UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
MARIA JOS DE ALBUQUERQUE
VERTICALIZAO DE FAVELAS EM SO PAULO: BALANO DE UMA EXPERINCIA (1989 A 2004)
So Paulo
2006
MARIA JOS DE ALBUQUERQUE
VERTICALIZAO DE FAVELAS EM SO PAULO: BALANO DE UMA EXPERINCIA (1989 A 2004)
Tese apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo para obteno do Ttulo de Doutor. rea de Concentrao: Estruturas Ambientais Urbanas
Orientadora: Prof. Dra. Suzana Pasternak
So Paulo 2006
ERRATA 1. Pgina 22, 3 pargrafo - Onde l-se: Finalmente, vale ressaltar ainda a CDHU, outra
empresa de promoo de habitao de interesse social, criada em 1988, com atuao na
Regio Metropolitana do Estado de So Paulo. Atualmente, esta empresa oferece quatro tipos
de programas, conforme segue:, leia-se: Finalmente, vale ressaltar ainda a CDHU, outra
empresa de promoo de habitao de interesse social, criada em 1988, com atuao na
Regio Metropolitana do Estado de So Paulo. Atualmente, esta empresa oferece cinco tipos
de programas, conforme segue:
AGRADECIMENTOS Ao concluir esta tese certifico-me que, embora este seja um trabalho deveras solitrio, os seus resultados no podem deixar de ser debitados a um conjunto de esforos compartilhados que, se no estivessem presentes no penoso percurso trilhado, possivelmente jamais seriam alcanados. Neste trabalho, so inmeras as pessoas que, de modos diversos, colaboraram e apoiaram para que o mesmo se consolidasse. Em especial, dirijo meus agradecimentos:
A Prof. Dra. Suzana Pasternak, por ter assumido a tarefa de orientar esse estudo, pelas contribuies decisivas e pela pacincia e respeito com os quais acompanhou os diversos momentos e dificuldades por mim enfrentadas;
A amiga, colaboradora e companheira de todas as horas desta longa jornada, Lurdes Grzybowski;
A todos aqueles que se dispuseram a ser entrevistados, pelo tempo cedido, pela maneira generosa e amvel com que fui recebida e, sobretudo, pelas informaes fornecidas: os moradores dos conjuntos habitacionais gua Branca, Helipolis Gleba A e Residencial Parque do Gato; s lideranas desses empreendimentos; aos gestores dos diferentes perodos estudados;
A Vilma Dourado e a Ktia Mello pelo significado especial na minha trajetria profissional;
A Marie-Madeleine Mailleux Sant`Ana, pela colaborao e pela amizade; A Fernanda Carlucci, Luis Esteban Dominguez, Karin Matzkin, Marcileia e Josete,
amigos que muito colaboraram para a consolidao do trabalho; Aos amigos da Diagonal Urbana Consultoria pela colaborao, apoio e fornecimento
de informaes: Maurcio Vieira, Alexandre Arajo, Maria Ins, Ana Rocca, Cleide, Carla Regina, Alessandra, Alice, Luciane, Fbio, Gabi, Dirce Koga, Marta Lagreca, Mrcia Ferreira, Regina Spinelli, Cristiane, Deise Coelho, Deise Nunes (e muitos outros);
Aos profissionais da Sehab/Habi e Cohab-SP pelo acesso aos documentos e informaes solicitadas;
s funcionrios da Secretaria de Ps-Graduao e da biblioteca da FAU-USP, principalmente Isa, Maria Jos e Estelita;
E, de uma forma mais do que especial, aos meus amores: Jos Geraldo, Guilherme e Gustavo.
RESUMO
Esta tese trata das experincias de verticalizao de favelas desenvolvidas no Municpio de
So Paulo no perodo compreendido entre 1989, precisamente no incio da gesto de Luiza
Erundina, at o final de 2004, quando se encerra a gesto de Marta Suplicy. Tem por objetivo,
alm de proceder a um resgate histrico dessa polmica modalidade de interveno em
assentamentos informais, detectar o que mobilizou os diferentes administradores do perodo a
fazer uso da mesma. Pretende-se, ainda, apontar as potencialidades, limites e desafios de tal
modalidade no contexto paulistano, a partir das impresses dos agentes que estiveram de
alguma forma envolvidos na sua definio e execuo, bem como dos prprios beneficirios
a populao da antiga favela e atualmente residindo nos conjuntos habitacionais. Parte-se da
premissa de que a verticalizao de favelas executada nas gestes de Luiza Erundina (1989
1992), pioneira do uso da modalidade, Paulo Salim Maluf e Celso Pitta (1993 2000) e Marta
Suplicy (2001 2004), embora em contextos polticos distintos, no se distingue de forma
significativa, ou seja, foram adotados praticamente os mesmos procedimentos que
apresentaram resultados muito prximos. Para testar tal premissa, foi realizado um estudo
comparativo de trs casos, adotando, como objeto da investigao, trs conjuntos
habitacionais considerados representativos de cada um dos perodos acima citados. Adotou-se
uma metodologia qualitativa e o uso de diferentes fontes, primrias e secundrias, como:
visitas aos empreendimentos, anlises de documentos, entrevistas em profundidade com
agentes significativos de cada administrao/perodo e a realizao de grupos de discusso
com moradores dos conjuntos. A anlise dos dados possibilitou entender que, para alm do
debate e das discusses ideolgicas, a verticalizao de favelas um recurso cada vez mais
premente no contexto paulistano para a melhoria das condies de vida da populao que
reside nos espaos informais e, no menos importante, para o conjunto da cidade.
Palavras-chave: Favelas. Urbanizao. Verticalizao de Favelas.
ABSTRACT
This work addresses slums (favelas) verticalization experiences developed in the Municipality
of So Paulo in the period from 1989, precisely at the beginning of Mayor Luiza Erundinas
tenure, until the end of 2004, by the end of Mayor Marta Suplicys tenure. It aims, in addition
to performing a historic rescue of this polemic modality of intervention in informal
settlements, at detecting what mobilized the different administrators in the period and use it. It
is also intended to indicate potentialities, constraints, and challenges of such modality in the
context of the city of So Paulo, from the standpoint of agents who were in a certain sense
involved in its definition and execution, as well as the beneficiaries themselves the
population of the former slums, currently living in the housing development. We have started
from the assumption that the slums verticalization executed in the tenures of Luiza Erundina
(1989 -1992), pioneer in the use of the modality, Paulo Salim Maluf and Celso Pita (1993
2000), and Marta Suplicy (2001 2004), although in different political contexts, are not
significantly diverse. That is, they practically adopted the same procedures and obtained very
similar results. In order to test the assumption, we have made a comparative study of three
cases, adopting, as object of the research, three housing developments considered as
representative of each period. A qualitative methodology was adopted, and the use of different
sources, primary and secondary, such as: visits to the developments, document analysis, in-
depth interviews with significant agents in each administration/period, and performance of
focus groups with dwellers in the developments. The data analysis enabled to understand that,
beyond debates and ideological discussions, the slums verticalization is an increasingly
pressing resource in the context of the city of So Paulo for the improvement of living
conditions of the population dwelling in informal spaces, and not least important, for the
ensemble of the city.
Keywords: Favelas. Urbanization. Slums verticalization.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Aprov Departamento de Aprovao de Edificaes AR Administrao Regional ARs Administraes Regionais Ansur Associao Nacional do Solo Urbano ARENA Aliana Renovadora Nacional Assist Assessoria de Sistemas e Mtodos Ataj Assessoria Tcnica de Assuntos Jurdicos BC Banco Central do Brasil BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BIRD Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento (Banco Mundial) BNH Banco Nacional da Habitao Case Departamento de Cadastro Setorial CASMU Comisso de Assistncia do Municipal CBI Cmara Brasileira de Construo Civil CBPA Companhia Brasileira de Pesquisa e Anlise CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de So Paulo CDS City Development Strategy CEB Comunidade Eclesial de Base Ceagesp Companhia de Entrepostos e Armazns Gerais de So Paulo CEF Caixa Econmica Federal CEM Centro de Estudos da Metrpole Ceuso Comisso de Edificaes e Uso do Solo Cerprohab Companhia de Empresas Reunidas de Promoo Habitacional CIF Comisso Integrada de Fiscalizao CFMH Conselho do Fundo Municipal de Habitao CNC Conselho Nacional das Cidades CNH Conselho Nacional de Habitao CMH Conselho Municipal de Habitao Cohab-SP Companhia Metropolitana de Habitao de So Paulo Contru Departamento de Controle do Uso de Imveis CPF Central Provident Fund CPPU Comisso de Proteo Paisagem Urbana CPTM Companhia Paulista de Trens Metropolitanos CSL Consultoria de Engenharia e Economia Ltda D.O.M.-SP Dirio Oficial do Municpio de So Paulo Eletropaulo Eletricidade de So Paulo S.A. Emurb Empresa Municipal de Urbanizao Fabes Secretaria Municipal da Famlia e do Bem-Estar Social FCP Fundao Casa Popular FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Servio FHC Fernando Henrique Cardoso Fipe Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas FMH Fundo Municipal de Habitao Funaps Fundo de Atendimento Populao Moradora em Habitao Subnormal FNHIS Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social FUDHABIS Fundao de Habitao de Interesse Social do Municpio de So Paulo GAP Grupo de Assessoria e Participao
GAPs Grupos de Assessoria e Participao Geufavelas Grupo Executivo de Urbanizao de Favelas Habi Superintendncia de Habitao Popular HIS Habitao de Interesse Social HPA Habitao Precria de Aluguel IAP Instituto de Aposentadorias e Penses Iapas Instituto de Administrao da Previdncia e Assistncia Social Iapi Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica INPS Instituto Nacional de Previdncia Social IPI Imposto sobre Produtos Industrializados IRFM Indstrias Reunidas Francisco Matarazzo IPREM Instituto de Previdncia Municipal de So Paulo IPESP Instituto de Previdncia do Estado de So Paulo ISSB Instituto de Servios Sociais do Brasil ITBI Imposto sobre a Transmisso de Bens Imveis MDU Ministrio de Desenvolvimento Urbano MUD Movimento Universitrio de Desfavelamento OD Origem Destino OI Operaes Interligadas ONG Organizao No Governamental ONU Organizao das Naes Unidas PAC Programa de atuao em cortios PAF Programa de atuao em favelas PAIH Plano de Ao Imediata para Habitao PAM Posto de Assistncia Mdica Parsolo Departamento de Parcelamento e Intervenes Urbanas PD Plano Diretor PDE Plano Diretor Estratgico PDIC Plano de Desenvolvimento Institucional e de Capacitao PEA populao economicamente ativa Petrobras Petrleo Brasileiro S.A. PMSP Prefeitura do Municpio de So Paulo PNH Plano Nacional de Habitao Procav Programa de Canalizao de Crregos, Implantao de Virio e Recuperao
Ambiental e Social de Fundos de Vale Prodam Companhia de Processamento de Dados do Municpio de So Paulo Pr-gua Programa de ligao de gua em unidades de habitao subnormal Pr-Favela Programa de Urbanizao de Favelas Pr-luz Programa de ligao de energia eltrica em unidades de habitao subnormal Promorar Programa de Erradicao da Sub-Habitao Prover Programa de Urbanizao e Verticalizao de Favelas PSHIS Programa de Subsdio Habitao de Interesse Social PT Partido dos Trabalhadores PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PVC Poli Carboneto de Vinila Resolo Departamento de Regularizao do Parcelamento do Solo RMSP Regio Metropolitana de So Paulo Sabesp Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo
Sanegran Programa de Obras de Saneamento e Controle da Poluio das guas na Regio Metropolitana de So Paulo
Sebes Secretaria do Bem-Estar Social SECONI SP Sindicato das Empresas de Compras, Venda, Locao e Administrao de
Imveis Residenciais e Comerciais de So Paulo Sehab Secretaria da Habitao e Desenvolvimento Urbano Semab Secretaria Municipal de Abastecimento Seme Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreao Sempla Secretaria Municipal de Planejamento Urbano SIG Sistema de Informao Geogrfica SFH Sistema Financeiro da Habitao SFS Sistema Financeiro de Saneamento SHIS Subsistema de Habitao de Interesse Social SM salrio mnimo SMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente SME Secretaria Municipal de Educao SMS Secretaria Municipal da Sade SMT Secretaria Municipal de Transportes SNH Sistema Nacional de Habitao SSO Secretaria Municipal de Servios e Obras SVMA Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente SVP Secretaria Municipal de Vias Pblicas TCM Tribunal de Contas do Municpio TCU Tribunal de Contas da Unio TPU Termo de Permisso de Uso UH unidade habitacional UMM Unio de Movimentos de Moradia Unas Unio de Ncleos, Associaes e Sociedades de Moradores de Helipolis e So Joo
Clmaco VHP Vila de habitao provisria ZEIS Zona Especial de Interesse Social
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Favela da Vrzea do Penteado (possivelmente a primeira a surgir em So Paulo).........50
Foto 2 Conjunto Habitacional Madeirit / Votorantim Fase IV...............................................152
Foto 3 Favela Morro da Esperana ...............................................................................................153
Foto 4 Conjunto Habitacional Nicargua / Vila da Paz...............................................................153
Foto 5 Conjunto Habitacional City Jaragu.................................................................................154
Foto 6 Conjunto Habitacional So Domingos Camarazal ...........................................................155
Foto 7 Favela gua Branca ............................................................................................................173
Foto 8 Conjunto Habitacional gua Branca ................................................................................181
Foto 9 Favela Helipolis..................................................................................................................185
Foto 10 Conjunto Habitacional Helipolis....................................................................................199
Foto 11 Conjunto Habitacional Helipolis com viso da rea remanescente ............................199
Foto 12 Favela do Gato ...................................................................................................................201
Foto 13 Residencial Parque do Gato em Construo...................................................................206
Foto 14 Conjunto Residencial Parque do Gato ............................................................................207
LISTA DE MAPAS Mapa 1 Localizao dos conjuntos habitacionais objetos do Estudo .......................................... 85
Mapa 2 Localizao dos empreendimentos do Prover/Cingapura ............................................ 142
Mapa 3 Localizao dos Conjuntos da Fase I do PROVER....................................................... 144
Mapa 4 Localizao dos Conjuntos da Fase II do PROVER ..................................................... 146
Mapa 5 Localizao dos Conjuntos da Fase III do PROVER.................................................... 148
Mapa 6 Localizao dos Conjuntos da Fase IV do PROVER.................................................... 150
Mapa 7 Localizao do Conjunto Habitacional gua Branca ................................................... 179
Mapa 8 Localizao do Conjunto Habitacional Helipolis Av. Almirante Delamare e
Rua Almirante Nunes .......................................................................................................193
Mapa 9 Localizao Conjunto Residencial Parque do Gato Av. Castelo Branco
(Marginal Tiet)...............................................................................................................202
LISTA DE PLANTAS
Planta 1 Planta baixa de unidade habitacional da Fase I do Prover/Cingapura......... 127 Planta 2 Planta baixa de unidades habitacionais da Fase II do Prover/Cingapura .................128
Planta 3 Planta baixa de unidades habitacionais da Fase IV do Prover ...................................130
Planta 4 Planta Baixa Conjunto gua Branca (2 e 1 dormitrios)..........................................181
Planta 5 Planta Baixa Conjunto Residencial Parque do Gato. ................................................206
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Favelas, Domiclios e Populao Favelada Municpio de So Paulo (Pesquisas Diversas)........................................................................................................ 52
Quadro 2 - Caracterizao das posturas municipais entre 1989-2004 ........................................... 74
Quadro 3 - Agentes Entrevistados ..................................................................................................... 91
Quadro 4 - Lideranas das Favelas/Conjuntos Selecionados .......................................................... 92
Quadro 5 - Famlias atendidas em unidades concludas/programas, 1989 -1992........................ 104
Quadro 6 - Conjuntos Habitacionais Construdos em Favelas Erundina................................. 107
Quadro 7 - Sntese do Prover: 19932004....................................................................................... 141
Quadro 8 - Fase I do Prover............................................................................................................. 143
Quadro 9 - Fase II do Prover ........................................................................................................... 145
Quadro 10 - Fase III do Prover........................................................................................................ 147
Quadro 11 - Fase IV do Prover ....................................................................................................... 149
Quadro 12 - Favelas Selecionadas para a Fase IV ........................................................................ 151
Quadro 13 - Sntese dos resultados da gesto Marta Suplicy (2001-2004).................................. 163
Quadro 14 - Sntese da Verticalizao da Gesto Marta (2001-2004).......................................... 169
Quadro 15 - Sntese comparativa dos perodos estudados ............................................................ 170
Quadro 16 - Dados Sntese do Conjunto Habitacional gua Branca........................................... 183
Quadro 17 - Perfil das Famlias do Conjunto gua Branca ......................................................... 184
Quadro 18 - Convnios para mutires em Helipolis .................................................................... 192
Quadro 19 - Dados Sntese do Conjunto Habitacional Gleba A ................................................... 198
Quadro 20 - Perfil das Famlias do Conjunto Helipolis Gleba A................................................ 198
Quadro 21 - Dados Sntese do Residencial Parque do Gato.......................................................... 205
Quadro 22 - Perfil das Famlias do Residencial Parque do Gato.................................................. 207
Quadro 23 - Sntese Comparativa dos Conjuntos Habitacionais Estudados............................... 209
Quadro 24 - Definio, pelos moradores, da vida no conjunto habitacional .............................. 225
Quadro 25 - Agentes envolvidos na urbanizao da favela, segundo os moradores ................... 229
Quadro 26 - Notas atribudas pelos entrevistados vida na favela, vida no conjunto
habitacional e verticalizao de favelas.................................................................. 232
Quadro 27 - Sntese dos Limites da Verticalizao de Favelas SP (1989 2004) ..................... 274
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Populao Favelada segundo os Censos Demogrficos e Censos de Favelas
So Paulo, 1980-2000 ........................................................................................................55
Tabela 2 Indicadores e Quocientes Locacionais Favelas e Municpio de
So Paulo, 1991 e 2000......................................................................................................61
Tabela 3 Caractersticas dos Tipos de Favelas 2000 ...................................................................64
Tabela 4 Diviso Regional da Superintendncia de Habitao Popular (HABI) da PMSP ....... 65
SUMRIO
INTRODUO ......................................................................................................................17
1 CRISE HABITACIONAL E FAVELAS: BREVE PANORAMA SOBRE A ORIGEM E CONSOLIDAO EM SO PAULO.......................................................32
1.1 POLTICA HABITACIONAL NO BRASIL: PRIMEIROS ENSAIOS, O BNH/SFH E AS TENDNCIAS RECENTES............................................................33
1.1.1 O autoritarismo sanitrio................................................................................33
1.1.2 A busca da casa prpria ...................................................................................34
1.1.3 Os primeiros ensaios de uma poltica habitacional: os IAPs e a FCP..........35
1.1.4 O BNH/SFH: surgimento e crise de uma poltica habitacional ....................37
1.1.5 A poltica urbanstica na Nova Repblica ......................................................39
1.1.6 A Nova Constituio e a Poltica Urbanstica ................................................40
1.1.7 A era Collor .......................................................................................................41
1.1.8 O governo Itamar Franco ................................................................................42
1.1.9 O governo Fernando Henrique Cardoso .......................................................42
1.1.10 O governo Luis Incio da Silva (Lula) .........................................................43
2 O PROCESSO DE FAVELIZAO EM SO PAULO................................................. 48
2.1 EVOLUO DAS FAVELAS EM SO PAULO: A CONTROVRSIA DOS NMEROS................................................................................................................... 52
2.2 A EVOLUO DAS CONDIES DE HABITABILIDADE NAS FAVELAS ...... 57
2.2.1 O perfil da populao favelada segundo a Fipe/Sehab .................................58
2.2.2 O perfil da populao favelada segundo o CEM ...........................................61
2.3 DA REMOO FIXAO: EVOLUO DAS POSTURAS DO MUNICPIO ................................................................................................................ 65
2.4 ORGANISMOS INTERNACIONAIS: RECOMENDAES RECENTES .............. 74
2.4.1 Habitat/ONU .....................................................................................................74
2.4.1.1 O Conceito de Favela .............................................................................74
2.4.1.2 As Polticas Propostas ............................................................................76
2.4.2 Banco Mundial (BIRD) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ....................................................................................77
2.4.2.1 Panorama do Problema ..........................................................................77
2.4.2.2 Formas de Interveno...........................................................................78
3 DEFINIES E DELIMITAO DO OBJETO DO ESTUDO .................................. 80
3.1 OBJETO, OBJETIVO E HIPTESE DO ESTUDO. ................................................... 80
3.2 METODOLOGIA......................................................................................................... 82
3.2.1 Abordagem e Procedimentos........................................................................... 82
3.2.1.1 Os conjuntos selecionados para o estudo............................................... 82
3.2.1.2 As etapas da pesquisa ............................................................................ 86
4 OS PROGRAMAS DE VERTICALIZAO DE FAVELAS EM SO PAULO .......93
4.1 MARCO DA VERTICALIZAO DE FAVELAS: O GOVERNO LUIZA ERUNDINA (19891992) ...........................................................................................93
4.1.1 Contextualizao do perodo ...........................................................................93
4.1.2 Primeiros passos da gesto na rea da habitao..........................................96
4.1.3 Poltica habitacional adotada ..........................................................................99
4.1.3.1 Panorama da demanda ..........................................................................99
4.1.3.2 Diretrizes..............................................................................................100
4.1.3.3 Programas ............................................................................................101
4.1.3.4 Instrumentos de gesto democrtica ....................................................104
4.1.4 Resultados alcanados ....................................................................................104
4.1.5 Verticalizao de favelas no governo Erundina: caracterizao e especificidades ................................................................................................105
4.1.5.1 Legislao que cria as condies de verticalizao.............................105
4.1.5.2 Experincias de verticalizao de favelas do perodo .........................106
4.2 VERTICALIZAO EM LARGA ESCALA: GOVERNO PAULO MALUF (1993 1996) E CELSO PITTA (1997 2000) ........................................................108
4.2.1 Contextualizao do Perodo .........................................................................108
4.2.2 Poltica habitacional adotada.........................................................................109
4.2.2.1 Panorama da demanda .........................................................................109
4.2.2.2 Descrio geral da poltica: premissas, estratgias e diretrizes de ao ......................................................................................................110
4.2.2.3 Programas desenvolvidos no perodo entre 1993 e 2001 ....................117
4.2.3 Programa de Urbanizao e Verticalizao de Favelas: Prover/Cingapura ..........................................................................................119
4.2.3.1 Caracterizao geral do programa ......................................................123
4.2.3.2 A tipologia proposta e suas alteraes ...............................................126
4.2.3.3 Critrios de elegibilidade das favelas e das famlias Seleo das favelas beneficiadas .........................................................132
4.2.3.4 Etapas de execuo do programa.........................................................135
4.2.3.5 Recursos ..............................................................................................136
4.2.3.6 A questo fundiria e a comercializao das unidades .......................137
4.2.3.7 Aspectos institucionais e organizacionais ..........................................139
4.2.3.8 Resultados do programa ......................................................................140
4.3 A VERTICALIZAO NO GOVERNO MARTA SUPLICY: BUSCA DE UM MODELO EMBLEMTICO (2001 2004).......................................................... 155
4.3.1 Contextualizao do perodo ........................................................................ 155
4.3.2 Poltica habitacional adotada ........................................................................ 156
4.3.2.1 Panorama da demanda ......................................................................... 156
4.3.2.2 Concepo, princpios e objetivos ....................................................... 157
4.3.2.3 Instrumentos de gesto democrtica ................................................... 161
4.3.2.4 Resultados alcanados ......................................................................... 162
4.3.3 A verticalizao de favelas: continuidade do Prover/Cingapura e o Residencial Parque do Gato ........................................................................... 164
4.3.3.1 Continuidade do Prover/Cingapura ..................................................... 164
4.3.3.2 Residencial Parque do Gato: O Conjunto emblemtico................... 165
5 ESTUDO DE CASOS .......................................................................................................171
5.1 CONJUNTO HABITACIONAL GUA BRANCA..................................................171
5.1.1 A favela: histrico da ocupao .....................................................................172
5.1.2 Histrico da urbanizao ...............................................................................175
5.1.3 Conjunto habitacional ....................................................................................179
5.2 CONJUNTO HELIPOLIS GLEBA A ....................................................................184
5.2.1 A favela: histrico da ocupao ....................................................................186
5.2.2 Histrico da urbanizao ...............................................................................188
5.2.3 Conjunto habitacional ....................................................................................193
5.3 RESIDENCIAL PARQUE DO GATO......................................................................199
5.3.1 A favela: histrico da ocupao .....................................................................201
5.3.2 O histrico da urbanizao ............................................................................202
5.3 3 Conjunto habitacional ....................................................................................202
6 OS IMPACTOS DA VERTICALIZAO NAS FAVELS DE SO PAULO: A VISO DOS AGENTES ..............................................................................................210
6.1 O PERCURSO DA VERTICALIZAO NA VISO DA POPULAO ............210
6.1.1 A favela: As lembranas e o significado de viver na favela.........................211
6.1.2 O conjunto Habtacional: Os impactos da nova moradia na vida das famlias.............................................................................................................213
6.1.3 Avaliao da verticalizao ............................................................................226
6.2 O PERCURSO DA VERTICALIZAO NA VISO DOS AGENTES................233
6.2.1 Viso da poltica habitacional ........................................................................233
6.2.2 A relao com os movimentos de luta por moradia....................................238
6.2.3 Avaliao da verticalizao de favelas ..........................................................244
6.2.3.1 O pioneirismo no uso da modalidade ................................................. 244
6.2.3.2 Critrios de seleo das favelas: A polmica da visibilidade .............. 246
6.2.3.3 O projeto e o padro urbanstico.......................................................... 251
6.2.3.4 A regularizao fundiria .................................................................... 253
6.2.3.5 Viso dos custos .................................................................................. 255
6.2.3.6 O trabalho de acompanhamento social ................................................ 256
6.2.3.7 Perspectivas da modalidade................................................................. 261
6.2.3.8 Desafios e propostas para a sustentabilidade....................................... 263
6.2.3.9 Os impactos da descontinuidade administrativa.................................. 268
CONCLUSES.....................................................................................................................272
AVANOS, LIMITES E DESAFIOS DA EXPERINCIA DE VERTICALIZAO DE FAVELAS EM SO PAULO ..................................................................................272
COMENTRIOS FINAIS..............................................................................................276
REFERNCIAS ...................................................................................................................282
APNDICES .........................................................................................................................294
17
INTRODUO
Uma vez que o presente estudo aborda uma das modalidades contemporneas de interveno
em favelas adotada em So Paulo a urbanizao com verticalizao nada mais pertinente
do que introduzi-lo discutindo o conceito, os precedentes e os condicionantes que vm
levando o poder pblico a adotar essa alternativa para a soluo dos problemas ambientais e a
melhoria das condies de habitabilidade nos assentamentos informais. Registre-se, de
partida, que o estudo abordar apenas o Municpio de So Paulo, palco de experincias
significativas de urbanizao de favelas com verticalizao1.
No que se refere ao conceito, importante ressaltar que se est considerando como
verticalizao de favelas apenas as intervenes de urbanizao integrada com a
permanncia da populao na mesma localidade por meio do provimento de infra-estrutura
bsica associada construo de unidades multifamiliares verticais no mesmo espao da
favela original.
No se est, pois, discutindo a verticalizao ou a construo de conjuntos habitacionais nos
moldes dos produzidos pela Cohab/SP Companhia Metropolitana de Habitao de So
Paulo , nem tampouco daqueles produzidos pela CDHU Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano do Estado de So Paulo. Tais conjuntos, embora beneficiando
prioritariamente famlias de baixa renda e at moradores de favelas (que atendam os pr-
requisitos de rendimentos estabelecidos), no guardam muita semelhana com a experincia
aqui definida como verticalizao de favelas, sobretudo pelo fato de as unidades habitacionais
verticais no serem construdas na mesma rea da favela com o intuito de erradicar esse
assentamento informal, atendendo ao conjunto ou a parte significativa da populao residente.
Guardam tambm pouca semelhana com os pioneiros conjuntos dos Institutos de
Aposentadorias e Penses - IAPs assim como com os antigos conjuntos habitacionais do
Banco Nacional de Habitao BNH, pelas mesmas razes explicitadas para a Cohab/SP e
CDHU: os conjuntos habitacionais no foram construdos na localidade original de uma dada
favela com o objetivo de erradic-la. Neste sentido, consideram-se as experincias de
1 Provavelmente, as experincias de So Paulo sejam tambm as primeiras adotadas no Brasil. No foram, porm
obtidos dados que possibilitem afirmar que sejam estas as nicas atualmente existentes.
18
verticalizao de favelas realizadas em So Paulo2 como de fato inovadoras, conforme afirma
o professor Nabil Bonduki: (...) no governo da Erundina isso [a verticalizao] foi colocado
pela primeira vez como poltica contempornea.3
De todo modo, mesmo no se assemelhando experincia objeto do presente estudo, os
rgos mencionados IAPs, BNH, Cohab e CDHU so pioneiros na produo de
unidades verticalizadas para populao de baixa renda, podendo portanto, serem
considerados responsveis pelas experincias que precedem o oferecimento de tal
tipologia populao favelada.
Sabe-se que a dcada de 1930 marcou a introduo das influncias da arquitetura moderna no
Brasil, mesma poca em que a habitao social comeou a despontar como parte das
preocupaes oficiais. O incio da construo de conjuntos de habitao social em So Paulo
data de 1937 com os IAPs cuja atividade perdurou at o ano de 1964; seguidos pelos das
Cohabs, vinculadas ao Sistema Financeiro de Habitao - SFH e ao BNH entre 1975 e 1986; e
da por diante advieram as construes da CDHU, rgo ligado ao governo do Estado de So
Paulo (NOGUEIRA, 2003).
Os conjuntos habitacionais promovidos pelos IAPs foram pioneiros no Brasil e constituram
uma das modalidades de atendimento habitacional que alcanou maior visibilidade, embora
no tenha sido a que recebeu a maior parte dos recursos4. Tais conjuntos podem mesmo ser
considerados a origem da verticalizao para trabalhadores de baixa renda no Brasil, e,
o mais importante, trouxeram inovaes fundamentais no que tange aos projetos e
implantao urbanstica (Pedregulho e Gvea so os que tm recebido destaque nas anlises).
Mas esses conjuntos e, sobretudo o primeiro, vieram na seqncia de uma srie de projetos e
obras anteriores, elaborados no perodo de 1937-1950, que abordavam a questo da
habitao social de maneira criativa e inovadora, incorporando os princpios da arquitetura e
do urbanismo modernos, sob influncia do debate internacional e pelas realizaes da social-
democracia europia, no perodo entre as guerras (BONDUKI, 1999,p.134).
2 A presente investigao no se aprofundou o suficiente para sustentar afirmaes quanto existncia ou no de
experincias anteriores ao Prover/Cingapura em outros Estados. Posteriormente, dada repercusso do projeto em todo o Brasil em decorrncia da incisiva propaganda, provvel que o mesmo j tenha sido aplicado em outros municpios.
3 Entrevista realizada em 23 de maro de 2006. 4 A modalidade de atendimento habitacional que recebeu o maior volume de recursos dos IAPs foi a compra de
moradia ou a construo em terreno prprio pelo associado (Nogueira, 2003, p. 125)
19
Afirma Bonduki (1999) que a atitude de projeto concebida pelo movimento moderno na
poca, tinha como objetivo bsico: (..) viabilizar financeiramente o atendimento de trabalhadores de baixa renda (grifo nosso), garantindo dignidade e qualidade arquitetnica. No Brasil, porm, os equvocos da ao habitacional implementada pelo governo reduziram o impacto e a abrangncia da proposta. Houve, assim, uma incorporao apenas parcial dos princpios da arquitetura moderna [economia, racionalidade, valorizao do espao pblico, incorporao de equipamentos coletivos e estandardizao], perdendo-se os generosos e desafiadores horizontes sociais, onde o resultado econmico no deveria se desligar da busca de qualidade arquitetnica e urbanstica, e da renovao do modo de morar, com a valorizao do espao pblico (BONDUKI, 1999, p.134).
A principal crtica que se faz aos conjuntos habitacionais produzidos pelos IAPs e,
posteriormente, pelo BNH, que ao invs de absorver os aspectos positivos da influncia
modernista, tais conjuntos foram pautados pela monotonia da repetio do mesmo tipo de
bloco, baixa qualidade construtiva, agresso ao meio ambiente, localizao em reas mal
urbanizadas, sem falar da sofrvel qualidade das moradias: espaos reduzidos, mal divididos,
problemas de isolamento acstico, vazamentos, apartamentos pequenos, mal iluminados e mal
acabados (BONDUKI, 1999; NOGUEIRA, 2003). Afirma Nogueira (2003): Entende-se que a baixa qualidade dessa produo se origine de uma estratgia adotada pelo Estado que visa subvencionar empresas de construo civil, favorecer os interesses imobilirios de manuteno do (alto) preo do solo urbano, e ao mesmo tempo, enfrentar a questo habitacional, como uma forma de conseguir ganhos polticos fundamentais. Faz parte dessa estratgia, produzir a cidade e suas reas valorizadas, assim como as de segregao, que tendem a favorecer e a perpetuar as desigualdades sociais. (NOGUEIRA, 2003, p. 8).
A construo de grandes conjuntos habitacionais em oposio s casas isoladas, a fim de
implementar a produo de moradias em larga escala, foi uma discusso, segundo Bonduki
(1999), amadurecida no ncleo do poder do Estado Novo (no foi uma mera deciso de
tecnocratas dos IAPs e do Ministrio do Trabalho). Ao privilegiar os grandes ncleos multifamiliares em detrimento das unidades unifamiliares at ento consideradas modelo de casa higinica e predominantes nas tmidas atividades das Caixas e Institutos, o ditador era movido pelos mesmos pressupostos dos pioneiros do movimento moderno, para quem o moderno no era um estilo mas uma causa`: a busca de mtodos de produo em grande escala de modo a satisfazer a imensa demanda por habitaes sociais gerada pelo processo de industrializao e urbanizao. (BONDUKI, 1999, p. 136).
Os conjuntos do IAPs, tinham como demanda os associados aos diversos institutos existentes
(e no a populao moradora de um dado espao, como o caso dos conjuntos verticalizados
nas favelas em So Paulo) e foram construdos, em sua maioria, nas cidades de grande porte:
Rio de Janeiro, ento Distrito Federal, ficou com 55% deles e o estado de So Paulo, com
19%, distribudos sobretudo na capital e Regio Metropolitana. Embora tenha realizado uma
20
produo de unidades habitacionais numericamente significativa, os IAPs ficaram distantes de
poder atender aos associados5. O fracasso do sistema remetido, por diversos autores, ao
clientelismo reinante e necessidade de retorno dos investimentos. Tais fatores levavam a
privilegiar o atendimento aos trabalhadores mais bem pagos, da burocracia sindical e da
prpria burocracia dos institutos, ficando margem do atendimento habitacional todos os que
no estavam associados a nenhum instituto. (NOGUEIRA, 2003; BONDUKI, 1999)
Vale apenas aqui fazer algumas referncias aos conjuntos habitacionais que mais se
destacaram dos IAPIs e que j foram objeto de inmeros estudos, so eles: Realengo,
Gvea e Pedregulho.
O Conjunto Habitacional Realengo6, construdo em 1937, foi o primeiro conjunto de
maior porte viabilizado pelos IAPs, com duas mil unidades habitacionais. Localizado
nas proximidades da estao ferroviria Central do Brasil, este conjunto foi projetado
pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira, do prprio Instituto de Aposentadorias e
Penses dos Industririos (IAPI), e um dos que mais se identificavam com os conceitos
da arquitetura moderna.
Buscando conciliar a habitao mnima com dignidade de uso do espao, Frederico
Ferreira afirmava que seu objetivo era colocar as unidades ao alcance da maioria dos
associados de salrio modesto, isto , estabelecer o preo mnimo sem sacrificar, todavia, as
condies indispensveis de higiene e conforto. (NOGUEIRA, 2003, pp. 129-130.)
Na dcada de 1950, tambm no Rio de Janeiro, iniciada a construo de mais dois conjuntos
dos IAPs que tambm se tornariam emblemticos: os conjuntos Pedregulho e Gvea, ambos
projetados por Afonso Eduardo Reidy7, arquiteto ligado Prefeitura do Rio de Janeiro. O
primeiro conjunto Pedregulho foi concebido aps a realizao prvia de uma pesquisa que
levantou as condies socioeconmicas e as necessidades dos futuros habitantes, de forma a
definir a tipologia e o nmero de apartamentos. Alm das preocupaes quanto ao projeto, 5 Outra forte crtica que se faz experincia dos IAPIs, a de esta fora concebida no para responder a
problemtica habitacional, mas para contrapor reivindicaes trabalhistas. Ver Marta Farah. Estado, Previdncia Social e Habitao. Dissertao de Mestrado apresentada a FFCHL-USP, 1983, p. 133.
6 O projeto foi premiado internacionalmente, em um congresso de Arquitetura em Montividu, ao lado de outras famosas obras de arquitetura apareceu na publicao do Museu da Arte Moderna de Nova York de 1943 sobre arquitetura brasileira.
7 O projeto dos conjuntos Pedregulho e Gvea ganharam prmios da Bienal Internacional de So Paulo em 1953. NOGUEIRA, Ada Pompeu. O habitar no espao urbano perifrico.conjuntos de habitao social.2004. So Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo); Universidade de So Paulo. 2004, p. 138.
21
outros elementos diferenciadores do conjunto so: a sua insero privilegiada, em regio que
abrigava fbricas e estabelecimentos industriais diversos, e os equipamentos planejados e
construdos antes mesmo dos prprios blocos de apartamentos (dispensrio, centro comercial,
lavanderia, escola, ginsio e piscina).
O Conjunto da Gvea, ou Conjunto Residencial Marques de So Vicente, projetado em 1952
pelo mesmo arquiteto (Reidy), localiza-se no bairro do mesmo nome, entre montanhas. O
conjunto compreende 748 apartamentos, e tinha a mesma filosofia do Pedregulho8.
O Conjunto da Gvea, alis, poderia ter sido a primeira experincia de verticalizao de
favelas se o projeto original de atendimento aos favelados residentes em parte do terreno onde
se ergueu o conjunto tivesse sido implementado. A favela que se previa atender situava-se na
parte que seria destinada construo dos equipamentos, numa parte mais baixa do terreno.
Tais planos no se concretizaram porque, com a notcia do atendimento, a favela adensou
rapidamente, inviabilizando a iniciativa, a erradicao da favela e, pior, a construo dos
equipamentos a serem destinados ao empreendimento.
No que diz respeito s Cohabs, as suas primeiras experincias ocorreram no Rio de Janeiro na
dcada de 1960 e no foram bem recebidas pelos beneficirios removidos de favelas e no
eram verticalizadas, e sim conjuntos de casas erguidos no subrbio da cidade, nas
extremidades da Regio Metropolitana9. Tal experincia, embora fracassada, findou por
influenciar a poltica que seria desenhada para o BNH.
Diferentemente dos conjuntos dos IAPs, os conjuntos das Cohabs so localizados em
reas perifricas, afastadas do tecido urbano e de aparncia repetitiva e montona como
analisam vrios autores. A descrio que segue, traduz claramente os conjuntos
habitacionais das Cohabs: Os seus conjuntos habitacionais, situados em grandes glebas perifricas, em geral destacavam-se do tecido urbano de aspecto descontnuo, chegando a apresentar uma aparncia ordenada no contraste de suas linhas retas com o irregular dos loteamentos populares. Vistos mais de perto revelam grande monotonia, que provm alm da repetio dos blocos de apartamentos, tambm da ausncia de detalhes: os edifcios limitam-se ao que estritamente essencial do ponto de vista da moradia: ali esto as
8 Ver mais detalhes no livro sobre o autor, organizado por BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy.Editorial
Blau, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi. Lisboa, Portugal, 2000, p 8 a 104 e e 106 a 113. 9 NOGUEIRA, op.cit.p 174,. afirma que estas primeiras experincias foram desastrosas, e mal recebidas pelos
moradores a ponto de serem, em alguns casos, depredados por eles. A inadimplncia chegou a atingir mais da metade dos muturios da dcada de 1970.
22
paredes, as coberturas, as janelas, as portas, o caminho de acesso, as escadarias. No h espao para o suprfluo: um balco, uma proteo para as janelas, uma marquise, um jogo de volumes, uma curva. A implantao dos blocos feita aps uma terraplanagem que transforma toda a particularidade topogrfica do terreno natural em corte e aterro. Internamente o espao organizado conforme uma repetio de um suposto padro convencional: quartos, sala, banheiro, cozinha. No se desenha o espao coletivo o dentro a unidade habitacional, o fora o caminho para o trabalho, para a escola, para as compras. O entorno dos conjuntos, situados em sua maior parte em reas perifricas, ou mesmo francamente rurais refora o seu aspecto desolador. (NOGUEIRA, 2003, p.176)
Atualmente a Cohab/SP oferece dois tipos de programas: o primeiro voltado produo
de conjuntos habitacionais, conta com recursos do Fundo Municipal de Habitao FMH
e do oramento da Prefeitura Municipal de So Paulo PMSP e tem como objetivo
principal atender fila de espera, portanto tem como critrio de atendimento a seqncia
da lista de inscritos (Fila da Cohab); o segundo programa voltado construo de
moradias por mutiro, conta com os mesmos recursos (FMH + Oramento da PMSP) e
tem como principal objetivo atender aos movimentos populares, ou seja tem como
demanda a populao organizada.
Quanto ao BNH, os seus conjuntos habitacionais constituem-se tambm num marco
importante de construo de unidades multifamiliares para populao de renda baixa (embora
no tenha atendido prioritariamente a este segmento). Criado para responder tanto s presses
por moradias para os trabalhadores dirigidas ao Estado, quanto s presses de mercado por
parte da indstria da construo civil, o BNH e os conjuntos por ele produzidos tambm no
se assemelham queles erguidos nas favelas, considerando os objetivos prioritrios e os
critrios de atendimento da demanda.
Finalmente, vale ressaltar ainda a CDHU, outra empresa de promoo de habitao de
interesse social, criada em 1988, com atuao na Regio Metropolitana do Estado de So
Paulo. Atualmente, esta empresa oferece quatro tipos de programas, conforme segue:
Empreitada Global: a origem dos recursos o oramento do Estado ICMS (Imposto
sobre Circulao de Mercadorias e Servios) e tem por objetivo principal implantar
conjuntos habitacionais destinados prioritariamente para uma faixa de renda de at 03
salrios mnimos (SM).
23
Empreitada Integral: que conta com os mesmos recursos do anterior, mas tem por
objetivo principal financiar a construo de conjuntos habitacionais e por demanda
prioritria populao com at 03 SM de renda.
Mutiro: conta com recursos do oramento do Estado ICMS, objetiva
executar empreendimentos por autogesto e destina-se tambm a uma faixa de
renda de at 03 SM.
PAC Programa de Atuao em Cortios: conta com recursos do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do oramento do Estado ICMS, tem
por objetivo principal executar habitaes para encortiados e destina-se populao
moradora de cortio.
PAF Programa de Atuao em Favelas: seus recursos so do oramento do Estado
ICMS, objetiva atender s famlias moradoras em habitaes subnormais e tem como
demanda prioritria famlias moradoras de favelas.
Apenas o ltimo programa o PAF poderia se assemelhar com a urbanizao com
verticalizao de favelas, desde que os conjuntos fossem construdos na mesma rea da favela
e a populao atendida fosse residente na mesma. Sabe-se que no isso o que ocorre: apesar
de a demanda ser composta por populao favelada, ela pode ter origem em diversas favelas,
o que termina por contribuir pouco para a resoluo do problema.
Pela similaridade entre as formas de projetar os conjuntos habitacionais adotadas pelo CDHU
e pela Cohab-SP, os autores costumam elencar crticas que se aplicam tanto a um caso quanto
a outro, como as que seguem apontadas por Nogueira.
Incorriam-se freqentemente em volumosos movimentos de terras. Atribuindo-se esse
problema adoo de um tipo-padro de edifcio inadequado para terrenos de
topografia acidentada ou mais movimentada.
Utilizam-se projetos urbansticos convencionais, baseados num sistema de circulao
que tem como base vias muito largas, inadequadas para encostas.
Os espaos externos coletivos acabam sendo definidos pelo cruzamento do desenho do
sistema virio.
A distribuio dos blocos de apartamentos em sentido norte-sul sem qualquer
tratamento que pudesse torn-los mais adequados ao seu uso pelos moradores.
24
Muitas vezes entregaram-se apartamentos inacabados como estratgia para baratear
custos, outras, deixava-se ao morador a possibilidade de colocar as paredes.
(NOGUEIRA, 2003, pp. 180-185).
Dentre os programas ofertados pelo Municpio de So Paulo, atravs da Secretaria de
Habitao e Desenvolvimento Urbano Sehab, que podem ser confundidos com a
urbanizao com verticalizao de favelas, ressalta-se o Procav Programa de Canalizao de
Crregos, Implantao de Virio e Recuperao Ambiental e Social de Fundos de Vale -,
financiado pelo BID e oramento da PMSP. Este programa destina-se, como sabido, s
famlias residentes s margens de crregos ou em reas destinadas a projetos virios, portanto
sem o objetivo de erradicar favelas especficas.
Cabe lembrar, ainda, que a implantao do Programa Guarapiranga da PMSP, financiado pelo
BIRD e pela prpria prefeitura, exigiu a transferncia de famlias para prdios construdos
tanto pela CDHU quanto pela Cohab/Habi/Sehab, alguns inclusive de at 11 andares num
padro de adensamento mais elevado. No entanto, no se pode denominar tal experincia de
verticalizao de favelas, pois os prdios foram construdos em reas que no eram as das
favelas originais. Alm disso, as famlias selecionadas a residirem em tais conjuntos tinham
que atender ao critrio de rendimentos compatveis com o programa, o que no ocorreu nos
conjuntos voltados urbanizao de favelas (gesto Erundina, Maluf, Pitta e Marta).
Tampouco se pode confundir o que aqui denominado de verticalizao de favelas com os
mutires autogeridos da gesto Erundina (1989-1992). Os conjuntos viabilizados por meio
dos mutires no eram erguidos na rea da favela, nem eram destinados s famlias de uma
favela determinada. Tratavam-se, na verdade, de demanda dos movimentos organizados por
moradia e eram executados em terrenos adquiridos para este fim especfico.
Resta ainda fazer meno s conhecidas Vilas de Habitao Provisrias VHP, utilizadas nas
primeiras aes de desfavelamento, que procuravam remover as pessoas de reas de interesse
da prefeitura para a periferia onde eram executados alguns loteamentos. No incio dos anos
setenta essas pessoas eram removidas para reas pblicas onde eram erguidas as VHP que
consistiam em galpes de materiais mistos. As favelas de Helipolis e Vergueirinho, por
exemplo, tiveram origem na construo desses alojamentos por parte da prefeitura.
25
Conclui-se, portanto, que se pode ressaltar de tais experincias que, embora se tratem de
verticalizao para trabalhadores de baixa renda, no eram e no so voltadas
erradicao de favelas especficas, erguendo unidades multifamiliares na mesma rea do
assentamento informal.
Mas o que leva necessidade de verticalizar as favelas paulistas e torna essa modalidade de
interveno, na atual conformao da cidade e das prprias favelas, uma sada praticamente
inevitvel? Entende-se que os fatores que esto diretamente associados a essa premncia da
verticalizao de favelas em So Paulo so os seguintes: nmero crescente de favelas;
adensamento das favelas existentes, provocando consequentemente o aumento da populao
favelada; pouca disponibilidade e custos elevados das reas livres adequadas implantao de
habitao de interesse social localizadas nos centros urbanos; e elevados custos de infra-
estrutura e servios demandados por projetos habitacionais situados nas periferias.
Em seu estudo sobre o processo de verticalizao de So Paulo, que se inicia nos anos vinte,
Ndia Somekh10 define a verticalizao como a multiplicao do solo urbano possibilitada
pelo elevador. Afirma ainda que o edifcio alto representa a possibilidade de realizao do
capital imobilirio por meio dessa operao que faz o solo multiplicar-se (SOMEKH, p. 56 e
57, In: SIMES e MALTA, 2006).
Entende-se que, a verticalizao de favelas em So Paulo se coloca pela mesma necessidade:
fazer o solo multiplicar-se. O crescimento populacional nas favelas (sobre o qual os estudos
divergem quanto aos nmeros, mas concordam que ele ocorreu nas ltimas dcadas e
continua a acontecer) associado escassez de espaos legais ou no para habitao de
interesse social, torna a verticalizao de favelas uma das modalidades de urbanizao mais
adequada realidade do municpio. Vale ressaltar ainda que, se associada a outras
modalidades, este tipo de interveno atende a um dos principais anseios dos movimentos por
moradia, que o de garantir a permanncia das famlias nos locais onde j se abrigam e
resolvem, bem ou mal, a sua sobrevivncia.
10SOMEKH, Nadia. O arranha-cu e a remodelao das cidades.In: CAMPOS,Candido Malta, SIMES
JUNIOR, Jos Geraldo (org.)Palacete Santa Helena.Um pioneiro da Modernidade em So Paulo. So Paulo: Editora Senac. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2006 pp. 37-68.
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Alis, a prpria populao j percebeu que a soluo da verticalizao lhe favorece, e no
por outra razo que nas favelas mais adensadas e mais consolidadas (nas quais parte
significativa das edificaes construda em alvenaria) verifica-se a ocorrncia de um
processo de verticalizao levado avante pelos prprios moradores. Portanto, se para a prpria
populao a verticalizao uma soluo que se impe na disputa diria por espao, para o
poder pblico, inegvel a otimizao de recursos, de infra-estrutura e de espao que a
verticalizao proporciona.
Esse processo de verticalizao interno s favelas vem, inclusive, alterando as implicaes
subjetivas da moradia verticalizada para a populao de baixa renda. Percebe-se, cada vez
mais, que nas favelas onde j se verifica um processo de verticalizao executado pelos
prprios moradores, a espacializao cotidiana bem diferente daquelas onde ainda
impera apenas a propriedade horizontal. Os pequenos criadouros que at alguns anos atrs
podiam ser vistos em algumas favelas, principalmente nas reas mais perifricas, so cada
vez mais escassos.
Dentre os fatores que condicionam a premncia da verticalizao de favelas, seguem algumas
breves consideraes sobre o processo de adensamento das mesmas, sobretudo daquelas
situadas nas regies mais privilegiadas da cidade.
Bueno (2000) discute o conceito de densidade demogrfica ou habitacional, afirmando que tal
indicador relaciona a quantidade de moradores a determinada rea ou bairro, permitindo,
por exemplo, que sejam comparadas as condies de habitabilidade de determinadas favelas
com as de outros locais, ocupados por outros processos que no a invaso seguida de obras
de urbanizao (BUENO, 2000, p.252). Afirma a autora: A densidade populacional tem sido utilizada como parmetro urbanstico na literatura tcnica, em planos diretores, assim como no clculo de previso de demanda de servios urbanos e de dimensionamento dos sistemas de infra-estrutura. Os planos e legislaes quase sempre so genricos ao tratar a densidade, limitando-se a indicar as zonas onde se permite densidades altas, mdias ou baixas, sem definir valores mximos. (BUENO, 2000, p.253).
De acordo com Bueno, ao indicador densidade demogrfica (tamanho da favela em relao
populao), deve ser atribuda uma relao muito mais direta com a necessidade ou no de
espaos para equipamentos ou servios lazer, esporte, sade, educao -, do que com os
27
aspectos relacionados ao projeto urbanstico propriamente dito, [pois] esta questo tem
implicaes nas condies de planejamento urbano e setorial (BUENO, 2000, p.257).
Pasternak (2004), por seu turno, apresenta duas dificuldades para a anlise da questo do
adensamento demogrfico das favelas: a primeira refere-se inexistncia de srie histrica
que permita o acompanhamento da evoluo do fenmeno; e a segunda dificuldade remete-se
ao prprio fato de no haver entre os estudiosos do urbanismo um consenso quanto
densidade ideal. Porm, tais dificuldades no tm impedido de se constatar que tanto a
densidade mdia quanto a densidade bruta das favelas paulistanas sofreram aumento
expressivo, sobretudo durante a dcada de 1980. Afirma a autora que a densidade
demogrfica mdia das favelas do municpio era, em 1987, de 400 habitantes por hectare. Em
1993, observa-se um aumento desta densidade, indicando o processo de verticalizao das
favelas (PASTERNAK, 2004:18). Quanto densidade bruta, para o conjunto das favelas esta
estimada por Pasternak como sendo em torno de 446,2 habitantes por hectare, em 1987,
sendo, portanto, bem mais alta que a densidade bruta para o total do municpio, de 70,76%
habitantes por hectare, e em 1996 de 115,87 habitantes por hectare, para a rea urbanizada
(PASTERNAK, 2004, p.53).
No mesmo estudo Pasternak faz uma anlise da distribuio da populao favelada por bairros
da cidade em 2000, chegando concluso que os bairros com maior concentrao de
populao favelada so os seguintes, por ordem decrescente:
Vila Andrade (Zona Sul) que tem a metade de sua populao favelada;
Pedreira (Zona Oeste) 33,48%
Jaguar (Zona Oeste) - 29,18%
Cidade Dutra (Zona Sul) 21,80
Capo Redondo (Z. Sul) 20,99%
Rio Pequeno (Zona Oeste) 20,52%
Jardim So Luis (Zona. Sul) 19,90%
Jardim ngela (Zona Sul) 19,40%
Graja (Zona Sul) 17.85%
Cachoeirinha (Zona Norte) 17,63%
Brasilndia (Zona Norte) 13,07%
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Para finalizar estas consideraes iniciais, interessante conhecer algumas vises sobre a
pertinncia ou no da adoo da verticalizao como uma sada para solucionar os graves
problemas ambientais e de moradia nas favelas de So Paulo.
Apesar de j haver um consenso11 quanto ao fato de que atualmente a verticalizao de
favelas quase se impe no Municpio de So Paulo, dada as circunstncias j discutidas
anteriormente, percebe-se que ainda h certo dilema quanto melhor modalidade de
interveno nas favelas, pelo menos quando se analisa a literatura que trata da questo.
Afinal, o que se aplica melhor para essas reas e para a populao que nelas reside:
urbanizar ou verticalizar?
Bonduki (1993) afirma que o modelo de interveno ideal para as favelas a urbanizao nos
moldes horizontais, preservando os esforos e cultura da populao residente. No entanto,
reconhece que, em se tratando de assentamentos muito densos e bem localizados na malha
urbana, e que no disponha de rea para a realocao de famlias para desadensamento, a
soluo que resta a construo de um conjunto vertical.
Negrelos (1998), por seu turno, considera as unidades verticalizadas como tipologias
habitacionais que se enquadram na necessidade de pensar e organizar o espao de modo a
otimizar os servios j implantados e democratizar o acesso da populao aos servios e
ao trabalho (NEGRELOS, 1998, p.35). Alm do mais, afirma a autora, essa tipologia
oferece melhores possibilidades de se manter as pessoas no lugar onde j se encontram o
que crucial para manter a identidade da populao e a sobrevivncia da comunidade
(NEGRELOS,1998, p. 224).
Moretti (1993)12, apresenta uma leitura da verticalizao diferente. Opina o autor que, ao
definir critrios de urbanizao para empreendimentos habitacionais com densidades muito
baixas, assume-se um srio nus para os custos das redes e para a infra-estrutura e
superestrutura geral das cidades. Sugere formas de ocupao que combinem densidades
relativamente altas com edificaes evolutivas, descartando a indicao de habitao
11 No captulo 6, no qual so apresentados os dados das entrevistas realizadas, ver-se- que todos desde a
populao at aqueles que ocuparam postos chaves nas gestes analisadas afirmam no ver outra sada para solucionar o problema habitacional em So Paulo que no seja por meio da verticalizao.
12 MORETTI, Ricardo de S. - Critrios para urbanizao de empreendimentos habitacionais, So Paulo, 1993, (Tese de doutorado), EPUSP
29
verticalizada de forma generalizada para populaes de baixa renda, justamente pelo fato
destas no poderem ser ampliadas.
O autor entende a dinmica do adensamento a partir de um conceito de evoluo, o qual
contempla os fatores de crescimento potencial das famlias pela via de casamentos e outros
parentescos que se desenvolvem ao longo da vida. Algo como um potencial de verticalizao,
sirva como exemplo as casas de at quatro pavimentos existentes na favela da rocinha, no Rio
de Janeiro, superpostas, umas s outras, percorrendo ascendentemente o intrincado caminho
do morro. Este potencial procuraria otimizar as interaes com a cidade e seus custos de infra-
estrutura e superestrutura (MORETTI, 1993, p.29).
Do conceito de Moretti (1993), anteriormente apresentado vale ressaltar um aspecto que pode
passar despercebido. O adensamento como incluso. A proximidade dos parentes so
elementos de sociabilidade. As famlias muitas vezes se organizam, seja para a educao de
seus filhos seja para construir a casa onde a filha ir morar com o novo marido, por vezes,
ambos muito jovens. Trata-se de um universo cultural de importante dimenso que no deve e
nem pode, segundo demonstra a anlise que faz o autor, ser brutalmente modificado por uma
paisagem fria que atenda a nmeros mais do que s realidades diversas de habitantes dos
assentamentos informais.
Segundo Bueno (2000), as opes de formas de interveno dependem do contexto
socioeconmico da comunidade a ser atendida e dos condicionantes fsico-territoriais do
assentamento, alm dos condicionantes polticos que tambm so determinantes para a
definio de um projeto. A autora afirma que na administrao de Luiza Erundina, entre 89 e
92, a verticalizao foi utilizada apenas nas favelas que tinha[m] densidade muito alta e
localizao privilegiada na cidade (BUENO, 2000, p. 181) e cita como exemplos: gua
Branca e o Setor Delamare da favela Helipolis. Em Helipolis, um complexo de mais de 5000 moradias, essa obra fazia parte de um projeto mais amplo. A opo foi a verticalizao para manter a densidade e para garantir que as pessoas ficassem no mesmo local da cidade, mantendo-se os laos scio-econmicos j existentes. (BUENO, 2000, p.181)
30
O interesse da presente tese a verticalizao de favelas em So Paulo, resgatando as
experincias em trs momentos: a gesto de Luiza Erundina (1989-1992), as administraes
de Paulo Maluf e Celso Pitta (1993-2000) e, finalmente, a gesto de Marta Suplicy (2001-
2004). Pretende-se entender as semelhanas e especificidades da adoo da modalidade nos
trs recortes histricos, bem como aprofundar a pertinncia e perspectivas dessa alternativa de
interveno em favelas a partir das vises dos agentes envolvidos na sua implantao, assim
como das famlias beneficirias.
A tese est estruturada em seis captulos. No primeiro captulo, discute-se, em linhas
gerais, o percurso da poltica habitacional brasileira, tentando relacionar o surgimento e
evoluo das favelas ineficincia histrica das iniciativas governamentais em responder
as demandas por moradia. No segundo, discute-se o surgimento das favelas em So Paulo;
situa-se a polmica atual sobre o real dimensionamento de favelas e de favelados no
municpio e as caractersticas atuais da populao residente nos assentamentos informais
paulistanos; resgatam-se as posturas do municpio frente ao problema e apresentam-se
posicionamentos recentes de rgos e agncias de cooperao internacional. O terceiro
captulo apresenta a metodologia adotada no estudo, explicitando, alm do objeto,
objetivos e hiptese, o modo de investigao utilizado.
No quarto captulo procede-se um minucioso resgate das experincias de verticalizao de
favelas desenvolvidas em So Paulo desde a administrao Erundina. Identifica-se, neste
resgate histrico, que os trs recortes definidos para o estudo podem ser classificados pelas
caractersticas que a verticalizao assume em cada um deles: a verticalizao como ao
pioneira (perodo Erundina), a verticalizao em larga escala (perodo Maluf/Pitta) e a
verticalizao como modelo emblemtico (perodo Marta).
O quinto captulo situa os estudos de caso analisados: o Conjunto Habitacional gua Branca
(representando o perodo Erundina), o Conjunto Helipolis Gleba A (representando o perodo
Maluf/Pitta) e o Conjunto Residencial Parque do Gato (gesto Marta Suplicy).
O sexto e ltimo captulo apresenta uma anlise comparativa dos casos estudados, a partir das
vises da populao beneficiada e dos demais agentes entrevistados. Procura-se, assim,
resgatar o percurso da modalidade (verticalizao de favelas) por meio das percepes dos
seus impactos evidenciadas nos vrios depoimentos.
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Conclui-se fazendo algumas consideraes sobre os resultados obtidos, relacionando-os tese
inicial que moveu o estudo.
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1 CRISE HABITACIONAL E FAVELAS: BREVE PANORAMA SOBRE A ORIGEM
E CONSOLIDAO EM SO PAULO
Inmeros autores j desenvolveram com bastante propriedade a questo do surgimento e
evoluo das favelas no Brasil13 e, em particular, em So Paulo. Portanto, no ser escopo da
presente tese repetir esse mesmo esforo. Entretanto, uma vez que ser tratada uma das
modalidades mais recentes de interveno nessa realidade a verticalizao de favelas em
So Paulo faz-se de fundamental importncia proceder a uma breve contextualizao do
problema, de forma a situar o prprio estudo.
As diversas anlises sobre a evoluo da favelizao nas grandes cidades brasileiras mostram
que, entre outros fatores, os fenmenos que mais contriburam para esse quadro foram a
falncia do SFH; a inexistncia de uma poltica habitacional voltada s populaes de baixa
renda, incluindo a inexistncia de crditos populao pobre (os praticados so escassos e
no atingem os objetivos); a ausncia de uma poltica fundiria de cunho social e o
agravamento, sobretudo no decorrer das dcadas de 1980 e 1990, das condies
socioeconmicas da populao (reduo dos salrios reais, desemprego, aumento da
informalidade nas relaes de trabalho).
Tentar-se- no escopo deste captulo, alm de contextualizar a evoluo e a ineficincia
das polticas habitacionais de interesse social adotadas no pas, proceder ao resgate de
uma breve histria do surgimento das favelas em So Paulo, tratar da evoluo numrica
das mesmas na paisagem da principal metrpole brasileira e das estimativas atuais do seu
dimensionamento no municpio.
Em seguida, so tratadas as alteraes ocorridas nos padres de habitabilidade da populao
favelada, seja em decorrncia de investimentos pblicos realizados ao longo dos anos, seja
pelo aporte de recursos e esforos dos prprios moradores. Por fim, abordada ainda, neste
captulo, a evoluo das posturas dos gestores que se sucederam frente da Prefeitura
paulistana diante do problema favela e situados alguns posicionamentos de organismos
internacionais como o ONU/Habitat, o Banco Mundial BIRD e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento BID.
13 Dentre tais autores podem ser citados ABREU (1994); PASTERNAK (1997); VALLADARES (1978 e 1980);
PRETECEILLI (1990).
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1.1 POLTICA HABITACIONAL NO BRASIL: PRIMEIROS ENSAIOS, O BNH/SFH E
AS TENDNCIAS RECENTES
1.1.1 O autoritarismo sanitrio
Conforme apontado por Bonduki, a expresso autoritarismo sanitrio est associada s
primeiras medidas adotadas contra as epidemias, no final do sculo XIX. Dentre tais
medidas, todas desprovidas de qualquer preocupao social, destacaram-se as seguintes:
estratgia de controle sanitrio (aes repressivas da polcia sanitria, a exemplo das
intervenes nos cortios de Santa Efignia em 1893), planos de saneamento bsico (que
inclua obras de saneamento, distribuio de gua e coleta de esgoto) e legislao
urbanstica (de controle do uso do solo). Segundo este autor, os agentes da ordem
sanitria no hesitaram em invadir casas, remover moradores (doentes ou no),
desinfetar mveis e objetos pessoais, demolir e queimar casebres, isolar quarteires,
prender suspeitos, atacar focos (BONDUKI, 1999, p.31).
A inteno dos higienistas era a de eliminar os cortios, principalmente aqueles situados em
regies habitadas por setores sociais mais privilegiados da cidade: zona de Santa Efignia
entre os Campos Elsios e a zona central, onde residia a classe mdia e a burguesia cafeeira,
ao esta reforada pela legislao, como o Cdigo de Posturas de 1886, que proibia esta
modalidade de moradia na zona urbana. Foram essas as mais significativas formas de interveno do Estado no setor da habitao at a dcada de 1930. Sob o controle da burguesia cafeeira, o Estado liberal-oligrquico tratou a questo de um ponto de vista sobretudo repressivo, ditado pela ordem sanitria, postura coerente com sua abordagem dos problemas sociais. (...) Ao se tornarem um guia para a ao estatal, as concepes higienistas resultaram em um autoritarismo sanitrio, ou seja, na imposio de uma terapia ao urbano que procurava sanear os males da cidade sobretudo atravs da eliminao dos seus sintomas as moradias insalubres -, nunca questionando suas causas. (BONDUKI, 1999, p.41).
Interessante resgatar, a ttulo de curiosidade, o entendimento que um higienista (engenheiro)
da poca tinha a respeito destas moradias, expresso em pronunciamento realizado por ocasio
do 1 Congresso da Habitao, ocorrido em So Paulo em 1931: Basta visitar as favellas e cabeas de porco da Capital Federal para deste flagello ter-se uma ntida idia. nellas, pode-se dizer que tem incio todas as misrias moraes e materiaes e todos os vcios. Nellas medram a tuberculose, o alcoolismo, ainda ahi que se desenvolvem os baixos instinctos
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(...) As moas, neste ambiente perdem a noo do pudor, e da dignidade. Em resumo, as favellas e as cabeas de porco so as causas directas da desorganizao operria; so um empecilho absoluto ao reerguimento physico e moral da classe operria. Devem ellas ser arrasadas. uma questo de legislao e de tempo (...) (ANNAES, 1931, p.141)
Alm do autoritarismo sanitrio, o que se pode destacar desse perodo que marca o
surgimento do problema habitacional (final do sculo XIX) at a dcada de 1930, a iseno
de impostos para que o setor privado construsse habitaes para o mercado de aluguel
(produo rentista de moradias), o que impulsionou o surgimento das vrias modalidades de
habitaes populares, principalmente as vilas operrias, modelo que atendia tanto as
expectativa dos higienistas, quanto as do poder pblico (BONDUKI, 1999, p.53).
1.1.2 A busca da casa prpria
Durante a ditadura Vargas (1930-45) o tema da habitao social entrou em cena com fora. O
debate higienista passou para segundo plano e surgiram novas preocupaes coerentes com o
projeto nacional-desenvolvimentista da era Vargas. Marcam esse perodo a viso da habitao
como fator econmico na estratgia de industrializao do pas e como elemento fundamental
na formao ideolgica, poltica e moral do trabalhador-padro a ser forjado pelo novo regime
(BONDUKI, 1999).
A busca de alternativas habitacionais para a populao de baixa renda passou a ocupar
as preocupaes dos governantes, sobretudo a perspectiva de oferecer a casa prpria a
essa populao.
Acirram-se as crticas ao modelo produzido pelo mercado rentista (j em crise definitiva),
cujo resultado mais visvel era a habitao coletiva (cortio) e passa-se a defender a
interveno estatal como a sada mais vivel para a produo de moradias dignas para a
classe trabalhadora. As investigaes e reflexes realizadas no perodo estavam
comprometidas com um projeto mais abrangente: Elas proporcionavam o suporte ideolgico para a proposta, ainda no de todo articulada mas j em parte delineada, de transferir para o Estado e para os trabalhadores o encargo de mobilizar os recursos e o esforo necessrio para enfrentar o problema da moradia popular. E isto ia ao encontro de um antigo desejo da elite: eliminar os cortios do centro da cidade e segregar o trabalhador na periferia, reduzindo assim o custo das moradias e ampliando a distncia fsica entre as classes sociais. (BONDUKI: 1999, p. 77)
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Ocorre, portanto, uma mudana na abordagem do problema da habitao: se at 1930 a
questo central era a salubridade das moradias - da os esforos orientados eliminao das
formas coletivas de morar - agora se voltava ateno para a necessidade de viabilizar o
acesso casa prpria. Mas para isso era necessrio baratear este acesso. Duas possibilidades
se destacaram: reduzir os custos da construo, do terreno e da urbanizao (soluo
tcnica) ou viabilizar a ocupao da chamada zona rural, com o rebaixamento do padro
urbanstico (alternativa de localizao urbana). As proposies em debate mostram uma
ntida influncia da poltica habitacional desenvolvida no perodo entre as guerras na Europa. Baratear os custos de produo das moradias ou criar facilidades para o trabalhador construir a casa tornou-se um dos grandes objetivos dos tcnicos sobretudo arquitetos e engenheiros -, que debateram o tema abordando os mais diferentes enfoques: racionalizao e simplificao dos sistemas construtivos, reduo do padro dos acabamentos e dos ps direitos, mudana do cdigo de obras, estandardizao das unidades, normatizao dos materiais, combate especulao imobiliria e viabilizao do acesso periferia. (BONDUKI, 1999, p.89)
O abrandamento das exigncias do Cdigo de Obras e do Cdigo Estadual Sanitrio era uma
reivindicao recorrente, considerada indispensvel no barateamento da construo. Outro
tema abordado com freqncia era a expanso horizontal da cidade e a proliferao de
loteamentos. O combate especulao visava reduzir o preo dos terrenos e, com isto,
facilitar a aquisio do lote ou da casa prpria. (BONDUKI, 1999, p.90-91)
1.1.3 Os primeiros ensaios de uma poltica habitacional: os IAPs e a FCP
Aps a onda sanitarista que vingou at os anos de 1930, aconteceram os primeiros ensaios de
uma poltica habitacional social com o surgimento dos Institutos de Aposentadoria e Penses
(IAPs) e a Fundao da Casa Popular (FCA). Estes foram os primeiros rgos federais que
atuaram no setor da habitao social, inaugurando a atuao do Estado na produo direta de
conjuntos habitacionais e no financiamento de moradias para trabalhadores. Esses rgos
pioneiros tiveram, segundo a viso de vrios autores, uma produo limitada, mas
influenciaram na formulao das diretrizes do BNH, criado em 1964.
A reorganizao do setor previdencirio durante o governo Vargas propiciou vultosos
recursos para o financiamento da experincia estatal de produo de moradias e permitiu que
os institutos fossem, de fato, essenciais para a viabilizao das incorporaes imobilirias,
sobretudo no Rio de Janeiro, onde seus financiamentos possibilitaram o intenso processo de
verticalizao e especulao imobiliria que tomou conta da cidade (BONDUKI, 1999).
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Duas caractersticas marcaram a ao dos institutos: o clientelismo e o corporativismo. A
primeira refere-se aos no raros casos de apropriao privadas dos recursos pblicos e, a
segunda, ao fato de os institutos estabelecerem uma distino entre quem podia e quem no podia ser beneficiado, no pelo aspecto social, mas pela associao a uma corporao. Traou-se, com isso, uma linha divisria entre os cidados com direitos sociais, entre os quais os trabalhadores assalariados, e os subcidados, que no tinham lugar na nova ordem social (BONDUKI, 1999, p.109)
O corporativismo, por seu turno, inviabilizou o Instituto de Servios Sociais do Brasil (ISSB),
institudo no final do governo de Vargas para unificar os IAPs, visando a universalizao do
atendimento e, desta forma, eliminando privilgios de determinadas categorias profissionais,
sobretudo dos servidores da previdncia.
Tais entraves o clientelismo e o corporativismo - levaram inevitavelmente ao
enfraquecimento da ao dos institutos na rea da moradia.
A FCP, criada no perodo do ps-guerra, foi mais uma tentativa frustrada de criao de uma
poltica habitacional anterior ao BNH, e marca o perodo de construo dos grandes conjuntos
dos IAPs, nos quais as moradias eram alugadas aos associados14.
A FCP foi o primeiro rgo criado no mbito federal com a atribuio exclusiva de solucionar
o problema habitacional, porm nos 18 anos de sua existncia produziu apenas 143
conjuntos habitacionais com 18.132 unidades habitacionais, o que, segundo Bonduki,
evidencia as contradies do populismo brasileiro e suas limitaes no setor habitacional. O projeto da Fundao da Casa Popular fracassou porque os grupos sociais que mais seriam beneficiados estavam desorganizados ou desinteressados em ser interlocutores do governo na formulao de uma poltica social, ao passo que os setores que se opunham ao projeto, por interesses corporativos, econmicos ou polticos, agiram com eficincia para desmantel-lo. (BONDUKI, 1999 p. 115)
Assim como os institutos, a FCP ganhou tambm tons clientelistas (que se revelara nos
mecanismos de seleo dos beneficiados e na poltica de distribuio regional) e foi
14 A adoo do aluguel como forma de acesso aos conjuntos produzidos pelos IAPs, atravs do Plano A, mostra
outro aspecto da ambigidade da ao habitacional no perodo. O debate sobre habitao para os trabalhadores durante a ditadura Vargas caracterizou-se por uma preferncia pela casa prpria, postura que se difundiu por vrios segmentos formadores de opinio. A adoo, pelos institutos, da modalidade aluguel surpreende, mas pode ser facilmente entendida. Mostra, na verdade, a clara inteno de preservao do patrimnio e dos recursos previdencirios, pois ao manter a propriedade dos conjuntos habitacionais, os IAPs preservavam e valorizavam um patrimnio que gerava renda de aluguel, transformando-se numa espcie de rentistas estatais. (BONDUKI, 1999, p.106-107).
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prejudicada pelo corporativismo reinante. Os interesses corporativos impediram a unificao
das carteiras prediais, essncia da prpria criao da FCP.
Diversos setores, com interesses corporativos, polticos e econmicos especficos, se opuseram a este projeto, inviabilizando a unificao da previdncia. Depois da deposio de Vargas, no governo Dutra, foi elaborado o anteprojeto da FCP, que originalmente tinha mecanismos que lhe conferiam maior poder e recursos para centralizar e implementar a poltica habitacional. No entanto, os mesmos setores que se opuseram criao do ISSB (Instituto dos Servios Sociais do Brasil) fizeram oposio FCP, esvaziando-a de seu poder potencial para implementar a primeira poltica habitacional integrada em nvel nacional. (BUENO, 1999, p. 13, apud, SOUZA15, 2000, p. 14).
Conclui-se que o Estado, no perodo analisado, fracassou no tratamento da questo da
moradia social, seja em decorrncia das dificuldades de conciliar os divergentes interesses em
cena, seja em conseqncia da maneira fragmentria e descoordenada de agir. Impediu-se,
assim, a gestao de uma poltica habitacional mais ampla que alcanasse resultados prticos
mais expressivos16.
Os fatos positivos resultantes do perodo so: o Estado comear a tomar para si a
responsabilidade de prover habitao para a populao pobre e, no menos importante,
merece destaque positivo tambm as tipologias e as tendncias urbansticas inovadoras
introduzidas pelos conjuntos habitacionais produzidos pelos IAPs, principalmente na sua
primeira fase.
1.1.4 O BNH/SFH: surgimento e crise de uma poltica habitacional
Os esforos de unificao e universalizao do atendimento somente iriam se concretizar por
meio da criao do BNH17, em plena ditadura antipopulista inaugurada em 1964. A exemplo
do que era proposto no governo Vargas, a nova ditadura extingue os IAPs e centraliza a
15 SOUZA, Maria Tereza Xavier. O programa de cooperativas Habtacionais do BNH: o Cooperativismo
inventado, dissertao (mestrado em Arquitetura e Urbanismo), FAU/USP, So Paulo, 1999. 16 A atuao da FCP foi inferior dos institutos. De 1937 a 1964, os IAPs e a Fundao produziram cerca de 140
mil unidades habitacionais, produo considerada irrisria diante da demanda existente. (BONDUKI, 1999, p. 127).
17 A Funo do BNH seria a de estimular o desenvolvimento urbano gerindo os recursos do FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio - que seria criado em 1967 da poupana nacional e de contribuies compulsrias. As operaes de crdito (o BNH no trabalhava com o publico) visava implementao das atividades do Sistema Financeiro de Habitao - SFH e do Sistema Financeiro de Saneamento SFS. Como se pode ver as polticas urbanas e de saneamento no eram coordenadas em conjunto provocando assim um problema que seria parcialmente sanado muitos anos mais tarde.
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previdncia no INPS e, por outro lado, transfere as atribuies das carteiras prediais e da FCP
para o Banco Nacional da Habitao. (BONDUKI, 1999).
Com o BNH inaugura-se, de fato, a primeira poltica habitacional brasileira, porm um
modelo de poltica habitacional, baseado no financiamento ao produtor e no ao usurio
final. Alm disso, uma vez que era tambm um modelo pautado na busca do equilbrio
financeiro do sistema, parcelas considerveis da populao que no dispunha de renda mnima
(ou mesmo de comprovao de renda) para ter acesso ao financiamento, foram totalmente
alijadas. (BONDUKI, 1999).
Vale aqui registrar que a experincia do BNH guarda alguma semelhana com a
poltica habitacional executada na Frana aps a Segunda Guerra Mundial. Ressalte-se,
entretanto, que as prticas e o alcance sejam muito distintos entre os modelos francs e
brasileiro, como afirma Nogueira (2003): Os programas de produo de habitao
social europeus do ps guerra no teriam sido possveis sem o Estado de Bem-estar
com suas polticas de pleno emprego e de previdncia social, que conseguiram
alcanar novas formas de equacionar a capacidade aquisitiva de uma parte significativa
dos trabalhadores com os custos da construo habitacional, viabilizando o consumo
de uma produo de massa. (NOGUEIRA, 2003)
O surgimento do BNH marca tambm o divrcio entre arquitetura e moradia popular, com
graves repercusses na qualidade do espao urbano, segundo afirma Bonduki. Este autor
imputa ao Estado parcela expressiva da responsabilidade pelo desordenamento e feira das
cidades brasileiras: (...) o Poder Pblico, a partir de 1964, financiou uma quantidade extremamente expressiva do espao urbano brasileiro. For