EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS E FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS EM AÇÕES
INTEGRADAS ENTRE ENSINO E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIOS
Ana Cristina de Morais
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Iranilson de Sousa Carneiro
Universidade Federal do Ceará (UFC)
RESUMO
O presente texto reflete sobre ações interdisciplinares no currículo do curso de Pedagogia
da UECE/FACEDI, particularmente as que articulam o ensino e a extensão universitária.
Para a reflexão tomamos por base as experiências interdisciplinares ocorridas entre 2010
e 2011, que envolveram integrantes de dois projetos de extensão – o Núcleo de Artes
Cênicas da FACEDI (NACE) e o Coral da Faculdade, bem como das disciplinas Arte-
educação (2011, 7º período), Planejamento Educacional (4º período, 2010) e História do
Ceará (turma mista, optativa, 2010). Realizamos dentre outras ações pedagógicas,
algumas oficinas artísticas, que geraram produções plástica, musical, literária e teatral.
Com isso, buscamos intencionalmente promover um processo de educação estética no
âmbito da formação inicial de professores. Dentre os autores que fundamentaram as
análises do objeto em foco destacamos Maheu (2008) e Moraes (2005), no que diz
respeito à interdisciplinaridade; Dias (2009), no referente à necessária articulação dos
elementos do tripé universitário; Loureiro (2003), Paiva (2005) e Penna (2008), que
tratam de educação musical; Meira (2009), que discorre sobre educação e experiências
estéticas. Ficou demonstrado que iniciativas dessa natureza são necessárias aos estudantes
do Curso de Pedagogia para a ampliação de seu repertório artístico-cultural, da sua
dimensão sensível e perceptiva. A iniciativa de aliar atividades de ensino e de extensão
torna-se muito instigante, tanto para os estudantes como para os professores envolvidos,
pois mobiliza diversas turmas em diferentes espaços, podendo promover uma maior
interação entre os que fazem parte da faculdade, além de ampliar o debate e as ações
educativas, que antes ficavam restritas a um pequeno grupo em sala de aula. Sentimos a
necessidade de, progressivamente, aliar a estas também atividades de pesquisa, visando
garantir a efetivação do tripé universitário tendo em vista a qualidade da formação
profissional.
Palavras-chave: Experiência estética. Educação estética. Interdisciplinaridade.
1 INTRODUÇÃO
As discussões sobre formação de professores precisam integrar reflexões
sobre as experiências estéticas em ações integradas entre ensino e extensão universitários.
Esta reflexão discorre sobre o desenvolvimento de atividades interdisciplinares no
currículo do Curso de Pedagogia, da Universidade Estadual do Ceará – UECE/Faculdade
de Educação de Itapipoca – FACEDI, mais especificamente no que diz respeito às ações
integradas entre ensino e extensão, referentes às artes. Analisa, ainda, experiências
interdisciplinares ocorridas entre 2010 e 2011, que envolveram integrantes de dois
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projetos de extensão – o Núcleo de Artes Cênicas da FACEDI (NACE) e o Coral da
Faculdade, bem como das disciplinas Arte-educação (2011, 7º período), Planejamento
Educacional (4º período, 2010) e História do Ceará (turma mista, optativa, 2010).
Mediados pelas referidas disciplinas, realizamos dentre outras ações pedagógicas,
algumas oficinas artísticas, gerando produções plástica, musical, literária e teatral em
meio à reflexões pertinentes ao campo educativo. Com isso, buscamos intencionalmente
promover um processo de educação estética no âmbito da formação inicial de professores.
Consideramos tais iniciativas de fundamental importância, pois acreditamos
que os estudantes de licenciatura necessitam ampliar seu repertório artístico-cultural e
dilatar sua dimensão sensível e, consequentemente, perceptiva, afinal, serão estes sujeitos
que poderão atuar como professores de crianças e de adolescentes em diversos espaços
sócio-educativos e a eles cabe a grandiosa tarefa de exercer seu trabalho com muita
criatividade e riqueza de saberes.
2 AÇÕES INTERDISCIPLINARES NA MOBILIZAÇÃO DO TRIPÉ
UNIVERSITÁRIO: EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E ARTÍSTICAS COMO
CAMINHO
No processo de desenvolvimento do Projeto Político Pedagógico (PPP), do
curso de Pedagogia da UECE/FACEDI, em 2008, vislumbram-se algumas intenções
interdisciplinaresi, que buscam integrar tanto atividades disciplinares, no âmbito do
ensino, como também atividades de pesquisa e de extensão. Dentre essas intenções,
podemos citar algumas das ações que vem sendo implementadas no referido curso.
A partir de 2008, com a implantação do novo PPP da Pedagogia, que está
embasado nas Diretrizes Curriculares Nacionais Para os Cursos de Pedagogia (2006),
implantamos, por exemplo, um conjunto de disciplinas sequenciais denominadas
Pesquisa e Prática Pedagógica – PPPs, que tem a intenção de articular saberes teórico-
práticos através do ensino da disciplina, aliado ao estudo de campo como prática de
pesquisa e à integração dos temas de diferentes disciplinas do mesmo semestre. Tal ação
não constitui tarefa fácil, posto que a mesma requer uma atitude interdisciplinar por parte
dos professores e um esforço de proporcionar diálogos e interações contínuas entre
professores e estudantes. A mesma vem se constituindo como um instrumento importante
de aprendizagem coletiva, já que a lógica de currículo interdisciplinar não é algo comum,
muito menos tão simples de ser implementada.
O novo currículo instituiu ainda atividades complementares, medidas que
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também estão prescritas nas citadas Diretrizes Para os Cursos de Pedagogia (2006) e que
tendem a favorecer a criação de uma cultura interdisciplinar. Essas atividades podem ser
materializadas em forma de eventos acadêmicos – congressos, seminários, cursos de curta
duração, oficinas etc. – e contabilizam parte dos créditos obrigatórios dos estudantes. As
atividades complementares tendem a mobilizar saberes diversos que transcendem o
espaço da sala de aula.
Outro elemento que compõe o PPP da Pedagogia hoje são as temáticas de
articulação, que constituem grandes temas definidos mediante um planejamento
participativo no processo de elaboração do Projeto Político Pedagógico da FACEDI, que
são as seguintes: Arte-Educação, Educação Especial, Política Educacional, Trabalho e
Movimentos Sociais, Educação Ambiental, Alfabetização e Letramento. Essas temáticas
devem perpassar o currículo de modo transversal, sendo contempladas tanto em
disciplinas obrigatórias como em diversas atividades acadêmicas – pesquisas, atividades
de extensão, seminários e ações interdisciplinares. “A ideia por trás da
interdisciplinaridade e transversalidade é construir um currículo onde possamos, junto
com o aprendizado científico, favorecer o inesperado, o criativo e o aperfeiçoamento de
atitudes e valores [...]” (MORAES, 2005, p. 38).
A perspectiva interdisciplinar, tão conclamada nas últimas décadas, caminha
ainda, a nosso ver, a passos lentos, efetivando-se de modo processual em alguns cursos
de licenciatura requerendo uma disposição para a atitude coletiva de abertura à
aprendizagem, ao diálogo e à experimentação. Consideramos que tal atitude é de grande
relevância, por possibilitar ações integradoras no exercício do currículo. Isto aponta para
a lógica do pensar complexo, hoje tão necessário:
[...] o projeto interdisciplinar viabiliza uma aprendizagem por meio da
prática e permite uma integração das disciplinas que facilita a apreensão
pelos alunos de um pensamento complexo, hoje indispensável em face
da tarefa do educador num mundo cujos maiores problemas (o
aquecimento global, a extinção das espécies, as consequências da
globalização etc.) não podem ser resolvidos por uma perspectiva
monodisciplinar. (MAHEU, 2008, p. 169).
Vemos que a efetivação de um currículo interdisciplinar não constitui tarefa
fácil, tanto pela complexidade de ações interligadas requerida, como pela persistência da
lógica disciplinar, fragmentada e engessada que invade nossos currículos na atualidade.
Ao refletir sobre a importância da inserção da temática Arte-educação como
eixo articulador do currículo de Pedagogia passamos a compreender ainda mais que a
experiência estética representa um elemento essencial no processo formativo de
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professores, por contribuir com o processo de ensino-aprendizagem destes e,
posteriormente, com o processo de ensino-aprendizagem de seus alunos no âmbito da
Educação Básica. Como realça Meira (2009, p. 32), a dimensão cognitiva das pessoas é
mobilizada quando a dimensão sensível destas é estimulada e isto é uma grande
justificativa, se queremos fundamentar a defesa de uma proposta educativa pela via da
experiência estética. Para a autora:
A experiência estética coloca a cognição em permanente desconstrução
e reconstrução, pela vulnerabilidade aos acontecimentos, estados de
espírito, relações com a cultura, saberes múltiplos vindos do corpo e de
abstrações, além do que a mente elabora a partir de paisagens do corpo,
do ambiente, da memória e da ficção. (p. 32)
Proporcionar momentos de experimentações estéticas tanto no âmbito da
apreciação, como da produção e da análise de obras artísticas no processo de formação
inicial de professores significa ampliar o arsenal de saberes culturais destes, o que é
essencial ao desenvolvimento de seu trabalho educativo, pois como um professor pode
gerar processos educativos criativos, antenados com a diversidade sociocultural
(globalizada) se não possui experiências, saberes, percepções sobre a realidade? A esse
respeito, Read (2001, p. 292) reforça que cabe ao professor criar, no âmbito do processo
de ensino, uma “atmosfera de iniciativa criadora”, pois nela “[...] a sensibilidade estética
é despertada, o hábito da apreciação se forma”. A defesa da educação pela arte é aqui
assumida por considerarmos que a mobilização das artes em meio à formação de
professores é um modo potente para o desencadeamento de uma formação estética dos
professores. Os mesmos precisam ter o acesso às artes como elemento imprescindível a
tal formação, pois: “[...] o prazer da apreciação artística é a maneira mais valiosa de
adquirirmos nossos hábitos de apreensão estética” (READ, 2001, p. 291).
3 HISTÓRIAS DO CEARÁ EM AÇÃO INTERDISCIPLINAR ENVOLVENDO
ARTES
A disciplina História do Ceará, componente curricular optativo no Curso de
Pedagogia da FACEDI/UECE, foi por nós ministrada em 2011.1, com uma perspectiva
de mobilizar saberes sobre a história pessoal de cada estudante, sobre a história local dos
municípios da microrregião de Itapipoca e, também, sobre o Estado do Ceará e do Brasil,
tendo a arte como eixo articulador.
Além de leituras e produções textuais específicas do tema da disciplina,
trabalhamos com análises de imagens, de filmes e documentários, produções artísticas –
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teatrais e literárias, bem como, leituras e análises de obras da literatura cearense e
brasileira. Dentre os filmes e documentários propostos elencamos “O povo brasileiro”,
“Juvenal Galeno”, “O pagador de promessas”, “Canudos”, “Milagre em Juazeiro”,
“Batismo de sangue”ii. Alguns destes, vimos trechos em sala de aula e desenvolvemos
discussões coletivas aliando aos aspectos políticos, econômicos e culturais cearenses.
Outros ficaram como indicações para que os estudantes os assistissem em momento
posterior. Quanto ao filme “O pagador de promessas” fizemos uma sessão especial dentro
da programação de atividades de um projeto de extensão da Faculdade, o “Cine
itinerante”, realizado no auditório da FACEDI, que reuniu estudantes de diversas turmas.
Após a exibição do filme, fizemos uma reflexão sobre sincretismo e diversidade religiosa
no Brasil, sobre alienações causadas pelo dogmatismo religioso e ainda sobre a situação
social, econômica e cultural do povo brasileiro. Este momento significou um esforço pela
ampliação dos debates para um público mais amplo, o que tenderia a se restringir a um
pequeno grupo em sala de aula, caso esta atividade fosse desenvolvida apenas no âmbito
da disciplina de História do Ceará.
Outra atividade muito interessante também, citada pelos estudantes em relatos
avaliativos ao final da disciplina, foi a leitura de obras literárias cearenses ou que
retratavam aspectos da História do Ceará e do Nordeste referentes à educação, aos
períodos de secas, às questões políticas e culturais. As obras foram: “A Normalista”, de
Adolfo Caminha; “A Fome”, de Rodolfo Teófilo; “Frei Tito”, de Regis Lopes; “Padaria
Espiritual”, de Gleudson Cardoso e “O Quinze”, de Raquel de Queiroz. Os livros
indicados foram espontaneamente escolhidos de acordo com o interesse de cada
estudante, que se agregaram em grupos de acordo com a obra escolhida. Após esta
seleção, as equipes leram o livro e organizaram uma forma criativa de apresentá-lo e de
levantar reflexões em sala de aula. A equipe que leu o livro “A Fome”, por exemplo,
apresentou uma cena teatral, com fundo musical de Luiz Gonzaga, que ilustrou um dos
capítulos da obra; todas as outras elaboraram também um modo diferenciado de expor a
obra lida para a turma. Foi uma atividade muito envolvente e que despertou a atenção dos
estudantes. Alguns deles até comunicaram que, após este trabalho, leram pelo menos mais
um livro dentre os indicados e passaram a gostar e a querer conhecer o rico universo de
saberes acerca da História do Ceará.
Desenvolvemos a disciplina na perspectiva da História Social Crítica, que alia
aspectos das histórias dos indivíduos com as do contexto social mais amplo e que valoriza
a atuação destes na construção cotidiana da história. A orientação dada aos alunos foi para
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que eles percebessem suas próprias histórias inseridas num contexto mais amplo.
Ele [o aluno] é um homem de seu tempo, e isso é uma determinação
histórica. Porém, dentro do seu tempo, dentro das limitações que lhe
são determinadas, ele possui a liberdade de optar. Sua vida é feita de
escolhas que ele, com grau maior ou menor de liberdade, pode fazer,
como sujeito de sua própria história e, por conseguinte, da História
Social do seu tempo. [...] Quanto mais o aluno sentir a História como
algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela, não como
uma coisa externa, distante, mas como uma prática que ele se sentirá
qualificado e inclinado a exercer. O verdadeiro potencial transformador
da História é a oportunidade que ela oferece de praticar a “inclusão
histórica” (PINSKY & PINSKY, 2003, p. 28).
Com isso, intentamos potencializar a percepção crítica e interventiva dos
estudantes em nosso contexto sócio-histórico, que requer muitos sujeitos capazes de
sonhar e de se esforçar para construir outra realidade, mais humanizada e digna para
todos.
4 COLCHAS DE RETALHOS: COSTURANDO REFLEXÕES SOBRE
PLANEJAMENTO EDUCACIONAL E ARTE-EDUCAÇÃO
A ideia de compor coletivamente uma colcha de retalhos foi inspirada,
inicialmente, no filme homônimo “Colcha de Retalhos”iii. O enredo do filme dá ênfase à
metáfora de uma colcha sendo tecida coletivamente por um grupo de mulheres, que se
reúnem constantemente para tecer temas que se relacionem com fatos ocorridos no
decorrer de suas próprias vidas. A história revela o quanto as vidas das pessoas estão
entrelaçadas e o quanto cada um precisa contribuir para a composição de paisagens ou
contextos diversos. O filme também traz à tona o tema da pesquisa como atividade que
exige escolha, dedicação e centramento por parte do pesquisador e que também retoma a
metáfora da colcha de retalhos, no sentido de que um foco de estudo eleito pelo
pesquisador traz em si diversos elementos da história de vida deste, bem como vai se
delineando, sendo tecido, assim como a colcha, de acordo com as vivências, modos de
pensar e de sentir deste, ao longo do processo investigativo.
A primeira experiência vivenciada no referente à construção coletiva de uma
colcha de retalhos se deu por conta de uma atividade avaliativa num curso de mestrado
em educação onde, numa dada disciplina, assistimos ao filme, debatemos sobre o mesmo
e nos inspiramos para compor a colcha. Cada estudante elaborou criativamente uma peça
da colcha em casa e no último dia da disciplina foi apresentada individualmente e
costurada no decorrer da aula. Tal atividade curricular representou um momento marcante
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na formação dos estudantes e nos inspirou para compor outras colchas em diferentes
cursos e turmas posteriormente.
No âmbito do curso de Pedagogia da UECE/FACEDI, duas colchas foram
propostas e construídas pelos estudantes das disciplinas Planejamento Educacional e
Arte-educação. Na primeira, a ideia da colcha foi executada com a perspectiva de
desenvolvermos a compreensão do tema “Educação no mundo globalizado”. Cada
estudante leu um texto previamente com este mesmo título e recebeu um retalho
retangular para levar para casa, ler o texto e compor criativamente uma imagem, com
diferentes materiais a seu critério e trazer a peça elaborada para a sala de aula. A discussão
do tema se deu a partir da mostra das peças da colcha. Posteriormente a esta atividade
reflexiva, cada peça foi recolhida e levada para uma costureira montar a colcha, que ficou
muito bonita e apreciada por todos. Outra colcha foi elaborada por conta da disciplina
Arte-educação e teve como tema “A educação pela arte”. Ao final da disciplina, após
diversas discussões e produções referentes à mesma, os estudantes compuseram uma
colcha com o mesmo desenvolvimento da disciplina anterior. Esta colcha, que também
ficou muito bem elaborada e bela, foi doada para a Faculdade e está exposta até hoje, na
sala da recepção da diretoria da FACEDI.
Algumas aprendizagens tidas a partir das produções dessas colchas, em
diferentes momentos formativos, reforçam ainda mais a vontade de desenvolver
atividades prazerosas e inspiradoras nos processos de formação de professores, pois tais
atividades tendem a se multiplicar e envolver outros aprendizes. Além disso, percebemos,
cada vez mais a necessidade da arte nos processos educativos, contribuindo para o que
Read defende, inspirado em Platão, que “a arte deve ser a base da educação” (READ,
2001, p. 1).
5 UM EXPERIMENTO EM MÚSICA PERCUSSIVA INTEGRANDO
ATIVIDADES DE ENSINO E DE EXTENSÃO
Mediada pela disciplina Arte-educação, realizamos uma vivência de educação
musical, a partir da oficina de percussão como prática formativa e experimentação de
timbres e ritmos gerados pelos instrumentos percussivos. Valendo-se da ideia de
indissociabilidade do tripé universitário, esta foi mais uma ação que buscou integrar
atividades de extensão e de ensino no processo de formação de professores. O objetivo
da mesma foi possibilitar tal articulação, integrando reflexões e experimentações
artísticas dos estudantes. Esta atividade envolveu alunos de três cursos: Biologia,
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Pedagogia e Química, além de jovens da comunidade local, que participavam das
atividades de extensão. Abrangendo momentos de estudos e reflexões teóricas e de
vivências artísticas, a oficina de percussão contou com a presença de um
baterista/percussionista da cidadeiv, que instigou os participantes a escolherem um
instrumento percussivo para a criação coletiva de músicas, executando ritmos como o
maracatu e o baião.
A oficina de música teve como foco conhecer os instrumentos de percussão e
bateria: suas vozes, suas histórias, bem como aprender a tocar ritmos, tais como o baião
e a ciranda. O ensino desses instrumentos, assim como de todos os outros instrumentos
musicais, permanece atualmente como atividade extracurricular (nos currículos de
formação de pedagogos), mesmo com a existência da Lei 9.769/08, que torna obrigatório
o ensino de música nas escolas (lei sancionada pelo governo de Luís Inácio Lula da Silva).
E uma de nossas intenções também foi a de divulgar a existência desta lei sobre tal prática
de ensino na formação inicial dos professores que atuarão na educação básica, difundindo
o ensino de música nas escolas e na formação de professores, para que as pessoas possam
conhecer os valores que existem neste ensino e possam também ser multiplicadoras do
fazer artístico, da prática da educação musical, pois consideramos que a mesma é uma
prática que possibilita desenvolvimento estético, além de um entendimento do mundo
através do conhecimento musical.
Em contato com a música, as pessoas aprendem a conviver melhor entre si,
as relações podem se tornar mais harmoniosas, o que contribui para uma relação
interpessoal mais promissora e para o aprimoramento de sua formação social e cultural.
Pode ainda melhorar sua atuação no âmbito do aprendizado de outras disciplinas e
também potencializar virtudes humanas como o senso de colaboração, respeito,
responsabilidade e confiança.
Os alunos, em um total de trinta e cinco, participaram durante quatro horas
das atividades que foram desenvolvidas nesta oficina. Elaboramos uma apostila voltada
especialmente para a aula, contendo informações/conceitos sobre os ritmos do Brasil, tais
como o frevo, o maracatu, o forró, a ciranda e o baião. Priorizamos também a descrição
dos principais instrumentos de percussão brasileiros, como a caixa, o pandeiro e o
triângulo, classificando-os a partir das características da forma e da sonoridade, como por
exemplo, o triângulo, que é um instrumento musical de percussão feito de metal usado no
folclore português, e também em ritmos brasileiros como o forró.
Os ritmos populares brasileiros são de uma riqueza cultural única e
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acreditamos que os arte-educadores que atuam também na área de música devem
incentivar cada vez mais a sua disseminação, para que todos possam ter acesso a nossa
música que é tão valorizada no mundo inteiro pela sua diversidade, criatividade e suingue.
Com a carência de autores que se debruçam nos estudos relacionados a estes
instrumentos, recorremos em particular a Paiva (2005) que desenvolveu estudos sobre o
ensino de percussão, enfatizando as relações entre ensino e aprendizagem, bem como a
autores como Loureiro (2003), Penna (2008) e Santos (2011), que refletem sobre as
questões curriculares para o ensino de Música, defendendo este ensino como fundamental
para o desenvolvimento e formação dos sujeitos. Paiva (2005, p. 1189) também menciona
a falta de material de pesquisa no âmbito do ensino da percussão, pois para ele: “Além
dos problemas levantados com relação aos métodos de ensino, observa-se também a
carência de produção acadêmica no Brasil a respeito da prática e da sistematização de
propostas para o ensino na área de percussão.”
Os instrumentos de percussão são de início, barulhentos, produzem
sonoridades que, em desarmonia, podem incomodar bastante. Baseando-se neste aspecto,
as instituições de ensino, para receber o ensino desses instrumentos dentro de seus
espaços educativos, precisariam passar por transformações no âmbito de suas estruturas
físicas, ou seja, acreditamos que no mínimo, seria de fundamental necessidade a
construção de estúdios musicais dentro do espaço escolar, favorecendo dessa forma não
apenas o ensino de percussão como também de bateria, guitarra, contrabaixo e outros
instrumentos.
A respeito do ensino-aprendizagem de percussão ressaltamos a importância
das “questões musicais de caráter mais amplo, como as capacidades de performance em
grupo, improvisação, criação, apreciação e crítica musical” (Paiva, 2005 p. 1188). As
aulas de percussão devem acontecer observando os pré-requisitos acima descritos, pois
eles podem proporcionar um aprendizado mais consistente, onde poderemos avaliar as
diversas possibilidades de criação musical, avaliar o desempenho do grupo a partir da
harmonia entre cada instrumento, como também a performance individual de cada
aluno/percussionista. Acreditamos que uma aula de percussão só poderá acontecer
mediante a prática de conjunto. Para isso é necessário encontrar ou desenvolver métodos
de ensino que antevejam estas necessidades. Para Paiva (2005, p. 1189):
A prática de conjunto [...] foi uma das principais lacunas encontradas
com relação aos métodos de percussão. Sem a prática de conjunto, a
aplicação dos conceitos estudados em situações coletivas de prática
musical deixa de ser proporcionada, não havendo a troca de
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EdUECE - Livro 302157
experiências e interação com outros alunos.
Considerando que a prática de conjunto é um dos exercícios mais peculiares
do ensino de percussão, pois qualquer aluno que toque outro instrumento, como por
exemplo bateria, violão e teclado pode desenvolver um estudo individual no sentido de
aprimorar suas técnicas musicais, constatamos que ela é primordial para grupos que se
caracterizam por formarem um conjunto, como é o caso das orquestras, bandas, baterias
de escolas de samba e dos grupos de percussão.
Os instrumentos utilizados na oficina foram: 2 zabumbas, 3 caixas, 3 alfaias
(tambores de corda e madeira), e instrumentos de percussão “pequena” como caxixi,
agogô, triângulo, ganzá, tamborim e xequerê. Antes de começarmos a utilizar os
instrumentos falamos de nossa trajetória e teorizamos um pouco sobre a música e a
relação que temos com este ramo da arte. Logo depois, convidamos todos os alunos para
um momento de apreciação artística: o grupo de percussão Ponta de Lançav realizou uma
apresentação, no sentido de contribuir inicialmente para a visualização dos instrumentos
e dos ritmos de uma maneira mais direta. Consideramos que a apreciação é um modo
importante de fazer com que o aluno iniciante possa observar a maneira que o músico
toca e sua relação com o instrumento, com o outro e com a música. Na sequência
apresentamos um exercício que denominamos como o “ritmo da bola”, onde os alunos
ficam em círculo e o professor cria uma dinâmica corporal e rítmica. É um exercício
interessante para ajudar no sincronismo entre mente e corpo, para incorporar o ritmo. O
resultado obtido foi positivo. A maioria dos alunos conseguiu manter o ritmo, a sincronia
entre tempo e espaço/mente e corpo. Buscamos também aprofundar a temática da
interdisciplinaridade, trabalhando-a em um sentido amplo, a partir do conhecimento dos
instrumentos de percussão, com a participação dos estudantes, mostrando a eles a
importância de se aprender a música percussiva, que possibilita uma absorção do ritmo,
trazendo para a mente e para o corpo o movimento ritmado, realizando um aprendizado
musical e corporal que dialoga também com outros cursos, pois se a música pode ensinar
o homem a desenvolver suas qualidades estéticas ou sensíveis, então estas qualidades
podem ser aproveitadas em outras disciplinas ou em outros momentos de nossas vidas.
Partimos então para a parte prática da oficina. Dividimos os instrumentos para os alunos,
pedindo que escolhessem o que mais lhe chamasse a atenção ou aquele com o qual se
identificou mais. Formou-se então um círculo onde iniciamos os comandos, mostrando
os timbres de cada instrumento e seus respectivos toques dentro dos ritmos da ciranda, do
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baião e do maracatu. Ao final da oficina, o grupo saiu do auditório e se dirigiu ao pátio
da Faculdade para executar diversas músicas previamente ensaiadas onde fez também
uma grande ciranda.
Dentre alguns resultados observados, percebemos certa articulação entre
estudantes e jovens da comunidade, bem como a curiosidade em aprender a tocar o
instrumento. Sentimos que a oficina, apesar de pontual, gerou aprendizagens
significativas e diversos estudantes manifestaram a vontade de dar continuidade ao
trabalho com música percussiva na faculdadevi.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A iniciativa de aliar atividades de ensino e de extensão torna-se muito
instigante, tanto para os estudantes como para os professores envolvidos, pois mobiliza
diversas turmas em diferentes espaços, podendo promover uma maior interação entre os
que fazem parte da faculdade, além de ampliar o debate e as ações educativas que antes
ficariam restritas a um pequeno grupo em sala de aula. Sentimos a necessidade de,
progressivamente, aliar a estas, também atividades de pesquisa visando garantir a
efetivação do tripé universitário, tendo em vista a qualidade da formação profissional.
A nosso ver, essas experiências contribuíram para a inovação das atividades
curriculares através da articulação efetiva entre diferentes ações curriculares, projetos de
extensão e disciplinas, gerando um dinamismo da proposta formativa disciplinar, já que
a ideia partiu da demanda de tais disciplinas. Além disso, ter a arte atravessando o
currículo como temática de articulação possibilita a promoção da formação estética de
professores no âmbito da formação inicial. Dentre alguns resultados observados nessas
iniciativas, citamos a vivacidade e o envolvimento nas atividades, bem como a articulação
entre estudantes de diferentes cursos e de jovens da comunidade local em meio a
curiosidade em aprender.
Apesar de terem sido ações pontuais no decorrer do ano letivo, avaliamos que
as mesmas constituíram-se como ações significativas, onde havia muita gente
participando e expressando vontade de continuidade, num desejo de que tais iniciativas
se ampliem e que suas formações se expandam. Em outros termos, percebemos um desejo
de beleza no construto de suas próprias vidas, no que Read descreve: “[...] a arte deveria
dominar nossas vidas de tal forma que pudéssemos afirmar: não existem mais obras de
arte, mas apenas arte. Pois a arte, então, será a maneira de viver” (READ, 2001, p. 293).
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i
Para uma concepção de interdisciplinaridade, legitimamos aqui a ideia de Moraes (2005,
p. 39), que afirma: “Definimos interdisciplinaridade como uma abordagem epistemológica que nos permite ultrapassar
as fronteiras disciplinares e nos possibilita tratar, de maneira integrada, os tópicos comuns às diversas áreas. O intuito
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da interdisciplinaridade é superar a excessiva fragmentação e linearidade no currículo. Mediante o estudo de temas
comuns, estabelece-se um diálogo entre disciplinas, embora sempre considerando a especificidade de cada área, com
seu saber acumulado que deriva do olhar especializado”. ii “O povo brasileiro” (direção: Isa Grinspum Ferraz, 2000); “Juvenal Galeno” (TV
Assembléia); “O pagador de promessas” (direção: Anselmo Duarte, 1962); “Canudos” (direção: Sérgio Rezende, 1997);
“Milagre em Juazeiro” (direção: Wolney Oliveira, 1999); “Batismo de sangue” (direção: Helvécio Rattón, 2007). iii Filme dirigido por Jocelyn Moorhouse, com autoria de Whitney Otto. Lançado em 1995.
Produção norte-americana. iv O mesmo também é um dos autores deste texto. v O grupo Ponta de Lança foi o sujeito de pesquisa de um dos autores deste artigo, na
graduação onde defendeu a monografia “Música na Escola: o ensino de percussão e sua contribuição para o
desenvolvimento sociocultural do aluno” e que agora está dando continuidade à pesquisa no âmbito do mestrado. vi Recentemente foi criada a “Banda de Lata” da FACEDI (2013) e alguns alunos que
fizeram esta oficina de percussão hoje dela fazem parte.
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