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DIVERSIDADE LINGUÍSTICA COM A TURMA DA MÔNICA EM UMA
AULA DE PORTUGUÊS
Adriana Lúcia de Escobar Chaves de Barros
RESUMO : O presente artigo focaliza alguns aspectos da variação linguística do Português, tais como o preconceito
linguístico, a importância de se adequar a linguagem às circunstâncias e contextos, a necessidade de se abordar tais
assuntos em sala de aula e o despreparo dos professores para desenvolver a conscientização dos alunos em relação a
esses temas, sem gerar constrangimentos ou embaraços. Diante dos desafios pedagógicos que essas questões
impõem aos professores, objetivou-se retratar uma pequena parte do extenso trabalho com histórias em quadrinhos,
desenvolvido por uma professora do ensino fundamental de uma escola pública, que elegeu os personagens da
Turma da Mônica de Maurício de Sousa, para trabalhar as variações linguísticas de prestígio e populares em sala de
aula, de maneira lúdica, prazerosa e a partir de textos de interesse e da realidade dos seus alunos.
Palavras-chave: diversidade linguística, preconceito linguístico, sociolinguística educacional, estórias em
quadrinhos.
ABSTRACT : This article focuses on some aspects of the Portuguese language variation, such as language
prejudice, the importance of language to suit the circumstances and contexts and the need to address such issues in
the classroom, without generating the students‘ constraints. Given the pedagogical challenges that these issues
require, this article aimed to demonstrate a small part of the extensive work with comics, developed by an
elementary school teacher in a public school, that elected the Monica's Gang characters, by Maurício de Sousa
(Turma da Mônica de Maurício de Sousa) to work the prestigious and the popular language variations in class, in a
playful and pleasurable way, starting from texts of the students‘ interest and reality.
Keywords: linguistic diversity; linguistic prejudice; sociolinguistics educational comics.
1. INTRODUÇÃO
Há algumas décadas, professores, pesquisadores e linguistas vêm buscando entender mais
sobre as questões que envolvem a diversidade / variação linguística e, no Brasil, esses
conhecimentos têm tido fortes impactos no ensino da Língua Portuguesa, principalmente nas
escolas da rede pública.
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A partir dos anos 80, os estudiosos da área passaram a chamar a atenção sobre a
precariedade do ensino do nosso idioma, julgando-o ser, segundo Ilari (1996), ―anticientífico,
opressivo, contrário ao desenvolvimento da criatividade e avesso à natureza essencialmente
pragmática, contextual da linguagem‖. [...], além de ―preconceituoso e reacionário‖. No entanto,
tais advertências não só foram insuficientes para reverter a situação da época, mas também,
assimiladas de modo equivocado, resultando em distorções.
Considerando-se que a língua é viva, portanto, mutável, que não há apenas uma forma de
falar a mesma coisa e que o mundo contemporâneo nos leva às mais variadas formas de
interação, os professores de Língua Portuguesa deveriam estar mais bem preparados para abordar
as diversas formas de comunicação da atualidade e as questões de variedade linguística em suas
aulas. Porém, mesmo que os cursos de formação de professores das Instituições de Ensino
Superior (IES) abranjam esses pontos, ainda há muito a ser definido, estudado e debatido.
Em princípio, o professor de Português deveria ensinar a norma culta da língua aos
alunos, já que para seu crescimento como cidadãos e a interação com o meio, eles devem
conhecer a gramática normativa e utilizá-la corretamente fora da escola nos vestibulares, ENEN,
concursos, avaliações externas, e etc. No entanto, segundo as atuais diretrizes educacionais, esse
professor, trabalhando efetivamente para a inclusão social do aluno e evitando o preconceito
linguístico, deve também estimular e fazer respeitar as outras variações da língua, principalmente
as populares, que apresentam regras desalinhadas às da gramática normativa.
Porém, como fará para cumprir com o seu dever profissional de levar em consideração
questões que deveriam ser vistas como complementares, mas vêm sendo tidas como conflitantes?
Como deve encarar a gramática normativa? Mais uma variante? A variante da elite e da
classe dominante?
Como abordará as variações linguísticas efetivamente?
Como lidará com os ―erros‖ gramaticais? Afinal, o que são ―erros‖, ―acertos‖ e (in)
adequações?
Ainda que esse seja um tema recorrente nas academias e nos cursos universitários de
formação de professores de língua portuguesa, percebe-se que há muito a ser discutido,
principalmente entre os docentes do ensino fundamental e do médio.
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Atualmente, os professores se veem diante do desafio de oportunizar o domínio da língua
padrão aos alunos, sem que isso signifique a depreciação das outras variedades linguísticas.
―Variedade linguística‖ é um tema bastante complexo, pois envolve questões de
identidade, estigma, discriminação, preconceito, normas e (des) prestígio social. Por isso, faz-se
necessário que o professor esteja preparado para lidar com o tema em sala de aula, sem gerar
constrangimentos, mas, ao contrário, promovendo a conscientização do aluno, estimulando sua
atitude crítica e dando condições para que exerça sua plena cidadania.
A diversidade linguística precisa ser trabalhada em aula, para que o aluno domine o seu
dialeto familiar, o do seu grupo social e a norma culta da língua oficial do país, para que possa
fazer uso deles, adequando-os aos contextos e circunstâncias diferentes.
Para tal, faz-se necessário que os professores valorizem as variantes linguísticas, os
dialetos, as experiências, os valores e as culturas dos alunos, possibilitando-lhes a aquisição
progressiva da norma padrão da língua, a partir das suas diversas realidades.
Assim, sem a pretensão de solucionar ou esgotar a complexa questão exposta até aqui,
este artigo tem o objetivo de retratar uma pequena parte do extenso trabalho com histórias em
quadrinhos, desenvolvido por uma professora do ensino fundamental de uma escola pública, que
elegeu os personagens da Turma da Mônica de Maurício de Sousa, para trabalhar as variedades
linguísticas de prestígio e populares em sala de aula, de maneira lúdica, prazerosa e a partir de
textos de interesse e da realidade dos seus alunos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Segundo Mollica (2003, p. 10), a Sociolinguística ―estuda a língua em uso no seio das
comunidades de fala, chamando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona
aspectos linguísticos e sociais‖.
Foi após o advento dessa ciência da língua, que aspectos ligados à linguagem, cultura e
sociedade passaram a ser considerados inseparáveis. Por ser um fenômeno social, a língua é
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caracterizada pela heterogeneidade e variabilidade; a variação linguística é inerente à linguagem
humana; não existe língua falada ou escrita sem variação.
Em seu famoso trabalho sobre a comunidade da ilha de Martha‘s Vineyard, em
Massachusetts, de 1963, Labov mostra que o papel dos fatores sociais é decisivo na variação
linguística observada naquela comunidade, descreve a heterogeneidade linguística, busca
encontrar um modelo capaz de explicar a influência dos fatores sociais que atuam na língua, e,
mais tarde, desenvolve a Teoria da Variação Linguística.
O pressuposto básico dessa teoria (Labov, 1972) é o de que a heterogeneidade, ou
variação, é inerente a todo sistema linguístico e não é aleatória, mas ordenada por restrições
linguísticas e extralinguísticas, que levam o falante a usar certas formas e não outras, quando faz
uso da língua falada.
Conforme Soares (1983), as variedades linguísticas são modalidades da língua,
caracterizadas por peculiaridades fonológicas, sintáticas e semânticas, determinadas por três
aspectos: o geográfico (variedades linguísticas entre comunidades fisicamente distantes), o
sociocultural (de acordo com a idade, sexo, profissão, classe social, grau de escolaridade entre
outros) e o nível de fala (registro de uso da linguagem de acordo com o contexto da
comunicação).
De acordo com Tarallo (1986), não existe uma comunidade onde todos falem da mesma
maneira; assim, seguindo a premissa do autor e levando em consideração à extensão do Brasil,
podemos afirmar que a variação linguística do Português do Brasil é natural e inevitável.
2.2. O PRECONCEITO LINGUÍSTICO
Sob a perspectiva da Sociolinguística, todas as manifestações linguísticas são legítimas,
no entanto, a avaliação social dos padrões linguísticos pode influenciar a inclusão do falante na
escala social. Sendo assim, temas como o preconceito linguístico e a mobilidade social são de
interesse dos sociolinguistas.
O preconceito linguístico está relacionado ao desrespeito e desconsideração para com os
falantes das variantes menos prestigiadas da língua portuguesa. Toda língua apresenta variantes
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mais prestigiadas do que outras. Diante da diversidade linguística e sob a perspectiva
sociolinguística, uma variação é nomeada de língua padrão - ou variedade padrão, norma culta,
língua culta e erudita, fala de prestígio - o que não torna sem importância, qualquer outra
variante da língua.
A exclusão pela linguagem é um dos maiores fatores de exclusão social. A
democratização do ensino fez a comunidade escolar enfrentar uma questão linguística para a qual
estava preparada.
Através de um trabalho pedagógico responsável, os professores devem levar os alunos a
utilizar a gramática normativa de forma correta e adequada às circunstâncias comunicativa,
refletir sobre o uso da língua e respeitar as suas variedades e combater o preconceito linguístico e
a exclusão social.
2.3. A SOCIOLINGUÍSTICA EDUCACIONAL
Segundo Marcos Bagno (apud Bortoni-Ricardo, 2004, p. 7) a Sociolinguística
Educacional é uma área teórico-prática concebida pela sociolinguista Stella Maris Bortonni-
Ricardo e consiste em um movimento de divulgação dos resultados de pesquisas linguísticas,
com o objetivo de ajudar os professores a lidar com os aspectos das variedades linguísticas
estigmatizadas, em suas salas de aula.
De acordo com o autor, ignorando as diferenças sociolinguísticas e as consequências de
seus usos, muitos professores ainda seguem antigos parâmetros normativos de ensino, gerando
uma prática pedagógica que favorece a discriminação linguística, cultural e social. Por isso,
advoga que professores e alunos precisam conscientizar-se de que existem diversas formas de se
dizer a mesma coisa, que as escolhas dependem dos propósitos comunicativos e que essas
variedades da língua são recebidas diferentemente pela sociedade. Para isso, atividades que
priorizassem a diversidade linguística devem ser desenvolvidas, sem que se desconsidere o
ensino da norma culta, pois ao longo da vida profissional e social do aluno, ela será necessária e
muitas vezes, imprescindível para o seu sucesso.
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O professor deve atualizar-se constantemente e conhecer os estudos variacionistas mais
recentes para melhor trabalhar o fenômeno da variação em sala de aula, sem deixar, é claro, de
ensinar a norma padrão. Professores e alunos devem estar preparados a diferenciar os ‗erros‘
ocorridos por interferências de regras variáveis fonológicas ou morfossintáticas, dos ‗erros‘
provenientes de desconhecimento das convenções padrão.
É responsabilidade do professor, levar o aluno a ampliar o seu repertório linguístico e
torná-lo capaz de fazer o uso das normas socialmente exigidas, adequadamente, sem que
desconsidere a sua fala original ou se deixe discriminar por causa da sua maneira de falar. Dessa
maneira, o professor cumprirá sua missão de preparar os seus alunos para enfrentarem, em
condições de igualdade, as situações do seu cotidiano, indiferentemente de suas origens.
2.4. HISTÓRIAS EM QUADRINHO E O ENSINO DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Acredita-se que a utilização de diferentes linguagens para o ensino possa contribuir para
dinamização das atividades propostas em sala de aula, pois diversifica as práticas educacionais e
possibilita que o aprendizado parta de textos da realidade e do interesse dos alunos.
Tal crença está prevista nos PCNs (1998), uma vez que, um dos objetivos dos para o
ensino fundamental é que os alunos sejam capazes de:
Utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal —
como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das
produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções
e situações de comunicação.
Numa tentativa de aproximar-se à oralidade da língua, a linguagem das Histórias em
Quadrinhos, doravante HQs, é carregada de códigos verbais e visuais, tais como: o balão, os
símbolos, sinais de pontuação e as onomatopeias, que ampliam a dimensão estética e informativa
dos quadrinhos.
As duas modalidades de linguagem, oral e escrita, encontram-se presente nas HQs. A
linguagem oral faz com que haja mais informalidade e menos preocupação com as normas e a
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linguagem escrita contribui para que exista uma preocupação maior em elaborar, produzir e
corrigir o texto.
Além disso, a interligação de texto e imagem ocorre nos quadrinhos de maneira peculiar
e complementar, de tal forma a ampliar a compreensão do conteúdo programático por parte do
leitor.
Assim, ao unir a linguagem verbal e a não verbal, as HQs apresentam-se como uma
forma diferente de narrativa, com grande potencial comunicativo, na qual é feita a descrição do
quadro, da situação, das ações e a forma de diálogo e cuja interpretação pressupõe a relação com
a cultura, com a formação social e a visão de mundo do leitor.
Para Eguti (2001), o objetivo principal das HQs é a narração de fatos, reproduzidas
através de uma linguagem mais natural possível, onde os personagens interagem face a face,
demonstrando todos os seus sentimentos através de palavras e suas expressões corporais.
Por serem dirigidas aos mais variados públicos-alvo, as HQs possibilitam que seus
leitores identifiquem-se com diferentes histórias, personagens e situações. A linguagem utilizada
aproxima o leitor da sua realidade, pois retrata, na medida do possível, a forma com a qual ele se
expressa no seu dia-a-dia.
As HQs são um poderoso veículo de comunicação e ensino, capazes de atingir um grande
número de leitores, provenientes de diversos setores sociais, capazes de divulgar valores
socioculturais a serem assimilados, avaliados e criticados, e, portanto, passíveis de promover
questionamentos sobre a realidade social.
Dessa maneira, as HQs têm conquistado o espaço escolar e sido usadas para estimular
diferentes tipos de conhecimento. Quando utilizados adequadamente, permitem a reflexão
crítica, e não apenas a ―simples leitura ou preenchimento de balões em branco como atividade
para a escrita‖ (Pizarro, 2005, p.45).
As HQs constituem relevantes recursos pedagógicos para o ensino fundamental, pois, por
serem muito populares entre crianças e jovens da idade dos alunos em questão, que as recebem
de forma entusiasmada e sem rejeição, serve como elemento motivador do aprendizado,
estimulador de curiosidade e desafiador de senso crítico.
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Além disso, as HQs tratam sobre os mais diferentes temas, oferecem um variado leque de
informações passíveis de serem discutidas em sala de aula e são facilmente aplicáveis em
qualquer área.
Não obstante, as HQs auxiliam no desenvolvimento do hábito de leitura e possibilita que
muitos estudantes se abram para os benefícios da leitura, encontrando menor dificuldade para
concentrar-se nas leituras com finalidade de estudo.
Por fim, as HQs enriquecem o vocabulário dos estudantes, estimulam o pensamento e a
imaginação dos leitores, possibilitam a integração entre as diferentes áreas do conhecimento e
podem ser utilizados em qualquer nível escolar e com os mais variados temas.
3. METODOLOGIA
Esta pesquisa teve como espaço de investigação uma sala de aula do sexto ano do Ensino
Fundamental cujas aulas ocorrem no turno diurno, em uma escola da rede pública de ensino,
localizada na capital do Estado do Mato Grosso do Sul.
Para a coleta de dados, foram feitas entrevistas com a professora de Língua Portuguesa
que vêm desenvolvendo um trabalho com HQs há alguns anos e observações das suas aulas.
Como abordagem metodológica, escolheu-se um estudo de caso de natureza qualitativa,
pois se procurou obter dados descritivos, através do contato direto da situação estudada e do
pesquisador com os atores principais da pesquisa – professora e alunos.
Além disso, o estudo de caso pareceu ser bastante indicado para o tipo desta pesquisa,
pois, segundo Telles (2002: 108), ele é utilizado ―quando o professor deseja enfocar um
determinado evento pedagógico, componente ou fenômeno relativo à sua prática profissional‖.
Numan (1992) complementa, afirmando que a preocupação maior de um estudo de caso está na
compreensão e na descrição do processo do que nos seus resultados.
Através das entrevistas e da observação de atividades pedagógicas onde a professora fez
uso das HQs da turma da Mônica e a do Chico Bento como ponto de partida para introduzir o
estudo das variantes linguísticas do português, padrão e não padrão, buscou-se divulgar um
trabalho eficaz e de qualidade, que poderá ser reproduzido toda vez que houver o objetivo
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pedagógico de ensinar a norma padrão da língua, respeitar as demais variantes e combater o
preconceito linguístico, social e cultural.
4. ANÁLISE
Pela restrição que a extensão deste artigo impõe, selecionou-se uma aula, que será
apresentada e analisada, a seguir.
Dados da Aula
Objetivo
Conscientizar os alunos sobre as variações linguísticas da Língua Portuguesa.
Duração das atividades
Uma aula de 50 minutos.
Estratégias e recursos da aula
Nesta aula foram abordadas questões de variações linguísticas, esperando-se que os
alunos compreendessem a importância de se respeitar as diferentes formas de se falar e a
necessidade de se produzir a norma padrão da língua em situações formais do nosso cotidiano.
Aula
Atividade 1 – Introdução
A professora perguntou se a turma gostava de ler revistas em quadrinhos e porque. Um
aluno respondeu que adorava ler HQs, porque é mais ―legal‖ e divertido do que ler um livro. Ao
ser exigido que se explicasse melhor, ele disse que as estórias são mais interessantes e atuais e as
figuras ajudam a leitura.
Ao perguntar se os alunos conheciam os personagens da Turma da Mônica e a do Chico
Bento, a professora percebeu que, não só todos os conheciam, mas também que eles eram os
preferidos entre os alunos.
A professora perguntou quais eram os personagens favoritos de cada aluno e porque,
depois os estimulou a falar sobre as características de cada um deles.
Ao perguntar se eles se identificavam com os personagens, a professora deu oportunidade
para que os alunos falassem de si mesmos, de suas características de comportamento e
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personalidade, tais como, ser ―brigona‖ como a Mônica, ―comilona‖ como a Magali, ―caipira‖
como o Chico Bento, ―inteligente‖ como o Franjinha, e assim por diante.
Atividade 2 – Leitura das HQs
A professora dividiu a turma em grupos de grupos de cinco, disponibilizou várias
revistinhas da Turma da Mônica e do Chico Bento, pediu para que eles lessem e escolhessem
uma para contar para turma.
Atividade 3 – Discussão e reflexão sobre as falas do Chico Bento, Mônica, Cascão,
Franjinha, Magali e Cebolinha
A professora escreveu no quadro balões com as falas bem caracterizadas do Chico Bento,
Mônica, Cascão, Franjinha e Cebolinha e pediu para que os alunos adivinhassem quem eram os
personagens falantes. Os alunos não tiveram dúvidas e acertaram.
Ao serem perguntados sobre o que na fala dos personagens marcava as características dos
personagens, um aluno falou que a atividade tinha sido fácil porque o Chico Bento falava como
―menino da roça‖, o Cebolinha trocava o ―R‖ pelo ―L‖, a Mônica era agressiva, o Franjinha era
―CDF‖ e o Cascão não gostava de tomar banho.
A professora perguntou mais sobre a fala dos personagens, até que um aluno falou que o
Chico Bento e o Cebolinha falavam de maneira errada e a Mônica, A Magali, o Franjinha e o
Cascão, não.
A professora perguntou se era certo falar agressivamente como a Mônica e o aluno falou
que estava falando sobre a maneira ―certa/errada‖ de acordo com o Português.
A professora perguntou se ela corrigisse as falas do Chico Bento e do Cebolinha, estórias
teriam graça. Os alunos disseram que não, porque eles ficariam comuns como qualquer outro
personagem.
A seguir, a professora fez os alunos discutirem sobre marcas de identidade, quando
perguntou: ―Se o Chico Bento e o Cebolinha falassem gramaticalmente correto, será que ainda
seriam reconhecidos como Chico Bento e Cebolinha?‖
E continuou a fazer perguntas:
―O que as pessoas acham de pessoas que falam como o Cebolinha e o Chico Bento?‖
―Será que eles se envergonham de falar assim?‖
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―Se o Cebolinha pudesse deixar de trocar o ―R‖ pelo ―L‖, será que ele se sentiria
melhor?‖
―Se vocês fossem o Cebolinha gostariam de falar corretamente?‖
―E se fossem o Chico Bento, gostariam de falar de acordo com a norma culta da língua?‖
―Vocês conhecem pessoas que falam como eles?‖ ―O que acham delas?‖
―Vemos que o Chico Bento frequenta a escola, então porque ele não fala como os outros
personagens?‖
―Será que o fato dele morar na zona rural, faz com que a fala dele tenha marcas
regionais?‖
―Vocês acham que o Chico Bento e o Cebolinha tirariam boas notas na redação do
ENEM?‖
―Vocês acham que o Cebolinha deveria fazer um tratamento fonoaudiólogo?‖
―Vocês acham que o Chico Bento deveria se esforçar mais nas aulas de Português da
escola?‖
―Vocês acham que a Mônica deveria aprender a falar de maneira menos agressiva?‖
―Se crescessem e tivessem que enfrentar uma entrevista de emprego, para trabalharem em
uma empresa multinacional em posição de chefia, será que seriam bem-sucedidos? Será que
enfrentariam preconceito por falarem do jeito que falam?‖
―Vocês têm preconceito quando ouvem pessoas falando em desacordo com a norma
padrão da língua?‖
―Será que eles deveriam tentar falar conforme a norma padrão da língua?‖
―Qual é o papel da escola e dos professores de português?‖
―Os professores devem corrigir os alunos quando escrevem ou falam como esses
personagens?‖
―Vocês gostam de ser corrigidos?‖
Corrigir é discriminar?
―Se a Mônica e o Cascão estivessem conversando pelo MSN, eles escreveriam como
numa redação de escola?‖ ―As palavras seriam escritas integralmente? É certo escrever como em
uma redação no MSN? É errado escrever como em um MSN na redação?‖
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Se a Magali viajasse para o Rio de Janeiro e, em um restaurante pedisse para comer
mandioca ou macaxeira, ela seria compreendida? Ela teria falado de maneira errada? Falar
―aipim‖ é falar mais certo do que falar ―mandioca‖ ou ―macaxeira‖?
Atividade 4 – Dever de Casa
A professora pediu para que os alunos escrevessem sobre suas impressões e opiniões em
relação às falas do Chico Bento, Mônica, Cascão, Franjinha, Magali e Cebolinha.
Diante desses questionamentos, os alunos puderam pensar e expressar suas opiniões
sobre a diversidade linguística, o preconceito linguístico, o papel da escola e a importância de se
aprender a norma culta da língua e conhecer outras variações, para que possam se beneficiar com
o uso adequado da linguagem às diversas circunstâncias.
O debate mediado pela professora não só inseriu o aluno de forma mais efetiva em sala
de aula, mas também desenvolveu suas habilidades interpretativas, analíticas e comparativas,
propiciando ao aluno, a realização de um intertexto com as suas realidades e as dos personagens
analisados.
As perguntas e respostas, também proporcionaram o desenvolvimento da capacidade
crítica do aluno, pois a professora levou os alunos a perceberem certas nuances das falas
daqueles personagens, que até então eles não haviam percebido.
Usando as HQs, a professora evitou utilizar uma metodologia centrada apenas no livro
didático, tornando o trabalho em sala de aula mais participativo e prazeroso tanto para o aluno
como para o professor, estimulando também, a reflexão e o maior interesse pela leitura, tanto das
histórias em quadrinhos como de outros gêneros.
Diante do constante desafio de desenvolver práticas pedagógicas mais eficientes e de
manter-se atualizados sobre novas metodologias, a professora procurou usar as HQs favoritas
dos alunos, para fazê-los refletir sobre as questões de diversidade linguística, de preconceito
social e linguístico, como também de inclusão e exclusão social em razão do uso da língua.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino da variação linguística na escola torna-se cada vez mais relevante, para que o
aluno consiga identificar nas práticas sociais, as regularidades das diferentes variedades do
português, reconhecendo os valores sociais implicados.
Porém, diante do desafio de oportunizar o domínio da língua padrão aos alunos, sem que
isso signifique a depreciação das outras formas linguísticas, o professor sente-se, muitas vezes,
inseguros e despreparados.
É importante que se entenda que a sociolinguística e ensino de gramática normativa
devem caminhar concomitantemente, para que mudanças de atitude no ensino possam realmente
ocorrer.
Respeitar as peculiaridades linguísticas, sócias e culturais dos alunos que usam
variedades de menos prestígio não deve significar negar-lhes o direito de aprender as variantes
de prestígio, pois sendo, geralmente, as gramáticas normativas, provenientes dos grupos sociais
de prestígio, seu ensino servirá como instrumento de mobilidade e transformação social, como
também, os capacitará à melhor exercer sua cidadania.
Os professores precisam entender o papel social da língua e a flexibilidade de sua
estrutura, descartando a visão de língua como um conjunto de regras prescritas nas gramáticas,
para saber lidar melhor com a realidade encontrada na escola, onde, muitas vezes, os alunos
falam diferentes dialetos e provêm de famílias com graus de escolaridade e níveis sociais
variados.
As HQs apresentam-se como poderoso instrumento de ensino, por inúmeras razões, a
saber: auxiliam no desenvolvimento do hábito de leitura; ampliam o vocabulário do aluno; fazem
com que o aluno utilize a imaginação e o raciocínio lógico; podem ser utilizadas em qualquer
nível escolar.
O trabalho pedagógico com os personagens da Turma da Mônica e do Chico Bento
retratado neste artigo permitiu que a professora alcançasse os objetivos propostos em seu plano
de aula, pois as HQs promoveram discussão e conscientização sobre as diferenças culturais,
geraram conhecimento de expressões da rica cultura brasileira de maneira prazerosa,
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contribuíram para o desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos e aumentaram a
participação em sala de aula.
A experiência mostrou que as HQs são uma ferramenta pedagógica eficaz na abordagem
dos aspectos da variação linguística do Português, tais como o preconceito linguístico e a
importância de se adequar a linguagem às circunstâncias e contextos apresentados,
principalmente, diante da nova proposta de ensino da Língua Portuguesa, registrada nos PCNs,
que enfatiza os conceitos do campo da linguística e o ensino de gêneros pertencentes à realidade
do aluno.
Acredito que alguns dos questionamentos expostos no artigo tenham sido respondidos.
Espero que este estudo tenha trazido contribuições aos futuros pesquisadores, professores e
outros profissionais envolvidos no ensino de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental.
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Recebido Para Publicação em 28 de outubro de 2012.
Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2012.