póstumas são os livros machadianos mais conhecidos. (LDEM, p. 51)
(03) a) Consertam-se sapatos.
b) Aluga-se casa de praia. (LDEM, p. 52)
(04) a) É proibido a passagem de pedestres.
b) São proibidos as passagens de pedestres. (LDEM, p. 53)
(05)
a) Já é meio-dia e meia [hora]. b) Particularmente, acho que os horários são meio autoritários. (LDEM, p. 53)
Considerando que se trata de um texto didático-pedagógico destinado ao Ensino
Médio, em que a literatura já é objeto de estudo ou deveria ser, o manual poderia aproveitar e
abordar situações de organização interna da língua (a sintaxe) por meio de abordagem voltada para
discussão acerca de algumas construções sintáticas de concordância em obras que fizeram parte de
um estilo literário (o Realismo), já que faz referência em (01) às crônicas de Manuel Antônio de
Almeida e em (02) ao famoso clássico machadiano – Dom Casmurro, com aquelas mais
contemporâneas que, em muitas situações, estão disponíveis nos meios de comunicação de massa,
como jornal e revistas, e nas redes sociais. Nesse caso, os alunos seriam motivados a,
primeiramente, analisar a organização textual em épocas diferentes, especificamente questões de
organização interna do texto como a flexão de nome e de verbo – tema do capítulo em estudo, para
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depois refletirem acerca do que permaneceu ou mudou nas questões de língua como concordância
verbal e nominal após um século.
3 CONCLUSÃO
Ao abordarmos sobre o ensino de português na educação básica, em particular texto e
gramática no livro didático, vimos que os documentos oficiais, PCNEFs (BRASIL, 1998) e
PCNEMs (1999), sinalizam para um trabalho no ensino de português já centrado na “análise e
reflexão sobre o uso da língua”. Percebemos que em ambos os níveis da educação básica esses
documentos reforçam a ideia de uma prática que se resume na atividade de “análise e reflexão
sobre a língua”.
Verificamos que, nesses documentos, o texto passa a ser considerado o escopo de todo
o processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa nos dois níveis de ensino da educação
básica: o fundamental e o médio. Dessa forma, o conteúdo a ser explorado passa a ser a
linguagem, por intermédio de três práticas interdependentes, a saber: leitura, produção de texto e
análise linguística. Isso implica dizer que questões de língua, isto é, de gramática devam ser
trabalhadas a partir da produção textual do aluno que, por sua vez, é motivada pela leitura cujo
conteúdo deve proporcionar discussões para o ensino de língua portuguesa, resultando, pois, em
uma análise e reflexão sobre os usos da língua.
Assim, ao analisarmos, neste estudo, as questões de texto e gramática em dois livros
didáticos da educação básica, adotados por escolas públicas da cidade de Natal/RN, percebemos
que nos dois manuais ainda há um direcionamento para o tratamento dado às questões de
gramática com um único propósito de justificar regras do uso padrão dos aspectos gramaticais.
Até mesmo a diversidade de gêneros textuais que encontramos nesses manuais, principalmente
o do ensino fundamental, o trabalho com o texto não passava de “pretextos”(Cf. GERALDI, 2003,
2005), para uma abordagem deslocada de questões de gramática. Com isso, percebemos que o
tratamento dados à grande parte das questões de gramática trabalhadas nos dois livros didáticos
ainda é exposto por meio de usos isolados, o que resulta num afastamento aos
encaminhamentos propostos nos documentos balizadores para o ensino de português, que
podem ser sintetizados como “análise e reflexão sobre a língua”.
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Media e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMT, 1999.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
COSTA, Cibele Lopresti; GRETA, Marchetti; SOARES, Jairo J Batista. Para viver juntos: português, 6° ano:
ensino fundamental. São Paulo: Edições SM, 2009.
GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
______. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
NICOLA, José de. Português: ensino médio. São Paulo: Scipione, 2005, v1.
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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FUNCIONALISMO, DR. HOUSE E A GRAMÁTICA NO ENSINO DE
LÍNGUA INGLESA
Larisse Carvalho de Oliveira (UFC)
Resumo:
O mercado televisivo atingiu seu ápice com os seriados, formato televisivo mais comum nos
Estados Unidos, fazendo-o ganhar mais espaço na televisão brasileira. Essa mídia pode auxíliar o
ensino de gramática, por ser adaptável à dinâmica de sala e expor contextos discursivos comuns.
Assim, objetivamos analisar as ocorrências de verbos modais em língua inglesa, e seus diferentes
matizes no que diz respeito aos seus sentidos em um seriado americano, House (2004-2012),
objetivando contemplar como os verbos modais diferenciam o grau de modalização no discurso
médico televisivo. Nossa hipótese indica que poderão ser encontrados dados que demonstrem o
nível de hierarquia e de formalidade expresso pelos falantes (fonte), quando se portam aos
ouvintes (alvo). Consideramos os trabalhos sobre funcionalismo de Hengeveld (1988), os de
modalidade de Palmer (1979), Lyons (1977), Neves (2006) e Lopes (2009). Como há divergências
entre as concepções do que seja um verbo modal, seguimos a concepção de Bland (1996),
referente aos modais sociais, que expressam polidez, formalidade, e autoridade em diferentes tipos
de situações sociais. Utilizamos os cinco primeiros e últimos episódios da primeira temporada da
série, televisados nos Estados Unidos em 2011-12. Separamos as ocorrências dos verbos modais
referentes aqueles ‘sociais’, totalizando 64 casos. Tivemos o médico como a fonte de 82.8% das
ocorrências, para 17.2% feitas por outras personagens. O alvo mais recorrente foram outros
médicos – 78.1%, para 21.9%. Constatamos que devido à polissemia dos verbos modais, esses
podem ser melhor compreendidos dentro de um contexto discursivo e que a fonte se utilizará de
seu cargo social para obter o que deseja de seu alvo (ouvinte). Ressaltamos que esse estudo conta
com o apoio da bolsa de fomento CAPES.
Palavras-chave: Verbos modais, Gramática de língua inglesa, Seriado.
1 INTRODUÇÃO
Frente ao uso de novas tecnologias no âmbito da sala de aula, o professor tem
procurado meios de diversificar suas aulas, com o auxílio de novas ferramentas. No campo dos
gêneros televisivos, as séries adquiriram importância na mídia mundial, adentrando a televisão
brasileira. Tal gênero pode ser utilizado como ferramenta de apoio pelos professores, quando no
planejamento de suas aulas, e ainda, como material linguístico pelas diferenças de sotaque,
vocabulares e variedade de assuntos. É possível encontrar-se até mesmo, materiais já prontos,
baseados nesse gênero, dispostos na rede, como é o caso do site de buscas de materiais didáticos
‘busy teacher’11
, que auxilia professores de inglês com tarefas prontas. A maioria delas é feitas por
professores que compartilham suas atividades.
Assim, com o intuito de promover esse gênero televisivo na sala de aula, este artigo
11 Acessado em 20 de outubro de 2014: http://busyteacher.org/
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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tem a intenção de tratar do funcionalismo linguístico, em especial, àquele pleiteado por Dik
(1989), que considera a língua como instrumento de comunicação. Basearemos nossas discussões
nos preceitos de Palmer (1979), Lyons (1977), Neves (2006) e Lopes (2009), para analisarmos o
uso dos verbos modais em dez episódios da série americana House M.D. (2004-2012). É de nosso
conhecimento que tal assunto é problemático para a compreensão dos alunos de uma língua
estrangeira (LE), devido à polissemia apresentada por esses verbos. Portanto usaremos a
classificação dos verbos modais de Bland (1996), em especial aqueles ditos ‘sociais’, pela autora.
Escolhemos a série citada por sua grande aceitação por parte do público, e pela figura
marcante de suas personagens, em especial o Dr. House, o que nos possibilitou tratarmos da
modalidade da conduta, avaliando o uso dos verbos modais pelas personagens da série.
Na seção seguinte, expomos alguns preceitos da vertente funcionalista que seguimos,
assim também como definições sobre modalidade e modalidade deôntica. Logo depois, discutimos
sobre o uso da gramática em uma aula de LE, versando sobre as possibilidades de se ligar um
gênero televisivo que possa auxiliar os estudantes na aprendizagem das quatro habilidades
exigidas de um aluno de língua estrangeira – leitura, escrita, escuta e fala.
Explicamos na seção cinco como coletamos os dados e como esses foram codificados
para rodagem no software Goldwarb12
, para mellhor contabilização das ocorrências. Em sequência
trazemos nossas análises e resultados, por meio de algumas tabelas para melhor compreensão. Ao
fim, concluímos com nossas considerações finais.
2 FUNCIONALISMO
A teoria funcionalista nasceu a partir dos estudos do Círculo Linguístico de Praga
(CLP), principalmente daqueles relacionados à Roman Jakobson e à Troubetzkoy. Ao CLP
interessava antes de tudo o aspecto teleológico da língua, voltando-se para a sua finalidade no
contexto linguístico. Para tal escola, as mudanças que ocorriam na língua não seriam ataques a sua
independência, mas uma forma do sistema se desenvolver e de mostrar a sua dinamicidade.
(FONTAINE, 1978)
Dik (1989), por sua vez, desenvolveu a sua teoria funcionalista, de uma gramática
funcional, na qual a abordagem linguística teria como alicerce as propriedades dos discursos com
12
É possível fazer o dowload do software no seguinte site: http://individual.utoronto.ca/tagliamonte/goldvarb.html. Acessado em 20 de agosto de 2014.
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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propósitos comunicativos, ou seja, a interação, o uso e explicitamente a finalidade, intenção, do
falante.
A gramática desenvolvida pelo holandês tem por intuito ser um modelo para outras
gramáticas funcionais (GF) que almejem tratar da língua e de suas normas, seguindo os padrões de
adequação: pragmática, psicológica e tipológica.
Figura 1. Modelo de interação verbal (PESSOA, 2007, adaptado de DIK, 1989)
O modelo de interação de Dik mostra que o falante tem a sua informação pragmática,
assim também como o seu ouvinte, suas crenças, opiniões, sentimentos e preconceitos não são
desconsiderados. Ao elaborar e construir a sua intenção comunicativa pela expressão linguística, o
falante tem em mente parte da informação pragmática de seu ouvinte, o que o possibilita a fazer
mudanças em seu discurso. Segundo Neves (1997:21) “o falante, então, tenta antecipar a
interpretação que o destinatário, num determinado estado da sua informação pragmática,
possivelmente atribuirá à sua expressão linguística.” O ouvinte, por sua vez, antecipa e reconstrói
o que lhe foi dito, interpretando o enunciado.
2.1 Modalidade e modalidade deôntica
Na antiguidade clássica, Aristóteles se ocupou do estudo da lógica para tentar explicar
o raciocínio empreendido pelo homem, abrindo caminho para as definições de modalidade mais
associadas ao estudo filosófico e da lógica.
Algumas das modalidades conhecidas são divididas em aléticas, epistêmicas e
deônticas. A primeira estaria mais relacionada à verdade das proposições, e como indica Lyons
(1977), tem seu nascimento na lógica aristotélica. No entanto, como explica Neves (2006), as
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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línguas naturais não mantêm o que se estabelece pela lógica, pois no momento da comunicação, de
um falante e de um ouvinte, implica-se a existência de um contrato epistêmico em termos de
conhecimento asseverado com o real, com a verdade e com o que é factual.
No eixo deôntico, temos que a modalidade deôntica diz respeito a todos os meios
linguísticos pelos quais um falante pode avaliar a realidade de um estado de coisas em termos de
seu conhecimento dos estados de coisas possíveis (Hengeveld, 1988). Ou seja, do que é possível,
ou requerido daquele a que se dirige o falante.
Para Lyons (1977), a origem da modalidade deôntica diz respeito à função
instrumental da linguagem, que de um lado expressa ou indica o querer e o desejo, e de outro faz
com que as ‘coisas aconteçam’ por meio da imposição da intenção, do desejo e da vontade de seus
agentes. Ela está preocupada com a necessidade ou a possibilidade dos atos performados por esses
agentes moralmente responsáveis.
Concordamos com Palmer (1979), que a modalidade da conduta, a deôntica, é
orientada para o discurso, uma vez que é através do discurso do falante, que ele pode dar uma
permissão (may/can; poder), fazer uma promessa ou ameaça (shall; particula de futuro,
intensificada pelo verbo a ser utilizado em conjunto) e ainda, a imposição de uma obrigação (must;
dever). Já sobre o uso dos imperativos, a autora (1986:168) explicita que eles podem não ser tão
fortes quanto os modais, no entanto, fica a cargo do ouvinte julgar a força de tais proposições.
Os valores semânticos que condizem à vertente da modalidade deôntica, são os de:
obrigação/negação da obrigação; permissão/negação da permissão; proibição/negação de
proibição.
Por fonte, tem-se aquele que enuncia o discurso, que faz uso dos valores deônticos em
sua fala para de alguma forma impor sua vontade sobre um determinado alvo. Esse é aquele que
recebe a mensagem, o qual será endereçado à carga valorativa do verbo modal.
Essa dinâmica acontecerá através dos meios de expressão, que mostram de que forma
a modalidade pode aparecer em textos escritos e falados, por meio dos verbos auxiliares ou
modais: ter que/ter de, precisar, necessitar, poder/não poder, dever/não dever. Neste estudo
daremos prioridade aos verbos modais de língua inglesa, já citados na subseção anterior.
2.2 O uso da gramática
Pensando-se gramática como o meio pelo qual o falante estrutura o seu falar para
comunicar-se, acreditamos que o uso da gramática em sala de aula ‘assusta’ os alunos,
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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principalmente quando nos referimos àquela normativa. Tal fato se dá por certa intimidação dos
alunos de uma LE, quando relacionam essa com a sua língua materna.
Cabe, então, ao professor coloborar para quebrar esse preconceito, possibilitando que a
competência gramatical do aluno se construa e se desenvolva juntamente com a sua competência
comunicativa.
Essa última competência, como atesta Travaglia (2009:17), “implica duas outras
competências, a gramatical e a textual.” Ou seja, é através dessas competências que o falante irá
produzir significado e gerar textos, que se adequem às normas de determinada língua.
No ensino de LE, é necessário que o estudante ‘internalize’ regras gramaticais que o
ajudarão a formular textos, falados ou escritos, em uma língua não dominada por ele, como uma
espécie de ‘guia’, para atingir o seu grau de formação desejado. Esse deverá incluir domínio dos
aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos da língua, atendando-se para os valores
proposicionais mantidos pela sociedade dos falantes que a dominam.
Sobre a gramática tradicional, a respeito dos verbos modais, acreditamos que o
tratamento de tal assunto ainda seja um pouco obscuro. Percebemos que:
A tradição gramatical privilegiou tão somente o estudo do modo ao tratar dos
modos do verbo no âmbito da morfologia e dos verbos modais em oposição aos
verbos sensitivos e causativos no que se refere à sintaxe. De fato, o modo está intimamente ligado à categoria modalidade, [...] percebe-se que o conceito de
modo permanece confuso e pouco explorado na abordagem tradicional.
(FERNANDES, 2011, p. 162)
No que concerne a gramática de língua inglesa, pelo menos àquela utilizada em sala
de aula – consideramos aqui a de Bland (1996) – notamos certo cuidado em se tentar dispor um
contexto, inserindo o aluno em alguma situação que seja do seu dia-a-dia para que os sentidos dos
verbos modais sejam melhor compreendidos. Esse cuidado é necessário para que o aluno consiga
associar os dados que já domina de situações comunicativas de sua língua, percebendo as nuances
de sigfinicado que podem mudar.
Na seção seguinte, discutimos os métodos utilizados na coleta de nossos dados.
5 METODOLOGIA
Primeiramente selecionamos os cinco primeiros e últimos episódios da primeira
temporada da série, televisados nos Estados Unidos em 2011-12, e conferimos a transcrição
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84
retirada da rede13
, com os episódios televisados. Em seguida, separamos as ocorrências modais, e
as plenas, para facilitar nossa quantificação.
Optamos por trabalhar apenas com os verbos modais nesse artigo, e aprofundarmos
nossas análises, deixando as discussões sobre os verbos plenos para outro momento. Utilizamos o
software GoldVarb 30b3, que fornece o percentual, e a quantidade de ocorrências, desde que
estabelecido previamente os grupos de fatores a serem analisados.
Selecionamos os seguintes grupos: modais e plenos, como variante independente;
fonte (médico ou paciente), fonte (médico ou paciente). Na próxima seção, trazemos nossas
análises e resultados, assim também como os números obtidos com a rodada dos dados.
6 ANÁLISE E RESULTADOS
Na tabela 01, expomos os resultados obtidos com base no grupo de fator ‘fonte’, tendo
como possibilidade o médico ou o paciente. Ao todo foram analisadas 64 ocorrências.
Tabela 01 – fonte modal: médico e paciente
O alto percentual mantido pelas personagens médicas, já era esperado, uma vez que o
teor central da série é discutir os casos médicos que surgem no departamento de diagnósticos de
House. As ocorrências variaram a depender do nível hierárquico mantido por aquele detentor da
palavra.
Em Lopes (2009), por exemplo, que analizou a modalidade deôntica em aulas de
língua inglesa na rede pública de Fortaleza, a fonte poderia ser o professor, o aluno, o autor do
livro e até mesmo a própria língua inglesa, impondo suas ‘normas’ ao professor e aos alunos. O
maior percentual, 78,0%, dos dados também se voltou para a fonte esperada, o professor, assim
13
Todas as transcrições utilizadas neste trabalho foram retiradas do site: http://clinic-duty.livejournal.com/12225.html. Acessado em: Março de 2014.
FONTE PERCENTUAL
Médico 82.8%
Paciente 17.2 %
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como em nossa presente pesquisa. Confirmando a influência da relação hierárquica mantida pela
fonte com o alvo.
A tabela 02 traz os dados referentes ao alvo deôntico, àquele que é requerido a fazer
algo.
Tabela 02 – alvo modal: médico e paciente
Novamente o percentual referente às personagens médicas foi alto. Aqui, acreditamos
que o fato de House comandar a equipe, composta por três membros na primeira temporada,
impondo seu querer sobre os outros médicos, contribuiu para esse valor. Os números referentes ao
paciente foram consideráveis, no entanto, ainda baixo, já que se espera do médico maior
‘intromissão’ reportada à vontade do paciente, que deve seguir um tratamento ‘proposto’.
Esperávamos um maior percentual, mas tal fenômeno explica-se por termos a figura médica como
centro da série, o que é refletido pelos nossos resultados.
De acordo com Filha, Lopes e Oliveira (2014), em trabalho com o mesmo corpus, mas
com abordagem diferente, sociolinguística variacional, foi constatado que:
[...] a manifestação deôntica de proibição e de permissão (pode) ser mais
significativa do que a de obrigação, uma vez que a personagem principal tem o
poder de permitir e/ou proibir as ações feitas pela sua equipe médica. Nos
dados envolvendo o discurso médico/médico, o valor de proibição pode ter se
sobressaído em função também da hierarquia entre as personagens médicas.
Os valores deônticos acarretam maior carga semântica aos modais, transportando o
teor volitivo de sua fonte para com seu alvo, por vezes mitigando ou asseverando aquilo exposto.
Assim, podem ainda ser outra fonte para o professor explorar os significados dos
verbos modais com seus alunos, atendando para os casos de formalidade, hirarquia e polidez. Isso
envolveria aquele que fala e a quem se dirige o falante, dinamizando as nuances semânticas
trazidas pelos verbos modais.
ALVO PERCENTUAL
Médico 78.1%
Paciente 21.9%
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CONCLUSÃO
Frente ao que apresentamos nesse artigo, podemos afirmar que devido à polissemia
dos verbos modais pode ser melhor compreendida dentro de um contexto discursivo, no qual a
fonte se utilizará de seu cargo social para obter o que deseja de seu alvo (ouvinte).
Ou seja, a fonte se portará com maior força deôntica dependendo daquele ao qual é
dirigido o seu discurso. Em um tratamento funcionalista de tal fato, é importante frizar os
contextos de ocorrência desses verbos, os modais, que viabilizam maior grau de polidez,
formalidade ou asseveração da vontade daquele que os enuncia.
Dessa forma, caberá ao professor chamar a atenção dos alunos, para que uma reflexão
seja feita sobre as situações expostas, tentando-se determinar as regras de convivência/polidez
daquele ambiente.
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duty.livejournal.com/12225.html. Acessado em: Março de 2014.
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GRAMÁTICA FONOLÓGICA FUNCIONAL: O GESTO COMO UNIDADE
BÁSICA14
Ronaldo Lima Jr (UFC)
Resumo:
A fonologia gestual procura aliar os aspectos (bio)mecânicos e físicos (fonéticos) bem como os
linguísticos e cognitivos (fonológicos) em um único modelo, no qual o gesto articulatório opera como
unidade básica. Utilizando a Teoria de Sistemas Complexos e Dinâmicos para representação linguística, a fonologia gestual interpreta a sistematização de um número limitado de contrastes
sonoros para distinguir palavras como a auto-organização do sistema complexo que é a real
possiblidade articulatória, não necessitando, portanto, de uma separação entre o físico e o cognitivo,
entre o fonético e o fonológico. O gesto é uma unidade dinâmica de ação articulatória cujos resultados físicos podem ser vistos na movimentação dos articuladores, mas também opera como unidade básica
de contraste lexical, tendo tanto uma dimensão abstrata como uma concreta. O gesto tem tanto uma
dimensão discreta, quando isolado e limitado temporalmente para fins de análise, como uma dimensão gradiente, caracterizando-se pelos movimentos gradientes e sobrepostos dos articuladores. Além disso,
os gestos são dinâmicos e se sobrepõem a outras unidades gestuais na representação de enunciados. A
sobreposição dos gestos permite o estudo de fenômenos gradientes, contrastando-se às fonologias tradicionais, cujas unidades de análise são discretas e categóricas. A sobreposição de gestos,
juntamente com a diminuição de suas magnitudes, explica, por princípios gerais em vez de regras de
mudanças categóricas, fenômenos tradicionalmente tratados como alofonia, variação, assimilação,
elisão, apagamento, redução, inserção, etc. Com isso, a possibilidade da sobreposição de gestos significa que uma série de fenômenos fonológicos acontecem automaticamente em vez de terem que
ser estipulados por manobras de regras específicas. Diferentemente das regras de fonologias de traço,
na fonologia gestual, gestos nunca são apagados ou transformados em outros gestos, e novos gestos nunca são adicionados. Finalmente, a natureza funcional da fonologia gestual exige dados reais, tanto
articulatórios como acústicos, como insumo para suas análises.
Palavras-chave: fonologia, gesto, dinamicismo
1 INTRODUÇÃO
No final da década de 80 e início de 90, Browman e Goldstein (e.g. 1988;
1989a;1989b;1990;1991;1992;1995) propuseram uma abordagem de análise e representação
fonológica baseada em sistemas complexos e dinâmicos, denominada por eles Fonologia
Articulatória. Nessa abordagem, Browman e Goldstein procuram aliar a fonética e a fonologia no
propósito comum de melhor descrever e compreender a fala nas línguas. Eles criticam os estudos
sobre a fala humana desenvolvidos até então que viam a fala exclusivamente como uma atividade
(bio)mecânica e física (fonética) ou como uma estrutura linguística e cognitiva (fonologia), sem
dialogar uns com os outros. Para eles, esses dois tipos de estudo são, na verdade, descrições de
duas dimensões de um mesmo sistema complexo e, portanto, devem ser investigadas
14 Este texto é uma versão reduzida e traduzida de Lima Jr (2013), publicado em inglês.
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conjuntamente, trazendo à fonologia articulatória tanto o aspecto físico/mecânico como o
linguístico/cognitivo.
Os modelos fonológicos tradicionais tinham como ponto principal de investigação o
fato das línguas utilizarem um número limitado de contrastes sonoros para distinguir palavras
(dimensão macroscópica) se comparado ao número real de possiblidades articulatórias (dimensão
microscópica), estabelecendo, então, uma separação entre estudos fonológicos, sobre a dimensão
macroscópica, e estudos fonéticos, sobre a dimensão microscópica, com pesquisadores de uma
área ignorando dados da outra. Contudo, essa diminuição da quantidade de possíveis formas
articulatórias para a quantidade que realmente é utilizada sistematicamente em uma língua pode
ser interpretada como um exemplo de auto-organização de um sistema complexo, não
necessitando, portanto, de uma separação entre o físico e o cognitivo. Conforme exposto na seção
anterior, sistemas complexos apresentam padrões de comportamento globais que emergem da
interação local de seus diversos componentes entre si e com o ambiente, com o próprio padrão
global servindo de input para outras interações locais. Sob essa ótica, é possível interpretar os
padrões macroscópicos (fonológicos) como um estado de atração consequente da auto-
organização das interações na dimensão microscópica (fonética) (BROWMAN; GOLDSTEIN,
1991;1995). É possível, portanto, unir o estudo de fenômenos contínuos e gradientes (fonéticos,
microscópicos) na sistematização de representações discretas (fonológicas, macroscópicas).
Na fonologia articulatória, Browman e Goldstein (1992, pg. 23) veem o termo
fonologia como “um grupo de relações entre eventos físicos reais”, que corresponde à fonética
tradicional, “e padrões em que esses eventos entram” , que corresponde à fonologia tradicional.
Em uma metodologia de complexidade e dinamicismo, a interação entre frentes de estudo
separadas, e muitas vezes dicotômicas, como as perspectivas tradicionais de fonética e de
fonologia, é essencial, como aponta Larsen-Freeman (1997, pg. 158): “a teoria do
caos/complexidade incentiva o enfraquecimento das barreias em ASL – para ver
complementariedade, e para praticar inclusão onde linguistas têm visto oposição e exclusão.”
A união entre a fonética e a fonologia é defendida há bastante tempo, por Keating
(1996) e Pierrehumbert (1990), por exemplo, e tem recebido mais e mais adeptos, principalmente
por causa da perspectiva complexa e dinâmica da linguística, por exemplo, com Leather (1999),
Albano (2001), Silva (2003) e Cristófaro Silva (2006), para citar alguns. Na introdução do livro
“Fonologia em Contexto” organizado por Martha Pennington, ela diz acreditar que.
estamos em um momento na linguística no qual as nossas divisões estão
interferindo com o progresso e enfraquecendo nosso poder descritivo, explanatório e preditivo. Este não é o momento de reforçar fronteiras históricas e
de cavar território ainda mais, mas sim, um momento em que todos nós
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precisamos conversar uns com os outros (PENNINGTON, 2007, pg. 3).
2 O GESTO ARTICULATÓRIO
Na fonologia articulatória, a unidade primitiva deixa de ser o fonema e passa a ser o
gesto articulatório. O gesto é uma unidade dinâmica de ação articulatória cujos resultados físicos
podem ser vistos na movimentação dos articuladores. Ele é “uma oscilação abstrata que especifica
constrição no trato vocal e induz os movimentos dos articuladores” (ALBANO, 2001, pg. 52).
Consoante com a diminuição da barreira entre a fonética e a fonologia, a fonologia articulatória
estabelece o gesto não apenas como unidade de ação articulatória, mas também como unidade
básica de contraste entre itens lexicais, ou seja, itens lexicais serão contrastados se tiverem uma
composição gestual diferente. Além disso, o gesto tem tanto uma dimensão abstrata como uma
concreta, pois, apesar de ser uma unidade abstrata, ele pode ser observado, e investigado, na
movimentação dos articuladores.
Browman e Goldstein modelam os gestos por meio da dinâmica de tarefa de Saltzman
(1986), que é um modelo de motricidade que define um movimento não por movimentos
individuais, mas pela tarefa a ser cumprida, nesse caso, utilizada para modelar as ações
multiarticulatórias coordenadas da fala. Uma das características mais importantes da dinâmica de
tarefa é que não é o movimento dos articuladores individuais que caracteriza a dinâmica da fala,
mas o movimento das variáveis do trato, sob uma perspectiva de sistema dinâmico. Albano (2001,
p. 43) ainda defende que o gesto “se materializa não em movimentos efetivos dos articuladores,
mas em comandos invariantes para a implementação desses movimentos em tempo real no trato
vocal”.
Uma primeira diferença entre o fonema e o gesto é que o fonema é uma unidade
discreta, categórica, enquanto que o gesto tem tanto uma dimensão discreta, quando isolado e
limitado temporalmente para fins de análise, como uma dimensão gradiente, caracterizando-se
pelos movimentos gradientes e sobrepostos dos articuladores (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1991).
A natureza categórica do fonema acaba exigindo muitas regras para dar conta de certos fenômenos
fonológicos (SILVA, 2003), e muitas vezes nem mesmo dá conta deles, como será mostrado
adiante e como os próprios Chomsky e Halle admitem ao dizer que “toda a discussão de fonologia
neste livro sofre de uma inadequação teórica fundamental (...) o problema é que a nossa
abordagem de traços, regras, e avaliações tem sido excessivamente formal” (CHOMSKY;
HALLE, 1968, p. 400, trecho destacado por ALBANO, 2001, p. 38).
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91
Além dessa diferença, os fonemas são a) estáticos, b) neutros na relação entre
articulação e acústica, e c) dispostos em grupos lineares e não-sobrepostos. Há teorias fonológicas
pós-gerativas que procuram desafiar uma ou outra dessas características do fonema, como as
fonologias não-lineares (e.g. a fonologia autossegmental de Goldsmith (1990)), que procuraram
desafiar a disposição linear dos fonemas. Contudo, a fonologia articulatória é capaz de desafiar
todas essas características do fonema, pois sua unidade básica, o gesto, tem como características
principais a) ser dinâmico, uma vez que cada gesto é um sistema complexo; b) não ser neutro na
relação articulação-acústica; e c) se sobrepor a outras unidades gestuais na representação de
enunciados (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1995).
O gesto articulatório é especificado por um grupo de variáveis do trato, que são cinco
no trato oral: protrusão/abertura labial, local/grau de constrição da ponta da língua, local/grau de
constrição do corpo da língua, abertura vélica, e abertura glotal. As variáveis do trato são
descrições funcionais da tarefa, e distribuem o movimento associado ao gesto entre os
articuladores envolvidos. O quadro a seguir mostra as variáveis do trato com seus respectivos
articuladores, e a figura 1 mostra as variáveis no aparelho fonador.
Variável do trato Articuladores envolvidos
(1) Protrusão labial
(2) Abertura labial Lábios superior e inferir, mandíbula
(3) Local de constrição da ponta da língua
(4) Grau de constrição da ponta da língua Ponta e corpo da língua, mandíbula
(5) Local de constrição do corpo da língua
(6) Grau de constrição do corpo da língua Corpo da língua, mandíbula
(7) Abertura vélica Véu platino
(8) Abertura glotal Glote
Quadro 1: Lista de variáveis do trato e articuladores envolvidos na fonologia articulatória.
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Figura 1: Indicação das variáveis do trato no aparelho fonador.
No quadro 1, as variáveis do trato que estão dentro da mesma célula são duas dimensões de
uma mesma constrição e, por isso, são consideradas variáveis do trato relacionadas. Isso ocorre com as
variáveis local e grau de contrição, e com as variáveis protrusão e abertura labial. Cada variável ainda
recebe um descritor, ou valor, gestual, que pode ser:
Para as variáveis “grau de constrição” e “abertura”:
Fechado (oclusivas);
Crítico (fricativas);
Aberto, que, para as variáveis “corpo da língua” e “abertura glotal”, se subdivide em:
o Estreito, que em “corpo da língua” adicionado de um descritor de local de constrição
indica uma vogal, e em “abertura glotal” indica uma consoante não aspirada;
o Médio, que em “corpo da língua” adicionado de um descritor de local de constrição
indica uma vogal;
o Largo, que em “corpo da língua” adicionado de um descritor de local de constrição
indica uma vogal, e em “abertura glotal” indica uma consoante aspirada.
Para as variáveis “local de constrição” e “protrusão”:
Para lábios: protruso, labial e dental;
Para ponta da língua: labial, dental, alveolar, pós-alveolar, palatal;
Para corpo da língua: palatal, velar, uvular, faríngeo.
Esses descritores, ou valores, gestuais são discretos e podem remeter aos traços das
fonologias gerativas; entretanto, apesar dos descritores serem também binários no sentido de estarem ou
não presentes em um gesto, uma vez presentes, eles apresentam comportamentos gradientes e de
sobreposição, características ausentes nos traços.
A descrição de um gesto inclui um alvo para as variáveis do trato, que é atingido pela ação
coordenada dos articuladores, que, por sua vez, é prevista em uma equação dinâmica de um sistema
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massa-mola, conforme explorado na dinâmica de tarefa. O ponto de equilíbrio da equação, que é o ponto
de repouso da massa na mola, se traduz no gesto na sua chegada ao alvo.
Como já mencionado, os gestos também funcionam como unidades de contraste fonológico,
pois dois itens lexicais são contrastados se apresentarem uma composição gestual diferente. Essa
composição diferente pode envolver a) a presença ou ausência de um gesto, b) diferença na variável do
trato controlada pelo gesto, c) diferença no descritor/valor de uma variável, e d) diferenças na
organização de um mesmo gesto. Cada um desses contrastes é ilustrado nas pautas gestuais da figura 2 e
explicado a seguir. Pautas gestuais são utilizadas para ilustrar as relações temporais entre gestos. Cada
gesto é representado por um bloco, cujo eixo horizontal indica sua duração e cuja altura relativa pode
representar a amplitude. Gestos que envolvem variáveis do trato diferentes são exibidos em camadas
horizontais diferentes.
Figura 2: Exemplos dos possíveis contrastes lexicais envolvendo mudanças gestuais.
O primeiro tipo de contraste, a presença/ausência de um gesto, é ilustrado por “pan”
versus “ban”, pois a única diferença é que o primeiro tem um gesto de abertura glotal largo
enquanto que o segundo não. O mesmo tipo de contraste pode ser encontrado entre “ban” e “bad”,
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pois essas palavras se distinguem apenas pela ausência do gesto de fechamento da glote na
segunda, pois nela a closura final não é nasal, mas apenas alveolar. Semelhantemente, se
retirarmos o gesto de fechamento labial do início da pauta que representa “ban”, passaremos a ter
“Ann”. O segundo contraste é quando uma variável diferente controla o mesmo gesto, o que
ocorre entre “pan” e “tan”, pois o gesto de fechamento inicial é nos lábios em “pan” e na ponta da
língua (alveolar) em “tan”. O próximo contraste está na diferença de descritor/valor na mesma
variável, como no contraste entre “sad” e “shad”, cujos valores do gesto crítico na ponta da língua
mudam de alveolar para alvéolo-palatal. Finalmente, o último tipo de contraste é ilustrado por
“bad” e “dab”, pois ambos apresentam exatamente os mesmo gestos, só que coordenados em
ordens diferentes.
Nas pautas da figura 2, é possível verificar uma das principais características do gesto:
a possibilidade de sobreposição. Gestos podem não se sobrepor, ou se sobrepor minimamente,
parcialmente ou completamente. A sobreposição dos gestos permite o estudo de fenômenos
gradientes, contrastando-se às fonologias tradicionais, cujas unidades de análise são discretas e
categóricas. Um exemplo de fenômeno gradiente que nenhum modelo fonológico de traços dá
conta é o [ʃ] que ocorre na expressão ‘miss you’ em fala encadeada. Esse [ʃ] não tem as mesmas
características articulatórias e acústicas do [ʃ] interno de palavras como mission. O [ʃ] da fala
encadeada apresenta uma característica intermediária entre [s] e [ʃ] (ALBANO, 1990). Além
disso, em modelos fonológicos de traços, a explicação dessa palatalização em sandhi externo é
dada por meio da assimilação de traços, manobra não necessária na fonologia gestual, pois os
gestos têm uma extensão de tempo prevista pela dinâmica da tarefa e, consequentemente, a
sobreposição de gestos pode produzir resultados articulatórios e acústicos audíveis.
A sobreposição de gestos, juntamente com a diminuição de sua magnitude, também
substitui a manobra de apagamento de traços das fonologias pós-gerativas, e explica, por
princípios gerais em vez de regras de mudanças categóricas, fenômenos tradicionalmente tratados
como alofonia, variação, assimilação, elisão, apagamento, etc. Com isso, a possibilidade da
sobreposição de gestos significa que uma série de fenômenos fonológicos acontecem
automaticamente em vez de terem que ser estipulados por manobras de regras específicas, fazendo
da fonologia articulatória um modelo implementacional e não derivacional (SILVA, 2003).
Browman e Goldstein (1992) explicam que um dos motivos de grande ocorrência da
sobreposição gestual é devido às diferenças temporais de gestos consonantais e gestos vocálicos,
com estes muito mais longos que aqueles. Essa justificativa vai ao encontro da unidade rítmica
proposta por Barbosa (2006), a unidade vogal-vogal (VV), que vai do onset de uma vogal até o
onset da vogal seguinte, incluindo todas as consoantes e glides nesse intervalo. A proposta dessa
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unidade é baseada em estudos que apontam para a preservação da duração dessa unidade a fim de
manter a estrutura rítmica e entonacional do enunciado, sendo, portanto, mais resistente a variação
do que a sílaba. Dentro de seu modelo dinâmico acerca do ritmo do português do Brasil, Barbosa
(2006) mostra como a unidade VV controla a sobreposição gestual.
Outro exemplo de fenômeno que a fonologia articulatória explica por meio da
sobreposição de gestos é o que tradicionalmente é chamado de variação alofônica. Nas pautas
gestuais das quatro primeiras palavras da figura 2, por exemplo, há grande sobreposição do gesto
de abaixamento vélico (“largo” na variável véu) com o gesto para a vogal (“largo e faríngeo” no
corpo da língua), pois o início do gesto de abaixamento vélico precede ao término do gesto de
fechamento labial. Isso resulta em um momento temporal no qual a cavidade nasal está aberta e o
trato vocal está em posição para produzir uma vogal, ou em outras palavras, numa vogal nasal. O
mesmo não ocorre com consoantes nasais em início de palavra, pois, nesse caso, o gesto de
abaixamento vélico termina aproximadamente junto com o final do gesto de fechamento labial.
Tradicionalmente, vogais nasais no inglês são explicadas por uma regra que
transforma (ênfase intencional) uma vogal oral em uma vogal nasal quando precedida de
consoante nasal final, com assimilação do traço nasal. Contudo, sob a ótica de uma fonologia
gestual, as vogais nasais do inglês são simplesmente o resultado físico, regular e legítimo de como
os gestos são organizados, não necessitando que uma vogal oral seja transformada em outra, pois
o gesto para a vogal de “pan”, i.e. largo e faríngeo na variável corpo da língua, é exatamente o
mesmo para a de “pad”, sendo que na segunda simplesmente não há a sobreposição com um gesto
de abaixamento vélico que resulta na abertura da cavidade nasal.
A sobreposição gestual também dá conta de fenômenos de fala encadeada, como
(tradicionalmente chamadas de) assimilações, reduções, inserções, etc. Por exemplo, a inserção da
oclusiva [t] em palavras como ‘prince’ é consequência da antecipação do fechamento do véu
palatino em relação à passagem da constrição na ponta língua de fechada para crítica, produzindo
um efeito audível, ou seja [t] (ALBANO, 2001), conforme ilustrado na figura 3.
Figura 3: Ilustração da inserção de [t] em prince na fonologia articulatória.
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Outro exemplo explicado pela antecipação de um gesto é o da redução de [t] para []
em algumas variedades róticas do inglês, como no inglês Americano. A figura 4 exemplifica o flap
em ‘get it’, onde há o encurtamento do gesto de fechamento alveolar na ponta da língua, somado a
uma significativa sobreposição deste aos dois gestos vocálicos. Para Albano (2001, p. 59),
“nenhum modelo fonológico estático é capaz de dar conta desses deslizamentos”.
Figura 4: Ilustração do flap na fonologia articulatória
Com esse processo, de sobreposição gestual, a fonologia gestual dá conta de vários
outros fenômenos, tais como:
a aspiração de oclusivas de início de sílabas tônicas em inglês, que é, na verdade, um
fenômeno gradiente e, por isso, incabível em fonologias (pós-)gerativas;
o “l” pré- e pós-vocálico do inglês, i.e. puramente alveolar [l] ou alveolar e velar [],
respectivamente;
a variação das oclusivas finais do inglês [p, t, k, b, d, g] pela oclusiva glotal [];
o aparente apagamento de traços, como o [t] em ‘perfect memory’, ou o schwa em
‘beret’;
a aparente transformação de [t] em [k] em ‘late class’, ou de [n] em [m] em ‘seven plus’.
CONCLUSÃO
A explicação para todos esses fenômenos é feita por duas modificações gradientes
durante a fala: o aumento da sobreposição e a diminuição da magnitude gestuais. Diferentemente
das regras e manobras de fonologias de traço, nas fonologias gestuais gestos nunca são apagados,
nunca são transformados em outros gestos e novos gestos nunca são adicionados. É importante
lembrar que a formulação dessas explicações se dá a partir de dados reais tanto articulatórios, por
meio de eletropalatografias, eletromiografias, fibroscopias, transiluminação, raios-X, etc.; como
acústicos, por meio de análises espectrais, e não pelo simples julgamento de falantes ou de
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pesquisadores sobre a boa formação.
São por esses motivos que Albano conclui, em sua análise da fonologia articulatória,
que:
diante da elegância das soluções obtidas para esses problemas, tão difíceis de
tratar no quadro das fonologias pós-gerativas, mesmo não-lineares, o mínimo que
se pode dizer da fonologia articulatória é que ela modela adequadamente, em primeira aproximação, a ‘fonética linguística’ (ALBANO, 2001, p. 59).
O principal motivo de Albano incluir “em primeira aproximação” na sua análise está
na ênfase que a pesquisadora dá ao papel acústico na constituição do gesto articulatório. Portanto,
Albano (2001) propõe a Fonologia Acústico-Articulatória, que marca sua afiliação à proposta de
Browman e Goldstein, mas enfatiza “a importância das relações acústico-articulatórias para a
questão da comensurabilidade” (ALBANO 2001, p. 104). A importância da incorporação do
aspecto acústico está relacionada à Teoria Quântica (STEVENS, 1972), discutida na seção
anterior. Para Albano, tanto a dimensão articulatória como a acústica estão envolvidas no gesto.
Para ilustrar seu ponto, a autora menciona pesquisas de bite-block, nas quais participantes têm o
movimento da mandíbula limitado momentaneamente por algum dispositivo e, ao serem
requisitados a falar algo, conseguem adaptar a trajetória dos articuladores para a produção
(acústica) correta de algum som. Dessa maneira, é possível executar um [i] com a mandíbula
aberta e um [æ] sem baixar a língua. Ou seja, para uma melhor investigação do gesto, não pode
haver demasiada ênfase na produção articulatória em detrimento do resultado acústico.
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GRAMÁTICAS EM LÍNGUA INGLESA: FORMALISTA OU
FUNCIONALISTA?15
Larisse Carvalho de Oliveira (UFC)
Resumo:
É de nosso conhecimento que as teorias funcionalista e formalista tratam da língua de modo
diferente: a primeira, inserindo os estudantes num contexto e em seus usos; e a segunda,
preocupada com as estruturas e regras da língua. Considerando os métodos que se guiam por
ambas vertentes, analisamos duas gramáticas de inglês e suas maneiras de explorar a gramática
dessa língua, pois é essencial que um professor conheça o recurso que utiliza no ensino de línguas.
Escolhemos Intermediate Grammar – From form to meaning and use, de Susan K. Bland (1996), e
Macmillan English in Context – intermediate, de Michael Vince (2008), e analisamos os capítulos
referentes ao‘Past Perfect Tense’, normalmente ensinado para estudantes no nível B1. Pautamos-
nos nas obras de Neves (1997), Pezatti (2004) e Oliveira (2003). Analisamos a estruturação das
explicações e atividades que deveriam ser respondidas pelos alunos. Constatamos que a gramática
de Bland segue a corrente funcionalista, inserindo os estudantes em um contexto, antes de expor
as regras gramaticais. Totalizamos seis (31.5%) questões de dezenove (68.5%), com trinta e três
(33) itens, o restante é direcionado ao aspecto ‘continuous’ do Past Perfect. Vince é formalista,
priorizando a estrutura, apesar de o próprio título e a apresentação da gramática indicarem um
trabalho voltado para o contexto. Contabilizamos somente seis exercícios (100%), com sessenta
(60) itens, a maioria no estilo ‘cloze’. Concluímos que a gramática funcional pode mostrar
melhores resultados quando é utilizada em comunhão com a abordagem comunicativa, devido a
sua cuidadosa reflexão sobre o significado, forma e uso, e pelos seus contextos sociais. No
entanto, acreditamos que tanto a abordagem formalista, quanto a funcionalista podem ser
utilizadas em conjunto, adequando-se a estrutura às necessidades dos alunos e ao meio em que
estão inseridos.
Palavras-chave: Gramática de Língua Inglesa, Funcionalismo; Formalismo.
15
Mestranda do programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará (PPGL-UFC). Bolsista demanda social – Capes.Trabalho orientado pela profa. Dra. Maria Fabíola Vasconcelos Lopes, profa. do PPGL-UFC e do Departamento de Letras Estrangeiras da UFC.
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1 INTRODUÇÃO
Admitindo-se que a língua é um organismo vivo e dinâmico, uma variedade de teorias foi
criada para tratar de suas especificidades, por vezes focando-se em aspectos, semânticos,
sintáticos, fonológicos, ou na união desses. Atentando-se para o aprendizado de tais aspectos em
uma língua estrangeira, este artigo pretende trazer duas teorias – a funcionalista e a formalista –
que diferem em método e abordagem, para tratarmos da língua inglesa. Discutiremos qual dessas
teorias seria mais apropriada ao ensino de Língua Estrangeira (LE), inserido em contextos
comunicativos.
A terceira parte de nosso trabalho mostra algumas das características das teorias
escolhidas, assim também como a nossa concepção do que seria ideal para se trabalhar em uma
aula que focalize as quatro habilidades que um estudante deve aprender através da abordagem
comunicativa, reading, speaking, listening e writing.
A seguir, temos a descrição de coleta de dados e posteriormente, a análise dos dados
coletados de duas gramáticas de língua inglesa, Intermediate Grammar – From form to meaning
and use, de Susan K. Bland (1996), e Macmillan English in Context – intermediate, de Michael
Vince (2008), em quais analisamos a exposição do tópico gramatical Past Perfect Tense.
Logo em seguida, expomos nossos resultados e discutimos a abordagem escolhida pelos
autores. Essas discussões serão fechadas em nossas conclusões, onde propomos soluções baseadas
no nosso conceito de gramática para o ensino de língua estrangeira.
2 FUNCIONALISMO / FORMALISMO
Com a urgência de se estudar os aspectos de uma língua, aspectos estruturais dessa são
esquecidos, atrapalhando a comunicação em si, ou não contribuindo para a promoção da mesma.
Neste artigo foram trabalhas as diferentes abordagens de gramáticas de língua inglesa sob as
perspectivas funcionalista e formalista.
A teoria funcionalista compreende que as particularidades de cada língua são classificadas
em relação ao papel daquela durante a comunicação. Isso significa que a função de um termo tem
um papel, um lugar, dentro de um sistema, ou seja, em um discurso e em uma interação com outro
falante. Divergências entre classificações de termos na gramática funcionalista existem, ainda
mais quando se leva em consideração as suas escolas.
Nichols (1984), classifica as correntes funcionalistas em três tendências. A primeira,
conservadora – que critica os conceitos estruturalistas e formalistas, não exprimindo um caminho
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de análise funcional que possa explicar as estruturas linguísticas e o propósito comunicativo.
Seguida da moderada, a qual nos apoiaremos, mostra as inadequações dessa primeira linha e
propõe uma análise funcionalista da estrutura. Por último, a extremada, considerando as regras
das línguas naturais intrínsecas a função, não admitindo a realidade cognitiva das estruturas
linguísticas.
Seguimos a vertente holandesa, focalizando nos trabalhos de Dik (1989), e de Neves
(1997). Dik (1989), afirma que o falante toma para si o papel principal, já que ele se comunica
com os outros de maneira eficiente. Para Dik, uma descrição linguística não pode vir antes de uma
referência para o falante e seu ouvinte, durante a interação. Ou seja, é necessário que se entenda
quem são os participantes daquela dinâmica/conversação, o contexto ao qual estão inseridos, para
que se possa refletir linguisticamente sobre os seus papéis e as suas habilidades.
Em A Gramática Funcional, Neves (1997: 15) propõe que uma gramática funcional seja
“uma teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria
global da interação social". A competência comunicativa do falante estaria entrelaçada às suas
habilidades para codificar e decodificar expressões (NEVES, 1997), adequando-se ao contexto
vivido e levando-se em consideração a intenção do falante.
Por outro lado, Pezatti (2004), afirma que uma gramática formalista gera suas explicações
a partir de suas próprias estruturas. Isso significa que o ponto de vista formalista vê a linguagem
como um órgão autônomo, ligado e registrado por regras específicas, o contexto em que essas
ocorrem não é de todo importante.
Os estudos de ordem formalista tiveram seus anos de glória durante a Segunda Guerra
Mundial. Como explica Oliveira (2003), entre esse periodo, os governantes estavam preocupados
com a necessidade de se dominar uma segunda língua, para ‘manter‘ alguma vantagem sobre seus
inimigos, ou comunicar-se com seus aliados. Dessa reflexão nasceu o método áudio-lingual, tendo
Bloomfield como seu principal responsável. Mais tarde, com sua teoria, o descritivismo,
Bloomfield propôs que os usos de uma língua poderiam ser previstos pelos inputs fornecidos pelo
ambiente. Estudiosos, como Chomsky, sugeriram um sistema de cálculo, diferente do sistema
lógico, que serviria de comunicação. Além desses, outros métodos foram criados, até que o
método comunicativo ganhou mais forças entre as décadas de 70 e 80.
3 A CRIAÇÃO DE UM CONTEXTO – A ABORDAGEM COMUNICATIVA
Até agora, a gramática tem sido ensinada através de uma grande soma de regras, cobrindo
a mente dos estudantes com fórmulas de estruturas de formação do ‘bom-falar’. No entanto, como
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explica Oliveira (2003), Celce-Murcia e Larsen-Freeman (1999), uma gramática pedagogicamente
proposta está preocupada com as explicações internas e externas do sistema linguístico. De acordo
os últimos autores, o intuito pedagógico de uma gramática, é fazer os estudantes se comunicarem
uns com os outros, tornando possível uma linha de entendimento e interação.
A figura seguinte demonstra o modelo proposto por Celce-Murcia and Larsen-Freeman
(1999), chamado de pie chart:
Figura 1 (OLIVEIRA, 1999)
É possível vermos as nuances de aprendizagens ligadas. Um falante precisa usar forma e
estrutura com uma variedade de significados, enquanto o uso pode diversificar as funções de
determinadas estruturas no sistema. A ligação desses três conjuntos formará o discurso do falante,
estando de acordo com a intenção comunicativa desse, e com o seu contexto discursivo.
4 METODOLOGIA
Como já dito antes, duas gramáticas inglesas foram escolhidas para análise. A primeira,
Macmillan English Grammar in Context: intermediate with key – de Michael Vince (2008), por
ser contemporânea e a segunda – Intermediate Grammar: From Form to Meaning and Use – de
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Susan K. Bland (1996), por ser comumente usada no curso de Letras-Inglês da Universidade
Federal do Ceará, por alguns dos professores que ministram aulas da grade curricular de inglês.
O tópico gramatical escolhido foi o Past Perfect Tense, geralmente ensinado para
estudantes com nível pré-intermediário da língua. Nossa primeira hipótese era a de que as duas
gramáticas exporiam atividades motivadoras e desafiadoras, centrando o estudante em um
contexto antes de sua imersão nas regras da língua padrão.
Separamos os capítulos das gramáticas e avaliamos a forma de abertura desses, atentando
para a exposição do tópico e para o foco de cada autor – forma, significado e uso. Em seguida,
realizamos a contagem do número de exercícios e itens propostos aos alunos. Os resultados serão
expostos e discutidos na seção seguinte.
5 ANÁLISES E RESULTADOS
Dispomos nesta seção as análises e os resultados obtidos das duas gramáticas que
avaliamos. Iniciamos com a de Vince (2008), com um pequeno trecho da seção introdutória:
The aim is to encourage students to see grammar used more realistically
and in more interesting ways. The topics covered in the exercises can be
used as a starting point for a lesson, as a subject for discussion (grifo
nosso), and as a means of helping to build students' vocabulary in useful
areas. (VINCE, 2008 p. 04)16
De fato, o professor se sente motivado a encontrar tal material. É sugerido que as lições
trazidas pela gramática podem ser utilizadas como fontes de abertura (brainstorming) de uma aula,
o que traria o estudante para um contexto antes de serem expostas as regras do novo tópico que
deve ser compreendido. No entanto, encontramos um quadro similar ao que será mostrado a
seguir:
16
Tradução nossa: O [nosso] propósito é encorajar os estudantes a verem a gramática ser usada modo mais realisticamente e mais interessante. Os tópicos e exercícios abordados podem ser usados no começo de uma aula, ou como assunto para discussão, e como meio de auxílio na construção do vocabulário dos estudantes em áreas úteis.
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Figura 2 - (adaptado de VINCE, 2008: 28)
A página de abertura mostra apenas formas (afirmativa, negativa e interrogativas) e usos,
esses últimos minimamente. Não há menção em significado, ou contextos, nenhuma situação é
dada ao aluno, para que esse possa se situar. Em seguida, é mostrado um quadro com mais formas,
e as atividades vêm logo depois.
Figura 3 - (adaptado de VINCE, 2008: 29)
Todas as atividades seguem a mesma estrutura e a mesma estratégia. Os estudantes
deveriam preencher lacunas com a forma correta dos verbos, usando a forma do passado simples
(Simple Past) ou do passado perfeito (Past Perfect). Em nenhum dos exercícios foi proposto que
os alunos tentassem criar um diálogo, ou que produzissem algo com base em suas vivências.
Todavia, acreditamos que a gramática traga características que podem ser apropriadas pelo
professor durante a explicação. A atividade acima poderia ser um ponto de início para tornar os
estudantes conscientes sobre o tópico, após a exposição de situações em que o tópico estudado
Complete the sentences with the simple past or the past perfect. Use the verbs in the brackets.
a. When they _________ (ask) to use my car, I noticed I __________ (not –have) any gas. b. When I ___________ (arrive) at home, my mother ____________ (leave) to France.
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aparecesse, por exemplo. O professor poderia pedir aos estudantes para pensar sobre situações e
inserir sentenças com o tempo verbal estudado nesse momento.
Depois disso, o professor poderia pedir aos alunos para criarem uma conversação, ou uma
história sobre acontecimentos passados, fornecendo um input à criação individual ou conjunta dos
mesmos. Dessa forma, material real estaria sendo produzido poderia ser usado posteriormente para
a explicação das estruturas e dos usos do past perfect.
Ao analisarmos a obra de Bland (1996), deparamo-nos com uma abordagem diferente. O
capítulo é iniciado com pequenas ocorrências, possíveis de acontecer em um dia comum, uma
notícia e uma conversa entre dois amigos.
Figura 4 (BLAND, 1996: 389)
A partir do momento em que é indicado onde acontece a ação, ou quem a faz, torna-se
assessível aos alunos a transposição das características daquele lugar/conceito ao momento da
aprendizagem. Tal proposta, insere o aluno em campo de significados associados àquela situação,
abrindo espaço para o professor explorar a continuação daquele evento, ou para tratar do que
poderia ter acontecido, fornecendo material para a criação de novos exemplos.
Logo após essa seção, a autora chama a atenção dos leitores/alunos, falando claramente
que será estudado o past perfect, outra forma de falar do passado, e lembra-os dos capítulos que já
abordaram essas ideias:
Figura 5 (BLAND, 1996: 389)
Mais tarde, as sentenças de abertura do capítulo são explicadas. Fala-se da relação entre as
duas formas de passado e de um tipo de linha do tempo que pode ser estabelecido, tendo-se em
mente qual ação ocorreu primeiro. A situação seguinte, a conversa entre amigos, é descrita como
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uma situação irreal, frente ao uso da terceira condicional, na qual também é utilizado o past
perfect:
Figura 6 (BLAND, 1996: 389)
Em uma das atividades foi proposto aos alunos que trabalhassem juntos, para responder um
diálogo, usando as formas do tópico estudado. Em seguida, requeria-se que os mesmos
encenassem os diálogos, trabalhando assim, as habilidades de fala, escrita e leitura:
Figura 7 (BLAND, 1996:391)
A tabela abaixo mostra os números obtidos após a nossa análise. Em Bland (1996)
totalizamos seis (31.5%) questões de dezenove (68.5%), com trinta e três (33) itens, sendo que as
outras questões diziam respeito ao aspecto ‘continuous’ do Past Perfect. Já Vince (2008)
apresentou somente seis exercícios (100%), com sessenta (60) itens, a maioria no estilo ‘cloze’,
preenchimento de lacunas.
Gramáticas Bland (1996) Vince (2008)
Exercícios 6/19 6
Itens 33 60
Tabela 01 – Exercícios e itens
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Corroborando com o que já foi dito neste artigo, acreditamos que a gramática funcional é a
mais adequada para o ensino de uma LE, uma vez que insere o aluno em um contexto, as vezes
por meio de um brainstorming, para em sequência voltar-se para as regras, caso necessário. A
abordagem comunicativa demanda situações reais, que trabalhe usos e sentidos, sendo o oposto de
uma gramática que se pauta na exposição de regras de antemão.
Podemos afirmar que a gramática de Susan K. Bland trabalha com o tratamento
funcionalista, encorajando os estudantes a criarem suas próprias situações comunicativas, expondo
modelos verossímeis e de fácil associação. Considerando Collins Cobuild (1990), destacamos que
os falantes usam a linguagem para formular significados, serem entendidos e primordialmente
para se comunicarem, usufruindo das estruturas gramaticais para melhor estabelecer uma ligação
com outros falantes de sua sociedade e conseguir o que desejam através da língua.
As vezes a abordagem funcional não é tratada como importante, no entanto, é necessário
ter uma gramática que diga ‘como, por que e quando’ devemos usar determinadas estruturas de
uma língua.
A gramática de Vince é nova, remodelada e interessante, traz novos fatos históricos
em seus textos e um novo layout. No entanto, carece de um pouco de variedade em suas
atividades, no que diz respeito a sua resolução, que atualmente privilegia os exercícios de cloze.
Todas essas características influenciam os alunos a uma repetição exaustiva, que nem sempre
significa êxito frente ao que deveria ser apreendido pelos alunos.
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Acessado em: 01/06/2014.
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INTERTEXTUALIDADE E GRAMATICALIDADE NO GÊNERO
TEXTUAL TIRINHA: UM ESTUDO DE CASO
Ariadna Rodrigues Probo Amara17
(UFPI)
Elizandra Dias Brandão Clímaco18
(UFPI)
Resumo:
Este trabalho pretende mostrar como o estudo de aspectos formais da língua portuguesa pode ser
abordado em sala de aula. Para tanto, nos valemos do gênero textual tirinha para observar as
habilidades de leitura e interpretação de textos. Nosso objetivo foi compreender como se
caracteriza esse gênero dando enfoque especial à presença da intertextualidade verbal e não
verbal. A escolha do gênero tirinha se deu pelo fato do reconhecimento de sua importância na
combinação entre texto escrito e imagem. Este estudo teve suporte em alguns teóricos, onde todos
eles acreditam que, no trabalho com textos agramática é constitutiva, e ao mesmo tempo, uma
imposição social. A metodologia utilizada para a realização deste trabalho consistiu em uma
pesquisa de campo realizada na Escola Municipal Mercedes da Costa, em Teresina – PI, com duas
turmas do 8º ano, sendo, primeiramente, apresentado às turmas o projeto, o seu objetivo, a sua
finalidade e a sua contribuição para o processo de compreensão do gênero textual estudado.
Adentramos ao campo de pesquisa e discutimos a importância do uso da língua, assim como, a
contribuição da gramática no gênero textual tirinha. Ao final do trabalho, percebemos que os
alunos identificaram a relação de significado comum entre a imagem e o texto apresentado,
conseguindo reconhecer, analisar e produzir o gênero textual estudado, assim como desenvolver o
senso crítico a partir dos debates realizados nas aulas expositivas, recorrendo a uma análise
linguística do gênero por meio de trabalhos provenientes das habilidades de leitura e escrita.
Palavras-chave: Gramática. Gênero. Intertextualidade.
1 INTRODUÇÃO
No estudo de aspectos formais e informais da língua portuguesa, uma abordagem
sobre intertextualidade e gramática no gênero textualtirinha: um estudo de caso merece destaque.
Para tanto, nos valemos do gênero textual tirinha para observar as habilidades de leitura e
interpretação de textos. Esse gênero ganhou grandes proporções e estudos a maioria dos estudos
sobre a linguagem dos quadrinhos possui um ponto em comum, trabalha assuntos com base nas
partes verbais e não verbais e o uso da intertextualidade. Partindo do objetivo destacado, foi
17
Ariadna Rodrigues Probo Amaral- Graduada em Pedagogia - FAEPI e Graduanda do Curso de
Letras Portuguesa-UFPI. E-mail: [email protected]
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Elizandra Dias Brandão Clímaco-Graduada em Pedagogia - ISEAF e Graduanda do Curso de
Leras Portuguesa–UFPI. E-mail: [email protected]
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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realizada uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, com o propósito de encontrar suporte
teórico para a importância dos gêneros textuais no processo de ensino aprendizagem de língua
bem como definir de que maneira os gêneros textuais se portam como norteadores dos estudos de
língua. Para tanto, tomamos como aportes teóricos estudiosos como: Bakhtin, Marcuschi, Bechara,
Antunes, Koch, dentre outros que se fizeram necessários para o aprofundamento de nossa
pesquisa.Este trabalho é relevante para dá ênfase à importância que há na leitura do gênero textual
como fator determinante.
2 GRAMÁTICA EM SALA DE AULA
Os conhecimentos gramaticais são percebidos (ou relembrados) enquanto o escritor
produz, monitorando a sua escrita. Eles devem ser trabalhados no texto. Principalmente se for no
texto do aluno. Desse modo, utiliza-se o conhecimento para gerir prática, pois saber isoladamente
o que é substantivo, verbo, adjetivo etc., não significará que o aluno será capaz de construir bons
textos. A prática da leitura e o exercício da escrita, vinculados aos estudos gramaticais, são
elementos que permitirão ao aluno uma melhor legibilidade dos textos. A propriedade
metalinguística da linguagem permite a análise da língua por ela mesma.
Não há dúvida que deve-se ensinar a gramática normativa nas aulas de língua
portuguesa, embora sabe-se perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, ler e escrever
com precisão (Antunes, 2007 p. 53). O dever da escola é ensiná-la oferecendo condições ao aluno
de adquirir competência para usá-la de acordo com a situação vivenciada.É importante enfatizar
que a assimilação crítica dos estudos linguísticos e a necessidade de se estabelecer um maior
contato do professor com a língua materna e a proposta da linguística; valorizar a língua falada
pelo aluno. Considerando que a gramática não deve ser tida como uma verdade única, absoluta e
acabada antes, porém seus conceitos devem ser relativizados, não existe relação entre a teoria
gramatical e a prática de texto, porque para muitos estudar a língua se generaliza em estudar a
gramática normativa. Por isso, existem tantas dificuldades nos alunos em elaborar um texto, pois a
gramática é estudada de forma separada, isto é, não entra em consenso com as outras interações da
língua, como a própria prática de produção textual, leitura, dentre outros.
Para que haja um ensino de qualidade, faz-se necessário que o estudo da gramática vá
de encontro à vida do aluno, a isto conceitua-se aplicabilidade.
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3 GÊNEROS TEXTUAIS
O trabalho com gêneros em aulas de língua faz com que os educandos, ao terem
contato com uma grande diversidade textual, se familiarizem com as características próprias de
cada gênero bem como os contextos nos quais cada gênero pode ser utilizado, levando-os a
perceber a funcionalidade da língua. Assim, comungamos a ideia de Bronckart (1994, p. 137) que
considera que “os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do agente produtor uma
série de decisões que ele necessita ter competência para executar”. Dessa forma, o interlocutor que
faz uso dos gêneros discursivos precisa conhecê-los e utilizá-los de forma competente, visto que o
objetivo do ensino norteado pelos gêneros textuais é desenvolver no aluno a habilidade de utilizá-
los de forma eficaz.
Assim, quando os gêneros forem levados para a sala de aula como ferramenta para
desenvolver nos alunos habilidades de leitura e escrita deve ser salientado as características
próprias de cada gênero, bem como seu papel no processo comunicativo e sua funcionalidade.
O professor deve promover debates e diálogos com o propósito de instigar o aluno a ler e
interpretar os textos de forma crítica e reflexiva. Outro ponto importante quando se trata de
diversidade de textos é partir do conhecimento prévio dos alunos começando por aqueles com os
quais estão mais familiarizados, para só depois introduzir gêneros com os quais eles ainda não têm
familiaridade.
Segundo Bakhtin (1997, p. 302), “aprendemos a moldar nossa fala às formas do
gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe
o gênero”. Observa-se que nessa concepção de Bakhtin os gêneros assumem certo poder
normativo, ou seja, eles fornecem preceitos para que os usuários da língua, seja ela oral ou escrita,
norteiem suas escolhas durante o processo comunicativo. Por possuírem uma função modeladora
de enunciados discursivos os falantes recorrem a eles nas diversas situaçõesde interação.
3.1 AS TIRINHAS
O trabalho com os gêneros textuais em aulas de Língua Portuguesa tem como objetivo
melhorar o desempenho dos alunos quanto à leitura e a produção de texto, uma vez que os gêneros
fazem parte do cotidiano das pessoas. Com o gênero tirinha não é diferente, pois ela é um meio de
comunicação muito utilizado pelo público por seu caráter humorístico, envolvendo personagens
fixos, relacionados com o cotidiano. Esse gênero é constituído pela linguagem verbal e não verbal
que agregadas produzem o sentido do texto. Sendo um gênero agradável e de fácil análise
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linguísticas, leitura e interpretação textual, é bem instigante para o aluno que na maioria das vezes
criam uma aversão à leitura.
As tirinhasé um gênero que pode ser focalizado pelo professor e alunos por meio de
uma análise do texto, enfocando a materialidade da língua, e ainda a determinação histórica dos
seus processos de significação. Elas constituem um subtipo das Historias em Quadrinhos, mas
com narrativas mais curtas, ou seja, são historias sintetizadas, tem como característica principal o
humor servoltado para o lado humorístico e sarcástico sempre mostrando inesperados, desperta a
curiosidade dos leitores para podermos perceber com mais clareza como pode acontecer um
trabalho com o gênero textual tirinha e considerando esse gênero uns excelentes recursos a ser
utilizado em aulas de língua Portuguesa. Analise de uma tirinha de Mauricio de Sousa:
Usando como suporte essa tirinha poder ser feita uma análise da linguagem oral, que é
preponderante nesse gênero textual devido à presença das falas nos balões, pois os alunos devem
perceber as diferenças existentes entre a língua falada e a escrita e que no caso desse gênero a
modalidade oral da língua está bastante presente, mas que o mesmo não ocorre em outros gêneros
de cunho mais formal. Porém, cabe ressaltar, que deve ser um trabalho reflexivo das diferenças e
semelhanças entre língua orla e escrita, e não apenas de forma a mostrar a linguagem informal
como “errada”, pois se trata de variações linguísticas que precisam ser abordadas muito bem por
parte do professor de língua.
Outra possibilidade é utilizar esse texto para contextualização de conteúdos
gramaticais.Mas não usando o texto para trabalhar uma gramática tradicional, mas uma gramática
textual e reflexiva. Essas opções são apenas uma amostra do leque de atividades que podem ser
desenvolvidas por professores de língua para dinamizar o estudo da mesma.
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4 INTEXTUALIDADE
A intertextualidadeé a influência de um texto sobre outro. Todo texto, em maior ou
menor grau, é um intertexto, pois é normal que durante o processo da escrita aconteçam relações
dialógicas entre o que estamos escrevendo e outros textos previamente lidos por nós. A
intertextualidade pode acontecer de maneira proposital ou não, mas é certo que cada texto faz
parte de uma corrente de produções verbais e, conscientemente ou não, retomamos, ou
contestamos os chamados textos-fonte, fundamentais na memória coletiva de uma sociedade.
A intertextualidade pode ser construída de maneira explícita ou implícita. Na
intertextualidade explícita, ficam claras as fontes nas quais o texto baseou-se e acontece,
obrigatoriamente, de maneira intencional. Pode ser encontradas em textos do tipo resumo,
resenhas, citações e traduções. Podemos dizer que, por nos fornecer diversos elementos que nos
remetem a um texto-fonte, a intertextualidade explícita exige de nós mais compreensão do que
dedução. Vejamos alguns exemplos ¹:
Até o Fim
Chico Buarque de Hollanda
Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava
predestinado
A ser errado assim Já de saída a
minha estrada entortou
Mas vou até o fim (...).
Com licença poética Adélia
Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
Desses que tocam trombeta,
anunciou:
Vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
Esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
Sem precisar mentir. (...)
Exemplo ²
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O texto implícito é mais subjetivo, portanto, dependendo muito do olhar do
leitor/espectador para ser encontrado e, muitas vezes, colocado deforma inconsciente pelo autor,
justamente pelo fato de certas INFLUÊNCIAS ou REFERÊNCIAS desenso comum estarem tão
dispersas no mundo que essas acabam surgindo naturalmente.
Em um dos anúncios da BomBril, o ator se veste e se posiciona como se fosse a
“Mona Lisa”, de Da Vinci. O slogan que o acompanha diz: “MonBijou deixa sua roupa uma
perfeita obra-prima”. Esse enunciado sugere ao leitor que o produto anunciado deixa a roupa bem
macia e perfumada, ou seja, uma verdadeira obra-prima (referindo-se ao quadro de Da Vinci).
Vale destacar que, neste caso, a intertextualidade não assume a função apenas de persuadir, como
também de difundir a cultura, uma vez que se trata de uma relação com a arte.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização da nossa pesquisa nos possibilitou uma reflexão sobre o conceito de
gêneros textuais na concepção de alguns teóricos, bem como, refletir sobre a sua importância para
o ensino de língua, de forma a destacar os gêneros como instrumentos para o estudo e ensino de
gramática.
Dessa forma, percebemos que para que os alunos se tornem leitores críticos, com a
capacidade de interpretar textos diversos de forma competente é preciso entender o contexto
de produção e utilizar a língua em interações sociais com propósitos comunicativos. Para tanto, é
necessário que os alunos tenham conhecimento da estrutura e das características dos gêneros
textuais, bem como utilizá-los tanto nas produções cotidianas como nas mais complexas como os
gêneros que permeiam a vida acadêmica e profissional. Nessa perspectiva, devemos pensar os
gêneros textuais não apenas como objetos a serem analisados, mas também como um instrumento
norteador para o desenvolvimento.
6 REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São
Paulo: Parábola Editorial, 2007.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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BECHARA, E. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? 12 ed., São Paulo: Ática, 2006.
FRANCHI, C. Maso que é mesmo “gramática”?. São Paulo: Parábola Editoração, 2006.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:
DIONISIO,Ângela Rachel & BEZERRA, Maria Auxiladora (orgs.). Gêneros Textuais & Ensino.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
MARCUSHI, Luiz A. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola
Editorial, 2002.
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LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO SUPERIOR
Raquel Figueiredo Barretto (FANOR)
Resumo:
Tem-se notado que os alunos ingressam no curso superior apresentando grandes dificuldades em
língua portuguesa. As Instituições de Ensino Superior têm consigo uma grande responsabilidade:
fazer com que a língua se torne um dos principais recursos para a realização plena da cidadania.
Esta pesquisa teve como objetivo analisar as percepções de professores sobre as aulas de
português no ensino superior. Foi realizada, no primeiro semestre de 2014, uma pesquisa de
campo, exploratória, descritiva com abordagem qualitativa. Os sujeitos-informantes foram
professores da disciplina de língua portuguesa de uma IES particular de Fortaleza. A coleta de
dados deu-se, através da aplicação de um questionário enviado/disponibilizado através intranet da
empresa. Como instrumento de análise de dados, optou-se pela análise de conteúdo de Bardin
(1977). Os aspectos éticos da pesquisa foram respeitados conforme a resolução 196/96 do
conselho nacional de saúde. Quando questionados sobre qual o papel do professor de português na
faculdade, os sujeitos reconhecem dois papeis importantes: promover a interdisciplinaridade de
discutir sobre a complexidade da língua. Quando questionados sobre qual a maior dificuldade
encontrada pelo professor para o ensino de língua portuguesa, os informantes identificaram três
grandes dificuldades: falta de motivação discente, relação teoria X prática e dificuldade do aluno
em ler. Conclui-se que as IES têm consigo uma grande responsabilidade não só para com os seus
discentes, mas com toda a sociedade. Trata-se da oportunidade de quebrar um círculo vicioso de
formação de pessoas (ALVES, 2007, p. 03) que influenciarão outros a serem da mesma forma, de
fazer com que a leitura se torne um dos principais recursos para a realização plena da cidadania,
visto ser ela essencial a qualquer área de conhecimento.
Palavras-chave: Língua Portuguesa, Ensino Superior, Professores.
1 INTRODUÇÃO
O ensino superior no Brasil é realizado por instituições de natureza diferentes. As
instituições de educação superior, de acordo com sua organização e respectivas prerrogativas
acadêmicas, são credenciadas como: faculdades; centros universitários; e universidades.
Giroux (2010) enfatiza que o ensino superior não deve apenas fornecer competências
fundamentais e o conhecimento técnico. A educação superior deve dar ao alunado a oportunidade
para se apropriarem da linguagem da crítica e da possibilidade, exercitando-as.
Conforme dados do IBGE (2010 apud APRILE, BARONE, 2009), o Brasil tem mais
de 190 milhões de habitantes. Diante de tamanho processo de expansão demográfica, o governo
precisou criar mecanismos de acesso, expansão e democratização do ensino superior. Esse tema,
aliás, tem sido um entrave para o desenvolvimento do país nos últimos anos.
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No conjunto dos países da América Latina, o Brasil apresenta um dos mais baixos
índices de acesso ao ensino superior se comparado com a Argentina (cerca de 40%), Venezuela
(26%) e Chile (20,6%). Tal situação se configura como particularmente desafiadora, quando se
toma como referência a meta definida pelo Plano Nacional de Educação de 2001, que propõe
prover até o final da década a oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de
18 a 24 anos. (APRILE, BARONE, 2009)
Ler é uma atividade que requer concentração e prazer. Tem ficado evidente o
enfraquecimento do ato da leitura, principalmente na fase acadêmica. A maioria dos estudantes
não procuram mais livros em biblioteca ou livrarias. O desinteresse fica cada vez maior,
principalmente quando há uma mistura de cansaço físico e mental. Todo discente tem capacidade
de pensar, sentir e expressar-se, mas para isso é preciso que ele faça uma leitura atenta.
Fazer uma leitura crítica é ter uma ideia, um ponto de vista sobre o texto, fazer
comparações com conhecimentos já adquiridos, avaliar informações sobre leituras já feitas. É de
suma importância que se crie uma política de leitura na universidade, dar acesso aos textos
impressos, conscientizar os alunos da importância do ato de ler.
Esta pesquisa teve como objetivo analisar as percepções de professores sobre as aulas
de português no ensino superior.
Foi realizada, no primeiro semestre de 2014, uma pesquisa de campo, exploratória,
descritiva com abordagem qualitativa. Os sujeitos-informantes foram os alunos e professores da
disciplina de língua portuguesa de uma IES particular de Fortaleza. A coleta de dados deu-se,
através da aplicação de um questionário enviado/disponibilizado através intranet da empresa.
Como instrumento de análise de dados, optou-se pela análise de conteúdo de Bardin (1977). Os
aspectos éticos da pesquisa foram respeitados conforme a resolução 196/96 do conselho nacional
de saúde.
2 DESENVOLVIMENTO
Após a criteriosa análise das respostas, identificamos 02 categorias descritivas para a
pergunta Qual você julga ser o papel do professor de português na faculdade?
Reflexão sobre a complexidade da linguagem
“O professor de português tem a missão de orientar os alunos para a compreensão de uma
realidade linguística que não se limita ao gramaticalismo, mas aprofunda uma reflexão sobre a
comunicação, a linguagem, e a complexidade do texto, sua estrutura, tipos, gêneros e elementos.”
(S)
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Interdisciplinaridade
“O professor de português tem um papel bem significativo, pois nossa área de atuação permite
uma promoção de interdisciplinaridade com diferentes disciplinas. Além de ajudar os alunos a
aprofundarem seus conhecimentos sobre o uso da linguagem, refletir sobe a importância da leitura
e que o português é a base de qualquer comunicação bem-sucedida tanto âmbito profissional como
pessoa” (M)
Após a criteriosa análise das respostas, identificamos 03 categorias descritivas para a
pergunta Qual é a maior dificuldade (no ensino da língua) que você enfrenta com seus alunos?
Desmotivação discente
“Os alunos não se sentem motivados quando ficamos no âmbito da conceitualização, da
teorização. Se o professor conseguir incluir mais prática lúdica - porque mesmo na universidade, é
uma missão possível - os alunos se sentem mais estimulados e pensam a prática da sua realidade
profissional” (S).
Relação teoria X prática
“A maior dificuldade é ajudá-los a perceber a importância dos conteúdos desenvolvidos, pois
acham chatos e desnecessários, pois desde o colégio estudam português” . (M).
Falte de interesse do aluno pela leitura
“Muitos alunos apresentam sérias dificuldades de leitura e escrita, ou seja, não entendem
realmente a intenção comunicativa de um texto e escrevem textos com problemas de textualidade,
gramática e ortografia. O que me leva a concluir que esses alunos tiveram problemas no ensino e
na aprendizagem da língua no ensino básico“.(L)
2.1.Crise na leitura e o ato de ler
Silva (1988) distingue duas posturas do sujeito diante da leitura: o ledor e o leitor. Ler
é muito mais do que extrair a significação de um texto. Assim, a leitura está embutida em todas as
experiências da vida. Percebe-se então que a leitura é a compreensão do texto a partir do momento
em que o individuo transita do ângulo superficial para a visão crítica, ultrapassando os limites do
texto. A cada leitura feita surgem significados novos. Toda leitura de um texto é, portanto,
individual, porque individuais são as experiências de cada um. Um texto é plurissignificativo, e
cada pessoa atualiza parte de suas possibilidades, ou seja , dependendo de sua vivencia , atribui
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determinando significado e mobilizada por outro aspecto explorado pelo autor. Ler na verdade é
uma terapia que torna o homem um ser capaz de realizar algo acima da sua imaginação.
Despertar no aluno a motivação para leitura, não é uma tarefa fácil. Dessa forma, se o
aluno tomar conhecimento dos benefícios e utilidades que a leitura traz, até mesmo para o seu dia
a dia, com certeza, o aluno terá prazer em ler. Suscitar no aluno uma leitura crítica, capaz de
chegar à interpretação da ideologia do texto e das concepções que estão escondidas nas
entrelinhas. O aluno deve entender que nenhum texto é neutro, ou seja, que por trás de simples
palavras há uma visão de mundo, pois qualquer texto tem como função reforçar ideias já
sedimentadas ou propor novas formas de ver o mundo.
Com o aumento do acesso à universidade, possibilitado pela expansão tanto do sistema
público como de programas de bolsa e financiamento em instituições particulares, muitos
estudantes chegam ao ensino superior.
A linguagem é uma das formas de atuar, de influenciar, de intervir no comportamento
alheio, que outros atuam sobre nós usando-a e que igualmente cada um de nós pode usar para
atuar sobre os outros. Segundo Jean Foucambert (1994 ,p. 43): para aprender a ler, enfim, é
preciso estar envolvido pelo escrito o mais variado, encontrá-lo, ser testemunha de e associar-se à
utilização que outros fazem dele querer deter de textos da escola , do ambiente, da imprensa, dos
documentários, das obras de ficção. Ou seja, é impossível tornar-se leitor sem essa continua
interação com um lugar onde as razões para ler são intensamente vivida.
A leitura no âmbito acadêmico tem sido objeto de muitos estudos, todos eles destacam
a sua importância como um dos caminhos que levam o aluno ao acesso e à produção do
conhecimento, enfatizando a leitura crítica como forma de recuperar todas as informações
acumuladas historicamente e de utilizá-las de forma eficiente. Entretanto, tem sido demonstrado
que os alunos ingressam no curso superior apresentando grandes dificuldades em relação à leitura,
isto é, não conseguem compreender os textos lidos, textos esses que são solicitados pelos
professores e, portanto, imprescindíveis para uma sólida formação acadêmica. Assim, o ato de ler
e o de aprender são duas realidades muito próximas, portanto indissociáveis, interferindo-se
mutuamente. Dominar a leitura e ser um leitor proficiente conduz o aluno a uma atitude ativa,
dinâmica e crítica em relação ao conhecimento.
Em uma pesquisa relacionada ao Exame Nacional de Desempenho (Enade) do ano de
2006, constatou-se que 43,6% dos universitários brasileiros – ou seja, menos de metade deles –
estuda entre uma e duas horas por semana além do horário de aula, 34% leem no máximo dois
livros por ano, excetuando os escolares, e 41,3% se informam mais pela televisão. A pouca
dedicação à leitura e ao estudo busca sua justificativa na falta de tempo dos alunos. Segundo o
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Enade 2006, 68,2% dos universitários brasileiros estudavam à noite e 73,2% trabalhavam durante
o dia (ANTUNES, 2003).
2.2. Dificuldade de leitura crítica e interpretação textual
É muito comum o professor pedir aos alunos que façam uma leitura prévia de um texto
para próxima aula para ser debatido. Porém, os alunos mostram pouco interesse sobre o assunto, o
que se percebe é que não houve motivação dos alunos pela pesquisa, logo não há propriamente
uma discussão em sala de aula sobre as ideias apresentadas pelo autor e sim a exposição, pelo
professor, daquilo que considera importante. Além disso, a leitura dos textos também é utilizada
para a realização de resumos, sendo que, muitas vezes não há explicitação de um objetivo para
essa atividade, bem como não há o retorno para o aluno sobre o texto que produziu. O problema se
agrava quando o professor solicita uma resenha. Não há como o aluno posicionar-se criticamente
diante de um texto quando ele sequer compreendeu as ideias apresentadas. O texto do aluno,
geralmente, revela a sua incompreensão e se caracteriza como uma colagem do texto original, isto
é, revela que ainda não se constituiu como um leitor proficiente.
O que realmente fazer para despertar a curiosidade? Desenvolver a autonomia, criar
condições necessárias para a formação de um leitor proficiente. Fazer uma leitura crítica é ter uma
formação, um ponto de vista sobre o texto, fazer comparações com conhecimentos anteriores,
avaliar ideias sobre leituras já feitas. Levar para o âmbito crítico e reflexivo, cumpre o papel de
combater a alienação e promove a libertação de um povo.
A dificuldade dos alunos para compreender os diferentes textos, que são necessários
para a sua formação acadêmica, principalmente os propostos nos trabalhos de leitura em sala de
aula, requer uma reflexão sobre a prática efetiva de ler, compreender e criticar. Assim, sendo o
professor um leitor ávido, ele poderá, através de leituras de textos acadêmicos, transferir o
material lido para sua prática pedagógica e deixar de ser apenas um repetidor de conteúdos prontos
para tornar-se um profissional mais crítico, capaz de questionar o mundo que o rodeia e também às
leituras praticadas.
Para Freire (1982) não se pode fazer apenas uma leitura mecânica do texto, na qual se
memoriza o conteúdo, sem compreendê-lo. É imprescindível ter postura crítica para que o estudo
possa ser produtivo. Essa postura crítica necessária ao ato de estudar requer que se “assuma o
papel de sujeito desse ato”. Freire ( 19982) ressalta a importância do ensino da leitura para que o
aluno torne-se “sujeito do ato de ler” e seja capaz de “ler o mundo”, demonstrando criticidade
diante da realidade em que está inserido. Para que o aluno torne-se apto para isso, o professor
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exerce papel fundamental. Durante as atividades na sala de aula, o professor deve mostrar ao aluno
que um texto apresenta diversos níveis de significação.
Despertar no aluno motivação para leitura é um ato de educar. Todo aluno deve ser
convencido das vantagens de saber e poder ler. Dessa forma, ele terá motivação e
consequentemente irá leva-lo à análise crítica. Assim, o essencial é aplicar metodologias aptas à
amenização da crise da leitura na e da interpretação textual, pois o mais viável seria uma
sistematização de ensino, onde os professores desde o alicerce estudantil, isto é, as séries iniciais
orientassem os alunos a ler para que não sofressem futuramente com as dificuldades atreladas à
compreensão textual.
4 CONCLUSÃO
Todas as formas de leitura são interessantes. O importante é ler. O aluno tem certa
dificuldade de ler em público. Talvez pela insegurança, pela falta de hábito, pelo nervosismo e,
quem sabe pelo medo de errar. Com o ingresso no curso superior, muitos acadêmicos sentem
dificuldades de lerem em voz alta e consequentemente de produzir texto.
Saber ler é uma exigência das sociedades modernas. Há, porém, uma importante
diferença entre saber ler e praticar efetivamente a leitura: se aquela é uma necessidade pragmática
e permite a realização individual de atividades básicas, como executar tarefas cotidianas, a esta é
um importante instrumento para o exercício da cidadania e para a inclusão social do indivíduo.
Trabalhar a crise da leitura e interpretação textual significa compreender os fatores que
provocam essa crise. Fica evidente que a leitura e a interpretação textual são caminhos relevantes
para o aprendizado. Logo, ler requer do individuo uma bagagem vivencial e um conhecimento
prévio em relação aos textos a serem trabalhados. Analisar as consequências e buscar
metodologias e/ou sugestões praticas com o intuito de amenizar a problemática em questão e dessa
forma diminuir a crise com empenho. De acordo com a base na reflexão apresentada, torna-se
claro que a escassa leitura por parte dos universitários não pode ser simplesmente atribuída a
algum critério volitivo, seja por “má vontade” ou desapego insensato dos estudantes, pois existe
um real déficit em nível socialmente determinado, que limita o êxito acadêmico desses discentes.
As motivações negativas são mais profundas do que aquilo que está visivelmente
aparente. Em geral, espera-se que eles já sejam leitores plenamente aptos, que apresentem as
várias habilidades de absorção integral da mensagem de um texto, pois, ao final no ensino médio,
o aluno/leitor já deveria ter adquirido as habilidades essenciais em termos de competências e
motivações para que se tornasse um “bom” leitor. No entanto, a realidade observada é de pessoas
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despreparadas para conviver no mundo da leitura, determinadas por fatores de origem familiar,
escolar e social, que não foram incitados em seu gosto pelo ato de ler, muito menos foram levados
a perceber a importância disso na vida como cidadãos plenos.
As Instituições de Ensino Superior têm consigo uma grande responsabilidade não só
para com os seus discentes, mas envolvendo toda a sociedade. Trata-se da oportunidade de
quebrar um círculo vicioso de formação de pessoas (MANGEL, 1997) que influenciarão outros a
serem da mesma forma, de fazer com que a leitura se torne um dos principais recursos para a
realização plena da cidadania, visto ser ela essencial a qualquer área de conhecimento. Não se trata
de corrigir erros da formação básica dos alunos e sim represar uma situação professores e também
dos estudantes, pois, sem a contribuição dos estudantes o esforço docente não terá sucesso. Sabe-
se, que a leitura e interpretação textual são cruciais ao desenvolvimento educativo do individuo.
Portanto, os estudos feitos através da revisão bibliográfica tem valor impar para a análise da
temática em ênfase, a crise da leitura e interpretação textual na esfera escolar.
Considerando que a leitura é essencial para o aprendizado do aluno, e,
consequentemente, tem implicações na sua formação acadêmica e no seu desempenho como
futuro profissional, nesse pensamento a educação visa a preparar o aluno para a vida sócio-política
e cultural, cumprindo seu ideal político que é a emancipação do homem. Também não se deve
esquecer que a leitura, como atividade significativa que é, não pode ser entendida sem que se leve
em consideração a participação do sujeito, possuidor de uma história individual e singular, e seu
convívio tanto familiar quanto em sociedade, bem como na Academia. Há que se dar preparo
adequado aos alunos para lerem textos técnico-científicos, e aos professores, para capacitá-los a
formarem bons leitores.
Por isso, faz-se ciente que os professores das instituições de Ensino Superior tenham
consciência do potencial transformador de cada uma de suas disciplinas para que, através delas, se
possa vislumbrar o leque de possibilidades necessário para que seus alunos sejam os principais
agentes do processo de leitura, interpretação e ação social, colocando-os na condição de
prolongamento das ideias do autor, numa perfeita sintonia, fazendo da leitura um fato
argumentativo.
Por isso, faz-se necessário, entre outras coisas, que os professores das instituições de
Ensino Superior tenham consciência do potencial transformador de cada uma de suas disciplinas
para que, através delas, se possa vislumbrar o leque de possibilidades necessário para que seus
alunos sejam os principais agentes do processo de leitura, interpretação e ação social, colocando-
os na condição de prolongamento das ideias do autor, numa perfeita sintonia, fazendo da leitura
um fato argumentativo.
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O CONECTOR SEM E A EXPRESSÃO DE MODO EM ORAÇÕES
ADVERBIAIS REDUZIDAS DE INFINITIVO
Marta Anaísa Bezerra Ramos (UFPB)
Camilo Rosa Silva (UFPB)
Resumo:
Neste artigo, analisamos sentenças introduzidas pelo transpositor sem junto à forma verbal
infinitiva, que configuram o mecanismo de articulação oracional denominado hipotaxe adverbial.
Refletimos mais especificamente sobre as orações que expressam valor de modo, matiz pouco
abordado pela tradição gramatical, o que causa estranhamento, dado que os gramáticos admitem a
existência de advérbios de modo e afirmam que esse sentido é expresso em orações gerundiais.
Feita a observação do uso da locução conjuntiva sem que em estruturas adverbiais desenvolvidas
e da estrutura reduzida introduzida pela preposição em foco, em textos pertencentes aos gêneros
artigo de opinião e entrevistas, da esfera jornalística, constatamos maior incidência da segunda
estrutura, o que justifica o recorte aqui realizado. Objetivamos mostrar que a função conjuntiva é
assumida pela preposição em estudo, comprovando que este item tanto se comporta como
preposição junto a sintagma nominal, quanto como conjunção nas orações reduzidas, aspecto
explicado pelo paradigma da gramaticalização. Nosso estudo se sustenta em pressupostos do
funcionalismo linguístico, vertente que concebe a incorporação de novas funções pelos itens da
língua como reflexo da criatividade dos usuários da língua, o que denuncia a influência de fatores
cognitivos e discursivos na construção da gramática. Para essa discussão, confrontamos a visão de
gramáticos e linguistas em torno da expressão de modo. Feita a análise, constatamos que ao lado
de ocorrências em que a noção de modo se impõe, há casos que autorizam a inferência de outros
matizes, a exemplo de concessão. Significa dizer que a presença do conector orienta o processo
interpretativo, mas o contexto de uso favorece extensões de sentido.
Palavras-chave: hipotaxe adverbial; preposição; matiz modal
1. INTRODUÇÃO
Neste artigo, temos como objeto de estudo sentenças introduzidas pelo transpositor
sem junto à forma verbal infinitiva (sem + infinitivo), envolvidas no mecanismo de articulação
oracional denominado hipotaxe adverbial. Entre as relações semânticas apontadas nas gramáticas
em relação à estrutura aqui focalizada destacam-se concessão e condição. Enéas Barros (1985)
acrescenta consequência e tempo; Kury (1991) e Bechara (1999) adicionam modo aos valores
citados. É em torno desse último matiz que centramos nossa reflexão, por entendermos ser
contraditória a posição da tradição gramatical, já que os gramáticos admitem o adjunto adverbial
de modo na oração simples, admitem que o modo é expresso em orações reduzidas de gerúndio,
além de a preposição “sem” também encerrar valor modal.
O mecanismo de articulação ora em estudo compreende estruturas dependentes, mas
não encaixadas, de modo que uma oração, estando em relação de adjunção com outra, adiciona-lhe
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uma informação ou circunstância. A atribuição de uma classificação semântica à oração
adverbial (ou satélite) normalmente tem por base o conteúdo “unitário” expresso pelo conector.
Por outro lado, fatores de ordem cognitiva e discursiva motivam extensões de sentido, a ponto de
um conector expressar diferentes matizes semânticos.
A partir da observação do comportamento da locução sem que em orações adverbiais,
sob a forma desenvolvida e da preposição sem na oração reduzida, em uma amostra de textos
argumentativos (artigo de opinião, entrevista), de periódicos semanais Veja, Época e Isto É,
percebemos que a estrutura reduzida não só era bastante recorrente como também boa parte dos
dados expressava, dentre outros matizes semânticos, a noção de modo. Tendo em vista serem
poucos os estudos sobre esse conector, por se considerar que essa preposição, ao contrário
daquelas que introduzem termos argumentais, é pouco gramaticalizada, entendemos que seria
relevante apresentar algumas ocorrências com o objetivo de destacar uma função que
originariamente não lhe seria própria – a de conectar sentenças, fato também desconsiderado pela
tradição gramatical e de ilustrar orações adverbiais modais.
Nosso estudo tem como base os pressupostos do funcionalismo linguístico. De acordo
com essa vertente, a incorporação de novas funções pelos itens da língua é reflexo do dinamismo
próprio de uma gramática que sofre pressões da situação comunicativa. Para essa exposição, dada
a limitação espacial, apresentamos sucintamente considerações em torno da definição de
preposição, seção (2); em seguida, confrontamos posicionamentos de gramáticos e linguistas em
relação à caracterização da oração modal, seção (3). Essa seção apresenta uma subdivisão (3.1),
espaço destinado à análise das orações reduzidas introduzidas pelo conector em foco, ilustrativas
da relação de modo. Na seção (4), tecemos as considerações finais. No decorrer do texto,
reportamo-nos a gramáticos e linguistas, como Bechara (1999), Kury (1991), Rocha Lima (2002),
Poggio (2002), Ilari at. al. (2008), Vilela e Koch (2001), Silva (2007), entre outros.
2. SOBRE A DEFINIÇÃO DE PREPOSIÇÃO, EM PARTICULAR A PREPOSIÇÃO SEM
O termo preposição se origina da combinação das palavras prae e positio, significando
“posicionar à frente” (ILARI at. al., 2008, p.623). Normalmente ela se coloca à frente de palavras
(verbo, substantivo, adjetivo), podendo também reger uma sentença introduzida pelo
complementizador “que”, como ilustra o período: “A circular foi mandada para que todos se
manifestassem”. Além disso, junto a um acompanhante, a preposição forma um constituinte cuja
função é de adjunto.
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Ao conceder à preposição o papel de relacionar palavras, as definições de preposição
deixam implícita a noção de que só conjunção liga sentença, o que evidencia uma limitação
conceitual. Embora Ilari at. al. (op. cit.), afirmem que a preposição pode posicionar-se à frente de
uma sentença, os exemplos fornecidos revelam o emprego da preposição como adjunto da
sentença precedente; mas a estrutura formada com a preposição não constitui uma sentença, como
revela o exemplo: “Mas será que, na hora em que começa a entrar muito criação do próprio
homem, ele não vai anular isso sem querer?”. (ILARI, at. al., p.667) Ou seja, mantém-se a visão
de que preposições não ligam sentenças. Nesta situação, a forma querer é tomada como palavra,
por estar o verbo na forma nominal. De outro modo, sendo concedido ao infinitivo o estatuto de
forma verbal plena, vindo a caracterizar a estrutura oracional, essa visão pode ser contrariada, de
modo que a preposição passa a conjunção nas estruturas reduzidas.
Poggio (2002, p.221), ao tratar do processo de recategorização do sem, destaca os
seguintes empregos dessa preposição: em locução adverbial (sem dúvida), em locução conjuntiva
(sem embargo) e ainda em locução conjuntiva (sem que). Em se tratando da locução, ocorre não só
recategorização sintática como semântica – no primeiro coso, pelo fato de a preposição passar a
relacionar, além de vocábulos, orações; no segundo, por passar a assumir novos sentidos, a saber -
negação de consequência e condição. Em se tratando do sentido, Poggio (2002) ressalta que há um
desacordo entre os linguistas quanto à caracterização das preposições em palavras plenas ou
palavras vazias. Enquanto para Tesnière (1976), a preposição pertence ao grupo das palavras
vazias, ou seja, desprovidas de função semântica, sendo sua função “indicar, precisar ou
transformar a categoria de palavras plenas e reger as relações entre elas” (POGGIO, op. cit.,
p.102); para Borba, “a preposição é um elemento integrante do sistema da língua e constitui-se de
um conjunto de valores semânticos que se realizam de acordo com o contexto.” (1971, apud
POGGIO, op. cit., p.103).
3. O CONECTOR SEM: CLASSIFICAÇÃO SEMÂNTICA
A observação dos matizes semânticos expressos pela locução conjuntiva sem que ou a
estrutura formada pela preposição sem junto a verbo no infinitivo em algumas gramáticas revela
uma falta de homogeneidade quanto à classificação semântica desse conector. A multiplicidade
de relações de sentido confirma a não - fixidez de função dessas formas gramaticais, mas essa
multifuncionalidade só se torna perceptível desde que se confrontem as abordagens – um autor
indica um valor que não é apontado por outro –, de modo que o acúmulo de funções parece ser
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ignorado. O valor de condição prevalece, seguindo-se os de concessão, consequência, causa,
tempo e modo.
A oração modal não é bem recepcionada pelos gramáticos, sob a alegação de que a
Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não a legitima. Enéas Barros (1985, p. 220-221) traz
observações sobre os vários sentidos do sem que, em um tópico à parte “considerações sobre a
conjunção SEM QUE” – uma delas é a de que a locução tem valor de “tempo”, se equivalente a
“antes que”; e, quanto ao modo, afirma que “embora a Nomenclatura Gramatical Brasileira não
aceite tal classificação, pode a locução assumir valor modal”. Rocha Lima (2002) destaca que,
apesar de a circunstância de modo, tal como as de tempo e lugar, ser uma das circunstâncias mais
importantes, não há conjunção modal que a represente, sendo esta expressa apenas através de
oração reduzida de gerúndio. Nos termos do autor: “[...] Mas em português, assim como não
existem conjunções locativas, assim também não existem conjunções modais; de sorte que, no
plano do período composto por subordinação, a circunstância de modo somente aparece sob a
forma de oração REDUZIDA (de gerúndio)” (ROCHA LIMA, op. cit., p. 283). Cunha e Cintra
(2001) não fazem alusão ao assunto.
Bechara (1999) é quem oferece uma caracterização mais abrangente, esclarecendo
que, apesar de a locução SEM QUE ser normalmente enquadrada no conjunto das conjunções
condicionais, ela reúne diversos sentidos contextuais, a saber: condição, consequência esperada;
negação de consequência, negação de causa, caso em que chega quase a exprimir concessão e
modo. Vejamos o que o autor afirma sobre esse último sentido, embora alerte sobre o desprezo
da NGB quanto às orações modais: “denota simplesmente que tal ou qual circunstância não se
deu, aproximando-se da idéia de modo (subordinada modal): “Entrou em casa sem que tomasse
nenhum alimento”; “Retirou-se sem que chamasse seus colegas” (BECHARA, 1999, p. 506).
Em linhas gerais, o valor de modo é contemplado quando da abordagem das noções de
conformidade, conformação, comparação ou de concessão. A fluidez de significação, no que
respeita às três primeiras noções, reflete-se no enunciado quando se parafraseia a estrutura
formada pela locução conjuntiva SEM QUE (+ verbo no subjuntivo) ou a estrutura SEM (+ verbo
no infinitivo), usando os conectores como/como se, sendo o conector sem que também responsável
pela proximidade de conteúdo em relação à última noção – de concessão.
Comparemos dois exemplos fornecidos com a estrutura reduzida: “Saiu sem ser
percebido” e “Não sairá sem apresentar os exercícios”, para os quais o autor confere os valores
de modo e condição, respectivamente. Já que ambos apresentam o mesmo verbo (sair),
diferenciando-se apenas na flexão temporal, provavelmente é o fato de o verbo estar flexionado no
futuro que favorece a leitura condicional, além da forma negativa da oração principal, resultando
em: “Não sairá se não apresentar os exercícios”.
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Por outro lado, se compararmos a sentença “Saiu sem ter apresentado o trabalho.”
com a primeira sentença citada pelo autor (Retirou-se sem que chamasse os colegas), percebemos
que, embora os verbos apresentem o mesmo tempo verbal – passado, é possível atribuir a
interpretação concessiva, pois “chamar os colegas” poderia ser interpretado, em um contexto
específico, como condição para que alguém se retirasse, e não tendo sido atendida esta condição,
infere-se o valor de concessão. Portanto, modo e concessão são valores concorrentes para uma só
forma.
Silva (2007), após uma extensa exposição em que demonstra a aproximação entre as
orações modais e outros tipos de orações, propõe alguns critérios com o propósito de caracterizar
as adverbiais modais, dentre os quais: 1) comparação de orações modais com orações fronteiriças,
de forma a identificar traços distintivos; 2) contraposição de orações supostamente modais com
outros tipos de construção, como a estrutura coordenada.
Em relação ao primeiro critério, o autor analisa a possibilidade de alternância desta
locução por (Se não), traço identificador do valor condicional, ou (Embora não), identificador de
concessão, de modo que se as sentenças forem marcadas positivamente quanto a esse aspecto,
chega-se a indicação dos traços [- Se não] e [-restrição abandonada], para caracterizar a oração
modal. Logo, fica implícita a ideia de que, se a sentença não é condicional nem concessiva, é
modal.
Quanto ao segundo critério, de modo a elucidar a distinção entre uma modal (reduzida
de gerúndio) e uma coordenada, altera-se o primeiro modelo oracional com o auxílio do conector
aditivo e. Assim, dada a oração “Recebeu a jóia, entregando-a depois à esposa”, cuja estrutura
correspondente seria Recebeu a jóia [e entregou depois à esposa], como um fato ocorre após o
outro, considera-se um caso de coordenação. Por outro lado, se a situação retratada na oração
reduzida de gerúndio ocorrer simultaneamente ao fato descrito na principal, a oração se caracteriza
como modal, “já que a modal indica o modo como um acontecimento se deu e, por isso, representa
uma situação simultânea á apresentada na oração principal.” (SILVA, 2007, p. xxvii).
Finalizando esta seção, convém destacar que na proposta de classificação de Halliday,
(1985), no eixo que diz respeito ao papel semântico-funcional das orações, dá-se a divisão entre
relação de expansão e de projeção. As cláusulas adverbiais situam-se no primeiro tipo de relação,
sendo denominadas de cláusulas de realce, responsáveis por qualificar a oração nuclear,
manifestando relações circunstanciais relativas a tempo, modo, lugar causa ou condição. Para uma
melhor compreensão das orações em foco, passemos à análise das sentenças.
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4. DESENVOLVENDO A ANÁLISE
Conforme Vilela e Koch (2001, p. 246; 287), os seguintes mecanismos permitem o
reconhecimento da relação modal: 1. perguntas, por meio do advérbio interrogativo “como” ou da
locução “de que modo/forma”, cuja resposta pode igualmente ser preenchida por advérbio de
modo terminado em mente ou estrutura similares, formadas de “preposição + substantivo ou
adjetivo; 2. a substituição do conector em uso por outro de valor equivalente; e 3. a paráfrase com
estruturas de gerúndio. Assim, dados os excertos:
(1) “A Copa do Mundo, na doutrina de Dunga, é um calvário que é preciso escalar sem medir
prejuízos, físicos ou morais, para fincar lá no alto o pendão verde-amarelo.” (Artigo: Talibãs de chuteiras, Veja, 19/05/10);
(2) “Eu lhe respondo com uma pergunta: como você vai pensar em entrevistar um técnico da
seleção que deixa o campo sem sequer falar com seus jogadores derrotados? [...].” (Entrevista: A voz que vale 1milhão,Veja, 18/08/10)
As orações introduzidas pelo sem atendem ao primeiro critério, admitindo as
paráfrases:
(1’) “A Copa do Mundo, na doutrina de Dunga, é um calvário que é preciso escalar de forma
destemida/corajosamente, ou seja, ultrapassando prejuízos, físicos ou morais, para fincar lá no alto o pendão verde-amarelo.”
(2’) “[...] como você vai pensar em entrevistar um técnico da seleção que deixa o campo grosseiramente/ irritado com seus jogadores derrotados? [...].” ; ou
(2’’) “[...] como você vai pensar em entrevistar um técnico da seleção que deixa o campo
ignorando seus jogadores derrotados? [...].”
Nesses casos, há o interesse em qualificar um estado de coisas, no caso, a maneira de
atuar, de agir. Quanto à estratégia apresentada por Silva (2007), relativa à permuta da oração
supostamente modal com uma estrutura de coordenação, vejamos os fragmentos textuais e as
respectivas paráfrases:
(3) “[...] Dois fatos contraditórios marcaram na semana passada o reino da política brasiliense. No
momento em que políticos se engalfinhavam para saber quem ficaria com qual cargo no sistema elétrico, sem titubear eles propuseram a reforma política, a “mãe de todas as reformas”. Parece
que as duas coisas não vêm dos mesmos homens. Mas muitos dos que lutaram por seu quinhão na
administração pública federal também disseram ser os maiores entusiastas em prol das reformas da instituições públicas brasileiras”. (Artigo: Fim do balcão de cargos: base da reforma política,
Época, 14/02/11);
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(3’)“[...] eles propuseram a reforma política, a “mãe de todas as reformas” [e/mas não titubearam.
Parece que as duas coisas não vêm dos mesmos homens.
(4) “Marina - O PV é um dos canais para o movimento. Mas esse movimento é maior do que eu,
do que o PV. (...) Quando eu entrei no PV, estava havendo um movimento dentro do partido para que a sustentabilidade passasse a ser o eixo estratégico do partido e para estruturá-lo
adequadamente. Você não tem como fazer isso durante uma eleição. Agora esse processo tem de
estar em curso sem desconhecer o esforço feito pelos dirigentes históricos do partido. E sem a pretensão de que o partido seja um partido de massas. [...]” (Entrevista: Há um achado político
nestas eleições, Época, 11/10/2010)
(4’) [...] Agora esse processo tem de estar em curso [e/mas não (tem/deve) desconhecer o esforço
feito pelos dirigentes históricos do partido. E sem a pretensão de que o partido seja um partido
de massas].
(5) “Elisabete Miranda, uma brasileira do interior de São Paulo que chegou aos Estados Unidos sem falar uma palavra de inglês, aprendeu rápido e viu a chance.[...]” (Artigo: A mulher
vencedora, Isto É, 30/11/2011)
(5’) [...] uma brasileira do interior de São Paulo que chegou aos Estados Unidos [e/mas não falava uma palavra de inglês, aprendeu rápido e viu a chance].
Nesses exemplos, identificamos a relação modal, pois, como demonstra o teste, não há
uma sequencia de fatos, implicando ordenação temporal, de forma que o fato descrito na
coordenada assindética ocorra após o outro descrito na sindética; logo, não se trata de orações
coordenadas. Trata-se de subordinada adverbial modal, sendo marcadas com o traço
[+simultâneo]. Em (3), há a afirmação de que no momento em que foi feita uma proposta de
reforma política não houve qualquer evidência de vacilo; em (4), há a defesa de que o projeto seja
desenvolvido ao mesmo tempo em que não seja desconsiderado o esforço dos dirigentes do
partido; e em (5), do mesmo modo, há menção à ausência de uma competência (falar uma segunda
língua) de um indivíduo no momento em que chega em um país estrangeiro. consideremos outro
excerto:
(6) “A consciência do homem público brasileiro, hoje em dia, é algo que se satisfaz com pouco. É
como o camelo: basta lhe dar aquele tanto de água e o bicho atravessa um deserto inteiro, sem
reclamar de nada. No Brasil de 2011 é preciso cada vez menos para explicar que o erro não está errado. É só dizer: “Nada a ver”. (Artigo: Nada a ver, Veja, 29/09/11)
neste caso, tanto é possível substituir a oração por um advérbio como por um adjetivo, além da
evidência do traço [+simultaneidade]:
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(6’) [...] É como o camelo: basta lhe dar aquele tanto de água e o bicho atravessa um deserto
inteiro, tranquilamente/calado. No Brasil de 2011 é preciso cada vez menos para explicar
que o erro não está errado. É só dizer: “Nada a ver”.
(6’’) [...] o bicho atravessa um deserto inteiro [e/mas não reclama]. No Brasil de 2011 é preciso
cada vez menos para explicar que o erro não está errado. É só dizer: “Nada a ver”.
Para finalizar este tópico, devemos esclarecer que reconhecemos o valor de modo
como predominante, e nesse caso poderíamos dizer que são marcados quanto aos traços indicados
pelo autor [- se não] e [- retrição abandonada], que conduziria a interpretação de condição e de
concessão. Por outro lado, conforme se façam inferências de acordo com as circunstâncias da
situação comunicativa, pode ser feita outra leitura. O excerto (2), por exemplo, admitiria o valor
de concessão, resultando em: “[...] como você vai pensar em entrevistar um técnico da seleção que
deixa o campo apesar de não falar com seus jogadores derrotados?. Isso confirma o fato de um
único conector autorizar diferentes leituras, por ele não se o único responsável pela condução do
processo interpretativo.
5. CONCLUSÃO
Em linhas gerais, podemos afirmar que a abordagem da relação modal ainda não é
satisfatória, e isso porque, assim como outros matizes semânticos, um sentido pode se
interrelacionar com outros. No caso do modo existe a concorrência com as noções de
conformidade, conformação, comparação ou de concessão. A ligação com esse último valor pode
estar relacionada ao sentido da preposição sem, que indica ausência, negação, privação, daí
favorecer a ideia de contraste. Salientamos que tanto quanto a locução sem que esta preposição
ostenta uma diversidade de matizes semânticos, ainda que carregue vestígios do sentido original.
E, no que respeita ao estatuto sintático, essa preposição diante de infinitivo tem se especializado
como conjunção, o que não invalida a classificação paralela de preposição.
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O ENSINO DE GRAMÁTICA ATRAVÉS DA LEITURA DE TEXTOS
Francineide dos Anjos Teixeira19
Resumo:
O ensino da gramática é muito importante, mas precisa ser significativo para os estudantes, por isso este trabalho fará uma abordagem do ensino da gramática através da leitura com o objetivo de mostrar que a
aprendizagem da gramática pode ser adquirida pela leitura constante de textos diversificados sem precisar
ensinar regras isoladas e descontextualizadas. O aluno assimila as estruturas da língua e adquiri novo vocabulário pela leitura constante de textos e passa a empregá-lo na escrita e as utiliza também nas
inferências feitas em outras leituras, pois quando se lê é ativado o conhecimento prévio que se uni com o
novo conhecimento do texto escrito que levam a compreensão do material impresso mais rapidamente. Com isso ele aprende a utilizar as regras da língua sem decorá-las isoladamente, a leitura proporciona a
internalização de estruturas linguísticas complexas e até mesmo o registro da língua padrão, pois o input
visual permite a lembrança de palavras e frases, por isso é importante o contato dos alunos com a leitura de
textos diversos, quanto mais eles lerem mais palavras e estruturas linguísticas aprenderão. A metodologia utilizada foi de cunho qualitativo por se tratar de pesquisa bibliográfica desenvolvida na prática no contexto
escolar e também por ser socialmente relevante, priorizando a leitura para fixar palavras, expressões e
conteúdos gramaticais. Os resultados foram satisfatórios, pois os alunos realmente conseguiram assimilar e empregar na produção textual Memória Literária vários assuntos de gramática pelo contexto lido em outros
textos trabalhados nas oficinas. Portanto, as regras gramaticais são ensinadas através da leitura de textos
diversos e os alunos as assimilam sem decorar regras isoladas, tornando a aprendizagem mais interessante e significativa.
Palavras-chave: Gramática, Leitura, Escrita, Teoria e Prática.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho relatará a metodologia e práticas no ensino de gramática adquiridas com
a realização do projeto de produção textual na Escola Estadual Dom Gino Malvestio, onde se
trabalhou oficinas do gênero Memória Literária nas turmas de 8º ano. Com o objetivo de mostrar
que a aprendizagem da escrita também se adquire pela leitura constante de textos, por isso se
priorizou ensinar as características do gênero e as regras gramaticais através de leituras de outros
textos da mesma categoria de produção e condizentes com a realidade dos alunos. Para aprimorar
o conhecimento prévio e desenvolver o raciocínio e a habilidade escrita.
O projeto é desenvolvido na escola com a participação de estagiários do curso de
Letras que fazem parte de um Programa Institucional de bolsa de Iniciação a Docência (PIBID),
implantado na Universidade Estadual do Amazonas (UEA/ CESP) em parcerias com outros
19 Graduada em Licenciatura em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas, Centro de Estudos Superiores de
Parintins – CESP; pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade Integrada do Brasil - FAIBRA -
Professora de Língua Portuguesa e Literatura na escola Dom Gino Malvestio; Endereço eletrônico:
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órgãos, que visa incentivar a formação de professores para a educação básica e também melhorar a
qualidade de ensino nas escolas públicas.
Ao longo do trabalho será apresentada a metodologia utilizada, assim como os
resultados alcançados.
2 METODOLOGIA PARA ENSINAR GRAMÁTICA ATRAVÉS DA LEITURA DE
TEXTOS: LEITURA E ESCRITA
A metodologia utilizada possui cunho qualitativo por ter embasamento bibliográfico e
ser desenvolvida na prática no contexto escolar e também por ser socialmente relevante. Para isso
se utilizou a leitura dos textos finalistas em Olimpíadas de Língua Portuguesa anteriores na
categoria Memória Literária, estes foram à base para ensinar características do gênero e assuntos
gramaticais essenciais para construção do texto. Com o objetivo de fixar na memória do leitor
estruturas linguísticas para serem recapturadas e usadas nas produções textuais.
O contato com texto de outros alunos poderia incentivá-los a acreditar que se eles se
esforçassem em aprender sobre o gênero durante as oficinas, estes também poderiam escrever um
bom texto e teriam possibilidades de ser um dos finalistas. Mas também, porque a leitura e a
escrita estão correlacionadas e não podem ser trabalhadas de forma independente. Segundo
Alliende e Condemarín (2005, p. 13) “A grande maioria de leitores que lê mal apresenta má
ortografia”. A leitura estimula a produção de textos, ou seja, o aluno passa ter um melhor
desempenho na escrita e a produção de textos variados melhora a compreensão em leitura. Dessa
forma, correlacionaram-se as duas habilidades leitura e escrita.
[...] a produção de textos variados melhora a compreensão da leitura, a leitura
leva a um melhor desempenho na escrita [...] a escrita constitui uma excelente estratégia de construção de significados e de métodos de estudo graças a seu
componente motor, que facilita a lembrança e a recuperação da informação
guardada na memória (ALLIENDE; CONDEMARÍN, 2005, p. 16).
A leitura e a escrita praticadas juntas possibilita ao aluno desenvolver níveis de
pensamento mais altos do que quando cada uma dessas atividades é trabalhada separadamente. A
leitura faz com que os alunos evoluem também na escrita, pois ela amplia o vocabulário do leitor e
deve ser trabalhada constantemente nas aulas.
Uma das medidas para que esse grau de utilização efetiva da língua escrita possa
ser atingido é escrever e ler constantemente, inclusive nas próprias aulas de
português. Ler e escrever não são tarefas extras que possam ser sugeridas aos alunos como lição de casa e atitude de vida, mas atividades essenciais ao ensino
da língua. Portanto, seu lugar privilegiado, embora não exclusivo, é a própria sala
de aula (POSSENTI, 1996, p. 20).
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Durante as oficinas explicava-se o conteúdo e em seguida se utilizava textos para fixar
melhor as características do gênero, os alunos identificavam essas marcas durante a leitura. Fazia-
se a leitura com a turma do texto e em seguida se trabalhava a parte interpretativa para depois
identificar algumas características como verbos no passado, por exemplo. O objetivo era que os
alunos aprendessem mais pela leitura e pelo contato com o texto do que pela simples decoração de
regras.
Adquirindo um “vocabulário visual” extensivo de palavras imediatamente
identificáveis, as crianças são capazes de compreender, relembrar e utilizar as regras fonéticas e outras estratégias mediadas de identificação de palavras [...] o
modo fácil de aprender palavras não é trabalhar com palavras individuais, mas
com passagens significativas de textos [...] (SMITH, 1989, p. 178) [grifo do autor].
Por isso se priorizou a leitura para depois trabalhar a escrita, pois quanto mais os
alunos lessem mais palavras e frases ficariam fixadas em sua memória, sendo recordadas no
momento da construção do texto, eles aprenderiam as estruturas linguísticas e gramaticais sem
decorar uma variedade de regras isoladas.
A instauração do gosto pela leitura está intimamente ligada à aprendizagem de
estruturas da língua, criando, para o aluno e para o professor, a possibilidade de adquirir conhecimentos a respeito dessas estruturas sem a necessidade de lidar
com regras e nomenclaturas cuja memorização não garante o verdadeiro
aprendizado. Em outras palavras, é possível aprender a língua materna através da
leitura e da produção de textos (COELHO, 2009, p. 187).
A partir do conhecimento que se aprendem muitas regras e estrutura da língua pela
leitura, recorreu-se a essa metodologia para que os alunos pudessem assimilar as características do
gênero Memória Literária e a estrutura do texto pela leitura de outros textos. Segundo Smith
(1989, p. 236) “O aprender a ler não requer a memorização de nomes de letras, ou regras
fonéticas, ou um grande vocabulário; tudo vem no curso do aprendizado da leitura”.
2.1 Metodologia nas Oficinas de Produção Textual “Memória Literária”
Durante a realização das oficinas pude notar o interesse da maioria dos alunos em
conhecer e aprender o gênero Memória Literária. Um fator positivo para o bom resultado do
trabalho foi à forma como foram desenvolvidas as oficinas e o tempo dedicado exclusivamente
para essas atividades, foram incluídos alguns assuntos gramaticais dentro das oficinas e se
trabalhou com as regras dentro do texto como, por exemplo, os verbos no passado, pontuação na
construção do texto, pronomes possessivos, oblíquos, elementos de coesão e algumas figuras de
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linguagem. Dessa maneira as aulas não ficaram muito cansativas e os alunos puderam fixar bem as
características do gênero.
Os textos trabalhos nas oficinas foram: texto finalista em 2012: “Lembranças da minha
infância”, texto finalista em 2010 “A princesa dos campos”, textos finalistas em 2010: “Chão
varrido”, “Como nos velhos tempos” e “A velha arigó”.
Houve também oficina de preparação para entrevista: orientações e roteiro e a partir da
entrevista a “produção do texto Memória Literária”. Após a correção os alunos reescreveram o
texto seguindo as orientações. Após cada oficina os alunos faziam atividades de interpretação
textual para depois reconhecer nos textos os elementos gramaticais estudados.
Ensinar gramática é instrumentalizar o aluno a fazer aportes conscientes e
significativos aos textos, mas, reiteremos: isso é atividade meio e não fim [...] o
ideal da educação básica é levar o aluno a expressar-se com proficiência,
oralmente e por escrito na língua pátria. Para tanto, desenvolver a habilidade da
leitura é fundamental (TELLES, 2010, p. 52-3).
A leitura proporciona a internalização de estruturas linguísticas complexas e até
mesmo o registro da língua padrão, pois o input visual permite a lembrança de palavras e frases.
Segundo Ellis (1995, p 32) “Ele é uma espécie de depósito mental de palavras, que contém
representações das formas escritas de todas as palavras familiares”. Por isso é importante o contato
dos alunos com a leitura de textos diversos, quanto mais eles lerem, mais palavras e estruturas
linguísticas aprenderão.
Se o conhecimento do vocabulário facilita a leitura, é interessante então que o
inventário léxico possa ser continuamente incrementado, que se possam
incorporar novas palavras àquelas já conhecidas e novas acepções a termos já
conhecidos, e que o número de termos incompreendidos possa se reduzir
progressivamente. É justamente através do contato com novos itens que podemos
aumentar o repertório do léxico (LIBERATO; FULGÊNCIO, 2007, p. 121).
O aluno chega à compreensão quando faz uso das informações anteriores que possui e
constrói outros significados durante a leitura. A leitura de mundo é todo conhecimento adquirido
pelo leitor durante toda a sua vida, compreende seus conhecimentos linguísticos e sobre os
diversos assuntos, toda informação é válida e pode ajudar a construir o significado no momento da
leitura e pode também ajudar na escrita no momento da produção textual, esse recurso é chamado
de informação não visual ou conhecimento prévio.
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O conhecimento prévio é todo conhecimento que se possui na memória e é trazido
para o ato de ler, chama-se também memória a longo prazo, juntando o conhecimento prévio com
a informação do texto escrito, é possível montar com mais facilidade o significado deste.
Todo esse conhecimento está, de alguma forma, armazenado em nossa memória,
juntamente com o conhecimento da linguagem – em uma parte que os psicólogos
chamam de memória a longo prazo – e é utilizado no processo da leitura,
permitindo dar sentido àquilo que a visão capta (idem, p. 14) [grifo do autor].
O conhecimento prévio permite ao leitor chegar à compreensão do texto mais
rapidamente, toda informação adquirida ao longo de sua vida ou na escola através das várias
leituras contribuem para compreensão e facilidade na escrita.
Logo, os enunciados – ajustados a situações comunicativas diversas -, com seus
componentes pragmático, semântico e gramatical, são aprendidos naturalmente,
pois nossas relações sociais são construídas igualmente de forma livre e (quase)
assistemática (WACHOWICZ, 2012, p. 24-25).
Para esta autora a criança adquire a linguagem pelas diferentes situações
comunicativas, assimilando as estruturas linguísticas pelo contexto de fala com as pessoas com
quem convive. Sendo assim, a escola serve como aprimoramento dessas habilidades que o falante
da língua já possui, ou seja, o conhecimento prévio que este tem da língua se juntará com as
informações necessárias para acesso ao mundo letrado.
2.1.1 Projeto de Produção Textual “PIBID na escola”
Outro fator importante que não se pode deixar de destacar foi à participação dos
estagiários do PIBID (Programa Institucional de bolsa de Iniciação a Docência), principalmente na
pesquisa e elaboração das oficinas, que foram aplicadas em conjunto.
As oficinas foram planejadas com antecedência e foi feito tudo com calma, sempre
revisando as aulas, escolhendo os textos em conjunto. Não se optou em fazer várias produções
durante as oficinas, porque os alunos precisavam estar preparados para escrever um bom texto.
Então foi ensinado passo a passo através das oficinas a construção do gênero para ao final se obter
textos de qualidade.
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3 RESULTADOS
Os resultados da produção textual foram muito bons, pois dos alunos que produziram
o texto apenas quatro não escreveram um texto com as características de Memória Literária. Então
ficou evidente que a maioria compreendeu o gênero e se esforçou para escrever um bom texto,
pude observar durante a leitura e correção dos textos o resultado do que foi ensinado, os alunos
empregavam verbos e expressões do passado, pronomes pessoais, elementos de coesão, figuras de
linguagem como comparação, havia sentimentos nas histórias narradas, modos de vida, costumes,
brincadeiras, palavras antigas e detalhes da cidade, pois eles tinham que contar a história do
entrevistado e ao mesmo tempo relacionar com o lugar onde este viveu.
Mesmo os textos que tiveram alguns erros ortográficos e algumas falhas como ideias
desorganizadas, traziam na sua essência as características das Memórias Literárias. Observei
também que a maioria dos alunos evoluiu na escrita e escreveram textos coerentes e bem
estruturados com riquezas de detalhes, alguns emocionantes, pois as histórias contadas eram reais
recolhidas através de entrevista e narradas em primeira pessoa como se fosse do aluno, por ser um
dos pontos marcantes das Memórias Literárias, narração em primeira pessoa.
Em textos de caráter mais literário, é possível observarmos diferentes
possibilidades para a presença do narrador. Em dadas circunstâncias, o uso dos
verbos na primeira pessoa (eu, nós) cria situações de aparente subjetividade,
redundando na participação do narrador na condição de personagem (SENA,
2008, p. 207).
Outro fator importante já citado na metodologia utilizada e que contribuiu para o bom
resultado foi à aprendizagem do gênero através da leitura de outros textos, pois os alunos usaram
na escrita do texto muitas das palavras e expressões que leram em textos anteriores, como verbos
no passado e conectivos de coesão.
Emprego de expressões que leram em outros textos:
“Recordo-me dos velhos tempos quando tudo era muito simples e calmo...” (Daniele
de Souza).
“Naquela época, Barreirinha tinha poucas ruas, muito mato e caminhos que não
sabíamos onde levavam.” (Laís Trindade).
Emprego dos conectivos de coesão:
“Além disso, nossa alimentação não era tão boa ...” (Daniela Mascarenhas).
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“Viemos para a cidade, aqui encontramos algumas dificuldades, mas depois nos
acostumamos...” (Débora Ferreira).
Verbos no passado:
“encantador lugar onde vivi” (Daniele de Souza).
“Meu pai fazia de tudo, trabalhava na roça, caçava, pescava...” (Laís Trindade).
A leitura fez com que eles evoluíssem na escrita através da ampliação do vocabulário.
Na medida em que os alunos leem diferentes escritos, em contextos reais de uso,
compreendem sua função social. Além, disso, é por meio da leitura que
“internalizam, além do registro padrão da língua, estruturas linguísticas mais
complexas” (VILLARDI apud COELHO, 2009, p. 13) [grifo do autor].
Os textos trabalhados em sala de aula foram selecionados levando em consideração
aqueles que mais se pareciam com a realidade dos alunos para estes se interessarem pela leitura e
se identificarem com a história narrada. Esse foi um dos pontos positivos das oficinas, por isso se
alcançou bons resultados. Outro fator relevante foi à metodologia utilizada nas aulas, primeiro à
leitura e discussão do texto e depois cobrava-se o assunto ensinado. Os alunos participavam das
aulas e comentavam o texto.
[...] os projetos de produção-interpretação. O trabalho por projetos permite,
realmente, que todos os integrantes da classe – e não só o professor – orientem
suas ações para o cumprimento de uma finalidade compartilhada [...] a
organização por projetos permite resolver outras dificuldades: favorece o
desenvolvimento de estratégias de autocontrole da leitura e da escrita por parte
dos alunos e abre as portas da classe para uma nova relação entre o tempo e o
saber (LERNER, 2002, p. 22).
As oficinas de produção textual proporcionou aos alunos conhecimentos que levarão
para séries posteriores, pois sempre se lembrarão do gênero Memória Literária e de suas
características, devido o tempo que tiveram contato com os textos. Além disso, aprenderam
bastante com a reescrita, observando seus erros e corrigindo-os.
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CONCLUSÃO
Este trabalho relatou a metodologia e práticas no ensino de gramática adquiridas
através do projeto produção textual, fazendo uma conexão entre leitura e escrita e ao mesmo
tempo apresentou os resultados das oficinas realizadas com os alunos do 8º ano nas aulas de
Língua Portuguesa que sem dúvida foi um aprendizado imprescindível que estes levarão para o
resto de sua vida escolar.
Ao analisar os textos produzidos, observou-se o bom resultado das oficinas, pois a
maioria dos alunos escreveram textos com as características do gênero ensinado nas aulas,
empregando os assuntos gramaticais corretamente dentro do texto, mesmo os alunos que
apresentaram alguns erros de ortografia e ideias confusas conseguiram empregar na essência do
texto as palavras e expressões adquiridas nas aulas. Portanto, este fator comprova que a
metodologia utilizada de aprender a gramática e estruturas linguísticas pela leitura de outros textos
foi eficaz e poderá ser repetida em outras oficinas de produção com outros gêneros textuais e
tipologias.
Referências Bibliográfica
ALLIENDE, Felipe; CONDEMARÍN, Mabel. A leitura: Teoria, avaliação e desenvolvimento.
8a. Ed. Tradução de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2005.
CLARA, Regina Andrade; ALTENFELDER, Anna Helena; ALMEIDA Neide. Se bem me
lembro...: Caderno do professor: orientação para produção de textos. 4ª ed. São Paulo:
Cenpec, 2014.
COELHO, Lígia Martha (org). Língua materna nas séries iniciais do Ensino Fundamental: de
concepções e de suas práticas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
ELLIS, Andrew W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2a. ed. Tradução de
Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário / tradução Ernani
Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002.
LIBERATO, Iara; FULGÊNCIO, Lúcia. É possível facilitar a leitura: um guia para escrever
claro. São Paulo: Contexto, 2007.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP. Mercado das
letras, 1996.
SENA, Odenildo. A engenharia do texto: um caminho rumo à prática da boa redação. 3 ed.
rev. Manaus: Valer, 2008.
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SMITH, Frank. Compreendendo a Leitura: Uma análise psicolingüística da leitura e do
aprender a ler. Tradução: Daise batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
TELLES, Tenório. Leitura – Conceito, prática e literatura. –Manaus: Editora valer, 2010.
WACHOWICZ, Teresa Cristina. Análise linguística nos gêneros textuais. São Paulo: Saraiva,
2012.
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O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUMAS ESTRATÉGIAS
Maria Celeste de Souza Cardoso(CESP/UEA)
Resumo:
Ensinar Língua Portuguesa não é tarefa fácil. Cada vez mais se torna difícil enfrentar os ditames
da língua em sala de aula. Hora é o professor que se atrapalha, hora é o aluno que não sabe como
se dirigir: português da escola ou o falado em casa? Esta dicotomia dificulta o aprendizado dos
alunos, os quais nem sempre conseguem compreender o fato de que a língua falada por eles não é
aceita facilmente dentro da escola. Geralmente aulas descontextualizadas, baseadas na gramática
tradicional, são comuns nas escolas públicas, das quais fazem parte exercícios classificatórios,
partindo ou não de textos. E como fica o ensino de Língua Portuguesa na escola? Em casa os pais
não falam português? E as crianças? Nesta confusão, professores e estudantes ficam sem saber o
que fazer. Apesar de que a maioria dos professores fez graduação, na prática a questão é outra.
Nem sempre o que foi ensinado na universidade condiz com a realidade de sala de aula. Partindo
dessas reflexões, este trabalho procura apresentar algumas estratégicas essenciais para facilitar o
ensino de língua portuguesa para os alunos do Ensino Fundamental. Autores como Freire (1996),
Silva (2005), PCN (1997) e outros, embasam teoricamente este trabalho. Como metodologia
principal, partiu-se de observações feitas em salas de aula de professores de língua portuguesa do
Ensino Fundamental, de experiências da própria pesquisadora e de acompanhamento de estágio
com professores em formação. Tendo como base o questionamento: Como o Português é ensinado
nas escolas? buscou-se compreender e refletir a respeito da questão e mostrar algumas estratégias
envolvendo oficinas, miniprojetos, jogos e brincadeiras que podem fazer parte do dia a dia de
ensino do português para melhor desenvolvimento de atividades de leitura, gramática e produção
textual.
Palavras-chave. Ensino. Língua Portuguesa. Estratégias.
INTRODUÇÃO
Ensinar Língua Portuguesa não é tarefa fácil. Cada vez mais se torna difícil enfrentar
os ditames da língua em sala de aula. Hora é o professor que se atrapalha, hora é o aluno que não
sabe como se dirigir: português da escola ou o falado em casa? Esta dicotomia dificulta o
aprendizado dos alunos, os quais nem sempre conseguem compreender o fato de que a língua
falada por eles não é aceita facilmente dentro da escola. Geralmente aulas descontextualizadas,
baseadas na gramática tradicional, são comuns nas escolas públicas, das quais fazem parte
exercícios classificatórios, partindo ou não de textos. Também, às vezes, na exposição e
apresentação de conteúdos não há uma sequência que pareça lógica ao aluno, impedindo-o de
estabelecer ligações entre o que aprende na escola e o que vive fora dela.
Se ensinar não é apenas transmitir conhecimentos ou conteúdos. Por que, na maioria
das escolas públicas brasileiras, o ensino da língua portuguesa ainda é tradicional? Muitos
professores preocupam-se apenas em ensinar gramática, ou (pior) tentam ensinar português para
quem já fala português.
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A criança vai para a escola falando português e sai de lá confuso, muitas vezes, sem
saber exatamente o porquê de tanta confusão com a língua que aprendeu a falar. Se, em casa, a
criança fala de um jeito, por que na escola seria diferente? A confusão demonstra que o falar da
criança não está sendo respeitado. Então, a escola cairá no que Marcos Bagno chama de
preconceito linguístico, o qual, na maioria das vezes, passa despercebido. Tanto a criança, quanto
a família e a escola acreditam ser natural essa “correção” da fala do estudante. A falta de respeito
pelo falar da criança em sala de aula já se tornou tão natural, que esta quando chega em casa
corrige os familiares, diz que eles falam “errado”, perpetuando, assim, o preconceito disseminado
na escola.
E como fica o ensino de Língua Portuguesa na escola? Em casa os pais não falam
português? E as crianças? Nesta confusão, professores e estudantes ficam sem saber o que fazer.
Apesar de que a maioria dos professores fez graduação, na prática a questão é outra. Nem sempre
o que foi ensinado na universidade condiz com a realidade de sala de aula. É por isso que há
necessidade de organizar o estágio para que os futuros professores possam chegar a um consenso
entre teoria e prática. É também preciso que escola e família entrem em acordo quanto à questão
do ensino-aprendizagem das crianças. A família precisa fazer-se presente não somente nas
reuniões para receber notas, mas também para tomar decisões pertinentes ao estudo de seus filhos.
Enquanto os pais ou responsáveis ficarem afastados da escola não haverá melhoria. A escola por si
só não conseguirá oferecer educação de qualidade se a família não estiver presente nas atividades
que requer a presença e intervenção dos familiares.
É neste sentido, que este artigo parte de algumas reflexões feitas durante a prática
pedagógica em escolas públicas e alguns cursos de atualização, além da participação como
professora de estágio na universidade.
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM NOSSAS ESCOLAS
Não se pode desvincular o ensino de Língua Portuguesa das atividades do dia-a-dia
que fazem parte da realidade do aluno. No entanto, uma questão ainda é frequente e muito
discutida no meio educacional: Como o Português é ensinado nas escolas? Esta questão nos leva a
refletir sobre a prática de milhares de professores pelo Brasil a fora. O português da escola é o
mesmo de fora dela? Na verdade, sabe-se que a língua que se ensina na escola é diferente e
distante do português que se usa no dia-a-dia. Geralmente, o que se ensina na escola é um
conjunto de conhecimentos sobre as coisas ou um modo de se relacionar com eles. No ensino de
Português, o que se ensina, ou deveria ensinar, é o produto de uma visão, entre outras coisas, do
fenômeno da língua e do papel de seu ensino numa determinada sociedade. Quando se ensina
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português, se ensina, fundamentalmente, a disciplina gramatical. Embora em sala de aula a
interlocução se desenvolva em torno de uma coleção heterogênea de saberes (leitura, escrita,
linguagem oral, vocabulário, etc.), o que se ensina realmente são os aspectos gramaticais, sem
levar em conta os saberes trazidos pelos alunos e aqueles pertencentes ao ambiente escolar.
A língua não existe por si só, mas para seus falantes e em virtude do uso que eles
fazem dela. A língua é uma forma de conhecimento e um meio de construir, estabelecer, manter e
modificar relações com os outros. É com a língua que o sujeito aprende a conhecer o mundo, a
entender a realidade no que ela tem de significativo para as relações com as outras pessoas. Então,
como é que a escola pode pensar em um ensino da Língua Portuguesa afastado da realidade do
aluno? Um ensino sem conhecimento significativo para aqueles que já são falantes dessa língua,
mas estão ali para aprender mais, para serem capazes de utilizar a língua de modo variado, para
produzirem diferentes efeitos de sentido e se adequarem a diferentes situações de interlocução oral
e escrita.
Silva (2005) coloca a questão da escola brasileira de uma forma bem crítica, quando
diz que pseudodemocratizada, no que diz respeito à língua materna, a escola persegue, no geral, a
tradição normativo-prescritiva. Isto traz consequências óbvias, pois existem na escola, muitas e
variadas falas, muitas e variadas normas, e esta, ainda persegue um modelo normativo tradicional.
A maioria das pessoas cala e muitos deixam a escola para lutar pela sobrevivência, continuando,
assim, subalternos a uma situação que se perpetua de geração a geração.
Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. Nenhuma
língua se apresenta como uma entidade homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é
representada por um conjunto de variedades. Língua e variação são inseparáveis: a
Sociolinguística encara a diversidade linguística não como um problema, mas como uma
qualidade constitutiva do fenômeno linguístico. De acordo com Sena (2001, p. 42)
A aplicação da Lingüística ao ensino precisa estabelecer parâmetros linguísticos que se coadunem com os objetivos desse ensino. (...) não existem modelos teóricos que possam,
isoladamente, ser aplicados ao ensino da língua materna. Não existe, por outro lado, um
modelo integrado que reúna todas as características que se voltem para o objetivo maior
do ensino da língua: capacitar os falantes a usar a língua de modo eficaz e adequado.
Este autor reforça ainda que a necessidade de novas pesquisas voltadas para a
produção de técnicas adequadas a um melhor trato no ensino da língua e a transferência dessas
habilidades leva a crer que a aplicação da linguística nesse campo deve pressupor, acima de tudo,
uma ação contínua e uma estreita colaboração entre o linguista e o professor. Dessa forma, o
ensino de língua materna poderá ser visualizado como uma maneira de combater preconceitos que
estão enraizados na escola e que afetam tanto a vida do aluno como a do professor e que vão desde
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o uso de metodologias quanto à questão de competências e habilidades que o aluno deve adquirir
no decorrer de sua vida escolar.
Silva (2008) reforça a percepção de que a língua materna não se “ensina”, ela se
adquire naturalmente no processo de aquisição na primeira infância, tanto que, no caso do
português no Brasil, muitos sabem o português sem nunca terem tido a possibilidade de irem à
escola. Assim, o que se ensina na escola é a aquisição do uso escrito, tanto no processo de
produção da escrita quanto de sua recepção na leitura.
Atualmente, a questão mais fundamental do ensino de português é o que ensinar
português para pessoas que já sabem falar o português. Ensinar português para falantes nativos
como se fossem estrangeiros é realmente um absurdo. Se o aluno já sabe português, então o que o
professor vai ensinar?
O objetivo mais geral do ensino de português para todas as séries da escola é mostrar
como funciona a linguagem humana e, de modo particular, o português; quais os usos
que têm, e como os alunos devem fazer para estenderem ao máximo, ou abrangendo
metas específicas, esses usos nas suas modalidades escrita e oral, em diferentes
situações de vida. Em outras palavras, o professor de português deve ensinar aos alunos
o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o
comportamento da sociedade e dos indivíduos com relação aos usos linguísticos, nas
mais variadas situações de suas vidas. (CAGLIARI, 2001, p.28)
A língua portuguesa, como qualquer língua, tem o certo e o errado somente em relação
à sua estrutura. Com relação a seu uso pelas comunidades falantes, não existe o certo e o errado
linguisticamente, mas o diferente. O português, como qualquer língua, é um fenômeno dinâmico,
não estático, isto é, evolui com o passar do tempo, modifica-se de acordo com as mudanças
ocorridas nos grupos sociais. É por isso, que as escolas não podem e não devem optar somente
pela variação padrão da língua materna. A criança e o jovem estudante precisam conhecer as
outras formas de variação da língua para lançarem mão quando necessitarem. É o que se chama,
nas palavras de Magda Soares, fazer uso da língua quando for preciso.
O ideal do ensino de língua portuguesa seria mostrar que através deste todos os alunos
que ingressam em uma escola, pública ou privada, em qualquer lugar do Brasil, obtivessem o
mesmo grau de domínio da norma culta e de outras variantes para que todos saíssem da escola em
condições de igualdade e tendo que depender apenas de seu esforço para realizar as suas
aspirações. Porém, sabe-se que na prática do ensino de Língua Portuguesa isso não acontece e
ainda está muito distante da realidade da maioria das escolas do país, porque o ensino no Brasil
continua funcionando como um instrumento de dominação, de forma que ainda é possível falar em
escolas de ricos, escolas de periferia, escolas do interior, etc., sem estar se referindo a espaço
físico e localização espacial, mas, principalmente, às diferenças estruturais que as moldam. No
entanto, a própria escola pode mudar essa situação, apesar de ainda existir essa atitude
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preconceituosa em relação ao ensino de Língua Portuguesa, há propostas de transformação para o
ensino dessa disciplina, consolidando as práticas em que tanto o ponto de partida quanto o ponto
de chegada é o uso da linguagem. “... hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir
do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades linguísticas,
particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita”. (PCN, 1997, p.18)
Perini (2010) enfatiza que a língua que falamos (professores, operários, mecânicos,
médicos, etc.) é bastante diferente da língua escrita. No dia a dia, as pessoas não se preocupam em
falar de acordo com a norma culta da língua, somente pensam na comunicação, em fazer-se
entender como falante. Mas é claro que as duas variantes existem e têm relevância na sociedade
vigente. Assim, a gramática é necessária em sala de aula, mas estudar a língua como ela é (falada)
também é essencial.
Os PCN (1997) consideram que o ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa na
escola é resultado da articulação de três variáveis: o aluno, a língua e o ensino. O aluno como
sujeito da ação de aprendizagem; a língua como objeto de conhecimento, tal como se fala e
escreve dentro e fora da escola; e o ensino como prática educacional mediadora entre o sujeito e o
objeto. Entretanto, esse processo só acontece quando o professor age como mediador, ao planejar,
implementar e dirigir atividades concretas que desenvolvam, apoiem e orientem o aluno no
decorrer dessa caminhada.
O professor do Ensino Fundamental precisa, antes de tudo, “conhecer as estruturas da
língua e amparar-se no referencial que o aluno carrega. Isso transforma a ação pedagógica, ajuda
na construção de caracteres humanos, valoriza o homem e consequentemente torna menos
fricativa a convivência em sociedade”. (ROSA, 2006, p.41)
O ensino de Língua Portuguesa no nível fundamental deveria estar pautado no ato de
falar, ler, escrever, de acordo com os pressupostos dos PCNs. Entretanto, a maioria dos
professores do Ensino Fundamental não conhece esses pressupostos, outros conhecem, mas não os
põem em prática e ainda há os que acreditam não ser necessário mudar em relação às suas aulas.
Continuam a perpetuar um sistema de ensino caótico e desconexo.
Bechara (2008) enfatiza a questão de que a escola não pode ficar no dogmatismo de
uma gramática intransigente nem tampouco no populismo onde tudo se aceita. É preciso que haja
uma integração dessas duas atitudes em benefício não só da educação linguística do aluno, mas
também da sua adequada preparação para as ocasiões em que ele precise utilizar a língua em
diversas situações sociais.
Neste sentido, é preciso acabar com a mania de jogar pedras na gramática tradicional,
pois se esta tem defeitos é porque as pesquisas não avançaram o suficiente. Então, há necessidade
de integração entre professores, acadêmicos e estudiosos para que as pesquisas avancem e a língua
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portuguesa possa ser colocada em seu devido lugar: a escola. Mas de uma forma inteiramente
nova e arrojada, que possa oferecer aos jovens e crianças o conhecimento necessário para suas
vidas práticas. Também não se pode acusar os professores da rede pública de incompetência. É
preciso, nas palavras de Antunes (2003), reconhecer a falta de políticas públicas de valorização do
trabalho do professor, reduzido, quase sempre à tarefa de dar aula, sem tempo para ler, pesquisar e
estudar. Outros fatores contribuem para o insucesso escolar, os quais vão desde questões salariais
até evasão escolar. Porém, a maior preocupação que a escola deveria ter é com os alunos, com o
desenvolvimento destes no processo ensino-aprendizagem. Porque, na maioria das vezes, o aluno
se sente frustrado quando não consegue estudar e ter um bom desempenho em outras disciplinas,
geralmente por não saber ler e escrever com competência. Então, a consequência disso tudo é o
aluno evadir-se da escola e ficar à margem da sociedade.
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUMAS ESTRATÉGIAS
Nos dias atuais, muita coisa já mudou, ações instituídas pelo governo têm reforçado as
escolas de uma forma mais eficiente que no passado. Porém, somente essas ações não adiantam,
há necessidade de medidas mais eficientes que contemplem professores, alunos e escola como um
todo. Apesar de que já existe uma luz forte no fim do túnel, com cursos de formação para
professores, discussões a respeito do assunto e exames nacionais que avaliam o desempenho dos
alunos e, consequentemente, da escola; todavia, torna-se a enfatizar que essas ações não são
suficientes. É preciso muito mais. É preciso olhar cada região com suas peculiaridades, cada
estado com suas diferenças e cada município com suas necessidades.
A escola é o lugar onde as transformações precisam acontecer. As Secretarias de
Educação imbuídas de um novo saber teórico enfatizam mudanças em relação à prática do
professor, aos currículos e planos de cursos. Resta, então, à escola juntamente com toda a
comunidade escolar estudar a melhor maneira para oferecer um ensino de qualidade a seus alunos,
pois não se pode mais reclamar de falta de recursos nem de cursos de formação.
Não existe um “ensino perfeito” de qualquer disciplina. Sobretudo a Língua
Portuguesa, por ter uma natureza muito teórica, apresenta uma série de dificuldades adicionais.
Tentando diminuir essas dificuldades, estudiosos do assunto apresentam possibilidades diferentes
para tornar o ensino do português mais prático e agradável e, até mesmo, dinâmico e lúdico. Mas,
para isso ocorrer, faz-se necessária a pesquisa do melhor paradigma pedagógico para se ministrar
aulas de Língua Portuguesa. Resultados de algumas pesquisas mostram que o melhor seria a
junção de partes de cada paradigma já existente: tradicional, escola novista, tecnicista, crítico-
reprodutivo e progressista. No entanto, uma forma atual de ministrar aulas dessa disciplina, seria o
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uso de jogos, brincadeiras, dinâmicas, oficinas, miniprojetos e relatos de experiência como
metodologias dinâmicas e criativas.
É claro que, ao propor uma aula dinâmica em forma de jogos, o professor de língua
portuguesa deve pensar no perfil que deverá ter. Em alguns jogos o professor deverá ocupar a
função de mediador. Ele deve ser um professor-animador, buscando o acerto nos alunos,
oferecendo dicas, estimulando o aluno tímido a responder e moderar os mais extrovertidos,
tentando assim um nivelamento da turma. Em outros, poderá apenas orientar, fixar regras e
conduzir os alunos em direção ao objetivo proposto.
As novas metodologias estão dispostas no mercado de trabalho. O professor deve
escolher as ferramentas mais adequadas para tornar as aulas interessantes ao aluno. Sem deixar de
lado o que realmente interessa: a leitura e a escrita, elementos essenciais para uma boa
aprendizagem, seja nas aulas de língua portuguesa seja nas demais disciplinas. É importante um
ensino significativo, que chame a atenção do aluno para os conteúdos desenvolvidos em sala de
aula. Uma aprendizagem significativa tem um atrativo maior sobre o aluno, porque tudo que está à
volta dele é fonte de algum significado. Por isso, não se pode desvincular o ensino de Língua
Portuguesa das atividades do dia a dia dos milhares de alunos que lotam as escolas públicas.
Os professores de Língua Portuguesa são os mais cobrados no processo educativo. Se
os alunos não sabem ler nem escrever direito, a culpa é do professor de língua, os de outras
disciplinas se eximem dessa culpa e cobram uma posição do responsável por essa disciplina.
Quando deveriam, de forma coletiva, chegar a um consenso e tentar resolver os problemas de
outra forma. As disciplinas são divididas somente de forma didática, mas os professores podem e
devem juntar os saberes comuns e organizá-los em atividades que possam ser desenvolvidas com
os alunos de uma forma que aproxime as diversas disciplinas do currículo. É evidente que essa
forma de trabalho facilita a vida escolar dos alunos. Mas, a maioria dos docentes acredita ser
trabalhosa essa forma de organizar os conteúdos e acaba deixando-a de lado. É por isso que não se
pode pensar em trabalhar a interdisciplinaridade sem um bom planejamento coletivo. Um trabalho
comum a todos que envolva a equipe escolar e interligue todos os saberes necessários ao
desenvolvimento dos educandos. É neste sentido, que se faz necessário organizar o planejamento
da escola, o plano de curso e o plano de aula.
É relevante que o professor de português tenha consciência das aptidões e limitações
de seus alunos. Mas isso não é motivo suficiente para que as aulas de língua portuguesa continuem
na mesmice de atividades voltadas para o ensino de regras gramaticais. Como já se sabe, os PCNs
mostram variadas atividades que podem ser o ponto de partida para um ensino voltado para a
autonomia dos alunos. Um ensino centrado na leitura, compreensão e escrita. Quando o professor
compreender realmente a importância da leitura e da escrita na vida dos alunos das séries iniciais
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do ensino fundamental até o ensino médio; então, talvez, alguma coisa mude no atual panorama
educacional. Ao optar por determinados métodos e técnicas, o professor precisa escolher aqueles
que estejam de acordo com o conteúdo a ser desenvolvido; porém, que possam também chamar a
atenção do aluno. São muitas coisas que concorrem nos dias atuais com a escola e a tecnologia é
uma delas. Como fazer com que o aluno preste atenção em um determinado conteúdo, se a internet
chama mais atenção? Se os jogos eletrônicos são mais divertidos? Se a televisão tem filmes,
desenhos e novelas melhores que as aulas? Ensinar usando metodologias ultrapassadas não irá
fazer com que os alunos melhorem a leitura e a escrita, essenciais ao desenvolvimento cognitivo
desses alunos.
Como professora de Língua Portuguesa que trabalha há mais de 20 anos em sala de
aula com alunos do Ensino Fundamental e Médio, pode-se ressaltar a experiência de utilizar
algumas metodologias envolvendo o uso de jogos, brincadeiras, dinâmicas, oficinas e projetos, os
quais contribuíram para melhorar o ensino da disciplina com esses educandos em escolas
consideradas “de periferia”. Metodologias essas que foram importantes tanto para o ensino da
gramática quanto para o incentivo da leitura e escrita. O principal foi realmente elaborar pequenos
projetos para desenvolver o conteúdo da disciplina e englobar o incentivo pela leitura de obras
clássicas, as quais muitas vezes os estudantes não conseguem ler nem compreender. Além disso,
jogos, brincadeiras e dinâmicas que envolvem os conteúdos gramaticais foram essenciais para
chamar a atenção dos alunos para determinados assuntos considerados “enfadonhos”, assim como
também encenação de poesias e de obras literárias contribuíram para que os alunos se integrassem
e apreciassem um pouco mais a disciplina. A leitura dramatizada é uma boa maneira de fazer com
que os alunos apreciem poemas e textos literários e, o mais importante, passem a compreendê-los
de forma eficiente.
O espaço é pequeno para demonstração de algumas estratégias que possam amenizar a
problemática do ensino de Língua Portuguesa em nossas escolas, no entanto, é importante frisar
que o professor em sala de aula tem autonomia suficiente para buscar as melhores formas de
incentivar seus alunos à leitura, compreensão e interpretação de textos, assim como mediar a
integração de conteúdos gramaticais das aulas de português com outros conteúdos considerados
essenciais para o desenvolvimento intelectual de seus alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Freire (1996) afirma que o ensino não pode estar separado da pesquisa, assim como não
deve existir ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino. O professor deve pesquisar para
conhecer o que ainda não sabe, mas também precisa anunciar o resultado de sua pesquisa. O
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professor de Língua Portuguesa precisa estar inserido nesse panorama de pesquisa, incitar a
curiosidade de seus alunos, não importa o método nem as estratégias escolhidas. O importante é o
conhecimento adquirido como resultado da pesquisa feita pelos alunos. É claro que o professor
precisa, antes de tudo, conhecer seus alunos, diagnosticar para ter um bom resultado, procurar a
melhor maneira para desenvolver as atividades em suas aulas.
Estratégias que incentivem a leitura, a produção textual e o conteúdo gramatical são
importantes para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem dos alunos do Ensino
Fundamental e até mesmo do Ensino Médio. É importante ensinar o aluno a aprender, a pesquisar,
a argumentar, a formar seu pensamento crítico e avaliativo do mundo que o rodeia. E isso o
professor pode fazer ao planejar suas aulas e escolher as melhores estratégias para desenvolver os
conteúdos necessários à formação do aluno como sujeito de sua trajetória e não mais como objeto
alheio à sua realidade.
REFERÊNCIAS
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2003.
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Paz e Terra, 1996.
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Portuguesa. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas/PROFORMAR, 2006.
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____________. Da sócio-história do Português Brasileiro para o ensino do Português do
Brasil hoje. In: Azeredo, José Carlos de (coord). Língua Portuguesa em debate: conhecimento e
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O ENSINO GRAMATICAL DAS GRAMÁTICAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA: RAZÕES PARA SEU INSUCESSO
Paulo Mosânio Teixeira Duarte (UFC)
RESUMO: A finalidade deste artigo é mostrar os desafios que comprometem o ensino de Língua
Portuguesa, considerando as gramáticas clássicas e sua influência no Português. Enfatizamos as
primeiras gramáticas do Português, considerando, em seguida, o papel da NGB, cujo objetivo era
a unificação terminológica e o excesso descritivista. Ao fim, concluímos que a NGB não cumpriu
seus objetivos de unificação terminológica e o excesso descritivista. As grandes divergências
continuaram, o que foi parcialmente responsável pelo fracasso de nossas gramáticas.
PALAVRAS-CHAVE: gramática, ensino, NGB
Introdução
Aquilo que hoje constitui disciplina gramatical com certa autonomia teve seu início na
Grécia, no bojo das perquirições filosóficas. Era a Filosofia a pedra angular sobre a qual se foram
edificando, com o passar do tempo, os diversos setores do saber.
O ponto alto na reflexão filosófica encontra-se representado por Platão e Aristóteles,
que refletiram sobre a linguagem em termos de categorias. Dada a importância de ambos os
filósofos, mencionamos sua contribuição em secção à parte, juntamente com os estoicos. O que os
une não é simplesmente o estudo do discurso articulado, mas o exame analítico do mesmo.
Dionísio da Trácia e Apolônio Díscolo serão referidos em seguida, quando tratarmos
da tradição gramatical, embora o segundo retome em parte o legado filosófico, reorganizando as
partes do discurso conforme os polos centrais do mesmo: o nome e o verbo, as classes por
excelência.
Quanto à contribuição do mundo latino, houvemos por bem nos referir a Prisciano,
cuja doutrina teve grande importância na Idade Média, e a Varrão, devido à sua originalidade,
embora não tivesse logrado o reconhecimento conferido a Prisciano.
As obras consultadas para este capítulo são a de Robins (1979), Kristeva (s/d), Neves
(1987), além das fontes originais colhidas em Varrão (1990)
1. O legado grego
1.1. O âmbito filosófico
Assim, o genitivo e o dativo seriam casos, tomando como ponto de partida o
nominativo. Como apenas este último corresponderia ao nome em função do sujeito da
proposição, ele não seria afetado pela categoria de caso. Destaquemos, porém, que o conceito de
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caso não é unívoco: ora abrange a flexão nominal e a verbal e a derivação; ora o conceito se
restringe àqueles dois tipos flexionais.
Aristóteles também identificou a categoria de tempo, manifestada através do verbo,
mas, em suas considerações lógicas, deu saliência ao presente.
Passo importante foi dado pelos estóicos. No afã de revelar a simetria entre a estrutura
do pensamento e a da linguagem, identificaram inicialmente quatro partes do discurso: nome,
verbo, conjunção e artigo. Distinguiram mais tarde o nome próprio do nome comum. O mérito
deles não consistiu simplesmente na ampliação do número de classes. Ao reconhecerem a
existência dos três gêneros, por exemplo, introduziram o termo técnico oudéteron (literalmente
“nem um, nem outro”) para designar o neutro.
A identificação da categoria de caso, relacionada aos nomes, foi obra desses
estudiosos. A referida categoria serviu de base para inclusão dos adjetivos na classe nominal, para
a distinção entre esta classe e a dos verbos. Trataram da noção gramatical de tempo, embora
confusamente, e vislumbraram a de aspecto. A gramática dava sinais de libertação das amarras
filosóficas.
1.2 O âmbito gramatical
A disciplina gramatical propriamente dita é uma criação da época helenística. Tinha
por objetivo cultivar e ensinar aquilo que o espírito havia criado e elaborado.
A gramática ganhou relativa autonomia com a Téchne Grammatiké, de Dionísio da
Trácia, a primeira gramática do Ocidente, cuja influência sobre outras obras gramaticais foi
incontestável. Dionísio identificava oito partes do discurso inspiradas em Aristarco: nome
(ónoma), verbo (rhema), particípio (metoche), artigo (árthon), pronome (antonymia), preposição
(próthesis), advérbio (epírrhema) e conjunção (sýndesmos). O gramático reconhecia as
propriedades acidentais (parepómena) para uma determinada classe de palavras, quando isto era
cabível. Constituem, por exemplo, acidentes do nome: gênero (génos), número (arithmós) e caso
(ptosis). Incluíam-se também entre os acidentes o tipo (eîdos), que podia ser primitivo e derivado,
e a forma (schema), que se dividia em simples e composta. Como vemos, sob o nome de
acidentes, se abrigavam aspectos amplos relativos não apenas à flexão como também à derivação e
à composição.
Outro gramático de nome foi Apolônio. Este estudioso, afastando-se de exame
exterior, característico do período alexandrino, procurou versar sobre matéria lingüística,
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respaldado em enfoque filosófico. Foi Apolônio que abriu espaço para os estudos sintáticos.
Escreveu não somente sobre a divisão das partes do discurso, mas também sobre a sintaxe destas.
Vislumbrou o encadeamento das unidades menores nas maiores, nos moldes de uma
hierarquia. Privilegiando a relação entre nome e o verbo no âmbito da frase, colocou as partes do
discurso sob a égide da sintaxe e arrolou-as de modo a simularem uma proposição completa.
Embora mantendo o essencial da téchne dionisiana, repensou as categorias, sua
ordenação e o seu conceito. Não foi à toa que seu ensinamento, de extração filosófica, teve
repercussão no pensamento lingüístico medieval.
Apolônio distinguiu as seguintes classes, em conformidade com os parâmetros
retrocitados:
1. o nome e o verbo, os dois pólos, sem os quais inexiste proposição completa;
2. o particípio, que participa da natureza daqueles acima;
3. o artigo, que se liga ao nome e ao particípio, mas não ao pronome;
4. o pronome, que se coloca no lugar do nome, em contraste com o artigo, adjunto ao nome;
5. a preposição, que se antepõe às partes acima quer por composição (ex. andar com Pedro),
quer por aproximação (conviver);
6. o advérbio, que é adjetivo do verbo;
7. a conjunção.
Não nos referiremos às categorias, que mantêm a essência da proposta de Dionísio.
Passemos à contribuição dos latinos.
2. A herança dos gramáticos latinos
A tradição gramatical latina sofreu forte influência helênica. Nesta secção, trataremos
de mostrar de que modo ela se manifestou através de Prisciano e o de Varrão.
Em sua descrição morfológica das classes vocabulares variáveis, Prisciano procurou
estabelecer formas básicas. Para o nome, elegeu o nominativo singular e, para o verbo, a primeira
pessoa do singular do presente do indicativo na voz ativa.
O gramático não separava fenômenos de natureza flexional dos de natureza
derivacional. Neste particular, não soube tirar proveito das idéias de Varrão. Entretanto, ele tinha
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suficiente lucidez teórico para estabelecer as categorias e identificá-las, ainda que com fortes bases
nocionais.
Prisciano chegou à descrição de oito classes de palavras com seus acidentes (gênero,
número, caso, etc.) em conformidade com o ensinamento de Dionísio e Apolônio. As classes são:
nome (nomen), verbo (verbum), particípio (participium), pronome (pronomen), (adverbium),
preposição (praepositio), interjeição (interiectio) e conjunção (coniunctio). Ele adaptou as
categorias da língua grega, inerentes a cada classe, ao latim.
Além de Prisciano, outros gramáticos houve de grande valor, entre os quais Varrão, o
primeiro gramático latino e o mais original dentre eles. Empenhou-se na sua obra, De Língua
Latina, em questões etimológicas e em problemas ligados aos aspectos regulares e irregulares da
linguagem.
Em seu livro III, cunhou o termo declinatio, que se relaciona não somente com a
declinação dos nomes, mas também com a conjugação verbal. Estamos no terreno da declinatio
naturalis, a flexão, que se caracteriza pela generalidade e sistematicidade e da declinatio
voluntaria, relacionada com a derivação.
Levando em consideração aspectos da declinatio naturalis, Varrão identificou o
seguinte sistema de classes: o que comporta palavras com flexão de caso (nomes), o que comporta
palavras com flexão de tempo (verbo), o que abriga palavras com ambas as flexões retrocitadas
(particípios) e, enfim, palavras sem flexão de caso e de tempo (advérbios e conjunções).
Varrão, no estudo das categorias do verbo, distinguiu as noções de tempo e de aspecto.
Na análise das formas verbais do modo indicativo, vozes passiva e ativa, considerou como
fundamental divisão entre ação completa e incompleta (exemplos do português:
estudou/estudava). Naturalmente, ainda era um estudo eivado de imperfeições, mais tarde
reparadas por Prisciano. Não podemos, contudo, deixar de registrar o fato, tendo em vista o
contexto histórico no qual ele se situa. Ressaltamos também que nossas gramáticas normativas,
anos e anos depois de Varrão, ainda não acolhem a categoria de aspecto devidamente.
3. Gramáticas de língua Portuguesa renascentistas e iluminista
.
A gramática de Oliveira (1530), que é mais um livro de anotações, não se detêm a
discorrer longamente sobre as partes do discurso nem a aplicar os esquemas formais da língua
latina.
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A influência clássica foi de fato saliente. Barros (1540), que procedeu ao estudo das
classes vocabulares, considerando sempre que possível os acidentes, estes compreendidos em
ampla acepção.
Identificou o nome e o verbo como as partes principais da oração. De menor
importância são as demais: o pronome e o advérbio, além do particípio do artigo, da conjunção e
da interjeição.
Os acidentes do nome eram, por exemplo:
a) qualidade: própria ou comum;
b) espécie: primitiva ou derivada;
c) figura: simples ou composta;
d) gênero: masculino e feminino;
e) número: singular e plural;
f) caso: nominativo, genitivo, dativo, acusativo, ablativo, vocativo.
Quanto ao verbo, identifica-se:
a) o gênero (voz): ativo e neutro;
b) espécie e figura: as mesmas supra do nome;
c) tempo;
d) número;
e) conjugação.
É óbvio que nem tudo elencado pelo gramático pode ser considerado categoria, à luz
dos estudos modernos. Qualidade, espécie e figura certamente não o são. Isto se pode atribuir à
nítida influência greco-latina, já patente pela inclusão dos acidentes no estudo das classes.
Influência mais evidente está na atribuição de caso aos nomes. Ora, sabe-se muito bem
que, em geral, as funções sintáticas em português não são expressas por casos, exceção feita aos
pronomes.
Só a partir do século XVII, com o advento do Iluminismo, se configura de fato uma
salutar reação ao modelo gramatical latino. Representativa deste período foi a gramática de
Barbosa (1871), que criticou os gramáticos que o antecederam, pelo fato de terem imposto o
modelo latino às gramáticas de língua portuguesa.
Defendeu que a língua é um instrumento analítico do pensamento. Como todos os
homens pensam segundo as mesmas leis, as línguas devem ser reguladas por princípios universais.
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Estabeleceu duas partes para qualquer gramática: uma de natureza mecânica, que
considera as palavras como meros vocábulos, constituídos de sons articulados e letras, encaradas,
portanto, quanto a sua ortoépia e ortografia; outra de natureza lógica, que considera as palavras
como signos, enfocadas quanto à etimologia, que versa, sobre as partes da oração, e quanto à
sintaxe, que ensina a juntar as palavras e a dispô-las em discurso.
O adjetivo tem uma extensão bem ampla. Corresponde a grandes grupos, os
determinativos, os explicativos e os restritivos. Os primeiros incluem os artigos os pronomes
pessoais os demonstrativos de quantidades (o que chamamos hoje de pronomes indefinidos e
numerais). Os explicativos e restritivos abrangiam o que entendemos hoje por qualificativos.
O verbo ser é considerado de natureza substantiva. Os demais se enquadram
naturalmente entre os verbos adjetivos. Quanto aos advérbios, estes não constituem classe
autônoma, por se deixarem decompor em preposição e nome substantivo (docemente é igual com
doçura).
Destaque-se que Barbosa, à maneira dos antigos, procedia ao estudo dos acidentes de
tipo e forma juntamente com os acidentes propriamente gramaticais. Assim, discorrendo sobre os
substantivos comuns, divide-os em primitivos e derivados, simples e compostos.
Barbosa apresenta uma nomenclatura muito complicada, que não teve continuidade
em nossa tradição gramatical. Há um esforço por parte do autor em individualizar cada parte
oracional no intuito de vez cada uma delas em seus aspectos peculiares.
Ao que nos consta, não apareceu em língua portuguesa, por um longo tempo, obras
gramaticais tão destacadas quanto a de Barbosa. Somente numa fase historicista de nossa
produção gramatical é que vêm a lume obras de autores como Júlio Ribeiro e João Ribeiro dentre
outros, as quais oferecem uma visão diacrônica da língua, refletida principalmente no estudo da
estrutura e formação de palavras.
4. As gramáticas de linha diacrônica e a NGB
No período que antecede a confecção do Anteprojeto à NGB, surgem gramáticas que,
numa orientação historicista, que se reflete nitidamente no estudo da estrutura e formação de
palavras, imprimiram novos rumos na descrição da classificação vocabular. Cada gramática do
referido período apresenta em relação a uma outra divergências num ou noutro pormenor.
Não nos interessa analisar os detalhes sobre a classificação das palavras e os acidentes
gramaticais relativos a elas, porque isto nos conduziria a pormenores desinteressantes. Importam
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somente as linhas gerais que norteavam os compêndios gramaticais, precisamente no que diz
respeito à problemática ora em tela.
Ribeiro (1911) reconhece uma disciplina geral denominada lexiologia, à qual compete
o estudo da palavra quanto aos seus elementos sonoros e quanto aos seus elementos mórficos.
Neste último caso, identifica duas subdivisões: taxeonomia, na qual se estuda a classificação
vocabular, kampenomia ou ptoseonomia, em que se descrevem os acidentes gramaticais (gênero e
número, por exemplo). Ribeiro (1893), por sua vez, reconhece na lexeologia dois subdomínios: a
morfologia, que estuda o vocábulo considerado quanto aos seus elementos significativos, e a
taxinomia, responsável pelo agrupamento dos vocábulos em classes.
Já Pereira (1943) reconhece a morfologia como domínio subdividido em taxeonomia,
à qual cabe o estudo da diversas classes e de seus acidentes, e a etimologia, à qual compete o
estudo da origem e da formação do léxico. Por fim, Maciel (1914) concebe um setor gramatical,
denominado lexiologia, cujo escopo são as palavras “isoladamente consideradas, isto é, como
organismos independentes.” Nela se insere a morfologia, a taxonomia e a ptseonomia, sendo a
segunda responsável pela classificação vocabular e a última, pelo estudo dos acidentes e
propriedades.
Como vemos, mesmo com o pequeno quadro ilustrativo acima, reinava uma confusão
terminológica nas gramáticas do período pré-NGB. Convinha estabelecer uma certa ordem que
atendesse a finalidades pedagógicas, unificasse as terminologias com base em critérios científicos.
Para este fim, nasceu a NGB.
Antes da Nomenclatura Gramatical Brasileira, veio a lume o Anteprojeto a NGB de
13 de agosto de 1957, de cuja elaboração participaram Antenor Nascentes, Clóvis Monteiro,
Cândido Jucá (filho), Celso Cunha e Rocha Lima. O Anteprojeto, além das dez classes
vocabulares hoje conhecidas, propunha uma classe de partículas e locuções, às quais não nos
referiremos aqui.
Sobrevieram divergências. Cândido Jucá (Filho) por exemplo, não aceitava uma
classificação vocabular senão dentro de um contexto oracional. A Academia Brasileira de
Filologia não admitiu a existência de uma classe de partículas e locuções, pois deveriam ser
inseridas, pelo menos em sua maior parte, entre os advérbios. Os gramáticos da Faculdade de
Filosofia do Rio Grande do Sul não admitiram a interjeição entre as classes de palavras de valor
morfológico.
Ao final de toda uma longa discussão, a cujos pormenores não aludiremos aqui,
resultou soma de opiniões, não uma síntese. Bidermann (1978:191), pronunciando-se sobre o
Anteprojeto, assevera que gramáticos e linguistas que opinaram a respeito dele sempre lhe
opuseram umas tantas restrições. Acabaram por adotar uma atitude política e não científica,
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tirando-se a média em os pareceres de gregos e troianos. Desse acordo entre os detentores da
verdade gramatical, afirma a linguista, resultou a portaria ministerial de 28/01/1959, que institui a
Nomenclatura Gramatical Brasileira. As classes de palavras permaneceram dez.
A NGB lista dez classes de palavras a serem tratadas no domínio da
morfologia: seis variáveis - substantivo, adjetivo, artigo, pronome, numeral e verbo. E quatro
invariáveis.
Questionamos, em primeiro lugar, o enquadramento de algumas destas classes no
setor morfológico, como as invariáveis. É objetável também a inclusão da interjeição entre as
classes vocabulares, já que ela se comporta como frase, pois se associa sempre a uma entonação
específica e a uma situação comunicativa, da qual fazem parte emissor e receptor (cf.
CAMARA.JR, 1977 capítulo XI).
A NGB não estabelece definição para as classes. Temos que colhê-las nas gramáticas.
Mas aí já se configura uma primeira dificuldade, pois as definições não coincidem em muitos
casos. Para fins ilustrativos, tomamos como exemplo a gramática de Cunha (1983), que se situa
entre as mais célebres, e segue mais de perto a NGB.
Na referida gramática, encontram-se definições de ordem semântica, imprecisas como
estas:
SUBSTANTIVO é a palavras com que designamos ou nomeamos os seres em geral
(1983: 121).
ADJETIVO é a espécie de palavra que serve para caracterizar os seres, os objetos
nomeados pelos substantivos... (1983: 170).
VERBO é (...) a palavra que exprime um fato (ação, estado ou fenômeno) representado no
tempo (1983: 253).
Perguntamo-nos o que o autor entende por designamos, seres, caracterizar, ação,
estado e fenômeno. As definições, vagas e imprecisas, contrastam com estas de caráter
morfossemântico, de Dionísio da Trácia:
ónoma (nome): parte do discurso que possui flexão de caso e que significa pessoa ou
coisa; rhema (verbo): parte do discurso sem flexão de caso, mas flexionada em tempo
pessoa e número, que significa atividade ou processo executado ou experimentado
(ROBINS, 1979: 27);
Devido à imprecisão conceitual, o que é classe em dado momento passa a ser
subclasse em outro. Vejamos a conceituação de numeral:
Para indicarmos uma quantidade exata de seres ou objetos, ou para assinalarmos o lugar que eles
ocupam em determinada série, empregamos uma classe especial de palavras - OS NUMERAIS (1983: 193).
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Ora, pela definição acima, não há como diferenciar numeral de substantivo coletivo, a
exemplo de dúzia e centena. Acrescente-se também que a definição não se compatibiliza com o
elenco de numerais, já que parece abranger apenas os cardinais e os ordinais.
Outro fato a considerar-se é mistura de critérios. Devido a ela ora os pronomes são
classes, ora subclasses, enfocadas sob o aspecto sintático. Daí as denominações pronome
substantivo e pronome adjetivo.
Mistura de critérios existe, às vezes, numa só definição, como esta, relativa ao
advérbio:
Estas palavras que se juntam a verbos, para exprimir circunstâncias em que se desenvolve
o processo verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade, chamam-se
ADVÉRBIOS. (1983: 368)
Noutras vezes, sequer há definição como se vê:
Dar-se-á no nome de ARTIGO às palavras o (com as variações a, os, as) e um com as
variações (uma, uns, umas), que se antepõe aos substantivos... (1983: 144)
Em outros momentos, as definições padecem de inexatidão. Em Cunha (1983), por
exemplo, os pronomes são considerados palavras que servem para representar um substantivo e
para acompanhar um substantivo, determinando-lhe a extensão do significado.
Pela primeira "definição", só sabemos o que é o artigo porque ele está citado. O fato
de antepor-se ao substantivo nada esclarece, porque isto caracteriza também outras classes.
A segunda definição enfatiza somente o caráter substitutivo do pronome e não sua
natureza mostradora, isto é, dêitica. Acompanhar o substantivo determinando-lhe a extensão do
significado não difere alguns pronomes dos adjetivos.
Em suma, o problema d permanece na NGB e nas gramáticas que a ela de algum modo
se filiam. Isto se deve ora à adoção de critérios semânticos vagos, ora à mistura de critérios (como
na definição de advérbio, por exemplo) ora à tautologia (vide definição do artigo), ora à
inadequação da definição (a exemplo da definição do pronome). E proliferaram gramáticas, cada
uma com suas peculiaridades, excessivamente acadêmicas e descritivas, como de Lima (1985) e
descritivas sem que os autores se dessem conta dos destinatários, o público estudantil, alheio às
controvérsias e divergências. Assim, categorias de tempo, modo e aspecto, ricas no texto,
deixaram de ser focadas para serem meras entidades sujeitas a um tratamento apropriado para se
reduzirem a categorias tratadas sem contexto.
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O ESTUDO DOS PRONOMES NA PERSPECTIVA DO INTERACIONISMO
SOCIODISCURSIVO: EXPERIÊNCIA DIDÁTICA NO ESTÁGIO DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Victor Flávio Sampaio Calabria (GEPLA/SEDUC)¹
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin (GEPLA/UFC)²
Resumo:
Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior desenvolvia no âmbito do PIBIC e está localizada
no GEPLA - Grupo de Estudos e Pesquisa em Linguísticas Aplicada. Ele visa a apresentar parte
de nossa experiência didática vivenciada numa escola da rede pública de ensino, em situação de
estágio de regência de língua portuguesa, em que intentamos trabalhar com um conteúdo
gramatical na perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais da língua portuguesa. Trata-se
de uma pesquisa norteada por um enfoque linguístico-enunciativo (BAKHTIN, 1992) e também
baseada em reflexões possibilitadas pelo Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2007),
em especial sobre o uso de mecanismos de textualização. Trata-se de um referencial teórico
orientador da abordagem dos gêneros no ensino de língua portuguesa. Entendemos o estágio como
espaço de transformação do professor no início de sua atividade docente e entendemos, ainda, a
língua em sua dimensão social. Com isso, a abordagem dos gêneros se inscreve no quadro geral de
uma psicologia da linguagem orientada pelos princípios epistemológicos do Interacionismo Social
(VYGOTSKY, 1934). Nesta experiência didática, desenvolvemos uma atividade sobre a classe
pronominal, com base nos PCN, tornando assim mais satisfatória a aprendizagem, que também foi
desenvolvida com a participação ativa dos alunos, dado o enfoque não normativo. Dessa forma,
verificamos em nosso estágio que o ensino da classe gramatical pronome obteve um maior sucesso
devido ao enfoque que foi dado, que recaiu não sobre a nomenclatura gramatical em si, mas no
uso e na função comunicativa do pronome na produção verbal. Isso foi, de fato, verificado a partir
da aplicação de uma atividade elaborada para a aula em questão, bem como pela participação
constante dos alunos.
Palavras-chave: estágio, formação, ensino, língua portuguesa.
1 INTRODUÇÃO
O ensino da gramática oficialmente deu lugar ao ensino da análise linguística,
conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais de língua materna. Mas, saber gerir uma aula com
base nessa mudança parece que vem sendo um dos grandes desafios dos professores de língua
portuguesa. Questionamentos em torno dessa problemática são vários, mas elencamos alguns: o
que realmente mudou, quanto aos
__________________
¹Professor de Língua e Literatura Portuguesa na rede pública estadual de ensino e, no período de estágio, era bolsita
PIBIC, sob orientação da profa. Dra. Eulália Leurquin.
² Professora do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal do Ceará e líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Linguística Aplicada (Gepla), situado na referida instituição.
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conhecimentos necessários a ensinar? Quanto aos conhecimentos para o ensino, que ferramentas
são necessárias para assegurar um ensino produtivo? O que é ensinar língua materna com base em
gêneros textuais? Qual é o espaço do ensino da análise linguística no contexto da aula a partir de
gêneros textuais? Tais questões parecem ganhar fôlego, quando se trata do estágio de regência,
pois as aulas são ministradas por professores em formação. Contudo, é válido lembrar que o
contexto do ensino da leitura e produção de textos não diferente. A aula de leitura e a aula de
produção de textos não acontecem conforme sugere a carga horária do professor e o maior
argumento dado é que o conteúdo de gramática é superior ao tempo disponível na carga horária do
professor. Ao entrar na sala de aula, o estagiário se depara com esses conflitos.
O docente em formação, na realização do seu trabalho, traz em evidência seus
conhecimentos teóricos e práticos, adquiridos ao longo de sua vida e não apenas na universidade.
Na ocasião, ele vê a necessidade de pôr em prática as orientações descritas em documentos do
Ministério de Educação, os PCN, visto que, no período do estágio anterior (o estágio de
observação), é constatado (LEURQUIN, 2013) que as orientações dos parâmetros curriculares não
são consideradas como referência para o professor regente. Este se sustenta nos livros didáticos
independentemente da proposta do autor. Por tudo isso, o estágio não se configura para nós apenas
como uma atividade obrigatória a ser realizada no percurso curricular do Curso de Letras, mas
também como um objeto de estudo.
O estágio de regência é composto por uma carga horária de 32horas/aula, em sala de
ensino médio ou em sala de aula dos últimos anos do ensino fundamental. Inicialmente, há um
período de planejamento na universidade e outro na escola, em seguida o período de observações e
apenas no último período é que o estagiário assume a sala de aula. Em nossa experiência como
estagiário durante o período de regência, aconteceram as aulas às quintas-feiras, das 7h50min às
12h20min, durante os meses de março, abril e maio, em duas turmas do 2º ano do Ensino Médio
(turmas A e B), com aproximadamente 40 alunos cada, na Escola Estadual de Ensino Médio Liceu
do Conjunto Ceará, situada à Rua 1139 A, 10, 4ª etapa do Conjunto Ceará – Fortaleza/CE. Na
escola, funcionava apenas o ensino médio regular, nos três turnos: manhã, tarde e noite. Ao
mesmo tempo, assumíamos as atividades de bolsista de Iniciação Científica.
O Liceu do conjunto Ceará é uma escola que reúne excelentes condições para se
desenvolver um trabalho produtivo em sala de aula de língua materna. Possui uma boa estruturada
e organização humana, profissional e material. O núcleo gestor é muito empenhado nas soluções
necessárias para um melhor desempenho de alunos e professores, apesar das adversidades em
torno da escola. Nela, há projetos em desenvolvimento na escola, como o PIBID, que
proporcionam experiências acadêmicas fundamentais para um bom desempenho dos alunos e
aproximação com o ensino superior. Tais iniciativas estimulam alunos e professores a
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participarem dos projetos construídos no ambiente universitário e aplicados na escola básica,
ambos se favorecendo nesse âmbito.
As composições dessas oportunidades deram-nos condições de nos afastar do estágio
de regência para vê-lo como pesquisador e não apenas como um simples fato do cotidiano do final
do Curso de Letras. Os dados analisados nesse artigo foram coletados na escola onde realizamos a
regência e também foram considerados dados da pesquisa de PIBIC intitulada “O estágio como
espaço de (trans) formação do professor”, da qual atuamos como bolsista.
Nosso percurso discursivo tem três aspectos: o estágio como espaço de (trans)
formação do professor; tipos de ensino e concepções de gramática e, por fim, relato de experiência
de estágio. No primeiro aspecto, falamos sobre o estágio e sua importância na formação inicial do
professor. Em seguida, discutimos, de forma ampla, os tipos de ensino e as concepções de
gramática neles implicadas. Por fim, relataremos nossa experiência didática no estágio de regência
de língua Portuguesa, em que tratamos da categoria pronominal, numa perspectiva comunicativa e
enunciativa, de acordo com os PCN e à luz do Interacionismo Sociodiscursivo.
2 O ESTÁGIO COMO ESPAÇO DE (TRANS) FORMAÇÃO
De acordo com Leurquin (2008), a década de 1990 tem se consolidado como bastante
significativa para as mudanças teóricas do ensino e aprendizagem de Língua Materna (LM). De
acordo com a autora, tendo em vista a presença dos PCN há mais de dez anos como documento
oficial que rege ou deveria reger o ensino, é importante saber o que de fato mudou e como as
instituições formadoras de professores intervêm para o alcance de um ensino produtivo. Sabemos
que a Linguística Moderna avançou bastante, mas que nas salas de aula pouca coisa mudou.
Constatamos isso nos relatórios recebidos pelos alunos do Curso de Letras da Universidade
Federal de Ceará (UFC), no final das disciplinas de estágio (Estágio em regência de língua
portuguesa, Estágio em oralidade e escrita e análise linguística e Estágio em leitura), através das
descrições e análises de práticas docentes.
Também sobre o estágio, Santos e Lonardoni (2001) ressaltam as diversas situações
problemáticas que envolvem os alunos da graduação ao chegarem ao nesse momento do Curso.
Elas asseveram sobre a necessidade de discussão e elaboração de resoluções de problemas e
ressaltam ainda a distância existente entre os conhecimentos para o ensino exigidos pelos
professores formadores e os que o estagiário, de fato, possuem e mobilizam em sala de aula. Ainda
Sobre essa questão, as autoras enfatizam a distância entre os documentos da educação brasileira e
o agir professoral real em sala de aula, uma vez que as aulas decorrem das orientações do método
tradicional. As estudiosas reiteram a preocupação com as atividades de análise linguística, leitura e
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produção e textos. Sobre as primeiras atividades informam que elas persistem, pois os graduandos
estão presos ainda a uma tradição em que decorar regras e escrever listas de conjugação eram as
melhores formas de aprender. Segundo as autoras, é necessário que o professor formador mostre
aos alunos uma nova perspectiva de análise linguística, baseada na função dos elementos, a fim de
que seus alunos também assim possam fazer nas escolas em que desempenharão seu papel
docente.
Esse quadro apenas ratificou nossa posição e preocupação com questões relacionadas
ao estágio, ao quão complexo ele é na formação inicial do professor. Somada a toda essa
problemática, ainda há o fato de o estudante assumir uma função dupla, pois ele é ao mesmo
tempo aluno (graduando) e professor (enquanto estagiário). O curioso disso é que,
paradoxalmente, não há valorização do estágio nem por parte da própria Secretaria de Educação,
ultimamente poucas querem aceitar o estagiário e nada fazem para mudar o quadro; nem por parte
dos estagiários, pois eles os deixam para o final de curso e querem realizá-los de forma aligeirada;
nem por parte da própria universidade, quando pouco investe nessa etapa da formação. É provável
que todo esse quadro negativo em torno do estágio decorra da indecisão em torno de sua
identidade. Nesse sentido a grande questão é retomada: onde deve afinal se situar o estágio de
língua portuguesa: na Faculdade de educação (no âmbito da Didática de línguas) ou no
Departamento de Letras (no âmbito da Linguística Aplicada)? Tal incerteza fortalece as
inquietudes quanto ao estágio sob diversas ordens e tem desdobramentos no agir professoral
porque atinge a qualidade de ensino em jogo na sala de aula.
3 TIPOS DE ENSINO E CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA
Os tipos de ensino mobilizados pelo estagiário em sala de aula estão em relação com
as concepções de gramática, também mobilizadas pelo professor em formação (voltaremos a essa
questão). Para tratar disso, é necessário primeiramente diferenciar o que entendemos de ensino da
gramatica e de ensino da análise linguística. No contexto do ensino da gramática, situamos as
práticas docentes que têm como referência a gramática tradicional, a gramática normativa. Nesses
casos, há uma forte explicação dos elementos gramaticais e isso acontece com exemplificações em
frases, através de exercícios estruturais. No contexto do ensino de análise linguística, observamos
um procedimento diferente, focado na comunicação, na funcionalidade dos elementos linguísticos
nas práticas sociais linguageiras. Nesse sentido, as frases dão lugar ao enunciado, aos gêneros e os
exercícios às práticas discursivas diversas, de gêneros textuais diversos, orais e/ou escritos,
verbais e/ou não verbais.
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Para Halliday, McIntosch e Strevens (1974), há três tipos de ensino (prescritivo,
descritivo e produtivo) e cada um deles possui uma concepção de linguagem e uma de gramática.
É a relação que se estabelece entre essas concepções traduzidas no agir professoral que nos
permite compreender e interpretar a situação do ensino e aprendizagem da língua portuguesa. O
ensino prescritivo privilegia a norma padrão e costuma fazer distinções entre o certo e o errado.
Concebe a linguagem como expressão do pensamento, desta forma, só sabe escrever e falar bem
aquele que pensa bem. No tocante à gramática, concebe-a como sendo normativa, ou seja, trata-se
de um conjunto de regras que determinam o que é certo ou o que é errado, tanto na fala como na
escrita. A importância desse tipo de ensino e consequentes concepções, desconsiderando a postura
taxativa, é o domínio de boa parte das regras da norma padrão, que são necessárias para a
produção e compreensão de textos formais. De acordo com os PCN, esse tipo de ensino não deve
ser tomado como base para o aprendizado hoje, desta forma, não o utilizamos como base em nosso
tirocínio.
O ensino do tipo descritivo, ainda de acordo com os mesmos autores, privilegia a
descrição da estrutura da língua. Assim sendo, o importante é entender o funcionamento da língua
na transmissão de informações ou em qualquer atitude comunicativa. Tal ensino concebe a
linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, é necessário dominar o código para se
comunicar. O ensino descritivo concebe a gramática como sendo descritiva, ou seja, contempla a
exposição da estrutura dos diversos estratos gramaticais, considerando qualquer variedade
linguística, sem preconceito ou diminuindo-lhe o valor. A importância desse tipo de ensino
repousa no fato de que a análise da estrutura linguística pode ser útil para a formulação de uma
mente voltada para a análise científica dos fenômenos. Com tais características, esse tipo de
ensino se aproxima ao exigido pelos PCN, bem como com as concepções de ensino para a
Linguística Aplicada e, desta forma, contribui com a abordagem que utilizamos em sala de aula,
em situação de estágio.
Por fim, o ensino produtivo privilegia o aumento do repertório linguístico do aluno. O
contato com situações diversificadas possibilita o pleno desempenho linguístico em diferentes
contextos. A linguagem, aqui, é vista como lugar de interação, assim, o importante é saber utilizar
a língua para agir sobre os outros em diferentes contextos de uso. O ensino produtivo concebe a
ideia de uma gramática internalizada, entendida nesse âmbito como um conjunto de regras que o
sujeito domina e que, efetivamente, utiliza para produzir e compreender textos. O fator produtivo
desse ensino se preocupa em acrescentar conhecimentos e habilidades sem desconsiderar aquilo
que o aluno já sabe, assim, contribui para a ação transformadora do ato de educar. O ensino
produtivo também foi levado em consideração na nossa prática, tendo em vista sua contribuição
para as discussões semeadas no espaço educativo.
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4 RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO
Ao adentrar a sala de aula de estágio de regência percebemos que era necessário ter
uma definição teórica e metodológica que respaldasse nosso agir professoral. A nossa opção foi
pelo quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo, pois ele era coerente com nosso
posicionamento quanto ao ensino de língua e era de conformidade com os PCN. Entendemos que
o ensino de língua deve ter como objetivo maior ampliar os conhecimentos dos aprendizes para
que eles pudessem participar de forma mais produtiva das práticas sociais. Para isso, seria
necessário se ancorar em um ensino produtivo, onde a linguagem fosse entendida como espaço de
comunicação entre os membros de sociedades. Com esse quadro desenhado, não havia espaço para
o ensino da gramática. Era necessário que o aluno soubesse analisar os elementos linguísticos nas
diversas manifestações deles em textos orais e escritos, em formato de diferentes gêneros. A aula
de leitura deveria ter como concepção o modelo interativo de leitura e o modelo
sociopsicolinguístico (LEURQUIN, 2001, CICUREL, 1992), ser planejada considerando o
contexto de produção, a infraestrutura, os mecanismos de textualização e os mecanismos
enunciativos (BRONCKART, 2012); o ensino de produção textual deveria ser compreendido
como um processo de forma a contemplar o processo de desenvolvimento da escrita, assim sendo,
considerar as sequências didáticas e estratégia na sala de aula.
Imbuídos dessa compreensão e acreditando que tais colocações poderiam contribuir
para o bom encaminhamento do estágio de regência que realizamos nosso estágio. Foi verificado,
a partir da participação ativa dos alunos, um bom resultado do nosso trabalho. Tal recepção foi
ratificada nas respostas dadas a um questionário aplicado. A aula a que nos referimos nesse artigo
aconteceu com base na produção de gênero textual e o foco necessário foi nos pronomes.
Ancoramo-nos, a saber, nos mecanismos de textualização para esse momento. O tema havia sido
introduzido pelo professor regente e cabia-nos dar a continuidade, aprofundamento. Nosso foco
foi a coesão nominal a partir desse elemento linguístico nos gêneros estudados.
As aulas aconteceram durante uma carga horária de duas h/a em cada turma (2º ano A
e B); sendo uma teórica, com exposição em Power Point, e outra prática, com resoluções de
atividades baseadas em gêneros textuais e levando em consideração as orientações dos PCN para o
ensino de Língua Portuguesa. Nas atividades, prezamos também pelos usos linguísticos e respeito
aos seus diferentes contextos de produção e propomos uma reflexão linguística nos usos da língua,
seja na modalidade escrita ou na oral.
Para atividade, organizamo-la de forma a ocupar apenas um anverso e um verso da
folha e trabalhamos basicamente com dois textos: uma charge da Mafalda e uma piada. Tendo em
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vista a necessidade de acompanhar o planejamento já feito pelo professor e também para se
utilizar do livro didático adotado na escola, fizemos uma revisão de literatura através dele e
podemos afirmar que em muito foi colaborativo.
A aula aconteceu em um dos laboratórios de multimeios da escola, para que
pudéssemos fazer uso do data-show. A sala foi organizada em semicírculo, conforme orientação.
A disposição inicial em semicírculo foi necessária, pois a intenção era que a aula fosse uma
espécie de debate de conhecimentos, a partir do conhecimento prévio os alunos, o que denota o
tipo de ensino produtivo, que adotamos nesse momento, com base em Halliday, McIntosch e
Strevens (1974), conforme já expusemos na seção 3 deste artigo. De fato, os alunos contribuíram
com a aula e tudo que eles falavam e que era relevante era transcrito na lousa para posterior
apreciação e síntese do conteúdo. Isso tanto serviu para o primeiro momento da aula de leitura,
quanto para a conclusão da atividade. Inicialmente, mobilizamos o repertório dos leitores e na
última utilizamos dos conhecimentos previamente adquiridos para interagir com os conhecimentos
da turma e também do autor via textos (LEURQUIN, 2001).
Na apresentação em Power Point, no momento de entrada no texto para compreender
o espaço dos elementos linguísticos em sua formação, ressaltamos o papel do pronome, dos
movimentos que ele pode dar ao texto em suas retomadas necessárias e, por isso, como elemento
de coesão nominal. A partir da análise dos gêneros, os alunos eram instigados a compartilharem a
respeito do emprego do pronome e de sua importante função na construção do texto. Na ocasião,
uma discussão a respeito do conceito de texto se fez necessária e foi muito bem debatida. Um
aluno ficou surpreso em saber que uma foto é um texto, porém um texto não verbal.
Durante a regência, não nos sentimos incomodados por aluno algum. As intervenções
que foram necessárias aconteceram devido ao cumprimento da ordem de fala, pois vários alunos
acabam falando ao mesmo tempo e a compressão acabava ficando comprometida. Na hora da
resolução de alguns exercícios, o silêncio era bastante solicitado, uma vez que os alunos não
conseguiam se concentrar e, então, alguns queriam conversar após terminarem suas atividades,
outros não queriam fazer, outros alegavam ter terminado, no entanto, ao final, tudo foi bem
direcionado.
CONCLUSÃO
Neste artigo, problematizamos o estágio de regência; questionamos as concepções de
ensino, gramática e linguagem que respaldaram a nossa prática docente nesse estágio. Para isso,
ancoramo-nos nos pressupostos teóricos do Interacionismo Sociodiscursivo e nos estudos sobre o
ensino de leitura na perspectiva interativa.
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Mesmo utilizando o material didático selecionado pelo professor de língua portuguesa,
vimos que é possível também utilizar um material complementar em sala de aula. Isso é muito
importante tendo em vista que sempre há ressalvas a fazer em se tratando do livro didático
brasileiro, apesar de já termos melhorado demais nesse item.
Nossos objetivos foram alcançados porque entendemos o Estágio de Regência como
um momento ímpar e fundamental na construção de nossa identidade como professores.
Compreendemos que esse é um espaço de transformação que nos permite vivenciar experiências
que se misturam no fato de sermos ainda estudantes e ao mesmo tempo professores. Outro ponto
que merece destaque foi o fato de a escola nos deu todo o suporte necessário para bem
desempenharmos nossa atividade. Não sentimos resistência ou dificuldade por parte dos alunos ou
do núcleo gestor. O espaço escolar em pouco tempo nos contagiou e nos fortificou na conclusão
de nossa atividade e nos permitiu caminhar convictos de que a educação ainda possui papel
transformador em nossa sociedade.
Acreditamos que o ensino é uma arma poderosa no combate aos vários males que
nossa sociedade atual enfrenta. As várias teorias podem nos auxiliar a manusear cada vez melhor
essa tarefa tão laboriosa. Entendemos que ensinar é compartilhar experiências e asseveramos que a
afetividade e o amor pelo que se faz são ingredientes fundamentais para a execução de qualquer
tarefa, principalmente a do ensino.
Há muito mais a se estudar, problematizar, mudar no contexto do estágio no Brasil.
Talvez nós possamos realmente avançar nas discussões quando tivemos melhor acesso à escola e o
estágio não permaneça no espaço marginal da universidade. Para Veiga (2008), o ensino
corresponde a três desafios: é uma tarefa humana; tem sua dimensão afetiva e deve cumprir seu
papel cognitivo. A esses três desafios, somos capazes de corresponder e aceitar. Quanto aos
desafios atribuídos, tais como: desvalorização, má remuneração, falta de respeito,
descompromisso, agressão etc., não aceitemos nem nos permitamos a isso, pois a tarefa docente
deve compreendida por todos como cerne para o desenvolvimento de uma sociedade justa, séria e
comprometida com os valores éticos e morais.
Procuramos ao longo dessas aulas proporcionar aos alunos uma aula interessante e não
maçante. Uma aula centrada nas perspectivas do educando, com elaboração de dinâmicas e
atividades que promovessem o debate e participação de todos.
Essa experiência foi satisfatória e dela não podemos citar pontos negativos, pois nos
foram insignificantes. É fato que problemas no dia a dia escolar existem e sempre irão existir, mas
tudo depende da forma como queremos contornar a situação. Reiteramos a importância no estudo
dos PCN e reivindicamos uma reformulação imediata no ensino de Língua Portuguesa para que de
fato aconteçam as mudanças anunciadas e oficializadas em documentos.
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Ao concluir nossas reflexões, alinhamo-nos a Saussure (2006), quando ele afirma que
a Língua é uma herança cultural passada de geração a geração, cabendo a nós, enquanto
professores de língua materna, o ensino em vista à aprendizagem significativa dessa herança. Para
isso, cabe-nos procurar utilizá-la da melhor maneira possível, considerando os diferentes contextos
de produção e respeitando os fenômenos linguísticos.
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Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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O PREDICADO NOMINAL EM ANÁLISE
Tatiana Schwochow Pimpão (FURG)
20
Resumo:
O objetivo principal desta pesquisa é realizar uma revisão bibliográfica acerca do predicado
nominal em gramáticas tradicionais: Bechara (2009), Cunha (1992), Luft (1971), Mendes de
Almeida (1973) e Rocha Lima (2010). A revisão inclui, além da definição de predicado nominal, a
listagem dos verbos de ligação. Para Cunha (1992. p.144), por exemplo, “o predicado nominal é
formado por um verbo de ligação + predicativo”. O gramático não lista os verbos de ligação;
porém, a partir dos exemplos de predicado nominal, é possível destacar os seguintes verbos por
ele considerados como de ligação: ser, estar, andar, ficar, tornar-se, continuar, permanecer e
parecer. Essas considerações não correspondem, por vezes, a enunciados observados em situações
reais de comunicação, como é o caso do seguinte exemplo: “Salário dos docentes federais segue
defasado. (InformANDES, 2014. nº 33)”. Nesse exemplo, há um adjetivo que exerce a função de
predicativo e um verbo que funciona como verbo de ligação, porém este último não está previsto
na listagem de Cunha (1992). Diferentemente, Luft (1971) incorpora ao verbo de ligação valores
aspectuais, permitindo que diferentes verbos em diferentes situações de comunicação possam
funcionar como verbos de ligação. A revisão bibliográfica permite confrontar conceituações entre
os próprios gramáticos, bem como confrontá-las com exemplos que as questionem. Ainda, esta
pesquisa pode contribuir com a atualização dos professores das redes municipal, estadual e
particular na medida em que a revisão bibliográfica é, muitas vezes, dificultada pela demanda de
conteúdos a serem ministrados em sala de aula e pelas diferentes abordagens mesmo entre
gramáticos tradicionais.
Palavras-chave: predicado nominal, verbos de ligação, revisão gramatical.
1 INTRODUÇÃO
Desde o mês de maio de 2014, desenvolvo um projeto para monitoria nas disciplinas
de Morfossintaxe III e Morfossintaxe IV, oferecidas nos quinto e sexto semestres,
respectivamente, dos cursos de Letras da Universidade Federal do Rio Grande (FURG/RS). Em
decorrência do acompanhamento das atividades realizadas pelas monitoras, julguei pertinente
abordar um dos conteúdos gramaticais de significativa divergência entre os gramáticos
tradicionais: a noção de predicado nominal e, consequentemente, a listagem dos verbos de ligação.
Nesse sentido, este artigo apresenta uma revisão bibliográfica realizada em cinco
gramáticas tradicionais no que diz respeito a um dos fenômenos sintáticos trabalhados na
disciplina de Morfossintaxe III durante o primeiro semestre de 2014. Os conteúdos dessa
disciplina referem-se à estrutura do período simples: sujeito (definição e classificação); predicado
20 Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Professora nos cursos de Letras da Universidade Federal do Rio
Grande. Contato: [email protected]. Agradeço a leitura de Tiago de Mattos Cardoso.
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(definição e classificação); verbos de ligação/verbos relacionais e verbos de significação/verbos
nocionais; funções sintáticas dos sintagmas nominais, adjetivais, adverbiais e preposicionados e
do sintagma verbal; vozes verbais; transitividade.
São dois os objetivos desta pesquisa: (i) realizar uma revisão bibliográfica em
gramáticas tradicionais acerca da noção de predicado nominal e da listagem dos verbos de ligação;
e (ii) contribuir com a atualização dos professores das redes municipal, estadual e particular na
medida em que a revisão bibliográfica muitas vezes é dificultada pela demanda de conteúdos a
serem ministrados em sala de aula e pelas diferentes abordagens mesmo entre gramáticos
tradicionais.
Este artigo está assim organizado: inicialmente, descrevo os procedimentos
metodológicos adotados; e, na sequência, apresento a revisão bibliográfica realizada em cinco
gramáticas tradicionais, delineando a problemática que cerca a noção de predicado e a listagem
dos verbos de ligação. Na quarta seção, procedo à análise de dois enunciados extraídos de
situações reais de comunicação com o objetivo de confrontar os preceitos prescritivos com o uso.
Seguem-se as conclusões.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O critério metodológico adotado para a realização desta pesquisa desdobra-se em dois
momentos: primeiramente, procedo à revisão bibliográfica acerca da concepção de predicado
nominal e da listagem dos verbos de ligação segundo o ponto de vista de cinco gramáticos
tradicionais (BECHARA, 2009; CUNHA, 1992; LUFT, 1971; MENDES DE ALMEIDA, 1973;
ROCHA LIMA, 2010). Em um segundo momento, analiso dois enunciados extraídos de contextos
reais de comunicação (de um informativo (InformANDES) e de um jornal (Jornal Agora, de Rio
Grande/RS)), procurando confrontar os preceitos desses gramáticos tradicionais com o uso de
verbos, que, segundo os próprios gramáticos, de uma forma geral, não estão contemplados como
verbos de ligação.
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O eixo nos estudos sintáticos está no verbo (PERINI, 2010). A identificação do verbo
permite perceber as relações entre sujeito e predicado, os dois conteúdos basilares para a disciplina
de Morfossintaxe III. É a partir desses dois grandes sintagmas, nominal e verbal, respectivamente,
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que os demais sintagmas podem ser identificados: adjetival, preposicionado, adverbial e mesmo
outro nominal. Identificados os sintagmas, a etapa seguinte consiste na atribuição de funções
sintáticas, dentre as quais menciono, além do sujeito e predicado, predicativo, adjunto adnominal,
complemento nominal, objeto direto e indireto, agente da passiva e adjunto adverbial.
Mesmo sendo conteúdos basilares, as noções de sujeito e de predicado não são isentas
de problemas. A própria definição de sujeito não é homogênea entre os gramáticos. De acordo
com Cunha (2005), os gramáticos tradicionais dividem-se em três critérios para a definição de
sujeito: critério sintático, critério semântico e critério discursivo. Alguns gramáticos podem,
inclusive, valer-se de dois desses critérios para apresentar a definição de sujeito. Quanto ao
predicado, os problemas parecem residir nestes dois pontos: (i) a classificação ternária do
predicado nominal, verbal e verbo-nominal , ancorada, de forma geral, em uma diferenciação
entre verbo de ligação/relacional e verbo de significação/nocional21
; e (ii) a listagem, não
consensual, dos verbos de ligação entre os gramáticos consultados para esta pesquisa.
Nesse sentido, esta seção tem os objetivos de (i) apresentar a definição de predicado
nominal e (ii) listar os verbos de ligação (BECHARA, 2009; CUNHA, 1992; LUFT, 1971;
MENDES DE ALMEIDA, 1973; ROCHA LIMA, 2010). Os gramáticos estão distribuídos em três
grupos de acordo com a perspectiva adotada. Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha
Lima (2010) estão reunidos no primeiro grupo. Esses gramáticos vinculam a noção de predicado
nominal a uma lista fechada de verbos de ligação. Diferentemente, Luft (1971), que ilustra o
segundo grupo, não identifica o verbo de ligação pelo item lexical, porém por propriedades
aspectuais, o que permite uma lista aberta para esse tipo de verbo e, portanto, de predicado
nominal. No terceiro grupo, Bechara (2009) não considera essencial a distinção entre predicado
nominal e verbal, porém mantém a listagem dos verbos de ligação, ou verbos relacionais,
conforme denomina.
3.1 Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010)
De acordo com Cunha (1992. p.144), “o predicado nominal é formado por um verbo
de ligação + predicativo”, definição contemplada também por Mendes de Almeida (1973).
Diferentemente, Rocha Lima (2010. p.292) não centra a definição de predicado nominal no tipo de
21 Para Cunha (1992), há verbos que ora são empregados como de ligação, ora como de significação. A título de
ilustração, tem-se, respectivamente, um verbo de ligação e um verbo de significação: “Fiquei perplexo/Permanece
elevada e Fiquei em casa/Permanece no cargo.” (CUNHA, 1992. p.145).
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verbo, mas na propriedade do núcleo nominal: “o predicado nominal tem por núcleo um nome
(substantivo, adjetivo, ou pronome)” [grifos do autor].
Cunha (1992) não lista os verbos de ligação; porém, a partir dos exemplos de
predicado nominal, é possível destacar os seguintes verbos por ele considerados como de ligação:
ser, estar, andar22
, ficar, tornar-se, continuar, permanecer e parecer. De forma semelhante a Cunha
(1992), Mendes de Almeida (1973) não lista os verbos de ligação. Os exemplos que apresenta,
entretanto, permitem identificar os seguintes verbos como sendo de ligação: ser, estar, ficar,
parecer, andar e permanecer.
Diferentemente de Cunha (1992) e de Mendes de Almeida (1973), Rocha Lima
(2010), ainda que não considere os verbos de ligação como um critério para a definição de
predicado nominal, indica os verbos que entram nessa categoria. Para Rocha Lima (2010. p. 293),
são os seguintes: “ser, estar, andar, permanecer, continuar, ficar, parecer”.
Observa-se que, para Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima (2010),
há uma certa similaridade nos verbos de ligação. Todos esses gramáticos consideram como de
ligação os seguintes verbos: ser, estar, andar, ficar, permanecer e parecer. O verbo tornar-se é
mencionado apenas por Cunha (1992) e o verbo continuar, por Cunha (1992) e Rocha Lima
(2010). Esses três gramáticos reforçam a imagem que tradicionalmente, durante os anos escolares,
tem se constituído: a lista praticamente homogênea e limitada de verbos de ligação, assentada em
uma perspectiva do item lexical.
3.2 Luft (1971)
Luft (1971. p.131) amplia a definição de predicado nominal apresentada pelos
gramáticos anteriores (CUNHA, 1992; MENDES DE ALMEIDA, 1973; ROCHA LIMA, 2010)
de modo a abarcar outras classes gramaticais que podem funcionar como predicativo, como, por
exemplo, o advérbio: “predicado que tem como núcleo, como elemento significativo (...) – a) um
nome (substantivo, adjetivo, numeral, advérbio, forma nominal do verbo) ou b) um pronome
(substantivo, adjetivo, advérbio [pronominal])”.
Diferentemente, Luft (1971) apresenta uma lista mais extensa e mais flexível para os
verbos de ligação, partindo não do verbo propriamente, porém da classe de verbos:
22 Cunha (1992) faz uma ressalva com relação aos verbos andar, ficar e permanecer, que podem ser também
classificados como verbos significativos.
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1) Ser – indica estado normal, habitual (aspecto permansivo, permanente).
2) Estar, andar, achar-se, etc. – indica estado recente, passageiro (aspecto
transitório).
3) Ficar, tornar-se, fazer-se, meter-se, acabar, sair, figurar, etc. – indicam mudança de estado (aspecto transitório inceptivo).
4) Ficar, continuar, permanecer, quedar, viver, persistir– indicam duração,
continuação ou continuidade de estado (aspecto durativo). 5) Figurar, parecer, semelhar, etc. – indicam semelhança, dúvida de estado
(aspecto dubitativo) [grifos do autor]. (LUFT, 1971. p.134)
De uma forma interessante, Luft (1971) vincula ao item verbal um valor aspectual.
Nessa perspectiva, verbos não contemplados na concepção de Cunha (1992), Mendes de Almeida
(1973) e Rocha Lima (2010), assumindo um determinado valor aspectual, podem ser, portanto,
classificados como de ligação.
A posição defendida por Luft (1971) liberta o analista, o professor, da relação
biunívoca estabelecida: por verbo de ligação, concebem-se, de modo geral, os verbos ser, estar,
andar, ficar, permanecer e parecer, por exemplo. Em contrapartida, há que se atentar para a
propriedade semântica do verbo, pois esse pode assumir, em determinadas circunstâncias e sob
determinadas condições, um valor mais estativo, mais permansivo, e são esses valores que tornam
o verbo de ligação, não o próprio item lexical.
3.3 Bechara (2009)
Segundo Bechara (2009), a distinção entre verbos de ligação, ou verbos relacionais,
como denomina, e verbos nocionais está assentada na própria necessidade de distinção entre
predicado nominal e predicado verbal. Nesse sentido, uma das características do predicado
nominal é apresentar um verbo sem força semântica, por isso um verbo de ligação ou relacional,
cuja finalidade concentra-se em ligar, relacionar o sujeito ao predicativo. De acordo com Bechara
(2009. p.209), “o verbo ser [grifo do autor] e o reduzido grupo de verbos que integram a
constituição do chamado predicado nominal em nada diferem dos outros verbos”. Para o autor, os
verbos relacionais também possuem morfemas de pessoa e de número, da mesma forma que os
verbos nocionais.
Seguindo esse ponto de vista, Bechara (2009) defende que toda relação predicativa
tem, como núcleo, um verbo, seja o que tradicionalmente é reconhecido como de
ligação/relacional, seja o que também é tradicionalmente reconhecido como de
significação/nocional. Dessa forma, uma oração seria analisada, conforme o autor, de acordo com
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o conteúdo léxico do verbo, sendo o predicado classificado em simples e complexo a depender da
necessidade de um complemento. O predicado simples diz respeito ao verbo que não exige
complemento; é o que as gramáticas tradicionais denominam verbo intransitivo. O predicado
complexo pode ser ilustrado, por exemplo, por verbos que exigem um complemento predicativo.
Para Bechara (2009. p.425), há uma pequena lista de verbos de referência vaga, como “ser, estar,
ficar, permanecer, parecer [grifos do autor] e poucos outros, que aparecem matizados
semanticamente pelo signo léxico que funciona como predicativo”.
Diferentemente de gramáticos como Cunha (1992), Luft (1971), Mendes de Almeida
(1973) e Rocha Lima (2010), a proposta de Bechara (2009) concebe o núcleo do predicado como
uma função sintática. As gramáticas tradicionais, de um modo geral, concebem o núcleo do
predicado como uma função semântica (PERINI, 2006). Segundo esta concepção, o verbo
classificado como de ligação não possui significação própria, estando essa significação no
sintagma a sua direita, que cumpre a função sintática de predicativo. Bechara (2009), por outro
lado, não sustenta a posição que considera o verbo de ligação, ou relacional, como esvaziado
semanticamente, uma vez que, conforme sua opinião, todos os verbos indicam valores como
tempo, modo, pessoa e número. O critério utilizado por Bechara (2009) é, portanto, de base
sintática.
Bechara (2009) inova ao propor uma classificação binária para o predicado (simples e
complexo), ancorada na sintaxe. Por outro lado, mantém a lista fechada para os verbos de ligação.
4 ANÁLISE DE DOIS ENUNCIADOS
Esta seção propõe-se a analisar duas ocorrências, uma com o verbo seguir e outra com
o verbo encontrar-se, de modo a filiar-se à posição assumida por Luft (1971) uma vez que essa
gramática não prevê uma lista fechada de verbos de ligação; ao contrário, considera o verbo de
ligação uma propriedade semântica e não propriamente ancorada no item lexical. A análise das
duas ocorrências ainda aproxima-se da proposta de Bechara (2009) na medida em que o autor
apresenta uma nova tipologia para os predicados: simples e complexo.
Conforme mencionado na seção anterior, os gramáticos tradicionais consultados foram
distribuídos em três grupos de acordo com a perspectiva adotada acerca do predicado nominal e
dos verbos de ligação. As gramáticas de Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima
(2010) apresentam uma significativa identidade de verbos de ligação. Esses gramáticos são
unânimes na identificação dos seguintes: ser, estar, andar, ficar, permanecer e parecer. Outros
verbos são destacados por um ou outro gramático: o verbo tornar-se é mencionado por Cunha
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(1992) e o verbo continuar, por Cunha (1992) e Rocha Lima (2010). Bechara (2009), ainda que
proponha uma nova concepção para o predicado, distanciando-se desses gramáticos, aproxima-se
dos mesmos na listagem dos verbos de ligação.
Diferentemente desses gramáticos, os verbos de ligação, na perspectiva de Luft
(1971), distinguem-se na medida em que estão distribuídos em classes e de acordo com
determinados valores aspectuais. Nesse sentido, a lista de Luft (1971) não se esgota; ao contrário,
é fluida e maleável, permitindo o acréscimo de outros verbos.
Vejamos dois exemplos encontrados em situações reais de comunicação.
(1) “Salário dos docentes federais segue defasado.”23
(2) “Carros encontram-se abandonados na avenida Portugal.”
24
No exemplo (1), observamos o emprego do verbo seguir; em (2), do verbo encontrar-
se. O sentido do verbo seguir em (1) não se refere ao desenrolar de uma situação; ao contrário,
aponta para um estado e indica uma duração, uma continuação ou continuidade desse estado, para
usar as palavras de Luft (1971). Dessa forma, no exemplo em questão, podemos admitir o verbo
seguir como um verbo de ligação e o adjetivo defasado como predicativo. Em (2), o verbo
encontrar-se não está sendo utilizado com o sentido de encontrar alguém, porém traduz uma
significação diferenciada, sinalizando um estado, e o adjetivo abandonados funciona como
predicativo. Nesse caso, o verbo indica a permanência de carros em um determinado local.
Conforme mencionado, o verbo seguir, em (1), poderia ser substituído por
permanecer ou continuar, uma vez que o sentido de seguir, no exemplo em análise, é justamente
de indicar que uma situação perdura e que, portanto, não houve mudança. Luft (2010) não
apresenta situações em que o verbo seguir pudesse ser considerado de ligação. No entanto, o autor
admite que esse verbo é sinônimo de continuar, ainda que este não seja considerado de ligação
nos exemplos que ilustram o verbete no dicionário. De forma semelhante, Cunha (1982) considera
o verbo continuar como um dos possíveis sinônimos para o verbo seguir.
Em (2), o verbo encontrar-se poderia ser substituído por estar, uma vez que a
manchete divulga a notícia de carros estarem abandonados em uma rua, na Avenida Portugal,
localizada na cidade do Rio Grande/RS. De acordo com Luft (2010. p.240-241), o verbo
encontrar-se pode anteceder um predicativo: “achar(-se) (em certo estado, condição, lugar):
Encontrei-a doente ( Encontrei-a/ela estando doente ou Ela estava doente/quando a encontrei).
23 Fonte: InformANDES, 2014, nº 33.
24 Fonte: http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?e=7&n=62720. Acessado em 15 set. 2014.
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Encontrou-a de cama, com febre, etc” [grifos do autor]. No exemplo em (2), infere-se, pelo
contexto em que o verbo é empregado, um valor mais estativo, i.e., os carros estão abandonados
em um determinado lugar. Luft (1971), conforme apresentado na subseção 3.2 deste artigo, não
destaca o verbo encontrar-se como um possível verbo de ligação, porém menciona o verbo
achar-se25
, com indicação de um estado passageiro, observável no exemplo em análise.
Seguindo a proposta de Luft (1971), os dois enunciados em análise apresentam verbos
de ligação; e, de acordo com Bechara (2009), apresentam um predicado complexo. Se a noção de
predicado nominal, associada a determinados verbos de ligação, fosse utilizada para classificar
esses enunciados, dificuldades emergiriam: (i) como conceber um predicado nominal em (1) e (2)
se o verbo não é de ligação (segundo Cunha (1992), Mendes de Almeida (1973) e Rocha Lima
(2010))?; e (ii) se o predicado for considerado verbal, como classificar defasado e estacionados?
CONCLUSÕES
Acredito ser inquestionável o ensino da norma padrão prescrita nas gramáticas
tradicionais. Baseando-se nessas gramáticas, o professor dos anos finais do ensino fundamental e
do ensino médio pode desenvolver o ensino produtivo, introduzindo variantes no repertório
linguístico do aluno de modo que este desenvolva, continuamente, a habilidade de adequar
estratégias linguísticas a diferentes contextos de comunicação. Entretanto, a gramática tradicional
escolhida pelo professor não constitui um exemplar representativo de todas as gramáticas
tradicionais. Conforme apresentado na seção 3, não há uniformidade entre os gramáticos com
relação à concepção de predicado nominal e à listagem dos verbos de ligação.
Esta pesquisa, ainda que breve, pode constituir um referencial teórico para o professor
dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio no que se refere ao predicado nominal e
aos verbos de ligação. De posse deste material, o professor pode decidir qual abordagem seguir: se
aquela com uma concepção mais estreita de língua, que dificulta, ou mesmo impede, a análise de
enunciados reais de comunicação (BECHARA, 2009; CUNHA, 1992; MENDES DE ALMEIDA,
1973; ROCHA LIMA, 2010), ou se aquela com uma concepção mais alargada de língua, de modo
a envolver os próprios enunciados reais (LUFT, 1971).
25 Não há referência aos verbos encontrar-se e achar-se em Cunha (1982).
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OS ELEMENTOS LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS NA CONSTITUIÇÃO DA
COESÃO NOMINAL EM PRODUÇÕES ESCRITAS EM PLE
Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin (UFC)
Meire Celedônio da Silva (UFC)
Resumo:
O objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões sobre a produção de textos escritos por
estudantes de PLE em situação de imersão na UFC. Essas reflexões fazem parte da nossa
dissertação de mestrado que se encontra em desenvolvimento nessa instituição de ensino. Para
isso, partimos dos pressupostos do ISD sobre a aprendizagem de uma língua natural. Segundo
Bronckart (1999), a aprendizagem de uma língua se dá nas atividades de interação social. Sobre
esse conteúdo Bakhtin (2000) é enfático, ao colocar como centro do aprendizado de uma língua as
interações sociais: “adquirimos (uma língua) mediante enunciados concretos que ouvimos e
reproduzimos durante a comunicação verbal viva”, portanto, é nos e pelos textos, sejam orais ou
escritos que um sujeito faz uso efetivo dos elementos linguísticos. Os parâmetros da situação de
enunciação implicam-se nas escolhas linguísticas de um sujeito ao empreender em um agir
linguageiro em determinada situação de produção. Quanto à produção de texto em uma língua
estrangeira, o agente produtor precisa mobilizar conhecimentos linguístico-discursivos para
interagir com seu receptor. Um dos elementos que durante as nossas análises percebemos
apresentarem problemas para o estabelecimento da coesão nominal é a ausência do artigo
definido dentro dos sintagmas nominais. Segundo Neves (2011), os artigos definidos são
elementos importantes para a construção do sentido do texto, além de serem dependentes da
situação de comunicação e da intenção dos sujeitos da interação verbal. Dessa forma, em nossos
resultados preliminares, podemos afirmar que os estudantes precisam desenvolver capacidades
linguístico-discursivas para conseguir utilizar esse elemento linguístico disponível no português
para estabelecer relações de coesão nominal.
Palavras-chave: produção de texto; elementos linguísticos discursivos; português língua
estrangeira.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como ponto de partida algumas reflexões surgidas no percurso da
análise do nosso corpus da pesquisa de mestrado em andamento no programa de Pós Graduação
em Linguística (PPGL) da UFC. Durante esse itinerário percebemos como alguns elementos que
compõem um Sintagma Nominal (doravante SN) dentro do texto na construção de cadeias
anafóricas para introduzir, manter e fazer progredir temas e subtemas. Esses elementos dependem
não apenas de conhecimentos estruturais da língua que está sendo apreendida, mas também da
mobilização dos conhecimentos da situação de enunciação.
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Diante desse quadro, partimos da seguinte pergunta: o uso do artigo definido na
constituição de cadeias anafóricas depende apenas de conhecimentos linguísticos ou os parâmetros
da enunciação também exercem influência na escrita de aprendizes de PLE?
A questão relacionada ao ensino e à aprendizagem do texto escrito em LE vem sendo
discutida por muitos autores (HYLAND, 2003; MATSUNDA,2003), além das pesquisas que
tratam do ensino de LE através dos gêneros textuais em uma perspectiva da interação verbal . Em
seu artigo sobre a aprendizagem do texto escrito em segunda língua, Matsunda (2003) percorre o
caminho histórico da inserção da escrita no ensino aprendizagem de língua estrangeira. Segundo a
autora, o interesse começa a partir dos anos 60, mas os estudos mais envolvidos com a pesquisa
sobre a escrita em segunda língua só começa a surgir a partir dos anos 90 e está atrelado a
Linguística Aplicada como um subcampo de interesse dessa área.
Para a autora, a negligência dada ao estudo da escrita em segunda língua, deve-se
possivelmente pelo predomínio do método audiolingual em meados do século vinte. Outro fator
que contribui para essa desvalorização da escrita nessa área de investigação provém da teoria de
que a fala é aprendida antes da escrita. Devido a esses motivos, principalmente, não se deu tanta
importância ao aprendizado da escrita em LE até recentemente.
Segundo a autora, um ensino de segunda língua centrado no nível da estrutura não é
capaz de dar conta de uma organização geral do texto, mesmo que esses estudantes fossem
capazes de produzir frases gramaticalmente corretas. Alguns pesquisadores argumentavam que o
problema estava na transferência das estruturas da primeira língua para a produção de texto em
segunda língua.
Hyland (2003) complementa esse raciocínio e afirma que um conceito de escrita em
segunda língua sob o ponto de vista da estrutura direciona uma visão de escrita como um produto
e estímulos com foco em unidades formais do texto ou aspectos gramaticais. Assim, aprender a
escrever em uma língua estrangeira ou segunda língua envolve principalmente conhecimentos
linguísticos, escolhas de palavras, partes da gramática e mecanismos de coesão que formam blocos
essenciais de textos. Percebe-se, assim, a exclusão de operações essenciais para uma ação de
linguagem que tem como produto empírico um texto (BRONCKART, 1999).
Matsunda (2003) afirma que só nos anos 70, com as pesquisas de Vivian Zamel é que
foi introduzida a noção de escrita como um processo no ensino e aprendizagem de segunda língua.
Segundo Zamel citada por Matsunda, a escrita de aprendizes avançados em segunda língua é
similar a de aprendizes em primeira língua. Além disso, eles podem se beneficiar do foco dado as
instruções de escrita como um processo em sua língua materna. No entanto, Petrova (2010), ao
relatar sua experiência com o ensino PLE a estudantes russos, percebeu muitas dificuldades. Essas
dificuldades teriam origem na distância tipológica entre as línguas – português e russo- apontadas
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por ela como a causa dessas dificuldades, embora a autora relate o ensino de vocabulário e não
exatamente de produção escrita.
Entretanto, Hyland (2003) afirma que a escrita é uma atividade social, pois todo ato de
comunicação tem um propósito, inserido em um contexto e tem um tipo de receptor específico.
Dessa forma, esses aspectos podem formar a base de um contexto para o aprendizado da escrita.
Isso evidência a importância de os estudantes estarem inseridos em situações de comunicação
real. Assim, percebemos a importância do agir comunicativo para os aprendizes de uma língua,
pois é através desse agir que mobilizam os conhecimentos para realizarem determinada tarefa.
Hyland (2003) é categórico ao tratar da atividade de escrita como uma atividade social.
Essa visão vai ao encontro do que pensa Bronckart (1999, p.32) as atividades humanas são
reguladas e mediadas pelas interações verbais (orais ou escritas). A língua, dessa forma, assume
um papel importante nas atividades humanas. É através dela que o homem interage e age nos
diversos campos de atividade no meio social. O aprendizado da escrita é ensejado dentro das
rotinas familiares, ou em ciclos de atividades e está ligado a novos contextos e compreensão do
que os estudantes já sabem sobre a escrita. Portanto, a influência do contexto social no
aprendizado da escrita, assim como o que o estudante já sabe sobre a escrita principalmente em se
tratando de língua estrangeira é de grande valia. Esse pensamento de Hyland remete ao que
Vygotsky (1998 ) chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) em que o estudante conta
com o apoio do professor e dos demais seres que o cercam para desenvolver habilidades com um
conteúdo.
Em se tratando de aprendizagem de uma segunda língua percebemos o valor que a
língua materna tem nesse processo, contradizendo o que alguns pesquisadores afirmam da
influência negativa da língua materna, Vygotsky afirma:
O êxito no aprendizado de uma língua estrangeira depende de um certo grau de
maturidade na língua materna. A criança pode transferir para a nova língua o sistema de
significados que já possui na sua própria. O oposto também é verdadeiro – uma língua
estrangeira facilita o domínio das formas mais elevadas da língua materna.
(VYGOTSKY, 1998, p.70 )
Dessa maneira percebemos a importância dos pré-construídos e das representações
sociossubjetivas de um aprendiz de segunda língua, ou seja, das formações sociohistórica de
aprendizes de uma LE.
Hyland (2003) também enfatiza a influência que o contexto social tem sobre a escrita.
Segundo ele, o contexto é mais que a interação de escritores e leitores particulares, isso remete
como instituições, sociedades e culturas influenciam a escrita.
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E continua, o ato de escrever é um mecanismo que se encontra, tanto no sentido de
uma atividade pessoal quanto individual, mas é também interacional e social, expressando
propósitos culturalmente reconhecidos, refletindo um tipo particular de relações e reconhece um
engajamento em uma dada comunidade. Ele então lista cinco tipos de conhecimentos que os
agentes produtores (BRONCKART, 1999) de segunda língua trazem para criar textos efetivos.
O nosso trabalha encontra-se assim organizado: primeiro elaboramos uma síntese do
contexto na qual a pesquisa se desenvolveu e a metodologia utilizada por nós para chegarmos aos
resultados parciais; em seguida fazemos algumas considerações sobre os mecanismos de coesão
no contexto do interacionismo sócio discursivo além de um subtópico sobre o artigo definido
depende de elementos também pragmáticos e não apenas sintáticos; logo em seguida, realizamos a
análise dos nossos dados. Além dessas seções temos esta introdução e algumas considerações do
nosso trabalho.
2 CONTEXTO DA PESQUISA E METODOLOGIA
A nossa pesquisa compreende textos que foram coletados no curso ofertado pelo grupo
de estudo GEPLA26
que é intitulado Curso de Português para Estrangeiro: Língua e Cultura
Brasileira. Esse curso tem como objetivo (SOUSA, 2013) inserir os estudantes que chegam ao
Brasil para realizar intercâmbio da UFC, ou seja, são estudantes de mobilidade acadêmica27
a
desenvolver capacidades de linguagem em português nas modalidades oral e escrita28
como forma
de inserir esse aluno com maior participação nas atividades acadêmicas demandada por sua
permanência de seis meses nos cursos de graduação. Além desses, Silva e Leurquin (2014)
destacam os seguintes objetivos do curso de PLE ofertado na UFC: i) contribuir para ampliar as
competências linguísticas discursivas dos alunos estrangeiros na UFC; ii) proporcionar aos alunos
melhores condições de comunicação em PLE dentro da universidade bem como fora dela; iii)
investir no projeto de construção da licenciatura em PLE e na formação de professores em PLE.
No período de 2013.2, o grupo ofertou o curso a uma turma de estudantes do nível
avançado que tem por objetivo focar os estudantes na produção escrita. Nesse período foram
propostas aos estudantes algumas produções de textos. Para isso, os professores organizam as
26 Grupo de Estudo e Pesquisa em Linguística Aplicada coordenado pela professora doutora Eulália Leurquin.
27 A mobilidade acadêmica é o processo que possibilita ao discente matriculado em uma IES estudar em outra e, após
a conclusão dos estudos, a emissão de atestado de comprovante de estudos, registro em sua instituição de origem. A
mobilidade acadêmica envolve a existência de condições apropriadas, que contribuem com a formação e o
aperfeiçoamento dos quadros docente e discente, objetivando a aquisição de novas experiências e a interação com
outras culturas. Informação disponível em:< http://www.cai.ufc.br/mobilidadeestrangeiro.htm>. Acesso em: 20 nov.
2013
28 No caso do curso ofertado para os estudantes do nível avançado o foco maior é com a modalidade escrita da língua.
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atividades para atender os objetivos desse nível a partir das dificuldades apresentadas pelos
estudantes na prova de nivelamento.
O curso contava com 16 estudantes de diferentes nacionalidades como podemos ver
no gráfico abaixo.
Quanto ao perfil linguístico desses estudantes, eles já haviam estudado português em
seus países de origem por pelo menos 1 ano. Isso justifica eles estarem em um curso de PLE do
nível avançado e também a nossa escolha de trabalharmos com os textos deles.
Quanto às motivações e aos objetivos para aprender português também são bastante
heterogêneos. Alguns citaram que queriam aprender gramática e melhorar a pronúncia, outros
escrever melhor textos e outros ainda citaram que compreender o português falado no Brasil.
A nossa pesquisa é de cunho descritivo. Partimos de um corpus de textos escritos por
estudantes estrangeiros de mobilidade acadêmica coletados no período letivo de 2013.2. Antes do
início das aulas, os estudantes fazem um teste de nivelamento para aferir as capacidades de
linguagens já desenvolvidas. Esse teste é composto de uma prova de produção e compreensão oral
e outra de produção e compreensão escrita.
A proposta de produção escrita – que é a que nos interessa aqui – foi a escrita de um e-
mail pessoal e a partir dela os estudantes produziram textos que são os objetos de análise nesse
trabalho.
Proposta de produção de texto para a prova de nivelamento
Durante a sua estadia no Brasil, um amigo seu resolve vir visitá-lo e você está
muito feliz. De acordo com os seus conhecimentos sobre esse país, redija um e-mail em
português a seu amigo. Nesse e-mail você deve relatar um pouco das suas experiências aqui,
descreva alguns lugares que já conhece, dê sugestões de atividades recreativas culturais que
ele pode fazer no Brasil. Além disso, peça que traga do seu país alguma coisa da qual sente
falta.
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Essa proposta é importante no âmbito da pesquisa para percebermos que todo texto ou
produção verbal é a resposta a um outro texto (BAKHTIN, 2000) e sofre influência do intertexto
(MACHADO; BRONCKART, 2009). Poderemos na análise perceber que os estudantes fazem
usos dos elementos que se constitui a textualidade a partir de um contexto mais amplo.
Passaremos, na seção seguinte a algumas considerações sobre os elementos da
textualidade sob uma perspectiva discursiva dentro do quadro do ISD, além de levarmos em
consideração alguns aspectos da teoria de Neves sobre os recursos linguísticos.
3 ELEMENTOS GRAMÁTICAIS SOB UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA
As questões que envolvem o ensino e aprendizagem de línguas têm ganhado
relevância no cenário das pesquisas no Brasil. A mudança de atitude diante do que se pensa
realmente o que é língua provocou mudanças significativas nesse processo. Com as teorias da
enunciação principalmente sob um ponto de vista bakhtiniano têm impulsionado essas reflexões.
Para esse estudioso, há uma necessidade de perceber ou analisar os contextos ideológicos nos
quais acontecem as interações verbais.
A língua como objeto de ensino e aprendizagem, de acordo com a proposta do ISD.
Na perspectiva do ISD que tem como expoente maior Bronckart, a língua não é um objeto de
apreciação de culto ou padrão, mas deve estar a serviço dos sujeitos que dela fazem uso para a
inserção social desses sujeitos nas diferentes esferas do agir linguageiro em um determinado
campo de atuação deles no campo social. Assim, a língua existe em potência em uma determinada
comunidade verbal e se realiza nas diferentes atividades humanas através dos textos produzidos
nesses espaços sociais.
Dessa forma, Não há mais espaço para perceber a linguagem como algo estanque ou
mesmo normativa apenas. O falante de uma língua dispõe de uma gama variada de recursos para
deles fazer uso. Leva-se em considerações as permissões das línguas e também a criatividade de
cada agente produtor, apartir das instâncias que assume ao fazer o seu dizer em um determinado
contexto. São sujeitos situados sociohistoricamente e a situação de produção no qual está inserido,
trate-se de produção verbal em língua materna ou estrangeira, podemos associar ao fato de que os
conhecimentos construídos coletivamente (BRONCKART, 1999) influenciam nas tomadas de
decisões.
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Para Bronckart (1999), a atividade de linguagem é fundamental para o
desenvolvimento. Ela exerce duas funções principais: pode tanto semiotizar as representações
coletivas construídas historicamente quanto organiza, comenta e avalia as interações humanas.
3.1 O uso dos definidos na construção do sentido
Os artigos definidos tem bastante visibilidade dentro dos estudos da análise da coesão
nominal dentro do texto. Neves (2013). Para alguns autores tem desenvolvido algumas pesquisas
sobre a função que o artigo definido tem dentro de um SN (APHOTELOZ; CHANET, 2003;
KOCH, 2006 ).
Pesquisas que tratam da construção da referenciação mostram o papel que o artigo
definido exerce dentro do texto como fator preponderante na introdução ou retomada de uma fonte
de significação (BRONCKART, 1999). Eles estão diretamente relacionados a essas retomadas de
acordo com o conhecimento da situação enunciativa que o agente produtor possui.
Além disso, as pesquisas que tratam do uso dos elementos linguísticos discursivos sob
um ponto de vista funcionalista descrevem as várias situações nas quais o contexto de produção
influencia ou é determinante na escolha de um artigo definido. Neves (2013) cita alguns autores
que fazem referência ao uso do artigo definido na construção da textualidade. Para isso, ela faz
cita vários autores como Givón, Lyons e Hawkins. Segundo Neves (2013), para esse último autor,
o artigo definido apresenta três usos: um anafórico e dois situacionais.
Assim, os artigos definidos assumem papel importante dentro de um texto
principalmente no que diz respeito aos elementos de coesão nominal. O conhecimento partilhado
entre os interlocutores da situação e do conteúdo a ser tematizado diz muito sobre isso. Não
podemos tratar a questão da coesão nominal apenas sob o viés de uma análise de elementos
estruturais, mas como esses elementos são construídos pelos interlocutores na situação de
interação e que exige o conhecimento da situação pelos interlocutores.
A partir dessas considerações, passaremos na seção seguinte a tratar da análise dos
nossos dados. Assim, primeiramente partiremos da análise do contexto de produção no qual os
estudantes estavam inseridos. Em seguida, faremos algumas considerações sobre o uso dos artigos
definidos dentro da tessitura textual.
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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
A produção de texto das quais extraímos os exemplos da nossa análise faz parte da
primeira produção de texto desses estudantes. Trata-se de um e-mail que será enviado a um colega
que se encontra em seu país de origem. Podemos sistematizar da seguinte maneira o contexto de
produção dos textos analisados nesse trabalho.
Contexto físico Contexto sociossubjetivo Outros conhecimentos
Uma sala de aula
da UFC;
Um estudante
estrangeiro;
Produzido durante
uma hora e 30
minutos; antes de
iniciar o curso de
PLE
O professor
coordenador do
curso
Âmbito informal e da universidade;
Amigo; estudante de mobilidade
acadêmica;
De colega do enunciador;
Relatar ao seu colega suas
experiências de estadia no Brasil,
sobretudo, seus sentimentos em
relação ao seu país de origem.
Do gênero textual e-mail;
Conhecimentos intermediários da
língua alvo que comprovem que
já desenvolveu capacidades de
linguagem nela;
Conhecimento do assunto a ser
textualizado.
Os textos a seguir foram produzidos na mesma situação de produção, no entanto,
podemos cada agente produtor mobiliza diferentes mecanismos que podem ser organizados de
acordo com os conhecimentos de cada uma das atividades propostas. Destacaremos os SN que são
introduzidos e ou retomados como parte da atividade discursivas desses estudantes. O primeiro
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texto da nossa análise é de uma estudante francesa que estudou português por aproximadamente 1
ano em seu país de origem.
07_A_1
Oi querida!
Tudo ben? Que legal você está vindo para o Brasil para passar as suas férias comigo. Eu estou
aqui em Fortaleza e moro no bairro Meireles, que fica ao lado da praia você vai gastar! Eu
moro com duas amigas numa república!
Eu tenho um pedido: por favor leva uma garrafa de cerveja “Hefeweinzen”, qual eu adoro.
Você sabe! Eu tenho muitas saudades da cerveja alemã.
Se você vai vir para cá, me lige. Depois eu vou buscar você no aeroporto.
Já estou anciosa!
Beijos e abraços
xxxx
Podemos perceber que o agente produtor dentro de uma situação de enunciação que
partilha os conhecimentos entre ele e o interlocutor mobiliza os recursos linguísticos da língua
alvo para estabelecer o conteúdo temático através da introdução de uma SN definido. Essa
operação está diretamente associada aos conhecimentos mobilizados por esse agente dos
parâmetros físicos e sóciosubjetivo da produção de linguagem. Alguns SN são introduzidos,
mesmo que apareça pela primeira vez no texto, como podemos perceber com os SN no aeroporto,
a cerveja alemã. Dessa forma, na situação na qual se encontra, o agente produtor participa
ativamente da interação e ativa também os conhecimentos do seu receptor como conhecedor de
conteúdos culturalmente construídos.
Podemos perceber também com a introdução do SN o Brasil com o artigo definido
pelo agente-produtor ativar o conhecimento que se trata de elemento de referência única (NEVES,
2013) devido aos conhecimentos sobre o assunto a ser tematizado e da situação de enunciação e
também estruturais, acreditamos.
09_F_1
Oi xxx!
Como você vai?
Estou muita contenta que você vem para o Brasil!
Eu moro na cidade de Fortaleza na região do Ceará.
Aqui tem muitas bonitas praias como praia do futuro o Cumbuco. Espero que você vai venir me
visitar!
Eu falta muito de comida francesa, tipo, saussisson e queijo.
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Em particular, o que falta mais e minha petuche (uma cabra), tem muito valor para eu. Você pode
me trazer estas coisas por favor? (Mas não é obrigado do queijo porque cheira mal)
Si você quer venir na Fortaleza, aqui fica em aeroporto e eu moro perto deste, mais o menos 15
minutos de taxi. Eu posso venir se encontrar no aeroporto si quer.
Bom viagem amiga! Até logo!
Beijos
O conhecimento da situação de comunicação parece levar os estudantes a se
colocarem mais diretamente diante dos conhecimentos construídos ao longo de suas vivências. As
opções que ele encontra na língua demonstra que esses estudantes usam com alguma propriedade
os elementos linguísticos estruturais para a construção do texto de maneira a organizar cada um
dos subtemas e manter a unidade textual. Os elementos de menção única como já na introdução do
SN o Brasil, não basta apenas conhecimento da gramática, mas mobilizar algumas representações
sobre o conteúdo temático a ser textualizado.
No entanto, algumas operações mostram que o estudante ainda não assimilou algumas
formas de tratar a informação no texto. Por exemplo, no SN aeroporto exige a mobilização de
conhecimentos sobre a cidade de Fortaleza enquanto capital e rota de turismo internacional,
portanto deve ter um aeroporto. Assim, como a introdução do SN de comida francesa sem o uso
do artigo definido. Isso mostra que o agente produtor não mobilizou a capacidade de ação na
textualização do seu dizer e isso implica em não perceber diretamente o seu interlocutor. Dessa
forma, ele fala de maneira genérica da comida francesa como se o seu interlocutor não partilhasse
dos mesmos conhecimentos culturais.
13_E_1
Oi xxxx,
Tudo bom? Estou esperando pra você chegar.
Eu gosto de Brazil muito mas eu sinto falta algumas coisas. Antes você cheiga pode vem com
morningstar e Boca Burgers? A comida de “vegetarians” é muito caro daqui Brazil. Então, eu
preciso meu notebook. Notebook e muito cara também. Eu sinto falta a musica de Erykan
Badu e Lauryn Hill. Pode me dar o CD. Estou na Fortaleza. Não tem authentica molho de
pimenta.
Ser certeza pratica Portuguese muito Não pessoas falam inglês. E bom porque podemos ser
bilingual. Excercia muito pra praia. Mais uma coisa, pode vem com ropas barrato, e muito cara
em Brazil. Não sei porque. Pronto ver você.
Te amo
Nesse texto, podemos perceber que é um texto truncado por não apresentar os
elementos estruturais da constituição de um SN, mas que tem uma implicação do conhecimento do
contexto discursivo. O agente-produtor introduz o SN Brasil sem o uso do artigo definido. Essa
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operação se repete ao longo do texto com a repetição do SN Brasil, além de parecer que o agente
produtor não mobiliza os conhecimentos da situação de comunicação ampla, ele provavelmente
ainda não aprendeu a utilizar os elementos linguísticos discursivos na língua estrangeira. Esse fato
fica mais evidente, quando ele introduz o SN Fortaleza com um artigo definido. Talvez, nesse
último caso, o agente produtor mobilizou o conhecimento necessário para o primeiro, mas que não
é a mesma situação do outro. Nesse caso, a língua portuguesa apresenta algumas especificidades
em relação ao uso dos artigos definidos com nomes geográficos.
Outros SN, como a comida de vegetarians, o CD que são introduzidos pelo artigo
definido aponta para o diálogo entre agente produtor e interlocutor que compartilham dos mesmos
conhecimentos de mundo. Assim, quando o agente produtor introduz o SN definido o CD,
podemos inferir que trata-se de um objeto específico que o interlocutor tem acesso e sabe do que
se trata especificamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os conhecimentos mobilizados pelos estudantes, percebemos que há
uma busca por estabelecer as estratégias de uso da língua alvo por parte do aluno de acordo com
os diversos conhecimentos disponíveis nele. Ele mobiliza conhecimentos do contexto de produção
e intervém mesmo que de maneira, ás vezes insatisfatória, pois os textos apresentam alguns
problemas gramaticais os elementos de fusão que constroem o seu dizer como objetivo de
estabelecer um agir na língua alvo. Assim, percebemos que o contexto enunciativo assume papel
preponderante nas tomadas de decisões desses estudantes.
A análise, por nós realizada, tem uma perspectiva diferente do que os elementos
estruturais exercem em uma determinada língua. Esses elementos são postos como possíveis
realizações de atividades de linguagem, eles existem em potência em uma dada língua, mas apenas
seu efetivo é que alimenta essa língua. O lugar social e as representações do agente produtor -
aprendiz de uma segunda língua - pode motivar o uso de um determinado elemento. A visão que
eles – os estudantes estrangeiros em situação de imersão - também têm das atividades e do papel
social deles contribuem para elaborar determinadas estruturas dependem não somente dos
conhecimentos de língua desses estudantes, mas, sobretudo, do contexto discursivo – amplo e
restrito – no qual estão inseridos.
Percebemos assim que as escolhas de elementos que constituem os sintagmas
nominais responsáveis por estabelecer um conteúdo temático em um determinado texto. Partindo
da reflexão inicial: o uso do artigo definido na constituição de cadeias anafóricas depende apenas
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de conhecimentos linguísticos ou os parâmetros da enunciação também exercem influência na
escrita de aprendizes de PLE? Podemos perceber que a textualização de um conteúdo temático não
depende apenas de elementos linguísticos, mas da mobilização dos diferentes conhecimentos
envolvidos em uma produção verbal. No entanto, estes mediatizam o processo de construção de
uma determinada isotopia no texto.
Esse trabalho também permite realizarmos uma reflexão em torno do ensino de PLE e
dos conteúdos a serem abordados em um curso de PLE. Podemos perceber que é preciso pensar o
ensino e aprendizagem de PLE como uma dinâmica que considere os contextos de uso da língua
nas diferentes atividades que os estudantes estão envolvidos no país no qual se encontram.
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193
PRÁTICAS E CONTEXTO DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM
RORAIMA
Luzineth Rodrigues Martins29
(UERR)
Cristiani Dália de Mello30
(UERR)
Resumo:
O projeto “Práticas e Contexto do Ensino da Língua portuguesa em Roraima” tem como objetivo
coletar dados gerais sobre o ensino de LP em 14 municípios do Estado de Roraima, pois detectam-
se problemas como a falta de atendimento das expectativas de qualidade desenhadas pelo sistema
nacional de educação, pelos gestores , professores e pais de alunos; dificuldade dos professores na
promoção de práticas pedagógicas que resultem na elevação dos níveis de habilidades de leitura e
de escrita dos alunos em conformidade com o nível de ensino em que se encontram; dificuldade na
inclusão dos avanços dos estudos da linguagem no ensino da LP e falta de promoção da formação
continuada em atendimento às necessidades reais do professor de LP. A metodologia utilizada
deu-se pela coleta de dados, tendo como instrumento um questionário destinado aos professores,
composto de questões abertas e fechadas, com o objetivo de fornecer respostas que levassem à
realidade do cotidiano professor/aluno nas salas de aula de LP. Esses dados foram tabulados,
analisados e os resultados foram distribuídos em três contextos, isto é, a atuação do professor no
ensino de LP; o uso e importância do LD e a contribuição do PPP. Como conclusão, constatamos
que o ensino de LP no Estado precisa ser atualizado, pois é pautado pelo uso da gramática em
detrimento das práticas de uso da linguagem; a grande preferência dos professores pelo LD recai
sobre os livros não recomendados ou recomendados com ressalvas, pelo descompasso que há entre
a expectativa do professor e dos livros recomendados pelo PNLD; e, por fim, muitas escolas não
têm o PPP construído e as que possuem não veem a necessidade prática deste documento.
Palavras-chave: ensino de LP, práticas de ensino, escolas públicas
INTRODUÇÃO
O projeto “Práticas e Contexto do Ensino da língua Portuguesa em Roraima” está
ancorado no grupo de pesquisa Sociolinguística, letramento e ensino, linha de pesquisa
Letramento e ensino da língua materna, coordenado pela professora Luzineth Rodrigues Martins, e
foi criado com o objetivo de coletar dados gerais sobre o ensino em Roraima, de modo a sinalizar
quais fatores interferiam na promoção da qualidade desse ensino, para que se pudesse
posteriormente, subsidiar a implementação de ações que visem à superação dos problemas já
detectados, tais como: a falta de atendimento das expectativas de qualidade desenhadas pelo
sistema nacional de educação, pelos gestores, professores e pais de alunos; dificuldades dos
professores na promoção de práticas pedagógicas que resultem na elevação dos níveis de
29 UERR.- Universidade Estadual de Roraima
30 UERR.- Universidade Estadual de Roraima
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194
habilidades de leitura e de escrita dos alunos em conformidade com o nível de ensino em que se
encontram; dificuldade na inclusão dos avanços dos estudos da linguagem no ensino de LP e a
falta de promoção de formação continuada em atendimento às necessidades reais do professor de
LP.
Foram pesquisados 225 professores que atuam do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º
ano do Ensino Médio, em quatorze municípios do Estado de Roraima. A metodologia do projeto
para a pesquisa pode ser compreendida em quatro momentos, a saber, a construção do instrumento
de coleta de dados; a coleta de dados; a sistematização dos dados e a análise dos dados.
A coleta de dados deu-se a partir de visitas aos professores em suas respectivas
escolas, no período de seis meses. Para ser colaborador, foi estabelecida pela pesquisa a condição
do professor estar em efetivo exercício da docência. As informações a respeito da realidade do
ensino da LP em Roraima foram coletadas a partir de três contextos: atuação no ensino da Língua
Portuguesa; o uso e importância do Livro didático e a contribuição do Projeto Político Pedagógico
da escola. Os dados foram registrados em categorias analíticas para permitir mais clareza em sua
visualização das questões.
Relata-se a seguir os principais resultados obtidos em cada um dos contextos da
pesquisa citados acima.
1.1 A atuação no ensino de Língua Portuguesa
Foram questionados aos professores sobre a faixa etária, a formação acadêmica e o
tempo de conclusão de curso. Desses itens, constatou-se que a grande maioria, tanto na capital,
quanto no interior está na faixa etária entre 31 a 50 anos; que 42% dos professores do interior só
possuem o ensino médio, apesar de que na capital 91% são formados em Letras, e que a maioria
possui um tempo de 3 a 15 anos de conclusão de curso.
A respeito da atualização de conhecimentos, a metade dos professores informou que
sua participação mais relevante foi em curso de capacitação. Esse se torna um agravante, tendo em
vista a necessidade de os professores estarem sempre em formação continuada, pois o afastamento
dos espaços de formação pode impedir ou enfraquecer as possibilidades de reflexão e de alcance
de possíveis alternativas para o enfrentamento dos conflitos pedagógicos.
Além desses quesitos para se caracterizar o perfil dos professores de LP, fez-se
necessário considerar outro aspecto, o letramento do professor. Foram feitas algumas perguntas
sobre a visão de leitura dos docentes e mais de 40% divididos entre a capital e os interiores
responderam que a leitura era uma prática obrigatória e não como fonte de conhecimento para a
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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vida. Essa informação pode ter conotação positiva ou negativa. Positiva quando entendemos que a
leitura faz parte das formas de interação social, e negativa quando é vista como ação impositiva,
sem o reconhecimento pelo sujeito, do valor social desta prática. Ainda em relação ao letramento,
a grande maioria dos professores informou que nunca produziu artigos de opinião nem artigo
científico. Esse percentual é considerado muito elevado e coloca-se em dúvida a formação
continuada desse profissional.
Vê-se refletido essa desmotivação à leitura , quando se indagou sobre a frequência
com que os professores solicitam leitura e escrita dos alunos, apenas 61% dos professores
afirmaram que às vezes solicitam leitura e 75% às vezes solicitam a escrita. Considerando ser a
leitura uma prática social de grande relevância, especialmente, no ambiente escolar, onde ela tem a
importante função de ser uma via fundamental de veiculação de informação, a negligência do
professor com relação a essa prática se traduz em dano direto e imediato ao processo cognitivo do
aluno, porque ela é uma das vias de excelência para a aquisição de informações. No que tange à
escrita, a sua negligência implica na omissão à prática do letramento escrito a uma parcela
significativa de alunos a uma prática de grande valor social. Esperava-se que todos os professores
pesquisados, sem exceção, respondessem positivamente a questão, haja vista que a leitura e a
escrita são práticas essenciais e obrigatórias em todas as séries em que atuam os professores
pesquisados. Mas os dados da pesquisa contrariam essa expectativa, quando revelam,
principalmente que 8% dos professores não solicitam leitura e 1% não solicita escrita.
Além disso, sabendo-se que a prática de uso do texto como pretexto para o ensino da
gramática é uma realidade muito forte nas escolas brasileiras, pela sua tradição, em decorrência do
processo histórico do ensino (ANTUNES, 2007; BAGNO 2013; BORTONI-RICARDO, 2013)
buscou-se informações a esse respeito, isto é, perguntou-se aos professores a frequência com que
eles trabalhavam com as questões gramaticais nos textos. Os percentuais relativos à categoria de
“às vezes” (69%) utilizam a gramática são elevados e representam uma prática danosa ao
conhecimento linguístico do aluno, porque significam que, de modo geral, tirando um pelo outro,
os professores utilizam os textos com o fim de exploração de aspectos gramaticais. E sabe-se que a
prática de exploração gramatical jê é muito enfatizada, mesmo sem o recurso do uso do texto, isto
é, a gramática pela gramática. Basta observar o livro didático para uma simples constatação desse
fato. Outra forma de observação desta realidade pode ser a observação direta dos eventos em sala
de aula ou das atividades registradas nos cadernos dos alunos.
Ainda questionando o letramento, indagou-se sobre as dificuldades com a prática da
escrita e os professores pesquisados revelaram que a maior dificuldade dos alunos é usar a norma
padrão da língua, considerada por aqueles como sendo o aspecto mais importante em uma
produção textual. Segundo os professores, os alunos têm mais dificuldades nesse aspecto do que
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em fazer o plano de redação do texto; selecionar o léxico adequado ao tema do texto; organizar as
informações nos parágrafos; desenvolver o tema do texto. Vê-se que dentre os critérios de
conhecimento interacional (planificação do texto); conhecimento linguístico (invocado pelo uso da
norma padrão da língua), conhecimento informacional etc, os professores optaram por considerar,
em primeira ordem de valor, o conhecimento gramatical, como o de maior dificuldade dos alunos.
Os demais conhecimentos dividem espaço quase em grau de igualdade”, com variação de 4% para
mais ou para menos.
Diante desses percentuais fazem-se as seguintes indagações: se a gramática é tão
difundida, porque usar a norma padrão da língua é uma das maiores dificuldades de escrita dos
alunos? Será que os professores não estão supervalorizando a norma padrão da língua em
detrimento de outros aspectos de uso da língua? Pelas respostas dadas, percebe-se que apesar da
grande preocupação dos professores com o ensino da gramática, ele é pouco produtivo, o que
torna assim o ensino da língua portuguesa de pouca importância para os alunos.
1.2 O uso e importância do livro didático para o ensino de Língua Portuguesa
A partir dos resultados da análise do livro didático pôde-se constatar que o livro mais
utilizado pelos professores de LP no estado de Roraima é a coleção Português-Linguagens de
Magalhães e Cereja (ensino fundamental do 6º ao 9º ano) e Magalhães e Cereja (ensino médio
de 1º ao 3º ano). Esta coleção é alvo de críticas por apresentar uma abordagem tradicional do
ensino da língua portuguesa. Acredita-se que este LD foi escolhido justamente pela proximidade
do formato tradicional de ensino, dos aspectos gramaticais da língua.
Esse dado, contraposto com o próprio guia do LDP do Ensino Médio (2012),mostra
que as orientações e/ou posições teórico-metodológicas sugeridas no LD não coincidem com a
perspectiva do professor, já que de acordo com o guia os “pontos fracos” do livro de ensino médio
de Magalhães e Cereja são os “exercícios de análise linguística a partir de frases isoladas e a
ênfase em atividades de classificação de termos da oração”.
Em relação à adoção efetiva do LD, nesta pesquisa observou-se que 95% dos
professores adotam o LD, usando-o de 2 a 3 vezes por semana. Esses dados mostram que o livro é
uma ferramenta de grande importância em sala. Na realidade, questiona-se o conhecimento desses
professores sobre o seu objeto de ensino e as teorias que condicionam o seu ensino, quando ao
analisar as respostas dadas pelos professores sobre o LD, verifica-se que eles consideram ser
fundamental conter conteúdo gramatical, nesse material. Assim esbarramos em outro aspecto de
ensino de língua materna: a formação inicial e continuada dos professores.
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1.3 O papel do Projeto Político pedagógico das escolas de Roraima na orientação do ensino
de Língua portuguesa
Nesta parte da pesquisa, a relevância é dada aos PPPs das escolas de Roraima. Foram
analisados 44 PPPs das escolas, nas quais funcionam as últimas séries do ensino fundamental e
ensino médio, em Boa Vista. O objetivo foi verificar como este documento orienta o ensino da
língua portuguesa, para isso foi elaborado um roteiro de análise contendo dez questões, por meio
das quais se pudesse conhecer a orientação dada ao ensino dos gêneros textuais, nas dimensões da
leitura, escrita, oralidade e escuta; no tratamento dado à gramática e à variação linguística; e a
previsão do planejamento coletivo, dentre outras.
Na análise realizada, o foco principal eram as orientações sobre o ensino da LP, razão
pela qual, os aspectos observados giram em torno da linguagem. No roteiro de análise adotado,
procurou-se verificar qual a concepção de linguagem e ensino assumidos pela escola, expressos
nos PPPs. Do total de 44 projetos analisados, em 37 deles não há uma concepção de linguagem
claramente adotada, em 06 é indicada a concepção sociointeracionista citando em sua maioria os
teóricos Piaget, Vygotsky e Wallon.
A ausência de registro no PPP sobre a questão da linguagem pode decorrer de dois
fatores: um deles é que falte clareza sobre tal concepção, outra possibilidade é de que não se
compreende o papel do PPP como orientador do modus operandi da escola. Quaisquer das
possibilidades trazem uma preocupação: não ter conhecimento ou clareza das diferentes
concepções implica não ter consciência do objeto sobre o qual se trabalha e do processo
interativo da linguagem. Com isso, há outras implicações: a construção de um Projeto Político
Pedagógico passa pela capacidade de a escola, coletivamente, delinear sua própria identidade, o
que exige, por sua vez, relativa autonomia. Essa construção significa resgatar a escola como
espaço público, lugar de debate, de diálogo, fundado na reflexão coletiva. Para isso, é necessário
estar alicerçada nos pressupostos de uma teoria pedagógica “crítica, viável, que parta da prática
social e esteja compromissada em solucionar os problemas da educação e do ensino na escola”.
(VEIGA, 2006. p. 14)
Quanto à orientação dada ao ensino com os gêneros textuais e as dimensões
abordadas, nenhum dos projetos analisados apresenta orientação para trabalho com os gêneros
textuais. Registra-se que em dois planos de ensino do professor, há referência aos gêneros na
relação de conteúdo, embora fale de tipologia textual, como gênero. De igual forma, não há
menção ao trabalho com os gêneros nas dimensões de leitura, escrita e oralidade.
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Nos projetos analisados também não constam nenhum registro de como a escola
organiza o trabalho com as dimensões de leitura, oralidade, escuta e escrita. Na verdade os PPPs
apresentam mais características de Regimento Escolar, pois trata de regras de funcionamento.
Também trazem aspectos mais gerais, abstratos como visão de homem, mundo, sociedade, missão
da escola, mas não explicita como tudo isso se materializa por meio do ensino na sala de aula.
Procurou-se analisar ainda se o PPP prioriza a linguagem verbal escrita em detrimento
da linguagem verbal oral. No mesmo sentido do que se tem apresentado aqui, a grande maioria
dos projetos não manifesta tratamento à linguagem. De três deles se depreende que sim, a partir do
objetivo proposto para o ensino fundamental que é “que o aluno seja capaz de ler e escrever
corretamente”.
Buscou-se verificar qual a orientação metodológica voltada às práticas de leitura,
oralidade, escuta e escrita, mas, como regra geral não há orientações especificas para cada
modalidade. Registra-se em 05 projetos, referência ao incentivo à leitura, mas não se diz como
isso será feito.
Quanto ao tratamento dado à gramática, os projetos não apresentam como será a
abordagem gramatical, no entanto, é possível perceber em alguns, pela listagem de conteúdo como
uma tabela de conjugação verbal, que o foco está na estrutura da língua, nas palavras fora de
contexto. Esse procedimento foi confirmado por meio do questionário aplicado, no qual mais de
70% dos respondentes afirmam o frequente uso de atividades para trabalhar as regras gramaticais.
Foi analisado também qual o tratamento dado à variação linguística pelas escolas, e
dos 44 projetos analisados, nenhum deles aborda o tema, seja teórico, prático ou ainda de como
características da fala da comunidade escolar. Sobre a diversidade linguística, dos professores
pesquisados, cerca de 65% deles entendem que o livro didático atual contempla essa diversidade e
a variedade de gênero.
Quanto à formação continuada, procurou-se saber como ela está prevista no PPP e que
foco apresenta. Pela análise realizada, percebe-se que cerca de 45% das escolas traz alguma
referência à formação continuada, e muito embora o faça no sentido de destacar sua importância e
necessidade, não dizem como ela se dará, tampouco qual o foco.
De igual forma, cerca de 40% (quarenta por cento) dos projetos analisados fazem
referência ao planejamento coletivo, alguns dos quais tratam do próprio projeto pedagógico que
foi “fruto de discussão coletiva”. Os projetos ainda destacam o valor do planejamento coletivo,
mas não deixam claro uma orientação para fazê-lo. Sobre essa questão, o mesmo percentual dos
professores pesquisados afirma que fazem planejamento coletivo com frequência semanal.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das questões expostas neste texto e, a partir dos sujeitos pesquisados, pôde-se
estabelecer um quadro geral sobre o ensino de língua Portuguesa no estado de Roraima, o qual
precisa urgentemente ser atualizado, pois concluiu-se que esse ensino é pautado pelo uso da
gramática em detrimento das práticas de uso da linguagem (gêneros). Além disso, os professores
têm perfis compatíveis à realização de uma prática mais qualitativa, quando se considera o aspecto
funcional, mas quando a questão é formação, o problema se instaura.
Pelos dados confirmou-se que o livro didático é uma ferramenta de grande importância
em sala, e, na grande maioria, o professor assume as orientações desse material e as segue da
forma mais fiel possível, mas, ao mesmo tempo, pôde-se perceber que a escolha do LD nem
sempre é a mais conveniente e muitas vezes se esquece de adequar o conteúdo à realidade de sala.
Ainda se confirmou que o PPP das escolas não serve como documento norteador da
prática escolar, considerando que ele não orienta a prática pedagógica, fato que o torna apenas um
gênero da burocracia escolar.
Diante desse cenário, em continuidade da pesquisa, no que tange à formação dos
professores pesquisados, procurou-se atuar por meio de um processo de formação continuada,
visando a uma formação mais sólida a respeito dos objetos do ensino da língua portuguesa e das
metodologias adequadas ao tratamento da linguagem na sala de aula, processo que ocorre em
formato de curso de extensão, com carga horária de 100 horas semestrais em cada turma.
Espera-se que essa ação possa, a médio prazo, ir minimizando os problemas
diagnosticados nesta pesquisa, para que o ensino da língua portuguesa possa realizar-se por meio
de práticas coerentes e eficazes do ponto de vista de uma aprendizagem mais produtiva e
qualitativa para os alunos.
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202
RELAÇÃO CAUSAL ENTRE PROCESSAMENTOS INFERENCIAL E
REFERENCIAL: PROBLEMATIZAÇÃO
Maria Manolisa Nogueira Vasconcellos (DLV/DLE – UFC)
“Assim, postulamos a incontornabilidade da inferenciação na determinação
referencial e na produção de sentidos.”
(MARCUSCHI, 2003, p. 246)
Resumo:
Na linguagem verbal, os processos cognitivos de natureza inferencial são desencadeados por aspectos
formais, tais como as expressões referenciais ou elementos anafóricos, sujeitos a fatores pragmático-
discursivos. E é exatamente sobre essas expressões ou elementos que este estudo se debruça por
entendermos que seu emprego se caracteriza como um fenômeno de retomada informacional relativamente
complexo. Marcuschi (2003, 245), postulador da “incontornabilidade da inferenciação na determinação
referencial”, defende que os “três grandes temas” referência, inferência e categorização “deveriam ser
analisados de maneira integrada e como atividades ou processos representados nas expressões
significativamente mais dinâmicas referenciação, inferenciação e categorização, construídas
essencialmente em atividades discursivas”. Vale salientar, contudo, que a categorização foge ao escopo
deste trabalho embora tenhamos a compreensão de que os três processos supracitados se imbriquem de tal
forma que ao falarmos de um, estaremos inevitavelmente, contemplando o outro, mesmo que de forma
implícita. Este artigo, baseado em pesquisa de doutorado, em andamento, objetiva problematizar a relação
referenciação-inferenciação.
Palavras-chave: referenciação, inferenciação, processamento de texto
Introdução
É notório que os processos inferenciais variam em grau de complexidade, indo do mais
automático ao menos automático, dependendo do número de recursos cognitivos empreendidos para a
geração de inferência31
. Assim, este artigo visa, mesmo que tímida e muito embrionariamente,
problematizar a relação referenciação - inferenciação, ao propor a busca pela elaboração de um
continuum/continua para os processos de referenciação-inferenciação.
A referenciação
31 Vale salientar que o termo inferência está sendo utilizado aqui para designar o produto final do processo inferencial.
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Na sua evolução enquanto ciência, a Linguística Textual, doravante LT, estabeleceu e estreitou
diálogos com outras ciências como, por exemplo, a Filosofia da Linguagem, a Neurologia, a
Neuropsicologia, a Ciência da Computação, a Ciência Cognitiva, entre outras. Tornou-se, como diz Koch
(1993, p. 3), cada vez mais “multi- e transdisciplinar, [ao buscar] compreender e explicar essa entidade
multifacetada que é o texto”. Com o desenvolvimento das pesquisas na área de cognição, por exemplo,
questões relacionadas ao processamento do texto (no que diz respeito, à produção e compreensão, às
estratégias sociocognitivas e interacionais, etc.) passaram a ser o foco de interesse de diversos
pesquisadores da LT. No Brasil, essa tendência foi observada notadamente nos trabalhos desenvolvidos por
Marcuschi e Koch32
.
Norteando-se pela “concepção sociocognitivo-interacional de língua, que privilegia os sujeitos
e seus conhecimentos em processos de interação”, Koch e Elias (2006, p. 12) definem texto como sendo
lugar de interação e cujo sentido lá não se encontra uma vez que é construído pelo leitor quando tenta
decifrar as pistas ali deixadas pelo autor. O termo referência, por sua vez, também sofreu alteração de
sentido. Enquanto que, tradicionalmente, a referência é entendida como simples representação extensional
de referentes do mundo extramental, as atuais reflexões sobre referência conduzem à abordagem discursiva
na qual
a referência deixa de indicar uma relação entre língua e “coisas” (objetos do mundo
real) e passa a indicar dada construção coletiva de um modo de dizer. A realidade
construída não corresponde[, portanto,] à realidade objetiva, mas a uma realidade discursiva, que reúne os referentes na condição de objetos de discurso e não de objetos
do mundo.
Sob essa perspectiva discursiva, temos a proposta da referenciação, que, com esse
nome, quer enfatizar a atividade, o caráter dinâmico do processo de construção de
referentes (MENEZES, 2009, p.37).
Assim, na literatura mais recente da LT, o termo referência foi substituído por referenciação
que, segundo Cavalcante (2013, p. 98), é um processo que “diz respeito à atividade de construção de
referentes, ou objetos de discurso, depreendidos por meio de expressões linguísticas específicas para tal
fim, chamadas de expressões referenciais”.
De acordo com Koch (2004, p. 64), existem duas formas de ativação de referentes textuais:
a. ativação não-ancorada – é aquela que ocorre “quando um objeto-de-discurso totalmente novo é
introduzido no texto”, como é o caso de ‘um náufrago’ e ‘uma ilha deserta’ no fragmento abaixo:
32 Marcuschi & Koch; Koch & Marcuschi, 1998; Marcuschi, 1998, 1999, 2008; Koch, 1997, 1998, 1999, 2002, 2006, 2008.
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b. ativação ancorada33
- é aquela que acontece sempre que um novo objeto de discurso é introduzido, sob o
modo dado, em virtude de algum tipo de associação com elementos presentes no cotexto (superfície
textual) ou no contexto34
sóciocognitivo, sendo passível de ser estabelecida por associação e/ou
inferenciação, conforme ilustrado em (03) e (04):
Para Cavalcante (2011, 2012), são dois os critérios de referencialidade: a introdução referencial
e a continuidade referencial. Enquanto a introdução referencial ocorre quando um dado referente não se
relaciona a nenhum elemento anteriormente mencionado no texto, a continuidade referencial, por sua vez,
diz respeito à retomada de um referente por meio de novas expressões referenciais.
As expressões que retomam referentes anteriormente introduzidos, mesmo que por outras
expressões, são chamadas de anáforas diretas ou correferenciais. As expressões que apresentam um novo
referente como dado, ou seja, como se já tivesse sido previamente introduzido são chamadas de anáforas
indiretas ou não correferenciais (cf. KOCH, 2004). Os exemplos (05) e (06) ilustram, respectivamente, esses
dois tipos de anáforas.
33 Termos cunhados por Prince (1981), resgatados por Koch (2004, p. 64) e reutilizados por Elias & Koch (2006, p. 127).
34 Tudo aquilo que, de alguma forma, contribui para ou determina a construção do sentido (KOCH e ELIAS, 2006, p. 59)
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Em (05), observamos a ocorrência de uma anáfora direta, efetuada pela relação estabelecida
entre a expressão anafórica ‘o advogado’ e seu referente ‘o advogado de Castor de Andrade’. Nesse caso, ‘o
advogado’ e ‘o advogado de Castor de Andrade’ são expressões correferentes, pois fazem referência a uma
mesma entidade. Da mesma forma que, em (06), ‘cursos de japonês’ e ‘os cursos’ fazem menção à mesma
entidade sendo, portanto, classificadas como expressões anafóricas diretas ou correferenciais. ‘As aulas do
nível avançado’, contudo, não se constitui em correferente de nenhum termo anteriormente introduzido,
mas apresenta significado recuperável pela introdução referencial ‘cursos de japonês’, constituindo-se assim
em anáfora indireta.
Na concepção de Cavalcante (2011), anáforas indiretas são todas aquelas que possuem
vinculação não direta com um dado antecedente, não sendo, portanto, correferenciais entre si. Dessa forma,
não importa a origem da âncora em que se apoia o anafórico indireto, nem importa a forma como ele se manifesta (se como SN definido, demonstrativo, possessivo; se
como pronome pessoal), pois o que vale é o mecanismo inferencial envolvido no
processo.
Em outras palavras, o referente estará ancorado no contexto e exigirá do interlocutor certo
cálculo inferencial para ser identificado.
Há ainda um terceiro tipo de estratégia anafórica, a anáfora encapsuladora, ou seja, aquela que
não recupera nenhum antecedente pontual no texto, mas passa a exigir um novo referente (sob o ângulo da
menção) através da síntese de conteúdos ou porções textuais que realiza, como ilustrado em (07):
Nesse caso, ‘Essa hipótese’ resume o conteúdo textual expresso pelo enunciado ‘Imagina-se
que existam outros planetas habitados.’ e inclui também outros conhecimentos que temos sobre o que está
sendo inferido como, por exemplo, que a existência de vida em outros planetas se constitui em uma hipótese
apenas e não fato.
A classificação brevemente descrita acima foi esquematizada por Cavalvante (2013, p. 127)
conforme a seguir:
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As investigações desenvolvidas sobre o tema anáfora, bem como as categorizações já
propostas até agora, parecem-nos, potencializar a elaboração de um continuum ao longo do qual os
diversos tipos de anáfora podem ser dispostos um ao lado do outro em ordem crescente de dificuldade de
recuperação de seus referentes. Resta-nos investigar, contudo, como esses tipos se organizam de modo a
formar um continuum que os disponha um ao lado do outro em ordem crescente de dificuldade de
recuperação de seu(s) referente(s).
Para tanto, queremos ressaltar a importância do conceito de inferência e o processo da
inferenciação para a melhor compreensão e análise do significado veiculado pelas expressões referenciais
ou pelos elementos anafóricos. Reiteramos aqui, portanto, a proposta de Marcuschi (2003, p. 245) sobre
uma aproximação entre referência/referênciação e inferência/inferenciação, sendo essa última apresentada a
seguir:
A inferenciação
O conceito de inferência, altamente complexo, adquiriu ao longo dos séculos grande
abrangência, sendo usado para descrever as mais variadas operações cognitivas, que vão desde as mais
simples – identificação do referente de elementos anafóricos – até as mais complexas – construção de
representação mental ou modelo cognitivo35
.
35 As representações mentais ou modelos cognitivos despertaram muita atenção na Lingüística Textual, na Psicologia Cognitiva
e na Inteligência Artificial, recebendo nomes diversos, como por exemplo, esquemas (Barlett, 1933; Rumelhart, 1980;
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No que se refere às taxonomias inferenciais (cf. LÉON & PÉREZ, 2003)36
, a literatura sobre
inferenciação tem registro de inúmeras categorizações, geralmente dicotômicas e divergentes. As pesquisas
sobre o assunto, no geral, cobrem um número limitado de tipos em detrimento de outros igualmente
importantes. São raras, portanto, as taxonomias que se preocupam em privilegiar todos os tipos de
inferência já identificados até hoje. Contudo, quando o fazem, procedem de modo tão minucioso que
confundem aqueles que se interessam pelo assunto. Além disso, a grande maioria dos estudiosos da
inferenciação opta por criar uma nomenclatura própria, dificultando ainda mais as investigações na área.
Referenciação – inferenciação: um continuum
A fim de melhor esclarecer o porquê da proposta de um continuum para os processos de
referenciação e inferenciação, optamos por transcrever e adotar neste trabalho, puramente de natureza
instigadora, a definição proposta por McKoon & Ratcliff (1992, p. 440), doravante M&R.
Uma inferência é definida como uma porção de informação que não seja
explicitamente dada em um texto. (...) Uma inferência seria a codificação da relação
entre um pronome e seu referente ou entre as instâncias de uma mesma palavra como
referindo ao mesmo conceito. Seria também uma inferência computar 2 como
referente do número que é quatro menos o produto de três vezes dois ou combinar as
pistas de um livro de mistério para identificar o assassino37
(Tradução nossa).
No que tange a categorização proposta pelos pesquisadores supracitados, existem, a partir da
definição proposta por eles, dois grandes tipos de inferências: (a) as automáticas (automatic inferences) e
(b) as elaborativas ou estratégicas (elaborative or strategic inferences). As primeiras, que exigem
baixíssimo ou nenhum processamento estratégico, como é o caso dos anafóricos, se constroem
automaticamente durante a leitura (online); enquanto as últimas, resultantes de um processamento
praxeograma (Ehlich & Rehbein, 1972), frames (Minsky, 1975), script (Schank &Abelson, 1977); modelos mentais (Johnson-
Laird, 1983), [modelos situacionais (Dijk & Kintsch, 1983)], cenários (Sanford & Garrod, 1985), modelos experienciais,
episódicos ou de situação (Dijk & Kintsch, 1989, 1997).
36 LEÓN, J.A. & PÉREZ, O. Taxonomias y tipos de inferências. In: LEÓN, J.A. (Coord.) Conocimiento y Discurso: claves para
inferir y comprender. Madrid: Pirámide, 2003, pp. 45 - 66
37 “An inference is defined as any piece of information that is not explicitly stated in a text. (…) It would be an inference to
encode the relation between a pronoun and its referent or to encode two instances of the same word as referring to the same
concept. It would also be an inference to compute 2 as the referent of the number that is four less than the product of three
times two or to combine the clues of a mystery novel to give the murderer.”
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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consciente, se manifestam pela necessidade que o leitor tem de solucionar problemas de compreensão ou
produzir alguma conclusão lógica sobre o que lê como, por exemplo, responder questões interpretativas.
Orientam-se, portanto, mediante processos específicos, demandando com isso maior tempo para serem
geradas. Vale salientar que, segundo os autores, a distância espacial entre as proposições que geram
inferências automáticas não supera mais do que uma ou duas sentenças.
Os estudos realizados por M&R (1992) evidenciam ainda que enquanto as inferências
automáticas são de fundamental importância para o estabelecimento da coerência local – exemplos (08) e
(09); as elaborativas, por sua vez, exemplos (10) e (11), geram informações que, diferentemente das
anteriores, contribuem para o estabelecimento da coerência global.
(08) Rachel tentou pegar Sally, mas Ø não foi capaz de fazê-lo38
. (M&R, 1992, p. 443)
(09) Três tartarugas repousavam em um tronco flutuante e um peixe nadava abaixo
delas39
. (M&R, 1992, p. 441)
Nos exemplos (08) e (09), a inferência automática se baseia na combinação de informações
explicitamente veiculadas pelo texto. Em (08), o pronome do caso reto ela, elidido em português, faz
referência a Rachel, o oblíquo – lo, por sua vez, a pegar Sally. Em (09), delas refere-se às três tartarugas
que se encontravam sobre o tronco.
Inferir, ainda a partir do exemplo (09), que o peixe que nadava embaixo das três tartarugas que
repousavam sobre um tronco flutuante nadava embaixo do tronco em nada contribui para o estabelecimento
da coerência entre as duas sentenças (coerência local). Portanto, essa inferência é, segundo M&R (1992),
considerada elaborativa ou não-necessária.
As inferências elaborativas (M&R, 1992) se subdividem em três tipos:
(a) inferências semânticas: aquelas que adicionam aspectos semânticos contextualmente apropriados à
representação de um conceito.
(10) Hoje Pedrinho veio buscar o avô. O velhinho caminhava apoiando-se numa
bengala. (LIBERATO & FULGÊNCIO, 2007, p. 36)
38 Rachel tried to catch Sally, but she was not able to do it. 39 Three turtles rested on a floating log, and a fish swam beneath them.
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Para extrair sentido do exemplo (10), o leitor precisará inicialmente compreender quem
caminhava apoiando-se numa bengala: o velhinho. Na sequência, deverá associar ‘o velhinho’ ao conceito:
avô e inferir quem era o velhinho - avô de Pedro e não o próprio Pedro - que caminhava apoiando-se na
bengala.
A ligação entre velhinho e avô não está expressa no texto, mas pode ser estabelecida por meio
do conhecimento enciclopédico que as pessoas têm sobre avô. O conceito inclui o significado básico do
termo (= pai do pai ou pai da mãe) e outros traços semânticos não obrigatórios do tipo ‘em geral os avós
são pessoas de idade avançada e, portanto, idosas’.
(b) inferências instrumentais: as que adicionam o instrumento típico para um verbo.
(11) A – Me empresta a tesoura?
B – O que é que você vai cortar?
(LIBERATO & FULGÊNCIO, 2004, p. 29)
O diálogo só terá coerência para aqueles que conseguirem estabelecer uma ponte entre duas
sentenças relacionando o objeto ‘tesoura’ e sua função ‘cortar’. É a inferência de que A vai usar a tesoura
para cortar algo que garantirá a coerência do diálogo.
(c) inferências preditivas: ajudam o leitor a, por meio das pistas textuais, tirar conclusões sobre o que
deverá acontecer a seguir em uma história, por exemplo.
(12) Alguém caiu do 14º. andar. (Adaptado de M&R, 1992, p. 444)
Inferir, a partir de (12), que a queda, muito provavelmente, resultou em morte, seria elaborar
uma predição, uma inferência preditiva, sobre um evento futuro.
Nossa opção pela concepção abrangente de M&R (1992) foi proposital. Para nós, e para outros
estudiosos, como León (2003), por exemplo, ela sugere que as inferências de modo geral, desde as mais
simples até as mais complexas de serem processadas, se distribuem uma ao lado da outra ao longo de um
continuum lógico conforme idealizado por nós no quadro abaixo:
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Para nós, faz-se urgente estudar a relação entre os processamentos inferencial e anafórico para
que se possa identificar uma possível correspondência causal entre seus processos, ou seja, identificar, para
cada tipo de referência, o processo inferencial realizado para sua recuperação, estabelecendo também
relação entre as terminologias da LT e da Cognição por meio de uma taxonomia inferencial a ser definida
ou implementada.
Conclusão
Nas seções acima, buscamos apresentar uma possibilidade de maior estreitamento entre os
estudos já realizados até agora sobre referenciação e inferenciação. Nossa proposta, meramente de cunho
instigador, levanta a possibilidade de elaboração de um continuum que ponham em ordem crescente de
dificuldade de recuperação de referente (referenciação) e de esforço cognitivo (inferenciação) seus
elementos, visando uma possível correspondência biunívoca entre seus elementos.
Vale salientar que, no melhor do nosso esforço, não encontramos trabalhos acadêmicos que se
assemelhassem a proposta aqui apresentada e que consideramos imprescindível para os estudos sobre
compreensão de textos – linguísticos e não linguísticos. O assunto em questão encontra-se agora sob nossa
investigação em estudos de doutorado.
Referências
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REPRESENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DE GRAMÁTICA E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA O AGIR DO PROFESSOR DE LÍNGUA
MATERNA EM FORMAÇÃO INICIAL
Manoelito Gurgel (UFC)
Resumo:
Neste trabalho, buscamos refletir sobre as representações de professores de língua materna em
formação inicial sobre o ensino de gramática. Assumindo o quadro teórico-metodológico do
Interacionismo Sóciodiscursivo (BRONCKART, 2006, 2008, 2009), identificamos, no discurso de
oito estagiárias da disciplina de Estágio em Ensino de Língua Portuguesa do curso de Letras-
Português da UFC, os sentidos atribuídos pelo grupo ao ensino de gramática, (re)velados pelas
modalizações lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas (BRONCKART, 2009) mobilizadas
durante a interação em dois grupos focais (um realizado antes e outro durante a disciplina). Em
nossa análise, percebemos que as representações partilhadas pelo grupo são marcadas por valores
negativos, como nos indicam as modalizações lógicas, deônticas, pragmáticas e apreciativas
mobilizadas pelas estagiárias, que, segundo afirmaram, não estão preparadas para ensinar
gramática de acordo com as novas orientações propostas, por exemplo, pelos PCNs (1998). Como
não se sentem preparadas, elas acabam insistindo em atividades prescritivas, nas quais destacam
não o uso efetivo da língua, mas sim as nomenclaturas das estruturas linguísticas. Para as
estagiárias, o despreparo que sentem é uma consequência da falta, no curso de Letras, de
disciplinas teóricas e práticas sobre o ensino de gramática.
Palavras-chave: representações; estágio de regência; ensino de gramática.
1 INTRODUÇÃO
Já é bastante alardeado, lamentado e discutido o fracasso do ensino de gramática no Brasil.
Há décadas trabalhos aplicados vêm apontando o seu fracasso (que se estende ao ensino de modo
geral) e propondo novas orientações para as práticas de sala de aula. Apesar dos avanços já
galgados, ainda não conseguimos ressignificar consideravelmente as práticas tradicionais de
ensino.
Nesse contexto, algumas ações de instituições governamentais têm contribuído para a
reorientação do ensino de língua materna e, por conseguinte, do ensino de gramática. Dentre essas
ações, destacamos a criação e a divulgação de documentos de parametrização do ensino. Apesar
de suas - compreensíveis – limitações, essas iniciativas devem ser comemoradas, pois têm
empreendido significativas mudanças, como as geradas pela publicação, em 1998, dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (doravante, PCNs), cujas propostas se baseiam acertadamente em uma
concepção sociointeracionista de linguagem. Essas ações de instâncias governamentais respaldam
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e assumem uma nova prática de ensino de língua materna, pautada por dois grandes eixos, o de
uso da língua e o de reflexão sobre esse uso.
De acordo com essa proposta, o ensino de gramática passa a ser pautado, então, pelo
ensino da análise linguística40
, o que, para nós, impõe novos desafios ao professor, que precisa,
diariamente, buscar e descobrir novos caminhos para a sua prática. Sendo assim, acreditamos que,
do professor, é exigida, cada vez mais, uma mudança de postura. Nesse sentido, para que haja
reorientação do ensino de gramática, esperamos uma participação reflexiva, crítica e criativa do
professor, já que é ele o principal mediador do processo de ensino-aprendizagem.41
Sem considerarmos os inúmeros desafios que impõem ao professor uma rotina muitas
vezes desestimulante (aqui vale a pena destacar as condições precárias de atuação, que vão desde
salas de aulas lotadas a baixos salários), acreditamos que ressignificar as práticas de ensino de
gramática, implica, dentre outras ações, identificar, analisar e problematizar as representações do
professore sobre o ensino de gramática, pois o seu agir em sala de aula é orientado pelas suas
representações.42
Em outras palavras, o agir do professor implica, para nós, dadas representações,
que estão relacionadas à tentativa de ele, o professor, compreender e interpretar diferentes objetos
de representação relevantes para o seu agir, como defendemos em Gurgel (2013).
Para nós, então, essas representações orientam – e até justificam – como ele, o professor,
interpreta e delimita o objeto de estudo, bem como as abordagens, os procedimentos e as
estratégias em sala de aula. Portanto, essas representações determinam as práticas de ensino de
gramática.
40
O termo análise linguística , cunhado por Geraldi (1984), foi criado para se contrapor ao ensino tradicional de
gramática e para propor uma nova prática pedagógica, estabelecendo uma nova perspectiva de reflexão sobre o
sistema linguístico e sobre os usos da língua, com vistas ao tratamento escolar de fenômenos gramaticais, textuais e
discursivos.
41 Com essas considerações, não pretendemos – nem poderíamos - culpar os professores pelos descaminhos do ensino
de gramática, pois, para nós, o insucesso escolar é resultado de inúmeros fatores, dentre os quais muitos são externos à
escola. Como observou Antunes (2003, p.20), “a escola, como qualquer outra instituição social, reflete as condições
gerais de vida da comunidade em que está inserida. No entanto, é evidente também que fatores internos à própria
escola condicionam a qualidade e a relevância dos resultados alcançados.” 42 Ao definir a ação como “o resultado da apropriação, pelo organismo humano, das propriedades da atividade social
mediada pela linguagem” (grifo do autor), Bronckart (2009, p. 42) reforça que a ação de linguagem produz os
conhecimentos coletivos/sociais, que se organizam em três mundos representados, que definem o contexto do agir
humano. Esses mundos representados, como já discutimos anteriormente, são historicamente construídos e constituem, em um dado estado sincrônico, “sistemas de coordenadas formais a partir dos quais se pode exercer um
controle da atividade humana” (BRONCKART, 2009, p. 42, grifos do autor). Assim, os mundos representados, que
estão relacionados aos conhecimentos sobre o meio físico, sobre as normas reguladoras da interação entre os diversos
grupos e sobre as expectativas relacionadas às qualidades requeridas de um agente humano, estão coletivamente
disponíveis e engendram quadros de avaliação da participação dos agentes na atividade.
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Sob essa perspectiva, buscamos, neste trabalho, como alternativa para (re)pensarmos as
práticas de ensino de gramática, refletir sobre as representações de professores de língua materna
em formação inicial sobre o ensino de gramática. Neste trabalho, então, assumindo o quadro
teórico-metodológico do Interacionismo Sóciodiscursivo (BRONCKART, 2009), pretendemos
identificar, no discurso de oito estagiárias da disciplina de Estágio em Ensino de Língua
Portuguesa do curso de Letras-Português da UFC, os sentidos atribuídos pelo grupo ao ensino de
gramática, (re)velados pelas modalizações lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas
(BRONCKART, 2009) mobilizadas pelas estagiárias durante a interação com os seus pares em
dois grupos focais (um realizado antes e outro durante a disciplina).
Nosso interesse em analisar essas representações justifica-se pela necessidade de
reconhecermos e problematizarmos os sentidos que estão implicados no agir dos futuros
professores e que, muito provavelmente, orientarão as atividades em sala de aula.43
Sendo assim,
nossa análise não busca identificar os sentidos que as estagiárias atribuem à gramática, mas sim ao
seu ensino; nesse sentido, interessa-nos não as concepções de gramática partilhadas pelo grupo,
mas sim os sentidos que ele atribui ao ensino de gramática e as implicações desses sentidos para o
agir do grupo nas práticas de sala de aula.
Para nós, como já adiantamos, a proposta do ensino de gramática pautado pelo ensino da
análise linguística impõe novos desafios aos professores de língua materna, já que se trata de uma
proposta relativamente nova, que precisa, portanto, ser discutida nos cursos de licenciatura.44
No
que se refere especificamente ao ensino de análise linguística, os PCNs (1998) sugerem que a
objetivo é refletir sobre elementos e fenômenos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o
foco nos usos da língua, já que:
é na prática de reflexão sobre a língua e a linguagem que pode se dar a
construção de instrumentos que permitirão ao sujeito o desenvolvimento
da competência discursiva para falar, escutar, ler e escrever nas diversas
situações de interação (PCNs, 1998, p. 34).
43 Em nossas pesquisas, dentre as quais destacamos Gurgel (2013), reforçamos essa necessidade, ao defendermos que é preciso analisarmos como os professores em formação inicial interpretam, discursivamente, os objetos de
representação comuns ao seu grupo. Para nós, só haverá mudança efetiva na postura metodológica dos professores se
suas representações forem ressignificadas. 44 Sobre os cursos de licenciatura, o que percebemos em geral é que as disciplinas teóricas já discutem as novas
orientações para o ensino de gramática, mas não possibilitam que os próprios professores em formação elaborem
propostas práticas para o ensino; é somente nas disciplinas de estágio, geralmente no último ano do curso, que os
professores em formação inicial têm oportunidade de esboçar atividades reais para levarem, efetivamente, às salas de
aula. Concentrados no final da licenciatura, os estágios são marcados, sobretudo, por questões burocráticas, que
reforçam a pressa dos professores em formação para colarem grau, como problematizamos em Gurgel (2013).
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Na proposta da análise linguística, segundo Mendonça (2006), no lugar da classificação e
da identificação, ganha espaço a reflexão, a partir de atividades linguísticas e epilinguísticas. De
acordo com a autora, “os fenômenos eventualmente podem até serem os mesmos nas aulas de
gramática e nas de AL [análise linguística], entretanto os objetivos de ensino diferem, o que leva à
adoção de estratégias distintas, situadas em práticas pedagógicas distintas” (MENDONÇA, 2006,
p.208).
Nesse sentido, a metodologia da prática de análise linguística não segue o modelo
normativo em que se faz a classificação, a definição e o exercício, pois o método consiste em
promover reflexões a respeito dos usos reais da língua, sem preocupações intermináveis com
nomenclatura. Sendo assim, os conteúdos para análise devem ser selecionados de acordo com as
dificuldades apresentadas na produção textual dos alunos (PCNs, 1998).
Posto isso, passaremos, então, à análise dos dados, os quais compõem o corpus coletado
por Gurgel (2013) durante dois grupos focais (doravante GFs): um realizado antes do estágio de
regência e outro realizado durante a disciplina. Dos dois GFs, participaram, como já adiantamos,
oito alunas da disciplina de Estágio em Ensino de Língua Portuguesa do curso de Letras-Português
da UFC.
2 ANÁLISE DOS DADOS
Para esta análise, identificamos e analisamos, no discurso das estagiárias, as ocorrências de
modalizações lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas. Para esta análise das modalizações,
apoiamo-nos na proposta de Bronckart (2009), baseada na Teoria dos Mundos de Habermas
(1987). Para nós, essa proposta é a mais adequada aos nossos objetivos, pois parte da consideração
dos mundos objetivo, social e subjetivo, que estão relacionados a diferentes representações
mobilizados pelos atores sociais em suas ações de linguagem.45
45 Para Bronckart (2009, p. 330), as modalizações traduzem avaliações relativas a elementos do conteúdo temático e,
portanto, “pertencem à dimensão configuracional do texto, contribuindo para o estabelecimento de sua coerência
pragmática ou interativa e orientando o destinatário na interpretação de seu conteúdo temático” (grifos do autor). A
partir dessa premissa, o autor propõe quatro funções de modalização. As modalizações lógicas são as avaliações de
dados elementos do conteúdo temático, apoiadas em critérios elaborados e organizados no quadro das coordenadas
formais que definem o mundo objetivo. Sendo assim, as modalizações lógicas organizam as avaliações baseadas no
julgamento sobre o valor de verdade das proposições, ou seja, apresentam os elementos do conteúdo temático a partir do “ponto de vista de suas condições de verdade, como fatos atestados (ou certos), possíveis, prováveis, eventuais,
necessários, etc.” (BRONCKART, 2009, p. 330). O autor lembra que essas modalizações agrupam as modalizações
conhecidas como aléticas, relacionadas à verdade das proposições enunciadas (seu caráter necessário, possível e
contigente, por exemplo), e também as conhecidas como epistêmicas, relacionadas às condições de verdade das
proposições. Já as modalizações deônticas são as avaliações de dados elementos do conteúdo temático, apoiadas nos
valores, nas normas e nas regras que definem o mundo social. Nesse sentido, as modalizações deônticas apresentam
os elementos do conteúdo temático sob o ponto de vista dos valores sociais, ou seja, do direito, da obrigação social, da
conformidade com as normas em uso. Sendo assim, as modalizações deônticas apresentam os elementos do conteúdo
temático como, por exemplo, socialmente permitidos, proibidos, necessários, desejáveis. As modalizações
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Pela análise das modalizações, acreditamos que nos seja possível problematizar as
avaliações do grupo sobre o ensino de gramática. Para nós, essas avaliações constituem as
representações partilhadas pelas estagiárias e indicam como elas interpretam, discursivamente, o
ensino de gramática.
Dado o espaço de que dispomos, discutiremos, a seguir, apenas algumas das ocorrências
identificadas, as quais são relevantes para o nosso objetivo de problematizar as representações e de
apontar as suas implicações para o agir do professor na prática de ensino de gramática.
Posto isso, passemos à discussão dos dados. Em sublinhado, destacamos as ocorrências
modalizadoras.
Modalizações lógicas
Pela análise das modalizações lógicas, as quais indicam-nos avaliações baseadas no
julgamento sobre o valor de verdade das proposições, podemos destacar, sobretudo, que as
estagiárias não se sentem confiantes quanto ao domínio dos saberes teóricos necessários ao ensino
de gramática. Notemos, na fala a seguir, que a estagiária Carolina46
, a partir do modalizador lógico
“tenho certeza”, assegura, categoricamente, que não está preparada para ensinar gramática de
acordo com as novas orientações, que priorizam o ensino da análise linguística. Para as
estagiárias, haveria divergência entre os saberes estudados por elas na licenciatura e os ensinados
nas escolas, como sinaliza a fala a seguir:
(01) Carolina – “Eu tenho certeza que não estou preparada em relação a conteúdos, porque o conteúdo da
escola não é o que nós aprendemos na faculdade.”
Para o grupo, essa divergência está relacionada à grade curricular do curso de Letras, que
não contempla, por exemplo, o estudo das regras prescritivas da gramática normativa, as quais,
segundo as estagiárias, os professores devem ensinar na escola. Essa divergência causa
insegurança aos professores, como destacou a estagiária Beatriz, que não se sente preparada para
continuar exercendo o magistério:
(02) Beatriz – “Porque eu sei que eu não tenho segurança o suficiente para dar uma aula de gramática.”
apreciativas são as avaliações de dados elementos do conteúdo temático, apoiadas nos parâmetros do mundo subjetivo
da voz que é a fonte dos julgamentos. Assim, as modalizações apreciativas apresentam os seus elementos do conteúdo
do ponto de vista da instância que avalia e que os classifica como bons, benéficos, maus, infelizes e estranhos, por
exemplo. Por fim, as modalizações pragmáticas revelam a responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo
temático (personagem, grupo, instituição, por exemplo) em relação às ações das quais é o agente. Sendo assim, as
modalizações pragmáticas atribuem, a esse agente, dadas intenções (o querer-fazer), razões (o dever-fazer),
capacidades de ação (o poder-fazer) e restrições, por exemplo. Nesse sentido, as modalizações pragmáticas indicam
intencionalidades e responsabilidades das instâncias/entidades que aparecem no conteúdo temático. 46 Os nomes das estagiárias são fictícios.
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As estagiárias também destacaram que não sabem agir conforme as orientações propostas,
por exemplo, pelos PCNs (1998), como nos indica a pergunta retórica da estagiária Carolina:
(03) Carolina– “Mas como a gente sai pra mudar as coisas, se a gente não sabe?”
Pela fala destacada acima, podemos inferir que, para a estagiária Carolina, ao estagiário,
futuro professor, é atribuída a função de romper com o paradigma tradicional de ensino, pautado
pela abordagem da gramática prescritiva, e mudar as práticas de ensino já cristalizadas,
destacando, em sala, os usos reais e efetivos da língua. Entretanto, para ela, as estagiárias não
conseguem cumprir essa função, pois não estão preparados para ela, como reforçaremos mais
adiante.
Modalizações deônticas
Pela análise das modalizações deônticas, podemos reconhecer, por exemplo, as
necessidades e as obrigações que prescrevem o seu agir nas práticas de ensino de gramática. Uma dessas
necessidades e obrigações é destacada na fala a seguir:
(04) Cíntia – “Aí o professor daqui [a professora orientadora] diz assim ‘tem que dar aula de gramática no
texto’, aí você chega na escola, lá na escola, a professora de português de lá [professora acolhedora]
diz assim ‘isso é frescura, tá aqui, ó, tô dando aula de regência verbal, então vai lá e explica regência
verbal.”
Nessa fala, a estagiária Cíntia relata a fala da professora orientadora, que indica uma
necessidade ou até mesmo uma obrigação no que se refere ao ensino de língua materna: as
estagiárias, futuras professoras, precisam “dar aula de gramática no texto”. Essa é a orientação da
professora orientadora, mas não é o que faz, de fato, a professora acolhedora.
A estagiária Cíntia aponta, então, para o encontro e o confronto que parece haver entre o
professor orientador e o professor acolhedor (para nós, os seus valores, as suas experiências e os
seus objetivos são, de fato, diferentes), ou seja, pela fala destacada, a estagiária aponta para o
confronto que parece existir entre o que propõe a universidade e o que faz a escola. Nesse sentido,
a estagiária sugere que professora acolhedora conhece as novas orientações para o ensino de
gramática, mas as ignora ou até mesmo despreza (“isso é frescura”47
).
A seguir, destacamos outra ocorrência de modalização deôntica no discurso das estagiárias:
47 Trata-se de uma ocorrência de modalização apreciativa, pois indica uma avaliação relativa aos parâmetros do
mundo subjetivo.
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(05) Beatriz – “(...) a gente precisa ter uma base pra aplicar tudo bem direitinho, porque eu não vou mentir,
eu não sei. Nas minhas aulas de português, eu não parto do texto para trabalhar o texto não, é
gramática pura.”
A estagiária Beatriz admitiu que conhece as orientações dadas pela professora orientadora,
mas se colocou como incapaz de cumpri-las, já que, embora fosse necessário (modalização
deôntica “a gente precisa ter”), a ela não foi dada uma base para que pudesse saber “aplicar tudo”
(nesse caso, a estagiária representa-se como beneficiária de ações de outros e não como
protagonista de suas ações, ou seja, ela posicionou-se como aluna de um curso de formação de
professores, aos quais deveria ser dado o suporte para saberem “aplicar tudo bem direitinho”).
Notemos ainda que, da fala destacada acima, emerge a representação de que ensinar gramática é
aplicar teorias na prática. Por “gramática pura”, a estagiária se refere às atividades
metalinguísticas tradicionais de identificação e classificação de estruturas linguísticas.
Modalizações pragmáticas
Para nós, as modalizações pragmáticas sinalizam, no discurso das estagiárias, graus de
responsabilização, indicando-nos, por exemplo, suas intenções e suas capacidades de ação, como
nos indica a fala a seguir:
(06) Lúcia – “(...) o professor pede pra gente dar uma aula diferente [aula de análise linguística] e a gente
não vai poder.”
A fala destacada evidencia, mais uma vez, que as estagiárias se representam como
profissionais que não são capazes de atender às orientações estabelecidas pela professora
orientadora (dar aula de análise linguística): na fala acima, o “a gente não vai poder” indica uma
atribuição de não capacidade de ação (modalização pragmática) e, portanto, revela-nos que as
estagiárias não se sentem seguras quanto ao ensino de análise linguística.
Embora se representem como despreparadas, como destacamos acima, algumas estagiárias
mostraram-se empenhadas em criar novas estratégias de ensino, que fujam, por exemplo, daquelas
atividades tradicionais da gramática normativa. As falas a seguir indicam-nos que algumas
estagiárias, como Marina, estão se esforçando para ressiginificarem as práticas cristalizadas do
ensino de gramática:
(07) Marina – “A gente não quer fazer os pontos ruins. A gente vai tentando ser diferente, tentando fazer as
coisas boas.”
(08) Marina – “Eu tô tentando fazer diferente.”
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A partir das falas destacadas acima, podemos perceber, então, que algumas estagiárias,
mesmo não se sentindo preparadas nem confiantes quanto ao domínio de aspectos teóricos, estão
engajadas em propor alternativas para ressignificar (“fazer diferente”) as atividades tradicionais de
gramática. Elas concordam que seja necessária uma mudança de postura no que se refere ao
ensino de língua materna e, para isso, buscam descobrir novos caminhos para sua prática.
Modalizações apreciativas
Como vimos destacando, as estagiárias se representam como profissionais inseguras
quanto ao domínio da teoria. No discurso delas, identificamos relatos de episódios vivenciados
que são marcados por pequenas descrições, nas quais aparecem modalizações apreciativas que
reforçam essa insegurança quanto ao domínio da teoria. Para nós, essas modalizações atribuem
certo grau de emotividade ao discurso do grupo, como percebemos nas falas a seguir:
(09) Carolina – “Meu Deus, o que faço agora?”
(10) Carolina – “Meu Deus! É muito estranho, muito ruim!”
Notemos que as falas destacadas nos indicam angústia, sentimento que marca o agir das
estagiárias. Esse sentimento está relacionado, para elas, às dúvidas causadas pela falta de domínio
da teoria. Notemos, por fim, a seguir, os adjetivos “solto” e “perdido”, que nos indicam um
sentimento de insegurança e angústia, e o adjetivo “cruel”, com forte carga semântica negativa,
acentuada ainda mais pelo advérbio de intensidade “muito”:
(11) Carolina – “Você fica, se sente assim solto, perdido, quando você vai entrar na escola.”
(12) Carolina – “Essa questão de saber alguma coisa é muito cruel.”
CONCLUSÃO
Neste trabalho, procuramos identificar e problematizar as representações de professores de
língua materna em formação inicial sobre o ensino de gramática. Para isso, analisamos as
modalizações lógicas, deônticas, pragmáticas e apreciativas mobilizadas por oito estagiárias da
disciplina de Estágio em Ensino de Língua Portuguesa da UFC, ao se referirem, em dois grupos
focais, ao ensino de gramática.
Com esta análise, podemos corroborar que as modalizações são mecanismos enunciativos
que contribuem para o estabelecimento da coerência pragmática ou interativa do discurso
(BRONCKART, 2009), orientando-nos para os posicionamentos assumidos pelas estagiárias
quanto às avaliações sobre o ensino de gramática. A partir da análise das modalizações deônticas,
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pudemos identificar os valores prescritivos que as estagiárias mobilizaram quando se referiram às
práticas de ensino de gramática: elas reconheceram que há a necessidade de se ressignificar o
ensino tradicional, pautado pelo estudo da nomenclatura gramatical, mas também reconheceram
que mudar é sempre desafiador, pois toda mudança de postura metodológica envolve
conhecimento teórico, criatividade e disposição); pela análise das modalizações lógicas, pudemos
identificar as avaliações do grupo baseadas no julgamento sobre o valor de verdade das
proposições e pudemos destacar, sobretudo, que as estagiárias não se sentem preparadas para
ensinarem gramática de acordo com as novas orientações, como as sugeridas pelos PCNs (1998);
a partir da análise das modalizações apreciativas, pudemos marcar as avaliações subjetivas das
estagiárias quanto ao ensino de gramática, para o qual não se sentem seguras; por fim, pela análise
das modalizações pragmáticas, pudemos identificar as intenções e as (não) capacidades de ação
que as estagiárias atribuíram a si próprias.
Essas avaliações, que constituem o acervo de representações sobre o ensino de gramática
partilhadas pelo grupo, trazem implicações negativas para o ensino, já que são elas que orientam o
agir do grupo nas atividades de sala de aula. Como não se sentem preparadas, as estagiárias
acabam insistindo em atividades prescritivas, nas quais destacam não o uso efetivo da língua, mas
sim as nomenclaturas das estruturas linguísticas. Para as estagiárias, o despreparo que sentem é
uma consequência da falta, no curso de Letras, de disciplinas teóricas e práticas sobre o ensino de
gramática.
A partir dessas conclusões, considerando que os futuros professores de língua materna
estão saindo da licenciatura sentindo-se incapazes de atender às novas orientações para o ensino
de gramática, podemos questionar: que professores estamos formando?
Referências bibliográficas
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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental:
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Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.
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MENDONDA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In:
BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (Org.). Português no ensino médio e formação de
professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
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TEORIAS LINGUÍSTICAS E SUAS CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA:
ALCANCES E LIMITES
Francisco Elton Martins de Souza (UFC/CNPq)1
Mônica de Souza Serafim (UFC)2
Resumo:
Este trabalho tem o objetivo de abordar as concepções de gramática que percebemos inerentes às
correntes teóricas do estruturalismo, do gerativismo e do funcionalismo. Para cada uma destas
vertentes, realizamos uma breve explanação a respeito de seu quadro teórico e procuramos
explicitar o que compreendemos que concebem como gramática. Objetivamos também explicar o
que consideramos como sendo alcances e limites em cada corrente tanto no que se refere à
concepção de gramática que revelam, como no que diz respeito à própria concepção de língua, a
partir da qual podemos perceber com qual amplitude se dá a análise e a compreensão dos fatos de
linguagem. Para empreendermos esta pesquisa, baseamo-nos nos estudos de Neves (1997; 2002),
Saussure (2006), Nogueira (2006), Lyons (2009), Martelotta (2010), Kenedy (2010), dentre
outros. Apesar de compreendermos que tais correntes teóricas não foram elaboradas com intuitos
didáticos, mostramos também em nosso trabalho que ainda é possível identificar reminiscências
das citadas correntes na prática do ensino de línguas. Para isso, baseamo-nos em Neves (2002),
quando a autora cita prováveis influências das correntes estruturalista e funcionalista no ensino.
Enfocamos, em especial, a corrente funcionalista, já que é a mais aprofundada pela autora como
tendo relações mais estreitas com o ensino. Os resultados nos mostram que as concepções de
gramática parecem evoluir, no sentido de expandirem suas visões de língua/linguagem, na
passagem de uma corrente teórica para outra. Ao final do trabalho ressaltamos que outras
correntes, pós-funcionalistas, como chamamos, possam apresentar visões ainda mais expandidas
de gramática, língua e linguagem.
Palavras-chave: Teorias linguísticas, Concepções de gramática, Fatos de linguagem.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Linguística é a ciência da linguagem verbal, eminentemente humana. No entanto,
nem sempre os estudos vinculados à linguagem foram considerados como pertencentes a um
campo do conhecimento que se pudesse considerar como ciência. Foi somente graças aos estudos
do linguista suíço Ferdinand de Saussure que a Linguística ganhou o status, os métodos e os
resultados suficientemente relevantes para que passasse a ser considerada tão ciência quanto a
Física, a Biologia, a Astronomia, a Psicologia, a Medicina.
Porém, diferentemente de todas as outras ciências, que possuem um objeto de estudo
claramente definido, a Linguística fluidifica-se em seu próprio objeto, uma vez que é de extrema
dificuldade delimitar critérios que possam servir como definidores do que seja linguagem. Como
se pergunta Ferdinand de Saussure em sua obra Cours de Linguistique Générale:
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Qual é o objeto, ao mesmo tempo integral e concreto, da Linguística? A questão é
particularmente difícil (…). Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e
que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista; em nosso campo, nada de
semelhante ocorre. (...) Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista,
diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto (SAUSSURE, 2006, p. 15).
A linguagem está nos animais, a linguagem está no homem, a linguagem está na
natureza. A linguagem verbal diferencia o homem dos outros animais e, por isso, mesmo diante de
impasses, chegou-se à conclusão de que a Linguística seria a ciência ocupada do estudo da
linguagem humana.
O presente trabalho tem o objetivo de lançar um olhar panorâmico sobre os conceitos
de gramática imanentes às teorias linguísticas, pelo menos em suas vertentes mais conhecidas.
Procuraremos abordar os conceitos de gramática dentro das correntes Estruturalista, Gerativista e
Funcionalista, analisando, na medida de nossas possibilidades, os alcances e limites de cada
abordagem.
1 Concepções de gramática subjacentes a teorias linguísticas
Com relação a tais tratamentos, consideraremos a existência de uma gramática
estruturalista, uma gramática gerativista e uma gramática funcionalista.
Apesar de sabermos que tais abordagens de gramática são abordagens científicas, não
voltadas a aplicações ao ensino, verificamos que Neves (2002) apresenta algumas contribuições
que possivelmente poderiam ser dadas por tais teorias ao ensino de língua. Ao longo da
explanação das correntes, em específico a gerativista e a funcionalista, discorreremos sobre as
contribuições apontadas por Neves (2002).
1.1 Concepções de gramática no Estruturalismo
Podemos afirmar que o Estruturalismo começou com os trabalhos de Ferdinand de
Saussure, sendo a teoria precursora dos estudos linguísticos. Muitos dos conhecimentos existentes
hoje no campo da Linguística tiveram suas bases estabelecidas na teoria estruturalista. Por este
motivo, é possível dizer que, por mais contemporânea que seja uma corrente ou teoria linguística e
por mais distante que esteja do ramo estrutural da Linguística, sempre haverá vínculos entre tais
correntes e teorias e o legado saussuriano.
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Ferdinand de Saussure (2006) não considerava a necessária relação existente entre
língua e uso. Para ele, a Linguística deveria ocupar-se do estudo da língua em si mesmo e por si
mesmo e não com as possibilidades de uso do sistema. Assim, a tradição estruturalista que até hoje
perdura na Linguística tomará a língua como um sistema fechado, sem interferências exteriores.
Nas palavras de Martelotta (2010), a gramática estruturalista pode ser caracterizada “como uma
tendência de descrever a estrutura gramatical das línguas, vendo-as como um sistema autônomo,
cujas partes se organizam em uma rede de relações de acordo com leis internas, ou seja, inerentes
ao próprio sistema” (MARTELOTTA, 2010, p. 53).
Do ponto de vista teórico, reconhecemos a validade de tal concepção de gramática
estruturalista, pois, em uma análise deste tipo, buscar-se-á “constatar que elementos constituem o
sistema (...) [de] uma língua, assim como observar como eles se organizam dentro desse sistema e
como eles se unem para formar unidades maiores” (MARTELOTTA, 2010, p. 55). Em outras
palavras, para a gramática estruturalista, como já afirmava Saussure (2006), analisa-se a língua
voltada para si mesma, sem levarem-se em conta possíveis influências externas ao sistema. O
sistema é considerado como uma entidade fechada em si mesma.
Ao contrário do que defendia Chomsky, como veremos na abordagem gerativista,
Saussure não acreditava na existência de estruturas inatas que possibilitariam ao homem o
desenvolvimento da capacidade de linguagem sem influências culturais. Apesar de considerar a
língua em si mesma e por si mesma, Saussure não negava a influência do ambiente no
desenvolvimento linguístico.
1.2 Concepções de gramática no gerativismo
O gerativismo teve início nos Estados Unidos, no final da década de 1950, mais
precisamente em 1957, com o lançamento do livro Estruturas sintáticas, concebido a partir dos
estudos do linguista Noam Chomsky, professor do Massachussets Institut of Tecnology (MIT).
Tal corrente de estudos constituiu-se, em princípio, numa profunda crítica ao behaviorismo.
A principal intenção de Chomsky era criar um modelo que fosse capaz de explicar a
linguagem humana de maneira matematicamente precisa. Ele acreditava que a mente humana era
modular, de maneira que, para cada módulo de nossa estrutura cerebral, haveria uma estrutura ou
mecanismo linguístico que acionaríamos quando dele necessitássemos. Chomsky também
acreditava que a partir de um número limitado de sentenças poderíamos gerar um número infinito
de sentenças:
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O termo ‘gerar’, usado na definição, deve ser tomado exatamente no mesmo sentido que
tem em matemática. A título de ilustração: dado que X pode assumir o valor de qualquer
número natural {1, 2, 3...}, a função x2 + x + 1 (a qual podemos considerar como um
conjunto de regras ou operações) gera o conjunto {3, 7, 13...}. É nesse sentido abstrato,
ou estático, que se diz que as regras da gramática geram as sentenças da língua. Não é
preciso nos aprofundarmos na matemática. O importante é que ‘gerar’, neste sentido, não
está relacionado a qualquer processo de produção de sentenças em tempo real da parte
dos falantes (ou das máquinas). Uma gramática gerativa é uma especificação
matematicamente precisa da estrutura gramatical das sentenças que gera (LYONS, 2009,
p. 95).
Além disso, também defendia que a capacidade da linguagem era inata à espécie
humana e independia de estímulo. Assim, vivendo em uma grande metrópole ou em uma selva
totalmente isolada da civilização, o ser humano seria capaz de desenvolver sua linguagem da
mesma maneira, com a mesma complexidade de estruturas.
De modo amplo, podemos afirmar que a teoria gerativa “preocupa-se em descrever e
explicar a língua como processo mental, parte do sistema cognitivo do homem” (PASSOS &
PASSOS, 1990, p. 9). Mas as vertentes mais proeminentes que encontramos ao estudarmos
especificamente o conceito de gramática no gerativismo são as vertentes da gramática universal
(GU) e das gramáticas particulares das línguas, além da gramática gerativo-transformacional.
Já mencionamos que, para Chomsky, desde que deu início à sua teoria gerativista, a
faculdade da linguagem é geneticamente transmitida de maneira exclusiva na espécie humana,
sendo algo inato e inerente a todos os membros da espécie. De acordo com Kenedy (2010), a
faculdade da linguagem, para Chomsky, seria um dispositivo interno, como um algoritmo com um
conjunto ordenado de instruções, tal qual nos programas de computadores, que nos tornaria
capazes de desenvolver ou adquirir a gramática de uma língua.
Então, se todos os seres humanos partilham de uma mesma dotação linguística, isso
significa que todas as línguas humanas teriam necessariamente características comuns, já que são
todas faladas pelos mesmos seres humanos que, biologicamente, não se diferenciam em nenhum
lugar do planeta. Ao princípio que regula o funcionamento geral das línguas, inclusive impondo
limites em sua variação e assemelhando-as, chamamos gramática universal (GU).
Os gerativistas ainda se preocuparam em explicar o fato de os falantes nativos de uma
língua terem uma espécie de “intuição” a respeito das sentenças que ouvem e proferem. Por
exemplo, qualquer falante nativo do português sabe que uma sentença como “a parede do quarto
de Cézar é azul” é perfeitamente possível e aceitável dentro do sistema gramatical da Língua
Portuguesa. No entanto, um falante nativo não compreenderia e também jamais diria uma sentença
como “Cézar parede a azul de é quarto do”.
Outro aspecto da gramática gerativa é o fato de Chomsky considerar a existência de
dois fatores conhecidos por competência e desempenho (Kenedy, 2010). A competência seria a
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capacidade inata que cada falante tem em seu idioma. Assim, cada pessoa tem plenas condições de
executar as mais diversas manifestações linguísticas, já que seria conhecedora do sistema e de suas
regras de funcionamento. No entanto, o desempenho de cada falante seria diferenciado, pois se
entende que o desempenho seria a maneira como cada falante utilizaria seus conhecimentos do
sistema para a realização das expressões linguísticas necessárias.
Chomsky assume que o objeto da Linguística deve ser a competência e não o
desempenho. Para Kenedy (2010), com quem corroboramos, a visão de Chomsky se assemelha à
de Saussure, quanto à consideração do escopo da Linguística, o que nos leva a concluir que a
língua, em Saussure, está para a competência, em Chomsky, assim como a fala, em Saussure, está
para o desempenho, em Chomsky, já que Saussure considera a língua como o objeto da
Linguística, e não a fala.
Neves (2002) aponta que o conhecimento da teoria gerativista pode contribuir para o
ensino de língua materna, na medida em que o professor, de posse do conhecimento de tal teoria,
se tornará ciente de que a língua é “uma das manifestações do funcionamento da mente (o que o
velho Humboldt já dizia) (p. 267)”, o que, por sua vez, levará ao entendimento de que a linguagem
humana não é realmente manifestação exterior, e isto torna sem sentido a utilização, em sala de
aula, de diagramas arbóreos sintagmáticos. Em síntese, a teoria gerativista terá contribuído para a
compreensão de que todo falante de língua natural já é detentor de uma gramática internalizada.
A teoria gerativista, ainda de acordo com Neves (2002), também contribuirá para que
o professor compreenda também
as propriedades básicas da faculdade da linguagem, o que lhe há de permitir – feita
devidamente a transferência – uma útil e saudável compreensão mínima do processo de aquisição da linguagem, sem dúvida um componente fundamental da compreensão do
papel do professor de língua de crianças (NEVES, 2002, p. 267).
Neves (2002) ressalta ainda que o gerativismo, ao explicar o mecanismo de construção
das representações pelo cérebro, auxilia na compreensão de que a forma física de enunciados não
é o ponto a que se dá mais atenção dentro da teoria e que, portanto, não fará sentido usá-la numa
tarefa descritiva de estrutura.
1.3 Concepções de gramática no Funcionalismo
As primeiras ideias funcionalistas surgiram a partir do pensamento de linguistas da
Escola Linguística (ou Círculo Linguístico) de Praga, em contraposição às concepções de língua
imanentes ao estruturalismo e ao gerativismo (Lyons, 2009). Ao contrário das duas correntes
anteriores que se preocuparam em estudar a língua apenas ao nível de suas estruturas, o
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Funcionalismo passou a se preocupar com o estudo “da relação entre as estruturas gramaticais das
línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas” (CUNHA, 2010, p. 157),
isto porque, para os funcionalistas “a língua não pode ser vista como absolutamente independente
de todas as forças externas” (NEVES, 1997, p. 109).
Em termos gerais, a perspectiva funcionalista da Linguística, de acordo com Neves
(1997, p. 2), tem como questão básica de interesse a verificação do modo como os usuários da
língua se comunicam eficientemente, isto é, a abordagem funcionalista considera “as estruturas
das expressões linguísticas como configurações de funções, sendo cada uma das funções vista
como um diferente modo de significação na oração” (NEVES, 1997).
Para os funcionalistas, como o próprio termo já designa, nenhuma sentença ou nenhum
texto da língua usada pelos falantes são produzidos aleatoriamente, sem uma função comunicativa.
A gramática é compreendida “como acessível às pressões do uso” (NEVES, 1997, p. 15), isto é,
como algo passível de ser moldada pelos falantes da língua.
A gramática funcional também considera, segundo Neves (1997), o conceito de
competência comunicativa, entendida como “a capacidade que os indivíduos têm não apenas de
codificar e decodificar expressões, mas também de usar e interpretar essas expressões de uma
maneira interacionalmente satisfatória” (NEVES, 1997, p. 15).
Compreendemos ainda uma diferença essencial entre o estruturalismo e o
funcionalismo: este reconhece a linguagem como um fenômeno que não é isolado, mas, ao
contrário, como um fenômeno que se liga diretamente à necessidade social de comunicação,
entretanto, não se encerrando nela. Como a gramática funcional leva sempre em consideração o
uso das expressões linguísticas, temos “uma certa pragmatização do componente sintático-
semântico do modelo linguístico” (NEVES, 1997, p. 16).
Retomaremos Neves (2002) para discorreremos sobre as contribuições que a autora
acredita que a teoria funcionalista prestaria ao ensino de língua materna:
De uma teoria funcionalista (...) o estudante de Letras levará para sua atividade de
professor de língua conhecimentos que têm seu centro no uso linguístico. O que está em
vista é a competência comunicativa dos falantes, não a competência linguística dos seres
humanos, como ocorre no gerativismo. Estão, portanto, no foco, os enunciados efetivamente produzidos, e – note-se bem – vistos nas suas funções, e vistos, portanto,
como um simples componente daquele modelo mais amplo de interação verbal dentro do
qual se produziram (NEVES, 2002, p. 268).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de nossa explanação, podemos perceber que temos uma caminhada
histórico-teórica entre as teorias linguísticas e as concepções de gramática que sustentam. O que
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podemos verificar, em nossa visão, de mais proeminente em cada corrente linguística é que as
concepções de gramática parecem evoluir, no sentido de expandirem suas visões de
língua/linguagem, e de fato o fazem, na passagem de uma corrente para outra.
Se observarmos panoramicamente uma concepção de gramática estruturalista, ainda
perceberemos limitações como a não consideração do uso, bem como o fato de uma análise dentro
desta corrente teórica ainda considerar a existência de elementos isolados no sistema que
formariam elementos maiores. Ainda não se aborda, por exemplo, a gramática numa perspectiva
transformacional, como se faz na corrente gerativista, procurando explicar o movimento gerador
de novas sentenças a partir de outras preexistentes.
A propósito, este fato, a nosso ver, já representa um certo avanço no modo de se
conceber a gramática. Também percebemos um avanço na concepção de gramática gerativista
pelo fato de ser uma teoria que procura explicar o modo como o homem adquire e desenvolve sua
linguagem. Aliás, para Chomsky, não se trataria exatamente de uma aquisição, já que todo ser
humano seria dotado de um dispositivo interno e inato que lhe propiciaria o desenvolvimento da
faculdade da linguagem. Tal desenvolvimento não teria relações diretas com o ambiente. Uma
gramática gerativista se limita a explicações da linguagem enquanto faculdade mental humana,
mas ainda não passará a considerar o uso das estruturas linguísticas.
A consideração do uso vem com as concepções funcionalistas de gramática, iniciadas
com o Círculo Linguístico de Praga. Dentro destas próprias concepções já percebemos evoluções.
É o caso da evolução que percebemos da GF, de Dik, que considera uma análise até o nível das
orações, até a GDF, que expandirá sua análise até o nível do discurso.
Se neste trabalho tivéssemos lançado a proposta de tratar de concepções de gramática
dentro de outras correntes linguísticas pós-funcionalistas, perceberíamos que a expansão nas
concepções de gramática, e de língua, continuaria e, com isso, a expansão do alcance da análise
dos fenômenos linguísticos.
Por exemplo, se tivéssemos optado por abordar também a corrente teórica cognitivista,
depararíamos com concepções que abrangem até considerações a respeito da corporificação do
pensamento humano, o que já implicaria uma concepção que considera que os usos linguísticos
refletem nossa experiência no mundo.
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Outras correntes como a Linguística Textual, por exemplo, buscam a superação do
tratamento da língua ao nível da palavra, frase ou período, compreendendo estas três instâncias
apenas como componentes do texto, considerado a forma legítima do uso da língua nos processos
comunicativos (OLIVEIRA, 2010). Tendo em vista o fato de nos comunicarmos por meio de
textos, e não de frases ou períodos isolados, a Linguística Textual considera que a forma mais
legítima de estudarmos a linguagem humana seria partimos da análise do texto.
Prosseguindo, teríamos correntes ainda mais contemporâneas dos estudos da
linguagem, como a Análise do Discurso de linha francesa e a Análise do Discurso Crítica, que
realizarão análises dos elementos linguísticos relacionando-os com estudos que já transcendem as
próprias fronteiras da Linguística. Buscam-se contribuições da Antropologia, da Sociologia, da
Psicologia, da Filosofia para explicar os fenômenos linguísticos a partir da consideração de que
são componentes das relações humanas que ultrapassam a condição de simples
elementos/estruturas de língua.
No entanto, ressaltamos que já não estaríamos mais falando de gramática e sim de
língua, uma entidade muito mais abrangente e que engloba aquela. O foco de nosso trabalho foi
discutir concepções teóricas de gramática que, a nosso ver, podem ser percebidas mais nitidamente
nas correntes estruturalista, gerativista e funcionalista. Correntes como o Cognitivismo, a
Linguística Textual e a Análise do Discurso parecem ter superado a consideração de uma
gramática, mais reducionista, uma vez que se propõem a abrangerem considerações a respeito de
fatos de linguagem, mais amplos.
REFERÊNCIAS
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TEXTO E GRAMÁTICA: PORQUE NÃO HÁ VOCÊ SEM MIM
Maria Claudete Limai (UFC)
Resumo:
O presente trabalho objetiva discutir a relação entre texto e gramática, os quais costumam ser considerados como entidades distintas, o que motiva a separação de estudos textuais e gramaticais, danosa, especialmente no âmbito do ensino de língua. Tal distinção não se justifica na perspectiva da linguística cognitivo-funcional, segundo a qual a gramática se instancia no texto. Assim, se o texto é a instanciação de significados interpessoais e ideacionaise a gramática é a codificação desses mesmos significados, não há texto sem gramática, nem gramática sem texto. A longa tradição de separação dessas suas entidades no ensino de língua portuguesa torna complexa a tarefa de reuni-las num todo de modo a atender às demandas de um ensino produtivo de língua, conforme a exigência dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Para lidar com essa complexidade, duas atitudes se põem. De um lado, há os que julgam ser necessário tratar a gramática com base no texto. Do outro, os que julgam que a gramática deva ser descartada em favor do texto. Ambas pecam pela distinção. Nosso propósito é mostrar que, ao invés de serem tidos como entidades distintas que precisam ser reunidas, texto e gramática precisam ser considerados como uma unidade. Para tanto, apresentaremos alguns dados ilustrativos, com apoio nos postulados da linguística funcional de Givón (2001, 2005); Halliday (2004) e Langaker (1991).
Palavras-chave: texto, gramática, ensino de língua.
1 INTRODUÇÃO
No título faço alusão a uma conhecida canção de Tom Jobim "Eu não existo sem
você", para discutir a relação entre texto e gramática. Destaco, em especial, o trecho "Assim
como o oceano/Só é belo com luar/Assim como a canção/Só tem razão se se cantar/Assim como
uma nuvem/Só acontece se chover/Assim como o poeta/Só é grande se sofrer/Assim como
viver/Sem ter amor não é viver/Não há você sem mim/E eu não existo sem você" (JOBIM, 2005).
Essa é a ideia que pretendo discutir. A ideia de que a gramática só acontece no texto e de que o
texto reflete a gramática.
Esta relação não é em si novidade, Os próprios Parâmetros curriculares Nacionais
(PCN) recomendam claramente que a unidade de ensino seja o texto e que a atividade de reflexão
sobre a língua ocorra a partir de textos:
Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, não é
possível tomarcomo unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase que,descontextualizadas, pouco têm a ver com a
competência discursiva21 , que é questão central.
Dentro desse marco, a unidade básica de ensino só pode ser o texto, mas isso não
significa que nãose enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas específicas que o exijam....a unidade básica de ensino só pode ser o texto, mas
isso não significa que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas
específicas que o exijam. (BRASIL, 1998. p.29).
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No âmbito do ensino, podemos com Neves (2003) vislumbrar, na história dessa relação
gramática/texto, três momentos, conforme ilustra o quadro 1.
Quadro 1: as fases do ensino de língua portuguesa no Brasil
Fase Tendência de ensino vigente Problema
1 Foco na prescrição gramatical Desconsideração da heterogeneidade linguística
2 Foco na terminologia gramatical Dissociação das práticas discursivas
3 Foco no texto Desconsideração dos fenômenos sintático-
semânticos
Abandonamos, em regra, o ensino normativo, em favor de considerar as variantes linguísticas,
mas caímos na esparrela de confundir gramática com nomenclatura. A importância que o estudo dos
gêneros assumiu no ensino tem, naturalmente, um aspecto positivo. Mas não se pode desprezar o estudo
dos aspectos linguísticos estruturais que enformam os gêneros, sob pena de não se atingir um dos
propósitos do ensino de língua materna: ampliar a competência comunicativa. Nas palavras dos PCN:
Considerando os diferentes níveis de Conhecimento prévio, cabe à escola promover a sua ampliação de forma que, progressivamente, durante os oito anos
do ensino fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos
que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir
textos eficazes nas mais variadas situações (BRASIL, 1998, p.21)
2 DA DIFICULDADE DE INTEGRAÇÃO
A proposta do que chamam "gramática contextualizada" já existe explícita e oficial,
portanto, desde a década de 90, com os PCN. Mas só atingiram a escola recentemente com o
crescente uso da nota do Enem como forma de ingresso às universidades. O novo Enem em 2009
trouxe a necessidade de se cobrar conhecimento sobre fenômenos gramaticais em textos, o que
traz à tona a recomendação dos PCN (1998, p.29): "“...a unidade básica de ensino só pode ser o
texto, mas isso não significa que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas
específicas que o exijam”.E, de repente, professores habituados a considerar separadamente os
fenômenos textuais e os gramaticais, se viram na tarefa de reuni-los em um só item. Nem sempre
são bem-sucedidos.
Para ilustrar essa dificuldade, tomemos inicialmente a matriz de referência do Enem.
Na área Linguagens e Códigos, os conteúdos gramaticais se diluem em várias competências, em
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favor da construção do sentido nos diversos gêneros. No entanto, três competências, em especial,
encontram-se mais diretamente ligadas a objetos do conhecimento considerados mais gramaticais,
conforme demonstrao quadro 2.
Quadro 2: A gramática na matriz de referência do Enem (2012)
Competência Objeto do conhecimento
6 Compreender e usar os sistemas simbólicos
das diferentes linguagens como meios de
organização cognitiva da realidade pela
constituição de significados, expressão,
comunicação e informação.
Estudo dos aspectos linguísticos em diferentes textos:
recursos expressivos da língua, procedimentos de
construção e recepção de textos – organização da
macroestrutura semântica e a articulação entre idéias e
proposições (relações lógico-semânticas)
7 Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as
diferentes linguagens e suas manifestações
específicas.
Estudo do texto argumentativo, seus gêneros e recursos
linguísticos: argumentação: tipo, gêneros e usos em língua
portuguesa – formas de apresentação de diferentes pontos
de vista; organização e progressão textual; papéis sociais e
comunicativos dos interlocutores, relação entre usos e
propósitos comunicativos, função sociocomunicativa do
gênero, aspectos da dimensão espaço-temporal em que se
produz o texto.
8 Compreender e usar a língua portuguesa como
língua materna, geradora de significação e
integradora da organização do mundo e da
própria identidade.
Estudo dos aspectos linguísticos da língua portuguesa: usos
da língua: norma culta e variação linguística – uso dos
recursos linguísticos em relação ao contexto em que o texto
é constituído: elementos de referência pessoal, temporal,
espacial, registro linguístico, grau de formalidade, seleção
lexical, tempos e modos verbais; uso dos recursos
linguísticos em processo de coesão textual: elementos de
articulação das sequências dos textos ou a construção da
microestrutura do texto)
Em uma questão do Enem 2013 (Figura 1), embora o enunciado solicite a identificação de um
recurso morfossintático e todas as alternativas contenham a metalinguagem gramatical (substantivo,
conjunção aditiva etc), é o restante das afirmações de cada alternativa, que diz respeito a elementos não
estruturais, que leva o candidato ao erro ou acerto. Noutras palavras, rigorosamente, a questão não testa
identificação do recurso morfossintático, mas interpretação. Na alternativa (C), por exemplo, foca-se
ambiguídade. Na alternativa (D), sóa aparentemente focaliza-se o emprego de uma forma pronominal,
conforme o registro, pois basta ao candidato entender que não há tratamento formal na frase para saber que
a afirmação é falsa.
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Figura 1: Falseamento por interpretação de elementos não estruturais.
A adequação do ensino ao Enem traz à cena a necessidade de integrar texto e gramática e as
eventuais dificuldades de levar isso a cabo. Já se falou do uso do texto como pretexto, o que ainda se
encontra em muitas propostas, mesmo naquelas que negam o tratamento isolado dos fenômenos
gramaticais, como é o caso de um livro didático de Língua Portuguesa do 6º ano, que afirma na sua quarta
capa: "o estudo da língua situa e contextualiza de forma mais clara os fatos linguísticos focalizados,
vinculando-os às escolhas de linguagem feitas conforme o gênero e segundo as intenções do autor". É dele
a proposta de exercício da Figura 2, em que se usa uma tirinha da Mônica como pretexto para identificar
adjetivos e locução adjetiva, sem explorar nenhum aspecto semântico-discursivo.
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Figura 2: a gramática tratada como nomenclatura
3. DA RELAÇÃO GRAMÁTICA E TEXTO
No quadro do funcionalismo, em especial, da linguística sistêmico-funcional de Halliday, não
faz sentido separar gramática e texto. Na visão de Halliday, a linguagem é um sistema de significados
codificados pela gramática, que é, assim, “uma rede de escolhas de significados inter-relacionados”
(HALLIDAY, 2004, p.31). O linguista concebe a linguagem como uma complexa rede sistêmica em que
entram o Contexto de Cultura, mais abrangente, e o Contexto de Situação, mais específico, ligado ao
Registro. A semiotização da experiência e das relações sociais se dá na Semântica que realiza o Contexto
de Situação e se manifesta na Lexicogramática, ou simplificadamente, na gramática. Tais significados se
manifestam no texto, que é visto como instanciação do sistema, entendido como potencialidade. É o
próprio Halliday (2004) que fala da relação entre sistema e texto como uma relação similar a que se dá
entre tempo e clima48
(em inglês, weather e climate), em que o tempo é o texto, o que nos afeta no
48 Segundo Houaiss (2009): tempo é o "conjunto de condições meteorológicas" e clima é "conjunto de condições
atmosféricas que caracterizam determinada região". Assim, o tempo está limitado a um curto período e pode mudar
Parece que a Mônica não gostou de ser carinhosamente comparada a um coelho.
a) Escreva os adjetivos usados para caracterizar os substantivos menininha e narizinho.
b) A moça empregou uma locução adjetiva. Transcreva essa locução no caderno e diga
a qual substantivo está se referindo.
(BORGATTO, 2012, p.118-119)
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cotidiano, e o clima é o sistema subjacente a todas as variadas manifestações do tempo. A figura 3 resume a
rede sistêmica tal como a concebe a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF):
Figura 3: A rede sistêmica da linguagem
3.1. Semântica e lexicogramática: as construções de voz
Em Lima (2009), analisamos, na Crônica Geral de Espanha de 1344, 1061
ocorrências de construções verbais classificadas como passivas, impessoais e médias, com o fim
de avaliar a função semântico-discursiva "não atribuição de causalidade". A análise levou em
conta fatores sintáticos, semânticos e discursivos que, ao final, corroboraram a íntima relação
gramática e texto.
As construções analisadas são escolhas possíveis em língua portuguesa,
discursivamente determinadas, diante da percepção de uma situação de mudança. Noutras
palavras, são fraseados que manifestam a semiotização de um evento de mudança não espontâneo
(passiva, impessoal e média não prototípica) ou espontâneo (média prototípica).
A escolha da construção passiva depende essencialmente da perspectivação pretendida
pelo falante, que, por sua vez, se relaciona ao grau de topicalidade da entidade afetada. Não se
trata de o Afetado ter maior saliência cognitiva, pois tanto o SN sujeito como o SN causativo da
em um mesmo dia, por exemplo. Já o clima é um comportamento atmosférico por um período mais longo. Noutras
palavras, é o tempo padrão de determinada região em um período longo.
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passiva representam, predominantemente, entidades humanas. Tampouco parece ser uma questão
de estatuto informacional, pois tanto o Afetado como o Causativo codificam, predominantemente,
informação evocada.
A seleção de uma construção impessoal — incluímos aqui as impessoais de terceira
pessoal do plural, sem antecedente expresso, e as chamadas passivas sintéticas — se dá quando o
foco é no evento em si. O Causativo humano é altamente pressuposto, daí deixado sem
codificação. A impessoal codifica predominantemente eventos de valor habitual e atemporal.
Já a construção média é escolhida quando a entidade afetada é Figura e o Causativo ou
tem baixa saliência ou sequer existe, caso dos eventos espontâneos. O Afetado da média á
altamente saliente e, por isso, selecionado como sujeito.
As diferenças entre as construções ficam mais evidentes quando observadas em frases
semelhantes como ilustramos a seguir.
(01) Passiva e média
(a) a cidade de Tallaveyra foy acabada, sempre se defendeu per sua boa obra. (CGE-32)
(b) E aqui se acabou o reyno dos Estrogodos de todo (CGE-122)
(02) Passiva agentiva, passiva não-agentiva e impessoal
(a) el rey Allarigo fora morto por el rey Clodoveo (CGE-104)
(b) E foy h imorto o emperador Almycal (CGE-51)
(c) E enno seu termho mata~ hu~u~ peixe que ha nome alffarida (CGE-40)
(03) Passiva e média
(a).ca no~ tan solamente forom departidos em a linguagem (CGE-2)
(b) E desta guysa ficou o senhorio dos Suevos departido em duas partes (CGE-93)
Em suma, as construções de voz — como outros recursos linguísticos — não são meras
formas com mesmo significado, como querem fazer crer os exercícios de conversão da voz ativa em
passiva e vice-versa. São formas com distintas funções semântico-discursivas em que interagem, entre
outros, fatores ligados ao estatuto informacional, à perspectivação, à modalidade, ao tempo, modo e
aspecto verbal, à ordenação de constituintes e à codificação do sujeito.
CONCLUSÃO
O que demonstramos em relação às construções de voz poderia ser demonstrado com relação a
qualquer outro recurso lexicogramatical. Afinal, a gramática, como mecanismo de codificação de
significados, é reflexo do jogo de forças cognitivo-semântico-pragmáticas que se manifestam no texto.
Portanto, não há gramática sem texto nem texto sem gramática.
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A dificuldade de integração entre texto e gramática reflete a separação indevida que é feita
mesmo nos cursos de formação de professores, em que são vistos como conhecimentos absolutamente
distintos, e a concepção errônea de gramática como mera nomenclatura gramatical ou conjunto de normas
estanques.
A gramática é, antes de tudo, um sistema de recursos de construção de sentidos experienciais,
interpessoais e textuais. A verdadeira gramática não pode ser apreendida e estudada fora do texto. O que se
estuda isoladamente não é gramática, é a outra, a "falsa gramática", a mera taxonomia. Confundir ensino de
gramática com ensino de nomenclatura é semelhante a considerar que o ensino de matemática poderia ser
feito ensinando-se, por exemplo, os nomes das quatro operações, do termos de cada uma ou os tipos de
números, ou que o ensino de música seria limitado ao ensino dos nomes das notas musicais, da pauta e dos
símbolos. Ora, qualquer um saberia que saber a nomenclatura musical não torna alguém apto a tocar um
instrumento. Por que razão conhecer a nomenclatura gramatical tornaria alguém com maior competência
comunicativa?
A gramática tem de ser vista tal como realmente é: dinâmica, maleável, simbólica, motivada.
Ao ser vista assim, acaba-se a fronteira entre ela e o texto, pois este nada mais é que a manifestação desses
traços: sendo dinâmica e maleável, a gramática se constrói no texto, na interação discursiva; sendo
simbólica, ela codifica significados que se materializam no texto; sendo motivada, ela se submete a
pressões discursivas e cognitivas refletidas no texto. Noutras palavras, a relação entre gramática e texto é
de interdependência, exatamente como diz a música: "não há você sem mim, eu não existo sem você"
(JOBIM, 2005).
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UM TRATAMENTO REFLEXIVO DA GRAMÁTICA: ESTUDO DA
INTERJEIÇÃO ATRAVÉS DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Ana Maria Pereira Lima (UECE)
Antonio Lailton Moraes Duarte (UECE)
Resumo:
Hodiernamente, há a necessidade de um olhar reflexivo sobre a abordagem da gramática, pois esta é responsável pela ativação da linguagem na produção linguística (NEVES, 2014). Essa ativação na
produção linguística ocorre, neveseanamente, através do entrelaçamento discurso-textual das relações que
se estabelecem na sociocomunicação, que se efetuar, bakhtinianamente, em forma de enunciados, concretos
e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana e cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, denominados, por Bakhtin
(1997), de gêneros do discurso. Diante disso, este trabalho é uma tentativa de mostrar que é possível
abordar os aspectos gramaticais relacionados à vivência linguística, manifestada pelo gêneros do discurso. Para tal empreitada, partiremos da perspectiva reflexiva do uso da gramática proposta por Neves (2014),
cujo foco reside no fato de a gramática abranger os componentes pragmático, semântico e sintático, e da
perspectiva dos gêneros do discurso de Bakhtin (1997), cujo cerne reside na interação verbal por meio de
diversos textos que circulam na sociedade. O entrelaçamento dessas perspectivas será mostrado nesta investigação por meio da discussão do Trabalho de Conclusão de Curso (Letras – Licenciatura em Língua
Portuguesa e suas respectivas literaturas) de Amorim (2012), que focalizou o ensino de interjeições através
das Histórias em Quadrinhos (HQs). Com esse estudo de Amorim (2012), podemos concluir que é significativo o uso das interjeições nas HQs, por expressarem os estados emotivos dos personagens e
impressionarem o leitor, e que a inclusão das HQs na sala de aula, principalmente nas aulas de interjeição,
é uma forma de penetrar na produção de sentidos e de efeitos, relacionados às motivações e interações dos personagens e estes com os leitores, e na produção das significações da expressões reveladas pelas
interjeições na organização das relações construcionais das HQs.
Palavras-chave: gramática, interjeição, história em quadrinhos.
1 INTRODUÇÃO
Hodiernamente, temos observando uma discussão sobre a necessidade de um olhar
reflexivo sobre a abordagem da gramática. Mas por que há a necessidade desse olhar reflexivo
sobre a abordagem da gramática?
Para responder a esta inquirição, devemos partir da ideia de que a gramática é
responsável pela ativação da linguagem na produção linguística (NEVES, 2014). Essa ativação na
produção linguística ocorre, neveseanamente, através do entrelaçamento discursivo-textual das
relações que se estabelecem na sociocomunicação. Daí, não podemos pensar a gramática isolada
da vivência da linguagem.
Uma prova de que não podemos dissociar a gramática da vivência da linguagem é
notar que “a gramática (...) abrange: um componente pragmático (na ponta de entrada das
motivações, e na ponta de saída dos efeitos da interação); um componente semântico (na produção
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241
das significações); e um componente sintático (na organização das relações construcionais no
enunciado)” (NEVES, 2014, p. 73).
Essa abrangência da gramática nos níveis pragmático, semântico e sintático é
indispensável para vivência da linguagem, pois a linguagem é uma forma de ação no mundo e
como tal é eivada de motivações que geram uma série de efeitos no processo interacional dos
interactantes, já que estes realizam ação no mundo.
Também devemos observar que essas ações realizadas pelos usuários da língua
produzem significações que acarretam modos de agir sobre mundo usando a linguagem. Além
disso, para que os usuários da língua produzam as significações pretendidas e ajam sobre o
mundo, é necessário que estes falantes organizem sintaticamente as relações construcionais dos
seus enunciados, já que a ordem dos sintagmas em um enunciado pode gerar várias significações e
consequentemente ações diferentes no mundo pelo uso da linguagem.
Diante disso, este artigo tem como objetivo mostrar que é possível abordar os aspectos
gramaticais relacionados à vivência linguística, manifestada pelo gêneros do discurso, pois
acreditamos que o tratamento escolar da gramática deve percorrer e penetrar na produção de
sentido e de efeitos a partir de usos apropriados e significativos em cada diferente situação de uso
da língua.
O entrelaçamento, dessas perspectivas, será mostrado nesta investigação por meio da
discussão do Trabalho de Conclusão de Curso (Letras – Licenciatura em Língua Portuguesa e suas
respectivas literaturas) de Amorim (2012), que focalizou o ensino de interjeições através das
Histórias em Quadrinhos (HQs) da Turma da Mônica, da revista Cebolinha, da edição Alfacinha o
Miúdo Luso, do cartunista Maurício de Souza, do Brasil.
2 ENTRELAÇAMENTO DISCURSIVO-TEXTUAL DAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS
NA SOCIOCOMUNICAÇÃO: OS GÊNEROS DO DISCURSO
O entrelaçamento discursivo-textual das relações estabelecidas na sociocomunicação
estabelecidos pela gramática da língua, apontado por Neves (2014), efetuar-se, a nosso ver, em
forma de enunciados, concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da
atividade humana e cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, denominados, por Bakhtin (1997), de gêneros do discurso.
Essa perspectiva dos gêneros do discurso de Bakhtin (1997) reside, a nosso ver, na
interação verbal, pois é para atingi-la que os usuários da língua utilizam e fazem com que diversos
textos circulem na sociedade com seus padrões sociorretóricos mais ou menos estabilizados por
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uma comunidade discursiva, como já apontará Swales (1990).
Portanto, a interação verbal só se efetiva através dos gêneros textuais, já que só nos
comunicamos por meio deles.
3 ESTUDO DA INTERJEIÇÃO NA ESCOLA: UMA BREVE REFLEXÃO
Refletindo um pouco sobre o estudo da interjeição na escola, Amorim (2012, p. 15)
diz que:
O ensino das interjeições é fundamental nas escolas, porque proporciona aos alunos a oportunidade do estudo deste conteúdo gramatical como forma de
entretenimento, reflexão, informação ou até mesmo emoção. Porém, sabemos que
abordar recursos que proporcionam interesse por parte dos alunos nas aulas de gramática nem sempre é uma tarefa fácil.
Dessa assertiva, podemos perceber que o estudo das interjeições é uma campo
profícuo para produção de sentidos e efeitos da ativação linguística proveniente da
sociocomunicação, já que o ensino da interjeição poderá oportunizar os discentes no estudo de um
elemento gramatical que é capaz de envolver formas dinâmicas de aprendizagem e de uso da
língua. Esse envolvimento é possível porque as interjeições, como asseverou Amorim (2012),
podem ser ensinadas a través de entretenimento, já que revelam emoção e reflexões sobre as
diversas atividades linguística dos alunos ao longo de sua vida diária.
No entanto, essa não é a realidade das aulas de gramática nas escolas brasileiras, pois,
conforme Madeira (2005, p. 32),
as aulas de gramática, em especial as de interjeições são pouco criativas, [porque]
os professores não fazem com que os alunos expressem os seus estados emotivos
para assimilar os conceitos sobre interjeições e que são ensinados apenas regras prescritivas, classificações que muito pouco colaboram para que o aluno se torne
um falante competente da língua, ou seja, capaz de produzir, interpretar e
compreender textos eficientemente.
Percebemos que Madeira (2005) tem total razão, pois as aulas de gramática que
abordam o ensino da interjeição não exploram o potencial que essa classe gramatical pode
proporcionar aos alunos por conta de os professores de Língua Portuguesa (Professores de
Anais do II Encontro sobre Gramática: teoria e prática. V. 1. N. 2. Fortaleza-CE. 2014. ISSN: 2316-9583
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gramática)49
abordarem este assunto de forma prescritivista e com excessiva preocupação com a
metalinguagem. Na verdade, a metalinguagem (uma mal necessário) não deve ser o cerne do
ensino gramatical, pois é importante que os alunos ao estudarem as interjeições devam expressar
os seus estados emotivos como forma de assimilação dos conceitos desta classe gramatical tão
utilizadas pelos faltantes da língua.
Outro fato que faz com que as aulas de gramática sobre a classe gramatical interjeição
sejam não criativas reside no fato de que os lentes pensam que o conceito de interjeição é fixo. Na
verdade, os educadores deve perceber que o conceito de interjeição é flexível e pode sofre de
acordo com cada teórico, pois como aponta Rodrigues (2011, p. 01), “a gramática não deve ser
tida como uma verdade única, absoluta e acabada”.
Outro problema no ensino de interjeições diz respeito às atividades abordadas nas
aulas de Língua Portuguesa, pois, segundo Perini (1993), os exercícios se resumem em questões
extremamente objetivas, o aluno não é levado a refletir, ele apenas copia no caderno informações
que estão nas classificações das interjeições. Ou seja, este tipo de exercício não produz sentido
nem efeitos no uso das interjeições pelo aluno, pois há uma preocupação pelo docente na
assimilação da metalinguagem pelo discente e não na reflexão do uso dessa classe gramatical tão
rica, a nosso ver, na produção de sentidos e nos efeitos do uso da linguagem.
Dessa forma, percebemos, por meio desta breve reflexão, que a atual prática cotidiana
de sala de aula, no ensino das interjeições, encontra-se baseado em um número expressivo de
situações, através de exemplos descontextualizados, de frases pré-fabricadas para exemplificar ou
exercitar o conceito de interjeições e também está alienado aos livros didáticos, que mantêm um
ensino rígido e descontextualizado, sem proporcionar na produção linguística a ativação da
linguagem (NEVES, 2014), pois não há o entrelaçamento discursivo-textual das relações que se
estabelecem na sociocomunicação pelo uso das interjeições.
4 A INTERJEIÇÕES NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: UMA ABORDAGEM
REFLEXIVA DA GRAMÁTICA
4.1 Visão gramatical e linguística da interjeição
Fazendo um levantamento do conceito de interjeição nos dicionários de Língua
49
Apesar de entendermos que o ensino de Língua Portuguesa não corresponde ao ensino de gramática, percebemos que nas escolas brasileiras ainda se perpetua o entendimento que ensinar Língua Portuguesa é ensinar gramática.
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Portuguesa, obtivemos os seguintes:
Interjeição. S.f. Palavra invariável ou sintagma que, com entonação peculiar,
geralmente sem combinar-se gramaticalmente com elementos da oração, formam, por si sós, frases que exprimem uma emoção, uma sensação, uma ordem, um
apelo ou descrevem um ruído (p. ex.: psiu!, oh!, coragem!, meu Deus!).
(HOUAISS, 2002)
Interjeição. S.f. Palavra que serve para exprimir de modo enérgico e conciso um
sentimento violento, uma emoção, uma ordem, como ah!, ai!, psiu!.
(DICIONÁRIO online de português)
Interjeição [Do lat. interjectione]. S.f. gram. Palavra ou locução com que se
exprime um sentimento de dor, de alegria, de admiração, de aplauso, de irritação, etc. (FERREIRA, 1999, p. 439)
Dessa rápida pesquisa nos dicionários, notamos que todos os dicionaristas consideram
a interjeição como sendo uma palavra cuja função é exprimir emoção, sentimentos. Apesar de que
o lexicólogo Houaiss (2002) nos fornece uma abordagem mais ampla, pois detalha a noção de
interjeição como sendo um sintagma com entonação peculiar, independente oracionalmente, que
por si só forma frase que exprimem sentimentos ou até mesmo descrevem ruídos.
Essa noção dada pelos Houaiss (2002) faz uma abordagem próxima da perspectiva
linguística da interjeição, pois colocar a interjeição como sendo uma palavra-frase e ressalta um
aspecto fonológico desta classe gramatical ao afirmar que a interjeição tem uma entonação
peculiar. Essa entonação peculiar, a nosso ver, faz com que algumas palavras assumam o status de
interjeição, pois poderemos usar uma substantivo para exprimir determinado sentimento e este terá
o status de interjeição pela entonação dada pelo falante.
Analisando os conceitos de algumas gramáticas, encontramos, por exemplo, em
Bechara (2004, p. 330) e Cereja e Magalhães (2008, p. 242) a seguinte definição: “a expressão
com que traduzimos os nossos estados emotivos”. Não distanciando dos demais gramáticos,
Sacconi (2010, p. 347) e Moura Neves (2004, p. 267) pensam semelhantes, definindo interjeição
como “toda palavra invariável que indica emoção e sentimento repentino”.
Já Cunha e Cintra (1985, p. 77) dizem o seguinte: “a interjeição, vocábulo-frase, fica
excluída de qualquer das classificações”. Além disso, esses gramáticos, define a interjeição como
sendo “uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo nossas emoções” e que dizem que
o seu valor “depende fundamentalmente do contexto e da entonação” (p. 577).
Dessa maneira, percebemos que a noção gramatical da interjeição coincide bastante
com a perspectiva dos dicionarista, pois as definições sempre se pauta em um critério ora sintático
ora semântico, tratando-a ora como uma palavra, ora como frase, ora como palavra-frase. Além
disso, incluindo-a como uma classe gramatical ora excluindo dessa categoria, como uma
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classificação à parte.
Diante desse imbróglio gramatical sobre o conceito de interjeição, Câmara Jr. (19977,
P. 147) diz que “a interjeição é a palavra que traduz, de um modo vivo, os estados d´alma. É uma
verdadeira palavra-frase, pelo qual o falante, impregnado de emoção, procura exprimir seu estado
psíquico num momento súbito, em vez de se exprimir por uma frase logicamente organizada”.
Essa definição de Câmara Jr. (1997) aponta para ideia de que a interjeição é uma
palavra-frase que é usada pelo falante para exprimir o seu estado psíquico em determinado estado
emotivo, revelando assim o estado d´alma.
Marcuschi (2007, P. 64) chama atenção para o fato de que a interjeição é “o único
fenômeno linguístico exclusivo da língua portuguesa falada”, pois mesmo quando aparece na
escrita representa a fala, já que sempre acontece em contexto de diálogo.
Além disso, Marcuschi (2007, p. 135), citando Quirk Greenbaur, Leech e Svartivik
(1985), diz que: “as interjeições são gramaticalmente periféricas no sentido de que não entram nas
construções com outras classes de palavras e são frouxamente conectadas às frases com as quais
elas parecem estar ortográfica ou fonologicamente associadas”. Ao fazer esta citação percebemos
que os autores citados por Marcuschi (2007) situam a interjeição na pragmática da comunicação50
,
pois as interjeições são intencionais, situam-se na esfera da interação e do envolvimento (auto-
envolvimento) e voltam-se para a expressão das intenções dos falantes.
Sob essa perspectiva, Marcuschi (2007) considera que as interjeições não formam
classes de palavras, mas classes de funções discursivas bastante características; têm um status
holofrástico independente, não é uma frase, mas apresenta a função ilocucional de uma frase, já
que:
Discursivamente, a interjeição situa-se sempre em contextos de maior vivacidade
e reproduz momentos em que uma posição pessoal é tomada ou manifestada. Vincula-se aos gêneros textuais mais espontâneos de modo mais saliente e em
geral tem mais a ver com o envolvimento do que com a informação. Portanto, as
interjeições são fenômenos essencialmente discursivos e nesta perspectiva acham-se perfeitamente integradas na estrutura ilocucional do texto.
(MARCUSCHI, 2007, p. 140).
Diante de tudo isso, percebemos que as interjeições revelam sobretudo uma postura
pessoal e os traços de decisão dos interlocutores quanto às suas intenções, não sendo assim uma
simples questão de emotividade como frisam os gramáticos. Além disso, diferem das hesitações
porque estas se volta preferencialmente para as atividades de formulação do falante
(processamento linguístico) e dos marcadores conversacionais, porque estes, por seu caráter de
50
A pragmática da comunicação é, grosso modo, um estudo da linguagem com as funções comunicativas.
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envolvimento interpessoal mais acentuado, voltam-se para as relações interpessoais e são mais
ricos em função e posições, relacionando-se tanto aos falantes como aos ouvintes e ao próprio
conteúdo.
4.2 Interjeições em Histórias em Quadrinhos: uma análise do ensino reflexivo da gramática
A partir dos apontamentos feitos anteriormente, faremos uma breve análise do ensino
das interjeições através das Histórias em Quadrinhos (HQs), tomando por base a pesquisa de
Amorim (2012).
Amorim (2012) fez uma análise das (HQ) da Turma da Mônica, da revista Cebolinha,
da edição Alfacinha o Miúdo Luso, do cartunista Maurício de Souza, do Brasil. Para esta análise,
procedeu com a identificação das interjeições presentes nestas HQs, com o reconhecimento das
finalidades e das principal função das interjeições nas HQs selecionadas. Além disso, identificou
diferentes temas para se trabalhar em sala de aula, a fim de tornar, a nosso ver, o ensino da
interjeição mais criativo, lúdico e dinâmico, como propõe Neves (2014) ao fazer uma abordagem
reflexiva do ensino de gramática.
Diante disso, Amorim (2012) mostrou, em seu trabalho, que as interjeições possuem
diferentes finalidades nas HQs mostradas e percebidas pelos leitores desses textos pelas imagens,
que revelam os estados emotivos e reproduzem momentos em que uma posição pessoal é tomada ou
manifestada pelos personagens da história. Isso é possível porque as HQs, conforme asseverou
Amorim (2012, p. 44), “associa a linguagem verbal e não- verbal para a construção do sentido.
Desta forma, as HQs tornam-se acessíveis não só aos adultos com baixo grau de letramento, mas
também a crianças em fase de aquisição de escrita, que podem apoiar-se nos desenhos para
produzir sentido”.
Além disso, Amorim (2012) lembra que:
é preciso ensinar os alunos a lerem a HQs associando as duas linguagens. Uma
HQ é uma narrativa que envolve fatos, personagens, tempo e espaço. Os fatos se organizam em sequência, numa relação de causa e efeito. A linguagem realiza-se
no meio escrito, mas busca reproduzir a fala nos balões, com a presença de
onomatopéias, interjeições, reduções vocabulares, etc.
Dessa forma, na perspectiva amoriniana, o ensino das interjeições por meio das HQs é
fazer com que o discente perceba o contexto de vivacidade e a reprodução dos momentos em que
uma posição pessoal é tomada ou manifestada pelos personagens da história por meio da
interjeição. Além disso, a vinculação das HQs ao ensino das interjeições proporcionam o
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envolvimento dos discentes com esta classe gramatical sob a perspectiva discursiva.
Para demonstrar e ilustrar esses posicionamentos de Amorim (2012), observemos a
HQ a seguir:
(Retirado de Amorim, 2012, p. 45)
De acordo com Amorim (2012), ao se fazer a leitura da HQ acima, infere-se
nitidamente as interjeições, tanto nas imagens (pelas expressões faciais e corporais), como na
escrita (epa! Que solte! respectivamente na tirinha dois e cinco), pois, segundo Ramos (2009),
através das imagens e da escrita, podemos perceber os estados emotivos dos personagens bem
como a postura pessoal e os traços de decisões do Cebolinha e da Mônica quanto às suas
intenções.
A fim de detalhar as finalidades dessas interjeições reveladas pelo texto imagético,
Amorim (2012) propôs o seguinte quadro:
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INTERJEIÇÕES
PRESENTES NA HQ1:
IMAGEM
FINALIDADES DAS
INTERJEIÇÕES NA
HQ1
Receio e triste.
Espanto e medo.
Raiva, reprovação e dor
(Retirado de Amorim, 2012, p. 46)
Já o para o texto com a linguagem verbal, Amorim (2012) elaborou o seguinte quadro:
INTERJEIÇÕES PRESENTES NA HQ1:
ESCRITA
FINALIDADES DAS
INTERJEIÇÕES NA HQ1
EPA! Espanto, medo e surpresa
QUE SOLTE!
Alívio
(Retirado de Amorim, 2012, p. 47)
Esses quadros revelam, conforme Amorim (2012), que as interjeições inferidas na HQ
em questão através linguagem não-verbal e da linguagem verbal, respectivamente, têm o papel de
expressar receio, tristeza, espanto, medo, raiva, reprovação, dor e espanto, medo, surpresa, alívio.
Dessa forma, essas interjeições revelam e expressam emoções, dor, animação, chamamento dos
personagens e discursivamente reproduzem os momentos em que uma posição pessoal dos
personagens é tomada ou manifestada.
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CONCLUSÃO
Pelo exposto, ao longo deste artigo, podemos concluir que é significativo o uso das
interjeições nas HQs, pois, como apontou Amorim (2012), estas interjeições expressam os estados
emotivos dos personagens, impressionam o leitor, levando-o a se emocionar juntamente com os
personagens, e, a nosso ver, revelam os contextos de vivacidade e reproduzem os momentos em
que uma posição pessoal é tomada ou manifestada pelos personagens da HQ.
Além disso, essa vinculação a um gênero textual mais espontâneos, como as HQs,
revela a saliência da produção de sentidos e os efeitos discursivos das interjeições no
envolvimento do leitor, ao fazer com que este perceba a força ilocucional do texto, seja pela
imagem, seja pela expressão escrita.
Diante de tudo isso, a inclusão das HQs na sala de aula, principalmente nas aulas de
interjeição, é uma forma de penetrar na produção de sentidos e de efeitos, relacionados às
motivações e interações dos personagens e estes com os leitores, e na produção das significações
da expressões reveladas pelas interjeições na organização das relações construcionais das HQs,
pois, de acordo com Amorin (2012), na maioria das HQs analisadas, os elementos comuns foram à
sequência narrativa de textos verbais e não-verbais, a representação em um ou mais quadros, uso
da linguagem gráfica, como balões, sinais de pontuação (!) e (?), onomatopéias e interjeições.
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i Professora Adjunta do Departamento de Letras Vernáculas da UFC. [email protected]
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