GUILHERME GUERBACH
CRIMES CONTRA A HONRA
FACULDADES INTEGRADAS TOLEDO
ARAÇATUBA – SP
2012
2
GUILHERME GUERBACH
CRIMES CONTRA A HONRA
Trabalho de Conclusão de Curso (monografia
jurídica) apresentado como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito à Banca
Examinadora do Centro Universitário Toledo sob
a orientação do Prof. Ms. Adriano de Oliveira Jr.
FACULDADES INTEGRADAS TOLEDO
ARAÇATUBA – SP
2012
3
BANCA EXAMINADORA
________________________________
Prof.
________________________________
Prof.
________________________________
Prof.
Araçatuba, ___ de __________ de
2012.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os que me ajudaram neste
longo caminho, em especial ao professor Prof.
Adriano de Oliveira Jr.
5
RESUMO
O presente trabalho, realizado como requisito parcial para a obtenção do certificado de
conclusão do Curso de Bacharelado em Direito, foi realizado através de pesquisas
bibliográficas e jurisprudenciais. Tem como principal objetivo o exame de vários
aspectos dos denominados „crimes contra a honra‟, constantes do quinto capítulo da
Parte Geral do Código Penal..
Palavras chaves: direito – direito penal – crimes contra a honra – calúnia, difamação e
injúria.
6
ABSTRACT
This work, conducted as a partial requirement for obtaining completion certificate
course of Bachelor of Laws, was conducted through literature searches and
jurisprudence. Its main objective examination of various aspects of so-called 'honor
crimes', contained in the fifth chapter of the General Part of the Criminal Code.
Keywords: law - criminal law - offenses against honor - slander, defamation and libel.
7
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 08
1. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE ................................................................ 09
1.1. Na Constituição Federal de 1988 ................................................................... 09
1.2. Na lei civil ...................................................................................................... 11
1.3. Na lei penal .................................................................................................... 12
2. OS CRIMES CONTRA A HONRA ........................................................................ 14
2.1. A honra ........................................................................................................... 14
2.1.1. Honra subjetiva e honra objetiva .......................................................... 15
2.2. Aspectos gerais e históricos ........................................................................... 17
3. OS CRIMES CONTRA A HONRA EM ESPÉCIE .............................................. 19
3.1. Calúnia ........................................................................................................... 19
3.1.1. Aspectos gerais ..................................................................................... 19
3.1.2. Classificação ........................................................................................ 23
3.1.3. Algumas questões polêmicas ................................................................ 26
3.2. Difamação ...................................................................................................... 28
3.2.1. Aspectos gerais ..................................................................................... 30
3.2.2. Classificação ........................................................................................ 30
3.2.3. Algumas questões polêmicas ................................................................ 32
3.3. Injúria ............................................................................................................. 35
3.3.1. Aspectos gerais ..................................................................................... 35
3.3.2. Injúria real ............................................................................................ 38
3.3.3. Injúria racial .......................................................................................... 40
3.3.4. Classificação ......................................................................................... 41
4. DISPOSIÇÕES COMUNS AOS CRIMES CONTRA A HONRA ...................... 43
4.1. Aumento de pena............................................................................................ 43
4.2. Exclusão do crime .......................................................................................... 44
4.3. Retratação e explicações em juízo ................................................................. 44
4.4. Ação penal ...................................................................................................... 45
4.5. O procedimento nos delitos contra a honra ................................................... 46
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 51
8
INTRODUÇÃO
Como veremos no decorrer deste trabalho monográfico, os crimes contra
a honra têm como função a proteção de um patrimônio imaterial dos indivíduos, qual
seja, a honra: um dos direitos da personalidade dos indivíduos, seja em seu aspecto
subjetivo, como nos casos de injúria; seja em seu aspecto objetivo, como nos casos dos
delitos de calúnia e difamação.
No primeiro capítulo trataremos dos direitos da personalidade trazendo,
inicialmente, o seu conceito, e em seguida, sua base normativa na Constituição Federal
de 1988; na lei civil (especialmente no Código Civil de 2002) e sua proteção penal no
Código Penal.
No capítulo seguinte, trataremos especificamente da honra, que é a
espécie dos direitos da personalidade tutelado pelo Código Penal mediante a tipificação
de condutas que atentem contra esse bem jurídico.
Inicialmente traremos o conceito jurídico de honra, bem como,
apresentamos a conhecida distinção conceitual que se faz entre honra subjetiva e honra
objetiva. Em seguida, discorreremos sobre alguns aspectos importantes da honra, bem
como, seu histórico legislativo no mundo e no Brasil.
Finalmente, no capítulo de número três, entraremos nos exame das três
espécies de crimes contra a honra conhecidas no direito brasileiro: a calúnia, a
difamação e a injúria, e em vários subtópicos veremos os aspectos gerais de cada um
desses delitos, bem como sua classificação doutrinária e as polêmicas que os envolvem.
No quarto e último capítulo, trataremos das disposições legais comuns
aos três delitos, também constantes do Capítulo V da Parte Geral do Código Penal, que
cuidam de casos de aumento de pena, exclusão do crime, hipóteses de retratação e as
respectivas ações penais adequadas à suas defesas em juízo.
9
1. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE
2.1 – Na Constituição Federal de 1988
Os direitos da personalidade são direitos básicos e intrínsecos
pertencentes a todos os seres humanos, e são derivados da simples condição humana,
enquanto seres únicos e individualizados em todo o mundo.
De acordo com Limongi França, os direitos da personalidade são “as
faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito,
bem assim suas emanações e prolongamentos.”1
Segundo Flávio Tartuce:
os direitos da personalidade podem ser conceituados como sendo aqueles
direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade. Surgindo cinco ícones
principais: vida/integridade física, honra, imagem, nome e intimidade.
Essas cinco expressões-chave demonstram muito bem a concepção desses
direitos. 2
Ainda segundo o doutrinador mencionado, por serem direitos de
personalidade, são irrenunciáveis, intransmissíveis e inalienáveis. E, pelo fato de
interessarem primordialmente „à pessoa e à sua dignidade‟, vê-se que esses direitos têm
relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana, que consta do art. 1, III,
da Constituição de 1988.
A atual Constituição não foi indiferente a eles, mas, pelo contrário, os
inseriu no rol dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, constantes do artigo
5º da Carta, e o fez em duas oportunidades.
Na primeira, no inciso V que cuida do direito de resposta e de
indenização por dano moral ou à imagem; e no inciso X, que também trata da honra e da
imagem das pessoas e também prevê a reparação pecuniária por danos morais
decorrentes de sua violação:
1 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.
99. 2 TARTUCE, Flávio. Os direitos da personalidade no novo código civil. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/7590/os-direitos-da-personalidade-no-novo-codigo-civil. Acessado em:
28/09/2011
10
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
Dentre esses direitos de personalidade o que mais no interessa neste
trabalho é evidentemente o „direito à honra‟, que é uma de suas espécies, e que será
tratada em tópico específico neste trabalho.
Não custa ainda lembrar, por estarem inseridos na parte da Constituição
que trata dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, tais direitos são
imodificáveis pelo legislador constituinte derivado, pois constituem cláusulas pétreas,
nos termos do artigo 60, §4º, IV da Carta.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(...)
IV - os direitos e garantias individuais.
Pelo conteúdo dos dispositivos constitucionais citados, facilmente se
percebe que o legislador constituinte foi claro ao proteger a honra dos indivíduos,
mediante a previsão de indenizações decorrentes de sua violação.
2.2. Na lei civil
11
A lei civil também trata dos direitos da personalidade. A principal delas,
o Código Civil de 2002, trata do assunto no Capítulo II (Dos Direitos de Personalidade)
de seu Título I, nos artigos 11 a 21.
Dentre as disposições mais importantes para o presente estudo, estão os
artigos 12 e 17:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.
(...)
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em
publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda
quando não haja intenção difamatória.
Do conteúdo dos dispositivos podemos extrair algumas conclusões. A
primeira, relacionada ao artigo 12, é que eventual condenação em âmbito civil (perdas e
danos) é independente „de outras sanções criminais previstas em lei‟.
A segunda, conforme o artigo 17, é que o dever civil de indenizar pode
subsistir mesmo se comprovado que o agente violador não teve nenhum „intenção
difamatória‟, isto é, admite-se a modalidade culposa.
Observe-se, também, que os direitos da personalidade instituídos pelo
Código Civil não são exaustivos, ou seja, não esgotam o leque de direitos da
personalidade dos indivíduos.
Conforme Flávio Tartuce:
... acreditamos que o novo Código Civil não supre todo o tratamento
esperado em relação aos direitos da personalidade, que sequer podem ser
concebidos dentro de um modelo ou rol taxativo de regras e situações. De
qualquer forma, os onze artigos que constam da atual codificação privada já
constituem um importante avanço quanto à matéria.3
Noção que é pacificamente compartilhada por outros autores, como, por
exemplo, Maria Helena Diniz.4
3 TARTUCE, Flávio. Os direitos da personalidade no novo código civil. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/7590/os-direitos-da-personalidade-no-novo-codigo-civil. Acessado em:
28/09/2011 4 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, v. 2, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 738.
12
2.3. Na lei penal
A lei penal não protege a integralidade dos direitos da personalidade, mas
também elegeu um desses direitos como bem jurídico passível de ser tutelado por este
ramo do Direito. Este bem jurídico é a honra, que vem tratada em oito artigos (138 a
145) no Capítulo V do Código Penal, intitulado „dos crimes contra a honra‟.
Como ensina Frederico Abrahão de Oliveira:
O Direito Penal brasileiro tutela a punição daqueles que ultrapassem os
limites do seu direito de dizer ofendendo o respeito, a consideração, a
reputação e a fama gozadas pela vítima no seu meio social, bem como ao
decoro do indivíduo, assim entendido o sentimento relacionado com os seus
atributos morais, de honestidade e costumes.5
Nos três primeiros artigos o Código tipifica os três delitos que atentam
contra a honra: a calúnia (art. 138); a difamação (art. 139) e a injúria (art. 140). Nos
artigos seguintes, de 141 a 145, sob a rubrica „disposições comuns‟, o legislador marcou
os principais aspectos desses crimes, como causas de aumento de pena, de exclusão do
crime e hipóteses de retratação.
Pertinentes os apontamentos de Adalberto José Aranha, sobre o
patrimônio pessoal imaterial que é tutelado pelo Direito Penal:
Observe-se que a maneira pela qual o homem exterioriza seus atos na
sociedade em que vive, examinada sob o prisma ético, constitui um
verdadeiro e valioso patrimônio, pois representa sua maior aceitação ou
reprovação dentro da própria comunidade. Os inúmeros círculos sociais nos
quais o homem exterioriza sua vida (familiar, profissional, político,
financeiro etc.) dão a ele maior ou menor consideração, aceitação ou repulsão
na comunidade, traduzindo seu patrimônio, que permite uma maior ou menor
participação nas vantagens decorrentes de seus esforços.6
Conforme a exposição de motivos da parte especial do Código Penal, em
relação aos crimes contra a honra:
5 OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Crimes contra a honra. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1996, p. 31.
6 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, P. 02.
13
São definidos como crimes contra a honra a "calúnia", a "injúria"
(compreensiva da injúria "por violência ou vias de fato" ou com emprego de
meios aviltantes, que a lei atual prevê parcialmente no capítulo das "lesões
corporais") e a "difamação" (que, de modalidade da injúria, como na lei
vigente, passa a constituir crime autônomo).
Serão estas disposições examinadas neste trabalho a partir do próximo
capítulo.
14
2. OS CRIMES CONTRA A HONRA
Uma confusão que não é incomum quando se analisa os crimes contra a
honra é a que é feita entre estes e os crimes contra os costumes. A semelhança está no
fato de ambos constituírem proteção do Direito Penal a bens imateriais, porém, essa
semelhança termina nisto.
Como ensina o Professor Damásio de Jesus:
Não devemos confundir crimes contra a honra com crimes contra os
costumes. Crimes contra a honra são a calúnia, a difamação e a injúria (CP,
arts. 138 a 140). Delitos contra os costumes são o estupro, o atentado violento
ao pudor, a sedução, a corrupção de menores, o rapto etc. (arts. 213 e segs.)‟.7
Dessa forma, vale ressaltar que os crimes contra a honra são os crimes
que atentam contra o amor próprio ou contra o valor social dos indivíduos, sua aceitação
ou reprovação consigo mesmo e no seio da sociedade, integrando seu patrimônio moral
que, por ser patrimônio, é protegido pelo Direito.
Essa proteção se materializa juridicamente principalmente no Capítulo V
do Título I do Código Penal brasileiro de 1948 (Decreto-lei 2.048), que trata dos crimes
contra a honra das pessoas.
2.1. A honra
Honra, segundo José Afonso da Silva, “é o conjunto de qualidades que
caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a
reputação. É direito fundamental da pessoa resguardar essas qualidades.”8
Já Frederico Abrahão de Oliveira ensina:
7 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Volume 2. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 207
8 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo, 32ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 209.
15
Etimologicamente, temos que o vocábulo advém do latim honor daí se
formando o verbo honrar (de honorare). Indica a dignidade da pessoa
honesta que vive pautando sua vida dentro da moral vigente no seu
meio.9 (grifo)
Para Pedro Nunes:
...honra é a qualidade íntima do indivíduo que habitualmente se conduz com
probidade, dignidade e outras virtudes, observando com rigor os deveres
morais que tem para consigo mesmo e para com seus semelhantes e a
sociedade, fazendo-o assim merecedor do acatamento e apreço público.10
De fato, não restam dúvidas de que a „honra‟ é elemento real e integra o
patrimônio moral dos indivíduos. E, por ser patrimônio, foi acertadamente escolhido
pelo legislador penal como um bem jurídico passível de ser tutelado penalmente, dada a
sua relevância e importância para os indivíduos componentes de uma sociedade.
2.1.1. Honra subjetiva e honra objetiva
Uma importante distinção no conceito de honra das pessoas físicas é
conhecida no direito brasileiro. Trata-se da divisão entre honra subjetiva (ou em sentido
estrito) e honra objetiva (ou em sentido amplo). O aspecto subjetivo, em breve síntese, é
a visão que o próprio indivíduo tem de si, sua auto-estima. Já o aspecto objetivo, é a
visão que terceiros têm de um indivíduo, sua reputação na sociedade.
Maria Helena Diniz trata com propriedade sobre o assunto:
Honra. Bem jurídico que apresenta dois aspectos: a) um subjetivo, o qual
designa o sentimento da própria dignidade moral, nascido da consciência de
nossas virtudes ou de nosso valor moral, isto é, a honra em sentido estrito; b)
um objetivo, representado pela estimação que outrem faz de nossas
qualidades morais e de nosso valor social, indicando a boa reputação moral e
profissional que pode ser afetada pela injúria, calúnia ou difamação.11
No mesmo sentido doutrina Adalberto Aranha:
9 OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Crimes contra a honra. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1996, p. 29.
10 NUNES, Pedro. Dicionário de Teologia Jurídica. São Paulo, p. 131. 11
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, v. 2, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 738.
16
A honra, sob o ponto de vista subjetivo (a honra interna), é traduzida como o
sentimento da própria honorabilidade pessoal, a dignidade pessoal, o decoro,
o sentimento que todos nós temos e pelo qual exigimos respeito à nossa
reputação pessoal; sob o prisma objetivo (honra externa), é a nossa reputação,
traduzida como a face exterior de alguém, o respeito que deve merecer
daqueles que o cercam, a boa fama, a estima pessoal, enfim, a maneira pela
qual é reconhecido na sociedade.12
A partir dessas lições, podemos vislumbrar a resposta para uma
importante questão que já se colocou nas discussões penais, qual seja: a possibilidade
ou não de as pessoas jurídicas serem sujeitos passivos de crimes contra a honra.
A resposta é negativa. Conforme já assentou o Superior Tribunal de
Justiça:
CRIMINAL. RESPONSABILIDADE. DIFAMAÇÃO. SUJEITO
PASSIVO. PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO
DESPROVIDO.
I - A jurisprudência desta Corte, sem recusar à pessoa jurídica o direito
à reputação, é firmada no sentido de que os crimes contra a honra só
podem ser cometidos contra pessoas físicas.
II - Eventuais ofensas à honra das pessoas jurídicas devem ser resolvidas na
esfera cível.
III - Recurso desprovido.
STJ - REsp 493763 SP - Rel. Min. Gilson Dipp - Julgado em: 25/08/2003.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL.
DIFAMAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. C. PENAL. SÚMULA 83-STJ.
Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos
crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi
legis (art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura
humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da
incriminação, nos crimes contra a pessoa (Título I do C. Penal) não se inclui
a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, (Cap. IV do
Título I) só se protege a honra das pessoas físicas. (Precedentes). Agravo
desprovido.
STJ - AgRg no Ag 672522 PR - Rel.Min. Félix Fisher - Julgado em:
03/10/2005.
Isto é, partindo da premissa que a pessoa jurídica não tem sentimentos
próprios, por ser uma abstração jurídica, é evidente que não se poderia reconhecer-lhes
danos à honra subjetiva.
12
ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, P. 02
17
Por outro lado, quando se considera a possibilidade de a pessoa jurídica
sofrer danos à sua honra objetiva, vê-se que é perfeitamente possível, haja vista que a
pessoa jurídica também tem uma reputação na sociedade; também necessitada de ser
bem estimada pelos demais componentes da sociedade. Porém, essa lesão não se repara
na esfera penal.
Vale dizer, na esfera criminal não se admite a pessoa jurídica como
sujeito passivo dos crimes contra a honra sob quaisquer dos seus aspectos (subjetivo ou
objetivo).13
2.2. Aspectos históricos
2.2.1. No mundo
A legislação mais remota que punia criminalmente os delitos contra a
honra (difamação e injúria) foi o Código de Manu indiano, do século II a.C., que trazia
penas cruéis para esses delitos, tais como a amputação de língua; estilete de ferro em
brasa e até mesmo óleo fervente pela boca.
A Lei das XII Tábuas também cuidava das condutas injuriosas, “porém,
em atenção ao interesse social, à perturbação da ordem pública que provocava, dadas as
desavenças que surgiam no meio social”14
Esse ideário também atravessou o direito romano e o direito germânico,
em formas não tão parecidas das conhecidas atualmente, mas de modo com que se
buscasse a proteção da honra dos indivíduos.
Contudo, foi na França napoleônica, pela Lei de 17 de Maio de 1819 que
a distinção entre calúnia e injúria tomou os contornos atuais. Segundo Aranha: „a partir
de então o critério diferenciador difundiu-se com tal intensidade que passou a ser
adotado em quase todas as legislações dos povos conhecidos.‟15
2.2.2. No Brasil
13
Diferentemente, portanto, do que ocorre na esfera cível, onde se admite a reparação pecuniária por
danos à honra (objetiva) das pessoas jurídicas, conforme a súmula 227 do STJ: „a pessoa jurídica pode
sofrer dano moral.‟ 14 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 09. 15 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 10.
18
A primeira legislação brasileira que tratou dos crimes contra a honra (nos
moldes da legislação francesa) foi o Código Criminal de 1830, que previa duas figuras
típicas: calúnia (art. 229) e injúria (236).
Essa dualidade foi mantida pelo Código Republicano de 1890. A calúnia
vinha tratada no artigo 315, que a definia como „a falsa imputação feita a alguém de fato
que a lei especifica como crime‟; já a injúria vinha no artigo seguinte em forma tríplice:
a) imputação de vícios ou defeitos, com ou sem fatos específicos, que
possam expor a pessoa ao ódio ou desprezo público; b) a imputação de fatos
ofensivos da reputação, decoro e honra; e c) a palavra, gesto ou sinal
insultante da opinião pública.
Atualmente, o Código Penal em vigor distingue entre três espécies de
crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria, num capítulo integralmente
destinado aos „crimes contra a honra‟.
19
3. OS CRIMES CONTRA A HONRA EM ESPÉCIE
O Código Penal trouxe três espécies de crimes contra a honra: a calúnia,
a difamação e a injúria, todos autônomos e independentes entre si. Analisaremos cada
um desses deles a partir de agora.
3.1. Calúnia
3.1.1. Aspectos gerais
Se recorrermos ao dicionário, veremos que o principal significado de
„calúnia‟ (que provém do termo latino calumnia) é uma „imputação falsa, que ofenda a
reputação, crédito ou honra de alguém‟.16
No entanto, em termos jurídicos, se a definição do dicionário não é
completamente equivocada, também não é precisa. De fato, o crime de calúnia está
capitulado no artigo 138 do Código Penal, que dispõe:
Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como
crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
(...)
Como podemos perceber, o crime de calúnia não se perfaz apenas com
alguma imputação falsa a alguém; mas é necessário que o fato que se impute a outrem
seja tipificado como crime.
Sobre a distinção entre a calúnia popularmente conhecida e a calúnia
enquanto crime leciona José Aranha:
16
Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=cal%FAnia&CP=31432&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50 - Acessado
em: 28/09/12.
20
O que, vulgarmente, diferencia a calúnia de seus sinônimos são duas
características que lhe são próprias: a gravidade maior da acusação feita e a
falsidade da imputação. (grifo) 17
Já tratando da calúnia na esfera jurídica, o professor Damásio de Jesus a
define como “... a falsa imputação de fato descrito como crime. O sujeito atribui
falsamente a terceiro a prática de delito (art. 138, CP)”18
.
Vale dizer, o bem jurídico que se quer tutelar com a tipificação do crime
de calúnia é a honra dos indivíduos, no seu aspecto objetivo, haja vistas que a calúnia os
atingem na sua reputação.
Já a falsidade da imputação pode se relacionar ao fato ou ao autor. Isto é,
o caluniador pode imputar ao ofendido um fato que sequer existiu, ou, por outro lado,
imputar ao ofendido a autoria de um fato que existiu, mas que na verdade foi praticado
por outrem, e não pelo acusado.
Caso a imputação seja verdadeira, evidentemente o crime de calúnia não
ocorre. Conforme o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
REPRESENTAÇÃO. IMPUTAÇÃO DE CRIME DE CALÚNIA.
AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. DOCUMENTAÇÃO
COMPROVADORA DA VERACIDADE DOS FATOS IMPUTADOS.
AUSÊNCIA DE DOLO DO REPRESENTADO DE IMPUTAR AO
REPRESENTANTE FATO QUE SABIA FALSO. ARQUIVAMENTO.
1. Não configura crime de calúnia a divulgação de fatos de cuja
veracidade o agente tinha a certeza, juntando, inclusive, alentada
documentação comprovante dos mesmos. In casu o representado não agiu
com dolo de imputar ao representante fato que sabia inverídico, o que é
essencial à tipificação do crime de calúnia.
2. A certeza do agente de que os fatos por ele imputados a outrem são
verdadeiros afasta o crime de calúnia, podendo existir, quando muito, injúria
ou difamação.
3. Ausentes os elementos necessários à tipificação do crime de calúnia, deve
ser arquivada a Representação.
STJ - Representação 225 RO - Rel. Min. José Delgado - Julgado em:
17/08/2004.
Contudo, é de se observar que em algumas situações excepcionais,
taxativamente previstas em lei, a imputação de crime mesmo sendo verdadeira,
configurará o crime de calúnia. São as hipóteses em que não se admite que o ofensor
17
ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 49. 18
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Volume 2. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 206.
21
comprove que o fato imputado a outrem é verdadeiro, ou seja, não se admite a exceção
da verdade.
É o que decorre do §3º do artigo 138 do Código Penal:
§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi
condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido
por sentença irrecorrível.
A primeira dessas hipóteses, tratada no inciso I do dispositivo legal,
“pretende manter a iniciativa do processo ao arbítrio da vítima do delito de cuja prática
se acusa o ofendido, quando a ela competir a inauguração da ação.”19
É o caso, por
exemplo, de alguém que é caluniado e opta por não oferecer a queixa contra o ofensor,
por razões de foro íntimo. Caso terceiro impute esse fato criminoso ao ofensor, não
poderá provar que o fato existiu.
A segunda hipótese, constante do inciso II, veda a exceção da verdade
caso o fato criminoso seja imputado ao Presidente da República ou a Chefes de Estado
estrangeiros. Frederico Abrahão elucida:
A acusação contra representante de nação estrangeira com entrada no país na
qualidade de chefe de estado pode causar rupturas nas relações
internacionais. No que concerne ao nosso presidente, é constrangedor
assistirmos a milhares de acusações levianas, falsas ou acompanhadas de
exceção da verdade. Sabemos quanto são desagradáveis tais acusações
mesmo quando verdadeiras.20
Por fim, o inciso III contempla a situação em que se pretende provar a
imputação criminosa da qual o suposto criminoso já foi absolvido com por decisão
judicial transitada em julgado. O inciso é por demais óbvio, haja vista que seria um
absurdo imaginar que se pudesse imputar um crime a alguém que já foi absolvido pelo
Poder Judiciário dessa mesma acusação, e quando processado, pretender provar a
veracidade das acusações.
19
OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Crimes contra a honra. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1996, p. 44. 20
OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Crimes contra a honra. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1996, p. 45.
22
Outro aspecto importante relacionado ao crime de calúnia é o §2º do
artigo 138, que expressamente estabelece que “é punível a calúnia contra os mortos”.
Nesses casos, a legitimação ativa evidentemente não pertencerá ao de cujus, mas ao seu
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão; isto é, aplica-se o artigo 31 do Código de
Processo Penal:
Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por
decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará
ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
A verificação dessa ocorrência na prática é raríssima. Em nossa
jurisprudência conseguimos encontrar apenas um caso isolado que tratava de calúnia
contra mortos, mas, mesmo assim, antes de se analisar a existência ou não da calúnia
contra o morto, o processo foi extinto pelo reconhecimento da prescrição:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE CALÚNIA CONTRA
PESSOA MORTA (ART. 138, § 2º, DO CP). MAGISTRADO QUE
REJEITOU A QUEIXA-CRIME POR FALTA DE JUSTA CAUSA.
RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA ESTATAL. PRAZO ENTRE A DATA DOS FATOS E A
ANÁLISE DO PRESENTE RECURSO SUPERIOR AO DISPOSTO EM
LEI PARA O RECONHECIMENTO DO INSTITUTO PRESCRICIONAL,
LEVANDO-SE EM CONTA A PENA MÁXIMA IN ABSTRACTO.
RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE ESTATAL ANTE A OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO.
MÉRITO RECURSAL PREJUDICADO. (grifo)
TJPR - RECSENSES 7130458 PR - Rel. José Mauricio Pinto de Almeida -
Julgado em 11/11/2010.
Por fim, para encerrarmos as primeiras noções sobre o crime de calúnia,
devemos mencionar o parágrafo 1º do artigo 138, que traz:
Art. 138. (...)
(...)
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou
divulga.
(...)
Como leciona Adalberto Aranha, trata-se de um delito acessório, pois
pressupõe a existência de crime anterior:
23
O delito de calúnia pode ser cometido de duas formas: primeiro, por quem,
tomando a iniciativa, formula e exterioriza a ofensa falsa; depois, por quem,
sabedor da falsidade da imputação feita por terceiro, a transmite, propala ou
divulga. Assim, a propalação ou divulgação torna-se delito acessório,
pois necessita da antecedente inculcação falsa feita por um terceiro.21
Deve-se ainda ressaltar, a doutrina e jurisprudência exigem que a
imputação realizada seja de fato determinado, e não de fatos meramente genéricos.
Todavia:
Para configuração do crime de calúnia, embora indispensável seja
determinado o fato imputado, não há exigir constitua tal determinação
descrição precisa e minuciosa.
TACRIM – JUTACRIM 36/152
Portanto, para a caracterização do crime de calúnia é necessária a
presença de três requisitos:
a) falsidade da imputação;
b) imputação de um fato determinado e;
c) fato deve constituir crime.
Passemos então à classificação do crime de calúnia.
3.1.2. Classificação
A doutrina penal costuma realizar a classificação dos crimes a partir da
interpretação da lei penal e com base em diversos critérios. De acordo com esses
critérios, realizaremos a classificação do crime de calúnia.
21 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 52.
24
a) quanto ao agente: trata-se de crime comum. Isto é, qualquer pessoa
pode ser sujeito ativo do crime de calúnia, tendo em vista que o artigo 138 não faz
nenhuma exigência específica quanto a isso, bastando a alguém fazer falsa imputação de
crime a outrem para, em tese, ocorrer a adequação.
b) quanto à conduta: é crime comissivo. Isto é, demanda uma atuação
concreta, positiva, do agente para se realizar, que seja apta a mudar uma situação no
mundo fático.
c) quanto ao momento da consumação: é crime instantâneo de efeitos
permanentes. Por atingir a honra objetiva (reputação) do ofendido, o delito está
consumado com o conhecimento da falsa imputação por terceiros, que não o próprio
ofendido. De acordo com o professor Edgar Magalhães Noronha:
Consuma-se a calúnia quando a imputação falsa se torna conhecida de
outrem, que não o sujeito passivo. Neste sentido, é necessário haver
publicidade, pois, de outro modo não existirá ofensa à honra objetiva, à
reputação da pessoa.22
Ponto de vista compartilhado pelo Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO EM HABEAS CORPUS - PENAL - PROCESSUAL PENAL -
CALÚNIA – DIFAMAÇÃO - INJÚRIA – DECADÊNCIA.
Os crimes de calúnia e difamação ofendem a chamada honra objetiva. a
consumação ocorre quando terceiro (excluídos autor e vítima) tomam
conhecimento do feito. A injúria, ao contrário, porque relativa
à honra subjetiva quando a irrogação for conhecida do sujeito passivo. a
decadência, relativa à injúria, tem o termo "a quo" no dia de seu
conhecimento. (grifo)
STJ – RHC 5134 MG – Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro – Julgado
em: 10/03/1996
d) quanto ao resultado: é crime formal, pois não se exige a produção de
um resultado concreto para ser consumado.
22
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 134.
25
e) quanto à execução: aqui há duas situações a serem consideradas: a
primeira é na calúnia praticada de forma oral, onde o crime se aperfeiçoa num único ato
e por isso, é denominado crime unisubsistente e, consequentemente não admite a
tentativa; na segunda, é a calúnia praticada por meio de escritos de qualquer tipo, que
não se consuma em apenas um ato, sendo, pois, um crime plurissubsistente, que admite
a forma tentada.
f) quanto ao concurso de agentes: é crime unilateral, pois para o seu
cometimento basta a conduta de uma só pessoa, embora o concurso de agentes seja
perfeitamente possível.
g) quanto ao tipo de dolo: é dolo específico, que consiste na intenção
específica do sujeito ativo de ofender a honra do caluniado. Deve estar presente o que a
doutrina denomina „animus caluniandi‟, do contrário, não haverá o crime de calúnia.
Conforme leciona o professor Heleno Fragoso:
...não se configura o crime se a expressão ofensiva for realizada sem o
propósito de ofender. É o caso, por exemplo, da manifestação eventualmente
ofensiva feita com o propósito de informar ou narrar um acontecimento
(animus narrandi), ou com o propósito de debater ou criticar (animus
criticandi). 23
Desse modo, para a configuração do crime de calúnia não basta a mera
imputação de crime a outrem, mas deve essa imputação objetivar ofender a honra do
imputado, e não ter apenas objetivos outros como a narrativa de um fato ou a mera
crítica.
CRIMINAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIME CONTRA A HONRA
CALÚNIA. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. QUEIXA REJEITADA.
O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a
honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito
de calúnia. Precedentes. Hipótese na qual Subprocuradores da República
peticionam no sentido de comunicar situação que gerou a ocorrência de erro
material determinante para a concessão de habeas corpus em favor dos
pacientes assistidos pelos querelantes. Na função de fiscal da lei, o
representante do Ministério Público tem o dever de relatar qualquer fato,
relacionado à causa, que julgar relevante. Descaracterizada a eventual
23
FRAGOSO, Heleno Cláudio; Lições de Direito Penal: Parte Especial, vol. 2; 10ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1988, p. 174.
26
ocorrência de crime de calúnia, rejeita-se a queixa nos termos do inc. I do
art. 43, do Código de Processo Penal Queixa rejeitada. (grifo)
STJ - Apn 473 DF - Rel. Min. Gilson Dipp - Julgado em: 21/05/2008.
Ao lado do animus narrandi e do animus criticandi, acima mencionados
por Heleno Fragoso, há também as figuras do animus jocandi, animus defendendi e
animus consulendi, que também são doutrinária e jurisprudencialmente considerados
não materializadores do crime de calúnia.
A primeira dessas situações significa um ânimo jocoso, ou seja, que o
agente está querendo fazer uma brincadeira, e não fazendo uma imputação séria; o
segundo, animus defendendi, refere-se ao acusado que se defende em algum processo
judicial imputando a outrem o crime que lhe é imputado, agindo, portanto, em defesa
própria; e, por fim, o animus consulendi é a intenção de aconselhar a outrem e, também
por isso, não poderia e não configura o crime de calúnia.
3.1.3. Algumas questões polêmicas
A grande polêmica que se estabeleceu em relação ao crime de calúnia é
relacionada à questão da possibilidade ou não de o menor de idade, doente mental ou a
pessoa jurídica serem sujeitos passivos desse delito.
Argumenta-se, em favor da impossibilidade de os menores de idade e os
doentes mentais (ou, os inimputáveis) figurarem como sujeitos passivos desse delito, o
fato de ambos serem inimputáveis e, assim, caso praticassem um fato descrito como
crime, isso não constituiria propriamente um delito. Desse modo, sob essa ótica, os
inimputáveis nunca seriam sujeitos passivos do crime de calúnia.
Segundo Abrahão de Oliveira:
...para alguns, somente o homem (maior e imputável) pode ser sujeito
passivo do delito de calúnia. Os inimputáveis não poderiam, em razão de tal
atributo, uma vez que caluniar é imputar a alguém fato definido como crime.
Ora, dizem, se o inimputável não é criminoso aos olhos da lei, não há como
imputar-lhe, ainda que falsamente, fato penalmente tipificado. 24
24
OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Crimes contra a honra. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1996, p. 35
27
Contudo, com o devido respeito aos que têm esse entendimento, esse
ponto de vista não nos parece ser o mais correto. Conforme o prof. Damásio de Jesus,
“os inimputáveis podem praticar crimes (embora não sejam considerados culpados)
podendo, então, serem caluniados, assim pela falsa imputação de tipo penal.” 25
De fato, já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Calúnia. Difamação. Competência. O procedimento dos crimes contra a
honra é especial, estando disciplinado no Capítulo III, Título II do Livro II
do Digesto Processual Penal. Por sua própria localização sistemática vê-se
claramente tratar-se de procedimento incomum, não podendo, pois, ser
julgado pelo Juizado Especial Criminal por vedação expressa do art. 61 da
Lei nº 9.099/95. Calúnia. Vítima menor. Possibilidade. O crime de
calúnia pode ser praticado contra vítima inimputável, pois a norma do
art. 138 do CP refere-se à imputação falsa de fato definido como crime e
não à falsa imputação da prática de crime. Ora, fato definido como
crime é sinônimo de conduta típica. Basta, pois, a falsa imputação de
conduta típica à vítima para a caracterização do crime de calúnia,
sendo irrelevante, portanto, sua inimputabilidade penal.
TJMG - APL nº 2.0000.00.330065-6. Relator Des. Erony da Silva - Julgado
em 18/03/2008.
Quanto às pessoas jurídicas, embora já tenhamos feito ligeiras
considerações acerca de sua impossibilidade de figurar como sujeito passivo não só do
crime de calúnia, mas de qualquer outro crime contra a honra, convém tratarmos de
outro aspecto.
De fato, a resposta sobre a possibilidade ou não de a pessoa jurídica ser
caluniada depende da premissa que se adote em relação à possibilidade de a pessoa
jurídica cometer crimes. Isto é, se admitirmos que a pessoa jurídica pode cometer
crimes, pode a ela ser imputado um fato criminoso e isso seria calúnia. Porém, se
admitirmos que a pessoa jurídica não possa cometer crimes, é forçoso concluir que não
pode haver calúnia contra ela.
Em todo caso, a posição que nos parece mais adequada é a expressada
por Cézar Roberto Bittencourt26
, no sentido de admitir-se o cometimento de calúnia
contra a pessoa jurídica, desde que o fato imputado constitua um ilícito contra a ordem
econômica e financeira, contra a economia popular ou contra o meio ambiente, já que
são apenas esses os crimes passíveis de serem cometidos pelos entes coletivos em nosso
ordenamento jurídico.
25
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Volume 2. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 208.
26 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, volume 2. 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 332/333.
28
Neste trabalho, portanto, adotamos o posicionamento de que os menores
de idade e os loucos de qualquer gênero podem ser sujeitos passivos do crime de
calúnia; a pessoa jurídica, apenas se os delitos que lhe forem imputados sejam referentes
à ordem econômica e financeira, à economia popular ou ao meio ambiente.
3.2. Difamação
3.2.1. Aspectos gerais e requisitos
Tal como ocorre em relação ao crime de calúnia, que vimos há pouco, a
difamação também protege a honra objetiva, a reputação dos indivíduos. Difamar
significa atentar contra a boa fama; levar ao conhecimento de terceiros fatos
desabonadores praticados por outra pessoa.
Conforme Adalberto Aranha:
„Difamar‟ tem sua origem etimológica no termo latino diffamare,
significando literalmente „falar mal de alguém‟. Das derivações „difamador‟
ou „difamante‟, significando o que difama, e „difamatória‟ representando o
conter uma difamação. Em sentido vulgar tem como significado „tirar a boa
fama‟ ou „desacreditar publicamente‟, como indicam os dicionaristas.27
Esse delito vem capitulado no artigo 139 do Código Penal:
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
(...)
Segundo definição de Júlio Fabbrini Mirabete, difamação é:
27
ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 57.
29
...a imputação a alguém de fato ofensivo a sua reputação. Distingue-se da
calúnia porque nesta o fato imputado é previsto como crime, devendo ser
falsa a imputação, em regra, o que não ocorre quanto à difamação.28
Já Frederico Abrahão de Oliveira:
A difamação é crime mesmo quando o fato imputado é verdadeiro, o que não
ocorre com a calúnia. Ainda estabelecendo paralelos com a calúnia,
observamos que, assim como esta, a difamação trata da ofensa à honra
objetiva da vítima porque atinge o conceito, a estima que o indivíduo desfruta
em seu meio. Na difamação, o fato narrado não é criminoso, enquanto que na
calúnia, necessariamente, deverá sê-lo.29
De fato, é unânime o entendimento segundo o qual o fato imputado na
difamação também seja determinado, no entanto, não se exige aqui que este seja falso, e
nem que constitua um crime. Além disso, o fato imputado não pode ser de
conhecimento dos que dela foram informados pelo difamador.
Por fim, “é essencial que o fato seja determinado e que esta determinação
seja objetiva, posto que a imputação vaga, imprecisa, mais se enquadra no crime de
injúria.” (STF - RTJ 89/366)
Quanto à exceção da verdade nos crimes de difamação, preceitua o
parágrafo único do artigo 139 que esta somente será admitida “se o ofendido é
funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.”
Para mais, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que, no sentido da
doutrina penalista, o funcionário público deve necessariamente estar no exercício de
função pública no momento do ajuizamento da exceção, caso contrário, esse perde o
direito a se utilizar da prerrogativa legal:
PENAL. EXCEÇÃO DA VERDADE. DIFAMAÇÃO. REJEIÇÃO.
FUNÇÃO PÚBLICA. AFASTAMENTO PELO EXCEPTO.
Revela-se inadmissível, no presente caso, o processamento da exceção da
verdade, porquanto o excepto não mais exerce qualquer função pública o
que, na lição de abalizada doutrina (v.g.,Heleno Cláudio Fragoso; Magalhães
Noronha; Nelson Hungria; Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha e Luis
Régis Prado), retira a justificativa para a medida, excepcional, no caso do
delito de difamação. Agravo regimental desprovido.
28
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Volume 1. São Paulo: Atlas, 2005, p. 160. 29
OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Crimes contra a honra. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1996, p. 61.
30
STJ - AgRg nos EDcl na ExVerd 52 DF - Rel. Félix Fisher - Julgado em:
04/03/2008.
O Código Penal não pune a difamação contra os mortos, como o faz em
relação ao crime de calúnia. No entanto, a Lei de Imprensa (Lei nº 5.260/67) protege a
honra dos mortos em seu artigo 24:
Art. 24. São puníveis, nos termos dos arts. 20 a 22, a calúnia, difamação e
injúria contra a memória dos mortos.
Tal como ocorre com a calúnia (e com qualquer outro crime), a
difamação também pode ser classificada em seus mais variados aspectos. É o que
faremos a seguir, ressaltando, porém , que a classificação é idêntica à realizada quando
tratamos do crime de calúnia.
Para a caracterização do crime de difamação também são necessários três
requisitos distintos e cumulativos:
a) imputação de fato determinado;
b) que o fato seja ofensivo à reputação alheia, verdadeiro ou não; e
c) a comunicação do fato a terceiro.
Passamos agora à classificação doutrinária do crime de difamação,
adiantando que pouco ou nada difere da classificação anteriormente apresentada em
relação ao crime de calúnia.
3.2.2. Classificação
a) quanto ao agente: trata-se de crime comum.
b) quanto à conduta: é crime comissivo.
31
c) quanto ao momento da consumação: é crime instantâneo de efeitos
permanentes.
d) quanto ao resultado: é crime formal,
e) quanto à execução: novamente há duas situações a serem
consideradas: se praticado por forma oral, é delito unissubsistente; caso praticado de
forma escrita ou filmada, é plurissubsistente, admitindo-se, portanto, a forma tentada.
f) quanto ao concurso de agentes: é crime unilateral, pois para o seu
cometimento basta a conduta de uma só pessoa, embora o concurso de agentes também
seja perfeitamente possível.
g) quanto ao tipo de dolo: também se requer o dolo específico.
Conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal
da 5ª Região:
PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES CONTRA A HONRA.
DIFAMAÇÃO. ART.139 DO CÓDIGO PENAL. DOLO ESPECÍFICO.
AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA.INEXISTÊNCIA. DENÚNCIA
REJEITADA.
1. Para a configuração do crime de difamação é mister a existênciade
dolo específico (animus difamanddi), consistente no desejo demacular a
honra do ofendido.
2. Inexistindo justa causa para a ação penal, ante a ausência doelemento
subjetivo do tipo, há de ser rejeitada a denúncia.
3. Denúncia rejeitada. Voto vencido do relator no sentido de que oexame da
atipicidade subjetiva deve ser melhor apurado no curso daação penal. (grifo)
STJ - APn 603 PR - Rel. Min. João Otávio de Noronha - Julgado em:
12/05/2011.
PENAL. DIFAMAÇÃO. OFÍCIO DO PRESIDENTE DA OAB/RN.
ALEGAÇÃO DE FAVORECIMENTO DE CANDIDATO EM CONCURSO
PÚBLICO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO CONFIGURADO. DOLO
DE DIFAMAR. CRIME CONSUMADO. FIXAÇÃO DA PENA. - Denúncia
de irregularidades sobre a inscrição de candidato a concurso público pelo
Presidente da OAB/RN, no sentido de que a inscrição foi obtida mediante
favorecimento. - Presente o dolo de difamar se o agente ultrapassa o limite da
narrativa e da argumentação sobre fatos, elementos e circunstâncias,
personalizando a interpretação de forma a imputar ao ofendido fato
específico e desabonador de sua conduta. - Apelação provida. Substituição
da pena privativa de liberdade por pena pecuniária - art. 44 do CP.
32
TRF 5ª Região - ACR 3517 RN - Rel. Ridalvo Costa - Julgado em:
19/05/2004
3.2.3. Algumas questões polêmicas
Em relação aos sujeitos passivos, não há a divergência de entendimentos
a respeito da possibilidade de os inimputáveis serem sujeitos passivos do crime de
difamação, diferentemente (como vimos) do que ocorre em relação à possibilidade
desses serem sujeitos passivos do crime de calúnia.
Conforme Nelson Hungria:
Apesar de inimputáveis, os incapazes podem ser expostos à aversão ou
irrissão pública, e seria iníquo deixar-se impune o injuriador ou difamador,
como se a inimputabilidade, no dizer de Altavila, fosse uma culpa que se
tivesse de expirar com a perda da tutela penal.30
E Cezar Roberto Bittencourt:
Os inimputáveis também podem ser sujeitos passivos do crime de
difamação, isto é, podem ser difamados, desde que tenham capacidade
suficiente para entede]r que estão sendo ofendidos em sua honra pessoal.
Essa capacidade, evidentemente, não se confunde nem com a capacidade
civil, nem com a capacidade penal, uma vez que o próprio imputável pode
tê-la. Honra é um valor social e moral do ser humano, bem jurídico imaterial
inerente à personalidade e, por isso, qualquer indivíduo é titular desse bem,
imputável ou inimputável.31
Embora haja quem entenda (Magalhães Noronha) que nos crimes de
calúnia contra inimputáveis a ofensa se qualifique como difamação, e não calúnia.32
30
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, 3ª ed., Rio de Janeiro, Revista Forense, vol. VIII,
1956. 31
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 5. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 354.
32 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, 3ª ed., Rio de Janeiro, Revista Forense, vol. VIII,
1956, p. 119.
33
Já quanto às pessoas jurídicas, conforme Frederico Abrahão, é crescente
o número de juristas que afirmam que seria possível que as mesmas figurassem como
sujeitos passivos do delito de difamação.
As razões dessas constatações parecem evidentes: é indiscutível que as
pessoas jurídicas são conhecidas e respeitadas no meio social de acordo com a sua
reputação e boa fama e, a partir do momento em que alguém atenta contra esses
atributos, está verificada a lesão.
Há precedente do Supremo Tribunal Federal, da relatoria do ex-ministro
Francisco Rezek, onde se reconheceu a possibilidade do „alguém‟ constante do tipo
penal da difamação abranger também as pessoas jurídicas (RT 640/265).
E também, decisão recente proferida em sede de recurso em habeas
corpus, na qual o Min. Marco Aurélio de Mello afirma a possibilidade de a pessoa
jurídica ser sujeito passivo no crime de difamação:
LEGITIMIDADE - QUEIXA-CRIME - CALÚNIA - PESSOA JURÍDICA -
SÓCIO-GERENTE.
A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação, mas não de injúria e
calúnia. A imputação da prática de crime a pessoa jurídica gera a
legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia.
QUEIXA-CRIME - RECEBIMENTO - ESPECIFICAÇÃO DO CRIME. O
pronunciamento judicial de recebimento da queixa-crime há de conter,
necessariamente, a especificação do crime. AÇÃO PENAL PRIVADA -
INDIVISIBILIDADE. A iniciativa da vítima deve direcionar-se à
condenação dos envolvidos, estendendo-se a todos os autores do crime a
renúncia ao exercício do direito de queixa em relação a um deles. QUEIXA-
CRIME - ERRONIA NA DEFINIÇÃO DO CRIME. A exigência de
classificação do delito na queixa-crime não obstaculiza a incidência do
disposto nos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal. QUEIXA-
CRIME - ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - NARRATIVA -
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. O fato de o integrante do Ministério
Público, em entrevista jornalística, informar o direcionamento de
investigações, considerada suspeita de prática criminosa, cinge-se à narrativa
de atuação em favor da sociedade, longe ficando de configurar o crime de
calúnia.
STF – RHC 83091 DF – Rel. Min. Marco Aurélio de Mello – Julgado em:
04/08/2003
Contudo, essa foi uma decisão que também encontra oposição na
jurisprudência do mesmo tribunal, que também já afirmou a impossibilidade de a pessoa
jurídica ser sujeito passivo de quaisquer dos crimes contra a honra, nos termos da
seguinte decisão:
34
Perante nossa lei, só a pessoa física pode ser ofendida, pois, no Código
Penal, os crimes contra a honra são crimes contra a pessoa, quando se trata
de caluniar, difamar ou injuriar alguém.
STF - RT 445/477.
E também do precedente do Superior Tribunal de Justiça, já mencionado
neste trabalho (AgRg no Ag 672522 PR).
Desse modo, podemos perceber que a possibilidade de a pessoa jurídica
ser sujeito passivo de crime de difamação ainda é uma questão em aberto tanto na
doutrina como na jurisprudência brasileira.
Outra questão que se coloca é a relativa à propalação ou divulgação da
ofensa caluniosa. Isto é, quando tratamos do delito de calúnia, vimos que há dispositivo
legal específico que incrimina quem dá maior publicidade à ofensa. Contudo, não há
dispositivo que preveja a mesma situação em relação aos crimes de difamação, e isso
abre espaço para a dúvida: quem propala ou divulga a difamação também poderia ser
incriminado?
A primeira corrente doutrinária, encabeçada por Magalhães Noronha33
defende que o fato não seria crime, tendo em vista que o silêncio da lei a respeito do
crime de difamação, em contraposição à expressa menção feita em relação ao crime de
calúnia, dá a entender que o legislador não pretendeu incriminar essa conduta quanto ao
crime de difamação.
Já com entendimento contrário, no sentido da tipicidade da propalação
ou divulgação da difamação, podemos citar o professor Damásio de Jesus, que
argumenta que o crime existe porque quem propala ou divulga uma imputação
difamante comete nova difamação, e por ela teria que responder.
Com o devido respeito a entendimentos diversos, dentre esses
posicionamentos o mais adequado nos parece o exposto por Magalhães Noronha. Isto é,
em direito penal não podemos conceder interpretação extensiva a um dispositivo
incriminador; nem aplicá-lo analogicamente.
33
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 164
35
Além disso, um dos métodos de interpretação de textos normativos é o
que busca a vontade do legislador e, nesse caso, tendo em vista a expressa previsão em
um crime, e a omissão (que nos parece deliberada) em outro, indica que a vontade do
legislador foi a de não incriminar essas condutas em relação ao crime de difamação.
Caso contrário, faria constar no crime de difamação, ou inseriria uma previsão genérica
nas disposições comuns, aplicáveis aos três delitos.
3.3. Injúria
3.3.1. Aspectos gerais e requisitos
A primeira diferença marcante entre a injúria e os outros dois delitos
anteriormente comentados é que aquele, ao contrário dos demais, busca resguardar a
honra subjetiva dos indivíduos, e não sua imagem perante o corpo social.
É o delito mais corriqueiro dentre os três, pois se materializa em meros
xingamentos, insultos e depreciações pessoais: não é necessário que se impute um fato
determinado ao individuo.
Leciona Adalberto Aranha:
A injúria, ao lado de um sentido jurídico restrito, tem um sentido leigo, bem
amplo, significando afronta, agravo, insulto, ofensa, ultraje, agressão a
determinada pessoa por meio de palavras, atos, inventivas ou gestos
insultantes. No sentido vulgar prevalece sobre as duas restantes (calúnia e
difamação), sendo a mais usada genericamente.34
Em outras palavras, a injúria “é uma manifestação de desrespeito, de
desprezo, um juízo de valor depreciativo capaz de ofender a honra da vítima no seu
aspecto subjetivo.”35
Haverá injúria, portanto, quando o ofensor faça uma afirmação de uma
qualidade (evidentemente negativa), um vício ou defeito. Ou, até mesmo, quando emita
uma opinião pessoal que seja zombeteira ou depreciativa.
34 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 63. 35 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 74.
36
Na trilha dos ensinamentos de Adalberto Aranha, a qualidade imputada
“deve ser deprimente ou reprovável, traduzindo uma natureza criminosa („é um ladrão‟),
contravencional („é um bicheiro‟), imoral („é um vagabundo‟), um vício („é um
bêbado‟) ou um defeito („é um gordo balofo‟).”36
Percebe-se que é possível que a injúria se transforme em calúnia ou
difamação, caso haja a imputação de fato determinado, se este constitua crime ou atente
contra a reputação do ofendido.
Esse delito vem tipificado no artigo 140 do Código Penal:
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
(...)
O dispositivo legal menciona a ofensa à dignidade ou ao decoro de
outrem. Embora dignidade e decoro pareçam ser a mesma coisa, a doutrina penalista
distingue as duas expressões.
A dignidade liga-se a um sentimento de nossa própria honorabilidade ou
moral, e é atacada mediante expressões como „cafajeste‟, „canalha‟ ou „mentiroso‟, por
exemplo. Já o decoro liga-se a um sentimento relacionado a nossa respeitabilidade
pessoal, e é atacado mediante o emprego de expressões como „burro‟, „débil mental‟,
„orelhudo‟, etc.
A injúria pode se manifestar sob várias formas: verbal, onde se verbaliza
uma ofensa; escrita, onde se grafa uma ofensa; simbólica, onde o ofensor faz uma
insinuação mímica de alguma qualidade pejorativa do ofendido; gráfica, mediante a
aposição de chifres ou orelhas grandes na imagem do ofendido; ou ainda, real, onde há
agressão física ao ofendido:
Possuem nítido caráter injurioso as expressões „devedor relapso, caloteiro e
comerciante incapaz‟, lançadas como razões do não-pagamento de cambial
36 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 64.
37
levada a protesto. E a ausência de publicação das mesmas não desnatura a
infração, pois em se tratando de injúria desnecessária é a comunicação do seu
conteúdo a terceiros. É suficiente que o insulto seja lido, ouvido ou percebido
pelo sujeito passivo.
TACrimSP, ACrim 47.829- Santa Branca, Rel. Ricardo Couto, julgado em
23/11/82.
De qualquer forma, em qualquer caso, deve-se levar em conta o contexto
onde a ofensa foi proferida; o sentido em que a suposta ofensa teria sido proferida e,
ainda, a sensibilidade de vítima e a capacidade dela se ofender diante da expressão
manifestada.
Novamente pertinentes os ensinamentos de Nélson Hungria:
Não é de confundir-se a injúria com a incivilidade ou a simples expressão
grosseira, que apenas revela falta de educação. Além disso, cumpre acentuar
que, ao incriminar a injúria, o que a lei protege são os justos melindres de
brio, de dignidade ou decoro pessoal, e não as exageradas ou fictícias
suscetibilidades dos alfenins, das mimosas pudicas, dos presunçosos, dos
cabotinos.37
Também diferentemente da calúnia e da difamação, onde a ofensa
proferida deve chegar ao conhecimento de terceiro para se caracterizar o crime, na
injúria isso se passa de modo diferente. Vale dizer, para a injúria ser caracterizada deve
a ofensa chegar ao conhecimento apenas do próprio ofendido, sendo irrelevante que
terceiros não tenham tido conhecimento da mesma.
Todavia, é de se ressaltar que em casos de ofensa verbal, praticado apena
na presença do ofendido, seria muito difícil a prova de seu cometimento, haja vista que
serão duas versões a princípio desprovidas de prova: a do ofendido, e a do ofensor, que
tende a negá-la.
Caso a ofensa se manifeste sob outra forma, escrita, por exemplo, a
prova é muito mais fácil e passível de ser apresentada em juízo.
O parágrafo 1º do artigo 140 elenca duas hipóteses nas quais „o juiz pode
deixar de aplicar a pena‟, ou seja, duas hipóteses onde pode haver o perdão judicial:
Art. 140. (...)
37 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, 3ª ed., Rio de Janeiro, Revista Forense, vol. VIII,
1956, p. 66.
38
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
A primeira das hipóteses significa a hipótese na qual o próprio ofendido
dá causa à ofensa. A „forma reprovável‟ mencionada significa uma conduta que não é
habitual ao homem médio, que não se encaixa no padrão de comportamento aceito
como „normal‟.
Já a segunda situação tratada pelo dispositivo diz respeito à imediata
resposta do ofendido, que também configuraria o crime de injúria. Implica a noção de
reciprocidade e simultaneidade das ofensas. É o caso onde após ser injuriado, o
ofendido de pronto injuria o ofensor.
De acordo com Adalberto Aranha:
O que justifica a aplicação do perdão judicial na retorsão não é compensação
nem a legítima defesa (esta excluiria o crime), mas sim um critério
psicológico, pelo qual se reconhece que quem revida age mediante um
impetus dolores, a ira justificada pela ofensa recebida, a ponto de tornar
desnecessária a aplicação de qualquer pena.38
Para a caracterização do crime de injúria são necessários três elementos:
a) uma afirmativa genérica;
b) ofensiva à dignidade ou ao decoro; e
c) feita diretamente ao ofendido ou por ele entendida.
3.3.2. Injúria real
O crime de injúria também apresenta duas modalidades específicas. Uma
dessas é a injúria real. Essa espécie de injúria é conhecida desde os tempos romanos, e
38 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 68.
39
também era utilizada para diferenciar a injúria simbólica (expressada pelos meios
representativos já examinados) e a injúria real, mediante a qual, atacando-se
efetivamente o corpo de uma pessoa, visa-se atingir seu íntimo.
Novamente pertinentes as elucidações de Adalberto Aranha:
A injúria real, em palavras simplistas, pode ser traduzida como uma ofensa
física feita através de uma ação exercida sobre o corpo do ofendido,
causando-lhe uma lesão (crime de lesão corporal) ou sem produzir um dano à
integridade física ou à saúde (contravenção de vias de fato), cuja intenção do
ofensor é a de lesionar a honra da vítima, atingindo-lhe o psiquismo. 39
Como exemplos concretos do crime de injúria real, podemos mencionar
a atitude de marido que corta deliberada e maldosamente o cabelo da mulher e a atitude
de um soldado (que também poderia ser um civil) que desfere um tapa no rosto de um
companheiro de farda:
TOSAGEM DE CABELO DE MULHER, PELO MARIDO, NUM ÍMPETO
DE CIÚME, CONFIGURA A INJÚRIA REAL, CONSTITUINDO O ATO
MATERIAL DO CORTE DE CABELO A CONTRAVENÇÃO DE VIAS
DE FATO, COM O OBJETIVO MANIFESTO DE INJURIAR A
VÍTIMA(...)
TACrimSP, RvCrim, Rel. Chiaradia Netto, RT 438:441.
EMENTA. APELAÇÃO. MPM. DPU. ART. 209 DO CPM. EXCESSO
DOLOSO NA LEGÍTIMA DEFESA. NÃO CONFIGURADO.
ART. 217 C/C 218 DO CPM. AUSÊNCIA DE DOLO. LEGÍTIMA
DEFESA. NÃO DEMONSTRADOS. APELOS DESPROVIDOS.
I - Pratica o crime de injúria real o militar que adentra alojamento e,
motivado por discussão ocorrida em outro momento, acerta um tapa no rosto
do colega de farda que se encontrava sentado em sua cama, fato ocorrido
diante de outros militares. Nãohá que se falar em legítima defesa, nem
mesmo em retorsão imediata, uma vez que o Acusado não fora agredido ou
estava na iminência de sê-lo.
II - Militar que, após sofrer a injúria real consistente no tapa no rosto, vê-se
na iminência de um novo ataque ante a postura do agressor e desfere-lhe um
soco ocasionando o seu desmaio está acobertado pela excludente da legítima
defesa.
III - Não há que se falar em excesso doloso, na medida em que os dois socos
desferidos na sequência do primeiro não causaram lesão corporal, ficando
prejudicada a materialidade do crime.Apelos desprovidos. Decisão unânime.
STM - AP 1625420107030103 RS - Rel. José Coêlho Ferreira - Julgado em
26/04/2012.
39 ARANHA, José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 70.
40
Desse modo, para a caracterização do crime de injúria real são
necessários três requisitos diferentes dos necessários à configuração da injúria
simbólica.
a) o uso de um meio instrumental ou do próprio corpo para atingir o
ofendido;
b) uma ação exercida sobre o corpo da vítima; e
c) finalidade específica de atingir a honra, através do meio material
usado.
3.3.3. Injúria racial
A lei nº 10.741/03 inseriu o parágrafo 3º ao artigo 140 do Código Penal,
trazendo um novo tipo penal, a injúria racial, também comumente referida como injúria
discriminatória ou injúria por preconceito:
Art. 140. (...)
(...)
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor,
etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de
1997)
Deve-se logo atentar, injúria racial não é sinônimo de racismo, embora
tenham como semelhança o fato de ambos se utilizarem de elementos relacionados à
raça, cor, etnia, religião, etc.
Ao contrário do que ocorre no delito de racismo, na injúria racial as
penas são mais brandas e, além disso, este último crime não é inafiançável e
imprescritível como o crime de racismo, podendo o agente responder em liberdade, caso
41
pague fiança, e tendo como prazo prescricional o período de oito anos, nos termos do
artigo 109, IV do Código Penal.
A diferença entre os dois delitos é que na injúria racial a ofensa é
proferida em relação à pessoa ou pessoas determinadas. São os casos, por exemplo, de
ofensas tais como „judeu sujo‟; „negro macaco‟; „crente safado‟. Já no delito de racismo,
tipificado no artigo 20 da Lei 7.716/89, o que se proíbe é a ofensa racial à pessoas
indeterminadas, mas de uma mesma raça, etnia e etc. Como exemplo, podemos
mencionar o restaurante que coloca um cartaz com os dizeres: „proibido negros‟; ou
„não se aceitam cheques de negros‟, e etc.
3.3.4. Classificação
A classificação doutrinária atribuída ao crime de injúria não difere das
outras duas anteriores, exceto com relação ao momento da consumação:
a) quanto ao agente: trata-se de crime comum.
b) quanto à conduta: é crime comissivo.
c) quanto ao momento da consumação: é crime instantâneo de efeitos
permanentes. Aqui reside uma nítida diferença entre o crime de injúria e os dois
anteriormente estudados. Ao contrário daqueles outros dois, que se consumam quando
terceiro toma conhecimento da ofensa, no crime de injúria a consumação se dá quando o
sujeito passivo toma conhecimento da irrogação. Conforme o Superior Tribunal de
Justiça:
RECURSO EM HABEAS CORPUS - PENAL - PROCESSUAL PENAL -
CALÚNIA – DIFAMAÇÃO - INJÚRIA – DECADÊNCIA.
Os crimes de calúnia e difamação ofendem a chamada honra objetiva. a
consumação ocorre quando terceiro (excluídos autor e vítima) tomam
conhecimento do feito. A injúria, ao contrário, porque relativa
à honra subjetiva quando a irrogação for conhecida do sujeito passivo. a
decadência, relativa à injúria, tem o termo "a quo" no dia de seu
conhecimento. (grifo)
STJ – RHC 5134 MG – Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro – Julgado
em: 10/03/1996.
42
d) quanto ao resultado: é crime material,
e) quanto à execução: aqui há duas situações a serem consideradas
f) quanto ao concurso de agentes: é crime unilateral, pois para o seu
cometimento basta a conduta de uma só pessoa, embora o concurso de agentes seja
perfeitamente possível.
g) quanto ao tipo de dolo: também se requer o dolo específico,
43
4. DISPOSIÇÕES COMUNS AOS CRIMES CONTRA A
HONRA
Após tratar individualmente de cada espécie de crime contra a honra, o
Código Penal traz uma seção de disposições comuns que se aplicam ora a todos, ora a
dois desses delitos: são causas de aumento de pena; exclusão do crime; retratação da
ofensa e ações penais cabíveis.
4.1. Causas de aumento de pena
As causas de aumento de pena, que se aplicam a quaisquer dos delitos
contra a honra, são tratadas no artigo 141, que elenca em seus incisos hipóteses de
aumento da pena em um terço e em seu parágrafo único uma causa de aplicação da pena
em dobro:
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se
qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da
calúnia, da difamação ou da injúria.
IV - contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência,
exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)
Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de
recompensa, aplica-se a pena em dobro.
O inciso quarto não constava da redação original do dispositivo, mas foi
inserido pela Lei nº 10.741/03, mais conhecida como Estatuto do Idoso.
4.2. Hipóteses de exclusão do crime
44
Ao contrário das previsões relativas ao aumento de pena, tratadas no
tópico anterior, as hipóteses de exclusão do crime se aplicam tão-somente aos delitos de
injúria ou difamação, e estão descritas nos três incisos do artigo 142:
Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:
I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu
procurador;
II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo
quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;
III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação
ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.
Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela
difamação quem lhe dá publicidade.
Ainda, como podemos observar no parágrafo único, nos casos de ofensa
irrogada em juízo (I) ou no conceito desfavorável emitido por funcionário público no
exercício do ofício (II), quem dá publicidade à imputação também responde pelo crime
respectivo.
4.3. Retratação e explicações judiciais
Retratar-se significa desdizer, retirar o que foi anteriormente dito. É a
hipótese na qual uma pessoa incorre na prática de um dos delitos contra a honra, mas,
mediante nova afirmação, retrata-se da primeira.
Tem lugar apenas se praticada anteriormente à prolação de sentença, nos
termos do artigo 143:
Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da
calúnia ou da difamação, fica isento de pena.
45
Já o artigo seguinte, de número 144 contempla uma situação na qual uma
pessoa que se sinta ofendido pode pedir informações em juízo:
Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação
ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele
que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde
pela ofensa.
4.4. Ação Penal
Quanto às respectivas ações penais dos crimes contra a honra, a regra
geral é a de que a iniciativa seja exclusivamente privada, nos termos do artigo 145 do
Código Penal que, por sua vez, contraria a regra geral de que as ações penais são, em
regra, públicas incondicionadas:
Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante
queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão
corporal.
(...)
Porém, apesar da regra instituída pelo „caput‟ do dispositivo citado, há
algumas exceções, que significam que em alguns casos a ação penal apropriada à tutela
judicial desses bens jurídicos será a ação pública condicionada, nos termos do que
dispõe o parágrafo único do artigo 145:
Art. 145. (...)
Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no
caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação
do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do §
3o do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.033. de 2009)
As referências feitas pelo dispositivo significam que a ação será pública
condicionada à requisição do Ministro da Justiça, quando os delitos forem praticados
contra o Presidente da República ou contra Chefe de governo estrangeiro; ou pública
condicionada à representação do ofendido, nos casos dos delitos praticados contra o
funcionário público no exercício de suas funções.
46
Para mais, há também casos nos quais a ação penal será pública
incondicionada. É a ressalva feita pela segunda parte do „caput‟ do artigo 145, que prevê
esse tipo de ação nos casos de injúria real que resulte lesão corporal; porém, apenas em
relação à ação de lesões corporais.
Deve-se, atentar, contudo, com a promulgação da lei 9.099/95, esse
quadro sofreu parcial alteração, sendo pública condicionada a ação quando se tratar de
lesões corporais leves e, quando se tratar de lesões corporais de natureza grave, a ação
será pública incondicionada.
Caso o ofendido seja funcionário público no exercício da função, a ação
penal também será pública condicionada à representação.
4.5. O procedimento nos delitos contra a honra
Quando se trata da persecutio criminis nos crimes contra a honra, o
Código de Processo Penal estabelece um procedimento especial que, por ser especial,
evidentemente foge à regra geral do procedimento ordinário, e é disciplinado em vários
no terceiro capítulo do Título II de suas disposições, nos artigos 519 a 523.
A primeira observação que deve ser feita é a de que quando não haja
forma estabelecida em lei especial, aplicar-se-á as disposições constantes dos capítulos I
e II dos procedimentos especial, nos termos do artigo 519 do Código de Processo Penal:
Art. 519. No processo por crime de calúnia ou injúria, para o qual não haja
outra forma estabelecida em lei especial, observar-se-á o disposto nos
Capítulos I e III, Titulo I, deste Livro, com as modificações constantes dos
artigos seguintes.
Porém, esse dispositivo deve ser interpretado de maneira que se
considere aplicável apenas as disposições processuais penais do Capítulo II dos
procedimentos especiais, haja vista que o Capítulo I foi integralmente revogado pela lei
11.101/05.
Mas é nas disposições dos artigos 520 a 522 que se encontram as maiores
peculiaridades do procedimento penal nos crimes contra a honra:
47
Art. 520. Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade
para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as,
separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo.
Art. 521. Se depois de ouvir o querelante e o querelado, o juiz achar
provável a reconciliação, promoverá entendimento entre eles, na sua
presença.
Art. 522. No caso de reconciliação, depois de assinado pelo querelante o
termo da desistência, a queixa será arquivada.
De fato, o legislador previu uma espécie de audiência de conciliação
antes de efetivamente receber a queixa-crime. Caso a conciliação seja frutífera, e as
partes envolvidas se resolvam amigavelmente, o autor (querelante) deverá assinar um
termo de desistência da queixa.
A partir da assinatura desse termo, o réu (querelado) poderá considerar
extinta a sua punibilidade, devendo ser sumariamente absolvido pelo juiz, nos termos do
artigo 397, IV, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, se não houver a conciliação, o juiz decidirá se receberá ou
não a queixa. Caso a receba, mandará citar o querelado, e o processo passará a se
desenvolver normalmente, como no rito ordinário, desde que não haja o oferecimento de
exceção, por parte do réu.
Como já se adiantou, a possibilidade de exceção da verdade é outra
característica do procedimento penal dos crimes contra a honra, e vem instituída no
artigo 523 do Código de Processo Penal:
Art. 523. Quando for oferecida a exceção da verdade ou da notoriedade do
fato imputado, o querelante poderá contestar a exceção no prazo de dois
dias, podendo ser inquiridas as testemunhas arroladas na queixa, ou outras
indicadas naquele prazo, em substituição às primeiras, ou para completar o
máximo legal.
O oferecimento da exceção da verdade ou da notoriedade do fato
imputado deve ocorrer na apresentação da defesa prévia. Esse instrumento processual,
como já dissemos neste trabalho, é o meio que o processo penal disponibiliza ao
querelado para provar a veracidade da informação que se reputa desonrosa.
Na hipótese de oferecimento da exceção, abre-se a oportunidade de o
querelante contestá-la, no curtíssimo prazo de dois dias.
48
Sendo julgada procedente a exceção, o magistrado deverá absolver o
querelado por atipicidade da conduta. Do contrário, na hipótese de a exceção ser julgada
improcedente, a persecução penal tomará novamente o seu curso ordinário, seguindo-se
a oitiva de testemunhas.
Em que pese esses comentários, o fato é que esses crimes (com exceção
da injúria racial, que tem a pena máxima cominada de 03 anos) estão sujeitos aos
Juizados Especiais Criminais, por serem crimes de menor potencial ofensivo, e
portanto, serão processados segundo o rito sumaríssimo que a Lei 9.099/95 instituiu.
49
CONCLUSÃO
Do que examinamos no primeiro capítulo desse trabalho, podemos
seguramente concluir que os direitos da personalidade são tutelados tanto
constitucional, quanto civil e penalmente, embora no campo penal essa proteção seja um
pouco mais restrita, alcançando apenas a honra, que é apenas uma das várias espécies de
direitos da personalidade conhecidas no direito brasileiro.
No segundo capítulo, quando tratamos exclusivamente da honra, que é o
bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, pudemos perceber que mesmo sendo um bem
imaterial ou, um patrimônio moral dos indivíduos, a honra sempre gozou de proteção
normativa, desde o século II a.C., no Código de Manu da Índia.
Desse milenar legislação, passou para a Lei das XII Tábuas, para o
Direito Romano, para o Direito francês e, finalmente, para a grande maioria dos
ordenamentos jurídicos mundiais, marcando presença no direito brasileiro desde o
Código Criminal de 1830 e em todos os períodos históricos do ordenamento jurídico
nacional.
No capítulo terceiro, no qual adentramos o tema principal deste trabalho
e tratamos individualmente da cada uma das três espécies de crimes contra a honra
(calúnia, difamação e injúria) podemos tirar várias conclusões.
Com relação ao delito de calúnia, que como visto é a falsa imputação a
um sujeito de um fato descrito como crime, coloca-se a primeira questão da
possibilidade ou não de os inimputáveis figurarem como sujeitos passivos desse delito.
Vimos que alguma parte da doutrina penal recusa essa possibilidade tendo em vista que,
como os inimputáveis não podem cometer crimes, não poderiam eles serem acusados de
tê-los praticado.
No entanto, parece-nos que esse entendimento não é o melhor e, na linda
do que doutrina Damásio de Jesus, trata-se de uma premissa falsa, pois os inimputáveis
podem cometer crimes, sem que sejam considerados culpados. Em relação à
possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como sujeitos passivos desse delito,
achamos possível, desde que a imputação diga respeito aos crimes que podem ser
praticados pelos entes coletivos.
Já quanto ao delito de difamação, que é atenta contra a boa-fama das
pessoas, mediante a imputação de fatos de desabonadores de seu imagem no seio social,
50
vimos que é pacífico o entendimento de que os inimputáveis podem figurar como
sujeito passivo desse delito.
Com relação às pessoas jurídicas, essa unanimidade não existe, havendo
os que defendem essa possibilidade, como o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal,
Francisco Rezek, e o atual ministro da Corte Suprema, Marco Aurélio de Mello, mas
prevalecendo o entendimento no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça no sentido
da impossibilidade dessa sujeição passiva, tendo em vista que o capítulo do Código
Penal trata dos crimes contra as pessoas naturais, e não das pessoas jurídicas.
Quando examinamos o delito de injúria, que protege o „amor próprio‟ do
indivíduo e, portanto, sua honra subjetiva, vimos que esse se materializa em
xingamentos, insultos e depreciações pessoais, não sendo necessária a imputação de fato
determinado ao indivíduo, bastando palavras ofensivas genéricas.
Vimos que esse delito comporta duas variantes: a injúria real, que é a
injúria na qual se atinge materialmente o corpo da vítima, visando atingí-la em seu
íntimo, como no caso de um tapa desferido no rosto de alguém; e, ainda, a injúria
racial, instituída pela Lei nº 10.741/03, que é uma ofensa injuriosa que tem como pano
de fundo critérios raciais, religiosos e etc.
Por fim, no quarto e último capítulo examinamos as disposições legais
comuns aplicáveis aos delitos contra a honra, tais como as hipóteses de retratação e
exclusão do crime, e destacamos as ações penais adequadas, pontuando que a regra é
que a ação penal seja condicionada à representação ou requisição, conforme o caso,
havendo algumas exceções, como os casos em de injúria real do qual decorram lesões
corporais graves.
De todo o exposto, podemos concluir que, de um modo geral, o Código
Penal vem cumprindo seu papel na tutela de um bem jurídico tão importante quanto à
honra, só nos parecendo equivocada a posição de não se reconhecer as pessoas jurídicas
como sujeitos passivos do crime de difamação, o que seria um avanço, pois é fato
incontestável que as pessoas jurídicas têm um reputação no seio social e essa deve
também ser tutelada pelo Direito.
51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 5. ed., rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, v. 2, São Paulo, Saraiva, 1998,
FRAGOSO, Heleno Cláudio; Lições de Direito Penal: Parte Especial, vol. 2; 10ª Ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1988.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, 3ª ed., Rio de Janeiro, Revista
Forense, vol. VIII, 1956.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Volume 2. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Volume 1. São Paulo: Atlas,
2005.
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.
OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Crimes contra a honra. Porto Alegre: Sagra-DC
Luzzato, 1996.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol I. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo, 32ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2009.
TARTUCE, Flávio. Os direitos da personalidade no novo código civil. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/7590/os-direitos-da-personalidade-no-novo-codigo-civil.
Acessado em: 28/09/2011