História de Venda Novaem contos e causos
Este livro é resultado da 2ª edição do Concurso“História de Venda Nova em Contos e Causos”,criado com objetivo de incentivar a produçãoliterária da comunidade, resgatar e valorizar a ricamemória de nossa gente e transmitir a história deVenda Nova transcrita a partir da história oral edocumental, recontada por pessoas da região.
Belo HorizonteSetembro/2005
Ficha Técnica:
Comissão Organizadora do Concurso
Ricardo EvangelistaTânia Cássia Cossenzo
Claudia Andrade de BarrosAndrea Lourdes RibeiroVicente Paula de Souza
Comissão Julgadora do Concurso
Ricardo EvangelistaTânia Cássia Cossenzo
Claudia Andrade de BarrosNelma Aparecida Vieira Gonçalves
Eliane Vieira de SalesJoão Batista Santiago Sobrinho
Correção de redação
João Batista Santiago SobrinhoJanete Dias Ribeiro
Gerência Regional de Comunicação Social Venda NovaSecretaria Adjunta Regional de Serviços Sociais Venda NovaSecretaria de Administração Regional Municipal Venda Nova
Apresentação
O lançamento do primeiro livro “Venda Nova em Contos e Causos”tinha como objetivo estimular a pesquisa e fazer resgatar e registrar a históriaoral da região, rica em dados, porém sem registro.
Diante do sucesso e do engajamento de todos os profissionais daEducação e Cultura em participar da organização naquela edição, estamosagora apresentando mais um livro para valorização da cultura, do patrimônioe da memória local.
Foram realizados vários encontros entre professores, bibliotecários,pessoas da comunidade e integrantes da equipe da Educação e da Cultura,para levar adiante este projeto. De acordo com o regulamento foramselecionados 14 contos, dentre os 74 contos escritos pertencentes às categoriasA,B,C,D e E.
Entregamos à comunidade vendanovense um pouco de nossa históriae esperamos que este projeto continue criando asas e galgando espaços noâmago de nossas mentes para não deixar esmorecer esta brilhante idéia.
A Comissão
Palavras do Secretário
Prezado(a)s belo-horizontino(a)s de Venda Nova,
As obras literárias nos encantam. Têm o dom de transportar-nos paraépocas passadas, antecipar o futuro, rever sonhos e sentimentos, inspiraratitudes, recordar-nos vontades e ocorridos tais, de modo que somente oescrever e o ler – estas formas mágicas de transmissão de vida – são capazes.
Quando à obra literária junta-se a descrição dos valores, conhecimentos,impressões, crenças e vivências de um povo, mais ainda esta literatura se tornaviva. Ao se acrescentar a esses ingredientes a história de uma região tão fértile plena de vida quanto é Venda Nova, tem-se uma tocante narrativa, podemosdizer, do mundo, que não é mais que a extensão dos quintais e ruas – visto apartir das experiências de uma gente de muito boa qualidade. Este é o caso daobra que temos em mãos - guarnecida do fato de ser acessível, em sualinguagem, para crianças e jovens.
A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, através da Secretaria deAdministração Regional Venda Nova, entrega aos belo-horizontinos estacoletânea, que completa a anterior, já publicada. Com ela, pretendemoscolaborar para o resgate histórico desta região que ostenta quase trezentosanos de ocupação humana conhecida. Ao mesmo tempo, buscamos incentivaros jovens, de todas as idades, a manter viva sua história – ação necessária paraa boa compreensão do presente e para a construção do futuro.
Em nome de nossa equipe e do Prefeito Municipal Fernando DamataPimentel, enviamos a todos os leitores nosso abraço. Até a próxima publicação!
Geraldo Magela Luzia da SilvaSecretaria de Administração Regional Municipal Venda Nova
Caros leitores,
No processo de correção das histórias do II concurso “História de VendaNova em Contos e Causos”, procuramos respeitar, ao máximo, as escolhasescriturais de cada autor. Somente interferimos, delicadamente, quando oentendimento do texto ficou prejudicado e em questões de lapsos ortográficos,muito comuns no momento de escrever ou transcrever um texto.
Também reduzimos, quando necessário o número de parágrafos dealguns textos, no intuito de obter uma melhor coerência. Portanto, o quefizemos, de maneira alguma interfere nas idéias e proposições dos escritoresque nos deu a honra de compartilhar conosco suas histórias, as quais fazemparte do imaginário e da identidade do povo Vendanovense.
Obrigado.
Cordialmente,
João Batista Santiago SobrinhoEscritor, Mestre em Teoria da Literatura pela UFMG
e professor de Literatura na FAMINAS
Prefácio
A vida da gente, de nossa família e de nossos antepassados é semprerica em aprendizados.
Recuperar a memória do lugar em que nascemos ou onde moramos éum bom caminho para preservar a cultura e as tradições de nosso bairro, denossa região. É ainda uma oportunidade de saber e entender como chegamosaté aqui. Conhecer nossas raízes nos ajuda a construir melhor nosso futuro.
Esta é a importância que vejo neste livro sobre a história de VendaNova narrada para crianças e jovens. As novas gerações têm muito a ganharquando ouvem o que dizem e ensinam os mais experientes. Estes, por suavez, prestam uma enorme contribuição à sua comunidade quando se dispõema colaborar no resgate de sua história. Ainda mais se a história é a deVenda Nova, que é mais antiga que Belo Horizonte.
É com grande alegria, pois, que apresento este belo volume ao público.Boa leitura!
Fernando Damata PimentelPrefeito de Belo Horizonte
Índice
A LAGOA SECA.........................................................................................13
O DEMÔNIO DA QUADRA DO VILARINHO.........................................15
O HOMEM MISTERIOSO..........................................................................17
AS HISTÓRIAS QUE REALMENTE VALEM A PENA...........................19
UM CAIPIRA DIFERENTE........................................................................24
HISTÓRIAS E ESTÓRIAS..........................................................................27
UMA ÁRVORE PODEROSA......................................................................29
TODAS AS SAUDADES DO MUNDO......................................................32
CONTO DAS ÁGUAS.................................................................................37
CONTOS DE VENDA NOVA.....................................................................39
SIMPLESMENTE MEMÓRIA ..................................................................42
O CASARÃO DO EUROPA........................................................................44
ETERNAMENTE VENDA NOVA..............................................................46
EXISTE ASSOMBRAÇÃO?.......................................................................51
VÁ À VENDA NOVA!................................................................................53
A VELHA VENDA NOVA..........................................................................59
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
A LAGOA SECA
Plínio Eliote da Silva Magalhães
Esta história aconteceu, não sei bem em que ano. Parece-me que
recentemente, antes das novas obras com a Lagoa da Pampulha.
Tudo começou quando a Prefeitura de Belo Horizonte iniciou o projeto
da limpeza da Lagoa da Pampulha. Para isto foi preciso secá-la. Meus pais
resolveram ir assistir a uma missa na igreja da Pampulha e chamaram minha
avó e um primo meu para irem com eles. Eles foram e assistiram à missa.
Chegada a hora de ir embora meu pai teve uma idéia. Sugeriu que todos
atravessassem a Lagoa da Pampulha para encurtar o caminho. Para dar a volta
pela lagoa demoraria muito tempo e como a lagoa estava seca, facilitaria a
travessia e pouparia tempo a eles.
Ao colocar o primeiro pé dentro da lagoa, tudo pareceu estremecer.
Parecia que todos iam afundar. Meu primo, apesar do medo, decidiu ir. E
andava rezando baixinho: “Pai Nosso, que estais no céu, santificado seja
Vosso nome! Venha a nós o Vosso reino! Seja feita a Vossa vontade! Assim
na terra como no céu...”
Até minha avó tremia. E tremendo, dando passo por passo, morria de
medo e também rezava: “Ave Maria, cheia de graça! O Senhor é convosco!
Bendita sois vós entre as mulheres! Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus!”
Estava até engraçado os dois rezando. Não era possível entender
nenhuma palavra do que eles diziam, pois tremiam tanto que as palavras se
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
misturavam umas com as outras. Eles esqueciam-se de algumas partes das
orações e retornavam ao início, tremendo e tremendo...
Quando eles estavam chegando à outra margem da lagoa, meu pai pisou
em um buraco e afundou o pé. Minha mãe tentava puxá-lo e não conseguia.
Começaram a desesperar-se. Todos tentavam puxar meu pai. De longe, a cena
parecia muito engraçada. Até que conseguiram arrancá-lo do buraco. Porém,
ninguém conseguia andar adiante.
Conseguiram sair do buraco, mas quem tinha coragem de tentar ir
adiante? Tiveram que retornar pelo mesmo caminho que vieram. Acabaram
por ter que dar a volta em torno da lagoa toda.
MORAL DA HISTÓRIA: “ Todo caminho fácil pode tornar-se difícil”.
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
O DEMÔNIO DA QUADRA DO VILARINHO
Geisiane Gonçalves Ribeiro
Aline Ramos Teixeira
Esta história aconteceu em determinada época, entre os anos de 1988 e
1989, na região central de Venda Nova, mais precisamente nas quadras do
Vilarinho. Ainda existe uma grande polêmica sobre o acontecimento e sobre
as quadras!
Tudo começou quando apareceu um rapaz aqui na região de Venda
Nova. O rapaz era alto, tinha cabelos loiros, olhos azuis, usava capa e chapéu
preto e sabia dançar muito bem.
As pessoas tinham o costume de pular Carnaval na quadra do Vilarinho.
Todas as noites de sexta-feira, sábado e domingo eram dias de festa, aqui em
Venda Nova nas quadras do Vilarinho.
O rapaz recém chegado à região de Venda Nova passou a participar
sempre das tais festas. Não perdia uma. Ele escolhia a menina mais interessante
e bonita da festa e passava a noite inteira dançando com ela. Ele tinha o costume
de pendurar sua capa preta na parede, sem nada para segurar e sempre
desaparecia misteriosamente. Estes fatos começaram a despertar a curiosidade
de todos.
Certa noite, o tal rapaz escolheu uma menina, como sempre, e dançou
com ela a noite toda. Em um determinado momento ela resolveu perguntar:
- Quem é você? O que você faz?
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Histórias de Venda Nova
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Ele respondeu:
- Meu nome é Alex! Eu não sou deste mundo! Eu sou o diabo!
A menina começou a rir, pois não acreditava no que ele havia dito.
Pediu-lhe então uma prova. Ele disse que daria.
Ele sempre usava calçados que eram de formato redondo. Todo mundo achava
que fazia parte de uma moda que ele inventou. Pois, além daqueles calçados,
ele utilizava somente roupas pretas e diferentes, além de uma capa preta.
Então ele resolveu tirar o sapato. Ao tirá-lo, mostrou a menina o seu
pé. Era uma pata de bode. Nesse momento, o chapéu do rapaz caiu no chão. E
em sua cabeça havia dois chifres.
A menina ao ver tal fato desmaiou e nada foi provado. E quanto ao
rapaz, mais uma vez, misteriosamente, no meio do povo, desapareceu. Até
hoje se ouve falar nele, mas ninguém nunca mais o viu.
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
O HOMEM MISTERIOSO
Scarlat Fabielle Freire
Uma velha de oitenta anos, que morava numa casa de madeira com mais
cinco pessoas, conta que, antigamente, este local era uma grande e linda fazenda.
O dono da fazenda resolveu viajar deixando sua esposa e sua filha.
Viajou por três anos sem falar seu destino. O tempo passou, quando retornou
não mais encontrou a esposa e a filha. Perguntou à vizinha Dona Carmém para
onde elas foram e a vizinha disse que elas venderam a fazenda para uma
construtora e foram embora, havia dois anos.
O homem ficou espantadíssimo porque a fazenda era dele e não
poderiam ter vendido e nem poderiam ter ido embora. Ele foi rapidamente
procurar a tal construtora e exigiu a saída do dono imediatamente de lá, porque
o dono daquele local era ele.
O novo dono da fazenda levantou e disse que quem era ele para invadir
daquele jeito a propriedade dele e falar esse absurdo. E logo chamou os
capatazes, que levaram o homem até o portão e o jogaram na rua. Disseram
que se ele pisasse naquele local de novo iriam matá-lo e enterrá-lo sem caixão.
O homem, nem um pouco assustado, levantou-se e foi embora.
No dia seguinte ele pareceu lá na antiga fazenda, mas não entrou,
parecendo tramar alguma coisa. As quatro horas da madrugada, invadiu o
local ameaçando matar o dono da construtora. Na mesma hora os dois capatazes
chegaram por trás dele e cortaram seu pescoço. O homem morreu na hora, foi
1818
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Histórias de Venda Nova
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enterrado ao lado de uma árvore e de uma pequena casa de madeira (onde a
velha mora hoje). Depois de muito tempo esse homem começou a gritar e
gemer de dor e começou a aparecer escritas na árvore. Muitas pessoas do
bairro ficaram aterrorizadas com esse fato estranho.
A velha pediu ao genro para cortar a árvore. Diz ela que um dia a casa
tremeu toda e todos ficaram com medo, as netas se esconderam num guarda-
roupa. Depois de quinze minutos, tudo se acalmou.
Até hoje, ele continua aterrorizando os moradores com seus gritos e
gemidos às quatro da manhã.
A fazenda não é mais linda como antes, parece um pasto, continua
sendo da construtora. O nome da rua da fazenda é rua Horácio Terena
Guimarães.
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
AS HISTÓRIAS QUE REALMENTE VALEM A PENA
Paula Fernanda de Oliveira Souza
Poderíamos, aqui, relatar diretamente a história de Venda Nova. Seu
surgimento, seu desenvolvimento, suas conquistas e tudo o que podemos ver
até hoje. Porém resolvemos resumir a história de uma única vida.
Lídia nasceu no bairro Céu Azul, no dia 7 de novembro de 1964. Mesmo
nascendo em um tempo de muitas repressões, Lídia trouxe a alegria e a
esperança de que sua família tanto precisavam naquele momento.
Em laços de ternura e aconchego, Lídia crescia e se desenvolvia, e
com seus olhos atentos e curiosos desvendava, a cada dia, os mistérios que a
vida colocava em seu caminho.
Mesmo no auge da sua infância, sempre fora uma menina responsável:
conseguia, com muita precisão, discernir o momento apropriado para suas
brincadeiras daquele dedicado ao cumprimento de suas obrigações.
E, a cada dia, crescia em sabedoria e conhecimento, sempre sabendo
poupar alguns deles para que a vida não perdesse sua sutileza e seu sabor.
Porém, mesmo tendo tantos conhecimentos e virtudes, havia algo que
Lídia nunca tentara desvendar: seu interior. E foi, exatamente com a chegada
da adolescência, que ela percebeu a necessidade de satisfazer suas dúvidas.
Lídia procurou respostas em livros, enciclopédias, dicionários, mas
tudo era vaidade. Em determinados momentos, desejou desistir da busca por
seu conhecimento, pois não havia ciência no mundo que pudesse satisfazer
2020
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Histórias de Venda Nova
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seus questionamentos. E, como dizia nosso velho amigo Carlos Drummond
de Andrade:
“só resta ao homem
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo!
Pôr o pé no chão de seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias
inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
de con-viver.”
(O homem; as viagens – Carlos Drummond de Andrade)
Foi então, que ela percebeu que para conhecer a si mesma seria preciso
conhecer os seres que a ela se assemelhavam. E, pela primeira vez, Lídia olhou
a sua volta e notou que nunca havia descoberto os mistérios da vida.
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Histórias de Venda Nova
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Neste momento, a pobre menina deparava-se com a missão mais
embaraçosa de sua vida: vencer a timidez. Assim, observava cautelosamente
quais pessoas poderiam corresponder a sua ânsia de se envolver com os que
estavam a sua volta.
Mas, para sua terrível sorte, Lídia se deparou com o monstro
que há no homem. A inveja, a ganância e a falsidade foi tudo o que
encontrou, depois de uma busca tão exaustiva e deprimente. E pela
primeira vez, desejou abrir mão de uma novo conhecimento: o homem.
Lídia viu-se tomada pela sombra. Seus dias se tornaram escuros e suas
noites, negras e melancólicas. Temia procurar a si própria e encontrar o mesmo
terror que encontrara no seu próximo.
Mas, em meio a um céu que a muito não cessava de nublar, surge uma
estrela que, com seu brilho discreto, porém glorioso, trouxe consigo uma
esperança.
Fernando era seu nome. Talvez nem tivesse tanta beleza quanto outros
rapazes que estavam a sua volta, mas seus olhos tão firmes, fixos e brilhantes,
como nenhum outro conseguia ser; e seu sorriso tão radiante, trazia consigo
toda a magia e a alegria que uma vida, mesmo sendo a de um simples rapaz
mortal, poderia trazer.
A muito, este jovem rapaz observava os passos de Lídia. Até que um
dia resolveu dar os seus próprios passos e tomar coragem para ir ao seu encontro.
Mas ao se aproximar daquela jovem tristonha, todas as suas palavras se
perderam restando apenas aquele intrigante olhar, que só ele sabia dar.
Lídia acabou deixando-se levar pela magia contida naquele olhar. Sentiu
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Histórias de Venda Nova
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uma leve brisa a lhe tocar a face, fazendo-a, assim, desviar os olhos de sua
envolvente leitura e notar a presença daquele ilustre rapaz. E fingindo tirar os
finos fios de cabelos castanhos que impediam sua visão, olhou para aqueles
olhos que transmitiam tanta intensidade e sentiu-se tomada pela velha e
conhecida timidez de sempre, que a impediu de acrescentar alguns segundos a
mais àquele momento que será, por toda a sua vida, inesquecível.
E notando a timidez que encobria o rosto de nossa heroína, o
caloroso rapaz lançou aquele contagiante sorriso costumeiro, o que a
deixou bastante surpresa, pois em sua busca pelo conhecimento da vida
humana, ela nunca havia presenciado um sorriso sincero.
No outro dia, naquela mesma praça dos ocorridos passados, a moça,
que já podia perceber em si a presença de um novo sentimento, resolveu esperar
para ver se encontrava aquele misterioso rapaz novamente. Horas se passaram,
até que uma fúria incontrolável subiu à cabeça de Lídia, e quando ela percebeu,
já estava atravessando a rua, e um carro desgovernado vinha em sua direção.
Fernando, que estava do outro lado da rua, sentiu-se possuído por um desespero
tão intenso que nem percebeu o quanto suas pernas se moveram para retirar
Lídia daquela situação. E, agarrando-a com pressa, atirou-a contra a árvore
que ficava no centro da praça, E deixando-se levar pelo impulso, atirou-se
sobre ela.
Os dois, que de tão assustados não conseguiam se mover, ficaram ali,
parados, estagnados, surpresos com aquela fatalidade. Seus corações, que de
tão próximos, batiam acelerados num mesmo ritmo, numa mesma condição.
Até que Fernando olhou para dentro dos olhos de Lídia e lhe agraciou com
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aquele vagaroso sorriso. E a jovem, comovida, abraçou-o com força.
Casaram-se, foram felizes, e acima de tudo, se amaram. E desse amor
muitos frutos surgiram. Tiveram três filhos maravilhosos. E Lídia finalmente
descobriu porque antes não encontrava a razão da sua vida. Viu que,
simplesmente, não existe vida sem amor e quando se está sozinho.
Lídia tem uma história. Venda Nova é como Lídia, pois, assim como
ela, nossa cidade nasceu, cresceu, desenvolveu, buscou novos conhecimentos
e aprendeu que mais importante que tudo é saber se relacionar com seus
moradores. Alguns, que de certa forma, a desprezam, mas outros que, assim
como Fernando, a amam e fazem dela, um lugar maior e ainda melhor.
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
UM CAIPIRA DIFERENTE
Rosana Pereira Sathler
Ariana da Silva
Meu nome é Jorge Almerindo Santos. Sou de uma família que veio do
interior de Minas para viver em Venda Nova no início do século XVIII. Já
tenho 79 anos, mas ainda me lembro bem de como meus antepassados
participaram da história de Venda Nova. As histórias de suas vidas vem sendo
passadas de geração em geração, sendo a mais importante de meu
“tatatata....tataravô”. Querem saber? Querem mesmo? Então me acompanhem:
- “Uai! Mas que lugar movimentado sô! Disse meu tata...tataravô” ao
chegar em Venda Nova. - Má é aqui memo que eu vô me ajeitá.
Ele era um caipira “daqueles” e com o passar do tempo, ambicioso em
mudar a vida das pessoas que viviam ali, deu início a um movimento que
revolucionou a história daquele lugar (pois ainda não era a região de Venda
Nova). Querem saber porquê? Esperem só mais um pouco que logo saberão...
- Qui lugar doido sô! Tem vendinhas espaiadas por toda parte... mais...
num sei não... Tá fartando alguma coisa... Uns tem muito e outros quase nada...
Esse lugar precisa crescê. Disse ele, um sonhador.
Para quem não sabe, naquela época, existiam muitas vendinhas em
que muitos boiadeiros que percorriam grandes distâncias descansavam e eram
também o ponto de desvio de bandeirantes que subiam pelo Rio das Velhas.
Com tanta movimentação, meu “tata...tataravô” teve uma grande idéia!
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- Eu vô é aproveitá esse tantão de gente! Vô fazê o comércio
crescê! Vô também ajudá os que mais precisa. Intão eu vô acabá
primeiro com minha ignorânça e dá um jeito de trabaiá.
Meu “tata...tataravô” estudou, formou e se tornou um grande
comerciante. Agora, já uma pessoa culta, convocou secretamente as pessoas
pobres da região para uma reunião à noite em sua casa.
- Boa noite, obrigado pela presença de todos, iniciou o seu discurso. -
Não querendo tomar muito tempo de vocês vou direto ao assunto. Quero dizer
que já passei pela mesma situação que a de vocês e peço que me deixem
ajudá-los. Juntos vamos transformar esse lugar! Unam-se a mim e formaremos
a maior venda de todas, que se chamará Venda Nova.
E assim foi feito. Mas para que construíssem essa grande venda tiveram
que enfrentar vários obstáculos: realizaram greves, protestos por igualdade
social e finalmente a última e definitiva rebelião aconteceu. Uma batalha entre
trabalhadores e militares (que defendiam os nobres), onde muitos se feriram e
outros morreram.
A batalha estava empatada, porém, os trabalhadores não desistiam,
lutavam com muita bravura. E infelizmente no auge de tudo isso, Augustos
José Almerindo Santos, meu “tata...tataravô”, adoeceu no meio de tudo aquilo.
Ele contraiu tuberculose, doença para a qual, na época, não havia cura.
Quando os trabalhadores quase venciam os nobres, Augustos morreu. Mas
deixou um filho de 18 anos chamado Joaquim Eduardo Almerindo Santos, que
concluiria sua obra. Talvez ele tivesse a certeza de que seu filho não fracassaria.
Joaquim então passou a liderar o povo. Encarou com firmeza o seu
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Histórias de Venda Nova
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cargo. Lutava pelas pessoas, mas principalmente para vingar a morte de seu
pai. Queria completar sua obra tão sonhada que não conseguiu terminar. Então
o dia final chegou: todos estavam cansados, mas os trabalhadores perseveraram
até a última “gota” de força. Os militares já não conseguiam mais lutar e
desistiram. Os trabalhadores vibravam e festejavam pela vitória.
Depois de tudo isso, construíram a tão sonhada Venda Nova, que foi
dedicada a seu pai Augustos.
Conta-se ainda que todos faziam da venda um referência dizendo:
“Vamos parar na Venda Nova! Vamos parar na Venda nova!” Devido então a
essa expressão, aquele local começou a ser chamado de Venda Nova”.
Essa realmente foi uma história incrível. E histórias assim acabam
virando “contos”, como se nunca houvesse acontecido. Pessoas reais viram
apenas heróis fictícios. Mas não devemos deixar de acreditar que isso ainda
pode acontecer como no passado. Talvez nos dias atuais surjam pessoas com a
mesma coragem de Augustos, capazes de quebrar regras. E como será Venda
Nova no futuro? Pode continuar a mesma, mas também pode se transformar
em algo melhor do que já é. É só acreditar...! E então, gostaram? Eu posso
afirmar que essa é uma história verdadeira, mas...
Acreditem se quiser!
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HISTÓRIAS E ESTÓRIAS
Vânia Pereira Silvério
Moradora de Venda Nova há vinte anos, minha idade atual, fico
fascinada cada vez que ouço uma história ou estória de acontecimentos em
Venda Nova. É realmente fascinante desde as histórias, onde visualizo com
detalhes, do cotidiano de uma Venda Nova recém-descoberta, rodeada de matas
e um córrego Vilarinho de águas cristalinas (que emoção!), até as estórias
como a do capeta da quadra do Vilarinho, fantasmas das fazendas, casas mal
assombradas, entre outras. Todas constituindo a história de um povo trabalhador
e bem humorado que habita a antiga mas sempre Venda Nova.
É, com efeito, que todos conhecem ou viveram essas hilárias,
emocionantes e assustadoras histórias ou estórias. E eu, como legítima moradora
vendanovense, venho relatar minha ativa participação em acontecimentos que
constituem, também, parte nestas histórias contadas, sejam elas vividas ou
inventadas, por nosso povo.
Na rua Maria borboleta, no bairro Novo Letícia, há uma casa enorme,
dois andares, paredes sem reboco, quintal cheio de árvores com todo tipo de
mato dando ao lugar um verdadeiro ar sombrio, que provocava real excitação
em todos nós que acreditávamos que aquela casa era mal-assombrada. Diziam,
que todos os membros daquela casa haviam morrido, mas continuavam naquele
lugar. À noite, afirmavam alguns, já terem ouvido os passos dentro da casa e
ranger de correntes sobre o telhado. Muitos diziam não acreditar, mas não
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Histórias de Venda Nova
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arriscávamos, passávamos do outro lado da rua e a noite, o jeito era sempre
passar correndo.
A casa ficou vazia por vários anos. Hoje, uma família mora na parte
inferior da casa. Dizem que foi invadida. Não sei como conseguem morar lá,
talvez seja porque eles nunca ouviram essa nossa história ou estória. Vizinha
dessa mesma casa está o SESC de Venda Nova, outro lugar que afirma uma
funcionária, já ter visto um vulto de machado na mão entre as matas do SESC.
O tal fantasma do Sr. Raimundo Fernandes, antigo gerente do SESC, causa
polêmica até hoje tantos anos após sua morte.
Eu sou atriz e certa noite participava de um ensaio no teatro “Os
Lusíadas” do SESC, no meio do ensaio uma porta se fechou sozinha, verificado
por todos os presentes não havia passagem de ar para culparmos o vento. O
ensaio continuava apesar do medo e nesta mesma noite ouvimos ruídos como
se estivessem quebrando os banheiros da entrada, onde não havia mais ninguém.
É verdade que dizem que todos os teatros abrigam um fantasma, mas pode ser
bem verdade que o do Lusíadas seja o Sr. Raimundo, tentando nos pregar uma
peça neste dia.
Bom, verdade ou não, as situações foram vividas e o susto da hora faz
com que a gente acredite em qualquer coisa. Não afirmo que o fantasma do Sr.
Raimundo exista, mas confesso que não entro nunca nesse teatro sozinha. È
sempre melhor prevenir do que remediar.
História ou estória, sabe-se lá?
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
UMA ÁRVORE PODEROSA
Florisbela Vieira Sales Serra
Minha protagonista é uma árvore mais que centenária, situada no bairro
São João Batista, em Venda Nova. Seu nome? Ela é conhecida, popularmente
por Pau d’óleo. É um exemplar de porte rijo e vigoroso, que venceu, através
dos tempos modernos, a batalha pela sobrevivência. Impera num lugar onde já
não há tanto espaço para vida verde. Muitos transeuntes que passam por ali
têm o prazer de olhá-la. Deleitam-se diante de tanta majestade. Oxalá pudessem
perceber que existe algo selvático naquela maravilha que produz um êxtase à
alma e, logo após, transforma-se em uma calma assustadora, dando-nos a
sensação de estar diante de um pedacinho do paraíso de Deus.
É assim o Pau d’óleo para mim. Pena que hoje viva solitário em meio
a uma confusão cinza e barulhenta, todavia é capaz de transmitir uma atmosfera
de paz podendo assim irradiar sensações preciosas aos moradores daquele
lugar.
É com grande comoção que relembro minha infância, cujos melhores
momentos passei perto dessa amiga poderosa. Relembro bem como vivia a
nossa heroína: rodeada de companheiros altos, fortes, rasteiros torcidos,
retorcidos dos mais variados tons de verdes e marrons. O “habitat” era mesmo
aconchegante, com as mais variadas formas de folhas agitando-se ao som
provocado pelo vento. Admirável era a quantidade de pássaros e borboletas
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
que iam e vinham agitando o lugar, envolvendo-o numa sinfonia indescritível.
Interessante, também, era poder observar os animaizinhos de asas que
viviam em derredor. Na época, eu não tinha nenhum interesse por eles.
Posteriormente, descobri que eram importantes, como eu também sou na
natureza. Convém constatar, eles faziam parte do cenário, embora não fossem
percebidos diante da beleza da minha amiga.
Vale lembrar que os fenômenos apareciam: a chuva caía, o sol brilhava,
o vento roçava pra lá e pra cá, e nada se perdia. Era como se cada milagre
celeste tivesse um papel preponderante na vida de cada ser presente; sobretudo
daquela beleza que a cada dia parecia mais próxima de um céu distante e
misterioso.
Nós, da Vila Santo Antônio, crianças felizes e saudáveis, normalmente
aparecíamos por lá. Chegávamos afoitas e logo o rebuliço começava. É claro
que os olhos buscavam primeiramente aquele Pau d’óleo místico: subíamos
nos galhos mais baixos e ouvíamos o vento agitar de mansinho o cimo da
árvore, escutávamos o grilo com seu canto estridente, brincávamos de esconder
nas moitas cerradas, deitávamos e admirávamos as folhas miudinhas da amiga,
embora respeitássemos a sua pujança e grandeza.
Engraçado! As crianças dessa época, eram tão inocentes que
procuravam tesouros escondidos no meio do mato. Mania estranha essa de
procurar na natureza coisas mágicas, que parecem apenas existir nos livros de
histórias de fadas!
Mas, como diz a Bíblia, há tempo para todas as coisas debaixo do céu.
Um dia a história mudou. Derrubaram o cenário da árvore e construíram um
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Histórias de Venda Nova
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conjunto habitacional no lugar. Abriram estradas. Apareceram casas ao redor.
Vale dizer (se assim posso dizer): coisas do progresso! A nossa velha amiga
felizmente foi salva. Sobreviveu graças aos sentimentos ecológicos de alguns
moradores da região que lutaram pela sua permanência. O lugar progrediu aos
olhos dos homens, contudo, ela só teve perdas: perdeu os companheiros verdes,
os cipos, as borboletas. Nós, as crianças da vila, crescemos e não voltamos ao
lugar. Estamos ocupados com outros sonhos. A poeira e a fuligem do asfalto
estão sempre rondando-a. A violência urbana está próxima dos seus galhos.
Mas, mesmo assim, ela está lá, firme e forte. Foi preservada e ninguém
conseguiu apagar a beleza exuberante da minha protagonista.
Venda Nova deve se orgulhar de possuir em suas terras um tesouro de
tão grande valor, porque a história dela foi escrita nos corações daqueles que a
conhecem. Esse presente da natureza faz parte do nosso patrimônio cultural
porque a ação do homem impediu que o cimento e a pedra a derrubassem.
Enfim, ela resistiu ao tempo e ainda vive para mostrar a todos a importância
de proporcionar uma sombra, um aconchego, e, sobretudo, um ar puro para os
que vivem no planeta Terra.
Quem não a conhece, passe por lá e a contemple. Veja com os olhos do
coração. Sinta o que é imponência, altivez e tranqüilidade.
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Histórias de Venda Nova
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TODAS AS SAUDADES DO MUNDO
Vilmar Luiz de Sousa
O sol se aproximava do poente. Chegaria ao distrito de Venda Nova à
noite. Em pequeno cálculo mental adicionou o tempo que levaria para arrear a
tropa ao que perderia pelo caminho: “No morro da fazenda de Joaquim Cândido
é difícil acertar a trilha no escuro. O gado fica ruminando no deitado na
estrada e não se move para a passagem. Os cachorros do Senhor Manoel de
Matos podem desviar a égua madrinha, além do Ribeirão Pampulha, um
atoleiro para quem erra a vereda de baixo”.
Apertava a charrua do último animal quando “Coroné Candinho” se
aproximou, garrou prosa e estendeu a conversa perguntando por quantos
conhecia em Venda Nova. Quis saber de Zé Cleto, do povoado, das famílias,
da igreja e ainda deu-lhe a nova de que Del Rei estava sendo visitada por
ilustres figurões, responsáveis pela construção da nova capital do estado.
Deixou o coronel ainda falando e soltou a guia da tropa. Num instante,
enfileiraram-se todos os cargueiros em direção ao norte. O velho já ia indagar
por detalhes quando percebeu que não dava mais tempo. Abílio havia passado
a perna no pelego, em apenas um golpe, e já esporava o cavalo em rápida
arrancada.
O polaque da cabeça de tropa soava distante. Era de confiança a danada
da madrinha. Sabia o melhor caminho para casa sem se desviar nas
encruzilhadas. As encomendas chegariam...
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Histórias de Venda Nova
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A Serra do Curral ficava cada vez mais azul acinzentado brilhando de
um lado só, onde os raios fracos do sol se despediam. Não há qualquer outra
visão mais bonita. Nada o afastaria desse lugar e por temê-lo, já pensava em
quando não pudesse mais voltar.
Correu os olhos pelo balanço das cargas. Nada de irregular.
Provavelmente precisaria apertar a barrigueira de alguns. Evitava paradas
inúteis. Muitos pontos críticos já haviam sido vencidos. Creditou na conta de
Deus e agradeceu, mas o Ribeirão Pampulha prometia problemas. Não se
detinha nas dificuldades e se imaginava chegando, desarreando os bichos, dando
banho e colocando no pasto. As cargas poderiam dormir no tempo. Estavam
cobertas com bolsas de couro cru.
Já não identificava corretamente o lugar em que se encontrava. Contra
a claridade das estrelas viu um cruzeiro no topo da colina. Estava no
Cachoeirinha, certamente. Lembrou-se de que as almas de recém-nascidos,
mortos sem batismo, vagavam por toda noite. “Não há de ser nada”. Além do
mais, tinha uma oração para essas ocasiões:
“Valei-me mar sagrado
Valei-me Virgem Maria
Valei-me Jesus Cristo
Valei-me estrela guia
Valei-me cordeiro divino
Valei-me Jesus amado
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
Que neste mundo veio
Logo foi alumiado
Da lua e das estrelas
Todo foi arrodiado
Varinha de condão
Força de Sansão
Valei-me
No alto daquele morro
Há um cruzeiro armado
Virtude que ele traz
Jesus crucificado
Quem esta reza rezar
Um ano continuado
Nesta vida será rei
Na outra será coroado
Três dias antes que morra
Aparecerá a Virgem Maria
Dizendo: filho, confessa seus pecados que deus mandou te buscar
Sua alma será salva
Posta em bom lugar. Amém.”
Sentia a alma em silêncio. Nenhum medo. De repente, os animais
começaram a se amontoar em círculo. O coração de Abílio bateu forte. Teriam
pressentido algum perigo. Não forçou-os com gritos ou estalos de soiteira
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Histórias de Venda Nova
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como de costume. Algumas mulas se deitaram com a carga e levantá-las era
trabalhoso. Nada enxergava direito. Torceu para que não quebrassem parte da
carga. Desceu do cavalo e foi apalpando com uma mão e segurando a rédea
com a outra. Tateava ainda quando deu de cara com a porteira de varas com
que Manoel de Matos cercou um pequeno talhão. Sentiu alívio. Pelo menos
sabia que ali não haveria risco de atolar. A égua madrinha seguiu a trilha da
plantação e na verdade não houve as temidas dificuldades imaginadas.
Avistou ao longe um fogo aceso. Outros tropeiros acamparam nas
margens do Córrego Vilarinho para seguirem para o Rio das Velhas. Convidou-
os para a festa de Santo Antônio que se realizaria na capelinha e correu para
alcançar os animais que já estavam se misturando aos demais.
Naquele dia, dormiu em paz. As encomendas do patrão, festeiro de
Santo, estavam no celeiro e D. Lucinda madrugou para a missa da manhã
mexendo em tudo com leveza para não acordá-lo.
Naquela época, a leveza de D. Lucinda o irritava. No casebre deles
não faltavam sandices: a banca de lavar vasilhas fora feita de modo que se não
estivesse sendo utilizada, a água se desviaria num bambu lascado até o pote.
Assim era sempre fresca a água de beber. Não cansava de mostrar sua invenção
às visitas e fechar o causo com uma gargalhada totalmente sem dentes.
Dizia que cada pedaço de enchimento de seu rancho fora preenchido
com lutas e bravuras. Colecionava uma extensa lista de inimigos contra os
quais teve de lutar. Abílio desconfiava de que esta lista aumentava a cada
versão da história.
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Quando as pessoas iam embora, sentava-se na porta e olhava o caminho.
Parecia estátua nesta espera pelo filho.
O tempo passou e agora Abílio era um velho. Ou pelo menos se sentia
assim. O progresso tratou de dar fim ao seu ofício. Tentou algumas vezes
retomá-lo, mas não tinha mais idade nem alguém a esperá-lo. Fato é que Abílio
ajuntava em si todas as saudades do mundo. Tudo o que passou eram visões de
muitos lugares e de vários sentimentos que escaparam. Queira ver de novo
como era Abílio jovem. De onde partira e nunca mais poderia encontrar-se.
O consolo era que, pelo menos, fora longe buscar os sonhos e parecia
que se perdeu. O desejo precisava de dinheiro e o dinheiro estava lá. Ele,
garoto pobre, foi atrás, despedindo-se de alguns sonhos e fazendo outros.
Deixando-os sozinhos a esperar em cada lugar que passou um dia. Ainda não
voltou para retomá-los nas mãos. Em dias de falta de amor, ouve seus gritos lá
no fundo e então os lugares de Venda Nova, as pessoas, as situações e os
sentimentos se enchem de um brilho maior e de intensa ternura. Aí, ele percebe
que o ontem valeu a pena porque sonhou e o hoje está ganho por ter sonhado.
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CONTO DAS ÁGUAS
Luciana Cirino Lages Rodrigues Costa
A história que lhes conto aqui, nas seguintes linhas, é possível de ser
vista nos meses de dezembro a fevereiro, em um lugar chamado Venda Nova.
Eu moro nessa região desde meus 6 anos, e já vi muita água passar por
debaixo das pontes e por sobre a terra, e há alguns anos, por sobre o asfalto. É
bem verdade que, hoje, muitas pontes foram substituídas por galerias
subterrâneas, que nos impede de ver a água dos córregos, sejam limpas ou
sujas.
Quando pequena, esperava com ansiedade a época das chuvas, porque
assim eu poderia tomar “banho de cachoeira” formada pelas águas da enxurrada.
Claro que meus pais não poderiam saber disso mas, sempre tinha um irmão ou
uma irmã “x9” para “informá-los” dos meus feitos.
A água esteve muito presente em minha vida, especialmente em minha
infância. Lembro-me das vezes que eu ia pescar peixinhos com peneira, aos 8/
9 anos de idade, no córrego que hoje está coberto pela Av. Cristiano Machado.
Lá ia a menina com sua peneirinha na mão, olhando para os lados para fugir
dos olhos dos fofoqueiros ou procurando alguma companhia. Chegava ao
córrego sem preocupar-se com a qualidade da água, apesar de saber que onde
há peixe há vida! Até que um dia viu um sapinho que a assustou e fugiu de lá,
como relâmpago em dia de chuva.
Relâmpagos e trovões faziam a sonoplastia e os efeitos especiais nos
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dias chuvosos. Dentro de casa tinha também a contribuição do ritmo frenético
das goteiras, que aumentavam sempre que a chuva caía com sua potência total!
E eu que ficava querendo ir para a rua, curtir a cachoeira da enxurrada, mesmo
tendo cachoeira particular para cada um dos sete filhos!
Sete? É! Sete barcos de papel teríamos se cada um fizesse o seu para
navegar nas poças da água da chuva. Poças que secavam sempre que o sol
aparecia.
Sol e chuva...
O sol aparece nesse conto que lhes conto, nas inúmeras vezes em que
eu desenho um, bem bonito e sorridente, para colocá-lo no terreiro ou na rua.
Era na minha infância, como um ritual, uma oração. Era um pedido para Deus
trazer algo mais confortável e menos molhado. Afinal, de água eu ficara por
algum tempo, molhada.
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CONTOS DE VENDA NOVA
Sueli de Abreu dos Reis
Me lembro de anos atrás, eu gostava de ir ao campo de futebol, lá tinha
festivais e muitas brincadeiras. Tinha o pau-de-sebo que era engraçado, a
criançada subia e logo descia por causa do sebo passado na madeira. Meus
irmãos eram espertos e deixavam que os colegas subissem para limpar o sebo,
então eles subiam nas costas dos outros e pegavam a nota e isto era uma festa.
O jogo de malha e o perna de pau tinha muita animação. As pessoas
aproveitavam para vender coisas como: caneca de lata de massa de tomate e
leite em pó. Era uma tristeza lavar aquelas canecas, pois elas enferrujavam e
tinham que ser areadas com areia mesmo, que sufoco! Não me esquecendo da
fantástica queima do Judas, quando, na praça, era feita a leitura do seu
testamento deixando várias coisas como carroças, bacias, roupas, penicos e
outros pertences que eles roubavam a noite nas casas. Então era feita a entrega
para os proprietários, perto da capelinha que tinha na pracinha, onde hoje é
um bonito jardim.
Lembro-me também do chafariz. De dia, ficavam filas de pessoas com
latas para pegar água, pois não havia água encanada nas casas. Fazíamos uma
rudilha de pano e colocávamos na cabeça para equilibrar a lata d’água.
Ficávamos com o pescoço encolhidinho por causa do peso da lata d’água. O
chafariz ficava na rua Santa Cruz e lá tinha um bambuzal que muitos diziam
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ser assombrado. Eles afirmavam que lá aparecia um caixão no alto desse
bambuzal.
Venda Nova era muito animada. Tinha serenatas que os rapazes faziam
para as moças, as quadrilhas marcadas pelo Senhor João Gualberto, as contra
danças eram uma maravilha! A esposa do Sr. João não deixava ele dançar com
nenhuma moça, pois ele era muito assanhado. Ele tinha apelido de João da
Chica e sua esposa, Mariana Amélia de Azevedo, era conhecida como dona
Inhá. Que animação! A Folia de Reis dançava noite e dia e tinha que dar um
trocado para os dançarinos, senão eles não dançavam.
Os comícios na pracinha de Venda Nova eram assim: o partido da
vassoura de um lado e o partido do pintinho de outro. Ninguém falava em
quem ia votar, era sigilo.
Os parques que chegavam em Venda Nova eram uma festa. As moças
ficavam esperando que os rapazes mandassem tocar músicas para elas. As
moças ficavam passeando de braço dado de um lado para o outro e os rapazes,
muitos até de terno, ficavam nos cantos da rua mexendo com elas. Falavam
assim: “oi de cá, fala para a de lá, que eu quero conversar com a do meio.” A
gente fingia que não tinha visto. Tinha uma figura interessante na praça. Era
um senhor que se chamava tio Domiro. Mas, se chamasse ele de galo capão,
era pedra voando para todos os lados, era uma correria.
Venda Nova tinha também seu lado triste. Tinha os enterros que eram
conduzidos pelas ruas. O cortejo seguia ao som do sino da Igreja até chegar ao
cemitério. Venda Nova inteira ficava sabendo que tinha morrido alguém. Mas
também nascia muitas crianças pelas mãos de Dona Inhá, a parteira de Venda
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Nova. Chegava gente de toda a redondeza e ela montava na garupa do cavalo
e ia atender o chamado. Venda Nova não tinha maternidade e nem muitos
comércios. Havia poucas vendas e butecos, padaria era uma só. A lenha para
aquecer o forno era trazida por tropas de burros e o pão era levado de porta em
porta dentro de balaios. Os pães eram pãozinho ou pão de meio quilo.
Escolas, haviam duas: Santos Dumont, no centro de Venda Nova, e
Sinimbú, que era muito longe e tinha-se que passar no meio do mato e em uma
estradinha de terra.
Mas éramos muito felizes, conhecíamos toda a comunidade de Venda
Nova. Que saudades tenho da minha velha Venda Nova.
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SIMPLESMENTE MEMÓRIA
Lecy Pereira Sousa
Para dizer a verdade, não são poucas as pessoas que ajudam a compor
a história de uma região ou de um bairro. O bairro Lagoa em Venda Nova, por
exemplo, um dos mais simples da região, é pródigo em fatos dignos de nota,
que remontam à época do seu surgimento e foram vividos ou testemunhados
por vários cidadãos comuns, mas com uma memória extraordinária.
Apenas uma dessas evidências é o Seu Carlos, 35 de Lagoa, ex-policial
militar e eletricista aposentado. Trata-se de um desses cidadãos que atuam
nos bastidores, mas sem eles as coisas não andam e o bairro não se desenvolve.
Seu Carlos fala sobre um tempo em que, onde hoje viceja um campo
de futebol, reinava uma perigosíssima lagoa, verdadeiro cartão-postal e atrativo
para turistas onde, todo fim de semana, alguém morria afogado. Por se tratar
de uma época em que energia elétrica, água tratada e encanada, rádio e televisão
eram artigos de luxo, as mortes na lagoa eram acontecimentos que
movimentavam todo o bairro e, por mais macabro que pareça, tudo era motivo
de lazer. Afora as pescarias diárias, já que peixe não faltava. Traíras, lambaris,
sarapós e tilápias incrementavam a fauna de água doce do local. Para matar a
fome, muitos desses pescados eram fritados na famosa banha chapecó que
tinha cheiro insuportável.
Procurando contornar a frustração de não localizar o corpo de uma
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pessoa afogada no mesmo dia, os bombeiros criaram o mito de uma gigantesca
serpente marinha que habitava a lagoa e devorava os corpos. Os moradores
acompanhavam as buscas sem perder um detalhe. De repente, um dos
bombeiros emergia das águas e gritava: “Olha a cobra!” Era o suficiente para
que as pessoas corressem apavoradas.
Para se ter uma idéia da dureza daqueles tempos, as missas eram
celebradas praticamente no curral de uma fazenda, onde hoje está a Escola
Estadual Professora Adir Andrade Albano. Trabalho e compra de mantimentos
só era possível no centro de Belo Horizonte. Quanto ao ônibus, só o que atendia
o bairro Justinópolis, em Ribeirão das Neves. A situação era tal que se comprava
o frango vivo em BH, embrulhava-o em jornal e quando se chegava no bairro
Lagoa ele já estava mortinho, tamanha a demora nas filas dos ônibus e a lotação.
Seu Carlos, mesmo, foi protagonista de uma tragicomédia. Ao ir
trabalhar num ônibus abarrotado de gente, sua marmita ficou presa do lado de
fora da porta. Alguém, espertamente, passou a mão no rango. Naquele dia o
eletricista ficou com os nervos em alta voltagem.
No decorrer do tempo, muitas coisas mudaram naturalmente ou pela
intervenção humana. Muitas soluções foram encontradas e novos problemas
urbanos surgiram. Ainda assim, seu Carlos nem pensa em sair do bairro que
viu surgir ao seu redor.
Uma de suas mais recentes alegrias é que, após muitos anos, a antiga
rua Sete, local onde sempre morou, está sendo preparada para receber o
asfaltamento. Esse dia seu Carlos, cidadão comum, jamais esquecerá.
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O CASARÃO DO EUROPA
William Pascoal da Silva
Era idos de... Ah! Nem me lembro da data ao certo, só sei que era ali
que a gurizada vivia de roubar goiabas e nadar na lagoa ali existente. A casa
imponente (e abandonada) era o que mais impressionava a garotada e quem
por ali passava. Os mais velhos do lugar afirmavam, com convicção, que o
casarão era assombrado, pelo fato de um jovem donzela ter-se enforcado num
dos esteios da casa, e que a causa do enforcamento foi um amor não
correspondido.
A história daquele lugar era controversa, pois havia os que confirmavam
o suicídio da moça, por outro lado, outros afirmavam ter ali enterrado uma
mala cheia de ouro, fruto de um pacto do proprietário (que queria ter poder e
fortuna) com o “coisa ruim” e que o dito não cumprira o trato, ficando louco à
gritar pelos caminhos do lugar (era a explicação para os gritos ouvidos à noite,
sobretudo em noite de lua cheia). Isso só aguçava a nossa curiosidade de menino
em descobrir o exato paradeiro da tal mala, que seria gasta com alegria em
manivelas, linhas, papagaios, sacos de coloridas bolinhas de gude e carrinhos
de guia. Qual garoto não sonhara com tal diversão? Até mesmo gente adulta
ficava encantada com tais brinquedos de meninos! A ansiedade e a curiosidade
eram forças que nos empurravam para aquela aventura. O medo, ao contrário,
nos retraía da ação.
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Chegamos a montar um plano de ação (os filmes do Cavaleiro Negro e
do Zorro assistidos em preto e branco – por aquela renca de garotos – na única
televisão da rua, eram a nossa inspiração), para a semana seguinte, começamos
a sonhar com a invasão daquela imponente e medonha casa; só faltava ela, já
que sua lagoa e seus pés de goiaba nos pertenciam. Só a casa nos metia medo,
que em breve iríamos derrotar.
À véspera da empreitada, o final de semana parecera uma eternidade
de tão longo. No domingo à tarde, as estratégias do plano foram cuidadosamente
repassadas. A invasão tão sonhava, estava prestes a se concretizar. Dava “inté”
arrepio na gente. Os pais descobriram o plano e alertaram para não “brincá
com aquilo” que não se conhece.
Para nossa surpresa, na segunda-feira pela manhã, fomos acordados
por um barulho de estranhas vozes, ruídos de motores e martelos que
desmanchavam o casarão da fazenda, que até ali, fora o maior mistério de
nossas vidas juvenis e hoje conserva em nós lembranças e saudades daquele
tempo. Será que os fantasmas continuam por lá? Mistérios!....
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Histórias de Venda Nova
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ETERNAMENTE VENDA NOVA
Liete Aparecida Bernardes de Paula
Houve um tempo... em que eu ainda não existia, mas Venda Nova
começava a engatinhar num povoado bem distante, onde havia uma pequena
venda bem simples, mas que vendia de tudo um pouco.
Era um povoado com poucas casa, mas cercado de muita natureza:
extensas matas verdes, que abrigavam diversos animais, pastos imensos para
sustento do gado. Tinha um córrego de nome Vilarinho, onde corria água
transparente e sem poluição. E nele... os moradores gostavam de pescar. No
meio deste povoado tinha um caminho; era uma estrada de terra por onde
passavam bois e boiadas, tropeiros e viajantes, que iam e vinham, trazendo
novidades do mundo de lá.
Os moradores, eram amigos de verdade uns dos outros, e assim,
formavam uma comunidade unida, que tinha o mesmo sonho: fazer daquele
povoado, um lugar que perpetuasse na memória do tempo e das pessoas. Mas,
o sonho do dono daquela pequena venda, era construir uma venda maior para
atender melhor os moradores do povoado e ter mais comodidade para acolher
os viajantes e tropeiros, que por ali passavam.
Passa-se o tempo... E no passar do tempo, a nova venda foi inaugurada,
para alegria de toda a comunidade. E depois deste dia, os moradores quando
saíam tinham o prazer de dizer: Vou na venda Nova. Venho de Venda Nova.
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Histórias de Venda Nova
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Comprei na Venda Nova.... “ e como a voz do povo é a voz de deus”, o povoado
passou a ter um nome: Venda Nova. Era o primeiro passo de Venda Nova, e
que por três centenas de anos, ainda iria caminhar até chegar ao progresso.
E décadas foram passando e, em cada uma delas, Venda Nova viveu
um novo tempo, tempo de crescer, mudar, progredir e tempo de se transformar.
Casas começaram a brotar por toda parte, se misturando às árvores, mudando
o cenário de Venda Nova. Tempos difíceis foram vividos, pois não havia água
encanada, luz elétrica, nem rede de esgoto. Mas, mesmo assim, muitos lotes
foram vendidos, ao redor de Venda Nova, pois os compradores tinha certeza
de que um dia o progresso ia chegar. E assim... Venda Nova não parava mais
de crescer, novos comércios iam se abrindo, bairros iam surgindo ao redor e
moradores iam chegando para neles habitar. Pontes foram construídas e
pinguelas foram feitas sobre o Córrego do Vilarinho. Girando ao redor de
Venda Nova.
O meu bairro surgiu lentamente como um pequeno planeta. Sabem
que bairro era? Era a Vila Satélite composta pelas ruas Marte, Mercúrio, Urano,
Saturno e Vênus. O bairro tinha muitas árvores e áreas verdes, mas as paineiras
eram todas cor de rosa, parecia roça. As casas eram poucas e distante uma das
outras e das poucas que tinham, umas, só eram habitadas nos finais de semana
por famílias que queriam descansar da cidade. E, nos sábados, elas vinham
trazendo as crianças para desfrutar desse pedaço de Venda Nova. E aqui as
crianças jogavam bolinha de gude, pulavam amarelinha desenhada no chão e
caçavam borboletas. E à tardinha, as crianças da cidade brincavam de roda
com as crianças do bairro. E todas eram felizes.
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Histórias de Venda Nova
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Mas quatro décadas se passaram, chega o progresso e tudo se
transforma; o Cine São Pedro vira praça da igreja. O Córrego Vilarinho vira
uma extensa avenida e o Shopping Norte passa a ser o norteador de Venda
Nova.
Sem fotos para registrar a evolução de sua história, Venda Nova quase
nada guardou de sua forma original, mas na minha memória, guardo os fatos
que vivi e outros de que ouvi falar:
− Na margem da Estrada Velha de Santa Luzia, onde é hoje o Pronto
Socorro de Venda Nova, havia um enorme pasto. Era o pasto do Moura e lá
havia um campo, onde uma multidão se concentrava para assistir a uma
partida de futebol. Seguindo em frente e virando a direita entrava-se na rua
Lagoa Santa onde morava e ainda mora minha amiga Ana Luzia, e lá havia
uma ponte, bem ali, onde hoje é o movimentado cruzamento da Vilarinho
com a atual Maçon Ribeiro, ex-Lagoa Santa. Passando esta ponte e
caminhando um pouquinho, chegava no posto telefônico, onde atualmente é
o prédio Hermes Pardine. Era uma casa onde gostava de ir com minha mãe
para telefonar. O telefone era um aparelho de cor preta com uma manivela, a
qual era girada insistentemente até dar linha e depois de muitas tentativas
conseguia-se falar. E em frente ao posto telefônico, onde hoje funciona o
UPA, era um terreno baldio, onde circo e parque vinham habitar para a
alegria e diversão de toda Venda Nova. E tinha também um cruzeiro para o
qual os homens tiraram o chapéu. Ele ainda continua lá onde a rua Maçon
Ribeiro e a Padre Pedro Pinto se encontram.
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
Lembro também de um fato que minha mãe contava, sobre uma cantora
mineira que fez um show aqui em Venda Nova e no dia seguinte, no seu
programa de rádio, fez um agradecimento à hospitalidade do povo da cidade
de uma rua só. Era Venda Nova e a rua Padre Pedro Pinto.
Ônibus só passava na rua Padre Pedro Pinto. Era um ônibus monobloco
movido a óleo diesel, seu barulho parecia ronco de avião e seguia a lentidão
da avenida Nossa Senhora da Piedade atual Dom Pedro I, rumo a Belo
Horizonte, soltando fumaça preta para o ar. Não tinha roleta, ao pagar a
passagem os passageiros recebiam do cobrador uma ficha colorida para, na
hora de descer, ser colocada numa espécie de cofre que ficava perto do
motorista.
Na rua Cascalheira com Padre Pedro Pinto, lembro que tinha a farmácia
Santo Antônio, nela trabalhavam dois farmacêuticos, um negro e um branco,
ambos de nome Antônio. No local onde havia esta farmácia, hoje é um açougue.
O Grupo Escolar Santos Dumont foi, por muito tempo, a única escola
de Venda Nova e funcionava onde hoje é o CESU. E agora funcionando em
outro local, é Escola Estadual Santos Dumont, uma das mais conceituadas da
região de Venda Nova. E eu... me sinto feliz porque fiz o primário lá.
Não podia me esquecer da loja Bisteni, que ficava na rua Padre Pedro
Pinto esquina com a rua que desce da Igreja Santo Antônio. Hoje só restam
muralhas que sustentam outdoor. Recordo também do bar do Paulo Japonês,
era o ponto de referência mais tradicional de Venda Nova.
Era fascinante ver as lenheiras passarem todas as tardes. Eram mulheres
brancas de pouca, muita e de meia idade. Usavam saias longas e rodadas e
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Histórias de Venda Nova
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carregavam na cabeça feixes de lenha, iam uma atrás da outra, pareciam
formiguinhas. E eram chamadas lenheiras, porque vendiam lenha para as
pessoas de Venda Nova cozinhar.
A idade de venda Nova, com certeza não sei, o que importa é que ela
foi, é , e sempre será, eternamente Venda Nova!!!
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
EXISTE ASSOMBRAÇÃO?
Lucília Alves Miranda
Foi com imensa alegria que recebemos a grande notícia! O circo do
Carequinha estava chegando no bairro. Minha irmã caçula e eu ficávamos
olhando de longe com uma louca vontade de ver o que se passava por baixo da
lona. As músicas animavam fazendo a alegria da criançada que marchavam
em direção ao circo. A bandinha tocava a canção “o bom menino”, do
Carequinha.
O cheiro da pipoca misturava-se com a poeira do “campinho” (hoje
panificadora O pão de todos, São João Batista).
Com jeitinho de moleque, despistamos o vigia, passamos por baixo da
lona, e deslumbradas conseguimos ver um número de trapézio. Estávamos
encantadas com a leveza e a coragem daqueles artistas. A criançada batendo
palmas, admiradas e contentes gritavam: Viva! Viva!
O palhaço Carequinha era mais bonito do que eu imaginava, e como
ele era divertido! De repente, uma mão bem grandona e peluda pegou-me pelo
suspensório do uniforme. Suspensa no ar, vi que minha irmã estava na outra
mão do vigia grandalhão. Aquele homem peludo nos jogou para fora do circo,
fazendo ameaças.
Resolvemos então, seguir a rua do cerrado, em direção à igreja do
padre Mathias. Tamanha foi nossa surpresa! Percebemos que não havia ninguém
na igreja, sendo dia de missa. Resolvemos então, apanhar flores perto do
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
cemitério na rua da Matriz, mas desistimos porque ventava muito e tínhamos
pavor da assombração.
Não havia outro jeito de voltar para nossa casa na rua Olhos d’água,
sem passar pelo circo. Resolvemos então, enfrentar o medo e seguir a trilha do
Pau D’óleo ( lugar onde hoje está construído o conjunto Bolivar de Freitas ).
O vento estava cada vez mais forte. Vez por outra, passava por nós um
redemoinho levando folhas e gravetos e muita poeira para o céu. Parecíamos
ouvir a voz do vento com seus uivos e gemidos.
De repente ficamos “petrificadas”, com os olhos arregalados, fitávamos
um frade, com um cordão de São Francisco na cintura e um rosário na mão.
Passou por nós sem nada dizer, sabíamos que aquele lugar era mal assombrado,
mas nunca havíamos visto aquilo, assim de perto.
Não sei como foi, só sei que de uma hora para outra criamos asas nos
pés e voamos em direção à nossa casa. Passando pela rua do “Zé capeta” (rua
Pedra do Indaiá), encontramos uma procissão que ia em direção ao orfanato
Santo Antônio. O padre Mathias estava lá. Tremendo de medo, embolamos no
meio daquele povo até chegar em casa.
Naquele dia não conseguimos fazer mais nada, nem dormimos à noite.
No dia seguinte fomos ao catecismo no orfanato. Logo que terminou o
catecismo nossa catequista nos levou à capela. Começava a missa, quanto
entrou o padre. Darcy me cutucou, olhei e não contive o riso. A assombração
que vimos no Pau D’óleo era nada mais nada menos que o “Frei Otto”, capelão
do orfanato Santo Antônio.
Ficou-nos uma pergunta: será que assombração existe mesmo?
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Histórias de Venda Nova
Histórias de Venda Nova
VÁ À VENDA NOVA!
Eleciana Tavares da Cruz
Quando passamos na Rua Padre Pedro Pinto em Venda Nova, o vai e
vem das pessoas é tão grande e com tanta rapidez que não temos tempo para
nos perguntar se o centro deste distrito sempre foi assim. A resposta é lógica.
Claro que não! No entanto, quem foram as pessoas que contribuíram para o
desenvolvimento desta região? A urbanização rápida e recente permitiu que
ficassem apenas poucos vestígios da história de Venda Nova. E quem
possibilitará a reconstrução desta história serão os próprios moradores.
Naquele dia Pedrinho estava preocupado. Sua professora havia dado o
trabalho para a turma fazer uma investigação sobre Venda Nova. Não tivera
tempo, esteve ocupado demais com suas brincadeiras de criança. Seus pais
trabalhavam durante todo o dia e quando chegavam a noite mal queriam
conversa com o filho. “Tentar eu bem que tentei, mas não havia ninguém que
pudesse auxiliar-me”, pensava ele em voz alta. “Ah, vou dizer para a professora
que fiz o trabalho, mas um vento muito forte fez com que ele caísse em um
bueiro da Av. Vilarinho”. Naquele momento, acabava de atravessar a avenida,
subia a rua Cascalheira para chegar à rua Padre Pedro Pinto. Já estava de
frente para a escola, mas havia chegado muito cedo. Resolvera então subir
para a praça da igreja e aguardar até que desse a hora para entrar para a aula.
Sentou-se na porta da igreja que estava entreaberta. Havia apenas
algumas pessoas, que pareciam fazer orações. Sentiu um pouco de remorso
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Histórias de Venda Nova
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quando lembrou-se que iria mentir para a professora. “Mas vai ser por uma
boa causa, afinal de contas preciso dos pontos para mudar de série. E depois,
se eu repetir não ganharei minha bicicleta”. Resolve entrar na igreja. Passa
pela água benta, benze-se e senta em um banco onde encontrava-se uma
senhora.
E foi assim que Pedrinho conheceu dona Josefina, uma senhora já de
idade que freqüentava a igreja todos os dias para fazer suas orações.
“Naquele dia encontrei-a no primeiro banco da Igreja de Santo Antônio,
fitava a imagem do Cristo crucificado a sua frente. Sentei-me ao seu lado e,
como de costumes, ajoelhei-me para iniciar minhas orações. Aquela senhora
segurava entre seus dedos um pequeno rosário e embora não proferisse qualquer
palavra, eu conseguia identificar em teus olhos uma grande fé. Parecia realmente
que conversava com aquela imagem que ali se encontrava. Ao notar minha
presença, começa a conversar comigo: “você me faz lembrar meu filho caçula.
Seus olhos demonstram travessura assim como os dele”. E eu deixo minhas
orações para me por a ouvi-la: “Pensas que quando eu vim para cá esta igreja
era assim, toda pomposa cheia de luxo? Nada disso! Era apenas uma capelinha,
tudo muito simples assim como o povo que aqui freqüentava. Não tínhamos
nada, mas a gente era feliz e o nosso povo tinha muito mais fé do que hoje”.
Parecia que naquele momento ela havia voltado no tempo.
“Quando cheguei aqui, trazia comigo apenas alguns utensílios
domésticos, meus cinco filhos e a esperança de uma vida melhor. Acabara de
ficar viúva, meu falecido marido, que Deus o tenha, (e fazia o sinal da cruz,
em respeito ao defunto) havia morrido na pedreira onde trabalhava no interior.
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Histórias de Venda Nova
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E a única saída que tive foi vir morar em um pequeno rancho. Hoje, próximo
a garagem do ônibus. Meu cunhado viva lá sozinho e arrumou para que eu
pudesse morar com meus filhos. Restara-me somente uma pensão mensal para
manter-me e à minhas crianças. Aqui não tinha nada, a grande avenida era
tanto mato, que só deus vendo! Lenha? Tinha de sobra, que servia para nós
cozinharmos, aquecer água para nosso banho e fazermos fogueiras nas épocas
festivas dos santos. No meu casebre apenas encontrei um pequeno fogão à
lenha, uma velha mesa com algumas cadeiras e uma cama onde dormíamos eu
e meus filhos. Também, coitado do meu cunhado! Era pobre tanto quanto nós.
Cansado do sofrimento em que vivia aqui, foi-se embora para São Paulo na
esperança de melhorar de vida e deixou-nos o que possuía.
Existia uma casa, a mais luxuosa da região. Era a que ficava mais
próxima da capela. Mais abaixo tinha o brejo, onde podíamos retirar “tabôas”
com as quais fazíamos esteiras para a gente dormir. Através deste brejo somente
era possível passar pelas pinguelas existentes e, à noite, somente escutávamos
o coaxar dos sapos e os grilos. Corujas! Era sinal de agouro. A vizinhança era
pouca e afastada, mas isso não nos impedia de ser solidários uns com os outros.
E em noites de lua clara, reuníamo-nos ao redor de uma fogueira para lembrar
dos bons tempos do sertão. Cada um possuía sua pequena horta, sua criação
de galinhas e porcos.
Aos domingos, depois de ouvirmos o sermão do padre Pedro Pinto,
podíamos contar proezas: qual galinha dera mais cria, qual seria o próximo
porco a ser abatido. Já as crianças, faziam suas diabruras ao redor da capela e,
muitas vezes, eram repreendidas pelo vigário (este que, por sinal, contribui
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Histórias de Venda Nova
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com o desenvolvimento da região), que não se agradava com a situação. Com
o passar do tempo, a casa que existia próxima da igreja foi derrubada e em seu
lugar foi construída uma pequena venda, onde podíamos encontrar de quase
tudo. Se fartava o açúcar nas minhas latas eu dizia pro Maurício, meu minino
mais véio: vai na venda do Sô Zequinha, ele liberô pra gente inté qui saia o
ordenado de seu pai. E nisso, todos que precisavam de alguma coisa
procuravam a venda. Se faltava o querosene para o lampião, dizia ‘vai à Venda
Nova’ que acha, a vela para a procissão: ‘vai a Venda Nova’, o sabão para a
lavadeira: ‘vai a venda Nova’ e assim surgiu o nome.
Depois da missa, todos se reuniam na Venda Nova para saber das
novidades que haviam chegado, as crianças se enfaravam de doces de todas as
espécies, os namorados marcavam seus encontros para os sorvetes. Os mais
velhos trocavam novidades da capital. Sô Zequinha, o vendeiro, era muito
bom para o Padre Pedro e sempre ajudava nas quermesses com alguma prenda,
que era sempre a melhor. Em frente à venda foi construída uma pequena praça.
Quando o padre Matias veio pra cá, a região ainda era muito carente e
buscávamos água em latas nos poços artesianos ou em bicas da região. Aqueles
que tinham melhores condições, compravam água, que era trazida da região
da Pampulha, em caminhões pipa. Então o padre abraçou a causa dos
vendanovenses e conseguiu, depois de muita campanha com os moradores,
que a Copasa trouxesse a água até as nossas casas. ‘aquele dia foi tanta alegria,
só Deus vendo!’
A região foi crescendo, ao lado da venda, que dera o nome ao lugar.
Mais tarde foi colocada uma farmácia, a Pharmacia do seu Antônio, podíamos
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Histórias de Venda Nova
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encontrar todo medicamento para nossas mazelas. As crianças já podiam estudar
em escolas ministradas pelas irmãs de caridade e também ter sua iniciação na
catequese. Aos poucos, era possível ter um parque de diversões, circos e
cinemas. O desenvolvimento foi rápido, as casas foram sendo modernizadas.
As avenidas e o córrego do Vilarinho foram pavimentados.
Meus filhos cresceram, uns casaram, outros também foram embora
por este mundo de meu Deus. Do meu filho caçula, fiquei muito tempo sem
notícias. Houve uma época que as galinhas sumiam e não entendíamos o que
acontecia. Achávamos que eram as raposas que estavam comendo. Mais tarde
ficamos sabendo que havia um grupo que andava aterrorizando a região, e
soube que Firmino, meu filho mais novo, era o chefe do bando. Começaram a
praticar pequenos furtos e depois matavam suas vítimas, deixando-as sempre
com uma marca de tortura. Devido a tais atrocidades, mais tarde foram
denominados como Esquadrão do Torniquete.”
Pedrinho ao terminar de narrar o que havia ouvido, conseguiu deixar
bem claro para a sua turma e professora, que aquela era uma das histórias do
suposto nome Venda Nova. E que todos os lugares que aquela senhora narrara
ele conhecia muito bem, pois eram os locais por onde passava todos os dias
para ir para a escola. Como aquela senhora já era bastante idosa, calculou que
o surgimento da região se dera há mais de seis décadas atrás.
Hoje Venda Nova está desenvolvida, encontra-se de tudo desde bancos
até hospitais. No entanto, as pessoas passam umas pelas outras e sequer se
conhecem. O tempo é muito curto, pois todos estão sempre com muita pressa,
A Pharmacia agora virou Farmácia e o vendedor, não mais o farmacêutico,
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somente fica sabendo o nome do cliente pela receita. O “freguês” que agora
passou a ser cliente, era reconhecido pelo seu caráter e não pelo que possuía.
Dona Josefina acabou de relatar sua história dizendo que estava ali
agradecendo à Deus por que soubera que o filho agora estava morto, pois
preferia ver seu filho morto do que sendo um marginal. E dizendo que a
modernização encurta os caminhos para se conseguir desenvolvimento material,
mas distancia as relações humanas. Sequer conhecia-me, mas sentiu uma
imensa vontade de contar sua história. E que, apesar dos benefícios trazidos
pela modernização, era mais feliz em tempos passados.
Hoje no lugar onde foi construída a Venda Nova, existe uma imensa
loja de eletrodomésticos, o Ponto frio. No lugar da farmácia do senhor Antônio,
está a drogaria Santa Marta.
Pelo conceito da professora, que era irmã de caridade, Pedrinho não
tirara total no trabalho porquê faltou algo escrito. No entanto, ele carregará
por toda vida aquela história, porquê, a partir daquele momento, ele também
fazia parte dela.
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A VELHA VENDA NOVA
Lilian Aparecida de Lana
Manhã ensolarada de domingo, pessoas caminhando pelas ruas e
trânsito tranqüilo, com exceção do fusca verde que pára em um cruzamento
sem saber para onde ir. O velho que dirigia o veículo aparentava uns setenta
anos de idade e parecia muito perdido. O barulho da buzina dos carros mais
apressados o deixava ainda mais atordoado. Acelerou e alcançou uma rua de
menor movimento. Parou, desceu do carro, coçou a cabeça e olhou ao seu
redor. Sentado no meio-fio havia um garoto arrumando sua bicicleta.
- Garoto, você sabe como eu faço para chegar em Venda Nova?
- Mas o senhor já está em Venda Nova.
O velho mordeu o lábio inferior, pensativo. Caminhou até o garoto e
sentou-se ao lado dele.
- O senhor não é daqui?
- Bom, na verdade, eu já morei aqui, mas faz muitos anos. Mais de
trinta. Quando meu pai faleceu, no interior de Minas, eu tive que ir cuidar da
minha mãe que ficou muito doente. Agora, um ano depois dela também ter
partido resolvi voltar, porém, está tudo tão diferente...
- E o senhor não gostou?
Ah! Exclamou o velho pesaroso. Não sei te responder não. Sabe, no
meu tempo era mais bonito. Cheio de árvores e de muito verde. Não tinha este
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tanto de carro buzinando na cabeça da gente. Tinha até um córrego onde
pescávamos sempre.
- E tinha peixe grande lá?
- Claro! Disse o velho entusiasmado. Uma vez pegamos um peixe de...
de... cinco quilos, isto mesmo, cinco quilos.
- Que barato! Deve ser o córrego Vilarinho que minha mãe falou.
Agora ele está canalizado e é uma grande avenida.
- Que pena! E a venda do sô Bento, você sabe onde é?
- Eu nunca ouvi falar desta venda. Eu nem sei o que é uma venda.
- Não sabe? É o lugar que vende um pouco de tudo: arroz, queijo,
feijão, milho e muitas outras coisas. Antes só existia uma venda pequena e
velha aqui, aí o sô Bento construi uma venda grande e muito bonita. A notícia
se espalhou e pessoas vinham de outros lugares para comprar. Eles diziam:
estamos indo na venda nova. Todos passaram a comprar na venda nova. É de
tanto as pessoas dizerem que iam à venda nova que o lugar passou a ser,
definitivamente, chamado assim.
- E a venda velha fechou?
- Sim fechou. Disse o velho que havia se levantado e agora caminhava
em direção ao carro.
- Aonde o senhor vai agora?
- Vou voltar para o interior. Prefiro guardar a velha Venda Nova na
memória e com ela as boas lembranças deste lugar: os amigos, as pescarias e
principalmente as recordações de Maria, o meu grande amor. Carrego comigo
meu passado. Fique com Deus, garoto!
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O menino que olhava atentamente para o velho foi surpreendido pela mãe.
- Com quem você estava conversando, filho?
- Com aquel... O velho já havia desaparecido e, com ele, uma grande
história. O garoto voltou-se para a mãe e fingiu não se lembrar da pergunta.
Vamos mamãe, ainda temos que construir nossa própria história.