ANÁLISE DO EPISÓDIO Batalha de Aljubarrota
A Batalha de Aljubarrota
Canto IV - Narração
NARRAÇÃO (canto IV)28
Deu sinal a trombeta Castelhana,
Horrendo, fero, ingente (forte) e temeroso; (adjectivação)
Ouviu-o o monte Artabro, (Cabo da Galiza) e
Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana; (além
do Tejo)
Correu ao mar o Tejo duvidoso; (inseguro)
E as mães, que o som terribil escuitaram,
Aos peitos os filhinhos apertaram. (símbolo do terror
e do medo deste som de guerra)
A trombeta castelhana deu o sinal do
combate. Ouviu-se longe, no extremo da
Galiza e no Guadiana, no Douro e no
Alentejo.
O Tejo hesitou no seu curso.
As mães apertaram os filhos contra o
peito.
“Deu sinal a trombeta castelhana”est.28/ v.1 anuncia o início da Batalha
“Horrendo, fero, ingente e temeroso”
Adjectivação expressiva
Tanto a natureza como o ser humano reagem ao som horrível.
Ouviu-o o monte Artabro, (Cabo da Galiza) e Guadiana Atrás tornou as ondas de medroso; Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana
Personificação e Hipérbole
29
Quantos rostos ali se vem sem cor,
Que ao coração acode o sangue amigo!
Que, nos perigos grandes, o temor
É maior muitas vezes que o perigo;
E se o não é, parece-o; que o furor
De ofender ou vencer o duro imigo
Faz não sentir que é perda grande e rara,
Dos membros corporais, da vida cara.
Muitos empalidecem, porque o sangue
reflui ao coração. Nestas ocasiões o medo
é maior do que o perigo. Pelo menos
assim parece às pessoas, pois na fúria do
combate, o perigo de perder os membros
ou a própria vida é tido em pouca conta.
No ardor do combate, o perigo é
inexistente para a consciência do
combatente.
Estrofes 28 e 29
O poeta assinala o terrível efeito
provocado na natureza e nas pessoas,
pelo espantoso sinal lançado pela
trombeta castelhana para o começo da
batalha.
Começa-se a travar a incerta guerra:
De ambas partes se move a primeira ala; (avança a
primeira linha de ambos os exércitos)
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros as esperanças de ganhá-la;
Logo o grande Pereira, (Nuno Álvares Pereira) em quem
se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala: (Nuno Álvares Pereira é
o primeiro a assinalar-se.)
Derriba e encontra, (ataca) e a terra enfim semeia
Dos que a tanto desejam, sendo alheia. (Embate e
derruba aqueles que queriam apoderar-se da terra que não era sua, semeia-a com os corpos dos
invasores.)
30
“De ambas as partes se move a primeira ala”
PORTUGUESES E CASTELHANOS
D. Nuno Álvares Pereira
Destacou-se pela bravura na Batalha
“…o grande Pereira, em quem se encerra/ Todo
o valor…”
Síntese dos motivos da Batalha:
Uns leva a defensão da própria terra, Outros as esperanças de ganhá-la;
desejo de defender a terra (Portugueses)
esperança de conquistá-la (Castelhanos)
31
Já pelo espesso ar os estridentes
Farpões, setas e vários tiros voam;
Debaxo dos pés duros dos ardentes
Cavalos treme a terra, os vales soam;
Espedaçam-se as lanças, e as frequentes
Quedas co’as duras armas, tudo atroam;
Recrecem os imigos sobre a pouca
Gente do fero Nuno, que os apouca.
O ar fica espesso com a grande quantidade dearmas de arremesso, que retinem.Acumulam-se os inimigos à volta da poucagente de D. Nuno, mas ele diminui-lhes aquantidade.
Movimento aterrador, confuso e barulhentoda luta, expressivamente transmitido pelosadjectivos e pelos verbos.
Estrofe 31
Adjectivação Expressiva: “…espesso ar…” (carregado)
“…estridentes farpões…”
“…frequentes quedas…”
“…duras armas…”
“…pouca gente…”
Verbos Expressivos: “ …voam…”
“…treme..”
“…soam…”
“…espedaçam-se…”
“…atroam…” (fazer estremecer)
“…recrecem…”
“…apouca…” (reduzir)
Est. 31 (cont.) Aliteração
• Repetição do “R
“…espesso ar e os estridentes/farpões…”
“…vários tiros…”
“…treme a terra…”
“…duras armas tudo atroam”
• Repetição do “S”
“…espesso ar e os estridentes/farpões, setas e vários
tiros…”
“Debaixo dos pés duros dos ardentes/ cavalos …os vales
soam”
“Espedaçam-se as lanças, e as frequentes/ Quedas co’as duras
armas…”
“Recrecem os imigos sobre…”
Estrofe Onomatopaica
Est. 31 (cont.)
• Visualidade e Impressionismo
Esta estrofe é como que o “filme” da Batalha.
As palavras valem quase tanto pelo seu
corpo fónico (significante) como pelo
seu significado, na construção da
mensagem.
32
Eis ali seus irmãos (D. Diogo e D. Pedro Pereira) contra
ele vão,
(Caso feio e cruel!) mas não se espanta,
Que menos é querer matar o irmão,
Quem contra o Rei e a Pátria se alevanta:
Destes arrenegados muitos são
No primeiro esquadrão, que se adianta
Contra irmãos e parentes (caso estranho!)
Quais nas guerras civis de Júlio e Magno.
Avançam contra ele os seus irmãos, mas elenão se espantam, porque é pior revelar-secontra o rei e a pátria do que querer matar opróprio irmão. Há muitos renegados destes noprimeiro esquadrão, que avança contra irmãose parentes, como sucedeu nas guerras entreCésar e Pompeu.
33
Ó tu, Sertório, ó nobre Coriolano,
Catilina, (Sertório, Coriolano, Catilina: militares que, na antiguidade, pegaram
em armas contra a pátria.) e vós outros dos antigos,
Que contra vossas pátrias, com profano
Coração, vos fizestes inimigos,
Se lá no reino escuro de Sumano (reino de Plutão,
inferno pagão)
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns tredores houve alguas vezes.
Sertório, Coroliano e Catilina aliaram-se comnações estrangeiras para combater Roma, istoé, combateram sacrilegamente a própriapátria. Se por isso foram castigados noinferno, podem alegar a seu favor que atémesmo entre os Portugueses houve traidores.
34
Rompem-se aqui dos nossos os primeiros,
Tantos dos inimigos a eles vão!
Está ali Nuno, qual pelos outeiros
De Ceuta está o fortíssimo leão, (comparação)
Que cercado se vê dos cavaleiros
Que os campos vão correr de Tutuão: (praça
forte situada no sul de Ceuta)
Perseguem-no com as lanças, e ele iroso,
Torvado um pouco está, mas não
medroso.
35
Com torva vista os vê, mas a natura
Ferina (feroz) e a ira não lhe compadecem (consentem)
Que as costas dê, mas antes na espessura
Das lanças se arremessa, que recrecem.
Tal está o cavaleiro, (D. Nuno) que a verdura
Tinge co'o sangue alheio. (inimigo) Ali perecem
Alguns dos seus, que o ânimo valente
Perde a virtude contra tanta gente.
A primeira linha portuguesa abre brecha,cedendo à grande quantidade de inimigos.Nuno Álvares está como o leão que se vêcercado nas colinas de Ceuta pelos cavaleirosque correm a planície de Tetuão: o olhar turva-se, mas o instinto não o deixa fugir: arremessa-se no meio das lanças cada vez maisnumerosas. Assim Nuno Álvares faz correr osangue dos inimigos no campo verde. Algunsdos seus morrem, porque a valentia não ébastante contra tanta gente.
36
Sentiu Joane a afronta que passava
Nuno, que, como sábio capitão,
Tudo corria e via, e a todos dava,
Com presença e palavras, coração. (coragem)
Qual parida leoa, fera e brava, - comparação
Que os filhos que no ninho sós estão,
Sentiu que, enquanto pasto lhe buscara,
O pastor de Massília (nómada salteador da zona desértica, de que
falam vários poetas antes de Camões) lhos furtara;
João, que como bom capitão vigiava e corria ocampo animando todos com presença epalavras, sentiu o aperto em que estava Nuno.Logo, com um punhado de cavaleiros, acorreuà primeira linha, como a leoa que pariu esente que o pastor lhe roubou as crias, correfuriosa, atroando os montes. Falou aoscompanheiros exortando-os a defender a terracom a lança.
37
Corre raivosa e freme, (treme) e com bramidos
Os montes Sete Irmãos (montes do Norte de África) atroa
e abala:
Tal Joane, com outros escolhidos
Dos seus, correndo acode à primeira ala:
Apóstrofe -Ó fortes companheiros, ó subidos
Cavaleiros, a quem nenhum se iguala,
Defendei vossas terras, que a esperança
Da liberdade está na vossa lança.
38
Vedes-me aqui, Rei vosso, e companheiro,
Que entre as lanças, e setas, e os arneses (armaduras completas)
Dos inimigos corro e vou primeiro:
Pelejai, verdadeiros Portugueses!"-
Isto disse o magnânimo guerreiro,
E, sopesando (balançando) a lança quatro vezes,
Com força tira; (arremessa) e, deste único tiro,
Muitos lançaram o último suspiro. (eufemismo)
Mostra-lhes como ele próprio corria à frentede todos, não só como Rei, mas tambémcomo companheiro de armas, no meio dosinimigos. E depois de dizer isto, balançandoquatro vezes a lança, arremessou-a com talforça que muitos morreram.
39
Porque eis os seus acesos novamente
Duma nobre vergonha e honroso fogo,
Sobre qual mais com ânimo valente
Perigos vencerá do Márcio (batalha, guerra, de Marte)
jogo,
Porfiam: (disputam) tinge o ferro o sangue
ardente;
Rompem malhas primeiro, e peitos logo:
Assim recebem junto e dão feridas,
Como a quem já não dói perder as vidas.
Por causa disto, os soldados, novamenteanimados de brio e ambiciosos de honra,disputam competindo entre si sobre qual delesserá o mais valente guerreiro. O fogo da paixãofaz as armas tingirem-se no sangue dosinimigos. Primeiro cortam as malhas de aço edepois os corpos. Recebem e dão golpes comose a vida valesse pouco.
40
A muitos mandam ver o Estígio lago, (lago dos
infernos dos Antigos) (eufemismo)
Em cujo corpo a morte e o ferro entrava:
O Mestre morre ali de Santiago,
Que fortissimamente pelejava;
Morre também, fazendo grande estrago,
Outro Mestre cruel de Calatrava;
Os Pereiras também arrenegados
Morrem, arrenegando o Céu e os Fados.
Mandam para o país dos mortos muitos querecebiam golpes mortais. Morrem ali o mestrede Santiago, o mestre de Calatrava e tambémos Pereiras traidores, maldizendo a sua sorte.
41
Muitos também do vulgo vil (anónima) sem nome
Vão, e também dos nobres, ao Profundo,
Onde o trifauce Cão (cão de três cabeças, o Cerbero, que estava de
guarda às portas do Inferno e recebia as almas dos mortos.) perpétua fome
Tem das almas que passam deste mundo.
E porque mais aqui se amanse e dome
A soberba do amigo furibundo,
A sublime bandeira Castelhana
Foi derribada aos pés da Lusitana.
Morrem muitos de quem não se sabe o nome ,tanto do povo como da nobreza. E, parahumilhação do inimigo, foi derrubada a altivabandeira castelhana.
42
Aqui a fera batalha se encruece
Com mortes, gritos, sangue e cutiladas;
A multidão da gente que perece
Tem as flores da própria cor mudadas;
Já as costas dão e as vidas; já falece
O furor e sobejam as lançadas;
Já de Castela o Rei desbaratado
Se vê, e de seu propósito (objectivo de conquistar Portugal)
mudado
O combate torna-se mais feroz. Há grandemultidão de mortos com as faces sem cor. OsCastelhanos viram as costas deixam-se matarsem resistência. Esmorece a fúria dossoldados e as lançadas tornam-se inúteis. Orei de Castela, desbaratado, vê desfeita a suaambição.
43
O campo vai deixando ao vencedor,
Contente de lhe não deixar a vida.
Seguem-no os que ficaram, e o temor
Lhe dá, não pés, mas asas à fugida.
Encobrem no profundo peito a dor
Da morte, da fazenda despendida,
Da mágoa, da desonra, e triste nojo
De ver outrem triunfar de seu despojo.
Deixa o vencedor o campo, feliz por salvar avida. Acompanhado dos que escaparam fogecomo se tivesse asas. No fundo do coração, osfugitivos choram os seus mortos, a riquezaperdida, a ofensa e a desonra recebidas, odesgosto de ver o inimigo exibir em triunfo osdespojos que deixaram.
44
Alguns vão maldizendo e blasfemando
Do primeiro que guerra fez no mundo;
Outros a sede dura vão culpando
Do peito cobiçoso e sitibundo, (ambicioso)
Que, por tomar o alheio, o miserando
Povo aventura às penas do Profundo,
Deixando tantas mães, tantas esposas
Sem filhos, sem maridos, desditosas.
Alguns maldizem quem inventou a guerra.Outros deitam a culpa à sede da ambição, quepara se apoderar do alheio arrisca o povo aossuplícios infernais e sacrifica as mães e asesposas.
DESFECHO DA BATALHA VITÓRIA DOS PORTUGUESES
• Reflexões sobre a guerra
Crítica aos que, por cobiça da terra alheia, arrastaram muitos homens para a morte, fazendo órfãos, viúvas e mães infelizes.
• Alguns vão maldizendo e blasfemando
• Outros a sede dura vão culpando/ Do peito cobiçoso e sitibundo…
• Deixando tantas mães, tantas esposas,/ Sem filhos, sem maridos, desditosas
45
O vencedor Joane esteve os dias
Costumados no campo, em grande glória;
Com ofertas despois, e romarias,
As graças deu a Quem lhe deu vitória.
Mas Nuno, que não quer por outras vias
Entre as gentes deixar de si memória
Senão por armas sempre soberanas,
Para as terras se passa Transtaganas.
João esteve os três dias habituais no campo davitória, e seguidamente deu graças a Deuscom ofertas e romarias. Todavia, NunoÁlvares, que só pretende a glória da guerra,passa além do Tejo.
Est.45 ATITUDES DOS HERÓIS
• D. João I
Recebeu as glórias do povo e fez romarias, dando graças a Deus:
O vencedor Joane esteve os dias/ Costumados no campo, em grande glória;/ Com ofertas, despois, e romarias/ As graças deu a quem lhe deu vitória.
• D. Nuno Álvares Pereira
Parte para as terras do Alentejo, depois de cumprido o seu dever na Batalha, pois não quer grandes festas, mas deseja apenas ser lembrado pelo valor das suas armas:
Mas Nuno, que não quer por outras vias/ Entre as gentes deixar de si memória/ Se não por armas sempre soberanas,/ Pera as terras se passa transtaganas.
Episódio da Batalha de Aljubarrota
• Divisão do episódio em três partes:
• 1ª est. 28 e 29 preparativos para a Batalha
• 2ª est.30 à 42 descrição da Batalha
• 3ª est. 42 à 44 desfecho dos acontecimentos
Plano da História de Portugal
• Est.28 à 44
Episódio de Natureza
Bélica - Batalha
• Est. 45
Acontecimentos
que sucedem a
Batalha
Lurdes Martins