O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
“EU TE BENZO, EU TE CURO”: benzedeiras da comunidade do Distrito de São
Cristóvão. Vozes de uma tradição.
Autora: Eliane Aparecida Bughay1
Orientadora: Leni Trentim Gaspari2
Resumo
O presente artigo trata da experiência realizada na pesquisa sobre as mulheres benzedeiras da comunidade do Distrito de São Cristóvão, município de União da Vitória, PR. A pesquisa teve por objetivo criar meios para fazer falar uma parcela da população que não tem a sua importante trajetória social destacada nos livros e currículos da disciplina de História. Além disso, o trabalho buscou promover – através da utilização da metodologia de História Oral - a consciência histórica das alunas e dos alunos envolvidos no projeto. Aliamos nesse trabalho a produção historiográfica acerca das mulheres benzedeiras com o estudo de fontes orais, resultado de nossas entrevistas com as praticantes da benzeção presentes no referido distrito. Como resultado, constatamos que o trabalho de benzeção na comunidade do Distrito de São Cristóvão é, em sua totalidade, realizado por mulheres, e que o ofício foi aprendido com familiares que já tinham essa tradição. Constatamos também que, parecido com o relatado na bibliografia utilizada, é comum a todas a revelação do dom para a benzeção, assim como há coincidência em rituais utilizados, moléstias tratadas e formas de tratamento. O momento mais marcante do trabalho foi o processo de entrevistas e transcrições realizado pelos alunos e alunas, onde puderam ver com outro olhar, o olhar histórico, trajetórias de pessoas da comunidade que muitos e muitas já conheciam há tempos. Isso representou que os objetivos propostos foram alcançados nesse trabalho de pesquisa.
Palavras chaves: Mulheres; Benzedeiras; História Oral.
1 Especialista em História e Sociedade, graduada em História, professora do Colégio Estadual Adiles Bordin. 2 Mestra em Educação, especialista em História e Sociedade, professora titular da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória.
1 Introdução
Quando enviamos o projeto para o Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE) no ano de 2009, tínhamos como objetivo principal encontrar meios para a melhor
utilização das fontes orais, como recurso didático em nossas aulas de História. Pari
passu a isso, tínhamos a pretensão de seguir o sugerido por Holanda apud DCE (2009,
p.37), de “fazer falar a multidão imensa de figurantes, mudos que enchem o panorama
da História”. A partir disso havia já uma grande rede de possibilidades de trabalho, pois
a História Local apresenta vários figurantes “ávidos” por saírem da mudez imposta por
toda a grande gama de assuntos que também precisam de abordagem e que gozam de
maior privilégio em nosso currículo. Mas era preciso escolher uma das alternativas. Por
opção, escolhemos as mulheres. Por necessidade de redução na escala de abordagem
e também por sugestão da orientadora do trabalho, professora Leni, escolhemos as
benzedeiras. Benzedeiras mulheres (ainda que haja benzedeiros, do gênero masculino)
tão presentes no dia a dia de nossas comunidades e tão ausentes como sujeitos
construtores da História.
Para iniciar o trabalho, era preciso um levantamento da presença das
benzedeiras em referenciais teóricos. Em obras sobre a Antiguidade, o período
Medieval e Moderno e sobre a História do Brasil, há referências às benzedeiras. No
entanto, na historiografia sobre História Local não encontramos menção a elas. Nas
obras da História Oral, encontramos subsídio para a realização do trabalho. Essa
linhagem de pesquisa trouxe com seus bons ventos a possibilidade de utilizar as fontes
orais, quando não há documentos escritos, e quando se quer fazer uma “outra” História,
parafraseando Meyhi (2002,p. 24/25).
Sendo um dos objetivos do projeto a utilização dos depoimentos orais como
importantes subsídios didáticos nas nossas aulas, a utilização dessas fontes foi
extremamente significativa. Para a elaboração do projeto de intervenção na escola,
utilizamos depoimentos orais e depois, no trabalho de campo com os alunos e alunas,
tal atividade foi repetida. Entrevistamos no total sete benzedeiras da comunidade do
Distrito de São Cristóvão. Com essa prática, pudemos conhecer suas histórias de vida
e a experiência de benzeção de cada uma, como se sentiam portadoras do dom, como
aprenderam a benzer, quais os procedimentos e/ou rituais, e também sobre as
moléstias por elas tratadas.
Em paralelo aos depoimentos orais, estudamos as obras escritas e iconográficas
sobre o assunto. Compartilhamos ideias com colegas participantes do Grupo de
Trabalho em Rede (GTR) e relatamos, nesta produção, nossos anseios, expectativas,
êxitos e dificuldades da pesquisa. A pretensão principal era dar voz a essas figurantes
mudas da nossa História e, isso realmente aconteceu, já que, tanto em nosso trabalho
de campo inicial como na sequência com o trabalho de coletas de depoimentos orais
com a turma, pudemos constatar que, apesar das mulheres benzedeiras serem
bastante conhecidas na comunidade, tinham suas importantes trajetórias de vida,
marginalizadas pelos estudos de História.
Com o trabalho pudemos constatar, entre os alunos e alunas, a consciência de
que, assim como entre as personagens que têm presença garantida nos livros de
história, as benzedeiras também têm sua importância social, e são dotadas de biografia
que explica as razões que as fizeram dedicar-se à benzeção e à forma como isso
acontece.
2 Quem são as benzedeiras. O que é benzeção.
No decorrer da história da humanidade sempre teve espaço para, lado a lado,
existirem o sagrado e o profano, a religiosidade oficial e a popular, a medicina formal,
científica e a alternativa. Em determinados espaços geográficos e tempos históricos
sempre uma se sobressai em detrimento da outra. Assim, a religiosidade popular pode
sobressair-se ante a religiosidade oficial ou a medicina formal ser menos utilizada que a
medicina popular. Por vezes podem andar lado a lado. Esse é o caso da benzeção.
Malvista e perseguida por instituições em determinado tempo, procurada e valorizada
por muitas pessoas em outras épocas, essa prática sobrevive, tendo presença bastante
forte em nosso meio social. Mas, o que é a benzeção? O que faz uma benzedeira?
Uma benzeção é uma linguagem oro-gestual com a qual algumas pessoas – detentoras de poder especial – controlam as forças que contrariam a vida harmoniosa do homem. Benzer é garantir o funcionamento da normalidade desejada e conter o mal.(GOMES, 2004. p. 19)
Oliveira (1985. p. 8/9) destaca que benzeção pode ter vários sentidos, desde
“dar a bênção” até “coroar com bom resultado, fazer benzeduras, admirar-se, espantar-
se, passar bons fluídos, produzir benzimentos” dentre outras conotações. Para este
trabalho, o que interessa em maior grau é a benzeção ligada à religiosidade popular
e/ou à medicina popular ou alternativa, a benzeção como “uma fala ao inconsciente
coletivo, de onde se retira a doença e onde se coloca, pela palavra, a saúde,
restaurando-se o equilíbrio.” (GOMES, 2004. p. 26).
Como os trabalhos domésticos e as atividades de “cuidar” do próximo foram e
ainda são em grande parte atividades femininas, apesar de haver alguns homens
praticando benzeção, benzer será quase que exclusividade das mulheres. Sendo
assim, a prática será tratada tal e qual são tratadas as mulheres em períodos históricos
e em espaços geográficos distintos.
Desta forma, na Antiguidade, a figura delas poderá estar relacionada como
virtuosas na resolução de problemas relacionados a paixões, como a “Circe de Homero,
a Medeia de Eurípides, a Canídia de Horácio”, apontadas por Laura de Mello e Souza
(1986, p.227), como grandes feiticeiras da Antiguidade Clássica.
Jean Delumeau (2009), em sua obra intitulada História do Medo no Ocidente,
faz um inventário do imaginário da população ocidental e de sua relação com os vários
medos – trevas, pestes, apocalipse. Nesses quinhentos anos de trajetória do medo,
estudada pelo autor, a mulher é, principalmente na Idade Média, relacionada a forças
do mal, mais precisamente, uma agente de Satã na Terra e, desta forma, porta-
estandarte das coisas que dão errado entre os seres humanos. Vale lembrar que,
muçulmanos e judeus, por exemplo, eram também relacionados à maldade e desta
forma perseguidos.
Nesse palco dos medos que era a Idade Média, a Igreja Católica “em uma
medida bastante ampla, somou, racionalizou e aumentou as queixas misóginas das
tradições de que era herdeira” (DELUMEAU, 2009, p.473) - da filosofia clássica
principalmente – para endemoninhar mais a figura feminina. São Tomás de Aquino,
para citar só um exemplo, bebeu da fonte aristotélica a ideia de que a mulher seria um
macho deficiente.
Ainda que os ensinamentos de Jesus Cristo ressaltassem a igualdade entre
homens e mulheres, mais uma vez a Igreja se utilizará da tradição clássica – agora
Platão, em Santo Agostinho – para menosprezar a mulher. Para o filósofo:
Todo ser humano tem uma alma espiritual assexuada e um corpo sexuado. No indivíduo masculino, o corpo reflete a alma, o que não é o caso da mulher. O homem é, portanto plenamente imagem de Deus, mas não a mulher que só o é por sua alma e cujo corpo constitui um obstáculo permanente ao exercício de sua razão. Inferior ao homem, a mulher deve então ser-lhe submissa. (DELUMEAU, 2009, p.472).
Sendo uma característica da Idade Média o medo do desconhecido, algumas
situações que a mulher tinha de diferente do homem – a questão da menstruação e da
maternidade, por exemplo – e que não se conseguia explicar, acabava por alimentar o
imaginário misógino e/ou que ligava a mulher à figura de forças da maldade, nesse
caso a Satã.
No período moderno se espalhará com mais ênfase o imaginário nocivo à figura
feminina, graças à invenção da imprensa e às atitudes da Contra-Reforma ou Reforma
Católica. Pelos interrogatórios do Santo Ofício, passaram muitas mulheres, que foram
condenadas por vários “crimes” como, por exemplo, homossexualidade, sodomia, e,
práticas de “bruxaria”. “Ao lado dos homens de Igreja, outras pessoas de peso – os
médicos, bem como os juristas – afirmaram a inferioridade estrutural da mulher”
(DELUMEAU, 2009, p.493).
O Santo Ofício, encarregado de investigar e punir práticas de heresias
enquadrava, nesta modalidade de “crime”, uma série de coisas, como por exemplo, a
homossexualidade, o culto a outras formas de divindades, que não as sugeridas pelo
catolicismo, dentre outros fatores. Nesse meio, vigiado pelo implacável policiamento da
Inquisição, há, por simples tradição herdada do paganismo e passada de geração a
geração ou – e talvez mais por isso – por necessidade das pessoas em ter um refúgio
aos seus tormentos, uma crescente repressão às práticas populares de rituais de cura,
através de orações, remédios feitos com ervas e outras.
Esses rituais, essas práticas de cura, essas – por que não dizer – medicinas
alternativas são simplificadas como atos de bruxaria, de feitiçaria. E, sendo as
mulheres, o maior número envolvido com essas práticas – já que “esse sexo é muito
mais inclinado a se deixar enganar pelo demônio”, como afirma o jurista Nicolas Remy
citado por Delumeau (2009, p.500) – consequentemente, serão elas as maiores vítimas
da Inquisição.
Em terras brasileiras, essas práticas chegam junto com tripulantes das
embarcações portuguesas. Aqui, essa herança europeia se aprimora com o acréscimo
do sincretismo, fruto das “novas cores” africanas e indígenas. Ganha espaço e
importância já que “estreitamente ligada às necessidades iminentes do dia-a-dia,
buscando a resolução de problemas concretos” (SOUZA, 1986, p.16) e muito próxima
da religiosidade popular.
Estudando o Brasil Colônia, a historiadora Mary Del Priore, em seu texto “Magia
e Medicina na Colônia: o corpo feminino” trata a questão da medicina com suas práticas
bem “precárias”, o poder dos médicos sobre o corpo da mulher, a associação de
doenças femininas como consequência de seus pecados e a importância das
benzedeiras, como alternativa, já que muito mais próximas daquilo que essas mulheres
precisam para a saúde do corpo e da alma.
Importância grande tem também as benzedeiras no Brasil rural do período
anterior ao século XX e depois disto, quando, o Estado não fazia chegar seus precários
serviços de saúde pública aos rincões brasileiros. Nas comunidades interioranas – e
vale ressaltar, principalmente na zona rural – as benzedeiras têm ainda uma
importância, uma utilidade singular para as pessoas que ali vivem. Para sanar a falta de
médicos, são as benzedeiras que acabam desenvolvendo habilidades para indicarem
remédios de plantas, simpatias, orações para os mais variados males, tanto do corpo
como da alma ou ainda
Casos que envolviam benzimento ao cavalo para a bicheira, à cabra e à vaca para darem mais leite, à plantação para que prosperasse, até às pessoas: crianças, adultos, mulheres que iam dar à luz, etc. Na roça eram poucas as benzedeiras e amplo o seu leque de atuação. (OLIVEIRA: 1985. p. 28)
Enquanto no campo a prática da benzeção tivesse esse caráter utilitário, na
cidade ela ganha outra conotação, já que “constitui uma resistência política e cultural à
medicina erudita que conseguiu proliferar os seus serviços de cura e ampliar a sua
clientela, acobertando, inclusive, os membros das classes populares. (OLIVEIRA, 1985.
p.29).
Fazer esse retrospecto histórico das benzedeiras, auxilia-nos a compreender
melhor a atuação delas na atualidade bem como as mudanças e permanências no que
se refere a essa prática.
3 Como é a iniciação na benzeção.
A benzeção, bem como a benzedeira e seus trabalhos só podem ser
compreendidos se atentarmos para o fato ou os fatos que a levaram a iniciar tal prática.
Muitas das vezes pode estar ligada à herança familiar, onde a mãe ou a avó são ou
eram benzedeiras. Porém, mesmo nos casos onde a prática é resultado de herança
familiar, haverá a sinalização para a descoberta de a mulher ser possuidora de um dom,
revelado em algum momento da vida.
Geralmente a descoberta do dom pela benzedeira ocorre paralelamente ao reconhecimento de algum acontecimento forte em sua vida. Um pedido de auxílio para uma situação desesperadora, vindo de poderes sobrenaturais (ou) outras situações em que ocorre o reconhecimento da existência do seu dom: quando a benzedeira depara com alguma doença incurável; quando ocorre uma revelação, por exemplo, uma visão de que uma santa a protege numa estrada perigosa; ou quando ela ouve uma voz que a orienta no sentido de retribuir às
pessoas, a graça da benção que recebe dos santos; ou ainda, quando, na ausência de outras benzedeiras, ela precisa aprender o conhecimento do trabalho para poder benzer as crianças que ficavam doentes. Às vezes recebe o dom de pessoas de sua família, como de uma avó, de uma tia; outras vezes, quando possui uma característica de bondade ou de habilidade para ajudar as pessoas, e isso é identificado por outra pessoa como sendo um dom, ou tem-se ainda todas essas situações combinadas de diversas maneiras entre si. (OLIVEIRA, 1985.p. 34)
Após o processo do recebimento do dom, chega-se à hora de aprender ou de
pôr em uso os rituais necessários aos benzimentos. Quando já há a tradição de
benzedeira na família, os rituais utilizados poderão ser os mesmos utilizados pela mãe,
avó, pai, avô, etc. Quando não procede dessa maneira, a nova benzedeira aprenderá
através de sinais conseguidos junto às instituições religiosas em que frequenta e
acredita. Pode aprender ainda quando, “através da oralidade, algumas formas de
benzeções caem no conhecimento geral.” (GOMES, 2004. p. 20).
Em seguida ao aprendizado ou utilização dos rituais que aprendera, é
necessário que a benzedeira se legitime como capaz de se utilizar bem daquele dom
que lhe foi conferido, e isso ocorre em outra sequência de momentos.
Primeiro, como já se disse, quando ela percebe o seu dom. segundo, quando ela começa a acreditar na sua capacidade de curar, reconhecendo-se preparada para tanto, ou seja, quando ela começa a produzir benzeções às pessoas de sua esfera familiar, às pessoas de suas relações consanguíneas, como aos filhos, irmãos e sobrinhos, conhecendo um tipo apenas de benzeção. Terceiro, quando ela estende a sua prática aos vizinhos, amigos e famílias que moram na sua comunidade. (...) Quarto, quando ela começa a ficar mais conhecida, sendo procurada por pessoas de fora da comunidade. (OLIVEIRA, 1985. pg. 40/41).
Na produção bibliográfica e nas fontes consultadas, há essa coincidência.
Como serão coincidências também as moléstias curadas e alguns rituais e elementos
utilizados. Gomes (2004) em sua obra “Assim se benze em Minas Gerais”, destaca
algumas moléstias comumente tratadas pelas benzedeiras. A partir de suas pesquisas
encontrou referências a tratamentos de espinhela caída e ventre virado, quebranto e
mau-olhado, cobreiro, erisipela, dor de dente, pé destroncado, íngua, terçol, unheiro,
impinge, bicheira de gado, inflamação no peito, dor de cabeça, azia, engasgado,
queimadura e fogo selvagem, mordida de cobra, dentre outras. Oliveira (1985, p.48)
ainda destaca que
É muito comum nos consultórios populares da benzedeira, mães virem se queixar de que seus filhos apresentam problemas como bichas, semioto, brotoeja, coceira, sapinho, bronquite, destroncadura, mau-jeito (...) ou que suas crianças estão assustadas, com quebrante, mau-olhado, inveja, olho gordo ou moleza e abrição de boca. Ou as próprias mães apresentam problemas de recaída de dieta, barriga caída, varizes, hérnia, dores no peito (...); pessoas com encosto que procuram pela benzedeira para fazer uma demanda.
Para a prática de benzeção, são utilizadas “jaculatórias, isto é, orações curtas,
simplificadas, reduzidas, fervorosas e suplicantes.” (OLIVEIRA, 1985. p. 59). De acordo
com Gomes (2004. p. 7) além das orações, ou, concomitantes a elas pode-se usar
excrementos - como saliva, sangue, leite, unha e cabelo - simbologia – círculo, cruz,
signo-de-Salomão, a oposição homem x mulher, a dupla direção esquerda e direita,
forças celestes, dentre outras - e elementos naturais como água, fogo, ar, terra e
vegetação.
Também a partir de Gomes (2004) a água representa a fonte de vida e meio de
purificação já que leva e lava o mal. O fogo é símbolo da força e do poder divino, pois
simboliza a iluminação e purificação e, por irradiar luz e calor, é símbolo da força e do
poder divinos, usados para separar o bem do mal. O elemento ar é utilizado por estar
associado ao vento e ao sopro, sendo uma representação sensível da vida invisível. A
terra é símbolo de fecundidade e regeneração e a vegetação é muito utilizada através
dos ramos de diversas plantas que servem como intermediários para produção do efeito
da cura.
Oliveira (1985) destaca ainda que há uma recriação das benzeções na cidade.
Em tempos passados, no campo, a tradição benzedeira era em sua grande maioria
ligada a elementos do catolicismo. Com a diversidade religiosa urbana, ocorre então
uma recriação, uma adaptação das benzeções, e a entrada e valorização de novos
recursos para a prática. Utiliza-se a Bíblia, para os casos de benzedeiras evangélicas,
guias espirituais entre benzedeiras umbandistas e imposição de mãos, para
benzedeiras esotéricas. A autora ainda destaca a utilização de óleos, sal, rosários,
cruzes e imagens de santos católicos e divindades umbandistas.
A partir do trabalho das autoras aqui consultadas, percebe-se que ocorreu um
aumento do número de benzedeiras, mesmo quando a oferta da medicina formal teve
expansão. E foi isso, em grande parte, que colaborou para que essa pesquisa se
realizasse. Através de um levantamento anterior ao trabalho pode-se perceber no
Distrito de São Cristóvão a atuação de pelo menos quinze benzedeiras. Esse fato
“exige” que seja dada visibilidade histórica a esse grupo de mulheres que tem em suas
práticas importância bastante marcante para uma parcela considerável de nossa
população.
4 A comunidade de São Cristóvão.
O distrito de São Cristóvão faz parte da cidade de União da Vitória, separando-
se do centro urbano pelo rio Iguaçu e conta com diversos bairros e conjuntos
habitacionais. Porém, as pessoas residentes nessas comunidades costumam apenas
declarar que moram em São Cristóvão.
Isso talvez se deva, em grande parte, à forma que o distrito foi se formando
como ajuntamento urbano. Era uma parte da Colônia Passo do Iguassú, grande
latifúndio do Coronel Amazonas, o primeiro prefeito da cidade – que acabou sendo
loteada e vendida às pessoas que chegavam oriundas em sua maioria da zona rural do
município que já não oferecia meios de sobrevivência através da agricultura.
As primeiras casas acolá construídas não ocupavam de maneira ordenada o
espaço, diferentemente de hoje, quando há milhares de casas em mais de uma dezena
de bairros e conjuntos habitacionais. Assim, o costume dos primeiros moradores ainda
permanece na região, denominando o lugar apenas como São Cristóvão que, por sua
abrangência e desenvolvimento, passou à categoria de Distrito com foro e
subprefeitura. E mais, as pessoas, quando vão para o centro da cidade, costumam
ainda dizer que vão para a cidade, como se essa parte residencial urbanizada não
fizesse parte do mesmo todo.
Foi a partir da década de 1930 que o atual Distrito de São Cristóvão passou a
receber os operários das madeireiras, bastante atuantes na época. Depois, a cidade de
União da Vitória já caminhava para seu meio centenário. Já tinha visto a Guerra do
Contestado passar e o nascimento de sua “Gêmea do Iguaçu” - Porto União. A
navegação a vapor entrara quase em desuso e o trem era o grande responsável pela
distribuição para outras partes do país de algumas riquezas daqui extraídas.
A população urbana ia superando rapidamente em número a que vivia no
campo. Foi assim que se iniciou e cresceu o Distrito de São Cristóvão que hoje, em
seus diversos bairros abriga mais de 15 mil pessoas. Além do Colégio Estadual São
Cristóvão, segundo fontes oficiais, o maior do município, o Distrito conta ainda com
outros quatro colégios: Adiles Bordin, Inocêncio de Oliveira, Giuseppi Bugatti e Neusa
Domit.
O Colégio Estadual Adiles Bordin, onde desenvolvemos o projeto, atende em
torno de setecentos alunos e alunas oriundos dos bairros a Oeste do Distrito: Cidade
Jardim, Bom Jesus, Bento Munhoz, Panorama, Bandeirante, Salete, São Braz e
Sagrada Família. O trabalho foi realizado em uma turma do segundo ano do quarto
ciclo.
5 Dando voz a figurantes mudos da História.
A justificativa para a realização do trabalho de pesquisa foi influenciado em
grande parte pela passagem de Sérgio Buarque de Hollanda (apud DCE 2009, p.37),
quando ressalta que é preciso “fazer falar a multidão imensa de figurantes mudos que
enchem o panorama da História”. Para este propósito, buscamos aliar a pesquisa
bibliográfica sobre nossa temática, com a história local – e consequentemente com a
história oral - pretendendo dar voz às mulheres benzedeiras e a suas práticas, trazendo
à tona a historicidade das mesmas, além de confrontar o relatado de suas experiências
com outras práticas de benzeção documentadas em outros meios.
Com a realização do trabalho, tivemos a pretensão de incrementar ações
pedagógicas, utilizando a história local e consequentemente a história oral, como
possibilidade de aproximação do aluno e da aluna com o ensino e com a produção do
conhecimento histórico, desenvolvendo com eles e elas a capacidade de analisar e
interferir nesse meio, onde vivem, promovendo visibilidade e consequentemente o
respeito e valorização dessas mulheres junto à comunidade.
6 A experiência com história oral.
Desde o início utilizamos a metodologia da História Oral, gravando as
entrevistas com as três primeiras benzedeiras para as atividades iniciais de nosso
projeto.
Nos meses de maio e junho de 2010, realizamos os contatos e entrevistas com
as benzedeiras Helena Cordeiro, Josefa Podgurski e Elvira Lima da Silva, que moram e
trabalham no bairro São Braz, no Distrito de São Cristóvão.
Também conhecida como Dona Senhorinha, Helena Cordeiro atualmente tem
74 anos e, devido a problemas de saúde, não pratica mais a benzeção.
Filha de pequenos agricultores do município de São Mateus do Sul veio ainda
criança morar na Colônia Pedreira, em Paula Freitas, e com 14 anos perdeu sua mãe
que era, além de agricultora, dona-de-casa e fabricante artesanal de farinha,
benzedeira e parteira e, por coincidência, morreu em trabalho de parto, na nona
gestação. Seu pai trabalhava na lavoura e benzia picadas de cobra.
Ela recebeu a “determinação” de ser benzedeira através de uma promessa feita
por sua mãe. Quando era criança ainda, Helena padecia de uma moléstia que lhe
causava desmaios com bastante frequência. Segundo ela, sua mãe fizera uma
promessa. Se a filha sarasse daquele problema de saúde, receberia o compromisso de
continuar benzendo, quando a mãe viesse a falecer.
Sua mãe faleceu quando estava em trabalho de parto da 9ª gestação. Dona
Helena, com 14 anos de idade não queria ser benzedeira, porém ela relata que certa
vez em um baile na comunidade em que morava, uma criança teve uma forte
hemorragia e enquanto esperavam um automóvel para levá-la ao hospital, ela percebeu
que era a hora de atender a vontade e a promessa da mãe.
Me deu aquela vontade de ajudar assim, sabe. Falei, vamos lá no quarto que eu quero ver essa menina. Ela disse: a senhora benze? Eu: benzo sim. Daí eu: não. Eu não benzo, mas, sei fazer uma oração. Fui lá no quarto e fiz minha oração que nem minha mãe. Fiz minha oração e daí pedi uma cabeça de palha. Tirei a lasquinha, fiz a cruzinha, tirei o sangue da menina, fiz a cruzinha e fiz na testa e nas mãos. Mas olha, não levou nem dois minutos o sangue estancou, daí essa menininha não precisou levar no médico. (...) Daí eu falei: É bom vocês procurar um médico, talvez precise fazer, queimar aquela veinha, que minha mãe sempre mandava pro médico, sempre mandava. (...). E daí eu fiquei faceira de acudir a menina e fiquei encabulada né, moça nova. (CORDEIRO, 2010. Transcrição de áudio)
A partir daquela primeira benzeção passou a ser procurada pela comunidade e
por pessoas que vinham de outros lugares em busca de ajuda. Quando casou, veio
morar em São Cristóvão. Seu marido, operário de indústria madeireira não queria que
ela benzesse. De início ela até atendeu a vontade do marido. Depois, porém, recebia as
pessoas que a procuravam em horários que seu marido estivesse na fábrica.
Em suas benzeções, faz orações que aprendeu com a mãe. Utilizava-se de
raminhos de plantas para os rituais e também para a confecção de chás e pomadas,
tudo herança da tradição familiar. Benzia desde crianças a pessoas idosas. Das
moléstias mais simples até as mais complicadas, além de abrir caminhos para que as
pessoas fossem bem no trabalho, nos negócios e no amor. Católica praticante,
inclusive da Legião de Maria – grupo de orações e ações em nome da Mãe de Jesus
Cristo - pedia em seus benzimentos a interseção de Nossa Senhora, outros santos e
santas católicas, além da grande fé em São João Maria.
Deixou de benzer em virtude de uma doença na perna esquerda que a
impossibilita de permanecer em pé. A tradição de benzedeira da família, porém, já
passou a uma de suas filhas que aprendera vendo a mãe em seu trabalho de benzeção
ao longo da vida.
Josefa Podgurski era moradora da localidade de Rondinha, no vizinho
município de Paula Freitas. Está atualmente com 75 anos. Mora a mais de quarenta
anos em São Cristóvão.
Segundo ela, tão logo chegou ao bairro, já começou a fazer benzimentos, que
diz ter aprendido por conta própria. Seus filhos e noras traziam as crianças, suas netas,
para benzer. Com o tempo a notícia de que ela tinha o dom da benzeção foi se
espalhando na comunidade e muitas pessoas passaram a lhe procurar, algumas
inclusive vindas de muito longe.
Para os benzimentos que faz se utiliza da cera de abelhas, da palha de linhaça
e dos talos de couve. A cera de abelhas é utilizada da seguinte forma: depois de
aquecida em fogo, a cera é derramada na água de uma vasilha que fica sobre a cabeça
da pessoa a ser benzida. Enquanto isso, dona Josefa faz uma oração em voz baixa.
Esse procedimento é utilizado para a retirada de susto ou nos casos – principalmente
em crianças – de “bicha”, nomenclatura popular para vermes.
A palha de linhaça utilizada é resultado do trabalho artesanal realizado pela
própria benzedeira. Em seu quintal, ela cultiva o vegetal desde o plantio, na lua
crescente do mês de julho até a colheita, para os demais tratamentos. Para a produção
da palha utilizada por ela nos benzimentos, há um processo de tratamento da linhaça
colhida. Primeiramente, é deixada de molho em um tanque de lavar roupas durante o
período de nove dias. Neste tempo, a água do tanque é trocada várias vezes. Depois
disso, seca-se a linhaça ao sol, maceta e está pronta para a utilização que consiste em
enrolar nove pedacinhos da palha sobre um paninho que ficará sobre a cabeça ou
sobre as pernas da pessoa benzida. Acende-se a palha e durante a queima é feita uma
oração.
O talo de couve é utilizado para benzimentos de “cobreiros”, nome popular de
alergias e outras afecções da pele. Aí ela corta o vegetal sobre a área infectada. Nesse
processo utiliza-se também de oração.
Dona Josefa é católica do rito ucraniano e frequenta a Igreja Santíssima
Trindade, à qual visita todas as quartas-feiras, quando vai à novena das 16 horas e aos
sábados, dia de missa. Faz parte também do Apostolado de Mulheres da Igreja
Ucraniana, participando dos encontros que ocorrem todo primeiro domingo de cada
mês. Tem boa relação com os padres de sua igreja que entendem seu trabalho como
um dom de Deus. Alguns inclusive até a procuram para receber benzimentos.
Em relação à medicina formal, nunca sofreu nem um tipo de discriminação.
Segundo ela, atende casos em que a medicina não resolve e se as pessoas a procuram
é porque tem fé e acreditam que possa resolver os seus problemas.
Josefa não indica ou faz qualquer tipo de remédio. O muito que sugere é um
chazinho de hortelã para criança com bicha. No passado, fazia garrafada para as
mulheres que tinham bebês, mas hoje, devido ao grande trabalho que isso ocasiona,
não faz mais. Pensou várias vezes em parar de benzer, mas, como a procura é muito
grande, não consegue deixar de lado a prática, apesar de ter reduzido bastante os
horários de atendimento que atualmente ocorrem somente às segundas e sextas-feiras
à tarde. Cobra uma pequena quantia pelos benzimentos para cobrir as despesas que
tem com a cera de abelhas e o gás de cozinha.
A continuação da tradição benzedeira na família já está garantida, pois uma de
suas filhas já pratica benzeção em Paula Freitas, município onde mora.
Elvira Lima da Silva é uma afro-brasileira de setenta e nove anos que nasceu
em Joaçaba, SC, e cresceu no interior de Palmas, PR. Seu pai era tropeiro e benzedor.
A mãe era dona-de-casa, agricultora, parteira e benzedeira.
Herdou deles o ofício da benzeção. Embora tenha dito que seu pai lhe ensinara
mais benzimentos, foi com sua mãe que aprendeu a ser parteira, realizando muitos
partos, quando ainda morava no interior e depois, quando veio morar em São
Cristóvão, em 1974. Dona Elvira relata que também aprendeu com outras benzedeiras
e teve influências religiosas.
Sempre trabalhou fora de casa nas funções de cozinheira e zeladora. Por vezes
chegava do trabalho e encontrava filas de pessoas a sua espera. Não deixava ninguém
sem atendimento. Atualmente atende nas segundas, quartas e sextas-feiras e é
procurada por pessoas de todas as classes sociais, desde as mais pobres até as com
melhores condições financeiras, como padres e médicos.
Em seus benzimentos, vira cera, faz simpatias, orações e garrafadas para
resolver os mais variados problemas. Nas crianças que estão “fora de medida” ou com
o “peito aberto”, por exemplo, utiliza o rosário. Em cada mistério ou dezena, mede “uma
juntinha. Daí se faltar (medida) a gente vai fazendo até melhorar, com as simpatias.”
(SILVA, 2010. Transcrição de áudio). Para casos de bronquite são feitas simpatias e
remédio com leite e aveia. Várias pessoas a procuram para resolver “atrapalhos” nos
negócios e em decorrência de espíritos ruins. Outro problema que por vezes aparece é
o caso de criança embruxada. Segundo ela “tem um bicho que chupa a criança, que vai
se terminando.” (SILVA, 2010, transcrição de áudio).
É procurada, mas não realiza trabalhos que venham prejudicar outras pessoas.
Intercede por Nossa Senhora da Aparecida, São João Maria, São Gonçalo, São
Benedito e Maria Bueno.
No passado indicava muitos remédios feitos de plantas medicinais. Atualmente
abandonou essa prática. “Tenho livros de ervas, mas não faço, por que tem a Pastoral
(da Saúde) agora. Então, pra que se envolver.” (SILVA, 2010. Transcrição de
entrevista).
Apesar de sua idade, diz não se cansar de atender as pessoas, acha que fará
isso para sempre. Não cobra pelos trabalhos, mas as pessoas sempre lhe dão, por
gratidão dinheiro, alimentos ou outros presentes. Além de atender mais ou menos
cinquenta pessoas por expediente, é ela que cozinha e realiza outras atividades
domésticas. Dos dez filhos e filhas que têm, a mais nova que mora com ela já aprendeu
muito de benzeção, embora diga não querer assumir os trabalho.
Além dessas três benzedeiras entrevistadas para servirem como suporte para
as etapas do trabalho anteriores à sala de aula, durante a implementação do projeto,
juntamente com os grupos de alunos e alunas pudemos conhecer especificidades da
prática de benzeção de outras quatro mulheres, Suzana Lorkievicz da Costa, Ida
Schvebel Tanazildo e Tereza Pereira Bonetes e Lúcia Cardoso dos santos Paulek.
7 Experiências em sala de aula.
Antes de falar das quatro benzedeiras entrevistadas pelos alunos e alunas, faz-
se necessário a explicação sobre o encaminhamento do trabalho na escola.
Em nossa primeira aula, tratamos de dialogar com a turma acerca do Projeto
PDE, do projeto de pesquisa e da necessidade de cooperação entre professora e turma
para a realização do trabalho de forma satisfatória.
Após as devidas explicações, buscou-se diagnosticar o conhecimento prévio
que a turma tinha acerca da prática da benzeção. Suas contribuições, por mais senso
comum que parecessem, foram registradas no quadro. A seguir, iniciamos a leitura da
produção didático-pedagógica, com diálogo paralelo sobre conceitos básicos, como
benzedeiras e benzeção. Pedimos ao final da aula uma produção de texto, quando
cada aluno e aluna relataram o que sabiam sobre benzeção. Nesses textos pudemos
perceber que as benzedeiras têm presença muito viva no cotidiano da comunidade,
sendo os familiares e os próprios alunos e alunas, grandes utilizadores do trabalho
realizado por essas mulheres.
Em nossa segunda aula, discutimos questões referentes à história oral com o
objetivo de familiarizá-los com a metodologia básica, para realizar os trabalhos de
campo e para ter a compreensão da importância das fontes orais para o trabalho do
historiador e sobre a importância de “fazer falar a multidão imensa de figurantes mudos
que enchem o panorama da História”, como sugere Holanda (apud DCE 2009, p.37).
Lembramos juntos de Heródoto, tido por muitos como o “pai da História” e de
suas experiências, ouvindo fatos que as pessoas lhe contavam, registrando-os por
escrito para posterior “publicação” nas praças de seu tempo. Foram apresentadas as
normas para utilização da História Oral e a importância de segui-las a fim de dar a elas
credibilidade científica.
Na terceira aula, trabalhamos com a presença das benzedeiras em relatos
históricos de diferentes épocas e autores. Isso foi feito através de recortes e análises de
produções da historiografia que continham referências à prática de benzeção.
Utilizamos também recortes do filme “O Poço e o Pêndulo” (EUA, 1991).
O objetivo principal desta aula era fazer com que a turma percebesse que as
benzedeiras foram tratadas em cada época conforme a maioria das mulheres eram
tratadas pela sociedade. Logo, no período medieval e durante a Reforma Católica, as
benzedeiras foram duramente perseguidas e acusadas de ligações íntimas com forças
sobrenaturais.
A atividade proposta aos alunos e alunas consistiu em analisar imagens
referentes a instrumentos de tortura, utilizados pela Inquisição contra as mulheres
consideradas bruxas. Isso serviu, para que tivessem conhecimento sobre a violência
sofrida por mulheres em determinados períodos históricos. O resultado dessa atividade
foi socializado através da confecção de cartazes, expostos pela turma.
Após conhecerem a relação das benzedeiras na História, conforme as
condições das mulheres, em cada período, avançaram nos estudos acerca da prática
da benzeção.
Por meio do subsídio do texto O que é Benzeção de Elda Rizzo de Oliveira, de
algumas produções em vídeos e de fontes orais, resultado das entrevistas realizadas
por mim com benzedeiras da comunidade, dialogamos sobre o início de tudo, a
descoberta do dom para a benzeção. Por meio da análise dos vídeos documentários “A
sagração do Cotidiano: benzeduras” (Brasil, 2009) e “Benzeduras” (Brasil,2008) a turma
pode perceber, ao mesmo tempo, as experiências das benzedeiras e também a
importância dos relatos orais para a preservação da cultura popular, bem como para a
construção da história a partir de cada sujeito.
Em nossa quinta aula, tratamos de conhecer e debater mais o trabalho das
benzedeiras e a prática da benzeção. A partir das fontes orais, geradas durante as
outras etapas do projeto, a turma pode conhecer o que cada benzedeira benzia
especificadamente, quais os rituais utilizados e como aprenderam a fazer tais rituais. A
turma depois foi dividida em três grupos. Cada um tratou de estudar os depoimentos
dados por uma das três benzedeiras para, em seguida, apresentar o perfil de dona
Josefa Podgurski, dona Helena Cordeiro e de dona Elvira da Silva. O objetivo foi
alcançado, já que consistia em conhecer como cada uma recebeu o dom, como
começou a benzer, o que benze, quais os rituais utilizados, dentre outras informações.
Para o trabalho de campo, alunos e alunas realizaram levantamento da
presença de benzedeiras nas comunidades em que moram, isto é, nos bairros do
Distrito de São Cristóvão. Isso feito, os alunos e alunas escolheram as benzedeiras que
seriam entrevistadas, tendo como subsídio um roteiro de questões a serem exploradas,
a fim de se ter as informações básicas para a realização do trabalho. Alguns alunos
tiraram fotos do ambiente de trabalho e, da maneira, como as suas benzedeiras
benzem. Posteriormente socializaram esse material para os colegas em sala de aula.
Após a leitura de textos, da análise das fontes orais apresentadas à turma,
dialogamos sobre o público que procura as benzedeiras. Como atividade de campo,
alunos e alunas tiveram de sair para uma pesquisa com aplicação de questionários às
pessoas que procuram as benzedeiras. O resultado desta pesquisa de campo será
destacado após apresentarmos as considerações a partir das entrevistas realizadas
pela turma.
8 As benzedeiras entrevistadas pela turma
A turma de trinta e dois alunos foi dividida em cinco grupos. (Tabela 1). Cada
grupo, após levantamento do número de benzedeiras de São Cristóvão, deveria
escolher uma delas e realizar contato para explicar o trabalho, agendando a entrevista.
Além disso, tinham a atribuição de colherem respostas a um questionário sobre o perfil
das pessoas que procuram as benzedeiras. Desses cinco grupos, um (grupo 4) teve
dificuldades para realizar a atividade, não conseguindo contatar e entrevistar nenhuma
benzedeira. Os outros quatro grupos (1, 2, 3 e 5) realizaram o trabalho com bastante
entusiasmo e o resultado disso será aqui destacado.
O grupo um entrevistou a senhora Suzana da Costa. Atualmente está com 61
anos de idade e realiza benzeção desde os 14 anos. Teve formação católica, mas
atualmente é evangélica participante da Igreja Internacional da Graça de Deus. Não
gosta de ser chamada de benzedeira, pois, segundo ela, as pessoas que a procuram
são curadas pela própria fé. Cita trechos de livros da Bíblia para justificar as diferenças
de sua prática com o que é habitual em outras benzedeiras. Não usa imagem de
nenhum santo ou divindade. Ampara-se somente nos ensinamentos bíblicos para
interceder na resolução de problemas das pessoas que a procuram. Dentre esses
problemas cita pessoas com dificuldades para conseguir emprego, brigas de família e
adolescentes drogados. Algumas pessoas que não podem ir até sua casa, são
atendidas por telefone. Segundo ela, o pastor de sua Igreja entendeu que ela recebeu
esse dom de Deus e que por isso deve ser seguido.
Grupo 1
Cleisson; José Augusto; Felipe Cristiano; Gustavo Renato; Cheila Daiane;
Vanessa e Wellington Renan.
Grupo 2
Dionatam Leandro; Anny; André Luis; Tatiana; Jonatas e Carolaine.
Grupo 3
Leandro; Graciele; Sandra; Ana Paula; Luana e Jessica.
Grupo 4
Maicon; Maicons; Robson; Daniel; Paulo e Tiago Luiz.
Grupo 5
Betina; Jocelaine; Viviane; Débora; Gabrielle; Karine e Wilson José.
Tabela 1- Relação dos alunos que participaram das entrevistas.
O grupo dois entrevistou a senhora Ida Schevebel Tanazildo, conhecida como
Tia Ica e moradora do bairro Bom Jesus que apesar de benzer por muito tempo,
atualmente não pratica a atividade por motivos de ordem particular.
Ela atendia em sua casa principalmente crianças que eram levadas para
resolver problemas de quebrante, susto e bichas. Em seu ritual, ela colocava
a criança sentada e daí diz o nome da criança e reza uma Ave Maria. Daí, diz mais uma vez o nome da criança, reza mais uma Ave Maria, mas com a canequinha de cera. Daí, diz mais uma vez o nome da criança e reza mais uma Ave Maria. Daí derrama a cera numa xícara de água, daí da três golinhos pra criança tomar. Daí tira a cera e joga a água pro lado que o sol some. (TANAZILDO, 2010. Transcrição de entrevista)
Aprendeu a benzer com sua mãe que era também benzedeira. Após seu
falecimento, dona Ida assumiu a herança deixada pela mãe, um pouco por vontade
própria, mas também por necessidade, já que tinha treze filhos que regularmente
apresentavam problemas de saúde e precisavam de benzimentos.
O grupo três entrevistou a senhora Tereza Pereira Bonetes moradora do
Conjunto Panorama e avó do aluno Leandro dos Santos Bonetes, participante do grupo.
Segundo a entrevistada, o ofício de benzedeira é herança de sua mãe. Dona
Tereza recebe em sua casa pessoas que a procuram para resolver problemas de
bichas, machucadura, ar e dor de cabeça. Em seus rituais, utiliza-se de fio de costura,
água e tesoura e diz nove palavras, as quais guarda em segredo. “Há uma confiança na
magia das palavras desconhecidas e muitas vezes o benzedor (no nosso caso a
benzedeira) se recusa a ensiná-las, já que lhes foram transmitidas sob essa condição
de não revelação.” (GOMES, 2004. p.12).
O grupo cinco entrevistou a senhora Lúcia Cardoso dos Santos Paulek,
moradora do bairro Salette.
Ela é também oriunda de família de benzedeiras. Quando era jovem, não queria
saber de seguir o caminho de sua mãe, não queria benzer. Porém, quando tinha vinte e
três anos, seu filho ficou muito doente. Ela então o benzeu e prometeu que se ele
melhorasse, continuaria benzendo outras pessoas. Como ele sarou, continuou com a
prática da benzeção como forma de agradecimento.
Em seus relatos aponta que benze todo tipo de enfermidade, dando destaque
para mau olhado, inveja, criança com bichas, dor de dente, dor de cabeça, dor na vista
e machucaduras. Em seus rituais, utiliza-se de cera e água, além do galho de arruda,
aliados a orações para Santa Catarina. Para as machucaduras, utiliza um pano e
agulha. Ao costurar, fala para a pessoa que sendo benzida para repetir: “carne rasgada,
osso quebrado”.
Durante as entrevistas, os alunos e alunas tiveram grande hospitalidade por
parte das benzedeiras, além de grande dose de carinho, respeito e valorização da fé
nos relatos em que apresentavam suas experiências na prática da benzeção.
No desenvolvimento do trabalho foram preenchidos vinte questionários,
aplicados às pessoas que se utilizam do trabalho das benzedeiras. Das pessoas que
responderam, dezenove eram do gênero feminino e uma do masculino e com idade
entre quinze e 64 anos. São procuradas por diversos motivos, quebrante em crianças,
peito aberto, bicha, susto, mau olhado, falta de medida, dor de dente e falta de serviço
médico. Todas destacaram também que além de irem à benzedeira vão também ao
posto-de-saúde para consultar o médico ou a médica, mostrando que uma alternativa
não invalida a outra.
Na avaliação que fizemos com a turma acerca do trabalho de campo,
percebemos resultados satisfatórios, pois só o simples fato de estarem deixando o lugar
comum da sala de aula, para visitar pessoas da comunidade, já despertou neles e nelas
um entusiasmo grande. Das entrevistas, lembraram que as dificuldades que
apareceram estavam mais ligadas à timidez durante o diálogo gravado com a pessoa
entrevistada e, também, no processo de transcrição devido à qualidade não muito boa
do áudio captado. Muito embora, percebeu-se que o momento da transcrição foi o de
maior socialização entre os membros do grupo, talvez por estarem percebendo a
materialização do trabalho realizado.
Outros resultados que merecem ser destacados como pontos positivos na
avaliação é a referência à História Oral como criadora de uma fonte que ficará para a
posteridade, registrada no áudio. A partir deste destaque feito pela turma, atentamos
para um fato que havia passado despercebido, qual seja disponibilizar na escola o
acervo com as entrevistas em áudio e transcritas, antes pensadas serem mantidas em
nosso poder somente. Na transcrição escrita, foi relevante a compreensão do
conhecimento das práticas das benzedeiras além do que está presente em obras que
as mencionam nos períodos em que eram discriminadas e vistas como bruxas. Foi um
encontro com história muito próxima da sua realidade, o que em nosso entender dá
sentido ao conhecimento histórico do aluno.
9 O trabalho em rede.
Em etapa anterior à implementação do projeto na escola, dialogamos com os/as
colegas educadores, participantes da etapa em formato EAD (Educação à Distância).
Dessa experiência, a troca de ideias e abertura de novas possibilidades de trabalho
auxiliaram bastante na execução dos trabalhos em sala de aula, abriram novos
caminhos e inspiraram novas ideias.
O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) sob minha responsabilidade contou com
a interação de seis colegas professores e professoras - Edilene Hatschbach
Graupmann, Paulo Roberto Esbabo, Vera Lúcia Pergo, Evandro Carlos de Resende,
Débora de Paula Chiesa e Sueli Regina Guse - que encaminharam suas considerações
e colaborações ao projeto.
O professor Paulo Roberto Esbabo destacou a presença de menções a práticas
de benzeção em obras de literatura brasileira e argentina, como em “O Tronco de Ypê”
de José de Alencar e em “Dom Segundo Sombra” de Ricardo Guiraldes. O primeiro,
conforme ressaltou o colega Paulo, trata-se de uma obra fictícia do romancista
brasileiro que, no capítulo “O feiticeiro”, apresenta uma leitura preconceituosa das
práticas de benzeção. O segundo cita os diversos tipos de tratamento para animais,
utilizados no dia a dia dos tropeiros argentinos. A participação do colega o animou para
continuar pesquisando a temática sobre outro viés, a presença da prática de benzeção
em obras da literatura brasileira:
Pensei que uma pesquisa assim, voltada para o curandeirismo, as simpatias e as benzeções na literatura brasileira poderiam dar início a uma nova e instigante forma de pesquisa, geradora de conhecimento histórico, de aprendizado e de crítica à produção literária de nosso país, que pode ser analisada do ponto de vista das ideias que afirma (expressas a partir das caracterizações de cada personagem criado para aquela obra e situado, histórica, cultural e socialmente).
Um aprendizado de História de mãos dadas com a literatura e a língua portuguesa.
A história oral também teve importância destacada como sendo possibilidade
de conhecer as emoções dos sujeitos envolvidos, que podem transparecer na variação
de tom de voz, nas diferentes durações de seus silêncios e nas emoções captadas pelo
aparelho de gravação.
Vera Lúcia Pergo destacou que o trabalho de coleta de depoimentos de
benzedeiras da comunidade pode ser uma possibilidade dos alunos e alunas poderem
“enxergar” de forma diferente aquelas pessoas que achavam que já conheciam,
reconhecendo de outra maneira a realidade até então enevoada por outras causas.
Além do destaque da possibilidade de pesquisa da presença de benzedeiras
em obras de literatura brasileira, surgiu a sugestão da colega Edilene Hatschbach
Graupmann para o trabalho da História em interdisciplinaridade com a Biologia, por
exemplo, a partir do viés da utilização das plantas medicinais.
De uma forma geral, entre colegas, o importante foi a concordância para o fato
de se estar dando voz e visibilidade a figurantes excluídas da história oficial, no caso as
benzedeiras e, colaborando, para que alunos/as e demais pessoas da comunidade
sintam-se parte integrante na construção do processo histórico.
10 Considerações finais
No trabalho de campo realizado pela turma, bem como durante nossa saída à
comunidade, não encontramos referência a nenhum benzedor do gênero masculino. “A
presença da mulher é marcante no mundo da religiosidade popular e é ela, numa
maioria quase absoluta, quem conhece o segredo das palavras e dos gestos capazes
de exorcizarem o mal.” (GOMES, 2004. p. 11-12). Em materiais de apoio à pesquisa –
como no documentário “Benzeduras: a sagração do cotidiano” – há a presença de
homens, mas de forma muito tímida. Sendo assim, a benzeção é uma prática feminina,
foi e é tratada à maneira como as mulheres são tratadas e/ou valorizadas pela
sociedade em qualquer período histórico. Se na Idade Média e Moderna eram
perseguidas por cederem facilmente a Satã (DELUMEAU, 2009) em outros períodos
podem ser úteis, desde que não entrem em conflito com as formalidades da medicina e
da religião católica. Atualmente a benzeção é “aceita” como nas outras funções
delegadas à grande maioria das mulheres, o cuidar do próximo.
Sobre a prática de benzeção, há algumas coisas em comum entre benzedeiras
de diferentes tempos e espaços geográficos. Uma delas é a “hereditariedade” da
função de benzedeira ou da forma que recebem o “dom” de benzer. Oliveira (1985, p.
34) destaca em sua pesquisa que muitas benzedeiras recebem “o dom de pessoas de
sua família, como de uma avó ou de uma tia.” Das sete benzedeiras entrevistadas
durante a pesquisa, somente com duas – Josefa Podgurski e Suzana da Costa – não
procedeu dessa maneira. Helena Cordeiro, Elvira Lima da Silva, Lúcia Cardoso dos
Santos Paulek, Tereza Bonetes e Ida Tanazildo, receberam o ensinamento de alguém
de sua família, da mãe, em quase todos os casos. Dona Josefa Podgurski diz ter
aprendido sem o ensinamento de ninguém e dona Suzana Costa, evangélica da Igreja
Internacional da Graça de Deus diz ter recebido, repetindo as palavras do Pastor de
sua igreja, a graça de Deus para curar as pessoas.
O que se destaca nos relatos acerca do recebimento do dom ou mesmo do
compromisso de seguir benzendo – como destacado pela benzedeira Helena Cordeiro
– é uma grande carga de memória da prática de benzeção de tempos passados, mas
também importantes informações do cotidiano das comunidades rurais e urbanas de
nossa região. Dar voz a esses figurantes da História é trafegar por novos caminhos
desenhados por essas memórias, abrindo inclusive novas possibilidades em fontes
para outros trabalhos de pesquisa.
No que se refere aos rituais utilizados e nas moléstias tratadas pelas
benzedeiras também pudemos perceber especificidades comuns entre as fontes orais e
a produção escrita. “As concepções relativas à água afirmam que os malefícios feitos
contra uma pessoa, quando colocados na água, tornam-se altamente poderosos. Faz-
se mister outra magia – feita por um curandeiro mais poderoso – e também colocada
em água mais forte.” (GOMES, 2004. p. 31). Todas as sete benzedeiras participantes
da pesquisa utilizam água em seus rituais. Cera de abelhas, talo de couve, ramos de
arruda, palha de linhaça são também comumente utilizados. Objetos como tesoura e
fios de costura são também constantes. Não havendo uma literatura técnica acerca dos
procedimentos em benzeção, fica latente a importância da tradição oral, sendo
repassada de geração a geração, com as palavras mais eficazes, bem como as demais
“ferramentas” do ofício.
A bibliografia referente à temática estudada não é muito vasta. Pelo que sugeriu
Meyhi (2002, p.24/25) então estava aí a justificativa para a utilização da História Oral,
defendida por ele como fundamental “[...] quando não existem documentos, quando
existem versões diferentes da história oficial e quando se elabora uma outra história.”
Sendo assim, a implementação do trabalho em sala de aula com o
conhecimento da fundamentação teórica e de procedimentos metodológicos básicos
para a utilização da História Oral, por parte dos alunos e alunas , contemplou um dos
objetivos principais do projeto, que era justamente encontrar alternativas para a criação
e/ou a melhor utilização de documentos históricos e outros recursos didáticos nas aulas
de História do Ensino Fundamental.
Acreditamos que um dos resultados mais ricos do trabalho foi - ainda que com as
dificuldades que a própria turma apresentou na avaliação - a entrevista com a
benzedeira escolhida por cada grupo e a posterior transcrição do depoimento gravado e
o aparente júbilo por eles e elas verem o resultado do trabalho materializado numa
fonte escrita, no caso a transcrição. A oralidade aqui ganhou grande ênfase no trabalho,
já que, nas entrevistas, pôde-se perceber o que já havia sido lido nos textos referentes
ao assunto em sala de aula. A tradição de benzedeiras mantém-se graças à
hereditariedade da prática, repassada de geração a geração através da oralidade.
Já mencionamos que o simples fato de deixar a sala de aula já entusiasmou a
turma, porém, o que nos animou mais foi perceber a importância dada aos alunos pelo
fato de estarem conhecendo a história das pessoas da comunidade, história essa não
presente nos livros didáticos, mas passível de interesse em ser conhecida. Em outras
palavras, a maioria dos alunos e alunas da turma percebeu as benzedeiras como
produtoras da História, como sujeitos históricos, além de perceberem noções da
construção do saber histórico por parte do historiador ou historiadora.
O trabalho serviu para a promoção da consciência histórica, mostrando que é
possível a utilização dos métodos aqui empregados no estudo de outros assuntos,
colaborando assim, para que ocorra melhora no processo de aprendizagem de História
por parte dos alunos e alunas, contemplando a ideia de se partir do local para
abordagens mais abrangentes, como propõem as Diretrizes Curriculares Estaduais
(DCE) de História do Estado do Paraná.
Para a nossa escola, esse trabalho representou uma diversificação no que se
refere à prática pedagógica, em grande maioria realizada entre as quatro paredes de
uma sala de aula.
Outro fator importante foi a relação entre escola, professora, alunos e alunas
com membros da comunidade que tiveram suas histórias resgatadas, contadas e
valorizadas num espaço tão importante para a comunidade.
Conclui-se, portanto, que estamos no caminho certo, quando fazemos o
proposto pelas Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino e Aprendizagem de
História, qual seja, a partir da História Local, da realidade dos alunos para temas mais
abrangentes.
Pelos resultados apresentados, percebemos que ocorreu sim o entendimento
de como se dá o processo da construção do conhecimento histórico. Nas falas das
benzedeiras, nas suas experiências de vida transformadas em documento e no brilho
dos olhos dos alunos ao se sentirem construtores do conhecimento, quando também
nos sentimos, como professora, bastante realizadas.
Todo o trabalho, nos moldes aqui destacados, somente foi possível graças à
forma em que o PDE foi organizado. Pois o retorno do nosso contato com a
Universidade, o tempo disponível para a leitura, para a pesquisa de campo e para a
troca de ideias com colegas historiadores e historiadoras, com professores e
professoras de História, e, assim, como todas as contribuições positivas para
pensarmos nossa prática em sala de aula, que recebemos, materializaram-se porque
tivemos tempo disponível para isso, longe da longa jornada de trabalho e de outras
impossibilidades.
Atualmente, voltando à carga horária completa em sala de aula, percebemos
que, de maneira simultânea, são necessários alguns ajustes, para que alguém possa
aplicar uma proposta similar a este artigo em sala de aula, considerando que não
haverá tempo disponível como tivemos para se organizar, para realizar a pesquisa,
acompanhar a turma dividida em cinco grupos e assim por diante. Certamente, esse
professor ou professora encontrará sérias dificuldades para que se obtenha o sucesso
alcançado aqui.
Obviamente que conseguiremos multiplicar essa experiência com maior ênfase
quando tivermos melhores condições de trabalho – salários mais dignos, menos alunos
e alunas por sala de aula e, principalmente, tempo renumerado maior para estudos e
pesquisa.
Porém, enquanto não atingimos isso, precisamos buscar alternativas de
implementação. Uma delas pode ser a programação, para que o trabalho ocorra por
etapas, ao longo do ano letivo, com cada grupo, responsabilizando-se por uma parte do
processo: uns entrevistam, outros transcrevem, por exemplo.
Quanto às temáticas, principalmente em história local, há grande carência de
estudo dos figurantes mudos, para mais uma vez lembrar Hollanda apud DCE(2009),
podendo até alunos e alunas apontarem o que seria mais interessante para eles
estarem estudando.
Para encerrar, como se não bastasse nosso empenho e o resultado que muito
nos gratificou, precisamos ainda externar aquela impressão que sobra para nossas
vidas e que fica marcada em nossa mente e no coração. E isto foi o efusivo entusiasmo
e o brilho nos olhos de cada benzedeira ao relatar suas experiências que, desde muito,
são reconhecidas pela comunidade, e que, de agora em diante, começam ser bem
vistas e percebidas até pela escola.
Quanto aos alunos e alunas, notamos a motivação da turma ao realizarem o
trabalho e que, certamente, guardaram para si um marco indelével de conhecimento e a
experiência efetiva que, na essência da palavra, aprendizagem significa terem
assimilado e compreendido o assunto para o resto de suas vidas.
Por último, agradecemos o incentivo e o apoio dos colegas de magistério,
desejando-lhes que também possam experimentar e sentir essa sensação maravilhosa
de poder colaborar na construção da consciência histórica.
.
Referências
Fontes orais:
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PAULEK, Lúcia Cardoso dos Santos. Entrevista. União da Vitória, outubro de 2010.
CORDEIRO, Helena. Entrevista. União da Vitória, junho de 2010.
COSTA, Suzana Lorkievicz. Entrevista. União da Vitória, outubro de 2010.
PODGURSKI, Josefa. Entrevista. União da Vitória, junho de 2010.
SILVA, Elvira Lima da. Entrevista. União da Vitória, maio de 2010.
TANAZILDO, Ida Schevebel. Entrevista. União da Vitória, outubro de 2010.
Fontes Iconográficas:
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Benzeduras: a sagração do cotidiano. Direção Janete Krieger. Produção: Lissandro Stallivieri. Caxias do Sul: Spaghetti filmes, 2009. 1 DVD (17 min.)
Instalações – Rituais. Direção Geslline Giovana Braga. Produção: Geslline Giovana Braga e Otávio Zucon. Curitiba: Funarte, 2010. 1 DVD (43 min.)
Sites da INTERNET:
http://www.uvaadilesbordin.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1. Acessado em 14 de outubro de 2010.
http://www4.pr.gov.br/escolas/listaescolas.jsp. Acessado em 10 de maio de 2011.
Bibliografia
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