PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
AMANDA DA SILVA PINTO
COMUNICAR, MOVER E APRENDER: o movimento como
eixo da linguagem e da aprendizagem
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2019
AMANDA DA SILVA PINTO
COMUNICAR, MOVER E APRENDER: o movimento como
eixo da linguagem e da aprendizagem
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica sob a orientação da Prof. Dra. Helena Tânia Katz.
São Paulo
2019
Banca Examinadora
Prof. Dra. Christine Greiner PUC/SP
Prof. Dr. Alípio Casali PUC/SP
Prof. Dra. Lenira Peral Rengel UFBA/BA
Prof. Dra. Isabel Maria Meirellea de Azevedo Marques
Instituto Caleidos/SP
Prof. Dra. Helena Katz PUC/SP (Presidente da Banca Examinadora)
À minha mãe, Prof. Dra. Nazaré Corrêa (in memoriam), que motivou e regou sempre
minha estrada acadêmica. Por todo amor, dedicação e admiração de uma vida
inteira...
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e Código de
Processo 88887.178021/2018-00
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil (CAPES) Finance Code 001 e Process Code 88887.178021/2018-
00
AGRADECIMENTOS
Em tão longa caminhada, a ação de fazer e refazer tais caminhos são intensos e
extensos. Portanto, jamais esta lista de agradecimentos será breve, assim como
contemplará muito pouco o quão grata sou a essas pessoas...
À minha saudosa e tão estimada mãe, Prof. Dra. Maria de Nazaré Corrêa da Silva
(in memorian), meu exemplo, minha incentivadora, minha mola mestra para a
realização desta tese. Sem ela, os ventos seriam outros, o movimento seria diferente
e esta tese não estaria sendo realizada neste momento...
À minha inominável e admirável orientadora, prof. Dra. Helena Katz, com quem
orientação e humanidade só se efetivam juntas, de forma que nem conseguiria
distinguir nesta lista se seu agradecimento caberia no pessoal ou no profissional.
Você iluminou de forma ímpar minha caminhada e para mim foi uma honra trilhar
com você..
Aos professores do curso de Comunicação e Semiótica e ao CED (grupo de
pesquisa) grata pelos compartilhamentos..
À Banca de qualificação Prof. Drs. Christine Greiner e Alípio Casali pelas imensas
contribuições e humanidade no tratamento..
À Cida, sempre disponível para auxiliar nas informações e ações burocráticas
imprescindíveis ao processo. Muito obrigada!
Ao meu saudoso pai, Walmir Oliva Pinto (in memorian), que como caminhoneiro
percorreu muitas estradas desse Brasil, sempre me incentivou os estudos e neste
momento estaria irradiante com a conclusão de um estudo feito fora de minha cidade
natal.. Grata a minha família paterna que faz com que eu sempre sinta a SUA
presença..
Ao meu amado irmão, Walmir da Silva Pinto, pelo perseverante carinho e apoio,
estendido à minha cunhada Cristianlia Pinto e meus sobrinhos, Samuel e Gabriel
Pinto, por todo o amor incondicional e abrigo ao longo de toda essa trajetória..
À Prof. Dra. Jeanne Abreu, minha mãe na Dança, que me mostrou esse universo do
movimento desde minha infância, e até hoje caminhamos juntas nesta estrada
dançante. Grata por todo apoio também para a construção desta tese..
À Escola Estadual de Tempo Integral Francisca Botinelly Cunha e Silva, em Manaus-
AM, em nome de sua gestora Vânia Machado e dos professores Diego Almeida,
Marco Roberio e alunos envolvidos, pela disponibilidade, abraço e confiança a esta
pesquisa. Meu muitíssimo obrigada...
Às tias e Prof. Dras. Marilene Corrêa e Heloísa Corrêa (UFAM) pelo incentivo e
exemplo acadêmico..
À minha extensa família, em nome de Margareth Corrêa e Nonata Corrêa (tias),
Augusto Jr, Ricardo, Gracy, Adriana, Valéria, Mara, Anderson e Luís (primos) pelo
imenso apoio pessoal, encorajador, fundamental neste processo, onde geralmente
tanto nos entregamos à pesquisa, esquecendo deste departamento de nossa vida e
adoecemos...
A todxs meus amigxs, em nome de Kzué Kellin, Ana Carolina Souza e Rosely Reis,
sem a força pessoal de vocês e de toda a turma extensiva, essa trilha teria sido mais
árdua..
Aos amigxs paulistanos puchianos da “Educação: Currículo” Márcia, Marise, Kelwin
e Zilda, assim como Adilson Andrade, Ademar Silva e Yara Costa, com os quais me
relacionei através de minha mãe extensivamente, grata por todo o apoio e carinho,
assim como disponibilidade para as burocracias à distância necessárias..
Ao Prof. Dr. Harald Pinheiro (UFAM), pelo companheirismo pessoal, amoroso e
profissional, que me foi necessário nessa reta final..
Muito obrigada!!!
“Ler não é passar por cima das palavras” (Paulo Freire)
“Se ler não é ‘passar por cima das palavras’, pois diz respeito a uma interação com o
mundo, saber ler implica também saber ouvir, sentir, ver, cheirar, tocar, MOVER-SE
no mundo”
(Isabel Marques)
RESUMO
PINTO, Amanda da Silva. Comunicar, Mover e Aprender: o movimento como eixo da linguagem e da aprendizagem. 2019. 125f. Tese (doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.
Esta pesquisa parte da urgência em se considerar as mudanças cognitivas do corpo para uma reformulação das práticas pedagógicas praticadas nas Instituições de Ensino Fundamental (segundo segmento) na rede pública de Manaus – AM, sob o risco dessa educação se tornar ineficiente para a função à qual se destina. Propõe que se considere o movimento como um dos sentidos do corpo, acompanhando Berthoz (2000), sendo agregado aos outros cinco já conhecidos (visão, audição, paladar, olfato e tato), para colaborar com o desenvolvimento de outro projeto de educação. Desta forma, a pesquisa tem como objetivo trazer para os contextos escolares a contribuição cognitiva do movimento, sustentando-a com a bibliografia que pesquisa o movimento como produção de conhecimento (NOE, 2004) e apontar caminhos teoricopraticos que relacionem o sexto sentido, estudado por Berthoz e a formação de proto e metaconceitos na construção de conhecimento do aluno. Como hipóteses, se sugere que o ato de perceber algo envolve estruturas sensoriomotoras que são ativas nesta percepção, a propiocepção. Sendo assim, a experiência do movimento consciente no espaço escolar é uma possibilidade de ignição do ato de perceber e, consequentemente, da construção de conhecimento. Além do exercício do movimento inerente aos humanos, se sugere, na presente pesquisa, que o movimento na forma de Dança Improvisada propõe ao corpo um exercício ativo que contribui também para a construção de conhecimento. A pesquisa, de cunho exploratório (FAZENDA, 2015), usará a observação participante para investigar as práticas pedagógicas de professores da Escola Estadual de Tempo Integral Francisca Botinelly Cunha & Silva, de ensino fundamental II da rede pública de Manaus, no que diz respeito à presença do corpo/movimento neste processo. Propostas metodológicas foram realizadas como inferências nos processos pedagógicos dos professores observados (movimentos aleatórios para tática de atenção (1) e movimentos relacionados a conteúdos (2)), a fim de vivenciar com os alunos a experiência do movimento em articulação a qualquer construção de conhecimento. Uma proposta de criação em dança também foi elaborada a partir da sensibilização de tensões musculares para compreensão de pontuações de texto. Quanto mais fontes de aprendizado pudermos oferecer aos nossos alunos, mais eficiente será este processo. Além da experiência oral, leitura e escrita, a expressividade do mover o corpo inteiro não pode ser negada, conectando sinapses outras que enredarão outros circuitos não motivados nas experiências tradicionais. O movimento, quando conscientemente estimulado, traz informações para uma qualidade de presença para os alunos que cultiva formas neuromusculares de pensamento passíveis de outros gatilhos de significação e de contato com o organismo (aluno), possibilitando caminhos para tentarmos acompanhar pedagogicamente as mudanças cognitivas (entendamos corporais) em curso, para as quais as formas tradicionais estão cada dia mais sufocantes.
Palavras-chave: Corpo. Movimento. Escola. Aprendizagem.
ABSTRACT
PINTO, Amanda da Silva. Comunicar, Mover e Aprender: o movimento como eixo da linguagem e da aprendizagem. 2019. 130f. Tese (doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.
This research starts from the urgency of considering the cognitive changes of the body for a reformulation of the pedagogical practices practiced in the Institutions of Elementary Education (second segment) in the public network of Manaus - AM, under the risk that this education becomes inefficient for the function to which is intended. It proposes that the movement be considered as one of the senses of the body, following Berthoz (2000), being added to the other five already known (vision, hearing, taste, smell and touch), to collaborate with the development of another education project. In this way, the research aims to bring to the school contexts the cognitive contribution of the movement, supporting it with the bibliography that researches the movement as knowledge production (NOE, 2004) and to point out theoretical pathways that relate the sixth sense, studied by Berthoz and the formation of proto and metaconcepts in the construction of student knowledge. As hypotheses, it is suggested that the act of perceiving something involves sensorimotor structures that are active in this perception, proprioception. Thus, the experience of the conscious movement in the school space is a possibility of ignition of the act of perceiving and, consequently, of the construction of knowledge. Besides the exercise of the movement inherent to humans, it is suggested, in the present research, that the movement in the form of Improvised Dance proposes to the body an active exercise that also contributes to the construction of knowledge. The research, exploratory (FAZENDA, 2015), will use participant observation to investigate the pedagogical practices of teachers of the State School of Integral Francisca Botinelly Cunha & Silva, elementary school II of the public network of Manaus, regarding the presence of the body / movement in this process. Methodological proposals were made as inferences in the pedagogical processes of observed teachers (random movements for attention tactics (1) and movements related to contents (2)), in order to experience with the students the experience of the movement in articulation to any knowledge construction. A proposal of creation in dance was also elaborated from the sensitization of muscular tensions to comprehension of text periods. The more sources of learning we can offer our students, the more efficient this process will be. In addition to oral, reading and writing experience, the expressiveness of moving the entire body can not be denied, connecting other synapses that will entangle other unmotivated circuits in traditional experiences. The movement, when consciously stimulated, brings information to a quality of presence for the students that cultivates neuromuscular forms of thought that are susceptible of other triggers of signification and contact with the organism (student), allowing paths to try to accompany pedagogically the cognitive changes (understand bodily forms), for which the traditional forms are increasingly suffocating.
Key-words: Body. Moviment. School. Learning.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Sala de aula vazia .................................................................................. 70
Figura 2 – Posição do Professor em relação ao alunos ........................................... 72
Figura 3 – Variadas posições dos alunos nas carteiras ...........................................73
Figura 4 – Indução do movimento intercalado à aula 1 ........................................... 75
Figura 5 – Exercício rítmico em roda 1 .................................................................... 76
Figura 6 – Intervenção junto à aula ........................................................................ 77
Figura 7 – Alunos assistindo vídeos das danças .................................................... 80
Figura 8 – Frevo ..................................................................................................... 83
Figura 9 – Boi-Bumbá.............................................................................................. 84
Figura 10 – Kinesfera dos alunos 7º ano ................................................................. 86
Figura 11 – Indução do movimento intercalado à aula 2 ......................................... 88
Figura 12 – Mudança de campo de visão concomitante à atividade ....................... 89
Figura 13 – Caminhada intercalada às atividades ................................................... 90
Figura 14 – Exercício rítmico em roda 2 .................................................................. 94
Figura 15 – Verbalização e intenção de movimento ............................................... 95
Figura 16 – Tensões musculares e pontuação ...................................................... 106
Figura 17 – Leitura do texto ................................................................................... 107
Figura 18 – Ações corporais e pontuação ............................................................. 108
Figura 19 – Leitura em dupla ................................................................................. 109
Figura 20 – Registro das histórias e compartilhamento ......................................... 111
Figura 21 – Ensaio e execução da cena ............................................................... 113
SUMÁRIO
APRESENTANDO A QUESTÃO ...................................................................13
CAPÍTULO 1: O CORPO E A APRENDIZAGEM .......................................... 16
1.1 A COGNIÇÃO EM EVOLUÇÃO. ......................................................... 16
1.2 CORPAR PARA CONHECER. ........................................................... 21
1.3 PROCEDIMENTO METAFÓRICO DO CORPO. ................................29
1.4 MOVIMENTO ...................................................................................... 32
1.5 MOVIMENTO E O CONHECIMENTO EM REDE ............................... 35
1.6 DISTENSÕES E MOVIMENTO. ........................................................ 39
1.7 O SENTIDO DO MOVIMENTO. ......................................................... 40
1.7.1. Propriocepção .................................................................................. 41
1.7.2. O Sexto ou Primeiro Sentido ........................................................... 45
1.8. MOVIMENTO E EDUCAÇÃO: ESTADO DA ARTE .............................. 52
1.8.1. Henri Wallon e a virtualização da motricidade ............................. 53
1.8.2 A Psicocinética de Jean Le Boulch................................................ 55
1.8.3 As inteligências Múltiplas de Gardner ........................................... 57
1.8.4. Desenvolvimento Cognitivo para Jean Piaget ............................. 61
1.8.5. Paradigmas Dominantes ................................................................ 62
CAPÍTULO 2: MOVIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR. ......................... 67
2.1 LÍNGUA PORTUGUESA (9º ano do EF) .............................................. 69
2.1.1 Movimentos aleatórios para a tática de atenção .......................... 69
2.1.2 Movimentos relacionados aos conteúdos ....................................79
2.2. MATEMÁTICA (7º ano do EF) ............................................................. 85
2.2.1 Movimentos aleatórios para a tática de atenção .......................... 85
2.2.2 Movimentos relacionados aos conteúdos .................................... 91
CAPÍTULO 3: DANÇA E APRENDIZAGEM ............................................... 101
3.1 QUE DANÇA É ESSA? ........................................................................ 101
3.2 DANÇA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO. ........................... 105
3.2.1 Sentindo o texto no corpo: uma proposta de criação .................. 105
OU SEJA ..................................................................................................... 116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 118
ANEXO A ............................................................................................................ 123
ANEXO B ............................................................................................................ 124
13
APRESENTANDO A QUESTÃO
As estruturas neurais e não neurais não são apenas contíguas, mas parceiras contínuas, interativas. Não são entidades distantes que sinalizam umas para as outras como chips em um
telefone celular. Em palavras simples: corpos e cérebros estão na mesma sopa capacitadora. (DAMÁSIO, 2018, p. 274)
O (des)entendimento de corpo nas Instituições de Ensino tem papel
central na educação que lá se pratica. No Brasil, o dualismo corpo-mente1 ainda é
hegemônico no modo como o senso comum compreende o corpo, e se faz presente
também nas escolas, no modo como separa o corpo (físico) da mente (abstrata), que
habitaria e comandaria este corpo. Na Escola, isso aparece de imediato, mas
formulações de que “trabalhar a mente” é muito mais importante do que “trabalhar o
corpo”.
A Escola é um lugar de encontro. Encontro de pessoas, encontro dos
saberes, encontro consigo mesmo, encontro com o mundo, encontro com o outro. É
neste ambiente que passamos boa parte do tempo inicial de nossas vidas, durante a
infância e a adolescência - fases da vida primordiais para a formação de nossos
conhecimentos e valores. Mas é neste ambiente também que, mesmo querendo
agregar, separamos. “Agora é hora de brincar. Agora é hora de estudar”, “Se
aquiete, sente e se concentre”. “Agora é para sentar e pensar, atividade corporal
será outro dia”. Mesmo se sabendo que a aprendizagem necessita de vários tipos de
ação, continua sendo de consenso que a leitura, a escrita e a oralidade devem
continuar a ser as atividades mais valorizadas nos processos educacionais. As
atividades que o senso comum chama de ‘corporais’ são restritas a certos lugares e
momentos, pois não são consideradas em igualdade no processo chamado de
1 O dualismo corpo-mente tem, em Descartes (1596-1650), um poderoso representante. Ele assegurava que a mente humana não era uma extensão física, como o corpo, ou seja, corpo e mente tinham naturezas distintas (corpo: substância física, res extensa, e mente: substância pensante, res pensante). Damásio (2004) aponta que talvez esse não fosse um entendimento da vida inteira de Descartes, mas lembra que seu empenho em apresentar a glândula pineal como o mecanismo de ligação entre corpo e mente caracteriza, de certa forma, que os distinguia como sendo de substâncias diferentes.
14
‘educacional’, mesmo que estudos sobre corpo e movimento desenvolvidos na
neurociência atestem algo bem distinto dessa compreensão2.
Aprender, como veremos a seguir, se constitui em um procedimento muito
mais complexo do que apenas a reunião da leitura com a habitual ênfase no
“raciocínio mental”. Sendo o cérebro conectado aos sentidos do corpo, necessita,
para a efetiva aprendizagem, segundo Cosenza e Guerra (2011), de um complexo
de operações que envolvem neuroplasticidade, memórias, atenção, emoções e
sensações, as quais se enredam em conduções sinápticas, em um “trabalho em
equipe”. Desde a constituição da base dessa rede (enquanto espécie e enquanto
indivíduo), até a formação de conceitos complexos, na fase adulta, é imprescindível
reconhecer o papel do nível sensóriomotor3 nos humanos.
Para entender como o sensóriomotor atua na questão do conhecimento,
precisaremos conhecer as maneiras pelas quais as informações se transformam em
corpo. Cabe sublinhar que o entendimento de “formação de conceitos”, aqui
abordado, não é o de uma “ideia mental”, como no cognitivismo, mas sim, de
formação de conceitos cognitivos, processo no qual o corpo inteiro comunica,
expressa e compreende, sem dualismos, em um fluxo inestancável de trocas com os
ambientes e em tempo real. A separação entre mental e físico que tem regido os
modos de tratar o corpo na Escola se liga a uma lógica econômica que, apesar de
fazer parte do arcabouço cultural no qual estamos, só corresponde a um pedaço de
nós, negligenciando a natureza das operações cognitivas que ocorrem.
A proposta central da presente tese é a de investigar os processos
cognitivos do corpo, abandonando a ideia de que a formação de conhecimento
acontece apenas num plano “mental”. E propondo que as estruturas
sensoriomotoras do movimento (movimento entendido na formulação de Alain
2 Autores como Alain Berthoz (2000), Antonio Damasio (2011) e Alva Nöe (2004), entre outros, nos
ajudarão a explicar esses estudos, ao longo da tese.
3 Escrita adotada por se entender que é um procedimento que ocorre sempre junto, e não como dois processos em separado (sensório e motor). Por isso, grafa-se aqui sem hífen, baseado em Rengel (2009). Na grafia correta da língua portuguesa, este termo é escrito sensório-motor.
15
Berthoz, 2000) são responsáveis pela construção de conhecimento de qualquer
natureza.
Apenas para introduzir a proposta de Berthoz (2000), segue o modo
como ele pensa o movimento:
Sensory receptor function has a predictive quality. Receptors can detect the derivates (that is, velocity, acceleration, changes em force and pressure) of the physical variables that stimulate them. Detecting changes in a variable allows the receptors to predict the value of that variable at a future time. In addition, modulation of receptor sensitivity preselects receptors that specify future movement by endowing them with properties that antecipate the nature of the movement, tonic or dynamic. (BERTHOZ, 2000, p. 57)4
4 A função do receptor sensorial tem uma qualidade preditiva. Receptores podem detectar os derivados (isto é, velocidade, aceleração, mudanças em força e pressão) das propriedades físicas que os estimulam. A detecção de alterações em uma variável permite que os receptores prevejam o valor dessa variável em um momento futuro. Além disso, a modulação da sensibilidade do receptor pré-seleciona os receptores que especificam o movimento futuro, dotando-os de propriedades que antecipam a natureza do movimento, tônico ou dinâmico.
16
CAPÍTULO 1: O CORPO E A APRENDIZAGEM
1. 1. A COGNIÇÃO EM EVOLUÇÃO
Cognoscere: conhecer, saber, termo que se compõe de: co(junto) + g
(raiz do verbo gignomae/gerar) + noscere (gerar, vir a ser, nascer) (ZIMERMAN,
2012). Nascer que já se coloca num estado biológicocultural desentendido de partes
(corpo e mente), momento em que a comunicação com o mundo é, em primeira
instância, sensóriomotora e, desta forma, nasce para a vida. O corpo conhece,
entende, complexifica, compreende, metaforiza e vive. Atrelado a essa construção
de conhecimento, desde o nascimento, que não se dá de outra forma se não
‘corpada’5, a palavra cognoscere dá origem, etimologicamente, à palavra cognição.
Todo organismo capaz de aprender, possui o que pode ser chamado de capacidade
cognitiva, e sempre (re)nasce ao aprender. No caso dos seres humanos, aprender a
aprender.
Cabe localizar os entendimentos que amparam a presente tese.
Comecemos por Shapiro (2011), que aponta para os problemas do raciocínio ser
compreendido como fruto de um sistema simbólico representacional, que tem por
base algoritmos, pois o corpo não trabalha em um sistema de inputs e outputs para
representar as coisas do mundo no cérebro, como advogam algumas propostas,
apresentadas na citação abaixo. Mas não podemos esquecer que corpo e ambiente
são co-responsáveis na ação cognitiva, como se verá em seguida.
Because cognitive operations begin with the receipt of symbolic inputs and end with production of symbolically encoded outputs, the subject matter of cognitive science lays nestled between the perpheral shells of sensory organs and motor systems, making possible an investigation of cognition
5 O uso do verbo ‘corpar’ é uma proposta de Helena Katz, para evitar os dualismos implicados nas traduções mais usuais de ‘embodiment’ (encarnar, corporificar, incorporar etc). Quando se propõe o verbo “corpar” se deseja designar que o corpo está sempre “corpando” na sua relação com o meio, ou seja, se refazendo, ressignificando, reconstruindo, diferente da noção de incorporar algo no sentido de que algo “entra” no corpo. Sua argumentação será publicada em breve, na forma de artigo.
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that needn’t concern itself with understanding the cognizer’s environment nor with examining the interactions between the two.6 (SHAPIRO, 2011, p.28)
Mesmo concebendo que os sistemas representacionais de inputs e
outputs acontecem entre as células periféricas de sistemas sensoriais e motores, tal
padrão, ainda assim, não reconhece o ambiente como um componente da cognição.
Para Shapiro (2011), o entendimento de “embodied7 cognition” é o centro da
compreensão de que o corpo inteiro troca informações com o ambiente, e assim, vai
produzindo cognição. Sensações, a constituição das partes do corpoambiente e
como elas se relacionam, são estruturas cognitivas e, portanto, seria até
desnecessário chamar de “embodied” uma cognição que já se entende como
corpada. Para fins didáticos, Shapiro emprega a denominação de “embodied
cognition”, para desatrelar a cognição do entendimento apresentado na página
anterior.
Todavia, para compreender a cognição, é preciso estudá-la tendo como
moldura a evolução descrita por Darwin (1809-1882). Humanos vieram dos
chimpanzés, e suas características físicas foram mudando, devido às co-adaptações
com o ambiente. Para nos tornarmos mais eficientes, conseguindo nos deslocar
carregando o alimento de volta ao lar (visto que a fêmea e os filhos ficavam
resguardados, enquanto o macho saía a procura de alimento), foi necessário
conquistar a bipedia e mudar o design das nossas mãos, para que pudéssemos
passar a agarrar um objeto/alimento. Essa transformação implicou em uma
considerável mudança cognitiva, a fim de atender uma necessidade cultural (manter
mulher e filhos protegidos). Ela irá reconfigurar o design corporal da espécie, desde
sua forma muscular/óssea (de quadrúpedes para bípedes), passando por neurônios
e estrutura sensóriomotora, até suas emoções (o que o motiva a ter necessidade de
6 Como as operações cognitivas começam com o recebimento de “entradas simbólicas” e terminam com a produção de saídas simbolicamente codificadas, o assunto da ciência cognitiva está aninhado entre as camadas periféricas dos órgãos sensoriais e dos sistemas motores, tornando possível a investigação da cognição que não precisa se preocupar em compreender o conhecimento do ambiente nem examinar as interações entre os dois. (SHAPIRO, 2011, p.28)
7 Embodied, termo difundido nas Ciências Cognitivas, tem a intenção de trazer a ideia de “corpo” e
“mente” acontecendo sempre juntos na ação cognitiva, sempre em co-dependência e não em efeito
causal de um sobre o outro. Na realidade, é uma forma de dizer que as funções do organismo são
sempre cognitivas, e que corpo e mente não são dois lugares nem duas substâncias distintas.
18
voltar para casa e cuidar de sua família). Ou seja, quando se fala em cognição,
nesta perspectiva evolucionista, se propõe entender que necessidades se tornam
corpo e, ao mesmo tempo, se formulam como ideias neste corpo.
Corpos darwinianos (SHEETS-JOHNSTONE, 1999) nada mais são que os
corpos que configuram seu design evolutivo entendendo que músculos e neurônios
(no sentido de estrutura sensóriomotora, conceitos, razão, emoção) evoluem em co-
relação, sem supervalorização ou efeito causal de um sobre o outro, sem que um
comande a ação do outro. Mente e corpo são processos co-evolutivos, evoluem em
cooperação. Ambiente e corpo vão se constituindo, em negociações permanentes, e
é neste contexto que a cognição opera.
Em “O Artífice”, Richard Sennett (2012) propõe uma reflexão sobre a
“mão inteligente”. Explica que nossa mão é o resultado de um processo evolutivo
privilegiado, e que foi através do toque da mão nas coisas (no ambiente) que o
cérebro desenvolveu capacidades cognitivas, com informações, inclusive, “mais
confiáveis que as imagens do olho” (SENNETT, 2012, p.170). Ou seja, o cérebro se
constituiu também a partir das experiências com as mãos (e os braços dos macacos,
que as antecederam). As partes do corpo, incluindo o cérebro, se co-constróem.
Resumindo: a cognição é desenvolvida sempre na relação corpomenteambiente.
Segundo Vieira (1994:111), do ponto de vista sistêmico, a vida só é possível por possuir três características básicas: - a sensibilidade, ou seja, por ser um sistema aberto, sensível ao meio ambiente, com quem troca energia, matéria e, portanto, informações; - a memória, isto é, o sistema tem capacidade de estocar informações, sendo isso que permite ao sistema conectar presente, passado e futuro, fluir no tempo; - e a capacidade de elaborar informações. E é isto que vai criar condições para a cognição. Para que um sistema permaneça no tempo, é condição ontológica que ele venha a conhecer, isto é, que ele seja cognitivo. (VIEIRA, 1994, apud MARTINS, 2002, 57)
Sensibilidade, memória e capacidade de elaborar informação garantem a
possibilidade de existir vida. O corpo, desde sua forma mais simples (unicelular) até
sua forma mais complexa, as emprega para se adaptar, através do fenômeno que
Maturana e Varela (1995) chamam de conduta. Esta, não parte de uma decisão
neuronal ou mental, mas da “conversa”, da relação que se estabelece entre corpo e
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meio, com as representações que vão sendo formuladas (por uma constituição
neuronal que as formula), que acontecem nas trocas com o meio e nas respostas
que vão surgindo. A conduta está associada à adaptação ao ambiente em que o
corpo está, pois a singularidade de cada ambiente é que pede por certas estruturas
sensóriomotoras e não outras, levando, então, o corpo a realizar aquela conduta e
não outra.
Denominamos conduta às mudanças de postura ou posição de um ser vivo que um observador descreve como movimentos e ações em relação a um determinado meio. [...] Uma vez que as mudanças de estado de um organismo (com ou sem sistema nervoso) dependem de sua estrutura, e esta, de sua história de acoplamento estrutural, as mudanças de estado do organismo serão necessariamente congruentes ou comensuráveis com seu meio, não importando quais condutas ou meios descritos. (MATURANA & VARELA, 1995, p. 167)
A alimentação da ameba, por exemplo, é realizada pelo desenvolvimento
de seus pseudópodes, a partir de substâncias liberadas pelo protozoário/alimento
que provocam sensibilizações na membrana da ameba. Assim, a ameba, numa
sequência de reações químicas, vai criando mais pseudópodes e deslocando-os a
fim de “agarrar” seu alimento/protozoário. Ao exemplificar o mesmo fenômeno com
a estrutura flagelar de outros seres vivos, os autores concluem que
...o que ocorre é a manutenção de uma certa correlação interna entre uma estrutura capaz de admitir certas perturbações (superfície sensorial) e uma estrutura capaz de gerar deslocamentos (superfície motora). O interessante nesse exemplo é que a superfície sensorial e a motora são uma só e, portanto, o acoplamento é imediato (MATURANA & VARELLA, 1995, p. 177)
Nos seres multicelulares, essa relação da superfície sensorial e superfície
motora se dá através dos neurônios, ou seja, diferente dos seres unicelulares, os
multi possuem duas camadas que fazem a mesma função da única superfície dos
uni. A diferença está na presença da rede neural, que liga essas duas superfícies e
conecta as informações necessárias para o reconhecimento do alimento (externo) e
a produção de sucos digestivos para digeri-lo (interno). As células nervosas fazem a
tarefa que as substâncias de reconhecimento do alimento e de sua digestão (no
interior do organismo unicelular) fazem: elas especializam, ou seja, fazem uma
substituição mais eficaz, ágil e objetiva das funções dessas substâncias.
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Portanto, o sistema nervoso que encontramos hoje nos organismos
complexos é a estrutura responsável por interligar células sensoriais, células
motoras e neurônios. Em termos evolutivos, podemos dizer que o sistema nervoso
surgiu da necessidade de atender às atitudes de conduta do ser multicelular,
especializando a tarefa de transmissão de informação da superfície sensorial e
superfície motora, num enredamento de ações que compõem a tal conduta.
Esse é o mecanismo-chave por meio do qual o sistema nervoso expande o domínio de interações do organismo: acopla as superfícies sensoriais e motoras mediante uma rede de neurônios cuja configuração pode ser muito variada. (MATURANA & VARELA, 1995, p. 187)
Essas superfícies, porém, se conectam com diversos outros neurônios, os
quais estão em contato, simultaneamente, uns com os outros e com outras células
especializadas do organismo, estabelecendo variados tipos de informações. Esse
enredamento, portanto, contribuirá para a conduta adotada pelo organismo, visto
que, além das informações ‘externas’, lida também com as ‘internas’, em um jogo de
probabilidades que resulta na conduta.
Isso ocorre em uma rede adaptativa porque o cérebro possui a
propriedade de ser plástico, segundo Cosenza e Guerra (2011), pois precisa atender
à necessidade de adaptar-se ao ambiente no qual vive. Apesar de possuir
procedimentos padrões na sua formação, a estrutura cerebral é também constituída
pelo modo como este corpo se relaciona com o ambiente e nele se adapta e se
inscreve. Já nos primeiros meses/anos de vida, o ambiente dialogará com os
neurônios, levando-os a se interligarem, de forma a construir um complexo
enredamento entre eles. Assim, neurônios e ambiente vão formulando bases para
conhecimentos mais complexos (conforme o passar da idade).
O que torna os cérebros diferentes é o fato de que os detalhes de como os neurônios se interligam vão seguir uma história própria. É como uma cidade planejada que, à medida que vai sendo construída, vai adquirindo características próprias, podendo ocorrer, inclusive, algumas mudanças no plano original. A história de vida de cada um constrói, desfaz e reorganiza permanentemente as conexões sinápticas entre os bilhões de neurônios que constituem o cérebro. (COSENZA e GUERRA, 2011, p. 28)
21
É o mesmo princípio que opera a adaptabilidade quando, por exemplo,
uma pessoa se torna cega, e passa a precisar da audição e do tato de outros
modos. Os novos exercícios provocarão novas sinapses, tecendo uma nova forma
deste “cérebrocorpo” conhecer o mundo e se relacionar com ele. A esta
adaptabilidade, Sparrow (2015)8 chama de “plastic bodies”.
Plasticity helps us work through many of the questions that arise when we identify the subject with the the body. In the end of the plastic body give us
a fully immanent version of subjectivity without compelling us to grant the body an indeterminate fluidity that would make it difficult to explain how
stability emerges and is maintained. (SPARROW, 2015, p. 179)9
Por esta razão, o biológico e o mental participam da construção dos
processos mentais e das propriedades corporais, num procedimento que se dá em
conjunto, em interdependência. Tanto na escala evolutiva da espécie como na das
capacidades singularizadas em cada corpo, a relação entre corpo propriamente dito
(DAMÁSIO, 2011), funções cerebrais (entendendo que a mente é o cérebro em
funcionamento10), e ambiente se constituem e se interferem simultaneamente.
1.2. CORPAR PARA CONHECER
Quando se trata das questões do conhecimento enquanto formação de
conceitos, aqui não se pensa o conceito desagregado do que, em senso comum, se
chama de corpo. O que se chama atenção aqui é justamente para o fato de que
conceitos acontecem nas estruturas sensoriomotoras, num enredamento impossível
8 Tom Sparrow tem PhD em filosofia pela Universidade de Duquesne e, atualmente, leciona no Departamento de Filosofia da Universidade de Slippery Rock, na Pennsylvania, nos Estados Unidos. Estuda corpos plásticos e vive em Pittsburgh. 9 A plasticidade nos ajuda a trabalhar por muitas questões que surgem quando identificamos o sujeito com o corpo. No fim, o corpo plástico nos dá uma versão totalmente imanente da subjetividade, sem nos obrigar a conceder ao corpo uma fluidez indeterminada que tornaria difícil explicar como a
estabilidade emerge e é mantida. (SPARROW, 2015, p. 179) 10 Para Damásio (2004), o cérebro funciona “em forma de mente”. Ele é parte integrante de um organismo (corpo) e organiza as informações deste corpo para compor sua “base de dados”. Esses dados (ideias) são representações, no cérebro, tanto do corpo (propriamente dito), como do ambiente, que ele denominou de “imagem”. A mente seria, portanto, uma emergência da ação cerebral. Retomaremos esse assunto mais adiante.
22
de ser separado. A partir do que está sendo aqui proposto, não é possível aceitar
que as formulações “mentais” possam ocorrer sem as estruturas sensóriomotoras.
O mundo é o que é, para nós, segundo o quê e como podemos observá-
lo e compreendê-lo, como nos colocam Maturana e Varela (1995). O que há no
mundo ou o que ele é só podemos conhecer e, portanto, descrevê-lo, através de
nossas estruturas cognitivas. O mundo, desta forma, é o que dele podemos
conhecer, e não exatamente o que ele é.
Tendemos a viver num mundo de certezas, de uma perceptividade sólida e inquestionável, em que nossas convicções nos dizem que as coisas são da maneira como as vemos e que não pode haver alternativa ao que nos parece certo. Tal é nossa situação cotidiana, nossa condição cultural, nosso modo corrente de sermos humanos. (MATURANA e VARELLA, 1995, p.60)
Cabe atentar para o risco de pensar esta condição do conhecer
lembrando que as nossas percepções não descrevem o mundo tal qual ele é, mas
que descrevem o mundo que conseguimos perceber. E o que conseguimos perceber
tem a ver com a história co-adaptiva de cada corpo nos ambientes por onde circulou,
circula e circulará. É importante atentarmos para as características de nossas
representações do mundo, as quais são metafóricas e dependem de negociação
com o ambiente. Rengel (2007), em sua tese de doutorado, exemplifica como
lidamos com as representações, a partir do exemplo de um tênis, que trata como
signo11, no sentido peirceano.
Existe um tênis, todos que compartilhamos da cultura do signo tênis sabemos do que se trata. Contudo, o chamado menino de rua tem uma ideia de tênis bem diferente daquela de um garoto que tem vários tênis ou de um idoso que usa tênis por recomendação médica. Isso nos ajuda a entender que, não existe o tênis, o joelho, a mente, a razão... E que cada uma dessas coisas, bem como todas as outras do mundo (os fenômenos) chegam a nós com alguma forma de mediação. O próprio design do corpo é mediador/representador – minha mão, meus órgãos perceptivos, minhas reflexões e pensamentos tocam a textura de um outro corpo de maneira diferente da sua (RENGEL, 2007, p.65)
11 Para Charles Sanders Peirce (1839-1914) “um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo
aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido” (PEIRCE, 2015, p.46)
23
Portanto, o signo tênis, em questão, dependerá do lugar de fala e do
sujeito que o significa, ou seja, a percepção do tênis dependerá das estruturas
sensóriomotoras daquele alguém. O signo tênis não existe por si só e então, não
denota nenhum significado definitivo ou único, pois sua significação depende das
estruturas sensóriomotoras particulares do corpo que o percebe, o qual sempre
media essa percepção, caracterizando uma realidade que só diz respeito àquele
corpo/pessoa.
Outra situação na qual podemos observar a compreensão do mundo
sempre atrelada às funções sensoriomotoras é o fato de que a língua promove uma
compreensão ‘corpada’ do significado que determinada coisa tem. Cabe recorrer a
um exemplo: observando a constância da presença da internet e seus dispositivos
em nossa rotina diária, vamos identificando as novas metáforas que passaram a
povoar o nosso dia-a-dia e vão se ‘corpando’, fazendo com que o mundo on line
escorra também para o mundo off line. Quando queremos dizer que alguém não está
prestando atenção a algo, dizemos muito naturalmente: “fulano está off line”.
Quando estamos com a bateria do celular descarregada, dizemos comumente:
“minha bateria acabou” ou “fiquei sem bateria”. Podemos citar também várias
expressões metafóricas que estão ligadas intimamente ao corpo, mas a utilizamos,
geralmente, como se fossem conceitos extremamente abstratos, como: “subir na
vida”, “consciência pesada”, “hoje estou muito pra baixo”, “estou sem chão”, “quais
os fundamentos desta pesquisa?”, apenas para apontar alguns usos que apagam as
distinções entre o corpo (sempre entendido como corpomente, corpocérebro) e suas
práticas.
This new cognitive science of the embodied mind pays special attention to
neurobiology, since it sees reason as defined by the structure of the brain
and the body together in their interactions with the environment and other
people. (JOHNSON, 1987, p.85)12
Neste entendimento dos objetos corpados na nossa linguagem, é
importante contextualizarmos a estrutura evolutiva apontada por Sennett (2012).
12Esta nova ciência cognitiva de mente “embodied” [“mente” e “corpo” operando como única substância] dá especial atenção à neurobiologia, desde que esta vê a razão definida pela estrutura
do cérebro e do corpo juntos em suas interações com o ambiente e outras pessoas. (JOHNSON, 1987, p.85)
24
Quando o animal (chipanzés, Homo faber e Homo sapiens) consegue passar pelas
três fases/formas de agarrar um objeto, por exemplo, resultando no Homo sapiens, o
qual sabe segurar bem das três formas, acontece então a evolução cultural. A
pinçada (primeira forma), a sustentação (segunda forma) e a pegada côncava
(terceira forma) são ações que executamos com as mãos em relação aos diferentes
objetos que nossos antepassados não executavam tão bem quanto nós (a terceira
forma, nem a faziam). A manipulação que era possível fazer no Homo faber (com a
sustentação) já inicia em nós (Homo sapiens) uma evolução cultural que tem a ver
tanto na própria evolução da manipulação do objeto, quanto no que isso representa
para nós, com a ação de pegar algo ou de ter domínio sobre algo. As expressões,
segundo o autor, “get a grip” ou “come to grip” constróem várias gírias americanas,
que dizem respeito a “pegar algo”, “ter domínio de algo” ou “ter domínio de algum
conceito” (“pegar uma ideia”, “sacar”) e “refletem o diálogo evolutivo entre a mão e o
cérebro” (SENNETT, 2012, p.171).
A partir do momento que o corpo entende o ato de agarrar, de pegar, ele
é capaz de repetir a ação antecipando a intenção de movimento. Quando olhamos
um copo, por exemplo, antecipamos a sua pegada, mesmo sem saber em que
temperatura se encontra tal objeto. Essa intenção e antecipação deste movimento,
segundo Sennett (2012), é o da preensão. “A preensão indica um estado de alerta,
envolvimento e disposição para o risco do mesmo ato de olhar a frente...”
(SENNETT, 2012, p.174). É através dessa sensação intuitiva que associamos este
sentimento ao fato de “pegar uma ideia”. O ato de pegar ou agarrar traz a conotação
de prender algo. No caso do conhecimento, de apreender algo. Essa sensação de
prender ou apreender é uma sensação pelemuscularmente experienciada pelo
cérebrocorpo. Ou seja, a palavra “pegar”, da expressão “pegar uma ideia”, é usada
em seu sentido metafórico, em um procedimento metafórico do corpo (veremos
adiante).
A habilidade de soltar e prender com os polegares também é importante
na compreensão reflexiva que temos sobre nos apegar e desprender de certas
situações ou problemas em nossas vidas. O violinista ou pianista precisa ter essa
habilidade do soltar e prender cordas e teclas com os dedos para desenvolver sua
música, por exemplo. Para Sennett, baseando-se em estudos neuropsicológicos,
25
pessoas que desenvolvem bem este exercício cognitivo tem mais facilidade em
desprender-se de um medo ou obsessão.
É indispensável conhecer a relação entre as estruturas sensóriomotoras e
a construção de conceitos abstratos para poder propor uma Educação baseada no
corpo – objetivo desta tese. Mas se sabe da força da tradição do dualismo, e da
necessidade de enfrentá-la, para sustentar que só é possível conhecer aquilo que
algum sentido do corpo humano tenha experenciado, mesmo se for um conceito
abstrato. Só podemos ter a memória de uma mesa ou da expressão “vamos pôr as
cartas na mesa”, por exemplo, se alguma vez já tivermos visto ou tocado em objetos
que se assemelhem a uma mesa e a uma carta, e tenhamos informação sobre a
experiência de jogar cartas. Porque a proposta aqui é a de demonstrar que a
experiência sensóriomotora é a base de conceitos abstratos complexos e, então, a
experiência sensóriomotora do movimento pode agregar algo importante ao
processo de construir os conhecimentos que a Educação se propõe a realizar.
Nos anos iniciais da vida, o cérebro necessita das informações
sensóriomotoras para construir sua “base de dados” e, posteriormente, passa a
realizar as operações de construção de conceitos através de metaconceitos. A base
já está formada (pelas estruturas sensóriomotoras) e, a partir daí, começam a se
formar conhecimentos mais complexos. Como nem todas as crianças possuem a
mesma qualidade em suas experiências sensóriomotoras, essa diferença estará
presente no jeito como construirão seus conhecimentos abstratos ou complexos.
Para compreender a operação cerebral deste fenômeno, recorre-se a
Consenza e Guerra (2011), que identificam as fases e as estruturas cerebrais que
formam a construção do conhecimento: as áreas sensoriais primárias, as áreas
corticais secundárias e a área terciária temporo-pariental. Cada uma delas faz uma
escala de operações ao longo da vida, que vão dando maturidade ao cérebro e suas
operações mentais. As áreas sensoriais primárias são responsáveis, logo nos
primeiros meses e anos de vida, pelas experiências sensíveis (órgãos dos sentidos e
outros mais, como a cinestesia13, por exemplo), as quais são as primeiras formas de
13 Este sentido passa, além dos cinco sentidos amplamente conhecidos, pela propiocepção muscular
e pelo sistema vestibular, que atuam no nível da inconsciência e, por isso, não são amplamente compreendidos e percebidos, segundo Berthoz (2000). Alain Berthoz é neurofisiologista, especialista
26
conhecimento desenvolvidas no corpo humano. Mais tarde, se desenvolvem as
áreas corticais secundárias, responsáveis por decodificar as informações das áreas
sensoriais primárias. A área terciária temporo-parietal aparece em terceiro nível,
para relacionar as diferentes informações sensoriais e suas decodificações,
integrando-as e dando surgimento a funções mais complexas.
O desenvolvimento de cada uma dessas regiões cerebrais vai
acontecendo à medida que a pessoa interage com o ambiente e vai tendo as suas
experiências, e vai elaborando novas construções.
É por meio das informações sensoriais [...] que tomamos conhecimento do que está acontecendo no ambiente ao nosso redor e com ele podemos interagir de forma satisfatória, de modo a garantir nossa sobrevivência”. (COSENZA e GUERRA, 2011, p. 20)
Damasio (2011) diz que essas construções no cérebro (que ele denomina
de mapas cerebrais) se reconfiguram a todo momento, não sendo, portanto, mapas
fixos, pois o corpo está em constante movimento (uma mudança de posição, um
cheiro ou um sabor que passa, a respiração, o barulho que ouvimos, etc.). Todos
esses mapas são configurados de forma inconsciente na mente como imagens14, e
estas, por sua vez, desenvolvem o raciocínio (consciente). Os mapas, para Damásio
(2011), acontecem em um contexto onde já existe a ação. “Ação e mapas,
movimentos e mente são parte de um ciclo sem fim, uma ideia sugestivamente
captada por Rodolfo Llinás quando atribuiu o nascimento da mente ao controle
cerebral do movimento organizado.” (DAMASIO, 2011, p. 88)
Para Damasio (2011), os mapas cerebrais (capacidade do cérebro de
construir uma ordenação espacial das informações de determinado objeto ou partes
do corpo) fazem parte de uma escala evolutiva, que já possibilita a seres como nós
(homo sapiens) organizar informações sobre nós mesmos - o que facilita a gestão da
em fisiologia integrativa. Suas pesquisas cuidaram do controle multisensorial do olhar, do equilíbrio, da locomoção e da memória espacial. É também professor no Collége de France.
14 Imagens, para Damásio (2011), não são figuras, desenhos ou uma fotografia, mas são a
representação de algo no cérebro. Os mapas mentais e os pensamentos são fluxos de imagens.
27
vida, ou seja, a manutenção de nossa homeostase15. Esses mapas, na nossa
história evolutiva, sempre existiram, mas em proporção menor, desde que a
membrana de seres mais simples começou a desenvolver um mecanismo de
aceitação ou rejeição de determinada substância através dos gradientes de
concentração de sódio e potássio, regulado pelas membranas de suas células. A
mente seria uma emergência desse mapeamento, em forma de imagens, as quais
se constituem de uma representação (chamada também de conceituação) do
ambiente (inclusive do corpo), fazendo com que o organismo tenha o conhecimento
sobre determinada coisa.
... os mapas cerebrais são a base das imagens mentais, o cérebro criador de mapas tem o poder de literalmente introduzir o corpo como um conteúdo do processo mental. Graças ao cérebro, o corpo torna-se um tema natural da mente. (DAMASIO, 2011, p. 118)
E essa experiência ou emergência da mente só pode se dar pelo cérebro,
o qual, por sua vez, precisa mapear primeiramente o corpo (seu tema principal).
“Sem dúvida, é verdade que a mente somente toma conhecimento do mundo
exterior por intermédio do cérebro, mas é igualmente verdade que o cérebro só pode
obter informações por meio do corpo.” (DAMASIO, 2011, p. 121)
A partir do conhecimento do corpo, o cérebro mapeia outras coisas, tendo
o sensóriomotor como mediação. Neste caso, partindo do pressuposto que todo
corpo é corpomidia (KATZ & GREINER, 2005), informações só conseguem ser
mapeadas pelo cérebro tendo o sensóriomotor como base, e lembrando que o
cérebro mapeia conforme a estrutura (anatômica, biológica) que cada organismo
oferece. Como resultado dessa “conversa” corpo/outrascoisas (ou corpoambiente),
ocorre o mapeamento do cérebro sobre essa relação.
Se os mapas são criados a partir da relação do corpo com um objeto,
presume-se que existe uma ação prévia (primitiva) que provoca a criação desses
mapas. A partir disso, os mapas criados dessas relações funcionam para tornar mais
eficaz, com menos dispêndio de energia, as funções que o organismo pretende
realizar. Basta lembrar que antes de organismos vivos terem um cérebro, eles eram
15 Processo de obtenção do estado de equilíbrio do organismo, que consiste em encontrar fontes de
energia, incorporar e transformar produtos fornecedores de energia, etc. (DAMÁSIO, 2004, p. 61)
28
estruturas motoras eficientes. Evolutivamente, esses organismos precisaram de um
órgão que organizasse essas ações, e daí o cérebro foi se tornando o que temos
hoje (como vimos anteriormente, com Maturana e Varela,1995, na evolução dos
seres uni para multicelulares).
Na “Cognição Corporificada” (CC) proposta por Ribeiro (2015), dá-se um
status especial ao corpo no processo cognitivo. A pesquisadora entende por
‘corporificado’ o fato das informações estarem se tornando corpo (algo que não é
corpóreo e se torna corpóreo) em um processo de transição constante entre corpo e
ambiente, e não considera que a informação entra no corpo e lá se aloja, de forma
intacta. “O corpo-mente torna-se o personagem principal, mas que não existe sem
os demais: ambiente e contexto” (RIBEIRO, 2015, p. 47).
Como trabalha com o conceito de corpomídia (KATZ & GREINER),
Ribeiro alerta que para conhecer, é necessário perceber. E a percepção é um modo
de agir (ação, no sentido de intenção do movimento), interagindo com o meio. E a
base da percepção é o sistema sensóriomotor. Para Varela, Thompson e Rosch
(1993), apud Ribeiro (2015), a cognição é uma ação corporificada e não uma
reconstituição ou projeção.
Além disso, Cowart (2004) acrescenta que o termo corporificado refere-se à compreensão de que a maneira como um ser é corporificado, ou seja, se ele possui dois braços, um cérebro de um tamanho específico, pernas ou patas, irá impactar o modo de suas ações objetivadas e também que as suas experiências corporais fundamentarão a formação de conceitos (RIBEIRO, 2015, p. 48)
No contexto da Cognição Corporificada, vemos várias relações que vão
além de uma cognição “mental”. O sensóriomotor participa desta construção em
maior intensidade do que a maioria pode imaginar. Nossa história, enquanto espécie
e enquanto indivíduos, traz várias evidências desses processos.
Ao atentarmos para tais entendimentos de uma formação de linguagem e
percepções corpadas (as quais têm raízes na nossa história evolutiva), assim como
para a compreensão de que o cérebro mapeia o corpo para então organizar os
demais conhecimentos sobre o mundo, passamos a observar que, nos termos da
Cognição Corporificada, a construção de conhecimento só acontece com as
29
estruturas sensoriomotoras, ou melhor localizando, com o corpo. E o corpo está
sempre presente, inclusive em sala de aula. Porém, os procedimentos educacionais
o negligenciam quando não levam em conta as suas ocorrências corpadas e
continuam a divulgar práticas dualistas, apoiadas na separação entre corpo e mente.
Quando se identifica a importância do corpo no processo de construção
do conhecimento, torna-se cada vez mais urgente e necessário levar tais
informações para que elas colaborem com a transformação das metodologias
educacionais que ignoram o peso do corpo nestes processos. Os avanços nos
entendimentos de como o corpo funciona não devem continuar a ser ignorados
pelas metodologias educacionais, nos planejamentos pedagógicos, e nas políticas
públicas para a Educação, para que substituam a compreensão do corpo separado
da mente. No campo da Educação, cabe lidar com este corpo o entendendo como o
que a pessoa é, e não como algo que a pessoa tem. Nós não temos um corpo, nós
somos corpo.
1.3. PROCEDIMENTO METAFÓRICO DO CORPO
Met ou meta: antepositivo grego, que expressa as ideias de comunidade,
participação, mistura ou intermediação, sucessão (no tempo e no espaço), no meio de, entre, durante, mudança de lugar ou de condição, interposição, transporte. Phora: pospositivo, também grego, que significa ação de levar,
carregar. (RENGEL in: Arte & Cognição, 2015, p. 119)
Os gestos, a fala, a escrita (seja ela verbal ou imagética) expressam a
compreensão que o corpo tem das coisas ao seu redor, e o sistema sensóriomotor
tem participação no momento de formar a base para os significados que
determinada coisa tem. Enquanto a linguagem verbal é largamente valorizada na
Escola, o corpo ainda não tem a sua importância reconhecida - e isso precisa ser
revisto. Falaremos aqui sobre a construção da linguagem e sobre a expressividade
da fala e do gesto.
Voltemos à sensação de “pegar uma ideia”. O ato de pegar ou agarrar
traz a conotação de prender ou de apreender, como já vimos na p. 24. A palavra
“pegar”, da expressão “pegar uma ideia”, é usada em seu sentido metafórico.
30
Sabemos que a definição de metáfora, na língua portuguesa, é o da utilização de
uma palavra em termos de outra, ou seja, se designa algo tomando como referência
outro algo, que possua característica semelhante. Portanto, a metáfora transpõe
uma coisa em termos de outra.
Diferenciando-se desta definição, que trata a metáfora como uma figura
de linguagem restrita a uma substituição de termos, tratada como uma operação
desagregada do corpo, Rengel (2007), a partir de Lakoff e Johnson (1999)16, propõe
o conceito de procedimento metafórico, o qual seria a base da construção da
linguagem e da compreensão de conceitos pelo cérebrocorpo, como anteriormente
já mencionado. Para Rengel, o corpo opera por procedimento metafórico, e assim,
vai formando os conceitos. As metáforas, portanto, são sempre construídas
baseadas nas estruturas sensóriomotoras do corpo, pois é a partir dessas estruturas
que conseguimos construir algum tipo de entendimento do ambiente que nos cerca,
ou seja, nos tornamos aptos a construir conhecimento.
O proceder metafórico do corpo associa a construção de conceitos às
nossas estruturas sensóriomotoras, pois os domínios sensóriomotor (respirar, sentir,
perceber, tocar, ouvir, etc.) e dos julgamentos abstratos (afetos, julgamentos morais,
juízos de valor, etc.) se “entrecruzam, como um proceder do mecanismo cognitivo do
corpo” (RENGEL in: Arte & Cognição, 2015, p. 117). Compreendemos o mundo e
damos nomes às coisas por conta do procedimento metafórico.
A conceptual metaphor is a conceptual mapping of entities and structure from a domain of one kind (the “source” domain) to a domain of a different kind (the “target” domain). We appropriate our knowlwdge of the source domain to conceptualize and reason about the target domain. In this way the bodily-based meaning of the source domain is carried over into our understanding of more abstract concepts. (JOHNSON, 1987, p.94)17
16 George Lakoff e Mark Johnson, linguista e filósofo, respectivamente, escreveram Philosophy in
the flesh: the embodied mind and it’s challenge to western thought (1999), falando sobre o papel
da cognição na filosofia da mente, e também tratam das metáforas, nesta e em outras obras.
17 Metáfora Conceitual é um mapeamento conceitual de entidades e estrutura de um domínio de um tipo (o domínio “fonte”) para um domínio de um tipo diferente (o domínio “alvo”). Nós apropriamos
nosso conhecimento do domínio fonte para conceituar e argumentar sobre o domínio alvo. Desta forma, o significado da base corpórea do domínio fonte é levado para a nossa compreensão de mais conceitos abstratos. (JOHNSON, 1987, p.94)
31
No ato de construir uma metáfora, Lakoff e Johnson (1999) alertam para o
fato de usarmos uma designação em termos de outra porque ambas as coisas são
semelhantes. Semelhantes designa estar próximo de. Esta sensação de semelhança
ou de proximidade é, mais uma vez, um procedimento metafórico de compreensão,
pois fisicamente, em sensações motoras, ambas as coisas estão “espacialmente”
próximas.
...”Essas cores são similares” [...] similar carrega consigo a experiência de estar ou de ter estado próximo de alguém ou de algo, com o próprio corpo. Ou, alguém, com o gesto de juntar os dedos (por exemplo) ou de aproximar uma cor da outra, nos fez experenciar e entender o que é similar. Para se dizer/pensar similar terá ocorrido um julgamento, ou uma ideia, ou uma reflexão, que aconteceu/acontece junto à experiência sensório-motora de proximidade. Desta feita, concordamos que similar não é conceito metafórico ou metáfora (enquanto figura de linguagem), mas provém do procedimento metafórico. (RENGEL, 2007, p. 80).
A construção da linguagem, portanto, passa pelo procedimento metafórico
do corpo, operando sempre neste trânsito entre sensóriomotor e julgamentos
abstratos nas nossas estruturas cognitivas. Os gestos, por sua vez, operam na
mesma lógica, visto que a linguagem, verbal e não verbal, lida com a capacidade de
expressão do corpo. O corpo, ele expressa a si mesmo. Mas é preciso evitar
entender que expressar é deslocar uma informação que estava no pensamento para
ser “externalizada” no corpo (seja pela escrita, pela voz ou pelo gesto), porque se
continuarmos a fazer isso, não estaremos considerando a cognição do corpo na
perspectiva coparticipativa com o ambiente. A expressividade ocorre por ajustes
continuados no corpoambiente, e seus códigos só podem se fazer comunicativos
nos contextos culturais aos quais estamos ligados.
Berthoz (2010) exemplifica com estudos do neurofisiologista William
Calvin, que nos diz que a linguagem (estrutura que erroneamente se entende ser
uma propriedade exclusiva da mente) se desenvolveu, em termos de lógica de
estruturação, a partir do fenômeno evolutivo do homem de construir seus artefatos
tecnológicos (martelo, moradia, cama, técnicas de cozimento, etc.), encaixando ou
pregando um objeto no outro, um após o outro, numa sequência de ações corporais.
Essa sequência linear resultou nessa necessidade e lógica de construir
comunicação de ideias, onde um som precede o outro, como as sílabas sucedem
32
umas às outras para formar as palavras, e estas em sequência formam uma frase.
Desta forma, as sensações de ação corporal, segundo esses estudos, é que deram
o subsídio para a compreensão da lógica linear de comunicação.
A existência se ata às formas da sua expressividade. Não é possível
compreender o pensamento ou a inteligência sem corpo. Não é possível supor que
qualquer fenômeno “mental” ocorra sem as estruturas sensóriomotoras.
Neste entendimento, a educação que supervaloriza apenas um certo tipo
de linguagem em detrimento de outras, produz consequências graves. Afinal, na
escola, a escrita tornou-se a forma hegemônica de expressão. As metodologias
educacionais, o planejamento pedagógico, as políticas públicas para a Educação
mantêm um entendimento de corpo já superado. É preciso rever conceitos, reolhar
as relações e reolhar o corpo, não só na Escola, mas também para além dela.
1.4. MOVIMENTO
Movimento é aqui entendido como ação propriamente dita, mas no
contexto escolar, se reduz a designar deslocamento, o ato de se mexer mudando de
um lugar para outro - seja corpo ou uma ideia. É a ação de deslocamento, de
mudança, agitação. Moveo, movi, motum, movere: movimento que, em latim, traz
suas raízes nos sinônimos de remexer, volver, dançar, tremer, remover, comover,
assim como nos termos indignar, irritar, transgredir, produzir ou provocar, e até
causar ou originar, ou seja, tudo o que pode provocar movimento. Movimento que
não se opõe ao que sugere Schopenhauer (1788-1860) como “vontade de viver”,
como propósito primeiro para a vida aparecer (entendendo “propósito” nos sentidos
evolutivos já trazidos) e que, para viver, o movimento se faz imprescindível.
Movimento dos corpos, movimento homeostático, movimento “devir”, inércia do
movimento para viver: a vida é a constância do movimento.
Mover, que para Heráclito (540 a.C. a 470 a.C.) era o princípio do
entendimento de todas as coisas, pois tudo “é” no sentido do devir, de sempre vir a
ser, de estar em constante processo e nunca em modelo estático, podendo ser
definido de forma isolada. As coisas só podem ser compreendidas num contexto
33
dialético, onde o “ser” e o “não ser” estão sempre contidos no mesmo objeto,
definindo-o e sempre considerando o seu devir.
Movimento que não cessa. Movimento que permanece, que tem como
principal característica a inércia: a inércia do mover sempre! Como os átomos de
Bohr, que compõem tudo no mundo, o movimento é qualidade primeira para a
existência. Os agitos de seus elétrons, a atração entre positivo e negativo, conferem
ao mundo a lei químicofísica primeira de formação/constituição das coisas. Os
elétrons (que nunca param) estão em constante inquietação de se ligarem a outros
e, assim, ligarem os átomos aos quais pertencem, buscando uma estabilidade que
nunca finda. Os átomos, mesmo nos objetos aparentemente a olho nu, imóveis,
estão em constante inquietação, agindo e reagindo ao ambiente, demonstrando o
desgaste ou deterioração do objeto aparentemente imóvel.
Nesta mesma instabilidade e inquietação estão nossas ações no mundo,
uma ação que é sempre relacional, nunca isolada. Esta ação, este mover, é
constante. Considerando o terreno evolucionista e neurocientífico ora apresentado,
corpomente também são compostos de átomos. Se o mover é recorrente nas coisas
não vivas, de certo é inerente nas coisas vivas: é critério fulcral! Sem movimento,
não há vida. Como tempo que não volta, como a forma das dunas de areia a cada
segundo, como o ar que entra e sai dos nossos pulmões a cada respiração, como o
ferro que se deteriora ao ar livre, como a poeira que senta no instante seguinte em
que a outra é retirada: o movimento atômico se recusa a cessar, é sedento pelo
movimento, fazendo de nós também seres do movimento. Seres que se recusam a
calar quando instigados, que dormem e acordam todos os dias, que têm fome ou se
empanzinam, que enlouquecem ao fazer nada, que mudam de posição na cadeira a
cada minuto, que cansam e descansam. Nosso arcabouço biológicocultural se
recusa ao estático, fazendo com que o movimento seja necessidade e característica
fundamental da condição de existência.
Como na homeostase (Damasio, 2011, 2017), buscas e ações são
definidas por sentimentos18 (que nada mais são que a regulação da vida) e o
18 Sentimentos, para Damasio (2011), são percepções das emoções, ou seja, um reconhecimento do corpo das sensações primárias dele, como raiva, alegria, vergonha e desencorajamento, que provocam sentimentos de mal-estar, bem-estar, equilíbrio e fadiga, por exemplo. Os sentimentos se baseiam nos estados corporais (cognitivos) que se formam a partir das emoções, as quais alteram
34
movimento ocorre para atender tal necessidade. Não à toa, nossas aspirações e
sentimentos são uma expressividade do corpo, lugar onde as necessidades se
virtualizaram em sentimentos e recrutam nossas ações. Assim como o sistema
nervoso de seres multicelulares se desenvolveu a fim de atender uma necessidade
de células unicelulares, primariamente “motoras”, o sentimento se apresenta com a
mesma função: atender e tornar ágil, com menos gasto de energia, as funções
“motoras”.
A orientação dos mecanismos de incentivo passou gradualmente a ser conhecida pelos organismos dotados de mente e consciência como o nosso. A mente consciente simplesmente revela o que já existe há muito tempo como um mecanismo evolucionário de regulação da vida. Mas a mente consciente não criou o mecanismo. A verdadeira história está na contramão da nossa intuição. A verdadeira sequência histórica é inversa. (DAMASIO, 2011, p.73)
É preciso entender que antes desse recrutamento de ações há a origem
desse sentimento no corpo: não se trata do sentimento coordenar o corpo, mas de
cada membrana celular ser responsável (em termos de demandar necessidades)
pelo surgimento do sentimento. Este, emerge num contexto de procedimento
metafórico, de conceito, de significado do corpo para, com o ambiente, manter sua
homeostase.
Os sentimentos são as expressões mentais da homeostasia, e a homeostasia, agindo sob a capa do sentimento, estabelece a ligação funcional entre as primeiras formas de vida e a extraordinária colaboração que se veio a estabelecer entre corpos e sistemas nervosos. Essa colaboração é responsável pela emergência das mentes conscientes e dotadas de sentimentos que, por sua vez, são responsáveis por aquilo que mais distingue a Humanidade: culturas e civilizações. (DAMASIO, 2017, p. 17)
Homeostase esta que está sempre em fluxo, pois, ao ter necessidade, o
organismo já muda sua configuração (muda no momento da necessidade, como
propõe Noe, 2004), o que já aponta para outras satisfações. O movimento ou fluxo
homeostático é o que caracteriza a vida dos organismos, no seu constante devir,
esses estados e a percepção disso é dada como sentimento. Portanto, na inteligência evolutiva que nossa espécie atingiu, os sentimentos são a virtualização dessas emoções, as quais são estados corporais instintivos.
35
corpomidiaticamente (KATZ & GREINER), como a passagem do tempo: só vai... não
volta!
Assim como as células se movimentam para se agruparem, numa ação
de conduta (MATURANA e VARELA), para garantir sua homeostase, os organismos
complexos como nós também o fazem. As células, ao se agruparem, formam o que
identificamos como organismo animal ou vegetal e, desta forma, podem ter maior
durabilidade no ambiente, assim como usufruir melhor dele. Ao nos agruparmos,
humanos regulados pelos sentimentos como somos, nos sentimos mais seguros,
mais fortes e com mais domínio do usufruto do ambiente. Considerando que
anseios, buscas e sentimentos são corpos em movimento, os agrupamentos aos
quais pertencemos ou ora participamos fazem parte do fluxo homeostático da
sobrevivência, da vida. “Corpo docente” e “corpo discente” constituem um fluxo
natural e necessário, que se agrupam por sua funcionalidade comum, e são
movimentos que se complementam sempre na condição relacional de
ensinaraprender.
O movimento, portanto, inerente à vida, se faz presente na forma
primeira e última desta, do formato mais simples ao mais complexo, caracterizando
motoramente a busca pelo estar no mundo. Aos outros acontecimentos que
pretendem estar vivos ou “inseridos” na vida (corpomidiaticamente entendido), só
lhes cabe fazer relação com o movimento.
1.5. MOVIMENTO E O CONHECIMENTO EM REDE
A necessidade de conhecer está ligada à nossa própria estratégia de
sobrevivência, sendo imprescindível que desvendemos seu funcionamento. A
construção de conhecimento passa pela percepção de como nos constituímos
enquanto indivíduo, a partir das experiências que vivemos neste mundo. O
movimento, neste cenário, é um imprescindível agente cognitivo para tal construção,
visto que é a partir do entendimento de como nos movemos sensóriomotoramente
que compreendemos como outras coisas se movimentam ao nosso redor, no sentido
amplo do termo. É importante destacar, neste processo, que é a cinestesia que nos
leva aos metaconceitos, que nos encaminha ao procedimento metafórico e,
36
consequentemente, participa da construção de conhecimentos mais complexos, ou
seja, não se limita a entender somente como as coisas ao nosso redor se
movimentam motoramente.
Não podemos deixar de apontar que dessa construção motora de
conhecimento participa hoje a forma de ver, raciocinar e conhecer que estamos
desenvolvendo em nossas práticas digitais. A forma como hoje conhecemos o
mundo tem a ver com o fato de passarmos muitas horas frente às diversas telas que
nos cercam, e essas novas práticas cotidianas mudam nosso movimento, assim
como as formas como agora construímos conhecimento.
A própria relação evolutiva que se estabelece deixa clara a relação entre
biologia e cultura ser coparticipativa, num entendimento que as bases biológicas e
as bases culturais se constróem e se afetam mutuamente. A internet e as redes são,
portanto, um desenvolvimento (no sentido de consequência) do corpocérebro
biológicocutural, demonstrando a ligação evolutiva entre natureza e cultura. A
internet, que também surge de uma necessidade culturalbiologica nossa, passa a
desempenhar um papel central no nosso desenvolvimento. Nosso corpo se distende,
indo além da ‘extensão do corpo’ que McLuhan (2007) havia apresentado como
característica dos aparatos tecnológicos. Nossos hábitos cognitivos mudam.
Como corpo e ambiente se relacionam em co-dependência, as mudanças
cognitivas produzidas pelo nosso viver on line também passam a funcionar no viver
off line, nos momentos nos quais não estamos diretamente na frente das telas, na
internet. Nosso convívio social com as redes é de tal intensidade que aplicativos e
hardwares estão agora em nós, se corparam. Eles apenas parecem ser externos a
nós, porque as trocas entre corpo e ambiente nos fazem participar da rede de coisas
que criamos e necessitamos (SPARROW, 2015). O corpo é essa capacidade de
conexões com o ambiente, de um tipo que Andy Clark, apud Sparrow (2015), chama
de scaffolding (a tradução literal para a língua portuguesa seria “andaime”)19.
19 Neste entendimento, a mente não se limita ao cérebro humano, ela perpassa todo o organismo, se estendendo ao ambiente. Este último, fornece estrutura para o organismo (computadores, canetas, celulares, etc.) com as quais (re)constrói as suas estruturas cognitivas. Esse tipos de montagem estrutural corpoambiente é o que Andy Clark (2008) chamou de “scaffolding”.
37
O ser vivo, desde sua mais primitiva forma de existir, coevolui com o
ambiente fazendo suas adaptações e, com elas, também vai transformando o
ambiente. Ele se distende no uso dos aparelhos que o cercam. Chamamos de
distensão e não de extensão porque ocorrem mudanças de hábitos cognitivos, isto
é, o corpo vai se transformando de acordo com o uso dos equipamentos. Não se
trata mais daquilo que se acopla ao corpo como uma extensão sua. Essas
extensões todas viram corpo, elas se tornam distensões do corpo, porque o
expandem promovendo outra plasticidade para os nossos neurônios, ossos,
músculos e movimento. E essa outra plasticidade nos traz novas formas de
conhecermos o mundo.
As distensões mudam a nossa capacidade cognitiva. Na evolução das
espécies, nosso cérebro sofreu transformações que nos trouxeram até o Homo
Sapiens, com cérebro capaz de criar outros “cérebros” (como a internet). Criamos a
internet como uma evolução natural da nossa capacidade cognitiva. A internet seria
uma distensão do nosso cérebro, que também distende a sua performance, pois
corpo e ambiente co-evoluem e se co-transformam: “sendo o corpo uma espécie de
mídia, a informação que passa por ele colabora com o seu design” (KATZ &
GREINER, 2001).
Para sustentarmos que ocorre a distensão, precisamos saber como a
informação vira corpo. Como isso acontece? Exemplo: quando estamos com os
dispositivos móveis, permanecemos no mundo on line, independente de onde
estivermos. Esta disponibilidade, de tão praticada, já é natural ao corpo, e não fica
restrita apenas aos momentos de relação com o dispositivo, pois se estende para a
relação com o mundo das coisas e das pessoas. Estamos levando os hábitos
cognitivos produzidos pelo uso frequente dos aparelhos para o convívio cotidiano
(sem as telas) entre nós. Essa nova atitude perante o mundo é o reflexo da
distensão que os aparelhos tecnológicos são em nós. Transferimos para todos os
planos da vida o que construímos cognitivamente no convívio com os dispositivos
digitais.
Porém, segundo Katz (2015), as distensões não aparecem como
fenômeno somente na relação causa/efeito que o aparelho tecnológico provoca na
cognição humana, pois já se fazem presentes no momento que esta cognição tem a
38
“necessidade de” construir tal artefato tecnológico ou aplicativo. No momento em
que o homem sente a “necessidade de”, o aplicativo já ganha sua primeira forma. A
construção cognitiva, denominada de padrão mental (DAMÁSIO, 2011), é fruto da
“necessidade de”, e que, no momento que se desenvolve como ação ou como
função alcançada, materializada, inicia uma nova “necessidade de” que resulta em
um novo padrão mental. Segundo Gabora (1997), apud Katz & Greinner (2001),
...o que está no mundo são informações implementadas que, em algum momento, já tiveram existência apenas como um padrão mental. Uma vez no mundo, tais informações não param de agir, transformando-se novamente em novos padrões mentais e assim por diante (GABORA, apud KATZ & GREINER, 2001, p.68)
Nesse cenário de desenvolvimento cognitivo e de construção de
conhecimento, é importante sublinhar que a abordagem da relação do corpo com os
aparelhos que usa como um fenômeno distensivo nasce da proposta de entender o
corpo em uma perspectiva evolucionista darwiniana. Wilson (in: Goldberg, “The
Robot in the Garden”, 2000) observa que, antigamente, só poderíamos saber da
existência de alguma coisa (conhecer algo) na própria experiência de fisicalidade
com ela, e que aconteceria sem mediações20. Todavia, a presença permanente das
mediações impede a proposta de ter esse tipo de contato fora da ocorrência de
mediação. As mediações convocam os nossos sentidos simulando um contato
direto, que não pode mesmo acontecer porque entre um corpo e o que o cerca,
existe a percepção. Isso nos remete a rever conceitualmente o sentido de
“presença”, pois Malpas (in: Goldberg, “The Robot in the Garden”, 2000) afirma que
não importa se o objeto está ou não presente de fato, mas o que ele representa para
nós. No mundo das telas, tudo se faz presente na mediação das telas, se fazendo
presente a partir do momento que a mesma convoca minhas percepções
sensóriomotoras. Claro que temos que considerar que a forma como as coisas
convocam nossas percepções agora ocorre de uma forma diferente da de tempos
20 Mediação (o meio pelo qual o corpo encontra com a informação), para McLuhan, interfere no
conteúdo da mensagem. Bolter & Grusin propõem o conceito de “remediação”, que nada mais é que
a mediação de uma outra mídia.
39
atrás e que, portanto, somos convocados de outro jeito. Trata-se de uma forma de
construção cognitiva diferente, ou seja, uma forma outra de conhecer o mundo.
Antes, os encontros com as coisas se davam, na maior parte das vezes,
presencialmente. Malpas (2000) chama a atenção para a ligação entre o
entendimento do conhecimento difundido por Descartes, e a construção de
conhecimento que fazemos hoje, dentro das quatro paredes de nossas
salas/quartos, de onde acessamos qualquer informação originada de qualquer lugar
do planeta. A maneira como Descartes construiu sua teoria e formulou os seus
conceitos muito se relaciona, epistemologicamente, com a forma como construímos
nossos conceitos através das telas trancados em nossas quatro paredes.
In the graphic terms suggested by Descarte’s account in the Mediations,
knowledge, and so our relation to the world in general, arises as a problem in virtue of our imprisonment in the enclosed space of the mind – a space analogous to the room in which the Meditations are themselves presented as
being composed. (MALPAS, 2000, p. 110)21
Se as telas e as práticas digitais alteram nossa percepção e,
consequentemente, nossa relação no mundo, o sentido do movimento, a forma
como a rede cognitiva do movimento se relacionará com o meio também será (já é)
diferente. Para tanto, nossa forma de lidar com a educação desta estrutura cognitiva
também deve ser diferente do que se planejou na modernidade ou antiguidade.
1.6. DISTENSÕES E MOVIMENTO
As práticas do viver on line demandam certos tipos de movimentos e, com
eles, construímos o conhecimento. A partir do momento que deixamos de agarrar
ou pinçar a caneta para escrever, e passamos a deslizar os dedos no touchscreen
ou digitar nos teclados, estamos praticando movimentos diferentes e, portanto,
21 Nos termos gráficos sugeridos pelo relato de Descartes nas Mediações, o conhecimento e,
portanto, nossa relação com o mundo em geral, surge como um problema em virtude de nossa prisão
no espaço fechado da mente - um espaço análogo à sala na qual as meditações são apresentadas como composição. (MALPAS, 2000, p. 110)
40
conhecendo o mundo de outra forma. As mãos agora são mais espalmadas do que
dedicadas aos movimentos de agarrar.
Partindo do pressuposto que o movimento é chave para o conhecimento
de qualquer coisa, cabe refletir sobre o fato do humano estar mudando seu
vocabulário de movimento nas suas práticas com as telas que agora nos cercam.
Mas será que o movimento está mesmo se empobrecendo ao abrir mão de certos
tipos de movimentação ou apenas se transformando (ao invés de folhear um livro,
podemos clicar um mouse ou treinar os olhos a usar um google glass)?
Evidentemente, cada tipo de movimento se liga a certas habilidades cognitivas, e a
supressão de algumas práticas traz consequências, bem como a aquisição das
novas habilidades, que também nos trazem consequências outras.
Movimentos maiores habituam o corpo ao “grande”. Movimentos menores
(como os que usamos em teclados pequenos) nos treinam no “menor”. Telas
pequenas pedem textos mais simples, mais ágeis, menos complexos, mais
objetivos, sem rodeios, sem explicações longas. Não é à toa que nossa tolerância a
grandes explicações diminuiu, e que agora gostamos de informações mais diretas e
curtas, estamos sem paciência para ler grandes textos ou ouvir questões mais
elaboradas.
O movimento participa do processo de desenvolvimento da distensão,
pois aciona as conexões neurais que se fazem e desfazem a todo o momento. E
assim, vai distendendo os hábitos adquiridos nas práticas on line para o
comportamento off line e vice-versa.
1.7. O SENTIDO DO MOVIMENTO
Berthoz22 (2000) aponta para um sentido do corpo pouco explorado,
porém essencial para a compreensão de como formamos os conceitos que nos
guiam. Como já dito, chama o movimento de sexto sentido (sentido do movimento ou
cinestesia), e ele passa pela propriocepção muscular e pelo sistema vestibular, que
22 Alain Berthoz é especialista em fisiologia integrativa. Suas pesquisas cuidaram do controle
multissensorial do olhar, do equilíbrio, da locomoção e da memória espacial.
41
atuam no nível da inconsciência e, por isso, não é percebido da mesma maneira que
os outros cinco sentidos. Estamos retomando essa questão por entendermos que o
movimento, quando aceito como um sentido do corpo, pode atuar de forma diferente
na Educação, colaborando na construção de outras estratégias pedagógicas nas
Instituições de Ensino.
Para compreender de onde parte a ideia de que o movimento é um
sentido, vai ser necessário conhecer como acontece a propriocepção, segundo
Berthoz (2000).
1.7.1. Propriocepção
A habilidade que o organismo tem de perceber a sua localização e ter
consciência corporal é chamada de propriocepção. Refere-se a um conjunto de
sensores de informações “externas” e “internas”, que nos dão a consciência do
nosso estar no mundo, nossa postura, nossas atitudes. É a partir da leitura desses
estímulos (ceptores) que nos são indicadas as necessidades de atitude, a serem
escolhidas por nós. A propriocepção nada mais é que uma organização e
reorganização postural (entenda-se, de atitude), a fim de economizar energia em
qualquer ação que se pretende realizar. São posturas chamadas de “privilegiadas”,
pois são posturas escolhidas, dentre tantas outras, por nós. Seus sensores são os
responsáveis pela “informação” do movimento ou de sua intenção, contribuindo para
que o movimento seja um sentido.
O primeiro desses sensores é o que compõe o sentido da Posição e
Velocidade. Em algum momento, para se movimentar, o músculo (seus sensores e
neurotransmissores) antecipam o movimento, ou seja, planejam o movimento
pretendido, primeiro em forma de simulação para, posteriormente, de fato, executá-
lo. Os músculos antagonistas são os primeiros a participar do planejamento da
antecipação, para que, só depois, o músculo que se quer movimentar (agonista) faça
sua ação. Por uma modulação de propriedades dinâmicas (perceptores de
42
comprimento do músculo, por exemplo), o cérebro é capaz de simular o movimento
sem executá-lo. Nessa ação, os neurônios espelho23 têm um papel importante.
Se o músculo tem a propriedade de compensar o tempo que leva para
alongar-se, antecipando a contração do músculo antagonista (e ele faz isso muitas
vezes), evolutivamente, fomos capazes de desenvolver receptores para as
informações antecipadas, de modo a que hoje tenhamos essa capacidade de
antecipação (ou simulação) da ação. A evolução cuidou de selecionar receptores
que fossem eficientes nesta tarefa, ou seja, de “prever” o futuro.
Berthoz (2000) chama a atenção para a presença do movimento no
sentido do tato. Explica que temos diversos tipos de receptores/sensores táteis, que
são identificados conforme sua qualidade receptora: de força, de pressão, de fricção,
de acarinhamento, de frio, de calor (termoreceptores), de dor. E que tais receptores
são acionados antecipadamente, pela forma como um objeto externo desliza sobre a
pele ou a toca.
Como os receptores são distribuídos desigualmente pela superfície da
pele, assim como no córtex cerebral, quando alguma mudança acontece no corpo
(como um corte no dedo ou uma região é anestesiada), eles se reorganizam em
termos de localização e transmissão, desvelando que esses receptores estão em
lugares fixos no corpo e estanques em uma só posição. Para tal organização, é
necessário o sentido do movimento.
A força empregada para segurar um objeto na mão, por exemplo, é, em
parte, responsabilidade do sentido do tato. Porém, o mesmo não é capaz de
identificar, de distinguir, a diferença da força que a mão requer para segurar a força
que o objeto exerce sobre a mão. Essa distinção é feita pelo sentido do movimento.
23 Baseado em estudos de Giacomo Rizzolatti, neurofisiologista professor da Universidade de Parma
(Itália), que dedicou muito de suas pesquisas à descoberta desse tipo de neurônio e de como
funciona, Damásio (2011) os define como sendo o maior dispositivo cerebral que simula os estados
do corpo. Frisa que uma ação não precisa ocorrer realmente no organismo para que os neurônios-
espelho sejam ativados: eles são ativados na observação de um movimento de outra pessoa,
simulando este movimento no seu cérebro. Ora, se é capaz de simular os movimentos (ou estados
corporais) de outrem, provavelmente também é apto a simular (antecipar) neuronalmente o próprio
movimento.
43
Uma criança, ao ver um objeto qualquer na mão da mãe, por exemplo,
quer tê-lo para si, ou seja, quer pegá-lo. Nesta intenção (que já está imbuída de
percepção, como veremos adiante), as informações visuais já creditaram, nas
informações táteis, a intenção de movimento (a criança olha e tenta pegar o objeto
e, às vezes, chora até conseguir obtê-lo). A mão e os braços esticam, a mão se
fecha e se abre, na ansiedade de dominá-lo, ou seja, ela já percebe tal objeto na
própria mão. Tanto os sensores da visão do tato e do movimento são acionados no
cérebro, mesmo que a criança esteja somente vendo o objeto na mão da mãe.
Depois do tato, vem o esforço. Os receptores chamados de golgi tendon
organs, os quais detectam o esforço exercido pelo músculo, juntamente com o
sensor de comprimento e velocidade do músculo, compõem a ação do esforço. A
“imagem” ou previsão do movimento feita pelo cérebro modifica o esforço executado.
Sendo assim, o esforço realizado não está propriamente na execução física, mas
também na simulação que posso fazer deste esforço. Um corredor, por exemplo,
pode imaginar, para seu melhor desempenho, que está com peso de areia amarrado
nas pernas para intensificar o esforço exercido na corrida, ou seja, correr mais
rápido (se assim tiver tido a experiência em treino).
A propriocepção reúne os sentidos da visão, audição, olfato, tato e
paladar, e atua, segundo Berthoz (2000), no nível da inconsciência. Ela busca não
só a soma, mas a relação entre os sentidos para concluir uma conscientização ou
reação a algo. Ela é multissensorial. É a cooperação entre vários sensores que faz
com que os mesmos se efetivem:
Indeed, to the five traditional senses - touch, sight, hearing, taste, smell – we
must add the sense of movement, or kinesthesia. Its characteristic feature is that it makes use of many receptors, but remarkably it has been forgotten in the count of the senses. [...] A plausible explanation is that it is not identified
by consciousness, and its receptors are concealed. (BERTHOZ, 2000, p. 25)24
24 Com efeito, para os cinco sentidos tradicionais - toque, visão, audição, gosto, cheiro –é preciso acrescentar o sentido de movimento, ou cinestesia. Sua característica é fazer uso de muitos receptores, mas notavelmente, ele foi esquecido na contagem dos sentidos. [...] Uma explicação plausível é que ele não é identificado pela consciência, e seus receptores são escondidos. (BERTHOZ, 2000, p. 25)
44
Numa reação a um tropeço, por exemplo, o corpo é capaz de simular e
prever as consequências de tal ação para se recuperar do acidente em questão.
Segundo Berthoz, não se faz cálculo de tempo ou espaço, mas há a cooperação dos
sentidos, os quais permitem perceber as necessidades de ação do corpo a fim de
não se machucar com a queda. Isso acontece porque no cérebro há pontos de
convergência de informações de duas ou mais fontes dos órgãos sensoriais
(principalmente no cerebelo), fazendo com que o corpo receba (perceba) a
informação em conjunto, o que foi nomeado por Held e Hein (apud Berthoz, 2000)
de “perceptual systems” (sistemas perceptivos). Já no caso de um piloto de avião
que decola em uma neblina, há pouco treino sensorial e, portanto, os acidentes são
mais prováveis, pois os sentidos isolados são, em geral, falhos.
Assim, a resolução de um problema ou qualquer ação que pretendemos
realizar necessita de um trabalho em equipe de nossos sentidos. A propriocepção,
assim como o sistema vestibular, é um ponto chave para o entendimento do sentido
do movimento, visto que é uma forma de percepção evolutiva inteligente e global do
organismo de organizar as informações da consciência corporal no espaço, assim
como resolver problemas de sobrevivência, utilizando sempre um conjunto de
sentidos.
Neste prospecto, admitindo que este sistema (propriocepção) é
fundamental para o sentido do movimento, Berthoz propõe que, apesar deste
sistema ser amplamente conhecido como localizador de posição (reconhecer o lugar
do corpo no espaço), na verdade, ele age como um memorizador de movimento, e
não somente de posição. Em vários testes feitos em laboratório, nos quais o sujeito
é posicionado em relação a um ponto (objeto), que ele identifica e localiza e,
posteriormente, este sujeito é deslocado na completa escuridão, de forma que não
possa ver mais o objeto de referência, observamos a atuação do sentido do
movimento. Em seguida a este deslocamento, o sujeito é convocado a relocalizar o
objeto e, em todos os casos, o sujeito consegue se mover em direção à posição
exata do objeto, mesmo sem ainda ter identificado exata e visualmente onde ele se
encontra, em relação ao objeto. Ou seja, o sujeito desvia o olhar em resposta à
convocação solicitada, mesmo sem ter ou estar revendo o objeto após o
deslocamento. Em outros experimentos, o sujeito, na mesma situação de ser movido
do lugar de origem em relação a um objeto, sem o uso da visão, é convocado a
45
puxar uma alavanca que o reposiciona, ao final do deslocamento, novamente frente
ao objeto. Em todos os casos, a resposta é positiva (o sujeito consegue se
movimentar para localizar o objeto novamente), mesmo que ainda esteja de olhos
vendados ou na completa escuridão.
Localizar algo no espaço e se localizar em relação a ele implica em saber
o quanto ou o que o corpo precisa movimentar para alcançá-lo, ou seja, como
cognitivamente isto ocorre. Berthoz nos diz que é pela necessidade do movimento
(para alcançar algo) que o corpo reconhece, localiza outro objeto e se situa em
relação ao espaço. Ou seja, é no movimento que a propriocepção se concretiza e
nos dá o conhecimento da posição. “To localize an object simply means to represent
to oneself the movements that would be necessary to reach it” (POINCARÉ (1854-
1912), apud, BERTHOZ, 2000, p. 37)25.
Quando avistamos algo e posteriormente fechamos os olhos e
caminhamos em relação a este alvo, geralmente o alcançamos com sucesso, pois
conseguimos perceber, ao olhar, qual a distância necessária para o atingirmos. Esta
noção do espaço e do deslocamento necessário é tarefa da propriocepção,
juntamente com as percepções visuais, táteis, auditivas, etc, que subsidiarão o
sentido do movimento. Este, para Berthoz, se configura como um sexto sentido, pois
é um sentido que veio a ser estudado após os cinco já amplamente conhecidos.
Porém, chamo aqui a atenção novamente que, por ocorrer ainda no nível da
inconsciência e subsidiar a efetivação ou percepção dos demais sentidos, gostaria
de propô-lo como primeiro sentido do corpo.
1.6.2. O Sexto ou Primeiro Sentido
Tomemos, como ponto de partida, a seguinte afirmação: “ação que
pretendemos realizar”. “Pretender” conota algo que antecede, indica a intenção de
fazer. Portanto, pretender, neste caso, é o ato de declarar uma intenção que, ao ser
declarada, indica que está sendo prevista e, quiçá, já sendo antecipada em uma
25 “Localizar um objeto significa simplesmente representar para si os movimentos que seriam
necessários para alcançá-lo” (POINCARÉ (1952), apud BERTHOZ, 2000, p. 37)
46
simulação. Antes de fazer a ação, o corpo já organizou simulações, selecionou
sensores, os quais estão diretamente relacionados com a forma que esse organismo
é, na sua particularidade, ou seja, relacionados com a forma que o mesmo organizou
suas experiências anteriores e, portanto, com o modo como o corpo se comporta e
seleciona tais sensores. Os sensores são selecionados baseados no que o
organismo deseja executar enquanto movimento.
Para o professor do Departamento de Psicologia Social e Institucional da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Ronald Arendt, apoiado no conceito de
enação de Maturana e Varela (1980), “o estudo da percepção é o estudo da maneira
pela qual o sujeito percebedor consegue guiar suas ações numa situação local.”
(ARENDT, 2000, www.scielo.br/scielo.php). Os corredores fundistas, por exemplo,
para executarem sua atividade, selecionarão sensores diferentes de um
mergulhador, pois suas ações, no seu devido ambiente e objetivos, são
completamente diferentes. Os sensores específicos de cada caso são selecionados
antecipadamente, a partir do que cada organismo pretende realizar. Nesta ação de
previsão, a percepção se constitui como uma geradora de suposições, que só nos
permite “ver o que buscamos”. Para tanto, entendamos como a percepção se
relaciona com o sentido aqui abordado.
Para conhecer, é necessário perceber. Para perceber, é necessário sentir.
Para Greiner (2012), a percepção sobre o mundo já é um pensamento, mesmo que
ainda não se configure em um julgamento.
Perceber já é um modo de pensar sobre o mundo ou, em outras palavras, toda experiência, mesmo sem se configurar como um julgamento, é pensável. Ter uma experiência, assim como improvisar, é ser confrontado com um modo possível de mundo. O conteúdo da experiência e o conteúdo do pensamento, em muitos sentidos, são os mesmos. A ignição está no movimento.(GREINER,2012,https://milplanaltos.wordpress.com/2012/07/30/ rediscutindo-a-natureza-da-percepcao)
Assim como os sentidos nos possibilitam a percepção das coisas, e sendo
estes sentidos sempre ativos e não passivos (como veremos a seguir), a percepção
tem relação direta com os sentidos, inclusive com o sentido do movimento.
Percebemos o mundo com a reunião de nossos sentidos e, portanto, com o sentido
47
de noção de movimento que nossas estruturas sensóriomotoras possuem. Temos
percepção da forma das coisas, do movimento delas, de suas dimensões e
tamanhos porque temos o sentido do movimento, segundo Nöe (2004)26.
Ao observar um copo de um determinado ângulo, por exemplo, podemos
ver a linha da boca deste copo em sua forma elíptica. No entanto, sabemos que sua
forma real é circular. Como isso é possível? Para Nöe (2004), temos a consciência
do ângulo do qual estamos observando essa esfera e inferimos que este ângulo não
está na sua posição real de “leitura”, ou seja, precisamos simular uma mudança de
posição deste copo para que vejamos que a boca dele tem a forma circular. É essa
habilidade de simular o movimento para perceber a informação ´real´ que configura o
sentido do movimento, e que me informará também o volume e a tridimensionalidade
dele. Sendo assim, não precisamos pegar o copo e vê-lo de todos os ângulos para
termos a informação sobre ele: a visão de um só ângulo me permite uma experiência
não restrita apenas àquele ângulo. Conseguir supor, a partir da experiência que se
teve, faz parte do conhecimento que será formulado sobre aquilo com o que entro
em contato. É sugerido, portanto, que o ato de perceber envolve estruturas
sensóriomotoras que já pressupõem um conhecimento prático/enativo (Alva Nöe,
2004).
Portanto, a percepção não se limita à interpretação da informação
´externa´ feita pelos sensores. Ela já é um julgamento e uma decisão tomada, sendo
uma antecipação à consequência da ação que irá ser executada.
...perception is more than just the interpretation of sensory messages. Perception is constrained by action; it is an internal simulation of action. It’s
judgement and decision making, and it is anticipation of the consequences of action. (BERTHOZ, 2000, p. 9)27
26 Alva Nöe recebeu seu Ph.D. de Harvard em 1995 e é professor de filosofia na Universidade da Califórnia, Berkeley, onde também é membro do Instituto de Ciências Cognitivas e do Cérebro e do
Centro de Novas Mídias. Ele trabalha sobre a natureza da mente e a experiência humana. Foi filósofo-residente da “The Forsythe Company” e também colaborou criativamente com os artistas de
dança Deborah Hay, Nicole Peisl, Jess Curtis, Claire Cunningham, Katye Coe e Charlie Morrisey.
27 “... percepção é mais que apenas a interpretação de mensagens sensoriais. Percepção é limitada
pela ação; é uma simulação interna da ação.” (BERTHOZ, 2000, p. 9)
48
Berthoz propõe que o esquema de ação e, claro, sua percepção, são
informações relacionadas. São memórias matemáticas, de escolhas pessoais,
experiências anteriores, enfim, uma rede de informações que preditam a ação a ser
realizada. Percepção é ação! Não há como pensar em percepção sem a informação
da ação. A intenção de movimento, seu planejamento, já acontece na percepção,
pois já é uma hipótese sobre o mundo. A percepção é uma intenção da ação! Ao
perceber qualquer coisa, imediatamente a informação de percepção já vem com a
intenção da ação pretendida. Na verdade, ao percebermos as coisas, já
pressupomos a forma como agimos perante as mesmas. Ou seja, as percepções
são atitudes. Cada organismo, em sua história evolutiva, adapta-se a um jeito de
perguntar ao mundo o que precisa dele. Questiona-o, dependendo da forma como
consegue estar nele. Essa ação se liga ao “umwelt” (Uexkull, 2004), uma espécie de
descrição do mundo que o corpo faz, na qual nosso modo de estar no mundo é
sempre conjecturando o que queremos dele (percepção), o que depende da nossa
constituição culturalbiologica.
Neste caso, os sentidos já são ativos, ou seja, já têm uma atitude quando
“sentem”. Como dito anteriormente, para perceber é necessário sentir, mas Berthoz
propõe que a fisiologia da sensação seja substituída pela fisiologia da percepção,
visto que a sensação já é um resultado da ação, do julgamento e da decisão
baseada na ação pretendida de um corpo. Assim, a percepção, no sentido do
movimento, já é a própria sensibilidade que o organismo tem para o mover, que está
carregada de intenção, julgamentos e sugestões. Quando o indivíduo percebe, a
ação já existe, já se configura como intenção e, portanto, já está ocorrendo o sentido
do movimento.
Um exemplo: na velocidade de movimento de um rato percebida por um
gato, é realizada uma antecipação da posição futura do ligeiro rato, para capturá-lo.
Os sensores de movimento do gato são capazes de prever a ação do rato pelas
inúmeras informações dos sentidos da visão, audição, olfato e do movimento deste,
tomado como referência os próprios movimentos, seu tamanho e possibilidades
motoras, já conhecidas, para inferir onde (em que posição) é possível capturá-lo. A
solução é tomada, pois os seres que se mexem são sensíveis ao movimento. E isto
tem mais relação com o desenvolvimento do equilíbrio do corpo (propriocepão), sua
mudança de posição (sua fuga de um predador ou caça), pois um organismo, neste
49
contexto, não possui tempo para fazer cálculos de velocidade e aceleração. A
solução fora encontrada (no viés evolutivo) nos sistemas oculares de adaptação e
nos sensores da endolinfa (localizado na cóclea), responsáveis pela visão e
equilíbrio, respectivamente.
A intenção ou ação pretendida sustenta o movimento como primeiro
sentido. Ao perceber com a visão, audição, tato, paladar ou olfato, a percepção (a
qual já se configura como ação) é conscientemente “printada” com movimento.
Nesta proposta, todas as percepções garantem a passagem pelo movimento no
organismo, visto que qualquer percepção já conota uma intenção (no contexto ativo)
do que e como pretendemos perceber.
Ao ver um pêndulo sobre a cabeça (a frente), a propriocepção
sente/percebe o movimento do pêndulo e causa um desequilíbrio de percepção no
corpo para organizar as estruturas e se equilibrar. Essa sensação de oscilação é o
sentido do movimento agindo, neste caso, pela função da visão (perceiving self-
motion). Este tipo de percepção pode causar uma memória de movimento, e não
uma memória do objeto que se está observando. Essa mesma memória acontece
principalmente nos casos de dirigir na estrada, onde a percepção da floresta e da
pista, que são informações em inércia, causa uma memória de movimento fixa no
cérebro, o qual não é mais estimulado pelas informações externas, pois a memória
inerte bloqueia as informações visuais externas, deixando somente a memória do
movimento. Pode ser devido a esta diminuição das informações encaminhadas ao
cérebro que, nestes casos de dirigir na estrada, a sonolência seja estimulada. No
caso das viagens marítimas essa memória do movimento das ondas do mar provoca
o mesmo processo, o que resulta no efeito de, após os tripulantes terem chegado
em terra firme, parecer ainda em movimento por horas (ou talvez mais de um dia).
As informações visuais de um movimento são importantes também para a
ocorrência deste sentido. As visões em perspectiva, acender uma luz após a outra
em uma linha em efeito cânone28, o panorama de uma paisagem vista pela janela de
um carro em movimento, todos são exemplos de efeitos que a retina cria, pois
possui vários receptores de forma, cor, sequência, luz incidente, que convergem
28 Efeito causado por um movimento que é feito várias vezes por diferentes corpos em diferentes
temporalidades, como a “ola” das torcidas nos estádios de futebol.
50
como informações em um ponto do cérebro, que memoriza o fenômeno, antecipando
a ação (se a ação observada tiver uma constante). Esta antecipação ou “vontade de
ver” percebida pela retina é que dá a percepção de movimento, tanto do movimento
do objeto observado como perceber como movimento o que não está em movimento
(a exemplo das luzes acendidas em sequência, uma ao lado da outra, que dão a
impressão de que uma linha está sendo desenhada, ligando as luzes uma a uma em
sequência).
Além da sensação de movimento provocada por diversos fatores de
várias fontes, podemos observar também que, para agir em um ambiente, o corpo
percebe as suas possibilidades de ação nele, assim como as possibilidades de ação
do próprio ambiente. Ao precisar/querer subir uma escada, por exemplo, o indivíduo
não irá calcular os centímetros da altura ou o espaço para o pé de cada degrau. O
corpo perceberá tudo isso com o sentido do movimento, que lhe “avisará” se é ou
não possível subir aquelas escadas, e quanto esforço será necessário para fazê-lo.
A escada, portanto, será percebida pelo indivíduo na capacidade que ele tem de
transpô-la.
Toda essa reunião de informação se relaciona com a memória de
experiências anteriores. Berthoz chama essa memorização (que vai permitir a
predição da ação) de “memória evolutiva”. Os preconceitos (biológicoculturais) que
temos das coisas têm a ver com essa memória, que é uma forma de adaptação da
espécie. Esses preconceitos podem ser motores também, ou seja, são ações
prognosticadas, e muito da sua construção no cérebro tem envolvimento com a
noção espacial, na maneira como representamos o espaço. Não somente a imagem
topográfica que temos dele, mas as sensações de direção que desenvolvemos em
relação ao nosso ambiente, traço que não diz respeito apenas a nós, humanos, mas
a outras espécies também.
Quando se sugere a existência de uma relação entre percepção e sentido
do movimento no conhecer/aprender, encontra-se, neste ponto de encontro, a noção
de que é sentindo que se percebe e é percebendo que se conhece. Sentir e
perceber, como pudemos ver, são atitudes (e não são passivas, como comumente
se define, não são “o que nos acontece”), não somente no que diz respeito ao
movimento muscular, mas a qualquer atitude do corpo.
51
O movimento, entendido como um sentido, reúne, de forma simplexity29,
(BERTHOZ, 2010, apud MILITE et. al., 2013) as informações/sensações do corpo,
no qual o contexto geral de percepção é que faz com que o indivíduo compreenda
as coisas ao seu redor. Berthoz afirma que o caminho para fazer a simplexificação
tem relação com o sentido do movimento, pois é sempre com os sentidos em
relação, uns com os outros, que percebemos o mundo. “The simplexity is therefore a
decipherable complexity because it is based on a rich combination of simple rubs”
(MILITE et. al, 2013, p. 2399).30
Nessa prevalência de percebermos o mundo pelas imagens, o sentido do
movimento é o sentido que primeiro se estabelece para a percepção acontecer e,
por isso, se tem aqui sugerido um “reposicionamento” do sentido do movimento, de
sexto a primeiro sentido. Este primeiro sentido, portanto, pode ser a ignição para o
ato de conhecer, principalmente quando a experiência do movimento consciente é
estimulada. Esta tese parte da urgência em se levar em conta o movimento como
um sentido do corpo para uma reformulação das práticas pedagógicas das
Instituições de Ensino, pois tem como uma de suas hipóteses que a educação, sem
essa compreensão, pode se tornar ineficiente para a função à qual se destina. A
proposta é se considerar o movimento como colaborador do desenvolvimento de um
projeto de educação que se aproxime do corpo e que ele seja trabalhado como um
corpomídia (KATZ & GREINER), sempre em sintonia com o ambiente, com o qual
está sempre em um fluxo inestancável de troca de informação.
Esta tese busca propor o movimento do corpo como um sentido
fundamental para a construção de conhecimento, e torná-lo explicitamente presente
no processo de aprendizagem. Pesquisas e estudos na área da Educação
esclarecem, há muito tempo, sobre a importância do exercício do movimento na
educação dos discentes. Porém, a presente proposta aponta para um exercício do
movimento agregado às práticas pedagógicas tradicionais, no sentido de incluí-lo no
29 Simplexificar, para Berthoz, significa “resumir” o complexo. Porém, não confundir com simplificar, pois a simplexificação depende da compreensão do complexo. Só é possível simplexificar se o complexo tiver sido compreendido. Nosso cérebro, segundo o teórico, é um simplexificador de informações ou, ao contrário disso, não seria capaz de lidar com tanta informação que recebe o tempo inteiro.
30 “A Simplexity é, consequentemente, uma complexidade decifrável porque é baseada em uma rica
combinação de relações em contato simples” (MILITE et. al, 2013, p. 2399)
52
rol de escolhas metodológicas adotadas por professores do ensino fundamental,
seja este de qualquer área de conhecimento, retirando o exercício do movimento do
encargo exclusivo das disciplinas de Educação Física ou Arte/Dança. A Dança já
tridimensionaliza e potencializa o sentido do movimento, pois possibilita um viés de
propriocepção, domínio e consciência do movimento (como veremos no capítulo 3).
Porém, o objetivo é desenvolver uma educação que inclua o movimento (dada à
contribuição cognitiva que ele traz) não apenas em aulas específicas, mas em todo o
programa pedagógico praticado nas Instituições de Ensino.
1.8. MOVIMENTO E EDUCAÇÃO: ESTADO DA ARTE
Olhar para o corpo e para o movimento como imprescindíveis para um
desenvolvimento educacional efetivo tem pouca presença pedagógica e se
apresenta de forma restrita, pois se volta apenas às crianças pequenas ou acontece
somente na disciplina de Educação Física ou Arte/Dança. Em ambos os casos, o
movimento não se relaciona diretamente com os conteúdos do programa escolar,
mesmo que seu estímulo na criança, no início da idade escolar, seja de extrema
valia.
Podemos recorrer a Wallon, LeBoulch, Gardner e Piaget, só para citar
alguns autores das teorias psicogenéticas e educacionais, e notaremos que suas
preocupações em conceber o movimento do corpo nos processos educacionais é de
fundamental importância. Cada um deles tem uma maneira de apontar para a forma
ou para o grau de participação que se deve dar ao movimento, mas todos o levam
em conta. O movimento como base de formação de conceitos, para Wallon; a
expressividade do movimento em oposição ao exercício do movimento ginástico, de
Leboulch; a inteligência corporal-cinestésica de Gardner; e do estágio pré-operatório
ao concreto de Piaget. Todas são proposições de educação que levam em conta a
importância do movimento, porém, se restringem à educação infantil. Argumentam
que nesta fase se dá o desenvolvimento psicogenético, para o qual a criança fará
suas construções psicológicas, de personalidade, sociais, biológicas e abstratas, a
partir do movimento. É no movimento, segundo estes teóricos, que a criança se faz
presente no mundo, conhece e percebe sua autonomia.
53
Há de se considerar, neste contexto, que na idade pré-escolar (das
crianças pequenas) é onde essa formação deva realmente acontecer, sem sombra
de dúvidas. Porém, na fase da adolescência e adulta, esse exercício também se faz
imprescindível, visto ser o humano, em sua integralidade, um ser do movimento, da
experiência vivida. As estruturas sensóriomotoras continuam agindo e existindo
neste corpo e, portanto, constituindo/sendo esta pessoa.
Essa práxis, quase inexistente, envolve toda a grave situação instituída
pela ausência da formação continuada, que se soma à condição de precariedade
que hoje envolve os próprios profissionais da Educação, e esta, infelizmente,
continua retida nos “paradigmas dominantes” (SANTOS, 2002). A tudo isso se ligam
as prioridades em políticas educacionais, nas quais falta o comprometimento com o
corpo (que está mais presente nesses processos do que muitos imaginam). Seja
qual for o motivo, o movimento ainda não se relaciona com o aprendizado integral,
na prática educativa.
Foquemos no movimento do corpo. Movimento este tão presente em
qualquer prática do ser humano, consciente, não consciente, mas sempre presente.
Mexer-se é como respirar: imprescindível à natureza e aprendizado da/na vida. Sem
movimento nós não compreendemos, não nos estabelecemos e nem convivemos
com tudo ao nosso redor. Portanto, as teorias que se preocupam com os processos
educativos, independente do conteúdo a ser ensinadoaprendido, sentem a
necessidade de considerar o movimento quando adentram na busca da
compreensão dos processos cognitivos responsáveis pela efetivação deste
aprendizado. Para tanto, veremos a seguir o estado da arte desses estudos, que há
muito vêm sendo referência no campo educacional.
1.8.1. Henri Wallon e a virtualização da motricidade
Henri Wallon31, segundo La Taille (1992), por exemplo, considera a
influência da “ação motora” na “ação mental”32. Para ele, à medida que a criança vai
31 Parisiense, médico e filósofo, Henri Wallon centrou seus estudos na psicologia ocidental, com a
preocupação permanente com a infra-estrutura orgânica de todas as funções psíquicas que investiga. Para ele, genético abrange a dimensão da espécie, abrindo espaço para a incorporação da
“psicologia histórica”, além de entender que o homem é organicamente social, ou seja, supõe a
54
diminuindo sua capacidade de se mexer, vai gradualmente se concentrando no
pensamento. No entanto, isso não acontece em forma de substituição: o tônus
muscular (do músculo parado ou não) é considerado no momento do pensamento e
é uma intenção, uma predisposição para o pensar. Ou seja, o músculo participa do
processo do pensamento. Neste caso, Wallon diz que o bebê vai progressivamente
adquirindo “domínio dos signos culturais” e “a motricidade, em sua dimensão
cinestésica, tende a se reduzir, a se virtualizar em ato mental” (LA TAILLE, 1992, p.
38).
Além de colocar o movimento como base da formação de conceitos,
considera que o movimento é importante e até fundamental para o aprendizado.
Atenta que é necessário, para adquirir conhecimento, fazer com que as crianças se
movimentem da cadeira, para sair do status do “estar quieto”. É graças a essa
dimensão expressiva do movimento que é permitido com que a criança aprenda. É
no movimento, muitas vezes, que se concebe o fluxo de pensamento, e a
descoberta do seu controle é fundamental. Movimentos como a postura, a apatia, as
posições que mais confortam para o pensamento, a gesticulação quando falam ou
pensam, todos são movimentos a serem considerados e observados.
Para Wallon, existem duas funções musculares para desenvolver a
motricidade: a função cinética (músculo em movimento) e a função tônica (músculo
parado em atitude ou intenção de movimento). A função tônica do músculo, no caso
da virtualização, substitui a função cinética, visto que a alta mobilidade dos dois
primeiros anos de vida vai adquirindo espaços de ocorrência de tempo entre um
movimento e outro cada vez maiores, sendo aos pouco substituídos pela função
tônica. Neste momento, assim como a função cinética enfraquece, a tônica se
fortalece alimentando uma memória do movimento que fica como informação na
intenção do músculo parado (função tônica). A essa idealização de intenção é o que
Wallon denomina de “virtualização do movimento”.
intervenção da cultura para se atualizar. É amplamente considerado entre as teorias psicogenéticas estudadas nos campos da Pedagogia e Educação Física.
32 Wallon apresenta tais ações separadamente e as designa desta forma. Não confundir com a proposta desta tese que é a de trazer esses entendimentos sempre juntos.
55
No antagonismo entre motor e mental, ao longo do processo de fortalecimento deste último, por ocasião da aquisição crescente do domínio dos signos naturais, a motricidade em sua dimensão cinética tende a se reduzir, a se virtualizar em ato mental. (LA TAILLE, 1992, p. 38)
Wallon também destaca que, a partir da fase sensório-motora (como
ainda expressa, em separado), a criança, após um ano de vida, passa a “memorizar”
esses movimentos em forma de imagens que, apesar de qualquer memória ser uma
imagem (segundo António Damásio, 2004, 2011), passam a fazer sentido,
construindo movimentos simbólicos ou ideomovimentos (Wallon). Esses
ideomovimentos são movimentos que contém ideias. Da mesma forma que os
movimentos reflexos nos primeiros meses de vida se virtualizam e se tornam ideias,
na vida adulta, as ideias conduzem ao gesto33, pois tais ideias tem seu “constructo”
no próprio movimento. Para ele, imobilizar uma criança é atrofiar o desenvolvimento
do seu pensamento.
1.8.2 Psicocinética de Jean Le Boulch
Médico, psicólogo francês e educador físico, Le Boulch criou, em 1966, o
método da Psicocinética, que ficou muito conhecido pelos estudos no campo
pedagógico e da Educação Física. O método propõe uma ciência do movimento
humano voltada para o desenvolvimento do indivíduo, partindo do princípio de que o
exercício da psicomotricidade leva a um desenvolvimento integral da pessoa, não só
de suas habilidades motoras ou esportivas. Defendeu uma Educação Física
científica, voltada às necessidades de olhar para o movimento como um propulsor
do sucesso do desenvolvimento da cognição geral do aluno, nos diversos campos
do saber, nos seus aspectos sociais e afetivos.
As primeiras fases do desenvolvimento psicomotor (corpo vivido,
percebido, representado) darão subsídios para a construção do corpo imaginário e
operatório, fases em que a abstração do corpo é demasiadamente solicitada para
33 Este gesto pode estar embebido de significado ou não. Quando gesticulamos ao falar, ele é involuntário, porém sua forma de ocorrer é metafórica, pois ele tanto significa para quem o vê como parte expressiva, quanto para quem fala, como um procedimento metafórico do corpo.
56
realizar ações subjetivas, imaginativas, assim como a compreensão de conceitos
que não permitem mais a presença concreta do objeto ou fato. Sem uma imagem
corporal bem exercitada e experienciada, segundo Le Boulch (1987), não há como a
criança ou o adolescente terem sucesso em suas conceituações subjetivas (ou
mesmo concretas) exigidas na Educação Escolar Primária e Secundária,
ocasionando, assim, um fracasso (ou ao menos uma dificuldade) nos processos de
aprendizagem ao longo da vida escolar. Uma pedagogia que não forneça uma
atenção ao trabalho psicocinético em prol do desenvolvimento da integralidade do
indivíduo compromete toda a sua carreira escolar e acadêmica.
As dificuldades escolares, para Le Boulch, podem ser de ordem afetiva, e
esta, muitas vezes, tem relação com a imagem corporal que a criança desenvolve ou
deixa de desenvolver com qualidade. Ao adentrar o ambiente escolar, a criança é
constantemente confrontada a novas situações que não costumava vivenciar, e uma
delas é a comparação frequente com os demais colegas, no que diz respeito às suas
habilidades expressivas e motoras, o que trará rapidamente implicações afetivas.
Um trabalho bem orientado da imagem do corpo, suas características e
potencialidades, pode proporcionar segurança e autoestima na criança, elementos
base para a afetividade e, posteriormente para sua socialização.
Outro fator destacado como uma dificuldade escolar é a falta de interesse
ou a desatenção do aluno às atividades escolares. A incitação da excessiva
passividade provocada pelas metodologias escolares adotadas merece atenção
para o teórico. A grande importância dada pelos professores à aprendizagem
conteudista, a resultados imediatos, ao desempenho e à competitividade em
detrimento do desenvolvimento natural do aluno e dos métodos ativos, favorece a
perda de interesse dos alunos, que chegam à escola tão excitados. A atenção vai se
esvaindo à medida que os métodos passivos e conteudistas são empregados, e a
atividade necessária ao corpo é negligenciada.
Prontamente este distúrbio da atenção e do controle é acompanhado de um certo atraso escolar, ainda que no plano dos testes intelectuais a criança possa situar-se na normalidade. Decorridos alguns anos, o diagnóstico de desordem de caráter será evocado e se pensará em uma instituição especializada. Entretanto, se a prática da educação psicomotora for suficientemente precoce, pode ajudar na solução deste problema. (LE BOULCH, 1987, p. 30)
57
Ainda propõe que o desempenho na leitura, na escrita e na matemática
pode ser amplamente prejudicado quando não há uma preparação pré-escolar
psicomotora responsável. As dificuldades do grafismo (domínio do lápis, força,
coordenação), da leitura da esquerda para a direita (lateralidade) e de conceitos
quantitativos são, muitas vezes apresentados por alunos que não tiveram seu
exercício psicomotor bem orientado na idade pré-escolar.
O problema é muito mais profundo. Não concerne apenas ao papel perceptivo, mas surge de uma dificuldade muito mais fundamental que atinge a organização de seu corpo próprio. A dificuldade de orientação e o problema de leitura não passam de dois sintomas ligados à mesma causa: a dislateralidade. (LE BOULCH, 1987, p. 33).
Para o teórico, é necessário dar atenção à Educação Psicomotora como
fator primordial ao desenvolvimento do indivíduo. No entanto, reconhece e se
preocupa com os rumos que essa educação tem tomado na escola no que diz
respeito ao desenvolvimento das habilidades motoras em prol de um bom
desempenho desportivo, o qual, para ele, não é o foco da Educação Escolar. A
educação pelo e do movimento que a Educação Psicomotora propõe (e uma
Educação Física escolar deveria propor) é um exercício da formação integral do
aluno, “vincular a educação do corpo aos imperativos do desenvolvimento da
pessoa”. (LE BOULCH, 1987, p. 12).
1.8.3 As Inteligências Múltiplas de Gardner
...nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades; nem todos aprendem da mesma maneira. [...] a segunda suposição é uma que nos faz mal: é a suposição de que, atualmente, ninguém pode aprender tudo o que há para ser aprendido. (GARDNER, 1995, p.16)
Na teoria das múltiplas inteligências, de Howard Gardner34, percebe-se a
efetiva preocupação de se estabelecer que a inteligência do aluno não está na sua
34 Howard Gardner é formado em psicologia e neurologia e foca seus estudos no desenvolvimento
cognitivo e educacional. Ligado à Universidade de Harvard, é conhecido em especial pela sua teoria
das inteligências múltiplas.
58
medição de Q.I. (Quociente de Inteligência), a qual só considera os raciocínios
linguísticos e lógico-matemáticos. Há de se levar em conta aqueles tipos de
raciocínio que não estão nesses dois campos de conhecimento, os quais Gardner
denominou de sete inteligências básicas, acrescentando cinco às outras duas já
consideradas nos testes de QI. As outras cinco seriam: a inteligência espacial,
corporal-cinestésica, musical, interpessoal e intrapessoal. Ao defini-las, considera:
A inteligência espacial é a capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e de ser capaz de manobrar e operar utilizando esse modelo. [...] A inteligência musical é a quarta categoria de capacidade identificada por nós: Leonard Bernstein a possuía em alto grau; Mozart, presumivelmente, ainda mais. A inteligência corporal-cinestésica é a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos utilizando o corpo inteiro, ou partes do corpo. Dançarinos, atletas, cirurgiões e artistas, todos apresentam uma inteligência corporal-cinestésica altamente desenvolvida.
[...] A inteligência interpessoal é a capacidade de compreender outras pessoas: o que as motiva, como elas trabalham, como trabalhar cooperativamente com elas. [...] A inteligência intrapessoal, um sétimo tipo de inteligência, é uma capacidade corelativa, voltada para dentro. É a capacidade de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para operar efetivamente a vida. (GARDNER, 2015, p.15)
Gardner chama a atenção para os testes de QI empregados, os quais
medem se o aluno é mais ou menos inteligente. Observa que há muitos casos de
alunos que têm QI altíssimo, mas sem sucesso profissional, ao passo que outros,
com QI baixo, se destacam em suas profissões. Casos de grandes músicos ou
atletas são exemplificados por ele, para os quais admite existir uma inteligência que
os levou ao destaque, que os testes de QI não detectaram. Ora, a instrução
(referência de inteligência lógico-matemática e linguística) não é tudo: saber o que
fazer com esse conhecimento e gerir a vida faz parte de outra construção inteligente
que agrega outras mais funções da cognição que têm a ver com as cinco outras
inteligências identificadas por Gardner. De certa forma, ele avança nesta visão
cognitiva, mesmo que colocando em caixas estanques, para sair da visão tecnicista
da inteligência.
59
A inteligência espacial tem grande relação com o sentido do movimento.
Como apontado por ele, as pessoas cegas, por exemplo, utilizam de sua percepção
tátil para conhecer as coisas: o tamanho e o movimento das mãos tocando o objeto
é que constroem a informação visual. Não precisamos, aliás, sermos deficientes
visuais para constatar que o sentido do movimento compõe a percepção: ao
observar visualmente a distância (espaço) e a velocidade (tempo) de um carro,
sabemos se será possível atravessar a rua em segurança, por exemplo. O sentido
do movimento reverbera muitas informações de espaço e tempo.
Como seres humanos, todos temos um repertório de capacidades para resolver diferentes tipos de problemas, os contextos em que são encontrados e os produtos culturalmente significativos que constituem os resultados. Nós não abordamos a “inteligência” como uma faculdade humana reificada, que é convocada literalmente em qualquer colocação de problema; pelo contrário, nós começamos com os problemas que os seres humanos resolvem e depois examinamos as “Inteligências” que devem ser responsáveis por isso. (GARDNER, 1995, p. 29)
É importante destacar que Gardner não desconsidera que as sete
inteligências classificadas por ele agem em conjunto no sucesso de uma carreira, ao
longo da vida de uma pessoa, ou mesmo na solução de um problema. Ele prevê
que quando uma parte do cérebro que é responsável por uma inteligência é
comprometida (por acidente ou deformação genética), a(s) outra(s) inteligências, que
estão em área não afetada, funcionam normalmente. Porém, ao longo da vida, o
indivíduo estabelece naturalmente relações cognitivas entre as “suas inteligências”
(uma em maior ou menor grau que as outras), a fim de resolver seus problemas.
Outro fator importante do seu estudo é que reconhece a fragilidade (mas
não a abstinência) da sua teoria, tendo em vista a interdependência entre as
inteligências propostas. Sendo sua pesquisa somente empírica, e dedicada a
identificar as diferentes inteligências, admite que, em um teste psicológico (num
teste cognitivo mais específico) pode ser encontrada a interdependência entre elas e
não a atuação delas em separado.
...a teoria poderia ser parcialmente refutada em alguns pontos mais refinados. Talvez seja descoberto, com base em futuros exames, que uma ou mais das inteligências candidatas não seja adequadamente justificada. Talvez haja candidatas que não considerei. Ou talvez as inteligências não sejam tão independentes quanto afirmamos. Cada uma dessas alternativas pode ser empiricamente verificada e proporcionar meios para refutar ou
60
reformular a teoria, embora no caso de algumas revisões ainda pudesse existir certa utilidade para a teoria em si. (GARDNER, 1995, p.40)
Interessante sua observação sobre existir uma inteligência artística, a qual
é possível se desenvolver em qualquer uma das inteligências, pois ele considera
que tudo que é desenvolvido enquanto expressão pelo indivíduo como sistema
simbólico ou metafórico é artístico, independente da inteligência em questão.
Obviamente tal afirmação precisa considerar o que este teórico define ou entende
como uma habilidade ou cognição artística.
Apesar de reconhecermos várias descrições dualistas sobre mente e
corpo em sua proposta, chamam à atenção algumas das inteligências apontadas,
levando-se em consideração o sentido do movimento proposto por Berthoz (2000):
apesar de terem, segundo Gardner, “funções cerebrais” separadas, quando se
considera o sentido do movimento, estão, ao que parece, unidas na função
cognitiva. Não parece possível que uma inteligência ocorra separada das demais.
Aqui se aponta que o corpo inteiro participa sempre do pensamento, seja em
formulações imaginárias, seja na de raciocínios para resolver problemas
matemáticos ou espaciais. Gardner expõe a inteligência corporal-cinestésica como
um tipo de inteligência que resolve problemas em nível de ação tracionada pelos
músculos e ossos, os quais estão no campo da coordenação motora (que nos faz
desviar de um obstáculo rapidamente ou produzir produtos usando o corpo inteiro).
Ao mesmo tempo em que o indivíduo resolve o problema de se desviar de
um obstáculo, ele também pode aprender, a partir disso, a superar um problema no
trabalho, por exemplo. A inteligência do movimento transcende o fim nele mesmo
porque constitui também os conceitos abstratos. A inteligência corporal-cinestésica
apontada por Gardner, aqui, nesta tese, vai além de soluções motoras, tendo
relação direta com a inteligência linguística.
61
1.8.4. Desenvolvimento Cognitivo para Jean Piaget35
Piaget foca no processo de desenvolvimento dos estágios psicológicos do
indivíduo na busca pelo equilíbrio que o corpo sempre procura. Tendo ainda um
tratamento dualista sobre o corpo, aborda o equilíbrio motor e o equilíbrio psíquico
em separado. Desta forma, tanto vislumbra que, em ambos os campos (psíquico e
motor), o equilíbrio é buscado, como também alerta que, no campo motor, o
desenvolvimento do equilíbrio é uma crescente (da criança ao adulto, vai
progredindo até um pico que, depois, decresce na velhice), ao passo que no campo
psíquico se desenvolve um “equilíbrio móvel” (PIAGET, 1994, p.14). Este último
cresce, mas com instabilidades, durante toda a vida, e não tende a decrescer na
velhice, mas sim o inverso.
Para tal, não deixa de reconhecer que a intuição ou operações abstratas
(estágio de desenvolvimento mais avançado, em sua teoria) são culminantes,
enquanto inteligência lógica, do estágio de operações concretas. Este depende do
primeiro estágio reflexivo dos bebês, do sensório-motor, juntamente com os
processos de assimilação e acomodação36, para se atingir o equilíbrio, movido pelas
inúmeras necessidades deste corpo.
Mesmo tratando em separado mente e corpo, é visível, em seus
esclarecimentos e forma de expressar, que concebe relação de corpo inteiro. Torna-
se inerente ao esclarecimento de formas de desenvolvimento cognitivo tal
estabelecimento de relação, a qual não consegue ser explicada distante da relação
“uma” com a “outra” (concreto e abstrato), ou seja, distinguindo-as no processo de
ocorrência.
Isto concorda ou caminha próximo à Wallon, que propõe a “virtualização”
do movimento, que se desenvolve progressivamente da infância à fase adulta.
Também caminha paralelamente às funções múltiplas e interdependentes das
35 Doutor em Ciências Naturais (formado em zoologia), suíço, que mais tarde se interessou pela psicologia e focou seus estudos na sistemática da evolução mental da criança, assim como aos problemas epistemológicos referentes a isso.
36 O processo de assimilação e acomodação, no que propõe Piaget, consiste, primeiramente, em incorporar o ambiente ao organismo do indivíduo (assimilar) e, em segundo momento, reorganizar este organismo em conformidade ao que foi assimilado, fazendo uma adaptação do corpo ao meio (acomodação).
62
inteligências de Gardner, bem como o exercício expressivo das funções
psicomotoras da criança, em LeBoulch, para um efetivo desenvolvimento do
indivíduo na carreira escolar.
Tendo montado um diagnóstico e havendo nomeado as teorias que muito
contribuíram para o desenvolvimento do campo educacional, aparece a pergunta:
por que profissionais da educação se mantêm aversos a essas contribuições?
Valeria refletir sobre a força do arraigamento de ideias dualistas, socialmente
construídas e com forte efetividade há séculos.
1.8.5 Paradigmas Dominantes
Mesmo com muitos conhecimentos já desenvolvidos por teóricos
referenciados na Educação, os quais já apontam para uma consideração do
movimento nos processos educativos, esses saberes ainda não se tornaram
presentes em um contexto mais amplo das ações educativas do dia-a-dia. As
habilidades matemáticas ou linguísticas continuam sendo as mais valorizadas no
contexto de ensino, valorizando o verbo (seja escrito, lido ou falado) e os cálculos
“mentais”. Nos processos educativos, se considera a leitura, a oralidade e a escrita
bastando, e o movimento como um tipo de procedimento que não faz parte do
mesmo tipo de educação, muito menos como um sentido do corpo, ou seja, com
ação diferente da audição e da visão.
As dificuldades, desde a disposição das carteiras em sala de aula até as
que se referem aos professores, já citadas aqui, são fatores que colaboram com o
distanciamento do exercício do movimento, mesmo na educação infantil. A falta de
disposição dos professores em reorganizar o espaço da sala (ou fora dela) não
favorece a modificação da metodologia que se consagrou.
Todavia, assim como o conhecimento passa por reformulações
constantes, por conta das descobertas que vão sendo feitas, o mesmo deve suceder
com a Educação, visto que a Escola é o lugar onde esses conhecimentos são
articulados. É preciso ter ciência que os conceitos educacionais estão sendo sempre
revistos nas teorias que vão sendo formuladas, e que boa parte da realidade escolar
63
hoje está arraigada nos princípios positivistas, que afirmam o dualismo e
supervalorizam as ciências naturais - ao que Santos (2002) denomina de “paradigma
dominante”. E esse “paradigma dominante” é estendido para todo o contexto
escolar, desde a logística de organização dos conteúdos em disciplinas até as
metodologias praticadas. Os pressupostos que pregam as disciplinas escolares são
baseados no olhar da modernidade (época em que, segundo Santos (2002), iniciou-
se a formatação deste paradigma), ou seja, com ênfase nas características
tecnicistas.
Neste contexto, Boaventura traz propostas que apontam para um
“paradigma emergente”, e uma delas é a de que “todo conhecimento é total e local”
(SANTOS, 2002, p. 46). O conhecimento que está emergindo pode ser chamado de
transdisciplinar, pois não pretende fragmentar ou especializar o conhecimento, e
sim, globalizá-lo. Santos explica: “A fragmentação pós-moderna não é disciplinar, e
sim, temática. Os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao
encontro uns dos outros” (ibidem, p. 48).
Para além das disciplinas escolares, sistematizadas em conteúdos
estanques, podemos ir à direção da transdisciplinaridade, por ser mais favorável
para se entender o corpo e o movimento na Escola, sem os dualismos de corpo e
mente separados. Portanto, a proposta de se buscar a transdisciplinaridade implica
ir buscando uma compreensão não dualista do corpo e seus movimentos.
Quando se estuda o particular de um fenômeno, não se desconsidera a
sua completude e vice-versa, ou seja, o que se vê no geral está também presente no
local. O todo não é simplesmente a soma das partes, pois, como coloca Morin
(1996), resulta do modo como as partes se inter-relacionam, e elas também
contaminarão o todo com as suas características particulares. O entendimento do
sexto sentido, segundo Berthoz (2000), segue nessa direção, quando diz que o
corpo se utiliza do conjunto de sentidos para dar conta, de forma efetiva, das suas
percepções.
Seguindo com a ligação parte-todo, fica mais fácil compreender a
disciplina como uma espécie de conhecimento local, que só fará sentido ligada ao
todo, do qual faz parte também a vida do aluno na sociedade. Por exemplo, a
64
manutenção, no currículo escolar, dos exercícios mecanicistas de repetição de
movimento, que se dedicam a aprimorar a destreza do próprio movimento, educa o
corpo a não atentar para a complexidade envolvida na relação do movimento com o
conhecimento. Ajuda a não se entender que o movimento precisa estar presente em
todo o processo educativo, nos conteúdos que são abordados em todo o currículo, o
qual também deve contemplar uma estrutura transdisciplinar. É hora de estimular o
“paradigma emergente” de que nos fala Santos, para colaborar com a compreensão
de que somos corpo.
No entanto, como se sabe, as contribuições teóricas mais recentes, já
amplamente conhecidas, não estão presentes no dia a dia da maior parte das
Instituições de Ensino. Para Assman (1994), essa situação mereceria mais atenção
dos educadores, pois, pela realidade observada, ainda não acontece
ostensivamente.
Enquanto o movimento continuar separado do aprendizado que ocorre
nas disciplinas, restrito aos momentos lúdicos ou às aulas de Educação Física, se
manterá exterior ao aprendizado da leitura, da escrita, da matemática, das ciências
biológicas ou da geografia, sem a sua prática nos processos de construção de
significados.
A segregação do corpo na Educação se explicita no lugar ocupado pela
Educação Física, desligado da educação formal. Porém, é necessário que o corpo
ocupe um lugar outro na educação, não apenas no sentido de ser contemplado, mas
de se partir da identificação de que esse aluno, que está em sala de aula, é um
corpo. Assman (1994), mesmo apoiando sua defesa sobre o conceito de
corporalidade/corporeidade, termo não utilizado nesta tese por razões
epistemológicas37, muito contribui para outra perspectiva de corpo na Educação,
frente aos atuais tratamentos deste tema:
A experiência corporal é vista como uma sequência linear de causalidades hierarquizadas (no fundo, mono-causalidades subsequentes). Na criança, por exemplo, a ativação motora chega a ser sequenciada, com pretendida exatidão, em pré-verbal, perceptiva, cognitiva. Mesmo quem captou que é necessário valorizar o enfoque-movimento talvez continue propenso a recortar o conceito de movimento para que passe a significar apenas
37 A tese se apoia no conceito de corpomidia (KATZ & GREINER)
65
deslocamento. Então, fica fácil voltar à ortodoxia, que sustenta que, na base de cada gesto/movimento, há um esquema motórico subjacente, que o determina mono-causalmente; que, no processo de produção desse movimento, estão funcionando fatores principais e fatores secundários etc., etc. Como dá para notar, a espacialidade é vista como um tabuleiro; a dimensão-tempo é medida no ponteiro do relógio; e tudo isso bem amarradinho num esqueleto, e enfiado num saco delimitante chamado pele. Convenhamos, Corporalidade viva é outra coisa, e movimento também é outra coisa. (ASSMAN, 1994, p. 82)
Além da pouca penetração das teorias que consideram o movimento na
educação, ainda existe uma problemática sistêmica maior, que são as demandas
mercadológicas em um mundo capitalista. Neste sistema, que rege as vidas da
maior parte dos habitantes deste planeta, o tecnicismo das habilidades, que regula o
mercado de trabalho, vem sendo adotado como o objetivo de todos os planos
pedagógicos (basta olhar a BNCC38 que está sendo implementada). Ciência e
Tecnologia se tornaram as linhas mestras desta pedagogia, enquanto Artes,
Filosofia e Sociologia são alijadas do Ensino Fundamental e deixam de ser
obrigatórias no Ensino Médio.
Assman (1994) já apontava a tendência que, desde a década de 1980, se
vislumbrava, com o sequestro semântico do termo “Qualidade de Vida”, realizado
pelo mundo corporativo, que o levou para “dentro do mundo dos (seus) valores”
(Assman, 1994, p. 30), fazendo com que não mais designasse a qualidade humana
de vida. Neste mesmo contexto, os planos pedagógicos, já há muito estão a serviço
do mercado, principalmente no que diz respeito à Educação Básica (não é à toa que
a Reforma do Ensino Médio promete “melhorar” sua estrutura colocando os jovens
mais cedo e mais eficientemente no mercado de trabalho, priorizando a formação
técnica sobre a universitária).
Sendo essa a realidade do contexto, não há como encontrar espaço para
o entendimento da importância do corpo no processo pedagógico. É como se o
corpo não pertencesse a este contexto, e a pedagogia que inclui o movimento não
funcionasse nele.
38 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em processo de implementação nos estados
brasileiros, propõe um currículo baseado, prioritariamente, nas áreas de Ciência e Tecnologia da
Informação, ampliando quantitativamente o conteúdo desta área, em detrimento da diminuição das
áreas humanas, inclusive retirando Arte, Filosofia e Sociologia da obrigatoriedade no Ensino Médio.
66
Em contraponto, as teorias psicogenéticas e cognitivas estão em avanços
largos, no entendimento da pessoacorpo e da importância do movimento nos
processos educativos. Se as políticas educacionais são mercadológicas, tendem em
outra direção, que não se interessa em reconhecer a centralidade do corpo e do
movimento na construção do conhecimento, distante do entendimento tecnicista de
corpo. O único corpo que interessa neste modelo de educação é aquele que pode
competir ou ser ovacionado pelo virtuosismo, admirando a violência de superação
deste corpo, visto que é na superação de exercícios e do sofrimento que se alcança
um estado “perfeito” do corpo, restrito a poucos, combinando à lógica de viver
capitalista.
67
CAPÍTULO 2: MOVIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR
A proposta aqui é a de trabalhar o movimento como o primeiro sentido
nos processos de aprendizagem. Já que este sentido participa constantemente da
construção cognitiva, considera-se que o mesmo esteja envolvido no processo do
aprender. Para tal, a tese propõe uma metodologia de pesquisa participante, na qual
realiza dois procedimentos experimentais e uma reflexão sobre a sua inserção em
aulas diversas:
1) realizando movimentos aleatórios com os alunos enquanto assistem
uma aula tradicional, com lousa/professor e sentados nas carteiras, de
frente para a lousa (que é chamado aqui de “movimentos aleatórios
para tática de atenção”);
2) abordando os mesmos assuntos vistos nas disciplinas de outras
formas, como dançando ou sensibilizando o corpo inteiro (que aqui é
denominado de “movimentos relacionados aos conteúdos”).
Como já informado, as aulas elegidas para a aplicação destes
procedimentos foram as de Matemática e Língua Portuguesa, no Ensino
Fundamental II da Escola Estadual de Tempo Integral Francisca Botinelly Cunha &
Silva, da Rede Pública de Ensino, na cidade de Manaus, situada em área fronteiriça
entre dois bairros socialmente bem distintos, na zona centro-oeste da cidade. Esta
foi a escola escolhida para a pesquisa porque seu alunado é proveniente,
majoritariamente, de famílias de baixa renda do bairro do Alvorada, e por ser uma
escola de tempo integral de rede pública, na qual é possível fazer um
acompanhamento mais detalhado e personalizado dos alunos.
Neste capítulo, as intervenções realizadas em cada aula serão descritas à
luz do referencial teórico apresentado no primeiro capítulo, buscando explorar a
relação movimento-conhecimento. Houve necessidade de destacar como o
movimento pode ser um “motivador” da atenção, para que seja efetivamente
construído o conhecimento, supondo que, ao mudar os alunos de atividade
68
(inserindo movimento nas aulas tradicionais), a atenção pode ser estimulada para o
foco principal da aula.
O movimento se relaciona com a atenção (momento em que circuitos
neuronais – centros nervosos reguladores e receptores sensoriais – determinam o
que se tornará consciente para termos atenção). Os movimentos aleatórios
propostos, por exemplo, podem trabalhar a atenção reflexa, a qual, segundo
Cosenza e Guerra (2011), diz respeito aos estímulos periféricos envolvendo a
novidade e o contraste, função que talvez combine com tais tipos de movimento.
Porque são movimentos que propõem ações contrastantes ao que está acontecendo
na aula, enquanto o aluno permanece na sua posição habitual, sentado na carteira,
olhando para a frente, ouvindo/vendo o professor falar e escrever na lousa. Por
vezes, o único movimento estimulado nos alunos, nestas aulas, é o da escrita no
caderno.
...o manejo do ambiente tem grande importância. A minimização de elementos distraidores e a flexibilização dos recursos didáticos, com o uso adequado da voz, da postura e de elementos como o humor e a música podem ser essenciais, principalmente para estudantes de menor idade, mas também para plateias mais maduras. É bom lembrar que a novidade e o contraste são eficientes na captura da atenção. (COSENZA E GUERRA, 2011, p. 48)
Ao mesmo tempo, o exercício da atenção pode ser eficiente também
quando a provocação da postura ativa dos alunos é estimulada com uma
abordagem que seja interessante para a sua vida cotidiana ou que faça parte do seu
universo de interesse. Naquela escola, as danças populares são de grande interesse
da maioria e foram as danças evocadas por atenderem a esse critério, visto que
pertencem ao seu universo cultural, favorecendo a possibilidade de ligá-las ao
conteúdo da Língua Portuguesa estudado (aglutinação e hibridismo).
A pesquisa de campo se pautou na tática de atenção e relacionada aos
conteúdos, da forma descrita a seguir:
a) Movimentos aleatórios para a Tática de Atenção: ao lado do
professor da disciplina, sentada em uma carteira, a pesquisadora ia
propondo (no método da visualização do movimento e repetição pelos
alunos) pequenos movimentos, como levantar um braço ou olhar para
69
os lados, até levantar da carteira ou girar, e os alunos os repetiam
simultaneamente, sem que o professor paralisasse a sua exposição.
Os alunos eram orientados a executar os movimentos, mas sem deixar
de prestar atenção ao professor.
Outra proposta: alternar a atenção entre o movimento e a aula. Neste
procedimento, a aula é interrompida e é proposto para eles algum jogo
em roda, que tenha o movimento como centro da atividade, ou a
repetição da mesma proposta anteriormente já realizada, que agora
será feita com a atenção voltada somente para o movimento
(visualização do movimento e repetição pelos alunos), porque o
conteúdo que estava sendo apresentado está interrompido.
b) Movimentos relacionados aos conteúdos: Neste tipo de proposta, a
ideia é aprender os conteúdos se utilizando também da sensibilidade
do movimento (primeiro sentido). Nesse momento, é proposto aos
alunos trabalharem o conteúdo com o qual estão entrando em contato
na forma de movimento. Os processos de analogia e metafóricos são
muito estimulados neste procedimento, visto que os alunos buscam
estudar o assunto da exposição oral do professor ou das leituras,
associando movimentos a eles.
2.1. LÍNGUA PORTUGUESA (9º ano do Ensino Fundamental)
2.1.1. Movimentos aleatórios para a tática de atenção
A intervenção do movimento, induzido no decorrer das aulas de Língua
Portuguesa e Matemática, foi positiva. Sempre que o movimento diferente do
convencional foi estimulado, a atenção se estabeleceu. Importante assinalar que
essa atenção, seja na Matemática, seja na Língua Portuguesa, é mantida por cerca
de 15’ de aula, após a estimulação do movimento.
70
AULAS INICIAIS – OBSERVAÇÃO (3 AULAS) 9º ANO 1
Adentrando a sala de aula. Semelhante a qualquer ambiente de sala de
aula convencional: carteiras de plástico e ferro para acomodação dos alunos (são 45
delas), dispostas em 42,24 m2 de sala, sendo que, pelo menos, 1 x 5m2 desta sala
são somente do professor, ocupado por uma mesa bem larga e uma cadeira de
madeira. Há também, neste espaço que é destinado ao professor, um armário
encostado na parede, no qual são guardados alguns livros didáticos.
Figura 1 – Sala de Aula vazia (45,24 m2)
Fonte: Prof. Diego Almeida
Movimento, no seu entendimento mais simples e no senso comum, é
associado a deslocamento. Para deslocar-se, é necessário ESPAÇO. É neste
espaço, no qual o corpo (kinesfera39) está presente e o faz presente também, que
ele é visualmente percebido por outro corpo e, podemos dizer, que o movimento
39 Definição baseada em Laban, retirada do Dicionário Laban (RENGEL, 2005): “A cinesfera é
delimitada espacialmente pelo alcance dos membros e outras partes do corpo do agente quando se esticam para longe do centro do corpo, em qualquer direção, a partir de um ponto de apoio. Ela determina o limite natural do espaço pessoal. [...] se o agente se move, mudando sua posição, ele ‘leva’ consigo sua cinesfera e suas mesmas relações de localização” (RENGEL, 2005, p. 32)
71
acontece e é percebido. Para que o movimento aconteça, é necessário que haja
espaço, que a kinesfera de cada pessoa/aluno seja ativada.
O corpo não suporta a inércia por longos períodos. Quando passamos
muito tempo sentados, queremos levantar. Se passamos muito tempo em pé,
queremos descansar as pernas. Se corremos, também cansamos, mas se ficarmos
descansando por muitas horas, vem a vontade de fazer algo. Muito tempo em uma
mesma atividade acaba ficando desconfortável, o corpo busca uma mudança, e isso
é recorrente no dia-a-dia de nossos alunos que, em sala de aula, ficam sentados nas
carteiras. O professor ainda se move, fica em pé, senta, caminha pela sala, mas os
alunos, não! Só lhes é facultado ficarem sentados nos seus lugares.
Vai ficando evidente a necessidade de movimentar-se nesse contexto, no
qual os alunos passam, no mínimo, 50’ sentados nas carteiras (no caso desta
Escola, são 60’), lembrando do pouquíssimo espaço para a ativação da cinesfera
(kinesfera) que cada aluno precisa desenvolver, dada a quantidade de carteiras e
pessoas distribuídas na sala de aula. É notório que o movimento não é estimulado
por essas estruturas que, ao contrário, favorecem o cansaço e o desinteresse pelas
aulas. Sabemos que é possível introduzir metodologias para o aprendizado que
incluam o movimento, porém, a infraestrutura do espaço habitual de sala de aula
não favorece. É preciso ressignificá-lo ou mudá-lo.
Pois bem, adentrando a sala de aula que existe hoje para nela testar as
hipóteses desta pesquisa, o primeiro aspecto que se destaca é justamente o da falta
de espaço adequado. Posicionava-me, em cada aula, ora ao fundo da sala, ora nas
laterais, sentada em uma carteira, de forma que conseguisse ver a maioria dos
alunos presentes. De onde ficava, tanto numa aula expositiva que empregava a
lousa como na expositiva exclusivamente oral, que utilizam o livro ligando professor
e alunos, podia notar o comportamento gestual dos envolvidos nestas atividades. O
professor, em pé, ao lado da lousa, ou lá na frente, com seu livro, se movimentava a
todo momento (alternando entre caminhadas no seu corredor de 1x5m2 e entre as
carteiras, posicionando-se atrás de sua mesa ou apoiando os pés na grade inferior
da carteira do aluno da primeira fila). Os alunos, por sua vez, permaneciam sentados
e mudavam de posição nesta condição de sentados (ora se posicionando mais à
frente da cadeira, ora mais para trás, ora apoiavam a cabeça nas mãos, com os
72
cotovelos nas “mesas”, ora não apoiavam; viravam, sentando de lado, apoiando a
cabeça nas mãos, com os cotovelos nos joelhos; ora apoiavam o livro na “mesa”, ora
nas coxas). Os alunos também se espreguiçam, esfregam os olhos, ajeitam os
cabelos, os que estão na fileira encostada na parede apoiam suas cabeças nela.
Figura 2 – Posição do Professor em relação aos alunos
Fonte: Arquivo da Pesquisadora
Em quaisquer das situações, é perceptível que a mudança de posição é
uma ação organicamente necessária. Porém, nota-se que esses micromovimentos
ainda não dão conta da necessidade que o corpo sente de se movimentar,
recusando o longo tempo em que precisa se manter somente sentado.
Consequentemente, a atenção é desequilibrada, visto que o desconforto é extremo.
73
No caso da aula observada, o recurso que o professor empregava, para conseguir a
atenção dos alunos era a modulação da sua entonação de voz. Alternando, tanto na
fala como na gesticulação, favorecia a atenção dos alunos. Mas, mesmo nesta
situação, os corpos desses alunos “gritavam” a todo momento: “queremos desgrudar
da carteira!”
Neste mesmo contexto, o professor pedia, por vezes, que os alunos
copiassem o material da lousa no caderno. Ao invés de só prestarem atenção na fala
do professor, com a visão voltada para lousa e para ele, agora iriam copiar no
caderno. A mudança de posição visual e a mecânica de pegar a lapiseira ou caneta
para pressioná-la nas folhas do caderno favorece a alternância de atenção,
quebrando mais uma vez a inércia. Os alunos despertam do estado de “sonolência”
que a inércia provoca, ou seja, sempre que há mudança de posição ou de ação, a
atenção é retomada e reforçada.
Durante a exposição do professor, o mesmo provoca os alunos a
participar, respondendo algumas questões ou dando opiniões sobre o assunto
exposto. Os alunos gostam. O assunto lhes interessa (Reportagem e Notícia: o
assunto da notícia era internet e whatsapp) e eles se envolvem na conversa. Apesar
desse envolvimento, o cansaço da mesma posição, sentados nas cadeiras, é
desconfortante.
Figura 3 – Variadas posições dos alunos nas carteiras
Fonte: Arquivo da Pesquisadora
74
AULAS SEGUINTES – INTERVENÇÃO
MODELO 1 DE AULA
Professor na mesma situação das aulas observadas. Na lousa, pede a
atenção dos alunos para a correção do exercício, ou seja, os alunos acompanham a
exposição do professor também pelo caderno. Ele caminha pelas carteiras, imposta
bem a voz e chama os alunos à participação, os quais participam. Alguns deles se
voltam para os cadernos, mas parecem não estar atentos. Não respondem às
questões, não riem nos momentos de descontração. Percebe-se que não estão
acompanhando a conversa entre professor e a turma.
Intervenção: Pedi que os alunos se posicionassem em pé, ao lado da
carteira, e fizessem alguns movimentos simples, só para mudarem de posição e
moverem outras partes do corpo. Nas sugestões de movimento (que eu ia
descrevendo e executando, e os alunos iam reproduzindo), fui dirigindo o momento,
propondo movimentos em outras direções que as do ato de estar sentado olhando
para a frente ou para o caderno. A duração da intervenção foi de 2’. Ao voltarem a
se sentar e a prestar atenção à exposição do professor (na lousa), se mostraram
visivelmente mais despertos. Os alunos que estavam quase dormindo, agora se
apresentavam mais atentos. Essa atenção redobrada e mais viva durou cerca de
não mais que 5’. Após esse tempo, a atenção começou a se dissipar novamente.
Essa alternância de atenção e disposição para a aula também foi observada pelo
professor da disciplina, que afirmou nunca ter visto uma atitude tão enérgica deles,
enquanto participação na aula, como a que foi desenvolvida minutos após a indução
do movimento.
75
Figura 4 – Indução do movimento intercalado à aula 1
Fonte: Arquivo da Pesquisadora
MODELO 2 DE AULA
A atividade da aula, neste dia, se concentrou em fazer exercícios no
caderno sobre “Estrutura das Palavras”. A quantidade de exercícios é grande,
demandando muita concentração e tempo, dada a complexidade das questões.
Contudo, a concentração é difícil devido a conversas paralelas, ou seja, alguns se
dispersam e conversam, desconcentrando os demais. Após 20’ da atividade estar
acontecendo, sugeri uma pausa para um jogo rítmico.
Todos levantaram de suas carteiras e fizeram um grande círculo ao redor
delas. Numa brincadeira de noções de pulsação rítmica em contagem de
compassos quaternários, propus, primeiramente, que compreendessem a pulsação
simples da “música”, executada pelo próprio grupo com as mãos (não havia
acompanhamento de som mecânico). Após a pulsação corpada, cada um na sua
medida, começamos a alternar movimentos do corpo dentro dessa pulsação. A cada
quatro tempos se executava um movimento diferente em conjunto, ora proposto por
76
mim, ora pelos próprios alunos. Intercalando entre os vários movimentos
executados, em cada quatro tempos, estava a marcação base com as mãos.
Figura 5 – Exercício Rítmico em roda 1
Fonte: Arquivo da Pesquisadora
O detalhamento da noção rítmica não é indispensável para o objeto
investigado, porém, o jogo rítmico traz uma noção de movimento diferente do que foi
feito até então nesta pesquisa, pois aguça noções de espaço e tempo e
coordenação, interessantes e instigantes para a cognição, sobretudo quando se
trata de adolescentes. Neste sentido, o jogo é interessante, intenso e prazeroso, o
que os faz voltar com mais prazer à aula ou à atividade no caderno. Além disso, o
movimento proposto nesta aula ativa outras atenções, outras redes neurais, que
ativam mais o sentido do movimento e que, ligadas ao prazer, se tornam mais
eficazes, como coloca Cosenza e Guerra (2011). A duração do jogo foi de 5’ e a
atenção e engajamento na resolução da atividade no caderno após o jogo durou, em
termos de energia disponível eficiente para tal, outros 5’. Após esses 5’, a atenção
começa a dissipar novamente.
77
... os órgãos dos sentidos enviam as informações relevantes até o cérebro por meio de circuitos neuronais. Se um estímulo importante, com valor emocional, é captado, ele pode mobilizar a atenção e atingir as regiões corticais específicas, onde é percebido e identificado, tornando-o consciente. (COSENZA e GUERRA, 2011, p. 76)
MODELO 3 DE AULA
Neste encontro, a proposta era manter o foco na aula de exposição
oral/lousa, com adições de movimentação no decorrer da aula. No caso, o professor
mantém sua exposição, ao mesmo tempo em que eu (posicionada ao lado da lousa)
ofereço um comando visual qualquer de movimento. Concomitantemente á
exposição do professor, os alunos se movimentam.
No vídeo realizado sobre esta coleta de dados, nota-se que a
movimentação é proposta a cada 15’, em média, tempo este que não era
previamente calculado, mas que corresponde ao tempo que durava a atenção á
exposição do professor e ao surgimento da inquietação nos alunos, sentados na
carteira. Sempre que se notava uma atitude mais cansada por parte dos alunos,
menos proativa, com a atenção se dissipando (e isso é facilmente notado pelas
posturas corporais ou nos focos do olhar), era proposto ou uma mudança de posição
ou uma movimentação simples.
Figura 6 – Intervenção junto à aula
78
Fonte: Arquivo da pesquisadora
Foi possível perceber que a atenção efetiva se manteve durante toda a
aula (50’), mesmo que fosse só para prestar uma dupla atenção (pois a regra
exposta no início da intervenção foi que os mesmos focassem a atenção na
exposição do professor, que seria contínua, sem pausas). Porém, durante toda a
exposição, os alunos deveriam estar em alerta porque a qualquer momento haveria
a intervenção de movimento e, passariam a acompanhar esses movimentos,
executando-os junto comigo.
A proposta de sempre haver outro corpo dentro da sala de aula (no caso,
o meu, que estava propondo os movimentos), além do professor da disciplina e dos
alunos, pode vir a se transformar em uma reivindicação futura, mas não cabe neste
momento da presente pesquisa como propositura metodológica. O que se pretende,
neste momento, é atentar para a importância do movimento nos processos
educacionais, sublinhando que aconteceu desta forma (com um terceiro corpo) para
viabilizar a investigação da hipótese aqui proposta. Porque o ideal seria que o
próprio professor da disciplina realizasse essas intervenções – o que implica na sua
formação, assunto para uma outra investigação.
79
No decorrer da atenção alternada, a participação dos alunos nas
indagações do professor era intensa, assim como a sua manifestação para o que se
passava na lousa. Digo manifestação me referindo às atitudes que tomavam, pois é
necessário deixar clara a impossibilidade de saber o que os alunos pensam durante
a exposição do professor. Apesar disso, a diferença notada entre a atitude corporal
manifesta com a intervenção de movimento e uma aula sem este tipo de
intervenção, é visualmente nítida!
Um fator que não se pode deixar de mencionar nesse procedimento é o
fato de a comunicação do professor com os alunos ser eficiente. A forma como
expõe o assunto, a linguagem utilizada, e a clareza das suas ideias favorece ou
dificulta a atenção. As exemplificações que eram feitas para compreender as
técnicas de aglutinação ou hibridismo tinham relação com o contexto social dos
alunos, tornando o assunto mais palpável e interessante para eles.
2.1.2 Movimentos relacionados aos conteúdos
Esta foi a proposta que se mostrou mais eficiente, visto que o assunto
estudado por eles na disciplina foi estudado também como dança (cultura corporal).
O hibridismo e a aglutinação (formação) de palavras foram estudados como uma
aglutinação e hibridismo40 de culturas, fenômenos que acontecem também com
todas as outras linguagens, inclusive na dança, que é uma arte do movimento.
Enquanto manifestação popular e cultura corporal, essas formas de dançar também
conversam, se misturam, se reconstroem e se ressignificam pelos povos. Os alunos
fizeram um trabalho prático de sensibilização e puderam perceber vários processos
de aglutinação e hibridismo nas danças populares brasileiras.
40 Aglutinação e Hibridismo são processos de formação de palavras da língua portuguesa, onde a aglutinação seria o processo da formação da palavra por junção de duas ou mais palavras do mesmo
idioma e o hibridismo por dois termos de idiomas diferentes.
80
AULA 4
Nesta proposição, a ideia era que os alunos experenciassem o assunto
da aula de Língua Portuguesa de outra forma. A pauta era hibridismo e aglutinação
das palavras. Nesse momento do planejamento da disciplina, os alunos vêem como
as palavras são formadas, suas origens, seus sufixos e prefixos, numa rede de (re)
significação que vão, como qualquer coisa no mundo, sofrendo semiose41 ao longo
do tempo. Percebeu-se, portanto, que não só as palavras são (re) construídas dentro
das culturas, mas sua expressão corporal (dança) também.
Figura 7 – Alunos assistindo vídeos das danças
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
Vimos, então, através de vídeos
(https://cliptk.com/index.php?url=video/hDEgyXvU4eI/casal-dan-a-muito-forro
/https://www.youtube.com/watch?v=htgciTABTMU/https://www.youtube.com/watch?v
=FtBEACjMjaM), três tipos/estios de dança, ou seja, de expressões culturais, bem
conhecidas pelos adolescentes desta região manauara urbana: forró, boi-bumbá e
danças urbanas (Free Step42). Observamos, nessas três manifestações, os
41 Para Charles Sanders Peirce, é a ação do signo. Este, por sua vez, é um sinal ou uma materialidade qualquer percebida pelos sentidos, o qual, em processo de semiose, significa para o indivíduo. A semiose seria, portanto, o processo de significação e ressignificação do signo. (PEIRCE, 1839-1914)
42 Estilo de Dança Urbana, nascido em meados de 1950, nos contextos urbanos e marginalizados do Brooklyn, que levou essa definição por ser um estilo que não elaborou regras para os movimentos
dos pés: quanto mais acelerado e complexo for, mais habilidoso é o dançarino deste estilo. Movimento livre dos pés.
81
radicais/raízes dessas danças, nos quais misturam-se informações
biológicasculturais. Essas danças manifestam características do dia-a-dia, os
costumes e têm muito a nos dizer sobre aquelas pessoas, as quais não deixam de
ser os próprios alunos.
A cada estilo observado, era convocada uma conversa sobre a
observação dos movimentos de raiz, o motivo do corpo se “comportar” daquela
forma ao dançar, suas posturas e gestos. Eles tanto identificaram tais
características, como se dispuseram a demonstrar o que sabiam sobre elas
(dançaram em sala). No primeiro deles, o forró, perceberam, por exemplo, a
semelhança com a lambada e com a dança arrasta pé nordestina, momento em que
identificaram que nosso Estado teve muita imigração de nordestinos no início do
século XX, com a fase da exploração da borracha no Amazonas. Por serem terras
muito quentes, tanto no nordeste como no Estado amazonense, essas danças muito
elétricas e que usam pouca roupa, têm grande possibilidade de se instalar. Porém,
na região amazônica, a sensualidade e a velocidade na execução de movimentos é
bem maior que no nordeste, sofrendo aí uma alteração.
Já no boi-bumbá, os alunos percebem que, além da movimentação típica
das danças indígenas, com o costume de levantar as lanças, se abraçar e bater
fortemente os pés no chão, o remelexo dos quadris do forró nordestino foi
incorporado à nossa dança do boi-bumbá, se tornando uma característica dessa
dança regional. O bater palmas (movimentação também muito frequente nessas
coreografias) traz também as celebrações indígenas, que agrega ao ritmo musical
marcante e vibrante. Desta forma, comportamentos corporais de negros e índios
fazem a cultura dessa dança.
As danças urbanas são a preferência entre os adolescentes do sexo
masculino, principalmente. Nela, puderam perceber a movimentação de pés (que é a
principal característica do estilo específico observado, free step) muito acelerada e
diversa, o que identificaram como semelhança com o funk, muito dançado nas
capitais norte-americanas e brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro. Buscando
liberdade de expressão e uma forma própria de se calçar (tênis) e de se movimentar
no asfalto, os dançarinos do free step fizeram o estilo ganhar afirmação nas ruas e
82
acompanhar também os ritmos vibrantes e acelerados da moda da indústria musical,
que invade as áreas urbanas.
Para a continuação da pesquisa, foi proposto aos alunos que trouxessem,
no próximo encontro, o estilo que quisessem (organizado em equipes), e
identificassem nessas danças os radicais, sufixos e prefixos das mesmas. Para
tanto, precisariam pesquisar a origem das danças, sua história, os costumes do povo
que a dança, enfim, um arsenal de informações que, de certa forma,
regulamentariam esse repertório corporal e destrinchariam as aglutinações
realizadas. Ambas (formação de palavras e danças) são composições de linguagem
e constituição de cultura.
AULA 5 – APRESENTAÇÃO DAS PESQUISAS
Neste momento, nos dedicamos ao compartilhamento de conhecimentos
em danças, cada grupo com sua especificidade, e suas relações com os hibridismos
e aglutinações feitas de cultura para cultura, seja temporal (através dos tempos) ou
espacialmente (geograficamente) fundidas. Sabemos que os fatores que levam duas
culturas de espaços físicos diferentes se encontrarem são diversos, assim como o
processo de semiose ocorrido dentro de uma mesma cultura ao longo do tempo.
Para tanto, os alunos, em seus contextos, produziram reflexões.
As equipes trabalharam basicamente na decomposição dos passos
básicos de cada dança escolhida. A primeira escolheu o frevo, dança típica de
Recife/PE, com a qual tiveram contato na Festa Junina da escola. Os alunos
identificavam, nos vídeos assistidos pela internet e na coreografia executada na
Festa Junina, que os passos chamados de “tesoura”, “ferrolho” e “engana povo” são
básicos dessa manifestação. Curiosamente, os classificaram como “radicais” dessas
danças, ou seja, fazendo uma ligação com o estudo da Língua Portuguesa,
recorrendo ao processo de formação das palavras, no qual radical é a parte da
palavra que é sua base, sua raiz, e a partir dela vão se acrescentando sufixos e
prefixos, que dão origem a variações dessas palavras. No caso da dança estudada,
puderam perceber que outros passos famosos do frevo, como o “saci”, a
“vassourinha”, a “locomotiva” e a “bailarina” são compostos pelos passos básicos
83
(radicais). Além disso, puderam perceber que o frevo é uma dança que surge e
ainda tem muito sucesso numa região quente do país, onde o carnaval é frenético e
contribui para a permanência dessa dança acelerada naquela região.
Figura 8 - Frevo
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
No estudo do Boi-Bumbá, que é a dança típica regional do estado do
Amazonas, outro grupo de alunos compartilhou a sua pesquisa sobre a história e a
composição dessa dança, que é parte da cultura nordestina trazida para o
Amazonas, na época do ciclo da borracha. Reconhecem a grande contribuição do
povo negro para essa dança, com seus tipos de movimentação e expressão
corporal, assim como dos europeus, que aqui exploraram a mão-de-obra escrava
dos negros trazidos da África. Na história que é contada43, percebe-se os contextos
indígenas, negros e europeus aglutinando-se.
Na execução da movimentação da dança, puderam notar a forte presença
das danças africanas, que acrescenta o remelexo de quadris no passo base da
dança indígena, que não tem este elemento. O passo base indígena consiste na
marcação somente de pés, alternando o peso entre ambos, com ou sem
deslocamento no espaço. Quando os elementos negros aparecem, observa-se um
43 A história encenada na manifestação da dança boi-bumbá é de Pai Francisco e Mãe Catirina, casal de negros que trabalham na fazenda dos senhores de engenho, e esperam o nascimento de seu filho. Catirina, grávida, deseja comer a língua do boi, a qual Pai Francisco consegue, matando um boi da fazenda. Neste contexto, há a filha do dono da fazenda (Sinhazinha), que ama o boi e cuida dele com muito carinho, assim como todos os índios da floresta, os quais fazem um ritual para ressuscitar o boi morto, para satisfazer a Sinhazinha. Na figura do Pajé, essa ressurreição é efetivada.
84
remelexo de quadris, que passa a acompanhar a alternância de peso do corpo nos
pés, caracterizando a dança Boi-Bumbá que dançamos hoje no estado do
Amazonas. O professor de Língua Portuguesa interviu, nesse momento da
exposição da equipe, fazendo alusão ao processo de hibridismo, que é a junção de
palavras de culturas diferentes numa mesma palavra, que não deixa de ser um
hibridismo de culturas também, assim como acontece com as danças.
Figura 9 – Boi-Bumbá
Fonte: Arquivo pessoa da pesquisadora
Os alunos compreendem as questões da linguagem, as
relações/comparações feitas entre dança e estudo da composição de palavras.
Porém, como são exercícios pontuais no semestre, e nem todos os alunos têm o
engajamento necessário para atentar à aula, a efetivação do processo se perde.
Aqueles que se dedicaram, sem sombra de dúvidas conseguiram se sensibilizar, ao
menos. Quando as aulas de dança ocorrem em paralelo às de Língua Portuguesa, a
efetivação do aprendizado tem mais sucesso, pois a sensibilização corporal
acontece em paralelo à exposição exclusivamente verbal de determinado assunto.
Neste tipo de procedimento interdisciplinar com a Língua Portuguesa
percebe-se uma efetividade na apreensão dos conteúdos trabalhados, seja pela
ação cognitiva do movimento, seja no exercício da atenção com o movimento
aleatório.
85
2.1. MATEMÁTICA (7º ano do Ensino Fundamental)
2.1.1. Movimentos aleatórios para a Tática de Atenção
Em geral, essa intervenção apresenta resultados positivos quando
qualquer movimento, que não seja o de segurar o lápis sobre o caderno e que
modifique a posição sentada na carteira, é proposto e estimulado. Alterarando a
atenção, os alunos voltam à aula com maior motivação, como no efeito da atenção
reflexa.
AULAS INICIAIS – OBSERVAÇÃO (3 AULAS) 7º ANO 2
O ambiente físico não difere da disciplina descrita anteriormente, muito
menos a configuração da sala de aula, no que diz respeito à disposição das
carteiras, o espaço dedicado ao professor e a metragem da sala. O diferencial é que
os alunos são mais novos porque estão no ano escolar anterior ao da classe de
Língua Portuguesa, o número de alunos é maior (52 alunos) e, portanto, a proporção
do tamanho da sala para cada aluno é, consequentemente, menor. Tomando isto
como princípio, as observações feitas na disciplina de Língua Portuguesa para o 9º
ano são retomadas para as de Matemática, com o diferencial de que alunos dessa
idade (11 e 12 anos) possuem uma energia e uma necessidade de movimento ainda
maior que a dos alunos do 9º ano (13 e 14 anos), e estão reunidos em um espaço
que se torna proporcionalmente menor. Ao sentar, precisam ficar quase imóveis,
pois ao olhar para trás, esticar o tronco ou esticar as pernas para frente ou os braços
para as laterais, já avançam na kinesfera do colega, não podendo, assim, explorar o
espaço no qual se encontram.
86
Figura 10 – Kinesfera dos alunos do 7º ano
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
O professor tem uma atuação um pouco diferente do anterior. Neste caso,
algumas medidas adotadas por ele como negociação para ganhar a atenção dos
alunos fazem diferença no processo. Essas negociações provavelmente existem
devido ao comportamento dos alunos. O silêncio prevalece durante toda a aula,
talvez por medo, por respeito, ou por apatia, mas alguns realmente mantêm uma
atenção aguçada (isso pôde ser observado quando me sentava ao lado de alguns,
no fundo da sala, podendo observar seus corpos e olhares). São quietos, não
conversam nem olham para outras direções, que não seja para frente, em direção à
lousa, durante as explicações. Livros e cadernos ficam abertos e eles copiam tudo
da lousa. Alguns poucos sabem as regras matemáticas já decoradas de outro
momento, advindas principalmente de contextos metafóricos, os quais o professor
explora muito bem.
Estudavam “Frações e números decimais” e, em certa aula, estava sendo
ensinado o m.m.c. (mínimo múltiplo comum). Para encontrar o mmc dos números
propostos no exercício, o professor chamava sempre este número mmc de
“matador”, argumentando que este número é um número comum, capaz de eliminar
ou de reduzir tanto o denominador quanto o numerador da fração. Em seguida, na
resolução da expressão numérica contendo as frações, relembrava também as
contas feitas com números de sinais opostos (como -2 +3, por exemplo), onde dizia,
87
para lembrá-los, que o irmão maior (no caso, o 3) sempre “bate” no menor (o 2),
expressando que o sinal do número de maior valor é o que prevalece no resultado.
Sem adentrar nas questões implicadas nessas metáforas, percebe-se,
neste caso, que as referências utilizadas para efetivar a compreensão dos
procedimentos e caminhos de solução são corporais (motores). A ação de matar ou
de bater são sensações/ações de corpo familiares aos alunos - caminho encontrado
pelo professor para fazê-los compreender com mais efetividade e clareza a
resolução do problema matemático. Nem todos os alunos, porém, conseguem.
Alguns não lembram ou não compreendem as regras básicas, e, portanto, não
resolvem as questões mais complexas. São sempre os mesmos alunos que
respondem às perguntas, que levantam a mão quando o professor pede para
sinalizar quem acertou. Os demais olham para o professor e para a lousa, mas não
se manifestam, inclusive não resolvem as equações nos próprios cadernos, deixam
em branco.
Uma das ações do professor para manter a atenção dos alunos, quando
percebe que se dispersam, é o uso de uma régua de alumínio, que bate com força
sobre sua mesa quando acha necessário. Os cadernos, enquanto recurso, auxiliam
na concentração, porque a repetição dos exercícios implica em escrever, ação que é
mais ativa do que só ouvir o professor e olhar a lousa. O horário da manhã (1º e 2º
tempos) são os mais favoráveis para a concentração. Quando esta aula acontece
em outros horários, a turma já está mais agitada, e, portanto, se torna mais
necessário ainda o exercício do movimento.
AULAS SEGUINTES – INTERVENÇÃO
AULA 1
A proposta pensada para a tática de atenção para a Matemática seguiu a
mesma adotada na Língua Portuguesa, visto que o que se intenta, neste momento,
é uma mudança de padrão de movimento, já tradicionalmente colocada na
metodologia carteira/lousa/caderno.
88
Intervenção: No momento em que o professor de Matemática dá a
instrução aos alunos para fazerem uma bateria de exercícios no caderno, antes que
eles iniciem, proponho que deixem os lápis e cadernos sobre a carteira e proponho
que levantem os braços, mexam os dedos e a cabeça, e olhem para outras direções
que não a da lousa. Sugiro os movimentos, os descrevo e mostro, e os alunos
reproduzem. Também sugeri que levantassem e fizessem os mesmos movimentos
de pé. Durou 2’ e depois, solicitei que voltassem para as carteiras e retomassem os
lápis para resolverem seus exercícios matemáticos no caderno. A movimentação foi
realizada com atenção e concentração, porém a transferência desta atenção para o
caderno não ultrapassou 15’, momento em que iniciaram pequenas conversas e
mudanças de posição.
Figura 11 – Indução do movimento intercalado à aula 2
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
A hipótese é a de que o exercício com o movimento seria necessário a
cada 15’, durante uma aula de 50’. Seria uma forma de adaptação à metodologia
tradicional, que submete o aluno a mesma posição por horas. Seria o mínimo
necessário, confirmado em outra intervenção, proposta na aula seguinte, num curto
período próximo aos 50´ da sua finalização, obtendo o mesmo aproveitamento.
AULA 2
Sendo este já o terceiro momento com a mesma natureza de intervenção,
pensamos, ao invés de movimentar no intervalo entre um exercício e outro, propor
mudanças nas posições dos corpos em relação à sala e aos colegas. O professor da
disciplina deixou uma tarefa independente para os alunos, que consistia em uma
89
lista de exercícios com expressões matemáticas. Ele se ausentou da sala de aula e,
então, pude ter um momento privado com os alunos. Solicitei que mudassem suas
carteiras de posição e sentassem nessas novas direções, nas quais uns colegas
ficavam de costas para a lousa, outros de frente, outros de frente para o colega. A
ideia era que a mudança de direção mudaria o campo de visão tradicional e a
novidade pudesse mantê-los mais tempo fixados no caderno.
Figura 12 – Mudança de campo de visão concomitante à atividade
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
A capacidade de atenção e concentração nos exercícios a serem
realizados no caderno não foi diferente da aula anterior (cerca de 10 a 15’), com as
conversas paralelas se iniciando cerca de 5’ depois da finalização do exercício. Os
alunos, quando questionados a respeito dessa sensação, manifestaram não terem
ficado mais concentrados do que quando na dinâmica tradicional de estarem sempre
sentados na mesma formação, visto que a nova posição, inclusive, abria margem
para uma maior propensão a conversas paralelas com os colegas.
Acredito que o novo, neste momento, não garantiu efetividade para os fins
esperados, visto que a escrita no caderno era o principal foco, e esta atividade
continua não sendo atrativa por si só. É importante destacar, neste momento da
aula, que esta acontece no horário seguinte ao do recreio, tempo em que os alunos
estão um pouco mais agitados e, como a escola também não tem uma boa acústica
nas salas e tampouco boa distribuição do espaço, a interferência sonora das outras
salas desconcentra os alunos. Acredito que a alternância de atividades
90
(movimento/caderno/lousa) seja mais efetiva (como nas primeira e segunda aulas)
com o desprendimento da metodologia da escrita (caderno) para a metafórica, como
veremos mais adiante.
AULA 3
Caminhando.. caminhando... para caminhar rumo a variadas formas de
movimento, diferente da ação de escrever. Greiner (2005), referenciando-se nos
estudos de Rodolfo Llinás sobre o movimento como sendo a base do pensamento,
afirma que a “mente44 [grifo nosso] é produto de diversos processos evolutivos que
ocorrem no cérebro, mas apenas das criaturas que se movem” (GREINER, 2005, p.
65). Neste encontro com a turma de alunos, o professor de matemática demandou
uma lista de exercícios, os quais deveriam ser resolvidos até o final daquele tempo
de aula. Ao perceber que era uma extensa lista e que iriam permanecer ocupados
com ela os 50’ destinados ao tempo de matemática, foi proposto que, assim que
fossem concluindo a resolução do primeiro bloco de exercícios (estipulado um tempo
máximo de 10’), ficassem de pé, ao lado de sua carteira. Quando, enfim, já havia
cerca de 10 deles na sugerida posição, foi pedido para que caminhassem, em
silêncio, entre as fileiras de carteiras, onde os demais colegas estavam ainda
resolvendo suas expressões numéricas.
Figura 13 – Caminhada intercalada às atividades
Fonte: Arquivo da pesquisadora
44 Entendendo que a mente, neste caso, é uma forma de chamar a atenção para o ato de pensar, o que não significa dizer que este ato está isento de movimento. Como já vimos anteriormente, sensoriomotor e julgamentos abstratos se entrecruzam.
91
Com o tempo esgotado, no qual nem todos os alunos conseguiram
concluir as atividades, solicitei que os que estavam caminhando sentassem, para o
primeiro bloco de correção dos exercícios na lousa, feito pelo professor de
matemática. Neste momento, eles retornam a sentar nas carteiras e corrigem com a
máxima atenção, olhos e corpos espertos, participativos na fala, com o professor
dinamizando as perguntas, sem responder às questões sozinho na lousa. A
dinâmica foi repetida no segundo e terceiro blocos de exercícios, permanecendo os
alunos alegres e atentos até o fim da atividade proposta pelo professor.
2.2.2 Movimentos relacionados aos conteúdos
No caso da matemática, este tipo de intervenção é mais difícil, talvez pela
alta abstração do conteúdo específico da disciplina. Para tal, seria necessário um
conhecimento mais especializado para atingir um sentido metafórico do movimento.
Os exercícios rítmicos propostos foram positivos, no sentido de construírem
conceitos matemáticos quantitativos. A sensibilidade de rápido e lento no corpo
talvez seja mais uma forma de compreender as noções de quantidade. No caso do
conteúdo estudado, que consistia em frações numéricas, cabia perceber que 1/8 de
tempo rítmico é bem mais rápido que ½, ou seja, que 1/8 tem um valor menor
(menor quantidade) que o valor de ½. Apesar dos processos de analogia ou
metafóricos do movimento com a matemática serem mais difíceis de estabelecer, é
possível, por exemplo, apontar para uma interlocução entre as noções de espaço e
tempo e o movimento como um primeiro sentido, pois o sentido do movimento
reverbera muitas informações de espaço e tempo. Essas noções, partindo do
pressuposto que as estruturas sensoriomotoras são a base dos metaconceitos do
corpo, são estruturas importantes na construção de conhecimento de qualquer
natureza.
AULA 4
Exercícios Rítmicos baseados nos exercícios de música e movimento de
Thelma Chan e Thelmo Cruz, no seu material intitulado “Divertimento de Corpo e
Voz”, foram explorados neste momento, com a intenção de experimentar uma
92
coordenação rítmica com os alunos. Primeiramente, usei a pulsação de uma música
quaternária para que pudessem sentir o “coração” da música. Em seguida, propus
uma variação nesta pulsação rítmica, onde os tempos básicos iam sofrendo
divisões, o que pode ser denominado de contratempo:
(imaginário)
Onde,
(semibreve) vale uma unidade inteira de compasso
(semínima) vale ¼ de uma unidade inteira de compasso ou coração
vale 1/8 de uma unidade inteira de compasso ou metade do coração
vale ½ de uma unidade inteira de compasso ou o dobro do coração
vale 1/32 de uma unidade inteira de compasso ou ¼ do coração
Essa unidade inteira de compasso corresponde ao espaço imaginário45
existente, o qual é dividido em 4 (quatro) partes iguais, num espaço de tempo
45 Imaginário, no caso desta atividade, pois o tempo inteiro de compasso quaternário, no caso a
semibreve, é utilizado nas composições e execuções musicais corriqueira e normalmente. Porém não
93
equivalente entre uma batida e outra (pulsação ou coração da música). Cada tempo
desse, nos quais é dividido o compasso, corresponde à semínima46, nota que tem o
valor (pelo motivo já citado) de ¼ de compasso. Este tempo da semínima dita o
coração da música, ou seja, um pulso (espaço de tempo entre uma semínima e
outra, que compõe a batida principal – coração – da música) corresponde a uma
unidade inteira de tempo.
A sonoridade era composta com palmas, batidas de pés e movimentos de
braços, aos quais era designado uma sequência de ritmo e movimento para cada um
deles. A música, então, era composta pelos sons do próprio corpo, exercitando
assim a coordenação rítmica. Além disso, foi explicado que essa divisão de valores
temporais entre as notas e entre um compasso e outro era fundamental para a
compreensão do que vinha a ser uma fração numérica e sua função no
entendimento do que seria fracionar alguma coisa, dividir uma unidade. Apesar da
noção cognitiva desenvolvida pela experiência do movimento não ser discutida com
eles, nesta aula foi possível iniciar uma noção rítmica, imprescindível para a
realização do próximo encontro, somente com os alunos que apresentavam maior
dificuldade com o assunto da disciplina em andamento.
AULA 5
Para acompanhar o andamento pedagógico, para fins desta pesquisa, foi
necessário um momento de seleção dos alunos envolvidos, ficando a atividade
dedicada somente para os que apresentavam uma necessidade de reforço das
aulas de matemática. Nestes encontros, havia a presença de, no máximo, 20 (vinte)
alunos, sentados nas carteiras dispostas em “meia-lua”, com a outra metade do
círculo composta pela lousa. Neste momento, só eu estava presente com os alunos.
O professor principal não participava.
é executada neste exercício, somente para efeito de se conhecer o espaço total que um compasso quaternário ocupa.
46 Nome designado para a nota musical, nos estudos de Teoria Musical, que tem valor do que chamam, nesta área de conhecimento, de “1/4 de tempo”, apesar de, na verdade, ela ter um valor matemático efetivo de ¼ do valor do compasso (uma semibreve).
94
Para iniciar o encontro, foi proposto que os alunos aprendessem um
exercício musical47 em roda e em duplas, no qual a variação de tempo e
contratempo é bastante trabalhada, assim como o ritmo e o movimento. Em cerca de
5’, o exercício foi realizado para efeitos de introdução do assunto do reforço, no
caso, as frações numéricas. Em seguida, buscamos resolver algumas expressões
numéricas em grupo, expressões estas passadas pelo professor de matemática na
lousa, para que todos pudessem acompanhar em grupo. Cada aluno resolvia uma
parte da expressão na lousa, enquanto os demais opinavam, quando o colega que
estava à lousa tinha alguma dificuldade. Durante tal resolução, algumas dúvidas
surgiam, e iam se ajudando, ao passo que as noções de rápido e lento praticados no
exercício inicial vinham à memória, lembrando que as frações de denominador
maior, com mesmo numerador, tinham um valor menor e, portanto, brincavam que
poderiam ser executadas num movimento mais rápido, pois eram mais curtas.
Figura 14 – Exercício rítmico em roda 2
Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora
A cada 10 minutos de resolução de exercícios, repetíamos o exercício em
roda, de pé, no centro da sala. Este procedimento, além de alternar a atenção,
reforçava as experiências corporais e, consequentemente, conceituais. As regras
matemáticas de resolução, como combinação de sinais em adição e multiplicação e
quais operações deveriam ser resolvidas antes de outras, foram dificuldades para as
quais não foi possível promover um auxílio mais efetivo. Esse modelo de aula foi
47 Música trabalhada “Bate-Bate”, de Divertimento de Corpo e Voz, de Thelma Chan e Thelmo Cruz.
95
realizado em 4 (quatro) repetições, com as quais foi possível uma transformação e
um amadurecimento do exercício cognitivo.
Um aspecto relevante nesta experiência motora foram os meus gestos,
para os quais os alunos atentavam com alegria. As expressões corporais que
designavam o lento e rápido ou o baixo e o cima, eram sentidas e expressadas
pelos alunos em suas carteiras, com seus olhares e intenção de movimento
(neurônios espelho), no momento da sua verbalização e execução pela interventora.
Figura 15 – Verbalização e intenção de movimento
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
Como bem coloca Cosenza e Guerra (2011), a emoção é um pilar
imprescindível neste processo, pois desperta, além da atenção, a reunião das
sensibilidades do corpo. A emoção não se atém à motivação no processo de
aprendizagem, mas ao enredamento cognitivo de informações que subsidiam, ou
melhor, participam efetivamente da compreensão de algo. Portanto,
96
O conhecimento fornecido pelas neurociências pode então indicar algumas direções, ainda que não exista uma receita única a ser seguida: o ambiente escolar deve ser estimulante, [...]. Usando o andamento dos tempos musicais como metáfora, podemos dizer que o ideal é que o ambiente na escola seja allegro moderato, ou seja, estimulante e alegre, mas que permita o relaxamento e minimize a ansiedade. (COSENZA E GUERRA, 2011, p. 84)
Tais experiências metafóricas, nestes momentos, tanto quando nas
estórias contadas pelo professor de matemática (nos exemplos do número “matador”
ou do irmão maior que “bate” no menor), como nas forças gestuais presentes na
minha expressividade (ao entonar as ações que acontecem nas expressões
numéricas), nada mais são que relações cognitivas que se enredam em um
significado padrão (padrões mentais), que servirão como uma “base de dados” para
vários conceitos que se formarão. Quando menciono “vários” conceitos, proponho
que sejam realmente conceitos de variadas coisas distintas, que vão desde a
“consciência corporal” ao significado de “cidades satélite”, os quais dependem, por
vezes, de uma experiência motora padrão.
As noções espacial e temporal atuam diretamente na imagem (DAMÁSIO,
2011) ou padrão mental de qualquer coisa. Estudiosos como Piaget, Wallon e
Vigotski, do campo pedagógico e cognitivo, já traziam há muito essas noções, como
abordado no capítulo anterior, contaminando teóricos outros, como Le Boulch, em
sua preocupação com o valor cognitivo do movimento, o qual surge, em grande
parte, dessas duas noções. Segundo Berthoz (2000), a noção espacial funciona
através de um modelo conceituado por Droulez, chamado “dynamic memory” ou
“dynamic updating”, afirmando que as noções espaciais não são calculadas
cartesianamente a todo momento em exatidões matemáticas, mas experenciadas
pelo corpo inteiro em suas funções cognitivas de automação, que são
constantemente atualizadas e dadas à interpretação, em níveis gerais de corpo.
Como colocado anteriormente, o corpo inteiro percebe as noções espaciais,
utilizando todos os sentidos disponíveis naquele organismo e, desta mesma
maneira, raciocina e significa com o corpo sensível. Consequentemente, as noções
espaciais participam de outras noções, assim como outras experiências se enredam
na constituição da noção espacial. Nenhuma experiência ou sentido é dado
isoladamente.
97
... the brain does not need to calculate spatial coordinates of the targets
toward which saccades are made. Automatic mechanisms that use the
motor command itself update the neural maps on wich the image of the
target is projected. (BERTHOZ, 2000, p. 213)48
Assim como nas experiências com focos visuais,
...orienting movements or movements of capture can be achieved with the eye only, or with the head, the trunk, or even the whole body. The model predicts that the orienting movement can be specified in terms of velocity in a rather general way, before it is executed by the eye, head, or a limb, owing to local integrators that determine changes in position of the efector based on its biomechanical characteristics. This property is very general, since it is easy to write a letter using a finger, hand, or foot. (BERTHOZ, 2000, p. 213)49
Esses esquemas de sentidos enredados são formados a todo momento
durante a vida, desde o nascimento, dando forma a padrões que vão acompanhando
aquele corpo durante toda a sua vida. Isso pôde ser verificado por Stern, segundo
Berthoz (2000), quando observou a memória de bebês que chuparam um bico de
seio e uma chupeta, de olhos vendados e, após terem sido desvendados,
reconheceram o bico do seio com os olhos, ou seja, o sentido da visão foi acionado
pela experiência tátil. Essa experiência demonstra que as informações entre os
sentidos são imbricadas e o bebê forma um significado da sensação, tanto que
passa essa imagem (significado) para outros sentidos.
Na infância, entre 2 e 7 anos, a memória do movimento é gerada pela
intensidade de movimento que a criança executa. Após os 7 anos, essa memória é
utilizada para maiores abstrações, em vários níveis, não só para reproduzir uma
memória de uma prática fixa (aprender que com um pulo pode-se alcançar um objeto
proibido de manipulação, o qual a mãe suspende para que a criança não possa
alcançá-lo), mas para construir a “dynamic memory”. Este modelo de memória levará
48 ... o cérebro não precisa calcular as coordenadas espaciais dos alvos para os quais são feitas as
sacadas. Mecanismos automáticos que usam o comando motor atualizam por si mesmos os mapas neurais nos quais a imagem do alvo é projetada. (BERTHOZ, 2000, p. 213)
49 ... movimentos orientadores ou movimentos de captura podem ser conseguidos apenas com o olho,
ou com a cabeça, o tronco ou mesmo com todo o corpo. O modelo prevê que o movimento de orientação pode ser especificado em termos de velocidade de uma maneira geral, antes de ser executado pelo olho, cabeça ou membro, devido a integradores locais que determinam mudanças na posição do efetor com base em suas características biomecânicas. Essa propriedade é muito genérica, pois é fácil escrever uma carta usando um dedo, uma mão ou um pé. (BERTHOZ, 2000, p. 213)
98
a criança à seleção de algumas ações em detrimento de outras, ou à mudança
precisa no foco do olhar50, assim como à formação de conceitos, significados. O
padrão mental criado pelo exercício do movimento não fica somente na reprodução
visível desse movimento: ele se enreda junto às demais experiências, construindo
uma “dynamic memory” para compreensão de conceitos abstratos.
No momento em que a criança (desde bebês) se movimenta, ela cria uma
espécie de “base de dados” com os ideomovimentos (Wallon) que compõem a
Cognição Inconsciente51, assim como a “dynamic memory”, os quais são
imprescindíveis para a consciência. Os movimentos realizados ou sentidos pelas
crianças são inconscientes, espontâneos e, portanto, participam do processo
inconsciente de formação de algumas estruturas de raciocínio. As noções
coordenadas de movimentos, temporais, espaciais, que levam o bebê/criança a
atingir determinados objetivos de ação, as faz sentirpercebertranspor essas
sensações físicas/motoras em valores subjetivos, à medida que acrescem seu
tempo de vida, amadurecendo e complexificando tais informações.
Quando se descreve, em bibliografias que tratam do desenvolvimento e
da educação infantil, que o movimento ou o jogo são fundamentais na construção da
autonomia do aluno, é sobre este procedimento cognitivo que se está chamando a
atenção, e não somente sobre uma autonomia para o mover, com fim no próprio
movimento. Este movimento dá subsídios, monta a “base de dados” da
criança/indivíduo, para que a subjetividade (e o que o domínio do movimento
autônomo significa para si) aconteça.
50 muda-se o foco de um objeto para o outro no espaço, ignorando outros que estão entre esses dois
focos, ou seja, não se percebe os outros objetos, somente o ponto final e inicial focado
51 Segundo Lakoff & Johnson (1999) em Philosophy in the flesh: the embodied mind and it´s challenge to western thought, Cognição Inconsciente é uma expressão que designa que, diferenciando-se do que a filosofia tradicional costuma chamar de cognitivo (somente aquilo que pode ser verificado na consciência), a cognição já acontece no nível da inconsciência, ou seja, as informações e estruturas formadas no nível da consciência só podem ocorrer a partir da inconsciência (aquilo que não damos conta de ter domínio consciente no momento da ação ou conceituação). Por exemplo, quando discursamos, temos que retomar fonemas, estruturas gramaticais, concordâncias, gestos, semânticas, seleção de palavras e termos, construir imagens, antecipar quais rumos a conversa irá tomar, planejar o que se irá responder, etc. para efetivar o discurso. Porém, todas essas ações ocorrem no nível da inconsciência, e são imprescindíveis para que a ação discursiva ocorra com sucesso. Apontam também que esse nível de cognição tem o corpo como elemento fulcral.
99
The body is crucial at this level, because all of our cognitive mechanisms and structures are grounded in patterns of bodily experience and activity, such as our spatial and temporal orientations, the patterns of our bodily movements, and the ways we manipulate objects. Mental images, image schemas, metaphors, metonymies, concepts, and inference patterns are all tied, directly or indirectly, to these bodily structures of our sensorimotor activities. (JOHNSON, 1987, p.82)52
Essas experiências de espaço e tempo subsidiam as subjetividades no
momento em que tais experiências passam a ter um significado para o indivíduo
experiente, ou seja, a experimentação do movimento significa, transpõe, solidifica o
conceito abstrato. E isso ocorre no nível da inconsciência, pois é a cada experiência
sensoriomotora de atingir a longitude ou a altitude ou em determinada velocidade
que o valor alcançado na tarefa é interpretado, sentido e significado.
Quanto mais fontes de aprendizado pudermos oferecer aos nossos
alunos, mais eficiente será este processo. Além da experiência oral, leitura e escrita,
a expressividade do mover o corpo inteiro não pode ser negada, sendo todos os
circuitos do sentido do movimento aflorados, conectando sinapses outras que
enredarão outros circuitos não motivados nas experiências tradicionais. Apesar
dessas linguagens do dia-a-dia escolar não se desprenderem cognitivamente do
sentido do movimento pelas implicações metafóricas, as quais possuem nas
estruturas sensoriomotoras a base para significarem para nós, o movimento, quando
conscientemente estimulado, traz informações, como a movimentação ampla dos
membros, a coordenação rítmica e o formato dançante, para uma qualidade de
presença para os alunos que cultiva formas neuromusculares de pensamento
passíveis de outros gatilhos de significação e de contato com o organismo (aluno).
Estes diferem dos gatilhos tradicionais e, portanto, sugerem um efeito de
aprendizado, ao menos, distinto do que ocorre todos os dias nos ambientes
escolares, possibilitando caminhos para tentarmos acompanhar pedagogicamente
as mudanças cognitivas (entendamos corporais) em curso, para as quais as formas
tradicionais estão cada dia mais sufocantes.
52 O corpo é crucial neste nível porque todos os nossos mecanismos e estruturas cognitivos são fundamentados em padrões de experiência e atividade corporal, tais como nossas orientações espaciais e temporais, os padrões de nossos movimentos corporais e as maneiras como manipulamos os objetos. Imagens mentais, esquemas de imagens, metáforas, metonímias, conceitos e padrões de inferência estão todos ligados, direta ou indiretamente, a essas estruturas corporais de nossas atividades sensório-motoras. (JOHNSON, 1987, p.82)
100
Construir conhecimento considerando que a elaboração de conceitos
necessita de várias ações, até se formar uma ideia de algo, é colocar as sinapses
em movimento. É possibilitando experiências, diferentes enredamentos neuronais,
imaginando possibilidades, que os conceitos vão significando e ressignificando
(semiose) para nós e, desta forma, estabelecendo um eterno movimento sináptico
do organismo, durante toda a vida. A ação de mover, seja visível ou não aos olhos
de outro organismo, ocorre a todo momento, sem pedir licença, permissão ou
mesmo ser consciente. O movimento sináptico, ao acontecer, movimenta todo o
organismo, todo o arcabouço culturalbiologico que o mantém em constante
construção, inclusive, de sua expressividade, elemento chave para mantermos a
comunicação e a semiose nos processos educativos. A dança, neste lugar, como
ação do movimento complexa e imbricada na expressividade, indica uma proposta
de movimento rica em semioses e, consequentemente, em construção de
conhecimento, o que a coloca em uma posição privilegiada, pois viabiliza uma
experiência do movimento de coordenação motora e metafórica que, dificilmente,
outras experiências do movimento consciente oportunizam. Neste contexto, se
sugere, a seguir, experiências em dança capazes de compor outros caminhos para
processos educativos pelo movimento na escola.
101
CAPÍTULO 3: DANÇA E APRENDIZAGEM
Não se trata de um corpo que pratica uma atividade chamada pensamento (pensar sobre algo). Há que se entender que quando a dança acontece num corpo, o tipo de ação que a faz acontecer é da mesma natureza do tipo de ação que faz o pensamento aparecer. O pensamento que se pensa e o pensamento que se organiza motoramente como dança se ressoam. (KATZ, 2005, p. 39)
Até então, falamos de movimento do corpo como um sentido, e um
sentido primeiro, se considerarmos que as informações deste sentido estão
imbricadas nos demais, para que ocorram com efetividade. Neste capítulo, pretende-
se pensar na possibilidade da construção do conhecimento pelo movimento artístico
da dança.
3.1. QUE DANÇA É ESSA?
Os estudos neurocientíficos e artísticos têm se interessado em propor que
o corpo é um complexo não só de ossos e músculos conduzidos pela biomecânica,
mas também por uma cognição/inteligência sensóriomotora formada culturalmente.
Vale destacar a tese de Edna Sílmor (2018), que faz um breve retrospecto sobre a
Dança como área de conhecimento no mundo e aqui, no Brasil, citando Maxine
Sheets-Jonhstone (dançarina, coreógrafa e pesquisadora em filosofia da dança),
que aborda a formação do pensamento a partir de conceitos cinésio-táteis;
passando pelo neurocientista António Damásio (já citado na presente tese), assim
como Wayne McGregor (com projetos de BrainDance e Coreography and Cognition)
e William Forsythe (com seus estudos para descobrir novos acionamentos corporais
relacionando dança e ciência); até pesquisadoras brasileiras como Katz e Greiner
(com a Teoria Corpomídia). Acrescento a este bloco brasileiro Lenira Rengel (com o
conceito de corponectividade, apoiado nos estudos de Lakoff e Jonhson para
formular o procedimento metafórico nos processos educacionais em dança), Adriana
Machado (com a ideia de que o corpo opera por imagens e que é a partir dessas
imagens que a dança acontece) e Helena Katz (quando propõe que a dança é o
pensamento do corpo). Em todos esses estudos há uma preocupação em
102
compreender os estados do corpo e que rumos essa linguagem artística (dança)
estabelece em relação a outras áreas de conhecimento, as quais tanto subsidiam
como se alimentam deste fenômeno “dança”, pois a expressão ocorrida nela é de
uma qualidade particular sobre outras ocorrências do corpo. Não distante disso,
estão as 36 (trinta e seis)53 que têm o Ensino Superior em Dança no rol de seus
cursos, um reflexo do que vem ocorrendo no mundo inteiro no que diz respeito à
necessidade e quali/quantidade de características próprias da área a serem
estudadas.
Sendo a Dança a arte do movimento, juntam-se dois elementos (ou dois
campos de conhecimento) para a sua ocorrência, imprescindíveis para a construção
de conhecimento a partir dela: arte e movimento. Esta tese foca no movimento, sem,
no entanto, esquecer do movimento que se qualifica como artístico, como o
movimento de que é composta a dança. A partir do momento que o movimento é um
componente da dança, torna-se indispensável compreender como ele percebe as
coisas no mundo (vide capítulo 1) para, então, constituir linguagem.
De certo que o movimento comunica. Movimento este que, além dos
aspectos motores do corpo a ele relacionados (movimentos reflexos, rítmicos e
voluntários), também se adapta ao ambiente por seu caráter comunicativo, pois a
cada gesto ou reação, o corpo dialoga com o meio. A dança realiza esta
comunicação quando o movimento produz a natureza metafórica da linguagem.
Além do corpo compreender o mundo de forma metafórica (como visto na p. 30), ele
possui uma maneira, um jeito de organizar essas informações que, a depender da
intenção metafórica empregada, se constitui em comunicação em dança ou
linguagem da dança.
Neste momento, pretende-se trabalhar a Dança enquanto fenômeno de
construção de linguagem e investigar a sua relação com a percepção em ação
estudada por Noe (2004) e Berthoz (2000). Quando se improvisa em dança (Martins,
2010), passa-se por um curto momento de percepção, que logo culmina na ação.
Esse momento de “construção” da ação acontece no corpo, não só para resultar em
dança, mas também como um processo (se assim estimulado) de construir qualquer
53 Fonte: http://emec.mec.gov.br/, consulta em 22.04.2019.
103
conhecimento. Ou seja, o sentido do movimento com a dança pode ser estimulado
em qualquer aluno de forma consciente e, através dele, se tornar mais uma forma de
conhecer aquilo que se pretende ensinaraprender.
Corpo é cultura. Nele, a cultura não se inscreve depois do corpo existir,
uma vez que ela está neste corpo constituindo-o. Quando concebemos que natureza
e cultura vivem em semiose, entendemos que o corpo não está fora da cultura. A
dança é entendida como uma forma do corpo se pôr no mundo, diferente de outras
ações corporais. As informações da natureza e da cultura ali presentes, se
organizam motoramente como dança, de forma a apresentar, no seu modo de
existir, a coleção de informações que constitui esse corpo no momento em que
dança.
Não se trata apenas do pensamento e, muito menos, do entendimento
mais comum de pensamento como um raciocínio mental. Seguiremos com Katz,
para propor a dança como pensamento do corpo (2005): “O pensamento que se
pensa e o pensamento que se organiza motoramente como dança se ressoam”
(KATZ, 2005, p. 40)
Pensamento entendido como um geral, um hábito que determina a possibilidade da dança se tornar existente. Pensamento, portanto, exilado da tirania da exclusividade da mente humana e do reino verbal. Como o que está e se desenvolve em todo o mundo físico. Aceitar que o pensamento age em toda a natureza significa aceitar o evolucionismo. (KATZ, 2005, p. 52)
A autora ainda aponta que a dança tem ignição (inicia) num processo de
abdução. Abdução, em Peirce54, como o circuito neuronal que dispara ideias novas,
e que se diferencia dos outros dois estágios, o da indução e o da dedução.
Fenômeno que geralmente fica no nível do indescritível, para Peirce, apud Katz
(2005), a abdução seria uma forma de raciocínio, na qual os neurônios se organizam
de forma a servir de ignição para outros mais. Neste ambiente, surge o fenômeno
dança.
54 Charles Sanders Peirce dedicou seus estudos a definir semiótica (considerado o pai da Semiótica),
onde estuda sobre signo e seus componentes e estágios.
104
O fenômeno perceptivo se associa com o fenômeno dança no momento
em que, tendo o caráter do movimento, a dança já acontece na forma de percepção
em ação. Enquanto se toma consciência dos fenômenos perceptivos pelo
cérebrocorpo, a dança já acontece, e o movimento visível por outrem ocorre
simultaneamente.
O cerebrum se forma no desenvolvimento da percepção (neurônios sensoriais) e da ação (neurônios motores). A dança também se forma assim. Mas a sua conexão percepção/ação ocorre de um modo sui generis.
Dominantemente cinética. Nela, a ação condiciona a existência, uma vez que para ser dança, a dança precisa estar sendo feita. (KATZ, 2005, p. 87)
Assim como as amebas, os seres mais simples, o movimento foi o
primeiro processo de existência corporal, ou seja, a primeira característica de um
corpo vivo. “... o movimento pode ser decifrado como a matriz cinética do
pensamento do corpo” (KATZ, 2005, p. 128), tendo em vista que ele mesmo (o
movimento) é, desde nossa origem evolutiva, o próprio pensamento. Foi ele que
sempre sentiu e que escolheu para onde ir, o que comer, o que não fazer. Sempre
foi o movimento e somente através dele, que o corpo se estabeleceu enquanto tal. A
imprescindibilidade do movimento no corpo nos faz relacionar o pensamento com o
movimento de forma equivalente, em termos de plasticidade neuronal, ou seja (que o
circuito neuronal que faz o movimento acontecer é o mesmo que também faz o
pensamento ocorrer).
A dança que aqui se propõe é a que se equipara ao pensamento do
corpo, proposto por Katz (2005). Essa dança que surge da organização neuronal
natural de se conceber o pensamento. A dança do movimento que se faz dança
quando se organiza numa teia de percepções e ocorrências biológicas do corpo, em
sensibilidade e comunicação com o meio, tornando-o visível ou não.
105
3.2. DANÇA NA CONTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
3.2.1. Sentindo o texto no corpo: uma proposta de criação
Um ponto parágrafo, uma vírgula, um ponto seguido, reticências... de
repente: uma exclamação! Ah, será que podemos esquecer da interrogação? Os
textos escritos, sejam eles em livros, cartas ou uma mensagem em mídia digital, são
construções de ideias que dependem de uma ortografia, gramática e pontuação
adequadas para seu esclarecimento, sua boa compreensão. No caso dos
adolescentes em idade escolar, é recorrente que tenham dificuldade com a
compreensão/interpretação de texto, devido à falta de respiração na pontuação, no
momento da leitura, fato observado quando leem em voz alta. Percebe-se a falta de
entonação e a falta das devidas paradas, ao longo do texto, que fazem com que,
mesmo sabendo o significado e a concordância gramatical das palavras, o aluno não
tenha compreensão do conteúdo do texto lido. O mesmo texto, quando lido pelo
professor ou por alguém que o faça na pontuação correta, passa a ter clareza para o
aluno ouvinte.
Este fenômeno foi observado quando, nas aulas de Língua Portuguesa, o
professor demandava que os alunos lessem em grupo, em voz alta, um texto
projetado na lousa, ou que lessem individualmente, também em voz alta, um texto
do livro didático. Após a leitura, realizada na sua maior parte sem as pausas
necessárias de pontuação, tanto o aluno leitor como os ouvintes não haviam
compreendido um texto simples, de conteúdo de fácil acesso. O professor, em
seguida, refazia a leitura e, após isso, a turma conseguia debater sobre o assunto do
texto, agora tendo o esclarecimento do seu conteúdo. A questão chamou a
atenção de tal forma, que uma proposta de criação em dança foi pensada a partir da
sensibilização de tensões musculares que poderiam ser experenciadas de uma
forma diferente da verbal, ou seja, propondo movimentos visíveis osseosmusculares
(partindo do entendimento, claro, que os movimentos não se originam somente
nessas estruturas) que os fizessem experimentar tais pontuações nesta ignição,
diferente da visão das palavras no papel ou da oralização.
106
Qual a tensão muscular produzida por um ponto parágrafo? Que intenção
de movimento pode produzir um ponto seguido? A vírgula, por exemplo, é uma
pausa mais suave e, portanto, tem mais leveza que a intenção da fala e dos
músculos da fala? A interrogação ou a exclamação possuem mais energia e tônus,
por serem momentos do texto onde se expressa uma emoção mais forte e uma
pausa mais demorada entre as duas sentenças que separam?
Dispostos em círculo, lhes reapresentei os principais sinais de pontuação
utilizados em qualquer texto: a vírgula, pontos parágrafo e seguido, pontos de
exclamação e interrogação. A proposta era que eles sentassem nas suas cadeiras
com os cotovelos sobre as coxas e as mãos ficassem livres. À medida que eu falava
o nome de cada ponto, eles deveriam tensionar mais ou menos os músculos dos
braços e mãos, assim como os faciais, os quais poderiam expressar sentimentos
também.
Figura 16 – Tensões musculares e pontuação
Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora
Ponto Parágrafo.
Ponto seguido. Exclamação! Vírgula, interrogação? A cada palavra iam
expressando suas tensões e relaxamento nos seus corpos, mas cada uma a sua
maneira, o que fazia com que uma vírgula, por exemplo, não tivesse a mesma
107
reação em todos os corpos. As tensões, as quais se estendiam para movimentos
outros, expressivos, ganhavam visibilidade de movimento diferentes, distintos em
cada aluno, levando-os a diversos contextos metafóricos de expressividade. A
princípio, a intenção era de que experimentassem somente diferentes tensões e
pausas, porém a expressividade do corpo inteiro se mostrou inerente ao processo,
fazendo com que os alunos significassem a intenção de cada ponto e assim a
expressassem.
Em seguida, a leitura em voz alta: li o texto “Assunto: Nada” (ANEXO A)55
e, a cada pausa, os alunos iam fazendo suas interpretações, expressando-as
corporalmente, ainda sentados, concomitantemente à minha leitura. Eles não tinham
conhecimento de qual pontuação estava acontecendo durante a minha leitura, só
tinham como tarefa expressar o que cogitavam que era. Isso diversificou mais ainda
as ações desenvolvidas e, neste contexto, a leitura foi repetida mais três vezes,
suficientes para que eles pudessem refazer e ressignificar as pontuações e a própria
interpretação do texto.
Figura 17 – Leitura do texto
Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora
Após a experiência expressiva, sem oralização, foi pedido que alguns
alunos, escolhidos aleatoriamente, lessem o mesmo texto. Apresentaram a leitura de
forma clara, com alguns poucos problemas de pontuação, com fácil compreensão
pelos colegas ouvintes. Ao final da leitura, relataram que, com o exercício, puderam
55 Texto retirado livro “P.S. Beijei”, com o qual o professor de Língua Portuguesa estava trabalhando
na área de literatura, e tinha sucesso na aceitação pela turma, por ser um livro que dispunha de cartas trocadas entre duas adolescentes contando as suas primeiras experiências amorosas.
108
perceber o quanto é importante a respiração para fazer uma boa e correta
apreensão do texto através da leitura, feita com calma e pausadamente. No
momento do experimento, os alunos se apresentavam envolvidos, pois é um
exercício não convencional para eles, e que exige muita concentração e
disponibilidade para a sensibilidade.
Mais movimento... mais e mais!! Fomos em direção a um momento no
qual pudéssemos nos expressar com maior amplitude de movimento. Num próximo
encontro, foi proposto um aquecimento das articulações, e pudemos experimentar
ações do dia-a-dia (correr, andar, saltar, encolher, expandir, deitar, rolar,
espreguiçar, etc.), ainda sem fazer referência às intenções de dança. O exercício
das ações corporais ia se diluindo por entre os sinais de pontuação, os quais iam
sendo ditos aleatoriamente, durante a movimentação dos alunos, que os iam
expressando nas suas ações. Não diferente do encontro anterior, as expressões
eram diversas, brincando com o tempo e a tensão, de forma a construírem variados
contextos metafóricos.
Figura 18 – Ações corporais e pontuação
Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora
Mais um texto: “Assunto: Kisses”, do mesmo livro (ANEXO B). O texto foi
lido primeiramente por mim, em voz alta e, em seguida, os alunos se agruparam em
duplas, nas quais um fazia a leitura em voz alta para que o outro pudesse
acompanhar, se expressando com o corpo no ritmo da pontuação da leitura, que era
feita diversas vezes e, neste momento, o texto ia ganhando forma de dança nos
alunos que se propunham a se movimentar. As pausas das pontuações eram
109
sempre destacadas, amadurecendo a cada repetição. Ao final do encontro, cada
dupla se dispôs a apresentar sua produção no centro da roda, para que os colegas
pudessem apreciar. Tanto as falas como as ações corporais sofriam uma
retroalimentação de seus pares, como em semiose: a cada repetição, os corpos (que
dançam e que falam) conversavam e se ressignificavam uns para os outros nas
ações comunicativas.
Figura 19 – Leitura em dupla
Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora
A construção da linguagem, portanto, passa pelo procedimento metafórico
do corpo, operando sempre no trânsito do sensoriomotor e dos julgamentos
abstratos. Os movimentos, por sua vez, operam na mesma lógica, visto que a
linguagem verbal e não verbal são manifestações do corpo. O corpo, ele mesmo, é
expressão de si mesmo, conta como está naquele momento. Mas é preciso atenção
quando se fala em expressão porque ela não se refere a uma informação que estava
no pensamento e depois se “externa” no corpo (seja pela escrita, pela voz ou pelo
gesto). Esse entendimento não considera o corpo como uma cognição
coparticipativa com o ambiente, não considera que a expressividade se dá no
corpoambiente na forma de um acontecimento. No caso da “dança” executada pelos
alunos no último encontro aqui descrito, composta por respostas e perguntas entre
corpo e voz, não houve uma representação estática do que está sendo ouvido: como
110
os significados são metafóricos e transitórios, estão sempre em fase de experiência
e de devir, estabelecendo conexões e enredamentos sensoriomotores de
conhecimento, que ressignificam e se refazem a cada momento.
De acordo com Johnson, o modo como pensamos e agimos, o que experimentamos e o que fazemos em nosso cotidiano, tudo isso é sempre matéria metafórica. Como a comunicação se baseia no mesmo sistema conceitual que usamos para pensar e agir, a linguagem verbal se torna uma fonte importante de evidência do funcionamento do sistema. Importante, porém não única. (GREINER, 2005, p .131)
No encontro seguinte, a dança começa a se dar a ver quando os alunos
experimentam contar as próprias histórias. Dentro da temática da paquera e do
primeiro beijo proposta pelos textos do livro já trabalhado, começaram a relembrar
fatos marcantes de suas primeiras paqueras. Esses fatos, além de lembrados, foram
registrados de forma escrita para que pudessem atentar para a pontuação do texto -
ação que tiveram dificuldade de fazer corretamente. Após escrito, o exercício era o
de ler em voz alta para um colega (em dupla), de modo que a história fosse
compreendida pelo ouvinte. Enquanto liam, percebiam que a pontuação registrada
por escrito não correspondia às pausas feitas pela expressão da fala. A partir de tal
observação, foram fazendo as correções por si mesmos.
Corrigida a escrita, o exercício passava a ser o de experimentar falar a
sua história para o colega com mais naturalidade e envolvimento emotivo, sabendo,
obviamente, que a emoção de se contar uma história como essa, neste momento,
não é a mesma que quando a mesma aconteceu. No entanto, algumas memórias
eram retomadas e a atenção da pontuação faz com que eles se envolvam nas
entonações e, consequentemente, na expressividade.
111
Figura 20 – Registro das histórias e compartilhamento
Fonte: Arquivo pessoal da Pesquisadora
Então, finalmente, a dança: ainda com as falas, os corpos ganham maior
expressividade no gesto, no movimento, numa proposta de apresentação cênica. Os
alunos contam suas histórias oralmente, um ao lado do outro, ao mesmo tempo,
para a frente, simulando um palco italiano56. À medida que vão contando suas
histórias, são convocados a deixar reverberar por todo o corpo as emoções trazidas
dessas narrativas, dando destaque aos momentos de pausas, respirações, inflexões,
os quais correspondem às pontuações. Neste momento, a composição em dança
começa a aparecer, pois ocorre um pensaragir em níveis metafóricos, que se
sobrepõem uns aos outros, do cognitivo inconsciente ao consciente artístico que,
após organizados em dança, em gestos artisticamente articulados, passam a
sobrepor níveis também de enredamento de conhecimento sobre, no caso, os
56 Estrutura de palco para apresentações cênicas artísticas onde o público tem visão da cena pro uma única frente, diferente de um teatro de arena, por exemplo, no qual o público se acomoda em volta do
palco e não somente em uma frente única.
112
significados de cada pontuação utilizada no texto, ressignificando e reforçando o teor
do próprio texto.
Os sentimentos possibilitam a atentar-se para aquilo que acontece no corpo propriamente dito, sendo assim fundamental para os processos de construção de conhecimento corporal. Portanto, experimentar uma prática corporal artística vai além de realizar movimentos no espaço-tempo. A prática corporal no contexto da arte depende do corpo-mente que associa, de modo consciente, sentimentos, emoções e cognição ao fazer músculo esquelético. (RIBEIRO, 2015, p.63. In: Arte e Cognição, 2015, Katz e Greiner (orgs.)57
Para compor a cena, foi acrescida uma dinâmica: além de expressarem o
texto com todo o corpo, no fundo do “palco”, aleatoriamente, cada aluno poderia
caminhar até a frente, no ritmo que achasse apropriado para a sua expressividade,
brincando com o volume das vozes à medida que caminhavam para frente ou para
trás. Na cena, cinco alunos falando seus textos ao mesmo tempo, e alternando suas
caminhadas, de forma que o público aprecia várias vozes, expressões e volumes ao
mesmo tempo, fazendo com que, a cada momento, uma história se destaque mais
em detrimento das outras. Não era possível ouvir todas as histórias na íntegra, mas,
para efeitos estéticos da cena, era possível perceber que algumas histórias eram
contadas, que eram histórias íntimas, ora tristes, ora felizes, tímidas ou rancorosas e
que, apesar de estarem sendo contadas juntas, ao mesmo tempo, eram histórias
muito solitárias. A mesma composição foi também experimentada sem voz, somente
com o movimento, momento em que a consciência do movimento é destacada, de
modo a experimentar uma memória cinética do texto, na qual imagens diferentes são
formadas e, portanto, construídas distintivamente da oralidade.
57 Para Damasio (2011) emoções e sentimentos têm essências distintas no organismo, são processos
distintos. As emoções têm a ver com os estados corporais instantâneos, instintivos, como medo,
raiva, alegria, nojo (emoções primárias), entusiasmo, bem e mal-estar, apreensão, desencorajamento,
etc. (emoções de fundo) e vergonha, culpa, ciúme, compaixão, inveja, etc. (emoções sociais) e
podem ser conscientes ou não conscientes. A partir do momento que são mapeadas pelo cérebro, o
processamento do mapeamento das alterações que a emoção provoca no organismo constitui o
sentimento. Este sentimento é uma imagem percebida pelo corpo, o qual já compreende
conscientemente a emoção sentida e decide expressá-la ou não, pois, no nível do sentimento, a
consciência já permite um controle social. No caso das emoções, é mais difícil controlar.
114
Mas, como se sabe, voz é corpo. A ênfase corporal e a entonação são, na
maioria das vezes, o que mais importa na palavra dita. A intenção da fala, ou seja,
sua entonação e a intenção de movimento, na maioria das vezes dizem mais do que
a própria palavra. O “como” você diz tem mais força do que “o que” você diz. Por
isso, vale enfatizar aqui a relação da voz e do corpo.
A metodologia proposta partiu do entendimento de que o objeto elencado
para estudo (a pontuação) levaria os alunos para a dança, em um exercício de
interdisciplinaridade com os conteúdos da disciplina Língua Portuguesa.
O corpo faz parte do processo de aprendizagem e deve ser considerado a
ele integrado. A afetividade, emoções, sentimentos não estão fora da compreensão,
pois instauram processos cognitivos, enredam circuitos nervosos e também
redirecionam tanto a atenção como significações. Ou seja, também ensinam!
Ensinam quando as memórias das histórias dos alunos são evocadas e contadas
por eles mesmos, quando reproduzem, quando escrevem, quando falam e quando
dançam. Espinoza (1632-1677) já dizia: “As afecções do corpo, positivas ou
negativas, interferem na potência de ação desse corpo” (GLEIZER, 2005, apud
RIBEIRO, 2015, p. 56) e, portanto,
Considerar que o modo como um corpo é afetado interfere na maneira como ele conduzirá sua ação reforça a continuidade corpo-mente-ambiente e a importância da experiência do sujeito no processo de construção de conhecimento (RIBEIRO, 2015, p. 56).
No momento das recordações, das memórias evocadas, emoções e
sentimentos são as primeiras manifestações, até porque darão o “tom”, ou seja,
selecionarão as memórias registradas nos escritos. A expressividade presente na
organização das respirações das pontuações reverbera na escrita, na oralidade, na
busca do gesto e na dança. Ao ouvir o colega contando sua história, a semiose
continua ocorrendo e, quando este organismo dança, está significando e
experienciando o conteúdo de outra forma, incluindo outras afetividades e, portanto,
outras aprendizagens. Ora, se a afetividade é um caminho de sensação, de
percepção e, portanto, cognitivo, consequentemente é também um caminho de
aprendizagem. Para Ribeiro (2015), os sentimentos, neste contexto da memória (os
115
quais desencadeiam estados corporais que provocam mais significados), estão
extremamente concatenados com a ideia de Cognição Corporificada, visto que a
cognição depende dos estados corporais e, portanto, o conhecimento está
diretamente atrelado ao entendimento corpo-mente-ambiente, nele corpado.
Isso posto, consideramos que ao dançar podemos acessar sentimentos do corpo, sendo tanto os sentimentos corporais específicos provenientes dos mapas proprioceptivos quanto sentimentos de emoções que podem acometer o corpo no momento da dança. Desse modo, a dança promove sentimentos e pensamentos que constituirão o conhecimento construído por meio dessa prática artística. (RIBEIRO, 2015, p.64)
Quando se dança, é possível experimentar o movimento envolvido em
muitos significados, a partir de uma rede cognitiva (desde a sua constituição
biológica, passando pelas emoções, memórias, até alcançar a expressividade desse
corpo) completamente imbricada na experiência do ensinoaprendizagem. As redes
de significação que provêm do movimento de dança se enredam em uma espécie de
tecido cognitivo corporal, nos quais as informações sentidas e vividas eclodem em
uma emergência de ideias que só podem ter valor e significar para o indivíduo na
maneira que ele é, que ele vive e que constrói memória. A cada repetição, a cada
novo gesto, a cada dança, o indivíduo se refaz, se ressignifica, aprende. Aprende
não só a dançar, mas tudo ao que a experiência do movimento (artístico ou não)
está atrelada.
116
OU SEJA...
Conhecer conta com o perceber e a percepção é ativa no ato cognitivo,
expondo nele a importância do movimento, aqui proposto como sendo o primeiro dos
seis sentidos do corpo. Ao perceber, o corpo escolhe como e o que quer perceber a
partir de sua estrutura culturalbiológica. Desta forma, conhece, aprende! Estruturas
sensóriomotoras do movimento participam do ato cognitivo, realizando escolhas e
‘corpando’ informações. Experenciar o movimento é trazer à consciência este
sentido perceptivo, assim como exercitar tais estruturas sensóriomotoras, aguçando,
consequentemente, os demais sentidos, os quais demandam, para a sua ocorrência,
de sensores do movimento.
O sentido do movimento não acontece somente no momento visível do
exercício do movimento, como evidenciou a pesquisa de campo, mas ocorre sempre
concomitante com qualquer outro sentido em ação. Se trabalho um texto depois de
ter experimentado o mesmo conceito na forma de movimento de dança, não é
provável que tenha um aprendizado mais efetivo? Quanto mais sentidos provoco,
quanto mais sinapses diferentes realizo, quanto mais crio imagens, mais
probabilidades de alcançar efetividade no ensinoaprendizagem de um número maior
de alunos ou de possibilitá-los a apreenderem melhor.
Tendo mais experiências como as que aqui apresentamos, é possível
pensar numa educação mais sensível, mais democrática, menos dualista e mais
capaz de promover a aprendizagem de alunos carentes de atenção (tanto no
exercício individual como da atenção do sistema de ensino), de motivação e de
alternativas para aprender. O que poderia ser uma educação voltada ao exercício da
inteligência, sem a prática do movimento acaba sendo uma educação reducionista,
tecnicista, conteudista, que muito pouco auxilia na formação de um indivíduo capaz
de lidar com seus anseios no mundo ou em fazer escolhas de acordo com seu
arcabouço culturalbiológico.
Depois de compreender a cognição como um sistema não dualista, o
exercício do sentido do movimento se faz urgente e imprescindível. A compreensão
de corpo e das metodologias da modernidade não cabem mais neste momento, no
117
qual a lógica digital reina, produzindo novos hábitos cognitivos, que transformam o
corpo e os ambientes. E é esse outro corpo que agora circula em sociedade que
também está na escola, seja como aluno, professor, coordenador, diretor ou como
funcionário administrativo. Nesse ambiente, as trocas ecoam as recentes mudanças
e demandas do corpo, tornando evidente a importância do movimento nos
processos educacionais. Quando as consequências dessa falta se tornarem uma
evidência para muitos, o objetivo desta tese estará mais próximo da sua realização.
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