Maria João Flores Lima Bernardes
Consentimento dos doentes para a publicação de casos
clínicos. Revisão da literatura.
2011/2012
Março , 2012
Maria João Flores Lima Bernardes
Consentimento dos doentes para a publicação de casos
clínicos. Revisão da literatura.
Mestrado Integrado em Medicina
Área: Bioética e Ética Médica.
Trabalho efectuado sob a Orientação de:
Prof. Doutor Rui Manuel Lopes Nunes
Revista:
Arquivos de Medicina
Março , 2012
Eu, abaixo assinado, Maria João Flores Lima Bernardes
Integrado em Medicina, da Faculdade de Medicina da Universidade do Port
declaro ter actuado com absoluta integridade na elaboração deste projecto de opção.
Neste sentido, confirmo que
omissão, assume a autoria de
declaro que todas as frases que retirei de trabalhos anteriores pertencentes a outros autores,
foram referenciadas, ou redigidas com novas palavras, tendo colocado, neste cas
fonte bibliográfica.
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
Assinatura:
Projecto de Opção do 6º ano - DECLARAÇÃO DE
Maria João Flores Lima Bernardes, estudante do 6º ano do M
a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
declaro ter actuado com absoluta integridade na elaboração deste projecto de opção.
Neste sentido, confirmo que NÃO incorri em plágio (acto pelo qual um indivíduo
, assume a autoria de um determinado trabalho intelectual, ou partes dele). Mais
declaro que todas as frases que retirei de trabalhos anteriores pertencentes a outros autores,
foram referenciadas, ou redigidas com novas palavras, tendo colocado, neste cas
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 16 de Março de 2012
ECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE
do 6º ano do Mestrado
o, nº 050801030,
declaro ter actuado com absoluta integridade na elaboração deste projecto de opção.
cto pelo qual um indivíduo, mesmo por
eterminado trabalho intelectual, ou partes dele). Mais
declaro que todas as frases que retirei de trabalhos anteriores pertencentes a outros autores,
foram referenciadas, ou redigidas com novas palavras, tendo colocado, neste caso, a citação da
Nome: Maria João Flores Lima
Endereço electrónico: [email protected]
Número do Bilhete de Identidade:
Título da Dissertação: Consentimento dos doentes para a publicação de casos clínicos.
Revisão da literatura.
Orientador: Professor Doutor
Ano de conclusão: 2012
Designação da área do projecto:
É autorizada a reprodução integral desta Dissertação
divulgação pedagógica, em programas e projectos coordenados pela FMUP.
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
Assinatura:
Projecto de Opção do 6º ano – DECLARAÇÃO DE REPRODU
Maria João Flores Lima Bernardes
[email protected] Telefone ou Telemóvel:
Número do Bilhete de Identidade: 13258979
Consentimento dos doentes para a publicação de casos clínicos.
Professor Doutor Rui Manuel Lopes Nunes
Designação da área do projecto: Bioética e Ética Médica
É autorizada a reprodução integral desta Dissertação para efeitos de investigação
divulgação pedagógica, em programas e projectos coordenados pela FMUP.
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 19 de Abril de 2012
ECLARAÇÃO DE REPRODUÇÃO
: 917120119
Consentimento dos doentes para a publicação de casos clínicos.
para efeitos de investigação e de
1
Título: Consentimento dos doentes para a publicação de casos clínicos. Revisão da literatura.
Título abreviado: Consentimento para publicação.
Title: Patients’ consent for publication of case reports. A literature review.
Short title: Consent for publication.
Autores : Maria João Bernardes, Rui Nunes
Instituição: Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto
Autor responsável pela correspondência: Maria João Bernardes, Serviço de Bioética e Ética
Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Alameda Prof Hernâni Monteiro,
4200-319 Porto
Telf. 22 551 3625, Fax: 22 551 3697, Tlm: 917120119, email: [email protected]
Agradecimentos: Aos Professores Linda Ohler, Madison Powers, Marjan Kljakovic e Sara
Douglas agradece-se a disponibilização dos artigos por nós solicitados.
Acknowledgments: Professors Linda Ohler, Madison Powers, Marjan Kljakovic e Sara Douglas
are kindly acknowledged for sending us the papers we have requested them.
Contagem de palavras dos resumos: 228 (Português); 205 (Inglês)
Contagem de palavras do texto em extenso: 2064
2
Consentimento dos doentes para a publicação de casos clínicos. Revisão da literatura.
Resumo
Introdução. Apesar de nas revistas médicas mais conceituadas ser notório o cumprimento da regra
de consentimento informado, no que diz respeito a estudos observacionais e experimentais
realizados em humanos, o mesmo não acontece com a publicação de casos clínicos. O objetivo
deste trabalho foi a realização de uma revisão da literatura sobre o consentimento dos doentes para
a publicação de casos clínicos.
Métodos. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica na PubMed e na ISI Web of Knowledge, com
as palavras “(report or reports) and publication and consent”, escrutinada por dois avaliadores,
com os limites “English”, “Portuguese” e “humans”.
Resultados. Foram selecionados 35 artigos, que incluíram 3 normas, 9 estudos de avaliação de
editores, Internet ou revistas, 11 cartas ao editor, 8 comentários e 4 editoriais. Nesses artigos, a
referência ao cumprimento da regra de consentimento informado foi de apenas 0 a 23%. Contudo,
foi consensual o reconhecimento do direito dos doentes à autonomia e à confidencialidade, apesar
de ser controversa a obrigatoriedade de se obter consentimento em todos os casos.
Conclusões. O direito dos doentes à autonomia e à confidencialidade poderá não estar a ser
devidamente tratado na publicação de casos clínicos. É necessária mais investigação para melhor
se elucidar como lidar com o direito dos doentes à autonomia e à confidencialidade sem se
comprometer o dever de publicar em nome do progresso da medicina e do interesse público.
Palavras-chave: Caso clínico, consentimento, publicação.
3
Patients’ consent for publication of case reports. A literature review.
Abstract
Introduction . Although compliance with the patients’ right to autonomy and confidentiality is
notorious in most published research studies involving humans, in top medical journals, the same
does not seem to occur in case reports. The objective of this paper was the development of a
literature review on patients’ consent for the publication of case reports.
Methods. A search in PubMed and ISI Web of Knowledge was performed, using the query “case
and consent and (report or reports)”, scrutinized by two assessors, with the limits “English”,
“Portuguese” and “humans”.
Results. Thirty five papers were selected, including 3 guidelines, 9 surveys, 11 letters, 8
commentaries and 4 editorials. Mention to patients’ consent for the publication of case reports
ranged between 0 to 23%. However, there was a consensus on the patient's right to autonomy and
confidentiality, although the obligation of written consent for all case reports was controversial.
Discussion. Compliance with the patients’ right to autonomy and confidentiality may be
inadequately addressed in the publication of case reports. More research is needed to elucidate
which is the best way to deal with the patients’ right to autonomy and confidentiality versus the
doctors’ duty of publishing on behalf of the progress of medicine and of the public interest.
Key words: Case report, consent, publication.
4
Introdução
O direito dos doentes à autonomia e à confidencialidade é um valor Hipocrático consagrado no
Código de Nuremberga, na Convenção de Genebra e nas sucessivas revisões da Declaração de
Helsínquia sobre investigação em humanos, publicada originalmente em 1964 [1,2]. Contudo,
apesar de ser notória a referência ao cumprimento da regra de consentimento informado nos
estudos de investigação em humanos, nas revistas médicas mais conceituadas, o mesmo não se
verifica relativamente à publicação de casos clínicos [3-5]. Esta situação tem preocupado autores e
editores, na medida em que nos casos clínicos existe, de facto, um risco considerável de violação
da autonomia e da confidencialidade, mesmo quando se anonimizam os dados e se acautela a
divulgação de fotografias, de árvores genealógicas ou de outros elementos que possam ser
identificadores dos doentes envolvidos [6,7]. Para além do desrespeito pelo doente, numa
perspetiva não consequencialista, mais puro, ou Kantiana, o risco de quebra da confidencialidade
pode ter sentidos consequencialistas de extrema gravidade, ao revelar dados que podem vir a
condicionar a vida pessoal, social e profissional do doente, limitando-lhe as suas relações inter-
pessoais e o acesso a empregos ou a seguros de vida, entre outros [1]. Neste artigo apresenta-se
uma revisão da literatura sobre a problemática do consentimento do doente para a publicação de
casos clínicos.
5
Material e Métodos
Desenvolveu-se uma revisão qualitativa da literatura baseada nas normas PRISMA e MOOSE
[43]. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica na PubMed e ISI Web of Knowledge, escrutinada por
dois avaliadores, com as palavras “(report or reports) and publication and consent”, até 30 de
Setembro de 2011, com limites para as línguas “English” e “Portuguese” e para os participantes
“humans”. Os títulos e os resumos das referências obtidas na PubMed foram analisadas, tendo sido
selecionadas, para análise, de artigos em extenso, as referências consensualmente consideradas
relevantes. Depois de selecionados os artigos em extenso, considerados relevantes, complementou-
se esta seleção com uma pesquisa manual efetuada entre as referências bibliográficas dos artigos
apurados (Figura 1). Para aumentar a consistência do processo de seleção, repetiu-se o
procedimento, anteriormente descrito, na ISI Web of Knowledge, não se tendo obtido nenhum
artigo adicional que cumprisse os critérios de inclusão. Finalmente, os artigos em extenso
selecionados foram sujeitos a análise de conteúdo, tendo as principais conclusões sido agrupadas
em tabelas-resumo (Tabelas 2 a 3).
6
Resultados
Na pesquisa inicial, obtiveram-se 135 artigos, dos quais se excluíram, numa primeira fase, 21
artigos, por análise exclusiva dos títulos, e, numa segunda fase, outros 70, por análise dos resumos.
Restaram 44 artigos para análise em extenso, dos quais foram excluídos 19. Aos 25 artigos
restantes juntaram-se 10 artigos, obtidos por pesquisa manual das referências bibliográficas
apuradas, tendo-se chegado ao número final de 35 artigos para análise de conteúdo e extração de
conclusões (Figura 1).
Na Tabela 1, apresenta-se a distribuição dos artigos analisados, por tipo de artigo, e de autoria, e
por área médica. Dos 35 artigos analisados, 3 corresponderam a normas internacionais [8-10], 9 a
estudos de avaliação de editores, Internet ou revistas [3,4,6,11-16], 11 a cartas [17-27], 8 a
comentários [28-35] e 4 a editoriais [7, 36-38]. A maior parte dos artigos provieram das áreas de
Medicina Geral/Medicina Interna e de Anestesiologia, seguidas das áreas de Pediatria, Psiquiatria,
Bioética, Otorrinolaringologia, Medicina Física e Dermatologia. Vinte e cinco artigos foram
obtidos pela pesquisa da PubMed e da ISI Web of Knowledge e 10 por pesquisa manual, estando
incluídas neste último grupo as 3 normas internacionais analisadas [8-10].
Nas Tabelas 2 e 3 resumem-se, respetivamente, as normas internacionais e as opiniões de autores e
editores, extraídas dos artigos analisados, podendo constatar-se que, apesar de existirem vários
pontos de consenso entre as normas, os autores e os editores, permanecem algumas questões
controversas. De facto, parece ser consensual o reconhecimento do direito dos doentes à
autonomia e à confidencialidade, mas não deixa de ser problemática a obrigatoriedade de se obter
o consentimento informado por escrito dos doentes para a publicação de todos os casos clínicos.
Alguns autores e editores defendem o consentimento informado escrito em todos os casos,
enquanto outros sustentam uma avaliação, caso a caso, do risco de violação da privacidade versus
o dever de publicação de ocorrências relevantes para o progresso da Medicina e o bem dos
doentes. Na Tabela 3, pode ainda verificar-se que a referência ao cumprimento da regra de
consentimento informado pelas revistas avaliadas nos estudos analisados foi de apenas 0 a 23%.
7
Discussão e Conclusões
A análise das questões relacionadas com o consentimento do doente para a publicação de casos
clínicos parece-nos especialmente pertinente, nos tempos que correm, sendo necessário encontrar
um balanço adequado entre o dever de publicar, em prol do progresso do tratamento dos doentes, e
o risco eminente de violação do direito à autonomia e à confidencialidade, através de revistas,
rádio, televisão ou Internet. Para esse fim, realizámos uma revisão qualitativa da literatura, baseada
na análise de conteúdos por consenso, recorrendo a uma metodologia de pesquisa bibliográfica
adaptada a partir das normas PRISMA e MOOSE para a publicação de revisões quantitativas [43],
dado não existirem normas específicas para estudos de revisão qualitativos (Figura 1). Este
processo é cada vez mais difícil, dado o crescimento imparável do número de publicações, e de
bases de dados disponíveis, mas parece-nos ter sido conseguido, a avaliar pela consistência dos
resultados obtidos nas pesquisas realizadas em duas bases de dados distintas – a PubMed e a ISI
Web of Knowledge – e na análise manual efetuada entre as referências bibliográficas dos artigos
selecionados. Contudo, importa salientar que, se não se tivesse complementado a pesquisa das
bases de dados com uma pesquisa manual, não se teria chegado a nenhum documento com o valor
de norma internacional (guideline) [8-10], o que alerta para a necessidade de, nos trabalhos de
revisão, particularmente em revisões qualitativas da literatura, se utilizar sempre uma metodologia
semelhante à adotada.
A maior parte dos artigos analisados corresponderam a comentários, cartas e editoriais, isto é, a
opiniões de autores e de editores. Não estranhando esta situação na área da Bioética, em que, como
já foi referido por outros autores [39], a investigação qualitativa avulta em relação à quantitativa,
pensamos que algumas dúvidas poderiam ter tido resposta com estudos quantitativos,
observacionais ou experimentais, nomeadamente para se esclarecer se a obrigatoriedade do
consentimento escrito contribui efetivamente para uma maior proteção da autonomia e da
autonomia e da confidencialidade ou não (Tabela 1).
A área médica em que se publicaram mais artigos (Tabela 1) foi a Medicina Geral/Medicina
Interna, seguida pelas áreas de Anestesiologia, Pediatria e Psiquiatria, que cobrem doentes
8
particularmente vulneráveis, como os sujeitos a anestesia, as crianças e os doentes psiquiátricos.
Acresce que os doentes dos dois últimos grupos são frequentemente considerados incompetentes,
do ponto de vista legal, para efeitos da prestação de consentimento. Para além das áreas referidas,
foram ainda publicados, pontualmente, artigos em Bioética, Medicina Física, Acupuntura,
Otorrinolaringologia e Dermatologia, ficando de fora muitas outras áreas médicas, nomeadamente
a Genética, a Ginecologia e Obstetrícia e a Geriatria, que também cobrem doentes especialmente
vulneráveis.
Quanto aos anos de publicação dos artigos (Tabela 1), registou-se um largo predomínio no período
superior a 1995, ano em que se publicaram as normas éticas, relacionadas com a publicação de
casos clínicos, do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) [8,28]. Este aspeto
mostra como foi lento e, porventura, pouco valorizado, o processo de regulamentação ética,
relacionado com a publicação de casos clínicos, desde a primeira edição da Declaração de
Helsínquia publicada em 1964 [2]. Mostra ainda, como tarda em se chegar a um consenso,
nomeadamente no que respeita à obrigatoriedade do consentimento ser ou não escrito, para todos
ou apenas para alguns casos clínicos (Tabelas 2 e 3).
O resultado da análise que efetuámos revela aspetos consensuais e controvérsias, entre as normas
internacionais e as opiniões de autores e de editores (Tabelas 2 e 3). É razoavelmente consensual
que não devem ser publicadas informações identificadoras de doentes, tais como, nomes, iniciais,
números hospitalares, fotografias ou árvores genealógicas, a menos que sejam essenciais para fins
científicos e o doente (ou seu representante legal) dê consentimento informado escrito [8-10]. O
caso da publicação de árvores genealógicas, em que a obtenção de consentimento para publicação
é frequentemente esquecida, torna-se especialmente preocupante, na medida em que envolve
várias pessoas, de várias gerações, de uma família [35,40]. No entanto, alguns autores põem em
causa a necessidade de consentimento obrigatório em todos os casos, defendendo que, embora a
sua obtenção seja teoricamente desejável, podendo proteger autores e editores, a sua imposição
implica que o consentimento poderá não ser verdadeiramente livre, informado e indicado, não
contribuindo para uma proteção efetiva dos doentes, mas funcionando antes como um elemento de
garantia exclusiva do cumprimento de quesitos de índole legal pura [28]. Além disso, em caso de
9
dúvida quanto à segurança da anonimização dos dados dos doentes, algumas normas e autores
consideram que se deverá obter consentimento, sem especificarem se este deverá ou não ser escrito
[10], enquanto outros autores consideram que o consentimento deverá ser sempre escrito [8,9]. É
também razoavelmente consensual que o consentimento informado pressupõe que o doente tenha
conhecimento de todos os dados relacionados com a divulgação do seu caso, designadamente se
tal ocorrerá por escrito, numa conferência médica ou na Internet, não se devendo utilizar os dados
para fins que não tenham obtido consentimento explícito [8,10]. No entanto, algumas normas e
autores, consideram que, quando não for possível obter consentimento, poderá justificar-se a
divulgação de casos, em situação de interesse público manifesto [9,10]. Outros autores consideram
que a situação anterior só poderá acontecer se, adicionalmente, se julgar não existirem razões para
que um “indivíduo razoável” se oponha à publicação [9], havendo ainda autores que consideram
que nenhum caso clínico, em circunstância alguma, deverá ser publicado sem consentimento
escrito, nomeadamente quando está em causa a publicação em revistas de acesso aberto na Internet
[38]. Embora ainda não esteja posto em prática, parece ser também consensual que nos casos em
que seja necessária a obtenção de um consentimento escrito, esse consentimento deva registar-se
em formulário universalmente aceite por todas as revistas, e não apenas por umas revistas, sem ser
aceite por outras, como ainda é prática corrente. Na verdade, uma vez rejeitado um artigo,
dificilmente os autores conseguirão o preenchimento de um segundo formulário escrito, diferente
do primeiro, para submissão a uma outra revista [17,21,24].
Um aspeto que merece especial reflexão é o de que a percentagem de casos clínicos em que foi
referido o consentimento do doente tenha variado entre 0 e 23%, nas publicações analisadas [11-
16], sendo que, tal só ocorreu em 1 em cada 32 casos divulgados pela Internet [13]. De igual
modo, deverão ser considerados os dados de um estudo de Nylenna e colaboradores, segundo o
qual apenas 7 em 75 editores referiram requerer consentimento informado para a publicação de
casos clínicos [6], para além dos dados reportados por Murray e colaboradores, segundo os quais
67% dos médicos de cuidados não primários referiam que reportariam casos clínicos sem
consentimento, enquanto apenas 25% dos doentes esperaria que tal acontecesse [23]. Estes
números, relativamente baixos, de referência explícita ao consentimento dos doentes para a
10
publicação de casos clínicos, que não implicam necessariamente que o consentimento não tenha
sido obtido, ou que tenha havido má conduta ética [15], deverão ser reavaliados em trabalhos
futuros. Acresce que, para além do imperativo ético, não se deverá negligenciar a importância da
referência explícita ao consentimento, em todos os casos [20], para a análise de vieses de seleção
[41,42], na medida em que os casos em que é dado o consentimento poderão corresponder a
situações de maior ou menor gravidade da doença ou vulnerabilidade do doente.
Em conclusão, a análise das questões relacionadas com o consentimento informado dos doentes
para a publicação de casos clínicos é um tema ainda pouco estudado, com um número escasso de
artigos publicados sobre o assunto, maioritariamente de opinião. Embora seja evidente uma
dinâmica de autores e editores no sentido de se obterem consensos, registam-se ainda muitas
controvérsias, faltando estudos de opinião mais sistematizados, que incluam não só autores e
editores, mas também doentes e seus familiares. Falta, também, uma análise do cumprimento das
normas internacionais, que cubra um espectro mais alargado das especialidades médicas,
incluindo, designadamente, a Genética, Ginecologia e Obstetrícia e Geriatria. Finalmente, falta
provar inequivocamente que o consentimento escrito obrigatório proteja melhor o direito do
doente à autonomia e à confidencialidade do que o simples consentimento não escrito ou, mesmo,
a ausência de consentimento.
11
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14
Legendas das Figuras e Tabelas
Figura 1. Representação esquemática do processo de pesquisa e seleção dos artigos
utilizados na revisão da literatura efetuada.
Tabela 1. Tipo de artigos, tipo de autorias e anos de publicação, por área médica, obtidos
na pesquisa bibliográfica.
Tabela 2. Resumo de normas internacionais estabelecidas sobre o consentimento do
doente para a publicação de casos clínicos [8-10].
Tabela 3. Resumo de observações e opiniões de autores e editores sobre o consentimento
do doente para a publicação de casos clínicos, com indicação das respectivas referências
bibliográficas [3,4,6,7,11-38].
15
Figura 1. Representação esquemática do processo de pesquisa e seleção dos artigos utilizados na revisão da literatura efetuada.
Pesquisa na PubMed e Web of Knowledge “(report or reports) and publication and consent”
Limites: english, portuguese, humans
n=135
Seleção por títulos
Excluídos
n=21
n=114
Seleção por resumos
Excluídos
n=70
n=44
Seleção por artigos em extenso
Excluídos
n=19
n=25
Pesquisa manual Artigos selecionados
n=10
n=35
16
Tabela 1. Tipo de artigos, tipo de autorias e anos de publicação, por área médica, obtidos na pesquisa bibliográfica.
Área Médica
Medicina
n=14
Anestesiologia
n=6
Pediatria
n=5
Psiquiatria
n= 3
Bioética
n= 3
Outras
n= 4
Tipo de artigo
Avaliação de revistas (n= 7) 2 1 0 1 0 3
Avaliação de Internet (n= 1) 1 0 0 0 0 0
Avaliação de editores (n=1) 1 0 0 0 0 0
Normas (n= 3) 3 0 0 0 0 0
Editoriais (n= 4) 2 1 0 1 0 0
Comentários (n=8) 2 0 1 1 3 1
Cartas (n= 11) 3 4 4 0 0 0
Tipo de autoria
Editores (n= 10) 7 1 0 1 0 1
Não editores (n= 25) 7 5 5 2 3 3
Anos de publicação
< 1995 (n= 5) 3 0 0 0 2 0
> 1995 (n= 30) 11 6 5 3 1 4
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Tabela 2. Resumo de normas internacionais estabelecidas sobre o consentimento do doente para a publicação de casos clínicos [8-10].
Normas
Indicações para o consentimento
Não devem ser publicadas informações identificadoras de doentes (nomes, iniciais, números hospitalares, fotografias ou árvores genealógicas), a menos que sejam essenciais para fins científicos e o doente ou seu representante legal dê consentimento informado escrito.
ICMJE, GMC, COPE
Nos casos em que existam dúvidas sobre a anonimização da informação, deverá ser obtido consentimento informado.
GMC
Nos casos em que existam dúvidas sobre a anonimização da informação, deverá ser obtido consentimento informado escrito.
ICMJE, COPE
Obtenção do consentimento
O consentimento informado pressupõe que o doente tenha conhecimento de todos os dados relacionados com a divulgação do caso, por escrito ou em conferência médica, não se devendo utilizar os dados para fins que não tenham obtido consentimento explícito.
GMC
O consentimento informado escrito pressupõe que o manuscrito a publicar seja mostrado ao doente.
ICMJE
O doente deverá saber se a publicação será divulgada por escrito ou se o será também pela Internet.
ICMJE
Emissão, arquivo e divulgação pública do consentimento
A declaração de consentimento escrito deverá ser arquivada pelo autor, pela revista ou por ambos, de acordo com as normas de cada revista.
ICMJE
Para preservação da confidencialidade, as revistas poderão preferir que o consentimento escrito (que contém a identidade do doente) seja arquivado pelo autor, sem o enviar para a revista, substituindo-o por uma declaração do autor que ateste o cumprimento da norma.
ICMJE
O modelo de requerimento de consentimento informado deverá fazer parte das normas de publicação das revistas.
ICMJE
Quando se obteve consentimento informado isso deverá ser indicado no artigo publicado.
ICMJE
Impossibilidade de obtenção do consentimento
Quando não for possível obter consentimento, poderá justificar-se a divulgação do caso, em situação de interesse público.
GMC
Quando não for possível obter consentimento, poderá justificar-se a divulgação do caso, em situação de interesse público, desde que se considere não existirem razões para que um “indivíduo razoável” se opusesse à publicação.
COPE
Se o doente recusar o consentimento de publicação de informação susceptível de identificar o doente, tal deverá ser respeitado.
GMC
Outros aspectos a considerar
Só se deve considerar uma publicação, perante o risco (sempre existente) de um doente poder ser reconhecido, nos casos em que se verifique manifesto interesse público na publicação.
ICMJ
Nos casos em que sejam necessárias alterações de dados de identificação, nomeadamente em estudos de árvores genealógicas, as alterações não deverão distorcer a verdade científica.
ICMJE
ICMJE: International Committee of Medical Journal Editors; GMC: General Medical Council; COPE: Committee on Publication Ethics [8-10].
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Tabela 3. Resumo de observações e opiniões de autores e editores sobre o consentimento do doente para a publicação de casos clínicos, com indicação das respectivas referências bibliográficas [3,4,6,7,11-38].
Autores, Editores
Indicações para consentimento
O consentimento escrito não deve ser obrigatório quando o interesse público sobrevém.
Tierney
O consentimento deverá ser flexível, podendo não ser obrigatório, por exemplo, em caso de relato de doença fictícia (fraudulenta ou simulada), situação em que poderá ser impossível obtê-lo.
Coulthard
O consentimento poderá ser dispensado nos casos devidamente anonimizados.
Richards, Ghai
Consentimento obrigatório em todos os casos em que possam existir dados identificadores dos doentes, mas questionável que seja obrigatório em todos os outros casos.
Gibson, Honan. Hubregtse, Murray
Nos casos que incluem árvores genealógicas, a exigência de interesse público para a publicação e o consentimento deverão ser tratados com exigência máxima, dados os riscos envolvidos.
Powers
Consentimento obrigatório em todos os casos.
Frizelle
Consentimento escrito obrigatório em todos os casos.
White, Kidd, Weiss
É questionável que não se possa publicar um caso só porque esteja em tramitação médico-legal.
Hubregtse
Obtenção de consentimento
O consentimento deverá referir se foi obtido para publicação escrita e /ou Internet.
Frizelle
O consentimento informado escrito pressupõe que o manuscrito a publicar seja mostrado ao doente.
Weiss
O consentimento informado não obriga a que o doente veja o artigo, porque poderá não o entender.
White
Emissão, arquivo e divulgação pública de consentimento
O consentimento escrito deverá ser obtido através de formulário disponibilizado por cada revista.
White, Kidd
O consentimento escrito deverá ser obtido através de formulário válido para todas as revistas.
Aldridge, John, Saxena
Para melhor preservação da confidencialidade, o consentimento não deve ser enviado à revista, uma vez que contém a identificação do doente.
Frizelle
Quando se obtém consentimento, isso deverá ser referido na publicação.
Hubregtse
A família do doente deverá ter acesso à publicação e os autores deverão estar disponíveis para a apoiar.
Murray
Impossibilidade de obtenção de consentimento
Quando não for possível obter consentimento (por morte do doente, por exemplo), poderá justificar-se a divulgação do caso, em situação de interesse público, desde que se considere não existirem razões para que um “indivíduo razoável” se opusesse à publicação.
Kidd, Singer
Quando o consentimento escrito não for possível, a situação deverá ser analisada por uma comissão de ética ou, caso esta não exista, deverá ser substituído por uma carta justificativa.
Goldim
Se o doente recusar o consentimento de uma publicação, esta só deverá ser aceite em casos excecionais.
Singer
Outros aspectos a considerar
Só se deve considerar uma publicação, com o risco sempre existente de um doente poder ser reconhecido, nos casos de manifesto interesse público.
Levine
O consentimento protege os autores e os editores mas pode não proteger os doentes.
Levine
As revistas são inconsistentes quanto à exigência de consentimento, umas exigindo-o, outras não.
Bevan, Markovitz
O consentimento para casos clínicos é reportado na literatura, com uma frequência de 0 a 23% e a obtenção de parecer de comissão de ética varia entre os 0 e os 18%.
Walter, Schroter, Henley, Myles, Noone, Albrecht
O consentimento para casos clínicos é reportado na Internet com uma frequência de 1/32.
Markovitz
É possível que a baixa frequência com que o consentimento é reportado nas revistas se deva mais a falta de referência ao consentimento do que a falta de obtenção do mesmo.
Albrecht
42% de editores estiveram de acordo ou indiferentes, quanto ao consentimento obrigatório para todos os casos clínicos, sendo que apenas 7 de 75 referiram requerer consentimento informado para a publicação de casos clínicos.
Nylenna
67% dos médicos de cuidados não primários referiram que reportariam casos sem consentimento, mas apenas 25% dos doentes esperavam que isso acontecesse.
Murray
A publicação de um caso sobre um procedimento médico questionável deve pressupor que o doente deu consentimento informado para a sua realização.
Chambers
A anonimização e o consentimento nem sempre são respeitados nos relatos de casos de Bioética.
Herrera
As revistas de Psiquiatria deverão debruçar-se de forma específica sobre o consentimento informado para a publicação de casos clínicos, dada a vulnerabilidade dos doentes psiquiátricos
Levine
PUBLICAÇÕES
Os resultados deste trabalho foram parcialmente apresentados sob a forma de Poster, no XIX
Congresso Português de Bioética, realizado de 13 a 14 de Janeiro de 2012, tendo sido publicados
em forma de resumo referenciado como “Bernardes MJ, Nunes R. Consentimento dos doentes
para a publicação de casos clínicos. Revisão da literatura. Livro de Resumos do 12ºCongresso
Nacional de Bioética. Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto 2012”.
Foram também adaptados para língua inglesa e parcialmente apresentados sob a forma de Poster,
no 5º Encontro de Investigadores Jovens da Universidade do Porto, realizado de 22 a 24 de
Fevereiro de 2012, tendo sido publicados em forma de resumo referenciado como “Bernardes MJ,
Nunes R. Ethics in clinical studies: a systematic review on patients' consent for publication of case
reports. Book of Abstracts of the 5th Meeting of Young Researchers of University of Porto -
IJUP'12. University of Porto 2012:451”.