;;;; ponto-e-vrgula, 2: 68-80, 2007.
Fotografia: ver e ser visto no candombl
Ivete Miranda Previtalli e Syntia Alves**
Resumo Do intercmbio cultural dos escravos e ex-escravos africanos que foram para o Brasil e o contato com os europeus e povos indgenas da terra, surgiram as diversas modalidades de religies afro-brasileiras, dentre elas, o candombl, o batuque, o tambor de mina, o xang, entre outras. O candombl a manifestao religiosa afro-brasileira eleita para este trabalho, mais particularmente os candombls que esto fixados em So Paulo, na tentativa de observar a vivncia desta religio na terceira maior cidade do mundo. A escolha se deu devido relao que se estabelece entre uma comunidade tradicional como a do candombl e o modo de vida fast numa metrpole ps moderna usando a fotografia como o elo entre a tradio da religio e a modernidade de So Paulo. Abstract Several forms of African-Brazilian religions arose from the cultural exchanges among African slaves and former-slaves shipped to Brazil, Europeans, and native peoples of the land. These religions are, among others, "candombl", "batuque", "tambor de mina", and "xang". The African-Brazilian religion chosen for this study is candombl, more specifically the So Paulo-based varieties, in an attempt to characterize everyday life for this religion in the world's third largest city. The choice was due to the relationship established between a traditional community like candombl and the "fast" way of life of a postmodern metropolis by photography, a bridge between the traditions of this religion and the modernity of So Paulo.
Tradio e modernidade
Numa sociedade de tradio oral como a do candombl, na qual a
palavra o que leva ao conhecimento, a religio um departamento
importante da vida e no pode ficar desprendida do dia-a-dia das
Doutoranda do Programa de Cincias Sociais da PUC-SP e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Relaes Raciais, Memria, Identidade e Imaginrio. E-mail: [email protected] ** Doutoranda do Programa de Cincias Sociais da PUC-SP e pesquisadora do Neamp Ncleo em Estudos de Arte, Mdia e Poltica da PUC-SP (NEAMP) e fotgrafa. E-mail: [email protected]
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pessoas. O adepto do candombl tem que viver o universo religioso
constantemente e no apenas em datas festivas ou em culto semanais.
A vivncia que esta manifestao religiosa determina a seus adeptos
inspira-lhes um ethos peculiar, que vai abranger a todos, independente
de suas profisses, idade ou classe social.
Diferente das grandes religies monotestas, o candombl no
possui um livro sagrado para a transmisso de seus dogmas, sendo
assim, as palavras so as fontes da fora e da continuidade da religio.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que a comunidade do candombl
se organiza segundo uma tradio oral, ela tambm est inserida numa
sociedade mais abrangentemente secularizada. Essa condio imposta
pelo mundo contemporneo pode parecer uma contradio, isto , uma
comunidade religiosa que se fundamenta numa tradio oral estar
imbricada numa sociedade moderna que no processo histrico tornou
tudo dinmico e dessacralisado. Sendo assim, o que ocorreu que a
experincia, que marcada pela tradio, isto , algo que passado de
gerao para gerao, na sociedade secularizada foi substituda pela
vivncia. A diferenciao se d pelo fato de a experincia estar sempre
preocupada com o acmulo de conhecimento, enquanto que a vivncia
diz respeito ao dia-a-dia. Assim, na modernidade tudo sempre novo e
sempre se transforma.
Fotografia: ver e ser visto no candombl
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Fotos: Syntia Alves, Nzo Inkossi Mokumbo ni Tata Congo dya Aruanda1.
Se, por um lado a modernidade acelerou os tempos e reduziu as
distncias gerando uma padronizao que cada vez mais se
universaliza, por outro a popularizao da tecnologia gerou uma
democratizao de novas linguagens que foram introduzidas em muitas
camadas da sociedade. Nas grandes cidades, a partir dos anos 30, a
memria, tanto a individual quanto familiar, passou a ser construda
tendo como base o suporte imagtico. A fotografia veio contar s futuras
geraes, ou mesmo queles que no presenciaram momentos
importantes, cenas que merecem serem lembradas.
Mas o uso das fotografias mais que isso: a oportunidade de
levar o vivido consigo, o status de ser importante a ponto de ser
imortalizado. E nisso se incluem os terreiros de candombl da cidade de
So Paulo que, mesmo mantendo seus costumes e suas tradies,
incluram como uma das marcas do seu encontro com a modernidade a
1 Essas imagens registram os filhos-de-santo em uma grande festa de candombl. So cenas de devoo dos adeptos, independente da cor, idade ou classe social. O que os diferencia uma escala social do candombl, que determina o local do filho-de-santo, que depende se ele iniciado ou no e de quantos anos tem de iniciao e obrigaes cumpridas.
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importncia da utilizao das imagens fotogrficas em suas festas. Da
mesma maneira que agem outros grupos sociais, a vida dos filhos-de-
santo e alguns dos acontecimentos importantes do candombl
passaram a ser registrados.
Atualmente, a difuso das tecnologias digitais facilitou e
generalizou o uso da fotografia e de registros audiovisuais como forma
de documentar os eventos nos terreiros, principalmente as grandes
festas que passaram a ser registradas por adeptos, visitantes e
pesquisadores. No caso da utilizao destas imagens nas pesquisas
acadmicas, as tecnologias digitais promoveram uma eficaz interao
entre a antropologia virtual e a antropologia escrita. Esses registros
podem ser realizados pelo pesquisador ou encontrados nos livros de
memria, dirios e cartas. Muitas delas so imagens feitas pela prpria
imagem e que adquirem prestgio por causa do status que elas
representam nos meios sociais do candombl. A tradio oral e a
fotografia se apresentam neste caso como linguagens distintas, mas que
caminham juntas acompanhando a modernidade na qual tudo
acelerado e, por conseguinte essa pressa acaba por influenciar tambm
o cotidiano do candombl.
Disso nasce um impasse: a temporalidade, a oralidade, a
mitologia, o velho em relao ao novo, a maneira de pensar no
candombl, parece se incompatibilizar com a maneira de ser da
sociedade contempornea causando desconforto e adaptaes. Porm, o
modo de viver fast no qual a internet e os meios de comunicaes se
impe como padro na cultura, e quanto mais entronizado na vida
moderna mais se torna uma mercadoria implacvel. Parece que no h,
portanto, maneira de sobreviver para aquele que no propagar suas
idias na velocidade exigida pela modernidade.
Mas, se por um lado no mundo moderno h a dessacralizao da
vida, uma racionalizao generalizada da existncia, por outro lado, em
Salvador e no Recncavo baiano parece haver uma resistncia dos
terreiros de candombl ao fluxo da modernidade. Desta maneira as
famlias e os espaos de muitos terreiros baianos, procuram se manter
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como nas antigas roas2 dos primeiros candombls. Existem na Bahia
terreiros de candombl muito antigos, fundados por ex-escravos, onde
muitas famlias moram na propriedade ou nas cercanias do terreiro,
mantendo a vida cotidiana muito interligada com a religiosa.
Em pleno sculo XXI, esses terreiros parecem resistir s
inovaes da modernidade. Porm, podemos notar que o fato de o
candombl estar inserido numa sociedade moderna mais abrangente
gera muitas dificuldades para o modo de viver tradicional desta religio.
Conversando com uma me de santo3 de um tradicional terreiro baiano,
ela mostrou o drama do aprendizado oral para pessoas que vivem numa
sociedade em que tudo funciona no ponteiro do relgio. Esta
sacerdotisa fez um depoimento, no qual relata: Perguntei outro dia para
fulana, que uma velha filha de santo da casa, como que ela
aprendeu cantar tantas rezas, e ela me disse que era lavadeira e que
vinha sempre no ax e ouvia as msicas. Depois ia lavar roupa
cantarolando o tempo todo. Como pode hoje em dia uma filha de santo
aprender? Como que ela vai ficar cantando em frente do computador?
Na metrpole, todos tm que trabalhar respeitando o horrio do
relgio. Desta forma, no mais possvel fazer as iniciaes segundo a
vontade do Orix ou no cronograma do terreiro. Assim sendo, as
cerimnias passaram a ser realizadas nos dias das frias do trabalho,
nos feriados nacionais. Pelo mesmo motivo os dias necessrios para as
iniciaes so encolhidos de acordo com a disponibilidade do nefito,
nem sempre so raspados seus cabelos como manda a tradio e os
filhos de santo aprendem as tradies de gravador em punho, com lpis
e papel na mo.
Outro exemplo da modernidade que entra nos terreiros no
preparo das comidas. O processo continua artesanal e demorado, mas
inicialmente as iguarias dos Orixs eram feitas, por exemplo, com feijo
ou milho ralado na pedra, ingredientes que hoje podem ser adquiridos
em forma de farinhas prontas provenientes de moinhos
2 Roa: uma outra designao para terreiro de candombl 3 Me Stela, me de santo do tradicional terreiro Op Afonj.
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industrializados. Alm de representar uma significativa mudana nos
costumes do terreiro, tudo passou a custar mais dinheiro e as relaes
que antes eram muito mais familiares, hoje em muitos terreiros se
tornaram muito mais comerciais.
Tudo na modernidade se converteu em consumo, conforto e
seduo e isso tambm contagia o candombl da metrpole. Embora ele
tente resistir modernidade, acaba por sucumbir perante ela com a
finalidade de sobreviver, sendo assim hoje o candombl est na
internet, em sites que falam de orixs, inquisses e voduns4, em pginas
que trazem fotos dos terreiros e dos deuses incorporados em seus
adeptos. Existem pais e me de santo que jogam bzios pela internet,
podendo estar consulente de um lado do mundo e sacerdote do outro,
porm entrando em contato pela rede mundial de computadores. H
ainda programas de computador que fazem os jogos de bzios que so
como os Jack Box dos cassinos, o cliente introduz sua data de
nascimento, nome e quase que imediatamente tem a preleo do futuro
e conselhos elucidativos para suas questes existenciais. Alm disso,
existem tambm as comunidades de candomblessistas e listas de
discusses pelos quais os adeptos, simpatizantes e at pessoas de
outras religies trocam idias e informaes por meio da internet.
4 Orixs, inquisses e voduns: Nos ritos religiosos afro-brasileiros, como o candombl, a umbanda, etc., personificao ou deificao das foras da natureza ou ancestral divinizado que, em vida, obteve controle sobre essas foras.
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Fotos: Syntia Alves5
Seja pela entrada das cmeras fotogrficas nos terreiros, ou seja,
pelo ingresso dos terreiros na rede de computadores, no de se
estranhar que existam crticas dos mais conservadores s
possibilidades mais dinmicas e modernas do candombl se propalar,
porm no se pode negar que o candombl est tambm na
modernidade. Afinal, o candombl do mundo, e como estamos numa
era de ambigidades, enquanto os filhos so feitos nas casas mais
tradicionais, dormindo em esteiras, tomando banhos na madrugada e
tendo seus cabelos raspados, o lpis, o papel, o gravador e as cmeras
entram nos terreiros mais modernos para auxiliar no aprendizado dos
nefitos, que podem contar com estas inovaes j que no tm mais a
disponibilidade de outrora.
Fotografar os orixs: uma polmica
Conforme Jos da Silva Ribeiro, coordenador do Laboratrio de
Antropologia Visual da Universidade Aberta de Lisboa, A primeira
funo das imagens em antropologia foi (e ) documentar, isto , criar
5 Imagens de mesas oferecidas para os Orixs Oxal e Ogum. Todas as comidas so preparadas ritualisticamente pelos filhos-de-santo. Os alimentos exprimem as caractersticas dos Orixs que as recebe.
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algo portador de informao que traz em si a inscrio e o registro de um
acontecimento observvel ou verificvel.
Acontece que a observao etnogrfica nos terreiros de candombl
se d lenta e cuidadosamente, pois a comunidade se acautela para que
nem tudo possa ser visto pelo observador. Nem sempre a presena em
cerimnias aberta a todos, e em terreiros mais conservadores mesmo
para aqueles que so filhos6 a presena nos ritos restrita. Essa a
base do candombl, isto , o segredo faz parte da estrutura dessa
religio e constitui a base primordial do poder, o que corrobora a idia
de Michel Foucault que pensa o duplo saber-poder7. Isso significa que
aquele que detm o segredo pode realizar, por exemplo, as diversas
etapas do processo de iniciao. A iniciao no candombl um rito de
passagem constitudo de inmeras fases que para serem aprendidas, o
aspirante a pai ou me-de-santo dever estar presente em muitas
dessas cerimnias, uma vez que somente atravs da sua participao
em inmeras delas que ser possvel aprender o ritual.
por intermdio do incansvel ato de presenciar que se faz o
aprendizado numa comunidade de tradio oral, e nesse contexto a
fotografia, assim como o gravador e as filmadoras, que poderiam numa
viso moderna serem auxiliadores da obteno de conhecimento,
encontram muitos obstculos por conta do carter tradicional que o
candombl apresenta. Nos terreiros tradicionais de Salvador, nas
pocas das festas pblicas aonde os orixs vm danar e
confraternizar com os homens, mesmo que possam ser vistos por todos
aqueles que estiverem presentes, proibido qualquer registro fotogrfico
por qualquer um dos presentes.
A imagem ao mesmo tempo em que fascina, gera desconfiana.
Como pensou Beloff, a fotografia explicita uma mistura de informao,
acaso, esttica e inteno, e alm da transmisso do fato, o que pode
preocupar nos terreiros do candombl a possibilidade que a fotografia
6 Como so chamados os adeptos de um terreiro de candombl 7 A relao saber/poder recorrentemente trabalhada na obra de Michel Foucault.
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tem de construir sua verso dos acontecimentos de forma viva e
fascinante, mas tambm intencional.
A idia de tornarem-se os estranhos e os fornecedores do
espetculo num mundo em exposio, no atrai os pais e mes-de-
santo dos velhos terreiros baianos. Outra exposio visual que tem
preocupado os adeptos do candombl so as atuais converses para
modernas igrejas televisivas, principalmente a Igreja Universal do Reino
de Deus que mostram filmes realizados em terreiros e associam seus
contedos como obras do demnio. Essa deturpao da imagem dos
orixs tem se tornado forte argumento para a no utilizao das
filmadoras e mquinas fotogrficas nas festas pblicas. Alm disso, as
mes e pais-de-santo desses terreiros tradicionais baianos no expem
com facilidade suas figuras para os que pouco conhecem, pois pensam
que suas imagens podem ser indevidamente utilizadas para
fortalecerem nomes de terreiros mais novos e de raiz pouco explcita,
alm de oferecerem, em caso de documentrios, matria que se no for
bem interpretada, pode vir a prejudicar suas imagens perante a
sociedade como um todo.
Mesmo com todas estas dificuldades encontradas nos terreiros
tradicionais, Pierre Fatumbi Verger retratou as religies afro-
descendentes no Brasil, frica e Cuba no seu consagrado livro Orixs.
Embora seja proibida a entrada de filmadoras e mquinas fotogrficas
nos terreiros baianos mais tradicionais, Verger fotografou inmeras
manifestaes de Orixs em terreiros do estado da Bahia e
Pernambuco. Esse livro causou grande polmica entre os adeptos do
candombl, pois o trabalho fotogrfico mostra muitas cenas de iniciao
em frica, consideradas secretas pela comunidade do candombl.
Mesmo assim, essa importante obra de antropologia visual tornou-se o
livro de cabeceira para muitos pais e mes-de-santo de So Paulo que,
na sua maioria8, por causa da prpria procedncia histrica do
8 A menos que esses pais ou mes-de-santo fossem de origem nordestina, que neste caso j traziam em sua bagagem histrica a presena do candombl que j era cultuado por algum de sua famlia biolgica.
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candombl paulista, no possuam conhecimentos herdados de uma
tradio apreendida de ancestrais africanos.
O desabrochar do candombl em So Paulo se deu por volta dos
anos 60 do sculo XX e a seu estabelecimento no espao paulista
coincidiu com uma efervescncia cultural e de mentalidades no Brasil e
no mundo, alm de acontecer num momento de intenso processo
migratrio que atingiu a metrpole e levou para l um significativo
contingente de nordestinos. Se, com a dispora, as religies tradicionais
dos africanos se transformaram por causa da interao com as diversas
culturas que se encontraram no Brasil, no contexto metropolitano,
segundo Bernardo: o jogo entre continuidade e ruptura, j existente no
interior do candombl, torna-se mais tenso ainda e, nesse movimento,
ocorre a inveno. As tradies se fragmentam, as rupturas so
infindveis (BERNARDO, 1996: 114).
Foto de Pierre Verger: Orixs.
Foto Syntia Alves: Inzo dia Roxe Mokumbo ni Dandalunda9
9 A imagem retratada por Verger foi realizada num momento sagrado de um ritual de iniciao na frica. Os rituais iniciticos so muito semelhantes entre Brasil e frica, porm no Brasil esse momento muito reservado e proibido para aqueles que no tem o devido grau hierrquico. A segunda imagem foi feita numa festa pblica de iniciao chamada sada de ia. Apesar da proximidade esttica das fotos, elas se diferenciam fortemente em um ponto: a imagem de Verger um momento que no candombl
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Contudo, a cultura depende de sua tradio, mesmo que esta
esteja em permanente construo; desta forma, se h rupturas no
candombl paulista, tambm h continuidades. As ressignificaes que
se processam nos candombls paulistas, do-lhes nova face, porm no
os priva de sua identidade. Na cosmopolita So Paulo, o povo-de-santo,
conforme Bernardo, reinventa atravs de seus rituais a sua religio,
introduzindo elementos da modernidade no seu interior. (Bernardo,
1998: 114)
Wagner Gonalves, ao investigar o candombl na ps-
modernidade, numa metrpole como So Paulo, escreve: O candombl
na era do chip, os jogos de bzios em pleno Viaduto do ch no Centro de
So Paulo, tanto quanto sacrifcios ainda realizados nas avenidas das
principais cidades da frica Ocidental ou de Miami, indicam que religies
mgicas e politestas tambm podem se expandir e atuar em contextos
nos quais j se dissolveram as antigas lealdades tribais ou rurais
(Gonalves, 1995: 32).
Hoje no h mais barreiras para os deuses que outrora
pertenciam a um determinado grupo e afirmavam laos ancestrais. Na
metrpole paulistana, negros, brancos, pobres, ricos, homens e
mulheres podem ser do candombl, ter manifestao de um Orix,
como se fazia anteriormente nas terras africanas, porm agora num
outro contexto, que o da modernidade.
Assim sendo, o candombl de So Paulo no s permite como
tornou importante a presena de mquinas fotogrficas e filmadoras
nas festas de sada de ia10, nas confirmaes de ebomi11, entre outras.
A fotografia est presente nos terreiros e testemunha a histria de sua
existncia, alm de encontrar nesse espao a funo que encontra em
tantos outros que o uso da imagem como ampliao de um momento
que o terreiro quer deixar para a posteridade. Porm, as cerimnias
interno e secreto, j a imagem da direita um momento pblico no qual a exposio desejada, principalmente nos candombls de So Paulo. 10 Apresentao pblica do nefito. 11 Ebomi: irmo mais velho, aquele que tem sete anos ou mais de iniciado e que j passou por uma cerimnia de confirmao.
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iniciticas ainda so preservadas das mquinas fotogrficas, pois toda a
comunidade do candombl acautela-se para que cada terreiro
mantenha essas cerimnias restritas a um domnio reservado; isto
impenetrvel em virtude do mistrio que as cercam. Contudo os
candombls paulistas nasceram numa sociedade industrializada,
moderna, numa cidade em plena expanso econmica e cultural, e por
isso no se permitem sucumbir perante aos apelos das idias mais
tradicionais. Para sobreviver acertam o passo e se deixam seduzir pela
modernidade.
Fotos Syntia Alves12
Desta forma, quando o pesquisador filma, fotografa e grava
entrevistas dentro de um candombl, acaba por produzir um trabalho
que possibilita a antropologia se armar com a evidncia visual que ir
alm da constatao da existncia do outro, pois revela tambm a
alteridade. A utilizao da imagem e seu emprego como forma de
transmisso de conhecimento, no caso dos terreiros de candombl de
So Paulo, concretiza uma eficaz juno entre a antropologia visual e a
escrita, possibilitando uma melhor sondagem do fenmeno.
12 Imagens do terreiro em um dia de trabalho para os orixs: na foto da esquerda a filha de santo prepara a comida que ser servida para o orix. Na foto da direita, filhos desfiam folhas de palmeira que iro enfeitar as portas e janelas alm de espantar os espritos indesejveis.
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Na metrpole, os registros de imagem, sons e audiovisuais so
sempre bem vindos nas festas pblicas uma vez que popularizam o
terreiro trazendo mais filhos e clientes. Do mesmo modo, quando um
terreiro ou me-de-santo so escolhidos para serem sujeitos de um
trabalho acadmico motivo de orgulho e publicidade.
Desta forma, o candombl da metrpole abre muitas portas para
o pesquisador que vem munido com as mais novas tecnologias digitais,
e embora no v registrar todos os momentos, conseguir com as novas
possibilidades que os candombls da modernidade oferecem, ampliar os
mtodos tradicionais de pesquisa, e atravs da produo e anlise das
produes fotogrfica elaborar um bloco de notas, extraordinariamente
eficaz, alm de tornar o trabalho muito mais atrativo.
Bibliografia
BELLOF, Halla (1985). Camera Culture. Oxford: Basil Blackwell.
BERNARDO, Teresinha (1996). Tradio e Contemporaneidade. In: Simbologia - Tradio e mitos Afro-brasileiros. Recife: Ed. Massangana.
__________ (1998). Memria em Branco e Negro. Olhares Sobre So Paulo. So Paulo: Ed. Educ, editora Unesp.
FOUCAULT, Michel (1997). Microfsica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal.
GOLALVES, Vagner (1995). Orixs da Metrpole. Petrpolis: Ed. Vozes.
VERGER, Pierre Fatumbi (1951). Orixs. Salvador: Tipografia Beneditina Ltda.
RIBEIRO, Jos da Silva (2005). Antropologia Visual, prticas antigas e novas perspectivas de investigao. In: Revista Antropologia, vol. 48. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S003477012005000200007&script=sci_arttext (consultado em 15/07/2007).
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