UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS
LÍGIA DOS SANTOS MARTINS
ANÁLISE DE ALGUNS ASPECTOS NA ESCRITA E NA LINGUAGEM
DE ADRIANA LISBOA EM SUA OBRA SINFONIA EM BRANCO
SOROCABA/SP 2012
LÍGIA DOS SANTOS MARTINS
ANÁLISE DE ALGUNS ASPECTOS NA ESCRITA E NA LINGUAGEM
DE ADRIANA LISBOA EM SUA OBRA SINFONIA EM BRANCO
Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado como exigência
parcial para obtenção do Diploma de
Graduação em Letras Português e Inglês,
da Universidade de Sorocaba.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando
Gomes
SOROCABA/SP 2012
LÍGIA DOS SANTOS MARTINS
ANÁLISE DE ALGUNS ASPECTOS NA ESCRITA E NA LINGUAGEM
DE ADRIANA LISBOA EM SUA OBRA SINFONIA EM BRANCO
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado
como requisito parcial para a obtenção do
Diploma de Graduação em Letras
Português e Inglês, da Universidade de
Sorocaba.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA:
Ass. ______________________________
1ºexaminador _______________________
Ass. ______________________________
2º.examinador ______________________
Ass. ______________________________
3º.examinador _________________________
À minha avó, Vicenta.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela oportunidade da vida, e aos seus mensageiros
amorosos que sinto estarem sempre por perto, inspirando-me e me protegendo.
Ao meu marido, Tiago, quem eu amo demais, meu grande incentivador que
suportou o meu estresse durante o desenvolvimento desta pesquisa, sempre
amoroso e tão essencial em minha vida.
Aos meus pais, José Antonio e Maria Dirce, que apesar de não terem
presenciado de perto meus estudos sempre torceram muito por mim, assim como
minhas queridas irmãs, Ana, Aline, Josie e Cássia, e meu querido irmão, Pedro, que
são muito felizes por minha conquista.
Às minhas patroas, Marísia e Eliane, sempre muito compreensivas e
incentivadoras, minha eterna gratidão.
Agradeço em especial ao meu professor Luiz Fernando Gomes, que me
orientou e acreditou na minha capacidade de desenvolver esta pesquisa.
E a todos os outros professores, que contribuíram muito para que eu
chegasse até aqui, pessoas que levarei em meu coração pela minha vida, cada um a
sua maneira me presentearam com valiosos conhecimentos, exemplos de postura,
relatos de experiências, opiniões, carinhos, incentivos, que enriqueceram a minha
formação como estudante e como ser humano.
Às minhas queridas amigas Vanessa, Paula e Luciana pela generosidade que
sempre houve entre nós, que nossa amizade permaneça por muitos anos ainda.
Ao amigo João Paulo, sempre tão solicito, que me ajudou demais e foi de
extrema importância para que eu realizasse esta pesquisa, de quem sempre me
lembrarei — e desejo sempre que, caso precise de algum auxílio, possa contar com
alguém tão generoso quanto você, para lhe retribuir o bem que faz a outros.
Aos outros colegas de classe que aprendi a admirar e me afeiçoar nesses
anos de convivência sempre serão lembrados com carinho.
Ora ingênuas, ora muito avisadas, as mulheres, como novas fiandeiras dos tempos modernos, tecem palavras para com elas romper velhos silêncios.
Laura Padilha
RESUMO
A literatura produzida por mulheres já foi injustamente subestimada e
severamente criticada, pois o seu valor estético era considerado inferior em relação
à produção literária dos homens. Hoje, no entanto, há um crescente interesse em
estudar esses escritos de autoria feminina, que comprovam cada vez mais seu valor
como arte e buscam perceber de que forma a essência e a expressão da mulher
aparecem por meio de sua escrita e de sua linguagem. A presente pesquisa trabalha
na linha da observação dessa escrita. Nessa pesquisa, discutem-se conceitos de
literatura, gêneros literários e da escrita da mulher, para isso são utilizados estudos
referentes à Teoria da Literatura e da Análise Literária, além de uma breve reflexão a
respeito do estilo da escrita e da linguagem tomando como base o livro Seis
propostas para o próximo milênio de Italo Calvino. A análise feita, além de estudar
os aspectos convencionais da obra Sinfonia em branco, como enredo, tempo,
espaço, narrador, personagens, procurou também fazer uma análise da escrita e da
linguagem que a constrói, identificando as peculiaridades na escrita de Adriana
Lisboa que na obra em questão está muito atenta a um universo mental muito
particular cheio de minúcias, detalhes e sutilezas.
Palavras-chave: Teoria da Literatura. Romance. Análise Literária. Escrita de
mulher.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................9
1. TEORIA DA LITERATURA ........................................................................................... 11 1.1 Conceitos de Literatura e Literariedade ............................................................... 11 1.2 Gêneros Literários ...................................................................................................... 14 1.2.1 Romance ..................................................................................................................... 14 1.3 Análise Literária .......................................................................................................... 15 1.4 Escrita de mulher ........................................................................................................ 16
2. METODOLOGIA DE PESQUISA ................................................................................. 20
3. SINFONIA EM BRANCO: ANÁLISE ........................................................................... 22 3.1. Tema/Enredo ............................................................................................................... 22 3.2. Tempo: antes de tudo e depois de tudo .............................................................. 22 3.3 Espaços ......................................................................................................................... 23 3.4 Narrador......................................................................................................................... 23 3.5 Personagens ................................................................................................................ 24 3.6 Análises da escrita e da linguagem de Adriana Lisboa ................................... 25
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 29
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 31
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INTRODUÇÃO
A literatura produzida por mulheres busca criar o seu espaço próprio dentro
do amplo universo literário mundial. Desde fins do século XIX e principalmente no
século XX, a principal transformação pela qual passou a literatura de autoria
feminina é a conscientização da escritora quanto a sua liberdade e autonomia e a
possibilidade de trabalhar e criar. Nesta pesquisa buscarei algumas características
no estilo da escrita de Adriana Lisboa, que estão presentes em sua obra Sinfonia em
branco.
Na presente pesquisa pretendo fazer uma breve análise da obra Sinfonia em
branco da escritora brasileira Adriana Lisboa em seus aspectos literários, como o
enredo, espaço, tempo, personagens, narrador, e por final observar sua escrita e
linguagem relacionando as com alguns aspectos que correspondem às propostas
para a construção textual, defendidas por Italo Calvino em seu livro Seis Propostas
para o próximo milênio, como a leveza a exatidão e a visibilidade.
A escritora brasileira Adriana Lisboa nasceu no Rio de Janeiro. Publicou dez
livros, entre os quais cinco romances, uma coletânea de contos e poemas em prosa
e livros para crianças. Sua obra foi traduzida em vários países, incluindo França,
Estados Unidos, México, Itália, Suécia e Suíça.
Ganhou o Prêmio José Saramago pelo romance Sinfonia em branco, uma
bolsa da Fundação Japão para o romance Rakushisha, uma bolsa da Fundação
Biblioteca Nacional, no Brasil, e o prêmio de autor revelação da FNLIJ (Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil) por seu livro de poesia para crianças, Língua de
trapos. Em 2007, o Hay Festival/Bogotá Capital Mundial do Livro incluiu-a na lista
dos 39 mais importantes autores latino-americanos até 39 anos de idade.
Graduada em música pela Uni Rio, com mestrado em literatura brasileira e
doutorado em literatura comparada pela Uerj, Adriana Lisboa viveu na França –
onde atuou como cantora de música popular brasileira – e atualmente mora nos
Estados Unidos, no Colorado.
Adriana Lisboa é uma escritora da atualidade que ainda não foi estudada
tantas vezes como Clarice Lispector, Adélia Prado, Cecília Meireles, entre tantas
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outras, que confere a pesquisa a possibilidade de mostrar algo novo do cenário
literário brasileiro.
Adriana é considerada por alguns críticos literários como uma das novas
promessas da literatura brasileira e por ter sido ganhadora do prêmio José
Saramago justamente por este romance que pretendo analisar, comprovando sua
qualidade como escritora e da obra em questão.
O objetivo desta pesquisa é fazer uma breve Análise Literária da obra Sinfonia
em branco a partir dos aspectos que compreendem a obra, e uma apreciação da
escrita que a constrói.
Nesta pesquisa pretendo utilizar como bases teóricas algumas obras
conceituadas da área de literatura como: Teoria da Literatura de Vitor Manuel de
Aguiar e Silva, para ampliar o conceito de Literatura e literariedade, gênero literário e
romance, A Análise Literária de Massaud Moisés, para compor a compreensão dos
fragmentos do texto e do texto como um todo além do livro Seis propostas para o
próximo milênio de Italo Calvino, para argumentar a respeito da questão da escrita,
além de outros que se fizerem necessários no decorrer do desenvolvimento da
pesquisa.
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1. TEORIA DA LITERATURA
O leitor comum, ao desfrutar de uma obra, dificilmente pensará em teorizar
sobre ela, porém quando se tem a intenção de desvendar os elementos que a
compõe necessita de bases teóricas que sustentem sua pesquisa, onde possa
encontrar caminhos para a elucidação das questões que deseja compreender.
É necessário compreender sobre as teorias correspondentes a cada tema,
para que a análise seja eficiente. Para fazer a análise de um texto literário ou de um
fragmento desse texto é essencial que se tenha claro alguns aspetos relacionados à
Teoria da Literatura, que é a base fundamental para quem se propõem analisar um
texto literário.
Tomando como base a Teoria da Literatura podemos estudar a obra, o autor,
o leitor e todo o processo que envolve a produção e a repercussão de uma obra
literária e através dos dados colhidos nesse estudo, construir um método de reflexão
e análise que nos leve ao entendimento se não definitivo ao menos parcial de como
foram elaborados ou escolhidos pelo autor os elementos que compõe um romance
ou um conto, por exemplo.
A Teoria Literária explica a literariedade, a evolução literária, os períodos da
literatura, os gêneros, a narratividade, os versos, sons e ritmos, as influências
exteriores sobre a produção literária, entre outros aspectos.
1.1 Conceitos de Literatura e Literariedade
A definição do termo literatura não é tão simples, pois sua ampla significação
foi alterada muitas vezes ao longo do tempo desde que foi usado pela primeira vez.
Os gregos são considerados os pioneiros nas pesquisas sobre Literatura.
Para iniciar a discussão a respeito do lexema literatura em seu livro Teoria da Literatura, Silva (1986, p.1) diz que, “O lexema complexo literatura derivado do
radical littera – letra, carácter alfabético –, significa saber relativo à arte de escrever
e ler, gramática, instrução, erudição”.
O mesmo autor destaca adiante,
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Tal como literatura, lexemas e sintagmas como letras, letras humanas e, a partir do século XVII, belas letras designam conhecimento, doutrina, erudição – um conhecimento que tanto dizia respeito aos poetas e aos oradores como aos gramáticos, aos filósofos, aos matemáticos, etc.
Trata-se então de um termo de difícil definição, pois além de designar o saber
relativo à arte de escrever e ler, era usado também para designar os estudos das
ciências em geral.
Do mesmo lexema derivou ainda o adjetivo “literário” que está relacionado
aos textos, e também o substantivo “literato”, que está relacionado ao homem culto,
letrado.
Hoje sabemos que os textos científicos não podem ser classificados como
literatura. As transformações culturais e tecnológicas das últimas décadas do século
XVIII fizeram com que o termo ciência adquirisse um significado mais estrito, devido
ao desenvolvimento da ciência indutiva e experimental, e desse modo tornou-se
cada vez menos aceitável incluir nas belas-letras os escritos científicos.
Para fazer a relação podemos comparar o texto científico atual ao texto
literário, e percebemos que o texto científico utiliza as palavras sem preocupação
com a beleza ou com o efeito emocional, tendo somente a intenção de instruir,
preferindo o sentido denotativo e figurado das palavras.
No texto literário, entrentanto, além do escritor muitas vezes, pretender
instruir, e passar ao leitor uma determinada ideia, a beleza e o efeito emocional que
a escolha certa das palavras pode causar no leitor será a preocupação maior do
escritor, utilizando-se para isso, muitas vezes, do sentido metafórico das palavras.
Entretanto mesmo compreendendo a diferenciação de texto científico e texto
literário, não esgota a problemática da definição do termo literatura, pois segundo
Silva (1986, p. 14)
O esboço [...] da historia semântica do lexema literatura deixa logo prever as dificuldades inerentes ao estabelecimento de uma definição do respectivo conceito: o lexema é fortemente polissémico; o conceito de literatura é relativamente moderno e constituiu-se, após mais de dois milénios de produção literária, em função de um determinado circunstancialismo histórico-cultural; a literatura não consiste apenas numa herança, num conjunto cerrado e estático de textos inscritos no passado, mas apresenta-se antes como um ininterupto processo histórico de novos textos[...]
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Na primeira metade do século XX, houve uma preocupação em definir o
conceito de literatura, por parte de alguns movimentos de teoria e crítica literária.
De acordo com SILVA (1986, p.15),
[...] os três mais influentes e mais fecundos movimentos de teoria e crítica literárias[...] – o formalismo russo, o new criticism anglo-norte-americano e a estilística – coicidem no reconhecimento urgente, metodologicamente prioritária, de estabelecer com rigor um conceito de literatura qua literatura, isto é, enquanto fenômeno estético especifíco. Tácita ou explicitamente, proponham ou não taxativas definições de literatura, o formalismo russo, o new criticism e a estilística advogam o princípio de que os textos literários possuem caracteres estruturais peculiares que os diferenciam inequivocamente dos textos não-literários.
Ainda hoje a definição exata de literatura se torna difícil, pois os estudos
relativos a literatura e a literariedade continuam com certas divergências entre si, e
ainda podem ocorrer modificações no que já foi estabelecido diante de uma nova
perspectiva, de um desses estudiosos do assunto.
Quanto a isso, mais adiante citando Wittigenstein — que faz uma crítica ao
essencialismo — Silva (1986, p. 21, 22) acrescenta,
Se se aceitar que na maioria dos casos, o significado de uma expressão consiste no seu uso e se se tiver em conta que, na maioria dos casos os denominados “conceitos” coicidem com o significado das expressões, ter-se á então de concluir que os conceitos atinentes ao domínio empirico – com exclusão, por conseguinte, dos conceitos atinentes ao domínio matemático – serão sempre conceitos abertos, podendo os conceitos considerados até determinado momento como rigorosamente fixos tornarem-se subtamente vagos.
Atualmente podemos usar o termo literatura para designar a criação artística
de textos, ou o conjunto da produção literária de um determinado país como:
literatura brasileira, literatura inglesa, literatura francesa, entre outros. Segundo
SILVA (1986, p. 9 e 10),
[...] foi na segunda metade do século XVIII que, em virtude de importantes transformações semânticas, o lexema litteratura adquiriu os significados fundamentais que ainda hoje apresenta: uma arte particular, uma específica categoria da criação artística e um conjunto de textos resultantes dessa actividade criadora.
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1.2 Gêneros Literários
Numa descrição simples genêro literário é uma categoria de composição
literária e sua classificação pode ser feita de acordo com critérios semânticos,
fonológicos, formais, contextuais e outros. As diferenças entre os genêros e
categorias são flexíveis, muitas vezes com subgrupos. De acordo com Silva (1986,
p.399)
Os genêros literários, por sua vez, podem dividir-se em subgéneros, em função da específica relêvancia que no seu código – assim diferenciado em subcódigos – assumem determinados factores semânticos-pragmáticos e estilístico- formais.
Sua definição assim como a de literatura não é tão exata, pois houve na
história várias classificações de gêneros literários, de modo que não se pode
determinar uma categorização de todas as obras seguindo um enfoque comum. A
respeito disso Silva (1986 p. 354) diz:
Quando se tende para a afirmação da historicidade dos genéros literários, tende-se também logicamente para a negação do seu caráter estático e imutável e para a negação dos modelos e das regras considerados como valores absolutos.
Os filósofos da Grécia antiga, Platão e Aritstóteles, estabeleceram na
antiguidade a divisão clássica dos genêros literários em três grupos: o narrativo ou
épico, o lírico e o dramático, quando iniciaram estudos que questionavam o que
representaria o literário e como essa representação seria produzida. E nessas três
classificações básicas fixadas pela tradição encontram-se inúmeras categorias
menores, comumente denominadas subgêneros.
1.2.1 Romance
Herdeiro da epopeia, o romance é uma forma literária relativamente moderna.
É tipicamente um gênero narrativo, assim como a novela e o conto. A diferença entre
romance e novela não é clara, mas costuma-se definir que no romance há um
paralelo de várias ações, enquanto na novela há uma concatenação de ações
individualizadas. No romance, uma personagem pode surgir em meio à história e
desaparecer depois de cumprir sua função. Outra distinção importante é que no
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romance o final é um enfraquecimento de uma combinação e ligação de elementos
heterogêneos, não o clímax.
A palavra romance já designou a língua vulgar da qual originou a língua
portuguesa. Quanto a isso Silva (1986, p.672) explica,
Na idade Média, o vocábulo romance (espanhol romance, Frances romanz, italiano romanzo) designou primeiramente a língua vulgar, a língua românica que embora resultado de uma transformação do latim se apresentava já bem diferente em relação a este idioma. Depois, a palavra romance ganhou um significado literário, designando determinadas composições redigidas em língua vulgar e não na língua latina, própria dos clérigos.
Através da ficção, o romance atual narra conflitos e acontecimentos da
experiência humana, geralmente se apresenta em uma sequência de eventos que
envolvem um grupo de pessoas em um cenário específico. Sua capacidade
essencial é essa de reconstruir, recriar o mundo. O autor não demonstra ou repete o
mundo, reconstrói a seu modo, um mundo seu recriado com meios próprios,
conforme uma visão particular, única e original.
De acordo com SILVA (1986 p, 677),
[...] o romance barroco representa uma espécie de grau zero do romance, e é precisamente com a dissolução desse <<ópio romanesco>>que aparece o romance moderno, o romance que não quer ser simplesmente uma <<história>>, mas que aspira a ser a << observação, confissão, análise>>, que se revela como <<pretensão de pintar o homem ou uma época da história, de descobrir o mecanismos das sociedades, e finalmente de pôr os problemas dos fins últimos>>.
A palavra romance se desgastou ao ponto de se criar preconceitos em torno
dela. Há pessoas, por exemplo, que acreditam que o fato de não lerem romances é
um sinal de intelectualidade, mas a verdade é que o romance que tem qualidade
ainda tem o seu prestigio garantido entre os apreciadores da arte literária.
1.3 Análise Literária
Para se analisar e compreender uma obra literária, logo após fazermos uma
leitura completa e despreocupada é necessário uma leitura mais atenta para
desmembrá-la em suas partes essenciais para conhecê-la melhor e só então poder
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explicá-la com propriedade, e por meio dessa análise é conhecida às características
dos elementos contidos no texto.
A fim de buscar embasamento para fazer a análise que pretendo, destaco
algumas definições e conceitos a cerca de análise literária que explique a respeito
dos passos que se fazem necessários para se desvendar uma obra literária e para
se chegar a uma conclusão.
De acordo com Moisés (1981, p.22), “A análise constitui, precipuamente, um
modo de ler, de ver o texto e de, portanto, ensinar a ler e a ver.” Portanto quem
analisa usa o seu modo de ver o texto para ensinar a outro a ler e a ver o texto sob o
seu ponto de vista.
Partindo de uma macroanálise para uma microanálise das partes que compõe
um romance pode se conhecer a fundo a estrutura que organiza o texto bem como a
construção que foi escolhida pelo autor para narrar à estória contida nesse romance.
A microanálise, ou análise microscópica, tem por escopo sondar o texto palavra a palavra, expressão a expressão, minúcia a minúcia, e pode fazer-se de dois planos: 1) em que a análise se contenta com o pormenor, quase olvidando por completo o conjunto da obra, e 2) em que a análise “sobe” para a consideração particularizada dos ingredientes da prosa de ficção, ou seja, as personagens, o tempo, o lugar, a ação, o ponto de vista narrativo, os expedientes de linguagem (o diálogo, a descrição, a narração e a dissertação). MOISÉS (1997, p.86).
Quando observamos um texto em suas estruturas mínimas, podemos
compreender que os elementos estudados separadamente constroem um significado
muito mais claro e amplo do enredo que quando o texto é visto como um todo, e
alem de conhecermos melhor as relações que se estabelecem entre o espaço o
tempo e as personagens, fica nítido o estilo da escrita que deu base àquela
narrativa.
1.4 Escrita de mulher
“O que sinto em mim, quando diante do computador busco a essência do homem, a essência profunda do animal e da pedra, que me permitirá escrevê-los, o que sinto, vívido, é o que procuro dentro de mim, através de mim, através da minha própria, mais profunda essência. E que essa essência é, antes de mais nada, uma essência de mulher.”
Marina Colasanti
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Propor-se a estudar a respeito da escrita da mulher, qualquer que seja o
enfoque, nos leva inevitavelmente a uma discussão quanto às questões de direitos a
posição da mulher perante a sociedade do passado e do presente.
Lendo um pouco sobre as condições das primeiras manifestações literárias de
mulheres no Brasil, percebe se que quando finalmente o governo imperialista
reconhece a educação feminina e algumas mulheres então conquistam o direito
básico de aprender a ler e escrever, uma das preocupações dessas mulheres era de
se libertar do padrão patriarcal no qual viviam e obedeciam até aquele momento.
A partir desse momento com acesso a educação a mulher desenvolve sua
personalidade e tem novas e importantes descobertas, passam então a produzir
textos literários expressando através da escrita seus desejos e reivindicações.
Segundo Rosso (2006, p.1), “No Brasil o surgimento de mulheres escritoras
ocorre principalmente a partir do século XIX, no contexto da crescente importância
da imprensa e do início de movimentos em prol dos direitos das mulheres.” (ROSSO,
2006, p. 1).
Com o tempo, a evolução dos conceitos e as mudanças que ocorreram na
sociedade, a mulher até então subestimada em sua capacidade intelectual passa a
ser observada como alguém que também tem algo de valor a oferecer em suas
expressões artísticas.
A palavra escrita assim como a palavra falada traz em sua objetividade ou
subjetividade a visão de mundo segundo os conceitos prévios de quem a escreve.
É provável que quando leio algo que sei que foi escrito por uma mulher sou
sugestionada a interpretar como foi o olhar da mulher (escritora) para o tema que ela
aborda, mas é fato que tanto mulheres podem escrever segundo um padrão
masculino carregado de significação correspondente ao universo masculino, como
homens podem narrar histórias assumindo a perspectiva de uma mulher, porém as
visões de mundo continuam a ser diferentes e autênticas segundo a essência de
cada um.
AMORA (1971, p. 26), destaca em seu livro Teoria da Literatura que,
Da sistematização dos estudos estéticos no século XVIII, de De Sanctis e mais definidamente de Croce, deriva este conceito restrito de arte literária: “A arte Literária é, verdadeiramente, a ficção, a criação duma supra-realidade, com os dados profundos singulares e pessoais da intuição do artista”.
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Atrelados a esses “dados profundos singulares e pessoais da intuição do
artista” é que podem surgir o olhar e a essência na escrita de quem a produziu.
[...] a crescente produção literária feminina revela um discurso-em-crise, que tem raízes nas profundas mudanças estruturais, em processo no mundo. (Notemos que, por diferentes que sejam as culturas do Ocidente e do Oriente, há um denominador comum entre elas: a opressão exercida pelo homem sobre a mulher.) Multiplicam-se os livros escritos por mulheres. Prolifera em todas as sociedades uma "escrita de mulheres", por vezes, "confusa e embaraçada", como diz Agustina,que procura dar voz a uma nova consciência de mulher. COELHO (1999, p.)
Atualmente a mulher tem mais liberdade para tratar de qualquer assunto que
lhe interessar e sua escrita não tem mais a urgência de ser usada para propor
debates e nem para fazer reivindicações feministas, apesar de algumas obras ainda
conterem essas temáticas.
A intenção verdadeira da presente pesquisa é de observar e apreciar a escrita
da mulher e suas significações, independente da temática em questão.
Quanto ao estilo da escrita vou buscar embasamento na obra Seis propostas
para o próximo milênio, na qual Calvino diz:
[...] no mais das vezes, minha intervenção se traduziu por uma subtração do peso; esforcei-me por retirar peso, ora às figuras humanas, ora aos corpos celestes, ora às cidades; esforcei-me, sobretudo por retirar peso à estrutura da narrativa e à linguagem. (1990, p.15)
Calvino defende a leveza na linguagem e na escrita como um atributo que
pode conferir à narrativa algo de agradável, sutil, que ameniza, que acalma.
Mais adiante Calvino (1990 p.22) acrescenta, “(...) a leveza é algo que se cria
no processo de escrever, com os meios lingüísticos próprios do poeta, independente
da doutrina filosófica que este pretenda seguir”. (CALVINO, 1990, p.22), portanto a
leveza não é uma característica propriamente da escrita da mulher, mas é uma
escolha de quem escreve optar pela leveza e que confere a esta uma profunda
significação.
[...] se a idéia de um mundo constituído de átomos sem peso nos impressiona é porque temos experiência do peso das coisas; assim como não podemos admirar a leveza da linguagem se não soubermos admirar igualmente a linguagem dotada de peso. (1990, p.27)
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Se formos capazes de detectar a leveza da escrita e da linguagem é porque
sabemos o que significa o contrário, e que podemos apreciar e escolher o que nos
agrada mais, pois podemos perceber a afinidade que sentimos perante este ou
aquele estilo de linguagem.
Calvino faz uma reflexão e constatação, quanto à visibilidade do texto, e que
isto está atrelado aos conceitos e pensamento criativo do escritor,
Digamos que diversos elementos concorrem para formar a parte visual a imaginação literária: a observação direta do mundo real, a transfiguração fantasmática e onírica, o mundo figurativo transmitido pela cultura em seus vários níveis, e um processo de abstração, condensação e interiorização da experiência sensível, de importância decisiva tanto na visualização quanto na verbalização do pensamento. (1990, p. 110)
Existem narrativas que a sensibilidade do escritor, produz com um requinte
tão grande de detalhes, e faz uso de tão bem elaboradas formas de comparação,
traz elementos surpreendentes que estimulam tanto nossos sentidos que é como se
estivesse a pintar um quadro diante de nossos olhos, torna se quase palpável.
Mais adiante Calvino conclui que toda a criatividade de um escritor, tudo que
está em sua mente todo seu repertório, suas experiências, seu estilo, vão tomar
forma através de sua escrita,
Seja como for, todas as “realidades” e as “fantasias” só podem tomar forma através da escrita, na qual exterioridade e interioridade, mundo e ego, experiência e fantasia aparecem compostos pela mesma matéria verbal; as visões polimorfas obtidas através dos olhos e da alma encontram-se contidas nas linhas uniformes de caracteres minúsculos ou maiúsculos, de pontos, vírgulas, de parênteses; páginas inteiras de sinais alinhados, encostados uns aos outros como grãos de areia, representando o espetáculo variegado do mundo numa superfície sempre igual e sempre diversa, como as dunas impelidas pelo vento do deserto. (1990, p.114)
Então fica claro que cada escrita tem sua particularidade sua essência e que mostra o estilo, a criatividade e as escolhas do escritor mais do que ele possa imaginar.
Os livros modernos que mais admiramos nascem da multiplicidade e do entrechoque de uma multiplicidade de métodos interpretativos, maneiras de pensar, estilos de expressão. Mesmo que o projeto geral tenha sido minuciosamente estudado, o que conta não é o seu encerrar-se numa figura harmoniosa, mas a força centrifuga que dele se libera, a pluralidade das linguagens como garantia de uma verdade que não seja parcial. (1990, p.131)
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2. METODOLOGIA DE PESQUISA
Neste capítulo, explicarei e descreverei os procedimentos e os instrumentos
usados para a análise de dados. Com base na fundamentação teórica apresentada
no primeiro capítulo e também de acordo com a questão que norteia este trabalho,
justificarei a utilização dos instrumentos escolhidos, bem como os procedimentos
adotados.
Inserido na linha de pesquisa da Análise Literária, a presente pesquisa foi
desenvolvida em função do crescimento dos estudos relacionados à escrita da
mulher através dos anos e que chega ao nosso tempo com pontos de vista variados
que ora a enaltecem, ora a querem igual a do homem, ora a resgatam perdidas no
tempo, enfim causa ainda certa polêmica a questão da observação da escrita que é
produzida pela mulher.
Como objeto do estudo proposto, utilizarei o livro Sinfonia em branco da
escritora brasileira Adriana Lisboa, sondando principalmente sua microestrutura.
A idéia de analisar a escrita em sua essência e expressão surgiu no momento
em que o meu orientador, professor Luiz Fernando Gomes nos levou – eu e minha
turma – em uma noite a biblioteca da Universidade para que folhássemos alguns
artigos para termos sugestões de pesquisa, foi quando me deparei com um artigo
que falava sobre um das obras da escritora, Paulina Chiziane primeira romancista de
Moçambique que usa sua escrita para representar a voz das mulheres de seu país,
onde a cultura em partes deste país é extremamente machista e opressora, nesse
momento, identificada com o assunto, pesquisei mais na Internet e me deparei com
o termo “eu feminino”, discutido pela análise do discurso, e mais adiante com “escrita feminina” e “escrita de mulher”, confesso que desconhecia a existência
dessas classificações da escrita e fiquei muito interessada em saber do que se
tratava e como se construíam essas escritas.
Lendo artigos, ensaios e críticas literárias eu percebi que a escrita de
mulheres vem sendo estudada já há muitos anos no Brasil e relaciona-se com o
processo histórico de emancipação da mulher, com a presença da mulher na
literatura brasileira só a partir das primeiras décadas do século XX, além de
pesquisas que resgatam escritos que estavam esquecidos no tempo, que retratam
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as primeiras manifestações literárias de autoria feminina no Brasil, nos revelando o
que pensavam e o que queriam essas pioneiras da literatura brasileira.
A minha intenção era de analisar uma obra que tivesse sido escrita por uma
mulher restava escolher a obra e a escritora com a qual eu tivesse afinidade e algo a
desvendar em sua escrita, mas que fosse alguma que ainda não tivesse sido
estudada tantas vezes. Por indicação do meu amigo João Paulo Hergesel - que está
sempre por dentro das novidades do meio literário - conheci a obra de Adriana
Lisboa, escritora jovem que apesar de não ser muito reconhecida ainda no Brasil, é
muito elogiada pela critica, premiada no Brasil e no exterior, pelos trabalhos que já
publicou e é uma das promessas da nova geração de escritoras brasileiras.
Adriana Lisboa tem muitas obras interessantes mas optei por Sinfonia em
branco, obra que é construída a partir de uma escrita peculiar. É uma obra delicada,
permeada por referências musicais, como se em cada acontecimento da obra
houvesse uma trilha sonora de fundo, talvez por influência da formação como
flautista que Adriana tem, até o ritmo da narrativa tem algo de similar com
compassos musicais, ora calmos e lentos, ora acelerados.
Após ter compreendido as questões referentes à literatura como: gênero
literário e romance, por meio da obra: Teoria da Literatura de Vitor Manuel de Aguiar
e Silva tomei como base o livro: A Análise Literária de Massaud Moisés, para
formular a análise da obra Sinfonia em branco em seus vários aspectos como:
enredo, tempo, espaço, narrador, linguagem e personagens.
E por fim para que eu possa observar o processo da escrita de Adriana Lisboa
em sua obra Sinfonia em branco, utilizarei como base Seis propostas para o próximo
milênio de Italo Calvino, que fala da leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e da
multiplicidade, na obra Sinfonia em branco, alguns elementos dessas propostas de
Italo Calvino, são características marcantes. Embasei-me também em referências de
alguns artigos que tratam desse mesmo tipo de análise. Retirei da obra excertos que
apontam essa relação e a justificam.
Para realizar este trabalho, foi preciso achar o problema, ou seja, a razão pela
qual estou desenvolvendo esta pesquisa. A questão levantada é:
Como se constrói e quais peculiaridades da escrita de Adriana Lisboa no livro
Sinfonia em branco?
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3. SINFONIA EM BRANCO: ANÁLISE
3.1. Tema/Enredo
O enredo muito bem tramado por Adriana Lisboa nos mostra a vida de duas
irmãs marcadas pelo abuso sexual de uma delas na infância pelo pai. Os
acontecimentos que se seguem em suas vidas tomam rumos por consequência
desse abuso.
Sinfonia em branco fala-nos essencialmente da condição humana, dos
estigmas deixados por um acontecimento tão doloroso como um abuso que vão
acompanhá-los pela vida e transformar o futuro dos envolvidos.
3.2. Tempo: antes de tudo e depois de tudo
O tempo da narrativa é não linear, oscila entre presente e lembranças do
passado, do começo ao fim da obra. A narrativa acontece para diante e para trás,
que é como a memória trabalha, e a memória é uma peça definitiva no
desenvolvimento da trama. Há outras coisas que vão e vêm, aparentemente de uma
forma caótica, mas que, no todo, fazem sentido. Através de antecipações e
retrospecções dos fatos, Adriana cria enigmas e leva os a um ponto de desfecho
dramático em que o julgamento moral das protagonistas fica suspenso na narrativa.
A infância e a juventude das protagonistas são na década de 60 e na década de 70
em uma família onde as verdades são mantidas escondidas, não ditas, em paralelo
com os anos da ditadura brasileira. O tempo recente é entre a década de 90, as
datas não são exatas.
“O tempo é imóvel, mas as criaturas passam.” (p.105).
Há nesse fragmento da obra uma dura sentença. Muitos de nos já ouviu algo
como “nada como o tempo para curar uma dor”, no entanto nem todas as dores se
curam com o passar do tempo, porque na verdade somos nós que passamos pelo
tempo pois o tempo continua como sempre foi, amanhece a luz, anoitece o escuro,
mas o tempo não se responsabiliza por nada que nos acontece somos nós que
temos que ser capazes de nos inventar a cada dia de descobrir dentro de nós a
força para prosseguir mesmo que a dor tente nos paralisar.
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Sinfonia em branco é uma obra que se move pelo tempo, que se desenvolve
em diferentes planos temporais; em fragmentos espalhados no tempo.
Numa tentativa de buscar uma linearidade para os fatos temos: os velhos
tempos: da infância da alegria da inocência; os tempos difíceis: o abuso, o segredo,
a indiferença da mãe, a tentativa de pôr tudo no lugar com casamento de Clarice
depois o casamento de Maria Inês; o tempo em que a tentativa frustra e Clarice
sucumbe, tentando fugir das lembranças que a corroem por dentro, apela para as
drogas e a tentativa de suicídio, que também se frustra, o tempo de retornar: a morte
da mãe; o acerto de contas de Maria Inês com o pai; o tempo presente: a visita de
Maria Inês a irmã Clarice e Tomás depois de um longo afastamento, enfim apesar do
tempo não ser eficiente para afastar toda amargura que trazem as irmãs pelos
acontecimentos do passado, o modo como são narrados os seus conflitos ao menos
procuram amenizar a acalmar o coração de todos os envolvidos, inclusive do leitor.
3.3 Espaços
As ações acontecem em espaços distintos, porém a maior parte da ação
dentro do estado do Rio de Janeiro: o espaço principal de onde parte toda a
narrativa é no interior do Rio de Janeiro, na pacata cidade de Jabuticabais, onde fica
a casa de Otacília e Afonso Olimpio, a casa de Maria Inês e João Miguel no bairro
do Leblon, o apartamento da tia-avó Berenice e o de Tomás no bairro do Flamengo
e o único espaço fora do Brasil a casa do vecchio Azzopardi, pai de João Miguel, em
Veneza, estes espaços onde a ação acontece mais brevemente.
3.4 Narrador
O romance é narrado em terceira pessoa, por um narrador onisciente, que
observa sem julgar as personagens. A narrativa é permeada por digressões, o que
faz com que o tempo passeie pelo presente e passado.
A narrativa de Sinfonia em branco é a de uma dor calma, pelos pequenos
acertos de contas a serem tecidos na intimidade e que, portanto são capazes de
abrir novas e frágeis possibilidades de existência. Diante do peso do viver, a leveza
do narrar.
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3.5 Personagens
As personagens que compõem Sinfonia em branco são personagens muito
humanas, que transitam por um percurso de sonho, recordação, tristeza, angústia,
esperança, estabelecendo entre si relações de afetividade, cumplicidade, elas
movimentam-se num tempo narrativo instável, pelas digressões da narrativa e
porque estão envolvidas numa situação de constante conflito interior.
No plano maior da narrativa, alguns personagens de Sinfonia em branco vão
construindo seus próprios relatos. Otacília, Afonso Olímpio, Tomás reescrevem, no
interior do círculo traçado pela história das duas irmãs, Clarice e Maria Inês, suas
próprias histórias. São relatos montados, não a partir do que aconteceu, mas do que
poderia ter acontecido. Breves, intensas e silenciosas narrativas do que não foi.
Entre as principais personagens estão:
Clarice - na infância e adolescência sempre tímida e obediente foi vítima de
um abuso praticado pelo próprio pai, acontecimento que vai refletir nas relações que
ela terá com outros e principalmente consigo mesma no futuro.
Maria Inês - na infância a inventiva, ousada, e curiosa presencia o abuso
sofrido pela irmã, fato que vai marcá-la profundamente e terá como consequência
conflitos interiores constantes durante sua vida adulta.
Afonso Olimpio - pai de Maria Inês e Clarice é mostrado como um homem
calmo e acima de qualquer suspeita.
Otacília - a mãe que se mostra negligente no trato com as filhas é uma mulher
infeliz por não se realizar plenamente em seu casamento.
Tomás – é um pintor, apaixonado por Maria Inês na juventude torna se seu
amante até que ela dá um fim à situação e depois de um tempo ele vai morar em
Jabuticabais próximo de Clarice.
Eduarda – filha de Maria Inês que somente nos últimos capítulos descobrimos
ser na verdade filha de Tomas e não de João Miguel.
É presente na obra a questão da verossimilhança, qualidade que faz a arte
parecer verdadeira, apesar de todas as coisas impossíveis que ela possa dizer.
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3.6 Análises da escrita e da linguagem de Adriana Lisboa
Logo no início do romance, o primeiro trecho já dá o tom poético que
vai permear toda a narrativa:
“A tarde abafada de verão descolava-se da estrada sob forma de poeira e se espreguiçava no ar. Tudo estava quieto, ou quase quieto, e mole, inchado de sono. Um homem de olhos muito abertos (e transparentes de tão claros, coisa que não era comum) fingia vigiar a estrada com seus pensamentos. Na verdade, os olhos mapeavam outros lugares, vagavam dentro dele, e catavam cacos de memória como uma criança que colhe conchinhas na areia da praia" (p.9) ·.
Nesse primeiro excerto, que descreve Tomas e seu estado de espírito, já fica
claro o estilo que vai predominar em toda a narrativa. A linguagem é poética,
estimula os sentidos e podemos verificar a leveza defendida por Calvino, na frase “A
tarde abafada de verão descolava-se da estrada sob forma de poeira e se
espreguiçava no ar.”.
O elemento usado para representar a leveza é o que de mais leve existe: o ar,
e há também a prosopopéia uma figura de pensamento na oração: “a tarde
descolava-se da estrada e se espreguiçava no ar”, personificando essa tarde.
Como se pode perceber a metáfora não pretende representar um raciocínio
lógico, objetivo. A associação depende da subjetividade de quem a cria, que
estabelece outra lógica: a da sensibilidade.
A leveza na escrita traduz também uma leveza de pensamento de quem a
produz, e isso fica claro no estilo de Adriana Lisboa.
Nesta obra o desejo de quem narra é sempre o de retirar peso da linguagem,
de desejar o delicado. Sua estratégia, portanto, não é a de falar da dor das
personagens, mas a de caminhar em volta dessa dor. O narrador em Sinfonia em
branco é discreto, e que, acima de tudo, por vezes, silencia, como nesse fragmento:
“Um dia, o esquecimento. Um dia, o futuro. Um dia, a morte. Clarice sentiu mais uma vez com as pontas dos polegares as duas cicatrizes gêmeas, uma em cada punho. E sorriu um sorriso involuntário e triste, um sorriso sem mistérios, ao pensar que afinal acabara sobrevivendo a si mesma.”(p.23)
Na descrição acima tão sutil, a tentativa de suicídio é representada por “duas
cicatrizes gêmeas”.
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Por um princípio de delicadeza, quem narra não diz algo. Mas este algo está
aí, não é necessário, não é conveniente descrever o estado de espírito de Clarice
não é preciso explicação. Basta um silencioso contemplar.
A escrita busca o tempo todo amenizar o mal estar perante as constatações
que vão se firmando com o desenrolar da trama, e conflitos que nos apresenta,
“Assim como os móveis da sala haviam sobrevivido a tantas investidas do tempo - o tempo é imóvel, mas as criaturas (e os objetos, e as palavras) passam. O estofamento cor de mostarda da grande poltrona reclinável estava puído em vários pontos, exatamente como a memória de Clarice ao passear pela época em que se recostava ali após o almoço, no coração de uma tarde quente e seca, e adormecia sem medo. Quando em sua vida ainda pulsavam as expectativas sinceras do antes de tudo.” (p. 24).
A suavidade da narrativa toca apenas levemente na superfície das emoções,
permitindo a quem ler compreender os conflitos interiores de Clarice.
“Três dos quatro quartos estavam calados e dormentes. Eram como possibilidades apenas, ou quase possibilidades, eram tudo o que não havia sido e não poderia vir a ser. Uma vez por semana as janelas eram abertas e a luz do sol riscava o chão numa carícia ingênua”.(p.25)
A partir da forma de sensibilidade e percepção das coisas, que se configura o
romance de Adriana Lisboa Sinfonia em branco. Diante do peso do viver que as
personagens carregam durante suas trajetórias, há uma escrita que opta por uma
leveza do narrar, por uma brandura.
Adriana nestes tempos de neorrealismo opta por retomar a velha e boa
tradição narrativa, ao oficio de contar estórias. Mas isto só funciona porque Adriana
tem plena consciência de seu tempo, dos trajetos entre retornos e desvios que o
movimento da escrita deve explorar.
“Ela desembrulhou com cuidado a argila, alisou o jornal e o estendeu sobre o chão dobrado em duas partes”. Devia ser possível compor uma escultura que coubesse num daqueles títulos que ela tinha em mente (às vezes Clarice começava as esculturas pelo título, como um conto ou um poema ou uma canção):
O Esquecimento
O Esquecimento Profundo
O Esquecimento Profundo e Verdadeiro
O Esquecimento Definitivo, Verdadeiro e Profundo.”(p.76)
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Em muitos momentos na narrativa a memória aparece como uma vilã que faz
questão de manter sempre viva a lembrança da dor, por mais que Clarice lute
contra, a lembrança é uma presença constante.
Observar uma imagem e pensá-la poeticamente, e senti-la poeticamente,
como nesse trecho:
"Sempre ela, sempre Maria Inês. Que magicamente havia sido capaz de tatuar-se, de marcar-se como se marcam bois, a ferro e fogo, na existência de Tomás. E na existência de Clarice. Um arco-íris titubeante no céu depois da chuva. A retina maculada pela pós-imagem do sol. A cicatriz que sobrou da cirurgia, ou a cicatriz da faca Olfa. A fumaça que fica no ar apesar de já extinto o fósforo, o cheiro do incenso que sobrevive ao bastãozinho. Um lenço desbotado" (p. 73).
Ou, ainda, nessa bela imagem: "O amor era como a marca pálida deixada por
um quadro removido após anos de vida sobre uma mesma parede" (p. 9). Há várias
formas de falar de uma ausência, de uma marca, do amor: Adriana Lisboa escolhe a
mais sutil, delicada, leve. A metáfora de comparação é um dos recursos mais
usados pela escritora nesta obra, e se justifica na linguagem poética pela qual a
narrativa intenciona se construir.
A busca da leveza surge como possibilidade de resistência, como reação ao
peso do viver. Se a leveza não aparece na relação entre as personagens, ela se cria
no próprio ato de escritura e no ato de narrar.
“Nessa mesma noite Maria Inês fez uma fogueira com alguns tocos de lenha, longe da vista dos outros. Maria Inês gostava de fogo. Depois apanhou umas folhas verdes de jornal e começou a fabricar várias galinhas-pretas que subiam inchadas e incandescentes contra a noite e iam cair adiante, animadas pelo vento. Uma dessas galinhas-pretas de papel foi soprada mais longe e caiu junto ao bambuzal, exatamente onde o pasto ladeava a casa. O fogo nasceu bem devagar […] e num piscar de olhos havia alegres chamas alaranjadas ganhando o bambu […].” (p.91)
No excerto acima podemos notar a visibilidade proposta por Italo Calvino, na
ação da personagem, nas cores, todo um processo criado pela escrita que nos
proporciona uma visão nítida da cena.
A Visibilidade está relacionada a processos imaginativos, à qualidade de
expressar imagens, uma vez que, para Calvino, a imagem antecede o texto no
processo criativo devido ao seu caráter polissêmico.
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A linguagem em Sinfonia em branco é poética, permeada por figuras de
linguagem que conferem a narrativa extrema sutileza e subjetividade, tornando há
sensorial.
Sem aderir a modismos estéticos, Adriana tem uma forma própria de
escrever, numa prosa marcada pela habilidade de tratar de forma singela e sedutora
temas tão complexos como o desejo e a culpa. A escritora demonstra um estilo
refinado, que se reforça nos detalhes sutis do cotidiano.
Assim, as voltas que dão as vidas dos personagens Maria Inês, Clarice,
Tomás e Eduarda, fazem todo o sentido ao lermos as páginas finais, está tudo
perfeitamente interligado numa trama muito inteligente e surpreendente, onde a
escrita é um guia eficiente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação especial que a literatura produzida por mulheres vem
despertando nos leitores e nos estudiosos se liga ao fato de que a transformação em
curso no mundo de hoje tem na mulher um dos elementos chave. Já se sabe que
entre as grandes revoluções inovadoras a que nosso século vem assistindo e que
aprofunda na transformação do mundo feminino é das mais decisivas, pois atinge as
bases do próprio sistema de relações vigentes no mundo civilizado que herdamos.
Há um número muito significativo de estudos que se dedicam a literatura
produzida por mulheres e sobre vários pontos de vista, como por exemplo: na área
de literatura comparada, da análise do discurso, da representação de gênero na
narrativa e da expressão de personagens mulheres, entre outros.
A análise da escrita da mulher está presentes em muitas pesquisas que
causam debates e opiniões divergentes, mas que são essências, pois mesmo que
causem polêmica e negação, estimula quem tiver acesso a esses estudos em
especial a mulher, rever o seu posicionamento perante o outro e perante a si própria.
As primeiras mulheres que produziram literatura, que mostravam mundos,
abriram o caminho para as muitas outras que vieram, e, embora sem contar com
muitos estímulos para prosseguir, prosseguiram, e hoje vemos que a mulher tem o
seu espaço e suas manifestações em todo tipo de artes, reconhecidas, analisadas,
estudadas e valorizadas, e isso é de extrema importância, pois reafirmam o valor e
capacidade artística da mulher.
No desenvolvimento desta pesquisa pude perceber que homem ou mulher,
quem escreve não condiciona a sua escrita unicamente pelo fato de pertencer a este
ou àquele sexo, mas é certo que é de mulheres a autoria da maior parte dos textos
com marcas do feminino.
Pude notar também um impasse nos estudos e nas considerações quando se
trata da escrita do homem e da mulher sendo que algumas escritoras reagem de
forma defensiva quanto a esses estudos que buscam diferenciar sua escrita da do
homem, pois acreditam que essa diferenciação pode inferiorizar a sua produção. Em
tempos pós-feministas o importante é manter a idéia de igualdade, pois a
diferenciação pode levar a uma medição do valor de cada uma.
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Hoje a mulher tem dominando muito a área da literatura; e quando ela se
projeta neste campo, ela o faz com muita intensidade.
Ao final deste trabalho, pude então, responder a questão que, desde o
começo, norteia esse trabalho e que é a seguinte:
Como se constrói e quais peculiaridades da escrita de Adriana Lisboa no livro Sinfonia em branco?
Nos excertos analisados neste trabalho pude perceber que o estilo da escrita
de Adriana Lisboa em sua obra Sinfonia em branco revela uma escrita minuciosa, e
intensamente visual, e se constrói com surpreendente sensibilidade, emotividade e
apuro literário, a autora demonstra domínio na escrita da língua pela qual expressa
sua arte.
Para Calvino, a leveza também está associada à precisão, à exatidão. O autor
diz que, para combater o excesso, o peso, obsessões capazes de bloqueá-lo limita o
campo do que pretende dizer, divide esse campo em outros mais limitados e narra o
mínimo, o exato, com imagens nítidas e incisivas. Para buscar o vago, a abstração e
o leve, Calvino diz que é necessária a idéia de medida, de limite. Em outras
palavras, o leve só pode ser preciso, e encontramos em Sinfonia em branco essa
exatidão, o limite que torna tudo leve, claro e sutil.
Adriana Lisboa tem uma forma bastante particular de percepção, expressão,
de sensibilidade, e sua escrita em Sinfonia em branco se constrói de forma tão leve,
que é difícil ficar indiferente a sua forma de escrever.
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REFERÊNCIAS
SILVA, Vitor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. Livraria Almedina.
Coimbra: 1986.
MOISÉS, Massaud. A Análise Literária. São Paulo: Cultrix, 1977. COELHO, Nelly Novaes. O Desafio ao Cânone: consciência histórica X discurso-em-crise. São Paulo: pdf, 1999. LISBOA, Adriana. Sinfonia em branco. – Rio de Janeiro, Rocco, 2001.
CALVINO, Italo. Seis Propostas para o próximo milênio: lições americanas.; tradução Ivo Barroso – São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
5.1 Outras Referências
ROSSO, Mauro. Quem tem medo da literatura feminina / feminista? Disponível em; http://www.germinaliteratura.com.br/literatura_mar2006.htm. Acesso em 09 de abril de 2012.
PEREIRA, Rogério. Na contramão pela avenida Brasil. Disponível em; http://www.adrianalisboa.com.br/resenha/nacontramaopelaavenidabrasil.html. Acesso em 20 de julho de 2011. GONÇALVES, Adelto. A literatura sob o olhar feminino. Disponível em; http://literaturasemfronteiras.blogspot.com.br/2010/06/literatura-sob-o-olhar-feminino- adelto.html. Acesso em 14 de maio de 2012.
LUNARDI, Adriana. Escrever no Brasil depois de Clarice Lispector: armadilhas ficcionais - por Adriana Lisboa. http://www.adrianalunardi.com.br/XHTML/artigo.php?arCodigo=7 Acesso em 25 de agosto de 2012.
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