Volume 1
A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade
Cole
ção
Ener
gia
- Vo
lum
e 1
Volume 1
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CAPA FINAL.pdf 1 22/07/09 22:33
atitude editorial
Caro leitor,
Apresento-lhe o primeiro volume da Coleção Energia. Fruto de pesquisas e de consultas a fontes
experientes do setor elétrico, esta edição é constituída de informações apuradas e selecionadas de
modo a trazer mais do que datas e fatos históricos. As páginas dos quatro volumes que formarão
a Coleção ENERGIA reviverão as principais mudanças da sociedade como um todo, que observou e
participou das verdadeiras revoluções pelas quais passaram as esferas do trabalho, da saúde, do lazer
e do conforto a partir da evolução do uso da energia elétrica ao longo do último século.
A proposta deste projeto é estruturada na observação da realidade e da sua mutação diante do
desenvolvimento da geração e da distribuição de eletricidade, do progresso da indústria por conta do
avanço das técnicas de uso da eletricidade e do incentivo ao crescente consumo de equipamentos e
produtos que demandam energia elétrica.
Compromissada com os leitores que já acompanham a revista O SETOR ELÉTRICO, a Atitude Editorial
ratifica sua posição enquanto fomentadora do constante e permanente aprendizado com o qual todos
os profissionais do setor devem estar alinhados. Dessa maneira, a Coleção Energia tem a pretensão
de oferecer a este público – habituado a trabalhar cotidianamente com informações técnicas – dados
culturais, históricos e antropológicos sobre um passado que assume total responsabilidade pelo nosso
presente, mas que nem sempre recebe o devido olhar.
É importante mencionar que a elaboração da pauta contou com um Conselho Editorial formado pelos
engenheiros Cyro Bernardes Barbosa (ex-presidente da Celpa, Cyro Boccuzzi (Andrade & Canellas),
Sérgio Bogomoltz (consultor técnico), as historiadoras Isabel Félix e Márcia Pazin (ambas da Fundação
Energia e Saneamento) e pelo engenheiro e historiador Gildo Magalhães dos Santos.
Aproveito o espaço para agradecer a todas as pessoas que contribuíram para a produção deste
trabalho, sejam como fontes ou como colaboradoras; à Fundação Energia e Saneamento, como
apoiadora e incentivadora deste trabalho; e aos patrocinadores – Eletrobrás, 3M, Afap, Ápice /
Emerson, Cemig, Governo de Minas Gerais, Nambei, Isolet, Novemp e SEL –, sem os quais a realização
desta coleção não teria passado de uma ideia. A todos, o nosso muito obrigado e a certeza de que
trabalhamos para que o melhor fosse feito.
Caminhamos, então, na esteira das descobertas e na trilha das dificuldades em lidar com a
eletricidade até se alcançar o domínio das técnicas de geração, transmissão e distribuição de energia.
Com essa rota, a Coleção Energia nasce com o desafio de desvendar os “comos” e os “porquês”
das profundas mudanças que sofremos a partir desses inventos e do desenvolvimento da técnica e
do uso da energia elétrica. Em suma, este trabalho começa, a partir deste volume, a esquadrinhar
algumas ricas e desconhecidas histórias que contribuíram para a formação do mundo de hoje,
fundamentalmente movido a energia elétrica. A todos, uma boa leitura.
Adolfo Vaiser
Diretor
apresentação
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A energia na História: um desafio permanente
O que é energia? Apesar de muitos séculos de aperfeiçoamento da ciência, temos uma
noção ainda muito pouco exata do que é a energia. Certamente, sabemos como ela nos
afeta e sentimos no bolso o que ela nos custa, em uma bomba de combustível ou quando
pagamos a conta mensal da eletricidade em casa. Um passo importantíssimo para a história
conceitual da energia foi quando se percebeu que a energia podia se apresentar de duas
formas, a cinética, quando há movimento, e a potencial, quando há uma capacidade
“estocada” para realizar movimento. Em termos de energia mecânica, isto pode ser ilustrado
pelo exemplo máximo de nossa geração energética brasileira, que é o da formação de
represas artificiais de água, em que a altura do espelho d’água reflete a energia potencial.
Aquela água é dirigida por efeito da gravidade para uma saída, conseguindo acionar as pás
de uma turbina, transformando-se em energia cinética. Esta, por sua vez, faz girar uma
bobina de fios metálicos dentro de um campo magnético, dando-nos a energia elétrica.
Foi apenas por volta de 1850 que os cientistas formularam uma descoberta fundamental:
todas as formas de energia conhecida se equivaliam e podiam, em princípio, experimentar
uma forma de equivalência, apesar de suas aparências distintas: mecânica, térmica,
eletromagnética, química – vindo mais tarde se juntar à energia nuclear. Foi preciso,
porém, ainda mais tempo para se perceber que o uso de fontes energéticas é histórico.
Por exemplo, o petróleo era conhecido desde a antiguidade, não passando de um líquido
mal cheiroso e sujo, no máximo adequado para se acender tochas. Apenas com o
desenvolvimento da termodinâmica e dos motores a explosão é que veio a se converter
no “ouro negro”. E, ao longo da História, as crises energéticas têm impulsionado o homem
a desbravar horizontes, fazendo novo uso de materiais antigos ou não e transformando-
os em recursos energéticos. Em especial, a eletricidade revelou-se uma forma de energia
muito conveniente para a humanidade, pela sua facilidade de transmissão e conversão em
outras formas de energia. Não é por outro motivo que vivemos em um mundo elétrico, do
computador ao lazer, da iluminação ao uso em transportes, da geladeira ao equipamento
hospitalar.
Recuperar algo dessa historicidade é o propósito da Coleção Energia. Em outras palavras,
apresentar alguns fatos menos conhecidos até dos especialistas em energia, contar um
pouco dos personagens que foram pioneiros nessa imensa saga, que por certo não termina
aqui, pois novos desafios e oportunidades fazem parte do nosso cotidiano e as atuais crises
têm representado uma oportunidade talvez ímpar no caminho de nossa conscientização
coletiva da importância da energia. Está aí a energia nuclear a exigir respostas firmes
e ousadas, ainda mais quando se vislumbra a viabilização tecnológica e comercial da
fusão nuclear, fonte praticamente inesgotável e segura do futuro. Demos uma atenção
especial para a história e problemática da energia no Brasil, pois temos a convicção de
que conhecer nossa história é essencial para nos valorizarmos e, sem querer abusar da
metáfora, transformar essa vasta energia potencial de um país rico em energia cinética dos
seus cidadãos, contribuindo para sua educação e cultura, a maior e mais energética das
conquistas que nos cabe fazer.
Gildo MagalhãesEngenheiro eletricista e historiador
Professor Livre-docente em História da Ciência da Universidade de São Paulo
prefácio por Gildo Magalhães
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FuturoComo será o mundo no fim do século 21? A energia elétrica será escassa ou
abundante? O professor e especialista em energia José Goldemberg analisa o
cenário atual e arrisca algumas previsões para o futuro, tendo o setor elétrico
como pano de fundo.
Desenvolvimento e tecnologiaUma das primeiras aplicações da eletricidade nas sociedades ocidentais foi no ramo
da medicina. No século XVIII, cientistas fizeram experiências em cobaias vivas com o
intuito de tratar enfermidades e estudar os estímulos elétricos.
Era da eletricidadeDa força animal à motriz. Como a máquina a vapor substituiu os moinhos e a força
de homens e animais, que exerceram por muitos séculos a função de motor, e as
implicações dessa transformação nas sociedades da época e futuras.
Cidade em movimentoAs estradas de ferro abriram caminhos para as relações mercantis e para a indústria.
Mais tarde, as locomotivas movidas à tração elétrica conferiram mais agilidade e
rapidez ao novo meio de transporte, levando fascinação, temor e progresso para as
cidades por onde passam.
ComportamentoA eletricidade invade as casas e o cotidiano das pessoas. Criam-se novas necessidades
e os aparelhos elétricos e eletrodomésticos passam a ser elementos indispensáveis às
residências modernas. Veja como tudo começou.
NacionalismoO projeto nuclear brasileiro tomou corpo durante a ditadura militar e conseguiu, a
duras penas, dominar o ciclo de produção do urânio enriquecido, quebrando o ciclo
clássico de dependência.
Sob um olharO engenheiro eletricista Claudio Gillet Soares conta a sua experiência na área de distribuição
de energia. Em seu relato, o experiente engenheiro nos mostra como o trabalho e a busca
pela técnica contribuíram para o início da eletrificação subterrânea no país.
DiretoresAdolfo VaiserJosé Guilherme Leibel Aranha Gerência operacionalSimone [email protected] Coordenação de circulaçãoEmerson [email protected]
Assistente de pesquisaMarina [email protected]
Administração Paulo Martins Oliveira [email protected]
Jornalista responsávelFlávia LimaMTB [email protected]
Projeto Grafico e direção de arte Leonardo [email protected]
Conselho editorialCyro Bernardes, Cyro Boccuzzi, Hilton Moreno, Isabel Félix, Gildo Magalhães dos Santos, Márcia Pazin e Sérgio Bogomoltz
ColaboradoresBruno D’Angelo e Lívia Cunha
RevisãoGisele Folha Mós
PublicidadeDiretor comercialAdolfo [email protected]
Contatos PublicitáriosAna Maria [email protected]ésar [email protected] [email protected]
CapaKanji Design
Ilustrações internasPoeira Estúdios
ImpressãoGráfica Ipsis
DistribuiçãoCorreios
Atitude Editorial Ltda.Rua Piracuama, 280 cj. 72 / PompéiaCEP 05017-040 / São Paulo - SPFone/Fax - (11) 3872-4404 [email protected]
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expediente índice
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futuro por José Goldemberg
EnErgia: o quE o futuro nos rEsErva?
Preverofuturoéumatarefaarriscadaque
raramenteéfeitacomsucesso,sobretudoquando
feitaporcientistasque,demodogeral,nãotema
imaginaçãonecessária.
QuemtemmaisacertadosãovisionárioscomoJulio
VerneouArthurClarke.Quemnãoseemocionoucomas
aventurasdescritasporestesescritores,quenãotinhamuma
grandebagagemcientífica,masgrandetalentocriativo?
Arazãopelaqualcientistaserramaoprevero
futuroémuitosimples:elesjulgamqueestefuturo
éumaprojeçãodopassadoenãoconsegueminserir
neleideiasecriaçõesinesperadasqueocorremo
tempotodo.Quempoderiapreverhá50anosque
quasemetadedossereshumanosteriahojetelefones
celularesquepermitemcomunicaçãoimediata
(auditivaevisual)comomundotodo?Nocasoda
energia,emparticularenergiaelétrica,épossível
imaginarcomoseráomundonofimdoséculo21?
Energiaéessencialparatodasasatividades
humanaseacivilizaçãoquetemhojeébaseada
nousodecombustíveisfósseis(carvão,petróleoe
gás).Écomelesquegrandepartedaeletricidade
queusamoséproduzida.
Oquetemocorridodesdeoiniciodoséculo20
équeestamosusandocadavezmaiseletricidade,
querepresentaquasemetadedaenergiaque
consumimos,sobasmaisdiversasformas:
acionandomotores,produzindoiluminaçãoecalor
paracozinharalimentosesobaformadeondas
eletromagnéticasquealimentamrádios,televisões
etodosossistemasdecomunicação.
Anossover,oquevaiocorreratéofimdoséculo
emquevivemoséprovavelmenteoseguinte:
•aimportânciadeenergiaelétrica(incluindoondas
eletromagnéticas)vaiaumentar;
•oscombustíveisfósseis(petróleoegás)vãose
esgotar;ocarvãocontinuaráaserusado,masvaise
revelarproblemáticodevidoaproblemasambientais
quevãodesdeoaumentodapoluiçãolocalatéo
aquecimentoglobal;
•otransporte,quehojedependequaseinteiramente
dederivadosdepetróleoegás,vaiseeletrificar
totalmente(excetoaviação);
•aautomatizaçãoeainformáticavãodominartodas
asatividadeshumanas.
Oproblemaseráproduziraeletricidade
necessáriasemusarcombustíveisfósseis,maseleestá
sendoresolvidocaptandoenergiasolaremcélulas
fotovoltaicas,queaconvertemdiretamenteem
eletricidade.
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Hoje,estemétododeproduzireletricidade
contribuicommenosdeumporcentodototal.Energia
hidroelétricaeenergianuclearcontribuemcom35%e
orestovemdaqueimadecombustíveisfósseis.Ambas
aindapodemcrescer,masosproblemasambientais
geradosporelasvãoimpedirumagrandeexpansão.
Emcontraste,energiafotovoltaicasóprecisadesole
deespaçodisponível;desertossãoregiõesideaisonde
istopodeocorrer.
Oprimeirograndeprojetodestetipojáestá
começandoaseconcretizarnoSaara,nonorte
daÁfrica.Secobrirmosumquadradocomcinco
quilômetrosdelado(25milhõesdemetrosquadrados)
comcélulasfotovoltaicas,pode-seproduzirum
gigawatt(ummilhãodekilowatts)deeletricidadeque
éaquantidadegeradaemumreatornucleardegrande
portecomoodeAngradosReisII.
AeletricidadegeradanoSaarateráque
serlevadaatéospaísesdaEuropaondeserá
consumida,masestenãoéumproblematécnico
complicado.ÉclaroqueaEuropaprecisarápelo
menos1.000vezesmaiseletricidade,masnãofalta
espaçoparatalnonortedaÁfrica.
Algosemelhantepoderáocorrernorestodo
mundousandoodesertodeNevada(nosEstados
Unidos),daPatagônia(naArgentina),dodesertode
Gobi(naÁsia)edasáreasdonordeste(noBrasil).
Comeletricidadeabundante,e
presumivelmentebarata,jáquehaveráganhos
deprodutividadeaolongodosanos,pode-se
pensaremsubstituirosderivadosdepetróleo
poreletricidadeemautomóveisecaminhões
eatéconstruir“estradasinteligentes”,emque
comandoseletromagnéticosfarãoopapeldopiloto
automáticodosaviões,conduzindoosautomóveis
ecaminhõesdeformaabsolutamentesegura.
Automóveiselétricossãoosonhodos
engenheirosdesdequeaindústriaautomobilística
seiniciounocomeçodoséculo20.Naquelaépoca
haviamaiscarrosmovidoscombateriaselétricasdo
quecometanolougasolina.
Ograndeproblemadosautomóveiselétricossão
asbaterias,queprecisamarmazenarcargasuficiente
paralongospercursosequedevemsercarregada(e
descarregadas)milharesdevezes.Esteéaindaum
problematecnológiconãoresolvido,masqueestá
emviasdesolução.Quandoistoocorreraspessoas
poderãorecarregarasbateriasdoseuautomóvel
duranteanoitenassuasprópriascasas.
Alémdegerareletricidadeemgrandes
blocos,haveráumagrandeexpansãodegeração
descentralizadaporquenostelhadosdas
residênciasépossívelinstalarcélulasfotovoltaicas
emquantidadesuficienteparasuprirtodasas
necessidadesdeeletricidadedaresidência.Quando
estaeletricidadenãoestiversendousadaserá
lançadanarede.Comissohaverámilhõesde
unidadesgeradorasdeeletricidadenosistema.
Comeletricidadeabundanteecomosenormes
recursosquecomputadoresnosfornecemhojeserá
possívelautomatizarcompletamenteasatividades
domésticas,quepoderãosercomandadasadistancia,
bemcomoboapartedasatividadesindustriais.
Comoseráavidadossereshumanosemum
mundocomoeste?
Emprimeirolugar,parececlaroqueonúmero
deempregosnasindústriasvaidiminuir,mas
iráaumentaronúmerodeempregosnaáreada
informática(comojáacontecehoje),naáreade
serviçose,sobretudo,lazer.Oqueaspessoasirãofazer
comotempolivreadicional?
Desdeoiniciodacivilizaçãoapenasumapequena
partedapopulação–aaristocracia–nãotrabalhava,
masamaioria–inicialmenteescravos,depois
operários–nãotinhanenhumlazer.
Comaautomatizaçãodasociedade,quese
esperaqueocorraatéofimdoséculo,haverá
abundânciadeenergia–renovávelenãopoluente
–easatividadesdelazer,comooturismo,deverão
ganhargrandeimportância.Seráummundo
diferentedoatualemquealutapelasobrevivência
nascamadasmaispobresdapopulaçãoeaslutas
sociaissetornarãocoisadopassado.
Emumasociedadedestetipo,viagens
interplanetáriasdeverãosetornarmaisacessíveise
oespíritocriadordohomemprovavelmentedaráa
elasgrandeimportância,comoumaformadeampliar
nossoshorizontes,damesmaformaqueconquistar
oEverestsetornousímbolodesucessonoséculo20.
Atéhojemaisdedoismilalpinistasjáchegaramao
picomaiselevadodomundo.
Tudoissocainacategoriade“futurologia”;
esereshumanostemsemostradomuito
incompetentesparafazerasprevisõescorretas.
Mesmoquandoofazem,comofezCassandra,a
sacerdotisadaGréciaantigadacidadedeTróia
(quepreviucorretamentequeossoldadosde
Atenasestavamdentrodo“cavalodeTróia”eque
destruíramacidade),acabamsendovítimasdele.
Comosesabe,ostroianosnãoacreditaramnas
previsõesdeCassandra,levaramoCavalodeTróia
paradentrodasmuralhasdacidade,permitindo,
comisso,queosateniensesviolentasseme
escravizassemaprópriaCassandra.
José Goldemberg é doutor em Ciências
Físicas pela Universidade de São
Paulo, da qual foi Reitor de 1986 a
1990. Foi presidente da Companhia
Energética de São Paulo (CESP);
presidente da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência;
Secretário de Ciência e Tecnologia;
Secretário do Meio Ambiente da
Presidência da República; Ministro
da Educação do Governo Federal
e Secretário do Meio Ambiente do
Estado de São Paulo. É atualmente
professor do Instituto de Eletrotécnica
e Energia da Universidade de São
Paulo (IEE/USP)
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A ENERGIA DA VIDA
desenvolvimento e tecnologia Por Lívia Cunha
Uma das primeiras aplicações da energia elétrica na história das sociedades ocidentais foi no campo da medicina para tratar doenças e enfermidades. Os primeiros cientistas ao utilizarem tais técnicas se revezavam nas funções de médico e físico, duas profissões, até então, intimamente ligadas.
Duchenne fazia apliações de choques elétricos em pessoas vivas para ver como músculos e nervos reagiam aos estímulos.
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QuandoVictorFrankensteindecidiucriar
umacriaturaelhedarvida,animandotecidos
mortosdeumcadáver,nafamosaobraliterária
deMaryShelley,ocriadorfezexperimentoscom
eletricidadebuscandoreaçõesvitaisnocorpo
inato.Ahistória,quesepassanoséculoXVIII,foi
escritaentre1816e1817eapresentacomopanode
fundoalgunspensamentoscorrentesnasociedade
europeiadoperíodo.Pesquisadores,médicose
físicos,entusiasmadoscomasrecentesdescobertas
científicasecomapossibilidadedeencontrara
soluçãoparatodososproblemasdahumanidade,
realizavamdiversosexperimentoscomeletricidade
nocorpohumano,nabuscaportratamentosepela
curadedoenças.
Umadasprimeirasaplicaçõesdaeletricidade
nassociedadesocidentaisfoinoramodamedicina,
comexperimentoscomoessedoDr.Frankenstein,
antesmesmodessafontedeenergiaserutilizada
nailuminaçãoounostransportes.Ideiassobreas
primeirastécnicaseletromédicascomeçavamaser
difundidasnocontinenteeuropeunoséculoXIX.
Mas,antesdisso,noséculoanterior,precursores
jácomeçavamaaplicartaistécnicasembuscade
resultadospositivos.
Estudosarquivadosnomuseuvirtualdo
InstitutodeEngenheirosEletricistaseEletrônicos
(IEEE)mostramquejánadécadade1740,anos
apósainvençãodaGarrafadeLeiden–uma
espéciedecapacitorcapazdearmazenarenergia
elétrica–médicosdeGenebra,naSuíça,realizavam
experimentosaplicandochoqueselétricosem
pacientesnaesperançadetratarenfermidadescomo
paralisiaedoresdecabeça.Essesprimeirosmédicos
acreditavamquesechoqueselétricosfossem
aplicadosrepetidasvezes,elesseriamcapazesde
curaralgumasdoenças.
Cientificismo
Operíodohistóricoerainfluenciadopela
revoluçãocientíficadoséculoXVII.Nessaépoca,a
ciênciapassouaassumirumcarátermaispráticoe
experimentalista,porcontadaspesquisasdeGalileu,
Newtoneoutrosnomes,quecolocaramaciênciaem
outropatamar,maispráticoedissociadodafilosofia
–áreaqueatéentãoerafortementeligada.
OsestudiososdosséculosXVIIIeXIX
seguiamaslinhasdepesquisasdaprimeira
revoluçãocientífica,iniciadanesseperíodo.Os
físicosemédicosdessesséculosdedicavamsuas
investigaçõesàsinteraçõesdaeletricidadeeda
fisiologia,buscavamestabelecercorrelaçõespara
fazeremnovasdescobertas,paraentendermelhor
osseresvivosebuscarnovascurasetratamentos
paraenfermidades.Omédiconeurologistaedoutor
emhistóriadaciência,AfonsoNeves,comentaque
osprincipaisestímulosparapesquisadoscientistas
dessaépocaeramabuscaporconhecimentoepor
cura.Apesarde,eventualmente,fatoreseconômicos
epolíticospoderemtersidotambémdeterminantes
nodesenvolvimentodessestrabalhos.
Galvanismo
Grandepartedaspesquisasdeaplicaçãoda
eletricidadenamedicinadesenvolvidas,eque
aindatemosregistros,foraminfluenciadaspelos
estudosdomédicoefísicoitalianoLuigiGalvani,
contemporâneodosmédicosdeGenebra.Nas
décadasde1770e1780,Galvanirealizouuma
sériedeexperimentossubmetendoanimaismortos
acorrenteselétricas,utilizandocomoferramentas
geradoresdeeletricidadeestáticaeGarrafas
deLeiden.Descobriuquetecidosnervosose
músculossãoeletricamenteexcitáveis.Percebeu
issoquandoviuquemúsculossemovimentavam,
contraindo-se,quandosubmetidosaesses
estímuloselétricos.Seuestudomaisfamosonesse
sentidofoiestimulandomúsculosdapernade
rãsmortas.Galvanichamouessefenômenode
eletricidadeanimal.
Comadescoberta,omédicoitalianofoio
primeiroaassociareletricidadeàvida.Sóqueele
nãopensavanaeletricidadecomoumfenômeno
natural,presenteemdiversassituaçõeseambientes,
dissociadadabiologia.Dequalquermaneira,suas
descobertasforammuitoimportantesparaas
pesquisasdaárea,tantoqueofenômenodescoberto
porele,dereaçãomuscularporestímuloselétricos,
ficouconhecidocomogalvanismo.
10
desenvolvimento e tecnologia
Físicos e médicos desses
séculos dedicavam suas
investigações às interações
da eletricidade e da fisiologia,
buscando estabelecer
correlações para fazerem
novas descobertas, para
entender melhor os seres vivos
e buscar novas curas.
apilhadevolta
Grandesprogressosnocampocientífico
forampossíveisapartirdainvençãodeoutro
físicoitaliano.Em1800,oitalianoAlessandro
Volta,estimuladopelaspesquisasdeGalvani
edescontentecomasconclusõesdomédico,
conseguiuprovarqueaeletricidadenãoéum
fenômenoligadosomenteàfisiologia.Volta
pensavaqueareaçãogeradapelaeletricidadenas
pernasdasrãs,nosestudosdeGalvani,nãoera
provocadaporumaeletricidadeanimal,maspor
umaaçãomisteriosaentreosmetaisutilizadospara
daroschoqueseoslíquidosexistentesnaspernas
doanimal.Aspesquisasacabaramporconcluir
queacorrenteelétricaerageradapordoismetais
diferentesseparadosporummeiolíquidocondutor,
comoumasoluçãosalina.
Comessaconclusão,eletrabalhouno
desenvolvimentodeumapilhacapazderealizar
amesmaaçãodegeraçãodecorrente.Estapilha,
chamadadepilhavoltaica,éaprecursoradabateria
elétrica,capazdegerarcorrenteelétricaearmazená-
la.Formadapeloempilhamentodeumasérie
dediscosmetálicosenvolvidosemumasolução
condutora,essedispositivofoimuitoimportante
nahistóriadaestimulaçãoelétrica.VoltaeGalvani
foramdoiscientistasimportantesparaabasede
pesquisascomeletricidadequeaconteceramno
períodoseguinte.
PartedasociedadeeuropeiadoséculoXIX
respiravaasdescobertascientíficasrealizadasno
período.EfoinessecontextoqueMaryShelley
escreveuseufamosoromance,Frankensteinou
O Moderno Prometeu.Onomedopersonagem,
inclusive,teriasidoderivadodonomeFranklin,de
BenjaminFranklin,talvezomaisconhecidodos
pesquisadoresdaeletricidadenoséculoXVIII,graças
àinvençãodopara-raio.Naopiniãodoengenheiro
ehistoriadorGildoSantos,issorepresentou
umagrandemudança,pois,diferentementedos
espetáculosdecuriosidadeseentretenimentoque
osexperimentadoresfaziamcomeletricidade,o
para-raiospassouaseralgodeinteressepráticoe
social,comafunçãodeprotegerigrejas,escolas,
navios,etc.Nessetempo,aeletricidadeeravista
comocuriosidadeeomagnetismocommais
seriedade,pelasuaaplicaçãonasbússolas.“Foipor
demonstraranaturezaelétricadoraioqueBenjamin
Franklinfoiaclamadocomoo“Prometeumoderno”,
tantonaEuropaquantonosEstadosUnidos”,
completa.Apartirentãodadécadade1820quese
foicomprovadaaligaçãoentreosdoisfenômenos,
nascendooeletromagnetismo.
Ofatoéque,noiníciodoséculoXIX,os
intelectuaiseaeliteeuropeiaestavamdivididosem
doisgruposemrelaçãoàssuasvisõesdeciência.
Haviaogrupodaquelesqueeramentusiasmados
pelapotencialidadequeelagerava,decurartodosos
males,eacreditavamquepormeiodaciênciatodasas
respostasdahumanidadepoderiamserencontradas.
Emcontraponto,existiaaindaogrupodos
desconfiados,receososdocaminhoqueessaciência
poderiatomarelevartodaasociedade.Influenciada
poressesdoisgrupos,Shelleyescreveusuaficção
científica,naqualaeletricidadeécapazdegerar
vida,masaumaltopreço,resultandonamortedo
criador.Aobrarepresenta,assim,asdiscussõesdos
doisgrupossobreaciência.
Alémdasdescobertas,queestimulavamainda
maispesquisas,comeletricidadeemedicina,o
interessanteéque,comoaeliteintelectualeuropeia
erarestritanesseperíodo,“todaessaquestãoera
colocadaali,emummeiodepessoasqueficavam
discutindooqueaciênciadaépocaviacomo
científico”,contaAfonsoNeves.
Pai da eletroterapia
Nadécadade1830,omédicofrancêsGuillaume
Duchenne,tambéminfluenciadopelaspesquisas
deGalvanicomeletricidadeefisiologia,começou
afazerumasériedeexperimentoscomchoques
elétricosemsereshumanosafimdeverasreações
muscularesqueelesgeravam.Em1835elepassa
aempregarumatécnicarecéminventadapelo
11
O “pai da eletroterapia” fez registros fotográficos dos seus testes com eletricidade para estudar a expressão humana.
“foi numa noitE chuvosa dE novEmbro. com uma ansiEdadE quE bEirava a agonia, acionEi os instrumEntos quE acEndEriam a faísca dE vida na coisa inanimada quE Eu acabara dE modElar, costurar,
suturar E EnchEr dE sanguE E oxigênio. com os raios E trovõEs cortando o céu, a naturEza providEnciou a ElEtricidadE. Era uma
da manhã. a chuva castigava as navalhas quasE sE apagando. foi quando vi, pEla luz da chama a ponto dE Extinguir-sE, o olho
mortiço E amarElo da criatura sE abrir. Em sEguida, rEspirou fortE E sEus mEmbros sacudiram-sE como numa convulsão. Estava viva!”
Frankenstein, de Mary Shelley. Ed. Cia. das Letras.
12
desenvolvimento e tecnologia
tambémmédicoJean-BaptisteSarlandière.Nela,
choqueselétricoseramaplicadosabaixodapele
comeletrodosemformadeagulhasparaestimular
osmúsculos,umaespéciedeacupunturaelétrica.
Continuandoseusestudos,nadécadade1840,
Duchennedesenvolveuumatécnicadeestímulo
domúsculocomchoquesnasuperfíciedapele
chamadaeletrizaçãolocalizada.Apartirdesse
método,eledesenvolveuoutrostrabalhoscom
choqueselétricosnosmúsculosparaestudaras
reações.Começou,assim,umasériedeestudossobre
aexpressãohumana.Duchenneestudounãosóa
reaçãodosmúsculos,mastambémadosnervos.
Duranteosexperimentoscomchoqueselétricos,
omédicofrancêsretiroufotografiasdosseus
pacientescomoformadecompararefazeroestudo
sobreaexpressãohumana.Viuquediferentes
músculosreagiamdemaneirasdistintasdependendo
dolugaremqueochoqueeraaplicado.Apartir
disso,Duchennecomeçouadesenvolverumavisão
sobreofuncionamentodomúsculoedonervopor
meiodaeletricidade.
OmédiconeurologistaAfonsoNeves,daEscola
PaulistadeMedicina,explicaque“nessaépoca,eles
aindanãoconheciambemotransportedeíonspelo
nervo.Nãosabiamqueofuncionamentodonervo
éeletroiônico,maspercebiamquetinhaalguma
propriedadeelétrica.Essaconstataçãofezcomque
Duchenne,aospoucos,elaborasseumateoriade
reflexosneurológicos”.
Em1831,quandoDuchenneseformouem
medicinaemParis,aindanãoexistiaacátedrade
neurologianasuniversidades.Foientão,devido
àspesquisasnaáreadaeletroterapiaeportersido
professordomédicoqueéconsideradoopaida
neurologia,ofrancêsJean-MartinCharcot,que
Duchennetambéméreconhecidocomoummédico
neurologista,mesmootermotendosurgidodepois
dele.
Apesardeváriosprecursoresnaspesquisas
dasreaçõesdetratamentoscomeletricidadeno
corpohumanoeemanimais,foiDuchenneo
responsávelporumaevoluçãonodesenvolvimento
deexperimentosenaformadepensaracorrente
elétricanocorpo.Porisso,eleéchamadodeo“pai
daeletroterapia”.OmédicoHerbertTibbits,autordo
livroThe Handbook of Medical Electricity,de1873,
relataqueDuchennepodeaindaserdenominado
comooresponsávelpelonascimentodaeletricidade
médicacomoumaformadeterapia.Seusestudos
estimularamumasériedeoutrosmédicosa
continuarcompesquisasnaárea.
AinfluênciadeDuchennepodeserpercebida
atémesmonofamosonaturalistainglêsCharles
Darwin.ApósapublicaçãodeA origem das
espécies,em1859,Darwincomeçouaestudara
expressãohumanaeanimalapartirdefotografias
dasreaçõesmuscularesprovocadaspelastécnicas
deeletrochoquedeDuchenne.Utilizandodiversas
fotografiasdasreaçõesdospacientesdeDuchenne
aoschoqueselétricos,Charlespublicouolivro
The Expression of the Emotions in Man and
Animalsem1872.
Cérebro
Novostratamentosparaocombatede
enfermidadescomeçaramasercriadosdurante
todooséculoXIX,commaiorconsolidaçãoe
desenvolvimentonoséculoXX.Diversosestudos
começaramaserdesenvolvidoscomeletricidade
nocérebrohumano.Em1875houveaprimeira
detecçãodecorrenteselétricasdocérebro,mas
antesdisso,muitosfisiologistasjátinhamfeito
experimentos.GiovanniAldini,sobrinhodeGalvani,
empenhou-seemestudosdeeletricidademédica,
comaplicaçãodechoqueselétricosnocérebro
depessoasmortase,aindaem1802,fezdiversas
apresentaçõespúblicasdeseusexperimentos.
Segundorelatouopós-doutorem
neurofisiologiadocomportamentoRenato
Sabbatini,narevistamédicaCérebro&Mente,
Aldini“objetivavamostrarcomoascabeçasde
pessoasrecém-mortaspiscavamearregalavamos
olhos,mexiamalíngua,faziamcontraçõeseesgares
faciais,etc.”.Aldiniqueriaprovar,contaSabbatini,
queaoestimularocérebro,elepoderiareagirde
algumaforma,mesmoqueexternamente.
AtéofinaldoséculoXIX,aeletricidadeera
comumenteapresentadaaopúblicocomoalgo
13
aciênciacomoprofissão
O desenvolvimento da ciência está intimamente relacionado à
criação das universidades e da ampliação do acesso ao conhecimento.
Quando as primeiras pesquisas que temos conhecimento começaram
a ser elaboradas na área da eletricidade e da medicina, as sociedades
ocidentais eram rigorosamente hierarquizadas e o saber estava
restrito à nobreza, a elite econômica e intelectual da época. Então, as
pesquisas não estavam relacionadas de maneira direta às necessidades
da população. Estudos e experimentos eram realizados mais por
curiosidade científica e interesses econômicos e políticos, do que
necessidades latentes da sociedade. Esses, contudo, foram menos
ressaltados na construção da história do que os próprios feitos. O
resultado é que parte desse quebra-cabeça da história se perde com o
passar dos anos.
Sabemos, entretanto, que a figura do cientista enquanto profissional
só aparece entre os séculos XVIII e o início do século XIX. Nas
décadas de 1800 e 1810, há um grande florescimento da ciência, em
especial por conta das universidades e das sociedades científicas. Nesse
momento, os poderes constituídos passam a enxergar o conhecimento
como algo muito importante para eles, período em que o pesquisador
deixa de ser uma figura isolada e passa a ser integrado a um grupo
de discussão científica. São criadas, no cerne dos poderes políticos, as
sociedades e academias reais de ciência. E o vínculo do poder com a
ciência passa a estimular ainda mais as pesquisas.
O estímulo às experimentações científicas surge das correntes
otimistas da sociedade, que viam o saber científico e racional como
capazes de salvar a humanidade. O médico neurologista e doutor em
história da ciência Afonso Neves explica que isso tem a ver com o
iluminismo, que pensava que a razão, assim como o saber científico,
seria capaz de resolver todos os problemas. A crença, que era vista
como uma corrente de pensamento atrasada, era posta em oposição à
razão e à ciência.
Nessa época os estudiosos começam a assumir o título de
cientistas como profissão e não tanto como uma ação isolada ou um
hobbie. Mas é importante lembrar que, até meados do século XIX,
o cientista ainda estava ligado à elite e, portanto, não trabalhava
para viver. E são essas pessoas que começam a fazer as primeiras
descobertas. A partir deles, no século XX, com a consolidação
do capitalismo enquanto sistema econômico, com o término de
grande parte das monarquias – e com ela, das nobrezas – e com a
consolidação da república e da democracia, o acesso ao conhecimento
e à ciência vão se aproximando cada vez mais do povo.
Com a criação das sociedades de pesquisa pelos poderes constituídos, o cientista passa a ser reconhecido como profissional.
14
desenvolvimento e tecnologia
mágico,emformadeespetáculo,aexemplodas
apresentaçõesdeGiovanniAldini.Apartirdo
desenvolvimentotecnológicoedoaprimoramento
dosconhecimentossobreofenômenoeastécnicas
médicas,aaplicaçãodaeletricidadefoimais
amplamenteentendida.Oscientistaspassaramater
maiordomíniosobreofenômenoeelepassouaser
sinaldeprogresso.Masparaqueissoacontecesse,
diversoscientistastiveramqueexperimentaroquea
eletricidadepoderiaounãofazernocorpohumano.
ApósAldini,porexemplo,outrosfisiologistasfizeram
experimentoscomeletricidadeemcérebrosexpostos,
semoosso.Comadescobertadoeletromagnetismo,
astécnicasdetratamentoscerebraiscomeletricidade
sedesenvolveramaindamais.
NasprimeirasdécadasdoséculoXX,o
médicoalemãoHansBergerdescobriuqueera
possívelregistrarpequenascorrenteselétricasno
cérebro,semserprecisoabrirocrânio.Apartir
dacaptaçãodeatividadeelétricacerebralna
superfíciedocrânio,Bergerdesenvolveuoexamede
eletroencefalograma,emqueaatividadedocérebro
ficaregistradaemumpapelnaformadeondas.
Bergerdescobriuaindaasondasalfa,oscilações
eletromagnéticasnasfrequênciasentre8Hze12
Hz,quemostramaatividadeelétricanocérebro
humano.
OmédicoAfonsoNevesexplicaque“coma
experiênciaadquirida,foipossívelelaborartodoum
conhecimentoarespeitodeondaselétricascerebrais,
deimportanteusoemcasosdeepilepsia,alterações
cognitivas,encefalopatiasdasmaisdiversascausas,
etc.”.Osexameselétricosevoluíramparaoutras
áreaseaplicaçõesnotratamentoemapeamentodo
sistemanervosoedaatividadecerebral.Arelação
entreeletricidadeemedicinaéestreitaevasta
háalgunsséculos.Nosúltimosanos,contudo,as
técnicastêmseaprimoradocadavezmaisemvárias
especialidades.
Raios-X
Umadasaplicaçõesmédicasmaisconhecidas
comousodaeletricidadeéatécnicaderaios-X.
ParaoengenheiroeletricistaJorgeRufca,cujo
mestradofoisobreaimplantaçãodedepartamentos
deengenhariaclínicaeminstituiçõesdesaúdee
equipamentoseletromédicos,“amaisimportante
inovaçãoparaamedicinaclínicafoiadescoberta
dosraios-X”.Issoporqueesseprocesso,deradiação
eletromagnética,descobertoem1895pelofísico
alemãoWilhelmRöntgen,possibilitouenxergaro
interiordoscorpossemsernecessáriosabri-los.Até
omomento,issosóerapossívelnamesadecirurgia.
DesdeametadedoséculoXIX,pesquisadoresjá
faziamexperiênciascomraioscatódicos.Assimcomo
outroscientistasdaépoca,Röntgenestavaestudando
aaçãodessesraiosnostuboscatódicos,descobertos
pelofísicoWilliamCrookes.Nessetubo,umacarga
elétricanegativaeracapazdeatravessarovácuode
umpóloatéooutro.Quandoessacargarealizava
opercurso,umaradiaçãoaparecianaformadeum
feixedepartículasnegativas,chamadacatodo,em
direçãoaopólopositivo,chamadodeanodo.Cientistas
descobriramqueessesraioscatódicospoderiamser
usadosparaesboçarsombrasutilizandoimãs.
Durantesuaspesquisascomostuboscatódicos,
Röntgenumdiapercebeuqueumaluminescência
eraemitidadeumaplacadeplatinocianetode
bárioemumachapafotográficaquandootubo
catódicoeraligado.Quandoeleeradesligado,
contudo,aluzdesaparecia.Intrigado,ofísicofez
As pesquisas de Duchenne influenciaram Charles Darwin, que, quando foi estudar a expressão humana e animal, utilizou as fotografias do médico francês.
15
algumasexperiênciascomotuboeomaterialde
bário.Colocouumasériedemateriaisentreotudo,
esperandoquearadiaçãopudesseserbloqueada.
Masnãoaconteceu.Fezumtestecomamãodesua
esposaeconseguiuverosossosprojetadosnachapa
fotográfica,realizando,assim,oprimeiroraio-Xda
história.Comoelenãosabiaquetipoderadiação
eraaquelaquepermitiaverointeriordocorpo,ele
chamouoraiodeX,aletrausadapararepresentaro
desconhecido.
“Inicialmente,osraios-Xeramusadospara
diagnósticodefraturasdeossosedeslocamentos.Mas
porvoltade1930foipossívelavisualizaçãotambém
detodososórgãosdocorpopormeiodosraios-Xpor
causadaradiopacidadeinerentedocorpo,dousode
saldebárioedeumagrandevariedadedemateriais
radiopacos”,explicaJorgeRufca.
Atecnologiaradiológica,assimcomoa
deoutrosaparelhoseletromédicos,evoluiu
significativamentenodecorrerdoséculoXX,
aumentandoaprecisão,asegurançaeoalcancedas
técnicas.
doençadeduchenne
Durante as pesquisas de Guillaume Duchenne sobre reações
de músculos e nervos a efeitos elétricos, o médico tomou
conhecimento de uma doença que afetava meninos e que já
tinha sido estudada por alguns outros médicos anteriormente.
Acreditando que a enfermidade era causada por alterações no
sistema nervoso, em 1858, Duchenne começou a estudar a
patologia. No mesmo ano, documentou o caso de um menino de
nove anos que perdeu a capacidade motora devido a uma doença
muscular. Dez anos depois, publicou 13 casos semelhantes e fez
observações sobre os sinais e sintomas da distrofia. Concluiu
que era uma doença hereditária que afetava majoritariamente
meninos.
A doença passou a ser conhecida como “distrofia pseudo-
hipertrófica” ou “distrofia muscular de Duchenne”, podendo
ser encontrada também com o nome de “distrofia muscular
progressiva”, ou DMP. Distrofia muscular é um termo genérico
dado a um grupo de doenças genéticas que afetam o músculo e
dão fraqueza ao indivíduo. Existem mais de 30 tipos de outras
distrofias que podem afetar tanto crianças quanto adultos de
ambos os sexos. A de Duchenne, contudo, é o tipo mais comum e
se apresenta a uma média de um caso a cada três mil meninos.
No diagnóstico, percebe-se um retardo no desenvolvimento e
perda das atividades motoras em relação às outras crianças.
A primeira radiografia utilizando raio-X da história foi tirada em 1895 por Röntgen da mão de sua esposa
Pequisa•Essentials of medical electricity(DisponívelcomoE-Booknainternet)ElkinPercyCumberbatcheEdwardReginaldMorton,Ed.HenryKimpton.•Handbook of medical electricity(DisponívelcomoE-Booknainternet)HerbertTibbits,Ed.Lindsay&Blakiston.
16
O MUNDO E O MOVIMENTO
era da eletricidade Por Bruno D’Angelo
Homens, animais, carroças, moinhos e máquinas a vapor: todos tiveram seus papéis nas mudanças
que levaram à industrialização e, consequentemente, às transformações sociais que com ela vieram
17
Todarevoluçãotecnológicaé,naverdade,um
conjuntodetransformaçõesprodigiosasnaação
humanasobreanaturezacomcorrespondência
emalteraçõesqualitativasemtodomododeser
dassociedades.Écomodefineoantropólogo
DarcyRibeiro,queconcluiaindaqueao
desencadeamentodecadarevoluçãotecnológica
vê-seemergirnovasformassocioculturais.
Essasmodificaçõesculturaisesociais,apesarde
constantes,sãoaindamaisperceptíveisquandohá
oconfrontocomnovasmáquinasetécnicas.Éo
queveremosnestareportagem,quepretendetratar
justamentesobrearelaçãoentreasnovastécnicas
eoscostumesdasociedade:oimpactocausado
pelasmodificaçõesdasferramentasutilizadaspelo
homem,sejaparaotrabalho,sejaparaaguerra,
sejaparaqualqueratividadedesempenhada.
Nãonosinteressaaquiapenasmudançasnas
atividadesdiretamenterelacionadascomestas
ferramentas;esimasreverberaçõesocasionadas
porelasemdiversosâmbitosdeaçãodestas
pessoas.Nessesentido,umamudançaemum
dispositivoempregadoematividadesdelaborpode,
porexemplo,otimizarotempodotrabalhador,
deixando-omaislivrepararealizaroutrastarefas.
Comoeleseorganizarianestenovocenário?
Éimpressionantepensarqueoadvento
deumsimplesaparatotécnico,àsvezesnem
muitosofisticadotemopoderdetransformar
radicalmenteumacivilização.Umainvençãoé
capazdeproduzirumacadeiadereaçõesnão
imaginadas:pessoasmigramdocampo,surgem
aglomeraçõesurbanas,novasclasseseconômicas
aparecem,pessoasenriquecem,outrasnão,as
primeirasseafastam,vãomoraremresidências
luxuosas,assegundasseaglomeramemlocaiscom
condiçõesinsalubres.Altosníveisdetensãosão
gerados,outrosconflitosaparecememaisemais
mudanças.
Obviamente,nãosepretendeirtãolonge
aquieaatençãosevoltará,principalmente,para
oqueoengenheiroeletrônico,historiadore
professordaUniversidadeSãoPaulo(USP),Gildo
MagalhãesdosSantosFilho,denominacomoas
duasprimeirasgrandesrevoluçõestécnicasda
nossacivilização:aprimeirateriaocorridocomo
surgimentodosmoinhoshidráulicosemovidosa
ventoeasegundacomainvençãodasmáquinasa
vapor.
Todavia,antesdenosatermosmais
profundamenteaestesdoisgrandesmovimentos
tecnológicos,faz-senecessáriomostrarcomoos
homens,emépocasbemremotasaestasinvenções,
faziamparalevaracaboasatividadesmecânicas
queproveriamosustentodeles.Cabeaquiuma
pequenacontextualizaçãohistóricapara,dessa
forma,evidenciarcomoodesenvolvimento
destasmáquinasfoidesumaimportânciaparao
progressoeconômicoesocialdahumanidade.
Escravos, animais e engrenagens
Comoomundoédemasiadoextensoeos
povosqueohabitamdesdemilêniossempre
apresentaramgrandesdiferençasculturais,a
tarefademapearasvariadastécnicasqueforam
utilizadasporeles,emextensosperíodosda
história,torna-sepraticamenteimpossível.Por
isso,oescoposerábemdelimitado,massuficiente
paraapontardeformaabrangentecomoforamse
modificandoeprogredindoasdiversastecnologias
degeraçãodemovimentoatravésdostempos.
Primeiro,éprecisoafirmarqueotrabalho
braçalhumanofoiaprincipalforçamotriz
utilizadapelascivilizaçõesincipientes.Quando
oshomensaindanãoapresentavampoder
intelectualsuficienteparadesenvolveraparelhos
queosubstituíssemeraprecisoqueelesmesmos
colocassem“asmãosnamassa”.Eassimfoi
durantemuitotempo.Claroquetallimitação
restringiamuitoodeslocamentoeaproduçãode
materiaisdoshomensdaépoca.
Asatividadesdesubsistênciadesteshomens
primitivoseramacaça,apescaetambémacoleta
18
dealimentos.Agrossomodo,comadescobertado
fogoeaevoluçãodeinstrumentos,estasatividades
tornaram-semaisemaisintensas,espalhando-se
sobretodaasuperfíciedaTerra.Posteriormente,
asatividadesdecoletaeareuniãodepequenos
gruposdehomenspossibilitaramoprocesso
desedentarizaçãohumana,queculminouno
surgimentodasatividadesagrícolasepecuárias.
Aatividadeagráriafoirealizadadurantemuito
temposomentecomaforçahumana.Mesmocom
oauxíliodeferramentas–carrocomduasrodas,
técnicasdeirrigação,tornodoporteiro,arado
etear–nãosepodiafugirdotripé:condição
climática(incidênciadosolechuvas),condição
geográfica(terrafértileproximidadederios)eo
homem,organizado,disciplinadoeemgrupos.
Masissonãoimpediuqueinovaçõestécnicas
ocorressem.NoAntigoEgito,porexemplo,
começaramasprimeirasinserçõesdeanimais
comoboisemulasnastarefasdetraçãoe
transporte,respectivamente.NaGréciaAntiga,
dentrodoperíodohelenístico,autilizaçãodo
parafuso,dapolia,dasrodasdentadasedas
engrenagenstrouxeramàtécnicamecânicaum
númerosignificativodenovidadeseprestaramum
importanteserviçonaconstruçãodemáquinasde
guerraoudeaparelhosdeelevaçãodecarganos
portosenasminas.
Ocertoéqueoadventodaagropecuária,
ajudadopelasdiversastécnicasinsurgentes,
permitiuqueoshomensatingissemumgraude
desenvolvimentonãoimaginadonostemposda
vidafundamentadapelacaçaecoleta.Ofatode
ohomemnãoprecisarsedesgastarnaprocurade
alimentosmaisdoqueonecessário,justamente,
porcriarreservasdeenergias,permitiuquea
espéciecrescesseemnúmeroemultiplicassesuas
necessidades.Consequentemente,entrávamosem
umciclomaisaceleradodedesenvolvimentoe
inovaçõestécnicas.Foiesteperíodoquepermitiu,
naIdadeMédia,maisespecificamente,noséculo
X,adifusãoemgrandeescaladosmoinhos
hidráulicos.
A água e o vento: os moinhos
OsmoinhosjáexistiambemantesdaIdade
Média.ElesforamjáempregadosnaRomaeChina
antigas,massóalcançaramsuagrandeexpansão
naEuropaOcidentalcomaproliferaçãodos
moinhosdefarinhanoséculoX,acarretandoem
umgrandecrescimentodaproduçãodealimentos.
Noentanto,omoinhonãoficourestritoàfunção
alimentare,empoucotempo,tornou-seomotor
daquiloqueohistoriadorfrancêsJeanGimpel
denominoucomoRevoluçãoIndustrialnaIdade
Média.
Omoinhod’águafoiaprimeiragrandeforça
motrizproduzidapelatécnicahumanaesua
expansãonaépocafeudalcausouprofundas
transformaçõesapontodeelesertidocomoo
símbolodasmudançastécnicasqueocorreram
nesseperíodo.Entretanto,primeiro,osmoinhos
hidráulicosserestringiramaasseguraro
fornecimentodefarinhaàpropriedadefeudal
ondedividiamespaçocomosmoinhosabraços
domésticos.
Paulatinamente,osmoinhoscomeçaram
adominaraEuropaOcidental,passandode
centenasnoséculoXadezenasdemilharessóno
reinodaFrançacemanosdepois.Istosedeveu
adoismotivosprincipais:social,concernenteà
demografiaeàestruturafeudais;egeográfico,
devidoàredehidrográficaeuropeia.Ocertoéque
osmoinhosseproliferaramesuaaltaeficiência
energética,quandocomparadaàforçahumana–
era da eletricidade
19
a EscassEz dE fontE EnErgética, as dificuldadEs dE transportE do minEral E da lEnha para o local Em quE a EnErgia hidráulica Estava
disponívEl E também a limitação das máquinas dE força motriz ExistEntEs antE a dEmanda dE EnErgia crEscEntE prEssionaram os
produtorEs da época a invEstirEm Em novas fontEs.
apenasumdelespodiafazerotrabalhodedeza
vintehomens–tambémfoiresponsávelporesse
avanço.
Contudo,comoosmoinhosfuncionavam
hidraulicamente,instalou-seumafortediscussão
naépocaparasaberaquempertenciaorecurso
hídrico.Acordaestourouparaoladomaisfraco
eossenhoresfeudaisficaramresponsáveispelo
meiodeprodução,atéporqueoinvestimentopara
aconstruçãodosmoinhoseraalto.Definidaa
políticadepropriedadedosmoinhos,osservosse
virampressionadospelasaltastaxascobradas,o
quegeroucertodescontentamento.
Talobstáculo,alémdaescassezde
recursoshídricos,forçouainvençãodeoutros
equipamentos.Surgiramentãoosmoinhosa
vento.Aexplicaçãoerasimples:aságuaseram
propriedadesdosenhorfeudal,masoareovento
nãopossuíamdono.Omoinhodeventotornou-se,
dessaforma,o“moinhoplebeu”.
Maisbaratoparaconstruirdoqueosmoinhos
deágua,osequipamentoseólicostiveramsua
produçãoimpulsionada.Comoossítioshidráulicos
urbanosjáestavamsaturadoseosmoinhosde
águajátinhamsidodesviadosdesuafunção
original–nãomoíammaisgrãos–,osmoinhos
aventoforaminstaladosemgrandepartenas
cidadescomoobjetivodesuprirentãoademanda
deproduçãodefarinha,jáqueasantigasmoendas
nãoerammaisresponsáveispelafunção.
Maistarde,osmoinhoshidráulicoscomeçaram
aserutilizadostambémnasforjasdemetais,
fazendoaumentardeformasensívelaprodução
metalúrgicaetambémademandapormais
energia.Oauxíliodomoinhopermitiuafeitura
demaisferroe,portanto,derodasmaissólidase
demaiorcapacidadeque,porsuavez,fezampliar
acapacidadedefabricaçãodemetais.Asforjas,
Surgido entre os gregos e romanos antigos, o moinho d’água alcançou o auge de sua utilização na Europa Ocidental durante a Idade Média. Empregado na produção de movimento para auxiliar os homens nas atividades agrárias, o
moinho foi o precursor das máquinas a vapor e elétrica.
20
era da eletricidade
asmaquinariasdopensar
As transformações tecnológicas, obviamente,
não brotam do nada. Surgidas de uma centelha
genial de algum indivíduo, elas precisam,
forçosamente, de um solo correto e bem cultivado
para florescerem. O que equivale dizer que há
sempre uma efervescência intelectual da época na
qual elas ocorrem que permite seus aparecimentos.
Efervescência essa que impulsiona e que é
impulsionada por novas tecnologias.
No caso da máquina a vapor, a situação
não foi diferente, como explica o mestre em
Economia pela Universidade Estadual de São
Paulo (Unesp), Carlos Eduardo Suprinyak.
Segundo ele, durante a segunda metade do século
XVIII, quando as inovações técnicas associadas à
Revolução Industrial finalmente começavam a ser
difundidas mais rapidamente e suas aplicações
tornadas economicamente viáveis, a Europa
já havia passado por um profundo processo
de reformulação de suas bases intelectuais e
científicas.
O início deste caminho remonta, segundo
Suprinyak, às primeiras décadas do século XVII,
e continua em ritmo acelerado durante a segunda
metade do mesmo período, culminando no que
é chamado pelos historiadores como Revolução
Científica. Trata-se de um momento marcado por cientistas como Galileu Galilei, Robert Boyle e, principalmente,
Isaac Newton, que substituem o racionalismo cartesiano pelo experimentalismo newtoniano.
Conforme diz o economista, a antiga escola científica baseava-se em raciocínio apriorístico, abstrato e
dedutivo e recorria à suposta existência de propriedades inerentes às entidades físicas como forma de explicar os
fenômenos naturais. Logo, sua superação – mesmo que fosse concomitante por um tempo – por uma nova forma
de analisar o mundo, por meio de raciocínios indutivos, experimentos e tentativas de manipulação da natureza,
foi imprescindível aos resultados científico-tecnológicos que se seguiram.
Deve-se salientar também que, se este cenário propiciou a invenção de novos equipamentos, ele também não
poderia se realizar sem um ambiente favorável para tal: as “academias” científicas que começavam a surgir por
toda a Europa. Foram elas que permitiram, segundo Suprinyak, que intelectuais como Boyle e inventores mais
preocupados com os aspectos pragmáticos da pesquisa científica, se aproximassem.
A conexão entre a ciência “teórica” e a prática se tornou efetiva. Embora as grandes inovações teóricas do
século XVII não tenham afetado o estado do conhecimento tecnológico da época de forma direta e imediata, elas
viabilizaram uma aproximação entre a ciência como filosofia natural (a modalidade tradicional) e a ciência como
tentativa direta de interferir com o funcionamento da natureza (uma vertente mais contemporânea).
O efeito de tal mudança já pôde ser sentido no século posterior, conforme mostra o economista. “Vários dos
grandes nomes associados às inovações técnicas da Revolução Industrial, tais como Thomas Savery, Thomas
Newcomen e James Watt, possuíam vínculos estreitos com as sociedades científicas da época”.
21
noentanto,necessitavamtambémdelenhapara
funcionarem,ouseja,quantomaioraprodução
demetaldasforjasmaislenhaeranecessária,o
queacarretouadestruiçãodeimensasflorestasna
EuropanaIdadeMédiaeaconsequentefaltade
matéria-primaparageraçãodeforça.
Aescassezdefonteenergética,asdificuldades
detransportedomineraledalenhaparaolocal
emqueaenergiahidráulicaestavadisponívele
tambémalimitaçãodasmáquinasdeforçamotriz
existentesanteademandadeenergiacrescente
pressionaramosprodutoresdaépocaainvestirem
emnovasfonteseemnovosmeiosdeproduçãode
movimento.AInglaterra,quedesdeoséculoXIII,
sofriacomacarênciademadeiraparaproduzir
lenha,foioprimeiropaísaapelar,noséculoXIV,
paraocarvãomineral.Estecombustíveljáera
conhecido,maspoucousadoeapreciadodevidoao
odordesagradávelquedesprendiaaoqueimar-se.
EstamutaçãoanterioràRevoluçãoIndustrial
constituiuumarevoluçãoenergéticasem
precedentes,poismarcouapassagemdautilização
defontesdeenergiarenováveisaoemprego
derecursosfósseis,abrindocaminhoparao
surgimentodasmáquinasavapor,queconforme
oprofessordaUSP,GildoMagalhães,representaa
segundagrandeinovaçãotécnicadaforçamotriz.
Proto-industrialização e o vapor
“já que a água goza da propriedade de que uma
pequena quantidade dela transformada em vapor
por meio do calor tem uma força elástica similar
à do ar, e de que por meio do frio se transforma
de novo em água, de maneira que não sobra nem
rastro daquela força elástica, cheguei à conclusão
de que é possível construir máquinas que no seu
interior, por meio de um calor não muito intenso,
se pode produzir um vazio perfeito, que de maneira
nenhuma poderia se conseguido através da
pólvora.”
Dênis Papin, físico francês, 1690.
Quandoamáquinaavapornasceunosidosdo
séculoXVIII,jáexistiaumamassadetrabalhadores
acostumadaaolaborfabril,istoemdecorrência
dosavançospropiciadospelomoinhohidráulico
desdeaIdadeMédia.Éprecisoenfatizarquefoia
O moinho d’água foi a primeira grande força motriz produzida pela técnica humana e conseguiu grande expansão no período feudal. Mas, primeiro, os moinhos hidráulicos se restringiram a assegurar o fornecimento de farinha à propriedade feudal onde dividiam espaço com os moinhos a braços domésticos.
22
era da eletricidade
forçahidráulica,principalmente,enãoamáquina
avapor,quelevouaindústriatêxtilaproduzir
volumesnuncaantesimaginados.
Aliás,antesmesmodousointensivode
máquinasmovidasacalor,ummovimentode
industrializaçãojáseestabelecianaEuropacalcado
naforçamotrizhidráulicaeeólica,alémdaforça
dosanimaisedoshomens.Eram,narealidade,
simplesoficinas,comumadúziadetrabalhadores
eumaouduasmáquinasdefiarmovimentadaspor
burrosetambémporhomensemulheres.
Essasprimeirasfábricasjásebaseavamno
controledaenergiahumana,comoobjetivode
otimizaraforçadetrabalhoeevitarassimas
perdasdetempoeosgastoscomtransporteligados
aosistemadoméstico.Étambémnesteperíodoque
surgemoscontramestresvigilantes,figurasque
permitemaosempregadoresassegurarotrabalho-
contínuodosoperários.
Em1717,naInglaterra,surgeentãoaprimeira
indústriamodernacomcaracterísticasque
antecipavamasfábricascapitalistasdoséculo
XIXqueaRevoluçãoIndustrialmassificaria.Era
umaindústriadesedamovidaàforçahidráulica
centralizadaequejápossuíaaltoinvestimento,
maisdetrezentostrabalhadores,entreeles,
mulheres,crianças,trabalhadoreseartesõesnão
preparadosparaoserviçotodoselesvigiados
constantementeporumaequipearmadacom
porretes.
Enquantoasincipientesfábricasdetecido
quasequeemsuatotalidadetrabalhavamcom
aforçahidráulicaedeanimais,asindústriasde
ferroedeminas,cujosprogressoscaminharam
juntosaosdaindústriatêxtil,funcionavamcom
máquinasavapor.Contudo,noinício,pornão
teremmuitoconhecimentosobreofuncionamento
dosaparelhos,principalmente,noquetangiaao
transportedamatéria-prima,naépoca,ocarvão
mineral,suapropagaçãofoiprejudicada.Defato,
asprimeirasincursõesnaáreasóderamcerto
porqueasmáquinaseramutilizadasdiretamente
nasminasdecarvãoe,dessaforma,alimentadas
commaispraticidade.
Nosetortêxtilinglês,aprimeiraexperiência
comamáquinaavaporsedeunasfiandeiras
doindustrialinglêsArkwright.Suaprodução
erarealizadasomentecomforçahidráulica,
mas,conformeoaumentodademanda,ouso
dessatecnologiaficoucadavezmaisdifícil;era
impossívelaumentarindefinidamentesuapotência
emfunçãodasnecessidadeseeraimpraticável
suprirasbaixasvazõesdosriosprovocadaspela
secaoupelocongelamento.FoiaíqueArkwright
recorreuaoinventorJamesWatt,queem1779
construiuumabombaavapor,cujafunçãoera
as máquinas a vapor criaram outra dinâmica na sociEdadE quE dElas usufrui. isto porquE Estimularam o procEsso dE industrialização, principalmEntE na árEa têxtil. EstE dEsEnvolvimEnto industrial mExEu tanto com a Estrutura campEstrE quanto com a Estrutura urbana.
23
somenteauxiliaromoinhohidráulico,aquecendo
atemperaturadaáguaefazendooequipamento
funcionarcommaisvelocidade.
Nocomeço,asmáquinasavaporforam
empregadasdessaformaporquenãosesabiaainda
comotransformaromovimentolineargeradopor
elaemmovimentocircular,dinâmico.Istoaliado
aobaixorendimentodasprimeirasmáquinaseà
dificuldadedetransportarocarvãoparalongas
distânciasfizeramcomqueasmáquinasavapor
ficassemrestritas,emumprimeiromomento,às
minasdecarvãoeàsmetalúrgicasribeirinhase
fossemtambémumfenômenoregional,utilizadas
somentenaInglaterra.
Aprimeiramáquinaavaporusadadiretamente
paramovimentarosequipamentosindustriais
surgiuem1775nasforjasdeWilkinsonpara
acionarummartelode60quilos,de150golpespor
minuto.Emrelaçãoaomelhorproveitoenergético
doequipamento,asituaçãomudouquandoWatt
modificouamáquina,tornando-amaiseconômica.
DeacordocomofilósofoalemãoKarlMarx,
deve-seaWattofatodeamáquinaavaporser
consideradaagentegeraldagrandeindústria.
Outrofator,otransportedamatéria-prima,
foipreponderanteparaque,noiníciodoséculo
XIX,osistemaindustrialbaseadonamáquina
avaporficasserestritoàInglaterra.Comonem
todosospaísestinhamtecnologiaparaexploraro
usodocarvãomineral,alenhafoiocombustível
preferidodosoutrospaíses.Alémdisso,ela
podiasertransportadaporviamarítima,fato
quenãoaconteciacomocarvão.Somentecomo
desenvolvimentodotransporteferroviárioedeseu
barateamentoéqueocarvãodesbancoualenha
comocombustíveltérmico.
Mesmoassim,outrospaísesencontravam
certadificuldadeparainstalaremseussolosuma
indústriadeportesemelhanteaoinglês.Assim,
muitosdelespermaneceramestagnados.Tantoque
antesdesedeflagraraPrimeiraGuerraMundial,
apenasaAlemanhaeosEstadosUnidosse
equivaliamemforçaindustrialcomaInglaterra.
Ofatoéque,nospaísesemqueforam
bastanteutilizadas,asmáquinasavapor
criaramoutradinâmicanasociedadequedelas
usufruiu.Istoporqueestimularamoprocessode
industrialização,principalmentenaáreatêxtil.
Estedesenvolvimentoindustrialmexeutantocom
aestruturacampestrequantocomaestrutura
urbanadaEuropa.Nocampo,desterradospela
novaproduçãodelãquedominouáreasruraisem
detrimentodaagriculturadesubsistência,milhares
decamponesesmigraramparaascidadesonde
engrossaramocorodepretendentesaumemprego
nasfábricas.
Chegandonasáreasurbanas,alguns
conseguiamposto,muitosnão,oqueaumentava
onúmerodepessoasdesempregadas.Estafarta
ofertadereservapossibilitouqueosdonosdos
meiosdeproduçãotivessemosoperáriosnasmãos.
Assim,elessesujeitavamabaixíssimossalários.
Porexemplo,nacidadeindustrialdeBolton,na
Inglaterra,noanode1842,umtecelãomanual
nãoconseguiaganharmaisdoquetrêsxelins;
aquestãoeraqueparasemanterumafamília
decincopessoasumpoucoacimadolimiteda
miséria,namesmaépoca,eramnecessáriospelo
menos20xelinssemanais.
Seosalárioerabaixo,acargahoráriadiária
detrabalhoerabemextensa:aproximadamente14
horasextenuantesdetrabalho.Eosoperáriosnão
possuíamtrégua,jáquehaviaumrigorosocontrole
emrelaçãoaohoráriodetrabalhoeàpermanência
dostrabalhadoresjuntoàsmáquinas.Otrabalho
tornava-seaindamaisinsuportávelporcontadas
condiçõeslaboraisinsalubres:sujeira,escuridãoe
faltadeproteçãonasmáquinasdeixavamafábrica
perigosa,sendocomumaocorrênciadeacidentes.
Porganharemsaláriostãomiseráveis,os
operáriosviviamemmoradiasprecárias.Moravam
longedesuafamília,aqualtinhamdeixadono
campo,emúmidosquartosdeporão,emsua
grandeparte,semluz,águaeesgotos.Ambientes
propíciosparaodesenvolvimentodedoençascomo
cóleraetuberculose,quedeixavamrastrosde
morteportodaEuropaindustrializada.
Pesquisa• O Processo CivilizatórioDarcyRibeiro,Ed.CompanhiadasLetras• Uma História da EnergiaDanielHémery,Ed.UniversidadedeBrasília
24
cidade em movimento Por Flávia Lima
A vapor ou a tração elétrica, os trens provocaram verdadeiras revoluções no transporte. Encurtando as distâncias, eles estimularam o comércio, impulsionaram as indústrias, resolveram posteriores problemas de tráfego e deixaram suas marcas na sociedade e nas cidades
A ELETRICIDADE ABRINDO CAMINHOS
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tado
de
São
Paul
o
25
AcuriosidadedespertadanoséculoXVIII
notocanteàciênciaeatécnica,efetivamente,
ganhaformaeevidêncianocentenárioseguinte.
Especialmenteasesferasdasaúde,dotrabalhoea
áreadeinfraestruturacomoumtododeramsaltos
estratosféricos,comainvençãodemáquinasesistemas
nuncaantesimaginados.Apopulaçãomundialcresce
e,comela,osgrandesgênios.Asrelaçõescomerciais
aumentameaciênciatorna-semaispróximadas
necessidadesdomundoreal.Aspessoasprecisamse
comunicarcommaisagilidadeeasdistânciasprecisam
servencidas.Aeletricidadeaplicadaéentãodescoberta
erapidamentemaisemaisbenefíciossãoextraídos
dessaforçainvisívelquepassaadominarpequenase
grandescoisascomoúnicoobjetivodefacilitaravida
dohomem.
Antesqueaenergiaelétricapassasseafazer
partedocotidianodaspessoas,aforçadehomense
deanimaisfoipormuitotempoaúnicamaneirade
setransportaraglomeradosdeobjetos.Entretanto,
oaumentodasrelaçõesdetrocasexigiuacriação
denovosmecanismosquedesempenhassemesta
funçãodeformamaisrápidaeeficiente.Foientão
quealgumasformasdeenergia,alémdaforçaanimal,
passaramasertambémempregadas,porexemplo,
aqueimadecombustíveiscomomadeiraecarvão
paraalimentarnavios,recursoqueexerceugrande
influênciasobreasatividadescomerciais,asquais,pela
suapróprianatureza,movimentamosprodutosque
precisamchegaradistânciascadavezmaiores.
Estudosrevelamqueháboasrazõesparaacreditar
queasmaioresquantidadesdegênerospesadosforam
transportadosporveículostípicosdecurtadistância,
tendobois,cavalosoumulasexecutandoafunçãode
motor.AntesdaRevoluçãoIndustrialéonavioavela
quepermiteotransportedegrandescargasalargas
distâncias.OfilósofoAdamSmithcomparaosmeios
detransportesdaIdadeMédiaeconcluique,graças
aotransporteaquaviário,seisaoitohomenspoderiam
transportaramesmaquantidadedemercadoriasque
cinquentacarroçõesderodasgrandes,conduzidospor
cemhomensequatrocentoscavalos.
Astécnicassão,aolongodotempo,substituídas
pornovastécnicas,maspodemosconsiderarofim
doséculoXVIII,maisprecisamenteaRevolução
Industrial,comoummarcoparaodesenvolvimento
dotransportenomundo.Sobreisso,KarlMarx
teriaafirmadoque“osmeiosdetransporteede
comunicaçãolegadospeloperíodomanufatureirologo
setornaramobstáculosinsuportáveisparaaindústria
moderna,comsuavelocidadefebrildeprodução
emgrandeescala,seucontínuodeslocamentode
massasdecapitaledetrabalhadoresdeumramode
produçãoparaoutroecomasnovasconexõesque
criounomercadomundial”.Arevoluçãoindustrial
contribuiutambémparaumarevoluçãonosmeiosde
comunicaçãoetransporte.
Símbolodarevolução,amáquinaavapornasceu
apartirdaevoluçãodaindústriadoferroedamina,
queobtiveramsucessoparalelamenteàindústriatêxtil.
NaInglaterra,amáquinadefiar,inventadaporJohn
Wyatt,em1735,eramovidaporburrosouporcavalos
comandadosporpessoas.Maistarde,aforçahidráulica
substituiuaanimaleveiopararesolvertambémo
problemadafaltadefiandeirasdevidoaocrescimento
dademanda.Em1779,JamesWattdesenvolveuma
bombaavapordestinadaaelevaraáguaparaacionar
asrodasdomoinho.
Logo,amáquinaavaporganhouasindústrias
etambémotransporte.Emborajáexistissemvagões
puxadosatraçãoanimal,estemeiodetransporte
ganhoumaisevidênciacomosurgimento,noinício
doséculoXIX,daslocomotivasimpulsionadaspor
motoresavapor.
ConstruídapeloinglêsRichardTrevithick,a
primeiralocomotivaavaporfezseuprimeiropercurso
em1804,masmuitosanosteriamquepassarparaque
elasetornasseumtransporteviáveleeconomicamente
rentável.Aferroviaalcançaumrápidosucessodepois
de1830,quandoaindacontavacomalgumasdezenas
dequilômetrosemtodoomundo.Duasdécadas
depois,essenúmerochegariaa37milquilômetrosde
linhas,dosquaisgrandeparteestavalocalizadanos
paísesdaEuropa.
Damesmaformaqueaindústriateriacontribuído
paraoavançodotransporte,oprogressodosistema
A primeira ferrovia é inaugurada no Brasil em 10 de abril de 1854 por iniciativa do banqueiro Irineu Evangelista de Souza, mais tarde agraciado com o título de Visconde de Mauá. A ferrovia tinha apenas 14,5 quilômetros de extensão e ligava o Porto de Mauá à Serra de Petrópolis.
26
cidade em movimento
ferroviárioexerceugrandeinfluênciasobreo
desenvolvimentodaindústria.OsociólogoAntonio
CarlosBôaNovacomentaqueaexistênciade
mecanismosmaisrápidosebaratosdetransportar
cargasatraiuváriossetoresdaindústriaquese
beneficiaramdoencurtamentodasdistânciasedo
consequentealargamentodasfronteirasdoseu
mercado.
Nomesmoperíodo,anavegaçãoavaporse
desenvolve,masnãocomtantoêxito.Em1840,os
naviosavaporaindanãorepresentammaisdoqueum
sextodacapacidadetotaldecargadafrotamercante,
aocontráriodaferrovia,quefoiimplantadanoséculo
XIXemtodoocontinenteeuropeu.
Eletricidade no transporte
Asprimeirasiniciativasnocampodaeletricidade
ocorreramdepoisdasexperiênciasedescobertada
correnteelétricaporGeorgSimonOhm,em1827,edo
eletromagnetismo,difundidoporMichaelFaraday,a
partirde1831.NaopiniãodeBôaNova,aeletricidade
“nãoconstituiumafonteenergética,masumaforma
deutilizaçãodeenergia”.Segundoele,trata-sedeuma
formadeenergiamuitocômodadeserusada,poistem
avantagemdepoderserfracionadapraticamenteao
infinito.Comopodeserempregadaemquantidades
quepodemsermoduladas,suautilizaçãomostrou
exercergrandeinfluênciaparaaproduçãodetrabalho
mecânico,decalor,deiluminação,entreoutras
utilidades.
Aospoucos,elaéempregadaparamovimentar
grandesmáquinasenãodemoroumuitoaser
largamenteempregadaemtrensdecargaede
passageiros.Algunsestudiososatribuemacriaçãoda
primeiralocomotivaelétricaaumescocêschamado
RobertDavidson,queteriaproduzidootrem,em1837,
movidoabaterias.
Cinquentaanosdepois,oengenheiroalemão
WernervonSiemensapresentouemBerlimaprimeira
locomotivaelétricadestinadaatransportarpassageiros.
Otremeraacionadoporummotorde2,2kWde
potênciaeconstituídoporumalocomotivaetrês
carros,alcançandoavelocidademáximade13km
porhora.Durantequatromeses,otremtransportou
90milpassageirosemumpercursode300metros.A
eletricidadeerafornecidaporumdínamoestacionário.
Amáquina,decorrentecontínua,apresentava
inúmerasvantagensemrelaçãoàmáquinaavapor,
àrodad’águaeàforçaanimal,masaindapossuía
altocustodefabricaçãoeeravulnerávelporconta
docomutador.Pesquisadoresentãocontinuaram
preocupadosemconseguirummotorelétricomais
eficienteecommelhorcusto/benefício.
Em1894,oengenheirohúngaroKálmánKandó
desenvolveumotoresdecorrentealternadatrifásicos
dealtatensãoegeradoresparalocomotivaselétricas.
Elefoioprimeiroareconhecerqueumsistemaelétrico
detrenspoderiatersucessoseaeletricidadeutilizada
fossedaredepública.Emboraeletenharealizadotestes
emBudapeste,foramostrilhositalianososprimeirosa
efetivamenteintroduzirematraçãoelétricaemtrechos
inteirosdelinhascomerciaisimportantes.
Cabeaquiumparênteses.Umdetalhefundamental
nahistóriadodesenvolvimentodotransporte
ferroviáriofoiaescolhaentreascorrentescontínua
ealternada.Aprimeirafoiamplamenteutilizadanos
sistemaselétricosiniciaisdelocomoção,enquantoa
correntealternadanãoeracompreendida.Duranteo
períododeeletrificação,foramfeitosdiversostestes
quantoàformadeeletricidadeutilizada.Emalguns
casos,empregava-setensãotrifásicade3,6kVna
frequênciade16,6Hz;emoutros,osistemaoperava
em1,5kVdcou3kVdce10kVacem50Hz.
Aslocomotivastípicasdecorrentecontínua
operavamemumatensãorelativamentebaixa,de600
Va3.000Venãoalcançavamgrandesvelocidades.
OOengenheiroeletricista,consultordoGrupoTrends
Tecnologia,PeterAlouche,explicaqueatradiçãodo
empregodecorrentecontínuadeveu-seaalgumas
facilidadesdomotordecorrentecontínua.Segundo
ele,esteapresentacaracterísticasdepotência,frenagem
etorquefavoráveisàmarchadostrens.
Quandoosmotoresdecorrentealternada
foramcriados,elestornaram-sepredominantes,
especialmenteemtrechoslongos.Altastensões
27
eramutilizadasporquepermitiamousodebaixas
correntes.Dessaforma,altastensõespoderiam
serconduzidasporlongasdistânciasemredes
maisbaratas.Transformadoresinstaladosnas
locomotivastransformavamestaenergiaembaixa
tensãoealtacorrenteparaosmotores.Altatensão
nãopoderiaserempregadacomlocomotivasde
correntecontínuaporquenãoerafáciltransformar
atensãoeacorrentedemodoeficiente.
Aalimentaçãodostrensnasredesdemetrôede
subúrbioerafeitapormeiodesubestaçõeselétricas,
queatéadécadade1960usavamretificadoresa
vapordemercúrio.Asunidadesmotorasemcorrente
contínuaoperavamemumatensãorelativamente
baixa,de600Va3.000Venãoalcançavam
grandesvelocidades.Omotordecorrentealternada
sócomeçariaaserutilizadonatraçãodostrens
metroferroviários,nofinaldadécadade1960,graçasà
eletrônicadepotência.
Houve,naverdade,diversastentativasde
melhoriadaaplicaçãodaenergiaelétricanatração
dostrens,prevalecendo,nesseperíodo,acorrente
contínua.NocomeçodoséculoXX,centenasde
quilômetrosdelinhasférreasforameletrificadas
naEuropaeemoutrospaísesdomundo,osquais
concluíramqueatraçãoelétricadiminuíaoscustos
operacionaisetornavaoserviçomaisatraente.A
maioriadessaseletrificaçõesocorria,aprincípio,
emlinhasquetraziamrestriçõesàtraçãoavapor
eemviasdetráfegointenso,justificandoosaltos
investimentos.
NaEuropa,osprojetosdeeletrificação
inicialmenteseconcentraramemáreasmontanhosas,
poisaslocomotivaselétricasapresentavamgrande
forçadetraçãoemlinhasíngremes,oqueexplicao
fatodeaSuíça,porexemplo,regiãomaismontanhosa
daEuropa,tertodasassuaslinhaseletrificadas.
DeacordocomaAssociaçãoNacionaldos
TransportesFerroviários,atraçãoelétricafoi
empregadapelaprimeiraveznoBrasilpela
CompanhiaFerroCarrildoJardimBotânico,na
cidadedoRiodeJaneiroem1892,epelaEstradade
FerrodoCorcovadoem1910.Em1922,iniciou-sea
eletrificaçãodaCompanhiaPaulistadeEstradasde
Ferroe,em1937,daCentraldoBrasil,naslinhasde
subúrbiosdoRiodeJaneiro.
Emboraestendidaaváriasferroviasbrasileiras,
atraçãoelétricafoiaospoucosdesativadadevido
àobsolescênciadosequipamentosexistenteseaos
altoscustosdemanutençãodosequipamentosfixos,
ficandorestritaatualmenteaossistemasdetransporte
metropolitanonasprincipaiscapitais.
as fErrovias brasilEiras, EspEcialmEntE as paulistas, tivEram sua origEm Em 1870 E Estavam dirEtamEntE ligadas à Expansão cafEEira.
28
cidade em movimento
O trem, as cidades e as artes
“Je suis reconcilié avec les chemins de fer; c’est
décidément três beau. Le premier que j’avais vu n’était
qu’un ignoble chemin de fabrique. J’ai fait hier la
course d’Anvers à Bruxelles et le retour. Je partais
à quatre heures dix minutes et j’étais revenu à huit
heures um quart, ayant dans l’intervalle passé cinq
quarts d’heure à Bruxelles et fait vingt trois lieus de
France. C’est um mouvement magnifique et qu’il faut
avoir senti pour s’em rendre compte. La rapidité est
inouie”
Victor Hugo, em Le voyage en Belgique, 1837
Originalmentecriadosparafacilitarocomércio,
considerandosuacapacidadedearmazenamento
erapidezdelocomoção,ostrenstrouxeram
significativasmudançassociaisparaasregiõesem
queforaminstalados.SegundoPeterAlouche,muitas
cidadesdevemàferroviasuaprópriaexistência.
Aestradadeferroe,maistarde,ostrilhos
eletrificadosforamparamuitasregiõesumimportante
fatordedesenvolvimento.Aproximaramcidades
isoladasdegrandescentroseatraíramprogressos
econômicos.Abriramcaminhosparaalavoura,parao
comércioeparaaindústria.
NoBrasil,aferroviafoiaprimeiragrande
indústriadoEstadodeSãoPauloesignificoumuito
maisdoqueumainovaçãonosmeiosdetransporte.
Foiconsideradapormuitosomarcodeumagrande
mudançadeprocessonaorganizaçãoprodutivado
café,napassagemdosistemamercantil-escravocrata
paraaorganizaçãocapitalistadeprodução.
ParaosociólogoCheywaSpindel,aestrada
deferroiniciaumnovoprocessodereordenaçãoe
reavaliaçãodosfatoresedanaturezadaacumulação
decapitalnaeconomiacafeeira.Seem1880havia
apenas139quilômetrosnopaís,duasdécadas
depois,estenúmeroatingiria2.329quilômetros,
demonstrandoumsurpreendentecrescimento.
Amaioriadasferroviaseradepropriedade
particularnacional,sendobastanteligadasaos
própriosfazendeirosdocaféesignificoumuitoparao
cenáriotrabalhista.NaprimeiradécadadoséculoXX,
ocaféempregava24miltrabalhadoreseasferrovias
18milhomens.
Aslocomotivasqueprimeirocortaramascidades,
noiníciodoséculoXIX,despertavamsensações
distintasnasociedade:oramedo,orafascinação,
oraprogresso.NaEuropaenosEstadosUnidos,as
primeirasviagenseramesperadascomansiedadee
foramtambémretratadasnaliteraturaenasartes
plásticas.
OjornalistaehistoriadorPedroNastricontaque
naocasiãodaviageminauguraldaviaférreaque
ligavaacidadedeSantosatéasestaçõesdoBrás
edaLuz,nacapital,opovosereuniaaomeiodia
de6desetembrode1865paraverolançamento
domaisnovomeiodetransporte.“Osminutosiam
passandoenemsinaldotremchegar.Nacomposição,
viajavampersonalidadesdapolíticapaulistana,como
opresidentedaProvíncia,conselheiroJoãodaSilva
Carrãoeseusecretariado.Otempofoipassandoea
demoracomeçouapreocuparosdiretoresdanova
empresaférreaquandoalguémavistouumrapazque,
ofegante,chegaàplataformaavisando,quaseaos
gritos,queotremhaviadescarriladopróximoaobairro
doPari,poisomesmoseachavaemaltavelocidade,
porvoltade30quilômetrosporhora,equenolocal
haviaumgrandenúmerodeferidos.Ofatofoinotícia
asemanatoda,porsetratardoprimeiroacidentede
trememterraspaulistas(claro,antesdesseacidente
nemtremexistia)”.
Comoprogresso,tambémvinhamosproblemas,a
começarcomasdesapropriaçõesnosbairrosporonde
passariamostrilhos.Emaisacidentesaconteceram.
SegundoPedroNastri,gravesacidentesocorreram
napassagemdeníveldostrensaocortaraavenida
RangelPestanaemaistranstornosforamcriadosao
construir,em1865,aconhecidaPorteiradoBrás,
situadaentreasruasDomingosPaivaeCoronel
FranciscoAmaro,emSãoPaulo.
Cortandoascidadesetransformandoasua
geografia,ostrenstambémlevarambenefícios.
Alavancaramoturismo,ocomércioeaindústria.
Modificandoasestruturasdasociedade,otrema
vaporoujámovidoatraçãoelétrica,nãopassaria
despercebidonaliteratura.aprimeirametade
doséculoXIX,ofrancêsVictorHugoteriase
impressionadocomumacidentedetremocorridono
dia8demaiode1842,umasemanadepoisdatriunfal
inauguraçãodaslinhasParis-OrléanseParis-Rouen.
Umdescarrilamentoprovocouamortede55pessoas
emMeudon-Bellevue,queimadasvivasnostrens
29
Embora as primeiras pesquisas sobre levitação
magnética em trens sejam de 1922, a tecnologia ainda
é pouco explorada, mas considerada por muitos como
o transporte do futuro.
Basicamente, um trem com levitação magnética é,
como define Peter Alouche, um veículo que emprega
um motor linear cujo princípio se baseia na interação
própria do campo magnético, utilizando os fenômenos
de atração e repulsão entre pólos magnéticos opostos
para a propulsão do veículo e sua levitação acima dos
trilhos. Isso acontece porque a levitação magnética
suprime o atrito do contato roda-trilho, permitindo
grandes velocidades, redução de consumo de energia
elétrica e menos ruído
O Japão começou a pesquisar a tecnologia em
1962 e conseguiu recordes de velocidade em testes.
Uma década depois, a Alemanha retoma seus estudos
e lança em 1979 o Transrapid, projeto da Siemens
que, em 1983, circulava em uma linha comercial de
1,6 km. Esta linha, no entanto, foi fechada em 1992.
O Transrapid continuou em testes, mas seu fim foi
oficialmente decretado quando, em setembro de 2006,
circulava em uma via experimental, com 30 pessoas a
bordo e colidiu a 200 km por hora com um veículo de
manutenção, causando a morte de 25 pessoas.
O Japão também desenvolveu suas técnicas e criou
uma linha experimental para um
trem de levitação magnética, o
Maglev. Essa linha opera em teste
e atingiu em 2003 a velocidade
recorde de 581 km por hora.
Já o Transrapid encontrou
uma aplicação comercial na China
e opera em uma ligação curta de
40 km, ligando a cidade de Xangai
ao Aeroporto de Pudong. Os trens
circulam com velocidade máxima
de 430 km por hora e percorre em
sete minutos um trecho que levaria uma hora de carro.
O engenheiro Peter Alouche enumera alguns
entraves à adoção de trens com levitação magnética:
• São incompatíveis com a rede ferroviária instalada;
• Apresentam dificuldade técnica na instalação de
aparelhos de mudança de via, não permitindo a
ultrapassagem de um trem;
• Sua tecnologia ainda não é completamente dominada;
• O custo de construção e manutenção de uma
via para levitação magnética é muito elevado,
principalmente por conta da instalação do “estator” ao
longo da via;
• A levitação magnética só permite trens com
capacidade de transporte reduzida.
levitaçãomaGnética
grandE partE da locomoção Elétrica foi caractErizada pElo aumEnto
dos túnEis, EspEcialmEntE Em árEas urbanas. isso porquE a fumaça das
locomotivas a vapor Era considErada tóxica E os govErnos municipais
Estavam inclinados a proibir sEu uso dEntro dE suas frontEiras, Então, a
solução foi a criação dE túnEis.
30
cidade em movimento
fechadosacadeadoporrazõesdesegurança.Tinha
entãodecididoanãoutilizaronovotransporte,até
queresolveutomarotrem,pelaprimeiravez,parair
deBruxelasàcidadedeAnvers,viagemquemudaria
seuconceitoquantoànovamáquina.Orápido
movimentodotremtransformouavisãodemundo
deVictorHugo,queconferiuàmáquinaumaestética
maisromânticadoqueindustrial:
“Eu me reconcilio com as estradas de ferro; elas são,
decididamente, muito belas. A primeira que eu vi
não era mais do que um simples caminho de fábrica.
Ontem eu fiz o percurso de ida e volta de Anvers a
Bruxelas. Parti às quatro horas e dez minutos e voltei
às oito horas e quinze minutos, tendo, neste intervalo,
passado cinco quartos de hora em Bruxelas e por vinte
e três lugares na França. É um movimento magnífico,
que se faz necessário ter sentido por conta própria
e então contar para os outros. A rapidez é incrível”
(tradução livre)
LaBêteHumaine,doromancistafrancêsÉmile
Zola,escritanoanode1890,tambémfazalusão
aotrem,mostraaforçadasmáquinaseosdramas
humanosquesedesenrolamnosvagões,naspróprias
locomotivasenasestradasdeferro.Naopiniãode
PeterAlouche,paraZola,“abestahumana”é,na
realidade,apróprialocomotiva.
ArtistascomoMoneteKandinskytambém
ilustramnoimpressionismo,apresençadotremem
suasobrasepintamumapaisagemmodificada,ora
comamanifestaçãosutildafumaçadalocomotivaa
vapor,oraevidenciaa“invasão”dotremnascidades,
entreascasas.
NoBrasil,tambémtivemosexemplosdeescritores
queretrataramaferroviaemsualiteratura,aexemplo
deManuelBandeiraque,em1937,dedicaaotremum
deseuspoemas(vejapoesia“Tremdeferro”aolado).
A origem dos trens metropolitanos
Ostrensmetropolitanosnasceramem1863,com
umalinhasubterrânea,utilizandolocomotivasavapor,
operadapelaMetropolitanRailway,emLondres.A
traçãoelétricafoiadotada,nessacidade,17anosmais
tarde,pelaCitySouthLondonRailway,estimulando
aadoçãodessetrilhoeletrificadoporoutrascidades,
comoBoston,Berlim,Liverpool,NovaIorque,
Filadélfia,BuenosAireseoutras.
Desdeentão,atecnologiadosmetrôscomeçoua
evoluir.Atéasegundaguerramundial,Londres,Nova
Iorque,Chicago,Budapeste,Paris,Moscou,Atenaseoutras
cidadesjátinhamimplantadosuasredesdelinhasde
metrôssubterrâneos,utilizandotrensdemadeiraoude
aço-carbono,commotoresdecorrentecontínua,regulados
acames,sinalizaçãoferroviáriatradicionalesubestaçõesde
traçãocomretificadoresavapordemercúrio.
OengenheiroPeterAlouchecomentaque,durante
asegundaguerramundial,osmetrôstiveramperíodos
deabsolutaestagnação,tornando-sefamosospor
serviremdeabrigosubterrâneocontraasbombas
inimigas.“Asimagensdopovorusso,dormindo
nasestaçõesdeMoscou,sãoaindavivasnastristes
memóriasdomundo”,diz.
Train dans la campagne (1870 – 1871), Claude Monet
31
tremdeferro
Café com pãoCafé com pãoCafé com pão
Virge Maria que foi isso maquinista?
Agora simCafé com pãoAgora simVoa, fumaçaCorre, cercaAi seu foguistaBota fogoNa fornalhaQue eu precisoMuita forçaMuita forçaMuita força(trem de ferro, trem de ferro)
Oô...Foge, bichoFoge, povoPassa pontePassa postePassa pastoPassa boiPassa boiadaPassa galhoDa ingazeiraDebruçadaNo riachoQue vontadeDe cantar!Oô...(café com pão é muito bom)
Quando me prenderoNo canaviáCada pé de canaEra um oficiáOô...Menina bonitaDo vestido verdeMe dá tua bocaPra matar minha sedeOô...Vou mimbora vou mimboraNão gosto daquiNasci no sertãoSou de OuricuriOô...
Vou depressaVou correndoVou na todaQue só levo Pouca gentePouca gentePouca gente...(trem de ferro, trem de ferro)
(Manuel Bandeira em “Estrela da Manhã” 1936)
Pesquisa•Artigo“Atecnologiadosmetrôsdomundo”,dePeterAlouche•Artigo“Máquinasehumanos:umestudosobremáquinasdebeneficiamentoesociedade(1880-1910)”,deVictorGarciaMiranda• Uma história da energiaDanielHémery,Ed.UniversidadedeBrasília• Energia e classes sociais no BrasilAntonioCarlosBoaNova,EdiçõesLoyola
Em1950,acidadedeEstocolmomarcaageração
dosmetrôsdopós-guerra.Apartirdeentão,ostrens
tornam-semaismodernosemaisrápidos(atingindo
até90kmporhora),asestaçõesficammaiorese
maisbonitaseasinalizaçãoseadaptaaometrô;
assubestaçõesempregamagoraatecnologiade
semicondutores.
Nosanosde1970,ascidadesdeSãoPauloeSão
Francisco(EstadosUnidos)marcamosurgimentodos
metrôsmodernospesados,commaiorcapacidade
depassageiros.“Aeletrônicadepotênciapermitea
adoçãodo“chopper”paraaregulaçãodosmotores.
Aoperaçãodostrenséautomáticaeasupervisãoda
circulaçãodostrens,apartirdoCentrodeControele,
éfeitaporcomputador.Avelocidadeaumentapara
100kmporhoraeointervaloentrecomposições
diminuipara90segundos”,explicaAlouche.
ImportanteressaltarqueSãoPauloapresentouo
primeirometrônovodomundoaentraremoperação
comatecnologiadochopper.Porcontadeproblemas
técnicos,ainauguraçãodometrôdeSãoFranciscofoi
adiada,deixandoaprimaziaparaospaulistas.Com
isso,operadoresdeoutrosmetrôsdomundoquiseram
conheceratecnologiadosmetrôsdeSãoPaulo,por
isso,foiorganizadoumCongressopeloengenheiro
PeterAlouche,responsávelpelaimplantaçãodo
sistemaelétricodoMetrôdeSãoPaulo.OSeminário
reuniuespecialistasdeBruxelas,Lyon,NovaYork,
CaracaseParis.“Foiummarconotransporte
metropolitanodetodoomundo”,avaliaoengenheiro.
Nosúltimosanos,acorrentealternadapassou
aseradotadapelostrensmetroviários.Omotorde
induçãodecorrentealternadaésimplesedebaixa
manutenção,massuaaplicaçãosófoipossívelcomo
desenvolvimentodaeletrônicaedainformática.
Háprevisõesdeque,nofuturo,ascidades
precisemcadavezmenosdetransporte,graçasà
telemáticaquepermitiriaàspessoastrabalharem
emcasa.Entretanto,naopiniãodePeterAlouche,
aconteceráocontrário.“Comaelevaçãodaqualidade
devidadaspopulações,anecessidadedetransporte
cresce,oqueindicaqueosmetrôscontinuarão
crescendo,mantendo-setecnologicamentejovense
dinâmicos”.
NocasodeSãoPauloedasgrandesmetrópoles
mundiais,otransportemetropolitanofoifundamental
parafacilitarotráfego.Atualmente,ostrensde
altavelocidadejásãoempregadosemquantidade
significativaemgrandescapitais.Naopiniãodo
engenheiro,investirnessatecnologiaéuma“opção
obrigatória”paraopaíscrescer.“Nãoháumagrande
potênciahojesemtrensdealtavelocidade,aChina
descobriuissoefezemquatroanos400quilômetros
delinhademetrôemXangai.OBrasilprecisa
interligarasgrandescidadescomtrensemetrôsde
grandevelocidade”,analisa.
Chemin de fer près de Murnau (1909), Wassily Kandinsky
32
DOMESTICANDO A ELETRICIDADE
comportamento Por Lívia Cunha
Do fogão a lenha ao aparelho microondas
se passou aproximadamente um século.
Nesse período, a energia elétrica foi
domesticada e tomou as casas, alterando
hábitos de consumo e de vida
stoc
k.xc
hng
33
DOMESTICANDO A ELETRICIDADE
Adomesticaçãodaeletricidade,easuaaplicação
emgrandeescala,iniciadanofimdoséculoXIX
semprefoiumprocessoassociadoaoprogressoeà
evoluçãodasociedade.Terenergiaelétricaeracomo
sairdastrevase,enfim,veraluz.Darumpassono
domíniosobreanatureza,comorelatouojornalO
EstadodeS.Pauloemsuaprimeiraediçãodoanode
1900:“outrora,malseescondiaosolpoente,retraía-
selogoaatividadedohomem.Hojeohomempode
exercê-la,seminterrupçãodeumminuto.”
Masnãosóasatividadeseconômicas,como
otrabalhoforadecasaeomovimentodacidade,
estavambeneficiadascomessa,então,novafontede
energia.Avidaprivada–oambientedoméstico–
tambémsofreusignificativasmudançascomoadvento
dogásedaeletricidade.E,noslaresbrasileiros,umdos
cômodosquemelhorrepresentaasmudançasdesse
séculoéacozinha,emquetodasuaconformação
foialterada.Dacozinhaforadecasa,sujaemal
cheirosa,aoambientelimpoehigienizado;dabrasa,
emumfogãoimprovisado,passandopelofogãoa
lenhaatéchegaraoaparelhomicroondassepassaram
algunsséculoseoshábitosdeconsumodapopulação
brasileirasealteraramdemaneirasignificativa.
Antesdepraticamentetodasasresidências
brasileirasteremfogãoagás,geladeiraelétricaeoutros
diversosequipamentos,comoliquidificador,aparelho
microondasesanduicheira,acozinhanemsequer
ficavadentrodecasa.Hádoisséculos,quandooBrasil
eraumpaísessencialmenterural,ascasasficavam
isoladasemfazendas,sítios,roças.Nessesambientes,
ondenemsemprehaviaáguacorrente,ascozinhas
ficavamafastadasdosoutroscômodos,atéporuma
questãodehigiene.Prepararcomidanabrasagerava
fuligememuitafumaça,aconservaçãodosalimentos
tambémnãoeramuitoagradávelaoambiente,
causandomaucheiroaorecinto.
OmineralogistainglêsJohnMawe,emvisitaao
BrasilnoiníciodoséculoXIX,registrounoseulivro
ViagensaoInteriordoBrasil,queacozinha,que
deveriaserapartemaislimpaeasseadadahabitação,
eraum“compartimentoimundocomchãolamacento,
desnivelado”.Relatouaindaque,comoamadeiraverde
eraoprincipalcombustíveldosfogõesdaépoca,o
lugardepreparodacomidaficava“cheiodefumaça,
que,porfaltadechaminé,atravessaasportasese
espalhapelosoutroscompartimentos,deixandotudo
enegrecidodefumaçapelafuligem.Lamentoinformar
queascozinhasdaspessoasabastadasemnada
diferemdestas”.
Porisso,oafastamentodessecômododosdemais
erafacilmenteexplicado.Somentecomoiníciode
redesdeabastecimentodeágua,primeironoRio
deJaneiro,em1876,edepoisemSãoPaulo,em
1878,acocçãosetornoumaisasseadaeacozinha
seaproximoudacasa.Umdosprimeirosusosda
eletricidadenoBrasilfoiparabombearáguaem
zonasrurais,utilizandopequenosgeradoresde
hidroeletricidade.
Aeletricidadeeogáschegaramàscidadesum
poucodepois,aindanofimdoséculoXIX,demaneira
insipiente,empoucasindústriasenailuminação
pública.Essasfontesdeenergiasócomeçaramaser
usadasemdomicíliosemmaiorescalanasdécadasde
1910e1920paraailuminaçãoeemalgunsaparelhos
domésticosquecomeçavamachegar.Masapopulação
docomeçodoséculopassadoaindatinhacerta
resistênciaaessasmudanças.
Aeletricidadeeravistaemummistodemedoede
fascínio,afinal,eraonovo,omoderno,mastambém
odesconhecido.Quandoessaenergiacomeçouaser
utilizada,naviradadosdoisséculos,oshábitosde
consumoaindaestavamprofundamentearraigados
nousodocarvãoedalenha,oquelevariaalguns
anosparaseralterado.Issoporque,comocomenta
aantropólogadoconsumoPatríciaPavesi,“hábitos
sãofrutodetreinamentocultural”eaculturadeuma
sociedadenãoéalgoquepossaseralteradodanoite
paraodia.
Amadeiraparaqueimarerafacilmenteencontrada
nosarredoresdascasasnointerior–emesmoao
redordascidades.Quandoaurbanizaçãocomeçou
Antiga cozinha de fazenda, onde ainda não existia eletricidade ou gás. Essas fontes de energia só começaram a ser usadas em domicílios em maior escala nas décadas de 1910 e 1920 para a iluminação e em alguns aparelhos domésticos que começaram chegar ao Brasil.
NY
PL D
igita
l Gal
lery
34
comportamento
energiaparaserconsumidaparaacasadaspessoas.
Oconsultoremplanejamentoenergéticoe
pesquisadordoInstitutodeEletrotécnicaeEnergia
daUniversidadedeSãoPaulo(IEE-USP),Alessandro
Barghini,explicaquearazãoparaissoésimples:
“nãoadiantafornecerenergiaelétricaseestanãotem
uso”.Porisso,depoisdeinvestirnainfraestruturade
rede,asempresasforneciamprodutos,ouseja,meios
paraqueessaenergiafosseempregada.“Quantomais
energiaforconsumida,maisrápidoseráoretornodo
investimento”,avalia.
EassimcomeçaramacriarnoBrasilumnovo
mercadoconsumidorparaessesprodutoselétricos.É
importantelembrarquenenhumacontecimentose
dádemaneiraisolada.Enquantoessasmudançasde
matrizenergéticaaconteciam,aprópriasociedade
tambémsealterava,assimcomoocorriamcoma
economiaecomapolítica.Abasedaeconomia
brasileira,essencialmenteagrária,eracafeeiradesde
todooséculoXIXatéasprimeirasdécadasdoséculo
XX,quandocomeçaentãoodeclíniodociclo.Aforma
degovernotambémsemodificava.Depoisdedécadas
demonarquia,arepúblicaeraumaestruturanova
paraasociedade–apesardealteraçõessignificativas
apenasserempercebidasapartirdadécadade1930.
Nesseprocesso,todososfatoresexternosàvida
privadacontribuíamdiretamentecomasmudanças
queoslaresbrasileirossofriam.Alterarospadrõesde
acrescer,masaindasemserpredominantenopaís,
aofertaporlenhadiminuiu,tantopeladificuldade
deaquisiçãodamatéria-primaquantopelaredução
daprocuradapopulação.Nessemesmoperíodo,nas
primeirasdécadasdoséculoXX,ogásjácomeçavaa
serofertadoparailuminaçãoenoaquecimentopara
fogões.Este,porém,nãoeliminouooutro.Osdois
produtosconviverampormuitosanos,sendopossível
aindahojeencontrarresidências,emespecialno
interiordoBrasil,comfogõesalenha.
Nasce ou cria-se uma necessidade?
Diferentementedoqueinicialmentepodemos
imaginar,nãofoi,porexemplo,anecessidadede
conservaçãodealimentosquelevouasempresasa
ofereceremgeladeiraselétricasàpopulação.Apartir
domomentoemqueasprimeirasempresaspassaram
aexploraromercadodailuminaçãoelétricaea
oferecerenergia,elasmesmascomeçaramavender
produtoselétricosparaquefossepossívelconsumir
essaenergia,criandoumanecessidadee,assim,
faturar.Damesmaformaaconteceucomalâmpada
elétrica.AfamosainvençãodeThomasEdisonsóse
tornouútileindispensávelparaasociedadeapartirdo
momentoemqueasdemaispessoaspuderamutilizar
oseuinvento,comodesenvolvimentodeumacentral
elétricaedeumsistemadedistribuiçãoqueenviavaa
Anúncio da Casa Byington, que vendia artigos elétricos, no jornal O Comércio de São Paulo em 23 de dezembro de 1914*. (*) Em Cozinha modelo: O impacto do Gás e da Eletricidade na Casa Paulistana (1870-1930), de João Luiz Máximo da Silva.
“Temos a honra de participar ao respeitável público que o nosso estoque de aparelhos elétricos é o mais apropriado para presentes de natal e de fim de ano. Nenhum presente igualará
um ferro de engomar, fogão elétrico, fogareiro, grelha, acendedor de cigarros, etc. ou um belo abajur com pingentes, um elegante
ferro ordenador de cabelos, um vibrador para massagens ou um ventilador elétrico. Deveis escolher um presente a altura do
progresso do século, a eletricidade é a última palavra.”
35
consumodapopulaçãoeconduziraumamudança
deprodutosutilizadosnasresidênciasbrasileiras
nãoeratarefasimples.Principalmenteporquea
entradadenovatecnologiaentravaemconfronto
comantigaspráticas.OlivroCozinhaModelo,de
JoãoLuizMáximodaSilva,contaqueaentrada
dessesequipamentossofreuumprocessodepequenas
adaptaçõeseresistênciasnasociedade.
Paratentarcontornaressasituação,asempresas
fornecedorasdeenergiaelétricaedegás,quevendiam
osprimeiroseletrodomésticosimportadosdaEuropae
dosEstadosUnidos,iniciaramumprocessodefortes
investimentosempublicidadeepropaganda,afimde
divulgarseusprodutosereeducarapopulaçãoparao
novopadrãodesejado.
Apublicidadefoifundamentalparaosucesso
dessesequipamentosnoBrasil,principalmente
porqueosnovosprodutoseletrodomésticosno
paísconcorriamaindacomosmaisrudimentares
etradicionais.Convencerapopulaçãoamudar
exigiriaumamudançadementalidade.Havia
algunsproblemasquedificultavamaentradadesses
equipamentosnoslaresbrasileiros.Umdeleseraa
questãoeconômica,jáquearendasemprefoium
elementoseletornopaís.Osaparelhoselétricos
residenciaistraziamnovastecnologiasparaaépoca,
logo,eramequipamentoscaroseoacessodamaioria
dapopulaçãoaelesnãoeratãofácil.
Olançamentoeainvençãodeprodutosnãoestão
diretamenterelacionadosàsuautilizaçãoemlarga
escala,emgeral,influenciadospelaquestãofinanceira.
Paraseterideia,abatedeiraelétricafoiinventadanos
EstadosUnidosem1916,massóchegouaoBrasil
cercade20anosdepois.
Alémdaquestãoeconômica,haviaaindaoutro
fatorderesistênciaaessesnovosequipamentospor
partedascozinheiras,empregadasedonas-de-casa:o
medo.Receiodechoqueselétricos,deincêndiosede
queacomidanãotivesseogostotãobomquantoo
dareceitapreparadaaomodotradicionaleramalguns
dosmedosdasprotagonistasdacozinhadaépocana
alteraçãodoshábitos.
Apublicidadebuscavaapresentarcomoos
produtoselétricoserammelhoresemaisbonitosdo
queosnão-elétricos,masnãoerasuficiente.Então,as
empresasquevendiamessesaparelhoseaspróprias
fabricantespassaramaoferecercursosdeculináriae
preparodecomidasempregandoosnovosprodutos.
Revistasfemininasedeculináriaforamnascendoe
tiveramgrandefraçãodeimportâncianoprocessode
Da brasa à eletricidade: a evolução tecnológica do ferro de passar roupas.
frutos do dEsEnvolvimEnto da indústria ElEtrotécnica, os ElEtrodomésticos tornaram-sE sinônimo dE modErnidadE, provocaram uma
vErdadEira rEvolução no cEnário da casa, contribuindo para a progrEssiva massificação
do ambiEntE. o primEiro ElEtrodoméstico a Entrar na casa brasilEira foi o fErro dE passar logo após o início do fornEcimEnto dE EnErgia
Elétrica para as rEsidências.
“Ele
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ria e
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36
comportamento
convencimentodasmulheresadefatoempregarem
oseletrodomésticosnasuarotina.Aspublicações
traziammatériassobreosnovosprodutos,comousar,
comoprepararalimentos,alémdereceitasculinárias.
Aindústriabrasileiradeeletrodomésticos,quese
desenvolvecommaisexpressãonadécadade1960,
empregaaindamaisessemecanismodedivulgação.
Poressesfatores,dinheiroeresistência,alguns
equipamentosdepadrõestecnológicosdistintos,
comoofogãoalenha,ofogãoelétricoeofogãogás
conviverampormuitosanos.Issoaconteceuporque
“todohábitoéestabelecidonointeriordealgum
padrão;temosmuitospadrõesconvivendoentresie
estesnãosãodefinitivos,alteram-sedetemposem
tempos”,apontaPavesi.
Diversidade, status e desenvolvimento
NoiníciodoséculoXX,apopularização
daeletricidademudouradicalmenteoambiente
residencial,passandoaseresteumlugarde
referênciaquantoàclassesocial,conferindostatus
àcomunidade.Acozinha,assimcomotodosos
cômodos,ganhounovosignificadoefunçãoparaas
famílias.Asalaganhougramofones,rádiose,depois,
televisores.Acasaganhouferrosdepassarelétricos
emáquinasdelavar,juntamentecomventiladores
deteto,refrigeradoresdearechuveiroselétricos.
Frutosdodesenvolvimentodaindústriaeletrotécnica,
oseletrodomésticostornaram-sesinônimode
modernidade,provocaramumaverdadeirarevolução
nocenáriodacasa,contribuindoparaaprogressiva
mecanizaçãodoambiente.
Oprimeiroeletrodomésticoaentrarnacasa
brasileirafoioferrodepassarlogoapósoiníciodo
fornecimentodeenergiaelétricaparaasresidências.
Antesdelesóailuminação.Mas,nesseperíodo,nas
duasprimeirasdécadasdoséculoXX,autilização
dessesequipamentoserarestritaelimitadaaalgumas
famílias,alternando-seaindacomosequipamentosa
gáseaquerosene.
Osnovosprodutoselétricosaindaeramcaros
eimportadosemesmoasdistribuidorasdeenergia
aindadescobriamformaseprocessosparaampliarsua
redeeprodução.OpesquisadorAlessandroBarghini
contaque,nesseperíodo,quandoaenergiaelétrica
erapraticamentelimitadaàiluminaçãoeosmedidores
elétricoseramgrandesecaros,ofaturamentoera
realizadoaumatarifafixa,pré-determinada,apartir
donúmerodelâmpadasquearesidênciatinha.
“Quandoodomicíliopossuíatambémferrodepassar,
eracobradaumataxaadicional”,conta.
Enquantoisso,ofogãoagásjáganhavaespaçona
cozinhabrasileira.Ageladeiraelétrica,quechegouao
paísnofinaldadécadade1920,demorouasefirmar
comoessencialnoslaresporserumequipamentocaro,
apesardemaiseficientedoqueamovidaaquerosene.
Antesdageladeiraaquerosene,essesequipamentos
eramsimplesarmáriosdemadeiraforradoscomardósia
oucortiçaemqueeramcolocadosblocosdegelo
fabricadosindustrialmenteparaconservarosalimentos.
OarquitetoeautordolivroCozinhasetc.,Carlos
Lemos,contaque,inicialmente,noséculoXIX,esse
geloeraimportadodosEstadosUnidos.Sónofinal
doséculoqueogelocomeçouaserdesenvolvido
artificialmentenoBrasil,semprecisardeáguaou
Antigas máquinas de lavar roupas manuais.
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37
Ganhandoocéu
Ele não é um eletrodoméstico, mas alterou como
poucos as residências atuais. O elevador elétrico
inaugurou o prédio moderno, com dezenas de andares
e inúmeros apartamentos. Quando o processo de
urbanização se acentuou e as pessoas começaram a se
concentrar em torno das cidades, o espaço se tornou
um bem valioso. Reunir centenas de pessoas, dezenas
de famílias, em áreas em que se concentrariam poucas
casas foi a solução de dimensionamento urbano. Assim,
o elevador trouxe a possibilidade de desenvolvimento
vertical.
Desde a antiguidade, elevadores rudimentares já eram
utilizados para transportar equipamentos e pessoas para
níveis acima do chão. Os primeiros registros são do Egito
antigo. Na época, eram equipamentos simples baseados
em alavancas, rodas e cordas, em geral, operados por
pessoas ou animais. Os elevadores, mais próximos de
como conhecemos hoje, surgiram na segunda metade do
século XIX.
Entre 1852 e 1854, o americano Elisha Graves Otis
inventou um dispositivo de segurança que impedia a
queda do elevador caso os cabos se rompessem. Em 1880,
o primeiro elevador elétrico foi desenvolvido pelo alemão
Ernst Werner von Siemens. Mas só anos mais tarde, esses
aparelhos começaram a ser aplicados em maior escala.
No Brasil eles chegaram no início do século XX.
A maioria dos registros aponta o ano de 1918 como a
data de início de fabricação de elevadores no país, mas
estes primeiros equipamentos de transporte ainda não
eram elétricos. Manuais, eles funcionavam à manivela,
girada por um cabineiro, que controlava a subida e a
descida. Com o desenvolvimento dos equipamentos e
da distribuição de energia, anos mais tarde, elevadores
elétricos começaram a ser utilizados no Brasil. Até os
anos 1930 eram empregados em pequena quantidade,
geralmente, em edifícios públicos. Após esse período,
foram empregados em prédios comerciais e residenciais.
A evolução da economia e o desenvolvimento
tecnológico, juntamente com o crescimento das cidades e
a construção de prédios cada vez mais altos, permitiram
que esses equipamentos se tornassem mais modernos
e eficientes, até conseguirmos chegar aos famosos
“arranha-céus”, prédios tão altos onde elevadores são
indispensáveis. Com inúmeros apartamentos concentrados
em um só lugar, a residência mudou de configuração. Os
eletrodomésticos e móveis se tornaram compactos e mais
práticos para caberem nos novos espaços de moradias e
acompanharem o dinamismo da vida moderna.
stoc
k.xc
hng
38
comportamento
refrigeração.Eleeraproduzidocomtrocadores
decaloraquerosene,usandoóleos,umprocesso
jábementendidonametadedoséculoXIX.Mas
essasgeladeirasrudimentaresforamrapidamente
substituídasporoutrasmaismodernas.
Emseguida,umasériedeoutrosequipamentos
começouaaparecer,comomáquinadelavar,
liquidificador,gramofone,rádio,batedeira,etc.O
chuveiroelétrico,porexemplo,foiumdosprodutos
lançadosnoperíodo.Apesardeexistiremregistrosde
duchasdeáguarudimentaresaindanaGréciaeRoma
antigas,essesequipamentossócomeçaramautilizar
eletricidadeeaparecermaiscomoquetemoshojeem
diaemcasahámenosde100anos.Ochuveiroelétrico
foiinventadonoBrasilaindanasprimeirasdécadasdo
séculopassadoesedifundiunopaísapartirdadécada
de1940.
NaprimeirametadedoséculoXX,diversos
equipamentoseletrodomésticosdesembarcaramno
Brasil,importadosouemumapequenaprodução
local,masoconsumodemassa,emgrandeescala,
dessesprodutossósedeuapósofimdaSegunda
GuerraMundial(1939-1945)e,maisfortemente,
nosanosde1950,comoenriquecimentoda
população,ofortalecimentodaurbanizaçãoe,
enfim,aindustrializaçãobrasileira,comapolítica
desenvolvimentistadogovernodeJuscelino
Kubitschek,entreosanos1956e1961.
Entreasdécadasde1930ede1960,profundas
mudançasforamsentidasnascasasbrasileiras,que
refletiamasmudançasqueasociedadepassava.
QuandoocapitalismoindustrialaportounoBrasil
emdefinitivo,apopulaçãoexperimentoualgo
inimaginávelséculos,atémesmodécadas,antes:
apossibilidadedemobilidadesocial.Ahierarquia
socialsemprefoiafirmadapelapossedebense,
nessemomento,amudançadeclassesocialpassa
aserrepresentadatambémpelopoderdeconsumo.
Porisso,PatríciaPavesidizque“amobilidade
socialétambématestadapelatrocadocarro,
compradeequipamentosdomésticosdeúltima
geração,etc.”.
Apartirdomomentoqueosequipamentos
elétricosentraramnacasadosbrasileiros,setornando
produtosdemassas,opaísexperimentouum
crescimentosignificativonoconsumoresidencial
dessaenergia.Paraseterumaidéia,em1970,quando
oBrasiltinha90milhõesdehabitantes,oconsumo
domiciliarerade8.365GWh,deacordocomdados
daEmpresadePesquisaEnergética(EPE).Poucomais
de30anosdepois,autilizaçãodaenergiaaumentou
maisdedezvezes.Em2007,oconsumoerade90.881
GWhnopaísquejátinhamaisde180milhõesde
habitantes.
Cozinha elétrica
Acozinhaelétricasóseconsolidounadécada
de1980,noBrasil,comofornomicroondas.
Oequipamento,muitoligadoaocongelador,
revolucionouaformadecozinharearelaçãoque
oindivíduoestabelececomacozinha.Criadoem
1946,nosEstadosUnidos,osaparelhosmicroondas
chegaramaoBrasil,poucosanosdepois,muito
caroseinacessíveisàrealidadedapopulação.Além
dareduçãodopreço,paraqueeleseconsolidasse,
doisoutrosfatoresforamdeterminantes:o
desenvolvimentodeumaindústriadealimentos
congeladosedeaparelhosrefrigeradores,nãosó
paraascasas,mastambémparaovarejo.
Barghinicontaqueaprimeiratentativade
estabelecimentodaindústriadecongeladosno
Brasil,deolhonomercadodeusuáriosdeforno
microondas,aconteceunocomeçodadécadade
1970,quefaliumenosdedezanosdepois.Isso
sedeuporque,segundoele,paraeconomizar,
ossupermercadosdesligavamànoiteos
aparelhosconsumidoresdeenergia,inclusiveos
congeladores.Comisso,osprodutosquedeveria
sermantidoscongeladosestragavam,ficando,
portanto,inapropriadosparaconsumo.Houve
umanovatentativanadécadaseguinte,masessa
indústriasóseestabeleceunosanos1990,coma
melhoradarededefrios.
39
foGõesbrasileiros
Nesseperíodo,nofinaldoséculopassado,o
preçodosfornosmicroondasjátinhareduzido,
aclassemédiaestavacrescendoeosprodutos
congeladosganharamespaço,contribuindoparaa
difusãodoscongeladores.
Apopularizaçãodoaparelhomicroondas,ede
umasériedeoutroscomponentesquepermitem
umavidadomésticamaisprática,também
estárelacionadaànovaformadeorganização
familiar.Nadécadade1970,apopulaçãourbana
ultrapassouarural,amulherseinseriucadavez
maisnomercadodetrabalho,osnovosprodutos
tinhamqueoferecerasideiasdeindependência
epraticidadeparaatingiressenovomercado
quecomeçaaseformar:depessoas,emespecial
mulheres,semtantotempoparapreparar
complexasrefeiçõesparaafamília,paralimpar
acasa,paralavarasroupas,etc.Nessaépoca
aconteceoboomdaindústriadeeletrodomésticos.
Aparelhoseletrodomésticospassarama
fazerpartedodia-a-diadepraticamentetodas
aspessoas,independentementedeclassesocial,
paraajudarnosafazeresdomésticos,para
entretenimento,decoração,beleza,conforto,etc.
Emmaioroumenormedida,aeletricidadeestá
empraticamentetodososaparelhoscomquenos
relacionamosdiariamentenolar.Comainserção
daeletrônicanessesequipamentos,elespassaram
atercadavezmaisvaloragregadoeaapresentar
novasfunçõesalémdastradicionais.Hoje,vivendo
emumaépocadeobsolescênciaprogramada
dosequipamentos,oshábitosdeconsumose
acentuaramembuscadomaismodernoemais
novo,mesmosemnecessariamenteprecisarser
renovado.
Nesses mais de cinco séculos de história do Brasil, os fogões brasileiros talvez
tenham sido os equipamentos que mais representaram as alterações sofridas na
sociedade, nos seus hábitos e costumes. O historiador João Luiz Máximo da Silva
enumerou uma lista de fogões (ou precursores) que fizeram ou ainda fazem parte da
vida dos brasileiros. Muitos deles, entretanto, já eram considerados ultrapassados no
começo do século XX.
Antes de chegarmos ao fogão elétrico, os primeiros, que tinham influência nos
hábitos indígenas, não passavam de três pedras colocadas no chão, com o fogo
aceso no meio, sobre o qual se apoiava uma cunha ou caldeirão onde se preparava a
comida. Essas três pedras eram chamadas de trempe. A evolução desse mecanismo
deu origem ao primeiro fogão da lista de João Luiz, o fogão de trempe, “tripé de
ferro que serve como suporte para panelas sobre fogo aceso no chão”.
Depois, fogões fixos, feitos de barro, pedra ou tijolo começaram a ser
construídos. Neles existia uma cavidade funda na horizontal para a fornalha,
movida à lenha. As bocas, sobre as quais iam as panelas, ficavam na parte superior.
O livro relata ainda a existência da “lata de querosene (fogão improvisado, usado
em cortiços); o fogão de alvenaria revestido de azulejos e com uso de lenha; o fogão
“econômico” (feito de ferro fundido, com uso de lenha, carvão vegetal ou coque); o
fogão de ferro com uso de querosene; o fogão de ferro a gás; os hotplates (pequenos
fogões, em geral com um ou dois queimadores, a gás ou eletricidade); e o fogareiro a
álcool, querosene ou gasolina, em geral com um ou dois queimadores”.
Nos países mais desenvolvidos, entretanto, ao contrário do Brasil, o modelo
que venceu como padrão de consumo residencial foi o do fogão elétrico, que torna a
atividade de cozinhar mais limpa e prática, porque não precisa comprar ou trocar
botija, comum ainda em muitas residências brasileiras. O engenheiro e historiador
Gildo Santos conta que “a oferta abundante de eletricidade nesses países torna o
preço de compra e de uso do fogão elétrico suficientemente barato para mais essa
comodidade. Enquanto nós, no Brasil, nem fazemos essa discussão”.
Pesquisa • Cozinha modelo: o impacto do gás e da eletricidade na casa paulistana (1870-1930)JoãoLuizMáximodaSilva,Ed.Edusp.• Cozinhas etc.CarlosLemos,Ed.Perspectiva.• Eletrodomésticos: origens, história e design no BrasilClaudioLammasdeFarias,EduardoAyrosa,GabrielCarvalho,JoséAbramovitzeSilviaFraiha,Ed.Fraiha.
Fogão de ferro movido a lenha
stock
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40
nacionalismo Por Bruno D’Angelo
A LUTA PELO URÂNIONa tentativa de
desenvolver a energia
nuclear, o Brasil quis
dominar o ciclo
de produção do
urânio enriquecido.
Finalmente conseguiu,
mas, para que isso
ocorresse, muitos
obstáculos tiverem de
ser superados
Aenergiaeletronuclearéumassunto
controverso.Naatualidade,suautilizaçãocomo
fonteenergéticaalternativaévistacomreservapor
quasetodosospaísesdomundo,mesmoaqueles
quejáaempregaramemdemasia,comoFrança,
Alemanha,InglaterraeEstadosUnidos.Istose
deve,emgrandeparte,poracidentesocorridos,no
passado,emusinasnucleares,comooocorridoem
Chernobyl,naUcrânia.Taisfatos,emconjuntocom
aspressõesambientais,suscitamasperguntas:para
ondevãoosdejetosnucleares?Ecomoevitarque
novosacidentesaconteçam?
Nãoobstanteasdiscussõesarespeitodo
assunto–demodogeral,governantessecolocam
afavor,ambientalistasseposicionamcontrae
especialistasdividemsuasopiniões–,aenergia
eletronuclear,comparativamenteaoutrasfontes
energéticas,possuidesempenhostécnicosmais
significativos.Porexemplo:umausinanuclear
precisademenosmateriaisporKWhparaser
construídadoqueusinasdeenergiasolareeólica.
Aocontráriodecombustíveisfósseis,comocarvão,
petróleoegás,elaproduzpequenaquantidadede
rejeitosenãoCO2.Alémdisso,nãoprecisa,como
ashidrelétricas,deextensosreservatórios,oque,
teoricamente,diminuiriaapressãoambientalsobre
osempreendimentos.
Todosessesfatores,aparentementefavoráveis,
fazemdaenergianuclearumafonteatrativapara
opaíse,porisso,novosinvestimentosporpartedo
GovernoFederalforamfeitos:AngraIII,paradahá
maisde20anos,deveserfinalizadaemaisalgumas
usinasdevemserimplantadasnessaretomada.
Entretanto,nemsempresepensoudessejeitoea
rejeiçãoaindaégrande,principalmentenotocante
aosdejetosradioativos.
Comgrandesreservasdominériourânio,
matéria-primanecessáriaparaaproduçãode
energianuclear,oBrasilpercebeu,desdecedo,o
grandepotencialdessetipodefonteenergéticae
passouainvestirnele.Aprimeirainiciativaveio
logoapósotérminodaSegundaGuerraMundial
Foto
s: V
alte
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pana
to/A
br
Maquete do recipiente onde será instalado o reator nuclear que a Marinha Brasileira
pretende desenvolver com o intuito de produzir combustível a ser utilizado na produção de energia elétrica e no
funcionamento dos submarinos.
41
comoAlmiranteÁlvaroAlbertodaMottaSilva,
quefezdetudoparaincentivarosinvestimentos
emenergianuclearnopaís.Contudo,diversos
fatores,principalmente,aresistênciaestrangeirae
odivulgadoperigodaradioatividadefizeramcom
queaproduçãodoenriquecimentodeurânionão
progredissenopaísecomqueoprojetonuclear
brasileiropraticamentedesaparecesse.
O enriquecimento do urânio
Ocomeçodoprojetonuclearbrasileirotomou
corpoduranteaditaduramilitare,praticamente,
extinguiu-sealgunsanosmaistardenaesteira
doprocessoderedemocratização.Apósinúmeras
tentativasdeestabelecernoPaísumaformade
produziroenriquecimentodeurânioparageração
deenergia,pormeiodeimportaçãodetecnologia,
oBrasildecidiujuntaresforçosnocampo
científicoparadesenvolversuaprópriamaneirade
enriquecerominério.
Noqueserefereàimportaçãodetecnologia,o
casomaisfamosoequegeroumaisfrustraçãofoi
oacordorealizadocomaAlemanha,naqualesta
venderiaaoBrasiltecnologiaparaconstruçãode
umausinanucleareummétododeenriquecimento
dourâniochamado“jet-nozzle”,queaindaestava
emfasededesenvolvimentoeeraconsideradode
altíssimoníveltecnológico.
Oacordopareciaserbomparaambasas
partes:oBrasilteriaotãosonhadocontrole
daproduçãodeurânioeaAlemanha,quenão
tinhapermissãodacomunidadeinternacional
pararealizarpesquisasnessaárea,poderiausaro
Brasilparafazerisso.Comtalobjetivo,investiu-
semaciçamentenainstalaçãodelaboratórios,
emsolonacional,nacompradeequipamentos
enotreinamentodeprofissionais.Quandose
descobriu,poucotempodepois,queatecnologia
alemãeraimpraticávelporseraltamente
complexaeinútilparaosobjetivosbrasileiros,
viu-sequeoacordonãohaviaservidopara
muitacoisaequeopaísnãotinhaavançadoum
passosequerrumoaodomíniodatecnologiade
enriquecimentodeurânio.
TalfracassofezcomqueoGoverno,por
voltade1979,partisseparaoplanob,ochamado
ProgramaParalelo,queconsistiaemdesenvolver
porsipróprioatecnologiaqueantesera
importada.Porisso,sobocomandodaMarinha
brasileira,iniciou-seoProgramaNuclearda
Marinha,cujametaera,finalmente,arrumarmeios
decomodominaroprocessodeenriquecimento
dourânio,nãopelosistemaalemãojet-nozzle,
maspelométodolargamenteempregadoem
outrospaísesequejávinhadandoresultados,a
ultracentrifugação.
OpreçopagopeloBrasilaoconsórcio
europeuUrenco–constituídopelaAlemanha,
HolandaeInglaterra–paraoprocessode
enriquecimentodeurânioerabemelevado,oque
levouopaísainvestiremoutrosmeios.Como
sucessodaMarinha,conseguiu-seentãoquebrar
ocicloclássicodedependência,istoé,vendera
matéria-primaabaixocustoeemseguidapagar
altospreçospeloprodutotrabalhado.Estefoium
acontecimentoraroetemidopelospaísesmais
fortes.
Oprojetobrasileiroerasecretoe,por
isso,estavaisentodefiscalizaçãodeagências
internacionais.Talliberdadeparacriardeu
certoe,em1982,oProgramajáapresentava
resultados,comaMarinhaanunciandoa
construçãodaprimeiraultracentrífugacapaz
deefetuaraseparaçãoisotópicadourânio,ou
seja,realizaroprocessodeenriquecimento.
Dessaforma,em1986,oprojetofoiinstituído
e,emconjuntocomaUniversidadedeSão
Paulo(USP),aMarinhaestabeleceuoCentro
ExperimentalAramar,emIperó,nointerior
deSãoPaulo.Em1988eraentãoinaugurada
aprimeiracascatadeultracentrífugas,que
possibilitavaaproduçãocontínuadeurânio
enriquecido.
Com grandes reservas do minério urânio, matéria-prima necessária para a produção de energia nuclear, o Brasil percebeu, desde cedo, o grande potencial desse tipo de fonte energética e passou a investir nele. A primeira iniciativa veio logo após o término da Segunda Guerra Mundial.
42
Não queremos a “bomba”
Osobjetivosestavamsendocumpridos,
masostemposdeguerraaindaserefletiamno
comportamentodaspessoas.Assustada,aopinião
pública,pormeiodaimprensa,buscavasabermaisa
respeitodoprogramanuclearlideradopelaMarinha
brasileira,atrelando-oàconfecçãodearmasnucleares.
Defato,ocontroledatecnologiadeenriquecimento
possuíaumviésmilitar,afinaldecontas,estavasendo
lideradopelaMarinha,mas,segundoela,semointuito
deproduzirbombasnucleares.
Narealidade,oprojetovisavatambémà
construçãodereatoresnuclearesaseremutilizadosem
submarinos.Estatecnologia,emboratenhaomesmo
princípiofuncional,ouseja,degerarenergia,era,
estrategicamente,muitoimportanteparaaMarinha
porqueumsubmarinonuclear,aocontráriodo
convencional,consegueoperarmuitomaistemposem
precisardaatmosfera.
Alémdisso,comoargumentaoengenheiro
civilemestreemenergianuclear,Joaquim
Carvalho,éválidoqueaMarinhaBrasileirautilize
osinstrumentosmaismodernoseeficientesque
seconheceparacontrolarosmaisdeoitomil
quilômetrosdecostaatlânticaeomarterritorialdo
país.E,segundoele,ossubmarinosdepropulsão
nuclearsãoosmeioscorretosparaexercertal
controleporqueapresentamraiodeaçãoe
autonomiaadequadasparaessatarefa.
Ocertoéque,porcausadainterdependência
entreoProjetoNucleardaMarinhaeosubmarino,
oBrasilamarrou,acidentalmenteounão,aimagem
deseuprogramadeenriquecimentodeurânioà
produçãodeuma“bombanuclear”.Outrosfatores
tambémcontribuíram,ebastante,paraquetal
imagemfossefixadanoinconscientedapopulação
e,duranteoperíododetransiçãodemocrática,
marcadopelosgovernosdeJoséSarneyeFernando
CollordeMello,asverbasdestinadasaoProjeto
NucleardaMarinhaforampaulatinamentecortadas
eosesforçosdescontinuados.
Dessaforma,aMarinhapassouaarcar
nacionalismo
O Centro Experimental de Aramar foi inaugurado em 1986 e pode ser considerado o primeiro passo brasileiro rumo ao controle da produção de urânio enriquecido
Instalações da unidade piloto Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), onde será feita a conversão em escala industrial do urânio “yellow-cake” (pó amarelo) em um gás, o hexafluoreto de urânio (UF6).
43
eobrasildescobriuaenerGianuclear
Foi após o término da Segunda Guerra
Mundial que o Brasil passou a pensar mais
seriamente em utilizar energia nuclear para
geração de eletricidade. Segundo o engenheiro
eletrônico, historiador e professor da Universidade
São Paulo (USP), Gildo Magalhães, já havia aqui
um solo preparado para que isso acontecesse desde
a década de 1930, quando professores vindos
da Europa implantaram um núcleo que formou
a Seção de Física da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São
Paulo (USP). Esta seção, mais tarde, daria origem
ao atual Instituto de Física da USP. Há também
estudos realizados em 1944 que já esboçavam as
primeiras teorias das forças nucleares.
A iniciativa pós-guerra foi liderada pelo
Almirante Álvaro Alberto da Motta Silva, cujo
maior mérito foi a tentativa de impedir que
os Estados Unidos conseguissem o controle de
propriedade das reservas mundiais de tório e
urânio, bem como o monopólio sobre a tecnologia
e os materiais nucleares no mundo ocidental.
Ao invés de um plano liderado pelos Estados
Unidos, que propunha a criação de uma agência
internacional para controle das atividades
relacionadas à energia nuclear, o almirante
brasileiro sugeriu, em 1946, um acordo entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos, no qual
estes entrariam com a matéria-prima e aqueles
com a tecnologia, que, prioritariamente, deveria ser
aplicada no território fornecedor da matéria.
O acordo, porém, não deu tão certo quanto o
almirante esperava, devido a irregularidades na
transação, já que os Estados Unidos importavam
mais matéria-prima do que a listada pelo
Brasil. Mesmo assim, as exportações de minério
continuaram até 1951, quando o almirante
Álvaro Alberto, agora presidente do recém criado
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), propôs
uma lei que proibisse a exportação. Foi uma
medida nacionalista, cujo intuito era salvaguardar
as reservas brasileiras de tório e urânio contra a
espoliação estrangeira. Poderia haver transações
com os Estados Unidos desde que fossem termos
justos para cada um dos participantes.
O resultado dessa queda de braço foi
previsível. O CNPq e o almirante perderam seu
poder sobre as transações dos minérios e os norte-
americanos puderam continuar
a importação de urânio e tório
brasileiros. Tanto puderam que,
em 1952, eles já importavam de
uma só vez todo o tório que havia
sido estipulado em dois anos de
contrato. Mas por que o Brasil
cedeu aos Estados Unidos com
tanta facilidade? Por pressão.
Eles queriam que a força militar
brasileira enviasse homens para
a Guerra da Coréia e a forma
encontrada pelo governo para
evitar isso foi liberar a exportação
de minério novamente aos norte-
americanos.
Diante dessa situação
desfavorável, Álvaro Alberto,
preocupado em fortalecer seu
país, partiu a caça de novos
parceiros. Fez contatos com França
e Alemanha onde até conseguiu
realizar alguns acordos para a
importação de equipamentos de
centrifugação para enriquecimento
de urânio. Na Alemanha,
contudo, os equipamentos foram
interceptados por militares no
momento do embarque para o
Brasil. Os motivos foram políticos
e tiveram a influência dos Estados
Unidos.
Os norte-americanos tentaram,
logo depois, diante da insistência
brasileira, efetuar uma contra-
oferta que lhes fosse favorável. O
almirante, mais uma vez, pediu como
pagamento pela matéria-prima usinas
de enriquecimento, uma fábrica de
produção de hexafluoreto de urânio
e reatores de pesquisa. Sua proposta
foi rechaçada e, em 1955, ele foi
exonerado de seu cargo no CNPq.
O Brasil ainda realizou acordos com os Estados Unidos, por meio dos quais recebia
em troca pelo minério urânio enriquecido e permitia que suas reservas de urânio fossem
pesquisadas e avaliadas. Nada, como se viu, parecido com o que desejava o Almirante Álvaro
Alberto. Dessa maneira, terminou o início da aventura brasileira com a energia nuclear:
explorado, mas com o sonho ainda bem vivo.
44
nacionalismo
partedaAIEA.Issoseapresentavacomoumproblema
porqueoTratadodeNão-Proliferaçãopreviavistorias
semavisoprévio.
Foinoticiado,também,que,defato,oBrasilestava
proibindoqualquertipodeinspeçãoquepretendesse
serrealizadopelaagênciafiscalizadora,levantando,
dessemodo,suspeitasarespeitodequalseriao
verdadeiroobjetivodafábricadeurânioenriquecido
brasileiro,ouseja,dequeelairiaproduzircombustível
paraarmasnuclearesenãoparafinspacíficos.O
Governobrasileiro,obviamente,negouoocorrido,
assegurandoquecumpriaoacordofirmadoequeera
umabsurdopensarqueelepudessedesrespeitá-lo.
Oquedefatoocorreufoiumadivergência
referenteaostermosdavistoriaasercumpridapela
AIEA.Estaexigiaacessoirrestritoàsinstalações
dafábricabrasileiradeenriquecimentodeurânio,
sofrendoresistênciadaINB,quenãopretendiapermitir
oacessodosinspetoresàsmáquinasdecentrifugação,
principaisresponsáveispelaespecificidadedourânio
enriquecidobrasileiro.
Contudo,semsaberaforma,omaterialeas
dimensõesdascentrífugas,aAIEAconsiderava
impossívelafirmaracapacidadedeproduçãoda
fábrica.AComissãoNacionaldeEnergiaNuclear
(CNEN),quefiscalizaecontrolaasatividades
brasileirasnocamponuclear,emnomedoGoverno
Federal,manteveaposiçãodenãomostraros
equipamentos,inclusive,encobrindoaáreadas
centrífugascompainéiseevitandoquecâmerasda
agênciafossemcolocadasnolocalondeestavamas
máquinas.
Aexplicaçãobrasileiraparatalatitudefoiproteção
àtecnologianacional.Defato,oBrasilanunciouque
estavaproduzindoumatecnologia,consideradapelo
própriopaís,inovadoraecomumcustomenordoque
otidopelosdemaispaísesquetambémdominamo
processodeenriquecimentodeurânio.Ascentrífugas
brasileirassãodispostasemcascataserodamsemeixo,
sustentadasporcamposeletromagnéticos.
Sobreisso,oengenheiroeletrônico,historiador
eprofessordaUniversidadeSãoPaulo(USP),Gildo
praticamentesozinhacomoscustosdoprojeto,
recebendoreduzidaverbadeoutrasáreasdo
GovernoFederal.Diantedonovocenário,como
elamesmainforma,viu-seobrigadaadeixarseu
programanuclear,nosúltimosanos,em“estado
vegetativo”,objetivando,comtalatitude,não
perderasconquistastecnológicasobtidasaté
aquelemomento,sobretudo,noquediziarespeitoà
capacitaçãotécnicadosprofissionaisadquiridapor
meiodeintensivostreinamentos.
Mesmocombaixoaportedeverbas,aMarinha,
emconjuntocomaUniversidadedeSãoPaulo
(USP),pormeiodoCentroExperimentaldeAramar,
conseguiudesenvolveraindamaisatecnologiade
ultracentrifugaçãoevendeualgunsequipamentospara
asIndústriasNuclearesdoBrasil(INB)doGoverno
Federal,comoobjetivodestapassaraproduzir
urânioenriquecidoemlargaescalae,assim,abastecer
asusinasdeAngraIeIIindependentementede
importaçõesparaisso.
“Top Secret”
Em2003,oBrasilanunciouqueumafábrica,
localizadanacidadedeRezende(RJ),seriaa
responsávelpelaproduçãoemlargaescaladeurânio
enriquecido.Noentanto,paraqueaplantafabril
pudesseoperar,eranecessáriaaaprovaçãodaAgência
InternacionaldeEnergiaAtômica(AIEA),instrumento
fiscalizadorligadoàOrganizaçãodasNaçõesUnidas
(ONU),cujoobjetivoézelarpelapazmundiale
evitarqueconstruçõesdessetipoincorramemarmas
nuclearesapartirdeurânioenriquecido.
Atéaquelemomento,tudoestavadentrodo
protocolo,afinaldecontas,oBrasilhaviaassinado,
em1997,oTratadodeNão-ProliferaçãodeArmas
NuclearesdaONUeseria,nomínimo,imprudente
negaravisitadaagênciafiscalizadora.Aquestãose
tornouumpoucomaiscomplexadoqueogoverno
brasileiroqueriagraçasreportagensveiculadapor
jornaisnorte-americanosnasquaisinformavamque
oBrasilnãoqueriapermitirvistoriassurpresaspor
O Brasil anunciou que estava produzindo uma tecnologia considerada pelo próprio país inovadora e com custo menor do que o tido pelos demais países que também dominam o processo de enriquecimento de urânio. A AIEA veio aqui para saber como nós, com muito menos dinheiro, conseguimos fazer uma coisa que para eles custou tanto
45
Magalhães,acreditaseresteoverdadeiromotivo
paraqueainspeçãonafábricadeRezendelevantasse
tantassuspeitas.“AAIEAveioaquiparasabercomo
nós,commuitomenosdinheiro,conseguimosfazer
umacoisaqueparaelescustoutanto”,diz.Deacordo
comele,estavaemjogoumaquestãogeopolítica.“O
maiormedoqueelestinhaméquedefatoagente
desenvolvaalgoquecoloqueemriscoasupremacia
deles”,complementa,referindo-seaocontroledo
enriquecimentodeurânio.
Sejamestasasverdadeirasrazõesdetalvisita
ounão,ocorretoéqueoBrasilnãopermitiu
aosinspetoresavisualizaçãodasmáquinasde
ultracentrifugação,masfezalgumasconcessões,
deixandoquetubos,válvulaseconexõesdaplanta
deResendefossemvistosemmaiorquantidade.
Atrocadefavoresfuncionoue,apósvisitas
nocomeçoenofinalde2004,aindústriade
ResenderecebeuaprovaçãodaAIEAparaoseu
funcionamento.
Odesfechofeliznãoapagou,entretanto,
fatosconstrangedoresqueaconteceramnessas
passagensdaagênciafiscalizadorapelopaís,por
causadospainéiscolocadospelaINBparaimpedir
avisualizaçãodascentrífugas.Emumadasvisitas,
ummembrodaAIEAtentouadivinharquantas
centrífugashaviaaliapartirdastubulaçõesque
ligavamasmáquinaseapareciamacimadospainéis.
Emoutrasituaçãoainda,umfiscalseatirounochão
paratentarenxergaralgumacoisapelasfrestasdos
painéisdemadeira.
Atualmente,aplantalocalizadaemResendejá
operacomduascentrífugaseametaédequeaté2012
afábricaconsigaproduzirtodoourânioenriquecido
queausinanuclearAngraInecessitee20%dourânio
demandadoporAngraII.Atéláserãodezcascatas
montadasemquatromódulospararealizaroprocesso
deultracentrifugaçãonecessário.
Pesquisa• Energia nuclear JonathanTennenbaum,Ed.CapaxDei• O fogo dos deusesGuilhermeCamargo,Ed.Contraponto
Cascatas de ultracentrífugas desenvolvidas pela Marinha para o enriquecimento contínuo de urânio. As Indústrias Nucleares do Brasil (INB) adquiriram modelo semelhante, em 2005.
o brasil não pErmitiu aos inspEtorEs a visualização das máquinas dE
ultracEntrifugação, mas fEz algumas concEssõEs, dEixando quE tubos, válvulas E conExõEs da planta dE
rEsEndE fossEm vistoriados.
46
REDES SUBTERRÂNEAS NO BRASIL
sob um olhar Por Claudio Gillet Soares
Muito trabalho e a constante busca pela técnica fizeram com que o Brasil estivesse alinhado ao desenvolvimento da eletrificação subterrânea no mundo.
Nosúltimos85anos,efetivamente,muitacoisa
mudounomundo,especialmente,notocanteaosetor
elétricobrasileiro.Aeletricidadeaplicadaganhou
dimensõesextraordinárias,asredeselétricasvêm
alcançandorapidamenteasregiõesmaisisoladas
destepaíseossistemasdegeração,distribuiçãoe
transmissãodeenergiaevoluíramveementemente.
Olhandoparatrás,possoorgulhosamenteafirmar
quedeiaminhacontribuiçãoparaoprocessode
construçãoeconsolidaçãodessainfraestrutura,queé
hojeessencialparamilhõesdebrasileiros.
Aindacriança,noEstadodoPará,ondenasci,
haviaumausinageradoraavapor,quetodatarde,às
18hemponto,tocavaumapito,queressoavapelos
arredores,informandoohorário.Lembrodaprimeira
vezquemeatenteiaessesonidoeperguntei,todo
assustado,àminhamãeoqueera.Porvoltadosanos
1940,aenergiaelétricaaindaeraalgoincipientee
falho,alémdisso,aspessoasacordavammuitocedo
paraaproveitarmaisodia.Haviamuitoaindaaser
feito.
Nessetempo,aslinhaselétricasse
sobrecarregavame,nãoraramente,ondesedeviater
tensãode120V,nãosealcançavam80V.Velaseram
rotineiramenteacendidasparaajudarailuminação
elétricaporqueatensãonãochegavacom“força”
47
suficienteparaacenderaslâmpadas.
Aproximando-sedotempodedecidirporuma
faculdade,concluíquequeriaserengenheiropara
melhorarascoisasporlá.Assim,contrarieiosonho
domeupaiquemequeriamédicoeconseguiuma
autorizaçãoparapassardosegundoanodocurso
pré-médicoparaosegundopré-politécnico.Passei
entãoaestudaroitohoraspordia.Chegueiafazer
umescritório,noporãodecasa,paraestudarfísica
ematemáticaeofazia,mesmonoescuro.Depois
dosegundoanodafaculdademetransferiparaSão
Pauloparaterminarocursodeengenhariaelétricae
poraquifiquei.
Terminadaafaculdade,játiveempregogarantido
naLight.Euemais15engenheirosfomosaceitosna
concessionáriaeláfizemosumestágiodenovemeses
deduração.Depoisdisso,mesmosemquerer,fui
pararnaáreadedistribuiçãodeenergia,segmentoem
quemeespecializeiefoqueiminhavidaprofissional.
Nós,os16engenheiros,observamos,na
época,queasfunçõeseasatividadesnaLight
eramdesenvolvidasporpraxe.Nãosecostumava
questionaroporquêascoisaseramfeitasdaquele
modo,simplesmenteeramfeitasassim.Os
profissionaisdeentãotinhamexperiência,mas
nãotinhamtécnica.Aindaerampoucostécnicos
brasileirosatuantes.
Tornei-meoprimeirochefededepartamentoda
áreadedistribuição,assimcomooengenheiroHilton
Puertas,naLightdoRiodeJaneiro.Foramestesos
primeiroscargosdecomandonoBrasilnaáreade
distribuiçãodeenergia.
Nessetempo,adistribuiçãoeramaisabrangente
porqueseenvolviacomestaçõestransformadoras
distribuidoras,subtransmissãoeoutrosassuntos,
participandodegruposdetrabalhoededecisões
técnicas.Estivemosenvolvidostambémcomoensino
etreinamentodepessoal:trabalhadoresbraçais,
feitores,técnicoseengenheiros.
Redes subterrâneas
Grandepartedomeutrabalhoprofissionalesteve
diretamenteenvolvidacomaimplantaçãodesistemas
subterrâneosdetransmissãoededistribuiçãode
energia.Durantequasetrêsdécadas,ouseja,de
1950a1970,participamosdoprocessodeevolução
48
sob um olhar
dasredessubterrâneasnacidadedeSãoPaulo.
Evidentementequeahistóriacomeçoubemantesde
termosnascidoe‘crescido’emengenhariaelétrica.
AhistóriadosistemasubterrâneodeSão
Paulocomeçouem1902comaconstruçãodetrês
câmarastransformadorasalimentadasporcircuitos
primáriosradiaissobtensãode2,2kV;em1926
havia19câmarastransformadorasquepassaram
aseralimentadassob3,8kV;em1931,existiam
41comcapacidadetotalde12.300kVA;em1951,
quandoosistemaevoluiupara40milkVA,atensão
passouasermudadagradativamentepara20kV.
Essafoiatensãoeleitaparaaproveitaroscabos
desubtransmissãoqueinterligavamasestações
transformadorasdedistribuiçãoPaulaSouzae
Helvécia.
Nessaocasião,éramosresponsáveispelo
planejamentoeprojetodossistemassubterrâneoe
aéreo.Emseguida,maisquatroreticuladosforam
instalados:umem1960,outroem1972edois
em1973.Convémexplicarqueossistemaseram
dotiporeticulado,chamadosde“network”,por
seremsemelhantesaossistemassubterrâneosdas
grandescidadesamericanaseeuropeias,designados
“Undergroundnetworkdistributionsystems”.
Seguíamos,dentrodenossaspossibilidades,os
padrõesamericanos.Em1973,haviaseissistemas,
umsob3,8kVecincosob20kV,comcapacidade
totalde270MVA,cobrindoumaáreade3,6km²,do
perímetrocentral,comdensidadesdecargavariando
de15MVA/km²a60MVA/km².
Antesdedescreveraevoluçãodosequipamentos
utilizados,éinteressantecomentaroprogressodo
atendimentoaosgrandesconsumidores.Noinício,
umdosmaioresprédiosdacidade,oedifíciodo
BancodoEstadodeSãoPaulo,localizadonaPraça
AntônioPrado,demandava600kVAdeenergia.Este
etodosoutrosprédiosdaépocaeramligadosem
baixatensão.Maistarde,novosarranha-céusforam
criadose,cadavezmaisaltos,passaramaexigirmais
demandaenergética.Passamosaligaralgunsdelesa
partirdebarramentosemanel,emseguida,utilizamos
“reticuladorestrito”(spotnetwork).Ligamosalgumas
câmarastransformadorasnointeriordealguns
prédios:projetoespecial,comestruturareforçada,
tolerávelaexplosõeseresfriamentonatural.
Maistarde,nasceramosshoppingcenters,com
demandaselevadas(superioresa4MVA).Cadacaso
foiumcaso.Oprimeiroconstruiusuaprópriaestação
transformadoraefoiligadoa34,5kV,comsistema
seletivopordoiscircuitos,umnormaleoutroreserva.
Dessamaneira,quandodispúnhamosdesistemade
20kVnasproximidades,dávamospreferênciapara
essatensão,comoocasodaAvenidaPaulista.
Oscircuitosprimáriosforaminicialmenteaéreos,
emseguida,subterrâneosoumistos.Essasligações,
quepareciamnovidades,tornaram-se,comotempo,
absolutamentenormais.
Muitosprédiostêmseuprópriosistemade
emergênciaparaacargaessencialepoucoso
possuemparaacargatotal.Asequênciaé:ligação
normalpelocircuitopreferencial;emcasodefalha,
transferênciaparaocircuitodereservae,finalmente,
nocasorarodefalhassimultâneasnosdoiscircuitos,
hátransferênciaparaageraçãodeemergênciado
consumidor;todasautomáticas.Algunsdessescasos
jápodemirparaahistória,poisestãooperando
assimporduasoutrêsdécadas.Éimportantelembrar
queessasligaçõesforambaseadasempráticas
internacionais,principalmentedascidadesdeNova
York,Chicago,Detroit,FiladelfiaeSãoFrancisco,
nosEstadosUnidos,Toronto(Canadá),Paris(França),
o crEscimEnto acElErado da dEmanda dE EnErgia Elétrica nas cidadEs brasilEiras rEquEr, cada vEz
mais, a instalação dE linhas subtErrânEas dE transmissão E a tEcnologia dEsEnvolvida para a fabricação dE cabos a ólEo rEprEsEntou um
progrEsso na utilização dEssas linhas subtErrânEas.
49
Berlim(Alemanha)eEstocolmo(Suécia).
Valeapenaenfatizaroentrosamentoqueos
engenheirosdasconcessionáriasmantinhamentresi,
juntamentecomoscongêneresdoexterior,poisfoi
possívelparticipardaengenhariadeinstalaçõesdo
RiodeJaneiro–aliás,éramosdaLight(SãoPaulo/
SP),daCEEE(PortoAlegre/RS),daCoelba(Salvador/
BA),daCEB(Brasília/DF)edaCelpe(Recife/PE).
Dessaforma,ossistemasdascidadesdoRiode
JaneiroedeSãoPaulo,ligeiramentediferentesem
concepçãoeoperação,serviramdebaseparaoutros
queforammaistardeinstalados.
Infelizmente,tivemosdelamentaroscasosde
explosõesacidentaisqueocorreramnarede,apesar
detodocuidadoquetínhamoscomsegurança.Como
algunsaconteceramdurantenossaatividade,primeiro
tivemosdeanalisá-losparaencontrarascausase
evitarsuarepetição.
Umaindagaçãoquefica,entretanto,éporque,
afinal,nãoforaminstaladossistemasresidenciais
subterrâneosemSãoPaulo?Recebemosdiversas
propostasdefazê-los,masnãofoipossíveldevido
aoselevadosinvestimentosnecessários,oque,
certamente,onerariatodososconsumidoresdaLight,
concessionáriaatuantenacidade.Ofatoéque,
apósalgumastentativasdelevaroprojetoadiante,
nenhumdelesefetivamenteaconteceuporque
asimobiliáriasnãoassumiramocompromisso.
Estávamosapoiadosnosistemadedistribuição
subterrânearesidencial(originalmente,Underground
ResidentialDistribution–URD),masnãopoderíamos
seguirsuaexperiênciapelaimpossibilidadede
importarosmateriaisnecessáriose,dequalquer
forma,nãohaviainteressefinanceiroporpartedas
indústriaslocaisemfabricá-los.
Diferentementedestequadro,osEstadosUnidos
Diagrama dos sistemas elétricos de 230 kV e 345 kV
jácontavamcomproduçãodetransformadores
instaladossobrebasesdeconcreto(padmounted),
cabosdealumínioisoladoscomXLPEdiretamente
enterrados,caixasdepassagemmetálicasenterradas,
semi-enterradasousobrebasesdeconcreto,plugues
especiaisparaconectaroscabos,enfim,umalinha
completadeequipamentosemateriaisdirigidapara
essetipodesistemaqueexistehámuitasdécadas.
Ascargasdosgrandesedifícioseoscentrosdas
grandescidadesexigemdistribuiçãosubterrânea,mas
aíentraoutrofatorimportante:adensidadedecarga.
Chegamos,naépoca,aestudarcomprofundidade
opontoneutroentreosdoissistemas–aéreo
versussubterrâneo–emfunçãodadensidadede
carga,masoutrosfatoresentraramemcena,como
tipodesistemaenvolvido–radial,seletivo,anel–
contingências,redundâncias,etc.,tudoparaaumentar
aconfiabilidade.
Tambémestavaincluídaemnossasatribuiçõesa
transmissãosubterrânea.Desconhecidapormuitos,
alinhadetransmissãosubterrâneaaolongodo
canaldorioPinheiros–quepartedeumaestação
detransiçãochamadaXavantesparaaestação
transformadoraBandeirantes–éaprimeiraeúnica
linhasubterrâneaem345kVnoPaíseestáem
operaçãohá30anos.
O início da transmissão subterrânea no Brasil
Apartirdosanos1950,ademandadeenergia
elétricaaumentouconsideravelmente.Acidadede
SãoPaulo,porexemplo,apresentava,em1977,
demandade4.753MW,cercade150%maiordoque
ade1967eaprevisãoeradequealcançasse,emdez
anos,algoemtornode11.000MW.
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sob um olhar
Ocrescimentodacargafoimuitopronunciado
nocentrodessascidadescomoconsequência
daconcentraçãodeedifíciosdeescritóriosede
apartamentos.Ejustamenteporcausadessesedifícios
équesetornoudifícilachegadaàssubestações
centraispormeiodelinhasaéreas,oquedeumargem
àinstalaçãodatransmissãosubterrânea.
Algumasinstalaçõessubterrâneasforam
instaladasemgrandescidades,comoSãoPaulo,Rio
deJaneiro,BeloHorizonte,PortoAlegreeSalvador.
Aproduçãolocaldecabossubterrâneosdealta
tensão–linhasdeaté138kV–começouem1959.
Atéentão,foraminstaladasaslinhas:
-SãoPaulo(1949)2,5kmsob88kV(sistemacom
óleosobaltapressão-Pipetypecable);
-RiodeJaneiro(1950)4kmsob138kV(12kmde
cabosaóleo,baixapressão);
-PortoAlegre(1954)20kmsob69kV(cabosaóleo,
baixapressão).
Emseguida,todasaslinhasforaminstaladascom
cabosaóleo,baixapressãoefabricadasnoPaís:
-SãoPaulo:73,5km(325kmdecabos)sob88kV;
-RiodeJaneiro:42km(250kmdecabos)sob138kV;
-BeloHorizonte:2,7km(16,2kmdecabos)sob138kV;
-Salvador:7,5km(22,5kmdecabos)sob69kV.
OplanejamentodosistemadacidadedeSão
Paulorecomendouentãoaconstruçãodeduas
subestaçõesantesde1979:CentroeBandeirantes.A
primeiradelasfoiconstruídacombarramentoSF6,
entrouemserviçoemmarçode1977,operandosob
230kVeBandeirantes,projetadaparaoperarem
1979,comtensãoprimáriade345kV.
AsdiretrizesbásicasparaaligaçãoXavantes/
Bandeirantes(345kV)foramaextensãodarota
de8,4km,profundidadenominalde1,5m,carga
contínuade1.200MVAsob345kV(mesmocomum
circuitodesligado).
Haviaduaspossibilidades:doiscircuitos
comresfriamentoforçadooutrêscircuitoscom
resfriamentonatural.Noprimeirocaso,cabos
deveriamterumaseçãode2.000mm²decobree,
nosegundocaso,1.200mm²decobre,considerando
aindaumaresistividadetérmicade0,90°Cm/W.
Peloscustosparaasduasalternativas,pôde-se
concluirqueasoluçãocomresfriamentonaturalera
melhoreaindatinhaavantagemdeserdemaior
confiabilidadeporqueosistemaétotalmentepassivo.
Desdequeamaiorpartedarotafoisituadaem
umaestradaparticular,pertencenteàLight(aprópria
concessionáriadeenergiaelétrica),paralelaaocanal
dorioPinheiros,emquenãoseprevêainterferência
comoutrosserviçospúblicos,aprofundidadede
instalaçãofoireduzidapara1,0mealarguradavala
para3,3m(comespaçoentrecabosde0,3m).
Ocrescimentoaceleradodademandadeenergia
elétricanascidadesbrasileirasrequer,cadavezmais,
ainstalaçãodelinhassubterrâneasdetransmissão.A
tecnologiadesenvolvidaparaafabricaçãodecabos
cheiosdeóleorepresentouumprogressonautilização
delinhassubterrâneas,desdeaprimeiralinhasob88
kV/138kV,ligadaem1960,atéasinstalaçõesatuais
sob230kVe345kV.Esteprogressocontinuarácom
asinstalaçõesde500kVe+400kVDCjáemestudo.
Oaspectoeconômicoeramuitoimportante.
Assim,trabalhamoscomváriasequipescomointuito
dereduzircustosdemão-de-obraemateriaispara
distribuição.Soma-seaissoaminhafunçãocomo
superintendentedeRacionalizaçãodeEnergia,
comopapeldeorientarconsumidoresresidenciais,
industriaisecomerciaisacontrolarseuconsumosem
prejuízodosserviçosprestados,istoé,terosmesmos
resultadoscommenoresinvestimentos.Nessesentido,
aLightfoipioneira.
Claudio Gillet Soares é engenheiro eletricista pela
E.E. Mackenzie (1948), trabalhou na Light São
Paulo por 33 anos, onde exerceu as funções de chefe
do Departamento de Engenharia da Distribuição,
de Superintendente de Engenharia e Planejamento
da Distribuição e de Consultor da Presidência. Foi
Technical Advisor da Furukawa, consultor técnico
da Pirelli e da Itaú Planejamento e Engenharia.
É sócio fundador da Associação Brasileira dos
Engenheiros Eletricistas de São Paulo (ABEE-SP),
membro remido do Instituto de Engenharia de São
Paulo e Life Senior Member do IEEE. Com trabalhos
técnicos publicados no Brasil e no exterior, foi
também representante do Brasil no SC-21 High
Voltage Cables, do Cigré, por 11 anos. Cooperou
na organização dos Cedis e CedisNe – cursos
especiais voltados para as áreas de distribuição nas
universidades Mackenzie (SP) e UFPE (PE) –, nos
quais também colaborou como docente.
a concEntração dE Edifícios tornou difícil a chEgada às subEstaçõEs por mEio dE linhas aérEas, o quE dEu margEm à instalação da transmissão subtErrânEa.
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52
A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade
Cole
ção
Ener
gia
- Vo
lum
e 1
Volume 1
C
M
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CAPA FINAL.pdf 1 22/07/09 22:33