Ethos => toca, moradia, espaço de vida, habitat, natureza cultivada
Êthos => normas de comportamento em relação ao espaço de habitação
Ética <= ethos / êthos
Ética x Moral
ÉTICA MORAL
comportamento adequado (virtuoso) em relação ao conjunto das normas comunitárias => finalidade
ciência crítica dos valores e hábitos praticados dentro de uma coletividade
Latim: mor = ‘costume’, ‘hábito’ = conjunto de costumes, hábitos que orientam o viver segundo determinados fundamentos
Ciência, arte ou codificação dos costumes e das normas
Base para o ser, o conhecer e o decidir Causa ou a razão de algo (ratio essendi,
ratio cognoscendi, ratio decidendi ) Razões do comportamento ético:
costume, temor de sanção, desejo de agradar, medo das penas eternas, etc.
Razão teleológica / finalidade: o bem estar comunitário
Sempre externo ao objeto em si (Hegel)
Fundamento
Fundamento é um critério ou modelo de vida Verbo grego krinô => 3 acepções
Julgar, decidir, condenar Estimar, crer Separar, escolhar, comparar
Latim: cerno <= discernir Kriterion = medida ou padrão do julgamento Critério não pode ser opinião ou valor de uma
parte, mas deve ser representativa do todo, mas deve ser para todos os homens e todas as civilizações (e as diferenças locais??)
Critério => princípio impessoal
Fundamento e critério
Aristóteles: atitude de ‘prudência’ [phronesis] em relação ao cosmos perfeito derivado da perfeição do “motor não movido”
Ocidente cristão medieval: Deus como garantia metafísica dos valores a serem defendidos em ações ético-morais
Modernidade: ‘direito natural’ (”no coração”) como ruptura com o
fundamento metafísico cristão (Deus) a autonomia do sujeito (Kant)
Mundo islâmico => vontade de Allah é o fundamento da prática
Fundamento das éticas tradicionais
A condição humana, resultante da natureza do homem e das coisas, permanecia fundamentalmente a mesma
Baseado neste pressuposto, podia-se determinar com clareza e sem dificuldade o bem humano e as consequências do seu agir
O alcance da ação humana e de sua consequente responsabilidade estaria perfeitamente delimitado
VISÃO ILUMINISTA / RACIONALISTA DE SER HUMANO => Identidade = não contradição entre o pensamento e suas consequências
Premissas das éticas tradicionais
FUNDAMENTAIS Verdade Justiça Amor
COMPLEMENTARES Liberdade Igualdade Segurança Solidariedade
Princípios éticos
Teleologia da história => progresso ilimitado por meio do crescimento econômico
Maniqueísmo político => persecução dos fins sem observância dos meios e dos resultados
Crises diversas “Monoculturas” Efeitos colaterais Impasses
Desdobramentos
Princípio responsabilidade
Alemão: 1979 Português: 2006
Hans Jonas
10 Maio 1903 Alemão de origem
judaica Discípulo de Heidegger 1934: emigração
forçada Israel : sionista e
participação no exército e organização do novo Estado
5 Fevereiro 1993
Hans Jonas: 3 fases
1929-1933: Discípulo de Heidegger => abertura do Ser para possibilidades
1966: livro “O fenômeno da vida – rumo a uma biologia filosófica”
1979: “O princípio responsabilidade – ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”
Hans Jonas
“...o homem passou a manter com a natureza uma relação de responsabilidade, pois ela se encontra sob seu poder. [...] Esse novo poder da ação humana impõe alterações na própria natureza da Ética”
3 pressupostos da ética tradicional
A condição humana, conferida pela natureza do homem, encontra-se fixada de uma vez por todas em seus traços fundamentais
Com bases nesses fundamentos, pode-se determinar sem dificuldade e de forma clara aquilo que é bom para o homem
O alcance da ação humana e, portanto, da responsabilidade humana é definida de forma rigorosa
Ruptura
Pressupostos perderam validade Transformações nas capacidade
humanas acarretaram mudanças na natureza do agir humano
Modificação na natureza do agir impõe modificação na ética
Novos objetos e nova forma de reflexão
Fonte da ruptura: Tekné = TÉCNICA MODERNA
Antiguidade
Antígona (Sofocles) : homem singrando os mares e desbravando a natureza => feito grandioso
Constante necessidade humana de intervenção no ambiente
Contexto permanecia ecossitemicamente inalterado => capaz de se auto-reequilibrar
“Cidade”
“Cidade” = obra humana como recorte cultural dentro contexto natural
Permanência da natureza, mutação das obras humanas
Constantes adaptações e melhoramentos
Ética da cidade => ética humana / antropocêntrica (com suas diferentes expansões)
Quadro “intra-humano” da ética
Características das éticas Domínio da techné (exceto Medicina)
era eticamente neutro quanto ao objeto e ao sujeito => atuação sobre objetos não humanos não formava um domínio eticamente significativo
Ética antropocêntrica Constância da condição humana e dos
efeitos de sua ação no ambiente Evidência do “bem” e “mal” nos efeitos
imediatos da praxis
Imediatez
“O comportamento correto possuía seus critérios imediatos e sua consecução quase imediata. O longo trajeto das consequências ficava ao critério do acaso, do destino ou da providência” (p. 35)
Máximas imediatas
Ama a teu próximo como a ti mesmo Faze aos outros o que gostaria que
fizessem a você Instrui o teu filho no caminho da
verdade Submete o teu bem pessoal ao bem
comum Nunca trate os teus semelhantes
como simples meios, mas sempre com fins em si mesmos
Kant
“Para saber o que [...] devo fazer para que minha vontade seja moral, para tanto não preciso de nenhuma perspicácia de longo alcance. Inexperiente na compreensão do percurso do mundo, incapaz de preparar-me para os incidentes sucessivos do mesmo, ainda assim posso saber como devo agir em conformidade com a lei moral” (Fundamentação da metafísica dos costumes, prefácio)
Adequações
Éticas modernas propõem adequação entre o comportamento (praxis) e o estatuto legal estabelecido
Correspondência entre agir e lei confere ortopraxia ética
Exemplos: Hegel, Kant
“A ética não é um relógio suiço cujo movimento nunca se desajusta. É uma criação permanente, um equilíbrio sempre prestes a ser rompido, um tremor que nos convida a todo instante à inquietude do questionamento e à busca da boa resposta” (Th. Klein)
Equilíbrio constante
Novas dimensões da ética
1 Vulnerabilidade da natureza
2 Novo papel do saber na moral
3 Direito próprio da natureza?
1 Vulnerabilidade da natureza
Percepções dos resultados nefastos fazem emergir novas áreas de conhecimento => Ecologia (Ernst Haeckel – sec. 19)
Biosfera como novum na teoria ética Preocupação meramente utilitária? Discurso antropocêntrico por causa
do lugar do sujeito do discurso
Viés antropocentrismo
“Enquanto for o destino do homem, dependente da situação da natureza, a principal razão que torna o interesse na manutenção da natureza um interesse moral, ainda se mantém a orientação antropocêntrica de toda ética clássica. Desaparecem as delimitações de proximidade e simultaneidade, rompidas pelo crescimento espacial e o prolongamento temporal das sequências de causa e efeito, postas em movimento pela práxis técnica mesmo quando empreendidas para fins próximos” (p. 40)
Irreversibilidade + cumulatividade
“Sua irreversibilidade, em conjunto com sua magnitude condensada, introduz outro fato, de novo tipo, na equação moral. Acresça-se a isso o seu caráter cumulativo: seus efeitos vão se somando, de modo que a situação para um agir e um existir posteriores não será mais a mesma da situação vivida pelo primeiro ator, mas sim crescentemente distinta e cada vez mais um resultado daquilo que já foi feito.” (p. 40)
“Toda ética tradicional contava somente com um comportamento não cumulativo” (p. 40)
2: Novo papel do saber
O saber torna-se um dever prioritário Reconhecer a ignorância torna-se
uma obrigação do saber e com isso torna-se parte da ética que deve instruir o auto-controle
A consideração da condição global e o futuro distante implicam nova concepção de direito e deveres
3: Direito próprio da natureza?
Ruptura da perspectiva antropocêntrica Romper a dessacralização utilitarista da ciência
moderna e seus fundamentos Indagações sobre a condução da natureza extra-
humana (biosfera) Ampliar o reconhecimento de “fins em si” para além
da esfera do humano Incluir o cuidado com as coisas extra-humanas Nenhuma ética anterior (exceto a religião) preparou o
homem para esse papel de fiel depositário para com o ambiente
=> Sousa Santos: “desperdício da experiência na matriz eurocêntrica”!!!
Tecnologia
Homo faber acima do homo sapiens homo sapiens: inserção no seu contexto
natural homo faber : dominação do entorno
ambiental pela técnica “O triunfo do homo faber sobre o seu
objeto externo significa, ao mesmo tempo, o seu triunfo na constituição interna do homo sapiens, do qual ele outrora costumava ser uma parte servil” (p. 43)
Ação coletiva
Humano: não somente ator e ação individual
Mas: atores e ações coletivas Responsabilidade – fornecida mais
pelo futuro indeterminado do que pelo espaço contemporâneo da ação
“Cidade universal”
Cidade: “segunda natureza” do homem Supressão da fronteira entre “polis” e
“natureza” O natural (quase) totalmente ocupado pelo
cultural / artificial Não mais: fiat iustitia pereat mundus, mas leis
devem integrar a integridade do ambiente “Questões que nunca foram antes objeto de
legislação ingressam no circuito das leis que a “cidade” global tem de formular, para que possa existir um mundo para as próximas gerações” (p. 44)
Futuro
Distenção temporal Da próximidade à distância temporal Resultado das ações com projeções
no futuro Os direitos dos que ainda não
nasceram
Novos imperativos
“Age de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”
Age de modo que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida”
“Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”
“Inclua na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer”
Antigas formas de “ética do futuro” (utopias)
Consumação no mais além : o futuro como lugar do absoluto; o presente como mera preparação (visão judaico-cristã) => renúncia e qualificação no presente, mas Deus como realizador escatológico
Responsabilidade do estadista com o futuro: prolongar o estado perfeito para dentro do futuro
Utopia moderna: versão secular do judeu-cristianismo com a diferença de que o absoluto escatológico irrompe por processos históricos (revolução, transformações, socialismo)
Homem como objeto da técnica Prolongamento da vida Controle do comportamento Manipulação genética “O homo faber aplica sua arte sobre
si mesmo e se habilita a refabricar inventivamente o inventor e confeccionador de todo o resto” (“culminação de poderes”) (p. 57)
Dilemas
Utopismo indesejado = viver para a reprodução aprimorada do presente sem conhecimento adequado
Excesso do poder de fazer sobre o poder de prever e sobre o poder de conceder valor e julgar
Que força deve representar o futuro no presente?
Heurística do medo
“O que nós não queremos sabemos muito antes do que aquilo que queremos” (p. 71)
Previsão hipotética do futuro => “o saber origina-se daquilo
contra o que devemos nos proteger” (p. 71)
Exemplo para decisão ética
Que as minhas refeições diárias sejam saborosas?
Que meu filho permaneça saudável?
Primazia do mau prognóstico sobre o bom
A evolução trabalha com pequenos passos
Procedimento paciente e lento Erros são compensados
Tecnologia moderna: comprime muitos passos lentos em pouco tempo (velocidade”) e em passos colossais
Aposta do tipo “tudo ou nada”
Contra a aposta tudo ou nada Dinâmica cumulativa dos
desenvolvimentos técnicos
Herança de uma evolução anterior: deveria ser preservada, mas pode ser perdida
“... no processo decisório deve-se conceder preferência aos prognósticos de desastre em face dos prognósticos de felicidade” (p. 86)
Apostas no agir
Leviandade na aposta não é contestável, mas não deve envolver outros
Arriscar tudo para prevenir o mal maior, deixando de obter o bem maior pode justificar apostas envolvendo outros (p. ex.: salvar uma vida)
Mas: os grandes riscos da tecnologia não pretendem salvar o que existe ou abolir o insuportável, mas melhorar permanentemente o já alcançado (sem prever as implicações futuras)
Abrangências
Apostas do tipo “risco total” na tecnologia envolvem interesses de outros (também o de gerações futuras)
Há obras da tecnologia, com efeitos cumulativos e globais, que podem colocar em perigo a existência ou essência dos homens no futuro (=> perigo atômico)
Risco da não-existência total
A existência do homem no futuro não pode ser objeto de aposta => a simples existência da possibilidade deve ser entendida como inaceitável
As certezas relativas do presente não podem compensar a incerteza absoluta
Imperativo do dever primário do Ser em oposição ao nada: preferir o Ser (existência) ao nada (não existência)
PRUDÊNCIA: virtude opcional em outras situações impõe-se como “cerne do agir moral”
Dever para com o futuro
Ética almejada lida com o que ainda não existe: o futuro
O “princípio responsabilidade” deve ser independente tanto da idéia de um direito quanto da idéia de uma reciprocidade
Comportamento inteiramente altruísta Paradigma: a responsabilidade dos
pais pela existência dos filhos Necessário justificar o dever de ter uma
posteridade?
Ontologia
Prioridade do dever da existência: Primeiro imperativo: que exista uma
humanidade Responsabilidade ontológica pela
idéia do homem Imperativo categórico => devem
existir humanidade (Ser) no futuro Preferência do Ser diante do nada e
o indivíduo
Ser
Constituído a partir de sua finalidade Fim em si mesmo => outorga de direitos Natureza como fim em si mesmo (estágios
da evolução) = Ser Reconhecimento do Ser da Natureza
supera sua coisificação e a coloca como destinatária de direitos
Respeito diante do Ser e não da coisa “Temor diante da Vida” (Albert Schweitzer) Respeito => responsabilidade
Mais
“Mas não basta o respeito, pois esse reconhecimento emocional da dignidade do objeto que percebemos, por mais intenso que seja, pode permanecer inoperante. Só o sentimento de responsabilidade, que prende este sujeito àquele objeto, pode nos fazer agir em seu favor” (p. 163 – destaque nosso)
Responsabilidade
Imputação causal por atos realizados => compensação => pré-condição da moral
Responsabilidade pelo que se faz => pelo objeto que reivindica meu agir (1º: dever ser do objeto + 2º dever agir do sujeito
Responsabilidade
Relação não recíproca Responsabilidade natural / parental
(ilimitada nas obrigações = tem em vista o bem do “objeto” X responsabilidade contratual (delimitada pela tarefa)
Responsabilidade livremente escolhida (homem público / político)
Pais e políticos como arquétipos da responsabilidade
Futuro
“O futuro da humanidade é o primeiro dever do comportamento coletivo humano na idade da civilização técnica, que se tornou “todo-poderosa” no que tange ao seu potencial de destruição. Esse futuro da humanidade inclui, obviamente, o futuro da natureza como sua condição sine qua non.” (p. 229)
Destino comum
“Mas, se o dever em relação ao homem se apresenta como prioritário, ele deve incluir o dever em relação à natureza, como condição de sua própria continuidade e como um dos elementos da sua própria integridade essencial. Poderíamos ir adiante e afirmar que a solidariedade de destino entre homem e natureza, solidariedade recém-revelada pelo perigo comum que ambos correm, nos permite descobrir novamente a dignidade própria da natureza, conclamando-nos a defender os seus interesses para além dos aspectos utilitários” (p. 230)
Argumentos
Perturbação do equilíbrio simbiótico pelo homem Causa: técnica = “intelecto prático emancipado”
(p. 231) “Na linha do tempo da evolução, e mesmo
naquela, ainda mais curta, da história humana, trata-se de uma mudança súbita no destino da natureza. Sua possibilidade estava dada com o aparecimento do pensamento e da vontade livres, os quais irromperam na natureza com o homem, mas sua realidade amadureceu lentamente e se revelou subitamente. No século XX, alcançou-se o nível, longamente preparado, quando o perigo se evidencia e ser torna crítico” (p. 231)
“A união do poder com a razão traz consigo a responsabilidade, fato que sempre se compreendeu, quando se tratava da esfera das relações intersubjetivas. O que não se compreendera é a nova expansão da responsabilidade sobre a biosfera e a sobrevivência da humanidade, que decorre simplesmente da extensão do poder sobre as coisas e do fato de que este seja, sobretudo um poder destrutivo. O poder e o perigo revelam um dever, o qual, por meio da solidariedade imperativa com o resto do mundo animal, se estende do nosso Ser para o conjunto, independentemente do nosso consentimento” (p. 231)
“Nascido do perigo, esse dever clama, sobretudo, por uma ética da preservação, da preservação e da proteção, e não por uma ética do progresso e do aperfeiçoamento” (p. 232)
“Assim, o “não ao não-ser”, e, em primeiro lugar, ao “não-ser” do homem, constitui, até nova ordem, a forma prioritária de como uma ética de emergência, voltada para um futuro ameaçado, deve transpor para a ação coletiva o “sim ao Ser”, que o conjunto das coisas acabou por tornar um dever humano” (p. 232)
Palavras conclusivas
“seguras as rédeas desse progresso galopante”
“precaução inteligente” “simples decência” “funções de preservação e proteção”
(p. 351) “o medo se torna a primeira
obrigação preliminar de uma ética da responsabilidade histórica” (p.352)
“Um patrimônio degradado degradaria igualmente os seus herdeiros”
“Guardar intacto tal patrimônio contra os perigos do tempo e contra a própria ação dos homens não é um fim utópico, mas tampouco se trata de um fim tão humilde. Trata-se de assumir a responsabilidade pelo futuro do homem” (p. 353)
Princípio responsabilidade
Alemão: 1979 Português: 2006