PRÁTICAS INVESTIGATIVAS EM MATEMÁTICA:
UMA PROPOSTA DE TRABALHO NO CURSO DE PEDAGOGIA
ORIENTADOR: Professor Doutor Francisco Cordeiro Filho
Rio de Janeiro
2005
NATERCIA DE SOUZA LIMA BUKOWITZ
Tese apresentada à Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação
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RESUMO
BUKOWITZ, Natercia de Souza Lima. Práticas Investigativas em Matemática: uma proposta de trabalho no Curso de Pedagogia. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
A tese apresenta proposta de práticas investigativas em matemática, no curso de
pedagogia, em duas instituições privadas de ensino superior em Petrópolis (RJ), durante 2003
e 2004. Desenvolveu-se a dinâmica de oficinas, imbricando pesquisa e ensino. Objetivou
intervir sobre concepções e práticas dos participantes, em relação à abordagem ao ensino da
matemática, nas séries iniciais do ensino fundamental. A matriz do referencial teórico
constituiu-se da concepção gramsciana de “filosofia da práxis” articulada à função dos
professores intelectuais transformadores de Giroux. Além disso, fixou bases nos aportes
teóricos do cognitivismo e do interacionismo. O material proveniente de memoriais, de
diálogos estabelecidos nas oficinas, bem como das observações de situações de estágio,
suscitou questões problematizadoras, convergindo para a opção metodológica da pesquisa-
ação. A análise de conteúdo dessas elaborações permitiu depreender significados afetivos que
perpassam concepções dos estudantes-professores sobre a matemática e sobre o ensino e
aprendizado dessa ciência. Culmina analisando os impactos que essas práticas investigativas
em matemática proporcionam às distintas Comunidades de Aprendizagem. Para tanto,
considerou-se a avaliação dos projetos elaborados em ambos os cursos de pedagogia,
posteriormente implementados nas escolas onde os pesquisados atuam. Sobressaiu a
necessidade de mudança das dinâmicas dos cursos de formação de professores e as das
escolas, tanto como a do reconhecimento da viabilidade de propostas semelhantes em
variados contextos, visando à humanização do ensino da matemática.
PALAVRAS-CHAVE: EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. PRÁXIS. INVESTIGAÇÃO. OFICINAS. PROFESSORES TRANSFORMADORES.
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ABSTRACT BUKOWITZ, Natercia de Souza Lima. Investigative Practices in Mathematics: a work proposal at the Pedagogy Course. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
The thesis presents a proposal for investigative practices in mathematics at the pedagogy
course of two private universities in Petrópolis (RJ), during 2003 and 2004. Dynamic
workshops have been developed, imbricating research and education. It objectified to
intervene on the practices and conceptions of the participants’ approach towards the
mathematics teaching related to the first years of elementary school. The matrix of the
theoretical referential is consisted of the gramscian conception of "praxis philosophy"
articulated to the function of the transformer intellectual teachers from Giroux. Moreover, it
fixed its bases at the theoretical contributions of the cognitive theory and of the
interactionism. The material originated from memorials, dialogues established throughout the
workshops, as well as the comments about the training period situations, raised problematical
issues which converged to the methodological option of the action-research. The analysis of
the content of these elaborations allowed the understanding of the affective meanings that
came along with the student-teachers’ conceptions of mathematics, as well as their
comprehension of the teaching and learning of this science. It culminates analyzing the
impacts that these investigative practices in mathematics provided to the distinct Learning
Communities. In this way, the evaluation of the projects elaborated at both pedagogy courses
have been considered together with its subsequent implementation at the schools where the
researched teach. The necessity of changes on the dynamics of the teaching forming courses,
together with those of the schools considered was prominent, as well as it was the recognition
of the viability of similar proposals in diverse contexts, aiming at the humanization of the
mathematics education.
KEYWORDS: MATHEMATICS EDUCATION. PRAXIS. INQUIRY. WORKSHOPS. TRANSFORMER TEACHERS.
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RESUMÉE
BUKOWITZ, Natercia de Souza Lima. Pratiques investigatrices en Mathématique:une proposition de travail dans le Cours de Pédagogie. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
La thèse présente une proposition de pratiques investigatrices en mathématique,
dans le cours de pédagogie, en deux institutions privées d’enseignement supérieur à
Petrópolis (RJ), pendant 2003 et 2004. On a développé la dynamique d’ateliers, imbriquant
recherche et enseignement. L’objectif était d’intervenir sur conceptions et pratiques des
participants, en relation avec l’abordage de l’enseignement de la mathématique, dans les
classes débutantes de l’enseignement fondamental. La matrice du référentiel théorique a été
constitutée de la conception gramscienne sur la “philosophie de la praxis” atriculée à la
fonction des professeurs intellectuels transformateurs de Giroux. En outre, elle fixa des points
d’appui aux apports théoriques du cognitivisme et de l’interactionnisme. Le matériel
provenant de recueils, de dialogues établis dans les ateliers, ainsi que des observations de
situations de stage, a suscité des questions qui occasionnent des problèmes, convergeant vers
l’option méthodologique de la recherche-action. L’analyse du contenu de ces élaborations a
permis de conclure des significations affectives qui passent outre des conceptions des
étudiants-professeurs sur la mathématique et sur l’enseignement et apprentissage de cette
science. Elle culmine en analysant les impacts que ces pratiques investigatrices en
mathématique proportionnent aux différentes Communautés d’Apprentissage. Pour autant, on
a pris en considération l’evaluation des projets élaborés dans les deux cours de pédagogie,
préparés postérieurment dans les écoles où ceux qui subissent une enquête sont en activité. Il
en est ressorti la nécessité de changer les dynamiques des cours de formation des professeurs
et des écoles, ainsi que de reconnaître la viabilité de propositions semblables parmi des
contextes variés, ayant en vue l’humanisation de l’enseignement de la mathématique.
MOTS-CLEF : ÉDUCATION. MATHÉMATIQUE. PRAXIS. ENQUÊTE. ATELIERS. PROFESSEURS
TRANSFORMATEURS.
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SSUUMMÁÁRRIIOO
1 APRESENTAÇÃO 10 2 MEMÓRIAS DA INFÂNCIA E DA FORMAÇÃO 13
3 FONTES INSPIRADORAS 22
3.1 GRAMSCI: PROFESSORES COMO INTELECTUAIS TRANSFORMADORES 23 3.2 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE MATEMÁTICA 31 3.3 O COGNITIVISMO 41
3.3.1 CONTRIBUIÇÕES DE BRUNER E PIAGET 47 3.3.2 ETNOMATEMÁTICA E PLURALISMO CULTURAL 51
4 A PRÁXIS E A NORMA: O ENSINO DA MATEMÁTICA INSERIDO NESSA DISCUSSÃO 55 4.1 O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E
REDEFINIÇÃO DE CONTEÚDOS MATEMÁTICOS NA ESCOLA 59
4.2 CONTEUDISMO E DIDATICISMO: VISÕES ANTAGÔNICAS OU COMPLEMENTARES DAS LICENCIATURAS? 64
4.3 MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL 67
5 PERCURSO METODOLÓGICO 74
5.1 BASES TEÓRICAS 76 5.2 PRÁTICAS INVESTIGATIVAS EM MATEMÁTICA:
UMA PROPOSTA DE TRABALHO NO CURSO DE PEDAGOGIA 85 5.2.1 OFICINAS 88 5.2.1.1 OFICINA 1: DIVISÃO 89 5.2.1.2 OFICINA 2: SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL 96 5.2.1.3 OFICINA 3: FRAÇÕES 102 5.2.1.4 OFICINA 4: PERÍMETRO E ÁREA 109
5.3 IMPACTO DA PROPOSTA NAS DIFERENTES COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM 119
5.4 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE A INVESTIGAÇÃO 127 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 130 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 134 ANEXOS 140
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Dedico este trabalho
À memória de meus pais:
Ao meu pai, com quem o surpreendente reencontro aconteceu nas páginas das
obras que outrora visitara e sublinhara. São estas mesmas marcas que hoje me comovem,
inspiram meu discurso, orientam minha prática.
À minha mãe, modelo de perseverança e dinamismo, incentivadora maior
dessa minha busca incessante pelo conhecimento e pela superação de obstáculos.
Aos meus filhos:
À Tatiana, exemplo vivo de que dificuldades com a tabuada não constituem
impedimento para que resolva com brilhantismo e maestria os problemas que enfrenta
mundo afora.
À Beatriz, minha “arquiteta predileta”, que se expressando geometricamente,
por meio de desenhos e fotografias, exibe criativamente seus pensamentos, sentimentos e
arte.
Ao André, cuja matemática se manifesta especialmente por meio dos
magníficos sons que extrai de seu violino.
Ao Luiz Alexandre, meu marido, pelo que representa para todos nós de
companheirismo, retidão, força, coragem e determinação.
Aos estudantes de pedagogia, já professores e professoras em escolas do
município de Petrópolis, que se mostrando sensibilizados e envolvidos com esta proposta,
vêm realizando mudanças, ainda que sutis, em prol de um ensino da matemática mais
significativo e humanizado.
A todos os estudantes, crianças, jovens e adultos, que ainda necessitam ser
despertados para o gosto e o encanto de aprender matemática.
7
AGRADECIMENTOS
A todos os mestres que ao longo de minha formação instigaram-me, contribuindo
para que eu me tornasse uma eterna pesquisadora.
Aos colegas, professores e professoras, que comigo se irmanam empenhando-se
como educadores transformadores na luta por uma sociedade mais justa e igualitária.
À Tatiana, pelas oportunas sugestões, pelo estímulo ao enfrentamento dos
inúmeros obstáculos ao longo do percurso.
À Biá, pela irretocável digitação e formatação da tese, pela partilha em cada
momento deste processo, marcado por dores, angústias, alegrias e conquistas.
Aos ilustres professores da banca, pelas inestimáveis ponderações e colaborações
no sentido do aprimoramento do texto:
À professora convidada, Nelly Moulin, que embora não participando da banca,
esteve presente manifestando-se estusiástica e calorosamente a favor da minha tese.
Aos professores André Bessadas Penna-Firme e Ana Canen, pelas palavras
emocionadas e solidárias aos meus principais argumentos.
À professora Estela Kaufman Fainguelernt, pelo incondicional e abalizado apoio,
pela empatia e encorajamento, fortalecendo minhas convicções de que este era de fato o
caminho a ser trilhado.
Ao professor Francisco Cordeiro Filho, por sua postura generosa, tranqüila e
humanitária na condução dos trabalhos.
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“Esqueçam-se de tudo e lembrem-se da humanidade”.
Albert Einstein e Bertrand RusselManifesto Pugwash de 1955.
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1 APRESENTAÇÃO
Representantes da comunidade científica, dentre os quais encontram-se os
fundamentadores desta pesquisa, admitem contemporaneamente que a inteligência humana
dispõe de uma estrutura lógica capaz de ordenar as informações caóticas provenientes da
realidade. Bruner, Piaget e D’Ambrosio sustentam-se no fato de que, enfrentando
permanentemente estados de desequilíbrio, esta estrutura básica da inteligência se amplia
gradativamente ao longo de toda a existência do indivíduo. Para que este processo de
desenvolvimento e de apreensão dos dados da realidade ocorra, conjugam-se não tão somente os
elementos oriundos da razão em sentido estrito, como defendem os racionalistas. Concorrem
outrossim, para a efetivação desta evolução, as mais distintas e variadas formas de racionalidade.
Cruciais para o avanço desta trajetória agregam-se as interações em que o sujeito cognoscente
envolve-se na busca pelo conhecimento; mediatizadas pela atuação dos que desempenham a
função educativa, bem como pelos elementos presentes na cultura onde encontram-se
mergulhados os construtores do conhecimento, essas interações valorizam-se à medida em que
ancoram-se nos desejos, afetos e emoções desses sujeitos.
A proposta das práticas investigativas em matemática, no curso de pedagogia,
emergiu desses aportes teóricos, assumindo as características de uma pesquisa-ação. Isto
porque o contato com os estudantes do curso, no decorrer de sucessivos semestres, vem
mostrando a progressiva deterioração do caráter próprio do ser-educador e especificamente a
redução do repertório de conhecimentos matemáticos indispensáveis aos professores para
promoverem a mediação entre esses conhecimentos e o estudante das séries iniciais do ensino
fundamental.
Nos encontros com os estudantes do curso, dos quais a maioria já exerce o
magistério nas escolas do município de Petrópolis percebia-se além desses aspectos já
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apontados, acentuada incompatibilidade para com as questões matemáticas, o que via de regra
caracteriza o alunado de pedagogia. Sensibilizar estes estudantes para a importância destas
questões, bem como motivá-los para a investigação em matemática tornava-se assim
extremamente instigante e desafiador. O capítulo dois ocupou-se inicialmente em abordar os
memoriais, fontes documentais elaboradas pelos estudantes nas primeiras dinâmicas. Nestes
registros transpareciam as idiossincrasias do grupo em relação à matemática. Eram
dificuldades que remontavam às mais antigas experiências escolares, desvelando assim uma
história que vem se repetindo há muitas gerações.
Desta feita, no capítulo três, Gramsci despontou então como inspirador do
trabalho, cuja finalidade consistia em interromper esta seqüência de repetições. Mesmo
considerando-se o limitado alcance da proposta, valeria à pena investir na ruptura: ainda que
fosse pequena a hipotética parcela das crianças a serem beneficiadas por meio de uma nova
compreensão dos professores sobre a matemática, esse novo olhar adquirido justificaria o
empenho despendido na tarefa. Por conseguinte, tornaram-se indispensáveis à implementação
destas mudanças, o espírito de luta e a visão do intelectual transformador, tal como pensados
por Gramsci. Fez-se necessário buscar nos pesquisados quais as suas concepções sobre a
matemática e seu ensino. Partir desta investigação possibilitou iniciar com o grupo a revisão
dessas antigas concepções, visando reconstruí-las. Os aportes cognitivistas e interacionistas
de Bruner e Piaget fundamentaram este novo caminhar, denunciando porém os obstáculos a
serem enfrentados no cotidiano escolar.
No capítulo quatro, discutir a práxis e a norma impôs-se como fundamental para,
sem deixar de contemplar as prescrições legais, ajustá-las ao necessário entrosamento entre
teoria e prática, conteúdo e metodologia. Desse modo, visualiza-se essa articulação não como
empecilho, mas como possibilidade a ser conquistada no ensino da matemática, em todos os
níveis, da Educação Infantil à Universidade.
11
As oficinas, narradas no capítulo cinco, constituíram-se o “cérebro” desta
investigação. Daqueles momentos, marcados pela abertura ao diálogo, emergiram as
temáticas mais complexas e polêmicas dos conteúdos curriculares da matemática básica:
sistema de numeração decimal, divisão, frações e perímetro e área. Os registros dessas
oficinas mantiveram-se íntegros, preservando-se a vivacidade e expressividade cognitivo-
afetiva dos atores envolvidos nesse processo de ensino e de pesquisa. Além disso, nessas
narrativas procurou-se valorizar as relações dos temas com a sua historicidade, vinculando-a
com a respectiva estratégia de ensino dos temas em questão. Este capítulo culmina,
analisando à luz dos projetos já realizados na comunidade, os impactos que as práticas
investigativas em matemática, no curso de pedagogia, proporcionam às distintas
Comunidades de Aprendizagem para as quais se voltam.
12
2 MEMÓRIAS DA INFÂNCIA E DA FORMAÇÃO
Esta obra pretendeu delinear percursos, apontar caminhos para o problema que vem
atingindo a maioria dos estudantes brasileiros, em relação ao aprendizado da matemática.
Foram expectativas cujas raízes se prendem às vivências e indagações de sua idealizadora,
desde a infância, quando freqüentava os primeiros bancos escolares de uma escola pública,
até o presente enquanto professora de Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática,
bem como de disciplinas ligadas à prática e à pesquisa, nos Cursos de Pedagogia de duas
instituições privadas de Ensino Superior.
A abordagem inicial neste trabalho, de cunho investigativo, sustentou-se em
memoriais, não só dos estudantes de pedagogia bem como no da própria autora. Estas
reminiscências encontraram eco e especial valor, quando confrontadas com as recordações de
expressivas personalidades do mundo da ciência e da educação, em relação às aproximações
mais remotas com a matemática escolar. A opção por relatá-las, a partir de Gramsci, explica-
se por ser ele o inspirador maior da realização desta tese: “eu, quando menino, tinha
inclinação muito acentuada para as ciências exatas e a matemática. Perdi-a durante os estudos
ginasiais, porque não tive professores que valessem um pouco mais do que zero à esquerda”1.
Referindo-se a esse fato, Buttigieg (2003, p. 42) destaca: “as escolas que [Gramsci]
freqüentou eram pobres, os professores incapazes e seus métodos pedagógicos péssimos”. Em
carta de 25 de janeiro de 1936 ao filho Giuliano, Gramsci escreveu: “o sistema escolar que
segui era muito atrasado [...]”. 1 Trecho extraído de carta de Gramsci à cunhada Tatiana Schucht, em 9 de abril de 1928.
Minha ciência e meu conhecimento estão subordinados ao meu humanismo. Como educador matemático, procuro utilizar aquilo que aprendi como matemático para realizar minha missão de educador. [...] O aluno é mais importante que programas e conteúdos. Divulgar essa mensagem é o meu propósito como formador de formadores.
Ubiratan D’Ambrosio , 2001, p. 86
13
Analisando em Gramsci as relações entre o conceito de Educação e Hegemonia,
Buttgieg (2003, p. 42) escreve sobre os obstáculos que Gramsci precisou enfrentar para
superar as deficiências das escolas onde estudou. Estas lutas fizeram surgir em Gramsci um
espírito de rebelião contra as elites:
e bem cedo também o convenceram de que a libertação das classes subalternas requeriam um esforço educacional concentrado – um esforço que, de algum modo, superasse os formidáveis obstáculos postos por um sistema educacional público que estava destinado a servir os ricos e perpetuar seu papel dirigente na sociedade.
Em Einstein (1994, p. 36), encontram-se igualmente críticas e questionamentos às
escolas. Para o cientista, a escola não é simples “instrumento para transmissão de certa
quantidade máxima de conhecimento”. São conhecidas as dificuldades com as quais Einstein
se defrontou em matemática, na sua época de estudante. Sobre esta temática, o próprio
Einstein (1994, p. 36) argumenta:
assim, o mais importante método de educação sempre foi aquele em que o aluno é instigado a um desempenho efetivo. Isto se aplica tanto às primeiras tentativas de escrever do menino da escola primária quanto à tese do médico ao se formar na universidade, ou à simples memorização de um poema, à escrita de uma composição, à interpretação e tradução de um texto, à resolução de um problema de matemática [...]
Permeando suas considerações a respeito de educação, Einstein (1994, p. 38 e 39)
enfatiza a importância da autonomia do professor e dos métodos centrados na motivação e na
atividade do discente: “a motivação mais importante para o trabalho, na escola e na vida, é o
prazer no trabalho, o prazer com seu resultado e o conhecimento do valor desse resultado para
a comunidade”. Mais adiante, Einstein acrescenta: “o professor deve gozar de ampla
liberdade na escolha do conteúdo a ser ensinado e dos métodos de ensino a empregar. Pois
também no caso dele, o prazer na elaboração de seu trabalho é destruído pela força e pressão
externas”. As frustrações de Jung como estudante parecem corroborar os argumentos de
Einstein sobre a ênfase na motivação e na participação ativa do discente.
Na primavera de 1957, aos oitenta e três anos, quatro antes de morrer, Jung (1989,
p. 38-39) decidiu escrever sua autobiografia, dedicando um capítulo aos “anos de colégio”.
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Reservou este espaço para tecer críticas não só aos conteúdos programáticos, mas
principalmente aos métodos pedagógicos utilizados no ginásio de Basiléia, onde estudou,
manifestando sentimentos de rejeição e de inferioridade por não conseguir compreender os
mistérios da matemática:
O colégio me aborrecia. Tomava muito tempo do que eu teria preferido consagrar aos desenhos de batalhas ou a brincar com fogo. [...] A álgebra parecia tão óbvia para o professor, enquanto que, para mim, os próprios números nada significavam: não eram flores, nem animais, nem fósseis, nada que se pudesse representar, mas apenas quantidades que se produziam contando. A minha grande confusão era saber que as quantidades podiam ser substituídas por letras – que são sons – de forma que se podia ouvi-las. Para minha surpresa, os outros alunos compreendiam tudo isso com facilidade. Ninguém podia me dizer o que os números significavam e eu mesmo não era capaz de formular a pergunta. Com grande espanto, descobri que ninguém entendia a minha dificuldade. Reconheço que o professor se esforçava consideravelmente no sentido de me explicar a finalidade de singular operação que consiste em transpor em sons quantidades compreensíveis, mediante um sistema de abreviações, de modo a representar numerosas quantidades com ajuda de uma fórmula abreviada. [...] O fato de nunca ter conseguido encontrar um ponto de contato com as matemáticas (embora não duvidasse de que era possível calcular validamente), permaneceu um enigma por toda a minha vida. O mais incompreensível era a minha dívida moral quanto à matemática. [...] As aulas de matemática tornaram-se o meu horror e o meu tormento (JUNG, 1989, p. 38-39).
Contribuindo expressivamente para este fórum de pensadores, merecem registro as
confissões do físico brasileiro Marcelo Gleiser. Professor de física teórica e astronomia do
Dartmouth College, em Hanover (EUA) além de pesquisador da NASA, admite em entrevista
ao jornalista Roberto D’Ávila, no Rio de Janeiro, em julho de 2003: “eu era muito ruim em
matemática até a 7a e a 8a série. Era bom só numa parte da matemática, a geometria. Einstein
também teve problemas com matemática, mas dedicou-se a aprendê-la para desenvolver sua
teoria”.
O desabafo de Paulo Freire no VII Congresso Internacional de Educação
Matemática soma-se a estes expressivos esclarecimentos acerca da relevante problemática do
aprendizado da matemática: “eu não tenho dúvida nenhuma de que dentro de mim há
escondido um matemático que não teve chance de acordar, e eu vou morrer sem tê-lo
despertado”.
15
Tendo em vista tais depoimentos, foi cabível investigar no Curso de Pedagogia o
problema do ensinar e aprender matemática, analisando e cotejando “memoriais de
matemática” dos estudantes do curso com as reflexões da autora da tese:
Reporto-me às salas de aula pouco espaçosas, repletas de alunos. Nas carteiras triplas, danificadas, gastas pelo tempo e uso prolongado, sentavam-se quatro e às vezes cinco alunos. As turmas eram bastante heterogêneas. A carência de recursos era característica forte daquela realidade, quer dos alunos, quer das professoras e da instituição como um todo. Recordo-me da professora da primeira e da segunda série, exigindo a tabuada na ponta da língua, proibindo que contássemos nos dedos para que resolvêssemos nossos cálculos com maior agilidade. Nesta mesma série, cometi um “erro” numa prova que jamais esqueci, o de confundir “retas convergentes com retas divergentes”. Minha lógica infantil era insuficiente para abstrair e distinguir esses conceitos. Na terceira série, a professora dedicava a maior parte do tempo narrando histórias e contos de fadas. Às vezes um pouco de cópia, ditado e lições de história e geografia. A matemática ficava sempre de lado. Minhas concepções acerca do aprendizado de matemática foram assim se estruturando, baseadas em concepções transmitidas por minhas professoras. Estas foram igualmente herdadas, calcadas exclusivamente em repetições e memorizações. Hoje percebo que, tal como aconteceu com minhas professoras, fui vítima, no primário, de um ensino que restringiu minha compreensão e percepção acerca do real significado da Matemática. Mais que isso, vejo com pesar que minha história se reproduz e se confunde com a dos estudantes que oriento. Grande parte desse alunado chega à universidade dizendo “nada saber de matemática”.
(Memorial da autora)
O “nada saber de matemática”, fato perceptível nas turmas que se renovam a cada
semestre no Curso de Pedagogia, revela-se nos fragmentos de memoriais de estudantes de
Pedagogia, transcritos a seguir:
Cheguei ao curso normal sem saber matemática e com muito medo da matéria. Foi um horror! (estudante A, 2003)
Muita coisa que vi na matemática foi decorado. (estudante B, 2003)
Quando criança, não conseguia dividir, só mais tarde fui aprender o mecanismo dessa operação. (estudante C, 2004)
A pior etapa da minha vida foi quando comecei com a tabuada. O que mais me assusta é a conta de dividir com dois números. Ainda tenho dificuldade em resolvê-la. (estudante D, 2004)
Tais registros refletem o despreparo e, na maioria dos casos, o descompromisso
dos professores com questões fundamentais da educação matemática. No Ensino Infantil e
Fundamental, o grande contingente representado por docentes que tiveram sua formação nos
antigos cursos Normais ou Formação de Professores admite ter havido lacunas substanciais
em sua formação. Em contrapartida, professores que saem dos cursos de licenciatura
16
igualmente se deparam com obstáculos no momento em que necessitam promover a
aproximação dos alunos com o conhecimento.
Estatísticas recentes realizadas para avaliar o desempenho dos estudantes
brasileiros corroboram estas afirmações: de acordo com os resultados do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, 2001), o Brasil aparece em último lugar.
“O aluno conhece o conteúdo das matérias, as regras gramaticais, as fórmulas matemáticas,
mas não consegue elaborar um problema ou redigir um texto”, afirma Sylvia Gouvêa,
membro do Conselho Nacional de Educação, entrevistada por Veiga (2001, p. 48).
Estas discussões levam a crer na urgência do deslocamento do foco das
licenciaturas para o constante entrosamento entre formação, prática e pesquisa (TARDIF,
1999) e no processo continuado do desenvolvimento profissional dos professores, o que
Garcia (1997, p.55) conceitua como “uma valorização dos aspectos contextuais, organizativos
e orientados para a mudança”. Este autor defende a adoção de uma perspectiva dialética
afirmando que as escolas não podem mudar sem o compromisso dos professores e que estes
não podem mudar sem o compromisso das instituições em que trabalham, pois as escolas e os
sistemas são interdependentes e interativos. A educação só pode reformar-se transformando as
práticas que a constituem.
Em recentes publicações especializadas na área de educação, é possível encontrar
propostas pedagógicas consideravelmente inovadoras. Trata-se, aqui, em especial, das
Comunidades de Aprendizagem, o que Imbernón (2003, p.14) define como: “processo de
inovação, que leva os professores e as professoras de uma escola a um trabalho de pesquisa-
ação, com a finalidade de elaborar um novo projeto educativo comunitário”. Percebe-se, nessa
idéia das Comunidades de Aprendizagem, que não há um caminho único para transformar
contextos escolares e que essa busca deve surgir dos grupos inseridos naqueles contextos.
Comunidades de Aprendizagem, conceito aplicável a universos que se estendem da sala de
17
aula à sociedade, diverge em essência de grande parte do que vem ocorrendo no cenário
educacional da contemporaneidade, como apontado por Brzezinsk e Garrido (2001, p. 95), em
pesquisa abrangendo setenta trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho de Formação de
Professores, durante as reuniões anuais da ANPEd, no período de 1992-1998: “apesar dos
contínuos aportes visando à melhoria dos cursos de formação inicial dos professores, esses
cursos têm sido continuamente questionados”. Além disso, os dados analisados revelaram não
apenas “o predomínio de práticas fundadas na concepção de ensino como transmissão” como
também “a existência de contradições entre a proposta curricular e as práticas de formadores e
de licenciandos” (2001, p. 84).
Essas referências servem para mostrar os desníveis observados em diferentes
realidades: embora se reconheça a enorme variedade e fecundidade de idéias publicadas sobre
a temática educacional, detecta-se nas universidades e nas unidades escolares a predominância
de uma pedagogia bastante conservadora que “enfatiza a técnica e a passividade” (GIROUX,
1997, p.33).
Tais observações levam a pensar que a universidade brasileira cumpre apenas
parcialmente sua função socializadora do conhecimento. Nos cursos que formam os
professores da Educação Básica, encontram-se por vezes também ali incomensuráveis
contrastes e injustiças. Últimos resultados da Avaliação do SAEB e ENEM (MEC, 2001)
demonstraram que os estudantes estão concluindo cursos do Ensino Fundamental e Médio
sem dominar conhecimentos básicos desejáveis para aqueles níveis de ensino, principalmente
em Língua Portuguesa e Matemática. Julga-se que a universidade, como bem expressa o
termo, deveria estar voltada para um universo cada vez mais amplo, atendendo às reais
necessidades da população, da comunidade como um todo. A produção daí advinda,
predominantemente voltada para si mesma, carrega “o ranço iluminista, que nos faz
autoritários porque cheios de certezas e convencidos de impor aos outros as nossas certezas”
18
(GARCIA, 2001, p. 53). Peter McLaren (1997, p. XVIII) assinala que “a pesquisa acadêmica
é cada vez mais escrita para os colegas, e não para o público em geral, e é julgada pelo rigor
empírico de seus argumentos e pelo conceito (mal empregado) de neutralidade científica”.
Parece que a tentativa de inserir gradativamente a universidade nas carências e
interesses da comunidade tem se consolidado apenas em iniciativas de grupos isolados, como
a relatada sobre Comunidades de Aprendizagem e, na letra dos mais contemporâneos
documentos legais (LDB, Lei 9394/96, Res. do CNE/CP no 1 de 18/02/2002, Res. CNE/CP no
2, de 19/02/2002). Nestes textos, nota-se uma característica comum: a de enfatizar e
considerar a prática como o espaço de validação da teoria. Neste sentido, a universidade
ocupando o lugar da formação dos professores, seria espaço para reconhecimento dos saberes
que partindo da prática, vão à teoria e retornam à prática.
Por conseguinte, saber da existência dos limites que impedem o desenvolvimento
profissional do grupo ao qual se pertence é um dos fatores importantes para dar início a um
processo de mudança. Constitui um desafio capacitar professores visando à ressignificação de
conceitos e à alteração das práticas docentes de matemática, no Ensino Infantil e nas séries
iniciais do Ensino Fundamental. Serrazina (2003, p. 67) defende que
os futuros professores devem, eles próprios, viver experiências de aprendizagem em matemática do tipo das que se espera que venham a proporcionar aos seus alunos, envolvendo-se nomeadamente, em atividades de resolução de problemas e de investigação em matemática.
As teses de Serrazina remeteram a buscar responder se, considerando-se as
limitações da formação, bem como as exigências prescritivas da legislação em vigor, seria
viável desenvolver, no Curso de Formação de Professores, práticas investigativas em
matemática, apresentadas neste trabalho sob a forma de oficinas.
Discutir e apresentar propostas para a problemática encerrada no questionamento
precedente constituiu-se na temática desta pesquisa. Isto porque as fragilidades do sistema
educacional brasileiro acumulam-se predominantemente sobre os obstáculos ao aprendizado
19
da matemática. Resultados obtidos a partir das avaliações do SAEB (2003) revelaram que
53,32% dos estudantes, ao concluírem a 4a série do Ensino Fundamental, apresentam
deficiências nos cálculos com as quatro principais operações matemáticas (adição, subtração,
multiplicação e divisão) além de demonstrarem dificuldades para resolver problemas
rudimentares.
Na universidade e nos demais espaços de formação são discutidos os equívocos e
exageros conteudísticos que foram, aos poucos, se incorporando aos currículos de matemática
(D’AMBROSIO, 2001). Revestem-se de igual importância discussões como as de Tardif
(1999) sobre a complexa tarefa de modificar crenças aprendidas por profissionais do ensino
durante sua longa permanência no contexto escolar. São anos que se estendem desde a mais
tenra infância e se prolongam até a fase profissional, servindo de parâmetros para práticas
futuras. Tardif argumenta que o que se consolidou naqueles tempos anteriores à formação
profissional, se “transforma muito cedo em certezas profissionais, em truques do ofício, em
rotinas, em modelos de gestão da classe e de transmissão da matéria” (TARDIF, 1999, p. 20).
Dos professores que buscam a graduação em pedagogia, considerável parcela já
leciona para crianças e adolescentes de escolas públicas. Tem-se observado que estes
professores vivenciam uma prática ainda bastante heterônoma, presa a normas de uma
disciplina estanque, a livros didáticos, programas e a procedimentos burocráticos (NÓVOA,
1997; POPKEWITZ, 1987). Relatos desses professores sobre como conduzem suas aulas, tal
como registrado em memoriais e diários reflexivos, fazem emergir os encaminhamentos para
que esses profissionais futuramente se tornem capazes de elaborar e de criar soluções próprias
para problemas específicos e contextuais da prática docente. É preciso, no entanto considerar
conforme indica Nóvoa (1997, p.27), que “a retórica atual sobre o profissionalismo e a
autonomia dos professores é muitas vezes desmentida pela realidade, e os professores têm a
20
sua vida cotidiana cada vez mais controlada e sujeita a lógicas administrativas e a regulações
burocráticas”.
Estas considerações apontaram para a premência da realização de um trabalho que
visasse transformar práticas arraigadas, tidas como “seguras”, propondo caminhos, talvez
ousados porque inovadores, nos espaços onde pôde se desenvolver, admitindo-se como
possível a sensibilização dos professores para a mudança, e foi desta perspectiva que
procederam os seguintes objetivos:
• Propor estratégias pedagógicas direcionadas para a reflexão e a investigação em
matemática, no curso de pedagogia.
• Operar mudanças na prática docente de matemática do grupo de pesquisa.
Dessa forma, o estudo se desenvolveu contemplando a atuação do professor do
curso de pedagogia em interação com estudantes/docentes do Ensino Infantil e Fundamental.
As atitudes destes grupos, percebidas como interdependentes, submeteram-se a um processo
investigativo, gerador de inovações à formação de um professor generalista, que é também
professor de matemática. Pretendeu-se que tais inovações repercutissem positivamente na
construção dos conceitos matemáticos do alunado de pedagogia, bem como no dos estudantes
das escolas públicas onde estes pesquisados lecionam.
21
3 FONTES INSPIRADORAS
É essencial a compreensão de todo um processo sócio-histórico e cultural para que
sejam transformadas práticas instauradas há muitas gerações. O início da globalização,
processo dinamizado pelas grandes navegações, fez com que os conquistadores impusessem
aos conquistados seus modos de lidar e interpretar a realidade, colocando os conquistados em
situação de inferioridade. No sistema escolar, um encontro cultural similar se verifica quando
o aluno, oriundo de raízes culturais distintas, se depara com a cultura da escola, com a qual o
professor se identifica (D’AMBROSIO, 2001). Para evitar que essa dinâmica se converta,
perversamente, num exercício de poder e de exclusão do dominado, Zeichner (1997, p. 129)
propõe um trabalho integrador entre escola e comunidade, fundamentado em “sensibilizar
professores para valores, tipos de vida e culturas diferentes das suas, e em desenvolver o
respeito pela diversidade humana”. Esta é uma questão complexa e relevante num país como o
Brasil, caracterizado por vastíssima extensão territorial e pluralidade cultural. Paulo Freire
(1970, p. 39) há muito compreendeu toda essa complexidade, alertando para a necessidade da
libertação da força domesticadora dessa realidade opressora:
...a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtos desta realidade e se esta, na ‘invasão da práxis’, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora, é tarefa histórica, é tarefa dos homens.
Em relação à atuação dos docentes, Tardif (2002, p. 239) comungando em parte
com as idéias de Freire, propõe uma expressiva alteração nas concepções e nas práticas de
pesquisa atualmente em vigor. Essas novas formas de pesquisa (pesquisa-ação, pesquisa
colaborativa, pesquisa em parceria), possibilitam aos professores de profissão “se apropriarem
A escola criadora indica uma fase e um método de investigação e de conhecimento, e não um “programa” pré-determinado.
Antonio Gramsci, 1978, p. 124
22
da pesquisa e aprenderem a reformular seus próprios discursos, perspectivas, interesses e
necessidades individuais ou coletivas em linguagens suscetíveis de uma certa objetivação”.
Sendo assim, as noções de autonomia2 e de cidadania3 agregam-se às proposições de
Freire e de Tardif elegendo-se como os pressupostos básicos para a viabilização das metas
traçadas nesta pesquisa. Para tanto, buscou-se dialogar com educadores tais quais Ferreira
(1993), Garcia (1997) e Nóvoa (1997) que igualmente centralizam suas atenções para a
mesma temática. As teses de Ferreira (1993) são essenciais à estruturação desta proposta,
sobretudo porque propugnam o conhecimento intelectual como suporte para a formação da
cidadania. Ferreira (1993, p. 222) sustenta que “o próprio professor precisa romper com sua
leitura superficial da sociedade”, necessitando “mergulhar em um oceano de saberes”. Garcia
(1997, p. 59) chama a atenção para “uma elaboração pessoal do professor ao confrontar-se
com o processo de transformar em ensino o conteúdo aprendido durante o seu processo
formativo”. Para Garcia (1997, p. 59), “a atividade docente se sustenta na capacidade de
tomar decisões e de as justificar”, argumento que confere importância ao tema da autonomia.
Complementando este raciocínio, Nóvoa (1997) distingue o exercício autônomo da profissão
como parte do desenvolvimento de uma nova cultura profissional dos professores.
3.1 GRAMSCI: PROFESSORES COMO INTELECTUAIS TRANSFORMADORES
O substrato da noção práticas investigativas, hoje oficializada na legislação de
ensino como atividades embrionárias de pesquisa, originou-se em Dewey, desenvolvendo-
se posteriormente com Zeichner (1997). Contribuindo para a evolução dessa noção, tem-se
com Imbernón (2001, p. 74) “a defesa de um modelo investigativo ou de pesquisa”
2 Para Piaget (1976), a autonomia é o último estágio evolutivo de desenvolvimento moral, independe de uma vontade exterior, manifesta-se por meio de uma relação de respeito mútuo entre companheiros ou iguais. 3 Em Gramsci, a noção de cidadania emana da “filosofia da práxis”, “a atividade teórico-prática que proporciona a todos a possibilidade de compreender e decidir a respeito do mundo em que se vive” (SEMERARO, 2001, p. 96). Seguindo Gramsci, Freire (1997) considera cidadão aquele que não apenas está no mundo, mas intervém sobre ele.
23
estrategicamente essencial à formação do professor. Caracteriza-se como um processo em que
os próprios professores “problematizam temas de sua prática, a partir das observações e reflexões
sobre suas ações” no cotidiano escolar, buscando eles mesmos encontrar soluções para os
problemas do ensino – e é justamente essa concepção que se encontra presente na Res. CNE/CP
no 1, de 18/02/2002 em seus Artigos 3o, inciso III e 13, § 1o, bem como em teses centrais do
pensamento de Gramsci.
Desta forma, elegeu-se Gramsci – italiano nascido na Sardenha, em 1891, e morto
em Roma em 1937 – como referencial dorsal mais abrangente, fonte de inspiração mais ampla
deste trabalho, porque as idéias desse filósofo, identificadas com a filosofia da práxis4, estão
harmonicamente alinhadas com a essência dessas práticas investigativas, norteadoras de uma
escola não tão somente reprodutora, mas sobretudo transformadora da sociedade. O autor é
grande defensor do que se poderia chamar de concepção ativa ou ativista da educação:
noutras palavras, ele relacionava a educação não com a recepção passiva da informação e o refinamento solitário de uma sensibilidade individual, mas com o poder transformador das idéias, a capacidade de produzir a mudança social radical e construir uma nova ordem através da elaboração e da disseminação de uma nova filosofia, uma visão alternativa do mundo (BUTTIGIEG, 2003, p. 45).
Para Gramsci (1978), a instituição escolar pode, em determinadas condições,
propiciar esclarecimentos que contribuiriam para a elevação cultural das massas. Esta seria a
dimensão pedagógica do pensamento político de Gramsci (1978, p. 8) no qual sobressai a
ação dos intelectuais orgânicos5. A função desses intelectuais consistiria, então, em forjar os
vínculos entre teoria e ideologia, criando uma passagem, em ambas as direções, entre o senso
comum e a consciência filosófica, pois:
O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor permanente’, já que não apenas orador puro – e superior, todavia, ao espírito matemático abstrato: técnica-trabalho, eleva-se à técnica-
4 Para Gramsci, a “filosofia da práxis” consiste numa “atividade teórico-prática que proporciona a todos a possibilidade de compreender e decidir a respeito do mundo em que se vive” (SEMERARO, 2001, p.96). 5 [Para Freire] “os intelectuais são orgânicos no sentido de que não são membros externos que trazem a teoria às massas. Pelo contrário, eles são teóricos organicamente mesclados com a cultura e atividades práticas dos oprimidos” (GIROUX, 1997, p. 154).
24
ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual se permanece ‘especialista’ e não se chega a ‘dirigente’ (especialista mais político).
O estudo da função política dos intelectuais levou Gramsci a distinguir duas
categorias: os intelectuais orgânicos, necessários a qualquer classe progressista em processo
de organização de uma nova ordem social, e os intelectuais tradicionais, aqueles
comprometidos com uma tradição que remonta a um período histórico mais antigo.
Giroux (1997) apresenta uma reformulação dos papéis destes intelectuais, dentro e
fora da universidade, atribuindo aos intelectuais orgânicos conservadores o encargo de
proporcionar às classes dominantes a manutenção do “status quo”. Estes agiriam propagando
suas ideologias e valores oferecendo aos governantes os fundamentos econômicos, políticos e
éticos. Giroux, interpretando Gramsci acerca dos intelectuais orgânicos conservadores,
afirma que estes podem ser encontrados em todas as estratificações da sociedade industrial
desenvolvida, quer nas indústrias, nas universidades, na indústria cultural e nas diversas
formas de administração. Aos intelectuais orgânicos radicais caberia o papel de igualmente
fornecer as habilidades políticas e pedagógicas para desenvolver, na classe trabalhadora, a
liderança e o envolvimento na luta coletiva. Gramsci (1978, p. 7) ressalta porém que “todos
os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham
na sociedade a função de intelectuais”, enquanto membros orgânicos comprometidos com a
realidade da classe em referência.
Nesta discussão, sobressai a noção de que existem diferentes níveis de
intelectualidade, sendo assim, nem todos os humanos se desenvolvem a ponto de exercê-la no
sentido da transformação. Gramsci (1978, p. 8) enfatiza que esse grau de intelectualidade
pode ser alcançado por meio de “uma atividade prática geral que inova continuamente o
mundo físico e social”, ênfase que caracteriza sua concepção de práxis. Esta perspectiva
gramsciana coloca a escola como locus privilegiado de formação dos intelectuais, tese
25
defendida pelo autor na obra já mencionada, quando destaca a relevância da qualidade aliada
à quantidade das instituições preparadoras dos intelectuais:
A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a “área” escolar e quanto mais numerosos forem os “graus verticais” da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado. [...] O país que possuir a melhor capacitação para construir instrumentos para os laboratórios dos cientistas e para construir instrumentos que fabriquem estes instrumentos, este país pode ser considerado o mais complexo no campo técnico-industrial, o mais civilizado, etc. Do mesmo modo, ocorre na preparação dos intelectuais e nas escolas destinadas a tal preparação; escolas e instituições de alta cultura são similares. Neste campo, igualmente, a quantidade não pode ser destacada da qualidade (GRAMSCI, 1978, p. 9).
Identificar-se com as teses de Gramsci tornou-se crucial para o encaminhamento
desta pesquisa porque, tal como ele, concebe-se a função transformadora da sociedade como
tarefa pertinente à ação política dos professores. Giroux (1997, p. 187) cunhou o termo
intelectual transformador, diferindo da noção gramsciana de intelectuais orgânicos radicais:
“os intelectuais transformadores podem fornecer a liderança moral, política e pedagógica para
aqueles grupos que tomam como ponto de partida a análise crítica das condições de opressão”.
Giroux convida os professores a “criarem as condições que dêem aos estudantes a
oportunidade de tornarem-se cidadãos que tenham o conhecimento e coragem para lutar, a fim
de que o desespero não seja convincente e a esperança seja viável” (p. 163). Baseando-se em
Gramsci, Giroux defende um projeto no qual os professores como intelectuais transformadores
ultrapassem em seu trabalho “os contornos limitantes de suas disciplinas e dos sistemas de
recompensa que se tornaram os únicos referenciais da atividade intelectual” (p. 188).
A partir da década de 90, emergiram das mais variadas direções do mundo
industrializado, movimentos em defesa do profissionalismo do professor. Dentro dessa noção
de profissionalismo, agregam-se qualidades vinculadas à titulação, ao melhor preparo e ao
domínio das competências necessárias à melhoria do ensino. Cumpridas essas exigências, o
professor estaria apto a promover, de forma eficaz, a aprendizagem de seus alunos, fazendo
26
assim jus a melhores salários. No Brasil, a legislação de ensino (Lei 9394/96) tem procurado
contemplar todos esses fatores, buscando elevar a formação do professor ao nível superior.
Dadas as dimensões continentais do país e devido à incapacidade momentânea do
Estado de oferecer essa possibilidade de aperfeiçoamento a todos os professores em exercício,
compreende-se a lentidão desse processo e dos resultados positivos que poderiam daí advir.
Sabe-se, no entanto, que mesmo em regiões privilegiadas do planeta e mesmo nas regiões
mais desenvolvidas do Brasil, melhores salários e maior capacitação não garantem e nem se
constituem em fatores exclusivos e determinantes do êxito da aprendizagem escolar (SAEB,
2003).
Fundamentando-se em Gramsci (1978), para quem a sociedade é uma grande escola,
credita-se ao professor a responsabilidade de, na condição de “dirigente” e de “intelectual
transformador”, assumir as rédeas da mudança a partir da escola. Esta missão se amplia
quando se consideram as contingências decorrentes das desigualdades sociais e da injusta
distribuição de renda, presentes na realidade brasileira. As carências de recursos materiais e
de bens culturais, das quais padece a maior parte da população, constituem-se em notórios
impedimentos que potencializam as falhas do sistema educacional, questões essas bastante
contempladas nas preocupações fundamentais de Gramsci, conforme anuncia Buttigieg (2003,
p. 48):
as disparidades entre a educação recebida pelas classes privilegiadas, por um lado, e os setores desfavorecidos da população, por outro; as conseqüências da crescente especialização na educação; o abismo que separa os intelectuais do povo e a “ciência” da “vida”; noutras palavras, o conjunto das relações que constituem a hegemonia.
O processo de mudança se torna extremamente complexo porque os próprios
professores, em maioria, integram esse contingente dos que não têm acesso a esses mínimos
recursos para viver com dignidade. Nesta perspectiva, inspirar-se em Gramsci, cuja história
de vida é pontuada por limitações e superações, impõe-se como fundamental. Seguir Gramsci
é defender a luta e o engajamento, ações que transcendem o profissionalismo, conforme vem
27
sendo defendido na última década por pensadores, dentre os quais: Popkewitz (1987); Garcia,
Nóvoa e Schön (1997) e Tardif (1999 e 2002). Na tese aqui apresentada, pensa-se além desse
nível de discussão, conferindo-se ao espírito de luta a essência do profissionalismo, o que, no
caso da educação, desencadearia o rompimento do círculo fechado das estruturas
contingenciais do mundo do consumo, forjadas pelo capital, fortalecedoras da segregação e da
estratificação social.
O que leva intelectuais, educadores, políticos, integrantes de movimentos sociais brasileiros e latino-americanos a procurar inspiração em Gramsci no mundo pós-industrial, em tempos que declaram o fim do sujeito e da história?
Qual é a proposta de Gramsci para os que estão submetidos ao terrorismo financeiro e se sentem a reboque de um processo de globalização que provoca a erosão de garantias sociais, desintegra culturas, identidades étnicas e políticas?
Estes questionamentos assim formulados por Semeraro (2003, p. 261) adequaram-
se ao que vem sendo discutido ao longo deste trabalho porque sinalizaram para a atualidade,
originalidade e viabilidade das propostas de Gramsci mediante um “sistema de poder
aparentemente inexorável e imbatível”, vigente em “províncias do capitalismo global”.
Apropriando-se das idéias de Gramsci, Semeraro (2003, p. 262), sem deixar de reconhecer os
perigos emanados da “velocidade vertiginosa da globalização”, tais quais “a ocultação das
desigualdades” e “a despolitização das relações econômicas”, sublinha que a reversão desse
processo encontra embasamento na
insistência de Gramsci na formação de intelectuais e organizações populares capazes de perceber, por trás da retórica, do jogo de imagens e simulacros, as forças que sustentam o sistema corporativo dominante e os movimentos de ruptura que operam, local e mundialmente, para a criação da “sociedade regulada” (SEMERARO, 2003, p.262).
Além disso, é válido registrar a forma como Semeraro enaltece em Gramsci (CC,
2, 231) a busca pela renovação do marxismo por meio do resgate à originalidade da filosofia
da práxis, “consciência plena das contradições” e “caminho totalmente novo” para
potencializar novos grupos ético-político-progressistas, “tendente[s] a unificar toda a
humanidade” (CC, 2, 231). Em seu artigo, “Tornar-se ‘dirigente’. O projeto de Gramsci no
mundo globalizado”, Giovanni Semeraro alude à educação, afirmando que: “a democracia,
28
para ser verdadeira e hegemônica6, deve promover a gestão realmente popular, educando os
cidadãos para se tornarem dirigentes de uma ‘sociedade regulada’ (ou Estado ético ou
sociedade civil)’ ”(CC, 3, 244). Paulo Freire é lembrado pelo autor para destacar a
importância “da mediação política” pela qual “o povo se alfabetiza, se educa, adquire
condições para esboçar novos projetos de sociedade” (SEMERARO, 2003, p. 264). Remete-
se a trabalhos anteriores nos quais mostra que
para Gramsci, a intervenção ativa de grupos e de organizações populares não apenas recria continuamente o valor do público e submete o Estado e a economia ao controle democrático, mas revoluciona também os paradigmas epistemológico-científicos e impulsiona a capacidade produtiva de um país inteiro.
Tais considerações justificam e fazem retornar a menção às Comunidades de
Aprendizagem, concepção utilizada por Imbernón e já mencionada no início desse capítulo.
A visão de Imbernón, da mesma forma que a metodologia da pesquisa-ação proposta por
Thiollent (2002) e Morin (2004), é compatível com a filosofia da práxis. Interessante
assinalar que o pensamento de Gramsci encontra-se na gênese da noção da pesquisa-ação,
conforme explicitado por Thiollent (2002, p. 92): “os intelectuais ensinam às massas e as
massas ensinam os intelectuais. Desta troca, nos planos investigativo e pedagógico, resultaria
uma contribuição à transformação cultural e política”.
Giroux (1997) destaca-se dentre os teóricos da contemporaneidade que discutem
criticamente a obra de Gramsci. Seu enfoque epistemológico sustenta-se numa visão de
história não determinista, nem repetidora do passado e do presente: esta perspectiva
esperançosa de futuro manifesta-se como possibilidade a ser construída por homens e
mulheres cujas subjetividades se afirmam intervindo sobre forças culturais, políticas e sociais
do mundo em que vivem. Ultrapassando premissas marxistas e gramscianas, Giroux se
contrapõe ao posicionamento dos intelectuais, seja o dos conservadores, seja o dos radicais, 6 A civilização burguesa moderna, na visão de Gramsci, se perpetua através de operações de hegemonia – isto é, através das atividades e iniciativas de uma ampla rede de organizações culturais, movimentos políticos e instituições educacionais que difundem sua concepção do mundo e seus valores capilarmente pela sociedade. [...] A hegemonia, tal como Gramsci a concebe, é uma relação educacional (BUTTIGIEG, 2003, p. 46).
29
por entender que suas prioridades “são muitas vezes desmentidas pela desigualdade e
hierarquia na raiz das ideologias por eles tão estimadas” (MCLAREN, 1997, p. XII).
Nesta tese, a contribuição teórica da obra de Giroux (1997 e 2003) consubstancia-
se pelo que representa de avanço, renovação e atualização do pensamento de Gramsci,
trazendo-o para os dias de hoje, viabilizando-o em projetos pedagógicos hodiernos.
Formulações teóricas de Gramsci sofrem, à luz das análises e interpretações de Giroux,
adaptações contextualizadas às características da sociedade pós-industrial, articulando-as com
idéias de diferentes correntes filosóficas.
Em Atos Impuros, Giroux (2003) combate a “despolitização pedagógica”, fruto de
ideologias redutoras da aprendizagem escolar a um processo meramente “neutro” e
“objetivo”, resultante exclusivamente da assimilação de métodos e técnicas de ensino. Este
exacerbado tecnicismo, alvo do discurso contra-hegemônico de Giroux, tem caracterizado
fortemente o ensino da matemática, objeto deste estudo. Além de opor-se ao tecnicismo,
Giroux critica enfaticamente o fato de o conhecimento ter se transformado em “moeda de
consumo”, uma forma de promover o sucesso pessoal para garantir um lugar no “mercado”,
em vez de contribuir para a emancipação do ser humano, visando a coletividade. Para
sublinhar esse aspecto, na mesma obra (p. 149) são reproduzidas de Gramsci as seguintes
anotações:
Criar uma cultura não significa apenas realizar descobertas originais individualmente. Significa também, e especialmente popularizar, de forma crítica, certas verdades já conhecidas, torná-las sociais, por assim dizer, conferir a elas consistência de base para ações vitais, torná-las elementos coordenadores de relevância intelectual e social (Selections from the Prison Notebooks).
A proposta de Giroux (1997, p. 200) fundamenta-se na crítica a um conjunto de
“práticas que enfatizam aspectos metodológicos imediatos e mensuráveis da aprendizagem”.
Estas práticas, caracterizadas por ausência de questionamentos referentes à “natureza do
poder, ideologia e cultura”, são campos férteis e veículos fáceis para propagar o pensamento
30
hegemônico por elas difundido. Como alternativa para estes desvios, Giroux (1997, p. 136)
concebe uma pedagogia crítica que assume a forma de uma política cultural:
Queremos remodelar a educação docente como projeto político, como uma política cultural que defina os professores em formação como intelectuais cuja vontade estabeleça espaços públicos nos quais os estudantes possam debater, apropriar-se e aprender o conhecimento e habilidades necessárias para atingir a liberdade individual e a justiça social.
Pensamos que reconceber a educação docente desta maneira é um método de revogar a prática retrógrada das burocracias educacionais de definir os professores basicamente como técnicos, funcionários pedagógicos que são incapazes de tomar decisões políticas curriculares.
No entender de Giroux, esta política cultural não se limita apenas à esfera
educacional escolar, circunscreve-se a todas as situações “em que existirem tentativas
deliberadas de influenciar a produção e construção de significado” (MCLAREN, 1997, p.
XIX).
Neste sentido, Giroux ressalta a importância dos intelectuais das diversas
categorias profissionais empregarem o conhecimento de que dispõem, a visão de mundo e a
bagagem da cultura política para a transformação da sociedade.
Trabalhar com a perspectiva dessa transformação cultural e, mais especificamente,
com a possibilidade de intervir sobre o ensino da matemática a partir do Curso de Pedagogia,
foi o compromisso assumido nessa pesquisa. Por este motivo optou-se por fundamentar o
estudo na noção de práxis, conforme apresentação no capítulo 4, vinculando-o às concepções
existentes sobre a matemática e sobre o seu ensino.
3.2 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE MATEMÁTICA
As diferentes concepções existentes sobre a matemática e seu ensino assentam-se,
sobretudo, na problemática de como o sujeito cognoscente relaciona-se com o objeto do
conhecimento. Estas distintas visões acerca da origem do conhecimento remontam à Grécia
Comprazia-me, sobretudo, com as Matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões.
René Descartes, 1962, p. 45
31
antiga, recebendo variadas denominações, encerrando por vezes controvérsias entre os
filósofos que estabeleceram essas categorizações. Dentre essas controvérsias, destaca-se a que
coloca Platão ora como representante do realismo, ora como expressão máxima do idealismo:
Se quiséssemos resumir a filosofia de Platão em uma palavra, poderíamos dizer que ela é fundamentalmente um dualismo. Platão, de certo modo, reconcilia Parmênides e Heráclito ao admitir a existência de dois mundos: o mundo das idéias imutáveis, eternas e o mundo das aparências sensíveis, perpetuamente mutáveis [...]. Vale notar que, para muitos autores, não se pode falar de um idealismo platônico, mas de um ultra-realismo, posto que o idealismo era estranho ao pensamento helênico (VERGEZ e HUISMAN, 1972, p. 28).
Para melhor compreensão dos posicionamentos do realismo e do idealismo, criou-se
um quadro-resumo sintetizando as categorizações decorrentes dessas duas principais vertentes
filosóficas conforme apresentadas por AJDUKIEWICZ (1979) E MACHADO (1989).
QUADRO 1. VERTENTES FILOSÓFICAS* *Síntese elaborada pela autora da tese baseando-se em Ajdukiewicz (1979) e Machado (1989).
O realismo é a doutrina filosófica de acordo com a qual objetos materiais existem
por si mesmos, independentemente da mente ter consciência deles. A verdade situa-se nos
fatos do mundo, nas formas matemáticas e nas formas morais. Estas, por sua vez, independem
da mente do sujeito cognoscente. O realismo defende a tese da existência real dos objetos que
32
são dados na experiência. A experiência justifica a crença na realidade e na existência de um
mundo dado a nós na experiência, mas a tal ponto independente do sujeito que nenhuma
crítica epistemológica poderá miná-lo ou fortificá-lo. Para Platão, existe um mundo à parte, as
Formas Matemáticas, as quais não se contaminam pelo empírico, nem pela mente do sujeito.
O conhecimento racional é o conhecimento adquirido por meio de conceitos. A realidade é
constituída de entidades que podem ser apreendidas no pensamento unicamente por meio de
conceitos abstratos. A essas entidades, não acessíveis à percepção e à imaginação, Platão
chama de idéias (bondade, beleza, circularidade...), ou universais. Para Platão, só o
conhecimento racional proporciona familiaridade com a realidade verdadeira, ou seja, o
mundo das idéias. Dessa forma, os entes matemáticos têm existência real e auto-subsistente:
“a matemática, como acreditava Platão, sempre existiu, estando meramente a aguardar sua
descoberta” (EVES, 2004, p. 25).
Como decorrência, a matemática pura consiste numa disciplina apriorista que não
precisa de nenhum suporte na experiência nem precisa temer que suas asserções sejam
refutadas pela experiência, simplesmente, porque os termos da matemática pura não possuem
qualquer sentido empírico. Trata-se dos termos primitivos, que não necessitam de explicação.
Pode-se, por exemplo, fazer geometria como um ramo da matemática pura, “dotando seus
termos de significado com o auxílio de um conjunto de definições, explícitas e implícitas”
(ADJUKIEWICZ, 1979, p. 36).
O racionalismo, uma corrente filosófica de certa forma correlata ao realismo,
acredita na existência de idéias inatas, recaindo no inatismo genético. Idéias e crenças são
inatas no sentido de que as mentes são constituídas de tal modo que as idéias não derivam
daquilo que lhes é fornecido pelos sentidos ou pela introspecção.
Dentro dessas vertentes, situam-se o logicismo e o formalismo, tal como
concebidos pelos matemáticos puros, segundo os quais a matemática não depende do
33
matemático, mas da lógica contida em seus termos.
• Logicismo: fundamenta a matemática nas leis gerais do pensamento sem, no entanto,
explicar a gênese dessas leis lógicas. O logicismo elege o cálculo lógico como instrumento
indispensável ao raciocínio dedutivo. A matemática é redutível à lógica. As leis matemáticas
derivariam das leis da lógica normativa elementar. Estas leis contém regras de
quantificação que sustentam a matemática a partir de instrumental eficiente quando são
tratadas frases nas quais estejam bem estabelecidas a caracterização do indivíduo e do
atributo. De acordo com o logicismo, toda matemática pura trata exclusivamente de
conceitos definíveis em termos de um número muito reduzido de conceitos lógicos
fundamentais. Segundo o logicismo, o matemático pode abstrair as características
matemáticas dos objetos (a unidade, a circularidade, por exemplo). Neste caso, o trabalho
do matemático consiste em explicitar as leis gerais da lógica, com auxílio de algumas
definições, formuladas a partir delas, bem como os métodos de inferências legítimas.
Russel (1974), um dos mais expressivos representantes dessa vertente, defende que, em
sua origem, a matemática e a lógica consistiam em estudos inteiramente apartados: a
primeira relacionada com a ciência, e a segunda, com o idioma grego. Porém,
desenvolvendo-se ao longo da história, a lógica se tornou mais matemática e a
matemática, mais lógica. Contemporaneamente, a partir do pensamento deste autor,
admite-se a quase impossibilidade de demarcar uma linha divisória entre ambas. Esta
visão é de suma importância para defender o entrosamento entre o aprendizado da língua e
o da matemática.
• Formalismo: utilizando as leis da lógica, preconiza que os sistemas formais constituem o
objeto da matemática independentemente das interpretações formais. As leis lógicas são
um a priori que condiciona o modo como os sistemas formais abstratos captam o real.
A matemática compreende descrições de objetos e construções extra-lógicas. O trabalho
34
do matemático deve consistir em estabelecer teorias formais consistentes, cada vez mais
abrangentes, até que se alcance a formalização completa da matemática.
O idealismo supõe que as coisas existem apenas como idéias na mente. A verdade
depende da interpretação, da observação e dos sentidos do sujeito cognoscente. A matemática
depende do matemático que pensa.
Para o empirismo, o conhecimento experiencial é adquirido por meio de
percepções e imagens. A apreensão do conhecimento ocorre por meio das percepções e da
imaginação. O intuicionismo estaria situado nessas duas vertentes anteriores, assegurando a
autonomia do pensamento matemático. Neste caso, a matemática consistiria numa criação da
mente humana.
Segundo os empiristas moderados, a matemática aplicada, pode ser realizada
somente como disciplina empírica, conforme explicação de Ajdukiewicz (1979, p. 37):
Os axiomas, isto é, as principais asserções matemáticas, que são aceitas na matemática sem terem sido derivadas de outras asserções, são no que concerne à matemática aplicada, apenas hipóteses, cujas conseqüências lógicas podem ser confirmadas ou refutadas pela confrontação com a experiência.
• Intuicionismo: considera que as intuições da matemática se impõem à realidade empírica,
admitindo que, algumas destas intuições provém ou são dependentes de concepções a
priori sobre a realidade. Não consegue esclarecer a dinâmica das intuições que conduzem
os matemáticos à criação de seu mundo autônomo e como se conciliam as concepções a
priori de tempo e espaço e as construções dos matemáticos. A matemática é uma
construção de entidades abstratas a partir da intuição do matemático e tal construção
prescinde da lógica e da formalização rigorosa. A matemática é uma atividade totalmente
autônoma e auto-suficiente. Neste caso, o matemático constrói os entes matemáticos, a
partir de sua intuição, passo a passo, de forma autônoma. A intuição do matemático se
impõe à realidade.
35
Pitágoras (571-70 a.C.), precursor de toda essa discussão, fundou o pitagorismo.
Para o pitagorismo, o princípio essencial de que são compostas todas as coisas é o número, ou
seja, as relações matemáticas. Os pitagóricos, não distinguindo ainda bem forma, lei e
matéria, substância das coisas, consideraram o número como sendo a união de um e outro
elemento. Da racional concepção de que tudo é regulado segundo relações numéricas, passa-
se à visão fantástica de que o número seja a essência das coisas. Assim,
Pitágoras desde cedo deve ter percebido a importância das formas e proporções geométricas e sua associação com a simetria e a beleza. Acredita-se que ele estudou com Anaximandro, e que, portanto conhecia a idéia iônica de uma substância primária responsável por tudo que existe no cosmo. Alguns autores consideram Pitágoras o fundador da ciência, enquanto outros, levados pela enorme repercussão do seu pensamento em varias áreas do conhecimento consideram Pitágoras “o fundador da cultura européia em sua vertente mediterrânea ocidental”. [...] Uma das primeiras descobertas atribuídas a Pitágoras foi a relação entre intervalos musicais e proporções numéricas simples. Os intervalos básicos da música grega podem ser expressos como razões entre os números inteiros 1, 2, 3 e 4. [...] Os pitagóricos mostraram que era possível construir toda a escala musical com base em razões simples entre números inteiros; números e razões simples entre eles explicavam porque certos sons eram agradáveis aos ouvidos, enquanto outros eram desagradáveis. A matemática passa a ser associada à estética, aos números, à beleza. [...] Os números também eram representados por formas geométricas. Por exemplo, o número 4 era um quadrado, enquanto o número 6 era associado a um triângulo (GLEISER, 1997, p.55-56). Neste sentido, ao matemático caberia descobrir as relações matemáticas
encontradas nos fenômenos naturais, sendo que esta busca representa a essência das ciências
físicas.
Platão, sob influência de Pitágoras, define Deus como um “eterno geômetra”. O
matemático é um explorador que pesquisa, explora um mundo harmônico, simétrico, de
relações puras, absolutas, descobrindo relações que expressam verdades cuja existência não
depende dele (o matemático), mas decorre da objetividade do mundo das formas. Sobre esta
questão, Gleiser (1997, p. 67) esclarece que:
Apenas o mundo das idéias composto de formas perfeitas e imutáveis pode representar a essência da realidade. Segundo ele, qualquer representação concreta de uma idéia é necessariamente imprecisa. Por exemplo, um círculo desenhado não será jamais tão preciso quanto a idéia de um círculo, que só é perfeita em nossa mente. Só pode existir no mundo das idéias, já que o mundo dos sentidos é apenas uma representação grosseira de sua perfeição abstrata. Como conseqüência dessa doutrina, Platão tinha certo desprezo pelas ciências que dependiam de observações, já que observações são sempre artificiais.
36
Para Aristóteles, os matemáticos elaboram construções a partir do mundo da
percepção sensorial. A matemática se constituiria dessas construções. Para o filósofo, os
universais existem apenas nas coisas individuais, constituindo suas propriedades essenciais,
isto é, a forma das coisas individuais. Somente as coisas individuais possuem existência auto-
subsistente (substancial). Por exemplo, a humanidade não existe como abstrações dela, mas
nela. Essa doutrina denomina-se realismo conceitual moderado. Gleiser ilustra essa
conceituação referindo-se à amplitude do pensamento de Aristóteles:
A obra de Aristóteles tinha uma abrangência incomparável, cobrindo tópicos desde teoria política e ética até física, biologia e teoria poética. [...] Também criou novas áreas do conhecimento incluindo a biologia. Suas idéias físicas apelavam diretamente para o senso comum. Em contraste com o universo abstrato e matemático de Platão, o universo de Aristóteles era físico e concreto (GLEISER, 1997, p. 73).
Neste caso, é original a concepção kantiana acerca da matemática porque,
referindo-se à realidade concreta, vale-se dos “a prioris” espaço-temporais, sintetizando as
concepções antagônicas do formalismo e do intuicionismo, tal como Vergez e Huisman
(1972, p.260) intentam proceder:
Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura do meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção. O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis porque as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais.
Kant postula que os objetos do mundo empírico circunscrevem-se à dimensão espaço-
temporal, argumentando, porém, que para conhecê-la sensorialmente, torna-se imprescindível
lançar mão dessas noções ou “matrizes invariantes” espaço-temporais, disponíveis na mente
humana. Desta feita, Kant visualiza a matemática como constituída das proposições analíticas,
englobando as verdades da razão, e simultaneamente das fatuais ou empíricas. Para o filósofo,
a gênese desse conhecimento tem dupla procedência:
Nosso conhecimento surge de duas fontes principais da mente, cuja primeira é a de receber as representações (a receptividade das impressões) e a segunda, a faculdade de conhecer um objeto por estas representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira,
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um objeto nos é dado, pela segunda, é pensado em relação com essa representação (como simples determinação da mente. Intuição e conceitos constituem, pois, os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem conceitos sem uma intuição de certa maneira correspondente a eles, nem intuição sem conceitos podem fornecer um conhecimento. Ambos são puros ou empíricos. Empíricos se contêm sensação (que supõe a presença real do objeto); puros, porém se à representação não se mescla nenhuma sensação. A última pode ser denominada matéria do conhecimento sensível. Portanto, a intuição pura contém unicamente a forma sob a qual algo é intuído, e o conceito puro unicamente a forma do pensamento de um objeto em geral. Somente intuições ou conceitos puros são possíveis a priori, intuições ou conceitos empíricos só a posteriori (KANT, 1987, p.55).
Para Kant, o matemático difere do desvendador concebido por Platão e do criador
de abstrações a partir do empírico concebido por Aristóteles, passando a trazer impressas
dentro de si, as matrizes invariantes de tais abstrações. E o acesso a elas se daria via razão
introspectiva.
Seguindo pela vertente kantiana, Piaget rompe o dilema da dicotomia
sujeito/objeto. A relação da matemática com a realidade não se funda no sujeito (apriorismo)
nem no objeto pensado (empirismo) mas numa interação entre ambos. Para Machado (1989),
a originalidade da posição de Piaget7 consiste na interação sujeito-objeto no interior do
sujeito. Desta feita, elege a Psicologia Genética como instrumento para explicitar essa
interação:
O resultado mais claro de nossas pesquisas na psicologia da inteligência é que mesmo as estruturas mais necessárias ao espírito do adulto, tais como as estruturas lógico-matemáticas, não são inatas na criança; elas se constroem pouco a pouco. Estruturas fundamentais, como por exemplo, a da transitividade, da inclusão (implicando que uma classe total possua mais elementos que a subclasse contida nela), da comutatividade das adições elementares, todas estas verdades – para nós evidências absolutamente necessárias – se constroem pouco a pouco na criança. É, ainda, o caso das correspondências biunívocas e recíprocas, da conservação dos conjuntos, quando se transforma a disposição espacial dos elementos. Não existem estruturas inatas: toda estrutura supõe uma construção (PIAGET, 1976, p. 139).
A gênese das operações lógico-matemáticas procede da atividade coordenadora
das ações físicas mais elementares: os entes matemáticos originam-se da coordenação das
ações físicas mais gerais que o sujeito exerce sobre o objeto e depois se distanciam mais e
mais do objeto concreto. Conservam, porém, o poder de se reunirem ao objeto, de se
7 Piaget é um interacionista relativista que crê na construção do conhecimento pela interação da experiência sensorial e da razão, indissociáveis uma da outra (KAMII, 2002).
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reencontrarem com a realidade imediata em todos os níveis, de referirem à realidade, por mais
alto que seja o vôo alcançado.
Neste trabalho, a assunção da posição interacionista de Piaget permite harmonizá-
la com a concepção adotada por Campos e Nunes (1994), para quem a matemática consiste
numa maneira de pensar, uma ciência que estuda relações, conexões, propõe modelos e
investiga padrões. Neste caso, ensinar matemática pressupõe:
• considerar como fundamentais as situações que dão significado ao conceito, bem como as
formas utilizadas em sua representação;
• considerar a participação ativa dos alunos no processo de formulação e de resolução de
problemas;
• admitir maior flexibilidade quanto às formas de representação utilizadas na escola;
• considerar o ambiente cultural em que vivem os alunos; comprometer-se com o ensino
crítico da matemática, visando a autonomia e a cidadania.
Além desses elementos norteadores, admite-se a posição de D’Ambrosio (1999,
p. 89) para quem a aprendizagem é a “aquisição da capacidade de explicar e compreender, de
enfrentar criticamente situações novas”. A tese central do autor quando trata da
etnomatemática (D’AMBROSIO, 2001), consiste em conceber as idéias matemáticas como
formas de pensar presentes em toda a espécie humana.
No final do século XIX, surgiram, além do formalismo e do intuicionismo,
diferentes versões do pensamento filosófico, concebendo-se entre outras hipóteses, a da
matemática “como objeto de cultura, como ferramenta de trabalho, que revele com clareza o
quanto está inserida no processo histórico-social onde é produzida e que ela ajuda a produzir”
(MACHADO, 1989, p. 16).
Conhecer a síntese das vertentes que tentam explicar de que forma a matemática
se relaciona com a realidade é fundamental para compreender as diferentes abordagens ao
39
ensino da matemática, sobretudo no que tange aos fracassos que o acompanham. Refletir e
pesquisar sobre essas questões pode sugerir caminhos que, a longo prazo, permitam aos
cidadãos comuns se aproximarem e se apropriarem da matemática, de forma significativa,
construtiva e criativa.
Tais considerações foram essenciais para mostrar que inexistem explicação e
conceituação singulares a respeito do que vem a ser matemática e do que consiste a tarefa do
matemático. Embora os adeptos de cada uma dessas vertentes possam adotar seus
posicionamentos como verdadeiros e inquestionáveis, esta atitude em nada contribui para que
a aprendizagem da matemática ocorra de forma tranqüila e eficaz. Resultados de pesquisas nesta
área indicam freqüentemente a matemática como a maior responsável pelo fracasso e evasão
escolar, tais quais citados na introdução deste trabalho. A assunção do cognitivismo e da
etnomatemática, considerada como um de seus desdobramentos, se constituiriam em
alternativas para fundamentar e redimensionar o ensino da matemática.
40
3.3 O COGNITIVISMO
Como ocorre a aprendizagem? A busca por respostas a esta indagação tem
suscitado incontáveis pesquisas desenvolvidas por cientistas das mais diversas procedências e
de distintas áreas de estudo. Conhecer e aprender implica num movimento de constante
investigação e esta afirmação por si só já representa uma posição epistemológica, a de que o
conhecimento não é um bem herdado ou doado. Nesta pesquisa, assumiu-se esta posição e
para fundamentá-la recorreu-se ao cognitivismo, que entre tantas outras teorias psicológicas,
representa oposição às correntes inatistas8 e às vertentes ambientalistas9. Nesta parte, serão
apresentados os princípios básicos do cognitivismo e em seguida será feita uma exposição da
teoria de aprendizagem de Bruner.
As posições cognitivistas surgiram no início da segunda década do século XX
como reação ao behaviorismo de Watson, rejeitando o condicionamento e a perspectiva
atomista, isto é, a compreensão do universo mediante o estudo de elementos individuais.
Chadwick e Rojas (1980) destacam duas tendências dentro da corrente cognitivista: a do
behaviorismo cognitivista de Tolman (EUA), e a do gestaltismo alemão, citando Wertheimer,
Kholer, Kokfa e Lewin como seus representantes principais.
Nos EUA, os cognitivistas enfatizaram que os indivíduos não respondem tanto
aos estímulos, mas atuam com base em crenças, atitudes e desejos de alcançar metas
(compreensão do universo por meio de princípios de ordem); a pessoa aprende conceitos,
signos especiais, programas, mapas, cursos de ação. Partindo de elementos e problemas
perceptuais, elaboram uma teoria que inclui todos os conhecimentos possíveis. O termo 8 Correntes inatistas ou aprioristas consideram exclusivamente a razão como fonte do conhecimento. 9 Correntes ambientalistas ou empiristas consideram que toda a fonte do conhecimento procede apenas das informações do ambiente, captadas pelos sentidos.
Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento cientifico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído. Bachelard, 1996, p. 18
41
cognoscere origina-se do latim e significa conhecer. Para os cognitivistas – primeiro a pessoa
conhece o ambiente que a rodeia e si mesma, depois, utilizando-se desse conhecimento,
relaciona-se com o meio.
Para melhor compreender o cognitivismo, é necessário estudá-lo à luz de
conceitos, os quais relacionam-se com o criticismo de Kant. Em primeiro lugar, a mente é
vista como estrutura reguladora que organiza os dados da percepção. As relações, a estrutura
e a ordem devem ser impostas pela pessoa sobre o material caótico da experiência sensível.
Derivam daí os seguintes conceitos:
• Contemporaneidade – os eventos psicológicos são ativados por todas as
condições psicológicas do momento em que ocorre a conduta. Tanto passado como futuro
estão presentes em cada uma das ações atuais do indivíduo.
• Interação simultânea – refere-se à relação entre a pessoa e seu ambiente
psicológico. Cada pessoa, intencionalmente dá significado e usa os objetos do seu ambiente
de forma vantajosa.
• Relatividade da percepção – cada pessoa tem sua própria percepção,
influenciada pela sua própria história.
• Intencionalidade – derivado da fenomenologia, que enfatiza a essência das
considerações permanentes na consciência. Quando a consciência se estende até o objeto, o
faz com intencionalidade.
Tais princípios relacionam-se fortemente com os fundamentos da teoria piagetiana,
sendo de extrema importância para a atuação do professor que pretende ensinar matemática.
As bases filosóficas do cognitivismo assentam-se nas seguintes vertentes:
• Fenomenologia – ciência dos fenômenos que se manifestam na consciência.
“Toda consciência é consciência de alguma coisa”, segundo Husserl. “A experiência na qual
as essências das coisas nos são dadas significativamente é chamada de intuição das essências”
42
(AJDUKIEWICZ, 1979, p. 44). A fenomenologia enfatiza a essência das considerações
permanentes. Piaget (1976, p. 135) igualmente reconhece a influência de Husserl na história
da psicologia, inspirando em parte a teoria da gestalt: “esta teoria é o protótipo de um
estruturalismo sem gênese, sendo as estruturas permanentes e independentes do
desenvolvimento”.
• Existencialismo – filosofia do significado e do valor da existência. A essência
desta posição é dar valor à temporalidade existencial. A existência é o que dá sentido à
essência. A pessoa se constitui no tempo e como tal é mundaneidade, temporalidade e
historicidade.
• Criticismo de Kant – a ênfase de Kant consiste na conceituação de consciência
(mente) como uma estrutura que organiza os dados da percepção. Conhecimento identifica-se
com consciência e mente. Estas relacionam, ordenam e organizam os dados da percepção.
Para os cognitivistas, o intelecto organiza estes dados segundo “formas estruturadas”
chamadas em alemão de “Gestalt”. O conhecimento é visto então como uma síntese da forma
e do conteúdo recebidos pela percepção.
Kurt Lewin trouxe inúmeras contribuições ao cognitivismo, especialmente no que
diz respeito aos seguintes conceitos:
• Espaço vital – organizado em forma de estruturas cognitivas. Inclui tanto a
pessoa quanto seu ambiente psicológico, ou seja, a pessoa, seu ambiente, os objetos e eventos
percebidos. Constitui os aspectos físicos e sociais com os quais a pessoa interage. A única
realidade que a pessoa pode conhecer é a sua própria interpretação da realidade.
• Vetor – não existe nada absolutamente fixo na percepção. Existem forças
(vetores) que influem no movimento psicológico em direção a uma meta (parecido com
motivação).
• Valência – relaciona-se com o conceito de vetor ou motivação.
43
Valência positiva: o objeto ambiental é atraente.
Valência negativa: o objeto ambiental é repulsivo.
Cognitivistas definem inteligência como a capacidade de responder a situações
reais com base em uma antecipação das possíveis conseqüências com o objetivo de controlar
os efeitos e resultados da conduta.
Para o gestaltismo, a segunda influência à teoria cognitivista, há algo mais que
simples relações “estímulo-resposta”. Gestalt significa aproximadamente “configuração”.
A tese fundamental da Gestalt consiste em afirmar que o que ocorre em uma totalidade não pode
ser derivado das características de pequenos fragmentos separados. O que ocorre a uma parte da
totalidade é determinado pelas leis da estrutura dessa mesma totalidade.
O gestaltismo estrutura-se sobre os seguintes pilares:
• Insight – quando estamos conscientes de uma relação, esta não é experimentada
como um fato em si mesmo, mas como algo que deriva das características dos objetos sob
consideração. O insight é o reconhecimento dessa relação – é descobrir repentinamente a
relação, é o momento do insight na aprendizagem.
• Significância ou “pragnanz” ou “prenhez” (estar carregado de significância).
Este conceito inclui: regularidade, simplicidade e simetria. A pragnanz, ou boa forma, é a lei
da Gestalt. Psicologicamente, a mente tende a perceber os objetos de forma ordenada ou
organizada e não da forma analítica ou atomística.
• Isomorfismo – correlação entre o campo perceptivo (campo de estímulos) e
campo excitador – as qualidades similares percebidas têm correlações similares nos processos
cerebrais.
• Totalidade – os elementos percebidos são mais do que simples sensações locais
ou isoladas. A partir dessa idéia, chegou-se ao que se pode chamar de “teoria da
aprendizagem de relações”.
44
• Transposição significa que toda aprendizagem é aprendizagem de uma relação.
Resumindo, a posição teórica de Lewin se caracteriza por:
- Uso de um método construtivo e não classificatório;
- Interesse específico pelos aspectos dinâmicos dos eventos psicológicos;
- Enfoque mais psicológico do que físico;
- Análise que parte da situação como um todo e não das partes;
- A conduta é vista como uma função ou manifestação do espaço vital ou do
campo no momento em que ocorre;
- A representação do campo de força é basicamente matemática. Isto se explica
porque Lewin era matemático e físico.
Sintetizando todas as idéias precedentes, pode-se concluir que aprendizagem é
uma mudança na estrutura cognitiva, na motivação, no conceito de ideologia, podendo ser
vista também como alcance de um controle voluntário sobre a coordenação física.
O nome de Jerome Bruner, psicólogo, eclético e evolutivo, encontra-se associado
tanto ao campo cognitivista quanto à posição evolucionista de Jean Piaget.
Bruner desenvolveu uma teoria na qual o aprendizado é um processo ativo: os
aprendizes constroem novas idéias, ou conceitos, baseados em seus conhecimentos passados e
atuais. O aprendiz seleciona e transforma a informação, constrói hipóteses e toma decisões,
contando, para isto, com uma estrutura cognitiva. A estrutura cognitiva, constituída por
esquemas e modelos mentais, fornece significado e organização para as experiências e
permite ao indivíduo “ir além da informação dada”.
Definindo a aprendizagem como “um processo essencialmente social”, Bruner
(1973, p. 50) focaliza os fatores sociais, motivacionais e pessoais que interferem no desejo de
aprender e de solucionar problemas. Tais considerações remetem a valorizar a relação
professor-aluno e o contexto cultural onde ocorrem os procedimentos instrucionais. Por este
45
motivo, professores e alunos devem se engajar em um diálogo ativo. A tarefa do professor
consiste em traduzir a informação a ser aprendida em um formato apropriado ao estado
verdadeiro de compreensão do aluno. Diz Bruner (1973, p.51) que: “toda idéia, problema ou
conjunto de conhecimentos pode ser suficientemente simplificada para ser entendida por
qualquer estudante particular, sob forma reconhecível”. O currículo, organizado em espiral,
constitui-se em outro recurso para que o aluno construa continuamente sobre o que já
aprendeu.
A teoria cognitivista de Bruner oferece uma estrutura geral para o ensino
referenciada em Piaget. Orientando-se para a pesquisa do desenvolvimento infantil,
estabeleceu-se sobre quatro pilares principais: (1) predisposição na direção do aprendizado,
(2) modos nos quais um corpo de conhecimento pode ser estruturado, para que seja facilmente
compreendido pelo aluno, (3) seqüências mais efetivas para apresentar o material e (4)
recompensa e motivação intrínsecas. Métodos eficazes para estruturar o aprendizado devem
resultar em simplificação, geração de novas proposições e aumento da manipulação da
informação. Em trabalhos mais recentes, Bruner (1997) expandiu sua estrutura teórica para
abranger os aspectos sociais e culturais do aprendizado, o que representa uma interessante
inovação para a aprendizagem nos países em desenvolvimento, dentre os quais o Brasil, por
apresentarem vasta diversidade cultural.
Como poderá ser visto no capítulo cinco desta tese, a abordagem ao ensino da
matemática no curso de pedagogia, por meio de oficinas, é uma estratégia que se adequa às
formulações teóricas de Bruner (1973, p. 56). Para o teórico, a dificuldade ou facilidade na
aprendizagem de determinado conteúdo depende não só das diferenças individuais, da
natureza da matéria e das informações de que o aprendiz dispõe, mas também do estágio de
desenvolvimento em que o sujeito se encontra. Por isso, argumenta que há necessidade de
apoios concretos para se chegar à abstração:
46
Chegamos à conclusão de que provavelmente seria necessário à criança que aprende matemática ter não só um sentido firme da abstração subjacente à sua tarefa, mas também uma boa coleção de imagens para ilustrá-la; sem tal coleção é difícil achar correspondências e verificar o trabalho simbólico (BRUNER, 1973, p. 70).
Sendo assim, a conscientização de que “o processo normal do desenvolvimento
intelectual passa da representação ativa do mundo para a icônica e depois para a simbólica”
(BRUNER, 1973, p. 56), oferece subsídios para o desenvolvimento de uma prática docente
mais criativa e com resultados mais positivos no ensino da matemática.
3.3.1 CONTRIBUIÇÕES DE BRUNER E PIAGET
As contribuições de Bruner têm sido expressivas para os que se interessam e se
dedicam ao estudo e ensino da matemática. Como teórico da aprendizagem, Bruner realizou
inúmeras pesquisas em parceria com físicos e matemáticos, dentre os quais Dienes10 e Polya,
em Harvard, opondo-se frontalmente aos preceitos próximos aos das “teorias do
condicionamento estímulo-reação, quer as baseadas na idéia de contigüidade, quer na de
reforço, como forjadores dos elos entre estímulos e respostas” (BRUNER, 1973, p. 27).
Bruner aproximou-se do pensamento de Piaget no que diz respeito “à idéia da necessidade
lógica, um processo de tratar com a natureza de proposições ao invés de fazê-lo diretamente
com a experiência, uma maneira de ir além das propriedades empíricas”, possibilitando à
criança “passar do comportamento de adaptação para o uso consciente da lógica e do
raciocínio” (p. 29).
10 Dienes, (1975, p. 19-20) matemático húngaro, pesquisador e criador dos “blocos lógicos”, afirma que “na grande maioria dos casos, o que os estudantes comunicam, anotando ou expressando sinais matemáticos, é meramente os sinais em si, e não as estruturas para as quais os sinais são supostos símbolos”.
Há uma versão de cada conhecimento ou técnica apropriada para ensinar a cada idade, por mais introdutória que seja. Bruner, 1973, p. 42
47
Bruner (1973, p. 30) atribui relevância aos significados e aos contextos culturais
sugerindo que “o crescimento mental depende em grau considerável do crescimento de fora
pra dentro – em dominar técnicas que estão incorporadas na cultura e que são comunicadas
em um diálogo contingente com agentes da cultura”. Por conseguinte, sobretudo neste
aspecto, as teses de Bruner sugerem uma convergência para a expressão máxima da
abordagem etnomatemática, conforme será explicado na próxima seção.
O que de mais substancial e basilar Bruner ensina aos professores de matemática é
a noção de que a estrutura didática da matemática deve respeitar sua estrutura histórica e
epistemológica. Diz Bruner (1973, p. 75) que: “a simplicidade do currículo de matemática se
baseia na história e no próprio desenvolvimento da matemática”. Isto significa que, a
transposição didática, para possibilitar o real aprendizado do aluno deve seguir um percurso
processual, não pode ser meramente uma transmissão de conhecimentos já formalizados e
processados. Podem ser usados dois exemplos da matemática básica que esclarecem este
argumento – referem-se à compreensão do Sistema de Numeração Decimal e do algoritmo da
divisão. Os professores precisam conhecer a gênese da construção dessas estratégias de
cálculo de modo a permitir que o aluno tenha a possibilidade de percorrer o mesmo caminho
dos elaboradores dessas técnicas:
Um corpo de conhecimentos, entesourado numa universidade e corporificado numa série de competentes volumes, é o resultado de intensa atividade intelectual anterior. Instruir alguém nessa matéria não é levá-lo a armazenar resultados na mente, e sim ensiná-lo a participar do processo que torna possível a obtenção do conhecimento: ensinamos não para produzir minúsculas bibliotecas vivas, mas para fazer o estudante pensar, matematicamente, para si mesmo, considerar os assuntos como o faria um historiador, tomar parte do processo de aquisição de conhecimento. Saber é um processo, não um produto (BRUNER, 1979, p. 75).
Sobre essa temática, torna-se obrigatório evocar teses de Piaget. Este
epistemólogo desenvolveu em sua teoria, o princípio de que todo o conhecimento é
construído. Argumenta que para haver esta construção, há necessidade de a inteligência
passar por constantes desafios. Além de ter pesquisado em profundidade questões
epistemológicas relativas ao “desenvolvimento das quantidades físicas na criança”, Piaget,
48
(1975) esteve, tal como Bruner, em diversos momentos de sua vida, buscando informações ou
realizando pesquisas conjuntas com cientistas de outras áreas do conhecimento, físicos e
matemáticos tais quais Einstein e Abele. Dessa forma, Piaget observando e acompanhando o
desenvolvimento de crianças, pôde contribuir para o esclarecimento de aspectos ignotos da
ciência:
Existe, então, uma intuição da velocidade anterior à duração ou, pelo menos, independente desta? Na verdade, esta intuição é encontrada na criança sob a forma de intuição ordinal fundamentada na ultrapassagem: um objeto móvel é julgado mais rápido que outro quando, em momento anterior, se achava atrás dele e em momento posterior se acha adiante dele. Fundamentada na ordem temporal (antes e depois) e na ordem espacial (atrás e na frente), a intuição da ultrapassagem não apela nem para duração nem para o espaço percorrido, fornecendo, no entanto, critério exato de velocidade. Sem dúvida, a criança começa considerando apenas os pontos de chegada, e por isto comete erros durante muito tempo, no que se refere a simples emparelhamentos e, sobretudo a semi-emparelhamentos. Mas, quando ela se torna apta a antecipar a série de movimentos percebidos e a generalizar a noção de ultrapassagem, alcança uma noção ordinal básica da velocidade. Além disso, é interessante constatar que a percepção da velocidade parte das mesmas relações ordinais, não precisando de nenhuma referência à duração. Dito isto, é interessante constatar que o resultado destas pesquisas, que nos foram inspiradas por um conselho de Einstein, se orientou, de alguma forma, para o campo da relatividade. (...) Vê-se, assim, como o pensamento da criança, que apresenta atividades consideráveis, às vezes originais e imprevistas, é rico em aspectos notáveis, não somente por suas diferenças do pensamento adulto, mas ainda por seus resultados positivos, que nos ensinam o modo de construção das estruturas racionais, permitindo mesmo, às vezes, esclarecer certos aspectos obscuros do pensamento científico (PIAGET, 1976, p. 80-81).
Distinguir e caracterizar as fases ou estágios do desenvolvimento infantil é, dentre
tantos outros contributos da teoria de Piaget, essencial para nortear as ações do professor no
que diz respeito ao conhecimento de como se constrói a noção de número na criança. São
assim apresentados por Piaget (1976, p. 13) estes estágios:
[...] período da lactância até por volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento. O estágio da inteligência intuitiva, [...] (de dois a sete anos, ou segunda parte da “primeira infância”). O estágio das operações intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e sociais de cooperação (de sete a onze-doze anos). O estágio das operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos (adolescência).
Apesar de toda a divulgação da teoria piagetiana, nos meios acadêmicos –
incluindo mídia e impressos – é possível constatar, conforme indicarão os anexos A e B, que
estes fundamentos teóricos ainda não se incorporaram ao repertório de conhecimentos e à
49
prática de um universo expressivo de docentes do Ensino Infantil e das séries iniciais do
Ensino Fundamental.
Sobre a construção do número, Piaget assevera: Sabe-se que durante a primeira infância, apenas os primeiros números são acessíveis ao
sujeito, porque são números intuitivos, correspondentes a figuras perceptivas. A série indefinida dos números e, sobretudo, as operações de soma (e seu inverso: a subtração) e de multiplicação (com seu inverso: a divisão), ao contrário, só são acessíveis, em média, depois dos sete anos. O motivo é simples: na verdade, o número é um composto de certas operações precedentes e supõe, em conseqüência, sua construção prévia (PIAGET,1976, p. 55).
Piaget explica que as correspondências termo-a-termo permanecem intuitivas
durante a primeira infância. Somente passam a constituir-se em operações numéricas a partir
do momento em que a criança é capaz de perceber simultaneamente as relações das partes nos
todos, quando então elabora os números. Sobre essa questão, Piaget (1976, p. 56) conclui que:
“a passagem da intuição à lógica, ou às operações matemáticas, se efetua no decorrer da
segunda infância pela construção de agrupamentos e grupos”.
Estes aportes são relevantes para mostrar a importância da utilização de
estratégias de trabalho, a partir de agrupamentos, em situações problematizadoras, conforme
será mostrado no capítulo cinco. Pode-se admitir então que o êxito ou fracasso do ensino da
matemática se prende não apenas ao fato de o professor ser ou não profundo conhecedor da
matemática. Além desse aspecto, é necessário contemplar se o professor dispõe também de
conhecimentos referentes às diversas expressões e manifestações da mente humana.
Sobre essas manifestações, cabe mencionar o estudo desenvolvido por Piaget
(1976) sobre a capacidade operativa e adaptativa da inteligência. Ghiraldelli (2004, p. 20)
enfatiza estas características intelectivas quando demonstra compreender a criança piagetiana
como um “ser práxico”:
O que Piaget conclui, passando da psicologia à pedagogia é que, além de colocar as crianças em ação com a manipulação de materiais, deve-se também levá-las a “tomar consciência” da ação.
50
3.3.2 ETNOMATEMÁTICA E PLURALISMO CULTURAL
Emprega-se a palavra multiculturalismo para significar a presença de diferentes
grupos culturais numa mesma sociedade. A educação multicultural é a direção necessária que
deve tomar o processo educativo para fazer face à complexidade de um mundo que se
globaliza num ritmo crescente. O grande objetivo dessa educação multicultural é evitar que o
processo de globalização conduza a uma homogeneização, cujo resultado é a submissão e
mesmo a extinção de várias expressões culturais. Assim como a biodiversidade é essencial
para a continuidade da vida, a diversidade cultural é essencial para a evolução do potencial
criativo de toda a humanidade. Novos modos de pensamento e de expressão só podem resultar
de uma dinâmica de encontros culturais. A preservação de identidades num mundo em
processo de globalização, com a crescente movimentação de populações, é de fundamental
importância. Daí, a relevância da educação multicultural.
A cultura escolar apresenta, predominantemente, um caráter monocultural: nas
salas de aula, o que sobressai é a visão de grupos sociais hegemônicos. Nos currículos e nos
textos didáticos, aparece poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens, as
contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais e dos povos indígenas.
O problema da fome e do desemprego, assim como o racismo e as conseqüências do
consumismo nem sempre são discutidos com a abertura necessária à formação de cidadãos
críticos e autônomos.
O ensino da matemática tem servido para manter as desigualdades quando ignora
o modo particular de cada indivíduo compreender a realidade e de solucionar questões
matemáticas de acordo com lógicas não necessariamente condizentes com padrões
formalizados da matemática ocidental. Sendo assim, fere a dimensão política do conceito de
A matemática tem sido um elemento selecionador de elites.
Ubiratan D’Ambrosio, 2001, p. 77
51
cidadania segundo o qual ser cidadão implica em participação de todos na sociedade.
Transferindo essa questão para a sala de aula, tem-se que o ensino da matemática, concebido
dentro de uma visão tradicionalista, não contribui para o pensamento autônomo e para a
participação efetiva de todos no processo de aprendizagem.
Canen (1997, p. 205) assinala que “a diversidade cultural dos alunos que chegam
às escolas é freqüentemente ignorada nas práticas pedagógicas curriculares desenvolvidas
pelos professores”. A visão dessa pesquisadora confirma as teses defendidas por Bruner
(1973), Piaget (1976) e D’Ambrosio (2001) em relação ao respeito que os professores, em
especial os de matemática, devem ter às múltiplas e variadas formas de apreensão do
conhecimento, de acordo com as diferentes faixas etárias e contextos culturais.
Sobre essa questão, Torres (1998, p. 153) sugere que: a práxis dos movimentos sociais pode oferecer um solo fértil para uma abordagem de
“conscientização” ao estilo de Freire. Caracteristicamente, os movimentos sociais foram construídos sobre a base do conhecimento e das lutas anteriores do povo, considerando sua capacidade de organização e suas queixas. Isto permite que os programas sejam construídos com as comunidades e a partir delas, antes que para elas, como foi por Freire exemplificado em inúmeros escritos. Estas considerações são essenciais para acentuar a ênfase que se quer dar neste
trabalho, para a etnomatemática, isto é, a visão da matemática como uma manifestação
cultural, da qual Ubiratan D’Ambrosio é um de seus fundadores. No livro Etnomatemática –
elo entre as tradições e a modernidade, D’Ambrosio (2001, p.9) define etnomatemática como
a matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas, e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupo.
Além do caráter antropológico, o autor ressalta em sua obra a dimensão ética e
política da etnomatemática quando focaliza a recuperação da dignidade cultural do ser
humano. Atribui o desrespeito à diversidade cultural e às múltiplas racionalidades como
resultado das barreiras discriminatórias da sociedade dominante e do sistema escolar, fatores
considerados por ele, como responsáveis pela exclusão social.
52
Ao encarar a etnomatemática como um programa de pesquisa voltado para o
entendimento da aventura da espécie humana em busca do conhecimento, elabora uma
proposta transdisciplinar, dinâmica, caracterizada por investigação e aceitação permanentes de
novos enfoques, metodologias e visões. O objetivo do programa etnomatemática seria assim
compreendido como a adoção de uma postura de reconhecimento de múltiplas racionalidades,
isto é, de outras formas de pensar, mesmo em matemática, acarretando “reflexões mais
amplas sobre a natureza do pensamento matemático do ponto de vista cognitivo, histórico,
social e pedagógico” (D’AMBROSIO, 2001, p. 17).
Assim explica o autor a geração do conhecimento, inclusive o matemático, como
um processo dinâmico, cíclico e simbiótico entre os indivíduos e o seu habitat. Grupamentos
humanos distintos produzem conhecimentos como respostas a solicitações do ambiente,
correspondendo a elaborações sobre o real. Estes conhecimentos produzidos retornam para
aqueles que os produziram, gerando novos conhecimentos, que passam a constituir os saberes
e os fazeres de uma cultura. Assim sendo, torna-se inadequado para o enfoque da
etnomatemática aceitar os paradigmas epistemológicos que focalizam o conhecimento já
estabelecido, no qual “a matemática ocidental é vista, como a culminância de um
desenvolvimento seqüencial e único do pensamento humano” (D’AMBROSIO, 2001, p.37).
Isto significa defender uma mudança que traz no seu bojo uma nova atitude do
professor. Essa mudança consistiria essencialmente “na sua própria transformação,
conhecendo-se como um indivíduo e como um ser social, inserido numa realidade planetária e
cósmica” (D’AMBROSIO, 2001, p. 80). O professor, nesta perspectiva, “deve conhecer a
sociedade em que atua e ter uma visão crítica dos problemas maiores desta sociedade, do
ambiente natural e cultural” (p. 80). Portanto, a questão vai além da missão de transformar-se,
é basicamente um compromisso com a transformação. É a busca da liberdade para criar
situações que permitam aos alunos serem criativos, encontrando significação no seu ambiente.
53
Com isso, torna-se necessário reivindicar a colaboração das instituições no sentido
de promover professores de matemática, a educadores matemáticos. A continuidade das
argumentações, aqui apresentadas em favor da etnomatemática, carece também da distinção
entre professor e educador, elaborada por D’Ambrosio (2001, p. 15) quando afirma que:
professor é aquele que professa ou ensina uma disciplina, educador é aquele que promove a educação: em outros termos, o professor deve subordinar sua disciplina, em particular os conteúdos, aos objetivos da educação e não subordinar a educação aos objetivos, à transmissão e aos avanços da sua disciplina
Tais afirmações ensejam, dessa forma, diferentes compreensões do sentido de ser
professor de matemática. As contribuições do educador são significativas para estimular a
disseminação de pesquisas na área do ensino da matemática e propõe, sem deixar de
reconhecer a importância da matemática acadêmica, a inserção da etnomatemática na reflexão
sobre a descolonização e sobre a procura de reais possibilidades para as populações
marginalizadas:
A estratégia mais promissora para a educação, nas sociedades que estão em transição, da subordinação para a autonomia, é restaurar a dignidade de seus indivíduos, reconhecendo e respeitando suas raízes. Reconhecer e respeitar as raízes de um indivíduo não significa ignorar e rejeitar as raízes do outro, mas num processo de síntese, reforçar suas próprias raízes (D’AMBROSIO, 2001, p. 42).
54
4 A PRÁXIS E A NORMA: O ENSINO DA MATEMÁTICA INSERIDO NESSA DISCUSSÃO
Referir-se aos desafios que se colocam aos educadores empenhados na
transformação exige discutir previamente a abrangência e o poder de disseminação das idéias
que, embutidas nas linhas e entrelinhas dos preceitos legais, interferem nas ações e decisões
cotidianas das instituições de ensino. No entanto, é preciso mostrar que a observância dessas
regras pode compatibilizar-se com uma postura pedagógica calcada na crítica, na reflexão e
na investigação. Veiculada pelo movimento neoliberal, instaurou-se nas políticas
educacionais contemporâneas, uma tendência caracterizada pelo retorno ao tecnicismo, sendo
possível observar seu célere avanço, em todos os níveis de ensino. Sobre essa questão, Silva
(2003, p. 299) pronuncia-se alertando para os riscos da submissão da educação aos apelos do
mercado, na qual sobressai a cisão entre a reflexão e a ação:
O Banco Mundial chega ao interior das escolas públicas por meio de programas, projetos e planos elaborados por seus técnicos e conselheiros [...], separando o pensar e o fazer. A comunidade escolar é apenas informada sobre os programas, projetos e planos, recebendo orientações necessárias ao preenchimento de formulários e à prestação de contas. A reflexão sobre o trabalho pedagógico diluiu-se em meio a tantos procedimentos burocráticos a serem cumpridos.
Pretende-se com esta referência destacar a relevância de uma proposta que
incentive e encoraje os professores a criar e adotar metodologias diferenciadas para ensinar e
aprender, partindo de observações dos alunos e de uma atitude investigativa. Isto porque uma
atitude investigativa decorre, sobretudo, de autonomia intelectual, ultrapassa os limites das
prescrições legais e da obediência cega a essas determinações. Exige o discernimento e a
coexistência entre a reflexão e a decisão de intervir na realidade. Este argumento encontra
sustentação principalmente em Marx (1996, p. 126) quando assevera que: “é na práxis que o
homem deve demonstrar a verdade”.
As leis civis e estatais são produto de uma atividade humana, estabelecidas pelo homem e podem ser por ele modificadas, visando seu desenvolvimento coletivo.
Antonio Gramsci, 1978, p. 130
55
Embora admitida a complexidade do mundo contemporâneo e das instituições
nele inseridas, a intervenção de um sistema regulador que as protejam faz-se necessária,
permitindo que funcionem de maneira organizada. Dessa forma, entende-se que à lei cabe a
função de normatizar, de regulamentar o que a sociedade, por meio de seus atores e de um
processo de evolução e maturação, exige e deseja ver consolidado. Nesse sentido pensa-se na
lei como o resultado de ações e reflexões sobre as relações estabelecidas entre seres humanos,
e, portanto éticas e passíveis de superações e alterações. Sendo fruto de elaborações da mente
humana, a partir das interações nas práticas sociais, deve estar a serviço da sociedade, não
para subjugá-la ou aprisioná-la. Ancorar a docência responsável, construtiva e criativa tão
somente no que determinam os documentos legais ou, nas prescrições de organismos
internacionais pode não bastar aos educadores que verdadeiramente se comprometem com a
visão transformadora da práxis.
De acordo com o Dicionário do Pensamento Marxista (BOTTOMORE, 1988) o
termo práxis originou-se na Grécia sendo depois absorvido pelo latim e pelas línguas
européias modernas. Na mitologia grega, era a denominação de uma deusa. Filosoficamente,
sua história começa com Aristóteles, sugerindo a práxis como uma das três atividades básicas
do homem, ao lado da theoria e da poiesis. Embora inicialmente Aristóteles concebesse a
práxis como oposição à theoria e poiesis, há ocasiões em que considera a práxis como
aplicação de uma teoria. Esta noção, amplamente aceita na contemporaneidade, encontra-se
em um pequeno tratado de Aristóteles, intitulado Practica geometriae. Há passagens em que
Aristóteles identifica práxis com a eupraxia, a autêntica práxis, em oposição à dyspraxia, a
má práxis ou a alienação, concepções também adotadas por Marx nos Manuscritos
Econômicos e Filosóficos. Nestes manuscritos, Marx parece sugerir a teoria como uma das
formas da práxis, insistindo porém no primado da práxis nessa relação.
56
Na tese I sobre Feuerbach, Marx (1996, p. 126) defende que “a práxis é atividade
humana sensível”. Sobre esta questão, Etcheverry (1964, p. 144) esclarece que
em relação à realidade, a práxis é, pois simultaneamente, um processo de análise e um instrumento de ação. O marxista pensa agindo e age pensando. É no pensamento que busca uma orientação e uma norma. Esforça-se por transformar a sociedade em função do conhecimento adquirido.
Gramsci, interpretando o marxismo como uma “filosofia da práxis”, desenvolve-o
por vezes contra os elementos deterministas em Marx. Nesta perspectiva, considera que o
marxismo pode ajudar as massas a se tornarem protagonistas da história, à medida em que
adquirem conhecimentos que possibilitem uma atividade intelectual crítica.
Para mostrar que norma e práxis são conceitos passíveis de conciliação, recorre-se
ao pensamento de Boudon e Bourricand (1993, p. 394), os quais consideram “normas como
maneiras de fazer, de ser ou de pensar, socialmente definidas e sancionadas”. Nesta
abordagem, chamam a atenção para a dimensão valorativa dos fatos sociais, bem como para o
aspecto “regular” e ao mesmo tempo “efervescente” desses fatos, contemplando assim a
perspectiva dinâmica dessa compreensão.
Sendo assim, a noção de práxis, longe de conflitar-se com a da “norma”, pode ao
contrário ser entendida a partir de uma mesma ótica já que ambas, práxis e “norma”, derivam
da movimentação e da invenção tipicamente humanas. Contribui para esta linha de
pensamento o conceito de práxis apresentado por Pimenta (2002, p. 216):
Práxis: ação (motora, perceptiva, reflexiva) do sujeito sobre o objeto a ser conhecido. Toda a aprendizagem é ativa, exige essa ação, que também possibilita a articulação do conhecimento com a prática social que lhe deu origem. Subjacente a esta concepção situa-se uma visão dialética de educação, na qual
teoria e prática encontram-se em permanente diálogo. Na esteira dessas tendências dialéticas
ancoram-se os textos das legislações concernentes às práticas investigativas.
Assim é que de acordo com a Resolução CNE/LP Nº 1 de 18/2/2002 que institui
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em
Nível Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena, “a prática deverá estar presente
57
desde o início do curso e permear toda a formação” (Art. 12, § 2o). Diz ainda o mesmo
documento em seu Art. 15 que “os cursos de formação de professores que se encontram em
funcionamento deverão se adaptar a esta Resolução, no prazo de dois anos”. Dessas
determinações depreende-se que, muitos dos Cursos de Pedagogia, estruturados
curricularmente na vigência da legislação que antecedeu à Resolução CNE/LP Nº 1 de
18/2/2002, os estágios continuam a ser oferecidos somente nos últimos períodos do curso, o
que obrigatoriamente não os impedirá de estarem em consonância com orientações mais
inovadoras. Pimenta (1995, p. 122) já defendia a idéia do Estágio como um componente do
currículo que não se configura como disciplina e sim “como atividade instrumentalizadora da
práxis (atividade teórica e prática) educacional, de transformação da realidade existente”.
Os procedimentos inerentes à disciplina Conteúdo e Metodologia do Ensino da
Matemática, sob a responsabilidade da autora deste texto já vêm, há vários anos, transitando
pelos caminhos apontados por Pimenta, sendo orientados no sentido de contemplar a escola
como um contexto a ser repensado e modificado, mesmo nas turmas ainda sob a vigência da
antiga legislação, qual seja a dos estágios realizados apenas nos últimos períodos do curso.
Nessas turmas, tem-se trabalhado de modo a evitar que o estágio tão somente sintetize a
aplicação da teoria estudada nas diferentes disciplinas do curso. A empreitada tem sido
desafiadora: apesar de toda a preparação, investimento e provocação nem todos os
graduandos são permeáveis à proposta. Os enfrentamentos podem ser notados examinando-se
situações como a que vem relatada a seguir:
Outono de 2003 Observando a turma onde A. estagiava percebi crianças que ainda não haviam construído o
conceito de número, tal como pesquisado por Kamii11 (1990). No recreio conversei com A. sobre o fato de as escolas, na maioria dos casos, ocuparem-se com “atividades em si mesmas”, descoladas de sua fundamentação, desatreladas dos alcances educacionais que delas deveriam advir. Lembrei-me de Giroux (1997), referindo-se “aos professores como executores de tarefas”, porque A. deixou de realizar as intervenções que seriam essenciais ao estágio, de forma a reconduzir a aprendizagem de grande parte das crianças da turma. Como A. apenas cumpria as tarefas programadas, retornei a ela minhas
11 O número, de acordo com Piaget, é uma síntese de dois tipos de relações que a criança elabora entre os objetos (por abstração reflexiva). Uma é a ordem e a outra é a inclusão hierárquica. A estrutura lógico-matemática de número não pode ser ensinada diretamente, uma vez que a criança tem que construí-la por si mesma (KAMII, 1990, p. 19 e 35).
58
apreciações a respeito, procurando agir de forma ética e amigável. Sugeri que observasse cada criança, procurando atendê-las em suas necessidades e dessa forma não só eles aprenderiam mas também ela, revendo sua prática. Por considerar a situação propícia ao crescimento de todos da turma de Prática Supervisionada, pedi a autorização de A. para que este episódio se transformasse no tema da aula seguinte.Com a anuência de A., pedi-lhe que expusesse às colegas as experiências do estágio. A. surpreendeu-me expressando sentimentos de insegurança, embaraço e desconforto por ter sido “observada” no estágio. Além disso, mostrou-se indignada perante às indagações formuladas afirmando que estas “soavam como um interrogatório”. A. não conseguiu alcançar a significância e a relevância de um trabalho comprometido com a noção da práxis e nem mesmo a do papel do professor supervisor do estágio.Contudo, ao término do estágio, A. admitiu em seu relatório final, que:
“os processos mentais básicos para a matemática necessitam ainda ser muito trabalhados com esta turma para que certos conceitos sejam efetivamente construídos. Há necessidade da quantificação ser revista todo o tempo através de objetos que eles próprios manuseiem. Admito que os professores se preocupam mais com o conteúdo e com o que deve ser mostrado aos pais do que com a aprendizagem”.
Este repensar atenuou, em parte, os equívocos e constrangimentos ocorridos. Nossas trocas não deixaram de ser frutíferas e de atingir objetivos. Pude extrair dessa experiência que as lições da “práxis” nem sempre são bem-vindas, benfazejas ou as almejadas pelos que se lançam e se aventuram nas utopias.
(Transcrição do Diário Reflexivo12 da Autora)
Confrontar as noções de práxis e norma, assumindo-as como possibilidade
dialética no contexto escolar, mais que relevante, é essencial a uma abordagem que se opõe ao
ensino tradicional13 da matemática. Isto porque nesta perspectiva, as regras matemáticas,
derivadas de uma formalização rigorosa, são apresentadas ao aluno sem que ele possa
participar ativa e reflexivamente dessas elaborações, constituindo um ensino alienado e
alienante, no sentido marxista/gramsciano do termo, de oposição à ação e à transformação.
4.1 O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E A REDEFINIÇÃO DOS CONTEÚDOS
MATEMÁTICOS NA ESCOLA
Em consonância com o pensamento precedente e dentro do que preconiza a Lei
9394/96, buscou-se nesse trabalho transcender o empírico, voltando em vários momentos à
reflexão e análise do texto do diário reflexivo da autora. O registro a seguir visa
contextualizar discussões cujo objetivo é destacar o lugar de excelência que o Projeto Político
Pedagógico poderá ocupar no sentido de desencadear as transformações das quais carece o
12 Documento inspirado em Schön (1997, p.83) segundo o qual “após a aula, o professor pode pensar no que aconteceu, no que observou, no significado que lhe deu e na eventual adoção de outros sentidos. Refletir sobre a reflexão-na-ação é uma ação, uma observação e uma descrição que exige o uso de palavras”. 13 Referindo-se à conceituação de ensino tradicional, Ghiraldelli (2002, p.25) fundamenta-se em Herbart, para quem “sua teoria educacional, uma vez na mão do mestre, produziria pessoas capazes de dominar e reproduzir um determinado saber”.
59
sistema educacional brasileiro. Estas dizem respeito principalmente à conquista da autonomia
e da cidadania por parte dos sujeitos que integram a comunidade escolar e a sociedade como
um todo:
Outono de 2003
“Minha proposta como professora da disciplina Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática, na aula de hoje, consistiu em sensibilizar o grupo para refletir sobre o fato e as circunstâncias que envolvem cobranças de determinados conteúdos matemáticos de alunos do ensino fundamental de Escolas Municipais. Para cumprir meu objetivo disponibilizei aos professores-estudantes cópia de uma ‘prova’ de matemática que já havia sido aplicada às crianças de uma turma de 4a série. Naquele instrumento de avaliação exigia-se dos alunos identificar quais propriedades da adição apareciam nas sentenças matemáticas da questão selecionada para estudo. Inicialmente a reação da turma com a qual interagia foi de surpresa mediante meu questionamento. Isto porque tais perguntas são colocadas rotineiramente e mecanicamente para as crianças sem que haja previamente uma atitude crítica, por parte do professorado, no sentido de pesquisar ‘o porquê’ e o ‘para quê’ da presença dos ditos conteúdos no currículo. Analisando com a turma a situação problematizada e com o apoio em textos de pesquisadores matemáticos (D’AMBROSIO, 1996 e 2001; PIRES, 2000; LINS, 2003) que fundamentam teoricamente a disciplina, foi possível fazê-los perceber a inadequação dos conteúdos propostos para aquele nível do ensino. Surgiu, porém, de uma das estudantes a seguinte reivindicação: ⎯ ‘Mas isto faz parte do programa do Município, tem que ser cumprido’! A esta objeção seguiu-se um debate: de um lado a estudante e parte de seus colegas defendiam seu ponto de vista, de outro, eu tentava convencê-los do contrário, valendo-me das orientações contidas nos PCN’s de matemática e nas determinações dos artigos 12, 13 e 14 da Lei 9394/96 no que se refere à prevalência das decisões coletivas e autônomas dos docentes de cada estabelecimento de ensino”.
(Trecho do Diário Reflexivo da autora deste trabalho)
Seguir as pegadas de escritos acadêmicos bem como ancorar-se nas dúvidas e
contendas que permeiam as práticas docentes, da Educação Infantil ao Ensino Superior,
constituiu-se em valioso recurso para mapear o solo sobre o qual encontra-se erigido o
edifício da educação formal. Isto porque nesta investigação defendeu-se a tese de que a coleta
de dados quantitativos por si só não é suficiente para explicar e entender o que ocorre na
realidade. Em sintonia com Demo (2001, p.33), pensa-se na figura do professor pesquisador
como alguém que não “é ente desencarnado, mesmo quando se traveste de neutro, mas animal
político sempre”.
A atividade docente é práxis. E como tal é possível compreendê-la como processo,
fruição e dinamismo. É movimento ininterrupto de criação e revisão de posturas, é concepção
que remete ao pensamento de Freire (1997, p. 43), para quem “a prática docente crítica,
implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar
sobre o fazer”. E é nesse sentido que se conceitua o Projeto Político Pedagógico como marca
60
identitária, ou como o conjunto de traços fisionômicos de uma escola, distinguindo-a das
demais. Os contornos definidores dessa fisionomia são, de acordo com essa perspectiva,
passíveis de alterações desde que submetidos constantemente à apreciação e ao julgamento
dos que integram aquela escola específica, inserida numa comunidade em particular, abrindo-
se as oportunidades para o diálogo, a criação e a pluralidade de propostas, respeitadas as
singularidades e peculiaridades locais.
Percebendo-o dessa forma, Gadotti (1998, p. 16) destaca que o Projeto Político
Pedagógico é “sempre um processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que
permanece como horizonte da escola”. No rumo dessa provisoriedade Gadotti chama atenção
para o aspecto político desse projeto de escola para o qual elege-se democraticamente o
diretor que possa levá-lo adiante. Da mesma forma, caracteriza-se a gestão democrática, de
acordo com o artigo 14 da Lei 9394/96, quando determina que:
Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Mesmo estando sob a vigência dessa Lei desde 1996 percebe-se na maioria das
escolas que compõem o sistema educacional brasileiro o estigma da padronização e da
ausência de autonomia. Este quadro se agrava pela existência de ordenamentos
patrimonialistas causadores de impedimentos e resistências à implantação de processos de
gestão democráticas. Em pesquisa intitulada “A regra e o jogo: democracia e patrimonialismo
na educação brasileira”, Mendonça (2001) obteve resultados nos quais foi possível identificar as
origens dos entraves à gestão democrática: estes estariam localizados na formação acadêmica
deficiente dos professores e em atitudes de acomodação, desinteresse e corporativismo.
Elaborando suas conclusões, as lentes do pesquisador detiveram-se em aspectos que igualmente
interessam a este trabalho, quais sejam os dos perigos advindos do centralismo administrativo
que “tornou a escola distante da comunidade em função do planejamento e da gestão realizados
61
em níveis centrais”. Por conseguinte, Mendonça (2001, p. 93) reserva lugar de destaque para o
Projeto Político Pedagógico considerando-o “como uma das principais expressões da autonomia
escolar”.
Referindo-se ao Projeto Político Pedagógico da escola cidadã, Gadotti (1998, p. 27)
defende tese semelhante à de Mendonça argumentando que “o sistema de ensino deve ser
pensado como uma unidade descentralizada. Descentralização e autonomia caminham juntas”.
Quanto a esse aspecto, Mendonça conclui que o sistema alimenta-se de seus próprios vícios,
gerando obstáculos que se relacionam à inflexibilidade na rotina administrativa e ao
autoritarismo arraigado nas relações do sistema com a escola. Tais conclusões remetem às
reflexões da autora deste artigo, quando na página 60 registra a fala de uma estudante-
professora ao manifestar-se favorável à manutenção de práticas cristalizadas, sem questioná-
las. Naquele episódio é flagrante a obediência cega a um programa supostamente elaborado
pela Secretaria de Educação do Município. A recusa da professora em aceitar discutir a
possibilidade de inserir, ou não, determinado conteúdo de matemática em suas aulas, ou de
apresentá-lo sob uma nova roupagem, mostram que por trás do descompromisso e do
desinteresse há, por certo, além de substanciais lacunas na formação, relações profissionais
hierárquicas, verticalizadas, reprodutoras das relações de opressão e submissão.
A dificuldade em romper paradigmas e de buscar soluções para problemas da
prática cotidiana fica igualmente explicitada na situação descrita no “diário reflexivo”
quando, a professora mesmo depois de convidada a consultar documentos legais e a pesquisar
sobre a existência, ou não, de um programa oficial, manteve-se numa postura rígida, atada
exclusivamente ao cumprimento de regras estranhas criadas por outrem, alienadas, portanto
da sua práxis. Gadotti (1998, p. 17) enfatiza que
a gestão democrática pode melhorar o que é específico da escola, ou seja, o seu ensino. Propiciará um contato permanente entre professores e alunos, um conhecimento mútuo e, em conseqüência, aproximará também as necessidades dos alunos dos conteúdos ensinados pelos professores.
62
Neste contexto, vale lembrar o enfoque de D’Ambrosio (2001), convergente com
a essência do Projeto Político Pedagógico, já que a etnomatemática significa o
reconhecimento da contribuição das diversas culturas para o pensamento matemático.
Só as escolas que conhecem de perto a comunidade, seus anseios e limitações,
podem dar respostas concretas aos problemas reais de cada uma delas, podem respeitar as
peculiaridades étnicas, sociais e culturais de cada região. É nesse sentido que a
etnomatemática desponta como alternativa, dentro do Projeto Político Pedagógico, à
abordagem dos conteúdos matemáticos.
A análise da situação ocorrida em uma turma de Pedagogia ensejou cotejá-la com
conceitos-chave do Projeto Político Pedagógico permitindo ressaltar que a professora em
discussão, assim como a maioria dos demais colegas da turma, vivenciam experiências
isoladas no seu dia-a-dia principalmente porque nas escolas onde atuam não há espaço para o
diálogo e para a tomada de decisões coletivas. Agindo isoladamente, optam por manter a
repetição de velhas receitas apesar da evidência do fracasso escolar e do reconhecimento de
que a solução para esse problema estaria em pesquisar na própria criança os melhores
recursos para ensiná-la (D’AMBROSIO e STEFFE, 1994). A ruptura desse ciclo de
repetições se daria a partir da atuação de professores progressivamente competentes, maduros
e sujeitos de si mesmos. Seguindo-se por esse caminho atinge-se a compreensão de que como
esses professores não exercem, na plenitude, a cidadania, conseqüentemente prosseguem
submetendo seus alunos a procedimentos mecânicos. Estes procedimentos, por não apelarem
para a criação e a reflexão, obstaculizam o desenvolvimento da autonomia e a formação para
a cidadania. Sobre essa questão, Gadotti (1998, p.81) pronuncia-se ressaltando que “o
currículo monocultural oficial representa um grande obstáculo a ser superado. Só uma
educação multicultural se propõe a analisar criticamente os currículos monoculturais atuais”.
63
Autonomia e participação, pressupostos do Projeto Político Pedagógico, não se
restringem exclusivamente à declaração de princípios consagrados em algum documento
legal. Devem impregnar as intervenções e encaminhamentos necessários ao êxito do que
consiste a função precípua da escola, isto é, ensinar. Alcançar este objetivo é tarefa que exige
fundamentalmente investimento na formação da consciência cidadã dos professores, condição
essencial para obter a participação efetiva de cada um deles nas decisões sobre a escolha das
trajetórias pedagógicas a serem percorridas e constantemente revistas. Pensando dessa forma,
chega-se junto com Gadotti (1998, p. 26) à noção de cidadania, para quem “cidadão é aquele
que participa do governo”, ou seja, da tomada de decisões. Se ser cidadão é também governar
e não apenas ser governado, assume-se que as idéias de cidadania, de autonomia ou
autogoverno, e democracia encontram-se imbricadas constituindo-se em pré-requisitos para a
consolidação do Projeto Político Pedagógico na escola e, conseqüentemente para operar
mudanças no ensino da matemática.
4.2 CONTEUDISMO E DIDATICISMO: VISÕES ANTAGÔNICAS OU COMPLENTARES NAS
LICENCIATURAS?
Dentre as inúmeras questões polêmicas que circundam as abordagens ao ensino da
matemática, encontra-se esta direcionada ao que deve ser priorizado nas licenciaturas, quer
nas de matemática, quer nas de pedagogia. Em relação aos cursos de pedagogia, estes vêm
passando há décadas por sucessivas alterações curriculares, ora procurando atender às
demandas, ora seguindo tendências guiadas por influências diversas, inclusive de outros
países. O mesmo não tem ocorrido com igual freqüência nas licenciaturas de matemática.
Até a reforma universitária de 1968, os cursos de pedagogia, no Brasil, seguiam
uma orientação mais conteudista e disciplinar, mantendo a tradicional fórmula 3 + 1 (três anos
de disciplinas teóricas mais um ano das didáticas dessas disciplinas). Formavam-se nesses
64
cursos professores para lecionar nos Cursos Normais. Em casos especiais (nas cidades onde
não havia universidades oferecendo licenciaturas de matemática) o MEC concedia aos
graduados em pedagogia, licença para docência de matemática de 5a à 8a série do 1o grau
(como era chamado o atual Ensino Fundamental). No currículo desses cursos de pedagogia,
havia uma ênfase à matemática e à estatística. Os cursos eram seriados e a matemática recebia
uma carga horária de 180h/a, distribuídas ao longo dos dois primeiros anos do curso. Nessa
matemática do curso de pedagogia, os conteúdos se assemelhavam aos conteúdos dos cursos
de engenharia e das licenciaturas de matemática. A visão era dicotômica: os professores que
lecionavam “esta matemática” não tinham compromisso com a matemática que deveria ser
ensinada aos (às) normalistas e muito menos às crianças e adolescentes do 1o grau.
Em contrapartida, os professores que lecionavam a didática da matemática, no
quarto ano do curso de pedagogia, não dominavam os conteúdos abordados no primeiro e
segundo anos do curso: não havia conexão entre o conteúdo e a metodologia. Após a reforma
de 1968, os cursos de pedagogia foram totalmente reformulados, voltando-se para as
especializações: Orientação Educacional, Supervisão e Administração, Magistério das
Disciplinas do Curso de Formação de Professores (antigo Curso Normal). A matemática
passou a constar, em apenas um semestre, com predominância da abordagem metodológica e
somente na especialização para o Magistério. Atualmente, esta não é mais a realidade desses
cursos. Percebe-se uma forte tendência mundial neo-conservadora, de retorno ao
conteudismo, mas os cursos ainda estão regulamentados pela Resolução do CNE/CP no 1 de
18 de fevereiro de 2002 que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em Nível Superior. A grande maioria das universidades
ainda não se ajustou a esta legislação, cuja ênfase é a integração teoria e prática, ensino e
pesquisa, abrangendo todas as disciplinas do curso.
65
Em relação às licenciaturas de matemática, Lins14 (2003, p. 32) afirma que:
o modelo de licenciatura que adotamos hoje, o 3 + 1, é praticamente o mesmo que tínhamos na década de 60, e não é nada sensato dizer que esse modelo favoreça alguma supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento do conteúdo matemático na formação de professores.
No mesmo artigo, Lins acrescenta que nos últimos trinta anos, houve uma
mudança no entendimento que se tem dos processos do pensamento humano. Com isso,
passou a haver um desgaste do modelo conteudista, mas não em detrimento desses conteúdos.
Uma reconceitualização das práticas de sala de aula emergiu, fazendo surgir um novo campo
de estudos, a Educação Matemática. Carvalho (1994, p. 81) em seu artigo “Avaliação e
perspectivas da área de ensino de matemática no Brasil”, apresenta a seguinte definição para
Educação Matemática:
é uma atividade pluri e interdisciplinar. Constitui um grande arco, onde há lugar para
pesquisas e trabalhos dos mais diferentes tipos. Nele, há um espaço para trabalhos de pesquisa acadêmica pura em Psicologia, atividades de pesquisa-ação, reciclagem de professores, elaboração de textos, pesquisas em História do Ensino da Matemática e muitas outras. O que deve ser ponto comum a todos esses pesquisadores, quer sejam matemáticos, psicólogos, educadores, filósofos, historiadores, etc., é em primeiro lugar o reconhecimento de que o trabalho de todos tem um objetivo comum – a melhoria do ensino-aprendizagem da matemática, em todos seus níveis e o respeito pelo trabalho dos outros.
Inserindo-se nestas concepções de Carvalho (1994), Lins (2003) assinala a
importância de se perguntar: “a matemática de quem o professor precisa saber?”. Finaliza ele
dizendo que: “o verdadeiro drama da educação de professores e professoras de matemática
começa na manutenção da mentalidade do 3 + 1 e da formação desarticulada que ela oferece”.
Para Lins, a saída é a integração, devendo estar presente nas disciplinas matemáticas também
a visão pedagógica. Complementando e corroborando os argumentos de Lins, encontram-se
teses da professora Dra. Estela Kaufman Fainguelernt, diretora regional da Sociedade
Brasileira de Educação Matemática – SBEM/RJ. Entrevistada por “Educação Matemática em
Revista”, Fainguelernt (2004) defende que, além de dominar os conteúdos matemáticos e de
14 Romulo Lins é professor do Departamento de Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Unesp – Rio Claro. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática entre 1995 e 1998.
66
adequá-los ao nível cognitivo dos alunos, é imprescindível que o professor contemple a
função social desses conteúdos, buscando aperfeiçoar-se constantemente. Enfatiza a
importância de uma sólida formação “tanto na parte pedagógica, psicológica e filosófica,
como na parte específica da matemática” (2004, p. 5). Em relação à estrutura disciplinar
dessas licenciaturas, julga fundamental acrescentar à integração conteúdos e métodos, a
perspectiva da pesquisa:
Sem pesquisa, qualquer trabalho se torna uma justaposição de informações sem fundamento; isto também se estende aos processos de ensino e de aprendizagem que se tornam um amontoado de receitas vazias sob os comportamentos “certos” e “errados”. É portanto essencial a introdução da disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa em Educação Matemática, nos Cursos de Licenciatura em Matemática (FAINGUELERNT, 2004, p. 6).
Tais discussões e breves análises históricas destes cursos de formação de
professores são relevantes no sentido de esclarecer que a ênfase conteudista, predominante há
tantos anos nestes cursos, não tem sido a garantia da formação de professores preparados para
encarar o processo de mediação do conhecimento matemático.
4.3 MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
O aprendizado da matemática, juntamente com o da língua portuguesa, representa
um dos principais desafios a serem superados pela escola brasileira. Números referentes aos
52,32% (SAEB 2003) dos estudantes que completam a 4a série do Ensino Fundamental, sem
ao menos dominar conceitos fundamentais da matemática ou sem conseguir resolver
problemas elementares, são considerados inaceitáveis pelos pesquisadores. Estas estatísticas
alertam para a urgência de ser contemplado e analisado este déficit, visando a modificá-lo.
O termo matemática é de origem grega; significa o que se pode aprender (mathemaquer dizer aprendizagem).
Nilson José Machado , 1989, p. 7
67
Para a realização da análise proposta nesta seção, recorreu-se às contribuições de
estudiosos que há longa data vêm se preocupando e se dedicando à problemática de como
ocorrem, na escola, as primeiras aproximações da criança com o conhecimento matemático.
Vários estudos corroboram as dificuldades encontradas por professores e alunos
ao se defrontarem com a Matemática. Pesquisadores como Schliemann e Carraher (1995)
indicam que o desempenho dos alunos está diretamente relacionado com o fracasso da escola.
Destacam a liberdade de pensar e organizar diferentes formas de solução como essenciais para
que o aluno recrie modelos matemáticos em ação e enfatizam a necessidade de professores
reflexivos, independentes, confiantes em seu conhecimento para viabilizar este processo.
A profissionalização do professor é o horizonte a ser buscado. Assumir essa busca
é condição primeira para galgar e atingir patamares mínimos educacionais para que esta
massa populacional, ainda vivendo marginalizada, sem condições de empreender uma leitura
crítica do mundo, passe não só a compreendê-lo, mas também a intervir sobre ele. Superar o
estágio do amadorismo, adquirir um sentimento de pertença e de consciência do papel a
cumprir na sociedade é tarefa desafiadora que se impõe à educação brasileira e ao educador
matemático do século XXI.
Verifica-se nas escolas que oferecem o Ensino Infantil e Fundamental a
hostilidade com que a matemática ainda continua sendo vista tanto por professores, quanto
por alunos. Isto tem sido confirmado por diversos autores tais quais Machado (1989) e
Carvalho (1994). Enquanto o primeiro explica os obstáculos do ensino da matemática como
decorrentes de uma visão distorcida desta matéria, estabelecida de forma problemática muitas
vezes desde os primeiros contatos, Carvalho (1994) chama a atenção para a inadequação de
um modelo de ensino rigoroso, linear, conteudístico, predominante nas últimas décadas e
apresenta novas perspectivas para estudo em Educação Matemática, suscitando novas
pesquisas.
68
No primeiro segmento do Ensino Fundamental, profissionais que tiveram sua
formação nos antigos cursos Normais ou Formação de Professores admitem, de um modo
geral, “sua fuga” para cursos onde não são exigidos conhecimentos específicos de
matemática. Por outro lado, licenciados em matemática enfrentam igualmente consideráveis
entraves por desconhecerem aspectos essenciais relacionados ao aprendizado da matemática
básica, vivenciando “muitas dificuldades nos primeiros anos de trabalho na sala de aula”
(FAINGUELERNT, 2004, p. 5).
Bukowitz (1992, p. 57) teve oportunidade de observar em sua pesquisa que no
Curso de Formação de Professores, os docentes “utilizam exclusivamente o método de
exposição oral alternado com lições passadas no quadro e longas listas de exercícios para
serem copiados e resolvidos pelos alunos”. Tal procedimento, recorrente nas aulas de
matemática, daqueles professores avaliados, contraria as concepções dos pesquisadores supra-
citados bem como as da teoria cognitivista de Bruner. Sobre essa questão, Bukowitz (2000, p. 33)
chama a atenção para o fato de que “a metodologia resolução de problemas, por propor
situações que dependem mais da investigação e menos de informação, deve estar presente em
todo o ensino da matemática, já que os processos matemáticos foram criados na resolução de
problemas”.
Os encontros iniciais da criança com a matemática, tal como hoje se apresenta
estruturada cientificamente, devem, pois ocorrer no contexto de situações problematizadoras:
O domínio das técnicas e cálculos das operações depende da compreensão que o aluno adquiriu ao construir por si mesmo o conceito de número e das operações matemáticas. Essa construção decorre do maior número possível de relações estabelecidas entre objetos, no contexto de uma atividade autônoma que o levou à descoberta (BUKOWITZ, 2000 p. 34).
As contribuições de Bukowitz vêm no sentido de cotejá-las com a realidade de
salas de aula da escola brasileira contemporânea. Sem pretender dar conta de explicar toda a
complexidade dos fatores que têm interferido negativamente na aprendizagem da matemática,
69
no Ensino Infantil e Fundamental, e muito menos apontar um único caminho para solucionar
este intrincado problema, dispõe-se neste trabalho de bases teóricas suficientes para sugerir a
renovação dos percursos utilizados pela maioria dos professores para ensinarem matemática.
Em minuciosa análise sobre a eficiência do ensino, Heyneman (1997, p. 553)
enumera quatro fatores que poderão contribuir para melhorar a educação: elaborar estatísticas
descritivas, produzir material pedagógico competitivo, contar com pessoal docente
profissionalizado, financiar o ensino superior de maneira criativa.
Dentre estes elementos, destaca-se como fundamental investir na profissionalização do
professorado, a qual não deve ser entendida exclusivamente como melhorias salariais
atreladas à titulação. Mais que isso, e como conseqüência desses protocolos, espera-se destes
docentes mais capacitados uma efetiva disposição para ensinar, o que resultaria numa real
aprendizagem dos estudantes. Bom ensino é aquele que promove a aprendizagem. Para tanto
necessita fundamentar-se em pesquisas sobre como o aluno aprende, isto é, o professor
interagindo tem a possibilidade de aprender, observando e pesquisando as formas adequadas
de sensibilizar e motivar o aluno para a aprendizagem.
Tais concepções convergem para a teoria de Bruner e encontram-se próximas a
uma das teses de Heyneman (2003) ao referir-se enfaticamente ao “desire to learn”.
O professor, nesta perspectiva, deve ser um profundo conhecedor da infância, e mais que isso
deve conhecer especificamente a criança que tem diante de si. É possível afirmar, com certa
margem de segurança, excetuando-se casos particulares das regiões mais desenvolvidas, que
na realidade brasileira não há este conhecimento e este interesse por parte do professor. Esta
afirmação se apóia principalmente em estatísticas recentes realizadas para avaliar o
desempenho dos estudantes brasileiros, já citadas anteriormente. Tais análises podem, porém,
refletir uma interpretação parcial dos resultados. Por conta disso, os critérios utilizados para
avaliação por meio de testes padronizados, incluindo os nacionais e internacionais, necessitam
70
de constante aperfeiçoamento e revisão para não incorrerem em injustiças e distorções.
A unilateralidade do processo avaliativo poderá desembocar num autoritarismo com
conseqüências sociais perniciosas. Sobre essa questão, Clarilza Sousa (1994, p. 110) destaca
que:
a avaliação do rendimento escolar tem se traduzido, nas escolas, em uma prática autoritária que legitima um processo de seletividade e discriminação dos alunos com conseqüências sociais e pessoais danosas, em nada coerente com a função que lhe foi atribuída, de apoiar o aperfeiçoamento do ensino.
Justificam essas argumentações precedentes, o pensamento de Sandra Sousa
(1994, p. 46) para quem “a competência ou incompetência do aluno resulta, em última
instância, da competência ou incompetência da escola, não podendo, portanto, a avaliação
escolar restringir-se a um de seus elementos, de forma isolada”.
A prática de avaliação no Brasil é recente, não está consolidada, havendo por isso,
resistências coorporativas e no meio acadêmico. Elas devem ser enfrentadas, sobretudo,
porque o processo avaliativo merece ser visto como pressuposto para melhoria do sistema
educacional. Contudo, faz-se necessário, dentro de uma sociedade que se quer democrática,
contemplar as razões dos detratores: para eles, a avaliação encontra-se fortemente relacionada
com o poder. Questionamentos tais quais: – que poder têm os avaliadores para definir os
padrões? Ou – quem avalia os avaliadores? – emergiram como desencadeadoras de um debate
produtivo e construtivo, indicando a permanente necessidade de aperfeiçoamento dessas
estratégias avaliativas.
Assim é que dentre as diretrizes anunciadas pelo Professor Carlos Henrique
Araújo, para o SAEB 2003, recebeu destaque a avaliação das condições de ensino, bem como
um estudo com os professores objetivando contemplar a possível falta de envolvimento
pessoal no trabalho. Por este motivo, nesta seção, foram enfatizadas referências ao quesito
condições de ensino, tal qual referido acima. Para tanto, recorreu-se ao relatório SAEB 2001-
matemática, p. 66, onde se encontram as seguintes considerações:
71
Para a construção dos testes de matemática do SAEB 2001, a opção teórica adotada foi a de natureza cognitivista, na medida em que a cobrança de produtos decorrentes de memorização foi sendo substituída por cobranças de conteúdos na perspectiva das competências e habilidades nelas implícitas.
Ainda na mesma página, são dignas de menção as seguintes argumentações:
“as notações numéricas seguem regras que precisam ser entendidas, e não decoradas.
As conclusões estabelecidas por cada cultura podem parecer arbitrárias às crianças”.
Pelo que precede, ficou legitimada nesta tese a escolha do cognitivismo como a
teoria norteadora das propostas pedagógicas que visariam resgatar a aprendizagem de
matemática desses 52,32% (SAEB 2003) de alunos das escolas brasileiras do Ensino
Fundamental, cujos conhecimentos revelaram-se abaixo dos níveis mínimos aceitáveis.
Resultados apresentados nestas avaliações do SAEB são condizentes com os das
pesquisas que a autora deste trabalho vem realizando em escolas do município de Petrópolis.
Nestas unidades escolares, sucede que o tratamento dado à matemática nas séries iniciais do
Ensino Fundamental restringe-se preponderantemente à memorização de regras e à cópia de
seqüências numéricas e de algoritmos. Pode-se, com alguma segurança, afirmar que na
maioria dessas escolas, os professores não têm utilizado um método (na acepção da palavra,
indicando um caminho consciente, organizado e fundamentado teoricamente) de ensino de
matemática (ver anexos A e B). Tal prática, baseada em procedimentos rotineiros e repetitivos,
se contrapõe aos princípios das teorias cognitivistas, gerando o que se denomina fracasso
escolar.
Conforme preconizam as teses cognitivistas, as competências numéricas das
crianças e o aprendizado dos algoritmos demandam construção própria e a apreensão do
significado das relações, o que não depende simplesmente da memorização e da execução de
exercícios mecânicos. Estas concepções se confrontam de certa forma com as idéias de
Mouchon (2003) contrário aos métodos globalizados da leitura e à aceitação da lógica como a
única via cognitiva. Mouchon, em suas argumentações, deixou registrado o princípio de que
72
primeiro ocorre a automatização, depois a compreensão. Seguem esta linha de raciocínio
diversas pesquisas francesas contemporâneas, adotando uma posição neo-conservadora,
tendência que vem se espalhando nos países mais desenvolvidos e industrializados.
Contrastando com as características desses países, compreende-se que cabe às
escolas brasileiras assumir a ambiciosa tarefa de oferecer às crianças as condições propícias
ao aprendizado que a família não lhes pôde proporcionar. Este contexto histórico-cultural,
distinto dos países desenvolvidos, é agravado pela problemática do despreparo dos
professores e das condições de extrema pobreza da maioria da população, sinalizando para a
busca de propostas que considerem todas essas contingências. As teorias cognitivistas seriam
as mais indicadas para estas realidades, devido às teses que as identificam, tais quais descritas
no capítulo 3 deste trabalho.
73
5 PERCURSO METODOLÓGICO
A tarefa foi levada a termo com a pesquisadora atuando em dupla função, como
sujeito e como objeto da pesquisa. Além de ser parte do campo onde tencionava operar
mudanças, encontrava-se imersa nele. O objeto definido por inovação e reformulação do
ensino da matemática convergiu para a indicação de Gramsci – matriz do referencial teórico –
e para a escolha da pesquisa-ação, percurso metodológico também compatível com as
características deste processo investigativo, pontuado por tensões, conflitos,
rejeições/aceitações.
Estar orientando estágios e acompanhando-os de perto nas escolas conforme
preceituam determinações legais (Resolução CNE/CP2 de 19 de fevereiro de 2002), além de
acontecimento incomum e desafiador consistiu em situação privilegiada para a consecução
dos objetivos almejados no decorrer da proposta. Mais que todos esses fatores, a atuação
envolvente e comprometida da pesquisadora como docente da disciplina Conteúdo e
Metodologia do Ensino da Matemática concorreu efetivamente para que o estudo se
encaminhasse sob a forma de pesquisa-ação.
Investigar ações em curso e refletir sobre essas ações é considerá-las como
iniciativas fundamentais para intervir sobre a realidade. A pesquisa-ação participativa
adequou-se aos propósitos deste estudo, pois envolveu um processo de investigação, de
educação e de ação. Neste trabalho, o termo “pesquisa-ação” mantém o significado originário
da psicologia social, cunhado por Kurt Lewin, na década de quarenta, nos EUA. Segundo
Lewin, citado por Haguette (1992, p.111), “não queremos ação sem pesquisa, nem pesquisa
sem ação”.
A mudança, quer dizer, o vivente, implica a existência de conflitos abertos entre as instâncias internas e externas no âmago dos indivíduos e dos grupos.
René Barbier, 1996, p. 26
74
A investigação caracterizou-se pelos mesmos aspectos apontados por Lewin,
direcionando-se igualmente para as concepções de Barbier (1996). Segundo ele, a pesquisa-
ação é eminentemente pedagógica e política. Neste processo de análise, a distância entre
sujeito e objeto de pesquisa é prejudicial à geração de conhecimento por parte do pesquisador.
Haguette (1992) advoga que o pesquisador intervenha no meio para que haja conhecimento.
A autora rejeita os pressupostos da chamada “neutralidade científica”, argumentando que o
conhecimento da população sobre o “real” depende, fundamentalmente, de sua participação
no processo de investigação. A idéia de participação envolve a presença ativa dos
pesquisadores e de certa população em um projeto comum de investigação, significando ao
mesmo tempo um processo educativo, produzido dentro da ação.
Por conseguinte, toda problemática científica que não leve em consideração a
mudança não pode estudar a criatura viva em toda sua complexidade. Estas afirmações de
Barbier remetem novamente a Haguette que caracteriza a pesquisa participativa – adotada
metodologicamente para este trabalho – como o caminho para a pesquisa-ação: a realização
concomitante da investigação e da ação; a participação conjunta de pesquisadores e
pesquisados, objetivando mudança.
Sendo assim, a preocupação com o processo e com a mudança foi a marca
determinante neste estudo, pois transcendeu a coleta de dados, instigando os participantes a
ressignificarem sua prática relativa ao ensino da matemática. A opção por esta metodologia é
decorrência das necessidades e questionamentos originados no grupo de pesquisa,
considerado também pesquisador. Thiollent (2002) enfatiza que a pesquisa-ação não deve ser
identificada como ativismo, populismo, academicismo e tecnocratismo. Defende que todas as
características qualitativas da pesquisa-ação não fogem ao espírito científico acrescentando
que o qualitativo e o diálogo não são anticientíficos. Esclarece que em pesquisas locais, como
é o caso da pesquisa-ação, é possível até abrir mão das generalizações superiores em favor da
75
situação efetivamente investigada. Em acordo com Thiollent, a teoria foi enaltecida, gerando
idéias e diretrizes para orientar as interpretações e o rumo geral da pesquisa. Desta forma, a
filosofia da práxis de Gramsci transparece ao longo de todo o texto, unindo todas as partes
que o compõem.
5.1 BASES TEÓRICAS
A inspiração advinda do pensamento de Gramsci (1978) destacou-se à frente dos
demais autores, supracitados no capítulo 3, principalmente porque a força do seu
compromisso intelectual reside na práxis, estimulando e fecundando sua teoria, ultrapassando
um compromisso puramente acadêmico. Num segundo nível, a presença de Giroux (1997 e
2003) impôs-se ao quadro teórico, direcionando os procedimentos adotados na pesquisa, por
apresentar uma pedagogia crítica sob a forma de política cultural, inserindo dessa forma as
idéias de Gramsci na escola do mundo contemporâneo. No capítulo 2, e já num terceiro nível,
Imbernón (2001) despontou sugerindo as Comunidades de Aprendizagem, contexto em que os
próprios professores problematizando questões de sua prática cotidiana, realizam as
necessárias transformações com a participação de todo o grupo. Num quarto nível, emerge o
suporte nas propostas metodológicas delineadas por Morin (2004). Em sua obra intitulada
“Pesquisa-ação integral e sistêmica”, André Morin sugere um conjunto de estratégias
alicerçadas no que denominou de antropopedagogia. Segundo o autor, a antropopedagogia
retêm fundamentos da antropologia combinados aos da educação. Isto porque ao estudar as
culturas, o antropólogo visa compreendê-las, preservando seus valores, enquanto na
educação, o pesquisador é um agente de mudança. Morin construiu então uma metodologia
que possibilita reunir as ferramentas próprias da antropologia, uma ciência do homem, aos
recursos documentários da educação:
A abordagem antropológica trazia a observação participante e algumas ferramentas, mas essa contribuição devia se desdobrar em educação, sob forma de método pedagógico capaz
76
de permitir as transformações intelectual, afetiva, sensório-motora e global das pessoas interessadas (MORIN, 2004, p. 40).
Estas ferramentas operacionais aplicam-se a um modelo de ensino-aprendizagem
em pedagogia aberta15, conforme defendido por Fotinas (1998), citado por Morin (2004).
Assentando-se nas mesmas bases humanistas da filosofia da práxis, uma pedagogia aberta
admite a autonomia e a participação ativa dos estudantes como premissas para sua
aprendizagem, aspectos igualmente relevantes da teoria de Piaget conforme já explicitados
anteriormente neste trabalho:
O humanismo é central em todos os métodos e relatórios. Ele dá sua cor à comunicação que se traduz em trocas de idéias e ações. Esta comunicação dialogal é carregada de justiça, de respeito aos outros, de empatia, criatividade e flexibilidade (MORIN, 2004, p.107).
Sobre a mesma temática, D’Ambrosio (1999) pronuncia-se enfatizando que todo
conhecimento e toda ciência devem estar a serviço do homem e não o contrário. Para tanto,
advoga a etnomatemática, uma postura pedagógica centrada no homem multi-étnico, multi-
racional e autônomo, capaz de criar suas próprias estratégias de pensamento e de cálculo.
Por este motivo procurou-se, no decorrer da pesquisa, não perder de vista a
preponderância dessa dimensão humana sobre os aspectos exclusivamente classificatórios e
mensuráveis quantitativamente. Gramsci, não distinguindo o agir do conhecer, admite a
previsibilidade na medida em que se opera sobre os fatos. Para ele, a filosofia da práxis é a
própria metodologia geral da história:
não se deixa aprisionar pelas “leis estatísticas ou dos grandes números”, expressões de uma sociologia que no lugar de uma “filologia vivente” faz uma matemática social e uma classificação exterior. Limitar-se a isso, argumenta Gramsci, significa supor que os homens são coisas e os grupos sociais permanecem sempre passivos (SEMERARO, 2001, p. 99).
Por conseguinte, quanto aos procedimentos, para o alcance do objetivo maior
dessa pesquisa, adotou-se de Gramsci a centralidade do papel do pesquisador:
15 “Fotinas descreve a pedagogia aberta como ‘pedagogia que emerge no dia-a-dia, que surge como uma fonte na montanha’ ” (MORIN, 2004, p. 36).
77
Na pesquisa-ação integral e sistêmica, o instrumento principal é o próprio ator-pesquisador, é muito importante que ele registre tudo o que faz e o que ele sente no cumprimento de sua tarefa (MORIN, 2004, p. 135).
Desta forma, a implicação e o engajamento do pesquisador no campo de
observação são atitudes consideradas fundamentais para a implementação de mudanças de
concepções, de práticas, de situações, de produtos, de discursos em função de um projeto
alvo, exprimindo um sistema de valores, concernente a um espaço/tempo, pessoas e práticas
específicas. Tais considerações permitiram esclarecer que a proposta desenvolveu-se
baseando-se em:
• Compromisso político dos educadores com a mudança do ensino da matemática,
compatível com a concepção de educação de Gramsci (1978): uma educação
transformadora de idéias, capaz de produzir a mudança social e construir uma
ordem por meio da disseminação de uma nova filosofia, uma visão alternativa de
mundo.
• Concepção de conhecimento como problema, como objeto de investigação,
conforme defendida por Giroux (1997, p. 83), para quem o conhecimento é “mais
do que uma representação neutra do fato. As estruturas teóricas e os fatos são parte
inseparável do que chamamos conhecimento”.
• Construção de conceitos matemáticos pelo grupo pesquisado visando alcançar
renovação de concepções e de práticas acerca da matemática e de seu ensino.
• Observância aos preceitos contidos em documentos oficiais, articulando-os com os
dois aspectos precedentes. Vale assinalar que esta observância não consistiu em
mera obediência às normas, resultando do constante movimento dialético,
característico da práxis no decorrer do processo.
Estes balizadores permearam as narrativas das oficinas realizadas para fins de
ensino e de pesquisa, bem como os registros dos diários, dos memoriais e das aulas,
selecionados para compor este relatório, do qual sobressaíram os seguintes aspectos:
78
• O objeto de estudo convergiu para a problemática suscitada pelo grupo de pesquisa,
considerado também “pesquisador”, conforme observado nos diálogos mantidos nas
oficinas relatadas na próxima seção, bem como nos relatórios apresentados pelos
estudantes ao longo da proposta (ver anexo C).
• Para coleta de dados, estiveram disponíveis instrumentos diversificados: debates,
discussões em grupo, relatórios de estágios, mapas conceituais, cópias de cadernos
de estudantes de escolas públicas, observações de aulas nos estágios, diários
reflexivos, já conceituados no capítulo introdutório, e eventuais aplicações de
questionários abertos sob a forma de auto-avaliação de participação no processo.
Estes instrumentos constituíram-se em fonte de evidências segundo conceituação de
Yin (2005) dos quais dispõe-se de arquivo documental (ver anexos de A a F).
• Essas elaborações e documentos foram submetidos à análise de conteúdo, uma
abordagem de pesquisa que busca o significado do material coletado. Como diz Bardin
(1994, p. 120), o objetivo primordial de toda categorização é o de “fornecer, por
condensação, uma representação simplificada dos dados brutos”. Tal análise permitiu
a depreensão dos sentidos a respeito dos pressupostos estabelecidos pela pesquisadora
em interação com o grupo – concepções de matemática e de aprendizado da
matemática. Além destes, emergiram expressões afetivas dos pesquisados –
consideradas relevantes em situações de aprendizado.
• O desenvolvimento da investigação, passível de transformação ao longo da pesquisa,
foi sendo elaborado em conjunto com o grupo. Com isso, gerou-se conhecimento
dentro da ação da pesquisa onde todos os envolvidos se beneficiaram das experiências
uns dos outros, conforme atestam as narrativas das oficinas, neste capítulo.
• Ao longo das oficinas, a análise e discussão dos dados redefiniram questões levantadas
como pode ser visto nos registros dessas narrativas bem como no relatório do anexo C.
79
Cumpre ressaltar que esses registros constituíram-se o eixo deste trabalho. Isto porque
dali emanaram as problemáticas, os estranhamentos, bem como os encaminhamentos
para a resolução dos problemas. Por este motivo, mantiveram-se preservadas na
íntegra as manifestações cognitivo-afetivas pesquisados/ pesquisadora do processo de
ensino/pesquisa. As oficinas, tais como concebidas por Carvalho (1990) e sugeridas
por Serrazina (2003) permitiram observância aos princípios da pesquisa-ação,
estabelecendo-se como laboratório de idéias, locus das vinculações de aspectos
teórico-prático-metodológicos do ensino da matemática.
• Por tratar-se de pesquisa-ação, a descrição e interpretação dos fenômenos não se
restringiu a momentos estanques. As fases por vezes apenas sutilmente demarcadas, não
se circunscreveram linearmente. Assemelhando-se à noção da espiral característica do
ensino proposto por Bruner, esta dinâmica pode ser percebida nos relatos das oficinas
quando são descritas as interações, as intervenções e a fundamentação teórica, tal como
observado no quadro 2 e na ilustração do quadro 3, subseqüentes.
• A riqueza do processo da pesquisa-ação-ensino-aprendizagem adveio do envolvimento
de estudantes do Curso de Pedagogia de duas Instituições Privadas, de Ensino
Superior, em Petrópolis, nas disciplinas Prática Pedagógica, Prática Supervisionada e
Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática, em 2003 e 2004. O alunado das
duas instituições, em maioria, provém de classe média baixa, já atuando como docentes
em escolas municipais ou privadas, no ensino infantil e fundamental. Por enfrentarem
dupla ou tripla jornada de trabalho, o acesso aos recursos necessários para a apropriação
do conhecimento é dificultado. Os alunos das escolas públicas, orientados por estes
estudantes-professores, por extensão, estariam incluídos na pesquisa, tal qual referidos
acima, ao beneficiarem-se da mudança de postura pedagógica desses docentes.
O quadro 2, a seguir, sintetiza os procedimentos metodológicos adotados.
80
81
A dinâmica do campo
O quadro 2 representa em síntese a circularidade de um processo permeado por
ação, reflexão e avaliação. Para assegurar esta permanente movimentação, aprofundamento e
avanços – e às vezes, retrocessos – desenvolveu-se uma dinâmica baseada no diálogo e na
discussão, permitindo que houvesse intervenções de todos os atores envolvidos, isto é, da
docente e dos estudantes-professores. Segundo Morin (2004, p. 60), tal participação
se inscreve em um paradigma socioconstrutivista e enfatiza a discussão como meio de contornar a dificuldade que encontra o pesquisador participante para demonstrar perfeita objetividade [...]. A criatividade é necessária na busca de soluções; compartilhamento e compreensão são essenciais na busca da verdade para chegar a uma espiral de comunicação ativa, sem nunca acreditar, no entanto, que a verdade absoluta seja alcançada.
Morin (2004, p. 97) delineia um percurso por ele assim definido: As primeiras ações acarretam uma reflexão sobre sua pertinência; o fenômeno a
modelar é concebido em seu projeto, repensado e validado por novas ações; as estratégias são elaboradas a partir de simulações, e as táticas são adotadas, revistas e corrigidas após novos processos de ações e reflexões.
Assim é que nesta pesquisa, a sensibilização constituiu-se no disparador de toda a
trajetória metodológica. Desta primeira aproximação, derivaram as “fontes de evidência”
(YIN, 2005) ou seja, múltiplas fontes documentais sob a forma escrita, oral e virtual que
convergiram para as problematizações. Estas, por sua vez, caracterizaram-se
predominantemente por considerar o “meio circundante” e o “vivido pelos participantes”.
A reboque destas problemáticas, emergiram as oficinas, “fontes do conhecimento” geradas
neste contexto dinâmico em que se encontram presentes e inextricavelmente ligados os
fundamentos teóricos e metodológicos para a construção dos conceitos matemáticos.
As mudanças produzidas, quer no âmbito das concepções, quer no das práticas,
converteram-se em “produção do conhecimento”, sob a forma de relatórios e de projetos, em
alguns casos trabalhos interdisciplinares já concretizados em unidades escolares do município
de Petrópolis onde atuam estes estudantes-professores.
82
A ilustração representada no quadro 3, a seguir, permite visualizar, em detalhe, os
progressivos avanços em ascensão, bem como a abrangência transformadora decorrente da
proposta. Torna-se fundamental, no entanto, esclarecer que neste percurso os sujeitos,
considerados como produtos e produtores da história e da cultura, em muitos casos,
resistiram, opondo-se a aderir às mudanças, configurando-se assim um retrocesso e um
retorno às problemáticas geradoras de todo o processo. Esta situação é plenamente passível de
aceitação e entendimento quando o objeto de estudo refere-se às ações humanas.
83
84
5.2 PRÁTICAS INVESTIGATIVAS EM MATEMÁTICA NO CONTEXTO DE OFICINAS: UMA ROPOSTA DE TRABALHO NO CURSO DE PEDAGOGIA
Na presente pesquisa, as oficinas constituíram-se simultaneamente em
metodologia de ensino e de pesquisa. Teoricamente, comungam com a filosofia da práxis,
concepção já definida na página 24 como “consciência plena das contradições e caminho
totalmente novo para potencializar novos grupos ético-político-progressistas”. Além disso,
esta metodologia de trabalho identifica-se com as características da pesquisa-ação
(THIOLLENT, 2002 e BARBIER, 1996), já descritas anteriormente por representarem
intervenção na ação bem como participação ativa dos pesquisandos e pesquisadores em um
processo de investigação. Os conteúdos matemáticos desenvolvidos ao longo desta proposta
apresentaram-se imbricados com a sua respectiva metodologia, tendo emergido de um estudo
das necessidades e da pesquisa de temas de interesse dos participantes.
Apesar do compromisso em cumprir uma programação previamente estabelecida
pelas coordenações dos cursos das Instituições de Ensino nas quais a proposta se realizou, a
autonomia da pesquisadora, bem como a flexibilidade característica de qualquer
programação, permitiram não apenas criatividade quanto ao desenvolvimento destes
conteúdos tanto quanto conferir prioridade ou aprofundamento a determinados temas em
detrimento de outros. A concretização destas ações transcorreu em consonância com o que
defende Giroux (1997, p. 136) para a categoria de intelectual transformador:
Ela significa uma forma de trabalho na qual o pensamento e atuação estão inextricavelmente relacionados e, como tal, oferece uma contra-ideologia para as pedagogias instrumentais e administrativas que separam concepção de execução e ignoram a especificidade das experiências e formas subjetivas que moldam o comportamento dos estudantes e professores.
Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.
Karl Marx, 1996, p. 14
85
Realizada uma primeira abordagem de caráter exploratório, por meio de
solicitação de elaboração de memoriais, confecção de mapas conceituais, exibição de vídeos,
sugestão de leituras e de diálogo com os participantes, emergiram questões que
desencadearam situações problematizadoras em torno das quais desenvolveram-se as oficinas.
Nestes encontros, conforme mostram as narrativas das oficinas a seguir, a
interação professor/estudante definiu-se por uma relação dialógica, condição favorecedora da
construção e/ou resgate dos conceitos matemáticos. Outro traço marcante destas práticas
investigativas consistiu na não-linearidade da abordagem desses conceitos matemáticos,
coerente com concepções cognitivo-construtivistas e do conhecimento em rede.
No desenvolvimento destas oficinas, locus das práticas investigativas, visualizou-se
permanentemente o diálogo teoria-prática-teoria, diálogo este testemunhado nos registros,
pelas referências aos autores que as fundamentam.
A proposta apresentada procurou convergir para os propósitos defendidos nesta
tese, sem perder de vista tendências contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
quais sejam as de abordar números, medidas, espaço e forma e tratamento da informação.
A seleção de temas para compor a elaboração deste relatório, restringiu-se ao registro de
apenas quatro oficinas (divisão, sistema de numeração decimal, fração, perímetro e área),
consideradas as mais significativas para o que se quis aqui defender, bem como para atender
às demandas – interesses e carências – dos pesquisados. O quadro 4 a seguir sintetiza o que de
mais relevante se depreendeu no contexto dessas dinâmicas, descritas na seção subseqüente,
conforme tratamento metodológico sugerido por Morin (2004).
86
87
5.2.1 AS OFICINAS
A oficina16, uma forma de trabalhar simultaneamente conteúdo e metodologia do
ensino da matemática, encontra-se descrita por Carvalho (1990, p. 24), que a caracteriza por:
colocar o aluno diante de uma situação-problema cuja abordagem o leve a construir o seu conhecimento. É desejável que a situação desencadeadora seja suficientemente rica e aberta, de maneira que o próprio grupo-classe possa levantar inúmeros problemas cuja resolução permita abordar, num sentido amplo, os conteúdos que se deseja estudar.
Estas proposições de Carvalho harmonizam-se com o que estabelece Serrazina
(2003, p. 68) ao defender que
os cursos de formação de professores devem ser organizados de modo a permitir-lhes viver experiências de aprendizagem que se quer que os seus alunos experimentem e que constituam um desafio intelectual.
Este tratamento metodológico, além de favorecer uma análise dos contextos das
situações de ensino das escolas onde atuam os graduandos, oferece ao docente de Pedagogia
oportunidades de intervenção: as interações advindas desse tipo de contrato didático
constituem campo fértil para promover alterações nas práticas docentes desses estudantes, que
em maioria já exerce o magistério. Nesses momentos de diálogo e problematizações,
sobressai o aspecto investigativo da proposta: emergem questões esclarecedoras quanto ao
nível de conhecimentos matemáticos do grupo, propiciando o surgimento de alternativas para
fazer a turma avançar.
16 Para que no registro das oficinas possam ser identificadas as vozes dos atores, adotou-se a seguinte formatação:
- elaboração teórica da autora: a mesma fonte utilizada no desenvolvimento da tese; - citações dos autores fundamentadores: a fonte recomendada para tal fim, de acordo com as normas da ABNT; - intervenções da autora da tese: mesma fonte da tese, em itálico; - estudantes e diários reflexivos da autora: mesma fonte da tese, porém em itálico, tamanho menor e com recuo.
88
5.2.1.1 OFICINA 1: DIVISÃO
Uma abordagem ao cognitivismo de Bruner, tema proposto por meio de uma
leitura de fundamentação teórica ensejou a realização de oficinas em que foram utilizadas
tampas de garrafa PET, em substituição à idéia original dos feijões sugeridos por Bruner
(1973, p. 60). A proposta do autor, conforme indicado em seu texto, consistiu em favorecer a
construção de conceitos, tais quais, os de números primos, múltiplos, divisores, fatores e
fatoração. Além da construção destes conceitos, foi possível não só resgatar, mas até mesmo
oportunizar uma perspectiva distinta das usuais para a apreensão dos princípios das operações
de multiplicação e divisão:
O conceito de números primos parece ser mais prontamente compreendido quando a criança, através da construção, descobre que certos punhados de feijões não podem ser espalhados em linhas e colunas completas. Tais quantidades têm que ser colocadas em uma fila única ou em um modelo incompleto de linha-coluna no qual existe sempre um a mais, ou alguns a menos, para preencher o padrão. Estes padrões, que as crianças aprendem, são chamados de primos. É fácil para a criança ir desta etapa para o reconhecimento de que uma denominada tabela múltipla é uma folha-registro das quantidades em várias colunas e linhas completadas. Aqui está a fatoração, multiplicação e primos, em uma construção que pode ser visualizada.
O registro a seguir corrobora as argumentações e discussões que vêm sendo
levantadas ao longo deste trabalho:
A problematização inicial da oficina inspirada no texto dos feijões de Bruner
consistiu em que os (as) estudantes pegassem aleatoriamente um punhado de tampinhas e
tentassem arrumá-las em linhas e colunas,de modo que as quantidades nessas linhas e
colunas fossem iguais. Ao pegar 46 tampinhas, uma das alunas-professoras necessitou de
realizar várias tentativas para resolver o problema. Experimentou, primeiramente, linhas e
colunas com 4 ou 5 tampinhas (houve tentativas de ensaio e erro, sem utilização de
Os hindus não apenas inventaram o cálculo e a numeração moderna, como conseguiram tornar teoricamente possível a democratização da arte do cálculo – domínio que ficara confinado durante milênios nas mãos de uma casta privilegiada.
Georges Ifrah, 1989, p. 292
89
raciocínio prévio) não obtendo êxito para atender a organização proposta. Finalizou
agrupando as tampinhas de 2 em 2, conseguindo a seguinte configuração:
Isto é, dispôs os objetos em 23 colunas de 2 tampinhas ou,se considerando de
outro ponto de vista, 2 linhas de 23 tampinhas.
Distintas quantidades foram trabalhadas individualmente ou em variados grupos
da turma. Porém, as dúvidas suscitadas conduziram a reflexões e a conclusões semelhantes,
tendo sido possível direcioná-las para os passos sugeridos por Carvalho (1990, p. 24), nas
oficinas:
- sistematizar os aspectos do conceito levantados durante as atividades; - construir uma linguagem matemática a partir dos registros que os alunos fizeram de suas
conclusões. - registrar as relações percebidas pelos alunos, utilizando a linguagem construída naquele -
grupo-classe, naquele momento.
Os registros elaborados expressaram o coroamento de um processo de construção
dos conceitos indicados por Bruner. Muito mais que engendrar a apreensão desses conceitos,
a oficina permitiu que os (as) estudantes visualizassem o aspecto geométrico subjacente ao
aspecto aritmético da atividade.
A percepção integrada desses aspectos (aritmético e geométrico) é uma das
essências das oficinas, constituindo, na maioria dos casos, uma surpresa para os participantes.
Este estranhamento é conseqüência do ensino tradicional, erigido sobre os pilares da
linearidade e da compartimentação dos conteúdos da matemática, ao qual foram submetidos
durante sua formação.
Ao longo da oficina, a interação com a turma, pontuada por mútuos aprendizados,
fez sobressair a formulação de duas perguntas. Estas foram indiciárias dos problemas que
● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●
90
atingem o ensino da matemática como um todo, e dos encaminhamentos que poderão daí
advir: - estudante X: “todo numero ímpar é primo?”
- estudante Y: “mas isto não é o MMC (referindo-se ao processo de fatoração do número 46
como 2 x 23)?”
Ambas as indagações acima sugerem o quanto são restritos os conhecimentos
matemáticos dos (das) estudantes-professores (as) que chegam às universidades. Docentes
com considerável experiência no Ensino Fundamental e Médio vivenciam cotidianamente
situações semelhantes às da questão formulada por X, porém, as preocupações se avultam
quando estas dúvidas e limitações se arrastam até a universidade. A situação de Y, detectada
principalmente porque a oficina se constitui como espaço aberto para expressar concepções
prévias e questionamentos, não apenas revelou que Y vem “ensinando” a seus alunos
conceitos que não correspondem ao estabelecido consensualmente pela comunidade científica
de matemática como propiciou a Y a oportunidade de se auto-avaliar e de reconhecer a
necessidade de aprofundar seus conhecimentos. Embora Y seja graduada em curso da área
tecnológica e lecione atualmente matemática para o segundo segmento do ensino fundamental,
é visível o seu despreparo.
A constatação desse fato, durante a oficina, reflete as fragilidades do sistema
educacional brasileiro. Estas, para serem superadas, exigem a adoção de um conjunto de
políticas defendidas ao longo desta tese, quais sejam as de centralizar atenções e esforços no
sentido de priorizar metodologias embasadas na reflexão e na investigação.
A relevância de uma proposta assim delineada vem se confirmando não apenas
pelo que defende Carvalho (1990) mas sobretudo por permitir, no desenrolar da ação, projetar
ações futuras no sentido de ultrapassar as limitações provocadas e provocadoras do “estigma”
que tem acompanhado o ensino da matemática. O aprendizado da “técnica operatória” da
divisão é um desses estigmas, responsável pela evasão e pela reprovação, principalmente na
91
segunda metade do primeiro segmento do Ensino Fundamental. Isto pode ser observado em
reportagem de Letícia Lins (O Globo, 03/06/2004), por intermédio do depoimento de Railson
Silva, de 15 anos, estudante de 5ª série em Recife, como bolsista no Colégio Marista. Ele já
foi reprovado duas vezes e afirma: “divisão é muito complicado”.
Devido a todas essas considerações precedentes, o trabalho realizado na oficina
com as tampinhas PET fez emergir um estudo aprofundado e abrangente da “técnica
operatória” da divisão. Uma abordagem histórico-cultural se fez presente para responder às
indagações do grupo sobre como teria sido o início desse processo, e não apenas isso, mas
também conduziu à pesquisa da origem das dificuldades das crianças quando necessitam
realizar estas operações. Deixar-se guiar pelas curiosidades e perguntas daqueles que se
colocam na condição de aprendizes é algo que pode favorecer a aprendizagem, por torná-la
significativa. Sobre essa questão, Alves (2003, p. 165) incita à reflexão de “que tudo começa
com uma necessidade prática, um problema. Depois, uma pergunta”. Dando continuidade a
essa linha de pensamento e ainda nessa mesma página, Alves enfatiza o aspecto cultural como
o fator decisivo na produção do conhecimento e das invenções. Para tanto, parte do seguinte
questionamento: “a idéia de um monjolo poderia ter sido concebida por um beduíno, que vive
no deserto? Por quê?” (ALVES, 2003, p. 165).
Esta indagação de Alves relaciona-se com o estudo do conhecimento construído
pelo povo egípcio para solucionar problemas de divisão. Esta abordagem histórico-cultural,
além de se adequar ao que defende Bruner (1973) encontra-se igualmente compatível com a
epistemologia genética17 de Piaget (1976), o que fez com que a oficina das tampinhas se
encaminhasse para as divisões por estimativas, procedimento também utilizado pelos egípcios
(“Egípcios”, vídeo apresentado pela TV Escola). Sabe-se hoje que os processos históricos que
originaram a “técnica da divisão” são similares aos processos que facilitam a elaboração
17 “Epistemologia genética é o estudo dos mecanismos do aumento dos conhecimentos” (LIMA, 1998, p. 187).
92
individual para a compreensão dessa operação e dessa técnica. Admite-se, portanto, ser
fundamental conhecê-los para realizar esta abordagem18 no ensino da matemática na Escola
Básica.
Desta feita, ofereceu-se à turma uma sacola contendo um número desconhecido
de tampinhas, propondo-se a seguinte problematização:
– Como distribuir estas tampinhas para todos, de modo que cada um receba a
mesma quantidade, sem que se efetue nenhum cálculo?
Sem que houvesse demora, a solução surgiu simultaneamente de alguns alunos ali
presentes.
– É só ir dando uma para cada um, de cada vez, até esgotar todas as tampinhas.
A partir desta resposta, a sacola foi sendo passada, de mão em mão, cada um
retirando uma tampinha por vez. Como havia um volume de tampinhas consideravelmente
grande, em relação ao número de participantes da oficina, em determinado momento,
formulou-se uma outra questão:
– Será que para agilizar a distribuição, poderiam ser retiradas duas tampinhas
de uma só vez?
Ao que responderam:
– Poderiam.
– E se faltar para alguém?
– Então devolveríamos para a sacola e voltaríamos de novo a tirar uma tampinha de cada vez.
(Neste momento, a pesquisadora propôs a inserção do tema transversal “ética e
cidadania”, fundamentando-se na teoria do desenvolvimento moral19 de Piaget. O tópico divisão
18 “Piaget chega mesmo a supor que para se explicarem os fenômenos às crianças, talvez a melhor forma seja fazê-las percorrer os modelos explicativos históricos, uma vez que, provavelmente seja esse o caminho das equilibrações que ocorrem ao longo do desenvolvimento da criança” (LIMA, 1998, p. 44). 19 “O respeito, [...] está na origem dos primeiros sentimentos morais. Com efeito, é suficiente que os seres respeitados dêem aos que os respeitam ordens e sobretudo avisos para que estas sejam sentidas como obrigatórias e produzam assim o sentimento do dever”. (PIAGET, 1976, p. 40).
93
presta-se para este tipo de convergência e deve ser aproveitado pelos educadores para despertar nos
educandos noções de justiça e respeito ao outro).
Na próxima rodada, foram retiradas então duas tampinhas de uma só vez, tendo
sobrado 18 tampinhas. Cada um dos 53 participantes ficou com 4 tampinhas. Perguntou-se então:
– Com estas que sobraram, poderia haver uma nova distribuição igualitária?
– Não, porque nem todos irão receber as tampinhas.
– Pode-se agora saber quantas tampinhas havia?
– Sim, efetuando adições de 53, repetidamente em 4 parcelas (ou seja, em 4 distribuições) e somando com as que restaram. Ou ainda, efetuando a multiplicação do número de tampinhas de cada um por 53 e somando com o resto.
Este procedimento serviu para mostrar como os egípcios deram início ao processo
de construção da “técnica operatória” da divisão. Este processo sofreu várias evoluções ao
longo da história, sendo possível distinguir 3 etapas principais.
Estas etapas puderam ser vistas e vivenciadas nesta oficina quando se propôs que
fosse reiniciado o processo da distribuição das tampinhas. Já sabida a quantidade das
tampinhas, este registro foi possível da seguinte forma:
Este registro se constituiu na primeira etapa do processo de construção da
“técnica operatória” da divisão, conforme mostrado similarmente no vídeo “Egípcios”. Hoje
denomina-se esta estratégia de cálculo de “divisão por estimativa”. A vivência desse
processo levou o grupo a derrubar “mitos”, dentre eles o de que, “para dividir, é preciso
saber todas as tabuadas de multiplicar”. Perceberam que é possível realizar qualquer
operação de divisão bastando utilizar, nesse cálculo por estimativa, os quocientes 1 e 2 de
230 | 53______ -53_ 1 + 1 + 2 177 -53_ 124
-106_ 18
Resultado: 4 tampinhas para cada um e sobraram 18.
94
acordo com o desejo do operador. Além disso, foi possível entender a lógica interna da
operação divisão.
A segunda etapa da evolução da construção dessa técnica origina-se da primeira,
exigindo porém do operador um conhecimento mais sofisticado da “técnica operatória” da
multiplicação. Assim, realizam-se sucessivas multiplicações para saber quantas vezes o 53
“cabe” no 230:
Esta segunda etapa (ou processo) tornou-se conhecida como ”técnica operatória
da divisão pelo processo longo”.
Durante a elaboração desse registro, surgiram intervenções de participantes da
oficina, argumentando que:
– Ah! Mas muitos pais vão dizer que isso está errado! E também muitos professores da 5ª série que não irão aceitar estas maneiras de fazer a conta.
Tais comentários caracterizam os embates enfrentados por professores de
matemática quando se empenham em propor inovações ao seu ensino.
A terceira etapa (ou processo), uma evolução da segunda, é a “técnica”
usualmente “ensinada” nas escolas, sem que seja dada à criança a oportunidade de
participar das etapas anteriores.
Conforme indicam as pesquisas (BRUNER, 1973) e Relatório SAEB 2001, tem-se
observado que, na maioria dos casos, a compreensão do significado da operação divisão e de
sua respectiva técnica requer do aprendiz, partir de um problema real, passando em seguida
pelas etapas posteriores, até chegar à formalização. Depois de atingida toda essa
230 | 53__ -212 4 18
Cálculos auxiliares:
53 x1 53
53 x2
106
53 x3
159
53 x4
212
53 x5
265
95
compreensão, defende-se hoje, amplamente, o uso da calculadora para operar com divisões,
conforme preconizam os PCNs de matemática (1997) e D’ Ambrosio (2001). Esta tese se
sustenta no fato de que, mesmo nas séries iniciais, o ensino da matemática deve contemplar
esta tecnologia já disponível nas escolas, no comércio e entre os cidadãos comuns. Ressalta-se
que o uso da calculadora deverá sempre ser precedido de problematizações que poderão
inclusive propiciar o conhecimento dos números racionais e a familiaridade com a notação
decimal.
5.2.1.2 OFICINA 2: SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: ELABORAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÕES COM O ÁBACO, A PRIMEIRA CALCULADORA
De acordo com o que vem sendo mostrado no decorrer deste trabalho sobre os
obstáculos enfrentados pelas crianças diante do conhecimento que lhes é apresentado na
Escola Básica (Relatório SAEB, 2001) considerou-se que, para reverter esse quadro de
insucessos, é preciso confiar no que sugeriu Serrazina (2003) a respeito da metodologia de
ensino na formação de professores. Admite-se, portanto, ser fundamental que o professorado,
além de dedicar-se ao estudo das pesquisas já realizadas nessa área, aprenda sobre as etapas
históricas que se sucederam para que a produção desse conhecimento matemático
acontecesse. Mais que isso, é essencial que este professorado possa vivenciar, por meio das
oficinas e de forma análoga, essas distintas fases da cadeia produtiva desse conhecimento.
Esta é uma forma de fazer com que os docentes percebam-se igualmente como partícipes
desses processos, em parceria com as crianças cuja educação lhes é confiada.
Minha pesquisa começou com uma pergunta de criança. Quando ensinava matemática, um dia me fizeram uma pergunta temerária e inocente: “de onde vêm os números? Como se contava antigamente? Quem inventou o zero?”
Georges Ifrah, 1989, p. 13
96
Por conta disso, tem merecido atenção especial, dentro da disciplina Conteúdo e
Metodologia da Educação Matemática, no Curso de Pedagogia, uma abordagem ao estudo do
Sistema de Numeração Decimal. Além da dimensão psicológica, tal como foi amplamente
pesquisada por Piaget (1976) e contemporaneamente aprofundada por Kamii (2002)
contempla-se enfaticamente, nessa abordagem, os contextos histórico-culturais em que se
constroem esses conhecimentos. Para tanto, procedeu-se a um escorço histórico das
contribuições que os diferentes grupamentos humanos, estabelecidos em longínquas regiões
do planeta, trouxeram para que se chegasse à elaboração de um sistema de numeração que
satisfizesse às exigências teórico-práticas de distintas áreas da ciência. Este percurso pôde ser
assim compreendido, na oficina:
Valendo-se de vídeos ilustrativos sobre sistemas de numeração dos povos grego,
romano, babilônio e inca e da análise de uma linha do tempo construída sobre o mapa-
múndi, chega-se então junto com os participantes da oficina à compreensão de que o Sistema
de Numeração Decimal, criado pelo povo indiano por volta do século V, caracteriza-se,
sobretudo como posicional. Este sistema recebeu influência de outros povos, sendo, portanto,
o resultado de uma produção pluri-étnica, multicultural. O principio posicional já aparecia
no sistema dos mesopotâmicos, a base dez já era usada pelos egípcios e pelos chineses. Quanto
ao zero, existem indícios de que já vinha sendo usado pelos mesopotâmicos na fase final de sua
civilização (IMENES, 1989 a, p. 37). Aos árabes, é creditada a difusão do sistema indiano.
Apropriar-se destes conhecimentos, completamente novos para esses estudantes,
e refletir sobre como foi árduo e demorado o trajeto percorrido pela humanidade para a
invenção desse sistema, é essencial para que os professores possam favorecer a aquisição
das regras desse sistema, pelas crianças. Paralelamente a essa abordagem histórica,
complementou-se a oficina com o estudo das pesquisas realizadas por Kamii (2002).
A autora destaca que o conhecimento lógico-matemático se dá por abstração construtiva e
97
envolve fazer relações mentais entre um ou mais objetos. Esses aportes se enriquecem e se
fortalecem no contexto de uma oficina em que se constrói um ábaco. Cada participante
contribuiu trazendo uma caixa de papelão pequena, três ou mais varetas (de bambu) para
churrasco e macarrões em formato de anel. Depois de construído o ábaco, como mostra a
figura a seguir, parte-se para as problematizações de representação dos numerais e das
operações de adição e subtração.
Nesta proposta, a confecção do ábaco constitui uma das etapas do processo de
entendimento da criação do sistema de numeração indo-arábico. Este sistema tornou-se
universalmente aceito somente após o séc. XVI. Para isso, foi necessário vencer barreiras
ideológicas e religiosas, já que na época o sistema adotado era o romano, sistema aprovado
pela Igreja Católica. Esses obstáculos foram ultrapassados devido, sobretudo, ao elevado grau
de praticidade das operações no sistema indo-arábico. Nos cursos de Graduação e de
formação continuada de professores, participar por intermédio de oficinas, da gênese da
invenção desse sistema, bem como de sua evolução, tem concorrido para que os docentes
possam identificar-se com o pensamento infantil, experienciando situações similares às que
deveriam ser propiciadas às crianças nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Sobre essa
questão, Brandt assinala que
98
o processo deve transitar, então, no domínio do psicológico e do epistemológico quando busca entender as interações entre o sujeito e objeto de conhecimento e como os sujeitos se organizam para dar conta dos desafios do ato cognoscitivo, devendo apoiar-se no processo operativo da inteligência presente na construção do conhecimento. Ele só será eficaz se buscar os elementos presentes na raiz da interação cognitiva. Os sujeitos devem sempre estar envolvidos em desafios cujas ações devem levá-los a repensar ou refazer suas idéias, para que o professor possa perceber a organização mental subjacente às ações efetuadas. Se a ação é produtiva, ela vem sempre acompanhada de reflexão. As noções são tiradas da coordenação das ações do sujeito, constituindo-se numa ação-reflexão (BRANDT, 2002, p. 396).
A escolha do ábaco como proposta de trabalho no Curso de Pedagogia encontra-
se, portanto, em consonância com o pensamento de Brandt e com os princípios do
cognitivismo de Bruner e do interacionismo de Piaget, conforme pode ser verificado no
seguinte relato:
As problematizações iniciais consistiram em solicitar à turma o registro de diferentes
quantidades no ábaco, 132 por exemplo, confeccionado por cada participante da oficina.
Enquanto iam sendo desafiados a representar as quantidades solicitadas,
puderam perceber a estrutura existente no Sistema de Numeração Decimal (SND). Esta
estrutura comporta fundamentalmente o Principio Posicional, segundo o qual um mesmo
algarismo representa um número n vezes maior, em base n, se ele é colocado dentro da
coluna das dezenas, n vezes maior que dezenas se estiver na coluna das centenas, e assim
sucessivamente.
132
99
Pesquisas realizadas por Vergnaud (1985) têm mostrado que a compreensão da
estrutura do SND é consideravelmente complexa para a maioria das crianças em vias de
construção do conhecimento matemático. Este fato é imperceptível para os adultos, de um
modo geral, por já terem há muito se distanciado dessa fase da vida, e em especial para os
professores que nunca investigaram profundamente essa questão.
Realizar no ábaco operações de adição e subtração constituiu o segundo
momento desta oficina: adicione 13 + 28.
Primeiramente, representaram o 13.
Para juntar 28, foi necessário colocar duas dezenas com a outra dezena que já
havia. As oito unidades foram juntadas às 3 que já havia. Como essas unidades
ultrapassaram uma dezena, essa nova dezena foi “trocada” para a fileira de baixo (o “vai
um”, que na verdade é uma dezena), ficando apenas uma bolinha na fileira da unidade.
A realização desse procedimento exige uma reflexão maior porque significa desconstruir
automatismos e elaborar novas construções.
100
Nesta parte do trabalho, percebeu-se, em primeiro lugar, que a “magia” ainda é
utilizada como recurso didático, talvez como único modelo explicativo dos conceitos
fundamentais da matemática, o significado do “vai um” na “conta de mais”
circunscrevendo-se na esfera do inusitado, como vem relatado a seguir:
– Ah, professora, sabe como que eu explico isso pros meus alunos? Eu canto uma musiquinha dizendo que o ”um” tem que passear lá na casa do outro amiguinho (casa da dezena).
(F., aluna de Pedagogia, 2003)
Em segundo lugar, foi possível concluir, a partir do desabafo de E., uma outra
aluna do curso, que a existência de recursos materiais variados na escola não garante a
realização de um trabalho que conduza ao aprendizado:
– Na minha escola tem ábaco, mas ninguém usa. Não sabemos usar e nem qual a sua utilidade.
A ida a campo, para a supervisão de estágio, igualmente permitiu corroborar o
que afirmou F. durante a oficina:
Procedimentos lúdicos como jogos e música são por vezes adotados na tentativa de amenizar o tradicionalismo e o mecanicismo, no entanto essas estratégias por carecerem de fundamentação teórica e epistemológica dificilmente contribuem para uma real aprendizagem. Na classe da professora C., as atividades são apresentadas quase exclusivamente em folhas mimeografadas. Não encontrei nesta classe indícios de formulação de problemas a partir de situações próximas ao cotidiano das crianças ou a partir de jogos e de materiais concretos. É uma didática ainda muito presa a rotinas e reproduções de modelos. Há traços marcantes da formação e da prática, calcados na Pedagogia tradicional. Em lugar de problematizações, há demandas do tipo: “façam desse jeito”, “sigam o modelo”...
(Diário Reflexivo da autora, 2003)
As interações com os participantes dessa oficina, ocorridas concomitantemente às
proposições de problemas, retrataram as preocupações formuladas na introdução desse
estudo, à página 18, dentre elas a de que “constitui um desafio capacitar professores visando à
ressignificação de conceitos e à alteração das práticas docentes de matemática”.
As dificuldades no manejo do ábaco para registrar as quantidades e resolver as
operações mostraram ser este um dos percursos necessários para a reformulação da prática
educativa de matemática.
101
5.2.1.3 OFICINA 3: FRAÇÕES
A inclusão do tema fração justifica-se nesta pesquisa porque apesar do contato
com as representações fracionárias ser menos freqüente nas situações cotidianas do mundo
atual, “seu estudo fundamenta outros conteúdos matemáticos tais quais proporções e
equações” (PCNs de matemática, 3o e 4o ciclos do Ensino Fundamental, p. 92). De fato,
principalmente devido aos computadores e calculadoras mais acessíveis ao público utilizarem
predominantemente a representação decimal, existe conseqüentemente uma tendência à
gradativa redução do estudo das frações nos currículos escolares das séries iniciais do ensino
fundamental.
No entanto, observações da prática nessas escolas, alem de revelar o
desconhecimento dessa tendência, mostra exatamente o contrário, ou seja, a ocorrência do
excesso de cálculos fracionários propostos aos alunos por professores que em maioria
desconhecem princípios matemáticos básicos subjacentes ao tema das frações. Esta afirmação
se apóia em situações vivenciadas pela pesquisadora como constatadas no seguinte registro:
Buscando atender ao compromisso assumido de acompanhar “in loco” (8/10/2003) as atividades docentes dos professores-graduandos do 7º período de Pedagogia, e procurando adotar como princípio norteador a concepção de práxis, tal como formulada por Marx (1996) e ressignificada por Pimenta (2002), estive co-participando da aula da professora S. na data supracitada. Nestas atividades, características da atuação na disciplina Prática Supervisionada, ocorrem com freqüência situações qualificadas pelos estudantes como desconfortáveis, e como invasão de privacidade. Isto em geral acontece porque para estes professores-estudantes, a avaliação tem sido vista apenas como momento estanque e formal, e não como processo contínuo, dinâmico, de fluxo e refluxo, de possibilidade de revisão e de transformação do sistema escolar. Além disso, e como conseqüência, percebem os professores na graduação como meros repassadores de informação. Fundamental nessas circunstâncias argumentar junto a esses colegas de profissão, valendo-se do pensamento de Bachelard (1996, p. 24), para quem “o educador não tem o senso do fracasso, justamente porque se acha um mestre”. Aprender com este pensador que “o espírito científico vence os diversos obstáculos epistemológicos e se constitui como conjunto de erros retificados” (idem, p. 293) é por isso essencial quando se deseja a melhoria do ensino. Sobre essa questão, é
As frações unitárias eram indicadas, na notação hieroglífica egípcia, pondo-se um símbolo elíptico sobre o número do denominador. Um símbolo especial era usado também para a fração excepcional 2/3 e um outro símbolo às vezes aparecia para 1/2.
Howard Eves, 2004,p.73
102
oportuno assinalar o ponto de vista de Castro (2003, p.16) quando diz que “o professor consome seu tempo com teorias pedagógicas que não consegue aplicar – e quase não tem oportunidade de praticar na presença de um mestre que comente e corrija seu desempenho”.
(Diário Reflexivo da autora, 2003)
A situação descrita a seguir, encontra-se, pelo menos em parte, em conformidade
com a referência “ao desconforto” explicitado pelos professores-estudantes, quando
colocados na condição de observados e avaliados:
S. ficou sem ação nos momentos que se sucederam imediatamente à minha chegada à turma. Pediu que a ajudasse no sentido de sugerir-lhe uma atividade para seus alunos. Estimulei-a a desenvolver com eles um trabalho que os ajudasse a melhor esclarecer pontos obscuros do conteúdo programático. A partir dessa indicação, começou a passar no quadro ‘exercícios’ de adição e subtração de frações com denominadores diferentes. A professora repassou com eles ‘as regras’ (técnicas de cálculo) para resolver este tipo de operações. As crianças demonstraram ‘saber de cor’ estas regras. No entanto, quando foram efetuar
a própria professora enganou-se ao lhes orientar que adicionassem, numa etapa inicial, as duas primeiras frações, para multiplicarem posteriormente esse resultado pela terceira fração. Percebendo o equívoco, desculpou-se com a turma e recitou com eles a regra que consiste em priorizar a operação de multiplicação quando estas vêm junto de adições, nas expressões aritméticas.
(Diário Reflexivo da autora, 2003) Este episódio de ensino refletiu não apenas o desconhecimento de S. a respeito de
conceitos fundamentais da matemática, referentes ao tema fração, mas, sobretudo uma
postura ainda bastante arraigada a uma visão tradicional e mecânica do ensino da matemática.
Serrazina (2003, p. 68) lembra que
o futuro professor necessita ter uma profunda compreensão da matemática que não se limite a um conhecimento tácito do tipo saber fazer, mas se traduza num conhecimento explícito. Este envolve ser capaz de conversar sobre a matemática, não apenas descrever os passos para seguir um algoritmo, mas também explicitar os juízos feitos e os significados e razões para certas relações e procedimentos.
Da situação de sala de aula, tal como se observou, foi possível inferir que não
apenas as crianças, mas também a professora, não tinham como explícitos os significados para
aquelas relações subjacentes às operações com frações. Do ponto de vista didático, o que mais
sobressaiu nessa aula de S. é que a atividade proposta à turma se deu sem qualquer
contextualização, desprovida de problematização, cabendo, portanto, nomeá-la de
“exercício”. Essa constatação e esse registro de recentes abordagens ao tema das frações, em
2 + 3 x 15 4 2
103
escolas públicas do Ensino Fundamental, servem para mostrar como permanecem oportunas
as críticas e os questionamentos, fruto dos resultados da pesquisa coordenada por Tânia
Campos e orientada por Beatriz D’Ambrosio, na PUC de São Paulo, em 1991. Estas
conclusões, publicadas na revista Nova Escola em reportagem de Ana Lagôa (1991)
demonstram que, mesmo depois de transcorrido tanto tempo e apesar da evolução das
discussões nessa área, os resultados então apresentados mantêm-se compatíveis com a forma
como a maioria dos professores vêm se conduzindo, ainda hoje, em relação ao ensino das
frações. Dentre as conclusões a que chegaram estes educadores matemáticos, nessa pesquisa
da PUC de São Paulo, destacam-se:
• os alunos não sabem o conceito de fração e não têm idéia de como usá-la
fora da escola.
• A noção de divisão encontra-se na gênese desse problema porque também
é trabalhada mecanicamente, sem que o aluno perceba que a operação
divisão se aplica tanto a todos discretos20, como a todos contínuos21. Esta
diferenciação não é clara, na maioria dos casos, nem mesmo para os
professores.
• Erros ocorrem porque os alunos são condicionados e viciados a responder
mecanicamente os exercícios.
Como a noção de práxis permeia toda a postura pedagógica e conseqüentemente,
toda a pesquisa desenvolvida pela autora deste trabalho, suas co-participações em aulas das
escolas de Ensino Fundamental, bem como as discussões surgidas ao longo das aulas que
ministra no Curso de Pedagogia, são essenciais para a geração de novos conhecimentos e para
20 Um todo é discreto quando é formado por um número finito de elementos (contáveis), que não podem ser quebrados. Exemplo: pessoas, animais, moedas. 21 Um todo é contínuo quando é formado por um número infinito de elementos, ou pontos, admitindo, teoricamente, divisibilidade infinita. Exemplo: um segmento de reta, um pedaço de tecido, uma pizza, um bolo, uma barra de chocolate.
104
a criação de estratégias que favoreçam, de início, desequilíbrio e possibilidade de
desconstrução, pois como afirma Bachelard (1996, p. 18):
não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser superado. [ ] O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não sabemos formular com clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas.
Assim é que a problematização descrita a seguir, provocada pelas observações,
reflexões e sobretudo pelo diálogo estabelecido com estudantes-professores desencadeou uma
série de oficinas sobre o tema frações. Válido ressaltar que, além das problemáticas suscitadas
em aula, foi oferecido para leitura o texto “Ensino Construtivista” de Beatriz D’Ambrosio e
Leslie Steffe (1994), da Universidade da Geórgia, no qual descrevem características do ensino
construtivista, ilustradas por situações de ensino extraídas do projeto “Children´s
Constructions of the Rational Numbers of Arithmetic” (Projeto Frações). A sugestão de
leitura foi acompanhada do desafio de solucionar os mesmos problemas propostos às crianças
do referido texto. Esta já se constituiu numa dificuldade considerável para a maioria destes
estudantes que, colocados em situações idênticas às das crianças, cometeram erros ou não
conseguiram entender as questões formuladas pelos pesquisadores. O retorno dessas
vicissitudes foi o ponto de partida para que o estudo das frações se iniciasse e se
desenvolvesse, fundamentado nos conceitos de todos discretos e todos contínuos.
Nessa primeira oficina, trabalhou-se com palitos de fósforo, em lugar das
“varetas” propostas no texto por D’Ambrosio e Steffe (1994, p.28). Desta feita, os estudantes
de Pedagogia “simularam” as participações de Pamela e Raimundo, conforme reprodução
do texto original, a seguir:
D: A vareta 8 é dois terços de que vareta? P: 16. É dois terços... (pensa um pouco e responde) 12. D: (Espera alguns momentos para que Raimundo tenha uma oportunidade para pensar. Como ele hesita, Deborah sugere que ele coloque a vareta 8). R: (Coloca a vareta 8). D: Essa vareta é dois terços de alguma outra. R: Não sei. D: Pamela, você pode nos explicar como determinou o valor 12? P: Bem, quatro mais quatro é 8.
105
D: E o que isso nos indica? P: (Pensa um pouco). Não sei. D: Se a vareta 8 é dois terços, quanto vale a vareta 4? P: Se a vareta 8 é dois terços, quanto vale a vareta 4? Um terço? D: É. Isso faz sentido, Raimundo? P: Você tem dois quatros e mais um três. Pamela assimilou a situação proposta por Deborah utilizando seus esquemas de
operações com frações. Pamela está consciente do que ela fez (P: Bem, quatro mais quatro é 8) mas não consegue analisar suas ações (D: E o que isso nos indica? / Não sei). Ela não consegue verbalizar porque está correta, ou seja, a estrutura de suas ações estão corretas. Alguns diriam que a solução foi intuitiva. Nós diremos que ela não tem consciência da necessidade lógica interna de suas operações. Porém, Deborah, através de suas observações, pode inferir que Pamela construiu de fato uma solução para o problema proposto.
Vale assinalar que, “na simulação”, grande parte dos estudantes da turma de
Pedagogia identificou-se com Raimundo, que no entender dos pesquisadores D’Ambrosio e
Steffe (1994, p.28) “ainda não havia produzido sua própria solução que lhe permitiria
interpretar as operações de Pamela e compará-las à sua solução”.
O trabalho realizado nesta oficina atingiu plenamente o objetivo qual seja, o de
conscientizar os participantes quanto ao grau de complexidade subjacente à compreensão do
conceito de fração, bem como o de oferecer-lhes a oportunidade de perceberem que:
As atividades constituem um meio de realizar ações e geram ação em comum. Num episódio de ensino construtivista, atividades servem de meio para instigar ações e conseqüentemente comunicação, já que abrem caminhos para crianças e professores comunicarem. Uma professora construtivista modela as atividades baseando-se no seu modelo da matemática das crianças (D’AMBROSIO e STEFFE, 1994, p. 28).
Dando continuidade ao trabalho com frações, no encontro subseqüente com essa
turma de Pedagogia, buscou-se enfatizar a relevância da interpelação aos todos discretos e
contínuos, simultaneamente como se vê nas questões apresentadas a seguir:
1. Assinale apenas a parte indicada pelas frações:
a) ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥
b)
2 s 5
5 s 6
106
2. Carlos comeu 1/6 de uma pizza e Noel comeu 1/3 da metade da mesma pizza. Quem comeu mais pizza? Faça o desenho para justificar sua resposta.
A solução para essas questões demandou muita reflexão, surgindo soluções
diversificadas para um mesmo problema. Exigiu de todos desconstruir procedimentos
embasados em fórmulas memorizadas, de modo a possibilitar o ato de conhecer, tal qual
indicado por Bachelard (1996, p. 17): “no fundo, o ato de conhecer dá-se contra um
conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no
próprio espírito, é obstáculo à espiritualização”.
Nesse estudo das frações, tendo ainda como horizonte as conclusões da pesquisa
da PUC-SP (1991), admitiu-se a relevância de alicerçar tal abordagem na noção de
equivalência. Esta noção é primordial, sobretudo quando se refere à compreensão das
operações de adição e subtração de frações com denominadores diferentes, e tendo-se em
mente evitar o mecanicismo decorrente do distanciamento entre a ação e a reflexão sobre as
ações realizadas. Pode-se encontrar, nos livros didáticos tradicionais de matemática, a
predominância desse caráter mecanicista. Este aspecto ainda vigora em considerável número
de publicações recentes tais quais em Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr. (1998). Estes autores
continuam apresentando o conceito de fração, restrito a todos contínuos e, mais que isso,
enfatizam o uso da técnica da redução das frações ao mesmo denominador, por intermédio do
cálculo do mínimo múltiplo comum (m.m.c.). Conforme vem sendo discutido neste trabalho,
ater-se à reprodução da técnica conduz apenas a uma nova reprodução, dificultando a
compreensão e a construção do conhecimento.
Como adicionar com , utilizando
apenas a solução gráfica ou na dobradura?
1 2
1 3
107
Esta situação-problema teve por objetivo levar ao significado da operação, de
modo a provocar o levantamento de hipóteses e a criação de soluções distintas das já
conhecidas e mencionadas nos manuais de matemática. Dada a originalidade da questão, os
alunos mostraram-se presos a hábitos mecânicos, enrijecedores do raciocínio, impedindo-os
de visualizarem outros tipos de solução. A dificuldade percebida no grupo originou uma
segunda proposição que consistiu em desempenhar a tarefa por meio de dobraduras, uma
forma concreta e palpável de entender o conceito de equivalência e conseqüentemente, a
possibilidade da soma das frações dadas.
Sendo assim, iniciou-se com a turma a “dobra” de uma folha de papel, na sua
metade (½). Daí, partiu-se para a dobra, na mesma metade, de terças partes (1/3), o que
originou no papel a divisão em seis partes iguais. Este procedimento permitiu então a
visualização das equivalências: 1/3 = 2/6 e 1/2 = 3/6, bem como a de suas respectivas somas,
como se vê a seguir:
= =
Por fim, os estudantes puderam não apenas construir o conceito, mas
principalmente compreender a relação existente entre o conceito e a “técnica” já
formalizada para este tipo de operação. As reflexões compartilhadas com o grupo, no
contexto dessas oficinas, remeteram aos ensinamentos de Bachelard (1996, p. 289) quando
preconiza que:
Sem dúvida, seria mais simples ensinar só o resultado. Mas o ensino dos resultados da ciência nunca é um ensino cientifico. Se não for explicada a linha de produção espiritual que levou ao resultado, pode-se ter a certeza de que o aluno vai associar o resultado a suas imagens mais conhecidas. É preciso “que ele compreenda”. Só se consegue guardar o que se compreende.
1 2
3 6
1 3
2 6
108
5.2.1.4 OFICINA 4: PERÍMETRO E ÁREA
“Criar – e sobretudo, manter – um interesse vital pela pesquisa desintreressada
não é o primeiro dever do educador em qualquer estágio da formação?” Essa indagação de
Bachelard (1996, p. 12) tem servido de inspiração e estímulo para manter a continuidade
desse contrato didático, a oficina, que traz subjacente as concepções imbricadas de ensino e
pesquisa. Atenta a essa questão, Pavanello (2003, p. 12) sublinha a urgência da
criação de um novo paradigma didático que supere a orientação atual consubstanciada em aulas eminentemente teóricas, em que se adote uma perspectiva metodológica configurada por aulas teórico-práticas, nas quais a prática da investigação pedagógica se transforme em efeito catalisador das mudanças necessárias.
Tal como o tópico frações, a geometria é igualmente considerada o “calcanhar de
Aquiles”, no que diz respeito ao ensino da matemática. Além do despreparo dos professores,
contribui para essa problemática a forma como a geometria, nos últimos 50 anos, encontrava-
se inserida nos livros didáticos, incluída somente nos capítulos finais, quase como um
apêndice desses manuais escolares. Sendo ainda hoje, quase exclusivamente o único recurso
dos quais a maioria dos professores dispõe e utiliza, a menção ao livro didático é cabível
nessa discussão. Por este motivo, somente em situações excepcionais, a geometria se fazia
presente nas aulas das séries iniciais da escola básica. A insuficiência de tempo do calendário
escolar era a justificativa para marginalizar essa parte do conhecimento matemático. Com
isso, os professores inseguros por não dominarem esses conteúdos pertinentes à geometria se
resguardavam de qualquer cobrança, passando a dedicar-se, principalmente, às tabuadas, às
contas e às expressões aritméticas. Hoje há livros didáticos que mudaram consideravelmente
em função das pesquisas avançadas sobre aprendizagem, adquirindo características
Ao explorarmos a superfície da Terra, valemo-nos de todos os nossos sentidos, em especial os sentidos do tato e da visão. Na medição de distâncias, empregamos parte do corpo humano em eras pré-científicas: “pé”, “cúbito”, “palmo”.
Bertrand Russel, 1974, p. 4
109
interdisciplinares, como em Imenes, Jakubo e Lellis (1998), do currículo em espiral, como em
Bongiovanni, Vissotto e Laureano (1990) e do currículo em rede como em Pires (2000).
No entanto, em virtude do já mencionado despreparo, do descompromisso ou até
mesmo devido às resistências à mudança, as inovações propaladas nesses livros didáticos
deixam de ser incorporadas à prática desses professores, prejudicando todo o processo de
construção do conhecimento. Como conseqüência, estudantes e profissionais das mais
diversas áreas, tendo passado pela escola, enfrentam dificuldades quando precisam resolver
situações que demandam recorrer a medições e a projetar no espaço.
Nos Cursos de Pedagogia, estas dificuldades sobressaem porque irão formar
profissionais responsáveis pela mediação do conhecimento junto aos alunos, nas séries
iniciais do Ensino Fundamental.
Depoimentos colhidos desses professores-estudantes nas turmas que se constituem
como objeto desse estudo, corroboram os argumentos aqui apresentados:
– Não sei geometria. – É a parte mais difícil da matemática. – Não gosto de geometria porque nunca entendi.
(Depoimentos de estudantes de Pedagogia, 2004)
Tendo em vista estas considerações e retomando a ênfase que Bachelard (1996),
Pavanello (2003) e Fainguelernt (2004) conferem à pesquisa e à prática da investigação,
alcançam nuclear importância os diversos instrumentos aqui utilizados para análise, tais quais,
memoriais, mapas conceituais, diários de campo, bem como as interações no contexto das
oficinas e das co-participações no interior das escolas. Estes procedimentos, na sua totalidade,
adquirem assim a função de direcionar, não tão somente a estrutura curricular mas
principalmente definir toda uma postura político-pedagógica identificada com a concepção da
práxis (MARX, 1996).
110
Sendo assim, busca-se recuperar/resgatar, nesses Círculos de Cultura22, a
geometria, essa forma peculiar de apreender/enxergar a realidade. Essa tarefa se torna tanto
mais desafiadora quanto mais tardiamente ela acontece. Porém, privilegiar esse campo do
saber, dentro da disciplina Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática assume
extensivas proporções, pelo que vem sendo exposto, no sentido de oferecer as condições que
favoreçam a mesma construção, em crianças do Ensino Infantil e Fundamental.
A confecção do Tangram23, a partir de dobraduras e recortes, dá início a um
processo de sensibilização do grupo para a compreensão da necessidade do estudo da
geometria. Começa-se com uma folha de papel retangular, dobrando-a de modo a
transformá-la num quadrado. Assim:
A pequena faixa retangular à direita, que representa a sobra do retângulo, é
cortada e jogada fora. Este procedimento introdutório, aparentemente simples, é visto pela
maioria dos participantes da oficina como algo complexo. Em seguida, corta-se o quadrado
no meio, pela diagonal, dividindo-o em dois triângulos iguais:
22 Em lugar de professor, com tradições fortemente “doadoras”, o Coordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar de programas alienados, programação compacta, “reduzida” e “codificada” em unidades de aprendizado (FREIRE, 1967, p. 103). 23 O Tangram é um jogo milenar, originário da China. Não se sabe quem o inventou. Reza a lenda que ao carregar um azulejo quadrado, um menino o deixou cair, fragmentando-se em 7 pedaços, dando origem ao quebra-cabeça.
111
Um desses dois triângulos é dobrado e cortado no meio, assim:
formando duas das peças do jogo.
O outro triângulo grande é dobrado da seguinte forma:
A “ponta” que ficou dobrada (um triângulo médio) é cortada, constituindo uma
terceira peça do jogo.
A parte que restou (um trapézio isósceles) é cortada ao meio, ficando assim:
(No desenrolar desses procedimentos, percebe-se que a maioria não identifica os
nomes dos polígonos). Um desses trapézios retângulos é dobrado e cortado de modo a formar
um quadrado e um triângulo pequeno. Assim:
formando mais duas peças do jogo, agora 5 no total.
112
Com o trapézio retângulo que resta, faz-se uma dobra em diagonal, cortando-se
nessa dobra, de modo a formar um paralelogramo e um triângulo pequeno, conforme mostra
a figura (esta dobra e este recorte são passos nos quais se percebeu bastante dificuldade por
parte dos estudantes).
Separadas as duas partes, tem-se as duas peças que faltavam para completar as 7
peças do jogo.
Vale ressaltar que mesmo nos livros didáticos mais atuais, este quebra-cabeça é
apresentado já pronto, bastando recortar as peças, não oferecendo nenhum desafio ao
pensamento. Há, inclusive, Tangrans industrializados vendidos em lojas especializadas. Por
isso mesmo, no desenrolar da oficina, surgem comentários a esse respeito, sendo então
necessário mostrar a importância da problematização e do desafio à imaginação, no contexto
do ensino da matemática.
Depois de desmembradas as peças, parte-se para os demais desafios, ou seja,
para os jogos em si, como mostrado abaixo
→ Construir um quadrado com:
• apenas 2 peças;
• apenas 3 peças;
• apenas 4 peças;
• apenas 5 peças;
• todas as peças.
→ Construir um triângulo com todas as peças;
→ Construir um retângulo com todas as peças;
→ Construir um trapézio com todas as peças;
→ Construir um paralelogramo com todas as peças.
113
Depois de apresentadas estas propostas, enfatiza-se que, com crianças pequenas,
deve-se iniciar sugerindo jogos livres, visando à construção de formas familiares do seu
cotidiano, tais quais: casas, barcos, animais. Um dos objetivos maiores a ser alcançado nesse
trabalho com o Tangram, similarmente ao “projeto frações”, é o de fazer com que os
professores passem pelas mesmas situações dos alunos quando estes enfrentam
desequilíbrios diante de uma problematização. Neste caso, o docente que coordena a oficina
pode aprender e desenvolver novas estratégias a partir das dúvidas, e até mesmo dos
desconhecimentos observados, em relação às noções espaciais. Admite-se então, neste caso,
considerar a relevância do que diz Bachelard (1996, p. 303) a respeito da necessidade de se
evitar o desgaste das verdades racionais que têm tendência a perder a apodicticidade e a tornar-se hábitos intelectuais. Da mesma forma, os professores substituem as descobertas por aulas. [ ] Contra essa indolência intelectual que nos retira aos poucos o senso da novidade espiritual, o ensino das descobertas ao longo da história científica pode ser de grande ajuda. Para ensinar o aluno a inventar, é bom mostrar-lhe que ele pode descobrir.
Os jogos com Tangram (ou com qualquer outro jogo geométrico) motivam e
despertam para o entendimento da importância do estudo da geometria. Esta ciência surgiu
com os egípcios, em torno de 4.500 a.C., para resolver problemas práticos – a reconstituição
dos limites dos terrenos após a cheia do Nilo é conhecida como uma de suas origens. Estudos
realizados por Piaget demonstram de que maneira os conceitos espaciais vão sendo
construídos progressivamente a partir das experiências de como as crianças se locomovem.
Por conta dessas origens históricas e das contribuições das pesquisas de Piaget
sobre o desenvolvimento das noções espaciais na criança, atribui-se importância à criação de
atividades no Ensino Infantil e Fundamental, de ordem prática, ligadas ao seu cotidiano, ao
seu mover-se no espaço. Sobre essa questão, Saiz (1993, p. 840) se pronuncia criticando o
ensino da geometria nas séries iniciais, quando este se reduz à aprendizagem de nomes de
figuras, ou seja, “de um saber cultural, em oposição a um saber funcional”. Práticas calcadas
nesses equívocos vêm sendo observadas em atividades de estágio acompanhadas pela autora
da tese.
114
Por conseguinte, a elaboração de mapas, como por exemplo do trajeto percorrido
pela criança, de casa até a escola, ou de maquetes, utilizando sucatas de embalagens, são
situações problematizadoras introdutórias à construção dos conceitos de área e de perímetro,
fundamentais para entender e resolver problemas do cotidiano e para chegar à formalização
do conhecimento (ver no anexo G a realização dessa tarefa por alunos de escola municipal).
A convivência com estudantes-professores, quer no Curso de Pedagogia, quer nas
co-participações de aulas nas escolas onde lecionam, tem demonstrado que conceitos
fundamentais da geometria, na maioria dos casos, não fazem parte do repertório de
conhecimentos dos quais dispõem. Conhecendo esta realidade e tencionado transformá-la,
trabalha-se com uma proposta dinâmica, característica de uma prática, que é sobretudo,
práxis. Este dinamismo delineia e conduz a seqüência das oficinas que irão permitir aos
componentes do grupo, incorporar a si mesmos um universo maior de saberes.
Desta feita, passa-se a registrar, a seguir, um outro empreendimento que vem
sendo realizado no sentido de mobilização para a mudança do ensino da matemática.
Iniciou-se a atividade desafiando-os a desenhar um quadrado de lado 1 (um
quadradinho) na folha quadriculada, não havendo dificuldade nessa etapa. A próxima
demanda foi que desenhassem um quadrado de lado 2. A maioria da turma resolveu-a desta
forma:
Indagaram então à professora:
– É assim?
Foi-lhes então respondido com outra pergunta:
– Esta figura é um quadrado?
Ao que responderam:
– Não.
115
– Façam então de modo que seja um quadrado!
– Ah! Então vou ter que aumentar o tamanho do lado, assim:
Feito isto, pediu-se que desenhassem o quadrado de lado 3 (nesta etapa, já não
houve dificuldade). Progressivamente, foi-se solicitando o mesmo em relação aos quadrados
de lados 4, 5, 6 e 7, objetivando que respondessem aos seguintes problemas:
• No quadrado de lado um, quantos quadrados internos há?
• No quadrado de lado dois, quantos quadrados internos há?
E assim sucessivamente, efetuando as contagens internas dos quadradinhos. Ao
atingirem os quadrados de lados 5, 6 e 7, puderam então concluir uma lei matemática: a da
área dos quadrados, obtida pelo produto das medidas de dois dos seus lados. Além disso,
puderam compreender o significado da expressão metro quadrado, um quadrado que mede
um metro de lado. E, mais que isso, puderam aprender o significado do termo “elevar ao
quadrado”, o qual traz subjacentes e interrelacionados os conceitos aritmético e geométrico
da operação potenciação. A “visualização” que permite a elaboração desses conceitos
raramente é propiciada aos estudantes do Ensino Fundamental, provocando nos
participantes dessas oficinas reações de espanto e admiração.
Ao final, propôs-se que escrevessem uma “fórmula” que representasse a área do
quadrado. A inversão do procedimento que em geral ocorre na escola, isto é, primeiramente
a problematização e depois a construção do conceito, seguida da formalização, os fez
compreender as motivações que impulsionam a realização desta revolução copernicana, no
ensino da matemática. A problemática que emergiu do estudo de áreas e perímetros vem
relatada a seguir:
116
Desenhe um quadrado cujo lado tenha uma medida qualquer, e um retângulo cujo
perímetro tenha a mesma medida do perímetro do quadrado desenhado.
Esta situação provocou inicialmente uma grande desestabilização no grupo. Uma
das soluções encontradas foi:
Além de ser de difícil resolução para grande parte da turma (apenas 10%
conseguiram chegar à solução), esta proposta ensejou perceber que a distinção entre os
conceitos de área e de perímetro ainda não estava clara para a maioria. Para que o conceito de
perímetro pudesse ser esclarecido, partiu-se do sentido etimológico da palavra peri/metro (em
volta/que mede), formulando-se em seguida uma outra questão:
Será que figuras geométricas diferentes, mas com perímetros iguais, têm a mesma
medida de área?
O objetivo dessa questão foi fazê-los retornar à proposta anterior no sentido de
refletirem e observarem que a medida da área, diferentemente da do perímetro, relaciona-se
diretamente com a forma do polígono.
As tentativas no desenho, em papel quadriculado, demonstraram que havia, por parte
dos alunos, desconhecimento dessas relações, mas foram estas tentativas que possibilitaram
constatá-las por si sós. Com isso, puderam realizar avanços em seu conhecimento.
No próximo capítulo, à guisa de reflexão sobre todas as ações desenvolvidas,
proceder-se-á a uma análise do que pôde ser constatado como renovação, avanços e
conquistas em resposta aos esforços e engajamento coletivos empreendidos ao longo da
proposta. Antes disso, apresenta-se o quadro 5, síntese dessa análise e interpretação das
interações ao longo da pesquisa.
A = 16 Per = 16
OU A = 12 Per = 16
A = 7 Per = 16
E
117
118
5.3 IMPACTO DA PROPOSTA NAS DIFERENTES COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM
Uma das teses defendidas por Marx (BOTTOMORE, 1988, p. 296) sustenta-se no
argumento de que “só o trabalho produz valor”. O trabalho assim pensado é a práxis24,
atividade livre, genuinamente humana, criadora e auto-criadora. Neste sentido, o trabalho
opõe-se à alienação, é fonte de auto-realização do homem que, ao transformar o mundo, se
transforma. A elaboração e concepção de uma obra requerem, portanto, a participação efetiva
de quem empreende a tarefa, desde a sua concepção, do projeto à finalização. Tem sido este o
compromisso assumido para a consolidação da proposta ora apresentada e desenvolvida junto
a estudantes de Pedagogia, conforme exposto nos capítulos precedentes.
Com bases fixadas na filosofia da práxis, a proposta tem se firmado como criação
coletiva, contemplando por isso, problematizações e resultados de intervenções como
geradores de novos conhecimentos, invenções e descobertas. Por assim pensar, retoma-se
neste capítulo o registro de relatos considerados significativos. Não tão somente como ponto
de partida deste processo de avaliação, mas principalmente como referência para validar
teorias a ele subjacentes, bem como para defender ou não a continuidade da proposta. No
dizer de Semeraro (2002, p. 102):
Quando as classes subjugadas se organizam, se apropriam da política e se educam para criar uma nova concepção de hegemonia baseada na gestão democrática e popular do poder, ocorre uma revolução ético-política na sociedade. Mas, o que muda é também o modo de fazer ciência, de interpretar a realidade, pois as perguntas que surgem dos interesses conjuntos passam a ser diferentes, os critérios que orientam a pesquisa adquirem outra ótica, uma vez que surge “novo modo de pensar, uma nova filosofia e também uma nova técnica”. (GRAMSCI, Q, 1464.)
A afinidade com este pensamento de Gramsci é confirmada pela presença dos
questionamentos oriundos dos mapas conceituais, conforme exemplar apresentado no anexo D.
24 Práxis é atividade humana sensível (MARX, 1996, p.11).
As circunstâncias são alteradas pelos homens e [ ] o próprio educador deve ser educado.
Karl Marx, 1996, p, 12
119
Os memoriais reproduzidos na íntegra, no capítulo 2, igualmente representam a coerência
com esses critérios de Gramsci para nortear uma pesquisa.
Nos primeiros contatos com as turmas que constituíram o grupo pesquisado, os
estudantes-professores foram instados a refletir sobre momentos marcantes de sua vida
escolar, em especial como aprendizes de matemática. Convidados a elaborar um mapa
conceitual, a palavra matemática gerou novas palavras, as quais surgiram fruto de livres
associações de idéias. Lançada esta provocação, percebia-se com freqüência a rejeição e o
preconceito nas expressões que retratavam o significado de estar aprendendo matemática.
Emergiam nesses mapas concepções sobre a ciência matemática, sempre vinculadas
exclusivamente à noção de exatidão, aos cálculos e a resultados (anexo D).
Com relação ao que foi levantado no quadro 2, tem-se a considerar:
“Construção e Produção do Conhecimento”
A construção e a produção do conhecimento, por parte dos estudantes-professores,
evidenciou-se por meio de relatórios que atendiam a uma finalidade avaliativa da proposta,
transparecendo igualmente em projetos elaborados para atender a solicitações acadêmicas do
curso e/ou para aplicação nas escolas municipais em que atuam esses estudantes:
Jamais havia percebido o quanto poderia contribuir para que meus alunos se desenvolvessem sem ser de uma forma mecânica, desligada da realidade. Pude refletir que ainda não consigo estabelecer algumas relações da teoria com a prática porque só agora tenho adquirido uma fundamentação consistente. Acredito que se continuar havendo um investimento maior na fundamentação teórica dos educadores, não só o livro didático mas também outros recursos didáticos ganharão seu devido lugar (Relatório da aluna R., 2004).
Os relatórios de estágio, elaborados visando integrar atividades de ensino e
pesquisa (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002), confirmam os argumentos defendidos nesta
tese:
Sem dúvida, se as crianças tivessem mais oportunidades de trabalhar com objetos e com jogos em que pudessem perceber as relações matemáticas subjacentes, construiriam a noção de número em vez de apenas memorizar a seqüência numérica. Além disso, o que tem mais me chamado a atenção é que a matemática raramente é trabalhada em sala de aula.
120
Vejo que muitas crianças copiam os algarismos sem entender sua relação com a quantidade. Verifiquei que a noção espacial jamais é desenvolvida. Jamais são utilizados os diversos objetos que estão na sala de aula para familiarizá-los com a geometria, conforme sugere Kamii (1990). (Estudante C., 2004).
Resultados consistentes da proposta ora apresentada nesta tese ficam evidentes
nos projetos que os diferentes atores vêm desenvolvendo em suas unidades escolares. Partes
de documentos transcritos a seguir corroboram estes resultados, bem como justificam o estudo
aprofundado das teorias cognitivistas no capítulo 3:
Logo após as oficinas desenvolvidas aqui na universidade durante as aulas de Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática, acreditei que seria possível realizar um trabalho semelhante com os meus alunos. Parti então para a construção do ábaco com as crianças. Foi uma experiência muito proveitosa, pois além de motivá-los para a construção em si, suscitou curiosidade para o aprendizado do Sistema de Numeração Decimal. Nem todos os alunos tiveram facilidade para compreender o valor posicional, mas com certeza a aprendizagem se deu de forma muito mais significativa do que quando é utilizado o método tradicional. Embora tenha sido muito trabalhoso o processo, pretendo continuar este trabalho com todas as turmas, fazendo uso concomitante com as tampinhas de garrafa PET, conforme aprendi também nas oficinas do curso. (Estudante-professora C., do Curso de Pedagogia, relacionando experiências das oficinas com as de sua prática na escola, 2004).
Hoje já procuro trabalhar com os meus alunos, problematizando, aproveitando o que
eles trazem para a aula, relacionando com o conteúdo para criar significado. Esse é só o começo. Preciso pesquisar mais para entender como as crianças aprendem (Relatório de R.., estudante-professora do Curso de Pedagogia, 2004).
A respeito do que foi levantado na página 78, com relação aos pressupostos da
pesquisadora e dos pesquisados, tem-se a considerar:
“Concepções de Matemática” e de “Aprendizado da Matemática”
O depoimento da professora E. revela seu compromisso político com a educação,
de um modo geral, e com a transformação do ensino da matemática, em particular, deixando,
no entanto, transparecer que a mudança, além de representar tarefa árdua requer do educador
um permanente envolvimento em sua prática cotidiana. Esta professora, pesquisadora e
pesquisada, sensível à proposta constitutiva desta tese, ilustra o que Gramsci (1978) concebeu
como a “filosofia da práxis”, bem como o que Giroux (1997 e 2003) propôs para a realização
121
de uma política cultural, intervindo positivamente sobre a comunidade escolar onde atua e
sobre a comunidade onde a escola se localiza.
Pretendo trabalhar com as crianças uma nova visão de mundo. Fazê-los enxergar além de suas realidades, trabalhar os conteúdos de forma diversificada e com significado para cada um deles, fazê-los perceber que podem romper barreiras sociais.
Pensemos no ensino da matemática em nossas escolas. Vemos um acentuado grau de exigências sobre o domínio de técnicas e cálculos. Enfatizam que a matemática “desenvolve o raciocínio” ou “ensina a pensar”. Mas o que presenciamos são inúmeros exercícios repetidos, modelos a serem seguidos e técnicas a serem aplicadas. Precisamos aproximar a matemática do universo do aluno, para que este perceba a importância social da disciplina. Neste projeto que desenvolvi com a 4a série, foi enfocado o momento vivido pelos brasileiros por ocasião da escolha de seus representantes por meio do voto, as eleições. A participação foi total porque partiu do interesse das crianças. Houve debates, simulação de eleições, apuração de votos, elaboração de gráficos e tabelas para apresentação dos resultados. Nisto, os alunos puderam vivenciar experiências como cidadãos, construindo os conceitos matemáticos de números racionais e de porcentagem. Pude compreender que a escola precisa ser um espaço de formação e informação, para que os alunos se apropriem dos conteúdos de maneira crítica e construtiva. Sei que ainda tenho um caminho longo pela frente para atingir o ideal de uma educação voltada para a construção do conhecimento e para a formação de cidadãos capazes de atuarem na sociedade. Não ficarei parada como vejo as pessoas que, direta ou indiretamente estão ligadas às instituições educacionais. Farei o que é possível ser feito hoje, visando fazer amanhã um pouco mais. (Extraído do Relatório de Estágio da estudante-professora E, 2003.)
Igual destaque e magnitude merecem os trabalhos concebidos e realizados pelas
professoras L. e D. (também diretora) de uma mesma unidade escolar, na zona rural de
Petrópolis. L. elaborou e desenvolveu o projeto “Matemática: escola e realidade juntas no
aprender” objetivando construir conceitos geométricos articulados com o desenvolvimento do
senso crítico, conscientizando os alunos sobre seus limites e responsabilidades, estimulando a
imaginação e a criatividade dos estudantes. Consciente das teorias subjacentes à sua prática
pedagógica, L. remeteu-se a D’Ambrosio (1996), Piaget (1976) e Freire (1997), consolidando
conhecimentos construídos ao longo de sua formação no Curso de Pedagogia:
Para construir a maquete da sala de aula (ver anexo G), os alunos se dividiram em grupos sem que eu precisasse intervir. Todos, sem exceção, estiveram motivados, participando da atividade. Tiveram o cuidado de montá-la observando a posição dos móveis, objetos e cartazes na sala. Fiquei contente por perceber que as duas atividades anteriores a essa foram um bom começo, permitindo e favorecendo a construção da maquete. Precedendo este trabalho, construíram um mapa do trajeto de casa até a escola e desenharam a fachada do prédio. No traçado do mapa, demonstraram dificuldades, pois não tinham senso de orientação. Foram estimulados a perceber e a pensar que tinham que desenhar o caminho que fazem como ele é, ou seja, se quando saem da escola vão para o lado direito, tinham que desenhar a escola do lado esquerdo e vice-versa. Desenhando a fachada da escola, resolviam suas dúvidas indo para fora com a folha nas mãos para conferir se o que já tinham desenhado estava no lugar correto. Após o preparo e a degustação das pizzas, na cozinha, voltamos para a sala de aula, desenhei as pizzas no quadro, estimulando-os a que explicassem como estava
122
sendo feita a partição das fatias, dando início ao estudo das frações. Os alunos tiveram facilidade para construir este conceito, constatando mais uma vez como é importante a vivência de situações-problema para que a aprendizagem ocorra de forma significativa (L., Pesquisadora-pesquisada, também coerente com o proposto nesta tese no empenho em favorecer a construção de conceitos matemáticos dos alunos de escola municipal, 2003).
A função dos intelectuais transformadores tal qual definida por Giroux (1997) foi,
dignificada e enobrecida pela professora D., também diretora da mesma instituição em que L.
atua:
Aqui estou professora por titulação educadora por convicção... [...]. Por todas as angústias que já passei em minha vida escolar quando criança, quase sempre tendo a matemática como barreira, é que me dediquei inteiramente à questão desta pesquisa, cujos objetivos foram: introduzir, no ensino da matemática, a concepção de etnomatemática, bem como buscar estratégias pedagógicas que permitam ao aluno construir conceitos matemáticos. Embora de cunho interdisciplinar, priorizei nesta pesquisa monográfica o conhecimento matemático, por sentir a dificuldade das crianças em relação a estes conteúdos. Propus-me, então, à mudança. Posso afirmar que mudei meu conceito sobre o ensino da matemática, como professora e como aluna. Senti em minhas crianças o quanto lhes foi surpreendente a proposta por perceberem que estávamos num mesmo estágio de descobertas. Após a implementação da proposta, a prática instalou-se mais solidamente em conseqüência dos estudos e teorias que passaram a nortear o trabalho dos professores sob minha direção (trecho de monografia de conclusão do Curso de Pedagogia, D., 2004).
O reconhecimento de D., acerca de sua mudança de postura em relação à
matemática, soma-se às reflexões de F. e de G. quando articulam a prática realizada com as
oficinas de Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática:
As aulas de matemática têm nos mostrado como precisamos mudar os conceitos de matemática. Acabam sendo inspiração para uma mudança na escola, partindo sempre da realidade, do concreto, para depois os conceitos matemáticos irem surgindo (Relatório de F., estudante-professora de pedagogia, 2004).
Sempre estive desanimada de fazer pedagogia, pois pensava:se eu não sabia matemática nem para mim, como poderia ensinar as crianças? Nesta aula de hoje, aprendi que é possível dividir sem saber tabuada, pois até hoje não consegui decorá-la. Estou mudando meus conceitos em relação à matemática. (Relatório de G., estudante-professora do Curso de Pedagogia, 2004). As reflexões acima justificam, no capítulo 3.2 deste trabalho, a abordagem às
diferentes concepções existentes sobre a matemática e seu ensino, já que o que parece
predominar na prática do professorado, em geral, é uma visão platônica, apriorista, sem que
haja porém uma tomada de posição consciente a respeito dessa questão.
123
As anotações de A. em seu diário evidenciam a dicotomia entre o que se idealiza,
teoriza e pratica na Universidade e o que em realidade acontece na escola pública de Ensino
Fundamental, sinalizando para o que Imbernón (2003, p.14) reivindica para as Comunidades
de Aprendizagem: “processo de inovação, que leva os professores e as professoras de uma
escola a um trabalho de pesquisa-ação, com a finalidade de elaborar um novo projeto educativo
comunitário”.
A professora regente da turma faltou e eu precisei assumir sua função. Como tenho pouca experiência, pedi auxílio às demais professoras. Elas me disseram que eu deveria encher o quadro de continhas de dividir, porque são difíceis e eles demoram mais para fazer. Porém, preferi realizar com eles a oficina do ábaco e depois a da divisão com macarrões, estratégias aprendidas nas aulas de Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática. Percebi que podemos fazer mudanças para que as crianças aprendam matemática sem traumas, desfrutando e refletindo sobre o que estão realizando (Reflexões de A., no Diário de Campo, sobre a experiência de co-participação no estágio, 2004).
“Expressões afetivas dos pesquisados”
Valendo-se do cognitivismo como uma de suas bases teóricas, enfatizou-se nesta
pesquisa que os aspectos cognitivos encontram-se intimamente relacionados com os afetivos.
Por este motivo, a racionalidade alia-se às emoções e afetos do sujeito que constrói
conhecimento. Bruner (1973 e 1997) merece ser lembrado por considerar a aprendizagem
como um processo ativo e dotado de significados nos quais as motivações intrínsecas ocupam
lugar especial. Tardif (2002, p. 230) ressalta esses mesmos vínculos ao reconhecer que “para
compreender a natureza do ensino é absolutamente necessário levar em conta a subjetividade
dos atores em atividade, isto é, a subjetividade dos próprios professores”. Os relatos a seguir
mostram a quase impossibilidade de categorização dos dados com os quais a pesquisadora se
defrontou devido ao forte entrosamento entre o cognitivo e o afetivo:
Penso que desmistifiquei o ensino da matemática e aprendi a gostar dela por um ângulo que jamais me havia sido mostrado quando estudante do ensino fundamental e médio. Precisei crescer em tamanho e maturidade para descobrir, somente na universidade, que poderia de alguma forma contribuir para que meus alunos não sofressem o que sofri (Trecho de monografia de conclusão do Curso de Pedagogia, D., 2004).
124
No estágio, relembrei claramente das minhas aulas de Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática quando a professora dizia: “só aprendemos o que é significativo para nós”. Realmente, aqueles exercícios propostos aos alunos não eram nem um pouco significativos para eles. Por que não ocorria à professora lançar mão de uma situação-problema que partisse do próprio contexto de vida deles? (Registro de Diário de Campo de P., estudante de Pedagogia, 2004).
Em todo o meu percurso escolar, sempre me desencontrei com a matemática, pois
não conseguia entender a matéria, o que gerou uma relação de medo em todos os meus anos de estudo. Ao começar a cursar o 3o período de Pedagogia, me deparei novamente com a matemática. Fiquei preocupada, relembrando o que já havia passado. Desta vez, porém, foi diferente, pois só agora a matemática começou a fazer sentido para mim (Trecho de relatório de D., estudante de Pedagogia, 2004).
Em referência ao processo escolar de mediação do conhecimento matemático,
foram constantes as lembranças associadas a medo, dificuldades e traumas, gerando
expectativas sobre a disciplina Conteúdo e Metodologia do Ensino da Matemática no sentido
de buscar resgatar conceitos jamais aprendidos:
Lembro-me que me sentia triste e detestava tudo que me conduzia ao caminho da matemática. Hoje, como professora, me esforço para que meus alunos superem suas dificuldades e não tenham que passar por tantos bloqueios (Memorial de estudante-professora I., 2003).
Dessa forma, tornou-se imprescindível cuidar para que os encontros não se
transformassem meramente em transmissão de “receitas”, conforme expectativa registrada no
mapa conceitual a seguir:
Espero que a matéria não seja maçante e que não fale apenas de números, pois estes, apesar das dificuldades, eu já os conheço. Mas que trate de técnicas para tornar a matemática mais atraente e menos assustadora. (Estudante J.)
A considerável carga afetiva manifestada nessas oportunidades justificou uma das
opções teóricas desta tese, qual seja a do cognitivismo, por considerar que “os indivíduos não
apenas respondem aos estímulos, mas atuam com base em crenças, atitudes e desejos de
alcançar metas”. O memorial a seguir ilustra o que se discute neste parágrafo:
Lembro-me da primeira vez que abri o grosso livro vermelho cheio de números e páginas de papel jornal. Eu não entendia aqueles símbolos, uns em cima e outros em baixo, com um + e um - ... Ficava olhando e imaginando o que era aquilo. Eu não gostava daquele livro quase sem figuras e toda vez que errava as continhas e tentava apagar, as malditas folhas frágeis acabavam ou rasgadas ou marcadas. Após ter sido reprovada na 7a série por um ponto, fiquei traumatizada e passei a não gostar da matéria... posso dizer que ainda não me sinto confortável com a matemática, principalmente com os problemas, as raízes, as vírgulas e as casas decimais (estudante A).
125
Aos momentos de sensibilização, seguiram-se os de problematização, sobretudo
aqueles sentidos e vivenciados pelo grupo, partindo-se então para as oficinas, já descritas no
capítulo precedente. Nestas, os resultados e as transformações ocorriam ao longo da proposta,
conforme amplamente explicitado e ilustrado no quadro 2 e documentado no anexo E.
Conforme enfatizado por Serrazina (2003), tão importante quanto visualizar as
sensíveis mudanças ocorridas no grupo foi a constatação, transparente nos relatórios, da
significância das situações em que os pesquisados perceberam-se como crianças. Identificar-
se com o pensamento infantil é fundamental para entender como se processa a aprendizagem:
Morremos de rir com as descobertas das frações equivalentes fazendo dobraduras. A vida inteira memorizamos regras e técnicas sem entender o que significavam. Percebemos a importância do trabalho com os racionais, relacionando-os com o cotidiano. Por fim, a sensação de voltar a ser criança, vivenciando situações como se assim o fôssemos... (estudante-professora C., de pedagogia, 2004).
Contradições e ambivalências, freqüentemente presentes nos discursos e posturas
dos estudantes-professores explicam em parte os impedimentos à adesão de propostas
pedagógicas inovadoras, bem como o retardamento e lentidão do processo de mudança
desejável para o alcance de objetivos lançados neste estudo. O registro a seguir ilustra essa
problemática:
Professora, a gente até compreende e vê que desta maneira como estamos aprendendo aqui no curso de Pedagogia, é a melhor forma de fazer com que as crianças construam o conhecimento matemático, mas lá na escola temos que fazer o que a diretora e a coordenadora mandam. Elas querem que a gente cumpra o programa de matemática da Prefeitura e exigem as tabuadas e as expressões (depoimento de V., estudante-professora de Pedagogia, extraído do Diário Reflexivo da autora da tese, 2004).
Situações como essa, vivenciada ao término de uma oficina temática de divisão,
não são raras. Refletindo a ausência de autonomia e de cidadania dos professores, ressaltam o
despreparo desses profissionais que exercem funções administrativas, bem como a
manutenção, dentro do sistema escolar, da cisão entre concepção e execução, contradição tão
duramente criticada por Giroux. A convivência com essas vicissitudes sugere a crescente
necessidade de um expressivo empenho e comprometimento político desses docentes no
126
sentido da transformação; indica ainda que todos os esforços envidados para atingir esses
objetivos significam muito pouco diante do tamanho do desafio a ser enfrentado.
5.4 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE A INVESTIGAÇÃO
Recorrer a Tardif tornou-se imperativo na fase de inferências e conclusões desta
proposta de intervenção, em especial no tocante à análise dos contornos delimitadores dos
fazeres cotidianos dos professores considerados. Esta premência vinculou-se ao categorizado
por Tardif (2002, p. 260) quando define “os saberes epistemológicos da prática profissional
dos professores” como: temporais, isto é, por prenderem-se sobretudo às experiências de seu
processo de escolaridade; plurais e heterogêneos, isto é, por originarem-se de diversas fontes;
personalizados e situados, isto é, por carregarem marcas dos contextos nos quais se inserem e
objetivados ao trabalho com seres humanos, e por isso impregnados das complexas
particularidades desses indivíduos com os quais interagem.
Se por um lado, nos memoriais e nos encontros ao longo das oficinas esta
temporalidade a qual Tardif se refere, manifestou-se sob a forma de objeções e preconceitos
para com a matemática, por outro, em inúmeras situações, representou a possibilidade de
superação e de busca por estratégias favorecedoras do aprendizado desta ciência, instigante
para uns, misteriosa e assustadora para outros. Estas distintas percepções, passíveis de
identificar-se com as variadas concepções existentes sobre a matemática e seu ensino,
conduzem a questionar se de fato a matemática se restringe apenas aos matemáticos. Lins
(2004, p. 118-119) assegura que no “jardim dos matemáticos” habita um “monstro” (a
Interessar-se pelos saberes e pela subjetividade [dos professores] é tentar penetrar no próprio cerne do processo concreto de escolarização, tal como ele se realiza a partir do trabalho cotidiano dos professores em interação com os alunos e com os outros atores educacionais.
Maurice Tardif, 2002, p. 228
127
matemática), “monstruoso” para quem não o domina. Este, no entanto, converte-se em “bicho
de estimação”, objeto de agrado e prazer, para quem mantém com ele relações próximas e
amigáveis.
Admitindo, por meio desta metáfora, a cisão e o distanciamento entre a
“matemática dos matemáticos” e a “matemática da rua”, Lins conclama os educadores
matemáticos a criarem em suas salas de aula espaços para que coexistam “tantos monstros
quantos sejam possíveis”. Ainda que, após um processo de reconhecimento, grande parte da
turma se recuse a olhar para o monstro25, que isto não seja por incapacidade, mas por obra da
autodeterminação de cada um. Contudo, no Curso de Pedagogia, esta recusa nem seria
admissível, já que a incumbência do docente deste curso extrapola a perspectiva de Lins:
apresentando-se multifacetada, é primordial que pelo menos a fisionomia mais humana e
luminosa desse mito se torne familiar para os professores das séries iniciais do Ensino
Fundamental. É por meio do olhar desses educadores que serão mostradas às crianças as
possibilidades de desfrutarem com “o monstro” dos recantos aprazíveis do “jardim dos
matemáticos”.
A tarefa é desafiadora conforme corroboraram os episódios relatados no decorrer
das oficinas (ver anexo F). Reconhece-se, em parceria com Tardif, que os saberes
profissionais dos professores, plurais e heterogêneos, provém das mais variadas fontes. No
caso da matemática básica em especial, e na maioria dos casos, carecem de fundamentação
científica, sustentando-se, sobretudo em “crenças”, presentes no imaginário coletivo,
transmitidas há longa data, de geração em geração, no seio das famílias, e da cultura escolar.
Exemplo disto é a aceitação/rejeição à matemática, bem como a abordagem quase exclusiva
às tabuadas, contas e expressões no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Tais
25 Ver esta recusa documentada no anexo F, relatório de aula-oficina de estudante de pedagogia.
128
evidências confirmaram-se nesta pesquisa pelos estudantes de pedagogia por meio dos
memoriais, relatórios, interações nas oficinas e co-participações em atividades de estágio.
O predomínio destas práticas reprodutivistas presta-se, essencialmente, para a
manutenção do prestígio e do poder de que desfrutam, dentro do sistema educacional,
administradores preocupados exclusivamente com a burocracia. São marcas dos contextos,
referidas por Tardif como personalizadas, situadas e conotadas politicamente, contrariando o
que Giroux vem defendendo a favor de uma política cultural. Quebrar a força desta “herança”
e das burocracias que imperam e governam as Instituições de Ensino é obra a ser assumida
pelos docentes formadores de professores, em todos os níveis, pois tratam-se de protocolos
que impedem o característico caminhar da ciência no interior das escolas. Lições apreendidas
de Gramsci sugerem que para levar adiante esta empreitada, será exigido dos que a abraçam,
além da adoção de uma postura científica e investigativa, a renúncia ao excessivo
academicismo e o comprometimento político com a transformação da sociedade.
129
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identificação da proposta com a metodologia da pesquisa-ação, amplamente
conceituada e discutida no capítulo cinco, explicitou o descompromisso com levantamento de
dados quantitativos. Embora a pesquisadora dispusesse em seus arquivos de provas
documentais suficientes para a apresentação de uma análise quantitativa, este não foi o
propósito da pesquisa, pois como indica MORIN (2004, p. 175-176),
a significação dos fatos e a complexidade das variáveis superam os modelos estatísticos demasiado experimentais. Afastamos os designs estatísticos após ter constatado que seria impossível avaliar um sistema aberto por meio de quantificações.
Por conseguinte, os procedimentos metodológicos adotados, por meio de seus
instrumentos, permitiram inferir a significância atribuída à matemática pelos
pesquisados/participantes das oficinas e das demais dinâmicas que se somaram para constituir
estas atividades de ensino e pesquisa. Coerente com o referencial teórico norteador do
trabalho, concebeu-se o conhecimento, sobretudo como problema, como objeto a ser
investigado, nunca como moeda de consumo ou de garantia de obtenção de prestígio
acadêmico. Mais que isso, vislumbrou-se o ser humano na sua totalidade, no que pode
conceber, construir e criar para atingir sua plenitude e realização. Visualizou-se o
conhecimento matemático, sem que estivesse desprendido das estruturas teóricas, dos fatos e
das práticas sociais.
Os objetivos da proposta, ainda que quantitativamente possam ser julgados como
de reduzido alcance, representaram exemplaridade para que propostas semelhantes se
Você está resolvendo um quebra-cabeça. Há uma peça faltando. Será que você não pode e deve construí-la, pela imaginação? A forma da peça será o encaixe positivo daquelas que já estão prontas. Sua cor deverá ser a continuação das cores ao seu redor. Por este processo, você construiu mentalmente a peça, e é somente em decorrência deste fato, isto é, de você haver pensado o fim, que você poderá procurar a peça que está faltando.
Rubem Alves, 2003, p.37
130
multipliquem em outras universidades e em diferentes municípios do país, já que, “reconhece-
se que, para incitar uma comunidade a se auto-organizar, não há nada melhor que uma
experiência similar bem-sucedida” (MORIN, 2004, p. 180). Tais considerações revestem-se
de singular importância, levando-se em conta a ênfase que neste momento técnicos do MEC
vêm concedendo aos investimentos na Educação Básica. Ao excluir dessas concessões o
Ensino Superior – o que parece contradizer determinações (Resolução do CNE/CP no 1 de
18/02/2002) do próprio MEC – desatendem o almejado entrosamento entre Universidades e
Instituições que oferecem a Educação Básica.
Repercussões positivas da proposta aqui apresentada, vêm se materializando sob a
forma de projetos interdisciplinares26 elaborados não tão somente para atender o que
requisitam e propõem os conteúdos curriculares das disciplinas do Curso de Pedagogia, mas
sobretudo para solucionar problemas percebidos nas escolas e no seu entorno sócio-histórico-
geográfico. Posteriormente desenvolvidos nas Escolas Municipais onde atuam esses
estudantes-professores, concretizam a integração Escola/Universidade, beneficiando todos os
atores que integram distintas Comunidades de Aprendizagem. Essas Comunidades, termo
definido por Imbernón, acomodando-se aos propósitos desta pesquisa, não se restringe à sala
de aula e à escola; estende-se a uma dimensão que se amplia aos macro-espaços,
proporcionando aprendizados significativos aos sujeitos que se envolvem em atitudes e
práticas investigativas.
Tais ações/intervenções consolidam ideais e esperanças de educadores que,
inspirando e fundamentando esta pesquisa, possibilitaram fortalecê-los em interação com
carências e anseios dos pesquisados/pesquisadora. Além de atenderem a essas expectativas,
pode-se destacar a viabilidade dos objetivos alcançados na pesquisa:
26 Como no projeto, gravado em DVD: “As flores e as verduras do Caxambu”, elaborado e aplicado por L., estudante-professora, participante da pesquisa, em 2004, numa escola municipal de Petrópolis.
131
• O desenvolvimento de estratégias pedagógicas, no Curso de Pedagogia,
direcionadas para a reflexão e a investigação em matemática. As oficinas são
exemplo disso, proporcionando articulação entre teoria-prática-teoria e
conteúdo/metodologia do ensino da matemática.
• A mudança de concepções sobre a matemática e de práticas para seu ensino,
ressalvados limites e impedimentos, conforme descritos e analisados nesse
relatório, representa alvo acessível e conquista realizável.
• O conhecimento matemático percebido por todos, e em especial pelos docentes
das séries iniciais do Ensino Fundamental, como fruto da construção que o
sujeito empreende partindo de sua atividade mental, direcionando-a para as
provocações e problematizações provenientes dos contextos, dos sujeitos e dos
grupos culturais com os quais estabelece relações.
• A práxis e a norma, percebidas como elementos integradores, substanciais e
indispensáveis à transformação da matemática escolar.
Num trabalho como este, em que se buscou analisar e propor estratégias para o
ensino da matemática, compreendido como parte do sistema escolar e de uma sociedade, a
qual mais determina do que é por aquele sistema determinada, seria reducionismo atribuir
somente ao professor a responsabilidade pelos insucessos aqui apontados. No entanto, é
cabível ater-se ao fato de que é crucial a inserção dos educadores, e em especial a dos
professores de matemática numa mobilização a favor de uma efetiva e bem-sucedida
aprendizagem, em todos os níveis de ensino.
Contemplar o corpo social vivo, pulsante e mutante na sua totalidade e amplitude
permite tão somente visualizar a beleza ou as deformações de suas aparências. Esquartejar
este corpo em suas partes mais íntimas e viscerais é tarefa que remete o pesquisador, por
vezes, a compreensões apenas parciais do fenômeno estudado.
132
“Os monstros das provas”, reportagem do Caderno Megazine do jornal O Globo
(01/06/2004), destacou que a média, na prova de matemática do Vestibular de 2004 da Uni-
Rio, foi a mais baixa do concurso: 2,41. Deste resultado, pode-se inferir múltiplas
interpretações. Uma delas, admitida pelos organizadores, na mesma reportagem, é de que as
provas dos concursos “ficaram difíceis demais”. A lógica dos vestibulares respalda-se na
capacidade de excluir candidatos, em virtude da insuficiência de vagas para atender à
demanda. Sendo assim, o vestibular não deve ser considerado o único balizamento para
analisar a eficácia do ensino. Além das distorções incidirem sobre o nível de exigência desses
concursos, uma outra interpretação e talvez a mais importante sobre estes dados é a de que
cerca de 70% dos conteúdos curriculares de matemática veiculados na escola não são de fato
aprendidos. E por que não são aprendidos?
Esta pergunta remete a encontrar “a peça perdida do quebra-cabeça”, conduz a
questões iniciais desse estudo, cuja culminância consistiu de alternativas para a melhoria do
ensino da matemática. Estas estratégias, ainda que fundamentadas no pensamento cientifico,
expressas por meio de teorias educacionais, encaminham-se para o apelo à intuição, à
imaginação e à criatividade do docente/discente. Barbosa e Bulcão (2004, p. 51) asseveram
que enveredar-se por estes caminhos implica em
exaltar a criação e a invenção, mostrando que o ato de conhecer não se reduz à repetição monótona e constante de verdades absolutas e imutáveis que, uma vez alcançadas, se solidificam, ancorando-se no porto seguro da memória.
Potencializando a relevância de apelar para a criatividade e inventividade dos
educadores, cumpre assinalar que, dependendo de suas concepções sobre a matemática, o
professor poderá ser um repetidor, um descobridor ou um criador de modelos matemáticos,
interagindo com os alunos e com o mundo que o cerca. Poderá ser mantenedor dos processos
que segregam e discriminam alunos ou poderá optar por fazer do ensino da matemática uma
via para a construção do pensamento autônomo e da cidadania.
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ANEXOS
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