COMPLIANCE PÚBLICO: O DESAFIO CONTEMPORÂNEO
Cristina Barbosa Rodrigues 1
Arthur Bezerra de Souza Junior2
Miguel Ângelo Marques3
RESUMO
Como resultado de diversos acordos internacionais firmados e ratificados pelo Brasil no
tocante ao combate à corrupção, foi inserida no ordenamento jurídico nacional a chamada
Lei Anticorrupção Empresarial, a Lei nº 12.846/2013, a qual confere ao Poder Público
instrumentos para responsabilizar as corporações privadas e seus representantes que, na
1 Professora Universitária, Mestre em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, Pós-Graduada
em Direito Administrativo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogada Especializada em Licitações e
Contratos Públicos, Consultora de Órgãos Públicos Municipais e de Entidades do Terceiro Setor e autora de
diversos artigos na área do Direito Administrativo. Email: [email protected]
2 Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito
(Justiça, Empresa e Sustentabilidade) pela Uninove – Universidade Nove de Julho. Especialista em Direito
Processual pela UNISUL. Professor Universitário. Advogado. Email: [email protected]
3 Doutorando e Mestre em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.
Professor na Universidade Paulista – UNIP, onde leciona as disciplinas de Direito Internacional Público, Direito
Internacional Privado e Direitos Fundamentais . Email: [email protected]
atuação junto à Administração Pública, agem em desconformidade com as normas vigentes,
e obter o ressarcimento do erário em face de atos de corrupção e fraudes praticadas nessa
relação. Assim, considerando que os programas de compliance, previstos na aludida norma,
constituem verdadeiros mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia
de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da
empresa privada, é imperioso que Administração Pública, com auxílio do seus sistemas de
controle, também estabeleça políticas e programas de integridade nos seus diversos
órgãos e entidades no cumprimento da sua missão de zelar pelo interesse público,
protegendo os recursos arrecadados na sociedade das condutas corruptas, que dilapidam o
patrimônio público, cumprindo os ditames dos princípios constitucionais que pautam a sua
atuação.
Palavras Chave: Compliance; Administração Pública; Empresa Pública; Interesse Público
ABSTRACT
As a result of several international agreements signed and ratified by Brazil in relation to the
fight against corruption, the so-called Corporate Anti-Corruption Law, Law No. 12,846 /
2013, has been inserted into the national legal system, which gives the Public Power
instruments to hold corporations accountable and Their representatives acting in the Public
Administration act in disagreement with current regulations, and obtain reimbursement of
the treasury in the face of acts of corruption and fraud practiced in this relationship.
Considering that the compliance programs provided for in the aforementioned standard are
real internal mechanisms of integrity, auditing, encouraging the reporting of irregularities
and the effective application of codes of ethics and conduct within the scope of private
enterprise, it is imperative that Public Administration , With the help of its control systems,
also establish policies and programs of integrity in its various organs and entities in the
fulfillment of its mission of guarding the public interest, protecting the resources collected in
society from corrupt conduct that squander public assets, fulfilling The dictates of the
constitutional principles that guide their performance.
Keywords: Compliance; Public administration; Public company; Public interest
Sumário: 1- Introdução; 2- O Compliance no Poder Público; 3- Conclusão; 4-Referências
Bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
Da leitura dos princípios que regem a administração pública, explicitados no
artigo 37 da Constituição Federal de 1988, os quais enfocam a legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e a eficiência como vetores da gestão pública, nota-se a evidente
preocupação de afastar a corrupção das entranhas da estrutura estatal, na medida que tais
comandos da Carta Magna consolidam o oposto do que se obtém com as práticas corruptas,
as quais, no entendimento do homem médio, configuram a vantagem ilícita, a fraude, a
falsificação, o peculato, o suborno, o clientelismo, entre outras condutas que desvirtuam e
desconfiguram os ideais republicanos de igualdade e democracia.
Contudo, é forçoso reconhecer que a corrupção não é um conceito fácil de
definir, posto que é um fenômeno complexo, passível de análise a partir de múltiplas
perspectiva e, ainda que não exista uma definição positivada acerca do que, efetivamente,
consiste a corrupção, verifica-se um forte consenso de que ela é um ato portador de grande
nocividade, com potencial de afetar negativamente o desenvolvimento econômico-social
do país onde se instala e se expande (LUZ, 2011, p. 429-470) contaminando o funcionamento
das instituições públicas e privadas, que não mais agem em conformidade com as diretrizes
do ordenamento jurídico vigente, mas em prol de interesses de grupos econômicos, que
através dela se perpetuam no poder.
Envolto a esse cenário, foi aprovada no Brasil chamada lei anticorrupção
empresarial - Lei nº 12.846/2013 - que diante de acordos internacionais firmados em
convenções da ONU,4 da OEA5 e, principalmente da OCDE6, conferiu ao Poder Público
instrumentos para responsabilizar as corporações privadas e seus representantes e obter o
ressarcimento do erário em face de atos de corrupção e fraudes praticadas por pessoas
jurídicas e seus agentes, especialmente nas licitações públicas e na execução dos contratos
administrativos, exigindo dessas instituições a criação, implantação e efetiva aplicação de
normas de condutas íntegras e compatíveis com o seu âmbito de atuação e respectiva
legislação (GABARDO; CASTELLA, 2015, p. 115).
Tal norma, ao ser incorporada no ordenamento jurídico vigente passou a
integrar, nos dizeres de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e o chamado “sistema legal de
defesa da moralidade”, composto pela Lei nº 8.429/1992, Lei de combate à improbidade
administrativa, pela parte penal da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (artigos 90
et seq. da Lei nº 8.666/1993), pela Lei nº 12.529/2011, Lei de Defesa da Concorrência, pela
Lei Complementar nº 135/2010, Lei da Ficha Limpa e pelo artigo 312 do Código Penal, que
disciplinam os crimes praticados contra a Administração Pública (MOREIRA NETO; FREITAS,
2014, p. 09-20), normas que ainda não se aplicavam com a devida efetividade tocante às
empresas privadas e seus dirigentes.
Com a entrada em vigor da Lei 12.846/2013, tornou-se relevante o
desenvolvimento dos programas de compliance pelas pessoas jurídicas, principalmente as
que atuam junto ao Poder Público, a fim de serem detectadas, processadas e solucionadas
condutas condenadas nessa lei anticorrupção no âmbito interno da empresa, providências
capazes de amenizar as possíveis sanções, no âmbito administrativo ou judicial, decorrentes
do comportamento em desconformidade com as norma vigentes para o seu ramo de
atuação.
4 BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil
em 9 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasíl ia. DF, 1º fev.
2000. 13
5 BRASIL. Decreto nº 4.411, de 07 de outubro de 2002. Promulga a Convenção Interamericana contra a
Corrupção, de 29 de março de 1996, com reserva para o art. XI, parágrafo 1º, inciso “c”. Diário Oficial da União
[da] República Federativa do Brasil, Brasíl ia, DF, 08 out. 2002
6 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Relatório sobre aplicação
da convenção sobre o combate ao suborno de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais
internacionais da OCDE de dezembro de 2007. Disponível em. http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-
internacional/convencao-da-ocde/arquivos/avaliacao2_portugues.pdf/view. Acesso em: 29/07/2017.
Conforme assevera o artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção das empresas, os
programas de compliance se constituem de mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica privada. Tal dispositivo teve sua
redação espelhada no artigo 12, 2, “f”, do Capítulo II, da Convenção das Nações Unidas
Contra a Corrupção7, que trata de medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas
contábeis e de auditoria no setor privado.
Nessa esteira, havendo por parte do setor privado todo um movimento no
sentido de implantar e seguir programas de integridade, buscando que o exercício da
atividade empresarial seja realizado em conformidade com regras estatutárias e legais em
vigor, torna-se essencial que Administração Pública, com auxílio do seus sistemas de
controle, estabeleça políticas e programas de integridade no cumprimento da sua missão
de zelar pelo interesse público, protegendo os recursos arrecadados na sociedade das
condutas corruptas, que dilapidam o patrimônio público, em estrita observância aos
princípios constitucionais que moldam a sua atuação, dentre os quais a legalidade,
impessoalidade, moralidade publicidade e a eficiência.
2. O COMPLIANCE NO SETOR PÚBLICO
7 “Artigo 12 - Setor Privado
1. Cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, adotará
medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria no setor privado, assim
como, quando proceder, prever sanções civis, administrativas ou penais eficazes,
2. As medidas que se adotem para alcançar esses fins poderão consistir, entre outras coisas, em:
(...)
f) Velar para que as empresas privadas, tendo em conta sua estrutura e tamanho, disponham de suficientes
controles contábeis internos para ajudar a prevenir e detectar os atos de corrupção e para que as contas e os
estados financeiros requeridos dessas empresas privadas estejam sujeitos a procedimentos apropriados de
auditoria e certificação;” disponível em:
www.unodc.org/documents/lpobrazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf . Acesso em
29/07/2017.
O significado do termo compliance tem origem na língua inglesa e significa
conformidade com as normas, diretrizes de certa empresa ou instituição, tanto no
contexto interno como externo, com o objetivo de, com a implantação de mecanismos que
almejam um padrão ético-comportamental no ambiente corporativo, prevenir ilícitos que
afetem sua governança e reputação, bem como possibilitar uma adequada gestão de riscos
da atividade empresarial.
Com efeito, referido comportamento promove uma cultura de boa governança
corporativa e de observância às regras no ambiente empresarial, por parte de todos
colaboradores, de todos os escalões na estrutura hierárquica para que a empresa possua
segurança institucional e jurídica no seu ramo de atuação, bem como transmita aos seus
consumidores e fornecedores essa segurança.
Tal conduta tem como expoente o Foreign Corrupt Practices Act, lei americana
anticorrupção no âmbito internacional que entrou em vigor os EUA em 1977, instituindo
sanções cíveis, administrativas e penais à pessoas e empresas americanas que, em atividade
comercial no exterior, praticam corrupção para obter vantagem nas transações comerciais
que realizam com outros países, criando uma estrutura administrativa para combater tais
ilegalidaes, com possibilidade de redução das sanções aplicadas às empresas violadoras
quando estas implantam em suas organizações programas de compliance.
Nesse diapasão, verifica-se que, por meio dos programas de compliance, os
integrantes de uma corporação reforçam seu compromisso com os valores e objetivos
explicitados, primordialmente com o cumprimento da legislação. Esse objetivo requer não
apenas a elaboração de uma série de procedimentos, mas também uma mudança na cultura
corporativa.
Contudo, vale frisar que o programa de compliance de uma organização apenas
terá resultados positivos quando conseguir incutir nos colaboradores da organização a
importância das condutas adequadas, demonstrando suas vantagens, sendo que:
A estratégia mais ampla deve ser a de incorporar o compliance
à cultura de negócios da empresa, de modo que não seja
possível dissociar seu comprometimento com a observância
das leis de suas normas internas. A partir daí, o programa
correrá menor risco de ser visto como um entrave para o
alcance das metas de performance e passará a ser considerado
e incorporado como parte das regras fundamentais do
negócio. (CADE, [201?], p.10)
Vale asseverar também que o comportamento correto não se restringe às regras
ou procedimentos internos, posto que:
referidos programas são desenvolvidos a partir de um
mecanismo regulatório paradigma que visa, entre tantos
objetivos, a prevenção dos atos ilícitos praticados por
funcionários, tanto no interior quanto no exterior de uma
empresa. Ou seja: a regra matriz não cobra um
comportamento ético, consoante as normas morais e legais de
boa conduta, apenas dentro do ambiente corporativo, senão
também nas relações que a empresa tem com a sociedade, aí
inclusa a relação com seus fornecedores, seus consumidores e
com o próprio Estado. (BREIER, 2015, p.51)
Ademais disso, nesse contexto, depreende-se que:
Um programa de compliance raramente abarcará a legislação
pertinente a apenas um setor ou endereçará apenas um tipo
de preocupação. O mais comum é que os programas tratem
simultaneamente de diversos aspectos e diplomas normativos.
Por isso, cada agente econômico deve levar em consideração
suas próprias particularidades quando da implementação de
um programa de compliance. (CADE, [201?], p.09)
Na prática, a formalização dos programas de compliance concretiza-se com a
sistematização dos denominados códigos de conduta, que nos dizeres de Rosa Morato
Garcia representam:
O instrumento regulatório que contém o sistema de
orientações para que a empresa adote como forma de
integração de valores e de práticas estratégicas para sua
melhor organização, visando principalmente a incorporação de
princípios fundamentais para a efetivação de sua função no
meio social. Todas as regras de qualquer Código de Conduta
empresarial estão intimamente relacionadas com práticas
éticas na condução negocial de qualquer natureza. Uma
corporação empresarial que tenha um efetivo Código de
Conduta, aliás uma exigência já em várias políticas
internacionais como em várias legislações locais, como forma
de combate a corrupção, está fortalecida, principalmente pela
transparência, confiabilidade e segurança de como atua no
mercado. (MORATO GARCÍA, 2011, p.414)
Em paralelo aos mencionados programas de integridade do setor privado,
notadamente das empresas que contratam com o Poder Público, um dos grandes desafios
atuais da Administração Pública brasileira em todas as esferas de poder é a implantação
efetiva de programas de compliance customizados e adaptados às peculiaridades inerentes à
gestão pública, criando um padrão integrado de governança transparente e responsável no
tocante à fiscalização, gestão e gasto dos recursos arrecadados na sociedade para a
consecução do interesse público.
Nesse diapasão, tornou-se essencial promover a integração e o aperfeiçoamento
das regras de compliance, notadamente nas áreas em que há convergência de interesses
públicos e privados que, embora aparentemente distintos, devem trilhar o mesmo caminho:
o do cumprimento das regras estabelecidas para esse vínculo, notadamente os princípios
constitucionais, que de um lado prestigiam a livre iniciativa, mas por outro, asseveram
comandos basilares para o agir do administrador público. Comandos estes que se revelam,
em especial no artigo 37 da Carta Magna, os quais impõem a observância da legalidade, da
impessoalidade, moralidade, publicidade e da eficiência.
Especialmente no tocante ao princípio da legalidade, temos que a Administração
Pública e seus gestores devem se pautar nos estritos comandos legais, ou seja, agir em
conformidade com as normas do ordenamento jurídico vigentes, posto que, conforme
assevera Celso Antônio Bandeira de Melo:
o princípio da legalidade é da completa submissão da
Administração às leis. Essa deve então tão-somente obedecê-
las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos
os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o
Presidente da República, até o mais modesto dos servidores,
só pode ser a de a de dóceis, reverentes, obsequiosos
cumpridores das disposições gerais fixadas pelo poder
legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito
Brasileiro. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, P. 101)
Ainda no contexto do compliance público, importante ainda é o princípio da
moralidade administrativa, na medida em que:
de acordo com ele, Administração e seus agentes têm de
atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará
violação do próprio Direito, configurando ilicitude que
assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal
princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do
art. 37 da Constituição. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, P. 119)
Contudo, é importante também ressaltar o vínculo estreito entre a legalidade e a
moralidade administrativa, posto que, conforme ensina Márcio Cammarosano, o princípio da
moralidade administrativa não é uma remissão da moral comum, mas está reportado aos
valores morais albergados nas normas jurídicas. (CAMMAROSANO, 2006)
Nesse trilhar, constata-se que o compliance público pode ser identificado como
um programa de moralidade pública inserido num sistema de controle, de matriz
constitucional, mediante criação, implantação, gestão e fiscalização de medidas
institucionais com mecanismos e procedimentos de integridade, análise e gestão de riscos,
comunicação, auditoria, monitoramento e denúncia que tenham por meta impor ao órgão
ou entidade a atuação em conformidade, ou seja, de acordo com as diretrizes internas e
externas que lhes são peculiares, assegurando o seu desempenho pleno, em conformidade
com a legislação vigente, a qual, inclusive, deve plena submissão.
Entretanto, o compliance da Administração Pública, embora inserido no sistema,
não deve se limitar aos parâmetros de controle interno estatal, delineados no artigos 70 e
74 da Carta Magna, pois este trata da regulação que busca a eficiência e eficácia, distribuída
em camadas que se controlam mutuamente, dado que o setor público, como forma de
organização, não é sujeito diretamente aos mecanismos de governança do mercado (BRAGA;
GRANADO, 2017), impedindo o seu aperfeiçoamento também em razão da concorrência e
do risco do abalo causado pela má reputação, ainda que a efetivação das sua políticas
públicas possam trazer riscos relacionados à conformidade com as normas e princípios legais
norteadores da atividade estatal.
Até porque, com a concorrência, com a disputa por mercados
(...) os agentes privados que não são eficientes tendem a
desaparecer pela concorrência e temos a
Regulação/Compliance funcionando como freio para as suas
externalidades negativas. No setor público, a regulação busca
dimensões de conformidade e desempenho que coexistem, e
nesse sentido, a Administração Pública precisa transcender
somente a discussão de Compliance, como preconizado para o
setor privado, agregando a esta uma dimensão finalística, de
igual estatura, no contexto dos riscos de uma Política Pública
não lograr êxito. (BRAGA; GRANADO, 2017, p.72)
É importante mencionar ainda que o art. 41 do Decreto nº 8.420/2015 definiu
que “Programa de Integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidade e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes
com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados
contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.
Nesse sentido, podemos concluir que um sistema de gestão de integridade no
âmbito da administração pública:
diz respeito a um conjunto de arranjos institucionais,
regulamentações, instrumentos de gerenciamento e controle,
além do fortalecimento de valores éticos com o objetivo de
promover a integridade, a transparência e a redução do risco
de atitudes que violem os padrões e políticas formalmente
estabelecidos. A gestão da integridade envolve a coordenação
de atores e a utilização de instrumentos que perpassam
diversas áreas de uma entidade pública, tais como Comissão
de Ética, Auditoria Interna, Gestão de Riscos, Recursos
Humanos, Corregedoria, Jurídico, Área Contábil, Controles
Internos, Gestão de Documentos, etc. (BRASIL, 2015, p. 13)
Neste cenário, cumpre frisar que há no Brasil um arcabouço jurídico, construído
paulatinamente em decorrência do amadurecimento e da maior participação da sociedade,
já em vigor, que chancela e consolida a perspectiva do compliance sob o prisma da
Administração Pública, dentre as quais podemos mencionar a Lei de Responsabilidade
Fiscal, Lei Complementar 101/2001, Lei Anticorrupção, Lei n.º 12.846/2013, a Lei do Acesso
a Informação, Lei nº 12.527/2011 e o Estatuto Jurídico da Empresa Pública, da Sociedade de
Economia Mista e suas Subsidiárias no âmbito da União, dos Estados, do Dis trito Federal e
dos Municípios, Lei 13.303/2016, que impõem a imediata adoção de verdadeiras medidas de
compliance, com concretos programas de integridade devidamente sistematizados de forma
personalizada para os diversos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública
Direta e Indireta, sem os quais não sobreviverá o nosso Estado Democrático de Direito, cujos
alicerces, inclusive, já estão fissurados pela corrupção.
3. CONCLUSÃO
Conforme acima aduzido, constata-se que em meio a um ambiente de corrupção
endêmica e diante de acordos internacionais firmados para combatê-la, notadamente no
âmbito internacional, foi criada no Brasil chamada Lei Anticorrupção Empresarial,a Lei nº
12.846/2013, a qual confere ao Poder Público instrumentos para responsabilizar os
responsáveis e obter o ressarcimento do erário em face de atos de corrupção e fraudes
praticadas por pessoas jurídicas privadas e seus agentes no trato com a Administração
Pública, especialmente nos certames públicos e na execução dos contratos administrativos
deles resultantes, exigindo dessas instituições a criação, implantação e efetiva aplicação de
normas de condutas íntegras e compatíveis com a legislação disciplinadora da sua atuação
empresarial.
Nessa seara, consta-se que com a entrada em vigor da Lei 12.846/2013, tornou-
se relevante o desenvolvimento dos programas de compliance pelas pessoas jurídicas,
principalmente as que atuam junto ao Poder Público, a fim de serem detectadas,
processadas e solucionadas condutas previstas na lei anticorrupção no âmbito interno da
empresa, providência capaz de amenizar as possíveis sanções, sejam administrativas ou
judiciais decorrentes do comportamento em desconformidade com as norma vigentes para
o seu ramo de atuação.
Nesse diapasão, conforme assevera o artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção,
com amparo nas orientações da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, que
tratou de medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria
no setor privado, os programas de compliance se constituem em mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e
a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.
Dessa forma, no seio do ordenamento jurídico brasileiro, a Lei Anticorrupção da
Empresas passou a integrar o conjunto de normas já existentes sobre improbidade
administrativa, de defesa do patrimônio público, de responsabilidade fiscal, transparência
e moralidade que representam também um conjunto de iniciativas definidoras de um
verdadeiro programa de compliance público, na medida em que impõem aos gestores
públicos comportamentos que além de legais, sejam éticos, responsáveis e, notadamente,
transparentes para que os controles internos e externos, aos quais se sujeitam a
Administração Pública, garantam a conformidade de sua atuação em face do interesse
público diante da sua constante integração com a iniciativa privada, resultando num
completo e integrado sistema de controle da integridade público-privada.
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