3
ÍNDICE
CAPÍTULO 1- Introdução Geral e Objectivos.........................................................................8
1.1 Introdução Geral.............................................................................................................8
1.2 Objectivos.........................................................................................................................9
CAPÍTULO 2 - Metodologia.....................................................................................................11
2.1 Escolha do Estudo de Caso..........................................................................................11
2.2 Metodologia....................................................................................................................11
CAPÍTULO 3 – A Segurança Alimentar e Comércio Internacional.....................................16
3.1 A Segurança Alimentar no Contexto Global...............................................................16
3.1.1 Constrangimentos e Influências...........................................................................16
3.1.2 Estratégias de Minimização do Risco de Insegurança Alimentar....................19
3.2 O Comércio Agro-Alimentar e a Segurança Alimentar.............................................22
3.2.1 O Quadro Global do Comércio Internacional e Preços de Produtos Agrícolas............................................................................................................................................22
3.2.2 O Comércio Internacional e sua Relação com a Segurança Alimentar..........27
3.2.3 O Papel das Corporações Multinacionais............................................................30
3.3 Efeitos das Dinâmicas Globais nos Sistemas Agrícolas e Segurança Alimentar noContinente Africano.............................................................................................................35
3.4 Síntese............................................................................................................................41
CAPÍTULO 4 - O Mercado Global de Caju.............................................................................43
4.1 A Situação Actual do Mercado Global de Caju..........................................................44
4.1.1 Produção Global de Castanha de Caju................................................................44
4.1.2 Processamento e Exportação da Amêndoa de Caju.........................................46
4.1.3 Principais Consumidores e Evolução dos Mercados de Destino da Amêndoa de Caju..............................................................................................................................48
4.1.4 A Crescente Importância das Multinacionais no Comércio Global de Caju e a Dinâmica dos Preços da Castanha e Amêndoa de Caju nos Mercados Globais......50
4.1.5 Produção e Exportação de Castanha de Caju na Guiné-Bissau.......................52
4
4.2 Evolução do Mercado de Castanha e Amêndoa de Caju – Uma Perspectiva Histórica.................................................................................................................................53
CAPÍTULO 5 - Políticas Agrícolas e Segurança Alimentar na Guiné Portuguesa e na Guiné-Bissau.............................................................................................................................68
5.1 Guiné Portuguesa: Agricultura, Segurança Alimentar, Comércio e Políticas Agrícolas................................................................................................................................68
5.1.1 Produção de Culturas de Rendimento Durante o Período Colonial – Uma Responsabilidade Exclusiva dos Pequenos Produtores...............................................71
5.1.2 A Guiné Portuguesa Auto-Suficiente em Arroz: Um Mito.................................73
5.1.3 Dependência da Monocultura do Amendoim: Insegurança Alimentar dos Agricultores e o Agonizar da Economia Colonial na Guiné.........................................77
5.2 A Guerra de Libertação: Agricultura, Segurança Alimentar e Comércio de Produtos Agrícolas...............................................................................................................80
5.2.1 As Zonas Libertadas pelo PAIGC: Diversificação Agrícola e Colectivização...80
5.3 Guiné-Bissau: Agricultura, Segurança Alimentar, Comércio e Políticas Agrícolas 83
5.3.1 O “Estado-Partido”: Políticas de Diversificação Agrícola e de Comércio........83
5.3.2 Os Programas de Ajustamento Estrutural: a Aposta na Agricultura e a Liberalização do Comércio..............................................................................................86
5.4 Síntese............................................................................................................................89
CAPÍTULO 6 - A Castanha de Caju na Guiné-Bissau: Produção, Circuitos de Comercialização e Implicações para a Segurança Alimentar.............................................90
6.1 A Substituição de uma Monocultura por Outra – Do Amendoim ao Caju.............90
6.2 Primeiras Tentativas de Fomento do Cultivo de Caju..............................................92
6.3 O Cultivo do Caju na Guiné-Bissau – Uma Produção de Pequenos Agricultores.94
6.4 Castanha de Caju, Produção Agrícola e Segurança Alimentar na Guiné-Bissau 100
6.4.1 Causas da Diminuição da Produção Orizícola nos Anos 1980 e 1990..........102
6.4.2 A Crise Mundial dos Alimentos de 2007 – 2008 – Possíveis Consequências para a Produção Agrícola Local....................................................................................109
6.5 Exportação de Castanha de Caju – A Importância para a Economia e Receitas do Estado Guineense..............................................................................................................111
6.5.1 A Importância da Exportação de Castanha de Caju nos Rendimentos do Estado Guineense..........................................................................................................114
5
6.6 A Intervenção Estatal no Mercado de Castanha de Caju Guineense...................116
6.6.1 Uma Breve Cronologia da Intervenção Estatal no Comércio de Castanha de Caju..................................................................................................................................117
6.7 O Processamento de Caju na Guiné-Bissau.............................................................124
6.7.1 Alguns Problemas do Processamento de Caju na Guiné-Bissau...................127
6.7.2 Vantagens e Desvantagens da Aposta da Guiné-Bissau na Transformação de Castanha de Caju...........................................................................................................128
6.8 Castanha de Caju: Cadeia e Custos de Comercialização, Preços Recebidos e Evolução do Poder de Compra dos Produtores Guineenses........................................132
6.8.1 A organização da cadeia de compra da castanha de caju – da tabanca ao porto de Bissau (o caso de Quínara)..........................................................................134
6.8.2 O Negócio da Castanha de Caju em Bissau: Grandes Comerciantes, Exportadores e Negociantes Indianos.........................................................................137
6.9 Arroz, Castanha de Caju, e Segurança Alimentar na Guiné-Bissau.....................147
6.9.1 A Crise Mundial de Alimentos: Subidas no Preço do Arroz nos Mercados Mundiais e suas Consequências para a África Ocidental..........................................151
6.9.2 O Mercado Guineense de Importação de Arroz: Serão os Altos Preços Praticados Apenas Consequência das Subidas no Preço Mundial?.........................152
6.9.3 Uma História Recente do Mercado de Arroz na Guiné-Bissau: Acusações Constantes de Especulação e Distorção no Mercado de Importação de Arroz.....154
6.9.4 Evolução dos Preços do Arroz e da Castanha de Caju...................................157
6.9.5 Evolução dos Termos de Troca da Castanha de Caju e do Arroz.................158
6.10 Síntese........................................................................................................................160
CAPÍTULO 7 - Os produtores de Quínara – Análise do Estudo de Caso........................164
7.1 Área de Estudo e Metodologia...................................................................................164
7.1.1 Área de Estudo.....................................................................................................164
7.1.2 Estudo de Caso e Metodologia...........................................................................166
7.2 Estratégias de Subsistência para a População Estudada e Respectivos Constrangimentos: Produção Cerealífera, Monocultura de Caju e Diversificação de Actividades Capazes de Gerar Rendimento....................................................................169
7.2.1 Estratégias de Produção e Segurança Alimentar em Quínara: Perspectivas Iniciais da Investigação.................................................................................................169
6
7.2.2 O Papel da Produção Cerealífera para a Segurança Alimentar Local...........172
7.2.3 A Proliferação da Monocultura de Caju e a sua Relação com a Produção Cerealífera.......................................................................................................................180
7.2.4 A Aposta na Diversificação da Produção Agrícola e a Adopção de Estratégias de Minimização do Risco de Insegurança Alimentar.................................................188
7.2.5 Crédito Informal – A Última Estratégia.............................................................200
7.3 A Implementação da Monocultura de Caju em Quínara: Tendências Entre os Agricultores Inquiridos e a sua Inserção nos Circuitos de Comercialização..............202
7.3.1 Evolução da Adesão à Monocultura de Cajueiros............................................202
7.3.2 A Estrutura da Produção Local e a Comercialização da Castanha de Caju na Perspectiva do Agricultor..............................................................................................206
7.3.3 A Monocultura de Caju como o Principal Cultivo de Rendimento para a População de Quínara: Que Futuro?...........................................................................212
7.4 Conclusões...................................................................................................................217
CAPÍTULO 8 - Considerações Finais....................................................................................223
Recomendações.................................................................................................................230
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................232
8
CAPÍTULO1‐IntroduçãoGeraleObjectivos
1.1IntroduçãoGeral
Numasociedadeglobalizadaemqueocomérciointernacionaleasegurançaalimentar
seapresentamcrescentementecorrelacionados,torna‐seurgenteestudareentender
os fenómenos que expõem as comunidades mais vulneráveis ao risco de pobreza,
subnutrição e debilidade económica. Como tal, o presente documento assume‐se
comouma respostaànecessidadedemelhor conhecere compreenderasdinâmicas
locaisemtemposdefenómenosglobais.
Adependênciaeconómicademonoculturasporpartedepaísesemdesenvolvimentoé
um fenómeno relativamente bem documentado para o contexto macroeconómico,
nãosendorarososcasosdepaísescujasexportaçõesdependememmaisdeumterço
de uma só cultura (Moseley 2008:10). No entanto, embora existam na literatura
estudos que descrevem a dependência de vários países africanos de determinadas
monoculturasdeexportação,muitopouco foipublicadosobreoverdadeiro impacto
dasrespectivasdinâmicaseconómicasaoníveldascomunidadeslocais,estabelecendo
a ligação entre a conjuntura global e o seu impacto no bem‐estar local (Godoy
2005:132).
AdependênciadaeconomiadaGuiné‐Bissaudamonoculturadecajutrata‐sedeum
caso extremo, mesmo entre outros países africanos que se especializaram em
monoculturasderendimento,comoocasodoBurkinaFasocomoalgodãooudaCosta
do Marfim com o cacau (Flores 2004:7). Estima‐se que do total de rendimentos
provenientes das exportações do país, 98% sejam do caju, uma dependência mais
elevada que no caso da maior parte dos países da OPEC com o petróleo (Banco
Mundial 2010:70). Esta extrema importância de uma só cultura, apesar de
relativamente recente, tem vindo a consolidar‐se na sociedade guineense, pelo que
gerar informaçãoacercadas suas implicaçõese consequências afigura‐se comouma
finalidadeactual,coerenteeoportuna.
9
De acordo comaComissãoNacional deCaju (CNC), aGuiné‐Bissaué actualmenteo
oitavo produtor de caju a nível mundial (CNC 2009), e o segundo no continente
africano.Dandosinaisdefraquezaeextremadependênciafaceàexportaçãodecaju,a
economia da Guiné‐Bissau entrou em crise em 2002. A contracção do crescimento
económico foiprincipalmentedespoletadapelaquebrade15%naproduçãodecaju
(Boubacar‐Sidetal.2007:79).A instabilidadeebaixadepreçosquetemocorridoao
longo dos últimos anos despoletaram receio da dependência excessiva de umúnico
produtoagrícoladeexportação(Temudo1998),fundamentalmenteentreascercade
90milfamíliasdepequenosagricultoresqueasseguramagrandemaioriadaprodução
decajunacional(Boubacar‐Sidetal.2007:79).
Comoagravante,odestinodepraticamentetodoocajuexportadoéa Índia,ondeé
depoisprocessado.Estasituaçãocolocaumapressãoadicionalsobreosexportadores
guineensesdecaju,econsequentementesobreosprodutores,que,dependentesde
umúnicomercadodeexportação,vêmospreçosdevendadoprodutodiminuirdevido
àsimposiçõesdasfirmasindianas(Boubacar‐Sidetal.2007:80).
Todas estas dinâmicas, alheias à participação e reivindicações dos agricultores
guineenses, têm repercussões ao nível local, sobretudo em termos de segurança
alimentar e nível de pobreza das famílias. A caracterização da relação entre os
fenómenosglobaisreferidoseosseus impactosaonível localéotemacentraldeste
estudo.
1.2Objectivos
Esteestudoinsere‐senoâmbitodaprimeiraediçãodasConferênciasdoEstoril,cujo
principalobjectivoéa criaçãodeumpólode reflexãoanível internacional sobreos
desafiosdaglobalização,comparticularatençãoàrelaçãoentreosdomíniosglobale
local.
10
Na sequência da necessidade de gerar conhecimento acerca dessa mesma relação,
esteestudopretendecaracterizaradinâmicadecomunidadessujeitasàdependência
da monocultura de caju na Guiné‐Bissau, através do estudo de caso da região de
Quínara,nosuldopaís.
Investigando‐seaevoluçãodessadependência,ograudevulnerabilidadeaqueessas
comunidades estão expostas, as consequências relativamente à sua segurança
alimentar e as alternativas disponíveis será possível avaliar, com a profundidade
necessária,arelaçãoentreomercadoglobaleasubsistênciadaspopulaçõesrurais.Ao
contráriodeoutrosestudosrealizadosatéàdata,nãosepretendeapenasentenderde
queformaaGuiné‐Bissauédependentedamonoculturadecaju,mastambémquais
os efeitos deste fenómeno ao nível da subsistência de indivíduos e agregados
familiares.
OcasodeestudoaoníveldaregiãodeQuínara,ondeestãopresentesasvariáveisem
estudo,permiteavaliarcomodeterminadocenáriolocalsecomportaquandosetorna
intervenientedeumadinâmicaglobaldemercadoscadavezmaisinterdependentes.O
estudodastransformaçõesimpostasporessainterdependênciaseráimportantepara
promoveropólodereflexãoanívelinternacional,podendooexemplodeQuínaraser
útilparaumaabordagemmaisamplanaanáliseereflexãosobrepotenciaisiniciativas
aonívellocal,querespondamaosdesafiosquesefazemhojesentiràescalaglobal.
11
CAPÍTULO2‐Metodologia
2.1EscolhadoEstudodeCaso
Apardorestodopaís,aregiãoadministrativadeQuínara1temvindoaassistirauma
grande expansão da área ocupada por plantações de caju, produção que assegura
actualmente o rendimento da grande maioria das famílias de agricultores locais
(INEC:2007;Bívar2008:37).Ossistemasdegestãoderecursosnaturaisedistribuição
da terra da região mantiveram‐se até há pouco relativamente inalterados2. No
entanto, a proliferação da monocultura de caju introduziu dinâmicas que vieram
alterar em grande parte a estrutura da economia local e a lógica de gestão dos
sistemasagrícolastradicionais.
Poroutrolado,ariquezaqueQuínaraapresentaemtermosdeambientesecológicose
sociais confere um especial interesse à região, devido à potencial diversidade de
situações que as comunidades locais encontram no que respeita à sua segurança
alimentar.Asuadimensão,de3.138,4km2,ésuficientementegrandeparaconteresta
diversidadeambientalesocial,eapresentaaomesmotempoumaextensãorazoável
paraserpercorridanotempodisponívelparaotrabalhodecampo.
Porestesmotivos,Quínaratorna‐seumlocaladequadoparaentenderdequeformaa
transformaçãodesistemasdesustentoemsistemasderendimentoalterouadinâmica
desegurançaalimentardaregião.
2.2Metodologia
Narecolhadosdados,foramprivilegiadosmétodosetnográficos,(observaçãodirectae
participante,biografiasdossistemasdeproduçãoehistóriadaproduçãodecaju)por
1 Para informação mais pormenorizada sobre a região de Quínara, ver capítulo 7 2 Bívar 2009, Comunicação Pessoal
12
umlado,eporoutrométodossociológicos (questionáriosformaiseentrevistassemi‐
estruturadasaagricultoreseoutrosinterlocutores‐chave).
Foiadoptadaumaabordagemmultidisciplinar,combinandoainvestigaçãodosmodos
de subsistência locais com uma análise económica da cadeia de comercialização do
caju. Segundo Kanji et al. (2005:21), uma investigação que cruze dados sociais e
económicos émais passível de gerar resultados robustos, abrangentes, e emúltima
análisemelhorcolocadosparaservircomoapoioàspolíticasedecisoreslocais.
Otempodeduraçãodotrabalhodecampofoicercadequatromeses,amaiorparte
doqualpassadoemQuínara,emboratendosidorealizadasvisitasaBissaueàregião
de Tombali. Esta duração teve em conta a necessidade de um período inicial de
reconhecimentodo terreno,demodoa contactar como temadeestudo “in situ”e
assimmelhorprepararocursodainvestigação.
Foram realizadas 125 entrevistas semi‐estruturadas a agricultores na região de
Quínara, num total de 48 aldeias, demaneira a obter uma amostra distribuída pelo
respectivoterritório.Aselecçãodosentrevistadosfoialeatória,demodoaminimizaro
enviesamento dos resultados, ao passo que a escolha das aldeias visitadas teve em
conta a facilidade de deslocação, sem no entanto comprometer a diversidade de
ambientes abordados. Assim, foi tido em atenção que nenhum contexto fosse
excluído, quer em termos étnicos, quer em termos ecológicos, tendo sido visitadas
aldeiaslocalizadastantonazonacosteiracomonointerior,emzonasdeflorestaede
savana,edemodoacontactartodasasprincipaisetniaslocais.
Procurou‐se sempre gerar informação sobre estratégias de subsistência; produção
orizícola;produçãodecaju;diversificaçãoagrícola;estratégiasdeminimizaçãoderisco
deinsegurançaalimentar;motivaçãodeadesãoaocultivodecaju;variaçãodospreços
decaju;estruturadacomercializaçãodocaju;evoluçãodousode solo;evoluçãoda
demografialocal;entreoutrasquestões.
Certasaldeias foramseleccionadascomocasos‐tipo,descritosapartirda informação
recolhida através da observação participativa, entrevistas semi‐estruturadas e
conversasinformais,demodoaaprofundarcasosconcretosqueilustremadiversidade
13
de situações relativas à segurança alimentar que se pode observar em Quínara. Os
casos‐tipo(vercapítulo7)foramescolhidostendoemcontaarelevânciadessasaldeias
parailustraradiversidadeeheterogeneidadedarealidadelocal.
Paramelhorentenderofuncionamentodoscircuitoslocaisdecomercializaçãoforam
também entrevistados 28 pequenos comerciantes ao longo da região. Foram ainda
realizadas entrevistas a interlocutores‐chave, representantes de instituições como o
MinistériodoComércio,aDirecçãoGeraldeImpostos,oCentrodePromoçãodeCaju,
a Comissão Nacional de Caju e a Fundação para o Desenvolvimento da Indústria
(FUNDEI).Ainformaçãorecolhidafoicomplementadacomfontesbibliográficaslocais,
comooarquivodosjornaislocaisNôPintchaeDiáriodeBissau.
As questões foram aprofundadas dependendo da participação do informante e do
conteúdo da informação, daí se definir o procedimento de recolha de dados como
entrevistas semi‐estruturadas. Durante a recolha de dados foi necessário dispensar
determinadasrespostas,noscasosemqueoentrevistadosemostravapoucoseguro
sobreasestimativasdeproduçãodecaju,anode instalaçãodopomar,entreoutras,
demodoagarantir amáximaqualidadedosdadoseminimizaroenviesamentodos
dados.
ComoafirmamLynneJaeger(2004),osprodutoresnãoconhecememgeralotamanho
dosseusterrenos,pelomenosnosistemamétricoqueseutiliza internacionalmente.
Os autores estimam ainda que a fiabilidade das respostas dos agricultores sobre a
produção tenha uma margem de erro entre 0.5 e 1 tonelada, sendo portanto
necessárioteremcausaadificuldadedeobtençãodedadosfiáveisemcampo.
Foram entrevistados indivíduos dos dois sexos de diferentes etnias. No entanto, a
amostragemdemulheres comparativamenteàdehomensé inferior (17mulherese
108homens)eváriosfactorescontribuemparaestadiferença:(i)asactividadesdiárias
das mulheres são intensas e estendem‐se durante todo o dia; (ii) o facto de o
investigadorserumhomemcondicionaoacessoaestegrupo,sendonecessáriomais
tempoemcadaaldeiaparaqueseestabelecesseumarelaçãodemaiorconfiança;e
(iii) os homens são normalmente os chefes do agregado familiar, oumoransa, em
14
crioulo,constituindoportantoumaboafontedeinformaçãoparaquestõescomoada
economiafamiliaresistemasdeproduçãoagrícola.Tendoemcontaoúltimopontoe
atendendo ao facto de que a unidade de investigação privilegiada é o agregado
familiarenãoo indivíduo,aquestãodadistribuiçãoequitativadosentrevistadospor
géneronãofoiconsideradaimportante.
AetniaBiafadaétradicionalmenteresponsávelpelagestãodoterritórioedosrecursos
deQuínara,sendoosseusmembrosreconhecidospelasoutrasetniascomoos“donos
do chão”, embora este termo impliquemais o conceito de “gestão” do que “posse
legal”. Este grupo é o mais representado entre os entrevistados, com 42,4% dos
inquiridospertencentesàquelaetnia.OsBalantas,que imigraramno iníciodoséculo
XX para o sul da Guiné, tornaram‐se importantes produtores de arroz e como tal
participantes fulcraisna redede trocasdeprodutos,entreosquaisoarroz.Éaeste
grupo que pertencem 28% dos entrevistados. Outros gruposminoritários que estão
presentes na área de estudo correspondem a processos de migração secundários.
Entre os entrevistados contam‐se os Papel, a que pertencem 12,8% dos inquiridos,
ManjacoeBijagócom4,8%,Mancanhecom3,2%,Mandinga(1,6%)eFula(0,8%).Para
1,6%dosentrevistadosnãofoipossíveldeterminarogrupoétnico.
Figura2.1Origemétnicadototaldeentrevistados(N=125)
15
Adistribuiçãodosentrevistadosporetniapareceserrepresentativadacomposição
étnicadeQuínaraparaosdoisgruposdominantes,osbiafadaeosbalanta.Contudo,
estasuposiçãonãopodeserconfirmadajáqueosúltimoscensosqueincluírama
distribuiçãoporetniadatamde1979.Noentantosabemosqueatendênciageralem
Quínaratemsidoparaumafortediminuiçãodapopulaçãobalantaeumaumentodo
pesodosbiafadanototaldapopulaçãoregional,poisseem1950osbalantaerama
maioria(Carreira1961:106),resultadodasmigraçõesinternasnesseperíodo(ver
capítulo5),em1979osseusnúmerosjáseaproximavamdototaldebiafadas.Apartir
de1979,aúnicamaneiradeavaliarastendênciasdacomposiçãoétnicapassaasera
monitorizaçãodademografiadecadaaldeia,sabendoquecadaetniaseagrupa
preferencialmenteemaldeiasseparadas.Assim,comparandooscensosde1950ede
1991,datadosúltimoscensosqueconsideraramapopulaçãodecadaaldeia,é
possívelverqueonúmerodehabitantesdasaldeiasbalantatemdecrescido,aopasso
queasaldeiasbiafadaverificaramatendênciainversa(Carreira1961:106;Censos
1991).
16
CAPÍTULO3–ASegurançaAlimentareComércioInternacional
3.1ASegurançaAlimentarnoContextoGlobal
3.1.1ConstrangimentoseInfluências
Adefiniçãodesegurançaalimentarassumeváriasrealidades.Diferentesabordagens,
que tomam a economia familiar ou individual como unidades de análise, podem
centrar‐senaproduçãodealimentosouno seuacesso comooprincipal indicadore
referir‐se à insegurança alimentar como crónica ou transitória (Maxwell 2003:23).
Segundo a FAO (2009:8), a segurança alimentar consiste na presença de “condições
físicas,sociaiseeconómicasquepermitamoacessoconstanteaalimentossegurose
nutritivosqueatendamàsnecessidadesdedietaepreferênciasalimentaresparauma
vidaactivaesaudável”.Aatençãointernacionalemtornodoconceitosurgiunaaltura
dacrisealimentarglobalde1972‐1974,masfoinosanos80,comfenómenoscomoo
surtodefomede1984‐1985naÁfricaSubsariana,quesetornounumpilardereflexão
eplaneamentoglobais(IFAD1992:6).
Asituaçãoda insegurançaalimentarnospaísesemdesenvolvimentomanifesta‐sena
quantidadede indivíduossubnutridos,aqualmanteveumatendêncianegativaentre
1970 emeados dos anos 90. Durante a última década do século XX, no entanto, o
númerodesubnutridoscomeçouaaumentarecalcula‐sequeem2009,1,02biliõesde
pessoassofriamdesubnutrição(Figura1),ovalormaisaltodesdeo iníciodestetipo
deestimativasnadécadade70(FAO2009:11).
17
Figura1.Totaldesubnutridos(milhões)nomundo,de1969‐71a2009,FAO(2009:11).
Aanálisedasegurançaalimentardeumadeterminadaregiãooupaísprende‐secom
trêsdimensõesessenciais: adisponibilidadedealimentos, o acessoaosmesmose a
sua estabilidade ao longo do tempo, que poderá depender de factores ambientais,
políticoseeconómicos(Flores2004:4).
A nível interno, a disponibilidade de alimentos relaciona‐se com a produção
doméstica, a capacidade de importação, ajuda alimentar, reservas disponíveis,
presença de infra‐estruturas de transporte adequadas e a qualidade de
armazenamento (Flores 2004:5). No Gana, por exemplo, os produtores agrícolas
queixam‐sedosaltospreçoscobradospelosdonosdasviaturasdetransportedevidoà
máqualidadedasviasdeacesso,e,noMalawi,umestudoidentificouamáqualidade
dasestradascomoumdosprincipaisentravesaocomérciodeprodutosagrícolas(IFAD
2006:54), uma situação também frequentemente observada para os produtores da
Guiné‐Bissau.Comoresultado,registam‐setodososanosgrandesperdasdecolheitas
devidoàsmáscondiçõesdearmazenamento(IFAD2006:54).
O acesso, por seu turno, relaciona‐se em geral com o nível de rendimentos da
população,a taxadeemprego,ospreçosdosalimentos, adistribuiçãoda riqueza,o
18
acesso à terra, disponibilidade de crédito e recursos financeiros3, a eficiência dos
mercados,aqualidadedas infra‐estruturas,entreoutros factores (Flores2004:5;Sen
2000:10).Aonível familiar,oacessoaosalimentospodesernegativamenteafectado
pormáscolheitas,perdadepoderdecompradevidoaodesempregoouaumentoda
disparidadeentrerendimentosreaisepreçosdosalimentos,eremoçãodesubsídios
sobredeterminadosalimentosougrupossociais(Sen2000:10).
Aesferaglobal tem implicações importantesnoscenários locaisonde fenómenosde
origempolítica,social,económicaeambientalinfluenciamadisponibilidadeeoacesso
aos alimentos ao nível local, com consequências para a segurança alimentar das
populaçõesresidentes.Asdinâmicasglobaisdocomérciodeprodutosagrícolasestão
entre os factores que podem penalizar a produção agro‐alimentar nos países com
maior insegurança alimentar, através, por exemplo: (i) da especulação de preços a
nívelinternacional,(ii)daactividadedesregradadascorporaçõesmultinacionaisagro‐
alimentarese(iii)deacordosinternacionaiscomoosacordosdecomérciolivre(ACL).
OsACL,queforçammuitospaísesaabrirassuasfronteirasaprodutoscomosquaisos
seusprodutoresnãoconseguemcompetir,podemaumentara insegurançaalimentar
deumpaísaocausarumdeclínionaproduçãointerna,promovendoaomesmotempo
uma maior dependência do exterior para atender às necessidades alimentares das
suas populações (Paul e Wahlberg 2008:4). A disponibilidade de terras para uso
agrícola é também determinante para a dinâmica da produção agro‐alimentar nos
países em desenvolvimento. Na área da produção energética, por exemplo, a
tendência crescente de conversão de terras agrícolas para produção de agro‐
combustíveis4 tem diminuído a disponibilidade de terra para produção alimentar e
3 Em muitos países africanos, por exemplo, poucos bancos comerciais disponibilizam crédito a pequenos produtores. Enquanto algumas Organizações não-governamentais (ONG) e outros financiadores não bancários facultam crédito em alguns casos, a oferta é manifestamente insuficiente. A produção e comércio rural é muitas vezes ignorada pelas políticas de micro-crédito devido à sua natureza itinerante e tamanho de redes comerciais (IFAD 2006:54) 4 As reservas globais de produtos agrícolas estão já a ser afectadas pela produção de agro-combustíveis. Em 2007, os Estados Unidos canalizaram mais de 30% da produção de milho para fabrico de agro-combustíveis. No Brasil, metade da cana de açúcar cultivada foi usada para produção de etanol e na União Europeia, a maior parte da produção de óleos vegetais não teve como fim o consumo humano mas a produção de energia. Ironicamente, os agro-combustíveis não têm cumprido as expectativas de assegurar a segurança energética e a redução de gases de efeito estufa para a atmosfera já que a sua produção requer grandes gastos energéticos (Ghosh 2010:73).
19
aumentadoospreçosdeváriosalimentos(PauleWahlberg2008:5).Outraameaçaà
segurança alimentar de um país é o conflito armado, podendo diminuir
substancialmenteadisponibilidadeeoacessoaosalimentos.ÉocasodaSerraLeoae
daLibéria,porexemplo,paísesdaÁfricaOcidentalcujosconflitosarmadosafectaram
severamenteasegurançaalimentardassuaspopulações,fazendo‐sesentiraindahoje
os resultados da destruição de infra‐estruturas e do sistema de produção agro‐
alimentar(Flores2004:15).
As alterações climáticas constituem outro problema que poderá afectar a produção
agrícolaeconsequentementeasegurançaalimentarnospaísespoucodesenvolvidos.
SegundoaFAO(FAO2003a:1),asalteraçõesclimáticaspoderão fazeraproduçãode
cereaisnocontinenteafricanodecrescerentre2e3%até2020,enquantofenómenos
comoareduçãodaprecipitaçãoeoaumentodoníveldomarpoderãopôremcausaas
culturasdesubsistênciademilhõesdepessoas.Adisponibilidadedealimentospode
ainda ser afectada pela perda de colheitas devido a pragas e doenças, sendo que a
Áfricaocidental eraa regiãodomundoqueapresentavaos valoresmais altosdeste
tipo de perdas de 2001 a 2003, com cerca de 50% das colheitas de 10 espécies de
legumesecereais5perdidasnesseperíodo(Oerke2005:40).
3.1.2EstratégiasdeMinimizaçãodoRiscodeInsegurançaAlimentar
Váriostiposdeestratégiaparalidarcomosriscosdeinsegurançaalimentartêmsido
postos em prática a vários níveis (IFPRI 2009:5). Ao nível familiar, os riscos de
insegurança alimentar podem ser minimizados pela aposta na diversificação de
variedades cultivadas, diminuindo assim a vulnerabilidade a variações climáticas e
pragas. Também ao nível familiar se torna relevante diversificar a origem de
rendimentosnãoprovenientesdaagricultura6,demodoaqueoorçamentodafamília
5 As variedades incluídas no estudo citado são: Arroz, milho, trigo, cevada, colza, tomate, batata, beterraba, soja e algodão. 6 Em grande parte das zonas rurais do continente africano, algumas das fontes de rendimento não agrícolas mais comuns são o fabrico artesanal de objectos e trabalhos ocasionais ou que implicam migrações sazonais.
20
possa ser compatível com a sua segurança alimentar a qualquer momento (IFPRI
2009:5). Os rendimentos obtidos por um agregado familiar têm um papel
determinantena facilidadedeacessoaosalimentose,paramuitas famílias,éesteo
principal factor limitante relativamente à sua segurança alimentar (Herrmann
2009:22).
Asestratégiasaoníveldaunidadefamiliarnãosãonoentantosuficientespararesistir
aconjunturasnegativasqueseprolonguemnotempo,sendonecessáriaaintervenção
dosectorpúblicoeprivadoparamitigarmaioresimpactos.Emrespostaànecessidade
de melhor proteger os seus países da insegurança alimentar, vários governos têm
desenvolvidoestratégiasdediminuiçãoderiscodesegurançaalimentarqueincluema
activaçãodemecanismosderegulaçãoeestabilizaçãodepreços,subsídiosestataisde
emergência e importaçãodebens alimentares (IFPRI 2009:6). A últimaé emmuitos
casos essencial para aumentar a disponibilidade de alimentos a nível do mercado
nacional,emboraacapacidadedeimportaçãodependadirectamentedodesempenho
económicodoestadoedeoutrasentidadesqueparticipemnastrocascomerciaiscom
o exterior (Flores 2004:7). Na área do desenvolvimento rural e do sector agrícola
nacional, os governos têm um papel importante em investimentos públicos como
sistemas de irrigação, redes de transporte, investigação nas áreas agrícola e
tecnológica,conservaçãodosrecursosnaturais,entreoutros,cruciaisparaaumentara
competitividadedosectornomercadointernacional(FAO2003c:34).
Relativamenteàsdiferentesteoriasdedesenvolvimentoquetenhamemvistauma
reduçãodoriscodesegurançaalimentar,asrecomendaçõesdeinvestimentotêmsido
contraditóriasaolongodasúltimasquatrodécadas,comasNaçõesUnidaseoutras
agênciasinternacionaisafavorecerprimeiroodesenvolvimentoindustrial,depoiso
desenvolvimentodaagro‐indústriaedeculturasderendimentoparaexportaçãoe
apenasrecentementeasiniciativasdeapoioaospequenosprodutores(IFPRI2008:20).
Asúltimas,noentanto,sãomuitasvezesdesajustadasdarealidadelocalenão
convergemcomosinteressesdascomunidadesalvodosprogramasdeapoio,
resultandomuitasvezesnofracassodestes(Munroetal.2009:94).
21
Aonívellocaléhojeamplamentereconhecidaaimportânciadeapoiosaredeslocais
quegeremaprodução,armazenamentoedistribuiçãodeprodutosagrícolas,deuma
formamaispróximadasuarealidadeenecessidades;oapoioaocultivodeespécies
tradicionaisenutritivas;aanálisecríticadoimpactodabiotecnologia7nasegurança
alimentareaprotecçãodabiodiversidadeagrícolalocalcomobaseparaumfuturo
sustentávelnossistemasagrícolaslocais(InterPares2004:3).
Noentanto,aindaqueosectoragrícolasejacrucialparaumpaís,estenãoéoúnico
elemento necessário para garantir a segurança alimentar da sua população,
merecendo atenção outros sectores capazes de gerar emprego e crescimento
económico como a indústria e os serviços (Flores 2004:14). No futuro, mudanças
político‐económicas significativas serão necessárias para reduzir a insegurança
alimentar.Amédioeacurtoprazo,apromoçãodeumadisponibilidadeeacessoaos
bens alimentares mais igualitária dependerá de questões como a inversão da
privatizaçãodosstocksdecereaiseoutrosalimentosnospaíses,fortalecendoopapel
dogovernonagestãodofornecimentoefixaçãodepreços.Serátambémimportante
regularaproduçãodeagro‐combustíveiseactividadesdecorporaçõesquepromovam
ainsegurançaalimentar,assimcomoreveraspolíticaseconómicasinternacionaisque
possamcontribuirparaumacesso injustoaosalimentosemdeterminadaspartesdo
mundo(PauleWahlberg2008:10).
Em suma, ummundo cada vez mais globalizado e interdependente enfrenta novos
desafiosnaáreadasegurançaalimentar.Onúmerodepessoasexpostasàinsegurança
alimentarchegouadiminuirdesde1960atémeadosdadécadade90,iniciandodesde
entãoumacentuadoaumentoatéatingircercadeumsextodapopulaçãomundialna
actualidade. A avaliação e resolução do problema, por políticos e instituições
internacionais, terá de ter em conta o conjunto de dimensões que compõem a
problemática da segurança alimentar numa determinada região: a disponibilidade e
acesso aos alimentos e a sua estabilidade ao longo do tempo. No futuro, diversas
7 O impacto da biotecnologia através de organismos geneticamente modificados (OGM), tem sido contestado por muitos agricultores locais devido a problemas como a contaminação de campos agrícolas não OGM, o desenvolvimento de pragas mais resistentes, o aumento dos preços das sementes, um maior monopólio de insumos agrícolas e sementes por parte de corporações ligadas à biotecnologia, entre outras questões (Shiva 1991; InterPares 2004:3)
22
possíveis abordagens terão de passar tanto por iniciativas locais, como o
melhoramentodeinfra‐estruturasedesenvolvimentodossistemasagrícolasnacionais,
como por iniciativas globais, por exemplo na definição de políticas comerciais mais
justas que regulemos oligopólios existentes no sector alimentar ao nível nacional e
internacional, de maneira a que o sistema de trocas de produtos agrícolas a nível
mundial se torne mais compatível com a segurança alimentar das populações dos
estadosmaisvulneráveis.
3.2OComércioAgro‐AlimentareaSegurançaAlimentar
3.2.1OQuadroGlobaldoComércioInternacionalePreçosdeProdutosAgrícolas
Desde cedo, as diferenças geográficas na produção agro‐alimentar motivaram o
comércio de produtos agrícolas entre países de modo a complementar a produção
doméstica. Os padrões históricos de fixação,migração e colonização de populações
contribuíramparaadimensãoglobaldo comércio, que se foi alterandoao longodo
tempo (FAO 2003b:232). Nos últimos 60 anos, a organização do sistema alimentar
global sofreuprofundasalteraçõeseassistiu‐seà transiçãodeumcenárioemqueo
comérciointernacionaldeprodutosagrícolaseracontroladopelasestruturascoloniais,
para outro em que a produção e comercialização destes produtos são dominadas
sobretudo por grandes corporações multinacionais, cujas actividades abrangem a
produção,processamento,distribuiçãoe comercializaçãodeprodutosagrícolas (FAO
2003b:232;Paul&Wahlberg2008:8),nummercadocomumvaloranualdecercade
600milmilhõesdedólaresamericanosem2004(Joslingetal.2004:3).
Asúltimasdécadasviramtambémumamudançanageografiadastrocascomerciaisde
produtosagrícolas,comospaísesdesenvolvidosaaumentarsignificativamenteasua
quota demercado em relação ao total das exportaçõesmundiais. AUnião Europeia
(UE)foiresponsávelporgrandepartedestecrescimento,passandodecercade20%na
décadade1960para42%daquotamundialdeexportaçãodeprodutosagrícolasno
23
princípio do século XXI. Inversamente, os países em desenvolvimento baixaram a
mesma quota de 40% nos anos 60 para 30% na primeira década do novo século.
Destes,foramospaísesdaÁfricasubsarianaosqueviramareduçãomaisdrásticana
quota demercado das exportações globais de produtos agrícolas, passando de 10%
para3%ao longodasúltimasquatrodécadas.Do ladodas importaçõesverifica‐seo
padrãooposto,comamaiorpartedasregiõesemdesenvolvimento,comaexcepção
daÁfricasubsariana,aaumentarasuaquotademercadoparaototaldeimportações
anívelmundial(FAO2005:14).
Actualmente,oscincomaioresexportadoresdeprodutosagrícolassãoaUE,osEUA,o
Brasil,oCanadáeaChina,enquantooscincomaioresimportadoressãoaUEseguidos
dosEUA,China,JapãoeRússia(tabela1).
Tabela1.Principaisdezexportadoreseimportadoresdeprodutosagrícolasanível
mundialerespectivasquotasdemercado(OMC20088).
PaísesExportadores
Quotaglobal%
(2008)Paísesimportadores
Quotaglobal%
(2008)
1 UniãoEuropeia(27) 42,2 UniãoEuropeia(27) 43,3
2 Estadosunidos 10,4 Estadosunidos 8,2
3 Brasil 4,6 China 6,1
4 Canadá 4,0 Japão 5,7
5 China 3,2 Rússia 2,4
6 Argentina 2,8 Canadá 2,2
7 Indonésia 2,4 CoreiadoSul 1,9
8 Tailândia 2,4 México 1,8
9 Malásia 2,1 ArábiaSaudita 1,1
10 Austrália 1,9 EmiratosÁrabesUnidos 1,0
Total 76,0 Total 73,7
8 www.wto.org/english/res_e/statis_e/its2009_e/its09_merch_trade_product_e.htm
24
Emboraovolumedecomérciodeprodutosagrícolastenhaaumentadosensivelmente
namesmaproporçãoquea taxade crescimentoeconómicomundial nosúltimos50
anos,aquelefoi17vezesinferioraovolumetotaldocomérciointernacionalgeralno
mesmoperíodo(FAO2003b:233).Estadesigualdadenocrescimentodosdoistiposde
comércio deve‐se sobretudo à situação de excepção dos produtos agrícolas no
processo de liberalização económica iniciado com o GATT9 em 1948, que visou a
redução de tarifas aduaneiras apenas para os produtos industriais (Ingco e Nash
2004:25).
O aumento contínuo da produção agrícola mundial, o proteccionismo estatal e os
subsídiosàagriculturaproporcionadospordeterminadaspolíticasagrícolasnacionais,
resultaram na progressiva diminuição dos preços mundiais para a maioria dos
produtosagrícolas (Goldin&Knudsen1990:19).Areduçãodospreçosdecompraao
produtor e o aumento nas quantidades produzidas destes produtos não foram, no
entanto, suficientes para satisfazer as necessidades de uma população mundial em
crescimento.Estasituaçãofoimotivadasobretudopelasdesigualdadesnoacessoaos
bensalimentaresemdiferentesregiõesdomundoeclassessociais(FAO2003b:57),e
pelofactodequeopreçodevendaaoconsumidornãodesceutantocomoopreçode
compraaoprodutor,ou,emalgunscasos,nãodesceu,sendoasmais‐valiascapturadas
pelas multinacionais responsáveis pela comercialização e distribuição dos produtos
agrícolas(Morisset1997:23).
Ageneralidadedospaísesmenosdesenvolvidos, tradicionalmentemaisdependentes
daexportaçãodeprodutosagrícolas(Herrmann2009:22),foiparticularmenteafectada
porperíodosdevolatilidadedepreçosnasdécadasde60e70,epeloseudeclínioa
longoprazo (Figura2). Estespaísesacabaramaindapor vera suabalança comercial
agrícolanegativamenteafectada,passandodepaísesexportadoresparaimportadores
debensalimentares(Figura3)(FAO2003b:235;Herrmann2009:2).
9 Sigla inglesa por que é conhecido o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, que visa a definição de regras comuns sobre direitos aduaneiros e a redução de entraves ao comércio internacional
25
Figura2.Evoluçãodospreçosreaisdequatroprodutosagrícolasde1957a2008.
AdaptadodeSarris(2009:19).
Figura3.Relaçãoentrevolumedeexportaçõeseimportaçõesnospaísesem
desenvolvimentode1961a2000.AdaptadodeFAO(2003b:235).
Só com oUruguay Round, a ronda de negociações do Uruguai, de 1986 a 1994, se
começou a avaliar temas como o apoio estatal, acesso a mercados e subsídios de
exportação.Aintençãodestasnegociaçõesseriaadetornaracompetiçãonomercado
deprodutosagrícolasmaisjusta(Joslingetal.2004:6).ARondadoUruguaiculminou
26
comasubstituiçãodoGATTpelaOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC)em1994,
um organismo de maior abrangência, com maior poder institucional e estatuto de
tratadointernacional(IngcoeNash2004:26).Emboraalgunsautoresconsideremque
a liberalização do comércio agro‐alimentar conduzida pelas políticas da OMC possa
fomentar o crescimento dos sectores agrícolas nacionais, uma maior integração no
mercado mundial pode expor os produtores ao risco de desvalorização dos seus
produtos,especialmentenumafaseinicialemqueossectoresdeproduçãoeemprego
se ajustam às reformas instituídas (FAO 2005:6). Em alguns casos, as exportações
agrícolas provenientes de países menos desenvolvidos estão impossibilitadas de
competirnummercadodistorcido,noqualosprodutosprovenientesdospaísesmais
ricosseapresentammaiscompetitivosporbeneficiaremdesubsídiosestatais(Ingcoe
Nash 2004:193). Os países desenvolvidos, em particular os EUA e os da União
Europeia,recusam‐seareduzirosníveisdeprotecçãodosseusprodutos,mantendoos
subsídios aos agricultores nacionais ao mesmo tempo que as regras impostas pela
OMCnãopermitemqueospaísespobressedefendamdasimportaçõesartificialmente
baratas (Oxfam 2006:21). Depois das expectativas geradas pelas negociações no
quadro da OMC para uma reforma do sistema de comércio agrícola internacional,
muitos países vêem‐se defraudados pelos modestos benefícios que obtiveram,
argumentandoqueosacordosrealizadostêmservidoapenasparainstitucionalizaras
políticasdedistorçãodaproduçãoecomercializaçãodeprodutosagrícolas,enquanto
retirampoderreguladoraosgovernos(FAO2003b:241;IFAD2006:14).
Aliberalizaçãodocomérciodeprodutosagrícolastemtambémsidointensificadapela
crescente implementaçãodeAcordosRegionaisdeComércio (ARC).Onúmerodeste
tipodeacordostemaumentadosignificativamenteeemFevereirode2010eramcerca
de462onúmerodeARCnomundonotificadosàOMC.AmaioriadosARCsãoacordos
de comércio livre bilaterais ou regionais, com uma minoria constituída por uniões
aduaneirasentrepaíses(OMC201010).Estesacordos,negociadosàmargemdaOMC,
são muitas vezes elaborados entre países mais desenvolvidos e países em
desenvolvimento,porvezescomconsequênciasnegativasparaosúltimos.Arecente
10 www.wto.org/english/tratop_e/region_e/region_e.htm
27
aprovação do acordo de comércio livre DR‐CAFTA11 entre os Estados Unidos e seis
países da América Central e Caraíbas, por exemplo, acentuou a liberalização no
comércioentreospaísesenvolvidos.Em2006,oanodaimplementaçãodoacordo,as
exportações dos Estados Unidos para aquele conjunto de países cresceu 19%
relativamente ao ano anterior, enquanto todos os outros seis países viram uma
desaceleraçãodocrescimentodosseussectoresagrícolas(Oxfam2008:24).
Umdosinstrumentosutilizadosnofortalecimentodaregulamentaçãointernacionaldo
comércio de produtos agrícolas tem sido os programas de ajustamento estrutural
(PAE).OsPAEsãonormalmente impostosaosgovernospeloFMIeoBancoMundial
comocondiçãoparaaprestaçãodecréditos,diminuindoopapelreguladordoestado
no sector agrícola e abrindo caminho para o investimento privado desregrado
(Giménez et al. 2009:25). Contrariamente à situação nos países desenvolvidos, que
mantiveramaltos níveis de apoio aos seus sectores agrícolas nas últimas décadas, a
implementação dos PAE contribuiu para um desinvestimento público no sistema
agrícola dos países em desenvolvimento nas décadas de 1980 e 1990 (Herrmann
2009:13),criandoumamaiordependênciadeinvestimentosprivados(BancoMundial
2005:22).
3.2.2OComércioInternacionalesuaRelaçãocomaSegurançaAlimentar
A relação entre comércio e segurança alimentar é complexa e varia consoante as
circunstâncias políticas, económicas e geográficas em que um determinado país se
encontra (FAO 2005:6). Várias agências e instituições internacionais ligadas ao
desenvolvimento e comércio, como as Nações Unidas (NU), o BM, a OMC, entre
outras, advogam a importância do comércio internacional como um meio para a
melhoriadascondiçõesdesegurançaalimentarereduçãodepobreza,particularmente
11 DR-CAFTA ou Dominican Republic – Central America Free Trade Agreement é um acordo de comércio livre implementado em 2006 entre os EUA e a Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala, Nicarágua e República Dominicana (Oxfam 2008:24).
28
nos países em desenvolvimento. Relatórios recentes daquelas instituições apontam
para a necessidade de políticas comerciais que tenham também em consideração o
desenvolvimentohumanoemoposiçãoàlógicaexclusivamentededicadaaoacessoao
mercado (FAO 2005:5). A liberalização do comércio de produtos agrícolas, embora
beneficiemaisospaísescomcapacidadededistorçãodaproduçãoepreçosdassuas
exportações, poderá ter um impacto significativo na segurança alimentar dos países
envolvidos. O efeito mais imediato da liberalização do comércio relaciona‐se
sobretudocomoníveldospreçosaqueosprodutoschegamàsfronteirasnacionais,e
comoestessãodepoistransmitidosatravésdacadeiadecomercializaçãoatéaonível
local, onde ficam disponíveis para os consumidores. Os preços resultantes variam
muitoentrepaíseseinclusivamentedentrodeumpaís,dependendodefactorescomo
as infra‐estruturas disponíveis, o comportamento dos mercados e circuitos de
comercialização internos e os constrangimentos geográficos de cada região (FAO
2005:6).Emrespostaaumaalteraçãodepreçosacurtoprazo,umaunidadefamiliar
poderá ter de ajustar parâmetros como o tipo de consumo que pratica, o esforço
exercidonaobtençãoderendimentoseatéotipodeactividadeaquesededica.
Ainserçãodeumpaísnomercadoglobaldeprodutosagrícolaspoderáterumimpacto
positivo ou negativo na segurança alimentar de um país, dependendo das
circunstâncias de produção, domercado interno e das dinâmicas globais a que está
sujeito.Amédioe longoprazo,aparticipaçãodeumpaísnocomércio internacional
podedesempenharumpapelpositivoparaa segurançaalimentardasuapopulação,
tendo em conta a obtenção de rendimentos e o crescimento económico que dele
podemresultar(FAO2003c:17).Opapeldocomérciointernacionaléparticularmente
relevanteparaospaísesmenosdesenvolvidosjáqueoreduzidoconsumointernonão
permite o uso eficiente de determinados recursos. O obstáculo da ausência de um
mercadointernopodeassimsercontornadopelainserçãodaquelespaísesnomercado
internacional,oquepermiteumamelhorrentabilizaçãodepartedaproduçãonacional
atravésdaexportação,egerarendimentosquepodemseraplicadosnaimportaçãode
produtos alimentares importantes para a população. Caso a integração nomercado
global se traduza no incremento da actividade económica e maior obtenção de
rendimentos,asegurançaalimentardapopulaçãopoderáaumentar.
29
Poroutro lado,edeumaperspectivamenospositivaparaa segurançaalimentarde
umpaís,aintegraçãonomercadoglobaldecomérciopodefavoreceraespecialização
na produção, que se pode traduzir numa dependência excessiva de um número
reduzidodeprodutos,ou,emmuitoscasos,deapenasumproduto.Parapaísesonde
um produto de exportação represente mais de 20% do total de rendimentos de
exportação, o seu orçamento torna‐se demasiado dependente dos preços nos
mercados internacionais (Flores 2004:7), o que pode pôr em causa as receitas
provenientes da exportação, no caso de uma evolução desfavorável dos preços, e a
obtenção de rendimentos suficientes para a importação dos bens alimentares
necessários.No casode vários países daÁfrica ocidental, por exemplo, este tipode
dependênciaexcessivadeumsóprodutoéfrequenteesãoexemplosocasodaGuiné‐
Bissaucomocaju(97%dasexportações),doBenimedoBurkinaFasocomoalgodão
(36%e35%respectivamente)edaCostadoMarfimedoGanacomocacau (23%e
21%)(Flores2004:7).
Ocomércioglobaldeprodutosagrícolas,econsequentementeospreçosdosprodutos
comercializados, estão também sujeitos a fenómenos alheios ao funcionamento
internodasuaestruturadeorganização,quesãodifíceisdepreverederegular,eque
têm consequências para a segurança alimentar. O crescimento populacional e
económicoqueseobservanoplaneta,porexemplo,exerceumapressãoacrescidanos
stocks alimentares mundiais, ao mesmo tempo que vastas áreas agrícolas são
convertidas pelo homem para construção de infra‐estruturas de transporte, fins
recreativos e urbanização, ou ainda afectadas por fenómenos naturais ou
indirectamente induzidos pelo homem como a desertificação e a erosão dos solos
(PauleWahlberg2008:3).Orecentecrescimentoeconómicoregistadoemeconomias
emergentes como a China, a Índia e o Brasil fez também aumentar o volume das
respectivas classes médias, o que veio alterar os padrões de consumo verificados
nestes e noutros países em desenvolvimento. Como consequência, o consumo de
produtos alimentares mais processados ou que requerem maior gasto de energia,
comoacarneeosderivadosdo leite,aumentaramdrasticamenteempaísescomoa
30
ChinaeaÍndia,ondeoseuconsumoerabaixohárelativamentepoucotempo12(Paule
Wahlberg2008:3).Adicionalmente,odesinvestimentonaagriculturaverificadodesde
o fim da década de 1970 e a quebra de produção em algumas partes do mundo
exacerbaram a crescente pressão sobre as reservas alimentares de vários países,
provocandoasuarupturaemalgunscasos.Todasestasquestões,aliadasaoaumento
dospreçosdopetróleoduranteaúltimadécada,àquantidadedeculturasconvertidas
paraagro‐combustíveiseàespeculaçãofinanceirasobreprodutos,provocaramacrise
internacionaldepreçosdosprodutosagrícolasde2006‐2008(Giménezetal.2009:10).
Esta crise teve consequências nefastas para as populações dos países em
desenvolvimento (Herrmann 2009:13), causando desconfiança e protestos contra as
políticasdoFMI,BancoMundialeOMC,assimcomodoprópriomodeloagro‐industrial
(Giménezetal.2009:85‐86).Noentanto,emboraestemodeloestejaprofundamente
inseridonoscírculospolíticoseinteressesdascorporaçõesmultinacionaisenvolvidas,
existem esforços globais no sentido de promover medidas que melhorem o actual
modelo,comonovosprogramasgovernamentaisdeapoioaospequenosagricultores
ouiniciativascomoocomérciojusto(Paul&Wahlberg2008:8).Asúltimas,noentanto,
embora promovam melhores e mais justas relações de comércio internacional,
permanecemnumraiodeacçãolimitado,talvezporserememgerallógicasignoradas
anívelestatal.
3.2.3OPapeldasCorporaçõesMultinacionais
O interesse das corporações multinacionais no sector agrícola de países em
desenvolvimento representa uma oportunidade de investimento num sector de
extremaimportânciaparaasubsistênciadamaiorpartedapopulaçãodaquelespaíses.
De forma a corresponder a este crescente interesse, os governos dos países em
desenvolvimentotêmvindo,deumaformageral,aadequarasuapolíticaelegislação
12 O consumo de carne na China aumentou em 150% entre 1985 e 2008. Em 2007, o país importou 35 milhões de toneladas de soja para alimentação animal (Paul e Wahlberg 2008:3).
31
dos sectores agrícolas à participação externa, contrariando significativamente a
anterior estratégiade reservaro sector a interessesnacionais (UNCTD2009:94). Em
consequência,ascorporaçõesmultinacionaisagro‐alimentares(CMA),nasuamaioria
sediadas nos países ricos, exercemhoje uma influência directa e crescente nobem‐
estardaspopulaçõesdospaísesemqueinvestem.
Embora possam ter um papel importante na redução da pobreza, na criação de
emprego e no crescimento económico dos países em desenvolvimento, muita da
actividadedasCMAtemcontribuídoparaoaumentodapobrezaedesrespeitopelos
direitosdepopulaçõesruraisnospaísesemdesenvolvimentoatravésdaconcentração
depoderdequeusufruemnosmercadosalvoedamarginalizaçãoquemuitasvezes
impõemàagriculturalocaldepequenaescala(ActionAid2005:8).
Entre os quatro factores que mais fortemente contribuíram para a crescente
dominânciadasCMAnaproduçãoecomercializaçãodeprodutosagrícolasencontram‐
se: (i) a industrialização da agricultura e a Revolução Verde13, que levaram a
monopólios de sementes e agro‐químicos assim como à transição para ummodelo
agrícola baseado no petróleo; (ii) a superprodução agrícola e ajuda alimentar
proveniente de países ricos que inibe a produção dosmesmos produtos nos países
receptores; (iii) os PAE, que contribuíram para a desregulamentação dos mercados
internos;e,porfim,(iv)osacordosdecomérciolivreeaspolíticasdeliberalizaçãoda
OMC(Giménezetal.2009:25).
Hoje, as CMA controlam grande parte da produção e comercialização de produtos
agrícolasnomundo(Thorat2003:4).Asaquisiçõesefusõesdegrandesempresastêm
intensificado um cenário de oligopólios agro‐alimentares em que as trinta maiores
empresas são responsáveis por um terço do total de transacções no sector (Vorley
2003:10).AlistadasCMAquelideramomercadoalimentaréencabeçadapelaNestlé
(sedeada na Suíça) na área de processamento de produtos alimentares e pelaWal‐
13 Entende-se por “Revolução Verde” a transformação da agricultura através da inovação tecnológica, nomeadamente nos países menos desenvolvidos, baseada em contributos científicos e tecnológicos tais como adubos químicos, sementes melhoradas e novas técnicas de irrigação. Este tipo de agricultura é normalmente orientado para a produção em grande escala e exportação (Shiva 1991).
32
Mart (sedeada nos EUA) na área da sua comercialização, ambas apresentando uma
quotademercadosignificativamentesuperioràsCMAquelhesseguem(tabela2).
Tabela2.AsdezmaioresCMAnaáreadoprocessamentoecomercializaçãode
produtosalimentaresanívelmundial,em2002(ActionAid2005:60)
CMA‐Processamento
Milhõesde
dólares(2002)CMA‐Comercialização
Milhõesdedólares
(2002)
1 Nestlé(Suíça) 54,25 Wal‐Mart(EUA) 246,53
2 KraftFoods(EUA) 29,72 Carrefour(França) 64,98
3 Unilever(ReinoUnido) 25,67 RoyalAholdHolanda) 59,46
4 PepsiCo(EUA) 25,11 Kroger(EUA) 51,76
5 ADM(EUA) 23,45 MetroAG(Alemanha) 48,71
6 TysonFoods(EUA) 23,37 Tesco(ReinoUnido) 40,39
7 Cargill(EUA) 21,50 Costco(EUA) 38,76
8 ConAgra(EUA) 19,84 Albertson's(EUA) 35,92
9 Coca‐Cola(EUA) 19,56 Safeway(EUA) 34,80
10 Mars(EUA) 17,00 Ito‐Yokado(Japão) 27,61
SegundoaActionAid(2005:21),asCMAtêmvindoausaroseupodereinfluênciapara
baixar os preços de compra de produtos agrícolas aos produtores (Figura 5) e a
empresas intermediárias de processamento, ao mesmo tempo que não baixam
significativamente o preço de venda aos consumidores, capturando a diferença
resultanteparasi.Estadisparidadenaobtençãoderendimentoséclaranoestudode
casodaActionAidsobreacomercializaçãodocajuentrea ÍndiaeoReinoUnido,no
qualporcadalibragastanoprodutonumsupermercadoinglês,77pencesficampara
os importadores, empresas de processamento secundário14 (EPS) e supermercados
ingleses,enquantoapenas15ficamparaoprodutor(ActionAid2007:52).Nacadeiada14 Entende-se neste estudo de caso por empresas de processamento secundário as companhias inglesas responsáveis por actividades como torrar e salgar o caju, enquanto o processamento primário, neste caso realizado na Índia, se limita ao descasque, despeliculagem e embalagem do mesmo.
33
comercializaçãodocajunesteestudodecaso,aentidadequeretémamaiorpartedo
valor final do produto é o supermercado inglês, com45%do total, seguido das EPS
com20%enquantoasempresasindianasdeprocessamentoprimário(EPP)retêm5%
domesmovalor(figura4).Ossupermercadosingleses,umdosquaisaTesco,presente
nalistadasdezmaioresCMAdecomercializaçãonomundo,dominamavendadocaju
aoconsumidor,exercendoumacrescentepressãojuntodosseusfornecedores,asEPS
eimportadores,demaneiraacontrolarospreçosaqueesteslhesvendemoproduto.
Figura4.Fatiadovalorfinaldevendadocajuretidoporcadaentidadeenvolvidana
suacadeiadeprodução,processamentoecomercialização15(ActionAid2007:52).
Ilustrando os elevados lucros resultantes das CMA que dominam o sector, muitas
apresentamumariquezasuperioràdospaísesondeoperam.Em2002,porexemplo,a
Nestlé registou lucrosmais elevados que o valor do produto interno bruto (PIB) do
Gananomesmoano;eem2003,oslucrosdaWal‐Martforamsuperioresaosvalores
combinadosdoPIBdoGanaedeMoçambique16.
No continente africano, a integração do seu sector agro‐alimentar no mercado
mundial está estreitamente ligada à actividade de diversas CMA, amaior parte das
quais sedeadas no exterior do continente. AOlam International por exemplo, uma15 As siglas RU e IN referem-se à localização da entidade representada, respectivamente Reino Unido e Índia. 16 Indicadores de PIB do Banco Mundial: www.worldbank.org/data/databytopic/GDP.pdf
34
CMAsedeadaemSingapuraqueassegura25%dofornecimentoglobaldecastanhade
caju,estápresenteemvárias fasesdacadeiadevalordoprodutoemdeterminados
países desde a compra a pequenos produtores até ao seu processamento ou
exportaçãoparaaÍndia(OECD2008:59).
Figura5.Relaçãoentreconcentraçãodepodernomercadoepreçosdecompraao
produtor.AdaptadodeVorley(2003:25).
Beneficiandomuitasvezesdainexistênciadeleisoufiscalizaçãoquearegulamentem
nos países emque operam, a actividade das CMApode ainda promover, em alguns
casos, a dificuldade no acesso à terra de qualidade por parte dos pequenos
produtores,assimcomoousopoucoéticodedireitosdepropriedade intelectualea
dificuldade no acesso à justiça para aqueles que são lesados pelas suas actividades
(ActionAid2005:34).
Embora a globalização económica tenha tornado necessáriomelhorar a governação
mundialemtermosdemonopóliosecompetição,nãoexistemaindamecanismosde
regulaçãodasactividadesdasCMAentrecontinentes,sendoatendênciadaspolíticas
adoptadas pela OMC precisamente na direcção da simplificação da regulação entre
países (Vorley 2003:10). Algumas CMA tomaram passos louváveis no sentido de
melhorar a sua responsabilidade social e ambiental através de novos códigos de
conduta,nãosendonoentantodeesperarqueiniciativasvoluntáriasdestetiposejam
35
suficientesparaprotegerdeumamaneiraeficienteoambienteeosdireitoshumanos.
Revela‐se destemodo imperativo regular as actividades das CMAdemaneira a que
coincidamcomosobjectivosdereduçãodapobrezaepromoçãododesenvolvimento,
assim como assegurar que estas respondam legalmente pelos seus impactos nos
direitoshumanoseambientedospaísesemqueoperam(ActionAid2005:58).
Emsíntese,areformadaspolíticasdecomérciodeprodutosagrícolaspodeconstituir
uma oportunidade para os que mais sofrem de insegurança alimentar, embora o
processodeajustamentotenhadeteremcontaaprotecçãodosgrupossociaismais
vulneráveis. Tendo em conta a complexidade da relação entre comércio mundial e
segurançaalimentar,aevoluçãodestadependerádascaracterísticassociais,políticas,
económicaseambientaisdolocalemcausa,tornando‐senecessárioconsiderarassuas
especificidadesnodesenvolvimentodequalquerprocessodereforma.Umdosefeitos
mais importantes será sem dúvida ao nível dos preços dos alimentos praticados ao
nívellocal.Noentanto,outrosfactorescontribuemparaaformacomoaliberalização
docomérciodeprodutosagrícolasafectaasegurançaalimentardeumadeterminada
população,comoocomportamentodosmercados,asinfra‐estruturasdisponíveiseos
desenvolvimentospolíticosimplicados.
3.3EfeitosdasDinâmicasGlobaisnosSistemasAgrícolaseSegurança
AlimentarnoContinenteAfricano
Osectoragrícolaocupacercade60%dapopulaçãoactivaemÁfricaeéoquemais
contribuiparaoprodutointernobruto(PIB)nocontinente.SegundooNEPAD17,os
problemasqueosectorenfrentasãovários,entreelesafraquezadosmercados
internos,devidoaosbaixosrendimentosdaspopulações,asmudançasclimáticas,o
baixoinvestimentopúblico,ainstabilidadedospreçosinternacionaisdemercado,a
17 O NEPAD, ou New Partnership for Africa’s Development, é um programa da União Africana (UA) que visa o combate à pobreza e fomento do crescimento económico e desenvolvimento.
36
baixaprodutividadeeacompetiçãodesfavorávelnosmercadosglobais(NEPAD
2002:112).
Emboratenhahavidoumligeirocrescimentonaproduçãoagrícolaafricanadesde
1960,estafoiabsorvidapelocrescimentopopulacionaldesdeentão(Figura6),
agravandoaproporçãoentreproduçãoagrícolaetamanhodapopulação(FAO
2006:16).
Figura6.Evoluçãodotamanhodapopulação,produçãocerealíferaebalanço
comercialalimentarnaÁfricaSubsariana,de1996a2006(Herrmann2009:14)
Oinsucessodosinvestimentosfeitosnosectoragrícolaeumdéficepúblicocrescente
conduziramaumavagadepolíticasdeajustamentoestruturalnoiníciodosanos80,
emváriospaísesafricanos(IFPRI2008:1).OsProgramasdeAjustamentoEstrutural
(PAE),concebidosparaestimularodesenvolvimentoeconómico,foramimpostospelo
FMIeBMcomocondiçãoparaaatribuiçãodeempréstimos,apostandonaprogressiva
liberalizaçãodossectoreseconómicosafricanos(FAO2006:16).Aimplementaçãodos
PAE,levou,emmuitoscasos,aumareduçãodaintervençãoestatal,assimcomoà
retiradadesubsídiosnosectoragrícola,aeliminaçãodetarifasdeimportação,o
incentivoàproduçãodemonoculturasdeexportaçãoeliberalizaçãoedesregulaçãode
investimentosestrangeiros(IFAD2006:16).Emboramuitosdosserviçoseapoios
prestadospelosestadosafricanosaosrespectivossectoresagrícolasfossem
37
ineficientesousofressemdecorrupção,asuamelhoriafoinegligenciadaem
detrimentodesoluçõesbaseadasnalógicademercado,promovidaspelosPAE.Esta
negligênciadosestadosafricanosrelativamenteàagriculturaeodecrescimentoda
ajudainternacionaldirectaaosectorde18%em1980para4%em2007torna‐se
evidentenaperdadecompetitividadeevolumedeproduçãocerealíferadocontinente
anívelmundial,emcontrastecomregiõescomoaÁsia,porexemplo,queverificaram
umaumentosignificativodaqueletipodeproduçãoagrícola(Figura7).
Poroutrolado,eemconjuntocomosfactoresatrásmencionados,aexposiçãodos
mercadosafricanosaprodutosmaiscompetitivoseisentosdetarifasdeimportação
ajudouaprovocarumaacentuadadeterioraçãodassuasbalançascomerciais(figura
6).Comoresultado,ocontinentepassoudeexportadoraimportadordebens
alimentaresnadécadade1980,enquantonaregiãosubsarianadeÁfricaapenas
actualmenteestãoasimportaçõesaexcederasexportaçõesdealimentos(Herrmann
2009:13).
Figura7.ProduçãocerealíferanaChina,ÁsiadosuleÁfricaSubsariana,de1961a
2001.AdaptadodeIFPRI(2008:21).
Avulnerabilidadeacrescidadossectoresagrícolasdosestadosafricanosdevidoà
liberalizaçãodocomérciodeprodutosagro‐alimentaresteveconsequênciasnegativas
paraosrespectivosmercadosagrícolas(Herrmann2009:13).NocasodoGana,por
exemplo,ondeoIFADidentificouacompetiçãoexternaeremoçãodesubsídioscomo
38
asprincipaiscausasdoaumentodapobrezaeinsegurançaalimentar,váriasfábricasde
processamentodeconcentradodetomatetiveramdefecharduranteadécadade
1980,devidoàimpossibilidadedecompetircomosmesmosprodutossubsidiados
provenientesdaUniãoEuropeia(IFAD2006:65).NoQuénia,aliberalizaçãoeconómica
motivouoaumentodaimportaçãodearrozasiáticoeeuropeu18,fazendocomquede
2000a2002,osprodutoresquenianosdearrozperdessemmetadedototaldosseus
rendimentos(IFAD2006:73).
Asvariaçõessúbitasdepreçosdebensalimentaresnosmercadosinternacionais,como
adacrisede2007‐2008,podemtambémtergravesconsequênciasdirectasparaa
segurançaalimentardaspopulaçõesafricanas(Figura8).Omodocomoasubidade
preçosinternacionaisdosalimentosafectaumapopulaçãodependedosseusníveisde
rendimentos,fazendocomqueaumentosdepreçosdebensalimentaresao
consumidorprejudiquemessencialmenteaspopulaçõesdepaísesmaispobres
(Herrmann2009:7).Duranteacrisealimentarde2007‐2008,asubidaemmédiade
52%dospreçosdebensalimentaresdificultouoacessoaalimentosemváriospaíses
africanos,originandorevoltassociaisemprotestocontraospreçosaltoempaíses
comoaCostadoMarfim,oBurkinaFaso,oSenegaleaMauritânia(IFPRI2008:1),
apresentandoosdoisúltimosumaelevadadependênciadaimportaçãodetrigoearroz
paragarantirasegurançaalimentardassuaspopulações(Bush2010:122).Entreas
principaiscausasdacrisealimentarde2007‐2008encontram‐sefenómenosglobais
comoaespeculaçãodospreçosdosprodutosagrícolas,factoresclimáticos19,produção
desviadaparaagro‐combustíveis,baixasreservascerealíferaseelevadospreçosde
petróleo,mastambémfenómenoslocaiscomoanegligênciadeinvestimentona
agriculturaobservadanasúltimasdécadas(Ghosh2010:72;Bush2010:120).A
instabilidadeprovocadalevouaquealgunsestadosAfricanosadoptassemnovas
políticasdeapoioaospequenosprodutores,comoprogramasdesubsídiospara
18 Na sua maioria arroz importado da Ásia para ser processado na Europa e reexportado para outras partes do mundo. 19 Alguns efeitos das alterações climáticas que podem pôr em causa ou alterar os regimes de produção agrícola são mudanças ao nível das condições de humidade e temperatura adequadas ao crescimento das culturas; a ocupação de terras férteis devido à subida do nível do mar e aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos. Podem existir, no entanto, efeitos positivos resultantes do aumento de CO2 atmosférico, que aumenta a eficiência no uso de água pelas plantas e a taxa de fotossíntese de muitas espécies, embora estes possam contrabalançados pelos efeitos negativos causados pela libertação de outros gases de efeito estufa, como o dióxido de enxofre e o ozono (USDA 2001:1)
39
sementesefertilizantes.OMalawi,porexemplo,subsidiaagoraosfertilizantesaos
seusagricultoresem70%,aopassoquenoQuéniaovaloréde30%(IFPRI2008:27).
Acrisefinanceiraglobalde2008‐2009constituiuoutraameaçaàsegurançaalimentar
einvestimentonaagriculturadospaísespobresemgeral(Figura9),diminuindoofluxo
deinvestimentoestrangeiro,remessasdeemigrantesecrescimentoeconómico(IFPRI
2009:2).
Figura8.Evoluçãodospreçosinternacionaisdemilho,trigoearroz,de2003a2009
(IFPRI2009:2)
Figura9.Evoluçãodeinvestimentoestrangeiro,remessasdeemigrantesecrescimento
económiconospaísesemdesenvolvimentode1990a2009(IFPRI2009:2)
Enquantoosconsumidoresafricanosvêemasuasegurançaalimentarameaçadapor
surtosdepreçosaltosaoconsumidor,osprodutoresporoutroladotêmsido
prejudicadospelatendênciadecrescentedovalordeváriosprodutosagrícolasdesdea
décadade1970(Morisset1997:3).Comefeito,oaumentodadisponibilidadede
40
produtoscomocacau,caju,caféeaçúcar,potenciadapeladinâmicadecultivopara
exportaçãoemváriospaísesemdesenvolvimento,fezcairospreçosdessesprodutos
nosmercadosmundiais(ActionAid2005:14;Oxfam2006:20).NoGana,aplantaçãode
monoculturadecacauparaexportaçãoprovocouumainundaçãodomercado
internacionaldoprodutolevandoospreçosabaixar48%entre1986e1989(Abugre
1993:87).NoUganda,aáreacultivadadecafécresceude250.000para300.000de
1993a1999.Noentanto,quandoospreçosdoprodutocaíramnosanos90,ovalor
dasexportaçõescaiude432milhõesdedólaresem1994para165milhõesnofinalda
década.
AspopulaçõesdosEstadosespecializadosnaexportaçãodedeterminadosprodutos
embrutotornam‐separticularmentevulneráveisàevoluçãoerráticadospreçosdesses
produtosnosmercadosinternacionais,originandosituaçõescomoadaEtiópiaem
2002‐2003,quandoumcolapsodospreçosdocaféprovocouumagravecrise
alimentar(Oxfam2006:20).NaÁfricaOcidental,porseuturno,emboramuitos
agricultorestenhamapostadonamonoculturadealgodãocomofontederendimento,
ospreçosbaratosdoalgodãonorte‐americano,subsidiadopelorespectivogoverno,
resultamem200milhõesdedólaresdelucrosperdidosanualmentenaregiãodevidoà
dificuldadedecompetiçãonosmercadosinternacionais(Oxfam2006:20).Alguns
paísesmenosdesenvolvidostêmtambémdificuldadeemapostarnoprocessamento
dosprodutosqueexportamembruto,porseremactividadeseconómicasque
implicamgrandesinvestimentos,ficandoassimexcluídosdeummercadosujeitoa
menoresflutuaçõesdospreços.Estaéumaáreadominadapelosestadosmais
desenvolvidosoupaísesemdesenvolvimentoqueinvestiramnestetipodeactividade,
quepodemassimbeneficiardospreçosmaisestáveisdosprodutosprocessadosgraças
àsbarreirascomerciaisquesãomuitasvezesinstituídasparaaqueletipodecomércio
(Oxfam2006:20).
Outrasmedidasimplementadasequeacabamporfavorecerosprodutoresdepaíses
maisdesenvolvidossãomuitasvezesdisfarçadasdenormasdesaúdeesegurança,
comgrandesimpactoseconómicosnospaísesexportadoresdedeterminadosprodutos
(Joslingetal.2004:41).SegundoumestudodoBancoMundial,porexemplo,um
41
projectodeumanovanormaeuropeiarelativaàqualidadedecereaisefrutossecos20,
teriaumgrandeimpactonasexportaçõesafricanasdaquelesprodutosparaaEuropa
custando670milhõesdedólaresaosexportadoresafricanos,semquehouvesse
melhoriassignificativasnaqualidadedosprodutosparaoconsumidoreuropeu(Otsuki
etal.2001:280).
3.4Síntese
Arelaçãoentresegurançaalimentarecomérciomundialtemmerecidoumacrescente
atençãonareflexãoeplaneamentoglobais,particularmentenocontextodospaíses
menosdesenvolvidos,ondeasuainteracçãonegativasefazsentircommais
severidade(FAO2009:9;Herrmann2009:22).Asegurançaalimentar,definidacomoa
disponibilidadedealimentos,oacessoaosmesmos,easuaestabilidadeaolongodo
tempo(Flores2004:4),podeserconsideradaumafunção,nãoapenasdaprodução
alimentareacessoaomercado,mastambémdoambientecriadopelasinstituições
económicasepolíticasnacionaiseinternacionais,quepodemfacilitaroudificultaro
acessoaosalimentosporpartedapopulação(FAO2009:47).Ocomérciomundialde
produtosagrícolaseosistemamundialagro‐alimentarencontra‐sedominadopor
poderosascorporaçõesagro‐alimentares,quecontrolamgrandepartedoscircuitosde
produçãoecomercializaçãodeprodutosagrícolasnomundo(Thorat2003:4;ActionAid
2005:60),numcenáriodeoligopóliosagro‐alimentaresemqueastrintamaiores
empresassãoresponsáveisporumterçodototaldetransacçõesnosector(Vorley
2003:10).Osdesequilíbriosquecaracterizamopanoramaglobaldoscircuitosde
comercializaçãoforamacentuadospelapressãodeinstituiçõesinternacionaiscomoa
OMC,BancoMundialeFMInosentidodeliberalizarocomércioereduzira
intervençãodoestadonomercado(PauleWahlberg2008:4),usandoferramentas
comoosprogramasdeajustamentoestrutural(PAE)comocondiçãoparaaprestação
decréditoseabrindocaminhoaoinvestimentoprivadodesregrado(Giménezetal.
20 Norma relativa à quantidade de aflatoxina presente nos produtos. O estudo citado avalia o impacto de uma diferença de 10% na quantidade padrão de aflatoxina permitida. A norma não foi aplicada até ao momento.
42
2009:25)eaodesinvestimentopúbliconosectoragrícoladospaísesem
desenvolvimento(Herrmann2009:13).Adicionalmente,atendênciaglobalparao
desinvestimentonosectoragrícoladesdeofinaldadécadade1970teveumefeito
negativonaprodutividadeagrícolamundial,colocandosobpressãoosstocks
internacionaisdealimentos,expostostambémàtransformaçãodospadrõesde
consumodeeconomiasemergentescomoaChinaeaÍndia,aocrescimento
populacional,aosrecentesaumentosdospreçosdopetróleo,àquantidadedeculturas
convertidasparaagro‐combustíveiseàespeculaçãofinanceirasobreosprodutos
agrícolas(PauleWahlberg2008:4;Giménezetal.2009:10).Acomplexainteracção
destesfactorescontribuiuparaaeclosãodacriseinternacionaldepreçosdosprodutos
agrícolasde2006‐2008,queteveconsequênciasnefastasparaaspopulaçõesdos
paísesemdesenvolvimento(Herrmann2009:13),causandodesconfiançaeprotestos
contraaspolíticasdoFMI,BancoMundialeOMC,assimcomodoprópriomodelo
agro‐industrialactual(Giménezetal.2009:85‐86).
Asegurançaalimentarmundial,eemparticulardospaísesmenosdesenvolvidos,não
podeserdissociadadofactodequeamaiorpartedapopulaçãoruraldependedo
sectoragrícolaparasubsistênciaeobtençãoderendimentos(FAO2003:227)edeque
quaisqueralteraçõesnaorganizaçãoeestruturadomercadomundialenasdinâmicas
internacionaisdospreçosdeprodutosagrícolasterãoimpactossignificativosaonível
local.
43
CAPÍTULO4‐OMercadoGlobaldeCaju
NotasIntrodutórias
Para melhor compreensão do texto que se segue, esclarece‐se que o produto
normalmentedenominadoporcaju,é,naverdade,aamêndoadecaju,obtidaapóso
descasquedacastanhadecaju(figura1).
Figura1.Aplantadocajueiro,opseudo‐fruto(avermelho),eofruto(acastanho,colocadana
extremidadedopseudo‐fruto).Entende‐seporcastanhadecajuofrutoqueenvolvea
amêndoadecaju,oprodutofinal21.
A exportação de castanha de caju, o caju “em bruto”, para países onde ocorre o
processamento,implicaaperdadovaloracrescidodoprodutoprocessado,aamêndoa
decaju.Oprocessodetransformaçãoemamêndoadecajuérelativamentecomplexo
eexigeoinvestimentoeminfra‐estruturasdeprocessamento,assimcomoapresença
dequadrosqualificadosparaestaindústria.
Acaracterizaçãodaprodução,comercializaçãoeconsumodacastanhaedaamêndoa
decaju,éapresentadaaolongodaprimeirapartedestecapítulo.
21 Figura retirada de www.wikipedia.pt
44
4.1ASituaçãoActualdoMercadoGlobaldeCaju
O cajueiro é actualmente cultivado em mais de trinta países por todo o mundo,
situados aproximadamente entre os 30 graus norte e sul do equador. A produção
mundial de caju é na sua maioria assegurada por países em desenvolvimento,
enquanto o consumo é mais alto nos países desenvolvidos, como será descrito ao
longodopresentecapítulo.Grandepartedaproduçãomundialdecajuédepequenos
agricultores,esãoquaseinexistentesosgrandesprodutoresdecaju(DIFD2004).
4.1.1ProduçãoGlobaldeCastanhadeCaju
Aproduçãoglobaldecastanhadecajucresceudeumtotalde287535toneladasem
1961,para3763492toneladasem2009(Figura2).
Figura2.Evoluçãodaproduçãomundialdecastanhadecaju(emtoneladas)de1961a2008.
Fonte:FAOStat2010.
Actualmente,oVietnameassume‐secomoomaiorprodutormundialdecastanhade
caju. Depois deste país surgem a Índia e a Nigéria em segundo e terceiro lugar
45
respectivamente,emboracomvaloresdeproduçãosemelhantes.Seguem‐seaCosta
doMarfimeoBrasil,ocupandoporestaordemoquartoequintolugares(Tabela1).
Segundo a FAO (FAUSTAS 2010), aGuiné‐Bissauocupava em2008o décimo lugar a
nívelmundialemtermosdeproduçãodeCastanhadecaju.AComissãoNacionalde
Caju(CNC)daGuiné‐Bissau,noentanto,referequeaexportaçãooficialdecastanhade
caju foide109618toneladas,oque indicaqueaproduçãonacionaldecastanhade
cajunesse anodeverá ter sidobastante superior às 81000 toneladas referidaspela
FAOparaomesmoano.Assumindoaquantidadedecastanhadecajuexportadapela
Guiné‐Bissauem2008comoequivalenteàprodução,opaíssubiriaparaooitavolugar
na lista dos dez maiores produtores a nível mundial, passando à frente de
Moçambique e da Tanzânia, mas atrás da Indonésia e Filipinas. Considerando os
númerosde2009,de135708toneladas(CNC2009),opaísficariaaindaàfrentedas
Filipinas, embora não tenham sido encontrados dados para a produção filipina em
2009.
Tabela 1. Produção de castanha de caju (em toneladas) dos dez principais produtores de
castanhadecajuanívelmundialpara2008.Fonte:FAOStat2010.Nota:SegundoaComissão
NacionaldeCajudaGuiné‐Bissau,aexportaçãodecastanhadecajudaGuiné‐Bissauem2008
atingiuas109618toneladas,umvalorconsideravelmentesuperioraoapresentadopelaFAO.
Vietname Índia NigériaCostadoMarfim
Brasil Indonésia Filipinas Tanzânia MoçambiqueGuiné‐Bissau
1190600 665000
660000
280000 243253
142536 112334 99100 85000 81000
AÁfricaOcidental temvistoasuaproduçãocrescernosúltimosanos,passandodois
países desta região a ocupar o terceiro e quarto lugares entre os cinco maiores
produtores a nível mundial. A África Oriental, por seu turno, tem vindo a perder
importâncianototaldeproduçãomundialdecastanhadecaju.Defacto,Moçambique
eaTanzâniaforamduranteadécadadesessentaosprincipaisprodutoresmundiaisde
castanha de caju. Contudo, a produção destes dois países baixa a partir dos anos
setentaeoitentaea Índiaafirma‐secomooprincipalprodutormundialdecastanha
de caju a partir de 1976. A posição indiana de primeiro produtormundial sómuito
46
recentementeviriaaserpostaemcausapeloVietname,queapartirde2002setorna
omaiorprodutormundialdecastanhadecaju.Duranteosanosoitentaospaísesda
África Ocidental, com destaque para a Costa do Marfim, Nigéria, Benim, e Guiné‐
Bissau, destacam‐se como grandes produtores de castanha de caju e actualmente a
produçãodestaregião,éanívelmundialapenasultrapassadapeloVietname.OBrasil,
omais antigoprodutor de castanhade caju,manteve‐se ao longodos anos umdos
grandes produtores de caju a nível mundial. A Indonésia, que apenas a partir da
décadadenoventacomeçaatomarumlugardedestaquenaproduçãodecastanha,é
actualmenteumimportantepaísprodutor.
4.1.2ProcessamentoeExportaçãodaAmêndoadeCaju
Muitos dos países produtores de castanha de caju, processam pouca ou nenhuma
parte da sua colheita. Os três grandes processadores de castanha de caju, e que
asseguramgrandepartedasexportaçõesmundiaisdeamêndoadecajusãoaÍndia,o
Vietname,eoBrasil.OspaísesprodutoresdaÁfricaOcidental,praticamenteexportam
atotalidadedasuaproduçãodecastanhadecajuparaserprocessadanaÍndia,assim
comoaIndonésiaabasteceasfábricasvietnamitascomcastanhadecaju.
Operíododecolheitadacastanhadecajuégeralmentesemelhanteparaas regiões
queseencontramàmesmalatitude.OspaísesasuldoEquadorcomoMoçambique,a
TanzâniaepartedoBrasil,iniciamacolheitanosmesesdeSetembroeOutubro,eesta
durageralmenteatéaoiníciodoanoseguinte.OspaísesanortedoEquador,comoa
Índia,oVietname,ouospaísesprodutoresdaÁfricaOcidental, iniciamacolheitano
iníciode cadaano, que seprolongará geralmente até aosmesesdeMaio/Junho.As
diferentes épocas de colheita da castanha de caju têm um papel importante no
abastecimentodaindústriadeprocessamentodecaju,quenecessitadematéria‐prima
deformaregularaoalongodetodooano.
47
Tabela 2.Meses em que se processa a colheita de castanha de caju nos principais países
produtores.Fonte:RedRiverFoods,Inc.2008.
J F M A M J J A S O N D
Índia X X X X X
Vietname X X X X
Benim X X X
Guiné‐Bissau X X X
Costa doMarfim
X X X
Nigéria X X X X
Togo X X
Brasil X X X X X X X X
Moçambique X X X X X
Tanzânia X X X X X
Quénia X X X X
Geralmente,umatoneladadecastanhadecajurenderáapósodescasqueentre200a
240 kg de amêndoa de caju, dependendo do local de origem da castanha de caju
(tabela 3). O processamento da castanha de caju é ainda um processo em grande
medidamanual.O sectordedescasquedecastanhadecajubrasileiro,porexemplo,
que é em grande parte mecanizado, apresenta altas percentagens de amêndoa
quebrada durante o processo de descasque, o que diminui consideravelmente os
rendimentosobtidospelosprocessadoresbrasileiros(RedRiverFoods2008:4).
Tabela3.Quantidadedeamêndoadecaju (kg.)produzidapor toneladadecastanhadecaju
descascada,paraostrêsmaiorespaísesprocessadores,porpaísdeorigemdacastanhadecaju
importada.Fonte:adaptadodeRedRiverFoods,Inc2008:4.
Paísexportador Paísdeorigem Amêndoadecaju(kg)produzidaportoneladadecastanha
África
Benim, Guiné‐Bissau,Togo
240
Costa doMarfim,Senegal
220
Indonésia 240
Ásia
Tailândia,Vietname
220
Nigéria 200
Quénia, 200
48
Moçambique
Índia 230
Brasil Brasil 210
Figura3.Evoluçãodasexportações(emtoneladas)deamêndoadecajudostrêsprincipais
processadoreseexportadoresdeamêndoadecaju–Vietname,Índia,eBrasil–de2003a
2007.Fonte:FAOStat2010.
Aexportaçãototaldeamêndoadecajudostrêsmaioresabastecedores–Índia,Brasil,
e Vietname ‐ atingiu em 2007 o valormais alto até à data, com 315mil toneladas
exportadas.Emconjunto,estestrêspaísesexportaram121miltoneladasparaosEUA
e76miltoneladasparaaUniãoEuropeia(Figura3eRedRiversFood,Inc.2008:6).A
Índia, que desde o final da Segunda GuerraMundial se destacava como o principal
processador e exportador de amêndoa de caju, tem vindo, desde 2006, a ser
ultrapassadapeloVietname(Figura3).
4.1.3PrincipaisConsumidoreseEvoluçãodosMercadosdeDestinodaAmêndoadeCaju
OsprincipaisconsumidoresdeamêndoadecajuhojesãoosEUA,aUniãoEuropeiaea
Índia,quenoconjuntorepresentamentre80%e90%doconsumoglobaldeamêndoa
49
de caju (tabela 4). No entanto, a partir dos anos noventa, tem‐se existido a uma
crescentediversificaçãonosmercadosdedestinodaamêndoadecaju,comosurgirde
novos consumidores comoaChina, aAustrália, aNova Zelândia, aArábia Saudita, a
Rússia, Europa de Leste e Israel, que juntos representam entre 15% e 20 % do
consumomundial(HorusEnterprises2005:20).
Nos últimos anos o Vietname tem‐se imposto como um importante abastecedor
mundial do mercado global de amêndoa de caju. Enquanto entre 2006 e 2007 as
exportaçõesindianasdesteprodutoparaaUniãoEuropeiacaíramem6miltoneladas,
asexportaçõesvietnamitasparaomesmoperíodoaumentaramem11miltoneladas
(RedRiverFoods,Inc.2008:6).
Masas transformaçõesnasdinâmicasdomercadomundialdecajunãose ficampor
aqui,ea Índiaécadavezmaisremetidaparaumpapelmenospreponderantecomo
exportador de caju, à medida que países emergentes como o Vietname e o Brasil
investemnaproduçãoeprocessamentodecaju.Em1998aÍndiaeraresponsávelpor
50 a 60 % da importação de amêndoa de castanha de caju dos EUA. Em 2007, no
entanto, essa percentagem baixaria para 33%. As importações norte‐americanas ao
Vietnamecresceramdecercade100toneladasem1994(1%dototaldeimportações
norteamericanas)para45miltoneladasem2007(36%dototaldeimportações)(Red
RiverFoodsInc2008:6).De2006para2007asimportaçõesdosEUAaoVietnameeao
Brasil aumentaram respectivamente, 19% e 17% em relação a 2006, enquanto as
importações de origem indiana sofreram um decréscimo pelo segundo ano
consecutivo. Em 2007, pela primeira vez, os EUA importaram mais amêndoa de
castanhadecajuaoVietname(45miltoneladas)doqueàÍndia(42miltoneladas)(Red
RiverFoodsInc2008:5).
O mercado europeu consome maioritariamente amêndoa de caju branca (Horus
Enterprises2005),inteira,edeproveniênciaindiana.Apreferênciadomercadonorte‐
americano,porseuturno,édeummaiorvolumedeamêndoadepequenasdimensões
(LynneJaeger2004:28).
50
Tabela 4. Quantidades de amêndoa de caju (em toneladas) importadas em 2007 pelos
principais importadoresmundiais.Fonte:FAOStat2010.Nota:AÍndia,oVietname,eoBrasil
nãoestãopresentesnestafigura,apesardeseremgrandesconsumidores.Oconsumointerno
deamêndoadecajudestespaíseséasseguradoporproduçãoprópria.Nãoexistemcontudo
estatísticasdeconsumoparaestespaíses.
PaísesEUA UE Austrália
E.A.Unidos
Canadá Rússia China Japão
Quantidadeimportadaem2007(tn)
125420 99914 14674 13575 10153 6432 5971 5741
4.1.4ACrescenteImportânciadasMultinacionaisnoComércioGlobaldeCajueaDinâmicadosPreçosdaCastanhaeAmêndoadeCajunosMercadosGlobais
Omercadointernacionaldecastanhaeamêndoadecajuénasuamaioriageridopor
casas comerciais baseadas em Singapura, Índia ou Europa, das quais as mais
importantessãoaOlam,NomanbhoyeSayeedMohammad(LynneJaeger2004:24).
De todas estas, uma só companhia, a Olam International Ltd., controla 25% do
comércioeprocessamentodecastanhadecaju.Tem‐seassistido,nosúltimosanos,à
entrada de algumas destas companhias no sector do processamento. A Olam, por
exemplo,temjá7fábricasdeprocessamentoemfuncionamento,nomeadamenteem
Moçambique,Tanzânia,Nigéria,eCostadoMarfim(YouthReinsertionOpportunities
Study2006:24).
Opoderacrescidoquetemganhonosúltimosanostempermitidoque,porexemplo,a
Olam tenhavindoaexigir àCostadoMarfima isençãodos impostosdeexportação
nosúltimosanos(YouthReinsertionOpportunitiesStudy2006:43).
Asmultinacionaisqueoperamnomercadodocajubeneficiamaindadaespeculação
dospreçosinternacionaisdacastanhadecaju, jáquenãoexistempreçosfixosoude
referência no mercado internacional para a mesma (Holt 2002: 4). Estes são
normalmentedefinidosemNovaIorque,Roterdão,LondresouSingapura,eomercado
global de caju é considerado, na generalidade, especulativo. Devido à escassez de
informação sobre omercado global de caju, os dados das importações indianas de
castanhade caju são vulgarmenteutilizadosparaentender as variaçõesdepreços a
cadaanodocajudediversasorigens(LynnandJaeger2004:24).
Opreçodacastanhadecajuvariaconsideravelmenteemcurtosperíodosde tempo,
inconstância que parece ser influenciada por vários factores, entre eles a
51
disponibilidade de castanha de caju no mercado, a manipulação e especulação por
parte de agentes comerciais, produção dos possíveis substitutos do caju (amêndoa,
nozes,etc.),easvariaçõesnastaxasdecâmbio(HorusEnterprises2005:3).
A estabilidade do preço da amêndoa contrasta com a instabilidade do preço da
castanha (Cramer 1999: 1256). O preço da amêndoa de caju apresenta um padrão
geraldesazonalidaderelativamenteregular:háumaquedanovalordocajunaÍndia
noprimeirotrimestredoanoeumarecuperaçãonosegundotrimestre.Ospreçosde
exportação da amêndoa de caju sobem bastante no mês de Agosto devido à
necessidadedosretalhistasteremoprodutivodisponívelparaoNataleAnoNovoeà
procura interna para as festividades indianas deDussera eDiwali. Durante o último
trimestredoanoospreçosmantêm‐se relativamenteestáveis (CommodityIndia.com
2003).
Quanto à castanha de caju, e tendo como referência a variação do preço FOB22 da
castanhadecajuindiana(dotipoW32023),eapesardainconstânciadopreço,pode‐se
afirmar que até 1999, quando a força competitiva do Vietname ainda não estava
estabelecida,eaÍndiacontrolavaomercadomundialdecaju,ospreçosmantiveram‐
se relativamente estáveis (variando entre 2,20 e 2,50 dólares americanos por libra
entre1993e1998)atingindoumpicoem1999,anoemqueacastanhadecajuatingiu
nos mercados internacionais os valores mais altos de sempre (696,7 dólares
americanospor tonelada,ou3,16dólaresamericanospor libra) (TheHinduBusiness
Line2008).
Entre 2000 e 2003 os preços da castanha de caju sofrem grandes reduções (366
dólares americanos por tonelada, 1,66 dólares americanos por libra em Março de
2003)(TheHinduBusinessLine2008)devidoaosaumentosdeproduçãodoVietname
edoBrasil,eocajuvietnamitachegoumesmoa inundarosmercadosocidentaisde
caju,tradicionalmentealimentadospelocajuindiano(CommodityIndia.com2003).
Em 2004, contudo, informações pessimistas relativamente a possíveis baixas de
produção do caju na Índia e Brasil, levou a que os preços aumentassem (Horus
Enterprises2005:18),umatendênciaquesemanteriaaté2005(entreJaneiroeJunho
de 2005 o preço da castanha de caju na Índia variou entre 2.37 e 2.58 dólares22Ospreçossãoreferidosnabibliografiadeduasformas:i)opreçoCIF(“costinsurance
freight”,ouseja,“custo,seguro,frete”)emqueéofornecedorqueseresponsabilizapelo
frete,cabendoaesteaemissãodeumaguiaquepermiteaocompradorresgataroproduto;e
opreçoFOB(“freeonboard”),emqueofreteficaacargodocompradorconsoanteotipode
serviçoqueescolheu,
23Tipodecastanhadecajuemqueumalibracorrespondea320amêndoasdecajuinteiras
depoisdodescasque.
52
americanos por libra (CashewWeek 2005: 4) devido à diminuição da produção da
ÁfricadeLesteedoBrasil(naordemdos50%)(CommodityIndia.com2003).
Em 2006, a diminuição da procura de amêndoa de caju a nívelmundial, teve como
consequência uma redução do comércio de castanha de caju na África Ocidental, e
baixassignificativasdopreçodacastanhadecajuem2006e2007(TheHinduBusiness
Line2006).
Em2008,estragosnasplantaçõesdecajueirosdoBrasil,VietnameeIndonésiadevido
a fortes chuvas, e consequente diminuição da produção, levou a que o preço da
castanha de caju subisse novamente (670 dólares americanos por tonelada, 3,04
dólaresamericanosporlibraemAbrilde2008)(TheHinduBusinessLine2008).
A partir de 2008, e até ao presente o preço da castanha de caju tem mostrado
tendência negativa (2,90 dólares americanos por libra em 2009, e 634,3 dólares
americanos a tonelada, ou 2,90 dólares americanos por libra em 2010 (The Hindu
BusinessLine2010a).
AÍndiatemvindonosúltimosanosaanunciaraintençãodeaumentaraproduçãode
castanhadecaju,edesetornarauto‐suficientenestamatéria‐prima.Nocasodetalvir
a acontecer, e por a Índia ser o principal importador de castanha de caju a nível
mundial, os preços de compra ao produtor da castanha de caju nos países
abastecedoresdaÍndia(emgrandeparteospaísesprodutoresdaÁfricaSubsaariana)
poderão vir a sofrer fortes decréscimos (Cramer 1999: 1255). A verificar‐se, esta
situação afectará de forma grave países fortemente dependentes do caju como a
Guiné‐Bissau.
4.1.5ProduçãoeExportaçãodeCastanhadeCajunaGuiné‐Bissau
Emmenosde trintaanosaGuiné‐Bissau,umprodutor insignificantede castanhade
cajuanívelmundial,passouaocuparo10ºlugarmundialdosprodutoresdecastanha
decaju,eo3ºlugarentreospaísesprodutoresdeÁfrica(tabelas5e6).
Tabela5.ProduçãodecastanhadecajudaGuiné‐Bissauedomundo(emtoneladas,em1961,
1971,1981,2001,e2009.Fonte:Faustas2010.
1961 1971 1981 1991 2001 2009
Guiné‐Bissau 2000 2500 5000 20824 85000 135707
Mundo 287535 558846 494167 909065 1933333 3763492
53
A exportação guineense de castanha de caju (o país apenas processa quantidades
insignificantesdeamêndoadecaju)dirige‐sequasenatotalidadeàÍndia.Em2002,por
exemplo, a castanha de caju importada da Guiné‐Bissau constituiu 19% das
importações indianas de castanha de caju (Eapen and Jeyaranjan 2003: 16), e é de
esperarqueestapercentagemsejaactualmentesuperior,dadoograndeaumentode
produçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissaunosúltimosoitoanos,eofactodeas
exportaçõesdopaíscontinuaremaserquaseexclusivamenteparaaÍndia.
A castanhade caju guineense é consideradapelomercado comoumadasmelhores
castanhasdecajuanívelmundial (devidoaoaltoráciodeamêndoasdecajuobtidas
após o descasque da castanha), e tem apresentado, entre os países produtores
abastecedoresdomercadoindiano,ospreçosmaiselevados(LynneJaeger2004).Em
Julho de 2010 a castanha de caju proveniente da Guiné‐Bissau valia na Índia 1125
dólares americanos por tonelada, enquanto a castanha com origem na Costa do
Marfimeracompradaa900dólaresamericanosportonelada(TheHinduBusinessLine
2010c).
Ofactodeacastanhadecajuguineenseestarprontaparaexportaçãonumperíodoem
que a indústria indiana necessita de grandes quantidades de castanha de caju, tem
tambémsidoumfactorimportante.
A produção, comercialização e implicações do caju para a segurança alimentar na
Guiné‐Bissauserãomaisdesenvolvidasnocapítulo6(6.1).
4.2EvoluçãodoMercadodeCastanhaeAmêndoadeCaju–UmaPerspectivaHistórica
O cajueiro é uma árvore de origembrasileira, que terá tido alguma importância em
termos alimentares e medicinais para as comunidades indígenas do nordeste
brasileiro. Depois da colonização do Brasil, a árvore começou a ser cultivada pelos
colonoseuropeus,eacastanhadecajuaserutilizadacomomantimentonasviagens
marítimasdelongadistância.DestaformaocajueirofoidisseminadopelaÁfricaepela
Ásia(Meaney‐Leckie1989:37).NoséculoXVIocajueiro jácrescianacostadaÍndiae
deMoçambique,eem1668eraplantadoemS.Tomé(Alpern2008:64).Rapidamente
foiintroduzidonoscultivosdesubsistênciadeagricultoresindianoseafricanos,porser
umaplantadegranderusticidade.
54
DuranteoséculoXIXeemplenaRevoluçãoIndustrialeuropeia,ocajunãoviriaatera
grande difusão de outras oleaginosas tropicais (como o amendoim) devido às
dificuldadesdoseuprocessamento.Seriaapenasem1905quepequenasquantidades
de castanha de caju começaram a ser importadas da Índia pelos EstadosUnidos da
América(EUA),masapenasmaistarde,nadécadade1920‐30,seiniciaumverdadeiro
comércioglobaldecastanhadecaju,comimportaçõesdeorigemindiana,feitaspelos
EUAnaordemdas45toneladas(Ohler1979:16).
Com o surgir da Segunda GuerraMundial, o governo do Brasil autorizou os EUA a
realizarprospecçõesemterritóriobrasileiro, comoobjectivodeencontrarmatérias‐
primas úteis em tempo de guerra. Foi desta forma que foram descobertas novas
utilizações para o líquido da casca da castanha de caju (LCCC). O LCCC é uma das
poucas fontes naturais de fenol, um álcool extremamente corrosivo quando em
contacto com a pele, que os indígenas brasileiros usavam como anti‐séptico e no
tratamentodedoençasdepele.
Descobriu‐sequeoLCCCpodiaserusadocomoagentedesíntesedeoutroscompostos
químicos,particularmentesubstitutosdeváriosderivadosdepetróleo.Apartirdesta
data o LCCC seria usado como um substituto do petróleo no fabrico de munições,
borracha, e outros materiais especialmente úteis durante a guerra (Meaney‐Leckie
1991:38).
Em 1943, uma companhia de capitais norte‐americanos e brasileiros, começou a
fabricar o LCCC em Fortaleza, no Nordeste Brasileiro. Simultaneamente ao
processamentodoLCCCaproveitava‐seaamêndoadecaju,queeravendidatostadae
salgada no mercado internacional em pequenas quantidades, como produto
secundáriodaempresa(Cabraleoutros2003:9).
Devidoaregulaçõescomerciaisnorte‐americanas,eàmaiorproximidadedoBrasilaos
EUA,oBrasilseriaoúnicofornecedordeLCCCaosEUAduranteaguerra.Asindústrias
indianas e moçambicanas, dois países então já produtores de caju, eram bastante
rudimentaresenãoestavamaptasaofabricodeLCCC(Meaney‐Leckie1991:319).
55
O preço do LCCC baixaria com o acabar da guerra, mas com a recuperação da
economiamundialnopós‐guerra,aamêndoadecajucomoaperitivotorna‐secadavez
mais procurada nosmercados norte‐americano e europeu. A partir de 1945 a Índia
destaca‐se como o principal exportador de amêndoa de caju, e desde essa data
começaaimportarquantidadescrescentesdecastanhadecajudaÁfricadeLestepara
processamento,poisaproduçãoindianadecajunãoerasuficiente24paraabastecero
crescentenúmerodeunidadesdedescasquedecastanhaquetinhamsurgidonopaís.
AexpansãodomercadomundialdeamêndoadecastanhadecajulevaaÍndiaatomar
medidas para aumentar a produção nacional de caju, de forma a diminuir a
dependênciadasimportações.Em1965élançadopelogovernoindianoumplanode
fomentodocajueiro,eem1966écriadaumasecçãoespecialdedicadaaocajudentro
doMinistériodaAgricultura.ComoresultadoaÍndiaaumentaasuaáreadeprodução
de230000hectaresem1965,para302732hectaresem197125 (FAOStat2010),no
entanto o país continuaria fortemente dependente de importações de castanha de
caju(EapenandJeyaranjan2003:12)(Figura4).
24Em1961aÍndiaimporta129332toneladasdecastanhadecaju.Moçambique,Tanzânia,QuéniaeNigériaexportamnomesmo
ano,respectivamente,89583,41000,6000,1000toneladas,queemgrandeparteterãosidoencaminhadasparaomercado
indiano(FAOstat2010).
25Aáreadeplantaçõesdecajuem1965éumaestimativadaFAO,ovalorde1971ébaseadoemdadosoficiais.
56
Figura4.Importaçõesindianasdecastanhadecajuemtoneladas(1961‐2007).Fonte:FAOStat
2010.
Devidoaofomentodocajueiropelaadministraçãocolonialportuguesa,Moçambique
torna‐se nos anos 60 o líder mundial na produção de caju. De 1961 a 1975
Moçambiqueconsegueininterruptamenteosvaloresmaisaltosdeproduçãomundial
decaju.AÍndiadestacava‐secomosegundomaiorprodutor,masaTanzâniaproduzia
tambémgrandesquantidadesdecastanha26(Figura5).
Figura 5. Evolução da produção (em toneladas) dos principais produtores mundiais de
castanhadecajuentre1961e1985.Fonte:Faustas2010.
Nos anos 50,Moçambique inicia um plano de industrialização da transformação de
caju, substituindo o processamentomanual pelomecanizado. A primeira fábrica foi
inauguradaem1950,eduasdécadasdepoisexistiam14fábricasadescascarcastanha
de caju, com uma capacidade de processamento de 150 mil toneladas. O
processamento de caju atingiu a maior produtividade em 1973 quando 149 800
toneladasdecastanhadecajuforamprocessadasparaexportação(McMillaneoutros
26Produçãomédiadecastanhadecajuaoanode1961‐1975:Moçambique162900toneladas;Índia113799toneladas;Tanzânia
94282toneladas.
57
2004:5). A produção total do país excedia no entanto a capacidade da indústria
transformadora27,eaÍndia,duranteosanos60e70,tornar‐se‐iaograndeimportador
decajudaÁfricadeLeste,commaisde75%dassuas importaçõesprovenientesde
MoçambiqueedaTanzânia(EapenandJeyaranjan2003).
Até1969aÍndiadominaomercadodeexportaçãodeamêndoadecajucommaisde
80% domercadomundial contudo, a partir de 1969,Moçambique sobe a quota na
produçãomundial, conseguindo valores em torno de 25% de 1970 a 1983 (FAOStat
2010)(Figura5).
Entre 1972 e 1983 as importações indianas de castanha de caju diminuem, pois os
países produtores da África de Leste são assolados por condições climáticas
desfavoráveis,doençasepragasnoscajueiros (principalmentemíldio)e instabilidade
política.Consequentementeaproduçãodecajudiminuinestespaíses28.Moçambique,
a seguir à independência em 1975, proíbe as exportações de castanha de caju de
formaaincentivaraindústrianacionaldeproduçãodeamêndoadecastanhadecaju,
aumentando a indisponibilidade de caju para importação pela Índia (Eapen and
Jeyaranjan2003:16).
O Brasil, que em 1966 apenas contribuía com 2,5% das exportações mundiais de
amêndoa de caju (Cabral e outros 2003: 9), aumenta o seu papel nas exportações
mundiais, e em 1980 as exportações de amêndoa de caju brasileira atingem os 69
milhõesdedólaresamericanos,ouseja,22,4%nasexportaçõesmundiaisdeamêndoa
decaju(Cabraleoutros2003:9)(Figura6).Devidoaumvariadonúmerodefactores29,
1980 seria também o ano do declínio deMoçambique a produção de amêndoa de
27Porexemploem1973,anoemqueMoçambiqueatingiuovalormáximodetoneladasdecastanhadecajuprocessadas(149
800),aproduçãodopaísfoide240miltoneladas(FAOStat2010).
28EmMoçambique,aproduçãodecastanhadecajuem1971era202miltoneladas,quereduzempara91500toneladasem
1977.NaTanzâniaaproduçãodiminuide126409toneladasem1971para93285em1977(FaoStat2010).
29Apesardaproibiçãodeexportaçãodecastanhadecajuqueogovernomoçambicanodecretaapartirde1975comoobjectivo
derevitalizaraindústriadedescasquenacional,em1983Moçambiqueéresponsávelporapenas5,8%damercadomundialde
amêndoadecastanhadecaju.Ascausassãovárias:guerracivil,pragasnoscajueiros,fogosflorestaisdescontroladasdevidoà
guerra,aumentodocustodamão‐de‐obranasfábricasdedescasque,saídadequadrosdopaís,eaentradadoVietnameno
mercadointernacional(Cabraleoutros2003:12).
58
castanha de caju. Em consequência a Índia e o Brasil tornam‐se os principais
exportadores (Cabral e outros 2003:9). A partir desta data Moçambique não
recuperariaaimportânciacomoprodutoretransformadordecastanhadecajue,nas
décadasde90e2000,Moçambiqueprocessariaapenas8miltoneladasdecastanhade
caju(McMillanetal.2003:5).
Figura6. Evoluçãodas exportaçõesde amêndoade caju (em toneladas) entre 1961e 1985.
Fonte:Faustas2010.
Com a queda deMoçambique, a Índia torna‐se a partir de 1976, omaior produtor
mundialdecastanhadecaju(161536toneladas)(FAOStat2010).
De1976a2000aÍndiamantém‐senaposiçãodemaiorprodutormundialdecastanha
decaju(aumentandoasuaproduçãoem321%de1976a2000)30,continuariaasero
maiorprocessador e exportadorde amêndoade caju até200531, emanter‐se‐ia até
2007comoomaiorimportadordecastanhadecajuanívelmundial32.Apartirde1990
30Médiadeproduçãode278626toneladas/anode1976a2000.Em1976aÍndiaproduziu161536toneladas,eem2000atingiu
as520000toneladas.
31Em2005atingiuovalormaisaltodesempre,com124966toneladasdeamêndoadecastanhadecajuexportadas.
59
e até 2000, a Nigéria e o Vietname, sobem com grande rapidez a sua produção de
castanha de caju, no entanto a Índia manter‐se‐ia como o maior produtor a nível
mundial(Figura7).
Figura7.Evoluçãodaprodução(emtoneladas)dasprincipaisregiõesprodutorasdecastanha
de cajuanívelmundial ‐ Índia,Vietname,Brasil,ÁfricaOcidental (Nigéria,CostadoMarfim,
Benim), e África de Leste (Moçambique, Tanzânia) ‐ no período 1985‐2000. Fonte: FAOStat
2010.
Comoconsequênciadaquebranaproduçãodacastanhadecajunoiníciodadécadade
80, a procura internacional aumenta e a produção indiana continuaria a não ser
suficienteparao abastecimentoda respectiva indústria deprocessamento. Também
devidoaoaumentodegrandenúmerodeunidadesdeprocessamentoadependência
da indústria indiana em relação à importação de castanha de caju do exterior
aumentaria especialmente a partir demeados dos anos 8033 (Eapen and Jeyaranjan
32Ummáximode591329toneladasdecastanhadecajuimportadasem2007.NãoestãodisponíveisdadosemFaoStatparao
períodode2008‐2009,masaÍndiamantém‐se,segundoaimprensaconsultada,omaiorimportadordecastanhadecaju(The
HinduBusinessLine2010).
33OnúmerodeunidadesdeprocessamentodecastanhadecajusubiurapidamentenasúltimasquatrodécadasdoséculoXX,de
170unidadesem1959para700unidadesem200.Nototalcorrespondemaumacapacidadedeprocessamentode8milhõesde
toneladasporano,edãoempregoamaisde500milpessoas(95%dasquaismulheres).O8ºPlanodeDesenvolvimentoNacional
daÍndiaobjectivavaatingiraproduçãodecastanhadecajunoano2000suficienteparasupriraprocuradaindústrianacionalde
60
2003:15). Desta forma, a Índia foi levada a encontrar substitutos para os seus
tradicionais fornecedores de castanha de caju daÁfrica de Leste. AÁfricaOcidental
surgeentão,apartirdemeadosdosanos80,comooprincipalfornecedordecastanha
decajudaindústriaindiana(maisde50%dasimportações)(tabela7).
PaísescomoaGuiné‐Bissau,CostadoMarfim,Nigéria,BenimeSenegaltornam‐seos
importantesfornecedoresda indústria indianaao longodadécadade90.ATanzânia
mantinha o seu importante papel como abastecedora do mercado indiano de
castanha34, e alguns países do Sudeste Asiático (principalmente o Vietname e a
Indonésia)tambémcontribuíamfortementeparaasimportaçõesindianas.Apartirde
1995,Moçambiquevoltaaassumirumpapelimportantenasimportaçõesdecastanha
daÍndia,principalmentedevidoaocolapsodaindústriatransformadoramoçambicana
provocadapelarenovaçãodaautorizaçãodaexportaçãodecastanhadecajuimposta
peloBancoMundial35.Pelocontrário,eapartirdamesmadata,oVietnamereduza
sua posição nas importações indianas como consequência do aparecimento da
indústriatransformadoradecastanhadecajunestepaís(EapenandJeyaranjan2003:
15).
Tabela6.Paísesdeorigemdasimportaçõesindianasdecastanhadecaju(%)de1970a2007.
Fontes: Eapen e outros 2003: 16, (dados compilados de publicações do Cashew Export
Promotion of India, Cochim) e Red Rivers Food, Inc. 2008:7 (dados compilados da indústria
indianatransformadoradecastanhadecaju).
processamentoauto‐suficiente.Contudotalnãoaconteceueasimportaçõesindianasaumentaramde249319toneladasem2000
para519328toneladasem2007.
34Noiníciodosanos90aliberalizaçãodocomércio,emcombinaçãocompolíticasestataisdefomentodocajueiroresultamem
aumentosdeproduçãonaTanzânia.Em1993écriadooCashewNutBoardofTanzania,comoobjectivodepromoveraqualidade
dacastanhadecaju,edepromoveraexportaçãodeamêndoaecastanhadecaju.MaisinformaçãoemAzam‐Ali,S.H.,andE.
Judge.2001.Small‐scalecashewnutprocessing.ReinoUnido.
35PorrecomendaçãodoBancoMundial,arestriçãoàexportaçãodacastanhadecajufoibanidaem1991/1992.Assim,apolítica
queogovernomoçambicanoimplementaraparaprotegeraindústriadeprocessamentonacional,ésubstituídoporumataxae
quotadeexportação.Aquotadeexportaçãofoiprogressivamentesendoremovidaeataxabaixoude60%em1991/92para14%
em1998/1999.Em1995aCountryAssistanceStrategyapresentadapeloBancoMundialobrigavaMoçambiquealiberalizaro
sectordaexportaçãodecajuearecomendavaaprogressivaprivatizaçãodasunidadesdeprocessamento.Em2001,90%dos
trabalhadoresdaindústriadedescasquedecajumoçambicana(11000pessoas)estavamdesempregados.
61
1971
1976
1981
1986
1992
1996
1997
2000
2001
2002
Guiné‐Bissau 26 16 14 7 12 23 19
Costa doMarfim 2 7 11 9 16 20 34Tanzânia 50 53 5 38 20 34 30 31 20 8Benim 2 4 5 9 11 9Moçambique 36 30 1 9 13 9 8 4Indonésia 6 12 7 3 8 4 9Nigéria 1 5 9 7 5 4 3Senegal 1 1 4 1 4 23 Vietname 2 27 6
Quénia 13 15 92 3 3 Gâmbia 4Gana 5
Seriaagrandeprocuradecastanhadecajupela indústria indianaaresponsávelpelo
crescimentodasproduçõesdecajudospaísesdaÁfricaOcidental.Assim,paísescomo
aGuiné‐BissaueaCostadoMarfim,queem1983produziam2000e2200toneladas
decaju,respectivamente,subiramasuaproduçãopara80mile280miltoneladasem
2007, grande maioria das quais dedicadas ao mercado indiano. A partir de 1993 a
Nigériatorna‐semesmoomaiorprodutorafricanodecastanhadecaju.
As importações indianasdecastanhadecajuatingemovalormaiselevadoem2007,
anoemque600miltoneladasdoprodutoembrutosãoimportadas.De2003a2007
as importações indianas crescem 37 %. Em 2007, aproximadamente 87% são
provenientes da África Ocidental (467mil toneladas), o que por um lado reflecte o
crescimentodaprocuraindianamastambémainexistênciadeprocessamentodecaju
nospaísesdaÁfricaOcidental(figura8).Porseuturno,asexportaçõesindonésiasde
castanhadecajuparaaÍndiacrescerambastantenosúltimosanos,eem2007aÍndia
importava57mil toneladasdestepaís, tornando‐se assimo4ºmaior fornecedorde
castanhadecajuàÍndia(RedRiverFoodsInc2008:7).
62
Figura8.Importaçõesindianasdecastanhadecajuporregiãodeorigem.Fonte:RedRivers
Food,Inc.2008:7(compiladodedadosfornecidospelaindústriatransformadoradecaju).
Em geral, por cada tonelada de castanha de caju são processados entre 200 a 240
quilos de amêndoa de caju, o que depende do país de origem do produto. Para a
produçãoIndiana,porexemplo,cadatoneladadecastanhadecajuproduz230quilos
de amêndoa de caju (Red River Foods Inc 2008:7). A produção da África Ocidental
apresenta aqui vantagens competitivas, já que para países como o Benim, a Guiné‐
Bissau e o Togo, são extraídos 240 quilos de amêndoade caju de cada tonelada de
castanhadecaju(Tabela7).
Aexportaçãoindianadeamêndoadecajutemoseupicoem2004,anoemqueopaís
exporta 121 mil toneladas do produto processado. Contudo, as exportações de
amêndoa de caju para os EUA diminuem desde então, o que afecta o total da
exportaçãodoprodutoparaostrêsanosseguintes,queestabilizouemcercade112
miltoneladas.AsexportaçõesparaaU.E.ultrapassaramas38miltoneladasem2005e
2006,masdiminuírampara32miltoneladasem2007.OMédioOrienteeoNortede
África (incluindo a Turquia) têm vindo a ganhar importância como locais de
escoamento,sendoessemercadoquejustificaoaumentodasexportaçõesdeindianas
de amêndoa de castanha de caju. As exportações para esta região têm vindo a
aumentardesde2000eatingiramas22,3miltoneladasem2007.AosEmiratosÁrabes
Unidoscorrespondem10,9miltoneladasdestasoma,eaArábiaSauditarecebeu3,9
miltoneladasdaamêndoadecastanhadecajuexportadapelaÍndia(RedRiverFoods
Inc2008:7).
63
As exportações para a Ásia aumentaram perto de 60% entre 2006 e 2007,
nomeadamentede6,1para9,6miltoneladas,principalmenteporqueaÍndiaexportou
paraoVietname3miltoneladasdeamêndoadecastanhadecajunesseano(RedRiver
FoodsInc2008:7).
Éem2002queoVietnameseimpõecomoomaiorprodutormundialdecastanhade
caju, produzindo em 2007 mais 587 600 toneladas do que a Índia (FAOStat 2010)
(Figura 10)36. De 2000 a 2007 a indústria de processamento vietnamita cresce
marcadamente, e em 2005 as exportações de amêndoa de caju do Vietname
ultrapassamasexportaçõesdaÍndia,omaiorexportadordeamêndoadecajudesdeo
póssegundaguerramundial.
AáreadecultivodecajunoVietnameatingeem2008os402milhectares (FAOStat
2010),eacapacidadedeprocessamentodaindústriatransformadoradecastanhade
caju vietnamita era, na mesma data, de 600 mil toneladas (Red River Foods Inc
2008:9).
Desde1999ogovernodoVietnametemvindoaimplementarumasériedelinhasde
investigação que têm permitido o surgir de novas variedades de cajueiros mais
produtivas.Emalgunscasosestasvariedadesatingemproduçõesnaordemdas2a3
toneladas por hectare, pelomenos 4 vezes a produçãomédia de um agricultor que
exploreumpomarcomvariedadestradicionais.Simultaneamenteváriosprojectosdo
Instituto de Ciência Agrícola do Sul do Vietname têm vindo a delinear desde 2001
novasestratégiasdemercadoparaexportaçãoeprocessamentodaamêndoadecaju,
comoobjectivodeconseguiratingirpreçosdeproduçãomaisbaixos,quepermitam
uma competiçãomais forte em termos internacionais (VietnamBusinessNews, sem
data). No entanto, apesar do extraordinário aumento de produção, o Vietname
abastecepartedasuaindústriacomcastanhadecajuimportada,easimportaçõestêm
vindoaaumentarnosúltimosanos.Em2007oVietnameimportou180miltoneladas,
36OsdadosfornecidosemFaoStat2010epelaindústriaRedRiversFood,Inc.(2008)nãocoincidemdeformaevidentequantoà
produçãodecastanhadecajuvietnamitaem2007.AFaoStatavançacomumvalorde1207,6miltoneladas,eaindústriacom350
miltoneladas,umadiferençadificilmenteexplicável.Optou‐sepelautilizaçãodosdadosdaFAO.
64
em2008chegouàs200miltoneladasimportadas37.Osprincipaispaísesabastecedores
doVietnamesãooCambodja,asFilipinas,aIndonésia,aNigéria,aCostadoMarfim,a
TanzâniaeMoçambique.Em2007,oVietnameimportou93miltoneladasdecastanha
decajudeorigemafricana,masoincrementonaimportaçãovietnamitadeveu‐se,em
grande parte, ao grande aumento de produção de caju do Cambodja, de onde o
Vietname importou aproximadamente 50 mil toneladas em 2007. A Indonésia
contribuiuparaasimportaçõesvietnamitascom37miltoneladasem2007(RedRiver
FoodsInc2008:9).
Figura 9. Evolução da produção (em toneladas) dos três principais produtores mundiais de
castanhadecajunoperíodode2000a2007.Fonte:FAOStat2010.
37Arápidaexpansãodaindústriadeprocessamentovietnamitaedonúmerodetoneladasdecastanhadecajuimportadas,deve‐
setambém,emparte,aofactodegrandescomerciantesdecajuindianosseteremvindoadeslocalizarparaoVietnamedevido
aosconstrangimentosquetêmsurgidonaindústriadeprocessamentoindiana(faltademão‐de‐obra,principalmente)(RedRivers
Food,Inc.2008:6).
65
Figura10.Evoluçãodasexportações(emtoneladas)deamêndoadecastanhadecajupelos
principaispaísesprocessadoresnoperíodode2000a2007.Fonte:FAOStat2010.
O total de exportações dos três principais países processadores de amêndoa de
castanha de caju – Índia, Vietname, e Brasil – atingiu 316 mil toneladas em 2007
(Figura 8). Os E.U.A. foram responsáveis por 121mil toneladas e a U.E. por 76mil
toneladasimportadas.Entre2006e2007asexportaçõesindianasparaaU.E.caíram6
miltoneladas,masasexportaçõesvietnamitasparaomesmodestinoaumentaram11
miltoneladas(RedRiversFood,Inc.2008:6)(Figura11).
66
Figura11.Evoluçãodasimportaçõesdeamêndoadecastanhadecajuparaosprincipaispaíses
ou regiões importadoras (mais de 10mil toneladas importadas) – EUA, EU, EMA (Emiratos
ÁrabesUnidos),CanadáeAustrália‐entre1990‐2007.Fonte:FAOStat38.
Em1998aÍndiaeraresponsávelpor50a60%daimportaçãodeamêndoadecajudos
EUA. No entanto, em 2007, essa percentagem baixaria para 33%. O Brasil que em
tempos era responsável por 30 a 40%das importações americanas, viu a sua quota
reduzidanosúltimosanospara20a25%39.AsimportaçõesaoVietnamecresceramde
menosde100toneladasem1994(1%dototaldeimportaçõesnorteamericanas)para
45miltoneladasem2007(36%dototaldeimportações)(RedRiverFoodsInc2008:6).
De 2006 para 2007 as importações dos EUA ao Vietname e ao Brasil aumentaram
respectivamente, 19 e 17%em relação a 2006, enquanto as importações de origem
indiana sofreram um decréscimo pelo segundo ano consecutivo. Em 2007, pela
primeiravez,osEUAimportarammaisamêndoadecastanhadecajuaoVietname(45
miltoneladas)doqueàÍndia(42miltoneladas)(RedRiverFoodsInc2008:5).
O Vietname, nos últimos anos, tem vindo a entregar no mercado amêndoa de
castanhadecajudegrandequalidadee,simultaneamente,temconseguidoapresentar
ospreçosmaiscompetitivos.Em2007aamêndoavietnamitatinhaumvalorCIFmédio
de $4,49 (dólares americanos), enquanto a amêndoa proveniente da Índia tinha em
média um valor CIF de 4,80 dólares americanos, e a do Brasil de 4,56 dólares
americanos(RedRiverFoodsInc2008:6).
AntesdaentradadoVietnamenomercado internacionaldecaju,era frequenteque
diminuiçõesnaofertadecertoscalibresdeamêndoadecastanhadecajuprovocassem
38ÉdenotaradiscrepânciadeestimativasentreosdadosdaFAOedositeoficialdoMinistériodaAgriculturadoVietnam
(Agrivet)paraaimportaçãochinesadeamêndoadecastanhadecajupara2006e2007.AFAOindicaque2482toneladasem
2006e5971toneladasem2007foramimportadasparaaChina,enquantoaAgrivetinformaqueem2006aChinafoiresponsável
por22%dasimportaçõesdeamêndoadecastanhadecajuvietnamita,ocorrespondentea28160toneladas.
39OBrasilexportaumaaltapercentagemdeamêndoadecastanhadecajuquebrada(Brasil:47%;Índia:25%;Vietname:17%),
devidoàmaiormecanizaçãodasuaindústriadeprocessamento,oquetemreduzidoosretornosdaindústriadeprocessamento
brasileira(RedRiversFood,Inc.2008:4).
67
subidasdepreço.Oaumentodeofertadeamêndoadecastanhadecajunosmercados
internacionais devido ao aumento de produção vietnamita tornou esta situação
bastanterara(RedRiverFoodsInc2008:4).
68
CAPÍTULO5‐PolíticasAgrícolaseSegurançaAlimentarnaGuinéPortuguesaenaGuiné‐Bissau
AactualenormedependênciadaGuiné‐Bissaudeumúnicoprodutodeexportação–a
castanhadecaju–nãoéumasituaçãonova.Durantetodooperíodocolonial,aentão
Guiné Portuguesa, dependeu quase exclusivamente da exportação de amendoim e
amêndoadepalma.Pelosprimeirosanosdopós‐independênciaestasituaçãomanter‐
se‐ia.Abaixoanalisa‐seograuqueatingiuestadependência,equaisasconsequências
das políticas agrícolas implementadas pela administração colonial e pelos primeiros
governos da Guiné‐Bissau independente para a economia da Guiné e segurança
alimentardosguineenses.
5.1GuinéPortuguesa:Agricultura,SegurançaAlimentar,ComércioePolíticasAgrícolas
AcrescentedemandadeamendoimdaÁfricaOcidentalparaabastecimentodas
indústriaseuropeias,fezcomquenasegundametadedoséculodezanoveaGuiné
Portuguesasetornassegrandeprodutoradeamendoim.Em1881‐82asexportações
deamendoimatingiamas12miltoneladas,tornando‐senaprincipalexportação
guineenseem1881‐1882(tabela1).
Tabela1.ExportaçõesdaGuinéPortuguesaem1881‐1882(Toneladas).Fonte:(Duarte
1946:415).
Amendoim Amêndoadepalma Arrozcomcasca Couro(unidades) GomaCopal Borracha
12000 1400 1000 30000 10 20
Noentanto,devidoaumconjuntovariadodefactorescomoai)insegurançaeguerras
nointeriordacolónia,ii)concorrênciadaÍndiainglesaqueinundaomercadode
69
sementesoleaginosas,iii)esgotamentodasterras,iv)impostosprediais
desencorajadoresapartirde1880ev)deumamaneirageralumafiscalidade
penalizante–asexportaçõesdeamendoimcomeçamadecrescer.De1890a1912,a
borracha40torna‐seoprincipalprodutodeexportaçãodaGuiné.Apartirde1896
tambémseverificaraumincrementonaprocuradeamêndoaeóleodepalma41
(Fonseca1910:25),eapartirde1906,devidoasubidasdepreçonomercadode
oleaginosasosagricultoresguineensesvoltamaaumentarassuasproduções
amendoim(Figura1).Em1920asexportaçõesdaGuinéPortuguesadependiamquase
exclusivamentedasoleaginosas(10219toneladasdeamêndoadepalmae12944
toneladasdeamendoim),eborracha,aceraeoscourosnãotinhammaisdoque
tonelagensevaloressimbólicos(Pélissier1989:205).Ospreçosmantêm‐se
compensatóriosparaosagricultoreseaproduçãoeexportaçãodeamendoim
continuamacresceraté1949,anoemqueseexportam44278toneladas.Apartirda
décadadequarentaomonopóliodocomérciodaGuinéfoientregueàCompanhiade
UniãoFabril(CUF)atravésdasuarepresentantelocal,aCasaGouveia,quepassaa
controlarpraticamentetodoocomérciodeamendoimeamêndoadepalmadaGuiné,
eapartirdofinaldaSegundaGuerraMundial,ospreçosimpostosporLisboaparaas
oleaginosasguineensestornam‐seinferioresaosdospaísesfrancófonosvizinhos,e
bastanteabaixodospreçosinternacionais,eosagricultoresrespondemaosbaixos
preçosdiminuindoaprodução,contrabandeandoamendoim,ouemúltimaanálise
emigrando(GallieJones1987:38)42.Tambémospreçosdaamêndoadepalmasofriam
domesmoproblema,easexportaçõesdesteprodutoteriamevoluçãosemelhanteà
doamendoim(Figura1).
40 A borracha na Guiné provia de trepadeiras do género Landolphia, muito abundantes nas florestas guineenses. Os camponeses recolhiam a borracha e vendiam aos exportadores de Bissau e da ilha de Bolama. 41 A amêndoa e o óleo de palma são produzidos a partir dos frutos da palmeira de óleo (Elaeis
guineensis), espécie espontânea da Guiné. A amêndoa de palma (na Guiné chamada coconote) corresponde aos caroços do fruto da palmeira. 42 Em 1940 o amendoim estava a 195 escudos/tonelada em Lisboa e a 405 escudos/tonelada no mercado internacional. Para o mesmo ano a amêndoa de palma era comprada em Lisboa a 240 escudos/tonelada contra 630 escudos/tonelada no mercado internacional. Mais informação em Ribas, L.P. 1950. Alguns aspectos da estrutura económica da Guiné Portuguesa (parte 2). Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 19: 321-346. Em 1950 o amendoim atingia um preço FOB nos mercados internacionais de 5250 escudos/tonelada enquanto que o preço FOB em Lisboa era de 3400 escudos. Mais informação em Guerra, M.S.P. 1952. Amendoim e palmeira-do-azeite: Pilares económicos da Guiné Portuguesa. Boletim
Cultural da Guiné Portuguesa, 25: 9-83.
70
Figura 1. Exportações de amendoim com casca daGuiné Portuguesa e Guiné‐Bissau entre
1910 e 2007 (em toneladas). Fontes: 1910‐1927: (Sá 1929:50); 1928‐ 1939: (Sá 1948:436);
1940‐1961:(ProvínciadaGuiné1964:7);1961‐1965:(PresidênciadoConselho1968:16);1966‐
1967:FAOStat2010;1968‐1970:(SíntesemonográficadaGuiné1972:61);1971‐2006:FAOStat
Figura 2. Exportação de amendoim descascado da Guiné Portuguesa e Guiné‐Bissau entre
1959 e 2007 (em toneladas). Fontes: 1959‐1965: (Presidência do Conselho 1968: 16); 1966‐
2007:FAOStat2010.
71
Figura3.ExportaçõesdeamêndoadepalmadaGuinéPortuguesaeGuiné‐Bissauentre1910e
2007(emtoneladas).Fontes:1910‐1927:(Sá1929:50),1927‐1939:(Sá1948:436);1940‐1961:
(Província da Guiné 1964:7); 1961‐1965: (Presidência do Conselho 1968:16); 1966‐1967:
FAOStat2010;1968‐1970:(SíntesemonográficadaGuiné1972:61);1971‐2006:FAOStat2010.
5.1.1ProduçãodeCulturasdeRendimentoDuranteoPeríodoColonial–UmaResponsabilidadeExclusivadosPequenosProdutores
NaGuinéPortuguesa,eaocontráriodealgunsdospaísesvizinhos,nuncase
estabeleceuuma“economiadeplantação”,emqueplantadoreseuropeus
contratavammão‐de‐obraassalariada.Aproduçãoagrícola,emaisconcretamentea
produçãodoscãscorosemqueassentavaaeconomiacolonial,foisempre
responsabilidadeexclusivadosagricultores.
Quandoem1911ogovernadoremBissauperguntaaoadministradordopostode
Buba(representantedaadministraçãocolonialparaaregiãodeQuínara),se“seria
possívelformando‐seemqualquerpontoumacompanhiaagrícoladelargainiciativa
obterasuficientemão‐de‐obra?”Esteresponde:“Oindígenaindolentepornatureza
contenta‐secomonecessárioparaoseupassadioquotidiano,eassimsemmuito
72
trabalho,aproveitandoariquezaqueosololheproporciona,trabalhandounicamente
onecessárioparaasuafracaalimentação,certamentenãoaceitaráotrabalho
assalariadovoluntariamente”(Fernandes1911:4).
Eestaparecetersidosempreacausadofracassodeuma“economiadeplantação”na
Guiné:afaltademão‐de‐obradisponívelparaseassalariar,porqueoagricultor
guineense“auferiadasuapróprialavouraedacolheitadeprodutosespontâneos
meiosquelhepermitiamsatisfazerassuasnecessidadeseobrigações” (Teixeirada
Mota1954:124).Nofundo,osistemadepropriedadeeorganizaçãosocialfavoreciao
acessodetodosàterraeàfloresta,easpessoasnãoviamvantagememseassalariar.
Enãoseráporacaso,queaetniaguineensequemaisbuscoutrabalhoforadassuas
terrasfoiamanjaca,comumasociedadeestruturada,comreisquecontrolavamos
camposdearrozeospalmeirais,compropriedadeindividual,ealtasdensidades
populacionaisquenãopermitiamaosmaisnovosoacessoàterra(TeixeiradaMota
1954:124).
Todasastentativasdeestabelecimentodeempresasparticularesdeagricultura
fracassaram(Gambiel,Farim,Pecixe,Cotonière),emesmoquandoserecorreua
métodosmaisviolentososresultadosnãosãosatisfatórios,veja‐seocasodacultura
doalgodão:
Em1928estabelece‐sea"CompagnieCotonièredelaGuinéPortugaise",um
“empreendimentodeimportância,representadoporvastasconcessõesobtidasepelo
investimentodeavultadosdecapitaisbelgaseportugueses”equeconseguiuo
monopóliodacompradoalgodãoemtodaacolónia.Montouduasfábricas,
tecnicamenteassistidaporbelgas,recrutounumerososempregados,e,comoapoio
dogovernocolonialdestruiupelofogotodasascultivaresdealgodoeiroquehá
séculoseramcultivadasnaGuiné.Introduziram‐senovascultivaresimportadasdo
México.Passadosdoisanosaempresaretira‐sedaGuiné:ascolheitasfracassavame
osagricultoresnãoproduziam(George1951:502).
Os“concessionáriosagrícolas”aquemogovernocolonialtinhacedidoterras(naGuiné
chamadosponteiros)queforambemsucedidossãojustamenteaquelesquese
dedicamaocomércio,enãoàagricultura,dedicando‐seapenasàcompradas
73
produçõesdoscamponesesguineenses(TeixeiradaMota1954:124).Aprodução
agrícolaseriaduranteoperíodocolonialdaexclusivaresponsabilidadedosagricultores
guineenses,que,comassuastécnicas,assuassementes,nassuasterras,produziamas
matérias‐primasbasedaeconomiadacolónia.ComodiziaAmílcarCabral,aagricultura
doscamponesesguineensesapresentavaduasfaces:aproduçãoparaconsumo,ea
produçãodecashcropsparavenda,ambasassentesnastécnicaslocais:carácter
itineranteeaconquistadeterracultivávelcomrecursoàqueimada(Cabral1954:628).
Avontadedaadministraçãocolonialdeterumpapelactivonamelhoriadaagricultura
guineense,de“ensinaraosindígenasos«verdadeirosmétodosdeexploraçãoagro‐
pecuária»”,apesardeexpressarepetidamenteportodooperíodocolonialnunca
passouàprática,eaGuinémanteve‐seuma“colónia‐feitoria”,baseadanuma
“economiaderesgate”(TeixeiradaMota1954:124).
5.1.2AGuinéPortuguesaAuto‐SuficienteemArroz:UmMito
DuranteoperíodocolonialeracorrenteaopiniãodequeaGuinéeraumpaís
excedentárioemarroz,masapesardafama,jáem1916oGovernadordaProvínciada
GuinéPortuguesasequeixavadafaltadeproduçãodearrozedopesoexcessivodas
importaçõesdestecerealnodéficedacolónia(Vasconcelos1917emRibeiro1988a:8).
NosanosanterioresàPrimeiraGuerraMundialaGuinéimportavaumamédiaanualde
1100toneladasdearroz.Depoisdaguerra,em1921,1925,1927,foramimportadas
respectivamente,680,300,e562toneladasdearroz(Sá1929:47).Duranteasdécadas
detrintaequarentadoséculovinteaGuinéexportaarroz,masparadoxalmentea
colónianãoeraauto‐suficienteemarroz.
Defacto,apartirdefinaisdoséculodezanoveaproduçãodearrozdaGuiné
aumentou,devidoàgrandemigraçãodepessoasdaetniabalanta,tradicionais
cultivadoresdearroz,donorteparaosuldopaís,ondemuitaterraestavadisponível.
Ataquesdastropascoloniaisde1880emdiante,sujeiçãoatrabalhosforçados,
imposiçãoderégulosnomeadospelaadministraçãocolonial,asedimentaçãoe
74
consecutivabaixadeproduçãodosseusarrozais,eumasériedemausanosagrícolas
foramascausasdamigraçãomassivadebalantasparaosul(Carreira1961a:283,
CorreiaeLança1890:18).QuínaraeTombali,asregiõesdosulparaondemigraramos
balantasestavampoucopovoadas(devidoaotráficodeescravos,àsguerras
interétnicasecomaadministraçãocolonial,eàdoençadosono),etinhamgrandes
áreasdemangaldisponíveis,fundamentalparaqueosbalantasconstruíssemosseus
camposdearroz.De1910a1950,eemapenasquatrodécadasosbalantastornaram‐
seapopulaçãomaioritáriadasregiõesdeQuínaraeTombali43.Foiestamigraçãoque
causouatransformaçãodaGuinédepaísimportadorparapaísexportadordearroz.A
produçãodearrozdaGuinésobede1000toneladasem1928para182251toneladas
em1963(Figura4)eosbalantaseramresponsáveispor90%doarrozqueentravano
comércio(ManuelMartinsBaptistacitadoemRibeiro1988a:235).
Figura4.ExportaçõesdearrozdaGuinéPortuguesaeGuiné‐Bissauentre1918e2008.Fontes:
1918‐1948:(Ribas1950e328);1949‐1958:(ProvínciadaGuiné1964:7);1959‐1964:
(PresidênciadoConselho1968:18);1965‐2007:FAOStat.
43 Em 1960, em Quinara, eram 14 752 pessoas num total de 30 630. Em Tombali, para o mesmo ano, eram 17 162 pessoas num total de 27 320. Mais informação em Carreira, A. (1961b) População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. Circunscrição de fulacunda. Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa, 61(pp. 103-124; e em Carreira, A. (1962) População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. Pp. 221-280 in, Boletim cultural da guiné portuguesa (Lisboa, Portugal: Sociedade Industrial de Tipografia, Limitada).
75
No entanto, e paradoxalmente, apesar de a Guiné ter conseguido exportar arroz
duranteasdécadasdetrinta,quarenta,ecinquentadoséculovinte,acolónianãoera
auto‐suficienteemarroz.QuandoPortugalnãoproduziaarrozsuficienteosprodutores
guineenseseramcompelidosavenderassuasproduçõesparaquefossemexportadas
paraametrópole,nosanosemquePortugalapresentavaexcedentesdearroz,aGuiné
Portuguesaimportavaarrozdametrópole.
Na região de Cacheu, região tradicionalmente produtora de arroz, o poder colonial
introduziraalteraçõesnosistemadeorganizaçãosocialdaetniamanjaca,quetinham
afectadoaproduçãoorizícola(TeixeiradaMota1951:673).Em1941,oadministrador
afirmavaquearegião importavasetentaporcentodoarrozconsumido, istoumano
apenasapós1940,anoemqueaGuinéatingiaoseumáximodeexportação(7304,8
toneladas)(ConferênciadosadministradosemRibeiro1988a:234).Oadministradordo
concelhodeBolama,queincluíaosectordeTite,incluídonaactualregiãodeQuínara,
falavadanecessidadedeaumentaraproduçãoem50%,paraqueoarrozproduzido
fossesuficienteparaconsumo(ConferênciadosadministradosemRibeiro1988a:236).
Talcomooamendoim,erasupostoqueosagricultoresvendessemassuasproduções
em centros comerciais controlados pelo governoou a comerciantes legalizados pela
administraçãocolonial.Umamissãoquenosanos cinquentaavaliao funcionamento
destas lojas denunciava que as taxas cobradas aos agricultores eram inconcebíveis
(Bigman 1993:36). E, tal como acontecera com o amendoim, os agricultores
respondiamaospreçosetaxasdesfavoráveisvendendooarrozclandestinamenteno
Senegal, na Gâmbia ou Guiné‐Conakri, onde os preços praticados eram mais altos
(Teixeira da Mota 1954:152), e como consequência registaram‐se baixas das
quantidades exportadas (Figura 4). Outro problema para a exportação de arroz
guineense era a instabilidade da procura: em anos de boa produção de arroz em
Portugal, a metrópole reduzia as quantidades importadas, e consequentemente os
orizicultores guineenses não encontravammercado para os seus excedentes, o que
desencorajava o aumento das áreas cultivadas pelos agricultores (Ferreira Rosa
1951:622). Uma política de preços pouco favoráveis, maus anos agrícolas com
precipitação insuficiente, e o impacto da guerra de libertação da Guiné, entretanto
76
iniciadapeloPAIGC(em1963)tiveramcomoresultadoumadiminuiçãosignificativada
produção e exportação de arroz, e o aumento das quantidades importadas deste
cerealduranteadécadadesessenta44(Kohnert1988:4)(Figura5).
Figura5. ImportaçõesdearrozpelaGuinéPortuguesaeGuiné‐Bissau(emtoneladas).Fonte:
FAOStat2010.
A administração colonial, assustada com a diminuição da produção de arroz toma
medidasapartirde1946.Em1947inicia‐searecuperaçãodequatromilhectaresde
arrozais em Biombo, a norte de Bissau. No entanto, o governador responsável pelo
programa de recuperação de campos de arroz (Sarmento Rodrigues) abandona o
cargo,eos trabalhosnãosão terminados.Em1952,umanovaverba foidestinadaa
“enxugoerecuperaçãodeterrenos”,eelevadasquantiasforamgastasemBiomboe
Safim (Santareno 1957:360). Em 1955, depois de apresentado um relatório pelo
administrador de Fulacunda (região de Quínara) em que relatava a emigração de
pessoas da etnia balanta devido a destruições nos campos de arroz, é iniciado um
planoderecuperaçãodoscamposdearrozdaregião.Setemilequinhentoshectares
44 Hochet relata que em Ondame, uma aldeia da região de Biombo (zona tradicionalmente produtora de arroz) os agricultores antes de 1948 vendiam cerca de 60 toneladas anuais aos comerciantes locais e trocavam arroz por gado aos seus vizinhos da ilha de Pecixe. A partir de 1948 pararam de vender arroz, e a partir de 1956 começaram a comprar: um comerciante de Ondame comprava 5 toneladas de arroz importado por semana em Bissau que vendia na aldeia. Entre 1970 e 1973, a quantidade de arroz importado vendido semanalmente na aldeia sobe para 10 toneladas (Hochet 1980 citado em Kohnert 1988: 4).
77
são recuperados (estimativa exagerada segundo o próprio autor), e previa‐se a
recuperaçãodemais4milhectaresnumasegundafase(Santareno1957:362).
Noentanto,eapesardosesforçosderecuperaçãodaproduçãodearroz,aprodução
baixariaemgrandepartedopaís,eáreadearrozaisdemangalcultivadosdecrescena
generalidade das regiões do país (Tabela 2), e apenas as regiões sul de Quínara e
Tombali são excepção, por um lado devido àsmedidas tomadas pela administração
colonial, por outro, por a partir de 1963 estas duas regiões produtoras de arroz
estaremsobcontrolodoPAIGCeapopulaçãoteraumentadooseuesforçodeformaa
tornarpossíveloabastecimentodoscombatentes.
Tabela2.Áreadearrozaiscultivadosem1953e1976(emhectares).Fonte:Schwartz,C.1982.
Estatística do arroz na Guiné‐Bissau, 1981.Bissau:MDR, ENTA '782/08 citado em Kohnert
(1988:21).
Região 1953 1976 Diferença(%)
Oio 40900 26000 ‐36,4
Tombali 11500 21000 82,6
Cacheu 28500 18000 ‐36,8
Quínara 7600 15000 97,4
Bafatá 14500 14600 0,5
Biombo 9000 7000 ‐22,2
Gabu 10100 5000 ‐50,5
Bolama 2600 400 ‐84,6
Total 124700 107000 ‐14,2
5.1.3DependênciadaMonoculturadoAmendoim:InsegurançaAlimentardosAgricultoreseoAgonizardaEconomiaColonialnaGuiné
A economia guineense durante o período colonial encontrava‐se fortemente
dependente de um único produto de exportação – o amendoim. Em 1964 as
exportaçõesdeamendoimrepresentavam76,3%dototaldeexportaçõesdacolónia,
oquecolocavaaeconomiadaGuinénuma“posiçãoaltamente instávelevulnerável
perante as condições climáticas e as flutuações dos preços e da procura externa"
(FerreiraMendes1969).Osplanoscoloniaisaolongodasdécadasdetrinta,quarentae
78
cinquenta passavam pela promoção de uma “agricultura orientada quase
exclusivamente para o mercado externo”, e o progresso industrial não fora
impulsionado deixando à economia guineense o papel de simples fornecedora de
matérias‐primasàindústriaportuguesa(PicadoHortaeSardinha1966:142).
A produção de amendoim era assegurada pelo agricultor guineense sem boas
sementes, sem utilização de adubos ou estrume, e a colheita era armazenada em
péssimas condições. As produções eram fracas, e a “rigidez do aparelho de
comercialização do amendoim e as baixas cotações” (Picado Horta e Sardinha
1966:405) eram desencorajantes e apenas se mantinham “devido ao regime de
monocultura dominante, e à precariedade ou inexistência de outras fontes de
rendimento”(PicadoHortaeSardinha1966:406).AindústrianaGuinéPortuguesaera
quase inexistentee reduzia‐sepraticamentea algumaproveitamentodoamendoim,
dedescasquedearroz, e algum fabricodeóleodepalma. Em1962o contributoda
indústria transformadora para o Produto Interno Bruto da Guiné Portuguesa não
ultrapassavaos1,2%(PicadoHortaeSardinha1966:142).
A área cultivada total de amendoimestimada em400mil hectares em1950, desce
para 220 mil hectares em 1963 (Bigman 1993:35), e as exportações guineenses de
amendoim diminuem sem que haja compensação por aumentos de exportação de
qualqueroutroproduto.
As importações do país aumentam a partir da década de cinquenta. A balança
comercialqueemboranegativasemantinhaaumataxamaisoumenosestávelatéao
início da guerra de libertação em 1963, torna‐se crescentemente negativa a partir
destadata(Figura6).
79
Figura6.ExportaçõeseimportaçõesdaGuinéPortuguesaentre1926e1975(emmilharesde
contos). Fonte:1926–1951: (TeixeiradaMota1954:197); 1952–1960: semdados;1961–
1975:GallieJones(1987:51)45.
Se a dependência quase total da economia guineense da exportação de amendoim
teveconsequênciasnegativasaoníveldodéficecomercialdacolónia,tambémoteve
aoníveldasegurançaalimentardosagricultoresguineenses.Aexpansãodaculturado
amendoim provocara diminuição do cultivo de géneros de subsistência como arroz,
milhos, sorgos, entre outros. As populações aumentavam os seus campos de
amendoim, comprando com o dinheiro conseguido na venda da oleaginosa os
alimentos necessários. Esta crescente dependência do amendoim fazia com que no
período anterior às primeiras colheitas, na altura emque as lavouras exigiammaior
esforçofísico,asprovisõesdecereaisdoanoanterior jáseencontrassemesgotadas.
Notava‐se,porexemplo,queo consumodearrozdescascado importadoaumentava
naregiãolestedacolónia,queapostarafortementenocultivodeamendoim(Carreira
1962:279). Era o período aproveitado pelo comércio e indústria arrozeira “para as
grandes especulações” (Teixeira da Mota 1954:54) fazendo com que muitas
populações fossem obrigadas a recorrer a outros produtos para suplantar o défice
alimentar,taiscomoofundo(Digitariaexilis),cerealcaracterísticodesolosesgotados,
eprodutosespontâneosdafloresta.
A cultura do amendoim em grande escala, com consequente encurtamento dos
pousioseaumentodasqueimadasparatransformaçãodeáreasdeflorestaesavana
em campos de amendoim, era também responsável pela degradação da floresta
guineense.Adestruiçãoda floresta constituía “umproblemaaflitivoaqueurgiadar
solução” e eram “extensíssimas as zonas em que a floresta fora destruída” (Castro
1951:381). As queimadas descontroladas, a diminuição da fertilidade dos solos, e o
agravamento dos processos erosivos tornaram‐se uma preocupação dos técnicos
coloniaisapartirdosanosquarenta.45 Comissariado de Estado do Desenvolvimento e Planificação. 1977. Anuário Estatístico. Bissau Página LIV. Comissariado de Estado do Desenvolvimento e Planificação, 1980, Página 3.
80
Propunha‐se a tomada demedidas urgentes para “vencer amonocultura realizando
uma politica de diversificação agrícola”, tomando medidas para “conservação da
fertilidade dos solos, e de controlo da agricultura itinerante, do encurtamento dos
pousios e das derrubas e queimadas incontroladas” (Picado Horta e Sardinha
1966:257).Noentanto,naprática,poucoounada foi feitoparaqueadiversificação
agrícola e económica da Guiné fosse uma realidade. Com o rebentar da guerra de
libertaçãodaGuinéem1963,oPAIGCpassaacontrolarpartescadavezmaioresdo
territórioguineense.Osataquesebombardeamentoscausamdeslocaçõesdepessoas
dassuasterras,eestima‐sequeduranteaguerra150milpessoastenhamabandonado
assuasaldeias,90milprocuradorefúgionoSenegal,equecomoconsequênciaa70%
daáreacultivadadaGuinétenhasidoafectada (AndreinieLambertemGallieJones
1987:112).
5.2AGuerradeLibertação:Agricultura,SegurançaAlimentareComérciodeProdutosAgrícolas
5.2.1AsZonasLibertadaspeloPAIGC:DiversificaçãoAgrícolaeColectivização
AmílcarCabral,o líderdoPAIGC,engenheiroagrónomo,defendianosseustrabalhos
de investigação para a administração colonial a necessidade de uma política de
diversificação agrícola e falava dos perigos da dependência da monocultura de
amendoim46.Eseriaumapolíticadediversificaçãoagrícolaquetentaria levaracabo,
duranteaguerradelibertaçãodaGuiné,paraaszonasentretantolibertadasesobre
gestãodoPAIGC.
Odocumento"AsPalavrasdeOrdemGeraisdoPartido",de1965,deixavabemclaroa
estratégiaqueopartidodefendiaemtermosagrícolas:
46 Por exemplo: Cabral, A. 1959. A agricultura na Guiné. Algumas notas sobre as suas características e problemas fundamentais. Agros 42 (4): 335-350; Cabral, A. 1958. À propôs du cycle cultural arachide-mils en Guinée portugaise. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa 13 (50): 149-156;
81
“Naszonaslibertadastemosquedesenvolveraproduçãoagrícola,aumentandoaárea
de cultivo mas também o nosso trabalho. É necessário prestar mais atenção ao
trabalho agrícola, e diversificar as culturas. Temos que tomar especial atenção ao
objectivodecultivarmosparanosalimentarmos,parasermosauto‐suficientes–arroz,
milho,mandioca, batatas, feijão, bananas, castanhade caju, laranja e outras frutas”
(PalavrasdeOrdemGerais:Rudebeck1974:97).
Umaequipadecatorzepessoasfoiencarregadadepromoveradiversificaçãoagrícola
(GallieJones1987:68).Asprimeirasmedidasdoprogramaagrícoladopartidoforama
introduçãodenovasvariedadesdearroznasregiõesdosuldeCatióeCacine,eter‐se‐
ãomesmo conseguido aumentos de produção de 20% entre 1964 e 1966 (Zartman
1967:69emGallieJones1987:68)47.
Em1964oPAIGCcriaraumaredecomercialalternativa,osArmazénsdoPovo,como
objectivo de assegurar o escoamento das produções dos agricultores, de forma a
tornaroshabitantesdaszonaslibertadasesobcontrolodopartidoindependentesdos
portugueses,esimultaneamenteasseguraraalimentaçãodoscombatentesdobraço
armadodopartido(FARP).Onúmerodestaslojascrescedeseisem1965paraquinze
em1968(Dhada1993:90).Deformaaforçarumcorteentreaspopulaçõesdaszonas
libertadaseosportugueses,osArmazénsdoPovonãoaceitavamdinheiroportuguês.
Aoinvés,foiimpostoumsistemadetroca,emqueaprincipalmoedaeraoarrozeos
valoresdetrocaeramdecididoscentralmentepelopartido(Rudebeck1974:179).
MasoPAIGCnãodefendiaapenasanecessidadedediversificaraproduçãoagrícola,
defendia também um alterar da forma de produção – um sistema de produção
colectivo:“Camaradas,portodooladoanossaorganizaçãodeveajudaraspessoasa
organizar campos colectivos. Esta é uma grande experiência para o nosso futuro,
camaradas.Osqueaindanãoentenderamisto,nãoentenderamnadadanossa luta”
(Palavras deOrdemGerais: 21‐23 emRudebeck 1974:97).No entanto, e apesar dos
frequentes apelos para a colectivização, Rudebeck, investigador sueco que
acompanhou de perto a evolução das zonas libertadas dizia que pouco ou nada se
47 Fonte original: Zartman. 1967. Guinea: the quiet war goes on. Africa Report.12: 8.
82
alterara em termos demodelo e de relações de produção, e que com excepção de
alguns campos experimentais, o sistema agrícola continuava a ser
“tradicional”(Rudebeck 1974:176). Também a política de diversificação agrícola
defendida pelo partido não atingia os resultados desejados, e Cabral, preocupado,
diziaem1971:“Emvezdecultivarmosapenasarroz,nósdevemoscultivartantoarroz
quantopudermos,mas também feijão, amendoim,batatas,mandioca, e vegetais. Já
fizemos um pouco disto, mas ainda não fizemos o suficiente” (Rudebeck 1974:177
retiradodeCabral1971)48.Noentanto,eemboranosuldopaís,naszonaslibertadas
se tenhamregistadoaumentosdeprodução49, a regiãonorte continuavacom fortes
problemasdeauto‐suficiência,devidoaanosdeseca,aosbombardeamentos,eàfalta
de mão‐de‐obra, consequência do êxodo massivo de agricultores para o Senegal50
(GallieJones1987:68).
TambémosArmazénsdoPovoenfrentavamproblemas.Oobjectivo inicialdoPAIGC
era manter os preços dos produtos vendidos nas suas lojas mais baixos do que os
preços dos produtos vendidos pelos comerciantes das zonas não libertadas e
controladaspelosportugueses.Noentanto,dificuldadesdetransporteeaconsecutiva
frequente falta de bens essenciais nas lojas do partido, juntamente com a política
seguida de Spínola de apresentar preços artificialmente baixos nas lojas controladas
pelos portugueses, levaram a que alguns agricultores não trocassem os seus
excedentes nas lojas do PAIGC. Como notava um responsável por uma destas lojas:
“quando o partido tem boas coisas para vender o arroz não falta” (Rudebeck
1974:180). A corrupção também alastrava, e os bens que saíam de Conacry com o
objectivo de abastecer a rede de lojas desapareciam muitas vezes pelo caminho.
Amílcar Cabral, no Conselho Superior do Partido de 1971, mostrava‐se seriamente
preocupado com o estado de funcionamento dos Armazéns do Povo (Galli e Jones
1987:69,Rudebeck1974:182). 48 Fonte original: Cabral A. 1971. Sobre alguns problemas práticos da nossa vida e da nossa luta, transcrição de gravação de encontro do Conselho Superior de Luta, 9 a 16 de Agosto de 1971 em Conakri, página 14. 49 De 1964 a 1965 a colheita de arroz de Tombali, região sul, terá crescido 15%. Mais informação em Dhada, M. (1993) Warriors at work - how guinea was really set free, (Colorado: University Press of Colorado), página 75. 50 Devido a bombardeamentos sucessivos, entre 1965 e 1967, 167 mil pessoas terão emigrado para o Senegal (Dhada 1993: 90, ver nota de rodapé anterior para referência completa).
83
5.3Guiné‐Bissau:Agricultura,SegurançaAlimentar,ComércioePolíticasAgrícolas
5.3.1O“Estado‐Partido”:PolíticasdeDiversificaçãoAgrícolaedeComércio.
Em 1977, já após a independência e a criação da República da Guiné‐Bissau, no 3º
Congresso do PAIGC é elaborada uma Estratégia de Desenvolvimento Equilibrada
Global que definia um conjunto de linhas orientadoras para a “criação de um
excedente alimentar, tanto para consumo interno como para exportação,
conjuntamente com a criação de uma capacidade de processamento das colheitas”
(Havik 1990:43). Simultaneamente faziam‐se planos para a criação de centros de
extensãoruralquedariaminstruçãoaoscamponesessobrenovastécnicasdecultivo,
prestaçãodeassistênciatécnicanomeiorural,selecçãodesementes,entreoutros–
projectosqueviriamaser iniciadosem1977/78.Tambémumasériedeprojectosde
grande escala para o sector agrícola entram em funcionamento com o apoio de
empréstimos estrangeiros (Havik 1990:44). A agricultura era anunciada como a
prioridadedopartido.VascoCabral,ComissáriodeEstadodoPlanoeDesenvolvimento
Económico, declarava numa entrevista em 1977: “Nós definimos uma estratégia de
desenvolvimentoque seenquadra comanossa realidadeeconómica, eque começa
com a agricultura como mais alta prioridade, já que 86% da população são
trabalhadoresagrícolas”(Cabral1977:50emLopes1987:99)51.
Asprimeirasmedidastomadaspelosnovosgovernos–nacionalizaçãodaterra,alguns
benefíciossociaisparaaspopulaçõesrurais,participaçãodaspopulaçõesnasdecisões
locais–juntamentecomoentusiasmodaindependênciaganharecentemente,tiveram
como resultado uma subida da produção agrícola nos primeiros anos após a
independência(Lopes1987:103).
51 Fonte original: Vasco Cabral. 1977 “A nova via de desenvolvimento da Guiné-Bissau”, entrevista por Mário Arruda, Economia e Socialismo, 21 (Dezembro). Ver páginas 49-58.
84
Após a independência, a Casa Gouveia e a Sociedade Nacional Ultramarina, que
detinhampraticamenteomonopóliodocomércioeexportaçãoguineensesduranteo
período colonial, são nacionalizadas. Os Armazéns do Povo e a SOCOMIN (uma
parceria de capitais públicos e privados), passaram a formar uma rede de 230 lojas
ondeosagricultoresdeveriamvenderassuasproduçõesecomprarbensimportados.
Tambémcercade270comerciantesprivadostrabalhavamnointeriordopaísservindo
deintermediáriosentreosagricultoreseaslojasoficiais(FAO1983:26emGallieJones
1987:113). No entanto, os preços oficiais oferecidos aos agricultores pelos seus
excedentes mantinham‐se baixos, e as lojas enfrentavam também constantes
problemas de abastecimento em bens importados52, e os agricultores, tal como já
haviam feito por todo o período colonial responderam diminuindo a produção, ou
vendendo ilegalmenteosseusprodutos (Lopes1987:101).De1978a1982regista‐se
um declínio dos produtos entregues pelos agricultores nas lojas oficiais. De uma
produçãonacionaldearrozestimadaem80miltoneladasem1981sãoentreguesao
estado apenas 1547 toneladas, e para o mesmo ano, das 30 mil toneladas que se
estimava terem sido produzidas as lojas oficiais receberam 6475 toneladas. A
quantidade global de produtos vendidos pelos agricultores aos Armazéns do Povo
reduz‐se de 41 132 toneladas em 1979 para 18 651 toneladas em 1980. De 1977 a
1980aproduçãodearrozbaixade85miltoneladaspara75,8miltoneladas,eados
restantes cereais (sorgo, milho, milheto etc.) de 62 mil toneladas para 39 mil
toneladas. A produção de amendoim, principal produto de exportação durante o
período colonial, reduz‐se de 41 mil toneladas para 22, 5 mil toneladas (Handem
1988:56).
Como consequência o estado guineense aumenta as importações de cereais para
responder à falta de alimentos (Galli e Jones 1987:114) (Figura 5). Comerciantes
itinerantes (djilas) competiam com as lojas estatais pagando aos agricultores preços
mais altos que os oficiais53, e apesar de supostos aumentos de preços pagos aos
agricultoresde1976a1983,ainflaçãoeraaltíssima,eestesconseguiamcomprarcada
52 O volume de bens de consumo transportados para o interior do país ter-se-á reduzido 23% entre 1977 e 1981 (FAO 1983: 26 ci. In Galli e Jones 1988: 113) 53 Por exemplo em Maio de 1984 estes comerciantes pagavam, na região de Cacheu, três vezes o preço governamental pelo óleo de palma vendido pelos agricultores.
85
vezmenos coisas com os seus ganhos (1978, 1980 em Galli e Jones 1987:115). Em
1983 a Secretaria de Estado do Plano da Guiné‐Bissau afirmava que “um valor da
produçãoquaseigualaoqueéexportadooficialmenteéexportadoilegalmentepelos
agricultores”(Galli1988:109citaRepublicadaGuiné‐Bissau,1983b,p.4).
Apesardoconstantereafirmardaimportânciadadaaosectoragrícolapelogoverno,a
estratégiadopós‐independênciaguineensebaseou‐senatentativadeindustrializaro
país. O dinheiro da ajuda externa seria investido numa série de empreendimentos
industriais.DosrecursosrecebidosdoexteriorpelaGuiné‐Bissauapenascercade5a
6%terãosidodestinadosàagricultura.De1977a1982,osectorprimário,apesarde
contribuir com 48,5% do PIB, de assegurar a auto‐suficiência de grande parte da
populaçãoemalimentos,edeempregarmaisde87%dapopulaçãoactiva,beneficiou
apenasde12,8%demédiaanualdosinvestimentospúblicosrealizados,edemenosde
6%doorçamentodeestado.Aindústria,pelocontrário,absorveem1979e1980mais
de 25% dos investimentos públicos (Handem 1988:56, Havik 1990:44). No entanto,
estes investimentos industriais onde mais de 43 milhões de dólares americanos
haviam sido investidos em menos de quatro anos não ofereciam garantia de
rentabilidade, e encontravam‐se fortemente dependentes de matérias‐primas
importadas do exterior. Em 1983 as setenta unidades industriais empregavam5mil
pessoas, e estavam a trabalhar em 70% da sua capacidade produtiva (Galli e Jones
1987:119).
Em 1980 o governo é deposto, e o programa do novo governo provisório volta a
afirmar“umrenovadoesforçoparadinamizaraagricultura” (Havik1990:45).Onovo
ministro da agricultura, Mário Cabral, afirma que a grande prioridade dada ao
desenvolvimento da agricultura pelo anterior governo “não passara de uma mera
consideração teórica” (Mário Cabral 1981. Prioridade apenas em teoria: 6 anos de
politicaagrícola.NôPintcha13/01,p.4‐5emLopeseHandem1987:105).Noentantoa
situaçãoemnadasealteraria.
86
5.3.2OsProgramasdeAjustamentoEstrutural:aApostanaAgriculturaeaLiberalizaçãodoComércio
No início dos anos oitenta a economia guineense encontrava‐se profundamente
desequilibrada.O consumopúblico e privado era excessivo, a produção agrícola era
insuficiente,asdespesasdogovernoemfuncionárioseserviçoseraminsustentáveis,e
a posição externa do país era altamente vulnerável devido a uma taxa de câmbio
sobrevalorizada‐queimpediatambémafixaçãodepreçosrazoáveisaosagricultorese
aumaconcentraçãoexcessivadasexportaçõesemtornodeumnúmeroreduzidode
produtos – amendoim e amêndoa de palma (GEBNGB 1986:8, Lopes e Handem
1987:29). No início dos anos oitenta sucedem‐se maus anos agrícolas, com
precipitações escassas e irregulares, e simultaneamente as cotações nos mercados
internacionais dos principais produtos de exportação da Guiné – amendoim e
amêndoadepalma–baixam(GEBNGB1986:8).
Em1980oorçamentodeestadorepresentavaumdéficede53%,comasreceitasdo
governo servindo apenas para pagar 90% dos salários da função pública. As
exportações representavam apenas 16,5% das importações, e em 1981 a produção
nacional não cobriamais do que 85 a 95% das necessidades de consumo (Handem
1988:57,LopeseHandem1987:39).
Devidoaosgravesproblemaseconómicosdopaísogovernoelaboraem1982,como
Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, um Plano de Estabilidade e
Crescimento (PEC), que entraria em vigor em 1984 e duraria até 1987. O plano
centrava os seus esforços no sector agrícola, para o qual destinava 30% do
investimento público, enquanto a indústria seria destino de apenas 6,1% (Handem
1988:59). O plano visava também eliminar os desequilíbrios orçamentais entre
produção e consumo, reorganizar os circuitos comerciais,melhorar a capacidade de
gestão e controlo económico dos serviços públicos. Como forma de atingir estes
objectivos decide‐se desvalorizar amoeda nacional, liberalizar os preços (mantendo
apenas preços base para alguns bens essenciais), congelar os salários da função
pública,aumentarimpostos,eprivatizarainiciativaeconómica(Handem1988:59).
87
Em finais de 1983 dá‐se a desvalorização do peso guineense em 100%, que se
mantivera estável desde 1978, e durante os anos de 1984 e 1985mantém‐se uma
políticadeajustamentossemanaisnataxadecâmbio54.
Apesar da desvalorização damoeda nacional ter permitido um aumento relativo de
preçosdosprodutosagrícolas,oqueteriaumreflexopositivonasexportaçõesde1984
(Lopes e Handem 1987:29), as dificuldades de abastecimento de bens importados
necessários aos produtores agrícolas manter‐se‐iam, e teria como consequência
continuasbaixasnasexportações.De1981a1985asimportaçõesmantiveram‐seem
cercade59,9milhõesdeUSD(FOB),ousejaumamédiaanualdevalordeimportação
poranoporhabitantede75dólarescontraapenas13dólaresdeexportação(Handem
1988:32). Como consequência o défice aumentava (GEBNGB 1986:12). Em 1986 o
défice e o endividamento externo cresciam, e o país encontrava‐se fortemente
dependente da ajuda alimentar externa (Sanhá 1988:37). Se a desvalorização da
moeda nacional significou numa primeira fase aumento dos preços dos produtos
agrícolasnacionais,significoutambémaumentodospreçospagospelosconsumidores,
que teriamcomoresultadoumaperdasignificativadopoderdecompradas famílias
urbanas(principalmentedosassalariados,quehaviamvistooseusaláriocongelado).
Em1987oMinistériodoPlano reconhecia a “deterioraçãodopoderde compradas
populações urbanas” (Handem 1988:66), que se calculava que em Bissau tivesse
decrescidoemmaisde70%entre1983e198655.EmBissauonúmerodecasosdemá
nutriçãoaumentava(Handem1988:67).
Tambémosagricultores,apesardenãotãoafectadospelaaltainflação,poistambémo
preço pago pelas suas produções subia, perdiam poder de compra. Em 1985 um
camponês teria que vender 60 kg de arroz para comprar dois metros de tecido de
segunda qualidade, em 1986 esse valor decrescia apenas para 57 kg de arroz, isto
54 Em Novembro de 1983, 1 dólar americano valia 42, 01 pesos guineenses. Em Dezembro de 1983, 1 dólar americano valia 84, 48 pesos guineenses. Em Dezembro de 1985, 1 dólar americano valia 176, 61 pesos guineenses, e em Junho de 1986, 1 dólar americano valia 205, 76 pesos guineenses (GEBNGB 1986: 20). Mais informação em GEBNGB (1986) Balanço do sector externo – 1985 - gabinete de estudos do banco nacional da guiné-bissau. Boletim de Informação Sócio-Económica, 4(pp. 7-23 55 A liberalização económica provocou grande especulação sobre o preço dos bens alimentares. Entre 1984 e 1986, o óleo alimentar subiu de preço 275%, os ovos 200%, o peixe 265%, o arroz 67%, e o açúcar 29% (Handem 1988: 67).
88
apesar de o preço do arroz ter aumentado em 50% no mesmo período (Handem
1988:67).
Devido aos maus resultados, em 1986 é preparado um Programa de Ajustamento
Estrutural (PAE), também com a assistência do Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional56. O novo plano reconhece que não é suficiente aumentar os
rendimentosdosagricultores(quenãotinhamnapráticaaumentadocomoPEC,mas
tambémaumentaraofertadebensdeconsumonosmercadosrurais.Alegadamente
porestemotivo,oPAEincluíaentreassuasmedidasaliberalizaçãoeprivatizaçãodas
estruturas do mercado interno e dos preços, que visava estimular os comerciantes
privadosaimportaredistribuiressesprodutos(AlvessoneZéjan1991:84).
Osobjectivoschavedoprogramaeram:reduzirodéfice;conseguirumasituaçãoviável
dabalançadepagamentos;estimularocrescimentodossectoresprodutivos; reduzir
progressivamente a taxa de inflação; conseguir a estabilidade relativa dos preços.O
novoPAEdefiniaaagriculturacomo“sectorfundamentaleprioritáriodaeconomia”,e
defendiaumaumentodaproduçãoagrícolademodoaatingir “níveisadequadosde
segurança alimentar das populações” mas também a “gerar recursos no exterior
indispensáveis ao processo de desenvolvimento e a satisfação de compromissos
decorrentes da divida externa” (Sanhá 1988:38). Propunha‐se portanto a aposta na
auto‐suficiência alimentar da populaçãomas também o incentivo em produções de
exportaçãocomvantagenscomparativasecommaiorvalordemercadointernacional
comoacastanhadecaju(BISE1987:32).
Eseria justamenteesteproduto–acastanhadecaju–queapartirdosanosoitenta
viriarevolucionarossistemasagrícolaseaeconomiaguineense.
No capítulo 6 são analisados em maior detalhe as causas da grande expansão do
cultivodecajueiros,eosfactoresqueexplicamaquebranaproduçãodealimentosa
partirdosanos80.
89
5.4Síntese
Aactualdependênciaguineensedeumúnicoprodutodeexportação–acastanhade
caju – não é um fenómenonovo. A situação presente parece antes a repetição dos
acontecimentosdosúltimoscemanos.Durantetodooperíodocolonialasexportações
guineenses mantiveram‐se fortemente dependentes da exportação de amendoim e
amêndoadepalma,eforamsempreosagricultoresqueasseguraramaproduçãodos
cashcropsemcujaexportaçãoaeconomiacolonialassentou,comassuastécnicas,nas
suasterras,comasuamão‐de‐obraeexclusivamentecomosseusmeios.Opapeldo
estadoparece ter ficadopelodemerocompradorevendedordematérias‐primas.E
emboraadependênciadamonoculturaassustassealgunsesepedisseepropusessea
diversificação agrícola, as políticas e medidas nunca reflectiram as considerações
teóricas.Afaltadeinvestimentonosectoragrícolaemedidaspolíticasderegulaçãode
mercado que não favoreceram os agricultores parecem ter sido uma constante
durante o período colonial. Também no período pós‐independência, e apesar do
constanteconstardaagriculturacomoprioridadedosváriosgovernos,osectorparece
ter ficado entregue aos agricultores, quenovamente comas suas técnicas, nas suas
terras, com a sua mão‐de‐obra, e exclusivamente com os seus meios foram
encarregues de assegurar a alimentação e as exportações do país. As políticas de
preços tomadas voltaram a não ser favoráveis aos agricultores, os projectos de
modernização do sector agrícola falharam, e a agravar a situação o amendoim e a
amêndoa de palma perderam preço nomercado internacional. A crescente falta de
mão‐de‐obradisponívelparatrabalhosruraisdevidoaoêxodoruraldopósguerrade
independência,eoaumentodadependênciadealimentos importados foramoutros
dosfactoresimportantesduranteesteperíodo.
90
CAPÍTULO6‐ACastanhadeCajunaGuiné‐Bissau:Produção,CircuitosdeComercializaçãoeImplicaçõesparaaSegurançaAlimentar
6.1ASubstituiçãodeumaMonoculturaporOutra–DoAmendoimaoCaju
AsexportaçõesdecastanhadecajunaGuiné‐Bissaucresceramde400toneladasem
1979 para 135 708 toneladas em 2009 (figura 1). As causas de um tão fulgurante
aumentodaexportaçãodecastanhadecajusãovárias,masasubidadepreçosdeste
produtoapartirdoiníciodadécadadeoitentaétalvezaprincipalrazãoquelevouos
agricultores a apostarem na cultura do cajueiro em detrimento da plantação de
amendoim(tabelas1e2).
Figura1.Evoluçãodaexportaçãodecastanhadecaju(emtoneladas).Fonte:FAOStateCNC
2009.
Durante os anos oitenta, devido à expansão das plantações de soja nos EUA e às
medidasproteccionistasàagricultura implementadaspelaEuropacomunitária,dá‐se
umadramáticaquedadascotaçõesnomercadointernacionaldosprincipaisprodutos
deexportaçãodaGuiné‐Bissau‐oamendoimeaamêndoadepalma(Dias1992:20).O
91
preçodaamêndoadepalma,porexemplo,quenormalmenterondavaos409dólares
americanos,reduzia‐separa150‐160dólaresamericanosem1985.
O preço da castanha de caju, pelo contrário, evoluía favoravelmente. Em 1984 a
castanhadecajujárepresentava41%dovalortotaldasexportaçõesguineenses,eos
seuspreçosnomercadointernacionalcontinuavamaaumentar(GEBNGB1986:11).
Tabela 1. Evolução dos preços oficiais ao produtor da castanha de caju e do amendoim
(PG/kg.) entre 1983 e 1992. Fonte: Dias 1992: 27, baseado em dados do Ministério do
ComérciodaGuiné‐Bissau.
1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
Castanhadecaju 9,5 17,5 28,5 38,5 125 230 350 450 550 1000
Amendoim 9,2 15,5 25 32,5 40 80 140 225 275 500
Em1989, a questão já não era como resolver o problemada baixa de produção de
amendoim e amêndoa de palma, mas sim “de eliminar essas culturas
progressivamentedoquadrodasexportações, tendoemcontaoproblemadaperda
de rendimentos dos seus produtores, há muito orientados para essas culturas”
(Fonseca 1989: 7). A castanha de caju foi a solução encontrada. O programa de
ajustamento estrutural, seguido pelo governo a partir demeados da década de 80,
veioreforçaraimportânciadadaàcastanhadecaju:“tendoemcontaodesequilíbrio
da balança de pagamentos e as vantagens comparativas existentes em algumas
produçõesdeexportação,deveserincentivadaaproduçãodeprodutosexportáveise
commaiorvalornomercadointernacionalcomoacastanhadecaju”(BISE1987:32).E
apartirdestadataasexportaçõesdecastanhadecajunãomaisdeixariamdecrescer.
Tabela2.Evoluçãodasexportaçõesdecastanhadecaju,amendoimeamêndoadepalma(em
toneladas) de 1983 a 1991. Fonte: Dias 1992: 25, baseado em dados do Banco Central da
Guiné‐Bissau.
92
1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991
Castanhadecaju 2000 8000 6800 8000 10470 10500 9410 16410 15670
Amendoim 8300 8100 4300 2400 3300 3900 2000 2000 1100
Amêndoadepalma 5300 6900 2500 7600 5900 6500 5100 1600
Abaixo descreve‐se as primeiras tentativas de introdução da castanha de caju na
Guiné‐Bissauaindaduranteotempocolonial,ascausasdosucessodestaculturaentre
oscamponesesguineensesapartirdosanosoitenta,ofuncionamentodomercadode
compradacastanhadecajunaGuiné‐Bissau,aevoluçãodospreços recebidospelos
agricultores, e a importância das exportações de caju na economia guineense.
Reflectiu‐se também sobre a forma como o estado guineense tem lidado com o
mercado de compra de castanha de caju, a evolução de preços recebidos pelos
agricultores,aeventualapostadopaísnoprocessamentoetransformaçãodacastanha
de caju, e ainda sobre as implicações da plantação de cajueiros para a segurança
alimentardosagricultoresguineenses.
6.2PrimeirasTentativasdeFomentodoCultivodeCaju
No séculodezanove, e talvezbastante antes, o cajueiro jáhavia sido introduzidona
Guiné57. Em 1911 algumas administrações distritais, como por exemplo Quínara, já
haviamsemeadocajueirosnosseushortosexperimentaiscomoobjectivodeestimular
aproduçãoentreosagricultores(Fernandes1911:4).Duranteosanostrintaocajueiro
estavadisseminadopelaGuiné,formandosebesemtornodasestradas.Acastanhade
caju era utilizada pelos agricultores como complemento alimentar, e o fruto era
espremidoparafabricodevinho,consumidopelosnãomuçulmanos.Serianoentanto,
apenasem1946‐48,queaadministraçãocolonialtomariamedidasparaexpansãodo
cultivo do cajueiro, quando o governo da província determina que todos os postos
administrativos semeiem anualmente 1 hectare de cajueiros, e que seja distribuída57 Em são Tomé, por exemplo, já havia cajueiros no século XVI. Para a Guiné, contudo, não existem fontes que mostrem uma introdução tão antiga, no entanto, é provável que o cajueiro já existisse na Guiné antes do século XIX.
93
sementeira pelos agricultores (Areal 1954:745). Durante os anos cinquenta são
realizados uma série de estudos que mostram que a Guiné tem “condições agro‐
climáticas favoráveis ao cultivo do cajueiro”. A castanha começava a ter “muito
interessenosmercadosnorte‐americanoscomoartigoalimentar”,ondeestava“muito
emvoga”(Areal1954:745).Em1953sãoenviadasdeMoçambique58paraaGuiné10
toneladasdecastanhadecaju,eogovernodaprovínciadaGuinéPortuguesadistribui
aremessapelascircunscriçõesparaquefossedistribuídasementeirapelosagricultores
(Areal1954:745).Em1954aproduçãodecastanhadecajuestariaentreas300a400
toneladasanuais,eacasacomercialAntónioSilvaGouveiapediaautorizaçãoeapoio
do governo para instalação de uma fábrica de descasque de caju (Areal 1954:745,
PicadoHorta&Sardinha1966:408).
Nofinaldosanos50erajálugar‐comumentretécnicosefuncionárioscoloniaisqueo
cajupoderiaviraassumir“umpapeldeprimeiroplanonodesenvolvimentoagrícolae
industrialdaGuiné”(PicadoHorta1965:333).Em1959ocajueiro,devidoàsuagrande
rusticidade,éincluídonoPlanodeRegeneraçãodoCobertoVegetaldaGuiné.Contudo
apenas em 1964 se iniciaria um estudo sobre a expansão do cultivo do cajueiro na
Guiné pela Brigada de Estudos Agronómicos (Picado Horta 1965:333). Em 1965 o
“Plano de desenvolvimento da cultura do cajueiro na Guiné Portuguesa” propõe a
plantaçãodecajueiroscomoformaderecuperaçãodossolosdegradadospelacultura
doamendoim(LainseSilva1965).Assim,em1966era“decisivamenterecomendadoo
cultivodocajueiro”comoformade,diversificaraproduçãoagrícoladaGuiné,retirar
pesoàmonoculturaamendoimnasexportações,eporoutrodecontrolarosprocessos
de degradação ambiental devidos à cultura do amendoim (Albuquerque Sardinha&
PicadoHorta1966:157).
Noentanto,dasmedidaseplanospropostospoucaspassariamàprática,eemborao
PlanoIntercalardeFomentoestabelecessecomoobjectivoparaotriénio1965‐1967a
plantaçãode10mil hectaresdepomaresde cajueiros, alguns autoresdescreviamo
planocomo“objectivoinviável”(PicadoHorta1965:409).AprópriaBrigadadeEstudos
Agronómicos afirmava que “com o material mecânico disponível não seria possível
94
alcançar ritmos de plantaçãomuito além dos 100 a 200 hectares por ano” (Picado
Horta1965:409).Propunham‐semedidasparaconseguiresteobjectivo,taiscomo:(i)
"continuaçãodeestudossobreacaracterizaçãovarietaldocajueiro";(ii)plantaçãonas
comunidades rurais de Gabu e Bafatá de 2400 hectares de cajuais até 1973”; (iii)
“plantaçãonailhadeBissaude200hectaresdecajuais,correspondentesaumafaixa
paracadaladodasestradasaté1973;(iv)plantaçãode200hectaresdecajuaisnaIlha
das Galinhas (Albuquerque Sardinha & Picado Horta 1966:263). Mas de facto, em
1964,plantaram‐seapenas77hectaresdecajueiros,contraos500hectaresprevistos
porano.Em1965aBrigadadeEstudosAgronómicosconstruíaumviveiroemTeixeira
Pinto(actualCanchungo),eplantavaemPelundo60hectaresdecajueiros.Nailhade
Bolama era instalado um viveiro com capacidade para 17 mil plantas de caju, e
plantou‐se um pomar com 129,9 hectares. Em Bijemita plantaram‐se 20 hectares
(apenas 33%doprevisto) e no Pessubé, emBissau, plantaram‐se apenas 9 hectares
(PicadoHorta1965:409).
O mesmo plano de fomento definia como objectivo “o lançamento de indústrias
ligadasàagricultura”paraoquedestinavaumaverbade7500contos,praticamente
destinados ao financiamento de um único empreendimento ‐ a montagem de uma
unidadededescasquedecastanhadecaju.Defacto,desde1954,afirmaAntónioSilva
Gouveiamostravaintençõesdeavançarcomaconstruçãodeumcomplexoindustrial
paradescasque,preparaçãodecastanhaeextracçãodolíquidodacascadacastanha
de caju, e a empresaCAJUCA também sepropunha àmontagemdeuma fábricade
descasquedecastanhadecaju(PicadoHorta1965:408).Porém,apesardacotaçãodo
cajunosmercadosinternacionaisserfavorável,adificuldadeemobtermatéria‐prima
regularmenteeemquantidade,condiçõesessenciaisparaprocederaodescasqueda
castanha de caju em escala industrial, parecia tornar estes objectivos difíceis de
alcançar(PicadoHorta&Sardinha1966:142).
6.3OCultivodoCajunaGuiné‐Bissau–UmaProduçãodePequenosAgricultores
95
NaGuiné‐Bissauaáreacultivadacomcajueiroscresceunumperíododeapenas30
anos,de10milhectaresem1974para212milhectaresem2008(Figura1).Embora
nãohajadadosestatísticosfiáveisparaopaís,aANAG(AssociaçãoNacionalde
AgricultoresGuineenses),calculavaem2004que4,84%dasuperfíciedopaísestaria
cobertacompomaresdecajueiros,umnúmeroquetornaaGuiné‐Bissauopaísanível
mundialcommaiorpercentagemdoseuterritórioocupadaporcajueiros(Lynne
Jaeger2004:3).Édeesperarqueactualmenteaáreacultivadacomcajueirosseja
bastantesuperior,dadooforteincrementonaproduçãoquesedeunosúltimosanos.
Figura2.Evoluçãodaáreaemhectaresocupadaporpomaresdecajude1961a2008.Fonte:
FAOStat2010.
AproduçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissauéasseguradaessencialmentepor
pequenosagricultores,nãoexistindopraticamentegrandesproprietáriosdepomares
decaju.SegundoumestudodaSNV(CooperaçãoHolandesa),realizadoem387aldeias
dopaís,juntode3938produtoresdecastanhadecaju,67,7%dosprodutorespossuem
pomaresdecajueiroscomáreasentre1e2hectares,e32,3%pomarescomáreas
entre3e10hectares.Osgrandesproprietários,compomaresdemaisde10hectares,
sãoquaseinexistentes(Camará2007:13).
Amaiorpartedaproduçãoévendidapordinheiro(61%)outrocadaporarroz(25%),e
apenasumapequenaquantidade(13%)éconsumidaouutilizadaparaoutrosfins
(Camará2007:17).Édacastanhadecajuqueseretiragrandepartedorendimentode
96
umpomar(90,1%),enquantoovinhodecaju,fabricadoatravésdesumoespremidodo
fruto,eaaguardentedecaju,obtidapordestilaçãodovinho,apenasrepresentam
rendimentossimbólicos(7,4%e1,7%respectivamente)(Camará2007:30).
AgrandeexpansãodocultivodecajueirosnaGuiné‐Bissaudeu‐secertamentedevido
aobompreçoqueacastanhadecajuapresentounomercadonacionalapartirdefinal
dosanossetenta,eàquedadepreço,nomesmoperíodo,dostradicionaiscultivosde
rendimentodosagricultoresguineenses–oamendoimeamêndoadepalma.No
entanto,outrosfactoresexplicamoporquêdeumatãorápidaexpansãoeinserçãodo
cajueironossistemasagrícolasdoscamponesesguineenses.
Ocultivoemanutençãodeumpomardecajueirossãorelativamentesimplesepodem
serexecutadosporidosos,mulheresecrianças,oqueconstituidefinitivamenteuma
vantagemparaassociedadescamponesasguineenses,comforteslimitaçõesdemão‐
de‐obraapartirdadécadadesetenta.
Otrabalhoexigidoporumpomardecajupassapelasuasementeira,quesepode
realizarnamaioriadosterrenosdisponíveisdopaís,emsavanaoufloresta.Após
quatroanososcajueiroscomeçamadarosprimeirosfrutos,epartirdosnoveadez
anosatingemoseuníveldeproduçãoóptimo.Apartirdos20anos,asárvoresbaixam
oseurendimento(França1994).EmMarço,inicia‐seacolheitadacastanhadecajuna
Guiné‐Bissau,queduranormalmenteatéfinaldeJunho.Acolheitaconsiste
basicamentenaapanhadosfrutosquecaemnochão,enaseparaçãodofrutoda
castanhadecaju.
Tambémanualmenteénecessárioprocederatrabalhosdelimpezadavegetaçãoque
crescenospomares(sobpenadeavegetaçãocrescerdetalformaquesetorne
impossívelacolheitadacastanhadocajuedeaprodutividadedoscajueirosdecrescer
devidoàcompetiçãocomasoutrasespécies).Ostrabalhossãonormalmentefeitos
comautilizaçãodecatanasduranteosmesesqueprecedemacolheita(Outubroa
Março).DeJaneiroaMarço,eantesqueseinicieoperíododasgrandesqueimadase
dosfogosdescontrolados,constroem‐seaceirosemtornodospomaresdecaju.Para
tal,corta‐seumatiradevegetação,ouqueima‐secomrecursoafogocontroladoo
97
terrenoemvoltadospomares.Ostrabalhosanuaisdelimpezaedeconstruçãode
aceiros,constituem,àexcepçãodacolheita,amaiorpartedotrabalhoaserrealizado
numpomardecaju.
Umoutrofactorquedecisivamentecontribuiuparaarápidadifusãodocultivodo
cajueironaGuiné‐Bissauéasuarusticidadeeafacilidadecomqueseadaptaàmaioria
doshabitatsdisponíveisnopaís.Umpomardecajueirospodesersemeadoem
terrenosdesavanaeemterrenosdefloresta,dandoboasproduçõesnumenoutro
habitat,implicandoestaescolha,contudo,algumasdiferenças.
Umagricultorquedecidasemearoseupomaremterrenosdesavananãotemque
procederaocortedegrandesárvores,trabalhonecessárioseainstalaçãodopomar
forrealizadaemterrenosdefloresta,oquedefinitivamenteconstituiumavantagem
quandoasúnicasferramentasdisponíveissãocatanasemachetes.Noentanto,é
bastantemaisprovávelqueumpomardecajueirosinstaladonumterrenodesavana
venhaaqueimarduranteoperíododasgrandesqueimadasdescontroladasantesdas
chuvas(AbrileMaio).
Apósasementeiradocajuéprecisoevitarqueograndecrescimentodeherbáceas,
maispronunciadonasformaçõesdesavana,venhaapôremcausaocrescimentodos
jovenscajueiros,particularmentesensíveisduranteostrêsanosapósasementeira.
Paratal,osagricultorescultivamoamendoimemsimultâneocomocaju.Aplantado
amendoim,comduraçãodetrêsanos,evitaqueduranteoperíodomaiscríticoparaa
plantadocajuasherbáceassedesenvolvam,esimultaneamentepermiteaobtenção
debonsrendimentosenquantooscajueirosnãoentramemprodução.
Parainstalaçãodeumpomardecajueirosemterrenosdefloresta,otrabalhoinicialé
bastantemaisexigente,jáqueénecessárioprocederaoderrubedetodasasárvorese
arbustosdaparcelaondesedesejaprocederàsementeiradocaju.Noentanto,por
todaaGuiné‐Bissau,pratica‐seumsistemadeagriculturaitinerante,eosagricultores
guineensesintroduziramocultivodecajueirosnosseustradicionaissistemasde
cultivo.
98
Osistemaagrícolaitinerantebaseia‐senocortedeparcelasdefloresta,nasecageme
queimadostroncosematerialvegetalcortado(queirãoservirdefertilizante)antesda
épocadaschuvas.Umagricultordesmataacadaano,umaoumaisparcelasde
floresta59.Noprimeiroanosãosemeadasasculturasmaisexigentes,querequerem
solosmaisricos,principalmenteoarroz,enosanossubsequentesosagricultores
cultivamomilho,omilheto,osorgo,oamendoim,eofeijão,porperíodosque
normalmentenãoultrapassamoscincoanos.Apósesteperíodoemqueaparcelade
florestafoicultivada,oterrenoédeixadoempousioporperíodosquevariamentreos
cincoeosvinteanos,paraqueaflorestacresçadenovo,epossavirasernovamente
derrubada,queimada,ecultivada60.
Foinestesistemadecultivoqueosagricultoresintroduziramocultivodecajueiros.
Quandonoprimeiroanoosagricultoressemeiamarroz,cultivam‐nojuntamentecom
caju.Oarrozécolhido,enosegundoanocultiva‐seamendoim,queproduzirá
enquantooscajueirossedesenvolvem,evitando,talcomoemsavana,ocrescimento
deherbáceasqueimpediriamocrescimentodocaju.Noquartoano,oscajueiros
iniciamasuaprodução,eoterrenoaoinvésdeserdeixadoempousioparamaistarde
virasercortado,seráumpomardecajueiros.
Aocupaçãodeterrenosdefloresta,quesãopartedosistemadeagriculturaitinerante,
porpomaresdecajueiros,poderáterconsequênciaspesadas.Aparceladefloresta
desmatada,aoinvésdeapósoseucultivoporalgunsanosserdeixadaempousiopara
queaflorestavolteacrescer,eassimpossasernovamentederrubadaecultivada,fica
ocupadaporumpomardecajueiros.Emregiõesondeaflorestadisponívelépouca,a
59 O sistema de agricultura itinerante poderá ser individual ou colectivo. Em Quinara, por exemplo, e em aldeias onde há uma gestão colectiva do território, há aldeias que em conjunto desmatam uma grande parcela de floresta, que será dividida em parcelas, onde cada família fará os seus cultivos. Em outras aldeias, a derruba de floresta é feita de forma independente por cada família. Também na mesma região há famílias que exploram individualmente um pedaço de terreno, por este lhes ter sido cedido ou vendido, não havendo qualquer forma de gestão colectiva do território (são os chamados ponteiros). 60 Existe enorme variedade de sistemas de agricultura itinerante na Guiné-Bissau. Conforme a disponibilidade de floresta, o tipo de floresta, o tipo de solos, e a disponibilidade de mão-de-obra, varia a forma como se corta a floresta, o tempo de duração do pousio, o número de anos que um mesmo terreno é cultivado, etc.
99
consequênciapoderáserareduçãodasáreasdisponíveisparaproduçãode
alimentos61.
OspomaresdecajunaGuinéapresentamnormalmentegrandesdensidadesde
plantação,comasárvoresacresceremmuitopróximasumasdasoutras.Grandes
densidadesdeplantaçãodecajueirostêmcomoconsequênciaummenorcrescimento
devegetaçãoespontâneadentrodospomares,oquesignificaparaosagricultores
menostrabalhosdelimpezaarealizaranualmente.Duranteanos,ofactodos
agricultoresguineensesplantaremosseuscajueirosmuitopróximosedeforma
desregrada,foitidocomocausadebaixasproduções,ealgunsprojectosde
desenvolvimentodesenvolverammesmoformaçõesaosagricultorescomoobjectivo
deensinodeboaspráticasdeplantaçãoemanutençãodospomaresdecajueiros.Uma
dessaspráticasseriaoaumentodoespaçamentoentreárvores.Noentanto,um
estudorealizadoem1994noâmbitodoprojectoTIPS62(França1994),mostrou‐se
comoaprodutividadedepomarescomaltasebaixasdensidadesdeplantaçãopoderia
sersemelhante.TambémosdadosdaAgri‐Bissau,umadasúnicasgrandesplantações
dopaíscomcajueirosbemespaçadoseordenados,reforçamestaideia:enquantonos
pomaresdaAgri‐Bissausetêmconseguidoproduçõesde378quilogramasdecastanha
decajuporhectare,aproduçãodospomaresdoscamponesesguineensesestá
estimadaentre600a1000quilogramasporhectare63(JaegereLynn2004:4).
Aadaptaçãodocajueiroàmaioriadossolosdopaís,agranderusticidadedaplanta,a
possibilidadedamão‐de‐obranecessáriaàmanutençãodeumpomardecajueà
colheitadacastanhapoderserasseguradapormulheres,velhosecrianças,eanão
necessidadedeutilizaçãoquaisquerinputs(comosementes,adubos,fertilizantes,
pesticidas),pareceexplicar,juntamentecomospreçosrazoáveisqueacastanhade
61 No entanto, novos dados têm surgido: ao contrário do que seria de esperar, e do que é correntemente afirmado na literatura, a regeneração de espécies florestais no interior dos pomares de cajueiros é bastante significativa (Joana Sousa, em publicação), e já são frequentes os casos em que pomares de cajueiros antigos e com baixas produções, abandonados por alguns anos, foram derrubados e queimados para que naqueles terrenos fosse cultivado arroz ou milho, com resultados bastante favoráveis (Manuel Bivar Abrantes, comunicação pessoal). 62 O projecto Trade and Investment Promotion Support (TIPS) - Guinea-Bissau, foi financiado pela USAID (United States Agency for International Development). 63 As grandes plantações de cajueiros da Guiné-Bissau, com necessidade de contratação de mão-de-obra no período da colheita, queixam-se das grandes reduções na produção (que chegam a atingir os 150 quilogramas por hectare) devido às grandes quantidades de castanha de caju desviada pelos apanhadores.
100
cajutemapresentado,agrandeerápidaaceitaçãodocultivodocajueirojuntodos
pequenosagricultores.OgrandecrescimentodaculturadocajunaGuiné‐Bissautem
sidoaliás,daexclusivaresponsabilidadedospequenosagricultoresguineenses,num
paísemqueaspolíticasagrícolassãoinexistenteshápelomenosduasdécadas.Masse
atéagoraasplantaçõesdecajuguineensesetêmmantidopraticamentelivresde
pragasedoençasasituaçãopoder‐se‐áalterar,efungoscomoaGlomerellacingulata
eColletotrichumgleosporioidesedoençascomooOidiumanacardii,poderãocausar
estragosimensos.
6.4CastanhadeCaju,ProduçãoAgrícolaeSegurançaAlimentarnaGuiné‐Bissau
Amaiorpartedosdocumentosqueanalisamaproblemáticadasegurançaalimentar
naGuiné‐Bissausãounânimes:orápidoaumentodeproduçãodecastanhadecaju
tevecomoconsequênciaumadiminuiçãodaapostadosagricultoresnoscultivosde
subsistênciaeumagravardasituaçãodeinsegurançaalimentardopaís:
“Theproductionofricehassignificantlydecreasedinfavorofcashewfarming.This
situationrepresentsathreattofoodsecurity(…)Riceproductionstalledfollowingthe
cashewboomofthe1990s,duemainlytoincreasedreallocationofagriculturalland
andlaborforcetocashews.Thestrategyofreplacingasubsistencecropwithacash
cropinvolvesamajorfoodsecurityrisk…”(Boubacar‐Sid2007:84).
“Lecajouapartiellementsubstituélaproductionrizicole,etdoncengendréuneperte
d’auto‐suffisance(enmoyenne30pourcentdesbesoinsencéréalessontsatisfaitspar
desimportations).D’unautrecôté,lesrevenusdelafilièrecajouontpermisune
augmentationdel’importationderizparlebiaisdesdevisesgénéréespar
l’exportationdecajouetuneaugmentationdupouvoird’achatdesménages”
(MADR/FAO/PAM2007:7).
101
RicehaslongbeenthestaplefoodofGuinea‐Bissau,buthasinrecentyearsbeen
displacedtosomeextentbycashewcultivation,withthecashcropbeingusedin
exchangeforriceaswellasforcash.Withthedecliningshareofnationalgrainneeds
beingsatisfiedbydomesticproduction,importshavefilledthegap(BancoMundial
2010:86).
Conclusõesdestasdecorremdaanálisedaevoluçãodaproduçãodecastanhadecajue
daproduçãodearroz,vistoesteserocerealmaisconsumidonaGuiné‐Bissau(37%da
alimentação,40%dascaloriasconsumidas,eumconsumoanualporpessoade87,3kg
(BancoMundial2010:89)).Para2008,assumindoqueapopulaçãodopaíserade1,6
milhõesdehabitantes,estimava‐sequeoconsumototaldearrozfossede139680
toneladas,ocorrespondentea235000toneladasdearrozcomcasca(BancoMundial
2010:89).Estandoaproduçãodearrozdopaísem2008estimadaem148757
toneladasdearrozcomcasca(FAO2010),calculava‐sequeodéficeemarrozdopaís
fossede86243toneladas.
Noentanto,afirmarqueopaísnãoéauto‐suficienteemarroz,édiferentedeafirmar
queoaumentodaproduçãodecastanhadecajutenhaprovocadodiminuiçãoda
produçãodealimentos,umassuntotambémdiscutidonocapítulo7.
Estabelecerumarelaçãodecausa‐efeitoentreumaeoutrasituaçãonãoparecefácil,
nemevidente.Analisandoporexemploaevoluçãodaproduçãodasprincipaisculturas
desubsistênciadopaísreunidas(arroz,milhosemandioca),nota‐sequeototalde
produçãodealimentosmaisdoqueduplicadosanossessentaaosanosoitenta(figura
4).
Abaixotenta‐semostrarcomonãoéfácilconcluirqueoaumentodaproduçãode
castanhadecajuéacausadadiminuiçãodaproduçãoorizícoladopaís,eemcomoos
agricultores,semqualquertipodeapoio(oucomapoiosquenãotiveramresultados
positivos),respondendoaosnovosdesafioseconstrangimentosdasúltimasdécadas,
nãosótransformaramaGuiné‐Bissaunumdosprincipaisprodutoresmundiaisdecaju,
assegurandoaquasetotalidadedasexportaçõesdopaís,comoaindatransformaram
102
osseussistemasagrícolas,assegurandoumaumentodaproduçãodealimentosdo
país.
6.4.1CausasdaDiminuiçãodaProduçãoOrizícolanosAnos1980e1990
Antesda independência,aadministraçãocolonialhaviaapostadona recuperaçãode
arrozaisdemangalpor todoopaís (ver capítulo5).Noentanto,duranteaguerra,a
produçãodearrozvoltaadiminuiremuitosdosarrozaissãoabandonados(figura3).
No período pós‐independência, durante a segunda metade dos anos setenta e na
décadadeoitenta,oMinistériodaAgriculturadaGuiné‐Bissau,providodefundosde
dadores internacionais,tevecomoprincipalprioridadearecuperaçãodosarrozaisde
mangal do sul do país. A maior parte dos projectos de recuperação passaram pela
construção de barragens de betão, um método de recuperação e construção de
arrozais diferente daquele praticado tradicionalmente pelos agricultores64. A
preferência foi por projectos de grande escala, com avultados investimentos e com
objectivosderecuperaçãodeváriosmilharesdehectaresdearrozaisabandonados.No
entanto, os resultados não foram positivos, “e em vez de melhorar a situação
causarammuitosproblemas,ehaviacasosemqueosagricultorespediamadestruição
dasobrasfeitas”(VanSlobbe1987:1.eCruz1986:44),easzonasondesecontinuava
a produzir arroz eram as zonas já hámuito recuperadas antes dos novos projectos
(Cruz1986:45).
64 Os arrozais de mangal (bolanha salgada) são antigos terrenos de mangal conquistados às marés através da construção de diques ou barragens. Nas bolanhas tradicionais são construídos diques sem recurso a máquinas, com lama e estacas, mas em algumas intervenções mais recentes foram construídas barragens de betão com a ajuda de máquinas. Nas bolanhas tradicionais o escoamento da água de dentro do arrozal é feito através de bombas construídas na maior parte dos casos com troncos de Elaeis guineensis ou Borassus aethiopum. Nas bolanhas em que foram construídas barragens o escoamento da água é feito através de comportas. Para uma descrição detalhada das diferenças de bolanhas tradicionais e bolanhas onde foram construídas barragens ver: Ribeiro, Rui. 1987. Barragens de água salgada. Soronda – Revista
de Estudos Guineenses 4: 38-57.
103
Figura3.Evoluçãodaproduçãototaldearroz(emtoneladas)de1961a2008.Fonte:FAO
2010.
A generalidade dos autores mostra como a maioria destes projectos não foram
precedidos por uma pesquisa de terreno adequada, e em como as missões de
consultoriadestinadasaavaliaroandamentodosprojectossebasearamemdadose
relatóriospoucofiáveis(Havik1990:44).
No sul, nas regiões de Tombali e Quínara, onde amaior parte dos projectos foram
realizados, os resultados foram catastróficos. O caso particular das aldeias de Bila,
Louvado, Crato e Gã Malam, em Quínara, é analisado no capítulo 7 (caixa 3). O
ProjectodeDesenvolvimentodaCostaSul, iniciadoem1983, com financiamentoda
USAID de 9,2 milhões de dólares americanos, é encerrado em 1990, e “existia um
consensosobreos fracos resultadosatingidos”,enenhumadasbarragensplaneadas
fora construída (Gomes 1996: 60). O Projecto de Recuperação das Bolanhas de
Tombali/Quínara, iniciado em 1985, com um financiamento do Koweit Fund de 4,5
milhões de dólares americanos, com o objectivo de recuperar 9300 hectares de
arrozais, encerrou com apenas 1200 hectares recuperados, que, no entanto, eram
“inutilizáveisdevidoaproblemasdegestãodaágua”(Gomes1996:60).
Aagravarasituação,de1978a1984opreçodoarrozécongelado,ehouveperdado
poderdecompradosagricultoresquesededicavamaocultivodearroz(Ribeiro1988:
8).Umestudode1985sobreospreçosdoarrozpagosaosagricultoresestimavaqueo
retornoliquidodeumprodutordearrozdemangal(bolanhasalgada)erade92pesos
104
guineensespordia,enquantoparaocultivodemandioca,umaproduçãocujopreço
nãoestavacontroladopelogoverno,erade353pesosguineenses(Konhert1988:9),o
queexplicaacrescenteapostadosagricultoresnocultivodestetubérculo(Figura2).
Figura4.Evoluçãodaproduçãodearroz,milhosemandiocade1961a2008(emtoneladas).
Fonte:FAO2010.
De1986a1989,contudo,falava‐sedeumarevitalizaçãodaproduçãoorizícola,devida,
na opinião de alguns à liberalização do comércio e subidas de preços pagos aos
agricultores, para outros a anos de chuva favorável, e ainda a um aumentar dos
ganhos com a venda de castanha de caju que permitiria um investimento na
recuperaçãodoscamposdearroz(Ribeiro1988:9).Noentanto,emboraosaumentos
deproduçãosejamvisíveisnasestatísticasoficiais (figuras3e7),algunsautoresque
realizaram trabalhos de investigação junto das populações produtoras de arroz de
mangal levantavamdúvidasquantoaestesaumentose falavammesmoemredução
dasáreasemprodução(Imbali1992:13).
As grandes quantidades de arroz importado a baixo preço que chegavam ao país, e
tambémoarrozprovenientedeajudaalimentar(figuras3e4),entregueaogoverno
paraservendidonomercadoeparaqueoslucrosfossemutilizadosemprojectosde
desenvolvimento, tornavamaconcorrênciacomoarrozproduzidopelosagricultores
difícil. No início dos anos noventa, os comerciantes não compravam o arroz de
105
produção nacional (Atchengen 1992: 73)65, e em várias aldeias do sul, grandes
quantidadesdearrozficarammesmosemcomprador(Imbali1992:13).
Figura5. Evoluçãodas importaçõesde arroz (em toneladas) entre1970e2007.Fonte: FAO
2010.
Figura6.Evoluçãodaajudaalimentaremarrozefarinhadetrigo(emtoneladas)dototalde
dadoresentre1974e2007.Fonte:FAO2010.
65 O autor recolheu as informações em Abril de 1991 junto de um representante da empresa Stenaks, que tinha como objectivo a compra de arroz no sul do país para venda em Bissau, e também junto da representante de um projecto de desenvolvimento para a promoção da produção orizícola dos pequenos agricultores.
106
Noiníciodosanosnoventa,os jovenscontinuavamaemigrarparaBissau,amão‐de‐
obra no campo a tornava‐se cada vez mais escassa, o arroz produzido pelos
agricultores tinha problemas de escoamento, os preços que apesar de subirem não
significaram melhorias de qualidade de vida. Das produções dos agricultores
guineenses, a castanha de caju era a única que mostrava realmente subidas
consideráveisdepreço(Imbali1992:13).
Numestudorealizadoemaldeiasdosuldopaís,naregiãodeCatió,talvezaprincipal
zonaprodutoradearrozdopaís,AlvessoneZéjan,notavamqueentre1986e1989as
receitas provenientes do caju (castanha e vinho) subiam de 6% para 9% dos
rendimentostotaisdosagricultoreseacastanhadecajuerajá“umbomcomplemento
do arroz”. Era provável, segundo os autores, que “a produção de castanha de caju
tivesse desestimulado outras actividades características dos períodos entre uma e
outraestaçãodearroz,comoporexemploaconfecçãodecestos,quediminuíamem
quantidades vendidas entre 1986 e 1989”, no entanto, visto que “a colheita não
coincidiacomaestaçãodearroz”oarrozcontinuavaacontribuirparaamaiorparte
dasreceitasdosagricultoresbalantas(50%dototal)(AlvessoneZejan1991:86e87).
TambémRuiRibeiro,eminvestigaçãorealizadaem1988entreosprodutoresdearroz
dosectordeTite,regiãodeQuínara,reflectiasobreascausasdorecenteaumentode
produção de arroz anunciado pelo governo, uma suposta consequência da
liberalização do comércio e subidas de preços pagos aos agricultores, perguntando
senãoseriaoaumentardosganhoscomavendadecastanhadecaju,quepermitindo
um investimento em mão‐de‐obra, o principal constrangimento à manutenção dos
arrozais,significavaarecuperaçãodoscamposdearrozdemangal.Ribeiro,nomesmo
trabalho,levantavaaquestão:“Qualviráaserafuturarelaçãoentreaenormeprocura
de castanha e a própria produção de arroz? Será que virá a confirmar a autonomia
balanta (os principais produtores de arroz de mangal), ao garantir‐lhe ummeio de
troca viável e não prejudicando a produção de arroz, ou virá a pôr em causa essa
produção,tendoemcontaafacilidadecomquesepassaráaencontrararroz?(Ribeiro
1988:9).
107
A emigração dos jovens do sexo masculino para Bissau, o falhanço dos projectos
governamentaisderecuperaçãodosarrozaisdemangal,eafaltadeescoamentodas
produçõesdearroz,nãodeixaramaosagricultoresoutraalternativaquenão fossea
aposta em cultivos menos exigentes emmão‐de‐obra: castanha de caju, mandioca,
milhos,earrozdeplanalto66,queviramassuasproduçõesaumentarnosanosnoventa
(figuras4e7).
Figura7.Evoluçãodaproduçãodearrozdebolanhasalgada,bolanhadoceepampam(em
toneladas).Fonte:Medina2008:16,dadosdoMinistériodaAgriculturaeDesenvolvimento
Ruralde2007.
Adiminuiçãodemão‐de‐obra,parecetersido,apartirdosanosoitenta,ogrande
constrangimentodaspopulaçõesruraisguineenses.Umasériedeautoresrelatam
comonasaldeiasguineenses,nosanosnoventaeprimeiradécadade2000,onúmero
dehomensjovenssehaviareduzido,ecomoastarefasagrícolaseramcadavezmais
dependentesdotrabalhodemulheres,velhosecrianças(Gable1997,Temudoe
Abrantes2009).OgrandeaumentodepopulaçãonaGuiné‐Bissauaolongodasúltimas
trêsdécadas(766739habitantesem1979e1548159habitantesem2009)não
66 O arroz de planalto (arroz de pampam em crioulo guineense) é um sistema de produção de arroz itinerante. A cada ano uma parcela de floresta é cortada, seca e queimada, e aquando as chuvas o arroz é semeado. Este tipo de produção de arroz não exige a manutenção de infra-estruturas permanentes, como os diques, fortemente exigentes em mão-de-obra, e essenciais na produção de arroz de mangal. Assim, a cada ano, e conforme as suas disponibilidades de floresta e mão-de-obra os agricultores podem determinar a área de arroz que irão cultivar.
108
significouumaumentodamão‐de‐obradisponívelnointeriordopaís(tabela3).
EnquantoapopulaçãodacidadedeBissaucresceu352,5%de1979a2009,as
restantesregiõesdopaíscresceram176,9%67.
Tabela3.EvoluçãodapopulaçãodaGuiné‐BissauedacidadedeBissau.Fonte:INEC1991INEC
2009(emhttp://www.stat‐guinebissau.com/rgph_index.htm,consultadoa7deJunhode
2010).
1979 1991 2009PopulaçãototaldaGuiné‐Bissau 766739 979203 1548159
PopulaçãodeBissau 109214 195389 384960
PopulaçãodaGuiné‐BissausemBissau 657525 783814 1163199
Osagricultoresguineenses“nãoqueremdiversificar”
“Butdespitethepotentialbenefitsofmovingbeyondcashews,aidgroupsencounter
reluctanceamongsomefarmerstochangethecropstheygrow–oreat,International
CommitteeoftheRedCross’seconomicsecurityadviserIldaPinatoldIRIN.“Allthey
haveknownisriceandcashews…Tochangepeople’shabitsareverydifficult;wehave
tomoveveryslowly.SomeethnicgroupsinGuinea‐Bissaudonoteattomatoesor
greenbeans”,shesaid.“Itisnotintheirtradition”68.
Nosúltimosanosogovernoguineenseeumasériedeorganizaçõesinternacionaistêm
vindoaapelaràdiversificaçãoagrícola,eaalertarosagricultoresparaoperigoda
dependênciaexcessivadeumúnicoproduto–acastanhadecaju.Naaberturada
campanhaoficialdacastanhadecaju,umcerimónianormalmentepresididapelo
Primeiro‐MinistroeMinistrosdaAgriculturaeComércio,equenormalmentedecorre
aMarçodecadaano,éjáumaconstantequefaçampartedosdiscursosfrasescomo
67 Optou-se por não considerar a população das pequenas cidades do interior da Guiné-Bissau como população urbana, por em muitos casos esta população ter um papel activo na agricultura. Também fica de fora desta análise simplista a avaliação da situação de mão-de-obra temporária: no tempo das chuvas muitos jovens residentes em Bissau deslocam-se ao interior para ajudar nas tarefas agrícolas. Não existem contudo dados sobre estas dinâmicas. 68 IRIN, 22 de Outubro de 2009, em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=86697, consultado a 14 de Agosto de 2010.
109
“nãodeixemqueocajusetorneumperigoeporissodevemdiversificaraprodução,e
assimteremosmenosproblemasdeconcorrênciaefixaçãodepreços”69,ou“opaís
nãopodecontinuarobcecadocomaproduçãoeexportaçãodecastanhadecaju,
sobretudodeformabruta,queremosapelaràdiversificaçãodaagriculturanacional”70.
Em2007,apósmarchadeprotestodaAssociaçãodeAgricultoresGuineenses(ANAG)
contraosbaixospreçosdecompradacastanhadecaju,oprimeiro‐ministroreage
respondendo:“osagricultoresestãoavenderoseucajuabaixopreçoporquenão
produzemoutrosprodutosdesubsistência,equemnãotemcomidaéobrigadoa
venderabaixopreço,eéporessemotivoquegovernovemapelandoparaa
diversificaçãodeculturasdesubsistência”71.
Os apelos do governo à diversificação parecem no entanto, não passar mesmo de apelos.
O país não possui actualmente qualquer tipo de política de extensão rural, o Instituto
Nacional de Pesquisa Agrária (INPA), que no passado foi em parte financiado por
dadores internacionais, encontra-se praticamente ao abandono, e não existe investigação
sobre melhoramentos agrícolas, combate a pragas e doenças, novas variedades
agrícolas, etc. (Banco Mundial 2010: 73). Na prática, a produção agrícola do país é
assegurada pelos agricultores, sem qualquer tipo de apoio estatal. O que parece ser, de
resto, um prolongar da situação colonial.
6.4.2ACriseMundialdosAlimentosde2007–2008–PossíveisConsequênciasparaaProduçãoAgrícolaLocal
Ataxadeinflaçãode12mesessubiade3,2%emfinalde2006para9,3%emfinalde
2007devido,sobretudo,aumasubidade14%nopreçodosalimentos.Ainflação
manteve‐seelevadaem2008,enofinaldeMaioatingiaos9,1%.Davam‐sesubidas
dospreçosnosalimentosdecercade15,5%.Oquilogramadearroz,empoucosmeses,
passouacustar430CFAaoinvésde250CFA,umasubidade72%(BancoMundial
69 Diário de Bissau de 23 de Abril de 2008. 70 Nô Pintcha de 2 de Abril de 2009. 71 Diário de Bissau de 22 de Maio de 2009.
110
2010:100)(paraevoluçãodopreçodoarrozver6.7),easimportaçõesdearroz
diminuem(figura6).
Paraomesmoperíodoasestatísticasmostramsubidasdeproduçãodosprincipais
cultivosalimentaresdopaís(figuras3e7).Ocultivodearrozdeplanalto,que
normalmenteconstitui10%daproduçãonacionaldearrozsubiapara46%(Banco
Mundial2010:90).Osagricultores,comdificuldadesnacompradearrozdevidoà
subidadepreços,aumentavamasuaproduçãodearrozdeplanalto,maisfácilde
aumentarrapidamente.
Nosul,emQuínara,TemudoeAbrantesnotavamem2008e2009esforçosrecentes
narecuperaçãodosarrozaisdemangalentretantoabandonadosporfaltade
manutenção,eoaparecimentodeestratégiasquepermitiamarecuperaçãodos
camposdearrozapesardosconstrangimentosemmão‐de‐obra72(TemudoeAbrantes
2010).Voltavaavalerapenacultivararroz,enumespaçodetrêsanos,osagricultores,
semquaisquerapoios,aumentaramasuaproduçãodestecereal,ultrapassando
mesmoasproduçõesatingidasduranteosanosoitenta73.
Estapoderáserumaanálisesimplistasobreasdinâmicasdaproduçãodealimentosea
suarelaçãocomoaumentardaproduçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissau.
Simplistaebaseadaemdadospoucofiáveiscomoosãoasestatísticasguineenses
sobreaproduçãodealimentos.Noentanto,pretende‐semostrarqueosdados
disponíveisnãopermitemconcluirqueoaumentodaproduçãodecastanhadecaju
tenhasignificadoadiminuiçãodaapostadosagricultoresnoscultivosdesubsistência.
Osdadosdisponíveis,mostramsim,queumapopulaçãoruralcomfaltamão‐de‐obra,
esemqualquerapoioestatal,maisdoqueduplicouaproduçãototaldealimentos,e
72 Por exemplo, famílias que possuem grandes arrozais de mangal, e que deixaram de conseguir assegurar mão-de-obra suficiente ou recursos para a manutenção e levantamento dos diques que protegem os arrozais da água do mar, iniciaram processos de distribuição da sua propriedade, conseguindo assim mais mão-de-obra para manutenção dos diques. Também várias famílias iniciaram plantação e recuperação de pequenas parcelas de arroz nas áreas mais distantes do mar, onde é mais fácil proteger os arrozais da água salgada. 73 Os dados oficiais sobre produção de arroz levantam algumas dúvidas. No trabalho de campo realizado em Quinara, embora se notassem tentativas de recuperação de campos de arroz abandonados, grande parte dos arrozais de mangal, e que haviam sido produtivos durante os anos oitenta, continuavam destruídos.
111
simultaneamenteasseguraaquasetotalidadedasexportaçõesdaGuiné‐Bissau,e
partedasreceitasdoestadoguineense.
6.5ExportaçãodeCastanhadeCaju–AImportânciaparaaEconomiaeReceitasdoEstadoGuineense
Opesodasexportaçõesdecastanhadecajunototaldeexportaçõestemrondadonos
últimosanosos99%(tabela4)oquetornaaGuiné‐Bissauopaísafricanomais
dependentedeumúnicoprodutodeexportação.Nemmesmopaísesexportadoresde
petróleocomoAngola,NigériaouaGuinéEquatorialatingemtalníveldedependência
(BancoMundial2010:17).
Tabela4.Percentagemdosvaloresdeexportaçãodacastanhadecajunovalortotalde
exportações.Fonte:BancoMundial2010:17,dadosdoBCEAO(BancoCentraldosEstadosda
ÁfricaOcidental)edoFMI.
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007%dovalordeexportaçãodacastanhadecajunototaldeexportações
96,3 94,3 88,4 89,5 86,7 94,9 99,3 98,6
Noentanto,exportaçõescomooamendoim,asmangas,amandioca,oóleodepalma,
epeixefumadoeseco,queapresentamumaimportânciasignificativanos
rendimentosdosagricultores(vercapítulo7)nãosãopraticamentecontabilizadosnas
estatísticasoficiais,poissãonasuamaioriacomercializadosinformalmenteatravésdas
fronteirasterrestres.AmercadoscomoodeDjaobéemCasamança,noSenegal,
chegamacadasemanagrandesquantidadesdeamendoimepeixefumado
provenientesdaGuiné‐Bissau.Poroutrolado,tambémpartedaexportaçãoguineense
decastanhadecajunãoécontabilizadanasestatísticasoficiais,poiséfeita
ilegalmenteporviaterrestre,comdestinoaosportosdeDakareBanjul.Háquemfale
devaloresdecastanhadecajucontrabandeadaqueatingemos30%dototalde
castanhadecajuexportadaoficialmente(BancoMundial2010:22).Énoentantodifícil
112
realizarestimativas,porqueasquantidadesquesaemopaísporestaviavariammuito
deanoparaano.Geralmente,ofactodosportosdeDakareBanjulteremcustosde
embarquebastanteinferioresaoportodeBissau,levaaqueopreçodacastanhade
cajusejasuperiornestespaíses,eaquehajaestímuloaocontrabandodecastanha,no
entanto,nosanosemqueopreçodacastanhadecajuéfavorável,como2008,os
agricultoresvendemassuasproduçõesdentrodaGuiné‐Bissau74.Tambémvolumes
significativosdepescadoquetodososanossãoexportados,nãoestãopresentesnas
estatísticasoficiaissobreasexportações,poissãocontabilizadoscomoexportaçãodos
paísesaquepertencemosbarcosdepesca(BancoMundial2010:17).
Noentanto,éindiscutíveloenormegraudedependênciaqueaGuiné‐Bissau
apresentaemrelaçãoàsexportaçõesdecastanhadecaju.Afigura8mostracomoo
PIBguineenseseencontrafortementedependentedaexportaçãodecastanhadecaju.
Anosemqueaexportaçãodecajusobe,oPIBsobe,anosemqueaexportaçãodesce,
oPIBdesce.Aexcepçãode2008e2009,emquesedáumataxadeevoluçãodoPIB
negativa(de3,3%para2,9%)deve‐seemparteaofactodeainstabilidadepolíticater
provocadoatrasosnosdesembolsosdaajudapúblicaaodesenvolvimento,eaofacto
denamediçãode2009nãotersidoaindaconsideradaaexcepcionalquantidadede
castanhadecajuexportada75.
74 Tem sido uma preocupação do governo guineense o controlo das exportações ilegais por via terrestre, principalmente porque representam a perda da taxa de exportação de caju para os cofres do governo. A Guiné-Bissau, faz parte da ECOWAS (Economic Community of West African States), que permite importações entre os seus membros sem que sejam cobradas taxas, no entanto as taxas de exportação não são permitidas entre os membros da comunidade (Banco Mundial 2010: 17). 75 Dados do BCEAO, em http://www.africaneconomicoutlook.org/po/countries/west-africa/guinea-bissau/
113
Figura8.TaxadecrescimentodoPIBguineenseemvaloresreaiseevoluçãodaexportaçãode
castanhadecaju(emdezenasdemilharesdetoneladas).Fontes:OCDE2010eCNC2009:13.
Aevoluçãodastransacçõesdebenseserviçosguineenses(tabela5)mostracomonos
últimosanos,ovalordasimportaçõestemexcedidoconsideravelmenteovalordas
exportações,contribuindoparaaltosdéficescomerciais.Osalimentosecombustível
representamrespectivamenteumamédiade38,6e21,2%dototaldemercadorias
importadasnoperíodode2003‐2007.Osvaloresdeimportaçãodosalimentosedos
combustíveissofremgrandesvariações,poisosseuspreçosinternacionaisapresentam
grandesflutuações(principalmenteoscombustíveiseoscereais).Deentreos
alimentosimportadosoarroztemamaiorpercentagem(12%),enquantoafarinha,
açúcar,eóleorepresentam2%.Aparteasimportaçõesdealimentosecombustíveis,as
principaisimportaçõessãoveículos,cimento,emaquinariadeconstruçãodeestradas
(BancoMundial2010:18).Denotar,queapesardagrandesubidanopreçodos
alimentosem2006e2007,houvedescidasnasuapercentagemdovalortotalde
importações,ficandoadúvidaseestadescidasedeveaaumentosnaprodução
nacionaldealimentosouaoaumentodasimportaçõesinformais(asestatísticassobre
aproduçãodealimentoslevamacrerquetenhahavidonestesúltimosanosum
aumentodaproduçãodealimentosnaGuiné‐Bissau‐ver6.3.).Noentanto,em2008,a
percentagemdovalordosalimentosnototaldeimportaçõesvoltaaaumentar,
consequênciadasgrandessubidasdepreçoqueestessofreramnomercado
internacional(principalmenteoscereais).
114
Tabela5.TransacçõesdebenseserviçosdaGuiné‐Bissauentre2000e2007(embiliõesde
francosCFA).Fonte:BancoMundial2010:16,baseadoemdadosdoBCEAOedoFMI.
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007BenseServiços ‐42,7 ‐50,0 ‐30,4 ‐19,4 ‐17,0 ‐22,2 ‐46,5 ‐30,4
Bens ‐8,9 ‐20,7 ‐11,8 ‐5,0 2,3 ‐2,9 ‐27,6 ‐13,7
Exportações,f.o.b. 62,1 36,6 37,2 36,1 44,3 47,1 29,2 35,1
dasquaiscastanhadecaju 59,8 34,5 32,9 32,3 38,4 44,7 29,0 34,6
Importações,f.o.b. 71,0 57,4 49,1 41,1 42,0 50,0 56,8 48,8dosquaisalimentos 19,8 16,9 17,9 21,0 15,5
dosquaisderivadosdepetróleo 6,7 8,4 11,3 14,0 11,0
dosquaisoutros 14,5 16,7 20,8 21,7 22,3
Serviços(líquido) ‐33,7 ‐29,3 ‐18,5 ‐14,4 ‐19,3 ‐19,3 ‐18,9 ‐16,7Crédito 6,4 5,4 5,1 5,0 4,1 2,7 1,8 16,0
Débito 40,1 34,6 23,6 19,4 23,4 22,0 20,7 32,7
PIBnominalapreçosdemercado 153,4 145,9 141,9 137,1 150,6 159,2 165,8 182,8
Déficecomercialcomo%doPIB 27,8% 34,3% 21,4% 14,1% 11,3% 13,9% 28,0% 16,6%
Emboraasrápidassubidasdasquantidadesdecastanhadecajuexportadastenham
contribuídoparaareduçãododéficecomercialguineensenosúltimosanos,aGuiné‐
Bissautemmantidoumdéficecrónicoaolongodasúltimasdécadas(BancoMundial
2010:16).
6.5.1AImportânciadaExportaçãodeCastanhadeCajunosRendimentosdoEstadoGuineense
Comoseconstatanatabela6,aprincipalfontedereceitadasfinançaspúblicas
guineensessãoasreceitasalfandegárias.Asalfândegascontribuíramcom35a40%
dosimpostostotaisnoperíodode2005a2007.Ataxaaplicadasobreasexportações
decastanhadecajuatingiu1,9biliõesdefrancosCFAem2007eéumimportante
contributoparaasreceitasestatais.Noentanto,osdireitosdepescapagospelaUnião
Europeia,quetêmgrandepesonasreceitasestatais,sãodifíceisdecontabilizarpois
sãoempartepagosatravésdeajudaaodesenvolvimento(BancoMundial2010:17).
Tabela6.ReceitasfiscaisdaGuiné‐Bissauentre2005e2007(emmilhõesdefrancosCFA).
Fonte:BancoMundial2010:5,baseadoemdadosdoMinistériodasFinançasdaGuiné‐Bissau
eestimativasdosfuncionáriosdoFMI.
2005 2006 2007TotaldeReceitas 27978,0 32106,3 26618,3
Receitasfiscais 18333,7 18473,6 18793,0
115
Impostosdirectos 4113,4 4621,7 4710,4
Impostosindirectos 14220,2 13851,8 14082,6
Impostossobretransacçõesinternacionais 6426,0 6807,1 7027,5
Tarifas(DI) 3754,4 4479,3 4207,4
Combustíveis 858,6
Arroz 678,4 Outrasimportações 2217,4
Taxasdeexportação 0,0
Taxadeexportaçãodecaju 2009,8 1606,2 1897,9
Outras 661,8 2327,8 922,2
Ataxadeexportaçãodecastanhadecajuincidesobreumabasetributáriadefinida
pelogovernoenãosobreorealvalorf.o.b.dacastanhadecaju.Em2002,devidoàs
dificuldadesfinanceirasqueoscompradoresdecastanhadecajuenfrentavamapósa
guerracivilde1998eaofechodosdoisbancosnacionaisqueoperavameforneciam
créditoaosexportadores,ogovernodecidebaixarabasetributáriapara600dólares
americanos(tabela7),ediminuirataxadeexportaçãodacastanhadecajude10%
para6%(aqueseacresceumataxade2%decontribuiçãopredialrústicaede0,6%de
taxadeempresaindustrial).Ataxadeexportaçãodacastanhadecajusofreuassim
umareduçãodeumtotalde12,6%para8,6%,valorquesemanteriaatéàactualidade.
Adiminuiçãodabasetributáriaeadescidadataxadeexportaçãotiveramcomo
consequênciaumadiminuiçãorealdataxadeexportaçãoem53%,eumadiminuição
dasreceitasarrecadadaspelogovernocomaexportaçãodecastanhadecajude2
biliõesdeFCFAem2002(1,5%doPIB)(FMI2005:16)(tabela8).Astaxasmanter‐se‐
iaminalteradasatéàactualidade,noentantoabasetributáriatemvindoasofrer
variações,queemalgunsanosnãoparecemteracompanhadoosreaisvaloresf.o.b.de
exportação.Em2008,porexemplo,abasetributáriafoifixadaem600dólares
americanosportonelada,noentanto,opreçodeexportaçãodatoneladadecajuterá
atingidoos1050dólaresamericanos.Ataxadeexportaçãode8,6%queseaplicavaem
2008,representavaassimnarealidade,apenas4,9%dorealpreçodeexportação
(BancoMundial2010:79).
Tabela7.Evoluçãodabasetributária(preçoatribuídopelogovernoàtoneladadecastanhade
cajuparaaplicaçãodataxadeexportação)emdólaresamericanos.Fonte:CNC2009:9.
Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Basetributária 700 800 750 600 650 650 650 750 600 600 600
116
Tabela8.Evoluçãodasreceitasprovenientesdataxadeexportaçãodecastanhadecajude
1999a2009(valoresemmilhõesdedólaresamericanos).
Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009ReceitasdeExportação 5,22 6,89 7,02 3,76 4,19 5,21 5,37 5.95 4,96 5,66 7,00
6.6AIntervençãoEstatalnoMercadodeCastanhadeCajuGuineense
Desde2008queacampanhadecomercializaçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissau
decorresemgrandeintervençãoestatal,poisogovernooptouapartirdestadatapor
nãoinfluenciar,outentarinfluenciar,opreçoaqueacastanhadecajuécompradaaos
agricultores.
Noentanto,nemsemprefoiassim.Duranteosúltimosvinteanosogovernodecretou
preçosmínimosobrigatóriosaserempagosaoagricultor,preçosdereferência,
aumentouereduziutaxasdeexportação,etentoupordiversasvezesimpedirque
comerciantesestrangeirosoperassemnomercadoguineensedecastanhadecaju.
Seriaapenasapósaterrívelexperiênciade2006,anoemqueosagricultores
guineensesreceberampelassuasproduçõesdecastanhadecajuovalormaisbaixode
sempre,queogovernoguineensedecidiuliberalizarnatotalidadeomercadode
compraevendadecastanhadecaju.
AsucessivainstabilidadepolíticaqueaGuiné‐Bissautematravessadoaolongodas
últimasdécadasnãotemcontribuídoparaaexistênciadeumaestratégiacoerentede
acçãogovernamentalnomercadodecastanhadecaju,enãotemfavorecidoa
estabilidadedequadrossuficientementequalificadosnosdepartamentosministeriais
comcapacidadeparalidarcomquestõestãocomplexascomoaevoluçãodopreço
internacionaldacastanhadecaju.
Atarefadogovernoguineensenãotemsidofácil.Pressionadoporagricultoresque
desejamomelhorpreçopossível,negociantesinternacionaisquedesejamospreçoso
117
maisbaixopossível,exportadoresecomerciantesnacionaisquenãoquerem
concorrência,eorganizaçõesinternacionaisquequeremtotalelivreconcorrência.
6.6.1UmaBreveCronologiadaIntervençãoEstatalnoComérciodeCastanhadeCaju
Em1986,comaimplementaçãodosprogramasdeajustamentoestruturalnegociados
comoFMIeoBancoMundial,aGuiné‐Bissauiniciaumprocessodeliberalização
económica.Em1995,opaísadereàOMC.Contudo,ogovernomanteveapolíticade
fixarumpreçomínimoobrigatórioaserpagoaoagricultorpelosprincipaisprodutos
agrícolas,edurantealgunsanosopreçodacastanhadecajumanter‐se‐iafavorável
aosagricultoresesignificativamentemaisaltoqueopreçopagopeloarroz.Acompra
eaexportaçãodecastanhadecajunãosofreriamumatotalliberalização.Em1986,em
plenoprocessodeliberalizaçãoeconómica,oMinistrodoComércioexplicavacomo
funcionariaaexportaçãodecastanhadecaju:“Nóstemosonossoserviçodecotações
internacionaiseverificamosqueopreçoestáàvoltade850dólaresamericanospor
tonelada.Semechegaumcomercianteprivadoaquererexportarcastanhadecajupor
820dólaresamericanosportoneladaeunãodoulicença.Portantoaslicençasde
exportaçãoeimportação,asautorizaçõeseasassinaturasdosboletinsserão
condicionadasàrealidadedospreçosrecebidosemcotaçõesdeorganismos
internacionais(…)Eaquiloquenóspretendemosdefactoéinstaurarnestepaísuma
politicadepreçosreais,portantoaexportaçãoseráabertaaoprivado,emtodosos
produtos,semexcepçãonenhuma,desdequeelesapresentemasquantidades
mínimasquevamosdefinir(Santos1986:49e51).
Em1998ogovernoprivatizaaempresaestatalqueatéhádataseencarregarada
compradasproduçõesdosagricultores,osArmazénsdoPovo,eocomércioecompra
decajupassamaestarabertosatodososquenelequeiramparticipar,nacionaisou
estrangeiros(estesúltimosapenastinhamquefazerprovaemcomotinham
instalaçõesalugadasnopaís76).Ogoverno,emborativessedeixadodeanunciarpreços
76 Nô Pintcha de 16 de Maio de 2000.
118
mínimosobrigatóriosaserempagosaosagricultores,passaadecretaracadaanoum
preçomínimodereferênciadiscutidopelosváriosintervenientesnosector77,e
anunciadoviarádioportodoopaísnadatadeinauguraçãodoperíodode
comercializaçãodecastanhadecaju(tabela9).Emboraopreçomínimodereferência
nãofosseumpreçoobrigatório,mastãosomenteumareferênciaeum
aconselhamento,osagricultoreseramincentivadosanãoaceitarpreçosinferiorespela
suacastanhadecaju.
Tabela9.Evoluçãodopreçodereferênciaaoprodutoranunciadopelogovernode1999a2009(emfrancosCFA/kg).Fonte:CNC2009:15.
Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Preço 300 300 300 250 250 250 250 350 200
Opapeldogoverno,contudo,nãoviriaacingir‐seaodeanunciaredivulgarumpreço
dereferência,eduranteaúltimadécadaseguiram‐setentativasderegulamentaçãodo
mercadomaisoumenosevidentes.
Em2000,numaclaratentativadeafastarosintervenientesestrangeirosaoperarno
mercadodecastanhadecajuguineense,éaprovadooDecreto‐Leinº2de2000,que
determinaqueosinvestidoresestrangeirosquepretendamparticiparnacampanhade
comercializaçãodecajunopaísdevempagarumacauçãode2,5biliõesdeFCFA,ou
emalternativafazerprovadeinvestimentorealizadonopaíssuperiora1,8biliõesde
FCFA.Ovalorcorrespondentea30%dacastanhadecajucomercializadadeveriaainda
serentregueaogovernosobaformadecaução.Amedidagovernamentalnãoagrada
aoscomerciantesmauritanos,queconstituíamgrandepartedoscompradoresde
castanhanointeriordopaís,edecidemfecharosseusestabelecimentos.Avisavam
aindaogovernoqueasuasaídadomercadoprovocariadificuldadesnavendada
castanhadecajudosprodutoresmaisisolados,queficariamsimplesmentesem
compradores78.A25deMaiodomesmoano,apósaspressõeseameaçasdos
77 Estes intervenientes normalmente são: ANAG (Associação Nacional de Agricultores Guineenses), AGEX (Associação Guineense de Exportadores), CCIA (Câmara de Comércio, Indústria e Agricultura), CNC (Comissão Nacional de Caju), e Ministério do Comércio. 78 Diário de Bissau de 25 de Maio de 2000.
119
comerciantesestrangeiros,oDecreto‐Leinº2de2000éalterado,eovalordacauçãoa
aplicaraosexportadoresestrangeirosreduz‐separa0,5biliõesdeFCFA79.EmOutubro
ogovernoanunciaadecisãode“decisivamenteanularasdescriminaçõesentre
nacionaiseestrangeiros”80.AAGEX,noentanto,manifesta‐secontra,emantémasua
concordânciacomoDecreto‐Leinº2de200081.
Em2001,ogovernoaprovanovodecreto‐leiquenãodiscriminaoscomerciantese
exportadoresestrangeirosdesdequeprovemtermaisdeumanodepermanênciano
país.Osexportadoresnacionais,atravésdasassociaçõesqueosrepresentam(AGEXe
CCIA)manifestam‐setotalmentecontraonovodecretopor“abrirmercadona
totalidade”,eafirmamestardescapitalizadosdevidoàguerracivilde1998‐1999,não
teracessoacrédito,eporissonãoestaremcondiçõesdefazerconcorrênciacomos
operadoresestrangeiros82.OentãoMinistrodaAgricultura,AlamaraNhassé,responde
àscríticasdaAGEXedaCCIAafirmandoqueos“operadoreseconómicosnomercado
decajusópensamemlucros,lucros,emaislucros!”83.
Em2002,oSecretáriodeEstadodoComércioedaIndústriaencarregaaComissão
NacionaldeCajudefazerlevantamentoeprospecçãodenovosmercadosparaa
castanhadecajunacionalederealizarviagensdeestudoaoutrospaísesafricanoscom
tradiçãonacomercializaçãoeexportaçãodecastanhadecaju,afirmaterquese
“encontrarnovosparceirosparafazerfaceàÍndia,poissóassimseconseguirão
melhorespreços”84.
Em2003ogovernooptapornovaestratégia,numatentativadeassegurarmelhores
preçosaosagricultores(acastanhadecajuestavaasercomprada100FCFA/kgem
algumaszonasdopaís85),efazcontratocomosArmazénsdoPovo,entretanto
79 Diário de Bissau de 25 de Maio de 2000. 80 Diário de Bissau de 11 de Outubro de 2000. 81 Diário de Bissau de 10 de Dezembro de 2000. 82 Diário de Bissau de 19 de Abril de 2001. 83 Diário de Bissau de 19 de Janeiro de 2001. 84 Correio da Guiné-Bissau de 28 de Março de 2002. 85 Correio da Guiné-Bissau de 18 de Julho de 2003.
120
privatizados,paraquecomprem30miltoneladasdecastanhadecajuaumpreçode
250FCFAporquilograma.
Ogovernojustificaaintervençãoafirmandoque“existemosquequeremalteraro
preçodacastanhadecaju,ecomonóstemosnoçãoqueaspessoasestãoafazer
montagemnosentidodeprovocarquedadopreçodecidimosmanifestaranossa
presençacomoautoridadeadministrativa.Ésimplesmenteporestarazãoque
tentamosencontrarmercadodecompradorparaosnossosprodutosecomerciantes,
noentantoasoluçãocabeaosprivados”86.Ogovernoéacusadode,apesarda
liberalizaçãoeconómica,tervoltadoarecorrerapráticasdecontrolodirectodo
mercado.OpresidentedaAssociaçãoComercialdaGuiné‐Bissauculpaogovernopelos
mausresultadosdacampanhadecastanhadecajuem2003,devidoaoelevadopreço
cobradopelaemissãodealvarásdecomercialização(600milFCFA),edizquegoverno
deveriacolocardinheirodisponívelparaempréstimosàclasseempresarialaoinvésde
compraracastanhadecajudirectamenteaosagricultores,atitudequeconsidera“um
retrocessoaosistemadecomérciolivreemvigorhámaisde16anos”.AACGB,assim
comoaAGEX,defendemleiqueexcluaosestrangeirosdocomérciodecaju87.O
DirectorGeraldoComércio,MalanDaura,respondeaopedidodizendoque“há
liberalizaçãocomercialenãopodemosvoltaratrás,aactividadecomercialfoientregue
aosectorprivado”88.
Em2004,umestudorealizadoporconsultoresinternacionaissobreomercadodecaju
guineense,afirmavaqueesteestavarelativamenteliberalizado.Havia300
comercianteslicenciadosquecompravamcastanhadecajunointeriordopaísequea
vendiamemBissau,e40exportadoresqueexportavamdirectamenteparaaÍndiaou
quevendiamacastanhaaoscompradoresindianosquesedeslocavamaBissau(Banco
Mundial2010:76).
86 Correio da Guiné-Bissau de 25 de Junho de 2003. 87 Correio da Guiné-Bissau de Agosto de 23 de Agosto de 2003. 88 Correio da Guiné-Bissau de 9 de Julho de 2003.
121
Em2005éaprovadanovodecretodeleiqueregulamentaacomercializaçãodecaju
(DLnº03de2005de16deAbril),quereafirmaqueacampanhadecomercializaçãode
cajuseráfeitaem“regimedelivreconcorrência”,noentanto,oMinistrodoComércio,
reuniacomoscompradoresindianosdecastanhadecaju,aquemanunciavaque“não
poderãocomercializarforadobordodosseusnavios”eaindaque“nãoqueremosver
nenhumindianoaescoltarcamiõesparaembarcarcastanha”89.OpresidentedaAGEX,
BraimaCamará,voltaadefenderaideiadequeosexportadoresnacionaisestão
descapitalizadosdevidoàguerracivilde1998,edequeenfrentamenormes
dificuldadesnaobtençãodefinanciamento,situaçãoqueosobrigaarecorrerao
financiamentodoscompradoresindianosqueassimditamassuasregras.Como
soluçãosugeriamaogovernoadisponibilizaçãode20milhõesdedólaresamericanos
disponívelparaempréstimoaosexportadores90.
Oanode2006seriatalvezoanomaisproblemáticodahistóriadacomercializaçãoda
castanhadecajunaGuiné‐Bissau.Em2006,ogovernoanunciaopreçomínimode
referênciamaisaltodesempre:350FCFAporquilograma91(tabela9).Ajustificaçãodo
governoparatalaumentodepreçosugeridoprendia‐secomamelhoriadafacilidade
deobtençãodecréditodevidoaoaumentodonúmerodebancosaoperarnopaís92.
Noentanto,aproximidadedeeleiçõeseavontadedeagradaràmaiorpartedos
eleitoresdopaís–osagricultores–nãoterásidoumfactoralheioàdecisão.Os
exportadoresdecastanhadecajunãoconcordavamcomogovernoeafirmavamser
impossívelpagarpreçossuperioresa100FCFAporquilograma,devidoaalegadas
descidasdopreçointernacionaldacastanhadecaju.Osexportadoresnacionaiseos
negociantesinternacionaisrecusam‐seemblocoacomprarcastanhadecajuaopreço
anunciadopelogoverno.Ogoverno,noentanto,emMaio,voltaaafirmarconsideraro
preçoanunciadoacessíveleapelaaosprodutoresparaque“guardemasuacastanha
porquemelhoresdiashaverãodechegar”93.Agravandoasituação,nodecorrerda
campanhadecomercialização,sãoaprovadasleisfiscaisnãofavoráveisaos
89 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005. 90 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005. 91 Diário de Bissau de 13 de Abril de 2006. 92 Diário de Bissau de 13 de Abril de 2006. 93 Diário de Bissau de 19 de Maio de 2006.
122
negociantesinternacionais.AOlam,amaiorcompradoraàdatadecastanhadecajuna
Guiné‐Bissau,apósverpartedacastanhaquearrecadavanosseusarmazéns(6mil
toneladas)serconfiscadapelogovernoporalegadonãopagamentodetaxasnovalor
de2,4milhõesdedólares(etambémporestardescontentecomasmedidas
aprovadaspelogovernoqueimpediamosnegociantesestrangeirosdecomprar
castanhadecajudirectamenteaosprodutores),decideabandonaropaís.
Masnãoseriamapenasosapelosgovernamentaisaosagricultoresparaquenão
baixassemopreçodevendadacastanhadecaju,nemasleisdesfavoráveisaos
compradoresindianoseaprovadasemplenacampanha,osfactoresresponsáveispela
másituaçãode2006.
NazaréPinaVieira,mulherdojáfalecidoex‐chefedeestadoJoãoBernardoVieira,
anunciaem2006quecomprará30miltoneladasdecastanhadecaju(cercadeum
terçodosvolumesatéentãoexportadospelopaís)aopreçode350FCFApor
quilograma94.EmSetembro,contudo,osseusarmazénsdeBissauestavamencerrados,
eacastanhadecajuqueprometeracomprarencontrava‐seaindanamãodos
agricultoresounãoforapaga95.
A12deMaio,dataemquenormalmentepartedacastanhadecajudopaísjáfoi
vendidapelosagricultoreseembarcada,haviamsidocompradasapenas1500
toneladas(cercade1%dacolheitaestimadaem2006).EmJulhode2006,aFAO
anunciavaqueamaioriadapopulaçãoenfrentavainsegurançaalimentarcrónica,ea7
deAgostoaschuvasdequedependiaaproduçãoagrícolaestavamatrasadas.
Osagricultores,cujosstocksdearrozhaviamterminadodesesperados,tentamvender
asuacastanhadecajuapreçosinferiores,eoquilogramadecastanhadecajuatinge
valoresde50FCFA.Ogoverno,atravésdaempresaMarketing&Gestão,dedica‐sea
comprarcastanhadecajuabaixopreço,situaçãoqueviriaaserconsideradapelo
BancoMundialcomoum“entorseàsregrasdemercado”96.Nofinaldacampanhade
94 Diário de Bissau de 22 de Junho de 2006. 95 Diário de Bissau de 21 de Setembro de 2006. 96 Diário de Bissau de 5 de Setembro de 2007.
123
comercializaçãoogovernoreconhecequedas120miltoneladasdecastanhadecaju
produzidasem2006,apenas60milhaviamsidoexportadas97.
Em2007,apósaquedadoanteriorgoverno,ogovernorecebeavisossucessivosdo
FMI,BancoMundialedaFAO,nosentidodeque"ogovernoassegurequeoquadrode
políticassejapercebidopelosectorprivadocomosendoplenamentepositivo.Oque
requereráaimplementaçãotransparentedepoliticasclaramenteanunciadaseda
aplicaçãodeformaconsistentede"regrasdojogo"previamenteacordadas.Éporisso
importantequegovernoemitasinalclaroemcomonãotemintençãodeintervir
novamentenosarranjosdomercadodecaju”98.Ogoverno,apesardas
recomendações,voltaaanunciarumpreçomínimodereferência,noentanto
significativamentemaisbaixo(200XOFporquilograma)99.
Aatitudegovernamentalsofreracontudoumareviravolta:quandoem2007aANAG
organizaumamarchadeprotestocontraosbaixospreçospraticadosnacomprada
castanhadecaju(75a100FCFAporquilograma)emfrenteàsededoexecutivo,o
primeiro‐ministrorespondeaosagricultoresque“nãocabeaogovernofixarpreçosde
nenhumprodutoeaANAGnãodeveriaprotestaremfrenteàsededogovernomas
simemfrenteàCCIA,porseresteoorganismoquerepresentaoscompradoresde
castanhadecaju”100.
Em2008,pelaprimeiravez,ogovernodecidenãoanunciarpreçodereferênciaparaa
castanhadecaju,eapósosresultadospositivosdacampanhadecomercializaçãode
2008,JaimantinoCó,Secretário‐geraldoComércio,atribuíaosbonsresultadosao
factodogovernonãoanunciarpreçodereferênciaeàcriaçãodeumcomité
interministerialpararespostarápidaàsqueixasdosoperadoresdosectordocaju101.
97 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007. 98 Diário de Bissau de 16 de Março de 2006 e Diário de Bissau de 22 de Maio de 2007. 99 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007. 100 Diário de Bissau de 22 de Maio de 2007. 101 Diário de Bissau de 21 de Maio de 2008.
124
Em2009,oMinistrodoComércio,BotcheCandé,afirmavaqueo“comércioemercado
estãolivres,equenãovamosestipularnenhumpreçoemuitomenosobrigaralguéma
comprarcastanhaaumdeterminadopreço.Oscomercianteséquesabema
quantidadeeaquantoirãocomprarcadaquilogramadecastanha,eosagricultoresa
quantovenderãoassuascastanhas”102.Noentanto,oMinistériodoComérciorealiza
umamissãoconjuntacomaANAGaDakarcomoobjectivodeencontrarcompradores
dacastanhadecajuguineense,eafirmamterestabelecidoparceriacomempresa
senegalesaquecomprarácastanhadecajuportodoopaísabompreço103.
6.7OProcessamentodeCajunaGuiné‐Bissau
AcapacidadedeprocessamentodecastanhadecajunaGuiné‐Bissaucorrespondiaem
2009a3%daproduçãonacionaldecaju(CNC2009:18).
AindústriadeprocessamentodecajunaGuinétemtidoumaevoluçãolenta.A
primeirafábricadedescasquemontadanopaís,aGETA,foiinauguradaem1994,asua
montagemcustou3milhõesdedólaresamericanos,masapenasfuncionouporum
curtoperíododetempo(afábricaGETAutilizavatecnologiadedescasqueOltramare,
hojenãoconsideradaviávelporterbaixorendimento).Apósaguerracivilde1998e
consequentesdestruiçõesafábricanãovoltariaatrabalhar.
Em2004existiamtrêsunidadesdeprocessamentodecastanhadecajudegrande
dimensão.Duasdelascomcapacidadedeproduçãode16toneladasdeamêndoade
cajupormês(AGRIBISSAUeSICAJU).Aterceira,B&BCaju,tinha24máquinas
descascadoras,eumacapacidadedeproduçãode8,6toneladasdeamêndoapormês.
Desde2001quehaviamsidoimplementadas21pequenasunidadesde
processamento.NovedestasunidadesbeneficiaramdeapoiodoprojectoTIPSdurante
osanosnoventa,easrestantesforamestabelecidascomoapoiodaEnterpriseWorks
102 Nô Pintcha de 2 de Abril de 2009. 103 Nô Pintcha de 21 de Maio de 2009
125
apartirde2001104(LynneJaeger2004:15).Estimava‐seem2004,queseaspequenas
unidadesprocessadorestrabalhassememplenacapacidade,asuaproduçãopudesse
atingircercade32toneladasdeamêndoadecajupormês,noentantonãoproduziam
maisde20toneladasporano(LynneJaeger2004:16).Ascausasdabaixaprodução
seriamsobretudoafaltadecapitalparaaquisiçãodecastanhadecajuparacriaçãode
stocks,easdificuldadesdecomercialização.Oúnicofornecedordecréditoem2004
eraaFundei(FundaçãoGuineenseparaoDesenvolvimentoEmpresarialIndustrial).No
entanto,segundoalguns,ocréditodadopelaFundeitinhatrazidoproblemaseem
muitoscasosodinheiroemprestadonãoeraaplicadonacompradecastanhadecaju,
massimnacompradecarroseedifícios.Aformacomoosempréstimosforam
atribuídoslevantavatambémalgumasdúvidas:umempréstimoparaaberturadeuma
novaunidadedeprocessamentoimplicavaqueoequipamentodedescasquefosse
compradoàFundei,equipamentoessevendidotrêsvezesmaiscaroqueo
equipamentodisponívellocalmente(LynneJaeger2004:14).
Em2004,aOlamInternational,amaiormultinacionalaoperarnosectordocajua
nívelmundial,eumdosmaiorescompradoresdecastanhadecajuguineenseplaneava
aconstruçãodeumaunidadedeprocessamentoemBissaucomcapacidadede
processamentode10miltoneladasanuaisaserconstruídaem2005ou2006.AOlam
jáhaviaabertoduasunidadesdeprocessamentoemÁfrica,naTanzâniaem2003ena
CostadoMarfimem2004.ComaconstruçãodaunidadedeprocessamentoemBissau
pretendia‐secriar5milpostosdetrabalho,eprocessar10a15%daproduçãonacional
decastanhadecaju,impondodeimediatoopaísnomercadodeamêndoadecaju.No
entantooplanodaOlamestavadependentedaobtençãodecertascondiçõesjuntodo
governo(aOlamestavapreocupadacomosimpedimentosqueogovernoimpunhaà
compradacastanhadirectamenteaosprodutores,epelairregularidadedo
abastecimentodeenergianopaís)(LynneJaeger2004:12).Em2006,aOlam
abandonadefinitivamenteaGuiné‐Bissaudevidoàspolíticasgovernamentaisque
104 A Enterprise Works é uma organização sem fins lucrativos com sede em Washington e que tem apoiado a criação de pequenas unidades de processamento de caju na África Ocidental. O projecto TIPS (TradeandInvestmentPromotionSupport) desenvolveu várias iniciativas em torno do sector de caju guineense e foi financiado pela USAID (United States Agency for International Development).
126
provocaramdescontentamentonoscompradoresestrangeirosdecastanhadecajua
operarnopaís105.
Em2009astrêsgrandesunidadesprocessadorasmantinham‐seemfuncionamento.A
AGRIBISSAUeaSICAJUcomcapacidadedeproduçãodeum16toneladasdeamêndoa
pormêseaB&BCajucomcapacidadede8,6toneladaspormês,exportandoparao
mercadoeuropeuenorte‐americano.As21pequenasunidadesdeprocessamentoque
haviamsidocriadascomoapoiodoTIPSedaEnterpriseWorksexistiamainda,no
entanto,estavaminoperacionaisalegadamentedevidoàfaltaderecursosfinanceiros
paraadquirirstockseparapagaraostrabalhadores,eàausênciadegarantiaspara
acessoaocréditojuntodasinstituiçõesfinanceirasdopaís(CNC2009:21).AComissão
NacionaldeCajupensavaresolveroproblemaobtendogarantiasdecréditoparaos
processadoresjuntodogoverno,criandoumfundodegarantia,mobilizandorecursos
juntodosparceirosdedesenvolvimento,esensibilizandoosprocessadorespara
criaçãodeumasociedadeexportadoradeamêndoadecajuquepermitisseasseguraro
mínimodeexportaçãoparaexportarparaoestrangeiro(CNC2009:21).
EmAbrilde2008aempresalíbiaLaaico‐Bissauanunciaoinvestimentode4milhõesde
eurosnaconstruçãodetrêsunidadesdeprocessamentoemNhacra,Quinhamele
Bula,comacriaçãoprevistade600postosdetrabalho106.Tambéminvestidores
brasileirosestavamemprocessodemontagemdeumafábricadedescasqueem
Quinhamel,aempresaSICAJU,aoperarnailhadeBolama,mostravainteresseem
expandironegócioparaBinta(regiãoLestedopaís),enovosinvestidoresadquiriam
unidadesdescascadoraspropriedadedaAGRIBISSAUqueestavamdesactivadas(Banco
Mundial2010:80).OCentrodePromoçãodoCaju,financiadopelaFundei,mantinha
emfuncionamentoumaunidadededescasquedecastanhaedefabricodesumode
caju,ondenovastecnologiasestavamaserintroduzidascomapoiosbrasileiros107.
105 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007 e IRIN (Bissau, 13 de Março de 2007 em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=70672). 106 Diário de Bissau de 21 de Maio de 2008. 107 Entrevista a directora do Centro de Promoção de Caju realizada a 12 de Janeiro de 2010.
127
Em2010estavaemcursoaconstruçãodetrêsgrandesfábricasdedescasquede
castanhadecajucomcapacidadeestimadade7500toneladasano,etambémemfase
delançamentoaconstruçãodeduasfábricas:umaemCanchungocomcapacidade
totalde6000toneladas/anoeoutracomcapacidadede8760toneladas/ano.Coma
entradaemfuncionamentodestasunidadesprevia‐sequeacapacidadede
processamentosubissepara18%daproduçãonacionaldecastanhadecaju(CNC
2009:21).
6.7.1AlgunsProblemasdoProcessamentodeCajunaGuiné‐Bissau
AlgunsdosproblemasapontadospelosprocessadoresdecastanhadecajunaGuiné‐
Bissausão:
i)Adificuldadedeassegurarstocks(operíododevendadacastanhadecajudurana
Guiné‐Bissauapenas4a5meses)paraquesejapossívelofuncionamentodasfábricas
evendadeamêndoadecajudurantetodooano.Estima‐sequeumaunidadede
processamentolocalcomcapacidadedeprocessar1200toneladas/anoprecisade
assegurarumstockde700toneladasdecastanhadecajudepoisdasuaépocade
colheitademodoapodertrabalhardurantetodooano.Estenãoéocasodos
processadoresdecajuindianos,queimportamcastanhadecajudevárias
proveniênciasemváriasépocasdoano(BancoMundial2010:79).
ii)Dificuldadedecompetircomospreçosdacastanhadecajuexportadaembruto.Por
exemploem2008,anoemqueopreçodacastanhadecajuguineenseaoprodutor
atingiuos430FCFA/kg,ostransformadoresnacionaisnãoconseguiramcomprar
castanhadecaju,pornãosercompetitivaaproduçãodeamêndoadecajucomtal
preçodamatéria‐prima108.
108 Diário de Bissau de 28 de Maio de 2008.
128
iii)Amaiorpartedasunidadesdeprocessamento,porseremdereduzidasdimensões,
nãoconsegueassegurarumaproduçãomensalsuficienteparaencherumcontentorde
16toneladaspormês,quantidademínimanecessáriaparaexportação(muitasdestas
unidadestêmvendidoasuaproduçãoàempresaB&BCaju,paraquesejapossível
atingirummínimodeumcontentorpormês)(BancoMundial2010:78).
iv)OsaltoscustosdeinstalaçãodeumaunidadedeprocessamentonaGuiné‐Bissau.
Enquantoamontagemdeumaunidadedeprocessamentocomcapacidadede
produçãode1200toneladas/anoemMoçambiquetemumcustoemtornodos250mil
dólaresamericanos,naGuiné‐Bissaucalcula‐sequeatinjaos800mildólares.Estes
altoscustospodemseratribuídosaaltoscustosdeconstrução,aoelevadocustodo
equipamento(importadodoBrasiloudePortugal,emboranãohajarazãoaparente
paraquenãosejaimportadodosmesmoslocaisdeondeMoçambiqueimporta),taxas
deimportaçãode5%,eaindaelevadastaxassobreomaterialimportado(Banco
Mundial2010:78).
v)Inexistênciadeummercadonacionalparaconsumodeamêndoadecaju(háde
factovendaeconsumodeamêndoadecajunomercadonacional,masquase
exclusivamenteaoníveldosectorinformaledeprocessamentomanual).Omercado
nacionalformaldeamêndoadecajuéincipienteeestáestimadoem20toneladas
anuais(BancoMundial2010:79).
vi)Dificuldadesdeacessoaocréditoatravésdasinstituiçõesbancáriaaoperarnopaís.
6.7.2VantagenseDesvantagensdaApostadaGuiné‐BissaunaTransformaçãodeCastanhadeCaju
129
“ThemorefundamentalissueisthatGuinea‐Bissauessentiallyproducesandexports
rawcashews,whilethesectorwouldgeneratemuchmorevalueaddedifcashewnuts
wereprocessedandconditionedbeforebeingexported”(Boubacar‐Sid2008:80).
Odiscursoeaconclusãopresentenamaiorpartedosrelatóriosquepretendem
encontrarsoluçõesparaosectordecajuguineensesãounânimes:aGuiné‐Bissau
precisadeapostarnoprocessamentodecastanhadecaju,edeixardeserummero
exportadordematéria‐prima.(p.e.LynneJaeger2004,Camará2007,Boubacar‐Sid
2008,Bock2008,BancoMundial2010).
Osargumentosapresentadospassamnormalmentepelasseguintesideias:i)o
processamentodecastanhadecajutrarávaloracrescentadoaopaísii)ainstabilidade
depreçosseráreduzidapoisaamêndoadecajutemapresentadopreçosbastante
maisestáveisnomercadomundialquandocomparadoscomocomportamentodos
preçosdacastanhadecajuiii)criar‐se‐iamdepostosdetrabalhoeaindústrianacional
teriagrandedesenvolvimentoiv)poder‐se‐iavalorizaras900miltoneladasestimadas
depolpadecajuactualmentedesaproveitadas,fazendosumos,pães,bolos,bifesde
caju,etc.v)aproveitamentodopodercaloríficodacascadacastanhadecajupara
produçãodeenergiavi)asmedidastomadaspelaÍndiaeVietnamenosentidodese
tornaremauto‐suficientesemcastanhadecajuacurtoprazosignificarãoqueaGuiné‐
Bissaudeixarádetermercadodeexportaçãoparaasuaproduçãodecastanhadecaju,
eseriaporissoessencialapostarnaproduçãodeamêndoadecajunaGuiné‐Bissau.
AcapacidadedeumafuturaindústriadedescasquedecastanhadecajunaGuiné‐
Bissauconseguircompetircomaindústriaindianadeprocessamentolevantano
entantoalgumasdúvidas.Em2008,anoemqueoquilogramadecastanhadecaju
chegouasercompradoaosagricultorespor430FCFA,osprocessadoresnacionaisde
castanhadecajuafirmavamquecomtalpreçoparaamatéria‐primanãoseriarentável
procederàtransformaçãodacastanhadecaju.AlpoimCalvão,proprietáriodafábrica
SICAJUdeBolama,umadastrêsprincipaisunidadesdetransformaçãodaGuiné‐
Bissau,diziaem2008ementrevistaaoDiáriodeBissauquevendiaumcontentorde
130
amêndoadecaju(cercade16toneladas)entre45e55mileuros,quedessemontante
teriaquetirar1000eurosgastosemdespesasalfandegárias,equenãopodiacomprar
oquilogramadecastanhadecajuacimados200FCFA/kg,porquenãoseria
rentável109.
Umadasmedidaspropostasparaoestímulodaindústrianacionaldeprocessamento
seriaoaumentodastaxasdeexportaçãodacastanhadecaju.Moçambique,por
exemplo,comoobjectivodereabilitarosectordetransformaçãodecajuquehavia
sidodestruídodevidoàsreformaslevadascomoapoiodoBancoMundial(vercapítulo
4)tomourecentementeestetipodemedidas,subindoataxadeexportaçãode
castanhadecajupara18%comoobjectivodeevitaraexportaçãodecastanhae
estimularoprocessamentonopaís(BancoMundial2010:79).
NaGuiné‐Bissau,em2000,medidasirreflectidasforamtomadascomoobjectivode
estimularaindústriadeprocessamentonacional.Odecreto‐leinº118de20deAbril
de2000,lançadoemplenacampanhadecomercializaçãodacastanhadecaju
anunciavaqueaindanesseano30%dacastanhadecajucomercializadadeveriaser
transformadanopaís,eobrigavaosexportadoresaefectuarumacauçãoemdinheiro
juntodotesouropúblicocomumvalorcorrespondentea30%dacastanhadecajuque
pretendessemexportarnesseano,cauçãoqueapenasseriadevolvidamediante
comprovativodaimplantaçãodeumaunidadedetransformaçãoeda“efectiva
beneficiaçãodacastanhaparaexportação”.Apósameaçadegrandepartedacastanha
decajunãoserexportadaporosexportadorespretenderemabandonaropaís,a
medidagovernamentalfoianuladaaindanessamesmacampanhade
comercialização110.
AsubidadataxadeexportaçãonaGuiné‐Bissaueatomadadeoutrasmedidas
proteccionistasdestinadasaestimularaindústriadedescasquenacionalcontinuana
ordemdodia.SegundorelatóriodoBancoMundialde2010osprocessadoresdecaju
naGuiné‐Bissaunãotêmgrandeprotecçãocomaactualtaxadeexportaçãode
109 Diário de Bissau de 28 de Maio de 2008. 110 Diário de Bissau de 16 de Março de 2007.
131
castanhadecajude8,6%,quenarealidadeémaisbaixa111.Estataxa,emboramaisalta
queadeoutrospaísesdaÁfricaOcidental,étambémmaisbaixadoquenosoutros
paísesquedesenvolveramumaindústriadeprocessamentocomsucesso(Brasil,Índia,
VietnameeMoçambique).Noentanto,omesmorelatórioadverte:aimposiçãode
umataxadeexportaçãomaiselevada,significará,atéqueaGuiné‐Bissautenha
capacidadedeprocessartodaasuaproduçãodecastanhadecaju,areduçãode
rendimentosdosmaisde100milprodutoresdecastanhadecajudopaís(Banco
Mundial2010:80)embenefíciodealgunsprocessadoresealgunsmilhares(namelhor
dashipóteses)deoperários.Eestapareceseraquestão.
Numpaísemconstanteatribulaçãopolíticaaolongodosúltimostrintaanos,comuma
sucessãodegolpesdeestado,deposiçõesdegoverno,pseudo‐ditadurasmilitares,a
evoluçãodaexportaçãodecastanhadecajutemtidoumcomportamento
relativamentepositivodadasascircunstâncias.Eseosucessodaexportaçãode
castanhadecajutemsidosucessivamenteprejudicadopelainstabilidadepolíticado
país,nãoofoitantoquantoseesperaria.Em1999,imediatamenteapósofinaldeuma
guerracivilquedestruiuopaísopreçodoquilogramadecastanhadecajuatingeos
300FCFA,eaexportaçãosobre7%emrelaçãoa2007,atingindoas62224toneladas,
omaiorvalordeexportaçãoatéàdata(CNC2009:13e15).Acampanhade2004,que
sedeuapósperíododegrandeagitaçãoprovocadapelogolpedeestadoque
derrubaraopresidenteKumbaYalaem14deSetembrode2003decorredeforma
relativamentenormalemaisumavezosvaloresexportadosatingemvaloresrecordes,
comapassagemde75miltoneladasem2003a93,2miltoneladasem2004.Os
assassinatosdopresidentedarepúblicaNinoVieiraedochefedeestado‐maiordas
forçasarmadasTagmaNauaie(a1e2deMarçode2009),teriamconsequências
negativas(baixadepreçopagoaoprodutordevidoàaoclimadeinsegurançanopaíse
consecutivadiminuiçãodaconcorrência),mastambémpositivas(aproximidadede
eleiçõesantecipadaseinstabilidadeesperadatevecomoresultadoumacelerarda
111 Na Guiné-Bissau a taxa actual de exportação é de 8,6% por tonelada aplicados sobre o valor da base tributária anunciada pelo governo em cada ano. A base tributária tem estado frequentemente bastante abaixo do real valor de exportação da castanha de caju, significando por isso, que os 8,6% de taxa de exportação são na prática inferiores. Por exemplo a base tributária em 2008 era de 600 dólares americanos e calcula-se que o valor médio de exportação por tonelada para esse ano foi de 1050 dólares americanos, significando uma taxa de exportação real de 4,9% em vez de 8,6% (Banco Mundial 2010: 80).
132
exportaçãodecastanhadecaju)nacampanhade2009,queapesardetudocorreude
formasatisfatória,emaisumavezaexportaçãoatingiuvaloresnuncaantesatingidos
(135,7miltoneladas)(CNC2009:17).
OsucessodaexportaçãodecastanhadecajunaGuiné‐Bissauemmomentosde
instabilidadeparecedever‐seaobaixoriscoqueapresentaparaosexportadorese
negociantesinternacionaispornãoseremnecessáriosgrandesinvestimentosantesdo
períododecomercializaçãodacastanhadecaju.
AsdúvidasqueficamemrelaçãoaoapostardoprocessamentodecajunaGuiné‐
Bissauparecemser:
Aimposiçãodemedidasproteccionistasterácomoconsequênciaumadiminuiçãodo
preçopagoaosprodutoresdecaju(amaiorpartedapopulaçãodopaís)embenefício
dealgunsprocessadoresealgunsmilharesdeoperários112.
ExistemsériasdúvidasqueaGuiné‐Bissau,naeventualidadedeviraprocessarasua
produçãodecastanhadecaju,consigacompetircomaÍndiaemtermosdepreçosde
amêndoadecastanhadecaju.
Eseráqueumafuturaindústriadeprocessamentodecajuserátãoresistenteà
constanteinstabilidadepolíticaqueaGuiné‐Bissautematravessadoquantootemsido
aexportaçãodecastanhadecaju?
6.8CastanhadeCaju:CadeiaeCustosdeComercialização,PreçosRecebidoseEvoluçãodoPoderdeCompradosProdutoresGuineenses
EmmeadosdeMarço,apartirdadataemqueéoficialmenteiniciadooperíodode
compradacastanhadecaju,achamada“campanha”,gruposdemulheres,idosose
112 Os salários pagos aos trabalhadores das unidades de descasque existentes não são favoráveis. Um operário ganhava em início de 2010, 150 FCFA por quilograma de castanha de caju descascada. Por dia, normalmente, o máximo que um trabalhador consegue atingir não ultrapassa os 5 quilogramas, o que perfaz um total de 750 FCFA por dia, ou seja um salário mensal de 15 mil FCFA (aproximadamente 23 euros).
133
crianças,mastambémalgunshomens,dirigem‐seaospomaresdecajuparainiciara
colheita.Acastanhacolhidaélevadaparaasaldeiasesecaaosolemfrentedascasas.
EmMarço,jáseacabaramparaamaiorpartedosagricultoresasreservasdearrozde
produçãoprópria(seéquetêmarrozdeproduçãoprópria,vercapítulo7)ehájá
algunsmesesqueserecorreàcompradearroznoscomerciantesdealdeia,muitas
vezesrecorrendoaempréstimoscomcondiçõesespecialmentedesfavoráveis(ver
capítulo7).
Énoinícioda“campanha”,quandoasfamíliasdesesperadamenteprecisamdearroz,
quesecomeçamatrocarpequenasquantidadesdecastanha.Cinco,dez,vinte
quilogramasdecastanhaquesevãotrocandoporpequenasquantidadesdearroz.
Maistarde,eparaasmaioresquantidadesdecastanhaacumuladavai‐seesperando
queopreçosuba.Aincertezacontudoémuita,edecidiromomentodavendaétalvez
adecisãomaisimportanteatomarduranteoactualcalendárioagrícolaguineense.A
incertezaémuitaporqueavariaçãodopreçodacastanhadecajunãotempadrão.Se
háanosemqueopreçocomeçabaixoesobecontinuamenteatéaofinalda
“campanha”,háoutrosanosemqueopreçosobeedescedeformaimprevisível,ou
outrosaindaemqueopreçonãopáradebaixardoinícioaofimda“campanha”.
Opapeldarádioéactualmentefundamental,eéfrequenteverasfamíliasaouvir
rádiopeloserãotentandoperceberdequeformavaievoluiropreçodacastanha,ou
quepreçosseestãoapraticaremoutrasregiõesdopaís.
Ospreçospraticadosemdiferentesregiõessãotambémdiferentes.Em2009,por
exemplo,naaldeiadeNhacra,pertodeBissau,juntoàestradaalcatroada,opreçoda
castanhadecajumanteve‐sesempreacimados250XOF,atingindomuitasvezesos
300XOF,enquantonasaldeiasdeQuínara,regiãoservidaporpéssimasestradasa
grandedistânciadacapital,ospreçosatingiammuitasvezesos100XOF.
Tambémdentrodamesmaregiãoospreçossofremvariaçõesfortes.Maisumavezo
factorisolamentoeestradasãofundamentais,emuitasvezesaldeiasmaisdistantes,
ondeumcarrodificilmentepodechegar,vendemasuacastanhadecajuapiorpreço.
134
Tambémnoinícioda“campanha”étrocadagrandequantidadedecastanhadecaju
queasmulheresecriançasdafamíliadonadopomardesviamsempermissãodochefe
defamília(éobviamentedifícilcalcularasquantidadesdesviadas,masmuitos
entrevistadosapontaramvaloresentreumquartoeumterçodaproduçãototaldos
pomaresdafamília).Acastanhadecajuassimdesviadaénormalmentetrocadapor
produtosquenormalmenteduranteoanonãoestãodisponíveis(panosparafazer
roupa,bugigangas,etc.).
6.8.1Aorganizaçãodacadeiadecompradacastanhadecaju–databancaaoportodeBissau(ocasodeQuínara).
Emgrandepartedasaldeiasguineenses,duranteoperíododa“campanha”,existem
pontosdecompradecastanhadecaju.Algunstemporáriosequeapenasabremde
MarçoaJulho,ealgumaspequenaslojasquesemantêmabertasduranteoanomas
queduranteestaépocasededicamprincipalmenteàcompradecastanhadecaju.
Grandemaioriadestescomerciantesquecompramcastanhadecajunasaldeias
trabalhamparacomerciantesinstaladosnassedesdesector113.Noiníciodacampanha
oscomerciantesdesectorfornecemdinheiroe/oumercadoriasearrozparaquepossa
sercompradaoutrocadaacastanhadecaju.Asaldeiasmaispopulosasoucommaior
produçãodecajupodemchegaraterduranteoperíododecampanha7postosde
compra,contudoamaioriadasaldeiastêmde1a4postosdecompra.Asquantidades
decastanhacompradaporestescomerciantesdealdeiavariamemQuínaraentre30e
100toneladas,eovalorqueganhaménormalmentede10XOFporquilogramade
castanhadecajucomprada.Osimpostoseoutrasdespesasqueénecessáriopagar
paramanutençãodestespostosdevendasãoasseguradospeloscomerciantesde
sectorparaquemoscomerciantesdealdeiatrabalham.
113 O sector é uma unidade administrativa que aproximadamente corresponde ao concelho português. Em Quinara são Tite, Fulacunda, Buba e Empada.
135
Algunsdestescomerciantesdealdeiasãohabitantesdaprópriaaldeia,outros,etalvez
amaioria,sãoestrangeiros(namaioriamauritanos,guineenses(daGuiné‐Conacry),
malianos,senegaleses,gambianos,etc.)quetrabalhamnormalmenteemrede.Um
mauritanoinstaladonumaaldeiatrabalhaemconjuntocomummauritanoque
compracastanhadecajunavilamaispróximaqueporsuavezvendeacastanhaou
trabalhaparaumcomerciantemauritanoinstaladoemBissau,formandodesta
maneiraumaredecujoselementossão,namaioriadoscasos,cidadãoscomamesma
origem.
Acastanhadecajuqueéacumuladanospostosdevendacolocadosnasaldeiasé
depoisencaminhadaparaassedesdesectorparaosarmazénselojasdealguns
comerciantesdemaiordimensão.Estescomerciantesinstaladosnassedesdesector114
daregiãotrabalhamnormalmenteparagrandescomerciantescomsedeemBissau.No
iníciodecada“campanha”decompradecastanhadecajuosgrandescomerciantesde
Bissaufornecemdinheiroegéneros,amaiorpartedasvezesarroz,paraqueos
comerciantesdesectorosdistribuampelosváriospostosdevendaquemantêm.A
quantidadedecastanhadecajucompradapeloscomerciantesdesectorvariouem
Quínara,em2009,entre500e2000toneladas.
Nestacadeiadecompraexistecontudograndenúmerodevariaçõesnastipologiasde
comerciantesenaformacomoestesorganizamseusnegócios.Enquantoalgunsdos
grandescomerciantesdesectorsãotrabalhadoresassalariadosdosgrandes
comerciantesdeBissau,outrostêmbastanteindependêncianoprocessodecomprae
nãotêmcompradorfixoparaacastanhadecajuemBissau.Amaioriadestes
comerciantes,noentanto,trabalhamcomalgumaindependênciamasestabelecem
fortesparceriascomumgrandecompradordecastanhadecajudeBissauquefornece
dinheiroearroznoinícioda”campanha”,eaquemficamobrigadosavendera
castanhacomprada.Normalmente,estabelecem‐secontratosparacompradeum
determinadonúmerodetoneladasadeterminadopreço,quecontudopodemser
alteradosrapidamente.Seopreçodecompradacastanhadecajudescersubitamente
114 Excepção para algumas aldeias onde a produção de castanha de caju atinge valores excepcionais, como por exemplo Brandão, Nova Sintra, Madina, Batambali, e onde também se acumulam grandes quantidades de castanha de caju que poderá ser embarcada directamente para Bissau.
136
emBissauoscomerciantesdeBissaucontactamimediatamenteoscomerciantes
instaladosnasvilasdaregiãoparaqueestesbaixemospreçosdecompradacastanha
decajunointerior.AmaiorpartedoscomerciantesinstaladosemQuínaraprefere
estabelecerestetipodeparceriasecontratosporteremumconsiderávelmenorrisco
àsvariaçõesdepreço.Muitosreferem,queaotrabalhardeformaindependente,
comprandocastanhadecajuporsuacontaeriscoecomfundospróprios,dadoa
rapidezcomquesealteramospreçosdacastanhadecajuemBissau,podedar‐seo
casodeaochegaraBissauparavenderacastanhaadeterminadopreço,queomesmo
jánãosejapraticado.Noentanto,emQuínara,hácomerciantesqueassimoperam,
mantendo‐se,contudo,diaadiaemesmohoraahoraactualizadosdopreçoqueestá
aserpraticadoemBissauparaquepossamactualizaropreçodecompranasaldeias.
Parafazercompradecastanhadeformaindependentereferemtambémcomo
fundamentaloestabelecerdefortescontactosemBissaujuntodeumcertonúmero
decomerciantesemquemconfiam,comquemmantêmcontactosregulareseaquem
podemfacilmentevenderacastanhadecajuacumulada.Sãonoentantoconstantesos
lamentosdealgunsdoscomerciantesqueoperamdestaforma,pelasperdasde
dinheiroresultantesdecompraremcastanhadecajunointeriorapreçossuperiores
aospreçospraticadosemBissau.
Amargemdelucrodoscomerciantesinstaladosnassedesdesector,quemantêm
algumnúmerodepostosdevendanasaldeias,variabastante,porfactorescomo:o
transportedacastanhadecajuparaBissauouosimpostosaserempagosao
MinistériodoComércioeàsFinanças,seremasseguradospeloscomerciantesde
sectoroupelosgrandescomerciantesdeBissau.Asmargensdelucropodemassim
variarentreos10XOF(paraquemnãoasseguratransporteouimpostos)até50XOF
(paraqueméresponsávelportodooprocessodecompraeentregaacastanhadecaju
emBissau).
AcastanhadecajuarrecadadanosarmazénsdeTite,Fulacunda,Buba,Empada,as
sedesdesector,édepoiscarregadapelosinúmeroscamiõesqueatravessamas
estradasdeQuínaraeentreguenosarmazénsdeBissau.Oestadodedestruiçãoda
maiorpartedasestradasdeQuínara(sãonaverdadepicadas),easconstantes
137
paragenslegaisouilegaisfeitasporpolíciaefiscaisdoministériodocomércioondeé
exigidograndenúmerodesubornoscontribuem,segundoaopiniãodemuitos
comerciantes,paraosaltoscustosdotransporteparaBissau,econsequentemente
paraomenorpreçopagopelacastanhadecajuemQuínaraquandocomparadocom
outrasregiõesdopaíscommelhoresacessos.
ParaaperspectivadacomercializaçãodacastanhadecajuemQuínarasegundoo
produtor,consultarocapítulo7(7.3).
6.8.2ONegóciodaCastanhadeCajuemBissau:GrandesComerciantes,ExportadoreseNegociantesIndianos
Amaiorpartedacastanhadecajuproduzidanopaíséexportadaapartirdoportode
Bissau(cercade70%pelomenos,jáquealgumasestimativasapontamparaquecerca
da30%dacastanhadecajuproduzidanopaíssejacontrabandeadaatravésdas
fronteirasterrestres,ver6.5.).
Oscomerciantesqueoperamnointeriordopaísequetrabalhamemparceriacomos
grandescomerciantes/exportadoresdeBissau,osempregadosdestesquecompram
directamentenasaldeiasdetodoopaís,ouaindacomerciantesqueoperamno
interiorequetrabalhamdeformaindependente,encaminhamparaBissau,paraos
armazénsdosgrandescomerciantesoudoscomerciantes/exportadoresamaiorparte
dacastanhadecajuproduzidanopaís.
Em2009havia40grandescomerciantes/exportadorescomlicençadeexportação
emitidapeloMinistériodoComércio(vertabela9)queasseguravamacomprada
castanhadecajuarrecadadapeloscercade300comerciantesregistadosaoperarno
interiordopaís(énoentantodeesperarqueonúmerosejabastantesuperiorjáque
bastantescomerciantesoperamilegalmente).
Acastanhadecajuarmazenadanosarmazénsdosgrandescomerciantes/exportadores
deBissauédepoisencaminhadaparaoportodeBissauevendidaanegociantes,na
grandemaioriaindianos,independentes,ourepresentantesdaindústriade
138
transformaçãodaquelepaís.Tambémalgunsgrandescomerciantes/exportadores
exportamacastanhadirectamenteparaaindústriaprocessadoraindiana,contudo,
sãoumaminoria.
6.8.2.1Aconcorrêncianosectordeexportaçãodecastanhadecaju
Em2010acompradecastanhadecajunointeriordopaíseasuaexportação
processavam‐sedeformarelativamenteliberalizada.Aleiqueregulavaasactividades
decomercianteseexportadoresterásidorelativamentemodificadaparaeliminar
barreirasaosestrangeiros(ver6.6.).Comoresultado,segundooBancoMundial,a
competiçãoteráaumentadoeasmargensdacomercializaçãoparecemterdescido
(BancoMundial2010:76).
Comparandoasempresasquerealizaramexportaçãodecastanhadecajuem2003e
em2009,nota‐sesobretudoocrescimentodosvaloresexportadosporempresas
nacionais(porexemploGomes&Gomes,Malaika,vertabela9).Noentanto,partedas
pequenasempresasexportadoresqueoperavamem2003parecemterdesaparecido,
eapesardeaquantidadedecastanhadecajuexportadaterquaseduplicadoentre
2003e2009,onúmerodeexportadoresaoperarmanteve‐sepraticamenteinalterado
(vertabela9).
Assim,casoscomoodesaparecimentodaAMEF,Bacassama,Cante&Cante,Carlos
Gomes,Emmco,Socinvest,SonecTrading,entreoutros,empresasqueexportavam
menosde500toneladaspor“campanha”,contrastamcoma“sobrevivência”de
grandesexportadorescomoaGomes&Gomes,Coguegui,entreoutros.Onúmerode
empresasqueexportavamenosde500toneladas/anodesceude10em2003para4
em2009,oquepareceindicarasuadificuldadeemcompetircomasempresasque
exportamemmaioresquantidades.
Opesodosexportadoresqueexportavammaisdoque500toneladas/anonototalde
exportadoressubiude70%em2003para88%em2009,oquepõeemevidênciauma
possívelexclusãodaspequenasempresasnosector.
139
Tabela9.EmpresascomlicençadeexportaçãoregistadasnoMinistériodoComércioem2003
e2009.Fontes:2003:JaegereLynn2004:75;2009:CNC2009:11
Exportadoresem2003 Quantidadeexportada(ton. Quantidadeexportadaem2009AbbyFamily 0 2205,24
AbdulaiC.Bangura 0 588,82
ArmazénsdoPovo 1717 0
AgriCommerical 1701 0
Aguicon 0 737,16AlphaA.Balde 0 1945,32
AlpinaCaju 0 202,31
AMEF 202 0
AncoraGuiné 1850 0AnsuLopes 0 375,82
ArmazénsBandim 4059 1989,76
ATEBissau 0 3340,45
Atlantico 3015 0Bacassama 94 0
BraimaCante 4293 5195,23
BraimaS.Djaló 0 582,89
Cante&Cante 101 0
CarlosGomes 443 0CarSilva 0 9932,54
Car‐Tur 2363 0
ChetaBissau 1008 12559,34
Coguegui 5261 11811,17ConstruçõesLda. 0 5886,51
CRTrading 0 2463,84
Djabi&Djabi 0 3717,90
Dja&Dja 0 2669,09
Emmco 152 0EmpresaCom.Cuba 142 0
FallouBadiane 2901 0
GHImpexComércio 946 0
GalvaTrading 3007 0GeneralTrading 1092 4249,88
GetaSA 0 2515,17
Gomes&Gomes 10891 10853,82
GuiNab 768 0Guiespam 0 425,58
IsconAgro 0 4882,64
Kabesco 0 2361,85
LamaranaDjaló 0 505,48
Malaika 0 9266,29MoctarMohamed 0 1594,97
NadiaJawadBicha 2474 2294,17
OrgGuitrading 7958 0
Roni 5109 0Rumo 2231 0
SanyeSany 0 413,61
SICAP 4379 4826,59
Sidec 387 0
SKBissau 0 4924,18Socinvest 257 0
Socobis 2094 9822,14
Socoquina 3256 0
SonecTrading 155 0SYB 455 4110,39
YuviTrading 0 2189,73
UCCLda. 0 4267,61
Total 75586 135707,49
140
6.8.2.2Asdificuldadesdeacessoaocrédito
Apósaguerracivilde1998/1999oacessoaocréditopelosgrandes
comerciantes/exportadorestornou‐sedifíciljáqueamaiorpartedasinstituições
bancáriasdopaíshaviamencerradoportas.Em2004,naGuiné‐Bissau,apenasum
bancocomercial(oBancodaÁfricaOcidental)operavaeforneciacréditoaos
exportadoresdecastanhadecaju(BancoMundial2010:84).Eramfrequentesas
queixasdossóciosdaAGEXquantoàdificuldadedeobtençãodecrédito,eos
lamentosdadependênciaemrelaçãoaosnegociantesindianos,osfornecedoresde
grandepartedodinheiroutilizadoparacompradecastanhadopaís(umaexcepção
seriamoscomerciantesmauritanosqueoperavamempartecomcréditopróprio).Em
2004,emboranãohouvessequalquerproblemadeliquideznacadeiadecomprade
castanhadecaju(LynneJaeger2004:11),adependênciaaocréditofornecidopelos
compradoresindianosfaziacomque,segundoosexportadores,fossefácilaos
compradoresindianosformarcartéiseditarpreçosdevenda,poisumcomerciante
querecebessecréditoparacompradedeterminadonúmerodetoneladasficava
obrigadoavenderasmesmastoneladasaumpreçopreviamenteestabelecido115.
Recentemente,asituaçãopareceter‐sealterado,poisforamabertosnovosbancosno
país,edoisdelesoperammesmoaoníveldasub‐região(oEcobankeoBRS),não
apresentandoproblemasdeliquidezemantendocapacidadedefornecercréditoaos
exportadoresdecastanhadecaju,quedeixaramdeserobrigadosacombinarpreços
devendaaprioricomosnegociantesindianos116.
115 Declarações de Braima Camará, à data presidente da AGEX, ao Diários de Bissau de 15 de Dezembro de 2005, e entrevista a dos maiores exportadores de castanha de caju de Bissau realizada a 7 de Janeiro de 2010. 116 Entrevista a um dos principais exportadores de castanha de caju do país, Bissau, Janeiro de 2009.
141
6.8.2.3OsAltosCustosdaComercializaçãodaCastanhadeCajuna
Guiné‐Bissau
Atabela10mostraarelaçãoentreopreçopagoaosagricultoreseasmargensdelucro
decomercianteseexportadores,eainda,opreçodecustodotransporteedastaxasa
pagarpelacompraeexportaçãode1toneladadecastanhadecaju,doprodutorao
navioatracadoemBissauondeseráexportadaparaaÍndia(cercade75128FCFA,28%
dopreçodeexportação).
Emboraastaxasrepresentemomaiorpesonocustofinal,tambémosaltoscustosde
transportedacastanhadecajudoagricultoraosprocessadoresindianoscontribuipara
adiferençaentrepreçopagoaoprodutorepreçodeexportação.Oscustosde
transporteprendem‐secomaquaseausênciadeumaredeviária,eàexistênciade
barreirasdeestradadirigidasporpolícias,fiscaisdoMinistériodoComércioe
militares,nasuamaioriailegais,ondesãoexigidossubornos(BancoMundial2010:77).
Actualmente,algunsesforçostêmsidofeitospelogovernoparadiminuirestasituação
quetantoencareciaotransportedacastanhadecajudointeriorparaBissau.
Tambémoscustosportuáriosguineensessãobastanteelevados.Asobrasde
recuperaçãodoportodeBissau,planeadasdesde1997aindanãoserealizaram,ehá
váriasdezenasdeanosquenãosãorealizadasdragagensnoporto,oquelimita
drasticamenteocalibredasembarcaçõesquealipodematracar.Astaxasportuárias
cobradasemBissausãoaltas,eatingemos40dólaresamericanosportonelada,
enquantonospaísesvizinhosnãoultrapassamos10dólaresamericanos.Porestes
motivos,embarcarmercadoriaparaexportaçãonoportodeBissaué
significativamentemaiscaroquandocomparadocomoutrospaísesdaÁfricaOcidental
(porexemplo,estima‐sequeocustodeembarquede1toneladaemAbidjansejade
40dólaresamericanosenquantoemBissauatingeos90dólaresamericanospor
tonelada).
Tabela10.Estruturadecustosdacomercializaçãode1toneladadecastanhadecajunaGuiné‐Bissau(emfrancosCFA)duranteacampanhadecomercializaçãode2007.Fonte:BancoMundial2010:71,dadosdaComissãoNacionaldeCaju,CadernodeExportação,2008.
142
Preçodecompradocomerciante 200000
Margemdelucrodocomerciante 25000
CustodetransportedointeriorparaBissau 14000
PreçodevendaemBissau 239400
Preçodecompradoexportador 239400
Taxadealfândega(6%dovalorf.o.b.emBissau) 17280CPR/DGCI(2%dovalorf.o.b.emBissau) 5760
ACI/DGCI(27FCFA/5kg) 6750
Transportedoarmazémparaoporto 3158
Carregamentoedescarregamento 2500
Pesagemantesdoembarque 259
Custosbancários 12384
Sacos 6250Certificadodeorigem 1500
Certificadofitossanitário 53
Taxadodespachante 413
SGS(taxadecertificação) 1500
Aluguerdearmazém 1500
Sub‐Total 303357
Custosadministrativos 25Danoseperdas 1296
Contingências 500
Margemdelucrodoexportador 25000
Sub‐Total 26821
Preçodeexportação 330178
Osúltimosestudosrealizadossobreomercadodecastanhadecajuguineense
afirmamqueopreçopagoaosagricultorespelacastanhadecajuvarianormalmente
entre50a70%dopreçof.o.b.,umapercentagemconsideradarazoável,dadoosaltos
custosdacomercializaçãodecajunaGuiné‐Bissau(JaegereLynn2004,Boubacar‐Sid
2008,BancoMundial2010).Combasenosmesmosdadososautoresconcluemque
nãoexistemindíciosclarosdedistorçãodemercadoporpartedeexportadorese
negociantesindianos.Noentanto,éextremamentedifícilconseguirsabercom
precisãoqualovalorpagoacadaanoaosagricultorespelasuacastanhadecaju,pois
duranteoperíododecomercializaçãoospreçosapresentamgrandesvariações,por
vezesaolongodomesmodia.Paraalémdisto,ospreçosoficiaispoderãonão
corresponderaospreçosreaispraticadosefoiditoporfonteslocais117queospreços
reaisdeexportação,combinadossecretamenteentreexportadoreseimportadores
indianos,sãonarealidademaisaltosdoqueosdeclarados,demodoafugiraos
impostosestatais.
117 Conversas informais e entrevistas com comerciantes locais, empresários e fontes governamentais em Janeiro de 2010.
143
Paracalcularapercentagemdopreçof.o.b.recebidapelosagricultorestem‐se
normalmenteutilizadoopreçomédiopagoaoagricultorpublicadoemfontes
governamentais(tabela11).Noentanto,eaté2008,opreçomédioanunciadopela
ComissãoNacionaldeCaju,parecefrequentementeinflacionado,enãocoincidecom
asinformaçõesdeagricultoresepublicadasnaimprensaduranteascampanhasde
comercializaçãodecastanhadecaju118.
Atabela12,construídaapartirdegrandenúmerodefontes(imprensaescritados
últimosdezanos,eentrevistaaagricultoresdosuldaGuiné‐Bissau)mostrauma
realidadebastantediferente.Opreçodoquilogramadacastanhadecajupagoao
agricultorguineensede1999a2009,parecenarealidadetersidoconstantemente
bastanteinferioraopreçopublicadoemfontesgovernamentais.Estadiferença
permiteconcluirqueaoinvésdoquetemsidoreferido,opreçopagoaoagricultor
guineensepelasuacastanhadecajutemsidoconstantementeinferiora60%dopreço
f.o.b.,tendomesmoatingidovalorestãobaixoscomo18%dopreçof.o.b.(tabela13).
Tabela11.Médiadospreçospagosaoprodutorpelocomprador(emfrancosCFA/kg)de1999a2009–dadosoficiais.Fonte:CNC2009:15
Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Preço 300 300 250 250 250 250 100 150 300 186
Tabela12.a)DiáriodeBissaude27deDezembrode1998b)CNC2009:15c)DiáriodeBissau
de19deAbrilde2001d)CorreiodaGuiné‐Bissaude18deJulhode2003e)DiáriodeBissau
de29deJunhode2006f)DiáriodeBissaude19deMaiode2006g)DiáriodeBissaude22de
Junhode2006h)DiáriodeBissaude16deMarçode2007i)DiáriodeBissaude2deMaiode
2007f)DiáriodeBissaude10deAgostode2008x)DiáriodeBissaude21deMaiode2008y)
NôPintchade2deAbrilde2009z)NôPintchade30deAbrilde2009u)NôPintcha21de
Maiode2009z)DiáriodeBissaude23deMarçode2001k)Entrevistasacomerciantese
exportadoresdecastanhadecajurecolhidasentreOutubroeDezembrode2009.
Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
118 Os anos de 2008 e 2009 são uma excepção, e os relatórios apresentados pela Comissão Nacional de Caju nestes anos apresentam a evolução de preços pagos aos agricultores durante a campanha de comercialização de castanha de caju de forma bastante detalhada e realista.
144
Preçomédiopagoaosagricultoresporkgdecastanhadecaju(dadosoficiais)b)
300 300 250 250 250 250 100 150 300 186
Preçospagosaosagricultoresporkgdecastanhadecaju(outrasfontes)–máximosemínimos.
250‐300a)250‐350k)
100‐150k)
100‐200k)
100‐150c)200z)
100‐200k)
100‐250d)
100‐200k)
100‐200k)
75‐150f)100g)50h)
75‐100i)135‐150f)
250‐300x)400y)
75‐150z)250‐300u)
Tabela13.Percentagemdopreçof.o.b.pagoaoagricultor.Fontes:Preçof.o.b.datoneladadecastanhadecajuemBissau:CNC2009eBancoMundial2010.Preçopagoaoagricultor:vertabela3.Nota:ataxadecâmbiodofrancoCFAfoiestabelecidaapartirde1999em1euro=655,957FCFA.Paraconverteropreçof.o.b.emBissaudedólaresaCFAutilizou‐seataxadecâmbiododólar–eurode1deAbrildecadaumdosanosde1999a2008(dadosdoFederalBankofSaintLouisemhttp://research.stlouisfed.org).
Ano Preçof.o.b.datonelada
decastanhadecajuemBissau(emdólaresamericanos)
Preçopagoaoagricultor(máximoemínimo)emCFA/kg
%dopreçof.o.b.recebidapelosagricultores(máximaemínima)
1999 714 100‐150 57,1‐68,552000 595 100‐200 24,2‐48,4
2001 600 100‐200 22,7‐45,4
2002 380 100‐200 35,5‐71,1
2003 545 100‐250 30,4‐60,82004 550 100‐200 33,2‐66,5
2005 523 100‐200 37,7‐75,4
2006 505 50‐150 18,5‐55,6
2007 470 75‐150 32,9‐65,72008 821 250‐400 73,1‐117,0
6.8.2.4SobreaPossibilidadedeDistorçãoProvocadapelaExistênciade
OligopóliosnoMercadodeCastanhadeCajuGuineense
Afirmarseexistemounãoindíciosdedistorção,oudeformaçãodeoligopóliose
cartéisnomercadodecastanhadecajuguineenseédifícildevidoàquaseinexistência
defontes,dedadosedeestatísticasoficiais.Noentanto,ahistóriadascampanhasde
compradecastanhadecajudosúltimos10anoséabundanteemtrocasdeacusações.
Amaiorpartedascríticas,inclusivevindasdemembrosdogoverno,acusamos
compradoresindianosdeespecularedesfavorecerfortementeosprodutoresde
castanhadecaju.Foitambémditoporváriasfonteslocaisqueemperíodosdemaior
instabilidadepolíticanaGuiné‐Bissau,osimportadoresindianosaumentamapressão
145
demodoapodercomprarocajuapreçosmaisbaixoseaestabelecercontractosmais
favoráveisparasi,sobaameaçadeserecusaremaimportarocajudevidoaomaior
riscoassociado.
Abaixo,peranteaimpossibilidadedeobtençãodedadosquepermitamconcluirsobre
aexistênciadedistorçõesnomercadodecastanhadecajuguineense,éapresentadoo
teordeacusaçõespatenteporexemplonosdiárioslocais.
Em2001,ogovernoanunciaumpreçodereferênciade300XOF/kg,noentantoa
castanhadecajueracompradaaosagricultorespor100XOF/kg.Peranteestasituação
opresidentedaANAGfalavaem“campanhaorquestradaparaquedadepreço”119,eo
MinistrodaAgriculturadiziaqueos“operadoreseconómicosdomercadodecajusó
pensamemlucros,lucrosemaislucros”120.Em2002,ereferindo‐seaosbaixospreços
praticadosnacompradecastanhadecajuem2001,oMinistrodaEconomiaedas
Finanças,anunciavaqueogovernoguineenseiria“processarcriminalmenteos
mentoresdoanúnciodareduçãodaquedadepreçoem2001”121,eoSecretáriode
EstadodoComércioeIndústriaerabemclaroediziaque“osprodutoresforam
sujeitosagrandesprejuízosem2001”,reconheciaquehaveria“baixorendimentopara
milharesdeprodutoresdevidoàquedadesteprodutonomercadoexterno”eque
“indianosformaramumcartelcomoobjectivodedefenderosseusinteresses”equea
partir“destacoligaçãocomeçaramaditarpreços”eaindaque“hápoucaparticipação
dosnacionaisnasoperaçõesdecomercializaçãodevidoaestaremcomdificuldades
financeiraseporostradicionaisfinanciadoresnãolhesdaremcrédito”122.
Em2003,ogoverno,emborareconhecendoque“asoluçãoparaoproblemados
baixospreçospraticadosnacompradacastanhadecajucabeaosprivados”,decide
intervirnoprocessodecompraporque“existemosquequeremalteraropreçoda
castanhadecaju,ecomotemosnoçãoqueaspessoasestãoafazermontagemn
119 Diário de Bissau de 28 de Abril de 2001. 120 Diário de Bissau de 23 de Março de 2001. 121Diário de Bissau de 8 de Maio de 2001. 122 Diário de Bissau de 8 de Maio de 2002.
146
sentidodeprovocaraquedadepreço,decidimosmanifestaranossapresençacomo
autoridadeadministrativa”123.
Em2005,eraoprópriopresidentedaAGEX,BraimaCamará,quediziahaverem‐se
“descobertoasbatotasquesefaziamnosectordocajuequeforamascausasdabaixa
depreçoaoprodutor”,eemboradesejasseque“opreçoaoprodutorfossesuperiora
250XOF/kg”,consideravaessepreçoimpraticávelpor“atéagoratermossido
financiadospelosindianosqueditavamassuasregras”124.
Em2006eratambémopresidentedaAGEXachamara“atençãodogovernoparao
reduzidonúmerodecompradores,eaoriscodepoderemcontrolaromercadoe
prejudicaropaís,nummercadoondenosúltimosanostêmacontecidocoisas
extremamenteestranhas”125.JáopresidentedaANAG,MamaSambaEmbaló,advertia
parao“hábitodedistorceropreçodacastanhaameiodacampanha”,edizianão
querervoltaraouvir“asinventadashistóriasdequeacastanhafoidesvalorizadano
mercadointernacional,jogadasquevisavamprejudicarosprodutores”126.
Jáoscomerciantesindianosalegavamqueopreçodereferênciaestabelecidopelo
governoerademasiadoaltoequenãolhesdavamargemdelucronomercado
internacional127.AIRIN,agêncianoticiosadasNaçõesUnidas,referindo‐seaobaixo
preçopagoaosagricultoresem2006diziaque“osexportadoresindianos,vistoterem
monopólio,podemditaropreço”128.
Em2007asacusaçõescontinuavam,eoscomerciantes/intermediáriostambémse
encontravamdescontenteseexplicavamascausasdasuamásituação:“nãotemos
dinheiroenãoháquemfinancieacampanhacomosefaziahánoveanos.Antesda
guerrade1998,quandoosindianoschegavamjáoarmazémestavacheioeerasó
negociaropreço.Agoracomoestamosdescapitalizadoselesimpõemasualeietiram
omáximodebenefícios”129.OpresidentedaCâmaradeComércioeIndústriatambém
123 Correio da Guiné-Bissau de 25 de Junho de 2003. 124 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005. 125 Diário de Bissau de 13 de Abril de 2006. 126 Diário de Bissau de 22 de Junho de 2006. 127 Diário de Bissau de 26 de Abril de 2007. 128 IRIN, a 15 de Junho de 2006, em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=61571. 129 Diário de Bissau de 5 de Setembro de 2007.
147
reconheciaqueaconjunturaera“desfavorávelaosprodutores,devidoàperdade
cotaçãointernacionaldocaju,devidoàreduçãodaprocuranosEUA”.Consideravano
entantoqueoproblemadavendadocajusedeviaàs“manobrasdosindianos,mas
tambémaoserrosdapolíticadogovernonosectordocaju130.
Em2008,oGrupodeAgroIndustriaisReunidos(AGIRE)entregavaummanifestoao
governocomsoluçõesparaoproblemadacastanhadecajuemquelançavaasuspeita:
“nopaísopreçodacastanhadesvalorizou‐seenquantoopreçodaamêndoacontinua
aaumentarnomercadointernacional…”131.
6.9Arroz,CastanhadeCaju,eSegurançaAlimentarnaGuiné‐Bissau
Para2008,assumindoqueapopulaçãodopaíserade1,6milhõesdehabitantes,
estimava‐sequeoconsumototaldearrozfossede139680toneladas,o
correspondentea235000toneladasdearrozcomcasca(BancoMundial2010:89).
Estandoaproduçãodearrozdopaísem2008estimadaem148757toneladasdearroz
comcasca(FAO2010),calculava‐sequeodéficeemarrozdopaísfossede86243
toneladas,apesarde,comosemostrouanteriormente(ver6.4.),aproduçãoagrícola
dopaísteraumentadoeaproduçãoorizícolatermostradoumatendênciapositivade
1991àactualidade(figura9).Oêxodorural,acrescenteperdademão‐de‐obra
disponívelparatrabalhosagrícolas,eograndecrescimentoqueacidadedeBissau
tevenosúltimosanossãoascausasmaisfacilmenteidentificáveisparaodéfice
cerealíferodopaís.
ÉnecessáriodizerqueoarrozéoquaseúnicocerealconsumidonaGuiné‐Bissau.A
quantidadearrozconsumidapelapopulaçãoguineensetemvindoaaumentar(figura
10),nãoapenasporqueonúmerodehabitantescresceu,mastambémporquetem
vindoaserabandonadooconsumodeoutrosalimentoscomoosmilhosealguns
tubérculos(mandioca,inhames,etc.).Oconsumodearrozanualestimadopor
130 Diário de Bissau de 5 de Setembro de 2007. 131 Diário de Bissau de 23 de Abril de 2008.
148
habitanteéde100kg(PAM2007:6)132,oquedeixapoucoespaçoparaoconsumode
outroscereais.NoLestedopaísoconsumodemilhosemilhetosapresentaalguma
importância,masnocontextogeraldopaísésegurodizerquepoucoseconsomeese
comedeoutroscereaisparaalémdearroz.100Kgdearrozconsumidosanualmente
porhabitanteéumvalorconsideradoextremamenteelevado,mesmonocontextoda
ÁfricaOcidental(oSenegalapresentaumconsumoestimadode93kganuaispor
habitante,enquantooGanaeaNigériaapresentamvaloresderespectivamente25kg
e29kg)(Lançon2007:4).
Atendênciaparaoconsumoquaseexclusivodearroznãoérecenteetemvindoa
aumentar.Deresto,jánosanoscinquentaeranotórioquenoLestedopaís,regiões
ondeosmilhosesorgostinhamtradicionalmentealgumaimportância,queos
agricultoresprogressivamenteabandonavamestasculturas,dedicando‐sequase
exclusivamenteàculturadeamendoimeàcompradearrozimportadodaszonas
litoraisoudoestrangeiro(Carreira1960:272).
Se,comojáfoianteriormentedemonstrado(ver5,e6.4.),algumasregiõesdopaís
apresentaramdesdeoiníciodoperíodocolonialdéficescrónicosdearroz,étambém
verdadequeapartirdadécadade90odéficedearrozdopaísdispara.Acrescente
taxadeurbanizaçãoedeconcentraçãodepopulaçõesemzonasurbanas,os
programasdeajustamentoestruturalqueapostaramnodesenvolvimentodeculturas
derenda,eaentradadegrandesquantidadesdearrozdoadoapósaindependência,
contribuíramparaqueaapostadosagricultoresnaproduçãoorizícoladiminuísse,e
queodéficedearrozaumentasse.Estefenómeno,contudo,nãoéexclusivoàGuiné‐
Bissau.TambémnoSenegal,apartirdoiníciodosanos70disparamasimportaçõesde
arrozcomoconsequênciadealteraçõesnocomportamentodosconsumidores(uma
populaçãourbanaquepreferiaalimentosfacilmenteerapidamentecozinháveiscomo
oarroz,emdetrimentodemilhos,sorgosetubérculos,compreparaçõesmaismorosas
ecomplexas)(Diaganaetal.,1999).
132 Documento em PDF consultado em http://home.wfp.org/stellent/groups/public/documents/manual_guide_proced/wfp187906.pdf, a 14 de Novembro de 2010.
149
Astentativasderecuperaçãodaproduçãodearrozquesederamduranteosanos
oitenta,seguindométodoseideiassemelhantesàda“RevoluçãoVerde”asiática,e
quenocasodaGuiné‐Bissaupassarampelaintroduçãodevariedadesmelhoradasnão
autóctoneseobrasderecuperaçãodecamposdearrozdegrandeenvergadura,
tiveramfracosounulosresultados(TemudoeAbrantes2010)eodéficedearrozdo
paíscontinuouacrescer.Aliberalizaçãodocomérciopreconizadapelosprogramasde
ajustamentoestruturaldadécadadeoitentafacilitouaentradadearrozimportadoa
baixopreçonopaís.DeixavadeservantajosoproduzirarrozparavendanaGuiné‐
Bissau.
Osagricultoresguineenseseosconsumidoresurbanospassaramassimadepender
quaseexclusivamentedodinheiroobtidocomavendadacastanhadecaju,quese
tornaraaprincipalfontederendimentodopaís,paracompradearroz.
Numcontextoemqueamaioriadosagricultoresguineensesnãoéauto‐suficienteem
arroz(vercasoparticulardaamostradeQuínaranocapítulo7)edepende,pelomenos
emparte,davendadacastanhadecajuparacompradearroz.Etambémnum
contextoemquepartedapopulaçãourbanaédesempregada,nãotemactividadefixa,
evivedosrendimentosdosseuspomaresdecaju,oudospomaresdassuasfamílias
queficaramnointerior,entenderdequeformaevoluíramospreçoseostermosde
trocadacastanhadocajuedoarroztorna‐seessencialparaentenderdequeforma
evoluiuasegurançaalimentarepoderdecompradosguineenses.
150
Figura9.Produçãonacionaldearrozdescascadoemtoneladas.Fonte:FAOStatNota:
Considerou‐seque1toneladadearrozcomcascacorrespondea0,495toneladasde
arrozdescascado.
Figura10.Consumoestimadodearrozdescascadodapopulaçãoguineenseem
toneladas.Fontes:INEC1991eINEC2009(emhttp://www.stat‐
guinebissau.com/rgph_index.htm,consultadoa7deJunhode2010).Nota:
Considerou‐seumconsumoanualporhabitantede100kg.
Figura11.Déficeestimadodealimentosde1979a2009.Fonte:FAOStat2010.
151
Deseguidafala‐sedarecentecrisemundialdosalimentosedassuaspossíveis
consequênciasnasubidadopreçodoarroznaÁfricaOcidental.Analisa‐semais
detalhadamenteparaocasoguineensedequeformatêmvindoaevoluirospreçosdo
arroz,dandoespecialatençãoàspermanentesacusaçõesedenúnciasdeespeculação
nomercadoguineensedeimportaçãodearroz,efinalmenteconclui‐sepercebendode
queformasedeuaevoluçãodostermosdetrocaentreacastanhadecajueoarroz.
6.9.1ACriseMundialdeAlimentos:SubidasnoPreçodoArroznosMercadosMundiaisesuasConsequênciasparaaÁfricaOcidental
Durantedécadasopreçodoarrozmanteve‐serelativamenteinalterado,oupelo
menossemgrandesoscilações.Contudo,apartirdefinalde2006,aspequenas
subidasnopreçoquejáseverificavamapós2004,tornam‐seavassaladoras.Em2008a
situaçãoeraconsideradapreocupante,eopreçodoarrozmaisdoquetriplicaraem
relaçãoa2003(tabela15).
Tabela 15. Evolução dos preços internacionais f.o.b. da tonelada de arroz em dólares americanos (médias das variedades White Rice, Thai 100% B second grade e White Broken Rice, Thai A1 Super - médias anuais em Bangkok). Fonte: FAO (http://www.fao.org/es/esc/prices/CIWPQueryServlet), dados de Jackson Son&Co. Ltd.)
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Média de preço do arroz 174,8 176,4 174,0 176,1 225,9 254,5 263,9 303,7 602,6 455,8 442,1
Ascausasapontadasparatãograndesubidanopreçomundialdoarroztêmsido
várias.SecasnaAustráliaem2006,aoaumentodoconsumodearroznaÍndiaeChina
(grandesprodutoresqueem2007impõemrestriçõesnasexportaçõescomoformade
salvaguardaraauto‐suficiência),apercentagemcrescentedecereaisutilizadospara
fabricodebiocombustíveis(emboraoarroznãosejautilizadoparafabricode
biocombustíveis,pensa‐sequeasubidadepreçodeoutroscereaiscomoomilhopossa
tertidoefeitosnopreçodoarroz),eaindaforteespeculaçãonomercadomundialde
152
alimentos,sãoosmotivosmaiscorrentementeapontadosparaasubidadopreçodo
arroz(Wright,Speculators,StorageandthePriceofRice,BrianWrighteMitchell2008
anoteonrisingfoodprices).
OsefeitosdasubidadopreçodosalimentosforamparticularmentesentidosemÁfrica,
onde,comolembravaPapaSeck,directordoAfricaRiceCenter,30%dapopulação
viviaemsituaçãodeinsegurançaalimentaroumesmomalnutrida(IRIN2008133).
OsagricultoresdaÁfricaOcidentalparecemterrespondidoàssubidasdopreçodo
arrozaumentandoaprodução.DeacordocomoObservatóriodoArrozdaFAO,a
produçãodearrozdaÁfricaOcidentalterácrescido18%entre2007e2008.No
Burkina‐Faso,porexemplo,observavam‐seaumentosde241%,eapartedoSael
pertencenteàÁfricaOcidentalregistavaaumentosde44%.Paraaépocadecolheita
de2009‐2010aFAOcontinuavaapreverafortesaumentosdeprodução(FAO2010).
Em2009e2010,apesardospreçosdoarrozteremsofridoumabaixa,continuavam
significativamentemaisaltosqueosvalorespré‐crise(tabela15),econtinuava‐sea
preverapossibilidadedesubidasdepreçosemelhantesàsde2008(devidoadanos
causadosnaproduçãodearrozdegrandespaísesprodutoresdearrozcomoa
TailândiaeasFilipinascausadospeloElNiño)(entrevistaaPapaSeck,2010134).
6.9.2OMercadoGuineensedeImportaçãodeArroz:SerãoosAltosPreçosPraticadosApenasConsequênciadasSubidasnoPreçoMundial?
Apartirde1997,andoemqueaGuiné‐BissauadereaofrancoCFA,dão‐seaumentos
generalizadosdepreçosdosalimentosnomercadoguineense.Oarroznãoera
excepção,evistoovalordereferênciadacotaçãointernacionaldoarrozserem
133 IRIN, 9 de Dezembro de 2008, em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=81892, consultado a 19 de Novembro de 2010. 134
Consultadoemhttp://africarice.blogspot.com/,a19deNovembrode2010.
153
dólares,eofrancofrancêsestaràdataemdesvalorizaçãofaceaodólaramericano,os
aumentosdepreçotornavam‐semaispronunciados135.Noentanto,até2004,os
preçosdoarrozmanter‐se‐iamrelativamenteestáveisaté2004,dataapartirdaqual,a
subidadepreçodoarroznosmercadosdeBissauéconstante.Em2008,emplenacrise
mundialdosalimentos,atinge‐seovalorde1000XOF/kg(tabela16),eaFAO
consideravaque,apesardosaumentosdeproduçãoconseguidospelosagricultores,as
famíliasguineensesestavam“aindamaisvulneráveiseemsérioriscofaceafuturos
aumentosdepreços”136.
ApesardospreçosdoarrozemBissauacompanharematendênciainternacional,
restamdúvidasseasituaçãointernacionalnãoterásidoaproveitadapelosoperadores
nacionaisparaespecular.Asacusaçõessãoconstantes,mastalcomonocasoda
possibilidadedaexistênciadeoligopóliosentreoscompradoresdecastanhadecaju,
nãoexistemdadosouestatísticasquepossamcomprovarsemelhantesacusações.No
entanto,maisumavez,deixa‐seabaixooteordessasacusaçõesquenosúltimosanos
têmsidofrequentes.
Tabela16.EvoluçãodopreçoaoconsumidordoquilogramadearroznomercadodeBissau.
Fontes:a)DiáriodeBissaude27deDezembrode1998b)DiáriodeBissaude5deNovembro
de2008;c)CorreiodaGuiné‐Bissaude4deJulhode2003d)IRIN,Bissau,12/07/2004
(http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=50610)e)DiáriodeBissaude11deJaneiro
de2005;f)DiáriodeBissaude12deAgostode2006;DiáriodeBissaude20deAbrilde2006;
IRIN,24/08/2006(emhttp://www.irinnews.org/report.aspx?reportid=60455);g)Diáriode
Bissaude8deAgostode2007;DiáriodeBissaude28deNovembrode2007;h)INEC,Índice
HarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunhode2008,nº6;i)DiáriodeBissaude7
deMaiode2008;j)DiáriodeBissaude20deAgostode2008;k)DiáriodeBissaude5de
Novembrode2008;l)INEC(ÍndiceHarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho
2008,nº6;m)INEC(ÍndiceHarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho2009).
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
PreçoaoconsumidordoarroznomercadodeBissau
140b)
150b)
160b)
250c)
250–320d)
300e)
250–340f)
270–340f)
330–1000i)j)k)l)
306–453m)
135 Diário de Bissau de 7 de Maio de 1997. 136 Em http://www.fao.org/isfp/country‐information/guinea‐bissau/en/, consultado a 12 de Novembro de 2010.
154
6.9.3UmaHistóriaRecentedoMercadodeArroznaGuiné‐Bissau:AcusaçõesConstantesdeEspeculaçãoeDistorçãonoMercadodeImportaçãodeArroz.
Em2000,aSecretariadeEstadodoComérciodaGuiné‐Bissaufalavadaexistênciade
especulaçãonomercadodeimportaçãodearroz,edesencadeavaumacampanhade
fiscalizaçãocomoobjectivodefazercumprirodecretogovernamentalnº3/2000de4
deAgostode2000,quedecretavaquenãohaveriaaumentosdepreçosnosprodutos
deprimeiranecessidadeatéfinaldoanode2000.Aclasseempresarialrespondiaao
governoafirmandoquehouverasubidadepreçosdecombustíveisequeseria
fundamentalumarevisãodospreçosdosprodutosdeprimeiranecessidade137.
Em2001,oMinistrodaAgriculturadeixavabemclaroqualasuaopiniãosobreo
mercadoimportadordearrozguineenseequaisassoluçõesparaoproblema:
“Estamosnaeconomiademercadoenãopodemospreveroutraformademercado.
MasoEstadotemquecriarastaxasparacadaproduto.NósnaGuiné‐Bissaupodíamos
perfeitamentefixarastaxas,recorreraestedireitodoEstadoedogoverno.Vou‐lhe
dizerumacoisa:alguémganhamuitocomaimportaçãodearrozparaaGuiné‐Bissau.
Issoéumnegóciodeumgrupinhodepessoasqueestãoaenriquecermuito
rapidamenteemdetrimentodopovo.Todaagentesabequemsãoosimportadoresde
arrozdopaís.Essaspessoasnuncaquiseramqueoarrozsejaproduzidointernamente
porqueosseusnegóciosestarãoemcausa.Alémdissooarrozimportadoparaopaísé
dapiorqualidade,algumédestinadoaalimentaçãodeaves.Aminhaposiçãosempre
foimuitoclara:1ºnãopossoproibirpessoasdeimportararrozporquenãotenhoarroz
paradaràpopulação,nãoéjusto,portantogovernotemdemedardinheiropara
produzirarroz”138.
Em2004,edadaagravidadedasituação,ogovernoguineensedecideimportar5mil
toneladasdearrozdoSenegal,umplanodeemergênciarealizadoemparceriacom
importadoresnacionais.Opreçodeumsacode50kgarroz,quenormalmenteseriade
137 Diário de Bissau de 31 de Agosto de 2000. 138 Diário de Bissau de 19 de Julho de 2001.
155
12500XOF,subiapara15000a16000XOF.Devidoàsituação,oMinistrodo
Comércioanunciavaqueastaxasdeimportaçãoparaoarrozimportadoseriam
reduzidas,eanunciavaaindaoplanodogovernodeimportar27000toneladasde
arrozdoMédioOrienteparaqueospreçosvoltassemaonormal139.
Noiníciode2005,ogovernoguineensedecidefixaropreçodoarrozem10500XOF,
poisreceberaumadoaçãodearrozdaRepúblicaPopulardaChina,eoMinistrodo
Comércioanunciava:“doravantenãohaverámaisespeculaçãodearroz,eas5mil
toneladasdoadasajudarãoogovernoacombatercarências.Oarrozdoadotem
objectivodeestabilizaropreçodemercadoeajudarnocombateàpobrezaeas
receitasdoarrozserãodestinadasàcriaçãodefundosparapromoçãode
investimento140.Noentanto,nofinaldoanode2005opreçodosacodearrozem
Bissauatingiaos15000XOF141
Em2006asituaçãodedescontrolonopreçodearrozmantinha‐se,eemAgosto,o
MinistrodoComércio,PascoalBaticã,convocaencontrodeemergênciaparadiscutira
questãodasubidadopreçodoarroz,efaziam‐seacusaçõesdequeopreçodecretado
esseanopelogoverno(10500XOF/50kgparaarrozdegrãolongoe11500XOF/50kg
paraaqualidade“nhélemperfumado”)nãoestarasercumpridoedehaverarroz
escondidonosarmazénscomoformadeespeculação.OMinistroameaçavaaplicar
medidascontraoscomerciantesdesobedientesquenãocumprissemospreços
estabelecidos,jáqueastarifasalfandegáriasparaosprodutosessenciaisjáhaviam
sidoreduzidas.Osretalhistasrespondiamaogovernodizendoqueaaltadepreçose
deviaaumafaltadearrozdisponívelnomercadomasoMinistronegavadizendoqueo
arroz“haviaarrozescondidonosarmazéns”.Como“medidapontualdecombateà
especulação”ogovernodecidecolocarcamiõesnaruaavenderarroza11500XOF/50
kg,eaInspecçãoGeraldeComérciodecideapreendereconfiscaroarrozealvarásde
139 IRIN, 12 de Julho de 2004, consultado em http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=50610, a 19 de Novembro de 2010. 140 Diário de Bissau de 11 de Janeiro de 2005. 141 Diário de Bissau de 15 de Dezembro de 2005.
156
todososcomerciantesqueàdatavendiamarrozentreos15000e17000XOF/
50kg142.
Em2007atrocadeacusaçõescontinuava.OarrozatingiaemSetembrooaltíssimo
valorde17000XOF/50kg,eoInspector‐geraldoComérciodiziaquenãohavia
“razõesparasubidadepreçodoarroznomercadonacionalpoisaindaexistiamstocks
razoáveisnosdiferentesarmazénsdacapital”edeixavaclaroqueosaumentosde
preçosedeviam“aoaçambarcamentoporpartedealgunscomerciantes”143.
Em2008,emplenacrisemundialdosalimentos,asituaçãoagrava‐seeopreçodo
arrozsobeparaníveisnuncaantesatingidos.Umsacodearrozatingenacapitalo
preçode37500XOF.ODirectorGeraldoComérciocomentaasituaçãodizendoque
“hojenãoexistecomidabaratanomundo,eaproduçãocerealíferaestámuito
complicada”eacusatambémosimportadoresnacionaisde“tentativasdeperturbação
edefazeremdesapareceroarrozparaespecular”.Asprincipaisempresas
importadoras,AgênciaBijagós/SICAP,aGomes&GomeseaCOSEGUL,nãoentravam
emconsensocomogovernosobreospreçosapraticarerecusavam‐seavenderarroz.
OMinistériodoComércioentraemcontactocomempresáriosindianosetailandeses
numatentativadeadquirirarrozamelhorespreços.Noentanto,ospreços
continuaramasubir144.
Em2009ogovernoacordacomosimportadoresdearrozGomes&Gomes,Zaidan,e
outros,apropostadevenderemoarrozentre19000e21000XOF/50kg,eanunciava
queseria“muitorigorosoevigilanteparatomarmedidascontraquemquerque
procedaàespeculaçãodearroz.Prometeutambémqueogovernoimportariaarroz
semprequenecessário,eorepresentantedaAssociaçãodeConsumidores,Bens,e
Serviços(ACOBES)congratulava‐secomadecisãogovernamentaledenunciavaa
existênciade“umarededecomerciantesqueentramemconivênciacomalguns
governantesparaespecularopreçodoarroz”equeem2008,emreuniãonaCâmara
142 Diário de Bissau de 12 de Agosto de 2006; Diário de Bissau de 26 de Outubro de 2006; IRIN de 24 de Agosto de 2006, em http://www.irinnews.org/report.aspx?reportid=60455, consultado a 8 de Agosto de 2009. 143 Diário de Bissau de 8 de Setembro de 2007; Diário de Bissau de 8 de Novembro de 2007. 144 Diário de Bissau de 7 de Maio de 2008; Diário de Bissau de 4 de Junho de 2006; Diário de Bissau de 5 de Dezembro de 2008.
157
doComércioeIndústria,osassociadoschegaramàconclusãoquenãohaviarazões
paraqueopreçodoarrozestivesseacimados15000XOF/sacode50kg145.
EmSetembro,ogovernodecideimportararrozebaixaropreçoemcercade40%(14
500XOF/50kg).Osimportadoresguineensescondenamamedidaconsiderando‐a
prejudicialparaaeconomiadopaís.OMinistroBotcheCandédefendiaque“nãofazia
sentidoqueopreçodoarrozcontinuassealtonaGuiné‐Bissauquandoaonível
internacionaloprodutoeracomercializadoapreçosacessíveis”,evoltavaaafirmar:
“Quemforapanhadoavendermaisdoqueopreçoestipuladoteráproblemascomo
Governo.Osnossosfiscaisestarãoportodaaparte".ODirectorGeraldoComércio,
JaimantinoCó,reforçava:“Quemtentarespecularopreçoouacumularocerealpara
maistardeespecularvaiterchaticescomoGoverno"146.
6.9.4EvoluçãodosPreçosdoArrozedaCastanhadeCaju
De1982a1992acastanhadecajumantémumpreçosuperioraoarroz(tabela16),o
queterásidoemgrandeparteacausadacrescenteapostadosagricultoresnocultivo
decajueiros.De1992a1998,atrocade1kgdearrozdescascadopor1kgdecastanha
decajueracorrente147.Acomparaçãodastabelas16e17mostrabemdequeforma
os dependentes da venda de castanha de caju para compra de arroz têm vindo a
perderpoderdecompra.
Tabela 16. Evolução dos preços oficiais pagos ao produtor (em pesos da Guiné‐Bissau por
quilograma).Fontes:Galli1988:116(retiradodeFAO,1983,tabela23)eDias1992:27,dados
doMinistériodoComérciodaGuiné‐Bissau.Nota:Osgrandesaumentosdepreçoquesedãoa
partirde1987devem‐seàpolíticadedesvalorizaçãodopesoguineense impostaaquandoa
implementação do plano de ajustamento estrutural apoiado pelo Banco Mundial e Fundo
MonetárioInternacional.
145 No Pintcha de 5 de Fevereiro de 2009. 146 Notícias Lusófonas de 4 de Setembro de 2009, em http://www.noticiaslusofonas.com, consultado a 21 de Agosto de 2009. 147 Entrevista a comerciantes de Bissau (1/1/2010), Empada (20/11/2009) e Buba (22/12/2009).
158
Ano 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
Castanhadecaju 3 5 6 6 10,3 10,5 17,5 28,5 28,5 125 230 350 450 550 1000
Arroz 5,1 7,5 8,5 8,5 9,5 8,8 14,5 24 37,5 50 350 180 225 400 650
Tabela17.EvoluçãodopreçoaoconsumidordoquilogramadearroznomercadodeBissau
(XOF),eevoluçãodospreçosmáximosemínimospagosaoagricultorpeloquilogramade
castanhadecaju(XOF).Fontes:a)DiáriodeBissaude27deDezembrode1998b)Diáriode
Bissaude5deNovembrode2008;c)CorreiodaGuiné‐Bissaude4deJulhode2003d)IRIN,
Bissau,12/07/2004(http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=50610)e)Diáriode
Bissaude11deJaneirode2005;f)DiáriodeBissaude12deAgostode2006;DiáriodeBissau
de20deAbrilde2006;IRIN,24/08/2006(em
http://www.irinnews.org/report.aspx?reportid=60455);g)DiáriodeBissaude8deAgostode
2007;DiáriodeBissaude28deNovembrode2007;h)INEC,ÍndiceHarmonizadodePreçosao
Consumidorde10deJunhode2008,nº6;i)DiáriodeBissaude7deMaiode2008;j)Diáriode
Bissaude20deAgostode2008;k)DiáriodeBissaude5deNovembrode2008;l)INEC(Índice
HarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho2008,nº6;m)INEC(Índice
HarmonizadodePreçosaoConsumidorde10deJunho2009).Nota:parafontesdepreços
máximosemínimosdacastanhadecajuvertabela12).
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
PreçodoarrozaoconsumidornomercadodeBissau
140b) 150b) 160b) 250c) 250–320d)
300e) 250–340f)
270–340f)
330–1000i)j)k)l)
306–453m)
Preçopagoaoprodutorpelacastanhadecaju(máximoemínimo)
100‐150
100‐200
100‐200
100‐250
100‐200
100‐200
50‐250
75‐150
250–400
75–250
6.9.5EvoluçãodosTermosdeTrocadaCastanhadeCajuedoArroz
Aanálisedostermosdetroca(ToT),orácioentredoisprodutos,éconsiderada
especialmenteútilparaavaliaropoderdecompradasfamíliasedosindivíduos
quandoestesdependemdavendadeumprodutoparacompraralimentos.
Ocasoguineense,ondeemmaiorgraudoqueemqualqueroutropaísafricano,a
populaçãovivequaseexclusivamentedavendadeumúnicoprodutodeexportação(a
castanhadecaju)econsomequaseexclusivamenteumúnicocereal(oarroz),a
ferramentaToTtorna‐seespecialmenteútil.Deresto,umdocumentodoPrograma
AlimentarMundialdasNaçõesUnidas(PAM)sobreaaplicaçãodaferramentaToT,
159
davaarelaçãodepreçoscastanhadecaju–arroznaGuiné‐Bissaucomooexemplo
perfeitodeaplicaçãodestaferramenta(PAM2007)148.
Afigura12,mostracomoospreçosdoarrozedacastanhadecajueramequivalentes
em2000/2001,ecomoseafastaramvertiginosamenteapartirde2002.Acausa,em
grandemedida,deve‐seaosaumentosdopreçodoarroz,mastambémàsconstantes
subidasedescidasdopreçodacastanhadecajupagoaosagricultores.Em2006,
quandoospreçosdacastanhadecajuatingemníveisextraordinariamentebaixos,o
arroziniciaagrandesubidaqueculminariaem2008,umanoemqueacastanhade
cajufoicompradaabompreço,masquenaprática,nãosignificouqualquermelhoria
dopoderdecompradosagricultoresguineenses.
Afigura13,quemostracomotêmevoluídoosToTdacastanhadecajuedoarroz,
deixabemclaroqueestestêmvindoabaixarapartirde2000,atingindooseumínimo
em2008,erecuperandoligeiramenteem2009.MenorvalorToTsignificamenorpoder
decompraparaasfamílias,enumpaíscomoaGuiné‐Bissau,sobretudo,forte
insegurançaalimentar.
Figura12.Evoluçãodopreçomédiopagoaoagricultordoquilogramadecastanhadecajuedo
preçomédioaoconsumidordoquilogramadearroznosmercadosdeBissau(osvalores
médiosforamcalculadosatravésdosmáximosemínimosrecolhidosemdiversasfontes–
148 Obra citada.
160
tabelas12e16.Nãoépossívelsermaisexactodevidoàsgrandevariaçõesdospreçosdoarroz
ecastanhadecajueàfaltadedadosestatísticos).
Figura13.Evoluçãodostermosdetroca(ToT)dacastanhadecajuedoarroz(preçodacastanhadecaju/preçodoarroz).
6.10Síntese
As tentativas de introdução e expansão do plantio do cajueiro entre os agricultores
guineensessãoantigas,masseriaapenasnasegundametadedadécadadeoitentado
séculovintequeestaculturateriagrandedifusão.Numcurtíssimoespaçodetempoos
agricultoresguineensessubstituíramumamonoculturaporoutra–oamendoimpelo
caju.EnumcurtíssimoespaçodetempoaGuiné‐Bissautornou‐seopaísafricanocom
maior grau de dependência de um único produto de exportação, batendo inclusive
países exportadores de petróleo como aNigéria, Angola ou aGuiné Equatorial, que
nãochegamasertãodependentesdaexportaçãodepetróleocomoaGuiné‐Bissauo
é da castanha de caju. A transição de uma monocultura para outra foi de facto
surpreendente, sobretudona rapidez comqueos camponesesguineensesalteraram
os seus sistemas agrícolas para neles inserirem o caju. Alguns factores explicam o
porquê de tal rapidez de adaptação a uma nova cultura, e também o porquê de a
produçãodecajunaGuiné‐Bissautersidosempre,acimadetudo,umaproduçãode
pequenos agricultores. Em primeiro lugar a queda das cotações do amendoim nos
161
mercados internacionais, em segundo, os preços favoráveis da castanha de caju
durante a décadadeoitenta, e em terceiro, a excepcional adaptaçãodo cajueiro às
condições ecológicas e habitats do país, a reduzida mão‐de‐obra necessária à sua
manutenção,eanãonecessidadedequalquertipodeinputsparaoseucultivo(sejam
eles sementes, adubos, fertilizantes,pesticidas).Osdoisúltimos factores, a reduzida
mão‐de‐obraexigida,eanãonecessidadedeutilizaçãodeinputs,foramfundamentais
paraumapopulaçãoruralquedesdecedosofreucomaemigraçãodosjovensparaas
cidades (ou para Bissau), e num país onde praticamente não existiu, nem existe,
extensãorural,ouqualqueroutrotipodeapoioaosagricultores.
OsúltimosestudosrealizadossobreomercadodecajunaGuiné‐Bissauafirmamque
duranteosúltimosanososagricultoresguineenses têmrecebidoentre60a70%do
preço f.o.b.aqueacastanhadecajuécompradaemBissau,umapercentagemque
consideramrazoáveldevidoaosaltospreçosdacomercializaçãodacastanhadecaju
naGuiné‐Bissau(altastaxasportuárias,másestradas,burocracia).Edefactoseriauma
percentagemrazoável.Noentanto,taiscálculosforamrealizadosutilizandoosdados
oficiais de preços pagos aos agricultores, consideravelmente inflacionados até 2008.
Os valores pagos pela castanha de caju aos agricultores publicados na imprensa, ou
recolhidos junto dos exportadores e agricultores, mostram uma realidade bem
distinta, umapercentagemdopreço f.o.b. realmentepaga aos agricultores que tem
sidonosúltimosdezanosconsideravelmenteinferiora60%etematingidovalorestão
baixoscomoos18%.
Mas talvez mais importante que analisar as percentagens f.o.b. recebidas pelos
agricultores, é perceber de que forma tem evoluído o real poder de compra dos
produtoresdecastanhadecaju.Acomparaçãodasevoluçõesdepreçosdacastanha
de caju e do arroz – o quase único cereal comprado pela população guineense –
mostramclaramentecomoapartirde2002,assubidasconstantesdopreçodoarroz,
significaramparaosagricultores,menosarrozcompradocomamesmaquantidadede
castanhadecajuvendida.Eseécertoqueéumatendênciainternacionaladassubidas
dopreçodoarroz,aconstanteespeculaçãoaqueomercadodeimportaçãodearroz
naGuiné‐Bissautemestadosujeito,nãocontribuiuparamelhorarasituação.
162
DiversosrelatóriossobresegurançaalimentarnaGuiné‐Bissautêmresponsabilizadoa
expansão do cultivo de cajueiros pelo abandono dos agricultores das culturas de
subsistência.Aafirmaçãoparecebasear‐sefrequentementenumapremissaerrada–a
de que agricultores de subsistência se têm vindo a transformar em agricultores
profundamenteintegradosnomercado,noentantoaintegraçãonomercadoéantiga,
e a dependência do cultivo de amendoimera tambémenorme. E se a produção de
arrozdopaíspareceduranteanoster‐sereduzido,étambémverdadequeaprodução
totaldealimentosdopaísmaisdoqueduplicou,oque levaauma interpretaçãoda
situaçãobemdiferente:adequeumapopulação rural comreduzidadisponibilidade
demão‐de‐obraparaalémdeasseguraraquasetotalidadedasexportaçõesdopaís,
temvindoaapostarnoutrasculturas,menostrabalhosasecommenorriscoassociado.
O processamento da castanha de caju tem sido a solução mais sugerida para o
problema da dependência do país da exportação de castanha de caju. Transformar
castanhadecajunopaís,investirnumsectorindustrial,eassimconseguirmaiorvalor
acrescentado.Aapostanoprocessamento,contudo,merececautelaereflexão:
A exportação de castanha de caju temmostrado na Guiné‐Bissau forte resiliência à
constante atribulação porque o país tem atravessado. Uma resiliência que parece
dever‐seaofactode,paraexportarcastanhadecaju,ouparainvestirnaexportaçãode
castanha de caju, não serem necessários investimentos permanentes no país. E a
questãodorisco,quandoa instabilidadeéeminente,éfactorfundamental.Seráque
um sector industrial será tão resiliente quantoo tem sido a exportaçãodematéria‐
prima?
Omercadodecompraeexportaçãodecastanhadecajueomercadodeimportação
de arroz na Guiné‐Bissau não se podem considerar transparentes. As estatísticas
disponíveis,portanto,nãopermitemafirmaçõesperemptórias.Contudo,analisandoos
discursos, entrevistas, e trocas de acusações, publicados na imprensa guineense ao
longo da última década, fica bem claro a tensão existente entre os vários
intervenientes nestes mercados. Os compradores indianos são permanentemente
acusados pelos exportadores e pelo governo de formarem um oligopólio com o
objectivo de pagar baixos preços pela castanha de caju, e os importadores de arroz
163
(muitas vezes osmesmosque exportam castanhade caju) têm vindo tambéma ser
permanentemente acusados pelos consumidores e por alguns governantes de
especularnopreçodoarrozimportado.
Opapeldogovernoguineenseemtodooprocessodeexpansãodocultivodocajueiro
limitou‐se ao controlo e regulação dos processos de compra e de exportação da
castanhadecaju.Apolíticagovernamentalnosectorcajueironãotemsidomarcada
pela estabilidade.Ao longodasúltimas trêsdécadasquestões comoa imposiçãoou
liberalização dos preços pagos aos agricultores, a abertura ou fecho domercado de
comprada castanhade caju anãonacionais e adimensãodas taxasdeexportação,
têmsidoconstantementediscutidasealteradas.
Eseainstabilidadepolíticaemilitarqueopaístematravessado,comumsucederde
guerras, golpes de estado, deposições de governo, etc., não tem favorecido uma
política coerente para o sector nem a permanência de quadros no governo com
conhecimentospara lidarcomquestõestãocomplexascomoaanálisedosmercados
internacionais de castanhade caju, é tambémverdadequeopapel do governonão
tem sido facilitado pelas constantes pressões de numerosos grupos de interesse:
compradores indianos de castanha de caju que constantemente especulam e se
associam para fazer baixar os preços, exportadores e comerciantes nacionais que a
cadaanoexigemofechodomercadoaestrangeiros,epressõesdeorganismoscomoo
BancoMundialeoFMIqueexigema total liberalizaçãodomercadodecastanhade
cajunaGuiné‐Bissau.Eaacçãogovernamental,temvariadoentreaintromissãototale
a total desresponsabilização, o que decididamente não tem contribuído para bons
preçospagosaosagricultores.
164
CAPÍTULO7‐OsprodutoresdeQuínara–AnálisedoEstudodeCaso
7.1ÁreadeEstudoeMetodologia
7.1.1ÁreadeEstudo
QuínaraéumadasnoveregiõesdaGuiné‐Bissaueencontra‐sedelimitadapelaregião
deTombaliasul,deBafatáaeste,pelosriosCorubaleGebaanorte,eoceano
Atlânticoaoeste(Figura7.1).
Figura7.1MapadaGuiné‐BissaucomaregiãodeQuínaraemevidência.
Aregiãoocupa3.138,4km2,ou8,7%dos36.125km2dasuperfíciedaGuiné‐Bissau,
emboracontenhaapenas54.516dos1.389.497habitantesdopaís,ou3,9%dototal
(INEC2007149).Quínaraencontra‐sepoliticamentedivididaemquatrosectores,ode
TiteeodeFulacunda,ambosnapenínsulanortedaregião,odeEmpadanapenínsula
sul(tambémconhecidaporCubisseco)eosectordeBuba,aeste.
149 Instituto Nacional de Estatística e Censos: www.stat-guinebissau.com
165
Quínaratemumclimasubtropicalsemi‐húmido,comduasestaçõesdistintasem
termosdeprecipitação,umasecanoInvernoeumahúmidanoverão.Aépocahúmida
estende‐sedeMaioaNovembro,comtemperaturasentre20ºCe38ºCevaloresde
precipitaçãoligeiramentemaioresemcomparaçãocomaszonasnorteeestedopaís.
Aépocaseca,porseuturno,vaideDezembroafinaldeAbrileregistatemperaturas
entre15ºCe33ºC(Pélissier2004:10).Ascaracterísticasclimáticasemconjuntocoma
intervençãohumanaconferemàpaisagemdeQuínaraummosaicodesavana,floresta
sub‐húmidaemdiferentesgrausdesucessãoecológicaeváriostiposdeáreas
agrícolas.Aszonascosteirasestãopraticamentesempreocupadaspormangal,queem
muitaspartesfoiconvertidoemzonasdeproduçãodearrozde“bolanha”oude
mangal.
Grandepartedaagriculturaébaseadanaproduçãoorizícola,querdemangal,querde
sequeiro,enocultivodamonoculturadecaju,cujaáreatemcrescido
significativamentenasúltimastrêsdécadas.Outrasculturasagrícolascomunse
importantesparaasegurançaalimentardapopulaçãosãooamendoim,omilho(Zea
mays),osorgo(Sorghumbicolor),omilheto(Pennisetumglaucum),abanana,a
laranja,alima,amandioca,abatata‐doce,oinhame,entreoutros.Aabundância
relativadepalmeira(Ellaeisguineensis)favoreceaactividadedeextracçãodeóleode
palmaemalgumaszonasdaregião.Outrasactividadescomunssãoapescaartesanal,
ocomércio,acarpintaria,entreoutrosserviços.
Emtermosetno‐culturais,QuínaraéhistoricamenteconsideradaterritórioBiafada.No
entanto,asimigraçõesdebalantasapartirdofinaldoséculoXIXderegiõesmaisa
nortetransformaramacomposiçãoétnicadapopulação,enasegundametadedo
séculoXXosúltimosrepresentavamjáamaiorpartedapopulação.Aregiãoeranesta
altura,apardeTombali,consideradaumadaszonasdeproduçãoorizícolamais
importantesdopaís(vercapítulo5).Outrasetniasfrequentementeencontradassãoa
Manjaco,Mandinga,Mancanhe,Fula,Bijagó,Papel,Djacanca,entreoutrasmenos
comuns.Emboraaregiãocomoumtodotenharegistadoumaumentodapopulaçãoe
passadode49.857habitantesem2001para54.516em2007,estedeu‐sesobretudo
nosmaioresaglomeradospopulacionais,comoBuba,egrandepartedasaldeiasde
166
Quínaraviuoseunúmeroderesidentesdecrescer,particularmenteentreasaldeias
balanta,cujosnúmerosbaixaramdrasticamente(INEC1960,1991)devidoaoêxodo
ruralquesetemverificado.
7.1.2EstudodeCasoeMetodologia
Apardorestodopaís,aregiãoadministrativadeQuínaratemvindoaassistirauma
grandeexpansãodaáreaocupadaporplantaçõesdecaju,produçãoqueassegura
actualmenteorendimentodagrandemaioriadasfamíliasdeagricultoreslocais
(INEP/INEC:2006;Bívar2008:37).Ossistemasdegestãoderecursosnaturaise
distribuiçãodaterradaregiãomantiveram‐seatéhápoucorelativamenteinalterados.
Noentanto,aproliferaçãodamonoculturadecajuintroduziudinâmicasquevieram
alteraremgrandeparteaestruturadaeconomialocalealógicadegestãodos
sistemasagrícolastradicionais150.
Poroutrolado,ariquezaqueQuínaraapresentaemtermosdeambientesecológicose
sociaisconfereumespecialinteresseàregião,devidoàpotencialdiversidadede
situaçõesqueascomunidadeslocaisencontramnoquerespeitaàsuasegurança
alimentar.Asuadimensão,de3.138,4km2,ésuficientementegrandeparaconteresta
diversidadeambientalesocial,eapresentaaomesmotempoumaextensãorazoável
paraserpercorridanotempodisponívelparaotrabalhodecampo.
Porestesmotivos,Quínaratorna‐seumlocaladequadoparaentenderdequeformaa
transformaçãodesistemasdesustentoemsistemasderendimentoalterouadinâmica
desegurançaalimentardaregião.
Foramrealizadas125entrevistassemi‐estruturadasaagricultoresnaregiãode
Quínara,numtotalde48aldeias,demaneiraaobterumaamostradistribuídapelo
respectivoterritório.Aselecçãodosentrevistadosfoialeatória,demodoaminimizaro
enviesamentodosresultados,aopassoqueaescolhadasaldeiasvisitadasteveem
150 Bívar M. 2009, Comunicação Pessoal.
167
contaafacilidadededeslocação,semnoentantocomprometeradiversidadede
ambientesabordados.Assim,foitidoematençãoquenenhumcontextofosse
excluído,queremtermosétnicos,queremtermosecológicos,tendosidovisitadas
aldeiaslocalizadastantonazonacosteiracomonointerior,emzonasdeflorestaede
savana,edemodoacontactartodasasprincipaisetniaslocais.
Procurou‐sesempregerarinformaçãosobreestratégiasdesubsistência;produção
orizícola;produçãodecaju;diversificaçãoagrícola;estratégiasdeminimizaçãoderisco
deinsegurançaalimentar;motivaçãodeadesãoaocultivodecaju;variaçãodospreços
decaju;estruturadacomercializaçãodocaju;evoluçãodousodesolo;evoluçãoda
demografialocal;entreoutrasquestões.
Asquestõesforamaprofundadasdependendodaparticipaçãodoinformanteedo
conteúdodainformação,daísedefiniroprocedimentoderecolhadedadoscomo
entrevistassemi‐estruturadas.Durantearecolhadedadosfoinecessáriodispensar
determinadasrespostas,noscasosemqueoentrevistadosemostravapoucoseguro
sobreasestimativasdeproduçãodecaju,anodeinstalaçãodopomar,entreoutras,
demodoagarantiramáximaqualidadedosdadoseminimizaroenviesamentodos
dados.
ComoafirmamLynneJaeger(2004),osprodutoresnãoconhecememgeralotamanho
dosseusterrenos,pelomenosnosistemamétricoqueseutilizainternacionalmente.
Osautoresestimamaindaqueafiabilidadedasrespostasdosagricultoressobrea
produçãotenhaumamargemdeerroentre0.5e1tonelada,sendoportanto
necessárioteremcausaadificuldadedeobtençãodedadosfiáveisemcampo.
Certasaldeiasforamseleccionadascomocasos‐tipo,descritosapartirdainformação
recolhidaatravésdaobservaçãoparticipativa,entrevistassemi‐estruturadase
conversasinformais,demodoaaprofundarcasosconcretosqueilustremadiversidade
desituaçõesrelativasàsegurançaalimentarquesepodeobservaremQuínara.Os
casos‐tipoforamescolhidostendoemcontaarelevânciadessasaldeiasparailustrara
diversidadeeheterogeneidadedarealidadelocal.
168
AetniaBiafadaétradicionalmenteresponsávelpelagestãodoterritórioedosrecursos
deQuínara,sendoosseusmembrosreconhecidospelasoutrasetniascomoos“donos
dochão”,emboraestetermoimpliquemaisoconceitode“gestão”doque“posse
legal”(verpágina205).Estegrupoéomaisrepresentadoentreosentrevistados,com
42,4%dosinquiridospertencentesàquelaetnia.OsBalantas,queimigraramnoinício
doséculoXXparaosuldaGuiné,tornaram‐seimportantesprodutoresdearroze
comotalparticipantesfulcraisnarededetrocasdeprodutos,entreosquaisoarroz.É
aestegrupoquepertencem28%dosentrevistados.Outrosgruposminoritáriosque
estãopresentesnaáreadeestudocorrespondemaprocessosdemigração
secundários.Entreosentrevistadoscontam‐seosPapel,aquepertencem12,8%dos
inquiridos,ManjacoeBijagócom4,8%,Mancanhecom3,2%,Mandinga(1,6%)eFula
(0,8%).Para1,6%dosentrevistadosnãofoipossíveldeterminarogrupoétnico(Figura
7.1).
Figura7.1Origemétnicadototaldeentrevistados(N=125)
Adistribuiçãodosentrevistadosporetniapareceserrepresentativadacomposição
étnicadeQuínaraparaosdoisgruposdominantes,osbiafadaeosbalanta.Contudo,
estasuposiçãonãopodeserconfirmadajáqueosúltimoscensosqueincluírama
distribuiçãoporetniadatamde1979.Noentantosabemosqueatendênciageralem
Quínaratemsidoparaumafortediminuiçãodapopulaçãobalantaeumaumentodo
169
pesodosbiafadanototaldapopulaçãoregional,poisseem1950osbalantaerama
maioria(Carreira1961:106),resultadodasmigraçõesinternasnesseperíodo(ver
capítulo5),em1979osseusnúmerosjáseaproximavamdototaldebiafadas.Apartir
de1979,aúnicamaneiradeavaliarastendênciasdacomposiçãoétnicapassaasera
monitorizaçãodademografiadecadaaldeia,sabendoquecadaetniaseagrupa
preferencialmenteemaldeiasseparadas.Assim,comparandoasestatísticasde1950e
de2007,datadosúltimoscensosqueconsideraramapopulaçãodecadaaldeia,é
possívelverqueonúmerodehabitantesdasaldeiasbalantatemdecrescido,aopasso
quemuitasaldeiasbiafadaverificaramatendênciainversa(Carreira1961:106;INEC
2007).
7.2EstratégiasdeSubsistênciaparaaPopulaçãoEstudadaeRespectivosConstrangimentos:ProduçãoCerealífera,MonoculturadeCajueDiversificaçãodeActividadesCapazesdeGerarRendimento
7.2.1EstratégiasdeProduçãoeSegurançaAlimentaremQuínara:PerspectivasIniciaisdaInvestigação
Asestratégiasdesubsistênciadecadaagregadofamiliarnãoestãoalienadasdo
contextosocialeecológicoemqueseinsereacomunidadeàqualasfamílias
pertencem.Pelocontrário,factorescomoapresençaounãodefloresta,distribuição
deespéciesvegetaiseanimaisúteisàsubsistência,proximidadeàzonacosteirae
diversidadedastradiçõesagrícolasconsoanteaorigemétnicasãoalgumasdas
característicasinerentesàscomunidadesqueformamopadrãocomplexodarealidade
emquesubsisteapopulaçãolocal.
Foramnoiníciodainvestigaçãoidentificadosalgunsfactoresdeconstrangimentodos
modosdesubsistênciaesegurançaalimentarlocaisquesecrêquesejamtransversais
àgeneralidadedapopulaçãodaregiãodeQuínara.Aolongodocapítulosãoanalisados
ediscutidososprincipaisconstrangimentosàsestratégiasdeproduçãoesegurança
170
alimentardetectadosemQuínara,qualoseupesoecomoserelacionamentresi.
Apesardesentidosumpoucoportodaaregião,opesoeinfluênciadecadafactorde
constrangimentonasubsistênciaeadopçãodeestratégiasdeproduçãodependedas
característicasdecadacomunidade,comoserádemonstrado.Damesmamaneira,
tambémasestratégiasdeminimizaçãoderiscodeinsegurançaalimentarestão
relacionadascomosambientessociaiseecológicosemqueseinsereumdeterminado
agregadofamiliar,cujaacçãoélimitadapelosfactoresdeconstrangimento.Osúltimos
podemserdivididosemtrêscategorias:i)factoresdemográficos(perdademão‐de‐
obrarural,estruturaetáriadapopulação),ii)factoreseconómicos(ausênciade
investimentosestataiseminfra‐estruturas,inexistênciadeapoiosaosagricultores,
capacidadedegerarrendimento,fracacompetitividadedaproduçãoorizícolalocal)e
iii)factoresnaturais(deterioraçãodediquesdoarrozdemangal,fenómenosclimáticos
adversos,pragasnaturais,geografiaegeologiadasterras).
Algunsdestesfactoressãoprovavelmentecomunsamuitasoutrascomunidades
estudadasaoníveldasegurançaalimentar,particularmentenoâmbitoafricano.No
entanto,aformacomoserelacionamecomocondicionamasegurançaalimentarlocal
dependedocontextoemcausa.Osfactoresdeconstrangimentoàsegurança
alimentareasestratégiasdeminimizaçãoderiscoemQuínaraserãodevidamente
desenvolvidosecontextualizadosaolongodestecapítulo.
Osfenómenosdemográficossãopoucoconhecidosedocumentadosparaocontexto
local,emborasesaibaqueemmuitasaldeiasapopulaçãodiminuiunosúltimos50
anos.Aemigração,principalmenteentreosjovens,constituiaprincipalcausada
diminuiçãodapopulaçãoetemcomoefeitoadiminuiçãodamão‐de‐obradisponível
paraastarefasmaisárduas,nomeadamentenaproduçãoorizícolademangal
(construçãoemanutençãomanualdediques)enaagriculturaitinerante(cortee
queimadefloresta).Ainfluênciadestefactordeconstrangimentonasegurança
alimentarlocalserádiscutidaaolongodocapítulo.
Adeterioraçãodediquespodedependerdascondiçõesfísicasegeológicasaqueestão
expostososarrozais,oquevariadealdeiaparaaldeia.Assim,umarrozalsituadonuma
zonamaisexpostaaassoreamentoiránecessitardeumamaiormanutençãoacurtoe
171
médioprazoemcomparaçãocomoutrosarrozais.Ascondiçõesatmosféricasesubida
daságuasdomarpodemtambémserresponsáveispordanosconsideráveisnos
diques,comofoirelatadopelosentrevistadosaolongodainvestigação.Este
constrangimentorelaciona‐sedirectamentecomoprimeiro,aperdademão‐de‐obra,
poisemboraoníveldedeterioraçãopossaserdistintoemdiferenteszonas,a
recuperaçãodosdiquesvaidependersempredaexistênciademão‐de‐obra.
Entreosfenómenosclimáticosadversosmaisreferidoscontam‐seaescassezda
precipitação,necessáriaparaadessalinizaçãodasáreasdecultivoeproporcionaro
crescimentodasplantasdearrozdemangal.Poroutrolado,asubidadoníveldaágua
domarfoireferidaporalgunsentrevistadoscomoumadascausasdadeterioraçãodos
diquesqueprotegemoarrozdemangal.Édesuporqueasalteraçõesclimáticasea
consequentesubidadoníveldaáguapossamviraterumefeitonefastoparaa
produçãoorizícolademangaldaGuiné‐Bissau,vistotratar‐sedeumusodesolos
situadospraticamenteaoníveldomar.Osdanoscausadosporanimaisoudoenças
constituemtambémumdosfactoresmaisreferidosaolongodainvestigação(ver
página179),podendoinclusivamenterelacionar‐secomasalteraçõesdasdinâmicas
degestãodasterrasinduzidaspelaprópriaplantaçãodepomaresdecaju,como
sugeremváriosagricultoresparaocasodoaumentodaratazana‐do‐capim
(Thryonomysswinderianus),oufarfanaemcrioulo(verpágina216).
Ainexistênciadepolíticasestataisdeapoioaosagricultoreseaausênciade
investimentoseminfra‐estruturasadequadasaotransporte,armazenamento,
comercializaçãoeproduçãodearroz,quandonecessárias,implicamqueasestratégias
deminimizaçãoderiscodeinsegurançaalimentarporpartedosagricultoresficam
exclusivamenteaseucargo.Apesardegeraramaiorpartedosrendimentosde
exportaçãodopaís,osagricultoresdeQuínaranãovêemnenhumretornoemforma
dequalquerapoioàssuasactividades,comovoltaráaserdiscutidonestedocumento.
Acapacidadedegerarrendimentoparaoagregadofamiliaréumaquestãoimportante
naanálisedoriscodeinsegurançaalimentar.EmQuínara,noentanto,pode‐sedizer
quenãoháumadiferenciaçãoevidenteentreoestatutoeconómicodamaioriados
agricultores,oqueresultanumacertahomogeneidadedapopulaçãolocalemtermos
172
declassessociais.Àexcepçãoderaroscasos,comoosfuncionáriospúblicos
(professoreseagentesdaautoridadelocal151)ecertoscomercianteseartíficeslocais,a
grandemaioriadapopulaçãolocaltemacessodeummodogeralàsmesmascondições
desubsistência,tornando‐seportantoofactormaisdecisivoparaacapacidadede
gerarrendimentoadisponibilidadeounãodemão‐de‐obranoseiodoagregado
familiareadiversificaçãodasactividadescapazesdegerarrendimentos,como
abordadonapágina197.Porestemotivodecidiu‐sequenãofariasentidoanalisaras
questõesdacapacidadedegerarrendimentoedadisponibilidadedemão‐de‐obraem
separado.
Porfim,aincapacidadedosprodutoreslocaisdearrozconcorreremcomospreçosdo
cerealimportadoevendidolocalmenteportodoopaísafectanegativamentea
produçãoorizícola.Oarrozimportadoémantidoapreçosartificialmentebaixos,
resultadodepolíticasdeimportaçãoquefavorecemoscomerciantesenquanto
prejudicaaproduçãonacionaldearroz,umtipodeproduçãoparticularmente
importanteparaosagricultoresdeQuínara,historicamenteumadasregiõeschave
paraaproduçãoorizícolanacional(vercapítulo5).
7.2.2OPapeldaProduçãoCerealíferaparaaSegurançaAlimentarLocal
Tendoemcontaaproduçãodecereaiscomoprincipalfontealimentarlocal152ea
monoculturadecajucomoprincipalfonteactualderendimentoagrícola,os
agricultoresdeQuínaraapresentamactualmentediversasestratégiasdesubsistência,
podendodividir‐seentre(i)osqueapresentamumaestratégiaprodutivamista,com
produçãodecereaisecaju,equecorrespondemàmaioriadapopulação;(ii)osde
estratégiaprodutivaespecializada,queapostaramfortementenocultivo,oude
151 Convém referir no entanto que os poucos funcionários públicos contactados durante o tempo de investigação na Guiné-Bissau afirmavam não receber ordenados de forma regular, e alguns diziam mesmo não receber sequer há já alguns meses. 152 Sobretudo arroz (Oryza sativa e Oryza glaberrima), mas também milho (Zea mays), sorgo (Sorghum
bicolor) e milheto (Pennisetum glaucum).
173
cereais,oudamonoculturadecajue(iii)osdeestratégianãoagrícola,nasuamaioria
comerciantes,caçadoreseartíficeslocais153.
Paracadacaso,noentanto,osdiferentestiposdesistemaadoptadosvariamnograu
dedependênciadaestratégiaprivilegiada,consoanteaapostaindividualdecada
agricultornumadeterminadaactividadeagrícola.Assim,osistemadeproduçãodeum
agricultorquetenhainvestidofortementenaproduçãodecajuétipicamentediferente
dodeumagricultorquenãotenharealizadoomesmocultivocomtantaintensidade.
Emboraambospossamterprivilegiadoocajucomoprincipalcultivoemdetrimentode
outrasculturas,oprimeiroficarámaisdependentedasuavendaemrelaçãoao
segundo,econsequentementemaisexpostoàvariaçãodepreçosdoproduto,oque
podeconstituirumaameaçaàsuasegurançaalimentarnumcenáriodereduçãodos
preçosdecompraaoprodutor.
Aadopçãodeumadeterminadaestratégianãoélevadaacabodemaneiraigualpela
generalidadedosagricultoresedependedasuaexposiçãoaosfactoresde
constrangimentodasestratégiasdeproduçãoeaoseucontextosocialeecológico.
Noentanto,independentementedaestratégiautilizada,estaéquasesemprecentrada
naobtençãodoalimentobasedagrandemaioriadapopulaçãodaáreaestudada:o
arroz.Opapeldestecerealnaalimentaçãolocalédeextremaimportânciaeforam
váriasvezesobservadasduranteotrabalhodecamporefeiçõescompostasapenasde
arrozeumpoucodeóleodepalmanotopo.Muitoshabitanteslocaisreferiramainda
seroarrozoúnicocerealqueverdadeiramentesatisfaz,emoposiçãoaostradicionais
sorgoemilheto,ecomfrequênciafoiditoqueéomelhoralimentoparaevitarafome.
Dototalde125agricultoresentrevistadosnaregiãodeQuínara,87,2%(N=109)
investemhabitualmentenaproduçãodearroz.Devidoaoseudestaquenapreferência
alimentar,ocultivodearrozassume‐secomoumaprioridadeparaageneralidadedas
famíliasenvolvidasnoestudoecasoestejamreunidasascondiçõesnecessárias
153 Entre os artifícios mais frequentemente observados durante o trabalho de campo encontram-se as ocupações de alfaiate, carpinteiro, ferreiro, artesão e actividades ligadas ao mágico-religioso, cujos praticantes são vulgarmente conhecidos por “djambacuss” ou “moro” em crioulo (equivalente a curandeiro ou bruxo em português).
174
realizam‐sequasesempreoscultivosdearrozitinerante,demangaloudeambos.No
entanto,ainteracçãodosfactoresdeconstrangimentopreviamentereferidosem7.2.1
limitaacapacidadedeproduçãoprópria,oqueprovocaemgrandepartedoscasos
umaperdadaautonomiaalimentar.
Aorigemdodearrozconsumidofoiconsideradacomoumindicadordecisivoparaa
análisedasituaçãodasegurançaalimentarlocal,dadaaextremaimportânciaque,
comojáreferido,ocerealtemparaapopulaçãodocontextoestudado.Emboraquase
todososagricultoresdependamemcertamedidadomercadoparaobterpartedo
totaldearrozconsumidoanualmente,opesodestadependênciavariaentrediferentes
famílias,dependendodasuacapacidadedeproduçãoprópriadearroz.Ograudeauto‐
suficiêncianaproduçãodearrozestádirectamenteassociadoàvulnerabilidadedos
membrosdoagregadofamiliarrelativamenteàsuainsegurançaalimentar.Quanto
menoracapacidadedeproduçãodearrozqueumagricultorapresenta,maiora
necessidadequeterádegerarrendimentosquelhepermitamacederaocerealno
mercado.
Paraasfamíliasenvolvidasnoestudofoianalisadaaproveniênciadoarrozconsumido
anualmentepelosentrevistados,demaneiraainferirsobreasuacapacidadede
produçãoedependênciadomercado.Assim,foiconsideradoonúmerodemesespara
osquaisexistearrozprovenientedaproduçãoprópriaparaconsumofamiliar,eo
númerodemesesemqueafamíliaéobrigadaarecorreràcompradearrozno
mercado.
Paraefeitosdecomparaçãoforamidentificadoscinconíveisdedependênciado
mercadoparaobtençãodearroz:Muitobaixo,baixo,intermédio‐baixo,intermédio‐
altoealto.Aonívelmuitobaixopertencemasfamíliasqueproduzemarrozsuficiente
paraos12mesesdoano.Nonívelbaixosituam‐seaquelesquedizemproduzirarroz
suficienteparaentre8e11meses,adquirindoorestantenomercado.Aonível
intermédio‐baixopertencemosqueproduzemarrozparaentre6e8meses.Aonível
intermédio‐altopertencemosqueproduzemarrozparaentre0e6mesesenonível
altoforamincluídososquenãoproduzemarroz,equedependemdomercadoparaa
compradetodooarrozqueconsomem(Figura7.2).
175
Figura7.2Níveldedependênciadomercadoparaobtençãodoarrozconsumidoanualmente,
entreosentrevistados(N=125)
Dototaldeinquiridos,24,8%(N=31)apresentaumníveldedependênciadomercado
entreomuitobaixoeointermédio‐baixo,enquantoagrandemaioria,ou75,2%
(N=94),apresentaumnívelintermédio‐altooualtodedependênciadomercadopara
obtençãodoarroz.
Onívelmuitobaixoconsistenaindependênciatotaldomercadoeéraroparaototal
dosinquiridos,comapenas3,2%(N=4)areferirconseguirproduzirarrozsuficiente
paraabastecerafamíliaduranteos12mesesdoano.Estareduzidafatiadototalde
entrevistadosconstituiapartedapopulaçãoamostradamenosexpostaàflutuação
dospreçosdemercadotantodocajucomodoarroz.Naáreadeestudo,estetipode
situaçãoobserva‐seapenasemalgumasaldeias,comoJábadaPorto(vercaixa1),onde
aproduçãodearrozéaindasuficientementeelevadaparaquesecontementreos
seushabitantescasosdemaiorindependênciadomercadoemenorriscode
insegurançaalimentar.
176
Aonívelbaixopertencem5,6%(N=7)dototaldeentrevistados,queasseguramaauto‐
suficiênciadocerealparaentre8e11mesesdoano.Segue‐seonívelintermédio‐
baixo,ondesecontamosquenãoconseguemproduzirarrozparamaisde8mesespor
anoeobtêmorestantenomercado.Onívelintermédio‐altoédelongeaqueleemque
sesituammaisinquiridos,com62,4%(N=78)aafirmarproduzirarrozsuficientepara
satisfazerasnecessidadesalimentaresparaentre0e6mesesdoano.Porfim,dototal
dosinquiridos,12,8%(N=16)nãoproduzemarrozdetodoedependem
exclusivamentedasuacompraparaasubsistência,representandoaparteda
populaçãoentrevistadamaisvulnerávelàflutuaçãodospreçosinternacionaisdo
cereal.Osrepresentantesdestaúltimafatiadapopulaçãoadoptamdiferentes
estratégiasparaaobtençãodosrendimentosnecessárioseenquantounsrecorremà
vendadeprodutosagrícolas,maioritariamentecaju,outrosgeramosseus
rendimentosapartirdaprestaçãodeserviços,assuntoqueserádesenvolvidomais
adiante.
Caixa1
Caso‐tipodeJábadaPorto‐Quandoaproduçãodearrozésuficienteenãosedependedocaju
ApopulaçãodeJábadaPorto,umaaldeiabalanta
degrandesdimensõesnasmargensdoRioGeba,
dedica‐sequaseexclusivamenteaocultivodo
arrozdemangal.Actualmente,estacomunidade
destaca‐sepelarelativaindependênciadosseus
habitantesemtermosalimentares,jáqueao
contráriodemuitasoutrasconseguiuconservar
umaboapartedasuaproduçãodearrozaolongodosúltimosanos.Duranteaépocacolonial,a
produçãoorizícolaaumentoumuito,eaaldeiaproduziaumagrandequantidadedocereal.Para
alémdaproduçãodearroz,muitasfamíliasdedicavam‐seàcriaçãodegadobovinoeaocultivode
mandiocaeamendoim.
Emboraaproduçãodearrozdemangaltenhasofridoumaquebrageneralizadanasaldeiasbalanta
daregiãodeQuínaradesdeadécadade1970,estafoimenosacentuadaemJábadaPorto.O
cultivodearrozdemangaldaaldeiaconseguiumanter‐seprodutivo,eamaiorpartedasfamílias
177
deJábadaPortonãosóéhojeauto‐suficienteemarroz,comochegaavenderosseusexcedentes
aoshabitantesdasaldeiasvizinhas,demaioriabiafada.Aocontráriodemuitasoutrasaldeias
balantadeQuínara,apopulaçãodeJábadaPortonãoabandonouocultivodoarrozdemangal,já
queosseuscampossemantiveramembomestadodeconservação,inclusivamentenão
necessitandodeobrasderecuperação.Noentanto,apopulaçãodiminuiude1491habitantesem
1960,para1141em2007,eaáreadecultivodearrozdemangaltemvindoadecrescer.
TalcomoemmuitasaldeiasbalantaemQuínara,amaiorpartedoshabitantesnãopossuiterrenos
deflorestaousavanaondeplantarpomaresdecaju,ficandoimpedidosdeapostarnestaculturade
rendimento.Noentanto,apopulaçãotemencontradooutrasformasdecompensaradiminuição
derendimentosprovenientesdaproduçãodearroz,epráticastradicionalmenteinaceitáveisparaa
culturabalanta,comoavendadevacas,temvindoatornar‐secomumparaaobtençãode
rendimentos.
Osconstrangimentosrelativosàsestratégiasdeproduçãoesegurançaalimentar
identificadosnestainvestigaçãoeexpostosem7.2.1nãopodem,comojásedisse,ser
alienadosdocontextoecológicoesocialdecadacomunidade.Essesfactoresdevem
porissoseranalisadosàluzdeumadasquestõessubjacentesàdiversidadede
padrõesdeproduçãoalimentarnaregião:ossistemasagrícolastradicionais,que
variamconsoanteaorigemétnica.Defacto,agrandediversidadeétnicadaGuiné‐
BissauemgeraledaregiãodeQuínaraemparticularreflecte‐senumricomosaicode
tradiçõesdeorganizaçãosocioculturaiseeconómicas,quedãoorigemavariadas
estratégiasesistemasdeproduçãoalimentar.Quantoàauto‐suficiênciadearroz,por
exemplo,asdiferentesetniaspresentesnoestudorevelamcomportamentos
aparentementedistintosemrelaçãoàsuaprodução,evidênciadasdiferentestécnicas
epráticasaqueosseusantepassadosderampreferência(Tabela7.1).
Tradicionalmente,aetniaBalantaéconhecidapelodomíniodocultivodearrozde
mangal,capazdegerarumexcedentecomercializávelsignificativo,sendoogrupo
étnicomaisbemsucedidoemtermosdeauto‐suficiênciadearroz(Ribeiro1989:235).
Defacto,dasduasetniasmaisnumerosasnaregiãoenaamostradopresenteestudo,
aetniaBalantaapresentamaiorauto‐suficiênciadearrozentreosseus
representantes,com34,3%destesproduzindopelomenosmetadedoarrozque
178
consomemanualmente(Figura7.2).Emboraaauto‐suficiênciadearrozeaexistência
deexcedentescomercializáveisdocerealentreosBalantastenhasidoreferida
inúmerasvezespelosentrevistadoseemconversasinformaisnaregiãocomotendo
decrescidosignificativamentenosúltimosanos,aetniacontinuaaseraúnica
representadaentreosqueconseguemproduzirarrozparatodososmesesdoano
(3,2%;N=4paraototaldeentrevistados),emboraaamostrapossanãoser
representativadarealidadelocalporsetratardeumnúmerodiminuto.Entreos
membrosdaetniaBiafada,poroutrolado,apercentagemdosqueproduzempelo
menosmetadedoarrozconsumidoanualmentedecrescepara18,9%,sendoos
restantes81,1%maisdependentesdomercadoparaaobtençãodearroz(Figura
7.2.2).Paraasrestantesetniasrepresentadasnoestudonãosefizeramconsiderações
sobreaorigemdoarrozconsumidoanualmente,devidoaoseunúmeroreduzido.
Tabela7.1Númerodeindivíduosconsoanteaorigemétnicaporcadaníveldedependênciado
mercadoparaobtençãodamaiorpartedoarrozconsumidoanualmente(N=125).
Etnia Produção Própria Compra Produção Própria/compra
Balanta 12 20 3
Biafada 10 41 2
Bijagó 2 2 2
Mancanhe 0 3 1
Mandinga 1 1 0
Manjaco 0 6 0
Fula 1 0 0
Papel 4 9 3
Indeterminada 1 1 0
Total 31 83 11
% 24,8 66,4 8,8
179
Figura7.3Níveldedependênciadomercadoparaobtençãodearrozparaasduasetniasmais
numerosasentreosentrevistados:EtniaBiafada(N=53)àesquerdaeBalanta(N=35)àdireita.
Noentanto,emboraaorigemétnicasejaútilparaentenderdequeformauma
determinadacomunidadesecomportaemtermosdeestratégiasdeprodução,a
maioriadosfenómenosqueafectamaproduçãoorizícolasão,comojádiscutido,
transversaisatodasascomunidades.Entresestesfenómenos,osqueprovavelmente
dependemmenosdocontextoespecíficodecadaaldeiasãoosfenómenosclimáticos
adversos,asalteraçõesclimáticaseosdanoscausadosporanimaisedoenças.A
escassezdeprecipitaçãoeoseuefeitonegativonaproduçãoorizícolaéumdos
fenómenosreferidocomotendoaumentadodefrequênciaaolongodasúltimas
décadas,prejudicandoobomcrescimentodasplantasdearrozecustandoaos
produtorescentenasdequilosdearrozemanosdeseca.Nestainvestigaçãonãofoi
possívelnoentantogerardadosquepermitamconstruircenáriosfiáveissobreas
tendênciasdosfenómenosclimáticoseoseuimpactonaproduçãoorizícola,tendo
apenascomobaseosdepoimentosdosagricultores.Jáosdanoscausadosporanimais
edoençassãobemvisíveisereportados,commaioroumenorgravidade,por
praticamentetodososagricultores.Osanimaismaisreferidospelosagricultores
entrevistadoscomoconstituindoasprincipaisameaçasàssuasculturasforamas
ratazanas‐do‐Capimoufarfanaemcrioulo(Thryonomysswinderianus);váriostiposde
passeriforme;primatas(entreelesomacaco‐mona,Cercopithecuscampbelli,eo
chimpanzé,Pantroglodytesverus);Porco‐Espinho(Hystrixcristata);Porco‐do‐mato
(PotamocherusporcusePhacochoerusafricanus);assimcomováriostiposde
“bitchos”,expressãoemcriouloqueabrangeinsectosedoençascausadasporfungos,
180
bactériasevírus.Naalturadoamadurecimentodoarroz,avigilânciadoscampos
cultivadosécrucialparaaobtençãodeboascolheitas,umtrabalhoquetambémtem
sidoprejudicadopelacrescenteescassezdemão‐de‐obra.Aspragasvistascomoas
maisprejudiciaissãoprovavelmenteosfarfanas,tendoinclusivamentealguns
agricultoresdasaldeiasdePobreza,GandjimbaeFarancundaafirmadonãotencionar
repetirocultivoitinerantedearroznoanoseguintedevidoaoaumentodonúmero
daquelesanimais(verpágina216).
Apesardestesedeoutrosconstrangimentosjáenumerados,váriasfamíliasmostraram
vontadedereconstruiroudeaumentarasáreasdearrozdemangalquepossuem,
tendoalgunsindivíduosmesmoafirmadoquejáforaminiciadostrabalhosde
recuperaçãodediquesemalgumasáreas.Estetipodeafirmaçõesparecemnamaior
partedoscasosconsistirnumarespostaàinconstânciadospreçosdemercadodo
arroz,porumlado,edocaju,poroutro,nocasodosagricultoresquedependemdo
últimoparaaobtençãodosrendimentoscomquedepoisadquiremosseusalimentos.
Emboraaproduçãoorizícoladagrandemaioriadosagricultoresabordadossofresse
pelomenosumadascausasdereduçãoapontadasacima,apercepçãodequeasua
segurançaalimentardependeemgrandepartedosresultadosdaproduçãoleva‐osa
referirasuarecuperaçãocomoaestratégiamaisseguraaseguir.Contudo,apesarda
necessidadedeinvestimentonocultivodearroz,muitosdestesindivíduosmostraram‐
secautelososemrelaçãoàsexpectativasdeproduçãonofuturo,algunsdeles
sugerindoqueatendênciadeagravamentodasdificuldadesenunciadassedeverá
manter.
7.2.3AProliferaçãodaMonoculturadeCajueasuaRelaçãocomaProduçãoCerealífera
Depoisdesubstituiroamendoimcomoprincipalculturadeexportaçãonaregião
desdeaépocacolonial,amonoculturadecajuganhounasúltimasdécadasumaforte
181
presençanaáreaestudada,e97,6%(N=122)dos125agricultoresaleatoriamente
entrevistadospossuíampomaresdecajunaalturadotrabalhodecampo154.
Esteacentuadoaumentodocultivodocajuéfrequentementeassociadoaodeclínioda
produçãodearrozemuitosautoressugeremqueapotencialsubstituiçãodaprodução
orizícolaporpomaresdecajuteráconduzidoaumaperdadeauto‐suficiência
alimentarparagrandepartedapopulação,partindodopressupostoqueaocupação
deterraseesforçocomocultivodecajuentraemcompetiçãocomasproduçõesde
subsistênciaeparticularmentedearroz(Boubacar2007:84;MADR/FAO/PAM155
2007:6;BancoMundial2010:86).Emboraestasduastendênciastenhamcoexistidonas
últimasdécadas,aafirmaçãodequeaprimeiraécausadasegundaéuma
generalizaçãosimplista,e,comoseráanalisadoaolongodopresentecapítulo,não
aplicávelàtotalidadedocontextoabordadonesteestudo.
Regrageral,asituaçãoparaosagricultoresdeQuínaraédequenãoexistefaltade
terraparacultivo,tendoamaiorpartedasaldeiasacessoaterritóriossuficientemente
grandesparaevitaracompetiçãoporespaçoentreospomaresdecajueoutros
cultivos.Poroutrolado,tambémaquestãodacompetiçãoporesforçonãosecoloca,
jáqueaépocaoanoqueocajuexigemanutenção(paralimpezadospomares,oupara
colheitadocaju)nãocoincidecomaépocadetrabalhosrelacionadoscomaculturade
arroz.
Noentanto,aexcepçãoétambémobservadanaregião.Arelaçãodecausalidade
directaentreaexpansãodamonoculturadecajueodecrescimentodaproduçãode
cereaispodeserobservadaemalgumasaldeiasvisitadasduranteotrabalhodecampo,
comoBuduco,MissiráeMadinadiRiba,cujoshabitantessequeixamdafaltadeterra
disponívelpararealizarocultivoitinerantedearrozdevidoàocupaçãodamaiorparte
dosterrenosdaaldeiaporpomaresdecaju(vercaixa2).Contudo,comojádito,este
constrangimentonãorepresentaarealidadedamaioriadapopulaçãoemQuínarae
154 Os únicos entrevistados que não investiram na monocultura de caju são dois membros da etnia Balanta e um da etnia Biafada, todos residentes na aldeia de Jábada Porto (ver caixa 1) 155 Relatório desenvolvido em 2007 pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADR) da Guiné-Bissau, em parceria com a FAO e o PAM
182
estáantesrelacionadocomopequenotamanhodoterritóriodaquelasaldeias,quese
situamemzonasparticularmenteestreitasdapenínsuladeCubisseco,nosuldaregião.
Paraalémdageografia,ostamanhosdosterritóriosdisponíveisrelacionam‐setambém
comosistematradicionaldepossedeterra.Osistematradicionaldepossedeterra
emQuínaraédominadopelaetniabiafada.Osbiafadasãoconsideradososprimeiros
habitantesdeQuínara.Comotal,sãoostradicionais“donosdochão”daregião,tendo
porissodireitosprivilegiadossobreaterra.Assim,grandepartedasflorestasde
Quínarapertenceabiafadas,apesarde,naalturadoúltimorecenseamentoque
considerouaorigemétnicadecadacidadão,em1979,estesnãoconstituíremamaior
partedapopulação.Aexpressão“donosdochão”nãoimplicanoentantoaposselegal
daterra,edizantesrespeitoaoconceitodegestão,queaquiécolectiva.Oconceitode
propriedadeprivadanãoseaplicanestecontextoeédadaprioridadeaousoprodutivo
dasterras,emoposiçãoaousoespeculativo.Atransacçãodeterraspareceserum
tabuentreamaiorpartedapopulaçãoetrocaraterraqueseherdoupordinheiroou
outrosmateriaiséextremamentemalvistoentreoshabitanteslocais,comopôdeser
constatadoaolongodainvestigação.Seocultivodecajutraráounãomodificações
paraosistematradicionaldeterras,éprovavelmenteaindacedoparaoentender,e
poderáconstituirotemadefuturosestudos.
Assim,paraocontextogeraldeQuínara,ondeadisponibilidadedeterraparacultivoé
ocenáriomaiscomum,aproliferaçãodospomaresdecajunãoexplicaporsisóa
reduçãodaproduçãodearroz.Paraentenderadiminuiçãodaproduçãoorizícolaé
igualmentenecessárioteremcontaasdinâmicasaqueomundoruraltemsido
expostoaolongodasúltimasdécadasequeestãosubjacentesaquaisquerdecisões
tomadaspelosagricultores.Entreestasquestõescontam‐senaturalmenteos
constrangimentosdasestratégiasdeproduçãolocaldescritosem7.2.1,queterão
postoemcausaaproduçãoorizícola.Poroutrolado,asdificuldadesdosprodutoresde
arroznacionaisnaconcorrênciacomoarrozimportado,oaumentodosrendimentos
obtidoscomavendadecajunasdécadasde1980e1990,eoefeitodademonstração
desucessoatingidoporalgunsprodutorescomocajuchamaramaatençãodeainda
maisagricultoresparaocultivodecaju.
183
Noentanto,paraarelaçãoentreadiminuiçãodeproduçãoorizícolaeproliferaçãode
cajuháqueanalisarcuidadosamenteasdinâmicasdemográficaslocais.Durantea
investigaçãotornou‐seevidentequeascomunidadeslocaissãodeumamaneirageral
afectadaspelacrescentefaltadedisponibilidadedemão‐de‐obra,comoéclarono
casodoabandonodevastasáreasdearrozalnasaldeiasbalantasdePobreza,
GandjimbaeCanchungozinho.Nestaseoutrasaldeiasosseushabitantesreferiram
nãoterdúvidadequeoprincipalmotivoparaaquebradeproduçãodearrozéa
emigraçãoeconsequentediminuiçãodasuapopulação.
Emboragrandepartedasfamíliasdaáreadeestudotenhaelementosemigrados,
particularmenteemBissaueoutroscentrosurbanos,aquelasnãobeneficiamde
remessasdosseusmembrosausentes,enamaiorpartedoscasossãoasfamílias
ruraisqueenviamarrozdasuaproduçãoepartedosrendimentosobtidoscomocaju
paraosfamiliaresquevivemnascidades.Estarelaçãoentrefamíliasruraisemembros
emigradosemmeiosurbanosprende‐secomadificuldadequemuitosindivíduostêm
emobterrendimentosdeformaregularnascidadeseaindacomofactodequemuitos
dosquesedeslocamfazem‐noparateracessoaeducaçãoeformação,eportantonão
obtêmrendimentos.Aexcepçãoéocasodeduasfamíliasdaáreadeestudo,com
membrosemigradosemEspanhaedosquaisrecebemremessasperiodicamente.Em
muitoscasos,osmembrosemigradosregressamnotempodemaiorestrabalhos
agrícolas,emboraestamigraçãosazonalsejaumfenómenoimprevisíveledifícilde
avaliar.
Emborageneralizado,ofenómenodaemigraçãoeêxodoruralpareceatingircom
particulargravidademuitasdasaldeiasbalanta,comodemonstraacomparaçãoentre
asestatísticasde1960e2007paraapopulaçãodePobreza,quepassoude195
habitantespara136,oudeCatchobar,de174para105.JánaaldeiadeBila,onúmero
dehabitantespassoude240em1960para133em2007;emLouvadode238em1960
para179em2007eemGãMalamde317habitantesem1960para22em2007
(DSEEG1961;INEP2007).Areduçãodepopulaçãomaisfortenasaldeiasbalanta
permitelançarahipótesedequeosbalanta,tradicionalmentemaisdependentesda
produçãodearrozesemgrandesterritóriosparacultivosderendimentocomoode
184
caju,terãotidoumamotivaçãoaindamaiorparaemigrarquandoseviramsem
alternativasdepoisdaquebradeproduçãoorizícola,comodescritoparaocaso‐tipo
dasaldeiasdeBila,Louvado,CratoeGãMalam(vercaixa3).Noscasosdasaldeiasde
Bila,Louvado,CratoeGãMalam,aausênciadeterritóriosdeflorestaedesavanapara
plantaçãodecultivosderendimentosprende‐secomapreferênciadosbalantapor
áreascosteiras,paraproduçãodearrozdemangal.Ousodeterrasparaoutrosfins
estáinacessívelparaestascomunidades,jáqueasaldeiasvizinhas,habitadaspelos
biafada,controlamasuagestão,oquepodeterreforçadoanecessidadede
emigração.Poroutrolado,énecessárioconsiderarquemuitasvezesaemigração
promovemaisemigração,devidoaoefeitode“contágio”edealgunsexemplosde
sucesso,assimcomoàprogressivadeterioraçãodascondiçõeslocaispelafaltade
mão‐de‐obradisponível.
Outrofactorimportanteéaausênciadeinvestimentoseminfra‐estruturasadequadas
àproduçãodearrozdemangal,quandonecessárias.Ainexistênciadeinfra‐estruturas
públicasdetransporteaarmazenamentodificultamumaeficientecomercializaçãodo
produto.Poroutrolado,fenómenosfísicosegeológicoscomooassoreamentodos
cursosdeáguaquedrenamaáguadoceacumuladadaépocadaschuvasepermitiam
aentradadaáguasalgada,importanteparaaqualidadedosarrozaisdemangal,
puseramemcausavastasáreasdearrozal.Estesficaramassimdependentesde
intervençõesdegrandeescala,impossíveisouextremamentedifíceisdeserlevadasa
cabopelascomunidadeslocais,semrecursoamáquinas.Estefoiocasodasaldeiasde
Bila,Louvado,CratoeGãMalam,nasquaisumaintervenção,aindanaépocacolonial,
nosentidodemelhorarasituaçãoteveprecisamenteoresultadooposto(vercaixa3).
Aindahojeascomunidadeslocaisdaquelasaldeiasesperamumainiciativaadequada
quepermitaaregeneraçãodascondiçõesapropriadasaocultivodearroz.
Todososfactoresmencionadosterãoatraídoaatençãodamaiorpartedos
agricultoreslocaisparaasvantagensdocultivodecaju,querequerumesforço
consideravelmentemenoremtermosdeinvestimentoemão‐de‐obrarelativamente
aoarroz
185
Poroutrolado,aocontráriodoquejáfoialegadoemalgunsestudo,acompetiçãopor
esforçoentrecajuearroznãosecoloca,jáqueaalturadoanoemquesetrabalhao
últimonãosesobrepõenecessariamentecomasépocasdelimpezadospomaresou
dacolheitadacastanhadecaju,nãoimpossibilitandoassimacoexistênciadosdois
cultivos.Faceàperdademão‐de‐obranecessáriaàstarefasárduasdocultivodearroz
verificadaemQuínaraaolongodasúltimastrêsdécadas,asoluçãoparamuitas
famíliaspoderátersidoaplantaçãodecajueiros,demaneiraaobterrendimentosque
permitissemacompradearroznomercado,amaiorpartedoqualprovémdepaíses
asiáticos.
Estaperspectivaécontráriaàdamaioriadosestudosrealizadossobrearelaçãoentre
amonoculturadecajueproduçãodearroz,esugere‐seaquiqueparaamaioriados
casosastendênciasdeaumentodoinvestimentonaprimeiraedodesinvestimentona
segundanãoconsistiramnumatransiçãovoluntáriamassimnumatentativade
sobrevivência.
Caixa2
Casos‐tipodeBuduco,MissiráeMadinadiRiba–Aldeiascompequenosdeterritórios,quase
totalmenteocupadosporpomaresdecaju
AsaldeiasdeBuduco,MissiráeMadinadiRiba
encontram‐senapenínsuladoCubisseco,no
suldaregiãodeQuínara(vermapax).Situadas
numazonarelativamenteestreitada
península,oterritórioaqueapopulaçãode
cadaaldeiatemdireitosegundoasnormas
locaisdeacessoàterraéporissoconstrangido
edetamanhorelativamenteinferioraodemuitasoutrasaldeiascomumnúmeroderesidentes
equivalente.Oshabitantesdastrêsaldeiasiniciaramaplantaçãodecajueirosnaalturada
independência,emmeadosdadécadade1970.Comaposterioradesãoemmassadapopulação
localaocultivodocaju,aszonasdeflorestaesavana,onderealizavamcultivosdearroz,milho,
amendoimentreoutrasculturas,começaramaescassear.Aforteapostanocajucorrespondiaàs
expectativasdequeoseupreçodemercadosubisseaindamaisoupelomenossemantivesse
186
estável,noentanto,aquelevirianãosóatornar‐seinstávelcomoadiminuir.Comolembram
muitoshabitanteslocais,umsacodearrozchegouaequivalerprecisamenteaumsacodecaju.Em
2009,orácioeradeumsacodearrozparadoisemeio,oumesmotrês,decaju.
Tendoperdidograndepartedaáreadearrozdemangalcultivadodevidoàdeterioraçãodosdiques
queprotegiamoscamposdasmarés,osagricultoresviram‐setambémcompoucoespaço
disponívelparaocultivodearrozdesequeiro,realizadoemzonasflorestais.“Agorajáquasenão
temosmato”,comoconstataumhabitantedeBuducoentrevistado‐“oquetínhamoscortámos
parapôrcaju,quedeixoudesertãorentável[...]Secortarmosospomaresparacultivararrozou
outrosalimentosdesubsistência,ficamossemosrendimentosdocaju[...]Seriaacrise”.
ÀsemelhançademuitasoutrasaldeiasdeQuínara,estastrêsaldeiassofremtambémdeêxodo
rural,diminuindoapresençademão‐de‐obradisponíveledificultandoarecuperaçãodosdiques
queprotegemoscamposdearrozdemangal.Noscultivosdearrozdemangaledesequeiroque
algumasfamíliasaindaconseguemrealizar,aproduçãoémuitobaixa,comascausasmais
enunciadassendoopequenotamanhodasáreasdecultivo,pragasdeanimais,doençaseafaltade
chuva.Adeterioraçãodosdiquesdoscultivosdearrozdemangaleafaltadeespaçodisponível,no
entanto,merecemespecialatenção,comorelataumresidentedeBuduco‐“Antestínhamos
bolanhas[arrozdemangal].Agoraqueomarasinvadiuenãotemosmão‐de‐obrasuficientepara
recuperá‐las,tambémnãotemosmatoparacultivar,porqueestáocupadocomcajuquenem
sequernosdárendimentosuficiente”.Adiversificaçãodaagriculturaéaindareconhecidapelo
mesmohabitantecomoumaestratégiamaisseguradoqueaconcentraçãonumasócultura‐“Se
soubéssemosqueseriaassimnãotínhamossemeadotantocajuecontinuávamosausaromato
paraocultivodemilhoearroz,talcomoosnossosantepassados”.
Emboradeterminadosrelatóriosoficiaissugiramqueavendadacastanhadecaju
comonovafontederendimentotivessedadomaispoderdecompraàpopulaçãolocal
(MADR2007:6),poroutroladotambémseacentuaramasdisparidadesentreos
ganhosprovenientesdocajueospreçosdemercadodoarroz,que,comorelataa
maioriadosindivíduosabordados,nãotêmparadodeaumentar.Comoconsequência,
aproliferaçãodospomaresdecajueodeclíniodaproduçãoprópriadearroztornaram
asegurançaalimentardeváriasfamíliasmaisvulnerávelàflutuaçãodospreços
internacionaistantodocajucomodoarrozimportado.
187
Independentementedastransformaçõesnossistemasagrícolaslocaisedodeclínioda
produçãoorizícolaemQuínara,asactividadesagro‐alimentarescontinuamaserde
longeaprincipalfontederendimentoparaapopulaçãoestudada.Dototaldos
entrevistados,84,8%obtêmamaiorpartedoseudinheiroapartirdeactividades
agrícolas,eosrestantes15,2%têmcomoprincipalfontederendimentouma
actividadenãoagrícola(tabela7.2).Dosúltimos,noentanto,todosafirmampossuir
umpomardecajuedesenvolveroutrotipodeactividadesagro‐alimentarespara
subsistênciaouvenda.
Dosagricultorescujosrendimentosdependemsobretudodeactividadesagrícolas,76%
(N=95)disseramtercomoprincipalfontederendimentoavendadecaju156(tabela
7.2),semdiferençasaparentesentregruposétnicos.
Tabela7.2Principaisfontesderendimentofamiliar,agrícolaenãoagrícola,paraototalde
entrevistados(N=125)
Agrícola Não Agrícola
Caju Arroz
Óleo de
Palma Caju/Outro Outros Pesca Remessas Comércio
Outros
Serviços
N 95 3 2 4 2 5 2 4 8
% 76 2,4 1,6 3,2 1,6 4 1,6 3,2 6,4
N 106 19
% 84,8 15,2
Paraalémdocaju,asoutrasfontesderendimentodeorigemagrícolaconsideradas
significativaspelosinquiridosforamoarroz(2,4%)eoóleodepalma(1,6%).Na
categoria“Caju/Outro”encontram‐seoscasosemqueoagricultorconsiderava
equivalenteorendimentoobtidoapartirdavendadocajueumoutro,
nomeadamentevendadeamendoim(doiscasos),trabalhosdeelectricista(umcaso)e
vendademanga(umcaso).Porfim,nacategoria“Outros”foramincluídosoinhame
(Dioscoreasp.),queconsistenumtubérculocomestível;eacola(Colanitida),umanoz
156 É aqui incluída a troca de caju por géneros, nomeadamente por arroz de mercado.
188
amargatradicionalmenteusadacomoestimulantenodia‐a‐diaeemcerimónias,cada
umrepresentando0,8%dototal.Doladodosrendimentosnãoagrícolasdestacam‐se
apescaartesanal(4%)eocomércio(3,2%).Seguem‐seasremessasdeemigrantes,
querepresentamaprincipalfontededinheiropara1,6%,edizemrespeitoaduas
famíliascommembrosemigradosemEspanha.Nacategoria“OutrosServiços”foram
incluídasasactividadesdecaçador,guiadecaça,alfaiate,madeireiro,carpinteiro,
produçãodecarvão,projectordefilmese“djambacuss”,oucurandeiro.
Paraosquedizemserocajuaprincipalfontederendimentofamiliar,esteassume
diferentesgrausdeimportâncianoorçamentoanual,quedepende,entreoutros
factores,dapossibilidadedediversificaçãodassuasactividades.
7.2.4AApostanaDiversificaçãodaProduçãoAgrícolaeaAdopçãodeEstratégiasdeMinimizaçãodoRiscodeInsegurançaAlimentar
Apercepçãodequeadiversificaçãoagrícolaépreferívelàespecializaçãonumsó
produtoparecegeneralizadaparaamaiorpartedosindivíduospresentesnoestudoe
emváriasconversasinformaisaolongodotrabalhodecampofoisugeridopelos
agricultoresqueadiversidadenaproduçãoagrícolaconfereresiliênciaàseconomias
familiares.EmBuduco,porexemplo(vercaixa2),ondeaconcentraçãodoesforçona
monoculturadecajutrouxeoproblemadeumadependênciaexageradadoproduto,
umdoshabitantesdiziaementrevistareconheceradiversificaçãodotipodecultivos
comoaestratégiamaisacertada.Defacto,apenas4%dosagricultoresinquiridos
decidiuespecializar‐senumasócultura,enquanto96%desenvolvemaisdoqueuma
actividadeagro‐alimentarcomopossívelfontederendimento.Dosagricultoresque
apostaramapenasnumacultura,trêsinvestiramnoarrozedoisnocaju,emboraos
últimosdesenvolvessemparalelamenteactividadesnãoagrícolascomofontede
rendimento:umcomoassalariadodecaçadoreseoutrocomocomerciante.Dototal
dosagricultores,79,8%investeemtrêsoumaisculturasparafontederendimentoea
percentagemdosqueinvestemempelomenosquatroculturaséde54%.Paraa
189
amostraemgeral,amédiadeactividadesagro‐alimentaresédecercade3,72porcada
famíliaabordada,enquantoamodaéde4(27,4%dosinquiridos,N=34).Onúmerode
actividadesagro‐alimentaresresgistadasporfamíliaoscilaentreumaeoito(Figura
7.4).
Figura7.4Númerodeactividadesagro‐alimentaresdesenvolvidasporfamília(N=125).
Paraestaquantificaçãodoníveldediversificaçãoforamincluídasasactividadesmais
vezesreferidaspelosagricultorescomocapazesdegerarrendimento:Oscultivosde
arroz,caju,feijão,lima,laranja,banana,mandioca,cola,amendoim,milho,aprodução
deóleodepalmaeadestilaçãodevinhodecaju.Dosprodutosatrásmencionados,o
cajuéoqueémenosutilizadoparaconsumopróprio,epraticamentetodaaprodução
évendidapoucoapósacolheita.Ocultivodearroz,emborapraticadopor87,2%da
população,ésobretudousadoparaconsumopróprioeapenasumaminoriavende
partedasuaprodução.Todososrestantesprodutosfazempartedadietaehábitos
locaisecomfrequênciasãovendidos,normalmenteempequenasquantidades,
localmenteouparaoexteriordaregião.Contudo,opesodamaiorpartedestas
actividadesnoorçamentofamiliarébastanteinferioraodavendadecaju,eapenas7
190
agricultoresdizemgeraramaiorpartedoseurendimentoapartirdeactividadesagro‐
alimentaresquenãoocaju(tabela7.2).
Excluindoaproduçãodearrozedecaju,praticadapelamaiorpartedaamostra,as
actividadesmaisimportantesparaosagricultoresentrevistadosemtermosde
rendimentosãoa(i)apanhadofrutodepalmeiraeaproduçãodeóleodepalma,
praticadaporcercade40%dasfamíliasenvolvidasnoestudo;(ii)produçãode
amendoim,porcercade40%dosentrevistados;(iii)cultivodelimaeaproduçãodo
seusumo157,porcercade23%;iv)destilaçãodevinhodecaju,por16%;v)produção
delaranja,por12%dosagricultores;vi)cultivodefeijão,por15%;vii)cultivode
mandiocaecola,ambospor8%dosagricultores;viii)demilho,por4,8%eix)banana,
cultivadaevendidapor2,4%(Figura7.2).Tambémfrequentemascommenorpeso
paraaseconomiasdageneralidadedosentrevistadoséocultivodabatata‐doce,
sorgo,tomate,abóbora,inhame,pepino,malagueta,cebola,manga,eaactividadede
pesca,entreoutrosdemenorexpressão.
Figura7.5Asdezactividadesagro‐alimentaresmaisusadascomofontesderendimentoparaa
populaçãoestudada(N=125).
Comojáreferido,diferentesactividadesagro‐alimentarespodemserdesenvolvidas
apenasparaconsumopróprioouparagerarexcedentesparatrocaouvenda,
157 Este é bastante importante na confecção dos alimentos a nível local, tendo sido observado na quase totalidade das famílias abordadas o seu uso, principalmente na confecção de peixe.
Óleo de PalmaAmendoim
LimãoVinho de caju
FeijãoLaranja
MandiocaCola
MilhoBanana
0
10
20
30
40
50
60
Nº
de
ag
ricu
ltore
s
191
representandonoúltimocasodiferentesníveisdeimportânciaparaosagricultores
consoantequantidadesproduzidaseospreçosdosprodutos.Adiversificaçãodestas
actividadesminimizaoriscodeinsegurançaalimentardasfamíliaslocais,
particularmenteemperíodosdeinstabilidadedospreçosdecompradacastanhade
caju.Noentanto,avendadestacontinuaadeterumpapeldominanteparaamaior
partedasfamíliasenvolvidasnoestudo,emboracomdiferentespesosnaseconomias
familiarescomoilustramosexemplosqueseseguem.NumafamíliadaaldeiaBiafada
deKaur,porexemplo,comumnúmerodeactividadesagro‐alimentaresacimada
médiaeemqueváriosmembrossededicamàpesca,avendadecajutemaindaassim
umpesode53,5%noseuorçamentoanual,seguindo‐seapesca(14,4%),abatata‐
doce(9,4%),oamendoim(9%),oóleodepalma(8,9%%)eofeijão(4,8%)158.Nocaso
deumafamíliadeDarsalam,queapresentaonúmeromáximodeactividadesagro‐
alimentarescapazesdegerarrendimento,avendadacastanhadecajucontinuaaser
aprincipalfontederendimentoparaafamília,emboracomumpesomenordoque
paraamaioriadosentrevistados,com35,5%dototal.Paraestafamília,asegunda
fontederendimentoéavendadesumodelima(23,7%),seguidadadestilaçãode
vinhodecajueaguardente(9,5%),óleodepalma(9,2%),vinhodecaju(8,5%),
amendoim(5,9%),laranjaefeijão(3,6%).Setivermosemcontaossubprodutosdo
caju(vinhodecajueaguardente),noentanto,opesototaldocultivodecajusobepara
53,5%naeconomiadestafamília.
ParaumafamíliadeMadinadiRibacomumnúmerodeactividadesagro‐alimentares
inferioràmédiaeváriosmembrosemigrados,avendadecastanhadecajurepresenta
85%doseuorçamentoanual,seguidadoamendoim(12%)edofeijão(3%).Neste
caso,apequenaproduçãodeóleodepalma,laranjaesumodelimanãoorigina
excedentesparavendaoutroca,servindoapenasparaconsumo.JáemMissirá,por
exemplo,umadasaldeiasondeoshabitantessequeixamdafaltadeespaçopara
cultivodevidoàsobrelotaçãodosterrenoscompomaresdecaju,duasfamílias
afirmamdependerdavendadecastanhadecajuempertode100%doseuorçamento,
158 Os orçamentos familiares são baseados nas estimativas de rendimento que os agricultores afirmam obter para cada actividade referida. Quando os números oscilavam entre dois números foi utilizada a respectiva média.
192
tentandonosmesesmaisdifíceisobterrendimentoapartirdarevendadevegetaise
tubérculoscomoamandioca,suficientesparacomprarpequenasquantidadesdearroz
maspoucosignificativosnoorçamentoanualtotal.
Entreosqueseespecializaramemactividadesnãoagrícolascomofontede
rendimento,ocajucontribuiaindaassimparaoseuorçamentoanual,comoparaum
carpinteirodaaldeiadeBedja,queemboraobtenha82%doseudinheiroda
carpintaria,recebeosrestantes18%apartirdavendadecaju.
Apossibilidadedediversificaçãodasactividadesagro‐alimentaresdeumafamíliaé
fundamentalparaaminimizaçãodoriscodeinsegurançaalimentarerelaciona‐secom
questõescomoadisponibilidadedemão‐de‐obra,acapacidadeinvestimento
individual,oacessoàterraediferençasbiogeográficasentreregiões159.Assim,uma
famílianumerosae/oucommenosmembrosmigrantesterávantagemsobreasque
verifiquematendênciainversa,podendocontarcomhomensejovenspara,por
exemplo,cortedofrutodapalmeira(Ellaeisguineensis)paraposteriorproduçãode
óleodePalma160;mulheresparafabricodesabão,pescacomrede,entreoutrotipode
actividades;criançasejovensparaavigilânciaeprotecçãodiáriadascolheitasem
amadurecimento,nomeadamentedepássarosemamíferos;ehomensparaos
trabalhosdequeimaecortedefloresta,nocasodasculturasitineranteseexpansãoe
manutençãodospomares,enocasodocultivodearrozdemangalparalevantamento,
reconstruçãoemanutençãodediques.Oacessoàterraétambémelefundamental
paraadiversificaçãodaapostadosagricultores,aumentandoadisponibilidadede
terrenoparaaapostanadiversidadehortícolaefrutícola(vercaixas1,2e3).
159 As diferenças de distribuição e abundância de espécies numa determinada área condicionam o seu uso como potencial fonte de rendimento. Por exemplo, uma área com grande abundância de palmeiras como é a zona Oeste da península do Cubisseco torna mais favorável aos seus habitantes a produção de óleo de palma, em contraste com regiões onde aquela é menos abundante, como na zona de Batambali, a Este. 160 Trabalho normalmente reservado às mulheres, e que consiste em pilar o fruto para extracção do suco e posterior cozedura para separação do óleo de palma. O óleo resultante pode ser consumido pela família, vendido localmente ou a pequenos comerciantes, que levam para venda nos centros urbanos, nomeadamente para Bissau
193
Caixa3
Caso‐tipodasaldeiasdeBila,Louvado,CratoeGãMalam–Quandoosarrozaissedeterioramea
terradisponívelnãoésuficiente
Bila,Louvado,CratoeGãMalamsãoaldeiashabitadas
essencialmentepormembrosdaetniabalantaque
paraalisedeslocaramnoiníciodoséculoXX.Aose
estabelecerememQuínara,muitosimigrantesbalanta
fundaramaldeiasjuntoàsplaníciesaluviais,sujeitasà
influênciadasmarés,eondeomangaléoecossistema
dominante.Estetipodeambienteeralargamente
ignoradopelostradicionais“donosdochão”,osbiafada,cujaspráticasagrícolasnãoincluiamoseu
uso.Nessaszonas,osbalantainiciaramaconstruçãodediquesqueviriamaprotegervastos
arrozaisdasmarés,tornandoaregiãoumdosprincipaiscentrosdeproduçãoorizícoladaGuiné‐
Bissau.Noentanto,aindaduranteoperíodocolonial,assistiu‐seaoassoreamentodevárioscursos
deáguaquedrenavamaáguadoceacumuladadaépocadaschuvasepermitiamaentradadeágua
salgada,importantesparaamanutençãodaqualidadedossolosdosarrozais.Comoconsequência,
aproduçãodearrozcomeçouadecrescer.
Preocupadacomaquebranaprodução,aadministraçãocolonial,eposteriormenteogoverno
guineense,intervémnumasériedeintervençõesnatentativaderecuperaraprodutividade.No
entanto,estasintervençõestiveramoresultadoopostoaopretendido,epioraramasituaçãodo
escoamentodaáguadoceacumuladanaépocadaschuvas.OsarrozaisdeBila,Louvado,CratoeGã
Malamforam‐setornandomenosprodutivosdeanoparaano.Apopulaçãobalanta,largamente
dependentedocultivodoarrozdemangalcomofontedealimentoparatodooano,assimcomo
paraobtençãodeexcedentesqueeramtrocadosporoutrosbens,foiforçadaaencontraroutras
estratégiasdesubsistência.Naactualidade,oarrozqueumafamíliadestasaldeiascolheem
DezembroeJaneiro,asseguraaalimentaçãoapenasatéaoiníciodaépocadevendadocaju,em
Março,daqualpassaramadependeremparteparaacompradearroznomercado.
Estatransiçãodarealidadeeconómicadasquatroaldeiasiniciou‐seapartirdomomentoemqueo
cajuatingiaumbompreçoanívelinternacional(entrefinaldadécadade1980eprincípiodosanos
90),alturaemqueamaioriadestasfamíliasiniciouocultivodecajueiros.Hoje,todasasfamílias
possuemumpomardecaju.Asáreasdepomarnãosãonoentantodegrandesdimensões,devido
aopequenotamanhodoterritórioaquetêmdireitoequeosimpededeaumentarasáreas
cultivadascomaquelaespécie.Quandoosemigrantesbalantaseestabeleceramnaregiãode
194
Quínara,aszonasinterioreseramjáutilizadaspelosbiafada,ficandoosprimeiros,salvoraras
excepçõescomoaaldeiadePobreza,apenascompequenasáreasdeflorestacedidaspelos
segundos.Comoresultado,amaiorpartedasfamíliasdeBila,Louvado,CratoeGãMalamnão
colhemaisdecercadeumatoneladadecajuporano,umaproduçãomuitoaquémdadosseus
vizinhosbiafada,possuidoresdepomaresmaisextensoseantigos.
Algunsbalantacontraemempréstimosdeterrenoscomvizinhosbiafada,quepossuemflorestaem
abundância.Acompradeumterrenoérarajáqueéumtabuparaosvaloreslocais.Noentanto,
noscasosemqueaconteceestepodeatingiros150milFCFA,ouatrocaporumavaca.
Outraestratégiaéalimpezadepomaresouterrenosdebiafadasparaquefiquemprontosparao
cultivodearroz,sorgooumilheto.Outraactividadecomuméaextracçãodeóleodepalma,que
vendemdepoisemBissau.Maisrecentemente,muitasfamíliasinvestiramemplantaçõesde
limoeiros,cujosumotemumpreçorelativamenteestávelnosmercadosguineenses.
Paramuitoshabitantes,noentanto,aescolhaacabaporseraemigração,contribuindoparaa
perdaacentuadadepopulaçãoqueseverificanestasaldeiasentre1960e2007.EmBila,onúmero
dehabitantespassoude240em1960para133em2007;emLouvadode238em1960para179
em2007eemGãMalamde317habitantesem1960para22em2007.
Emboraamonoculturadecajutenhasidoaprincipalapostaparaageneralidadedos
agricultoresentrevistados,diversosoutroscultivossãovistoscomoumaoportunidade
paramitigaradependênciadoprimeironaobtençãoderendimentos.Aolongodo
trabalhodecampo,váriosagricultoresmanifestaramvontadedeintroduzirou
aumentarosseuscultivosdelaranja,lima,manga,bananaecolacomocomplemento
oualternativaaocajudevidoàinstabilidadedospreçosdoúltimo.Algunsdestes
agricultorestinhamjánaalturadaentrevistaviveirosdasespéciesreferidas,osquais
desenvolveramapartirdesementescompradasouobtidasemtrocadetrabalho,ou
aindaguardadasdecolheitasanteriores.Convémfrisarque,comojáreferidoe
discutidonocapítulo6,osagricultoresdaáreadeestudonãosãoalvodequaisquer
apoiosporpartedasautoridades,apesardasúltimasinsistirememavisose
recomendaçõesreferentesàdiversificaçãodasactividadesagro‐alimentares
desenvolvidaspelosprimeiros.Assim,asestratégiasdesubsistênciaadoptadaspelos
agricultoressãoexclusivamenteasseguradasporestes,que,apesardeseremos
195
responsáveispelaproduçãodaexportaçãoquemaiscontribuiparaoorçamentodo
estado,nãoobtêmdestenenhumretornoemformademedidasdeapoioaos
agricultoresouàproduçãoagrícolaemgeral.
Outraspossíveisfontesderendimentoquecontribuemparaasegurançaalimentardas
famíliassãoostrabalhosesporádicosquemuitoshabitantesrealizamnaregião,em
trocadedinheiroouarroz.Estestrabalhosestãonormalmenteligadosàsactividades
agrícolasmaisimportantes,comoaproduçãoorizícolaeamonoculturadecaju,e
consistemporexemplonoi)levantamentoemanutençãodediquesparaproduçãode
arrozdemangal;ii)nocorteequeimadeflorestaparaproduçãodearrozde
“pampam”,oudesequeiro;iii)nalimpezadospomaresdecaju,realizadatodosos
anosdevidoaorápidocrescimentodavegetaçãoeiv)colheitadacastanhadecaju.No
casodosdoisúltimos,osparticipantesrecebemmuitasvezesdodonodopomaruma
porçãodacastanhadecajuqueajudaramaapanhar,quedepoisvendemoutrocam
porarroz.Paraalémdostrabalhosagrícolas,outrasactividadesesporádicasque
podemconstituirumafontederendimentodizemrespeitoàconstruçãoe
manutençãodasresidências,comoofabricoartesanaldetijolosdebarro,aedificação
daresidência,asubstituiçãodostelhadosdepalhaacadatrêsanoseaindaa
substituiçãodepalhaporchapasdezinco.Estetipodetrabalhos,juntamentecoma
possibilidadedeofazersazonalmenteforadaregião,comoocasodemuitosjovens
quevãoparaBissau,constituemumaestratégiadeobtençãoderendimentos
normalmentereservadaaoshomens.Nocasodasmulheresémaiscomumofabricoe
vendadesabão,óleodepalma,vinhodecaju,sumodelima,pescacomredenos
mangais,entreoutrasactividades,cujosrendimentossãoparaafamíliaouparaelas
próprias.
OcasoespecíficodecontextoscomoodasaldeiasbalantadeBila,Louvado,CratoeGã
Malam,podeserespecialmentedifícil,devidoàindisponibilidadedeterras.Estas
aldeiasviramaproduçãodearrozcair,e,dadaasuaespecializaçãonaproduçãode
arrozdemangal(eportantonacosta)nãodispunhamdeterrassuficientesparaoutros
cultivos.Estasituaçãoforçaaquemuitosdosseushabitantesrecorramàs
comunidadesvizinhas,maioritariamentebiafada,demodoaimprovisarestratégiasde
196
sustentoesubsistência.Umadasestratégiasusadaspelosbalantaparaultrapassar
estafaltadeterrenodisponíveléoempréstimodeterrenospelosvizinhosbiafada,
quepossuemflorestaemabundância.Aduraçãodousodoterrenoemprestadoé
geralmentetrêsanos,servindooprimeiroparaocortedeflorestaeocultivodearroz
juntamentecomsementesdecaju.Nosegundoenoterceiroano,quandoossolosjá
nãoservemparaocultivodearroz,ésemeadoamendoimentreospequenoscajueiros
enoquartoano,emqueojovempomarjáseencontramaisdesenvolvido,oterrenoé
devolvidoaodono,quevêassimaumentadaasuaáreadepomar.Acompradeum
terrenoérarajáqueéumtabuparaosvaloreslocais.Noentanto,noscasosemque
aconteceestepodeatingiros150milFCFA,ouatrocaporumavaca.
Umaestratégiadeobtençãoderendimentosnormalmenteprotagonizadaporgrupos
dejovensbalanta,éalimpezadepomaresouterrenosdebiafadasparaquefiquem
prontosparaocultivodearroz,sorgooumilheto,emtrocadaqualrecebemcercade
50milFCFAadistribuirpelosmembrosdogrupo.Outraactividadecomuméa
extracçãodeóleodepalma,quevendemdepoisemBissau.Maisrecentemente,
muitasfamíliasinvestiramemplantaçõesdelima,cujosumotemumpreço
relativamenteestávelnosmercadosguineenses.
Nasequênciadeumadiminuiçãodospreçosdecompradacastanhadecajuao
produtor,osmembrosdeumafamíliavêm‐seobrigadosaaumentarafrequênciae
quantidadedetodasasactividadesatrásreferidas,demaneiraapoderemcompensar
aquantiadedinheiroeessencialmentedearrozquenãopuderamobternaépocade
comercializaçãodacastanhadecaju.Outraactividadeconsideradamuitoimportante
pelamaiorpartedoshomensinquiridosé,comojáreferido,aapanhadofrutoda
palmeira(Ellaeisguineensis)paraposteriorproduçãodeóleodepalma.Paravárias
famíliasestaparecemesmoserafontederendimentomaisseguranocasodebaixos
preçosdacastanhadecajuoudemáscolheitasdearroz.Apardaexploraçãodeóleo
depalma,outrosrecursosflorestaisreferidoscomopotencialmenteimportantesem
casoderiscodasegurançaalimentarsãoaextracçãodemadeira,acaçaeaobtenção
deplantasmedicinaisou“mesinhosdeterra”emcrioulo.Ocorteevendademadeira
daespécieBorassusaethiopum,umapalmeiraconhecidapor“cibe”emcrioulo,
197
constituiumaparteimportantedoorçamentoanualdepelomenosdoisindivíduos
entrevistados,quevendiamasuamadeiranaregiãoeparaBissau,ondeasuaprocura
paraconstruçãodecasaségrande.Osprodutosdecaçaealgumasplantasmedicinais
sãotambémvendidasparafora,comdestinoaBissaueoutroscentrosurbanos,alguns
noSenegaleGuiné‐Conacry.Ousodasespéciesflorestaisfoiváriasvezesreferido
peloslocaiscomoessencialnasalturasdemaioresdificuldadesepermiteconfirmara
importânciaestratégicadosserviçosconferidospelosecossistemasflorestaisparaa
subsistênciadapopulaçãodaáreadeestudoemsituaçõesdeflutuabilidadedepreço
decaju.
Naturalmente,qualquerdestasactividadesimportantesparaasegurançaalimentar
familiarpressupõeaexistênciademão‐de‐obrasuficienteentreosmembrosda
família,epodeseratribuídaemparteaocrescenteêxodoruraladificuldadeque
muitasfamíliassentemnapossibilidadedediversificaçãonãosódasactividadesagro‐
alimentaresdesenvolvidasmastambémdeoutrotipodeestratégiasdeobtençãode
rendimentosearroz.
Arelaçãoentreadisponibilidadedemão‐de‐obraeacapacidadedediversificara
produçãoagrícolaegerarrendimentoséumtemaimportantenoestudodasegurança
alimentardequalquerpopulação,edeveporissoserabordadodeformacuidadosa.
Duranteafasedetrabalhodecampo,diversasquestõespuseramemcausaou
dificultaramarecolhadedadosrelativosàquantificaçãodamão‐de‐obradisponível
paracadafamília,algumasdasquaisdetectadasapenasapósoiníciodoestudo.Destas
questões,asmaisimportantesserãoi)aconfusãoderivadadoconceitode“agregado
familiar”usadoporcadaentrevistado,umasvezesconsideradonosentidoestrito,o
“fogon”,eoutrasnumsentidomaislato,a“moransa”161;ii)avariabilidadedecritérios
deinclusão/exclusãodedeterminadosmembrosdafamílianacategoriade“mão‐de‐
161 As expressões em crioulo de fogon e moransa podem ambas ser consideradas sinónimo do conceito de agregado familiar. Enquanto fogon diz respeito à unidade familiar mais directa, literalmente “os que comem do mesmo fogão”, moransa diz respeito a uma unidade familiar num sentido mais alargado, que inclui vários fogon relacionados entre si por relações de parentesco próximas, por exemplo todos os netos de um determinado indivíduo podem estar divididos em vários fogon, mas constituir juntos uma moransa. A dificuldade durante o trabalho de campo prendeu-se com a dificuldade em distinguir quando é que um dos conceitos era privilegiado em relação ao outro, para além de que em alguns casos a mão-de-obra disponível para trabalhos agrícolas provinha principalmente do fogon e noutros casos a cooperação entre os membros da moransa era mais importante.
198
obradisponível”conformeastarefasqueosentrevistadostiveramemcontano
momentodaentrevista162;iii)aperspectivadequeonúmerodeindivíduos
consideradoscomomão‐de‐obranãodeveservistodemaneiraisoladadaquantidade
deelementosdafamília,ouseja,donúmerodepessoasquedelesdependepara
alimento,difícildecalculartendoemcontaograndenúmerodecriançase
adolescentes,assimcomoapresençairregulardehóspedes;iv)aexistênciade
membrosemigradosnoutrasregiõeseemBissau,algunsdosquaisregressamapenas
naépocadostrabalhosagrícolasmaisintensivos,emborademaneirairregulare
imprevisível;v)aimportânciadaentreajudaesolidariedadeentreunidadesfamiliares,
queédifícildequantificarepodedependerdaestruturasocialdeumadeterminada
comunidade,queparecediferirentrelocalidadesdistintas;efinalmentevi)a
possibilidadedecontratartrabalhadoresassalariados,quedependedaexistênciade
rendimentosoudeprodutosparatrocanumdadoano163.
Asquestõesacimaenumeradascomplicamaaplicaçãodeumconceitoestritode
“mão‐de‐obradisponível”noprocessodequantificaçãodamesma,eparaultrapassar
aslimitaçõessentidasaolongodotrabalhodecamposeriaprovavelmentenecessário
umperíododepermanênciamaislongojuntodecadafamília,demodoamelhor
entenderasparticularidadesdarelaçãoentremão‐de‐obradisponívelesegurança
alimentar.
Nogeral,noentanto,osdepoimentosepercepçõesdegrandepartedosinquiridos
indicamqueaáreadeestudoestásujeitaaumacrescenteescassezdemão‐de‐obra,
queafectanegativamenteadiversificaçãodaproduçãoagrícolaeaauto‐suficiência
emarroz,abasealimentardapopulaçãolocal.Emboraosdadosrecolhidosnão
permitamanalisarestarelaçãoparticulardeummodomaisquantitativo,emcertos
162
Oscritériosreferidosdizemrespeitoadiferençasetáriasedegéneroentreosmembrosfamiliares.Seporexemploasmulheresecriançassãoincluídoscomomão‐de‐obraparamuitastarefasimportantescomoavigiadoscamposagrícola,jánãoosãoparaastarefasmaisárduascomoocorteequeimadeflorestaeaelaboraçãodediquesparaaculturadearrozdemangal.
163 Embora por um lado a existência de rendimentos se relacione também ela própria com a disponibilidade de mão-de-obra, há situações em que uma fonte de rendimento que exija pouco trabalho, como um pomar de caju, pode assegurar a possibilidade de contratar trabalhadores para outras tarefas. É o caso de uma idosa que vive sozinha em Gandjimba, por exemplo, a qual troca parte da produção do seu pomar pelo trabalho de limpeza do próprio e pela produção do arroz que necessita.
199
casosfoipossívelumcontactomaisprolongadocomalgumasfamílias,permitindouma
compreensãomaisampladassuasdinâmicassocioeconómicasediminuindooriscode
enviesamentodainformação.Seguidamenteapresentam‐seosexemplosdealgumas
destasfamílias,paraasquaisaobservaçãodirectaeparticipativafoidecisivana
recolhadedadosmaiscredíveissobrearelaçãoentremão‐de‐obraesegurança
alimentar.
Umafamíliacom40membrosdeGanáfa,porexemplo,possuidozehomenscom
capacidadeparadesenvolvertarefasqueexigemgrandeesforçofísicoenenhumdos
seusmembrosseencontraemigrado,oquenãoédetodocomumnaáreadeestudo.
Estafamíliadesenvolveseisactividadesagro‐alimentarescapazesdegerar
rendimento,entreelasocultivodecaju,laranja,limaecola,easactividadesdefabrico
deóleodepalmaepesca.Porhavermão‐de‐obrasuficiente,sãoanualmente
realizadososcultivostantodemangalcomoitinerantedearroz,semnecessidadede
contratarassalariadosoudedependerdeajudaalheia.
Outrafamília,com12membroseresidenteemGantchuma,contaapenascomtrês
homenstrabalhadoresecercadesetemembrosemigrados.Estafamíliamantémos
cultivosdecaju,laranjaefeijãoeasactividadesdefabricodeóleodepalmaecortede
madeiraparaconstrução.Contudo,foramforçadosadesistirdocultivodearrozde
mangal,pois“nãotêmforçadetrabalhosuficiente”paraumaculturaqueexija
tamanhoesforço.Segundoochefedefamília,desdequeabandonaramocultivode
arroztêmsentidodificuldadeemassegurartodooalimentonecessáriojáque“os
rendimentosdavendadocaju,aprincipalfontederendimento,sógarantemarroz
paracincomesesdoano[…]equandoopreçodocajudesce,vemafome”.
UmafamíliadeKaurdiRibacomseteelementos,dosquaisapenasdoissãocapazesde
trabalhosexigentes,dependedosrendimentosdocajuedaactividadedecarpintaria
levadaacabopelochefedefamília.Osdiquesqueprotegiamoseuarrozdemangal
deterioraram‐sehácercadeseisanos.Semcapacidadedeosrecuperareretomara
produçãoorizícola,estafamíliadependeagorainteiramentedavendadecajueda
carpintaria.
200
EmNema,umaaldeiaondeocajuéextensivamentecultivadodesdeadécadade
1970,oshabitantestêmvistoaproduçãodearrozdiminuir,oqueatribuemàfaltade
mão‐de‐obra,pragas,climaeassoreamentodealgunslocaisdeproduçãoorizícolade
mangal.Umafamíliacom18membros,4dosquais“têmidadeparatrabalhar”,tem
sentidodificuldadeemassegurarumaquantidadesuficientedearrozaolongodoano.
Paraalémdocaju,écultivadaalimaefeitaaextracçãodeóleodepalma.Emboraseja
realizadaaculturadearrozitinerante,estanãotemsidosuficientepoisé“menos
produtivaqueademangaletemsidomuitoatacadapelaspragasanimais”.Ochefe
destafamíliadeNemachegamesmoaafirmarque,nãotendocapacidadede
recuperaraproduçãodearrozdemangalesemmeiosparasedefenderdaspragas‐
“asoluçãoterádepassarpeloaumentodospomaresdecaju,semosquais
morreríamosdefome”164.
NaaldeiadePobreza,porseuturno,aproduçãoorizícolademangalfoisemprede
extremaimportância,eosexcedentesdeproduçãoeramvendidosemváriasaldeias
daregião.Contudo,apopulaçãodiminuiudeformasignificativa,levandoaprodução
dearrozacairdrasticamente.ComorelataumidosodePobreza,comváriosfilhosa
residiremBissau:“notempoantesdocajulavrávamosmuitoarrozevendíamosmuito
também,agorajánãorestaforçadetrabalhoeporvezesmalchegaparacomer”165.
7.2.5CréditoInformal–AÚltimaEstratégia
Quandoasegurançaalimentarépostaemcausadevidoàfaltademão‐de‐obra,baixos
preçosdacastanhadecajuoumáscolheitasagrícolaseasolidariedadelocalnãoé
suficienteparagarantiralimentoparatodaafamília,muitoshabitanteslocaisvêem
comoaúltimaestratégiapossívelocréditoinformalsobaformadecontracçãode
dívidasdesacosdearrozparacomoscomercianteslocais.Nãoexistemnopaís
instituiçõesqueproporcionemoacessogeneralizadoaocréditoformaleasegurospor
164 Entrevista realizada em Nema, a 28 de Novembro de 2009 165 Entrevista realizada em Pobreza, a 12 de Novembro de 2009
201
partedeprodutoresouatécomerciantes.Comoéocasodemuitasoutrasregiõesde
paísesemdesenvolvimento,emQuínarasãoospequenoscredores(normalmente
comercianteslocais)queproporcionamcréditosinformaisparacompradearrozem
situaçõesdeinsegurançaalimentar.Estaéumapráticareportadaporvários
entrevistados,naqualoscomerciantespedemumvalormaisaltoporquilogramade
arrozqueédepoiscobradoemdinheiroouemcastanhadecajunasuaépocade
venda.Ocréditoéproporcionadoacimadetudopeloscomercianteslocais,quegeram
rendimentosatravésdassuaspequenaslojas.Noentanto,muitoscomerciantes
recebemporsuavezcréditodeimportadoreseexportadoresdecaju,paraquena
épocadevendaopossamcompraraonívellocal,formandomuitasvezesumacadeia
desdeoimportadoratéaopequenocomerciante.Estecréditoémuitasvezes
fornecidoemformadearroz,paraserdepoistrocadoporcajucomoprodutor.O
créditoinformaléregrageralatribuídonabasedoconhecimentopessoal,ondese
estabeleceumarelaçãocontínuanotempoentreoprodutoreocomerciante(Ray
1998:540).Éaindadereferirointeressedocomerciantelocalnaatribuiçãodecrédito
sobaformadearrozqueédepoiscobradoemcaju,jáqueacompradoúltimoéuma
actividadeemqueestãoenvolvidospraticamentetodososcomercianteslocais.A
diferençaentreosjurosatribuídosconsoanteocredorpodeserdevidaafactores
comoomonopóliolocaldeumdeterminadocredoreoriscoelevadodocréditoque
faculta(impossibilidadededevoluçãoporpartedoprodutordevidoamáscolheitasde
caju,porexemplo)(Ray1998:544).Emboraorecursoacréditopossaresolver
problemasgravesdeinsegurançaalimentaracurtoprazo,adependênciadocredore
dassuascondiçõespodeoriginarcondiçõesdetransacçãoadversasalongoprazo.
Devidoàpráticadesregradadaatribuiçãodecréditoinformal,osprodutoreslocais
ficamámercêdascondiçõesdosseuscredoresepodemseralvodeabusosporparte
doscomerciantescomquemcontraemcrédito.
ComorelataumamulherdeMissirá,porexemplo,asuafamíliacomeçouapedirarroz
emprestadoemDezembroaumcomerciantedeEmpada,devidoaosmausresultados
dascolheitasdearrozeàfaltadeoutrasalternativasparaobtençãoderendimentos,já
queamaiorpartedafamíliaemigrouparafora.Osseissacosde50kgquepediu
emprestadosforamdepoiscobradospelocomerciantelocalemcastanhadecaju,na
202
proporçãode1:5quandoorácionormalsesituaentre1:2a1:3.Assim,parapagaros
300kgdearrozemprestados,afamíliatevedeceder1500kgdasuaproduçãode
castanhadecaju,trêsquartosdototaldeduastoneladas.UmhomemdeMadinadi
Riba,porseuturno,contraiutambémdívidasquesaldoucomcastanhadecaju,desta
veznaproporçãode1:4,5kg.Estafoitambémaproporçãoimpostaaumhomemde
Bedja,quedevidoaosaltosjurosdiznãoconseguirpedirmaisdoqueumsacode50kg
dearrozemprestado,oqueimplicaracionarasquantidadesdiáriasatéàépocade
vendadecaju.Omesmoacontececommuitosoutrosagricultoresdaáreadeestudo,
emboraalgumasvezescomjurosmenosaltos,oqueparecedependerdocomerciante
comoqualaquelessãonegociadoseovolumedasdívidasacumuladas.Emboraa
contracçãodedívidassejaumaestratégiadeemergência,estaéaparentemente
comumnaáreadeestudo,particularmenteentrefamíliascomumabaixa
disponibilidadedemão‐de‐obraeumaproduçãoorizícolaedecajuinferioresàmédia,
oquepõeemevidênciaoelevadoriscodeinsegurançaalimentaraquegrandeparte
dapopulaçãolocalestaráexposta.
Noseiodestainteracçãodequestõesquecondicionamasegurançaalimentardas
famílias,asuacapacidadederespostaencontra‐sefortementedependentede
factorescomoaquantidadedemão‐de‐obradisponíveleaconsequentepossibilidade
dediversificaçãoagrícolaeeconómica.Énestecontextoqueamonoculturadecaju
surgenasúltimasdécadascomoumapotencialestratégiadesubsistênciaparaosque
viramasuacapacidadederespostalimitadaperanteaameaçadeinsegurança
alimentar,comoseveráaseguir.
7.3AImplementaçãodaMonoculturadeCajuemQuínara:TendênciasEntreosAgricultoresInquiridoseasuaInserçãonosCircuitosdeComercialização
7.3.1EvoluçãodaAdesãoàMonoculturadeCajueiros
203
DeacordocomoBancoMundial(2010:70),85%dapopulaçãoguineenseestá
envolvidanaproduçãodecaju.ParaaamostradeQuínara,amesmapercentagemé
de97,6%(N=125).Estaesmagadoraadesãoaocultivodamonoculturadecajuna
regiãointensificou‐seapartirdadécadade1970,impulsionadapelasubidadepreços
decompraaoprodutor.Deformagradual,aquasetotalidadedosagricultoresda
amostraadoptouocultivodecaju,emboraocomportamentodasdiferentesetnias
relativamenteàadesãoàmonoculturafossedistinto(Figura7.7).
Figura7.7Númerodeagricultoresporetniaepordécadadeadesãoaocultivodecaju
(N=117).
Seconsiderarmosaamostracomoumtodo,atendênciadeadopçãodocultivodocaju
écrescenteentreadécadade1970(N=26)e1980(N=36),atingeopiconosanos1990
(N=38),edecrescedepoisparaoseumínimonadécadade2000(N=17).Paraaetnia
Biafada,adécadaemquemaisfamíliasiniciamaplantaçãodecajuéade1970
(33,3%),eobserva‐seumatendênciadecrescenteatéaomínimo,nosanos2000
(7,8%).Porseuturno,aetniaBalantasócomeçouaaderircommaiorexpressividade
nosanos1990,alturaemqueaplantaçãodenovospomaresatingeoseupico,com
204
48,4%plantadosnessadécada.Aetniachegaaosanos2000comomaiornúmerode
adesõesentreosrestantesgruposétnicos,e29%dospomaresdeagricultoresBalanta
foramplantadosnessaépoca.Nacategoria“Outros”estãorepresentadasasetnias
Mandinga,Papel,Mancanhe,Manjaco,BijagóeFula,cujosnúmerossãoinsuficientes
parainferirasrespectivastendênciasdecomportamento.
Odeclíniogeraldatendênciadeaparecimentodenovospomaresnaúltimadécada
podeseratribuídoaofactodequepraticamentetodososagricultoresjápossuemum.
Dospomarescujaplantaçãoérecente,algunspertencemafamíliasBalantaqueviram
asuaproduçãodearrozreduzidanosúltimosdezavinteanos,comonaaldeiade
Pobreza,enquantooutrossãodehomensjovensemulheres166detodasasetniasque
iniciamagoraasuaprimeirahorta.
Umadasquestõesqueestaránaraizdadiferençaderapideznaadesãoaocultivode
cajuentreetniaséosistematradicionaldegestãodeterra,quedifereentreosgrupos
étnicos.Defacto,sãoessencialmenteasdiferençasentreossistemasdeproduçãodas
duasprincipaisetnias,biafadaebalanta,nomeadamenteemtermosdeprodução
orizícolaepossedeáreasflorestais,quevãodeterminarasrespectivasdisparidadesde
tendênciadeadesãoaocultivodecajuqueseobservamnafigura7.7.Osbiafada,por
seremconsideradososprimeiroshabitantesdeQuínara,sãosegundoahistóriae
tradiçõeslocaisos“donosdochão”(vercaixa4),oquelhesconfereapossetradicional
daterra,emboraestanãoimpliqueoconceitodepropriedadeemtermoslegais.Os
biafadafixaram‐sesobretudonaszonasinterioresdeQuínaraeobtêmhojeporisso
umacessoprivilegiadoamaioresáreasdefloresta,oqueoslevouaserosprincipais
pioneirosnaintroduçãodocultivodamonoculturadecajunaregião.Aetniabalanta
chegouposteriormente,einteressavam‐seacimadetudopelaszonascosteiras,onde
podiamrealizarocultivodearrozdemangal,ummétododeproduçãodoqualainda
hojesãoosprincipaisdetentores.Comconsentimentodosbiafada,osbalantafixaram‐
166 Várias mulheres que ficaram sozinhas na aldeia começam a plantar pomares em zonas de savana, quando existente, onde o esforço de cultivo é consideravelmente menor relativamente ao corte e queima de floresta para o mesmo propósito. Vários agricultores disseram ainda que é mais comum agora as mulheres possuírem um pomar de caju, o que provavelmente pode constituir uma tendência de abertura para uma maior liberdade de economia individual para as mulheres, normalmente dependentes dos homens.
205
senascostasdaregião,dispondodevastaszonasdemangal,embora,emgrande
partedoscasos,comacessolimitadoàszonasflorestaisedesavana.Devidoàelevada
produçãodosmétodosdecultivodearrozemmangal,osbalantastornaram‐seassim
nosprincipaisprodutoresdearrozemQuínara,eaindahojesãoogrupoqueconsegue
maiorauto‐suficiêncianaproduçãodocereal.Emresultadodeumamaiorauto‐
suficiênciadearrozeumamenordisponibilidadedezonasflorestais,osbalantasnão
terãotidonemamesmanecessidadenemasmesmascondiçõesqueosbiafadana
adesãoaocultivodecaju.Noentanto,tambémosbalanta,quedependiamda
produçãoorizícolaparaobtençãodealimentoerendimento,viramasuaactividade
ameaçadapelaforteemigraçãodemão‐de‐obraentreoutrasquestõesjáreferidas,
podendoentãotervistoaplantaçãodepomaresdecajucomoamelhoremaissegura
estratégiaparaasuasubsistência.Naactualidadesãorarasasfamíliasbalantaquenão
possuemumpomardecaju.Emboraemgeraldetentoresdemenoresáreasdeterra
paracultivo,adiversidadedesituaçõeséamplaentreapopulaçãobalanta,eenquanto
naaldeiadePobrezaadisponibilidadedeterraégrande,noutrasaldeiascomoBila,
Louvado,CratoeGãMalamestaédiminuta,oquelevamuitosagricultoresarecorrer
aempréstimosdeterraaosbiafadaentreoutrasestratégias,descritasanteriormente
nacaixa3.
Caixa4
Aproduçãodecajudosbiafada–Avantagememseseros“donosdochão”
Comojáreferido,osbiafadasãoostradicionais“donosdochão”daregião,tendoporissodireitos
privilegiadossobreaterra.Comoresultado,grandepartedasflorestasdeQuínarapertencea
biafadas,emboraosúltimosnãoconstituíssemamaiorpartedapopulaçãonaalturadosúltimos
censos,em1979.
Semfaltadeterrenoparaexpandirassuasáreasdecultivo,éemaldeiasdemaioriabiafadacomo
BuducodiRiba,Bodjol,MadinaeBrandãoqueseencontramosmaiorespomaresdecajudaregião.
Agrandedisponibilidadedeterrasincentivouaadopçãodocultivodecaju.Acolheitadecajupor
umafamíliadeumadestasaldeiaspodechegaravinteoutrintatoneladasporépoca,muitoacima
dos valores verificadospara aldeias comumamaioria nãobiafadaouonde a implementaçãode
206
pomares tenha sido mais tardia ou constrangida por falta de terrenos disponíveis. Foi também
nestapartedeQuínaraqueosprimeirospomaresdecajucomeçaramasersemeados.Aexpansão
dospomaresdecajuemalgumasaldeiasbiafadadeu‐seaindaantesqueesteapresentassepreços
demercadovantajosos,nomeadamentedevidoàproduçãode“vinhodecaju”apartirdapolpado
fruto,queosbiafadasutilizavamparatrocarpeloarrozproduzidopelosbalantas.
Namaiorpartedoscasos,apopulaçãodasaldeiasbiafadanãosededicaaocultivodearrozde
mangal.Oshomensdedicam‐sesobretudoàculturaitinerantedearroz,sorgoemilheto.No
entanto,eapesardaproduçãodearrozocupartradicionalmenteumlugarcentralnossistemasde
produçãoagrícoladosbiafada,sãorarososcasosemqueoarrozcolhidoasseguramaisdequatro
mesesdaalimentaçãofamiliar,obtendoorestomaioritariamentecomosrendimentosdavenda
docaju.Numesforçodediversificaçãodassuasactividades,algumasfamíliasinvestiramtambém
naproduçãodemanga,laranja,lima,entreoutrasfrutas,emboracomganhospoucosignificativos
paraoseuorçamentoanual.
Osproblemascomunsaorestodapopulação
Pioneirosnaadesãoàmonoculturadecajuedispondodevastasáreasdefloresta,muitasaldeias
biafadapuderamcultivarosmaiorespomaresdeQuínara,ecolhemhojeumvolumedecastanha
decajuporfamíliasuperioràmédiadamaiorpartedaregião(tabela7.3).Noentanto,oproblema
socioeconómicomaisreferidocontinuaaseromesmoparaamaiorpartedasaldeiasdeQuínara:a
faltademão‐de‐obra.Aemigraçãodosjovensparaacidadeeaidadascriançasparaaescola,força
aqueactividadestradicionalmenteexecutadasporjovens,comoavigiadoscamposagrícolas,seja
agoralevadaacaboporpessoasmaisvelhas,muitasvezesidosos.Actualmente,asaldeiasde
territóriomaisreduzidovêemosterrenosaescassear,impedindoosmaisjovensdeinstalarnovos
pomares.Aomesmotempo,florestasqueseriamdeixadasempousiopararecuperaraqualidade
dossolosantesdeumnovocultivodearroz,sãoocupadasporcajueiros,normalmentesemeados
aomesmotempoqueocerealequeroubamassimespaçoimportanteparaociclotradicionalde
agriculturaitinerante.Nestasaldeiaspode‐seouvirafrase“quandoacabaraflorestadedicamo‐nos
aocultivodeamendoim,mandiocaebatata‐doce”,cultivosqueaocontráriodoarroznãose
desenvolvempreferencialmenteemsolodeflorestaconvertidaepodemserrealizadosemsavana.
7.3.2AEstruturadaProduçãoLocaleaComercializaçãodaCastanhadeCajunaPerspectivadoAgricultor
207
Umaconsequênciaaparentedavariaçãonarapidezdeadesãoaocultivodocaju
consoanteogrupoétnicoéopadrãodeproduçãodasdiferentesetnias,
nomeadamentenasquantidadesdecastanhadecajuproduzidaporfamília(Tabela
7.3).Paraestaquantificaçãoforamapenasutilizadososdadosdosagricultoresque
souberamquantificaremsacosouemtoneladas(N=103)aproduçãodecastanhade
cajudasuaúltimacolheita,noanode2009,sendoexcluídosaquelesquenãosabiam
dizerotamanhodasuacolheitaeaindaosquetinhamumpomarjovemqueaindanão
produzia.Natabelanãoforamapresentadososcálculosdamédia,desvio‐padrão,
máximoemínimoparaasetniasMancanhe,MandingaeFula,porapresentarem
númerosmuitoreduzidosdeindivíduos.Devetambémserfrisadoquearepresentação
dasetniasPapel(N=13),Bijagó(N=6)eManjaco(N=6)édemasiadopequenaparase
tiraremilaçõesrepresentativassobreospadrõesdeproduçãodecastanhadecaju
paraestesgruposétnicos.
Tabela7.3Padrãodeproduçãodecastanhadecajuconsoanteogrupoétnico,emtoneladas
porprodutor(N=103).
Total
(N=103)
Balanta
(N=24)
Biafada
(N=49)
Papel
(N=13)
Bijagó
(N=6)Manjaco(N=6)
Média 2,16 0,98 2,89 1,22 1,15 3,46
DP 2,42 0,8 3,01 0,77 0,98 2,7
Máximo 20 3,6 20 3 3 8
Mínimo 0,15 0,25 0,3 0,15 0,4 1,25
Paraototaldaamostraconsiderada(N=103),amédiaéde2,16toneladaspor
produtor,comumdesvio‐padrãode2,42.OsagricultoresBiafadatêmamédiade
produçãodecastanhadecajuemtoneladasporprodutormaiselevadadaamostra
(Média=2,89toneladas),emboraapresentemtambémomaiordesvio‐padrão
208
(DP=3,01),oquemostraagrandevariedadedetamanhodaproduçãoentreos“donos
dochão”.Estavariaçãopodedever‐seadiferençasnasdatasdeimplementaçãodo
pomar,sendoqueosquepraticamocultivodecajuhámaistempopuderamaumentá‐
logradualmente,oqueconstituiomododeprocedermaiscomumjáquesetornaum
investimentodifícilaplantaçãodepomaresdegrandesdimensõesdeumasóvez.
OutraquestãoéadequealgumasaldeiasBiafadapossuemterritórios
substancialmentemaioresqueoutras,muitasvezesdevidoaconstrangimentos
geográficos,etambémdiferençasaoníveldaquantidadedeáreapropíciaaocultivo
decajudisponível.OsagricultoresBalanta,porseuturno,possuemumaprodução
relativamenteinferior(Média=0,98toneladas),eodesvio‐padrãomaispequeno
depoisdosPapel(DP=0,8),oquepodeestarrelacionadocomofactodequea
desigualdadenasdatasdeimplementaçãodenovospomaresnãoétãograndeea
maioriadosseuspomareséaindajovem.
Amaioriadosinquiridosassociaavendadacastanhadecajuàsuaprópriasegurança
alimentareodestinodasuaproduçãoéemgrandeparteatrocadirectaporarrozcom
oscomerciantes(Tabela7.4).
Tabela7.4Destinodaproduçãodecastanhadecaju:Trocadirectaporarrozoudinheiro
(N=125).
Trocadecajuporarroz(%)
<50% >50% 100%
Apenaspor
dinheiro Semresposta
N 18 44 36 6 21
% 14,4 35,2 28,8 4,8 16,8
Comoexpostonafigura7.4,apenasumaminoriadosagricultoresinquiridos(4,8%;
N=6)escolhetrocaratotalidadedasuaproduçãodecastanhadecajupordinheiro,ea
209
maioria(78,4%;N=98)trocapelomenospartedelaporarrozcomoscomerciantesque
sedeslocamàsaldeiasduranteaépocadevendadocaju.Oarrozpeloqualaprodução
decajuétrocadaépraticamentesempredeorigemestrangeira167etrazidapor
comerciantes,jáqueoarrozproduzidoanívellocalénasuagrandemaioria
consumidopelosrespectivosprodutores,numaépocaemquepoucosdestes
conseguemgerarexcedentescomercializáveisdearroz.
Daamostra,35,2%(N=44)dosprodutoresdissetrocarentre50%e99%dasua
produçãodecajuporarrozenquanto28,8%(N=36)dosinquiridosafirmoufazê‐locom
todaasuaprodução,oqueperfazumtotalde64%(N=80)deprodutoresquetroca
pelomenosmetadedasuaproduçãodecastanhadecajuporarroz.Osdadosobtidos
parecemcontrariaraafirmaçãodeCamará(2007:17)dequeparaQuínaraonúmero
deagricultoresqueescolhetrocarasuaproduçãodecastanhadecajupordinheiroé
maiselevadadoqueaquelesqueofazemporbensdeprimeiranecessidade,que
segundooautorsesituaapenasnos15,6%.Estesnúmerospodemconstituirum
indicadordecomoatrocadacastanhadecajuporarrozsetornouumaactividadede
extremaimportânciaparaasegurançaalimentarlocal.
Oarrozusadoparatrocaétrazidopeloscomerciantesduranteosmesesdevendado
caju,aproveitandoofactodequeaobtençãodearrozéaprincipalpreocupaçãopara
agrandemaioriadasfamíliasdeagricultores.Deacordocomalgunsinquiridose
informaçãorecolhidadeváriasconversasinformaisaagricultores,comerciantese
outraspersonalidadestantoemQuínaracomoemBissau,atrocadecastanhadecaju
porarrozéextremamentevantajosaparaoscomerciantes.Segundotestemunhosea
imprensalocal,osimportadoresdearroz,quenasuamaioriaéimportadodaÁsiaou
atéprovenientedaajudainternacional,sãoporvezesosprópriosexportadoresde
caju,outrabalhamcomestesemestreitacooperação,responsáveismuitasvezespela
elevadaespeculaçãodocerealnavendaanívellocal168.Oarroz,adquiridoemgrandes
quantidades,écompradoapreçosrelativamentebaixosemcomparaçãoaospreços
praticadoslocalmente,econstituiumnegóciomuitolucrativoparaumgruporestrito
167 Do arroz disponível no mercado, apenas uma pequena porção é de produção nacional, sendo o restante importado de países como a Tailândia, Vietname ou China. 168 Diário de Bissau, 12 de Agosto, 2006; Nô Pintcha, 5 de Fevereiro, 2009
210
depessoas,comoafirmaopróprioministrodaagricultura(em2001)numaentrevista
aoDiáriodeBissau169.Oministrochegaaindaaafirmarduranteaentrevistaque
“estesgrandescomerciantes,muitasvezespolíticosouex‐políticos,nãoquiseramdar
incentivosàproduçãolocaldearroz,demaneiraanãocolocaremcausaosseus
negócios”.Depoisdeimportado,ocerealétransmitidoaospequenoscomerciantes
distribuídosportodaaGuiné‐Bissau,quetrabalhamdirectaouindirectamenteparaos
grandescomercianteseexportadoresdopaís,paraqueosprimeirospossamvender
localmenteoutrocaroarrozporcastanhadecajucomospequenosprodutores.De
acordocomaperspectivadosagricultoreslocais,acomercializaçãodacastanhade
cajujáfoibastantemaisvantajosadoquenopresente.Segundoosinquiridos,os
preçosdecompradacastanhapraticadospeloscomerciantestêmdescidoaolongo
dosúltimosanos.Atrocadearrozporcastanhadecajuchegouasernaproporção170
de1:1,porexemploem2002,hojeonúmeroéde1:2,1:2,5oude1:3,eemalguns
casosaindamenor.Nocasodaexistênciadedívidasparacomocomerciante,comojá
seviu,oprodutorchegaaindaarealizaratrocanaproporçãode1:4,5ou1:5.
Apesardetudo,aépocadevendadocajucontinuaaservistapelosprodutorese
populaçãolocalemgeralcomodeextremaimportânciaparaaeconomialocal.De
facto,otempoda“campanha”,comoélocalmentereferidooperíodode
comercializaçãodecajuequenormalmenteseestendedofimdeMarçoatéJunho,é
quandoháumapercepçãodemaiorabundânciaderendimentosealimentospela
populaçãoedaspoucaspartesdoanoemqueoconsumodiáriodearroznãoé
racionado.Acomercializaçãodacastanhadecajuépraticamentetodafeitanoperíodo
de“campanha”,poisascondiçõesdearmazenamentolocaisnãopermitemasua
acumulaçãodepoisdoiníciodaépocadaschuvas,entreofimdeMaioeoprincípiode
Junho,quemarcaofimdaépocadevenda.Paramuitosinquiridosénestaalturaquea
suasegurançaalimentarestámaisgarantidaequeconseguemobterarrozeoutros
alimentoscomopeixe,carne,óleodepalma,cebolaentreoutros,emmaior
quantidadequenorestodoano.Écomumouviraexpressão“arrozdecampanha”
169 Diário de Bissau de 19 de Julho de 2001, nº 377, p. 6-8 170 As proporções referem-se às quantidades trocadas, uma vezes relatadas pelos agricultores em sacos e outras em quilogramas.
211
quandosefaladostiposdearrozqueumagricultorobtém,apardo“arrozde
pampam”,referenteaoarrozdeagriculturaitineranteedo“arrozdebolanha”,
quandoestevemdaproduçãodearrozdemangal,oquepareceindicarqueavenda
decajujáseenraizouentreapopulaçãolocalcomoumdosmétodosmaiseficientes
deobtençãodearroz.
Aolongoda“campanha”,ospreçosdecompraaoprodutorvariamdemaneira
imprevisívelacadadia,sendodecretadosedifundidosdiariamentepelarádioapartir
deBissau.Amaioriadosentrevistadosreferiuterrecebidoentre100e150XOFporkg
decastanhadecajunoperíododecomercializaçãode2009,emboraemalgunsdias
tenhachegadoaos200eaté250XOF.Noentanto,apesardospreçosoficiais
divulgados,muitosagricultoresqueixam‐sedequealgunscomerciantesseaproveitam
dasuavulnerabilidadeelhesoferecempreçosmaisbaixossobreosquaisnãotêm
poderdereivindicação.Devidoaomauestadodasestradaseàdistânciarelativamente
aBissau,sãopoucososcomerciantesquesedeslocamatéàsaldeiasmaisisoladasde
Quínaraecomorelatamalgunsprodutores:“Senãolhesvendermosnãovendemosa
ninguém,estamosnasmãosdeles”.
Foramaindarelatadoscasosemqueocomerciantecontraiudívidasparacomo
agricultor,prometendopagardepoisadevidaquantiasemnoentantoregressarà
mesmaaldeia.Estetipodeabusosfoirelatadodiversasvezes,esegundooslocais
eramnormalmentecometidosporcomerciantesestrangeirosprovenientesda
Mauritânia,Guiné‐ConacryeSenegal.
Apercepçãodemuitosinquiridosédequeocircuitodecomercializaçãodocajué
injustoedequeoscomerciantesobtêmlucrosàcustadosmauspreçospraticados
juntodosagricultores.Normalmenteaculpaéatribuídaaogovernoefoiváriasvezes
repetidaafrase“oestadonãotemmãonoscomerciantes”,numaalusãoàfaltade
regulamentaçãoeautoridadedogovernosobreocomérciointernodacastanhade
caju.
212
7.3.3AMonoculturadeCajucomooPrincipalCultivodeRendimentoparaaPopulaçãodeQuínara:QueFuturo?
Apesardainstabilidadedospreçosdecompradacastanhadecaju,amaioriados
agricultoresnãoparecequererdesistirdoseucultivo.Comefeito,aintençãoda
maioriadosagricultoresentrevistadoscontinuaaseradeaumentarosseuspomares,
com77,6%(N=97)aafirmarquereraumentaraáreacultivada,enquanto12,8%(N=16)
dizemnãoquererounãopodereosrestantes9,6%(N=12)semdarresposta(Figura
7.2.3).Dos12,8%deagricultoresquedizemnãoquererounãopoderaumentarasua
horta,cincodizemserporfaltademão‐de‐obra171,cincoalegamafaltadeespaço
disponíveleoutroscincoafirmamserpelafaltadeconfiançanaestabilidadedos
preçosdocaju.Apenasumapessoareferiunãoprecisardeaumentarasuahorta.
Figura7.6Respostaàpergunta“Queraumentaroseupomardecaju?”(N=125)
Amotivaçãoparaaumentarocultivodocajupodeprender‐se,entreoutrosfactores,
comobaixoriscoquerepresenta,jáqueéumcultivocombaixoníveldeesforço
quandocomparado,porexemplo,comocultivodearroz.Comefeito,sãomuitosos
casosemqueocultivodocajuérealizadonoscamposdeixadosvagospeloregimede
171 No caso do cultivo de caju, a falta de mão-de-obra refere-se à limpeza anual dos pomares e trabalhos de corte e queima para aumento dos mesmos.
213
agriculturaitinerante,nãosendoporissonecessárionamaiorpartedasvezeso
esforçopropositadodeconversãodeflorestaempomardecaju.Oriscodeapostana
plantaçãodepomaresémenoraindaparamuitasdasaldeiasqueaindapossuem
grandesáreasdeflorestanoseuterritório,jáquenãosecolocaoperigodediminuição
dadisponibilidadedeterraparaocultivoitinerantedearrozeoutrasvariedades
agrícolas.Paraalémdisto,atendênciareportadaporváriosindivíduoseobservada
duranteotrabalhodecampoéadequeaemigraçãodoshomensjovenspara
aglomeradosurbanos,nomeadamenteparaBissau,éparasemanter.Istosignificaque
muitosagregadosfamiliaressãodeixadoscompoucaousemmão‐de‐obrajovempara
asculturasdesubsistência,eprincipalmentedearroz.Algumasdasfamílias
contactadasconsistiamemidosos,criançaseasrespectivasmães,eemalgunscasos
osfamiliaresqueresidemnoutroslocaisregressavamapenasnotempoda
comercializaçãodocaju,demodoparticipardasuacolheitaevenda.Destemodo,o
cultivodecajuconfereumasoluçãoderendimentoparaquemjánãopossuia
capacidadedeapostaemdeterminadoscultivostradicionaisdesubsistência,que
quasesempreexigemummaiorinvestimentoemtermosdetempo,esforçofísicoe
emalgunscasosfinanceiro.
Outraquestãoenvolvidaéafacilidadedeescoamentodocaju.Paraalémdesero
únicoprodutovendidoemgrandesquantidadespelamaioriadosprodutores,existejá
umaestruturamontadadecomercializaçãoetransportedocajudesdeaaldeiaatéao
exportador,oquefacilitaasuavendapelosagricultoresnaépocadecomercialização
doproduto.Estaquestãoganhaimportânciasetivermosemcontaamáqualidadedas
viasdeacessoedosmeiosdetransportedisponíveis,oquedificultaoescoamentode
outrosprodutosemgrandequantidadeduranteorestodoano.
Osprodutoresbeneficiamaindadeoutrasvantagensempossuirumpomardecaju,
comoapresençadelenhaparacozinhapertodahabitaçãoeaproduçãodesumoe
vinhodecajuapartirdasuapolpa,esteapenasproduzidoeconsumidopela
populaçãonãomuçulmana172.Ovinhodecajuconstituiatéumaparteimportanteda
172 Para os grupos étnicos da área de estudo representados entre os entrevistados, os Balanta, Papel, Bijagó, Manjaco e Mancanhe apresentam uma maioria não muçulmana, assumindo-se a maior parte como
214
economiadoscristãoseanimistas,dosquaisquasetodosreferemoseuusocomo
pagamentoaoutrosagricultoresparaváriostiposdetrabalhosagrícolas,comoa
culturadearrozdemangalealimpezadospomaresdecajunofimdaépocade
monção.Paraalémdeservircomomoedadetrocaparaobtertrabalhadoresnas
actividadesagrícolas,muitosreferiramtambémvenderpartedaproduçãodevinhode
caju,oqueparaalgumasfamíliasrepresentaumimportantepesonoorçamento.Dos
muçulmanosqueparticiparamnoestudo,nenhumreferiuproduzirvinhodecajuoua
vendadasuapolpaaagricultoresnãomuçulmanos,algomalvistoentreosvalores
muçulmanoslocais.AcedênciadapolpaaagricultoresBalantaeManjacofoicontudo
referidaváriasvezespormuçulmanos.
Édenotarapossibilidadedequeamonoculturadecajupossainfluenciarasdinâmicas
deestatutodegénero,introduzindomudançasnasassimetriassociaisque
praticamentesempreprivilegiamosexomasculino.Aolongodotrabalhodecampo
foramobservadassituaçõesemquemulheresapostavamanívelindividualna
plantaçãodepomaresdecajuemterrenosdesavana,umtipodecultivodiferentedo
queépraticadoemzonasdefloresta,queexigeumesforçoconsideravelmentemaior
devidoànecessidadedecorteequeimadasárvores.Sendoocultivodecajuem
savanamaisacessívelaoesforçodasmulheresemcomparaçãocomoscultivos
tradicionaisprincipaiscomooarrozeoamendoim,normalmenterealizadospor
homens,aquelepodeconstituirumaferramentanaautonomiaeconómicadamulher,
quepodeagoracomercializardeformaindependenteacastanhadecaju,assimcomo
oseusumoevinho.Emboraosdadosrecolhidosnãopermitamavaliarestas
mudanças,édesuporquepoderãoterrepercussõesnofuturodoestatutodamulhera
nívellocal,cabendonoentantoafuturosestudosinferirsobreestetema.
Mesmotendoemcontatodasasvantagensdocultivodecaju,algumasaldeias
ressentem‐sejádacrescenteescassezdeterraquenãoestejaocupadaporcajueirose
deumadependênciademasiadograndedavendadecastanhadecaju.Algumas
aldeiastêmadoptadomedidasparaocontroledaexpansãodamonoculturadecaju,
cristãos ou animistas. Das restantes etnias, Biafada, Mandinga e Fula, todos se assumiram como muçulmanos.
215
reservandomanchasdeflorestaparaoutrotipodeculturastradicionais.Emboraestas
aldeiassejamaindaumaminoria,éprovávelqueestetipodemedidasaumentetendo
emcontaaintençãodeexpansãodospomaresdamaiorpartedosinquiridos.Anível
individual,osagricultoresdebatem‐seaindacomoproblemadospomaresmais
antigosqueperdemprodutividade,eobserva‐seemalgumasaldeiasoabatedas
árvoresdecajuparaaplantaçãodearroz,sorgooumilheto,juntamentecomnovas
sementesdecaju,paraquedepoiscresçaaliumnovopomar.
Aactualforteimplementaçãodamonoculturadecajupodeaindateroutrotipode
efeitosindirectos,comoéocasodafrequênciaanualdeincêndiosregistadosna
região.Amaioriadosinquiridosrefereumadiminuiçãodonúmerodeincêndios
verificados,atribuindoestareduçãoaomaiorcuidadoquesetememevitarqueas
queimadasusadasparaaagriculturaitineranteafectemospomaresdecaju.Estetipo
deagriculturaimplicaocorteequeimadeflorestaparaaplantaçãodeamendoim,
arroz,milho,entreoutrasculturas.Atransiçãodossistemasagrícolaslocaisdeumtipo
deculturaderendimentobaseadonoamendoim,umaleguminosaanual,paraoutro
baseadoempomarespermanentes,poderátercontribuídodeformasignificativapara
areduçãodonúmerodeincêndiosqueseregistaanualmente(vercaixa5).
Caixa5
Ocajueoregimedeincêndios
EntreMarçoeprincípiodeJunho,quandocomeçaa
épocadaschuvas,éotempodasqueimadasnaGuiné.
Nosanosde1940,50e60doséculoXX,adimensão
daquelasassustavaostécnicoscoloniais,comorelata
Quintino(1967:26):“fogoquetranspunhaquilómetros
deextensão,saltavadeumabermaàoutradas
estradas,ameaçavapovoados,epunhaagenteem
alvoroço”.NaregiãodeQuínaranãoerainvulgarquealdeiasinteirasardessemduranteaépoca
dasqueimadas,jáqueofogosetornavaincontrolávelaoalastrarrapidamentepelassavanase
florestas.
216
Actualmente,arealidadeéoutra.Éraroouvirfalardepovoadosquetenhamardidonaregião,o
quesedevemuitoprovavelmenteàtransformaçãodossistemasagrícolasdeQuínaranasúltimas
décadas.Desdeaalturadaindependência,iniciou‐seatransiçãodeumtipodeculturade
rendimentobaseadonocultivodeamendoim,umaleguminosaqueamaiorpartedosagricultores
deQuínaracultivavamemvastasextensões,paraumsistemaassentenafruticultura,
nomeadamentenocultivodecaju.Devidoaocarácterpermanentedopomardecaju,emcontraste
comaduraçãodetrêsanosdocultivodeamendoim,estatransformaçãonaspráticasagrícolas
causoualteraçõessignificativasnagestãodoregimedefogos.Seantesaúnicacoisaquenãopodia
ardereramasaldeias,agoraocupamoterritóriovastasáreasdepomaresdecaju,queconstituem
aprincipalfontedesustentodapopulação.
Ospomaresestendem‐seemvoltadasaldeiaseaolongodoscaminhosqueasligam,formando
umacinturacompactadecajueiros.Estalocalizaçãoéconvenientenaépocadecolheitadocaju,
porfacilitarotransportedossacosdoprodutoparaoslocaisondesãopesadosevendidos,ao
mesmotempoqueconfereàaldeiaumamaiorprotecçãodefogosdescontrolados.
Todososanos,osagricultoresfazemaceirosquerodeiamosseuspomaresdecajunosmesesque
antecedemoperíododosfogos,emJaneiroeFevereiro.Cortamumatiradevegetaçãoemtorno
dopomar,eprovocampequenasqueimadascontroladasnaparteexterior,aproveitandoofactode
queduranteosmesesdeJaneiroeFevereirooterrenoaindanãoestásuficientementesecopara
queasqueimadassedescontrolemfacilmente.Assim,osagricultoresformamumaextensãode
terrenoemvoltadasplantaçõesdecajudespidadematerialvegetalseco,oquepermitetravaro
fogonaépocaemquesãomaisproblemáticos.Comoresultado,quandoosfogospercorremas
savanasdeQuínaraemMarço,AbrileMaio,aprincipalfontederendimentodapopulação–os
cajueiros‐estãoprotegidosdofogo.
Outroefeitoindirecto,etalvezmenosprevisível,éopossívelaumentodapopulação
daratazana‐do‐capim(Thryonomysswinderianus),ou“farfana”nosúltimosanos.
Diversosinquiridosrelatamoaumentodonúmerodestesgrandesroedoresque
chegamapesar8,6kgeaosquaisoshabitanteslocaisatribuemgrandesestragosnas
colheitasdearroz,amendoim,mandioca,entreoutros.Antesdaproliferaçãode
pomaresdecajueramrealizadasgrandescaçadascomunitáriasdestesroedores
duranteaépocaseca,queconsistiamemqueimadascontroladascomoobjectivode
dirigirosanimaisassustadosparaolocalondevárioscaçadoresosesperavamcom
217
cãesearmas.Acontecianoentantoquealgumasqueimadasalastravam,originando
incêndiosdegrandesproporções.Actualmente,devidoaomedodepegarfogoaos
pomares,estetipodecaçadastornou‐seraro.Areduçãodascaçadassazonaisde
“farfanas”levouaumaparenteaumentodeestragosnascolheitasagrícolascausado
porestesanimais.Semoutrosmeiosparadefenderassuasculturas,alguns
agricultoreschegammesmoaafirmarquenãorealizaramculturasdearrozde
sequeironoúltimoanodevidoaosestragoscausadospelosroedoresnosanos
anteriores.Estesagricultoresalegamqueoenormeesforçoqueaagricultura
itineranteimplicanãoécompensadopelasfracascolheitas,culpandoos“farfanas”por
partedasuaperda.Seaausênciademedidaseficientesdecontrolodestaedeoutras
pragassemantiver,nãopodeserexcluídaahipótesedequeestetipodesituaçõesse
venhaaagravarnofuturo,jáqueatendênciadamonoculturadecajuéparase
intensificar.
7.4Conclusões
Osdadosrecolhidosaolongodestainvestigaçãopermitemidentificarseteprincipais
factoresdeconstrangimentoàsestratégiaslocaisdeproduçãoesegurançaalimentar:
i)perdademão‐de‐obrarural;ii)deterioraçãodosdiques;iii)fenómenosclimáticos
adversosepragasanimais;iv)ausênciadeinvestimentosestataiseminfra‐estruturas;
v)inexistênciadequalquertipodeapoioaosprodutores;vi)capacidadedegerar
rendimentosevii)produçãoorizícolalocalpoucocompetitivanomercado(figura7.7).
Estesfactorestêminfluenciadoprofundamenteasescolhasdosagricultoreslocais,que
seinseremnumpadrãocomplexodeambientessociaiseecológicos,àluzdosquais
deveserinterpretadaacapacidadeeotipoderespostadadaporcadaagregado
familiarnaadopçãodeestratégiasdeproduçãoalimentareminimizaçãodoriscode
insegurançaalimentar.
218
Figura7.7Principaisfactoresdeconstrangimentoidentificados
Cadafactordeconstrangimentotemumpesodiferentenamaneiracomoinfluenciaa
segurançaalimentardapopulação,eentreelespodeserdestacadaaperdademão‐
de‐obraruralcomotendoummaiorpesolimitantenossistemasdeproduçãoe
segurançaalimentarlocais.Todososfactoresidentificados,tantoeconómicoscomo
naturais,vãopotenciaraperdademão‐de‐obraatravésdeumamaioremigraçãoe
êxodorural.Poroutrolado,aperdademão‐de‐obracolocaumapressãoadicional
acimadetudosobretrêsfactoresdeconstrangimento,estratégicosparaasegurança
alimentarlocal:acapacidadedegerarrendimento,acompetitividadedaprodução
orizícolalocal(factoreseconómicos),eadeterioraçãodosdiquesdoarrozdemangal
(factornatural),querequeremesforçofísicodosmembrosdoagregadofamiliar.A
faltadeterraparacultivonãopodeserconsideradoumfactordeconstrangimentoao
níveldaregião,jáqueemQuínaraocenáriomaiscomuméadisponibilidadedeterra.
Noentanto,nocasoespecíficodealgumasaldeiasesteéumfactorlimitanteà
diversificaçãodaprodução,devidoaospequenosterritóriosdisponíveis.
219
Devemosteremcontaqueperanteosmesmosfactoresdeconstrangimento,
diferençasentrecomunidadescomoaenvolvênciaambiental,adisponibilidadede
espéciesúteis,aorigemétnicaealocalizaçãogeográfica,vãomoldaracapacidadede
respostadasfamíliasqueascompõem.
Osdadosrevelamque75,2%daamostradependedomercadoparaobterpelomenos
metadedoconsumoanualdearroz,oprincipalcerealconsumido,numaregião
reconhecidacomoumadasregiões‐chaveparaaproduçãoorizícolanacional.Por
outrolado,amonoculturadecajué,delonge,aprincipalfontederendimentolocal,e
asuavendarepresentaamaiorpartedoorçamentoanualde76%daamostra
recolhida.Aaplicaçãoprioritáriadosrendimentosobtidoséparaatotalidadedos
inquiridosacompradearroznomercado.Istomostraaelevadaexposiçãodos
habitanteslocaisaospreçosdemercadotantodearrozcomodecaju,equesubidas
repentinasdospreçosdoprimeiroedescidasdospreçosdoúltimopoderãoprovocar
gravessurtosdeinsegurançaalimentar.Narealidade,oaumentogradualdospreços
dearroznosúltimosanoseainstabilidadedospreçosdecajupraticadostêmvindoa
exporapopulaçãolocalaumcrescenteriscodeinsegurançaalimentar.
Relativamenteàsestratégiasderesposta,regrageral,oriscodeinsegurançaalimentar
éminimizadosobretudoaoníveldaapostanasestratégiasdeproduçãopara
subsistênciaevenda.Aolongodainvestigaçãotornou‐seclaroqueasestratégias
privilegiadassãoaproduçãoprópriadearroz;adiversificaçãodaproduçãoagrícola,
tantoparaconsumocomoparavenda;eadiversificaçãodasactividadesnãoagrícolas
capazesdegerarderendimento.Aolongodainvestigação,aexploraçãoderecursos
florestaiscomomadeira,frutaecaça,foramconsideradoscomoessenciaisemalturas
demaioresdificuldades.Istopermiteconfirmaraimportânciaestratégicaqueos
serviçosconferidospelosecossistemasflorestaisconstituemparaasubsistênciada
populaçãodaáreadeestudoemsituaçõesdeflutuabilidadedepreçodecaju,asua
maiorfontederendimento.
Asubidadospreçosdearrozeumaevoluçãonegativadostermosdetrocadecajupor
arrozpodemotivaratécertamedidaumretornodaculturadearroz,sendoquevárias
famíliasmanifestaramessavontade.Paraalémdaplantaçãodecajuearroz,osoutros
220
produtosmaisimportantesparaosagricultoreslocaissãooóleodepalma,o
amendoim,alima,ofeijão,alaranjaeamandioca.Asestratégiasdeprodução
deparam‐senoentantocomasdificuldadescausadaspelosconstrangimentos
identificadosduranteainvestigação,eogrupodepessoasqueparecesermais
vulnerávelsãoosquepertencemaagregadosfamiliarescomfaltademão‐de‐obra
disponívelparaaconcretizaçãodasestratégiasdesubsistência.
Aocontráriodoqueseriadeesperar,aemigraçãoparaascidadesnãotrouxe
benefíciosparaascomunidadeslocais,enamaiorpartedoscasossãoasfamílias
ruraisqueenviamarrozdasuaproduçãoepartedosrendimentosobtidoscomocaju
paraosfamiliaresquevivemnascidades.Estarelaçãoentrefamíliasruraisemembros
emigradosemmeiosurbanosprende‐secomadificuldadequemuitosindivíduostêm
emobterrendimentosdeformaregularnascidadeseaindacomofactodequemuitos
dosquesedeslocamfazem‐noparateracessoaeducaçãoeformação,eportantonão
obtêmrendimentos.Emmuitoscasos,osmembrosemigradosregressamnotempode
maiorestrabalhosagrícolas,emboraestamigraçãosazonalsejaumfenómeno
imprevisíveledifícildeavaliar.
Faceàperdademão‐de‐obranecessáriaàstarefasárduasdocultivodearroz,a
soluçãoparamuitasfamíliaspoderátersidoaplantaçãodecajueiros,decultivoe
manutençãomaisfáceis,demaneiraaobterrendimentosquepermitissemacompra
dearroznomercado.Comodiscutidoaolongodocapítulo,estaperspectivacontradiz
amaioriadosestudosrealizadossobrearelaçãoentreamonoculturadecajue
produçãodearroznaGuiné‐Bissau,queafirmamperemptoriamentequea
proliferaçãodamonoculturadecajuprovocouumadiminuiçãonoesforçoeapostana
produçãoorizícola.Aquirealça‐sequenemexistefaltadeterraparaproduçãodearroz
paraageneralidadedeQuínara,nemcompetiçãoentreasduasculturasporesforço
físico,dadoqueosintervalosdetempoemquesetrabalhamocajueoarroznãose
sobrepõem.Sugere‐seportantoqueparaamaioriadoscasosastendênciasde
aumentodoinvestimentonocajuedodesinvestimentonoarroznãoconsistiram
numatransiçãovoluntáriamassimnumatentativadesobrevivência.
221
Emboraaquantificaçãodarelaçãoentremão‐de‐obradisponívelecapacidadede
diversificaçãodaprodução,querparaconsumo,querparavenda,nãotenhasido
possíveldadasaslimitaçõesencontradasaolongodotrabalhodecampo,foiem
algunscasospossívelumcontactomaisprolongadocomalgumasfamíliasque
permitiraminferirumacorrelaçãoentredisponibilidadedemão‐de‐obraecapacidade
dediversificaçãodeproduçãoeversatilidadenaadopçãodeestratégiasde
subsistência.Assim,quantomaioradisponibilidadedemão‐de‐obra,menora
vulnerabilidadedeumagregadofamiliar.Estacorrelaçãoestádeacordocoma
percepçãodageneralidadedosindivíduosdequeumdosmaioresproblemasqueas
comunidadeslocaisenfrentamactualmenteéaperdademão‐de‐obrarural.
Nocasodaimpossibilidadededesenvolvimentodeestratégiasdesubsistência
compatíveiscomasegurançaalimentardetodososmembrosdoagregadofamiliar,os
mesmosvêem‐seobrigadosarecorreràestratégiadeúltimoderecursoparaobter
alimento:oendividamentoecréditoinformaljuntodecomerciantes,queé
desregradoepermiteabusosporpartedosúltimos.Emboraorecursoacréditopossa
resolverproblemasgravesdeinsegurançaalimentaracurtoprazo,adependênciado
credoredassuascondiçõespodeoriginarcondiçõesdetransacçãoadversasalongo
prazo.Estaestratégiafoiutilizadapordezenasdefamíliasdaáreadeestudonos
últimosanos,esegundoapercepçãodemuitoslocaistemcrescido,oqueapontapara
umpossívelaumentodainsegurançaalimentarnaregião.
Acomplexidadedaregiãonoseutecidosocialeecológicolevouaqueoestudo
abrangessediferentescomunidadesqueapresentamdiferentesambientese
circunstâncias.Foiassimpossívelentenderqueastradiçõesrelativasaossistemas
agrícolasconsoanteaorigemétnicaajudamacompreenderacapacidadeeotipode
respostaquedeterminadoagregadofamiliartemperanteoriscodeinsegurança
alimentar.Asduasprincipaisetnias,balantaebiafada,demonstramumnívelde
dependênciadomercadoparaobtençãodearrozdiferenteentresi.Osbalanta,que
tradicionalmentedominamatécnicadecultivodearrozdemangal,maisprodutiva,
têmumníveldedependênciadomercadomenorrelativamenteaosbiafada,que
investemsobretudonoarrozdesequeiro.Tambémasdinâmicasdeadopçãoà
222
monoculturadecajudiferiramentreasetnias.Osbiafada,quegeremvastasáreasde
florestas,aderirammaiscedoaocaju,enquantoosbalanta,tradicionalmentemais
dedicadosaoarrozdemangaleemgeraldispondodemenoresáreasdeflorestas,
aderirammaistarde.
Destamaneira,estainvestigaçãodemonstraavantagemeanecessidadedeseestudar
ospadrõesdecomplexidadelocaisdemaneiraaentendercomodeterminada
comunidadepoderáresponderperanteumdeterminadoestímulo,esugere‐seque
estetipodeavaliaçãodeveserlevadaacabosemprequeseprocurerealizaralgum
tipodeintervençãoouapoioaonívellocal.Talníveldeconhecimentodarealidade
localpodeajudaraidentificarasorigensdosconstrangimentosdequeascomunidades
locaissãoalvo,assimcomoosgruposmaisvulneráveis,permitindoportantoodelinear
demelhoresemaiseficientesestratégiasdeminimizaçãodoriscodeinsegurança
alimentar.
223
CAPÍTULO8‐ConsideraçõesFinais
Numaépocadeintensificaçãodastrocascomerciaisaonívelglobaledeumacrescente
deterioraçãodasegurançaalimentaremváriaspartesdomundo,tornam‐se
necessáriosestudosquecontribuamparaentenderdequeformaésentidooimpacto
dasdinâmicasdocomérciointernacionalaonívellocal.
NaGuiné‐Bissau,ocomérciointernacionaltemdesempenhadodesdecedoumpapel
deextremaimportânciaparaasegurançaalimentareeconomiadopaís.Emrespostaà
diminuiçãodospreçosdemercadodeamendoimeamêndoadepalma,osprincipais
produtosdeexportaçãodaGuiné‐Bissauatéhácercadetrêsdécadas,osagricultores
guineensestêmdesdeentãovindoasubstituirestasculturasderendimentopela
monoculturadecaju(Dias1992:20;GEBNGB1986:11).Hoje,opaísapresenta‐seao
nívelglobalcomoumadaseconomiasmaisdependentesdocomérciointernacional,
comumaúnicamonoculturadeexportação–ocaju–queenvolveagrandemaioriada
populaçãoruraleéresponsávelporcercade98%dasreceitasdeexportação,maisdo
quequalquerpaísdaOPEC(Boubacar‐Sidetal.2007:79;BancoMundial2010:70).Por
outrolado,opaísdependedasimportaçõesalimentares,emparticulardocerealque
constituiabasealimentardapopulação–oarroz(MADR/FAO/PAM2007:6).Estima‐se
queem2008oconsumototaldearrozerade139680toneladas,ocorrespondentea
235000toneladasdearrozcomcasca(BancoMundial2010:89).Estandoaprodução
dearrozdopaísem2008estimadaem148757toneladasdearrozcomcasca(FAOStat
2010),calcula‐sequeodéficeemarrozdopaísnesseanofossede86243toneladas.
Estaelevadadependênciadetrocascomerciaiscomoexteriorlevaaqueaspolíticase
dinâmicasrespectivasàcomercializaçãodecajueàimportaçãodearrozocupemum
lugardedestaqueentreosfactoresquedeterminamasituaçãodasegurança
alimentaraonívellocal.OestudodecasodaregiãodeQuínaraevidenciaa
importânciaqueamonoculturadecajutemparaaobtençãodoarrozentreos
agricultoreslocais:osdadosmostramquemaisdetrêsquartosdosagricultoresestão
dependentesdomercadoparaacompradamaiorpartedoarrozconsumido
anualmenteequeosrendimentosutilizadosparaasuacompraprovêm,paracercade
224
76%dosagregadosfamiliaresenvolvidosnoestudo,davendadecaju.Dototalde
agricultores,78,4%realizamatrocadirectaentreosdoisprodutoscomos
comerciantes,oqueimplicaqueumcenáriofavoráveldostermosdetrocaentreestes
produtosévitalparaoacessoagrandepartedasuaalimentaçãoanual.
Nasequênciadoquefoiafirmadoporváriosautores,umadasexpectativasiniciaisdo
estudoeraadequeamonoculturadecajutemconstituídoumincentivodirectoao
abandonodocultivodearroznasúltimasdécadas.Sugere‐seagora,noentanto,que
estaéumarelaçãosimplista,equeodeclíniodaculturadearrozseprendemaiscom
umconjuntodeconstrangimentosdemográficos,económicosenaturaisdetectadosao
longodoestudodecasoeaqueosagricultoreslocaisestãoexpostos.Dos
constrangimentosdetectados,osdadosrecolhidosapontamparaquesejaaperdade
mão‐de‐obraruraldevidoàemigraçãoumdosquetemmaispesonaperdade
capacidadedeproduçãodearroz.Assim,amonoculturadecajupoderáterconstituído
nãoumdesincentivoàproduçãolocaldearrozmassimumaalternativaforçadapara
obtençãodealimento,jáqueexigeumamenordisponibilidadedemão‐de‐obrado
queocerealeadapta‐seperfeitamenteàscondiçõeslocais.Faceaodeclínioda
produçãodearrozeàrápidaproliferaçãodamonoculturadecaju,asfamíliasrurais
tornaram‐sedependentesdamonoculturaderendimentoparaaobtençãode
alimento.Aspopulaçõeslocaisviram‐seassimprogressivamentemaisexpostasàs
circunstânciasdocomérciointernacionaldocajuedoarroz.Assim,paraavaliara
relaçãoentreamonoculturadecajueasegurançaalimentartorna‐seimprescindível
analisarostermosdetrocaentreocajueoarroz.
Aanálisedostermosdetrocaentreocajueoarrozmostraqueaquantidadedearroz
recebidapordadaquantidadedecaju,em2009,eracercadetrêsvezesmenordoque
noiníciodadécada.Issopermiteconcluirqueosagricultoreslocaistêmperdidopoder
decompraeficaramsujeitosaumaumentodoriscodeinsegurançaalimentar.
Aevoluçãonegativadostermosdetrocaentreocajueoarrozeaocorrênciadecrises
alimentarescomoade2008têmtidoumimpactonegativoeestatendênciacontribui
paraummaiorriscodeinsegurançaalimentaraonívellocal.Emresposta,os
agricultoreslocaistentamaumentaraproduçãodearrozedeoutrasculturas,tantode
225
rendimento(p.e.amendoimeóleodepalma)comoalimentares(p.e.sorgoemilho),
emboramuitosacabemporrecorreraocréditoinformaloumesmoporemigrar.
Paraentenderestatendêncianegativadostermosdetrocaentrecastanhadecajue
arrozénecessárioconsiderarporumladoastendênciasglobaisdospreçosparaos
doisprodutos,eporoutroaspolíticasedinâmicasdosseuscircuitosde
comercializaçãoaonívellocal.
Aonívelglobal,aevoluçãodospreçosinternacionaisdacastanhadecajutemsofrido
altosebaixosemboramantenhaumatendêncianegativa,especialmentedesde2008,
oquesedeveemparteaograndeaumentodaproduçãodecajuverificadoempaíses
comooBrasil,oVietnameeaÍndia.Comoagravante,osplanosdomaiorimportador
mundialdecastanhadecaju,aÍndia,parasetornarauto‐suficientenasuaprodução,
poderãoprovocarnofuturoumacentuadodecréscimonospreçosinternacionaisda
castanhadecaju,afectandoprincipalmenteospaísesprodutoresondeo
processamentoéinexistenteoupoucoexpressivo,comoaGuiné‐Bissau,ondeapenas
3%daproduçãoéprocessadanacionalmente(CNC2009:18).
Poroutrolado,ospreçosinternacionaisdoarroz,relativamenteestáveisdurante
décadas,começaramasubirabruptamentenofinalde2006eem2008eramjámais
dotriplodosde2003,impulsionadosemgrandepartepelaespeculaçãointernacional
dealimentosepeloaumentodoconsumoempaísescomoaÍndiaeaChina.
Aonívelnacional,acomercializaçãodacastanhadecajudepara‐secomumdosseus
maioresproblemas:adependênciadeumúnicomercadodeexportação,aÍndia.
Emboraasestatísticasoficiaisdisponíveisnãopermitamcaracterizarestadependência
deumsómercadoporfaltadedadostransparentes,aanálisedaimprensalocal,
comunicadosdecertosgovernanteseentrevistasainterlocutoreschavesãounânimes
naafirmaçãodequeoscompradoresindianosformamumoligopóliocomoobjectivo
depagarbaixospreçospelacastanhadecajuefugiraosimpostosdeexportação,
provocandoumadiminuiçãodospreçosdecompraaoprodutoreareduçãodas
receitasfiscaisdoEstado.
226
Omauestadodasinfra‐estruturasdetransporteeaexistênciadetaxasinformais
cobradaspordeterminadosagentesdaautoridadeaolongodasviasdetransporte
contribuemtambémparaaumentarapressãosobreospreçosdecompraaoprodutor.
Ainstabilidadepolíticadopaíséoutroimpedimentoimportanteaumclimafavorável
decomérciocomoexterior,eemperíodosmaisconturbadososimportadoresde
castanhadecajupressionamogovernoeexportadoresguineensesparabaixaros
preçosdasuavenda,sobaameaçadeboicotedasexportaçõesdevidoaomaiorrisco
donegócio.Algunscomercianteseexportadoresapontamaindaparaadificuldadede
recursoaocréditoparacompradecastanhadecaju,emuitosrecorremacrédito
concedidopelosimportadoresindianos,oqueaumentaopoderdestesdeexercer
pressãoeinfluênciasobreospreçospraticados.
Entreosexportadoresguineensespareceexistirumacrescenteconcentraçãodo
negóciodeexportaçãodecajunasmaioresempresas,eopesodasqueexportavam
maisdoque500toneladas/anoentreototaldeempresasexportadorassubiude70%
em2003para88%em2009,oquepõeemevidênciaasaídadomercadodevárias
pequenasempresasnosectoreaconsequentereduçãodaconcorrêncianomercado
interno.
Algumasdasmaioresempresasdeexportaçãodecastanhadecajusãotambémas
responsáveispelaimportaçãodearroz.Oarrozimportadoédepoisdisseminadopelos
comercianteslocaiseosquesedeslocamàszonasruraisdopaísnaépocadevendado
caju,paraqueserealizeatrocadirectadearrozporcaju.Estima‐sequeentre50%a
70%doarrozimportadosejamusadosnatrocadirectaporcastanhadecajucomos
pequenosprodutores(BancoMundial2010:104).Anãoutilizaçãodedinheirona
compradecastanhadecajuaoprodutorpoderásignificarqueestenãoestáaobtero
máximobenefíciodasuavenda,equeoarroz,compradoapreçosmuitobaixospelos
importadores,étrocadonumaproporçãodesfavorávelaosagricultoreslocais,sendoa
mais‐valiacapturadapeloscomerciantes.Sobressaitambémdaanálisedaimprensa
localedeentrevistasrealizadasaváriosinterlocutoreschaveéaacusaçãodequeos
importadoresdearrozcontribuemparaadeterioraçãodacapacidadedeproduçãode
arrozlocalaopressionarogovernoparareduzirastaxasdeimportaçãodocereal,
227
colocandoospreçosaníveismaisbaixosdoqueospraticadoslocalmente,oque
impossibilitaaconcorrênciadosprodutoreslocais.
Asacusaçõesdoscomerciantes,agricultoreseoutrosactoresdasociedadecivilvão
maislonge,afirmandoquemuitasdessasempresassãogeridasporpessoasquetêm
oujátiverampodersuficienteparaintencionalmenteimpediroapoioàproduçãode
arroznacional,demodoanãoafectaroseulucrativonegóciodeimportaçãodocereal.
Sãoestespequenosmasimportantesgruposdeinteressequedominamoscircuitosde
comercializaçãotantodaimportaçãodearrozcomodeexportaçãodecaju,ecaptam
asmais‐valiasoriginadaspelocomérciodosreferidosprodutos.Estaactuaçãodos
gruposdeinteresseinstaladoslevaaconcluirqueacorrupçãogeneralizadaéum
impedimentoadicionalaumambientedecomérciofavorávelaosprodutorese
consumidores,egeraentravesàadopçãodemedidasdeapoioàproduçãodearroz
nacional.
Oprocessamentodacastanhadecajutemsidoasoluçãomaissugeridaparao
problemadadependênciadopaísdaexportaçãodecastanhadecaju.Políticos,ONG’s
eváriasagênciasinternacionaistêmrepetidoosapelosaoinvestimentona
transformaçãodacastanhadecajunopaísdemodoaconseguirummaiorvalor
acrescentadoeacessoaummercadodepreçosinternacionaismaisestáveis.Merecea
pena,noentanto,reflectirsobrearesiliênciadediferentesprodutosdeexportação
peranteumambientepolíticoinstável.Aexportaçãodecastanhadecajutem
mostradonaGuiné‐Bissauforteresiliênciaàsconstantesatribulaçõespolíticas
atravessadaspelopaís.Umaresiliênciaqueparecedever‐seaofactode,paraexportar
castanhadecaju,ouparainvestirnaexportaçãodecastanhadecaju,nãoserem
necessáriosinvestimentospermanentesnopaís.Podeportantosercolocadaa
seguintequestão:seráumsectorindustrial,queimplicainvestimentosalongoprazo,
tãoresilientequantotemsidoodaexportaçãodematéria‐primaperanteumcenário
deinstabilidadeinterna?
228
Emsuma,asegurançaalimentardosguineensesestádirectamenteexpostaafactores
externoseinternos,queinteragemdeformacomplexaparacriarascircunstâncias
vividaspelaspopulaçõeslocais.
EntreosfactoresexternosaqueaGuiné‐Bissauestáexpostadestacam‐sea1)
evoluçãonegativadospreçosinternacionaisdocaju,2)criseseconómicase
alimentaresqueaumentamospreçosdosalimentoseemparticulardoarroz,como
em2008,a3)oligopolizaçãointrínsecadomercadomundialdeprodutosagrícolase
emparticulardocaju,ea4)inexistênciaderegulamentaçãointernacionalqueevite
abusosporpartedasempresas;enquantoquedoladodosfactoresinternososmais
importantessãoa1)oligopolizaçãointernadoscircuitosdecomercialização,a2)
dependênciadeumsómercadodeexportação,a3)corrupçãogeneralizada,a4)falta
deinvestimentonaproduçãodearrozeinfra‐estruturasdeapoioaosectoragrícolaea
5)escassezdemão‐de‐obradevidoaoêxodorural.
Éainteracçãonegativadestesfactoresexternoseinternosquedeterminaatendência
dedeterioraçãodasegurançaalimentareadificuldadesentidanasrespostasdadas
pelapopulaçãoaonívellocal.
Osrecursoseconómicosdaspopulaçõeslocais,determinantesparaoseupoderde
respostaperanteumasituaçãodeinsegurançaalimentar,sãoreduzidosnumcontexto
dediminuiçãodospreçosinternacionaisdocajueaindapelapressãoadicionalsentida
nocircuitodecomercializaçãointernoeexterno,resultadodirectodaactuaçãode
gruposdeinteressenummercadomarcadamenteoligopolizado.Estaoligopolizaçãoé
reforçadapeladependênciadasempresasdeexportaçãodocréditoinformalqueas
empresasindianasatribuem,pelonúmeroreduzidodeopçõesdisponíveisparavenda
docaju,epelafracacapacidadedeintervençãodoestadoguineensenosentidode
regulamentaraactuaçãodasempresasexternasdevidoaosacordosdeliberalização
docomércionoâmbitodaOMCedadependênciadonegóciodocajucomomaior
fontedereceitasestatais.Estetipodehierarquiaeoligopóliocomercialérecorrente
nomercadoglobaldeprodutosagrícolas,easituaçãoverificadanaGuiné‐Bissaué
umaconsequênciadirectadaoligopolizaçãosentidanomercadointernacionaldecaju.
229
Aonívellocal,afaltadecapacidadederespostadosprodutoresdecajuperanteum
cenáriodepreçosbaixoséampliadapeloreduzidopodernegocialdequedispõem,
consequênciadirectadainexistênciadeplataformasdeorganizaçãodeprodutores
ondesepossamuniremelhordefenderosseusinteresses.
Opoderderespostadascomunidadeslocaisvê‐setambémconstrangidopela
alteraçãodaestruturademográficadaspopulaçõesruraisdevidoàemigraçãodemão‐
de‐obra,emparticulardehomensjovens,atraídosporumanoçãode“vidamelhor”,
tambémelaemgrandeparteresultadodeumatendênciaglobaldeprocurade
oportunidadesdeaumentodosrendimentos,regrageralmaisdisponíveisnosmeios
urbanos.Aemigraçãoeafaltadecompetitividadedaproduçãoagrícolalocalsãoainda
reforçadospordécadasdedesinvestimentocróniconosectoragrícolanacional,queno
fundoéumreflexodopanoramaglobaldodesinvestimentonaagriculturadesdea
décadade1970.Estesfactoresemconjuntoreduzemacapacidadedeprodução
familiardearroz,umdostradicionaispilaresdasegurançaalimentarlocal,expondo
aindamaisasfamíliasàdependênciadosrendimentosqueobtêmdavendadecaju.
Aherançadeummodeloeconómicocolonialassentenaexportaçãodeamendoime
amêndoadepalma,conjuntamentecomdécadasdepolíticaseconómicasglobaisde
incentivoamonoculturasdeexportaçãoporpartedeagênciasdecrédito
internacionaiscomooBancoMundialeoFMIeumaumentoglobaldaprocuradecaju
aolongodasúltimasdécadassãoosfactoresquemelhorexplicamagrande
proliferaçãodocajunopaís.Osdoisúltimosfactores,fenómenosglobais,incentivaram
igualmenteoaumentodeproduçãodecajuemváriosoutrospaísesafricanos,Brasil,
ÍndiaeVietname,entreoutros,contribuindoparaumaumentodaofertaea
consequentetendênciadediminuiçãodospreçosinternacionais.
Aspossíveissoluçõesparaosdesafiosquesecolocamafiguram‐secomplexaseterão
deserequacionadasemváriosníveisdeintervenção:desdemedidasglobais,como
umamelhorregulaçãodosmercadosinternacionaisdeprodutosagrícolas,até
respostaslocais,comoosurgimentodepolíticasdeapoioàproduçãolocalede
230
cooperativasagrícolasqueconfiramummaiorpoderdenegociaçãoaosprodutores
locais.Aidentificaçãodeváriosconstrangimentosaossistemasagrícolaslocaisé
essencialparaestabelecermedidasfuturasdeapoioàagriculturabaseadasnumavisão
holísticadosproblemasqueafectamascomunidadesruraislocais.
Recomendações
Nocombateàpobrezaeinsegurançaalimentardevemseraplicadasmedidasque
contribuamparaumambientecomercialfavorávelaospequenosprodutores,
particularmenteempaísesondeasmedidasdeapoioaosectoragrícolasãopouco
expressivasouinexistentes,comoéocasodaGuiné‐Bissau.Donívelglobalaolocal,as
principaisrecomendaçõessão:
1. Aonívelglobal,devemserdadospassosnosentidodeumamelhorregulação
dosmercados,quepermitamummaiorcontrolodosmonopólioseoligopólios
nosectoragro‐alimentar,demodoatornaromercadoglobalmaisjustoea
promoveroigualacessoatodososparticipantes.
2. Asintervençõesaonívellocalpodemserseparadasemduascategorias:
intervençõesdetopoedebase.Naprimeiracategoriaenquadram‐seas
políticascomerciaisdoestadoeasmedidasgovernamentaisdeapoioaosector
agrícola.Nasegundaestãoincluídasacriaçãodeassociaçõesdebaseporparte
dosagricultores,comocooperativaslocais,easintervençõeslocaisdeONG’s
deâmbitonacionalouinternacional.Asestruturasquerecaiamnasegunda
categoriapodemaindadesempenharumpapelimportantenareivindicaçãode
políticasedemedidasdeapoioprovenientesdasestruturasdetopo.
3. Relativamenteàspolíticascomerciais,seriamrelevantesaadopçãodeuma
atitudepolíticafirmeperanteoscomercianteseacriaçãodeumsistemade
créditonacionalquecoloqueaodispordoscomerciantesnacionaisumalinha
decréditointerno,demodoaqueestesnãodependamdocréditoinformaldos
importadoresIndianos.Ocontrolodastaxasinformaiscobradasnasviasde
231
transporte,quecontribuemparaumapressãoadicionalparaospreçosde
compraaoprodutoréoutraexigência.
4. Entreasmedidasdeapoioaosagricultores,érecomendávelacriaçãode
bancosdesementesaonívelnacionaleregional,queasseguremumfácil
acessoavariedadesagrícolaslocaisparatodososagricultores.O
melhoramentodasinfra‐estruturasdetransporteseriatambémdeterminante
paraumacomercializaçãodecastanhadecajumaiseficienteemaisjustana
perspectivadoprodutor.
5. Aconstruçãodeunidadesdearmazenamentodecastanhadecaju,quesirvam
porexemploumconjuntodealdeias,poderiaproporcionarmaisliberdadeaos
agricultoresnoplaneamentodeestratégiasdecomercialização,emvezde
estesseveremobrigadosavendertodooprodutoantesdoiníciodaépocadas
chuvas,dadooriscodeperdadascolheitasdevidoàfaltadecondiçõesde
armazenamento.
6. Noquerespeitaàproduçãodearroz,poderiamserfornecidasbombasdeágua
manuaisdemateriaissintéticos,maiseficientesedemaiorduraçãodoqueas
bombasdeáguaartesanaisutilizadaslocalmente.
7. Relativamenteàsiniciativasdebase,poderãopassarporapoiossemelhantes
aosdescritosacima,emboraproporcionadosporONG’slocaisou
internacionais.Assume‐seaindaqueaorganizaçãodeagricultoreslocaisem
cooperativasouassociaçõessemelhantespossaconferirummaiorpoder
negocialsobreospreçosdecompraaoprodutorpraticadospelos
comerciantes,assimcomoconstituirumaplataformadediscussãoparaa
adopçãodemedidasdeinteressecomum.Taisiniciativaspoderiamcontribuir
paratornaracomercializaçãodecastanhadecajumaisjustanaperspectivado
agricultor,potencialmenteajudandoareduzironíveldepobrezaeoriscode
insegurançaalimentarqueseverificaemgrandepartedasfamíliasruraisda
Guiné‐Bissau.
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