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UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Prof. Dr. Ricardo Vieiralves de Castro
IFCH - INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
Diretor
Prof. Dr. Dirce Eleonora Nigro Solis
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
Chefe
Prof. Dr. Maria Teresa Torbio
NEA - NCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
COORDENADORA
Prof. Dr. Maria Regina Candido
EDITORES Prof. Carlos Eduardo da Costa Campos Prof. Ms. Jos Roberto de Paiva Prof. Junio Cesar Rodrigues Lima Prof. Dr. Maria Regina Candido
CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima - UFF Prof. Doutorando. Devid Valrio Gaia UNIPAMPA Prof. Dr. Maria Cecilia Colombani Universidad Mar Del Plata Prof. Dr. Claudia Beltro da Rosa UNIRIO Prof. Dr. Vicente Carlos R. Alvarez Dobroruka - UnB Prof. Dr. Daniel Ogden Exeter University London
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Capa: Junio Cesar Rodrigues Lima Victory of Samothrace Editorao Eletrnica: Equipe NEA www.nea.uerj.br
Indexado em Sumarios.org
CATALOGAO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS / CCS/A N354 Nearco: revista eletronica de antiguidade. - Vol. 1, Ano V, n.1 (2012) Rio de Janeiro:UERJ/NEA, 2012 - v.4 : il. Semestral. ISSN 1982-8713 1. Historia antiga - Periodicos. I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Nucleo de Estudos da Antiguidade. CDU 931(05)
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Sumrio
DOSSI Editorial: GERMANOS, DA ANTIGUIDADE AO ANO MIL
Johnni Langer & Luciana de Campos, 5 A INTERPENETRAO DA COSMOGONIA RELIGIOSA COM A HISTRIA ENTRE OS ESCANDINAVOS Ciro Flamarion Cardoso, 8 UM BREVE DEBATE SOBRE OS PRIMEIROS CONTATOS E A FORMAO DA ISLNDIA Munir Lutfe Ayoub, 20 OS FIORDES E AS SERPENTES: DEFININDO ESPAOS GUERREIROS NA SAGA DE LF TRYGVASSON Pablo Gomes de Miranda, 28 ISLNDIA NO ANO 1000 d.C.: UMA ANLISE SEGUNDO O ISLENDIGABK Renato Marra Moreira, 49 Artigo A ESCOLHA DAS VESTAIS, ESPELHO DE UMA SOCIEDADE EM EVOLUO (3 SCULO A.C 1 SCULO D.C) Nina Mekacher & Franoise Van Haeperen, 60
Ensaio MICHEL FOUCAULT E AS REGULARIDADES DISCURSIVAS: ALGUMAS REFLEXES
Junio Cesar Rodrigues Lima, 78
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Editorial
DOSSI: GERMANOS, DA ANTIGUIDADE AO ANO MIL.
Johnni Langer1 Luciana de Campos2
E minha opinio, os germanos so indgenas (...) incontaminados por asaetosooutasaesTito,Geia,d.C.
H vrias dcadas os povos germnicos esto sendo reavaliados pelos acadmicos
europeus. Em vez de apenas serem pensados como os bestiais causadores da derrocada
do Imprio Romano, ou de outro lado, como primitivos e buclicos habitantes das
florestas num contexto quase romntico, as atuais perspectivas exploram suas
particularidades enquanto inseridas numa dinmica de transformaes que afetaram todo
o Ocidente. Nem bons, nem maus, os germanos so fundamentais para se entender o
oo tipo de udo ue tee iio ete a tiguidade Tadia e a Idade Mdia: associedades ditas brbaras tm uma cultura e as que se chamam civilizadas adquirem uma
ustadeesfoos,paaoelhooupaaopio,3 considerou Paul Veyne, enquanto que paaPeteBukeOdeliodoIpiooaoodeeseosideadoadeotadacultura pelo barbarismo, mas um choque de culturas (...) Por mais paradoxal que possa
paeeaepesso,houeuaiilizao dos aos.4 Essa reabilitao, por certo,
1 Ps-Doutor em Histria Medieval pela USP, professor da UFMA. Coordenador do NEVE, Ncleo de Estudos Vikings e Escandinavos (www.nevevikings.tk). E-mail: [email protected]
2 Mestre em Histria pela UNESP. Membro do NEVE, Ncleo de Estudos Vikings e Escandinavos e NEMIS,
Ncleo de Estudos de Mitologias (http://gruponemis.blogspot.com) . E-mail: [email protected]
3 VEYNE, Paul. Histria da vida privada: do imprio romano ao ano mil. Vol. 1. SP: Cia das Letras, 2009, p. 404.
4 BURKE, Peter. Variedade de histria cultural. SP: Civilizao Brasileira, 2006, p. 246.
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vem colocando tambm alguns problemas metodolgicos e investigativos, como a
questo de identidade entre as diversas etnias, a ponto de alguns pesquisadores
questionarem uma pretensa unidade lingstica e cultural entre estes povos (a
etnognese) e sua contrapartida, o referencial tnico criado a partir de Roma. A
arqueologia neste sentido vem sendo decisiva, concedendo a possibilidade de se
contrastar e ou examinar as fontes clssicas com novas perspectivas, indo muito alm dos
referenciais da interpretatio romana.
Em nosso pas, uma nova gerao de germanistas vem sendo formada, tanto de
pessoas advindas das reas de Histria e Letras, mas tambm de Filosofia e Artes, de
pesquisadores vinculados aos estudos classicistas quanto medievalistas e orientalistas. Os
principais centros de pesquisas, a exemplo da maioria das investigaes envolvendo
Antiguidade e Medievo, ainda so essencialmente situados no eixo So Paulo e Rio de
Janeiro, mas com articulaes por todo o pas. Em especial, o grupo Brathair h cerca de
dez anos vem promovendo estudos, publicaes e eventos na rea, mas atualmente o
interesse est sendo ampliado tambm para os tradicionais laboratrios, ncleos e
centros de investigaes histricas e arqueolgicas. Ressalta-se aqui a criao de grupos
novos, como o NEVE, Ncleo de Estudos Vikings e Escandinavos, de carter
interinstitucional, do qual o dossi apresenta a participao de seis membros.
A presente coletnea uma mostra das mais recentes investigaes sobre os povos
germanos, com trabalhos de pesquisadores de diversos locais do Brasil, e proporcionado
gentilmente pela equipe do NEA, Ncleo de Estudos da Antiguidade, vinculado UERJ,
que coordena a revista NEARCO.
O primeiro trabalho de autoria de Ciro Flamarion Cardoso (UFF), um dos grandes
nomes da pesquisa em Histria Antiga de nosso pas. Seu artigo, A interpenetrao da
cosmogonia religiosa com a histria entre os escandinavos, investiga como o imaginrio
religioso nrdico era estreitamente conectado ao mundo social e material, questionando a
tradicional separao scio-espacial entre deuses e homens nas sociedades antigas.
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Em seguida, temos o artigo Os fiordes e as serpentes: definindo espaos guerreiros
na saga de lf Trygvasson, de Pablo Gomes de Miranda (UFRN/NEVE), que tem como
objetivo estudar a relao mantida entre os escandinavos da Era Viking com os meios
hdricos das regies onde habitavam, articulando o delineamento de um espao prprio
da cultura guerreira.
Munir Lutfe Ayoub (PUC-SP/NEVE) autor do prximo artigo, Um breve debate
sobre os primeiros contatos e a formao da Islndia, no qual examina a historiografia e as
controvrsias sobre a colonizao escandinava na ilha da Islndia, durante a Alta Idade
Mdia.
Encerrando a coletnea, outro estudo sobre a Islndia, desta vez atentando para o
processo de cristianizao atravs das fontes literrias: Islndia no ano mil d.C.: uma
anlise segundo o Islendigabk, de Renato Marra Moreira (UFG/NEVE).
Ao finalizar o dossi, congratulamos a equipe do NEA pelo espao, antevendo que
o futuro das pesquisas germnicas antigo-medievais em nosso pas muito promissor,
seja pela presena cada vez maior de interessados, quanto no amplo dilogo que os
centros universitrios consolidados podem proporcionar para que o debate e a pesquisa
sejam sempre o esprito que move os acadmicos, independente das instituies que
pertenam. Boa leitura!
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Dossi A INTERPENETRAO DA COSMOGONIA RELIGIOSA COM A HISTRIA ENTRE OS ESCANDINAVOS
Ciro Flamarion Cardoso (CEIA-UFF)
RESUMO posselueasaatestiasdaeligioesadiaa e, no que nos interessa neste texto, as concepes relativas s relaes especficas, nela, entre o seleo iiseltenham mantido longamente um forte carter conservador ou arcaizante, inclusive em como foi recordada em pocas posteriores, incluindo aquela j crist. Com efeito, existem teorias que opem o imaginrio religioso e ritual das sociedades tiais as uais asrelaes de parentesco entre vivos e mortos, a ideologia/religio e a sociedade so inseparveis, sendo a mitologia o trao unificador mediante o qual o indivduo se vincula aos deuses, ao grupo e aos antepassados e as soiedades hierrquicas, nas quais se enfraquece a identidade entre religio e sociedade e pode aparecer a monopolizao e a manipulao sociais crescentes tanto do poder quanto da prpria religio.
Os escandinavos pr-istos tiha ua oo ais fluida dos limites que sepaaesteudodooutoICHD,:douesupeasideiasaespeitoue so ppias do istiaiso uma religio que herdou do judasmo uma forte convico acerca do carter radicalmente transcendente do divino. O que se afirmou
sobre os escandinavos pode ser generalizado, alis, antiga religio germnica vista mais
globalmente. Isto ajuda a entender a dificuldade que existe, por exemplo, ao se estudar a
Gr-Bretanha anglo-sax, para, arqueologicamente, identificar lugares de ulto: aspessoasopeisaaeessaiaete deedifios eligiosos foais;e,os asoseuetaisedifioseistia,sodifeisdedistiguideoutasestutuasdeadeia(HUTTON, 1995: 270-271). No mundo escandinavo, mesmo o mais famoso dos santurios,
o de Gamla Uppsala de que nos fala (confessadamente de segunda mo) Ado de Bremen,
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foi eitepetado em forma plausvel, dado o contexto de outras informaes disponveis sobre o paganismo da Europa setentrional , oo u gade salo para bebedeiras e banquetes rituais onde festivais tinham lugar, mais do que constituir,
propriamente, um edifcio religioso consagrado stricto sensu (RICHARDS, 2005: 23).
Ao tratar da relao entre transcendncia e mito, V. Ivanov nos recorda
...o princpio em virtude do qual a categoria dos mundos visvel e invisvel seria especfica e central para a concepo mitolgica do mundo. O sagrado intervm como algo invisvel (...). A capacidade para perceb-lo considerada, em si, como um atributo que os deuses podem conceder (IVANOV, 1976: 58).
A relao entre o visvel e o invisvel, suas intersees possveis, podem aparecer
historicamente em diferentes imaginrios religiosos, entretanto, de maneiras muito
diversas.
Caso se admita o que se disse sobre a permeabilidade do humano e do divino
entre os antigos escandinavos, os topnimos formados com a palavra hof, habitualmente
entendidos como indicadores da presena de um santurio formal, por exemplo
Hofstathir, na Islndia setentrional, prximo ao lago Mvatn, talvez devam interpretar-se,
mais exatamente, como designao de um lugar onde existiu um edifcio onde rituais
eligiosos ea ealizados epaalelo a outas atiidades.O assi haado teploislands de Hofstathir, um edifcio de 36 metros de comprimento, cuja largura variava
entre 6 e 8 metros, com uma lareira maior no centro, bancos ao longo das paredes
internas e uma lareira menor ao norte, junto qual se acharam restos de ossos de
carneiros e de bovinos, recorda as descries de santurios presentes em certas sagas;
contudo, segundo parece, era na verdade um local para a realizao de banquetes
(eventualmente rituais). Um lamaal prximo seria o lugar onde os animais eram
pepaados, saifiados e ozidos, paa posteio osuo se dida ritual, ou incluindo aspectos rituais (os brindes aos deuses que conhecemos por meio das sagas, por
eeploasalaeioadaENUD,:-2).
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No santurio aludido no segundo captulo da Kjalnesinga saga, isto , o templo
pertencente a Thorgrmr gothi, dedicado a Thrr e situado em Snaefellsnes (Islndia),
havia no centro um estrado ou altar a que se afixava um anel (stallahring ou baugr) que
servia de foco aos juramentos. Ora, o sacerdote local devia ostentar este anel num dedo
durante certas cerimnias: outro exemplo de fronteira imprecisa entre o divino e o
humano, entre o consagrado e o mundano, entre o outro mundo e este (RENAUD, 1996:
161).
Em muitssimos casos, de fato majoritrios, o lugar reservado ao culto podia, alm
de no ostentar qualquer edificao, tambm no apresentar marca alguma; ou, por
eeplo, se aado po u siples poste o deoado, aeia do pila deIisulueeistiaaaiapeiaeteaoissioia.Eaoueaoteia,poexemplo, em certos pntanos escandinavos onde se dedicavam oferendas, cujo lugar de
consagrao podia, tambm neste caso, estar marcado por um poste ou pilar simples. As
oferendas mesmas podiam ser impressionantes, em certos casos incluindo at mesmo
embarcaes completas com seus apetrechos de guerra, alm de objetos muito preciosos;
o lugar onde elas eram depositadas ou atiradas, porm, no poderia ser mais singelo
(TODD, 1995: 108-11).
Nas regies germnicas, os santurios em materiais perecveis ficavam
usualmente em paragens remotas, florestas, clareiras ou colinas. H indcios tambm do
culto a certas rochas, bosques, rvores isoladas, poos ou fontes, pntanos. Os raros
lugares de culto dotados de alguma edificao, mesmo se fosse sumria, no parecem ter
includo grandes construes. Destinavam-se, provavelmente, s a alojar ex-votos,
imagens de divindades (provavelmente muito singelas, a julgar pelos poucos exemplares
indubitveis achados) e objetos sagrados; e a visitas individuais, no a cerimnias
coletivas. Quando dos festivais, usavam-se a julgar pela literatura salas rgias ou
pertencentes a pessoas importantes onde coubesse muita gente; procisses podiam,
nessas ocasies, contornar em algum momento o santurio, permitindo que se
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vislumbrassem os objetos sagrados em seu interior, sem entrar. Embora os santurios em
questo pudessem ser delimitados ou designados por cercas, isto acontecia tambm com
outros recintos, desprovidos de conotaes religiosas, que fossem relativamente
especializados (os reservados a tribunais ou assembleias, por exemplo); no caso dos
santurios, no se configurava um tmenos aeiagega,ouudoiodiiomaneira egpcia, isto , um terreno dedicado a atividades religiosas, recortado
radicalmente do espao do quotidiano. Assim sendo, no existia, como entre os povos do
Mediterrneo e arredores, a ideia de recintos sagrados taxativamente separados dos
espaos ordinrios, seculares: pelo contrrio, entre os germanos, deviam estar abertos ao
mundo de todos os dias e s pessoas em geral. As reminiscncias em perodo j cristo de
santurios pagos desaparecidos refletem, s vezes, uma projeo da estrutura espacial
das igrejas sobre edificaes do passado, no disponveis j para exame quando os textos
se geraram. Mas, nos contados casos em que a Arqueologia permite o exame de edifcios
em princpio dedicados ao culto, a tendncia a que j indicamos, ou seja, a inexistncia
de fronteiras estritas entre este mundo e aquele, invisvel, dos deuses e dos mortos, ou
entre as atividades de culto e as de outros tipos.
Da indefinio relativa dos limites entre o mundo visvel e o invisvel decorrem
certos elementos cuja presena em todo o mundo germnico encoraja-nos a consider-los
como indicadores, remanescentes mesmo em fontes escritas redigidas j sob o
cristianismo, de caractersticas gerais da religiosidade pag germnica. Isto, pelo menos
nas regies onde a converso ao cristianismo, bastante mais tardia do que em outras
pates da Euopa, ofigua o ue foi haado de geaizao do cristianismo ediealaisatigoUELL,.OsdadosaespeitosoaisueosospaaaEscandinvia, mas tambm os temos para outras regies germnicas.
Um exemplo escandinavo encontra-se na saga de Njal o Queimado, nos captulos
100 a 105, quando o assunto o processo de adoo do cristianismo na Islndia, adoo
que se consumou no ano 1000. O aspecto salvfico da nova religio mencionado uma
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nica vez, de modo assaz estranho, dando a entender que o arcanjo Miguel, se invocado
pelos seus devotos, teria o poder mgico de, quando do julgamento dos mortos, fazer
com que, ao serem pesadas as aes, o bem pesasse sempre mais do que o mal (captulo
100). O brutamontes que acompanhava como uma espcie de guarda-costas, em suas
andanas, o missionrio encarregado pelo rei da Noruega de pregar o cristianismo na ilha
age contra o principal rival pago dentro das tradies locais, isto , assassinando-o, no
ficando claro se o faz a mando do missionrio ou por sua prpria iniciativa (captulo 102).
E o debate na assembleia geral (Althing) entre ambas as religies, quando aparece no
texto, pouco espiritual. Um cristo ofende os deuses em curto poema; e debate-se o
poder relativo de Cristo, de um lado, e de thinn e Thrr, do outro, como se se tratasse de
u duelo a espeito de iteees dietas esteudo paa e ue podeais(captulo 102). Uma tal atitude talvez ajude a explicar aquilo a que alude Page, referindo-
se ao perodo de transio religiosa:
...no preciso assumir que o advento do cristianismo necessariamente trouxesse mudanas radicais nas prticas ou crenas nrdicas. Era bem possvel, como verificamos, que um nrdico habitante da Irlanda confiasse ao mesmo tempo em Cristo e em Thor. Mais do que substituir o mito nrdico, o mito cristo pode ter-se somado a ele (PAGE, 1990: 10).
A meu ver, se levarmos a srio nas anlises os elementos mencionados, luz do
ue se disse aea da peeailidade dosudos a dieso iisel dos deuses eoutros seres sobrenaturais e aquela, corriqueia, dos hoes, seeos foados aelaborar hipteses explicativas diferentes ao tratar de fenmenos como: (1) elementos
ue se ostua eaia oo esduos do pagaiso oseados aps aistiaizao; o eeeiso ue podeos aha e ises que reinterpretam os antigos deuses como governantes mortais posteriormente divinizados. Examinemos, em
favor da postura que adotamos, alguns dos dados disponveis.
Na Crnica anglo-sax, as casas reais da Inglaterra germanizada so apresentadas,
em sua maioria, como linhagens descendentes de Woden (o thinn dos escandinavos).
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Em certos casos, Woden aparece, nas genealogias rgias, a meio caminho, no tempo e na
sucesso das geraes, entre o Ado da Bblia e o rei cujo pedigree estiver sendo
examinado no momento (por exemplo: SWANTON, 1998: 66. Trata-se, quanto ao exemplo
escolhido, da entrada presente no manuscrito E, relativa ao ano 855). Isto costuma ser
interpretado como um resqucio de paganismo:
Apesar do valor do apoio que a Igreja podia oferecer monarquia, os reis dos sculos VII e VIII estavam conscientes de que a lealdade que os seus povos lhes deviam repousava em crenas muito mais antigas, incompatveis com o ensinamento eclesistico. Ine denominava-seeipododeDeus,Etealdoda Mrcia,eipelagaadiia;aselessaiaue,paaaaioiadeseussditos, eram reis devido sua linhagem. Os germanos pagos acreditavam que os seus reis descendiam de deuses e deles herdavam uma fora sobrenatural (...). Tais crenas ainda existiam na Inglaterra do sculo VIII... (FISHER, 1992: 137.)
O mesmo princpio de legitimao do rei mediante a afirmao de descender ele
de thinn encontrado na Escandinvia e continua a aparecer at mesmo em fontes bem
tardias. Assim, por exemplo, na Bsa saga, lemos:
Havia um rei chamado Hring que governou a Gotlndia oriental. O seu pai era o rei Gauti, filho do rei Odin da Sucia. Odin percorrera todo o caminho da sia [at as terras escandinavas]; e todas as famlias reais mais nobres da Escandinvia descendem dele. (PLSSON; EDWARDS, 1987: 199).
Se aceitarmos a existncia de restos subsistentes do paganismo positivamente
considerados, no caso, pelos homens do sculo VIII ou de pocas posteriores, como
acabamos de verificar, por exemplo no terreno da legitimao dos reis, seria preciso
aadoa a epliao siplista de ue os deuses geios pagos ete eles oWodeaestaldasasaseaispassaaaseistosiaiaeleteoodeiosaps a converso. claro que esta interpretao tambm pode apresentar-se: no captulo
13 da saga de Egil e Asmund, em episdio que se desenvolve no inferno, thinn aparece
identificado ao diabo em pessoa, ao Prncipe das Trevas; curiosamente, sem perder
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algumas de suas caractersticas prprias, como a de trickster ou pregador de peas
(PLSSON; EDWARDS, 1987: 248).
A meu ver, o que notamos nos textos a respeito dos antigos deuses , sobretudo, a
ambiguidade: s vezes aparecem como seres malignos; em outras ocasies, sua ao para
com algum humano benfica. Entretanto, se olharmos as coisas mais de perto, talvez
verifiquemos que as divindades pags agiam, em suas interaes com os humanos de
que falam as fontes, segundo a natureza especfica de cada deus ou deusa, tal como a
mesma havia sido definida nos mitos antigos.
Um exemplo escandinavo de interveno negativa de thinn relativamente a um
rei cristo aparece, no Heimskringla,aagadelfTiggaso.Uestahoaodaservidores do rei e lhes diz que esto preparando uma refeio indigna da mesa real,
presenteando-lhes, a seguir, dois grandes pedaos de carne, que os servidores ento
cozinham. lf, ao saber do caso, ordena-lhes que destruam tal comida, j que o estranho
isitatepoaeleteohaiasidousehuao,assi,thi,odeusue os pagoshaiaadoadopo tato tepo;e, oluio ei,thioososeguiegaa TULUON,:.Maisdoueuatodeoao, teaosauiuatpica manifestao do deus interpretada, pelo rei, como derivando de um de seus
aspectos: o de enganador, pregador de peas (trickster). O mais interessante, porm,
neste como em outros casos em que se relatam intervenes divinas junto a seres
huaos,ueelasosoeetidasooaGiaeaoaatigasouoatigoEgitoaum passado mtico situado numa temporalidade vaga e indefinida das origens, mas sim, acontecem num tempo histrico definido e relativamente a personagens que
podem ser histricas (o que no quer dizer, claro est, que tais intervenes o sejam!). Os
deuses entram e saem da dimenso humana sem maior dificuldade, dada a
permeabilidade j mencionada das fronteiras entre o visvel e o invisvel; e, em muitos
casos, s a posteriori se percebe que foi uma divindade a manifestar-se, no um ser
humano como qualquer outro, to pouco dramtica fora a sua presena.
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Exemplo semelhante aparece na rvar-Odds saga, quando Barba Vermelha, um
homem indistinguvel dos outros mortais, com os quais interage de maneira corriqueira, a
seguir desaparece e nunca mais visto: as pessoas acreditam que, provavelmente,
tratara-se do prprio thinn (PLSSON; EDWARDS, 1987: 92).
Saxo Grammaticus, na sua obra Gesta Danorum, fornece diversos exemplos de
intervenes de thinn junto a humanos (lendrios ou histricos, conforme os casos). O
deus ensina a Sigmund encantamentos mgicos que garantam a vitria nos combates;
auxilia numa batalha outro heri, Hadding; entra num pacto com o rei dinamarqus
HaaldDetedeGuea,aueapaeeoouelhouitoalto,aolhoeeolidonum manto peludo,asdepoisseoltaotaoesoei,apoiadouiiigoseu,que por fim mata Harald com a ajuda de thinn. De novo, o deus pago est
simplesmente agindo segundo sua natureza: nos prprios mitos pagos, thinn no
confivel, posto que muda suas alianas e rompe os pactos que jurou, quando isso lhe
conveniente (SAXO GRAMMATICUS, 1894: 78, 298, 296; ver tambm DAVIDSON, 1996: 49-
50). As passagens pertinentes de Gesta Danorum so: II, 65; VII, 247; VII, 248.
Alm dos prprios deuses, outras personagens sobrenaturais transitam
ocasionalmente e de modo fcil entre a dimenso que habitam ordinariamente e o mundo
dos mortais, onde aparecem para causar perturbaes diversas, no conto de Helgi
Thorisson (PLSSON; EDWARDS, 1987: 277-279280; traduo para portugus e anlise:
CARDOSO, 1997: 67-83).
Por fim, a fronteira entre a vida e a morte parece frgil. Na saga dos
groenlandeses, po eeplo as ueosos outos eeplos podeia se itados,temos o episdio em que o cadver de um homem se pe de p e faz vaticos sua viva,
para a seguir voltar a cair (Saga dos groenlandeses, in JONES, 1965: 210-211).
Ao ser tthin/Woden considerado, em diversos textos, como um rei do passado
que os pagos, em sua ignorncia, vieram a divinizar e adorar, estamos no terreno do que
se chama de evemerismo. Este ltimo pode ser interpretado como algo que resultou de
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ua ifluiada leituadoslssiospelos ligosoupopessoas ujaeduao foileial, oo oi tuluso ue poduziaaaioia dos textos de que dispomos BOYE, : . Esta epliao, etetato, isufiiete. s ifluias, po simesmas, no explicam grande coisa: o que importa saber por que razo, dentre todas as
influncias disponveis que poderiam ser exercidas numa dada conjuntura, uma delas foi
escolhida num determinado caso. Em minha opinio, o evemerismo tinha uma razo de
ser precisa: permitia aos escandinavos (bem como, por exemplo, aos anglo-saxes)
continuar a reivindicar em certos contextos (legitimao de casas rgias ou nobres,
encantamentos mgicos diversos, etc.) as divindades pags, sem correr o risco de se ver
isto como uma infrao ao cristianismo vigente. Um exemplo bem conhecido de
transposio evemerista dos mitos cosmognicos e divinos do paganismo para a Histria
da Escandinvia a parte inicial do Heimskringla, Ygliga saga, ode a luta ete asduas famlias divinas dos Aesir e dos Vanir transformada em luta entre antigas casas
rgias escandinavas rivais (STURLUSON, 1995: 7-13).
No mesmo sentido geral, mas num plano de maior abstrao, era possvel
introduzir na histria humana um elemento mtico, integrando-o em interpretao que se
acreditava histrica. Um exemplo pode ser o encontro mtico carregado de consequncias
entre um deus e uma gigante, transportado para escritos histricos medievais na forma da
conjuno de um rei com uma mulher misteriosa, dotada de poderes especiais,
proveniente de alguma regio remota: um exemplo o casamento do rei noruegus Eirkr
Machado Sangrento com Gunnhildr, vinda de um norte distante cujos habitantes,
acreditava-se, eram hbeis mgicos (Heimskringla: Haald saga Hfaga, aptulo ;SORENSEN, 1997: 216).
posselueasaatestiasdaeligioesadiaae,oueos iteessaneste texto, as concepes relativas s relaes especficas, nela, entre o vsvel e o
iisel teha atido logaete u fote ate oseado ou aaizate,inclusive em como foi recordada em pocas posteriores, incluindo aquela j crist. Com
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efeito, existeteoiasueopeo iagiioeligiosoeitualdassoiedadestiaisnas quais as relaes de parentesco entre vivos e mortos, a ideologia/religio e a
sociedade so inseparveis, sendo a mitologia o trao unificador mediante o qual o
indivduo se iula aos deuses, ao gupo e aos atepassados e as soiedadeshierrquicas, nas quais se enfraquece a identidade entre religio e sociedade e pode
aparecer a monopolizao e a manipulao sociais crescentes tanto do poder quanto da
prpria religio. Os deuses e as pessoas so, a partir de ento, tendencialmente vistos
como estritamente diferentes e separados entre si; as divindades no necessariamente
desejaoedoshuaosedeesepopiiadasfuouetedeaseassuidapor um grupo dominateueiaeteestito,euatoosotos,osatepassados,se separam em boa parte das relaes de parentesco e habitam um mundo dos mortos
situado parte. Se bem que os processos ligados hierarquizao social que se deu nas
diferentes regies da Escandinvia da Idade do Ferro e medieval certamente incidiram na
religio, esta manteve muitos traos mais tpicos de uma indiferenciao relativa entre
mundo humano, mundo divino e dimenso dos mortos. Naturalmente, quando arcaismos
permanecem no tocante s concepes religiosas e/ou ao ritual, isto no precisa significar
que a sociedade no mudou; significa, eventualmente, que a religio esteja sendo usada
para ocultar ou distorcer os processos sociais em curso, na medida em que as pessoas
escolhem manejar o imaginrio como se as coisas continuem a ser como eram no passado
(HEDEAGER, 1992: 27-31, 177, 240).
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
FONTES PRIMRIAS:
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Islandia, Groenlandia y Amrica. Barcelona: Ediciones de Occidente, 1965, pp. 141-269
(numerosas fontes primrias traduzidas).
18
MAGNUSSON, Magnus; PLSSON, Hermann (introduo e traduo). Njals saga. Harmondsworth: Penguin, 1971.
PLSSON, Hermann; EDWARDS, Paul (trad. e introduo). Seven Viking romances.
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SAXO GRAMMATICUS. Gesta Danorum. Trad. Lord Elton. London: Folklore Society,
1894.
STURLUSON, Snorri. Heimskringla: History of the kings of Norway. Trad. Lee M.
Hollander. Austin: The American Scandinavian Foundation; University of Texas Press,
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SWANTON, M. J. (ed. e trad.). The Anglo-Saxon chronicle. New York: Routledge, 1998.
BIBLIOGRAFIA:
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CARDOSO, Ciro Flamarion. Narrativa, sentido, Histria. Campinas: Papirus, 1997.
DAVIDSON, H. A. Ellis. Gods and myths of the Viking Age. New York: Barnes & Noble,
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HEDEAGER, Lotte. Iron-age societies. Traduzido por John Hines. Oxford; Cambridge
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HUTTON, Ronald. The pagan religions of the ancient British isles: Their nature and legacy.
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19
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TODD, Malcolm. The early Germans. Oxford (UK); Cambridge (Mass.): Blackwell, 1995.
20
Dossi UM BREVE DEBATE SOBRE OS PRIMEIROS CONTATOS E A FORMAO DA ISLNDIA.
Munir Lutfe Ayoub5
RESUMO Neste artigo iremos acompanhar a historiografia e as novas fontes arqueolgicas, alm de fazer uma analise sobre os diferentes pontos de vista e as mudanas que os novos estudos e os novos achados arqueolgicos esto trazendo para a compreenso da ocupao da ilha da Islndia.
INTRODUO
Quando tratamos no meio acadmico sobre fontes para o estudo do mundo Viking
escandinavo possibilidades diversas so colocadas, porem devemos ter cuidados com
estas fontes, pois as mesmas nos colocam alguns problemas. O primeiro problema vem do
fato de que os relatados presentes nestas fontes sofreram influncias diversas como, por
exemplo, as influncias do contexto sociais e polticos vividos por aqueles povos, que ao
final acabavam moldando suas vises sobre seus antepassados, uma vez que o perodo
Viking teve inicio pelo menos quatro sculos antes dos primeiros escritos, esses que s
foram redigidas no sculo XII.
Para entendermos melhor esta questo teramos que olhar para fontes como o
Landnmabk (o livro da colonizao), este livro teve suas verses preservadas a partir do
sculo XIII, contudo os historiadores acreditam que a primeira verso tenha sido feita no
5 Mestrando em histria pela PucSP. Membro do NEVE, Ncleo de Estudos Vikings e Escandinavos (www.nevevikingstk) . Email: [email protected].
21
sculo XII. No Landnmabk podemos encontrar os relatos da ocupao dos primeiros
homens na ilha da Islndia, os relatos seguem as linhagens daqueles homens at os dias
de sua compilao, porem devemos tomar cuidado ao interpretar uma fonte como esta,
pois no podemos tomar como verdade todas as informaes que esta nos traz. Os
historiadores acreditam que o propsito do Landnmabk era de legitimar as elites
polticas daquele momento na Islndia, portanto se caracterizando como uma influencia
das elites ali presentes sobre os seus antepassados, uma vez que a ocupao da Islndia
no perodo Viking teria ocorrido pelo menos quatro sculos antes da compilao das
primeiras verses que foram conservadas dessa obra (Sawyer, 2001: 111-113; Roesdahl,
1998:226-227; Byock, 2001: 95-98).
Portanto hoje em dia os historiadores andam procurando fontes alternativas que
permitam uma melhor compreenso sobre o passado escandinavo, para uma possvel
confirmao destas fontes literrias ou para seu questionamento, estes estudos vem
sendo feitos tanto no campo das antigas crenas e f Viking, quanto para o contexto
histrico, social e poltico vividos por aqueles povos (Sawyer, 2001: 120-126; Roesdahl,
1998: 267-268; Graham- Campbell, 2006: 170-173; Byock, 2001: 89-91).
Neste artigo iremos acompanhar a historiografia e as novas fontes arqueolgicas,
alm de fazer uma analise sobre os diferentes pontos de vista e as mudanas que os novos
estudos e os novos achados arqueolgicos esto trazendo para a compreenso da
ocupao da ilha da Islndia.
FONTES, HISTORIOGRAFIA E CONSIDERAES SOBRE A OCUPAO DA
ISLNDIA NO PERODO VIKING
Para iniciarmos nossa observao sobre as fontes e a historiografia produzida
sobre a ocupao da Islndia devemos neste momento separar esta histria em duas
partes, uma antes do perodo Viking e a segunda durante o perodo Viking. O perodo
Viking marcado como o inicio da ocupao desta ilha pelos povos nrdicos e
22
escandinavos. Iniciaremos a nossa observao pelo segundo perodo e para isso
necessitamos aqui levantarmos algumas perguntas:
De onde vieram estes nrdicos e escandinavos que habitaram a Islndia? O que
estes buscavam nesta nova terra? Quando estes homens chegaram pela primeira vez?
A origem destes homens no to discutida como outras questes sobre a
ocupao da Islndia, muitos historiadores dizem que as origens destes homens do norte
so de variados lugares como a Irlanda, a Esccia, as ilhas Faroes, Shetland, Sucia e a
Dinamarca alm da Noruega que os historiadores acreditam ser o principal lugar de
origem destes homens (Sawyer, 2001: 118; Roesdahl, 1998:267; Graham- Campbell,
2006:170; Haywood, 1995: 92; Byock, 2001:82-83; Clunies Ross, 2010:5).
As fontes para a determinao desta origem so de variados gneros, uma das
principais o Landnmabk (o livro da colonizao) diz que dois homens Noruegueses
vieram habitar a ilha, eles se chamavam Ingolf e Hjorleif. Na continuao do livro achamos
a cena de Hjorleif sendo morto pelos seus escravos Irlandeses (Haywood, 1995: 92).
Portanto pela primeira fonte j poderamos dizer que os Noruegueses trouxeram
para a ilha escravos irlandeses, o que nos permitiria j buscarmos duas identidades destes
homens que vieram habitar a ilha, estes irlandeses provavelmente teriam como razes o
mundo celta.
Historiadores como Else Roesdahl tambm nos apontam para as analises dos
nomes de lugares e de pessoas presentes na Islndia, segundo Roesdahl lugares como
Brjnslkr tem em seu prefixo uma origem cltica de Brian, alm de personagens das sagas
como, por exemplo, Njl personagem principal da Njls saga escrita em 1280 terem
tambm o nome citado em batalhas como as de Clontarf6 (1014) regio prxima a Dublin
(Roesdahl, 1998:267).
6 Ultima batalha que marcou o fim da ocupao Viking na Irlanda a fuga desses povos para ilhas como, por exemplo, a da Islndia.
23
Para encerrarmos nossa primeira questo poderamos observar estudos como os
de Margaret Clunies Ross, em seu livro denominado The Cambridge Introduction To The
Old Norse-Icelandic Saga apresentado um estudo sobre DNA mitocondrial feito em 1000
exemplares de esqueletos de homens e mulheres encontrados na Islndia. O estudo
aponta que 63-5 por cento das mulheres vieram de regies como a Esccia e a Irlanda
enquanto 75-80 por cento dos homens vieram de regies como a Noruega ou outras
partes do continente escandinavo (Clunies Ross, 2010:5).
Portanto estes estudos encerram a primeira questo afirmando que as origens
destes homens so de lugares diversos como j citado anteriormente. Regies como
Irlanda, a Esccia, as ilhas Faroes, Shetland, Sucia, Dinamarca e Noruega.
A segunda questo para aqui pensarmos so os motivos destes homens em suas
sadas de suas terras e ocupaes de ilhas como a da Islndia, esta questo gera algumas
divergncias entre os historiadores e estas sero aqui demonstradas.
Historiadores como Paddy Griffith e Jesse Byock apontam para uma ocupao da
Islndia tendo seus primeiros motivos advindos da Noruega, pois naquele perodo o
antigo sistema de assemblia no qual todos os homens livres podiam participar comeava
a ser substitudo por um poder centralizado nas mos de um Rei denominado Harald
Finehair, o que fez com que muitos fazendeiros fugissem em buscas de novas terras sem
impostos e sem interferncia de um poder centralizado (Byock, 2001:82-84; Griffith,
2004:18).
Outras teorias sobre os motivos destes homens terem sado de suas terras e irem
ocupar a Islndia foram apontadas por outros historiadores como, por exemplo, Peter
Sawyer que diz que o real motivo de ocupao da Islndia o fato de que aos olhos dos
fazendeiros noruegueses estas novas terras descobertas aparentemente ofereciam
imensas oportunidades de explorao sem muito esforo (Sawyer, 2001:119-120).
As nicas fontes que temos para a anlise destes motivos so as sagas e os livros
como o Landnmabk (o livro da colonizao). No livro da colonizao o motivo apontado
24
para o abandono das antigas terras foi tirania do rei noruegus Harald Finehair, contudo
como j fora dito o escrito do Landnmabk fora feito no sculo XII seus primeiros
exemplares foram preservados somente no sculo XIII, portanto no nos dando certeza
sobre os reais motivos de ocupao da ilha, ocupao que havia ocorrido no sculo IX
(Sawyer, 2001:118-119).
A ltima questo aqui para observarmos sobre a ocupao da Islndia no perodo
Viking sua datao. Muitas datas foram apontadas por historiadores diferentes, porem
apesar de diferentes no divergem em um perodo grande de tempo uma da outra.
Poderamos comear a apontar estas mltiplas datas pelos livros de Paddy Griffith
e John Haywood, ambos acreditam que a ocupao da Islndia tenha ocorrido nos anos de
870, James Graham Campbell, no entanto aponta a data de ocupao da ilha para 860,
Jesse Byock por estudos estratigrficos aponta a datao para 871 2, porem
historiadores como Peter Sawyer preferem apenas apontar para o sculo IX, enquanto
Else Roesdahl acaba por no apontar nenhuma data inicial para esta ocupao em suas
consideraes sobre a Islndia (Sawyer, 2001:114; Byock, 2001:89-91; Griffith, 2004:16;
Roesdahl, 1998:265-269; Haywood, 1995: 92; Graham- Campbell, 2006:170).
As fontes para a datao da ocupao so de dois tipos, a primeira so as sagas, ou
os livros como o slendingabk (o livro dos Islandeses) e a segunda fonte so os estudos
estratigrficos. Iniciarei a nossa observao pelo slendingabk, este livro fora escrito
entre os anos de 1120-30 por Ari Frdi membro da elite islandesa j influenciada pela
religio crist e aponta a data de ocupao da Islndia para os anos de 870 quando diz o
seguinte:
Ielad as fist settled fo Noa i the das of Haald the Faihaied[Finehair], son of Halfdan the Black, at the time- according to the opinion and calculation of Teit my foster-father, the wisest man I have know, son of Bishop sleif, and of my paternal uncle Thorkel Gellison who remembered far back, and of Thurid daughter of Snorri Godi was both learned in many things and trustworthy- when Ivar, son of Ragnar Lodbrock, caused Edmund Saint, king of the English, to be slain; and that was 870 years after the birth of Christ. A
25
Norwegian called Ingolf, it is told for certain, went first from there [i.e. from Norway] to Iceland when Harald the Fairhaired was sixteen winters old, and for the second time a few winters later. Hesettledsouth iekjak.oesdahl,1998:266).
Porem para confirmarmos as dataes encontradas nos livros os historiadores
procuram outros estudos como os estratigrficos, neste sentido Jesse Byock em seu livro
Viking Age Iceland demonstra como podemos executar a datao da ocupao da Islndia
no perodo Viking por meio de outras fontes.
Byock quando trata do estudo estratigrfico que nos ajudaria a apontar a data de
ocupao Viking na Islndia nos diz que este estudo e feito pela comparao das camadas
de tephra vulcnicas. Segundo o historiador tephra um termo genrico para as
partculas solidas que voam no processo de erupo de um vulco como, por exemplo, p
vulcnico, fragmentos de pedra, pedra-pomes.
As camadas de tephra so muitas encontradas na Islndia, porem segundo Byock a
principal camada de tephra para os estudos Vikings na ilha a camada denominada
tephra landnm, que por comparaes de elementos achados em exemplares tirados das
geleiras da Groelndia datariam o inicio da ocupao Viking da Islndia para os anos de
871 2, portanto confirmando o que fora dito por Ari Frdi em seu livro slendingabk.
(Byock, 2001:89-91).
Portanto poderamos concluir esta parte do trabalho com alguns apontamentos
como os de que as origens dos homens que ocuparam a Islndia foram diversas, que esta
ocupao ocorreu por volta de 870 e por ultimo tambm que os motivos para ela foram
diversos. Motivos esses que vo desde as presses sofridas por homens na Noruega no
perodo de Harald Finehair, at o fato de estas ilhas chamarem ateno por oferecerem
grandes quantidades de terras sem muita resistncia.
Porem ainda no tratamos sobre as teorias de ocupao da Islndia antes do
perodo Viking o que faremos na prxima parte deste trabalho.
26
A OCUPAO DA ISLNDIA NO PERODO PR-VIKING
Uma ocupao pr-Viking da ilha da Islndia fora tratado por muitos historiadores,
entre eles temos Jesse Byock que em seus estudos disse que antes da chegada dos Vikings
a ilha da Islndia j era habitada por alguns monges, que eram chamados papar pelos
antigos Islandeses, porem a presena destes monges ainda no conseguiu ser afirmada
pela arqueologia, contudo a presena destes pode ser apontada pelos nomes de algumas
localidades como a Iha de Papey a sudoeste da Islndia (Byock, 2001:10-11).
Else Roesdahl tambm traz em seus estudos sobre a Islndia estes apontamentos
e nos diz que existem escritos do sculo quatro que trata de uma ilha ao norte da Gr-
Bretanha, estes escritos foram apresentados por James Graham-Campbell em seu livro e
realmente nos mostra fenmenos muito prprios da ilha como o sol da meia noite
(Roesdahl, 1998:267).
Fazagoatitaaosueossaedotesleiiueieaestailhadesdeoprimeiro dia de fevereiro at o primeiro dia de agosto me disseram que no s no solstcio de vero, mas tambm nos dias anteriores e posteriores, o sol poente esconde-se na hora do anoitecer como se estivesse atrs de uma pequena colina, e, portanto, no h escurido durante este perodo de tempo, e qualquer tarefa que um homem deseja realizar, incluindo procurar piolhos na camisa, se pode fazer exatamente como em plena luz do dia. Os que escreveram que o mar gelado volta da ilha esto enganados [...] mas depois de um dia de aegao daui paa o ote eotaa o a gelado.Gaha-Campbell,2006:170).
Porem a arqueologia at o momento das publicaes destes estudos ainda no
havia conseguido encontrar nenhum vestgio que apontasse para uma ocupao pr-
Viking da Islndia, no entanto este quadro esta mudando e no ano de 2011 achados
arqueolgicos na regio de Hafnir na pennsula de Reykjanes apontaram para a presena
de uma cabine. Geralmente as presenas de cabines marcam a existncia de uma fazenda,
a datao de carbono 14 feitas na regio apontou que a cabine se encontrava deserta
entre os anos de 770 a 880 D.C., portanto levantando a teoria que aquela instalao teria
27
ocorrido em tempos muito anteriores a chegada dos vikings na ilha que como j visto
ocorreu por volta de 870.
Assim sendo os arquelogos apontam para um possvel posto utilizado
temporariamente por homens do norte, originrios das ilhas britnicas ou da Escandinvia
que utilizavam a ilha em determinadas pocas do ano para a explorao de materiais
como pssaros, ovos, peixes, baleias e at mesmo dentes de morsa, porem as escavaes
nas localidades ainda no terminaram e as teorias ainda esto sendo levantadas.
Para encerrarmos este trabalho nos resta apontarmos o fato de que mais uma
vez estudos como a arqueologia e a estratigrafia se mostram como possibilidades de
reviso dos campos da histria, que nos servem como grande auxiliadora nas
interpretaes das fontes textuais que nem sempre eram exatas e por muitas vezes nem
tinha a preocupao de serem. Alm de nos lanarmos em novos estudos para a
compreenso da ocupao da Islndia.
BIBLIOGRAFIA
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Clunies Ross, Margaret. The Cambridge Introduction to the Old Norse-Icelandic Saga. New
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Roesdahl, Else. The Vikings. Traduo Margeson M., Susan e Williams, Kirsten. Londres:
Penguin Books, 1998.
Sawyer, Peter. The Oxford illustrated History of the Vikings. New York: Oxford University
Press, 2001.
28
Dossi
OS FIORDES E AS SERPENTES: DEFININDO ESPAOS
GUERREIROS NA SAGA DE LF TRYGVASSON
Pablo Gomes de Miranda7
RESUMO O presente artigo remete em seu ttulo as embarcaes de grande porte utilizadas pelo rei lf Tryggvason na batalha de Svld. Embarcaes poderosas e imponentes, descritas nas sagas como as maiores e melhores, a Serpente Longa, a Serpente e a Gara, navios citados na lfs saga Tryggvasonar, parte do Heimskringla, uma compilao de narrativas escandinavas do sc. XIII (por volta de 1230). Ser abordado aqui como os navios escandinavos surgem por uma necessidade geogrfica, tornando-se fulcral para o desenvolvimento e transporte de diversas atividades cotidianas e passam a ser fundamentais no modo de guerrear alm de parte integrante na cultura escandinava da Era Viking.
INTRODUO
Os conflitos guerreiros so constantes nas narrativas medievais que chamamos de
Sagas: elas criam laos entre os homens, forjam confiana, constroem laos de amizades,
famlias inteiras se mobilizam ao retinir do metal das lanas, espadas e machados, nos
escudos oblongos de madeira, vidas e mortes que so celebradas em potica e exploradas
em prosa. A batalha de Svld um conflito que se passou no Mar Bltico, onde o rei
7 Mestrando em Histria dos Espaos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), linha de pesuisaCultua,PodeeepesetaesEspaiais,odedeseoleapesuisaGuerra e Identidade: um estudo da marcialidade no Heimskringla sob orientao da Profa. Dra. Maria Emilia Monteiro Porto. Membro do NEVE, Ncleo de Estudos Vikings e Escandinavos (www.nevevikings.tk). E-mail para contato: [email protected] e [email protected]
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noruegus lf Tryggvason e os seus aliados enfrentam uma coalizo de foras
dinamarquesas, lideradas pelo rei Sveinn Tjguskegg8, foras suecas, das quais estavam
frente o rei Olof Sktkonung e foras norueguesas dissidentes, lideradas pelo jarl Eirk
Hakonnarson9.
O presente artigo remete em seu ttulo as embarcaes de grande porte utilizadas
pelo rei lf Tryggvason na batalha de Svld. Embarcaes poderosas e imponentes,
descritas nas sagas como as maiores e melhores, a Serpente Longa, a Serpente e a Gara,
navios citados na lfs saga Tryggvasonar, parte do Heimskringla, uma compilao de
narrativas escandinavas do sc. XIII (por volta de 1230). Ser abordado aqui como os
navios escandinavos surgem por uma necessidade geogrfica, tornando-se fulcral para o
desenvolvimento e transporte de diversas atividades cotidianas e passam a ser
fundamentais no modo de guerrear alm de parte integrante na cultura escandinava da
Era Viking.
Para compreendermos a construo de nossa espacialidade, utilizamos os estudos
de construo da paisagem na perspectiva de Simon Schama, que entrega um sentido de
eiaestutuadajutoatueza;osespaoslisoeestiadodeGillesDeleuze,aoqual compreendemos fazer parte as rotas, os locais de guerra e conflitos, alm da prtica
comercial; e as operaes de lugar e espao evidenciadas por Michel de Certeau,
8 Mais conhecido como Svein Barba-bifurcada.
9 Jarl comumente traduzido ao ingls como Earl, no sentido de conde. Queremos frisar, no entanto que Jarl, do nrdico antigo, est mais ligado ao carter blico de lideranas guerreiras, no necessariamente submetidas a algum poder central, e quando se encontra nessa posio, ainda mantm certo nvel de independncia e influncia sobre as suas regies de controle.Tambm poderia controlar o reino, caso o rei ainda fosse muito novo para assumir essa funo (SPRAGUE, 2007, p. 212). Quando fazemos referncia ao jarl Eirk Hakonnarson, importante lembrar que o mesmo faz parte de uma dinastia a parte da monarquia norueguesa, quando o rei Haraldr hrfagri, no processo de unificao da Noruega, no inclui o norte do territrio, sendo essa parte comandada pelas lideranas guerreiras de Lade, regio perto da atual Trndelag, (GRAHAM-CAMPBELL, 1997, p.42), ainda que tivessem permanecido em constante contato de alianas com os reis noruegueses. Na saga, lf Tryggvason se indispe com o pai de Eirk Hakonnarson, Hkon Sigurarson, que por sua vez havia tomado posse da Noruega na ausncia do rei.
30
principalmente quando o autor se detm as diferenciaes de espao e lugar. A guerra
produz uma mirade de espaos em sua prtica, sendo os barcos instrumentos para essa
produo, bem como partes essenciais dessas produes.
Apesar de dispormos a lfs saga Tryggvasonar como nossa fonte principal, os
relatos da batalha de Svld e da vida do rei lf Tryggvason so encontrados em vrias
fontes escandinavas. Podemos citar algumas como exemplo: a Historia Norwegi e a
Historia de Antiquitate Regum, so fontes latinas que contm ao menos partes ou
menes em seu corpo textual sobre esse conflito. A grip af Nregskonungasgum
apresenta um trecho extenso, dado a sua natureza sinptica e de relato breve, sobre a
batalha, criando um enredo prprio que informa ao leitor as razes dessa batalha. Entre
as diversas sagas do Flateyjarbk h uma narrativa pequena sobre o rei lf Tryggvason,
no Fagrskinna, encontramos trechos extensos e um contexto melhor elaborado, alm de
uma carga potica mais forte, alm de uma outra verso da mesma saga, com escrita
atribuda a Oddr Snorrason.
FIORDES, LAGOS E MARES: NAVEGANDO PELA ESCANDINVIA
Podemos considerar como Escandinvia principalmente as trs regies de onde
saram s colonizaes e assentamentos posteriores10, sendo assim Noruega, Sucia e
Dinamarca, logo podemos ter uma noo pela qual esses indivduos tinham tanto apreo
pelas suas embarcaes.
A Noruega entrecortada por estreitos fiordes que se estendem adentrando vrios
kilmetros entre montanhas ngremes. Possui uma quantidade elevada de ilhas prximas
costa, alm do terreno montanhoso que sempre dificultou a viagem por terra e atravs
de sculos de ocupao o mar era o meio mais vivel para a comunicao entre os
10 Podemos citar alguns aqui: Novgorod (862), Kiev (860), Northumbria (867), parte da nglia (869), Islndia (870), Caithness (890), Groelndia (986), Vinlndia (regio de New Foundland, norte do Canad, por volta do ano 1000), GRIFFITH, 1995, p. 15.
31
diversos distritos noruegueses. A Sucia possui extensos bosques e plancies, alm de
reas de superfcie montanhosa, onde encontramos, por exemplo, uma cordilheira que faz
fronteira com a Noruega. Porm, essa regio tambm cortada por um largo nmero de
lagos e rios, alm de ilhas que desempenharam importante papel econmico nesse
contexto, como o caso da ilha de Gtland, um importante centro de extrao de metais,
alm de ter sido um movimentado entreposto comercial. A atual paisagem natural da
Dinamarca foi severamente modificada, mas no recorte temporal a que propomos os
nossos estudos, situado na Idade Mdia, encontravam-se aqui um grande nmero de
pntanos, prados e marismas que rodeavam seus lagos e rios, os quais foram encobertos,
dragados e enxutos nos ltimos duzentos anos11.
A Geografia tem feito a construo de navios e da navegao serem essenciais para os escandinavos durante a histria. Numa paisagem onde o meio fluvial ofereceu linhas de comunicao prontas muito mais que o interior, botes e navios foram ferramentas essenciais para a sobrevivncia e desenvolvimento social. Foi a presena da gua os vrios estreitos e fiordes, alm do pronto acesso da costa para quase que todo lugar aquilo que distinguiu Dinamarca do continente e a fez como parte da Escandinvia. A formao dos Estados dependia de navios e somente com navios algum grau de controle poderia ser exercido sobre os povoados, os trechos costeiros da Noruega e Sucia, e sobre a arquipelgica Dinamarca (BILL, 2008, p.170)12.
Desde cedo os povos escandinavos detiveram13 uma relao muito curiosa com os
meios aquticos que vai interferir na produo de seus instrumentos de navegao14. H
11 Essas impresses sobre as formaes geolgicas e paisagens naturais da Escandinvia, foram feitas em cima dos estudos arqueolgicos de James Graham-Campbell, em GRAHAM-CAMPBELL, 1997.
12 Geography has made shipbuilding and seafaring essential for the Scandinavians throughout history. In a landscape where the waterway offered much more ready communication lines than most of the inland, boats and ships were fundamental tools for survival and societal development. It was the presence of water the many straits and fjords, and the ready access to the coast almost everywhere that distinguished Denmark from the Continent and made it part of Scandinavia. State formation was dependent on ships, as only with ships some degree of control could be exercised over the populated, coastal stretches of Norway and Sweden, and over the archipelagic Denmark.
13 E ainda detm, interessante lembrar como parte da economia dessas regies ainda hoje se faz pela pesca do bacalhau e de outros pescados, grande parte do transporte quando no feito por trens, recai sobre o sistema de transporte fluvirio escandinavo.
32
uma extensa produo de imagens de barcos em petrglifos pr-histricos e antigos na
Escandinvia, o pesquisador Johnni Langer (2003, p.48)15, por exemplo, analisou os
petglifosdeBakkehaugeodepodeseistoaldehuaospotadoahadoseescudos, percebemos outras figuras muito recorrentes: barcos do mais variados aspectos
[...] Uma antecipao do famoso drakkar dos Vikings euitossulosLNGE,,p.44) e T- ode eotaos diesas eaaes o popas de otiosserpentiformes, algumas inclusive com chifres na cabea, cercam dois gigantes, com o
pieiopotadolaaeahadoLNGE,,p.16.
14 Alm desse aspecto geogrfico, h outro aspecto de natureza histrica muito interessante, que a distncia com o mundo romano e, mais tarde, franco: os barcos comeam a tomar parte no meio scio-cultural como smbolo religioso tanto como smbolo secular. Jan Bill afirma que o seu significado simblico leva, naturalmente, a um refinamento em sua construo, que por sua vez reflete o prestgio de seu dono (BILL, 2001, p. 182 e 183).
15 Johnni Langer faz uma srie de anlises sobre material imagtico de um extenso perodo pr-viking, na pieiapatedeseuestudosoeoMitodoDagoaEsadiia. 16 Drakkar um nome latinizado, e geralmente mais difundido, referente aos barcos escandinavos medievais, principalmente aqueles relativos ao ato guerreiro da Era Viking.
33
Petrglifo de Bakkehaugen, encontrado em Skebjerg, Noruega17
Petrglifo T 248, encontrado em Kalleby, Sucia18
Em um contexto mais avanado, j em pleno medievo, as embarcaes
escandinavas podiam navegar em mar aberto, ao mesmo tempo em que deslizam pelos
rios e lagos sem o perigo de ficarem atolados, diferente dos pesados cargueiros francos e
saxes. Em 825 os indcios arqueolgicos indicam que os navios ganharam velas19, que
ajudam na navegao (antes feita inteiramente por remos), o casco reforado por fora e
apresenta um formato delgado, alm de serem flexveis, leves e fortes. Os construtores
17 Imagem retirada do site http://www.ludvigsen.hiof.no/webdoc/helleristninger/bakkehaugen-III-l.jpg
18 Imagem retirada do site http://www.europreart.net/images/bohus021_04.jpg
19 Os dados arqueolgicos que indicam essa afirmao so os achados do navio funerrio de Oseberg e Gokstad achados no Vestfold, Noruega, 1904 e 1880, respectivamente (ROESDAHL, 1998, p.83). Outros achados de maior expresso para o estudo de barcos escandinavos na Idade Mdia esto situados em Hedeby (Jutlndia) e Roskilde (Dinamarca, aonde se encontram, tambm, os achados das embarcaes Skuldelev). Existem outros achados menos conhecidos, mas muito importantes, como o de Klstad, Noruega, o qual recebe a datao mais antiga (990) para um tipo especfico de bote grande, com remos especializados em manobras litorneas chamado meginhfr, espcimes que podem ser achados tambm na skekrr, no oeste da Sucia.
34
provavelmente usavam a madeira em um formato prximo do formato desejado para a
embarcao (ROESDAHL, 1998 p.84). Se no levarmos em conta um grande nmero de
botes e de barcos pequenos, podemos coloc-los basicamente em dois grupos, aqueles
que tm suas estruturas pensadas para a funo de cargueiros e aquelas voltadas para as
atividades guerreiras20, ainda que no haja uma rgida homogeneidade em relao as suas
formas ou tamanhos.
O Knarr, tipo de embarcao que recai sobre a primeira categoria, um tipo de
barco mais largo e fundo, utilizado pelos colonos durante as navegaes do atlntico
norte, quando colonizaram a Islndia e Groelndia, tanto pela sua capacidade de carga,
quanto pela sua estabilidade em mar aberto. uma embarcao que necessita de menos
pessoas para manobr-lo, contm pouco espao para os remos e possua uma vela
quadrangular fixa. Esse cargueiro tambm era, essencialmente, utilizado para fins
comerciais. Os tamanhos variam, o Hedeby 3, por exemplo tem um comprimento de 25m
e capacidade de carga de 60t (BILL, 2008, p.176).
Os navios pensados para a guerra, Langskip, no entanto so bem diferentes. Mais
alongados e delgados que aqueles falados acima, era um navio que no poderia enfrentar
o mar aberto do Atlntico norte (no caso, a colonizao da Groelndia e Vinlndia no
seriam possveis com essa embarcao, pois devido as suas dimenses, ele seria
destroado pelas ondas), segundo LANGER, 2009, p. 177, eles alcanavam uma mdia da
velocidade de 8 a 10 ns, 18km/h e podia ser impulsionado tanto pela sua vela, quanto
por remo. O Hedeby I, prximo ao fim da Era Viking (datado de 985), possui 30,9m, espao
para sessenta remos, tinha 2,6m do mastro para os flancos (5,20m de dimetro na parte
mais larga, que era o centro) e altura de 1,5m do convs as laterais, deixando os
20 Para uma discusso baseada em cultura material sobre as categorias de botes e embarcaes pequenas, consultar ROESDAHL, 1998, GRAHAM-CAMPBELL, 1997 e LANGER, 2009.
35
ocupantes prximos gua21. Outro exemplo o Roskilde VI, aonde apenas a quilha mede
36m e comporta setenta remos. Abaixo algumas ilustraes que melhor exemplifiquem
algumas dimenses e propores a que prestamos esclarecer:
Desenho dos barcos encontrados na regio de Skuldelev, norte da Dinamarca. Os dois exemplares de cima (Skuldelev II e V), so embarcaes de guerra, enquanto os de baixo (Skuldelev I e III) so prprios para a
atividade cargueira22.
21 Essa era, provavelmente, uma embarcao voltada para as navegaes costeiras, principalmente no mar Bltico.
22 Imagem retirada de ROESDAHL; SRENSEN, 2008, p.125. Alteraes foram feitas por ns em cima do original.
36
Exemplos das dimenses da parte centro de cargueiros (Klstad, Skuldelev I e Hedeby 3) e embarcaes guerreiras (Hedeby I, Roskilde 6 e Skuldelev 2). Note que os cargueiros possuem um centro mais volumoso,
enquanto as embarcaes guerreiras so mais delgadas, comportando um maior nmero de remos, priorizando a velocidade23.
Os barcos escandinavos, prprios para os fiordes e da geografia essencialmente
aqutica da Escandinava foi onde o rei lf Tryggvason conduziu, nas sagas e relatos no
geral, boa parte de sua vida, dada em exlio no leste europeu, Inglaterra, Irlanda, etc. Ele
vai tomar posse da Noruega apenas cinco anos antes de sua morte, em nenhum momento
abandonando a atividade do saque e as expedies guerreiras. Diferente dos seus
antecessores necessrio toda uma carreira guerreira feita no saque para garantir
riquezas e homens, antes que pudesse partir para uma empreitada na realeza
norueguesa:
23 Desenhos feitos por Werner Karrasch e Morten Gtche, retirados de BILL, 2008, p.178. Alteraes foram feitas por ns em cima do original.
37
No fim do sculo nove e comeo do sculo onze, reis escandinavos lideraram saques Vikings, o que seus predecessores do sculo nove no fizeram. Parece tambm, que os homens anteriores que lideraram frotas Vikings, no conseguiram reconhecimento como governante em suas terras natais. Roric e GodofedoetoaaDiaaaeaespeaadeetoaopodeeal, as se suesso. Eles e uitos outos ldees Vikigs de sua poaparecem ter sido exilados, se contentando com o que pudessem ganhar na Europa Crist ou na Rssia. lf Tryggvason e lf Haraldsson foram afortunados, ambos se tornaram reis da Noruega aps carreira de saqueadores Vikings no exterior (SAWYER, 1984, p.145)24.
So atividades feitas rapidamente nas costas da Europa, atacando alvos
vulnerveis, retirando-se rapidamente antes que alguma dificuldade possa se levantar
contra essa ao. Foras que podem penetrar fundo no territrio atacado, tendo em vista
o fato de ter uma quilha pouco alta, coordenando ataques com foras terrestres, como
ocorreu no cerco a Paris de 885 887. Inclusive, em certas situaes como o ataque a
Exeter em 876, os escandinavos levaram a bordo os mantimentos e equipamentos
daqueles que movimentaram por terra. Os saques so de pequena escala no comeo, no
se limitando ao mar Bltico, ele ataca a Frsia, Scania, Saxnia e mais tarde avana pelo
territrio francs e ingls, inclusive cooperando com Sveinn Tjguskegg. curioso
perceber como vrias etapas da vida desse rei so descrita nas sagas em sintonia com o
mar, tendo desviado o curso de sua vida quando criana, adentrado a uma vida guerreira
independente e cado em batalha no mar gelado do Bltico, to familiar aos barcos dos
quais passou boa parte de sua vida.
A construo de uma paisagem gelada e dos fiordes comea a ser identificada em
torno dessas embarcaes, sempre associada a uma atividade guerreira. Uma paisagem
que se desloca junto com os seus ocupantes, impressas nas dimenses e formatos de seus
24 In the late tenth and eleventh centuries Scandinavian kings led Viking raids, their ninth-century predecessors did not. It also appears that the men who did lead early Viking fleets were unable to gain recognition as rules i thei hoelads. oi adGodfed etued toDeak i i thehopeofgaiigoalpoeutithoutsuess.The,adostotheVikigleadesatthattie,appeatohaebeen exiles who had to be content with what they could win in Christian Europe or in Russia. Olaf Tryggvason and Olaf Haraldsson were more fortunate, and both became kings of Norway after careers as Viking raiders overseas.
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barcos, esses que serpenteiam cortando as ondas e mostrando suas carrancas no
horizonte. O conflito levado junto com essa construo, produzindo uma paisagem de
terror que vem do norte. Caracterstica marcante desses barcos so as carrancas
colocadas na proa, conferindo-lhes um aspecto blico enquanto deslizam pelas ondas de
diversos mares da Europa25. A natureza do norte, do gelo e dos rios uma fora que
modifica as embarcaes (ainda que a vela tenha sido adquirida como parte das
experincias comerciais que proporcionaram um contato com as embarcaes da Europa
ocidental) e as dispe entre projetos de deslocamento, comrcio e guerreiras. Uma idia
que certamente evoca uma experimentao dos fiordes e daquelas terras penetradas
pelos meios aquticos.
Pode-se taa u paalelo o Paisage e Meia de io haa(SCHAMA, 1995), quando nossas impresses e experimentaes so parte da paisagem
desenhada ou concebida culturalmente: o navio remete ao fiorde; a paisagem que se
desloca relembrando de onde vm as aes blicas, seja na guerra ou nos saques vikings.
O homem podepoduziuolhasoeaatuezadestitudodeuaisuedaselhasiatuas da ultua? s eaaes ue pate dos fiodes e do espao geogfioescandinavo de uma maneira geral so produtos da anexao cultural sobre a natureza.
Adentrando ao sagado,aodeesseautoaeditaseopopsitodesuaoaeupeaos eios de ito e eia eistetes soe a supefie CHM, , p.26. O sagrado ligado s embarcaes escandinavas so as inumaes funerrias, nas quais as
25 A palavra aqui Ormr, que significa tanto drago, quanto serpente.
26 O autor escreve rapidamente sobre a mitologia nrdica, falando da adorao da rvore, a Yggdrasil, a rvore gigante que suporta os vrios mundos e aonde o deus Odin ficou pendurado por nove dias afim de conseguir poder e sabedoria. Outra proposta interessante da relao entre paisagem e o sagrado entre os escandinavos, encontra-se nos Landvaettir, os espritos da natureza que protegem a Islndia e que fazem parte das prticas religiosas e rituais mgicos daquela regio. Na lfs saga Tryggvasonar, o rei Haraldr da Dinamarca tenta invadir a ilha por meios mgicos e eis que surgem quatro guardies, seres ligados a natureza, para impedir a sua invaso.
39
pessoas so enterradas junto a navios com tesouros e pertences pessoais ou em tumbas
com o formato de navios:
Arquelogos tm achado sepulturas no formato de navios o contorno do bote delineado com largas pedras para formar uma estrutura para a sepultura na Escandinvia do comeo da Era do Ferro (cerca de 500 d.C.). Mas restos navios queimados e enterrados so achados na Escandinvia por volta do sculo stimo ou seja, pouco antes da Era Viking culminando nos magnficos achados tais quais os navios de Gokstad e Oseberg na Noruega, os quais contm corpos e tesouros. Esses navios foram preservados pela argila na qual eles foram eteadosODONOGHUE,,p.27.
relevante frisarmos alguns aspectos conceituais de cunho mtico-religioso que
acompanham as narrativas acerca dos Skjldungos e Ynglingos, dinastias das realezas
dinamarquesas e norueguesas, respectivamente, na sua ligao direta com os seus deuses
fundantes, Njrr e Freyr, divindades ligadas ao mar e a fertilidade, possuidores do barco
mtico Skblai. Coo oloa o pesuisadoMaus Geds , p. o ulto fertilidade e o culto morte so intimamente ligados [...] devemos apenas pensar o
despertar da natureza na primavera aps o inverno no contexto do culto fertilidade28.
NAVEGANDO NUM HORIZONTE LISO E ESTRIADO
At conseguir o trono da Noruega, os relatos sobre a vida lf Tryggvason so
extensos, na saga em que estamos nos referenciando, ele sempre est alternando entre
certo nomadismo e um sedentarismo: sua vida comea com a fuga para a corte de Hkon,
o Velho, na Sucia, pois sua me, temendo represlias do usurpador Haraldr grfeldr, foge
27 Archaeologists have found graves in the shape of ships the outline of a boat picked out in large stones to form a frame for a grave from the beginning of the Iron Age (about 500BC) in Scandinavia. But the remains of burnt and buried ships are found in Scandinavia from about the seventh century AD that is, from just before the Viking age culminating in the magnificent finds such as the ships from Gokstad and Oseberg in Norway, which contained bodies, and treasure. These ships were preserved by the clay in which they were buried.
28 Fertility cult and death cult were intimately united. It reminds us of the cultic scenes and processions on the Oseberg tapestry, or we need only think about the reawakening of nature in spring after winter in the context of fertility cult.
40
com seu filho e um seleto corpo de funcionrios de confiana. Aps dois anos, eles vo ao
encontro de Sigurr (tio de lf) em Garariki (regio prxima a Novgorod, na Rssia), na
corte do rei Valdamar. No mar Bltico, entretanto, eles so capturados por bandidos da
Estnia e separados. lf cresce em uma fazenda na Estnia, at que o seu tio lhe
reconhece e o leva embora para ficar sob a proteo da rainha llga de Garariki.
Quando se torna adulto, ele prefere sair dessa regio e se entrega a atividades vikings,
saqueando Borgundarholm. Suas atividades vikings cessam quando ele se casa com uma
mulher chamada Geira e herda Wendland do rei Brizslf, saqueando as pessoas que se
encontram nessa regio, mas que se recusam a lhe pagar taxas.
ps pouos aos de asaeto, sua esposa falee: lfi tti at s ikillskai, at hann festi ekki yni Vindlandi, san; r hann ser ar til herskipa ok for enn
hea,hejai fstuFsladokastualadokalt Fligjalad lfs saga Tryggvasonar, 29). Segundo a saga, o mar uma maneira de aliviar a dor de sua
perda, junto a ele o saque viking a prtica encontrada para aproveitar o mar. At que
suas navegaes lhe levam as ilhas Scilly29, aonde batizado e depois vem a se casar com
Ga, rainha de Dublin. Se recusando a praticar saques vikings, ele passa a navegar em
aes missionrias, convertendo as rcades e Hbridas, at que se torna, enfim, rei na
Noruega, em ocasio da morte do jarl Hkon.
Outros famosos vikings entre as narrativas escandinavas so os de Jmsborg, ou
Jmsvikings. Citemos trs motivos para justificar um rpido comparativo com a vida
nmade do rei lf Tryggvason: 1 Esto relatados na fonte proposta como parte de nossas pesquisas, a lfs saga Tryggvasonar, 2 Independente de terem existido ou no (pois so poucas as provas diretas de sua existncia), eles impem uma fora naval
respeitada na narrativa das sagas nas quais so mencionados, graas seu poderio
martimo e refinamento guerreiro, 3 Os Jmsvikings agem como a mquina de guerra
29 Pequeno conjunto de ilhotas, perto da Inglaterra
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que ataca de forma gil e agressiva as monarquias e lideranas regionais, mas que se
passam a ser controlados pelos reis dinamarqueses e usados em seus empreendimentos
guerreiros.
Esses homens fazem parte de um corpo especializado de guerreiros que ingressam
nessa fora dentro de uma faixa etria, so proibidos de cometer certos excessos e vivem
unicamente para a guerra; a saga desses vikings (Jmsvikinga saga) finaliza com a extino
de seu corpo guerreiro e vrios de seus lderes na batalha de Hjrungavgr em 986 ou 987
(Wrth, 2005, p.162); apesar de sua independncia e nomadismo, esto presos a guerra
dinamarquesa, pelo rei Sveinn Tjguskegg.
O barco est envolvido diretamente com a atividade viking e na maneira como ela
encarada. Viking como atividade de saque insere-se de maneira nmade e o barco o
seu instrumento. Instrumento e arma, claro, estando dentro da complexa dinmica de
populsoueofazdeiadese istueto.Uaaaetafiauedeslizapeloespao estriado, j que o nmade no se movimenta sozinho, mas o barco o faz com ele,
instrumento e arma que tambm lhe confere sua identidade na saga. Tanto lf quanto
os Jmsvikings significam-se perante o nomadismo, ambos o so sem o serem totalmente.
lf ocasionalmente pontua uma regio para habitar e toma sua frota para ir cobrar taxas
ou instaurar a f crist. Os Jmsvikings tem sua base em Jmsborg, e ali concentram seus
suprimentos e equipamentos. lf quando no estava casado e no era cristo, detinha-
se em esforos de saque viking, invadia terras e tomava o butim com os seus guerreiros.
Uma dinmica parecida acontecia com os Jmsvikings e dependendo como eles encaram
as suas empreitadas, o seu espao adquire diferentes configuraes. Espao liso ou
estriado, nmade ou sedentrio? Esses questionamentos recaem sobre a maneira como
conduzem seus barcos.
Independente disso ambos morrem como homens da guerra que so, em
prestgios e grandes batalhas, mas para as grandes foras sedentrias e : lf Tryggvason
42
morre na batalha de Svld para outro noruegus, o jarl Eirk, um verdadeiro homem do
Estado (no sentido deleuziano) aps efmeros cinco anos de reinado. Se a comparao de
Deleuze e Guattari cabem aqui, os Jmsvikings caem de maneira semelhante, em combate
com o mesmo lder guerreiro, um lder cujo pai havia tomado o lugar do antigo rei da
Noruega e acabado com a sucesso da dinastia Ynglinga.
O espao liso um espao sem marcas, um espao sem canais, um espao
heterogneo pela sua natureza ausente de relaes. O espao estriado homogneo, um
espao das relaes, marcado por elementos culturais e humanizados:
s oposies liso-estiado os eete a complicaes, alternncias e superposies muito mais difceis. Mas essas complicaes s fazem confirmar a distino, justamente porque colocam em jogo movimentos dissimtricos [...] Em suma, o que distingue as viagens no a qualidade objetiva dos lugares, nem a quantidade mensurvel do movimento nem algo que estaria unicamente no esprito mas o modo de espacializao, a maneira de estar no espao, de ser no espao30 (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.189 190).
lf Tryggvason comea a delinear um estriamento no espao martimo guerreiro
(ainda que o mar seja um espao liso por excelncia), quando instaura o cristianismo pela
Escandinvia, comea a pontuar novos espaos e faz-los adentrar ao cristianismo pelo
dilogo e pela fora, o barco aqui mais instrumento que arma e o espao, no se situa de
maneira lisa como o que pertence ao espao martimo viking, em oposio a esse espao
martimo missionrio. Essa forma de instrumento encarada nas converses, suas aes
propriamente guerreiras acontecem em terra e so raras. Manobrar o barco para o saque
viking faz-lo em um espao liso por excelncia, estriando na medida em que ocorrem
os saques ou na medida em que se navega por cabotagem. Os Jmsvikings quando
seguem para a batalha e no para o saque viking, seguem por um espao estriado, ainda
que seja, muitas vezes, o mesmo mar, eles tm objetivos certos, uma batalha
determinada e inimigos marcados.
30 Grifos nossos.
43
Em oposio a esse Estado, a mquina de guerra que so os espaos martimos
guerreiros voltado para as expedies vikings, essas que transformam o barco em arma.
o impulso que navega por um espao liso que se ocupa a saquear quando as
oportunidades e os riscos convm, sintetizando a ao de partir como um viking:
Pequeno grupo armado que se desloca para regies distantes da sua comunidade de origem, utilizando basicamente tcnicas de pirataria com ao rpida, fulminante e precisa, com propsitos predatrios. Tambm podem ser expedies punitivas ou com objetivos polticos (LANGER, 2009 p.181).
Entretanto o ato viking no era feito sem algum conhecimento prvio dos locais a
serem atacados, uma ao possibilitada pela larga experincia comercial que os
escandinavos tiveram com a Europa. Primeiro que tais experincias possibilitaram um
conhecimento sobre as embarcaes da Europa ocidental, levando-os a adotar as velas
em suas prprias embarcaes. Segundo que, as prticas comerciais os levaram a tomar
conhecimento das riquezas que os territrios visitados possuam, quais as suas prticas
cotidianas, atividades e problemas polticos, alm da prpria estrutura fsica dos locais
que seriam saqueados, vantagens e se os riscos compensariam a empreitada. Apesar de
fazermos uma breve diferenciao entre o espao guerreiros (esse que percebemos
diferenciado eteapahaeikigeaptiaoeial,essesopodeeistiem total separao, so prticas que coexistem no uso das embarcaes e que fazem
parte da vida dos povos escandinavos. No fim do sculo VII, houve um aumento nas trocas
comerciais entre o continente e a Inglaterra o que acarreta no desenvolvimento de
diversos centros comerciais: Dorestad no Reno, Quentovic perto de Bolonha, Hamwic,
Fodih,Lodes,IpsiheYok,essesltiosaIglatea.A Escandinvia e as terras ao redor do Bltico logo foram afetadas por esse desenvolvimento, pela produo naquela
egio,patiulaetesuaspeleseaealoizadasaEuopaoidetal (SAWYER,
44
2001, p. 4)31. Do comrcio ao saque e vice-versa era apenas uma mudana, inclusive de
atitude perante o prprio barco, retirava a carranca outrora colocada na proa, que dava o
aspecto blico dessas verdadeiras serpentes.
Independente das construes feitas na saga, o fato que ele foi um poderoso
lder guerreiro que desempenhou um papel fundamental na formao do reino da
Noruega, seus efmeros cinco anos a frente da conquista dos territrios noruegueses s
foram possveis pela sua longa carreira viking, que lhe proporcionou ganhos materiais o
suficiente para possibilitar sua expanso a partir da regio de Viken, regio onde possua
parentes que lhe pudessem oferecer apoio, bem como antigo domnio de seu pai (e no
em Trndelag, como aponta nossa fonte):
A troca de presentes foi um fator poltico e econmico importante na Era Viking e alm, e ambas a generosidade da realeza e os objetos valiosos que eram presenteados, foram celebrados na poesia escldica. A riqueza adquirida das expedies Vikings tornou possvel para os seus lderes, atrair mais homens para o seu comando, que anteriormente, os quais podiam ser usados para ganhar mais riquezas. (BAGGE, 2010, p.35)32
CONCLUSO
Para Michel de Certeau (CERTEAU, 1994), h uma diferena ntida entre espao e
lugar. Lugar pode ser entendido como uma configurao instantnea de posies ordenado e estvel, pois ele a mera posio na qual as coisas se distribuem nas relaes
de coexistncia. O espao uma animao de mveis, onde se levam em conta vetores de
direo, quantidade de velocidade e tempo. O espao uma percepo, podendo ser
opaado deto de ua elao espao luga oo a palaa uado falada:
31 Scandinavia and the land round the Baltic were soon affected by this development, for the produce of that region, particularly its furs, was highly prized in western Europe.
32 Gift exchange was an important political and economic factor in the Viking age and beyond, and both Royal generosity and the valuable objects that were given are celebrated in the skaldic poetry. The wealth from the Viking expeditions made it possible for chieftains to attach more men to their service that earlier, who could then be used to gain further wealth.
45
peeida a abigidade de uma efetuao, mudada em um termo que depende de mltiplas convenes, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e
odifiadopelastasfoaesdeidasapoiidadessuessiasCETEU,,p.202). Diferente do lugar, o espao no apresenta estabilidade tendo em vista sua natureza
que no comporta um carter unvoco.
Dentro da operao de transformaes de lugar em espao (e tambm o inverso),
nos resta compreender que o espao um lugar praticado, a transformao feita pela
experimentao. Nossa idia que as prticas guerreiras tambm sejam uma prtica do
espao quando os guerreiros so apontados nas narrativas medievais como parte de um
evento maior, aonde eles recebem nomes e so inseridos dentro de um contexto blico
prprio.
Na lfs saga Tryggvasonar, os guerreiros so apontados, adquirindo na escrita da
narrativa e na Longa Serpente um espao prprio: Ulf, o vemelho; Kolbjorn; Thostein
Uxafot; Vikar de Tiundaland; Vak Raumason de Gaut; Berse, o Forte; Skyte de Jamtaland;
Thrand, o Forte de Thelamork e o seu irmo Uthyrmer; Thrand Skjalge e Ogmund Sande,
os homens de Halogaland; Hlodver Lange, de Saltvik, e Harek Hvasse; Ketil, o Alto, Thorfin
Eisle, Havard e seus irmos de Orkadal, homens de ranheimr; Bjorn de Studla, Bork dos
Fiordes, etc. Os nomes sendo sempre ligados a eptetos que qualificam o guerreiro ou o
ligaasuapoedia,atuepofiaaatiaepoha:euitosoutoshoes,muito valorosos, estavam na Serpente, os quais no podemos nomea-los lfs saga Tryggvasonar, 94)33. Os eventos blicos, principalmente martimos, so foras praticantes
de espao por excelncia nas narrativas medievais escandinavas. Os navios longos, esses
que so prprios para a batalha carregam homens para batalhas que levam em seu nome,
os espaos onde as fontes apontam como palcos dos acontecimentos dessa natureza so
definidos e acabam por compreender todo o evento em si, se tornando um espao.
33 ok margir arir menn, mjk gtir, vru Orminum, tt vr kunnim eigi nefna
46
Svld um espao, enquanto caracterizado como uma batalha, enquanto torna os
homens que ali se encontram em demarcaes de um espao prprio e guerreiro, a
narrativa forma espaos quando apontam tais homens:
Nessa organizao, o relato tem papel decisivo. e dida, desee.Mastodadesioaisueuafiao,uatoultualeteiado.Elatem at poder distributivo e fora performativa (ela realiza o que diz) quando se tem um certo conjunto de circunstncias. Ela ento fundadora de espaos (CERTEAU, 1994, p.209).
As embarcaes tambm so espaos, na medida em que se tornam propriamente
identificadas na narrativa, em que identificam os guerreiros que se encontram nelas ou
quando so foras atuantes nos relatos. O que pretendemos mostrar que os navios
escandinavos da Era Viking esto inseridos como parte importante da construo dos
espaos. Espaos guerreiros que identificam propriamente as pessoas que os utilizam, e
que tambm tem um papel importante na organizao dos conflitos guerreiros.
Alm de estarem ligados a uma engenharia nutica que no pode se esquivar das
necessidades geogrficas daqueles que as construram, as embarcaes so instrumentos
que agem no estriamento do espao liso, que se fazem como espaos em operaes
diferentes, dependendo do seu uso, voltado para o saque viking (e as campanhas
guerreiras) ou o comrcio (que acabam por estriar o espao liso de maneira diferente).
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49
Dossi
ISLNDIA NO ANO 1000 d.C.: UMA ANLISE SEGUNDO O
ISLENDIGABK
Renato Marra Moreira34
RESUMO O documento Islendigabk traz em seu captulo sobre o assentamento da Islndia como Inglfr sendo o primeiro noruegus a se mudar. Nos prximos sessenta anos a ilha foi completamente povoada, a ponto do rei da Noruega, Harald FairHair, proibir a migrao por medo de seu pas ficar deserto. A partir desta proibio o rei Harald inclusive estipulou uma quantia a ser paga por todo noruegus que fizesse a travessia para a Islndia.
A Islndia um pas insular situado no extremo norte do continente europeu. Sua
ocupao pelo povo escandinavo se iniciou a partir do ano 870 d. C.. Porm eles no
foram os primeiros a habitar este local. De acordo com o documento histrico
Islendigabk35, cristos provenientes provavelmente da Irlanda a abandonaram na mesma
34 Renato Marra Moreira. Graduando do curso de Histria da Universidade Federal de Gois. Orientador (a): Dra. Armnia Maria de Souza - ISLNDIA NO ANO 1000 d.C.: UMA ANLISE SEG