Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 0 - Introdução : Selene Herculano e Heitor Delgado Correa - Pag 1
INTRODUÇÃO: A OFICINA SOBRE IMPACTOS SOCIAIS, AMBIENTAIS E URBANOS
DAS ATIVIDADES PETROLÍFERAS – O CASO DE MACAÉ (RJ)
Selene Herculano e Heitor Delgado Correa
Niterói, dezembro de 2010
Esta coletânea de textos, apresentações em slides, filmes e imagens é o material resultante
da Oficina sobre Impactos Sociais, Ambientais e Urbanos das Atividades Petrolíferas – o caso
de Macaé (RJ), realizada no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade
Federal Fluminense (UFF), em Niterói, entre 7 e 9 de dezembro de 2010. Foi uma realização
do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da UFF, através de sua linha
de pesquisa sobre Conflitos Ambientais e Urbanos, e foi organizada pelo Laboratório de
Cidadania, Territorialidade e Ambiente – LACTA.
Por que o crescimento econômico brasileiro é acompanhado por desigualdades sociais e
degradação ambiental e urbana? Poderia ser diferente? O que fazer para que seja diferente?
Nossos municípios mais ricos são mesmo desenvolvidos? O que é afinal desenvolvimento local?
O Plano Diretor urbano é efetivo e dá conta do seu bom ordenamento? Essas foram as
perguntas centrais que nortearam nossa Oficina. Escolhemos o município de Macaé (RJ), a
“capital nacional do petróleo” como objeto empírico para discutir questões teóricas sobre
desenvolvimento local, qualidade de vida, sustentabilidade e destinação justa da receita dos
royalties do petróleo. Convidamos para debater este destino trágico das municipalidades os
nomes mais expressivos de nossa bibliografia e que já há algum tempo, através de suas
instituições (UFF, UCAM-Campos, IFF, UENF, UERJ) se dedicam a pesquisar o norte-fluminense
e suas contradições. Trouxemos também para o diálogo integrantes do quadro administrativo
da Prefeitura Municipal de Macaé. Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe e da
Unicamp também foram convidados para trazer um contraponto, um depoimento e uma
análise sobre outros municípios brasileiros que também sediam investimentos massivos da
indústria petrolífera.
Esta Oficina teve os auspícios do CNPq, que autorizou o uso de parte dos recursos destinados
a um projeto de pesquisa1 de Selene Herculano, Vera Rezende e Thereza Carvalho sobre o
tema. Buscávamos examinar como a riqueza gerada era distribuída, como beneficiaria os
segmentos populacionais mais pobres e socialmente vulneráveis, como se refletiria no cenário
urbano e no meio ambiente e como funcionariam as políticas públicas municipais orientadas
por uma perspectiva distributiva (em habitação, saúde, educação) e por qualidade de vida
urbana e ambiental (saneamento, preservação e recuperação de ecossistemas, diminuição de 1 Edital MCT/CNPq 03/2008
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emissão de poluentes, defesa e recuperação de recursos hídricos, remediação de passivo
ambiental). Como seriam e como deveriam ser idealmente os registros contábeis públicos e os
indicadores sócio-ambientais para melhor aquilatar a eficácia das políticas públicas
municipais? Complementarmente, buscamos saber quais seriam as ações sócio-ambientais da
Petrobrás na localidade, concernentes com os princípios de responsabilidade social e
ambiental.
Damos a seguir “flashes” dos debates havidos, convidando o nosso leitor a visitar os textos e
apresentações dos autores, para maior detalhamento2.
Segundo a fala da Professora Rosélia Piquet, o país se prepara para investir entre 2011 e 2014
cerca de R$ 230 bilhões em exploração e produção de petróleo nos estados do Rio de Janeiro,
Espírito Santo e São Paulo. Estes investimentos fazem parte da retomada do processo de
desenvolvimento econômico, feito por investidores privados, com o aval do BNDES e da CEF, e
se somam a usinas hidroelétricas, refinarias, infraestrutura portuária, reprimarização
(agronegócio em parceria com o setor financeiro). Segundo Piquet, cumprem um papel de
desenvolvimento nacional, mas não regional e local; provocam melhoras no sistema de
abastecimento e de comunicação e tem efeito multiplicador, todavia contraposto pela
atração de uma mão de obra desempregada e desqualificada e que não reflui para outras
áreas. A indústria do petróleo possui efeito multiplicador em função do parque industrial e de
empresas de serviços que se instalam para abastecê-la. A indústria do petróleo na relação
política local, para sua instalação, recebe benefícios em vez de exigências, havendo
receptividade na instalação de indústrias impactantes de outros países. A indústria do
petróleo pode não estar voltada para o desenvolvimento regional, sendo seu efeito
multiplicador sentido em outras regiões. Ao fim de sua fala, Piquet a resumiu, enfatizando a
necessidade de se discutir quais os limites entre a atuação de grandes grupos econômicos e a
atuação do Estado.
A Professora Maria Antonieta Leopoldi em sua fala concordou com este enfoque pois,
apesar das empresas privadas estarem no campo da microeonomia, elas sempre se reportam
ao macroeconômico. Estariam faltando reformas políticas para acompanhar as mudanças
econômicas em curso, principalmente no que tange à política do petróleo. A quebra do
monopólio do petróleo e a reestruturação profunda trazida pela globalização nos anos 90
foram respondidas eficazmente pela Petrobrás com a captação de recursos na Bolsa de Nova
York e com a saída para uma atuação internacional na América Latina, África e Oriente
Médio. Porém, coube lembrar que a Petrobrás, como empresa de economia mista, tem não
apenas um braço no mercado, mas também o braço estatal (política de petróleo/energética e
política externa). Presidência da República, Ministérios de Minas e Energia, de Relações
2 Alguns dos debatedores mencionados infelizmente não puderam nos oferecer um texto final, razão pela qual resgatar suas falas se torna interessante.
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Exteriores, Congresso Nacional são atores influentes. Por outro lado, a Petrobrás impacta as
políticas nacionais e as realidades locais na forma de alocação de investimentos, pagamento
de royalties, empregos e salário, alocação de recursos na área social, transformações
ambientais. Tratando da administração local, Leopoldi identificou seu despreparo para lidar
com o montante expressivo gerado pelos royalties e indagou quanto a burocracia local
aprendeu nestes anos, quais os benefícios sociais e ambientais que o desenvolvimento foi
capaz de gerar.
Qual tem sido neste processo o papel das burocracias locais? Houve aprendizado ao longo
desses anos de exploração da Bacia de Campos? A capacidade de gestão municipal melhorou?
Que tipos de obstáculos ao desenvolvimento social foram criados? Que tipo de normatização
foi criado? Qual o papel da Agência Nacional de Petróleo – ANP? Caberia à academia, às
pesquisas universitárias, trazer estas respostas.
Leopoldi lembrou que, a partir de uma revisão crítica do processo de desenvolvimento
econômico, a própria concepção de desenvolvimento se alargou para um desenvolvimento
também social e sem predação, o que exige mais do Estado e se torna um desafio para a
gestão pública municipal. Ela lançou as perguntas: as novas economias do norte-fluminense
provocaram alterações no tradicionalismo político calcado em elites predadores e com visão
de curto prazo? Sim ou não? Como e por que?
Este novo desenvolvimento – justo e sustentável – se exige do Estado e principalmente da sua
esfera local - não pode ser arcado apenas por ele, tendo trazido à realidade as parcerias
público-privado. Mas que impacto estas parcerias geraram? Este seria outro tema importante
para as pesquisas universitárias.
O Professor Eduardo Gomes lembrou que há uma idealização do mundo perfeito e nele da
empresa sustentável. Embora, segundo Lester Salomon, o engajamento social das empresas
esteja substituindo o estilo MBA3 anterior, da gestão virtuosa, não há uma obrigatoriedade
neste engajamento. As empresas buscam mais uma nova legitimação com a inserção do social
em seu portfólio.
Mônica Serrão (geóloga do IBAMA) mencionou o passivo ambiental da Petrobrás na região,
sublinhando a ineficácia do sistema de multas: a empresa foi multada em 2010 em R$ 5
milhões, porém essas multas, acrescentou, tem apenas um efeito simbólico: de um lado a
empresa recorre e de outro o próprio IBAMA cuida de não utilizar muito este mecanismo pelo
desgaste que provocam seu descumprimento. Gil Mendonça (Analista Ambiental do IBAMA)
salientou a importância de se qualificar a sociedade, via educação e informação, a fim de
fortalecer as instituições estatais no seu papel fiscalizador, como seria o caso do IBAMA.
3 Master in Business Administration.
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Fernando Marcelo Tavares, da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Macaé e ex-
Secretário Municipal de Meio Ambiente, comentou que há em Macaé um processo
participativo da Sociedade Civil, via conferências, que há instituições ativas, mas que elas
funcionam mal, representando a si próprias. O Comitè de Bacia do Rio Macaé, que poderia ser
um instrumento de planejamento excelente, tem uma execução complicada e apresenta a
dificuldade prática de como juntar os recursos dos diversos municípios que integram a Bacia.
A Conferência Municipal de Meio Ambiente carece de regulamentação. As Secretarias de
Planejamento dos municípios em geral, segundo ele, não exercem função de planejamento e
sim de manejo de contas.
A Professora Sônia Rabello, ao comentar o instrumento do Plano Diretor no ordenamento
urbano, iniciou sua fala enfatizando que toda legislação é política e assim a legislação
urbana. No Brasil, a legislação urbana estaria eivada de discursos jurídicos e lhe faltaria
apontar caminhos e procedimentos. Assim é com o direito à moradia, parte dos direitos
fundamentais e um belo discurso jurídico, mas que não se traduz em direito à propriedade e
seus procedimentos objetivos. Sublinhou a diferença entre serviço público, que é monopólio
do Estado e que ele é obrigado a prestar, e atividade econômica, que o Estado apenas regula.
O Estado poderia regular o mercado de terras, assegurar procedimentos objetivos para o
acesso de todos à propriedade urbana. A política urbana pode ser instrumento de igualdade
social: na Colômbia, por exemplo, 25% dos recursos em empreendimentos imobiliários tem de
ser aplicados em Habitação social. Rabello enfatizou que o Plano Diretor de um só município,
seja de Macaé, ou Rio das Ostras, ou o de Campos, (todos municípios da região afetada pelas
plantas de exploração petrolífera), por si só não poderia ser capaz de disciplinar todas as
questões geradas pelas impactos desse investimento. A região compreendida por Macaé, Rio
das Ostras e Campos e etc., forma um espaço regional, que necessariamente deveria estar
sujeito a um plano regional de ordenação territorial, ao qual os vários planos diretores
municipais deveriam estar condicionados, e observar. Isto porque o Plano Diretor é
instrumento legislativo municipal, cuja incidência está contida no seu próprio território. E o
ordenamento territorial regional seria competência da União, nos termos do Artigo 21, inciso
IX da Constituição Federal de 1988.
Os Planos Diretores, analisou a Professora Vera Rezende, são equivocadamente encarados
como um produto, uma exigência legal a ser cumprida e que tendem a ser ignorados.
Deveriam, ao contrário, ser entendidos como um processo contínuo e participativo, não
apenas na sua elaboração, mas na sua implementação, fiscalização e cobrança através de
Comissões ou Conselhos. É essencial que o próprio Plano Diretor crie seu instrumento de
fiscalização da sua implementação: “Torna-se fácil destruir ou ignorar um produto, difícil é
destruir comportamentos e atividades que já estejam incorporadas aos trabalhos dos técnicos
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e à vida dos cidadãos.” Rezende mostrou convergência com a fala de Rabello: faltam
procedimentos, determinações objetivas de como o Plano Diretor será operacionalizado.
Macaé tem seu Plano Diretor e um quadro de injustiça espacial e de impactos ambientais. São
realidades paralelas. A função do plano deveria ser a de alterar as situações de injustiça
espacial , mas dificilmente isso poderá ser feito sem a voz e a fiscalização dos cidadãos para
quem sua cidade é sobretudo um território de vida e não apenas um espaço econômico.
Alexandre Lima, contador da Prefeitura de Macaé, falou–nos da inadequação dos orçamentos
municipais, peças que atendem ao cumprimento legal, mas que não ensejam nem espelham o
planejamento governamental e não traduzem as políticas públicas, sendo ainda sub ou
superestimados. A legislação sobre o orçamento público não favorece a transparência nem o
controle social. (Há dois Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional sobre
Responsabilidade Orçamentária (PL 229/09 e PL 248/09). No caso de Macaé, o uso dos
royalties é difícil de ser perscrutado. Um único registro no orçamento seria indicativo do seu
destino, que é a “fonte 04” (royalties) atribuída às rubricas. Indagado sobre o custo da
máquina administrativa do município e sobre os cargos comissionados, apenas informou que a
Prefeitura de Macaé teria 17 mil funcionários, dos quais 8 mil seriam concursados
estatutários. “Se fosse uma empresa privada, a Prefeitura iria se tornar insolvente e pediria
concordata...”.
Por que há o pagamento de royalties e por quais critérios? O debate em torno da Emenda
Ibsen Pinheiro4 e Pedro Simon5 (PLC 16/2010 e PLC 7/2010) trouxe para o centro das
discussões a análise das políticas compensatórias e das políticas públicas municipais.
4 A Emenda Ibsen Pinheiro, de autoria dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG), aprovada por 369 votos a favor e 72 contra, com duas abstenções, em 10/03/2010, modificou as regras de distribuição dos royalties do petróleo com o seguinte texto: “Ressalvada a participação da União, a parcela restante dos royalties e participações especiais, oriundos dos contratos de partilha de produção e de concessão de que trata a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, será dividida entre Estados, Distrito Federal e Municípios da seguinte forma: I – 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados – FPE; II – 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.” O texto aprovado recebeu veto presidencial.
5 A Emenda Pedro Simon: “Art. 64. Ressalvada a participação da União, bem como a destinação prevista no art. 49, inciso II, alínea d da lei nº 9478, de 06.08.1997, a parcela restante dos royalties e participações especiais oriunda dos contratos de partilha de produção ou de concessão de que trata a mesma lei, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, será dividida entre Estados, Distrito Federal e Municípios da seguinte forma: I - 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados - FPE; II - 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios - FPM. § 1º A União Federal compensará, com recursos oriundos de sua parcela em royalties e participações especiais, bem como do que lhe couber em lucro óleo, tanto no regime de concessão quanto no regime
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Rodrigo Serra tratou da legislação de royalties, trazendo referências históricas,
ressaltou que no caso do Rio de Janeiro os royalties se traduzem como compensação pela
imunidade do ICMS nas operações interestaduais com petróleo e gás, havendo um sistema de
tributação híbrido, vez que o ICMS é normalmente taxado na origem da produção. Ao
explicitar os fundamentos para pagamento dos royalties, fez algumas distinções importantes
descaracterizando a compensação por dano ambiental (porque as empresas são responsáveis
pela reparação de eventuais danos ambientais), mas apontando que o fundamento é por mera
opção do legislador (em alguns países os royalties são exclusivamente do governo central e
não das áreas em que ocorrem a produção; e há até o caso em que os royalties são
distribuídos para áreas distantes que não se beneficiam dos efeitos da indústria do petróleo),
isto porque a própria indústria do petróleo já gera impactos positivos na economia local.
Desta forma, a mudança de opção do legislador com distribuição nacional dos royalties
deveria estar atrelada à mudança da tributação do ICMS do petróleo e gás natural na origem.
O Pré-sal provocou a necessidade de rediscussão da lei dos royalties e, por conseguinte, no
sistema tributário nacional e no pacto federativo. Discutiu-se sobre a inadequação da
terminologia “estados produtores”, vez que a produção ocorre sem aplicação de recursos
estaduais e em área da União. Na verdade, há que se falar em “estados onde ocorre a
produção”.
Napoleão Miranda tratou dos impactos sociais da supressão de receita dos royalties,
defendendo regras de transição. A mudança na legislação, em especial a imediata vigência da
Emenda Ibsen, acabaria por impor forte impacto negativo nos Estados e municípios que hoje
recebem os royalties do petróleo.
O caso do município de Carmópolis, a 57 km de Aracaju (SE), foi trazido pelas Professoras
Vera França e Gicèlia Mendes da Silva (Universidade Federal de Sergipe) como um exemplo de
município rico com população pobre. Carmópolis tem, além dos poços da Petrobrás, empresas
como a Nitrofértil e cimenteiras. Seus empregados, contudo, residem em Aracaju, o que
representa um movimento pendular constante e uma drenagem de renda para a capital. A
população residente – 12 mil habitantes - é objeto de um forte assistencialismo, mas convive
com privações de saneamento, de educação e de renda. Trabalham, segundo eles próprios,
de partilha de produção, os Estados e Municípios que sofrerem redução de suas receitas em virtude desta Lei, até que estas se recomponham mediante o aumento de produção de petróleo no mar." § 2º Os recursos da União Federal destinados à compensação de que trata o parágrafo anterior deverão ser repassados, aos Estados e Municípios que sofrerem redução de suas receitas em virtude desta Lei, simultaneamente ao repasse efetuado pela União aos demais Estados e Municípios. § 3º Os royalties correspondem à participação no resultado da exploração de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o §1º do art. 20 da Constituição, vedada sua inclusão no cálculo do custo em óleo, bem como qualquer outra forma de restituição ou compensação aos contratados, ressalvado o disposto no §1º do art. 50 da Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997." Este texto impôs à União arcar com compensações aos Estados e Municípios que sofrerem redução de suas receitas como regra de transição. Em sentido diverso, a Emenda Ibsen não prevê regra de transição.
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com a “caneta”, que é como se referem à picareta e ao seu trabalho braçal. Para Vera
França, falta uma política de inserção da população nas atividades petrolíferas e um plano
permanente de capacitação por parte da Prefeitura, que, embora tenha recebido uma
edificação ampla e moderna, construída pela Petrobrás em 2006 para ser o Centro Petrobrás
de Desenvolvimento Sustentável, a mantém vazia e sem uso, segundo a Professora Gicélia
Mendes. Ao ver as fotos de Carmópolis, com dezenas de poços e seus “cavalos mecânicos”
(bombas) dentro da malha urbana e confrontantes com casas e estabelecimentos urbanos, a
Professora Maria Inês Ferreira sugeriu uma investigação de prováveis vazamentos e percolação
de substâncias químicas nocivas. A região, acrescentou, deveria ser desocupada. Embora a
Petrobrás pague uma renda aos proprietários das terras onde se situam seus poços, como
lembrou a Professora Rosélia Piquet, em Carmópolis, segundo Vera França, isso não beneficia
a sua população, uma vez que apenas uma família é dona das terras e nem lá reside.
O contraste entre Macaé-RJ e Carmópolis-SE, ambas na órbita das rendas petrolíferas,
permitiu compreender os impactos dos royalties. Na primeira, o poder municipal recebe
expressivos valores a título de royalties e criou no imaginário coletivo o eldorado da riqueza
advinda do petróleo, não contabilizando o passivo social e ambiental provocado pela
urbanização acelerada. Ao se tornar pólo de atração, sem pré-existir condições técnicas para
efetivar o planejamento urbano e programas sociais, o município passou a estar submetido às
demandas do mercado e pressionado pelo forte movimento migratório de mão-de-obra, não
tendo sido o poder local capaz de mitigar os efeitos do crescimento econômico e populacional
acentuados. Assim, o processo de favelização (em decorrência da grande valorização
mobiliária provocada pela instalação da indústria do petróleo e da incapacidade de absorção
da mão de obra não qualificada), a ocupação desordenada do solo (inclusive em áreas
estratégicas de preservação ambiental) e a criminalidade (a riqueza trazida pelo petróleo
trouxe também um mercado consumidor de drogas e de prostituição) são elementos que
integram o passivo social e ambiental do eldorado do petróleo.
Na segunda, Carmópolis-SE, a excessiva concentração da propriedade transfere as rendas
petrolíferas da exploração do petróleo em terra aos latifundiários locais. A centralidade de
Aracaju define e dimensiona os poderes locais, sendo que a reduzida distância do município
de Carmópolis para a capital manteve em Aracaju o centro empresarial da indústria do
petróleo. O poder público municipal, em função dos tradicionais mecanismos oligárquicos de
manutenção no poder, mostra-se despreparado para empreender estratégias de
desenvolvimento econômico e social. A exploração do petróleo pouco reverte para o
município, o movimento da mão de obra é pendular e diário. Em comum, os dois municípios
não viram as rendas petrolíferas se converterem em redução da desigualdade social ou
mitigação da degradação ambiental.
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Um dos questionamentos que mais ressurgiram na Oficina, resultando em reflexões
diversas, foi o contraste da riqueza dos royalties em meio ao aumento da desigualdade social
e da degradação ambiental.
Convidamos também pesquisadores da Unicamp, Sônia Barbosa e Michelle Renk,
presentes nesta coletânea, a nos trazer a descrição analítica da presença da Petrobrás em São
Paulo: elas nos trouxeram os casos da instalação da Refinaria REPLAN em Paulínia e do
Projeto Mexilhão - Unidade de Tratamento de Gás Monteiro Lobato – UTGCA, em
Caraguatatuba. O artigo enriquece o debate trazendo mais um exemplo do “viés
desenvolvimentista em que os projetos desta natureza são implantados, em que os benefícios
econômicos ocupam ainda uma posição central nos critérios de implantação de novos
empreendimentos, enquanto as questões socioambientais envolvidas ficam em segundo plano
e são justificadas pela possibilidade de desenvolvimento nacional”. Ficam para os locais a
especulação imobiliária, um tecido urbano fragmentado e descontínuo, uma expectativa de
empregos não atendida, um contingente populacional migrante desocupado, impactos
ambientais e uma enorme demanda por políticas sociais e urbanas.
Qual o papel das universidades na modificação deste quadro? Miglievich e Sales
colaboram com esta coletânea trazendo um pouco da história, das expectativas em torno da
criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, das propostas de seu
idealizador, o antropólogo e educador Darcy Ribeiro e das tensões modernizantes. Ribeiro
propunha-se constituir a UENF como universidade de pesquisa voltada para a aceleração das
potencialidades econômicas do norte do Estado do Rio de Janeiro, entendida, portanto, por
seu mentor intelectual, como porta-voz da civilização emergente e alavanca para o
desenvolvimento regional e nacional. Revéses surgiram: um parque sucro-alcooleiro arcaico e
baseado na precarização do trabalho humano não requeria tecnologia de ponta e não
interagia com a universidade. Por outro lado, a criação do Laboratório de Engenharia e
Exploração de Petróleo (LENEP) em Macaé, pertencente ao Centro de Ciência e Tecnologia da
UENF 6, representou sim um ambicioso programa de formação de recursos humanos e
desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica na área de exploração e produção de
petróleo e a fartura do petróleo levou incontestavelmente ao êxito do LENEP. Contudo,
salientam os autores, “a Universidade “não é só petróleo”, ainda que seus cientistas
entusiasmem-se com as mais recentes descobertas e pareçam esquecer o caráter não-
renovável e, sobretudo, predatório desta fonte energética”. A UENF não deveria isentar-se
de um papel prospectivo e assim retomar o seu projeto inicial, a saber, alcançar o
desenvolvimento econômico indissociado do social.
6 Ao lado das Unidades, em Campos dos Goytacazes, Cabo Frio e Macaé, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF).
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Os diversos temas desenvolvidos convergiram para o seguinte diagnóstico:
1. o plano diretor das cidades como instrumento apenas formal para
cumprimento da lei;
2. o planejamento regional como instrumento ausente, motivado pelas disputas
políticas locais que impedem a cooperação entre localidades;
3. o planejamento nacional menosprezando os interesses locais e seus impactos
sociais, cumprindo a tradição autoritária do poder central;
4. a disputa das cidades pelos investimentos empresariais oferecendo benefícios
sem limites menosprezando possíveis impactos sociais e ambientais,
mecanismo encontrado para se inserir no contexto da globalização
econômica;
5. a incapacidade do poder municipal de enfrentar com paridade e autonomia
técnica os empresários e técnicos privados, motivado por anacronismos
institucionais e políticos fundados em interesses oligárquicos e práticas de
clientelismo;
6. a ineficácia do poder municipal para elaborar programas governamentais que
dessem conta dos impactos econômicos, sociais e ambientais da indústria do
petróleo;
7. o sistema contábil público deficiente em transparência;
8. os critérios arbitrários utilizados para a repartição dos royalties que
beneficiaram os Estados localizados em áreas de produção e cuja utilização
em última análise não beneficia a qualidade de vida de seus cidadãos: os
alunos se evadem das escolas, o transporte coletivo urbano é desconfortável,
as ruas são congestionadas, as favelas degradantes substituem a ausência de
habitações sociais dignas etc.
Nossas instituições republicanas, tão necessárias, caminham em descompasso com a
realidade social, ganhando lógica própria. Padecem em geral de formalismo, ritualismo e
clientelismo. Não são inertes: pelo contrário, são muito dinâmicas, mas reproduzem do
mesmo, invertem meios e fins e guiam-se por particularismos. Apesar de muito dinâmicas, o
resultado é inerte. Do outro lado, empresas e indivíduos também são muito dinâmicos:
instalam-se onde lhes é conveniente, buscam e realizam lucros ou estratégias de
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sobrevivência, contornando leis, planos e interesses coletivos. O resultado de tanta dinâmica
é a permanência do mesmo. Macaé é o exemplo da dinâmica da nossa inércia.
Voltamos à questão inicial: o que fazer? Sugerimos alguns pontos para discussão
posterior:
1. Criação de Grupo Força-Tarefa para grandes projetos de desenvolvimento, de
composição tripartite – governo federal, consórcio de municípios atingidos
(autoridades públicas e cidadãos organizados), empresas;
2. Definição, acompanhamento e cobrança de metas e responsabilidades;
3. Definição de metas sociais (educação, saúde, moradia e transporte) como
investimentos do projeto;
4. Definição de sanções para o descumprimento das metas (perda de cargos,
devolução de dinheiro aos cofres públicos, etc).
5. Criação e gestão de um sistema de indicadores operacionais para o
acompanhamento do cumprimento das metas;
6. Acompanhamento e divulgação continuada, pelos meios de informação, desses
indicadores, do cumprimento paulatino das metas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 11
Impactos da Indústria do Petróleo no Norte Fluminense
Rosélia Piquet
Resumo O texto discute a importância da implantação do setor produtor de petróleo e gás na economia da região Norte Fluminense. Apresenta dados sobre emprego e distribuição de royalties, que indicam ser Macaé o município que concentra as atividades industriais, sendo os demais apenas beneficiários das compensações financeiras, cujas regras são discutíveis, uma vez que não existem fundamentos teóricos ou jurídicos inquestionáveis que garantam os atuais repasses. Alerta que para os municípios de orçamentos milionários, a abundância de recursos pode ser tão maléfica quanto sua escassez, dado o amplo poder de cooptação que as administrações públicas locais passam a dispor. Palavras-chave: emprego; distribuição regional dos royalties; petróleo e gás; Norte Fluminense.
Introdução
Na história de sua existência no Brasil, a atividade petrolífera já deixou marcas
irreversíveis na paisagem econômica, social e ambiental dos territórios onde se
implantou. A ambigüidade desta atividade é perturbadora: de um lado, se desenvolve
quase de forma isolada nas regiões onde se localiza, mais conectada que está ao
mercado internacional; de outro, funciona como motor propulsor de riqueza, não só
através da geração de empresas e empregos diretamente vinculados ao setor, mas
também por via das compensações financeiras que distribui às administrações públicas
de localidades por ela afetadas.
Trata-se de um setor industrial intensivo em capital, causador de pesados danos sobre o
meio ambiente e que organiza o espaço de modo extremamente seletivo e globalizado.
Tal seletividade se reforça quando se observa que, também em decorrência das leis
brasileiras que regulam a distribuição das compensações financeiras advindas da
atividade petrolífera, vem ocorrendo um efeito de polarização espacial da riqueza
pública no interior das regiões produtoras. São municípios com orçamentos milionários
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 12
coexistindo com municípios limítrofes paupérrimos. Com a Bacia de Campos
respondendo por cerca de 84% da produção nacional de petróleo e de 42% do gás
natural, se pode calcular a profundidade da experiência por que passou e passa a Região
Norte Fluminense em função da instalação desta indústria.
De forma inusitada, há ainda, devido a impropriedades nas regras de rateio das
compensações financeiras, um conjunto especial de municípios para os quais pode ser
atribuída a designação de petro-rentistas, pois não possuem outra relação com a
atividade petrolífera que não a de estarem próximos das áreas de produção marítima e
receberem parcelas significativas das rendas públicas do petróleo.
Sobre os municípios de orçamentos milionários convergem interesses de diversas
disciplinas, e na medida em que se multiplicam as investigações sobre estes, vem sendo
reforçada a hipótese de estarem enfrentando o paradoxal desafio da abundância. Um
desafio que se manifesta, dentre outras formas, no descompasso entre a capacidade de
planejar o gasto e o ritmo crescente das receitas; na preguiça fiscal resultante da lógica
tributária de não incomodar o contribuinte eleitor na medida em que as compensações
petrolíferas cobrem as necessidades de gasto das prefeituras; na constituição de cidades
“sem crítica”, devido ao poder amplo de cooptação dos organismos políticos da
sociedade civil. Ainda que de modo sintético, são esses os pontos que serão discutidos a
seguir.
2. Os impactos da indústria do petróleo
A indústria do petróleo deflagra dois tipos de impactos nos territórios em que se
localiza: os diretamente ligados à atividade industrial e os que decorrem do recebimento
das compensações financeiras. 1
1 Sobre os impactos da indústria petrolífera no Norte Fluminense, ver: Piquet, Rosélia. Indústria do Petróleo e Dinâmica Regional: reflexões teórico-metodológicas. In: Piquet, R.; Serra, R. (Orgs). Petróleo e Região no Brasil, o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007; Cruz, José Luis Vianna. Modernização Produtiva, Crescimento Econômico e Pobreza no Norte Fluminense (1970-2000). In: Pessanha, R.; Silva Neto, R. (Orgs). Economia e Desenvolvimento no Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes: WTC Editora, 2004. Serra, Rodrigo; Terra, Denise. Notas sobre a região petro-rentista da Bacia de Campos. In: Carvalho, A.M.;Totti, M.E.F. (Orgs). Formação Histórica e Econômica do Norte Fluminense. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 13
A Tabela 1 apresenta dados sobre o emprego formal no Norte Fluminense mostrando que
de toda a região, Macaé é o único município que conta com pessoal ocupado
diretamente nos sub setores de Extração e Logística de Petróleo e Gás Natural. Vê-se,
portanto, que as atividades industriais do setor petrolífero concentram-se em Macaé e,
a rigor, apenas esse município poderia ser nomeado como “produtor”. É em seu
território que se darão as resultantes de uma atividade que se enquadra no que se
convencionou chamar de Grande Projeto de Investimento (GPI). 2
Quando do início da exploração de petróleo na Bacia de Campos, não houve, da
Petrobras, preocupação em minimizar os impactos que poderiam ser causados
localmente, e sua atuação seguiu o padrão das demais empresas brasileiras de grande
porte da década de 1970. Em Macaé, então um pequeno município de base
agropecuária, a chegada de trabalhadores e suas famílias, assim como daqueles que se
deslocam em busca de alguma oportunidade de serviço, acarretou uma ocupação urbana
desordenada e uma sobrecarga nos parcos equipamentos de consumo coletivo
existentes. Deu-se uma ocupação predatória do litoral não só pelas empresas ligadas ao
petróleo como também por novos loteamentos para moradias.
Como todo grande projeto, o empreendimento da Petrobras provocou transformações
rápidas e radicais na organização do território, acarretando profundas mudanças na
estrutura populacional, no emprego, na malha urbana, no quadro político e na cultura
local. 3 De fato, embora Macaé ostente um vigor econômico diretamente relacionado às
atividades de extração, produção e logística do petróleo que a situa entre as cidades de
melhor relação entre postos de trabalho e população do Estado do Rio de Janeiro,
apresenta também sobrecarga nos serviços de utilidade pública, escassez de moradias e
outras mazelas que uma ocupação industrial sem planejamento acarreta nos locais em
que se fixa. Só anos mais tarde, a Petrobras inicia e apóia iniciativas voltadas à melhoria
da qualidade de vida local.
2 Sobre a análise dos grandes projetos de investimentos no Brasil, ver a respeito: Piquet, Rosélia. Reestruturação do Espaço Regional e Urbano no Brasil: o papel do Estado e dos grandes investimentos. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR, 1993. 3 Monié Frédéric. Petróleo, Industrialização e Organização do Espaço Regional. In: Piquet, R. (Org). Petróleo, Royalties e Região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. Fauré, Yves-A. Macaé: continuidade do crescimento municipal e ampliação das transformações locais nos anos 2000. In: Fauré, Yves-A; Hasenclever, L.; Silva Neto, R. E-papers, 2008.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 14
14
Tabela 1. Municípios selecionados do Norte Fluminense Emprego Formal por Setores de Atividade Econômica (em 31/12) e Taxa de Crescimento de 2001 a 2007
Campos dos Goytacazes
Macaé S.João da Barra Demais municípios Total Setores da Atividade
Econômica 2001 2007
(%)
2001 2007
(%)
2001 2007
(%) 2001 2007
(%)
2001 2007
(%)
Extrativa Mineral 154 215 40 10.496 19.198 83 78 20.148 11.319 10 731 667 ـ ـ ـ Extração de Petróleo e Gás 65 12.362 7.497 ـ ـ ـ - ـ ـ 65 12.362 7.497 ـ ـ ـ Ativ. de apoio extr.petróleo e gás 134 6.872 2.935 ـ 91 ـ - ـ ـ 131 6.781 2.935 ـ ـ ـ Indústria de Transformação 5.096 10.426 105 3.804 10.399 173 486 467 4 893 1.912 114 10.279 23.204 126 Serviços Ind. De Utilid. Pública 574 1.304 127 88 299 240 115 2.230 1.035 69 627 370 - ـ ـ Construção Civil 3.228 5.344 66 8.615 10.514 22 78 592 659 1.961 2.783 42 13.882 19.233 39 Comércio 12.965 20.081 55 6.089 10.918 79 317 478 51 7.680 14.788 93 27.051 46.265 71 Serviços 17.909 35.473 98 18.128 32.603 80 531 479 (10) 11.292 18.154 61 47.860 86.709 81 Adm. Pública Direta e Autárquica 5.450 23.455 330 3.484 8.593 147 822 2.129 159 7.165 23.442 227 16.921 57.619 241 Agropecuária 2.567 2.944 15 391 405 4 206 211 2 503 997 98 3.667 4.557 24
Fonte: MTE - Relatório Anual de Informações Sociais. Tabulação da autora
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 15
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A situação muda radicalmente quando se analisa a situação dos demais municípios do
Norte Fluminense. Os “impactos” que sofrem são aqueles decorrentes do recebimento
dos royalties e das participações especiais que a legislação brasileira garante a todo
município confrontante com poços em operação. Sem nenhum dos ônus que a indústria
do petróleo causa, passam a contar com elevadas receitas advindas do setor. Os dados
contidos na Tabela 2 são tão claros e fortes, que qualquer comentário se torna
redundante.
Royalties + Participações Especiais anuais em valores reais per capita* em municípios selecionados no Norte e Noroeste - 2008
Beneficiário População Valor Real Valor per capita
Campos dos Goytacazes 431.023 1.189.180.017,71 2.524,50
Macaé 179.781 513.636.547,28 2.767,69
Quissamã 18.435 149.944.052,16 7.778,75
São Francisco de Itabapoana 42.147 6.029.187,36 143,05
São João da Barra 29.195 163.633.381,54 5.047,77
Conceição de Macabu 19.733 4.784.234,22 242,45
São Fidélis 37.654 5.741.081,11 152,47
Fonte: InfoRoyalties, a partir da Agência Nacional do Petróleo, IBGE e Fundação Getúlio Vargas, *corrigidos pelo IGP-DI de janeiro de 2009. Tabulação da autora.
Do ponto de vista conceitual o pagamento de royalties serviria para recompensar as
regiões produtoras pelo aumento dos custos nos serviços básicos de educação e saúde,
na sobrecarga nos transportes, na demanda de infra-estrutura, e outras mazelas
urbanas, provocadas pelas atividades industriais em seu território. Assim compreendido,
esse imposto pode ser interpretado como uma “indenização”, e, nesse sentido, somente
Macaé teria direito ao seu recebimento pois, como visto, é o único município onde se
realizam as atividades de apoio à extração de petróleo e gás. O recebimento de
royalties também se justificaria sob outro argumento: prover os governos locais dos
recursos necessários para financiar investimentos que gerem riqueza alternativa para
substituir a “riqueza exaurida”, ou seja, a oriunda de recursos naturais não renováveis,
como é o caso do petróleo.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 16
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Em ambos os casos, pode-se questionar: mesmo quando a descoberta do óleo é na
plataforma marítima (offshore) e o município e/ou cidade não funciona como apoio às
operações industriais e quando nada em seu território foi exaurido, o argumento se
sustentaria? Qual a justificativa para designar esses municípios de “produtores”? Só
porque a legislação brasileira assim os definiu? Não seria mais adequado serem
considerados como “petro-rentistas”? Na Tabela 3 são apresentados dados sobre
municípios das regiões Norte e Noroeste que retratam de modo claro e inquestionável
uma desigualdade de difícil defesa. Qual a lógica econômica, social ou jurídica que
sustenta uma desigualdade tão profunda entre municípios costeiros e interioranos
quanto os que os dados revelam?
Não se pretende aqui realizar uma discussão sobre as regras de repasse das rendas do
petróleo e gás, mas sim apenas indicar que são frágeis e passíveis de mudança, uma vez
que elaborados em função dos diferentes interesses e momentos políticos. A rigor,
nenhum poço, campo ou bacia pertence a nenhum estado, pois a Constituição diz que a
plataforma continental é da União. Ou seja, não existe um direito natural de qualquer
estado ou município sobre os royalties do petróleo. Esse direito foi conferido pelos
governantes por meio de leis e decretos que definiram a forma de rateio dos recursos,
que já foram diferentes no passado e podem ser alteradas a qualquer tempo. 4 Cabe
recordar que os royalties existem na legislação brasileira desde 1953, quando do início
das atividades da Petrobras, mas eram pagos apenas para a exploração terrestre e
somente em 1969 passam a incidir sobre a produção marítima, sendo os recursos
destinados exclusivamente à União. É somente com a Constituição de 1988, com o
crescimento da autonomia dos municípios, que os royalties passam a fazer parte dos
instrumentos de recursos que a União aceita dividir entre os integrantes da federação.
4 Sobre o debate a respeito do repasse das rendas e petróleo e gás, ver: Serra, Rodrigo; Patrão, Carla. Impropriedades dos critérios de distribuição dos royalties no Brasil. In: Piquet, R. (Org). Petróleo, Royalties e Região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. Serra, Rodrigo. Sobre o advento dos municípios “novos ricos” nas regiões petrolíferas nacionais. In: Pessanha, R.; Silva Neto, R. (Orgs). Economia e Desenvolvimento no Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes, WTC Editora, 2004. Conceição, Jorge Henrique Muniz et ali. Petróleo e Gás Natural nas finanças públicas do Estado e dos municípios do Rio de Janeiro. In: Rio de Janeiro (Estado) Tribunal de Contas. Síntese. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. n.1 (nov 2006). Rio de Janeiro: O Tribunal, 2006. SERRA, R. V. O seqüestro das rendas petrolíferas pelo poder local: a gênese das quase sortudas regiões produtoras. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (ANPUR), v. 9, p. 101-114, 2007. Outra fonte de consulta sobre o tema: Boletim Petróleo, Royalties e Região. Disponível em: http://www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br/.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 17
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Portanto, não existem fundamentos teóricos ou jurídicos inquestionáveis que garantam
as atuais regras de repasse.
Mais uma vez voltando-se aos dados da Tabela 1 observa-se que nos municípios petro-
rentistas é a Administração Pública Direta e Autárquica a atividade que apresenta as
mais elevadas taxas de crescimento. Sem dúvida trata-se de uma estratégia de eficaz
cooptação uma vez que os concursos públicos são pouco utilizados como forma de acesso
aos cargos das administrações locais. Os orçamentos municipais milionários pouco
retornam em benefícios para a população. Campos dos Goytacazes figura como um dos
municípios onde a educação básica apresentou um dos piores desempenhos do Estado do
Rio; Macaé disputa com a Região Metropolitana os mais altos índices de violência do
estado; os crimes de “colarinho branco” aparecem com frequência nas manchetes dos
principais jornais do país e são objeto de frequentes inquéritos do Ministério Público.
Concluindo
Sem dúvida a região Norte Fluminense mudou com o petróleo. Positivamente no volume
do PIB; na morfologia do tecido empresarial; na oferta de postos de trabalho; na
demografia, com a chegada de novos trabalhadores qualificados e também daqueles em
busca de alguma oportunidade e, principalmente, no aumento dos orçamentos
municipais em função dos generosos repasses que o petróleo garante. Contudo, seu
destino permanece incerto5.
Tratando-se de uma região cujo dinamismo é baseado na extração de um recurso
natural, as firmas estão aí localizadas para explorar os recursos existentes. Como as
províncias de petróleo e gás apresentam um ciclo de vida – nascimento, crescimento,
maturidade e declínio –, quando este se exaure as empresas líderes do setor, de modo
geral, dirigem-se para áreas que apresentem novas descobertas em algum lugar do
planeta. Para as firmas de pequeno e médio porte que atuam como fornecedoras de
produtos ou de serviços de alta competência tecnológica restaria a alternativa de
tornarem-se fornecedoras globais para a indústria de petróleo, associando-se a grandes
companhias multinacionais em novas províncias minerais, o que sem dúvida não é trivial. 5 Mota, Ailton et ali. Impactos socioeconômicos e espaciais da instalação do pólo petrolífero em Macaé-RJ. In: Serra, Rodrigo; Piquet, Rosélia (Orgs). Petróleo e região no Brasil, o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 18
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Àquelas que atuam em setores não-intensivos em conhecimento restaria encerrar as
atividades ou migrar para uma indústria correlata.
Simultaneamente, caso os critérios de distribuição dos royalties e das participações
especiais venham a sofrer mudanças, e há ventos soprando nessa direção, os municípios
cujas dinâmicas têm como apoio quase exclusivamente tais recursos, terão que
enfrentar sérias restrições orçamentárias. Com as descobertas das reservas nas camadas
de pré-sal o horizonte quanto à importância do petróleo na economia norte fluminense
se alongou. Tal fato impõe desde já maior rigor quanto ao uso dos milionários recursos
financeiros que terão como base essas novas descobertas.
Uma política pública regional responsável deveria buscar identificar oportunidades e
alternativas para as firmas locais sobreviverem ao período de declínio da produção
petrolífera, não exclusivamente como forma de proteger o empresariado, mas tendo em
vista que a região hoje dispõe de infra-estrutura física, empresas qualificadas,
universidades e escolas técnicas, o que configura a existência de externalidades
positivas para qualquer empresa industrial. Em que pesem os esforços de alguns
municípios em implantar políticas de desenvolvimento local dignas desse nome, o que
predomina é o uso aleatório do dinheiro público. Segundo dados de pesquisa (Cruz,
2007), no maior município da região – Campos dos Goytacazes – o Fundo de
Desenvolvimento de Campos (Fundecam) possuía, ao final de 2007, recursos aprovados
para mais de 60 projetos, dos quais apenas cerca de 10 encontravam-se implantados e
07 em funcionamento regular. Dos 5.500 empregos anunciados na página oficial da
instituição e na imprensa local, nem 500 (quinhentos) haviam sido gerados de fato. Cruz
indica ainda que as referências para contato indicadas não eram sedes das empresas
beneficiadas ou não existiam e, que apenas 05 empresários se colocaram disponíveis
para entrevistas6.
Talvez “Coronelismo, Enxada e Voto”, um clássico da literatura da Ciência Política que
Vitor Nunes Leal escreveu ainda nos anos de 1950 seja a leitura mais indicada para todos
aqueles que buscam de alguma forma exercer atuação sobre os destinos dessa região
onde a abundância se torna um desafio a ser enfrentado.
6 Cruz, José Luis Vianna. Relatório de Pesquisa. 2007, circulação restrita.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 19
DESENVOLVIMENTO LOCAL, RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL E ROYALTIES: A
PETROBRÁS EM MACAÉ (RJ)1
Selene Herculano
Resumo: Este artigo enfoca o desenvolvimento local desigual experimentado por
Macaé (RJ), a auto denominada “capital nacional do petróleo”, onde a Petrobrás
instalou desde 1978 a sua sede operacional da Bacia de Campos; descreve
transformações econômicas, urbanas e ambientais trazidas pelas atividades
petrolíferas off-shore e aumento das receitas municipais advindas do pagamento de
royalties e participações especiais sobre esta produção. O artigo está dividido em
quatro partes: as três primeiras descrevem aspectos históricos e factuais sobre a
Petrobrás, a produção da Bacia de Campos, a contabilidade dos royalties e as
modificações vivenciadas em Macaé; na quarta e última parte discutimos análises
teóricas sobre limites e desafios do desenvolvimento local e a responsabilidade sócio-
ambiental empresarial, com o propósito de contribuir para o debate sobre como e o
que fazer para superar um aspecto trágico e repetitivo brasileiro, que é o fato do seu
crescimento econômico vir acompanhado pela concentração da pobreza e pela
degradação social, ambiental e urbana nas localidades que sediam grandes
investimentos.
Introdução:
Este artigo resulta de uma pesquisa, sob os auspícios do CNPq2, sobre contradições e
desafios do desenvolvimento local efetivado a partir das atividades de uma mega
empresa e seus impactos positivos e negativos. A localidade é o município de Macaé
(RJ) e suas transformações econômicas, urbanas e ambientais de 1979 a 2009; as
origens das mudanças são as atividades petrolíferas de prospecção e exploração off-
shore de petróleo pela Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás e as conseqüentes receitas
1 Texto com base no trabalho intitulado “Petrobrás, desenvolvimento local e royalties em Macaé (RJ)”, da mesma autora, apresentado no VII WORKSHOP EMPRESA, EMPRESÁRIOS E SOCIEDADE -Mesa Temática 2 – Empresas e a responsabilidade social e ambiental -Sessão 2 Florianópolis, 25/28 de maio de 2010.
2 “Petróleo, desenvolvimento local e ambiente. Um estudo de caso de Macaé (RJ)”. Selene Herculano, Thereza Carvalho Santos e Vera Lúcia Ferreira Motta Rezende. Edital MCT/CNPq 03/2008
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 20
municipais advindas do pagamento de royalties e participações especiais sobre esta
produção.
O artigo está dividido em quatro partes: as três primeiras descrevem aspectos
históricos e factuais sobre a Petrobrás, a produção da Bacia de Campos e as
modificações vivenciadas em Macaé; na quarta e última parte discutimos análises
teóricas sobre o desenvolvimento local e a responsabilidade sócio-ambiental
empresarial com o propósito de debater como e o que fazer para escapar do aspecto
trágico brasileiro, que é o do crescimento econômico vir acompanhado da pobreza e
da degradação social, ambiental e urbana.
1. A Petrobrás, a legislação dos royalties e as suas políticas para minimizar
impactos:
As atividades de prospecção e de exploração petrolíferas são sabidamente altamente
impactantes, positiva e negativamente: geram recursos de vulto e passivos ambientais
de difícil mitigação. Ampliam e diversificam o mercado de trabalho, sendo fator de
atração de migrações que irão pressionar por políticas públicas. Sua lógica de
localização não vem de escolhas políticas, mas das condições geofísicas, inserindo-se
muito freqüentemente em municipalidades pobres e desiguais, onde são recebidas
com as mais altas expectativas de trazerem o desenvolvimento, o bem-estar e a
superação do quadro de desigualdades.
A Petrobrás é a maior empresa do país, orgulho e ícone do desenvolvimento nacional
auto-determinado, resultado do sucesso de uma campanha ampla de cidadãos no início
dos anos 50 - “O petróleo é nosso!” - (MIRANDA, 2004) e, segundo a Revista Fortune, a
54º maior empresa do mundo no ano de 20093. A empresa realizou R$ 33 bilhões e 915
milhões em lucro líquido em 2008, tendo investido R$ 53,3 bilhões no mesmo ano; sua
produção média de petróleo e gás alcançou 2.356.843 barris de óleo equivalente por
dia (boed) em 2009 (www.petrobras.com.br).
Criada pela Lei 2004/53, a Petrobrás é uma empresa estatal de economia mista, e
detinha inicialmente o monopólio integral da pesquisa, prospecção, exploração e
refino das jazidas petrolíferas brasileiras. Pelo seu artigo 27, a empresa indenizava
estados e municípios onde atuasse com 5% sobre a sua produção, da seguinte forma:
4% da produção terrestre para os Estados e 1% para os municípios. Conforme
3 De acordo com a Revista Fortune, a Petrobrás ocupava a 54ª posição dentre as 500 maiores empresas, tendo alcançado rendimentos de 91869 milhões de dólares em 2009.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 21
estipulado no parágrafo 4º do mesmo Artigo, os Estados, Territórios e Municípios
deveriam aplicar tais recursos “preferentemente na produção de energia elétrica e na
pavimentação de rodovias”. (Ou seja, apesar do emprego da palavra indenizar, o que
sugere compensar, o espírito da lei era investimento em infra-estrutura que facilitaria
a execução das atividades da própria empresa.)
Além dessas indenizações, as localidades se beneficiaram da política salarial
praticada pela empresa, pois a Petrobrás baseava sua folha de pagamento no maior
salário mínimo regional do país (RJ-SP), o que teve um forte efeito direto e indireto
sobre a renda da população dos locais em que atuava, onde os salários praticados
eram muitíssimo menores, como, por exemplo, nos campos de produção baianos onde
iniciou sua exploração. Praticava ainda 15 salários anuais (além do 13º salário criado
pelo Presidente João Goulart nos anos 60, pagava um salário adicional de férias, um
adicional sobre periculosidade e a PL – participação nos lucros); o adicional de
periculosidade se estendia a todas as categorias empregadas, mesmo para os que
atuavam nos escritórios.
Em meados dos anos 70 iniciou-se a prospecção e exploração de petróleo na
plataforma marítima continental (operações off-shore) e uma nova lei federal (Lei
7453, de 27/12/1985) definiu a extensão dos limites territoriais da plataforma
continental e introduziu o conceito de região geoeconômica. Por conta desta
extensão, a obrigatoriedade da indenização passou a incluir a produção do mar com o
mesmo percentual de 5%, indo 1% desses recursos para o Ministério da Marinha e 1%
para um Fundo Especial que beneficiaria as entidades da federação 4.
Na disputa por royalties, municípios que não eram produtores de petróleo, mas que
sediavam instalações de movimentação do produto, pleitearam e ganharam esses
recursos: a Lei 7990/89 (regulamentada pelo decreto nº 01, de 11/01/1991) alterou a
distribuição dos royalties, incluindo 0,5% também para os municípios que “sediassem
instalações de embarque e desembarque de petróleo e de gás natural”. O Fundo
Especial destinado às unidades da federação foi reduzido para 0,5%.
Em 1997, a Lei do Petróleo (Lei 9748, de 06/08/1997) revogou a Lei 2004/53,
quebrando o monopólio sobre a prospecção e produção, criou a ANP – Agência Nacional
de Petróleo - estabeleceu em 10% a alíquota dos royalties sobre a renda bruta dos
poços e criou também uma distribuição diferenciada, a Participação Especial (PE),
4 Destes, 1,5% para os estados confrontantes com os poços e pertencentes às áreas econômicas dos municípios confrontantes; 1,5% para os municípios confrontantes com poços e pertencentes às áreas geoeconômicas confrontantes; 1% para o Ministério da Marinha e 1% para constituir um Fundo Especial a ser distribuído pelas entidades da federação.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 22
cobrada sobre os campos com grandes volumes de produção ou de grande
rentabilidade, incidindo trimestralmente sobre o lucro do campo.
A institucionalidade ambiental5 criada no país a partir dos anos 70 e recomendações
de organismos internacionais6 em prol da responsabilidade empresarial
(responsabilidade social e ambiental, apontadas como motivadas pelos
questionamentos de um novo consumidor consciente) trouxeram a necessidade da
Petrobrás se ajustar a essas regulações.
Após os acidentes de vazamento de óleo na Baía de Guanabara (em janeiro de 2000), a
empresa iniciou modificações para adequação às normas de meio ambiente e às
exigências do mercado verde: segundo seus relatórios, foi criado o PEGASO, Programa
de Excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional, com investimentos da
ordem de R$ 1,8 bilhão para o período 2000-20037; um Sistema Corporativo de Gestão
de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde) foi implantado em 2002, com o objetivo
de disseminar em todos os níveis do Sistema Petrobrás uma cultura de percepção do
risco e de proteção da vida; o CT-PETRO – um fundo setorial do petróleo e gás natural,
com base nos royalties, havia sido criado em 1999, através do qual a Petrobrás iniciou
um programa de parceria entre empresas, universidades e centros de pesquisa para
estimular a qualificação de recursos humanos e desenvolvimento de projetos e mitigar
impactos negativos de vazamentos e explosões. (Um exemplo de sua aplicação é a
Recupetro - Rede Cooperativa em Recuperação de Áreas Contaminadas por Atividades
Petrolíferas: sob a coordenação do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade
5 Assim nos referimos ao marco regulatório e aos organismos públicos oficiais – federais e estaduais de controle ambiental. Iniciou-se com a SEMA, Secretaria Especial de Meio Ambiente, em 1973,então vinculada ao Ministério do Interior, em decorrência da Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano (UNCHE, em Estocolmo, em 1972). A SEMA foi extinta posteriormente, juntamente com a Superintendência do Desenvolvimento da Borracha-SUDHEVEA e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal-IBDF, dando lugar ao Ministério do Meio Ambiente e ao IBAMA. O marco regulatório se configura no Brasil com a Lei 6938, de 31/8/81, que criou explicitamente a Política Nacional de Meio Ambiente, o SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente) e o CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente). A Resolução CONAMA 001, de 23/01/86, conceitua o que é impacto ambiental e define procedimentos para os EIAs-RIMAs (estudos de impacto ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental), a serem divulgados e debatidos em audiências públicas sobre as atividades fortemente modificadoras do meio ambiente: construção de estradas, ferrovias, portos e terminais, aeroportos, dutos, linhas de transmissão de eletricidade, obras hidráulicas, extração de combustível, aterros sanitários, usinas de eletricidade, complexos industriais e agro-industriais, distritos e zonas industriais, projetos urbanísticos acima de 100 ha, atividades que utilizem carvão vegetal, projetos agropecuários. Integram o marco regulatório ambiental federal ainda a Lei 9605/98, que trata dos crimes ambientais e a Lei 7347/85, sobre Ação Civil Pública em relação a direitos difusos, como são os direitos ambientais.
6 ISO - International Organization for Standardization - desenvolveu e divulgou diretrizes para a efetivação da responsabilidade social –SR (social responsibility), na forma da ISO 26000, de adoção voluntária.
7 Alice Cid Loureiro (Petrobras) Gilson Brito Alves Lima (Universidade Federal Fluminense) et al. Gestão de qualidade, segurança, meio ambiente e saúde: estudo de um modelo integrado para a engenharia da Petrobras. IV Congresso Nacional em Gestão, Niterói, 2008
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Federal da Bahia, que reunia 13 Redes Cooperativas de Pesquisa do Setor de Petróleo
e Gás Natural nas Regiões Norte e Nordeste, financiadas, além do CT-Petro, também
pelo CNPq e Finep).
Ainda segundo seus próprios relatórios, a Petrobrás ter-se-ia tornado referência
também em estudos sócio-ambientais necessários ao início das suas atividades, em
obediência à Resolução do CONAMA sobre EIAs-RIMAs (ver nota 5). Um outro exemplo
da preocupação em minimizar impactos negativos foi o Seminário "Diretrizes para a
exploração, produção e transporte de óleo e gás na Amazônia – desafios ambientais e
soluções" (ANP, abril de 2009, na Cidade do Rio de Janeiro), com a apresentação de
estudos de caso, nacionais e internacionais, relativos à atividade de E&P em florestas
tropicais (BP Brasil, Exxon Mobil, Petrobrás e Shell Brasil), e palestras de
representantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente.
Inspirada também pela chamada Lei Sarbannes-Oxley8, dos Estados Unidos da América,
a empresa reformulou modelos de atuação e divulgação de dados e criou um novo
estatuto, novas perspectivas e novas diretrizes constantes do Plano Estratégico da
empresa até 2015: liderança e responsabilidade; conformidade legal; avaliação e
gestão de riscos; novos empreendimentos; operação e manutenção; gestão de
mudanças; aquisição de bens e serviços; capacitação, educação e conscientização;
gestão de informações; comunicação. (Observamos que não há diretriz específica
sobre a mitigação ambiental). Em seu “Social and Environmental Report” de 2006, ano
de uma celebrada auto-suficiência brasileira, a empresa também festejava sua
admissão ao DJSI – Dow Jones Sustainability Index, comprometia-se com os oito
Objetivos do Milênio9 e com os 10 princípios do Pacto Global da ONU, do qual era
signatária desde 2003. Este Pacto Global (Global Compact), anunciado pelo Secretário-
Geral da ONU em 1999 durante sessão do Forum Econômico de Davos, é de livre
adesão e busca estimular uma cidadania empresarial global e a conciliação dos
interesses empresariais com os projetos, princípios e valores da ONU e das ONGs,
enfocando os temas Direitos Humanos, Condições de Trabalho, Proteção do Meio-
8 A Lei Sarbanes-Oxley (Sarbanes-Oxley Act) é uma lei dos Estados Unidos, de julho de 2002, de autoria do senador Paul Sarbanes e do deputado Michael Oxley. Visa garantir a governança empresarial, através da criação de mecanismos de auditoria e de segurança para evitar fraudes, mitigar riscos aos negócios e garantir transparência na gestão, assim evitando a fuga de investidores. Teria sido motivada por escândalos financeiros como o da empresa Enron. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Sarbanes-Oxley.
9 Segundo a ONU: erradicação da extrema pobreza e da fome; universalização da educação primária; promoção da equidade de gênero; redção da mortalidade infantil; melhora da saúde materna; combate a AIDS, malária e outras doenças; sustentabilidade ambiental; parceria global para o desenvolvimento.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 24
Ambiente e Combate à Corrupção10. A Petrobrás também está associada ao World
Business Council for Sustainable Development (WBCSD) e é parceira do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), para a cooperação em comunidades de baixa
renda na América Latina e Caribe.
Conjugado com o Plano Estratégico, a empresa desenvolveu o Programa Petrobrás
Ambiental, realizado através de política de patrocínio, investindo em iniciativas que
visam à proteção ambiental e à difusão da consciência ecológica. Entre 2003 e 2008,
este Programa Petrobrás Ambiental investiu cerca de R$ 150 milhões em projetos
desenvolvidos em parceria com organizações da sociedade civil de diferentes regiões e
ecossistemas do país. Um segundo programa de patrocínio é o Programa
Desenvolvimento & Cidadania Petrobrás, elaborado em parceria com a sociedade civil
e governos, visando a inserção social de pessoas e grupos que vivem em risco social no
Brasil. Em março de 2010, a Petrobrás anunciou a abertura de inscrições para uma
nova etapa deste programa, com uma dotação de 110 milhões de reais para a vigência
2010-201211. Todavia, tomando-se a produção/dia de 2009 em barris, acima referida,
e seu preço médio de 80 US$ ou R$ 136,00 por barril, essa dotação alcançaria cerca da
terça-parte da produção de um dia.
Cabe observar que as atividades sócio-ambientais retratadas nestes programas de
patrocínio da Petrobrás são as de “estimular iniciativas”. Alcançam e beneficiam
aqueles já capacitados a ter iniciativas, os que já tem acesso à informação sobre tais
possibilidades de patrocínio e detém qualificações sobre como elaborar, redigir e
submeter projetos. Dentre estas iniciativas estimuladas, destacam-se os projetos
universitários, como o do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de
Macaé – NUPEM/UFRJ e seu projeto/atividade POLEM – Polos de Educação Ambiental do
Norte Fluminense. Segundo Machado &Miglievich (2010) a UENF – Universidade Estadual
do Norte-Fluminense Darcy Ribeiro, instalada desde 1993 sobre a Bacia de Campos,
10 Aproximadamente 1.500 empresas de 55 países já aderiram ao Pacto Global, destacando-se na área de energia, além da Petrobras, Amerada Hess, BP, China Petroleum & Chemical Corp., ENI, Gaz de France, Indian Oil Corp., Nexen, Petro Canada, Royal Dutch/Shell Group, Statoil e TotalFinaElf. As empresas e organizações brasileiras mais conhecidas que também aderiram: Avon, Banco Itaú, Belgo Mineira, Copel, Fiesp, Furnas, Grupo Abril, Klabin, Natura Cosméticos S/A, Organizações Globo, Pulsar Informática, Samarco, Shell Brasil, Telemig, Instituto Ethos e Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança. Ver, a propósito, SANTAROSA, Wilson. A Petrobras e o Pacto Global da ONU - Organização das Nações Unidas. Capturado em www2.petrobras.com.br/ResponsabilidadeSocial/portugues/Artigos.asp 11 Revista Visão Sócio-Ambiental nº 22, fev/mar 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 25
“capitaneou R$ 51,8 milhões da Petrobras ao longo de 15 anos, incluindo a criação, em
2006, de seu “Núcleo de Competência Regional”.
Segundo o Balanço Social e Ambiental da Petrobrás 2008, a Petrobrás investiu R$ 1,97
bilhão em meio ambiente, tendo evitado a emissão de 680 mil toneladas de dióxido de
carbono equivalente. A empresa atribuiu-se a meta, para 2013, de alcançar 4,5
milhões de toneladas do gás em emissões evitadas e, complementarmente, investir
três bilhões de dólares, até 2013, em energias renováveis12. Contudo, segundo Ricardo
Young, Presidente do Instituto Ethos, a Petrobrás foi a ausência na Conferência Ethos
2009 sobre ações de responsabilidade social e sustentabilidade, tendo rompido com o
Instituto por conta de polêmicas em torno do diesel.13
Na contramão dessas políticas e programas da empresa, a Petrobrás vem sendo
criticada por ambientalistas e ativistas sociais brasileiros em geral e pela Rede
Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA, em especial, por ter uma atuação considerada
degradadora e “imperialista” na América Latina. Criticam-na com base no conceito de
colonialidade, uma característica que marcaria nossa formação histórico-geográfica
em seu momento neo-liberal e pela qual a Petrobrás cumpriria um triste papel de ir
contra a luta de povos latino-americanos pela reapropriação de suas jazidas. (PORTO-
GONÇALVES, 2007). Segundo denúncias da imprensa equatoriana, moradores da
comunidade de Palo Azul, no Equador, queixavam-se da queda de receitas
compensatórias e o país receava o esgotamento da jazida e a militarização por parte
da Petrobrás. Outra denúncia dizia respeito à invasão de terras indígenas e do Parque
Nacional Yasuní, considerado reserva da biosfera pela ONU, em cuja área a Petrobrás
pretendia abrir estrada de acesso de 17 km. Em 2007, a RBJA apresentou uma Moção
de recomendação à Petrobrás e ao governo brasileiro, apoiando a iniciativa do governo
equatoriano de manter o petróleo da porção amazônica de seu território represado. A
moção recomendava que o Estado Brasileiro, na figura da Petrobrás, “cumprisse seu
papel internacionalmente assumido de garantir a preservação da Amazônia, a
sobrevivência cultural de seus povos indígenas e a reversão do quadro de aquecimento
global e que se diferenciasse voluntariamente das transnacionais que tanto vêm
prejudicando o povo e os ecossistemas da América Latina, passando a aplicar na
Amazônia equatoriana os mesmos princípios adotados pela legislação brasileira no que
concerne às práticas de proteção ambiental no restante dos países em que a Petrobrás
opera”. (LEROY & MALERBA, 2005).
12 Revista Sócio-Ambiental nº 20, set/out de 2009. 13 Revista Visão Sócio-Ambiental nº 20, de setembro/outubro de 2009.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 26
No Estado do Rio de Janeiro cerca de 20 mil pescadores do entorno da Baía da
Guanabara (Niterói, São Gonçalo, Guapimirim, Magé, Itaboraí e, no Rio de Janeiro, as
regiões do Caju, Ilha do Governador, Marcílio Dias, Ramos e Paquetá) moveram ação
legal no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJ-RJ, pedindo indenização por conta
do vazamento de óleo proveniente da REDUC – Refinaria Duque de Caxias - no dia 18
de janeiro de 2000. A Petrobrás foi condenada em primeira instância, mas recursos
deram prosseguimento à questão. (Divulgado pela imprensa na época, não haviam sido
concluído seus trâmites.). Verbas indenizatórias do derrame de óleo na Baía de
Guanabara foram utilizadas na realização de seminário e pesquisa sobre ambiente pela
UFRJ.
Secretários da Prefeitura de Macaé criticam a forma que consideram distante e
arrogante pela qual a Petrobrás se relaciona com a cidade: desde sua instalação, em
1978, quando unilateralmente decidiu que se instalaria no Porto de Imbetiba, na praia
central do mesmo nome (o que trouxe para a cidade o impacto de 700 carretas/dia
atravessando seu centro), até a atualidade, quando passou a se sentir descomprometida
com o município, porque já paga os royalties (R$299.558.138 em 2009). Segundo a
Secretaria Municipal de Meio Ambiente, os projetos ambientais que a Prefeitura
submete a financiamento da Petrobrás ou não são aprovados, ou o são após modificá-
los substancialmente, como teria se dado com um projeto de apoio à pesca e que
mudou para o Projeto Mosaico. Quando houve diálogo no passado, teria sido apenas em
função da personalidade e empenho individual de gerências passadas e antes do efetivo
início do pagamento dos royalties: dantes a Petrobrás construía creches, fazia-se
presente, mas depois dos royalties isso teria mudado. Exemplos da Itaipu Binacional e
da Usiminas foram lembrados pelo secretariado como empresas que verdadeiramente
teriam atitude de responsabilidade social com as suas comunidades. Para o
Secretariado de Macaé, deveria haver um maior relacionamento entre o poder público e
o poder privado para “planejar juntos a cidade, em um urbanismo de longo prazo”. No
entanto, o Plano Plurianual da Prefeitura de Macaé, apontado adiante na Tabela 5,
permite entrever, pelo montante de recursos previstos por funções, o quanto meio
ambiente, saneamento, urbanismo e habitação tampouco são prioridades para a
administração pública local (Respectivamente 0,3%, 9%, 5,7% e 0,3% dos recursos
previstos para 2010-2013).
A gerência da Bacia de Campos informou ter atividades de apoio a famílias de
pescadores, ter projeto de doação de câmeras de segurança pública e de asfalto para a
duplicação de trecho da Rodovia Amaral Peixoto e que financiara também um estudo
executado pelo Consórcio Rionor, o Prodesmar, com análise situacional e propostas
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 27
para o Norte Fluminense, cuja execução deverá ser atribuição exclusiva do governo
estadual14.
2. A Bacia de Campos:
A exploração da Bacia de Campos começou no final de 1976, com o poço 1-RJS-9-A,
que deu origem ao campo de Garoupa; a produção comercial começou em agosto de
1977, através do poço 3-EM-1-RJS, no campo de Enchova. Entre o final dos anos 70 e
90, a Petrobrás investiu na Bacia de Campos cerca de 20 bilhões de reais (MONIÉ,
2003, p. 271). Considerada a maior reserva petrolífera da Plataforma Continental
Brasileira, a Bacia de Campos tem cerca de 100 mil quilômetros quadrados e se
estende do estado do Espírito Santo nas imediações da cidade de Vitória, até Arraial
do Cabo, no litoral norte do Estado do Rio de Janeiro. É responsável por
aproximadamente 84% da produção nacional de petróleo (dados de 2009), em 55
campos em operação, 36 dos quais são considerados maduros, ou seja, já atingiram o
pico de produção. Dali se extraem cerca de 1,49 milhão de barris/dia de óleo e 22
milhões de metros cúbicos/dia de gás (dados de 2009). A previsão feita para 2010 era
que a produção aumentaria para 1,8 milhão de barris de óleo por dia e 34,6 milhões
de metros cúbicos de gás15. As atividades da Bacia de Campos em 2009 ocupavam
48.829 pessoas embarcadas e tinham 2203 poços perfurados.16. (Segundo o Anuário
Estatístico da ANP de 2009, Tabela 2.7, o estado do Rio de Janeiro teria 554 poços
produtores e o país 8560).
T1 - RESERVAS DE PETRÓLEO (EM MILHÕES DE BARRIS) EM 2009:
Reservas provadas Reservas totais
Rio de Janeiro 10381,9 16337,4
Brasil 12857,0 21134,4
Fonte: ANP, Anuário Estatístico de 2009, tabelas 2.3 e 2.4
Com as operações da Bacia de Campos, o Estado do Rio de Janeiro tornou-se o maior
produtor do país e seus municípios da região norte-fluminense tornaram-se os maiores
beneficiários das participações especiais e dos royalties, passando a ser denominados 14 PRODESMAR. Plano de Desenvolvimento Sustentável do Norte do Estado do Rio de Janeiro- Análise Situacional, Cenários Prospectivos e Estratégia de Desenvolvimento Regional. Belo Horizonte: Consórcio Rionor, março de 2010
15 Fonte: http://www2.petrobras.com.br/Petrobras/portugues/plataforma/pla_bacia_campos.htm
16 Dados da Secretaria Municipal de Finanças de Macaé.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 28
como “municípios petro-rentistas”. Em 2009 os valores em royalties pagos ao estado
do Rio de Janeiro e aos seus municípios foram de R$ 1.709.375.000,00 para o Estado e
R$ 1.872.103.000,00 para os municípios.17
T2 – PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS E ROYALTIES PAGOS EM 2009 (R$1000):
Participações Especiais Royalties
Estado do Rio de Janeiro 3.175.451 1.709.375
Municípios produtores:
Campos 457.926 419.628
Rio das Ostras 113.987 117.771
São João da Barra 85.451 73.127
Macaé 60.988 294.558
Cabo Frio 29.300 95.662
Quissamã 25.870 65.922
Casimiro de Abreu 14.863 39.162
Búzios 4.477 36.188
Carapebus 761 21.899
Arraial do Cabo 241 4.998
Fonte: ANP – Anuário Estatístico de 2009, Tabela 2.16 (participações) e
UCAM – Info royalties (http://inforoyalties.ucam-campos.br/)- valores correntes
3 Macaé – crescimento econômico e urbano:
Macaé tem um território de 1.219,8 km² na região do Norte-Fluminense, dividido em
seis distritos: além do distrito-sede, há os distritos de Cachoeiros de Macaé, Frade,
Glicério e Sana. A beleza natural da região é diversificada: na costa há lagunas, praias
e arquipélagos; na região serrana, bem cortada por rios e ainda florestada, há matas,
corredeiras e cachoeiras onde se pratica raft e rapel.
Até ser escolhido pela Petrobrás como base das operações em terra da Bacia de
Campos em 1977, era um município rural. Seu povoamento se iniciou em 1580,
integrando a Capitania Hereditária de São Tomé. O município foi criado em 1813 e em
1846 a Vila de Macaé passou à condição de cidade. “Vivia em relativo isolamento e sua
produção açucareira e cafeeira se escoava através do Canal Campos-Macaé, de 109 km
de extensão, construído em 1872 com mão de obra escrava, e pela estrada de ferro
Macaé-Campos, construída em 1875”.18
17 ANP- Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Tabela 2.15. 18 http://www.macae-rj.com.br/acidade.php
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 29
O ambiente construído no seu distrito-sede é fragmentado e acanhado na sua zona
central: em Visconde de Araújo há um casario de casas modestas e malcuidadas
amontoadas em pequenos lotes, em ruas de calçadas estreitas e sem arborização, de
cujos bueiros emana um cheiro de esgoto. Este centro está ladeado por duas zonas de
enormes contrastes: ao norte, favelas que ocupam áreas de manguezais e de proteção
ambiental: Nova Holanda, Malvinas, Aroeira, Nova Brasilia, Botafogo, Parque
Aeroporto, Cabiúnas, Lagomar, dentre outras. Ao sul, zonas de moradia de luxo em
condomínios fechados nos bairros da Glória, Cancela Preta, Cavaleiros, etc., onde
trabalhadores de alta qualificação habitam em torno da Lagoa de Imboassica,
parcialmente aterrada e assoreada. A população migrante, oriunda
preponderantemente de outros pontos do estado do Rio de Janeiro e da Bahia, Espírito
Santo e Minas Gerais, concentra-se no Setor Administrativo 6 (27% dos migrantes estão
em Cabiúnas, Lagomar, Parque Aeroporto). A cidade prepara sua expansão ao longo
das suas Linhas Verde e Azul, recém-abertas e pavimentadas, onde manguezais são
aterrados para a formação de distrito industrial e onde novas favelas despontam,
como Piracema, por exemplo. Em função de aterros e de retificações indevidas de
cursos d’água, toda a cidade é sujeita a enchentes. A Rodovia Amaral Peixoto corta a
cidade e tem congestionamentos intensos e extensos, acidentes e atropelamentos.
Seu Plano Diretor (Lei Complementar 76/2006) identificou oito Unidades de
Conservação - UCs - e 38 áreas de interesse ambiental19. Segundo informação da
Secretaria de Meio Ambiente, as UCs municipais não tem dotação orçamentária
(apenas o que foi nominalmente estipulado no texto da lei que as criou); tampouco
tem plano de manejo. A Secretaria informou tentar levantar recursos para isso via
submissão de projetos a Petrobrás e a diversas fundações e ONGs.
O PIB – Produto Interno Bruto - per capita do município já figurava em 2004 dentre os
10 maiores do país (R$120.602,00, segundo o IBGE). Em 2008, Macaé já ocupava o 4º
lugar dentre as 92 municipalidades do estado do Rio de Janeiro em receita absoluta
total (R$ 1.150.731.987, segundo o Anuário Fluminense 2009, da Aequs Consultoria).
Segundo os dados da UCAM/Info Royalties, em 2008 a receita de Macaé oriunda dos
royalties somados às participações especiais foi de R$ 501.680.92420, mas as aplicações
em despesas com investimentos ficaram em R$ 86.880.672, ou seja, uma quinta parte.
19 Dentre as oito UCs, três são de proteção integral, de uso indireto: Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, com seu complexo lagunar de 18 lagoas; Reserva Biológica União e Parque Municipal do Atalaia; cinco são de uso sustentável: duas Reservas Particulares de Patrimônio Natural – RPPN da Fazenda da Barra do Sana e do Sítio Shangri-lá; cinco Áreas de Proteção Ambiental: APA do Arquipélago de Sant’Anna, APA do Sana e APA do Jardim Pinheiro, nos termos do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei federal 9985/2000). 20 O que contrasta com a cifra divulgada pela SEMIC, que contabilizou R$ 406,9 milhões em 2008. (“Macaé, um lugar para investir”).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 30
Ainda em 2008, a composição das despesas municipais da Prefeitura de Macaé,
segundo o Anuário Fluminense, foi de 49,2% em pessoal, 43,4% em custeio, 9,9% em
investimento e 2,5% em encargos e amortização de dívida.
Dentre os principais municípios petro-rentistas fluminenses, Macaé figura como aquele
em que o dinheiro dos royalties, embora muito expressivo, tem comparativamente
menos peso nas receitas totais (o que se explica pelas receitas do ISS e do ICMS pagas
pelas empresas, respectivamente 198 e 214 milhões de reais em 2009, segundo a
SEMIC):
T3 - COMPOSIÇÃO (%) DA RECEITA DOS CINCO MAIORES MUNICÍPIOS PETRO-RENTISTAS DO RJ -2008
Macaé Campos Rio das
Ostras
São João da
Barra
Quissamã
População 188787 431839 91085 30348 19315
Receita Tributária 21,8 5 9,9 5 3,6
Royalties 43,9 70,6 68,9 74,4 66,6
FPM 3,0 2,0 3,4 4,6 3,5
QPM-ICMS 16,2 10,2 6,5 9,8 22,0
Outras 15,1 12,2 11,3 6,2 4,4
Total 100 100 100 100 100
Fonte: Anuário Fluminense de 2009 – Aequs Consultoria
A população de Macaé triplicou a partir da década de 70 e seu crescimento urbano foi
assim calculado: taxa anual de crescimento populacional de 3,88 entre 1991 e 2000;
taxa de urbanização de 91,37% em 1991 e de 95,13% em 2000; taxa líquida de
imigração de 103 entradas por mil habitantes em 2000 (MOTA et al, 2007). Sua
população era de 132.461 habitantes em 2001 (IBGE, Censo Demográfico); passou para
188.787 em 2008 (Anuário Fluminense de 2009, dados estimados) e alcançou 194.497
no Censo de 2010. Segundo o Programa Macaé-Cidadão, 86.156 pessoas eram oriundas
de outras localidades em 2007 (cerca de 45% dos habitantes)21 T4 – IDH-M DE MACAÉ
1991 2000 IDH geral 0.73 0.79 IDH-renda 0.72 0.77 IDH-longevidade 0.66 0.89 IDH-educação 0.86 0.89
Fonte: PNUD – Atlas do IDH-M 1991-2000 Apesar de estar entre os 10 municípios mais ricos do país, o Índice de Desenvolvimento
Humano – IDH de Macaé o colocou na 811ª posição entre os cerca de 5 mil municípios
brasileiros. A taxa de indigência recuou de 17,9% em 1970 para 6,5% em 2000 (MOTA et
al , 2007); segundo o orçamento da Prefeitura de 2009, Macaé recebeu R$ 5.512.540,00
de recursos federais para o Bolsa-Família naquele ano e os entregou a 9255 pessoas
21 Programa Macaé-Cidadão, da Prefeitura Municipal de Macaé, Pesquisa Domiciliar. Tabela População Residente segundo a última unidade da federação ou país que morou, por setores administrativos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 31
beneficiadas (ou seja, cerca de 7% da sua população é reconhecida como
extremamente pobre).
Macaé tem a situação invulgar no cenário econômico brasileiro de ser um município
onde predominam os empregos formais, com carteira de trabalho assinada e encargos
sociais atendidos. Entre 1995 e 2005 seu estoque de empregos formais evoluiu de 67%
para 82% do total de empregados, contrastando com o país, que evoluiu de 10% para
26%, segundo dados do CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados,
do Ministério do Trabalho e Emprego (MOULIN). Outro estudo apontava para 55 mil
postos de trabalho formal (41,7%) numa população de 132 mil habitantes, dos quais 19%
(10432) ocupados nas atividades de extração de petróleo e gás. (RAIS - Ministério do
Trabalho e Emprego, apud F. Araújo, 2005). Todavia, esta população com trabalho
formal não se fixa: é uma população flutuante, estimada em 50 mil segundo a
Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (SEMIC, 2010). Os trabalhadores
embarcados, que operam as plataformas em regime de turnos, chegam a morar
emoutras regiões do país e mesmo fora dele. Em 2006 existiam 8159 empresas
instaladas em Macaé, contra 368 ao final dos anos 70. Dessas 8159, quase a metade -
3555 - no setor de prestação de serviços. (Em 2008 a SEMIC contabilizou menos: 6583,
das quais 90 em atividades de extração de petróleo).
As atividades petrolíferas provocaram intensa modificação urbana. Segundo a
Associação Macaense da Indústria Hoteleira, Macaé tem o segundo maior parque
hoteleiro do estado, voltado para o turismo de negócios, movimentando cifras que
contribuem para 10% do PIB do município. Tem um aeroporto considerado o maior da
América Latina em número de pousos e decolagens de helicópteros. Em 2006 a
Prefeitura aprovou 130 novos projetos de obras para condomínios, prédios
residenciais, comerciais, galpões de empresas e shopping center.22
O crescimento econômico e urbano foi, entretanto, acompanhado pela favelização
(Malvinas, Nova Holanda, Aroeira, Santana, Boa Vista, São Jorge, Jardim Pinheiro, Vila
Pinheiro, Leocádia, Botafogo, Miramar, Lagomar, Jardim Santo Antônio, Nova Macaé,
etc.23), pela violência e tráfico de drogas (ali atuava o temível traficante Roupinol,
Rogério Rios Mosqueira, natural de Macaé) e pela degradação ambiental (poluição dos
corpos hídricos). Como se mostra a seguir, a Prefeitura ainda não universalizou a rede
de esgotamento sanitário.
22 Os dados são da Associação Comercial e Industrial de Macaé – ACIM, coletados pelo doutorando Heitor Delgado Correa, UFF/PPGSD. 23 Segundo Soffiati, nesta coletânea, as ocupações se deram em áreas assoreadas a partir do trabalho equivocado de retificação dos rios pelo DNOS – Departamento Nacional de Obras de Saneamento. Soffiat, A.A. Macaé em quatro tempos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 32
Em setembro de 2009 a Agência Brasil, órgão oficial da imprensa do Governo Federal,
publicou matéria da Jornalista Isabel Vieira, intitulada “A Maldição do Petróleo”,
focando a violência e favelização local. Segundo o Mapa da Violência dos Municípios
Brasileiros24, a cidade de Macaé foi arrolada entre os 15 municípios mais violentos do
país: ocorreram 123 assassinatos em 2006, o que corresponde a uma taxa de
homicídios de 85,9 (em 100 mil habitantes).
Consultado pela Agência Brasil, o Prefeito Riverton Mussi chamava a atenção para a
pressão da demanda migratória e a conseqüente sobrecarga nova anual sobre os
serviços de educação e saúde e políticas públicas desde o boom do petróleo. Há um
Programa Municipal chamado “Macaé Sem Favelas”, inserido no Plano Local de
Habitação de Interesse Social, desenvolvido pela SEMHAB e apoiado pelo Ministério das
Cidades, dentro do PAC – Programa de Aceleração de Crescimento, do governo
federal, em fase de início de execução e que não se propõe a atender toda a
demanda.
Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro - TCE-RJ, o rápido
crescimento sem planejamento adequado trouxe sérios problemas para o Município e
dentre estes avulta um sistema de esgotos sanitários ainda parcial e ineficiente25:
embora houvesse um projeto de macrodrenagem e esgotamento sanitário, visando o
tratamento integral do esgoto da área urbana (com um valor estimado de
R$236.835.295,32, segundo Processo 237.198-6/06 do TCE-RJ), o que o município de
Macaé tinha em 2007 eram ETES – estações de tratamento de esgoto – apenas
projetadas ou com funcionamento parcial26: segundo o TCE-RJ, as obras da ETE Virgem
Santa estavam abandonadas, o material apresentava sinais de deterioração e de
extravio, o que foi objeto de investigação da Câmara Municipal.
A Lagoa de Imboassica, que já foi considerada um santuário ecológico, hoje está
assoreada e recebe dejetos de esgoto domiciliar de bairros que surgiram em seu
entorno. Segundo ativistas sociais e ambientalistas de Macaé, em suas manifestações
de rua e em seus blogs27, não teria havido investimentos significativos em saneamento
básico por parte da Prefeitura de Macaé ao longo dos anos. A municipalidade assim
24 J.Jacobo Waiselficz, trabalho divulgado pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana – Ritla e Ministério da Justiça, 2008. http://www.ritla.net.br 25 TCE-RJ- Relatório de Auditoria no Sistema de Gestão Ambiental (SGA) do Municipio de Macaé realizada no periodo de 23.07.07 A 10.08.07 Processo nº 224.872-3/2007 26 Na ZONA NORTE, as ETE do Bairro Lagomar, ETE do Engenho da Praia, ETE Aeroporto, ETE do Bairro da Ajuda (CEHAB), ETE do Centro de Convenções e ETE Nova Holanda; na ZONA SUL, ETE Mutum, ETE Virgem Santa e ETE do Hospital Municipal. 27 http://denunciamacae.forumeiros.com/noticias-local-nacional-f1/o-mau-exemplo-de-macae-t8.htm
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 33
configurou a aplicação de suas receitas, segundo seu Plano Plurianual 2010-2013 e no
qual saneamento aparece com 9% dos recursos:
T5 – PLANO PLURIANUAL DE MACAÉ PARA 2010-2013 (R$ POR FUNÇÃO):
Função Legislativa 33.319.660,00 2,7%
Administração 213.268.954,08 17,6%
Segurança Pública 4.013.687,98 0,3%
Assistência Social 32.708.405,45 2,7%
Previdência Social 13.846.457,21 1,1%
Saúde 227.485.843,35 18,7%
Trabalho 24.651.587,74 2,0%
Educação 248.926.315,92 20,5%
Cultura 8.464.684,96 0,7%
Direitos da Cidadania 289.330,70 0,02%
Urbanismo 70.172.893,49 5,7%
Habitação 2.544.607,36 0,2%
Saneamento 108.873.856,32 9,0%
Gestão ambiental 4.056.593,75 0,3%
Ciência e Tecnologia 2.171.645,45 0,17%
Agricultura 1.316.366,65 0,1%
Comércio e serviços 3.777.923,82 0,3%
Comunicação 10.039.057,28 0,8%
Transporte 29.217.604,74 2,4%
Desporto e lazer 16.865.282,47 1,3%
Reserva de contingência 154.649.741,28 12,7%
Total geral 1.210.660.500,00 100%
Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé, Plano plurianual 2010-2013
Segundo dados divulgados pela Prefeitura28, Macaé estaria entre as 10 cidades
economicamente mais pujantes do país, mas em uma posição mediana no que diz
respeito à qualidade de vida (educação, saúde:
“É a primeira cidade do estado e a primeira do Norte Fluminense em desenvolvimento.”
“O PIB per capita do município é de R$ 120 mil, 30% maior do que a média nacional” (IBGE, 2006).
“Está em sétimo lugar no ranking das melhores cidades do sudeste, atrás apenas das metrópoles São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES) e dos municípios Barueri (SP), São Caetano do Sul (SP) e Belo Horizonte (MG). Essa foi a oitava edição da pesquisa “As cem melhores cidades para fazer carreira”, coordenada pelo professor Moisés Balassiano, da FGV”.
No ranking fluminense, Macaé e Niterói foram as únicas duas cidades do Estado a aparecerem na lista dos cem municípios com maior crescimento do Brasil. Em 2000, Macaé ocupava a 45ª posição. Com os novos investimentos, a cidade conquistou a 34ª posição, subindo 11 lugares.
28 http://www.macae.rj.gov.br/conteudo.php?idCategoria=27&idSub=27&idConteudo=41, capturado em 8 de novembro de 2010
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 34
Está entre as 100 melhores cidades da América Latina (segundo Certificado concedido em 28 de maio de 2008 pela Associação Nacional de Municípios Produtores - Anamup.
Em junho de 2008, Macaé foi considerada a cidade mais dinâmica do Estado do Rio de Janeiro e a segunda do país. (Atlas do Mercado Brasileiro). Os critérios para avaliação dos municípios incluem investimentos sociais feitos em 2007 em saúde, educação, habitação, ciência e tecnologia e capacidade de compra.
Em comparação com os 5.564 municípios brasileiros, Macaé está em 686º lugar no setor de educação. Na saúde, em comparação com todo o país, o município aparece em 640º lugar e na geração de emprego, a cidade conquistou o décimo-primeiro lugar.”
Um Programa Municipal de Combate à Evasão Escolar29 mencionava a alta incidência de
morte juvenil por homicídios e relacionava a evasão escolar a esta violência, uma vez
que os jovens deixam de estar protegidos pela escola. Em debate em 2010 sobre o
Programa, professoras propuseram que, dentre as causas prováveis da evasão, dever-se-
ia considerar também a baixa qualidade de escolas da rede municipal, carentes que
seriam de material de consumo, de quadras de esportes e mesmo de abastecimento de
água.
Alguns estudos, a despeito da dificuldade de dados, oferecem indícios no sentido de
comprovar o quanto a riqueza e a pobreza se entrelaçam no mundo do petróleo:
Givisiez & Oliveira (2007) fizeram um estudo comparativo sobre receita de royalties e
Índice de Pobreza Humana (IPH do PNUD- Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento): a partir dos 759 municípios recebedores de royalties no país, foi
construída uma tipologia de cidades por índices de pobreza e níveis de receita de
royalties. (A renda per capita municipal advinda dos royalties - RP-M - foi verificada
sobre dados de 2000 e o Índice de Pobreza Humana – IPH-M - dos municípios sobre
dados de 1997). Dos resultados alcançados, damos destaque ao seguinte: “os 76
municípios que se classificam com RP-M médio alto e muito alto apresentam IPH–M
preponderantemente nas categorias médio alto e alto”. Ou seja, a pobreza
acompanha a riqueza. Note-se que entre os 26 municípios com RP-M alto, apenas três
apresentaram o indicador de pobreza mais baixo e, mesmo entre os 16 municípios no
topo da classificação RP-M, somente cinco apresentaram o IPH-M baixo. (Givisiez &
Oliveira, 2007, p. 155). Ou seja: municípios ricos, população pobre. Os autores
concluem afirmando que grande parte da população nos municípios petro-rentistas
não sabe nem da existência nem da importância dessas receitas no orçamento
municipal, tampouco como deveriam ser usadas.
No caso das jazidas petrolíferas, elas têm um horizonte curto, razão pela qual a
legislação prevê o pagamento dos royalties e participações. Rodrigo Serra os define
29 Programa de Combate à Evasão Escolar, da Câmara Permanente de Gestão-Gerência do Plano Diretor, em setembro de 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 35
como instrumentos de promoção de justiça intergeneracional, uma vez que incidem
sobre um bem finito (a plataforma continental teria “uma duração estimada de pelo
menos três décadas” (2007:93). Sua análise mostra que esses recursos têm sido
utilizados como um “sobrefinanciamento das esferas de governo subnacionais”, o que
representa “um saque feito à conta das futuras gerações”. (2007:78,79).
Municipalidades e estados aquinhoados defendem seu direito aos recursos recebidos,
interpretando-os como indenizações pelos impactos ambientais e de adensamento
causados pelas atividades de exploração e produção (E&P) de petróleo em suas
localidades. Seriam compensações pelos danos. Serra considera isso um “equívoco
interpretativo” talvez proposital, uma vez que a “elevação do fluxo de renda local e
regional gerado pela presença do segmento de E&P provoca um crescimento da base
tributária, permitindo o aumento da arrecadação por meio dos instrumentos
impositivos clássicos” – ICMS; IPTU (2007:80). Parece ocorrer uma “preguiça fiscal” por
parte das autoridades locais, segundo Givisiez & Oliveira.
Serra, analisando a realidade político-econômica dos “novos municípios ricos [..]
avizinhados por regiões empobrecidas” (2007:93), constata os seguintes aspectos:
fragilidade da norma de distribuição dos royalties e participações especiais;
contratação pelas prefeituras de pessoas físicas e jurídicas de forma terceirizada (pela
impossibilidade de ampliar o quadro de pessoal com recursos do petróleo); existência
de processos de alocação dos recursos para fins distantes da política de promoção da
justiça intergeracional (2007: 99); financeirização das rendas petrolíferas (para
pagamento de dívidas com a União e capitalização de fundos previdenciários, segundo
as Medidas Provisórias 1869/99 e 2103/2001); facilitação para as elites políticas e
econômicas do processo de privatização de importantes fundos públicos; falta de
controle social destes recursos.
E o autor recomenda, além da “urgência de se realizar um amplo debate acerca da
necessidade de orientar efetivamente para o público, de forma irrestrita, os
expressivos fundos públicos alimentados pelas rendas petrolíferas” (2007:107):
• um teto para repasse das rendas petrolíferas aos municípios;
• a inclusão de critérios meritórios para o rateio dessas rendas;
• a instituição de mecanismos de controle social;
• a vinculação legal das rendas do petróleo a determinadas funções e programas
de governo no nível local;
• a realização de indicadores para mensurar a efetiva presença territorial de
capital e trabalhadores ligados às atividades de exploração e produção.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 36
Monié (2003), ao examinar as dinâmicas territoriais e culturais provocadas pelas
atividades petrolíferas no norte-fluminense, observou os seguintes aspectos:
• o enriquecimento de parte da população e o afluxo de trabalhadores pobres
sem qualificação;
• o surgimento de áreas de residência e de consumo de alto padrão social e a
expansão de bolsões de pobreza;
• o aumento das desigualdades intra-regionais entre campo e cidade e entre
centros urbanos mais ou menos inseridos na nova economia regional;
• o caráter desigual das dinâmicas em curso;
• a implantação de uma cultura empresarial moderna, que leva à necessidade da
oligarquia tradicional reformular suas estratégias para manter a hegemonia;
• novas estratégias residenciais e demandas por equipamentos comerciais e
culturais modernos.
A organização civil em torno dos interesses das finanças locais advindas do petróleo é
dinâmica. Apontamos a OMPETRO e a Rede Petro-BC: em 2001 os municípios rentistas
criaram a OMPETRO – Organização dos Municípios Produtores de Petróleo da Bacia de
Campos, para a defesa dos interesses regionais, presidida por Rosinha Garotinho30. A
Rede Petro-BC (Bacia de Campos) foi criada em 2003 pela Prefeitura de Macaé, pelo
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio de Janeiro (Sebrae/RJ) e por
um grupo de empresários para “concentrar esforços na promoção de negócios e acesso
às modernas capacitações em níveis gerenciais e tecno-profissional e gerar
oportunidades de negócios para seus associados, viabilizando projetos, buscando atrair
indústrias de transformação, de maneira a dar mais horizonte à vida produtiva local”.
Piquet e Oliveira entrevistaram executivos de diferentes tipos de empresas31,
chegando às seguintes conclusões: as petroleiras consideram as administrações locais
(prefeituras) pouco eficientes e pouco atentas às suas necessidades de segurança,
iluminação, transporte coletivo e vêem a si mesmas agindo dentro dos princípios
éticos e administrativos modernos, obedecendo à legislação trabalhista e ambiental.
As fornecedoras e as não-vinculadas acham que cumprem seu papel ao gerar empregos
e pagar impostos e percebem os programas sociais como atribuições do setor público.
Nenhuma das empresas demonstrou preocupação com o território que lhes dá
30 Mulher do ex-governador Anthony Garotinho; ela própria ex-governadora e prefeita de Campos. 31 As empresas petroleiras transnacionais - Shell, Texaco, Petrobrás – que são as grandes petroleiras, de alto padrão tecnológico e certificadas nos termos da ISO 9000; as fornecedoras locais, aplicadas em engenharia civil, transporte, alimentos, que são novas, com um quadro pequeno de pessoal e de baixa qualificação e que são prestadoras de serviço às petroleiras; as “empresas não-vinculadas” empresas familiares, com mão de obra de baixa qualificação e sem nenhuma certificação. Em Piquet e Serra, op.cit.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 37
sustentação (p. 279). Macaé, a cidade que as sedia, vem tendo um crescimento
“especializado e dependente, projetado para um horizonte curto, de 20 a 30 anos”
(p.283).
Piquet define as áreas produtoras de petróleo e gás como “campos de fluxos, onde se
articulam sofisticadas redes de unidades industriais, portos, dutos, aeroportos, bens,
homens e informações e cuja localização se dá por determinação da natureza” (onde
estão as jazidas). Tais campos não são inspirados pela promoção do desenvolvimento
regional, estando antes destinados a cumprir metas globais e/ou nacionais de
desenvolvimento. Tampouco parecem orientados por outras formas de
desenvolvimento (bem-estar, sustentabilidade ambiental, participação local e defesa
da identidade cultural).
Macaé ilustra o que acontece nos demais municípios petro-rentistas: preocupações de
curto prazo; construção de um consenso falso; desinformação; lógicas oligárquicas;
particularismos. (SOFFIATI) Poderia ser diferente, sim, mas por onde começar a
provocar a diferença? Poderia a Petrobrás provocar essa diferença, se o quisesse?
Em resumo: a pujança econômica local no Brasil vem acompanhada da pobreza, da
degradação sócio-ambiental e urbana. Forma os “desafios da abundância” aos quais se
referiu Piquet. Macaé é exemplo disso. Os dados e análises contidos nos estudos acima
mencionados apontam para um processo de crescimento econômico acompanhado por
desigualdades intensificadas.
Nossa pergunta: poderia ser diferente? O que fazer para superar essa dinâmica trágica?
4. Desenvolvimento local e o desafio da abundância: a responsabilidade social
empresarial seria a resposta?
Os campos petrolíferos compartilham com outros grandes projetos – hidrelétricas,
pólos petroquímicos – os mesmos impactos: “migrações, com conseqüente estrutura
demográfica atípica, composta por elevado coeficiente de homens jovens;
favelização, prostituição e criminalidade; espaços urbanos não-equipados; despreparo
do poder público local, que faz concessões que enfraquecem os cofres municipais e
que assiste à ocupação não planejada das beiras de estradas, rios, canais e encostas
de morros e à conseqüente sobrecarga no uso dos equipamentos coletivos, sem cuidar
de sua ampliação e modernização” (PIQUET, 2007).
4.1- Teorias sobre o desenvolvimento local:
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 38
As teorias sobre desenvolvimento local – ou sobre a dificuldade de realizá-lo - podem
ser agrupadas em dois tipos: um, que podemos chamar de estruturalista e que explica
o sub ou mau desenvolvimento local como resultado de forças econômicas que atuam
na macro-estrutura e que constrangem tanto os estados-nações quanto dentro deles as
localidades. As teorias do desenvolvimento dependente e do dependente-associado
(Gunder Frank; Cardoso & Faletto) são seus melhores exemplos. Brandão menciona
alguns autores de concepções marxistas (Lefebvre; Harvey; Lipietz; Castells) que
explicam a reprodução social do espaço a partir da relação entre Estado e capital e
das lutas internas entre frações do capital e entre este e o trabalho. Com base neste
enfoque estruturalista, somos levados a concluir que a superação de tal situação de
sub ou mau desenvolvimento local seria algo que só poderia acontecer do nível macro-
estrutural para o micro. Complementarmente, seria impossível a concretização de um
desenvolvimento local que fosse econômico e social a um só tempo, por conta das
pressões migratórias do segmento mais pobre e sem qualificação e suas urgências.
Um segundo tipo de enfoque sobre o desenvolvimento local forma o pensamento que
Brandão chama criticamente de “localistas” e no qual agrupa as propostas de “capital
social”, de “economia solidária e popular”, de “voluntariado”, “empreendedorismo”,
“microiniciativas”, “parceria público-privada”, “cooperativa”, “governança”,
“responsabilidade social empresarial”, etc. Tais idéias tem em comum não apenas o
nível micro, mas a aposta na capacidade individual, na sua criatividade, o que levaria
a uma nova identidade e um novo perfil mais atraente para as localidades onde os
indivíduos empreendedores agem. Brandão as critica como uma “endogenia exagerada
das localidades” e também por parecerem partir da idéia de que os conceitos de
oligopólios, de classes sociais, de hegemonia estariam superados como explicação para
uma nova realidade onde já não haveria centralização, concentração, massificação e
estandartização (2007:38,45). Além disso, essas teorias localistas partem, segundo
Brandão, da premissa equivocada de que a região e a esfera nacional ter-se-iam
tornado desimportantes. (Lembramos que o próprio mote da Conferência de Cúpula da
ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (Rio 92) – “pensar globalmente, agir
localmente”- parecia também prescindir da esfera nacional.)
Essas teorias endogênicas seriam também voluntaristas, segundo Brandão. Eis como o
autor compara e contrasta os dois blocos teóricos (Brandão, 2007, pgs. 44,45):
Teorias da “Divisão Social do Trabalho” Teorias do “Desenvolvimento Local/Endógeno”
1. Sociedade 1. Comunidade
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 39
2. Classes Sociais 2. Atores, Agentes, Talentos Humanos
3. Capital (e suas frações) x Trabalho 3. “Capital Social”; “Capital Cultural”;
“Capital Sinérgico”; “Capital Humano”
4. Propriedade dos Meios de Produção 4. “Agenciamento de Habilidades” e
Capacidade de “Federar a Produção”
5. Relações Mercantis 5. Relações de Reciprocidade
6. “Mundo do Trabalho” 6. “Capital Humano”; Recursos Humanos e
sua empregabilidade
7. Estado 7. Mercado
8. Ação Pública 8. “Iniciativa Privada” e “Parcerias
Público-Privadas”
9. Rivalidades Intercapitalistas 9. Cooperação
10. Fatores “exógenos” e
“macroeconômicos” fundamentais e
determinantes (câmbio, juros, fisco,
regulação do mercado de trabalho; papel
das questões monetárias, financeiras, dos
fundos públicos, etc.)
10. Fatores Endógenos e
“microeconômicos” do ambiente sinérgico
são determinantes
11. Padrões Concorrenciais, mesmo que
em última instância, comandados por
oligopólios
11. Micro e Pequenas Empresas e Empresas
em Rede
12. Estruturas Produtivas 12. Economia Terciária e “dos serviços”,
pós-industrial, pós-fordista e de
acumulação flexível
13. Poder; Hegemonia 13. Atmosfera
14. “Bloco Histórico” 14. “Espírito Empreendedor”
15. Divergência, Diversidade, Assimetrias 15. Convergência
16. Equidade 16. Eficiência
17. Justiça Ambiental (intergeracional) 17. Sustentabilidade
18. Pouca capacidade de Regulação Local
(posto que o Centro de Decisão está no
núcleo dominante e não é disseminado,
mas concentrado).
18. Governança Local
19. Ética 19. Estética
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 40
Houve, prossegue Brandão, uma “certa banalização e vulgarização da
problemática do desenvolvimento de cidades, regiões e países” porque as explicações
foram deslocadas para o lugar-comum do voluntarismo, esquecendo a “natureza
estrutural, histórica e dinâmica destas “questões espaciais”. O autor propõe um olhar
diverso, examinando o local, o territorial a partir de uma perspectiva estrutural, e
recolocando o urbano e suas políticas dentro da economia política do desenvolvimento.
Segundo ele, há um movimento desigual da acumulação de capital no espaço, através
de processos de homogeneização, integração, polarização e hegemonia:
• o capital homogeneíza porque leva a mercantilização às últimas conseqüências e
porque aniquila o espaço pelo tempo, sendo indiferente ao lugar;
• o capital integra porque cria instâncias mais largas – nacional, supra-nacional, às
custas da supressão da autonomia e independência dos lugares;
• o capital polariza porque hierarquiza espaços, ao criar pontos nodais com
diferentes níveis de estruturas de serviços, centros de armazenagem,
comercialização, gestão, poder político e cultural;
• o capital se funda na hegemonia, na conquista do consenso via persuasão e
alianças de classes, ocultando fissões e conflitos, criando um pacto de
dominação entre donos de terra, o Estado e os donos do dinheiro, contra “as
camadas baixas, difusas, deserdadas e com fratura orgânica.” (2007: 86)
Ao percorrer a história econômica brasileira, Brandão menciona os pontos territoriais
de semi-enclave, as frentes de expansão, as ilhas de infra-estrutura e nelas as
oligarquias regionais que trouxeram uma industrialização restringida em um processo
de “fuga para frente”. As localidades do país receberam um “processo avassalador de
migração, urbanização-metropolização e burocratização” (2007: 129). Frações
modernas do capital soldaram seus interesses com o capital mercantil, aquele de
natureza política, garantido por privilégio político (2007: 139) e perpetuaram o atraso
estrutural do Brasil. Houve, segundo Brandão, uma “pactuação horizontal
interoligárquica”, que permitiu a combinação do dinamismo das forças produtivas com
a reprodução simples e não dinâmica da periferia. (2007: 99). Essa situação, que seria
explosiva, foi amortecida através da mobilidade espacial e social e da expansão da
fronteira agrícola, mas esse amortecimeto implicou em favelas e depredação
ambiental.
No outro extremo das propostas sobre como efetivar o desenvolvimento local, estão
aqueles que enfatizam mesmo a ação inovadora de um indivíduo criativo, mas
sobretudo das empresas que o estimulam (GOMES & MORETTI). Caberia às empresas e
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 41
ao empresariado um papel fundamental em um novo capitalismo, agora conscientizado
das urgências sociais e do comprometimento moral com o entorno das suas
corporações. Tais idéias se difundiram com os conceitos de desenvolvimento
sustentável e de responsabilidade sócio-ambiental das empresas. Elkington (2001), da
“Sustain-Ability”, e Hawkins & Lovins (1999) sustentam a tese de que o
desenvolvimento sustentável é atribuição empresarial porque depende de inovações e
de tecnologia, plantas que vicejam nas empresas, e porque a busca de
sustentabilidade dá oportunidade a novos negócios via criação de novos perfis de
mercado. Layrargues, todavia, mostra-se algo descrente deste ambientalismo
empresarial que se configuraria na maior parte dos casos, em uma cortina de fumaça.
As teorias acima sintetizam duas concepções que deram extenso debate na sociologia
em geral e da sociologia do desenvolvimento em particular: o confronto do
estruturalismo, que trata de forças sociais sem sujeito, versus o voluntarismo da ação
planejada dotada de sentido e vontade de sujeitos que agem. Como se dá o processo
de desenvolvimento, quem o faz, quem o impede? Ao se debruçar sobre o
desenvolvimento urbano, Maricato nos oferece uma análise complexa do porquê da
degradação social e ambiental das cidades brasileiras: sem deixar de ver os aspectos
estruturais, ela não exime das suas causas também as inconsistências internas da
máquina administrativa, o beletrismo bacharelesco, cômodo e ineficaz da sua
tecnocracia, a adaptação esperta do pequeno rentista de imóveis de auto-construção,
as negociações de permissões e até de lotes clandestinos por parte do corpo fiscal etc.
4.2 – O que fazer? É possível escapar ao determinismo trágico das estruturas?
Macaé, como visto acima, é um local rico e desigual; está estreitamente ligado a
estruturas econômicas petrolíferas internacionais; tem um expressivo contingente de
pobres em favelas; tem áreas lindas mas ambientalmente degradadas. Muitos dos
aspectos históricos brasileiros abordados por Brandão se aplicam a Macaé: um
desenvolvimento desigual e desequilibrado. Como mudar isso, como superar esta
abundância trágica? Devem as empresas atuar diretamente na sua superação?
Na literatura sobre a questão, Angra III e a Eletrobrás Eletronuclear são apontadas
(Revista Visão Sócio-Ambiental) como exemplos: de um orçamento total de
investimento de R$ 7 bilhões na Usina Nuclear Angra III, teria destinado 481 milhões
(6,87%) como recursos compensatórios ao longo de seis anos, para projetos sócio-
ambientais nas três municipalidades onde atua: Angra dos Reis, Rio Claro e Parati, o
que significaria R$ 2.226.851,00 por municipalidade/mês, para capacitação de pessoal
e desenvolvimento regional.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 42
Tentemos um quadro esquemático para visualizar a correspondência entre a análise do
desenvolvimento desigual e as propostas de superá-lo:
Por que Macaé apresenta um desenvolvimento desigual
e desequilibrado?
Como solucioná-lo na direção de um desenvolvimento
ambientalmente sustentável, socialmente justo e
dmocrático?
1.1 Por causa das forças estruturais do capitalismo global
1.2 Por causa das forças estruturais da “pactuação
horizontal interoligárquica” a nível nacional
1 Não haveria solução local e nem haveria problema,
posto que todo processo de desenvolvimento gera
“naturalmente” uma cadeia de desequilíbrios
2 Porque as oligarquias locais são perversas, seja por
vontade, seja por omissão (intenção ou inércia)
2.1 Uma solução seria a atuação social empresarial
2.2 Outra a capacitação política da população via
democracia participativa e governança
3 Porque as instituições políticas e jurídicas nacionais são
fatores de perpetuação das desigualdades
3 Não haveria solução local, uma vez que o desenho
destas instituições é nacional, de difícil atualização e de
privilégios quase vitalícios e as instituições locais as
mimetizam
4 Por causa da cultura política geral – local e nacional –
que naturaliza desigualdades e não prioriza o interesse
público
5- Por que as empresas são desterritorializadas e não
ligam para o seu entorno
4.1 Uma solução seria de longo prazo através da educação
formal e continuada
4.2 Um encaminhamento de solução seria uma ampla
campanha de debates nos meios de comunicação
5 – Ações conjuntas de responsabilidade social e
ambiental de fato pelas empresas
Chico Oliveira debruçou-se sobre o que chamou de “o enigma do desenvolvimento
local”. Poderia ele corrigir a tendência da concentração macro? As cidades globais,
frutos da ligação direta global/local, significariam a não-necessidade da instância
nacional? Seria ultrapassar a dimensão do Estado nacional? Para o autor, o
desenvolvimento local pode se inserir em uma estratégia de descentralização que
agrave desigualdades. Oliveira critica um significado atribuído ao desenvolvimento
local que o aplica como um “emplastro” de uma cidadania que seria o não-conflito32.
O caminho que ele aponta é a luta por cidadania, que viria a ser a forma
contemporânea da luta de classes. Essa luta ele a define como uma luta por
32 Os episódios de março e abril de 2010, com a passeata na Cinelândia, organizada pelo governo estadual e municípios do estado do Rio de Janeiro contra a Emenda Constitucional Ibsen Pinheiro, podem ser exemplos deste falso consenso: “mexer cm o Rio é mexer comigo”, estava escrito em um cartaz da passeata que reclamava da proposta do Senador de se distribuir a receita dos royalties por todo o país.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 43
significados, direitos e fala. E que teria peso porque, ainda segundo ele, o poder do
local não é pequeno no Brasil33.
Chico Oliveira reconhece que há mesmo uma nova ética – um clamor público e uma
proposta empresarial - que pede transparência, mas ele cobra da ética empresarial
que ela desça dos preceitos abstratos, nos seus modelos e tipologias34 e se introduza
nas dimensões mais concretas. Piquet e E. L.de Oliveira, como já mencionado, ao
entrevistarem executivos de diferentes tipos de empresas35 parecem corroborar esta
falta de dimensão mais concreta: as petroleiras consideram as administrações locais
(prefeituras) pouco eficientes. Há um clima de animosidade e desconfiança mútuas.
“A economia do petróleo não tem país, as empresas não criam identidade com a
cidade” afirmou Cliton Santos, Secretário de Desenvolvimento Econômico de Macaé.
As fornecedoras e as não-vinculadas acham que cumprem seu papel ao gerar empregos
e pagar impostos e percebem os programas sociais como atribuições do setor público.
Piquet e Oliveira, as autoras, concluem que nenhuma das empresas demonstrou
preocupação com o território que lhes dá sustentação (p. 279). Macaé, a cidade que as
sedia, vem tendo um crescimento “especializado e dependente, projetado para um
horizonte curto, de 20 a 30 anos” (p.283). “A instalação da Petrobrás em Macaé,
antes da Constituição Federal de 1988, foi traumática e há uma dívida social
impagável da empresa com a cidade”, afirmou o jornalista Martinho Santa Fé,
ambientalista local emérito e editor da Revista Visão Sócio-Ambiental. Os municípios
petro-rentistas também padecem de preocupações de curto prazo; construção de um
consenso falso; desinformação; lógicas oligárquicas; particularismos.
33 Não faltam exemplos de fóruns e blogueiros denunciando a falta de transparência e o desperdício das fartas verbas do petróleo em Campos. Como, por exemplo, a “desciclopedia sobre Macaé - http://desciclo.pedia.ws/wiki/Maca%C3%A9. 34 Os autores arrolados na bibliografia e que tratam da responsabilidade social empresarial enfatizam mesmo os preceitos. A responsabilidade social corporativa (RSC) representa o compromisso com a idéia de organização como conjunto de pessoas que interagem com a sociedade. Dela fazem parte: a ação social filantrópica e assistencial; auditoria social, com avaliação sistemática do impacto social da empresa; o capital relacional, entendido como a integração com grupos de interesse; um código de conduta, expressão formal de valores e boas práticas; um código de bom governo interno; o desenvolvimento sustentável, entendido como a compatibilização entre a exploração racional de recursos naturais e sua regeneração; a empresa-cidadã, conceito pelo qual a empresa se percebe tendo deveres; a ética empresarial, valores, normas e providências determinado pela organização aos seus membros; filantropia estratégica, vinculada a um planejamento estratégico de negócio, associando a ação filantrópica a alguns benefícios determinados em termos econômicos e de vantagem competitiva; gestão ambiental, voltada para a prevenção, redução, minimização e eliminação do impacto ambiental negativo que ocasiona ou pode ocasionar a atividade da empresa; marketing social, visando campanhas com apoio da comercialização de produtos e serviços oferecidos por países com vistas ao desenvolvimento e organizações não governamentais que canalizam ajuda a ditos países; reputação corporativa, buscada com o reconhecimento público alcançado, expressão, em certa medida, de legitimidade social; sustentabilidade, entendida como sua tríplice dimensão econômica, social e ambiental; conta tríplice de resultados, apresentando o valor econômico, o valor para o desenvolvimento social ou para o meio ambiente que as empresas criam ou destroem. 35 As empresas petroleiras transnacionais - Shell, Texaco, Petrobrás – que são as grandes petroleiras, de alto padrão tecnológico e certificadas nos termos da ISO 9000; as fornecedoras locais, aplicadas em engenharia civil, transporte, alimentos, que são novas, com um quadro pequeno de pessoal e de baixa qualificação e que são prestadoras de serviço às petroleiras; as “empresas não-vinculadas” empresas familiares, com mão de obra de baixa qualificação e sem nenhuma certificação. Em Piquet e Serra, op.cit.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 44
Soffiati36, ambientalista emérito de Campos e professor da UFF, sugere que a
OMPETRO se transforme em um órgão assessorado por um corpo técnico que oriente as
prefeituras sobre a aplicação correta do dinheiro dos royalties e participações e que
haja um fundo municipal administrado paritariamente e com transparência. Tal fundo
existe em Macaé, mas não encontramos maiores informações a respeito.
Macaé, nesse grupo de municípios petro-rentistas, tem aspectos distintivos e
melhores: não é assim tão dependente dos royalties, uma vez que obtém receita
expressiva das multinacionais ali instaladas. Mas que podem ir embora se as atividades
de extração terminarem. As descobertas recentes das jazidas petrolíferas do “pré-sal”
parecem arredar tal ameaça. Continuam, todavia, os problemas de falta de
planejamento urbano, da presença de uma pobreza que não é resgatada. A alternativa
de se preparar para em um futuro sem petróleo vir a ser um centro de tecnologia não
parece estar sendo enfrentada, se lembrarmos dos recursos modestos pensados para
esta função (Tabela 5, acima), apesar dos esforços de construção de espaços para
sediar cursos universitários em experiências de interiorização.
Brandão tem razão: o desenvolvimento, pelo menos em um país desigual, não pode se
dar isoladamente em uma localidade, precisa ser resultante de políticas regionais ou
nacionais, orquestradas de forma sistêmica, integrada e harmoniosa. Mas, enquanto
essas não se realizam, não caberia à Petrobrás, dado o seu histórico – uma empresa
criada a partir de campanhas populares, nacionalistas e desenvolvimentistas – e seu
perfil, uma empresa de economia mista, com dinheiro também público, atuar nesse
sentido? Alguns responderiam que não, que a única responsabilidade de uma empresa
é gerar lucro (M. Fridman), e que cabe ao povo escolher melhor seus governantes e
deles cobrar o bem público. Mas há que se considerar que nem a Petrobrás é uma
empresa particular nem pode escolher com o desejável grau de liberdade e cidadania
uma população com expressivo montante na pobreza e defrontada com instituições
percebidas como tendentes à inércia e à defesa de si mesmas.
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 47
Distribuição das Rendas Petrolíferas no Brasil: uma sistematização crítica das
alternativas em debate nas casas legislativas nacionais
Rodrigo Valente Serra
A concentração espacial da atividade de exploração e produção de petróleo e gás, associada às regras de rateio e aplicação vigentes para as rendas do petróleo (royalties e participações especiais – PE)1, que forjaram o advento de uma espécie de municípios petro-rentistas no país, encontraram um ambiente de franca disputa pela apropriação desta fonte de recursos. Disputa que explicita a forte tensão de nosso pacto federativo – competição vertical pela apropriação das rendas do petróleo – bem como evidencia contendas no âmbito de um mesmo nível de governo. O objetivo da presente artigo é sistematizar as principais críticas ao modelo hoje vigente de distribuição e aplicação das rendas do petróleo e sugerir um mapeamento dos interesses que estão alimentando, justamente agora (no verão de 2011), as propostas de alteração na forma de apropriação das rendas do petróleo.
1. Distribuição das Rendas do Petróleo no Brasil: o quanto está em disputa e a razão dos questionamentos
A disputa pelos royalties do petróleo não é matéria recente, podendo ser apontado como seu primeiro episódio mais eloqüente a demanda pela descentralização destas compensações nas décadas de 1970 e 80, quando estas receitas, oriundas da produção marítima, eram reservadas exclusivamente à União, tendo como protagonistas os conhecidos senadores José Sarney e Nelson Carneiro2.
A contenda atual - instaurado desde o “anúncio do pré-sal” em 2008 3 - ganhou proporções inéditas, adquirindo o, talvez alarmista, título de crise federativa, seja pelo fato de ter atravessado o ano eleitoral de 2010, seja pela magnitude dos valores em disputa.
1 Os royalties e a participação especial são as principais compensações financeiras pagas às três esferas overnamentais. Os royalties possuem uma alíquota fixa (variando entre 5% e 10%) incidente sobre o valor bruto da produção, distribuído mensalmente, e a participação especial traduz-se em uma alíquota variável, entre 0% e 40% (variando em função da localização do campo, do tempo de produção e do volume produzido), incidente sobre a receita líquida, distribuído trimestralmente. 2 Para uma recuperação histórica destas disputas ver Serra (2005). 3 Estamos nominando como “anúncio do pré-sal” a decisão do Governo Federal de retirar da 10º Rodada de Licitação da ANP os blocos petrolíferos localizados na área hoje delimitada como o polígono do pré-sal.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 48
O volume das rendas petrolíferas que está em disputa no “cabo de guerra”, em que competem estados/municípios produtores (de petróleo e gás natural) e não produtores, requer uma breve parametrização.
No ano de 2010 foram distribuídos a título de royalties e participações especiais um total de R$ 21,6 bilhões, quantia que – oferecendo uma base comparativa – foi equivalente a 1,65 vezes o programa Bolsa Família, o qual consumiu R$ 13,1 bilhões do orçamento de 2010, com uma cobertura de 12,7 milhões de famílias. (Agência Senado: 2011). (Ver Tabela 1)
Breves menções sobre algumas projeções para a produção petrolífera nacional no médio e longo prazo são suficientes para apontar uma elevação expressiva das rendas do petróleo, e, por extensão, uma promoção das aludidas disputas.
As rendas petrolíferas (royalties + participações especiais) de 2010, em torno de R$ 21,6 bilhões, resultaram de uma produção diária média de aproximadamente 2,5 milhões de barris de óleo equivalente por dia (Mboe/d)4. Tomando as projeções da EPE (2010) para o ano de 2019 5, em que a produção alcançaria 6,5 Mboe/d, é fácil perceber que estamos lidando com uma riqueza vindoura astronômica6.
Para além da magnitude deste fundo formado pelas rendas do petróleo, vale ressaltar o nível de dependência de algum dos principais beneficiários em relação a estas receitas, com destaque para o Estado do Rio de Janeiro (responsável por mais de 83% da produção nacional de petróleo), para o qual nos anos de 2008 e 2009 as rendas petrolíferas (royalties + participações especiais) representaram, respectivamente, 14,9% e 11,1% das receitas totais desta unidade da federação7 (Secretaria do Tesouro Nacional – STN: 2011).
Este nível de dependência reflete a conjugação de dois fatores: a localização da produção, concentrada na Bacia de Campos, e a norma de distribuição das rendas petrolíferas entre os beneficiários, a qual valoriza a proximidade física do beneficiário (Estado e Município) em relação as áreas de produção marítimas. O Estado do Rio de Janeiro, principalmente, seguido pelo Estado do Espírito Santo, em função da conjunção dos fatores explicitados acima, concentram parte expressiva das rendas petrolíferas. Com apoio da Tabela 1, vê-se que a distribuição dos royalties em 2010, reservou ao Estado do Rio de Janeiro 20,4% dos royalties
4 ANP (2011). Esta medida inclui a produção de gás natural. 5 As projeções podem ser tomadas como superestimadas em função do atraso, não previsto no documento EPE (2010), na realização da 11ª Rodada de Licitação. 6 Observa-se, por oportuno, que tais projeções referentes à produção não podem ser traduzidas, por simples regra de três, em projeções para as rendas petrolíferas, seja em função da não incidência das participações especiais nos vindouros contratos de partilha da produção, seja em função da variação da rentabilidade líquida (que varia campo a campo) que afeta o recolhimento das Participações Especiais nas áreas já licitadas, seja em função da indefinição das alíquotas dos royalties para os contratos do regime de partilha. 7 Em 2008 a participação das rendas petrolíferas na receita estadual foi especialmente elevada em função do aumento do preço do barril no referido ano.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 49
(entre 29,6% destinado ao conjunto dos Estados) e 37,5% das participações especiais (entre 40% destinado ao conjunto dos Estados).
Tabela 1 - Consolidação das Participações Governamentais no ano de 2010. Em R$ 1.000,00
Abs. %297.421,68 3,00%
2.026.613,39 20,41%618.108,35 6,22%
2.942.143,42 29,63%304.095,99 3,06%
2.233.055,37 22,49%853.789,85 8,60%
3.390.941,21 34,15%2.807.075,82 28,27%
789.829,83 7,95%9.929.990,27 100,00%Abs. %
235.934,8 2,02%4.380.337,9 37,53%
51.731,6 0,44%4.668.004,4 40,00%
58.983,7 0,51%1.095.084,5 9,38%
12.932,9 0,11%1.167.001,1 10,00%5.835.005,5 50,00%
11.670.010,9 100,00%
Total Brasil (Royalties + Participações Especiais) 21.600.001,20
ROYALTIES
Municípios do RJ
Municípios dos Demais Estados
ES
RJ
Demais Estados
Municípios do ES
Total MunicípiosTotal UniãoTotal Brasil
Total Estados
Total MunicípiosTotal União
Item de Receita/Beneficiários
Demais Estados
Total - 2010
ES
RJ
Municípios do ES
Municípios do RJ
Municípios dos Demais Estados
Fundo EspecialTotal Brasil
Total Estados
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL
Fonte: Agência Nacional do Petróleo (www.anp.gov.br)
Para o nível municipal, no mesmo Estado do Rio de Janeiro, o grau de dependência chega à níveis mais críticos, podendo as rendas petrolíferas atingir 75% do orçamento municipal, no ano de 2008, como foi o caso para São João da Barra, conforme Tabela 2.
Também é notório o grau de concentração das rendas petrolíferas entre os municípios. Pela Tabela 1 vê-se que dos 34,1% dos royalties destinados aos municípios, 22,5% foram distribuídos aos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Já a participação especial, dos 10% destinados ao conjunto dos municípios, 9,4% foram distribuídos aos municípios do mesmo Estado.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 50
Tabela 2 – Grau de dependência orçamentária em relação às rendas do petróleo. Ranking Decrescente dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro8.
Receita Orçamentária
Rendas Petrolíferas
Nível de Dependência
%
A B = B / ASão João da Barra 30.348,00 198.382.112,20 149.133.645,77 75,2%Rio das Ostras 91.085,00 496.477.020,80 344.515.668,46 69,4%Quissamã 19.315,00 227.399.273,50 155.243.524,29 68,3%Carapebus 11.671,00 65.217.802,48 36.904.568,49 56,6%Armação dos Búzios 27.701,00 130.574.019,90 66.495.012,20 50,9%Parati 35.182,00 102.245.900,20 47.280.553,30 46,2%Cabo Frio 180.635,00 447.728.234,70 205.685.909,41 45,9%Macaé 188.787,00 1.150.731.987,00 517.468.310,30 45,0%
MUNICIPIO Populacao
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Portanto estamos tratando de uma receita expressiva e que, seguindo as regras vigentes, impacta de forma também expressiva o orçamento, sobretudo, do Estado do Rio de Janeiro e dos municípios que compõem a faixa do petróleo, isto é aqueles municípios litorâneos integrantes das regiões Norte Fluminense e das Baixadas Litorâneas. Impactos estes que ajudam a compreender a radicalização dos debates e a especial movimentação política do final da gestão Lula e início da gestão Dilma (2010/2011), com compromissos (pré-eleitorais) de veto presidencial às mudanças radicais na forma de distribuir as rendas do petróleo (como desejado pelas emendas Ibsen/Simon), o veto efetivo, as ameaças de judicialização da disputa e as ameaças de derrubado do veto.
Tendo trazido as evidências acerca de como a receita advinda das rendas do petróleo atingem o caixa dos principais beneficiários e de como estão espacialmente concentradas, cumpre, agora, apresentar quais os principais critérios que explicam aquela distribuição dos recursos, tendo como referência o trabalho de Serra e Marinho (2010). Royalties Os royalties incidem sobre o valor da produção de petróleo e gás natural, a preços de mercado. Sua alíquota é fixada em 10%, podendo ser reduzida a um mínimo de
8 Alguns municípios não estão na lista em virtude de não terem enviado as informações referentes à execução orçamentária à Secretaria do Tesouro Nacional, como, por exemplo, o Município de Campos dos Goytacazes, o maior beneficiário, entre os municípios, das rendas petrolíferas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 51
5%, em função de variáveis que impactam o custo exploratório. Contudo, para os campos petrolíferos das bacias de Campos e de Santos pode-se dizer que a alíquota padrão é de 10%, sendo poucos os campos petrolíferos com alíquota diferente desta. Para facilitar o entendimento acerca do rateio dos royalties, guarde o leitor que esta alíquota padrão de 10% deve ser dividida em: i) alíquota de 5% (mínima), cujas regras de repartição são determinadas pela Lei 7.990/89 e pelo Decreto 01/91; ii) alíquota excedente a 5% (que varia entre 0% e 5%), cujas regras de repartição são determinadas pela Lei 9.478/97 e pelo Decreto 7.990/89. Assim, como forma de firmar a compreensão, pode-se dizer que o portentoso Campo de Marlim (Bacia de Campos), por exemplo, cuja alíquota dos royalties é de 10%, possui uma alíquota excedente de 5%. A coexistência destas duas estruturas de distribuição dos royalties faz com que o rateio final destes recursos entre as esferas governamentais varie em função da alíquota vigente nos campos petrolíferos, o que pode ser verificado através da análise da Tabela 3. Tomando como exemplo um campo petrolífero hipotético, cuja alíquota dos royalties seja igual a 10% (ou, de outra forma, cuja alíquota dos royalties excedentes seja igual a 5%), procura-se demonstrar a estrutura final de rateio destes recursos entre as esferas governamentais. Tabela 3: Repartição dos royalties incidentes sobre a produção na plataforma continental (hipótese: alíquota = 10%)
Beneficiários
Distribuição da alíquota de 5% (Lei 7.990/89 e Decreto 01/91).
Distribuição da alíquota
excedente a 5% (Lei 9.478/97 e
Decreto 2.705/98).
Rateio final dos royalties entre os
beneficiários
Estados confrontantes 30,0% 22,5% 26,25% Municípios confrontantes e suas respectivas áreas geoeconômicas
30,0% 22,5% 26,25%
Municípios onde se localizam (afetados) instalações de embarque e desembarque de petróleo*
10% 7,5% 8,75%
Comando da Marinha 20% 15% 17,50% Ministério da Ciência e Tecnologia - 25,0% 12,50%
Fundo Especial 10% 7,5% 8,75% Total 100,0% 100,0% 100,0% * A lei 7.990/89 previa o pagamento apenas para os municípios onde se localizavam as instalações de embarque e desembarque, já a lei 9.478/97 inclui também aqueles (municípios contíguos) afetados por estas instalações. Antes de comentarmos sobre os beneficiários dos royalties, vale trazer uma hipótese explicativa para as razões de haver duas distintas regras para o rateio dos royalties. Dito de outra forma: qual a razão para a Lei 9.478/97 não revogar a Lei 7.990/89, determinando uma nova e única forma de rateio dos royalties? A hipótese é que como a Lei 9.478/97 foi também a mesma que ratificou a quebra do monopólio da Petrobras – sendo, portanto, uma votação difícil - o intuito do executivo foi o de barrar resistências à sua aprovação: deixando intacta a regra
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 52
válida para a alíquota mínima de 5%, evitava-se assim uma eventual oposição daqueles entes que interpretariam suas perdas como uma violação em seus direitos adquiridos9. Vê-se, através da Tabela 3, que são, entre os municípios, os maiores beneficiários, aqueles categorizados como “Municípios confrontantes e suas respectivas áreas geoeconômicas”. Este grupo, por sua vez, é subdivido em subgrupos, conforme descrito a seguir, com as respectivas participações: Zona de Produção Principal: formada pelos municípios confrontantes e o município que concentrar instalações industriais para processamento, tratamento, armazenamento e escoamento de petróleo e gás; (60% dos 30% destinados a estes, conforme Tabela 3) Zona de Produção Secundária: formada por aqueles municípios cortados por dutos, destinados, exclusivamente, para o escoamento de óleo cru ou gás natural de uma dada área de produção petrolífera marítima; (10% dos 30% destinados a estes, conforme Tabela 3) Municípios Limítrofes à Zona de Produção Principal: formada pelos municípios territorialmente contíguos aos municípios da zona de produção principal e aqueles pertencentes à mesma mesorregião geográfica (do IBGE) dos municípios da zona de produção principal; (10% dos 30% destinados a estes, conforme Tabela 3) Portanto são os municípios confrontantes aqueles que recebem as maiores fatias do rateio dos royalties da parcela de 5%, bem como da parcela dos royalties superior a 5%. Para melhor compreensão da categoria de municípios confrontantes, apresenta-se um mapa ilustrativo (Figura 1), o qual exemplifica a condição específica de município confrontante. Observa-se que das extremidades de cada município litorâneo partem dois pares de retas. Esses pares representam dois tipos distintos de projeções marítimas dos limites municipais: as projeções ortogonais e as paralelas. O par de retas representando as projeções dos limites ortogonais que partem de determinado município garante geometricamente que os poços localizados em seu interior tenham o mesmo município como o território continental mais próximo. Tal solução não atende, absolutamente, a qualquer fundamento econômico para repartição das indenizações entre os municípios. Isto porque não há, a princípio, qualquer relação entre a distância física10 que separa o poço petrolífero e o município confrontante e a intensidade da presença de capitais transitórios nos municípios beneficiários. 9 Rigorosamente, a proposta original do executivo para a Lei do Petróleo, constante do PL 2.142/96, talvez, justamente, com esta intenção de não ameaçar direitos adquiridos dos beneficiários, previa a repartição dos royalties excedentes na forma idêntica como vinha se realizando até então. Foi no processo de aprovação da Lei do Petróleo que novas regras para rateio dos royalties excedentes foram apresentadas. 10 Observe, por exemplo, que os limites ortogonais do município de Campos dos Goytacazes abarcam quase a totalidade dos poços da Bacia de Campos, embora as atividades de embarque e desembarque associadas à atividade petrolífera sejam pouco expressivas em seu território.
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Quanto à projeção dos limites paralelos municipais, sua justificativa para definição dos municípios confrontantes carece de sentido econômico e mesmo geométrico (físico), devendo, de outra forma, ser buscadas as razões políticas que efetivamente deram ensejo a esta proposta metodológica. Em Serra (2005), consta a apresentação da hipótese de que as projeções paralelas foram decididas para atenderem às demandas de um maior número de municípios, cujos representantes na câmara federal, que apoiaram a luta pela distribuição dos royalties, tinham ali suas bases. Não há como, diante do aclaramento da forma de rateio desta parcela dos royalties, evitar a seguinte indagação: a proximidade física traduz algum tipo de impacto sobre o território? Antes de enfrentar a citada indagação, observa-se que, rigorosamente, a compensação financeira na forma dos royalties serve, em teoria, para ressarcir o proprietário pela extração de um recurso finito. Sendo a União a proprietária exclusiva destes recursos, caberia, pois, que o ressarcimento fosse destinado à sociedade brasileira. Contudo, por força de nosso municipalismo e pela pequena importância destes recursos à época da definição de sua repartição, o rateio (fruto da barganha política nas duas casas legislativas nacionais) acabou por beneficiar os municípios costeiros junto às áreas de produção. Figura 1 – Bacia de Campos. Projeções dos limites municipais ortogonais e paralelos
Fonte: Barbosa (2001)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 54
Não se deve ler com pessimismo crônico o fato dos royalties serem distribuídos aos estados e municípios, sobretudo para os que associam descentralização dos recursos com maior grau de democracia11. Sabe-se, contudo, que há municípios entre os maiores beneficiários que não têm qualquer relação com a atividade petrolífera, a não ser o fato de receberem elevadas somas das rendas petrolíferas. O sistema de projeções, para definição dos municípios confrontantes, desenhado pela norma legal nada diz sobre os reais impactos da atividade sobre o território. A confrontação, como princípio para rateio das rendas do petróleo, desprestigia alternativas que, sob o ponto de vista dos impactos sócio-ambientais, nos parece mais equânimes: i) os comportamentos das correntes e dos ventos poderiam ser estudados (como já o são para os Relatórios de Impacto Ambiental relacionados ao licenciamento das atividades de produção na plataforma continental) para delimitação de áreas potencialmente atingíveis por eventuais derramamentos de óleo; ii) o real impacto da atividade petrolífera sobre o território poderia ser verificado por indicadores fartamente oferecidos no país, tais como a presença de empresas ligados ao setor ou o número de trabalhadores vinculados a este; iii) uma distribuição de pesos no rateio das rendas do petróleo que ampliasse a importância de critérios já incorporados na legislação, tal como a movimentação de petróleo e gás nos municípios que detêm instalações para este fim (ver Tabela 3). Para além destas alternativas, cabe ainda questionar-se sobre a justeza de uma maior difusão espacial das rendas petrolíferas. No âmbito nacional, estaríamos falando de uma pulverização destas receitas para o conjunto dos municípios brasileiros, repetindo-se os mesmos critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios, tal como proposto, como se verá, pela Emenda Ibsen/Simon. Mas também no âmbito das Unidades da Federação poderia ser proposta uma maior pulverização destes recursos, assumindo desenhos de repartição que incorporassem um sistema de tetos. Assim, com um sistema de tetos poderia ser evitado que alguns municípios beneficiários das rendas do petróleo atingissem orçamentos per capita muitas vezes maiores que a média estadual, o que se apresenta como uma iniqüidade ainda maior quando se observa que muitos desses sequer são negativamente impactados pelas atividades petrolíferas. Outro argumento muito utilizado em defesa das regras atuais trata de justificar os royalties destinados aos estados e municípios hoje beneficiados como uma compensação à imunidade tributária sobre as operações interestaduais de petróleo e gás. De fato, o artigo 155, § 2º, inciso X, alínea "b", da Constituição Federal de 1988, dispõe que o ICMS incidente sobre petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando os mesmos são destinados a outros estados, não pertence ao estado de origem. Ou seja, enquanto o conjunto das 11 Embora não podemos deixar de traduzir que quando fazemos esta opção estamos descartando alternativas de aplicação destes recursos pelo governo federal, por exemplo, de financiamento de uma profunda política nacional de apoio às fontes renováveis de energia.
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mercadorias transacionadas entre estados deixa a maior parte do ICMS nos estados de origem, e uma menor parte nos estados de destino, as operações com as mercadorias listadas acima reservam o ICMS integralmente aos estados de destino. Tal argumento, entretanto, embora tenha validade explicativa do ponto de vista histórico, deixa a desejar em termos de racionalidade econômica. A tributação no destino é a norma mais aceita no mundo, pois garante que o imposto seja recolhido pelo estado em que vive o pagador de imposto. Portanto, nada mais justo que os combustíveis e derivados de petróleo sejam tributados no destino, como no Brasil. Se há ajuste a ser feito, é nas demais mercadorias tributadas pelo ICMS que têm parte de sua receita apropriada na origem. Essa mudança, aliás, é uma das principais medidas previstas nas últimas tentativas de reforma tributária. E, se caminhamos no sentido de eliminar toda e qualquer tributação na origem, não há mais por que se falar em compensação aos estados produtores de petróleo via royalties. (Gobetti e Serra, 2009) Participações Especiais (PE) Apenas a distribuição dos royalties não é suficiente para explicar o quadro das receitas orçamentárias dos municípios litorâneos do Norte Fluminense e das Baixadas Litorâneas, como demonstrado na Tabela 2. A Participação Especial , precisa ser incluída na presente análise, uma vez que significou, no ano de 2010, uma distribuição aos municípios da ordem de R$ 1,17 bilhão. Distribuição esta que agrava a questão da concentração espacial das rendas do petróleo, aludida no item anterior, uma vez que a PE possui como único critério de distribuição aos municípios o conceito de confrontação com campos. Desta forma, do total de PE distribuído em 2010 aos municípios, R$1,1 bilhão (94%) destinaram-se aos municípios do Rio de Janeiro, sendo R$ 615,4 milhões (53%) para o município de Campos dos Goytacazes (ANP b: 2011), em função do número de campos petrolíferos situados no interior de suas projeções ortogonais na plataforma continental, como visto na Figura 1. A PE, com alíquota de até 40%, diferentemente dos royalties, não incidem sobre o valor da produção, mas sim sobre a receita líquida dos campos de elevada produção. Receita líquida esta resultante da subtração da receita bruta pelos valores dedutíveis, segundo normatização e fiscalização da ANP, os quais incluem, entre outros: os custos de exploração e produção, os royalties e o bônus de assinatura pagos. Mesmo incidindo sobre a receita líquida, apenas dos campos de grande produção, as PE, hoje, é responsável pela arrecadação de quantia superior aos royalties. No ano de 2010, as PE somaram R$ 11,7 bilhões, cuja repartição se dá de acordo com os seguintes percentuais:
□ 40% ao Ministério de Minas e Energia; □ 40% aos Estados Produtores (confrontantes); □ 10% ao Ministério do Meio Ambiente;
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 56
□ 10% aos Municípios Produtores (confrontantes) – o que representou, em 2010, os R$ 1,17 bilhões citados anteriormente
2. A cronologia da recente disputa pelas rendas petrolíferas
Já há alguns anos que a anual Marcha dos Prefeitos em Brasília, de caráter municipalista, vem procurando introduzir em sua pauta a questão da redistribuição das rendas do petróleo. Contudo, como ensina a lógica da ação coletiva de Olson (1999) e as contribuições de Skocpol e Fiorina (1999), a partir de estudos empíricos, os pequenos grupos que são ativos e organizados conquistam os benefícios legislativos que os grupos maiores, mas desorganizados e inativos não conseguem, gerando distorções graves no processo democrático, já que as visões e prioridades pleiteadas pelos pequenos grupos de interesse que pressionam politicamente geralmente não representam as visões e prioridades daqueles que não participam ou que são desorganizados. Na perspectiva teórica de Olson, vale lembrar que o autor afirma que grupos de interesses, em certos casos, precisam de uma organização formal para juntar forças em prol de um objetivo comum. (Serra, Terra e Pontes: 2006) Com estas referências deseja-se especular, entre outras hipóteses aqui não exploradas, que o Estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e os seus municípios beneficiários, constituíram ações bem sucedidas de lobbies e advocacy groups, que lograram barrar algumas tentativas anteriores de modificação nas regras de rateio das rendas petrolíferas. O retorno à análise das Tabelas 1 e 2 mostram que existe um enfrentamento entre poucos beneficiários (organizados) que têm muito à perder com as mudanças nas regras de distribuição das rendas petrolíferas e muitos não-beneficiários que, ao final das contas, têm pouco a ganhar, já que sua principal conquista seria uma pulverização das rendas entre todos os Estados e Municípios da Federação. Mas, cabe o exercício provocativo, indagar se as regras vigentes de rateio das rendas do petróleo não teriam atingido o seu limite, em termos de iniqüidades nesta distribuição. Agora, com a magnitude das rendas petrolíferas distribuídas atualmente, e com as perspectivas da produção no pré-sal, não passariam os não-beneficiários a terem muito a ganhar com as mudanças?
Independente da aceitação desta hipótese, o fato é que a disputa pelas rendas do petróleo atingiram, após a decisão de erguer-se um novo marco regulatório setorial, níveis inéditos de conflito.
Quando o Executivo Federal, após o anúncio do pré-sal, propôs o novo marco regulatório, a partir dos quatro projetos de lei, listados abaixo, a estratégia era deixar intactas as regras de distribuição das rendas do petróleo, a fim de evitar maiores resistências ao processo de aprovação que se queria célere. Isto é, a estratégia era aprovar primeiramente o regime de partilha, com maior controle e maior participação da União sobre a atividade, postergando a inevitável negociação da apropriação das rendas petrolíferas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 57
• PL 5.938/09 (Dispõe sobre o regime de partilha de produção no Pré-Sal e Áreas Estratégicas)
• PL 5.939/09 (Autoriza a criação da Petro-Sal). • PL 5.940/09 (Cria o Fundo Social). • PL 5.941/09 (Autoriza a cessão onerosa da União para a Petrobrás de E&P e
àquela a subscrever ações da Petrobrás). (Oliveira: 2010)
Tão inadiável era este debate que o Relator do PL 5.938/09, Deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), não consegui “segurar” a vontade dos representantes dos não-beneficiários das rendas do petróleo, tendo que introduzir uma nova regra de rateio para o regime de partilha, conforme Tabela 4, no seguinte formato:
• A alíquota dos royalties seria elevada de 10% para 15% nas áreas do pré-sal;
• Para os contratos (já licitados e a serem licitados) fora da área do pré-sal a alíquota continuaria a ser de 10%, e as regras permaneceria como as vigentes;
• Para os contratos de partilha da produção na área do pré-sal a alíquota seria de 15% e os royalties seriam pulverizados entre o conjunto dos estados e municípios brasileiros, não havendo incidência de PE;
• Para os contratos de concessão na área do pré-sal a alíquota seria de 15% e os royalties seriam menos concentrados nos estados e municípios produtores (confrontantes), não havendo incidência de PE;
O PL 5938/09, com a redação final traduzida pelos itens acima, foi fortemente criticado por ambos os lados, sendo o Governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, o principal protagonista da reação pelo lado dos atuais grandes beneficiários. A Emenda Ibsen, ao PL em comento, de autoria do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), por sua vez, traduziu o desejo dos não beneficiários das rendas do petróleo, tendo o condão de pulverizar integralmente entre o conjunto dos estados e municípios brasileiros os royalties e as participações especiais, tanto para os contratos de partilha como para os contratos de concessão.
Com esta Emenda Ibsen, o PL 5938/09 foi encaminhando ao Senado, sob a forma do Projeto de Lei da Câmara – PLC 16/2010, no qual foi alvo de um substitutivo de autoria do Senador Pedro Simon (PMDB-RS), no qual incrementava um ressarcimento pela União das eventuais perdas trazidas aos estados e municípios produtores (confrontantes), sem precisar (normatizar) como se efetivaria tal ressarcimento.
Este último desenho da repartição das rendas do petróleo, Emenda Simon, foi incorporado ao PLC 07/2010, tramitando no Senado, que originalmente apenas cuidaria da criação do Fundo Social, e passou também a tratar do novo regime de partilha de produção. Enfim, o artigo 64 do PLC 07/2010, trouxe uma máxima
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distribuição das rendas do petróleo entre o conjunto dos Estados e Municípios brasileiros, de acordo com os mesmos critérios, respectivamente, do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios. Isto é, eliminava-se os conceitos de estados e municípios produtores (confrontantes), relativos à produção de petróleo e gás natural na plataforma continental, pulverizando radicalmente as rendas do petróleo.
O PLC 07/2010 foi aprovado, na forma da Lei 12.351/2010, contudo tendo o artigo 64 vetado pelo presidente da república. Justamente o artigo que tratava da nova (e pulverizada) distribuição das rendas do petróleo.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 59
Tabela 4 – Distribuição das Rendas do Petróleo segundo Propostas em Disputa.
Alíquota entre 5% e 10%
Alíquota = 15%
Abrangência: Regime de Concessão fora da Área do Pré‐Sal
Abrangência: Regime de
Concessão na Área do Pré‐Sal
5% >5% 5% >5% 5% >5% 5% >5%União 0,0% 25,0% 20,0% 40,0% 15,0% 22,0% 20,00% 20,00% 40,00%Estados Produtores/Confrontantes * 52,5% 52,5% 22,5% 22,5% 20,0% 0,0% 26,25% 0,00% 0,00%Municípios Produtores e Área Geoeconômica* 37,5% 15,0% 37,5% 22,5% 10,0% 0,0% 18,00% 0,00% 0,00%Município com/afetado por Instalações 10,0% 7,5% 10,0% 7,5% 5,0% 0,0% 5,00% 0,00% 7,50%FEP Estados 0,0% 0,0% 2,0% 1,5% 25%** 39,0% 22%*** 40,00% 26,25%FEP Municípios 0,0% 0,0% 8,0% 6,0% 25,0% 39,0% 8,75% 40,00% 26,25%Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,00% 100,00% 100,00%
** O Fundo Especial dos Estados constituído pelos royalties incidentes sobre a produção marítima na área do pré‐sal não incorpora os Estados Confrontantes com poços/campos na Plataforma Continental
Beneficiários
PL 5938/09 (Redação Final)
Idem
Regras V
igen
tes
Terra
Abrangência: Regime de Concessão e Partilha
Alíquota entre 5% e 10%
Terra
Regras Vigentes
Alíquota = 15%
Mar
Abrangência: ConcessãoAbrangência: Regime de Partilha
Substitutivo do Senado ao PLC 07/2010 (Emenda
Simon)
Idem
Regras V
igen
tes
* Já incorporada a transferência aos Municípios de 25% da parcela de royalties de 5% distribuída aos Estados. O conceito de área geoeconômica não permanece na redação final do PL 5938/09.
Alíquota entre 5% e 10%
Terra Mar Mar Mar
** O Fundo Especial dos Estados constituído pelos royalties incidentes sobre a produção terrestre não incorpora os Estados Confrontantes com poços/campos na Plataforma Continental
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 60
O Veto Presidencial ao artigo 64 do PLC 07/2010, deixou uma lacuna na Lei 12.351/2010, que trata do novo regime de partilha e cria o Fundo Social, qual seja: a distribuição das rendas do petróleo. Tal lacuna impede, em última instância, que sejam licitadas novos blocos petrolíferos, uma vez que não estaria regulada a forma de distribuição das rendas do petróleo.
Em virtude desta lacuna o Executivo apresentou o PL 8051/2010, o qual deixa intactas as regras dos contratos (de concessão) vigentes, propondo uma alíquota dos royalties de 15% para o regime de partilha (sem a incidência de PE), a ser distribuída da seguinte forma:
- 25% aos estados produtores confrontantes (contíguos à área marítima, que no prolongamento de seus limites contenham os poços produtores);
- 6% aos municípios produtores confrontantes;
- 3% aos municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, na forma e critério estabelecidos pela ANP;
- 22% para constituição de fundo a ser distribuído entre todos os estados e DF, excluídos os produtores, de acordo com o critério de repartição do FPE;
- 22% para constituição de fundo a ser distribuído entre todos os municípios, de acordo com o critério de partilha do FPM;
- 19% para a União, a ser destinado ao Fundo Social, deduzidas as parcelas destinadas aos órgãos específicos da administração direta da União; e
- 3% para constituição de fundo especial, a ser criado por lei, para o desenvolvimento de ações e programas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e proteção ao ambiente marinho.
Considerações Finais
Este rateio, trazido pelo PL 8051/2010, que procura cobrir a lacuna do veto ao artigo 64 da Lei 12.351/2010, finalmente, trata de respeitar o “acordo” feito entre o Presidente Luis Inácio Lula da Silva e o Governador Sérgio Cabral, em que o Executivo não deixaria “falir” o Estado do Rio de Janeiro, estratégico, no período de campanha presidencial, não só em função do seu colégio eleitoral, mas também em função das políticas nacionais a serem ali concretizadas, como a ocorrência da Copa do Mundo/2014 e das Olimpíadas/2016.
Como a representação dos parlamentares dos estados não-beneficiários é muito maior do que a dos hoje beneficiários das rendas petrolíferas (Rio de Janeiro,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 61
Espírito Santo e São Paulo12) parece favas contadas tanto a estratégia de derrubada do veto presidencial – que restabeleceria o artigo 64 à Lei 12.351, isto é pulverizaria integralmente as rendas do petróleo – como a alternativa de emendar o PL 8051/2010, no intuito de reformulá-lo de acordo com os interesses dos que defendem a pulverização.
A radical pulverização das rendas do petróleo entre o conjunto dos estados e municípios brasileiros, cotada para vencer na tramitação das duas estratégias aludidas acima, carece de alguns requisitos básicos para o equilíbrio federativo. Primeiramente não prevê uma regra de transição, digamos diluídas entre 5 a 10 anos, para estas radicais modificações no rateio desta expressiva riqueza. Foi visto, afinal, independente da justeza ou não do fato, como as rendas do petróleo são importantes para o orçamento de alguns dos entes hoje beneficiários das rendas do petróleo.
Em segundo lugar, a proposta de radical pulverização das rendas do petróleo concretiza a conhecida prática de jogar fora o bebê com a água da bacia. Se, por um lado, é salutar eliminar o sobrefinanciamento de alguns beneficiários pelo motivo único da proximidade física em relação aos campos marítimos, por outro, parece extremamente indesejável que se elimine a compensação dos Estados e Municípios cujos territórios são efetivamente impactados pela atividade petrolífera.
Se não houver espaço para que estas duas questões basilares (afora outras questões subsidiárias) sejam equilibradamente nestas estratégias de votação da distribuição das rendas do petróleo o desfecho mais provável será a judicialização da matéria, no STF, de onde apenas pode ser cogitado como resultado uma extensão temporal desta celeuma.
Referências Bibliográficas
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12 São Paulo é um Estado que, na verdade, não perderia receitas com a Emenda Simon, mas deixaria de ganhar substantivas rendas petrolíferas com a extensão futura da fronteira de exploração em direção à Bacia de Santos. Portanto, no longo prazo, São Paulo seria também beneficiado pela manutenção das regras atuais de distribuição das rendas petrolíferas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 62
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 63
De Sonhos e Conflitos: A Disputa Federativa em Torno aos Royalties do Pré-sal
Napoleão Miranda1
Como é hoje do conhecimento de uma parcela importante da população
brasileira, um intenso debate nacional foi estabelecido a partir da
descoberta, pela Petrobrás, de uma ampla reserva de petróleo e gás na Bacia
de Campos cujo potencial, especula-se, teria o condão de transformar o Brasil
no 6° maior produtor de petróleo do mundo em função das reservas
disponíveis.
Conhecida como Pré-Sal, devido à profundidade de mais de 7.000
metros em que se encontra este reservatório, para além de uma camada de
sal no leito do oceano Atlântico, a descoberta despertou, imediatamente, o
interesse, não somente do Governo do Estado do Rio de Janeiro e dos
municípios que se beneficiam ou que dependem do pagamento de royalties
gerados pela exploração do petróleo na região, como também de muitos
outros estados e municípios brasileiros que viram na futura renda a ser gerada
pela produção do Pré-sal uma importante fonte de recursos para o
desenvolvimento econômico de suas respectivas entidades federativas.
A partir desta descoberta, forças políticas se mobilizaram no Governo
Federal e no Congresso Nacional para a propositura de modelos de partilha,
que resultaram em uma Medida Provisória e em dois Projetos de Lei que
deflagraram um conflito federativo como há muito não ocorria no país.
Dois grupos disputam o imaginário coletivo criado em torno da riqueza
futura do Pré-sal: aqueles que defendem um novo modelo de distribuição das
riquezas geradas pela exploração do petróleo no país, e aqueles que
defendem a manutenção do modelo atual que beneficia aos estados e
municípios diretamente afetados pela produção de petróleo no Brasil.
De um lado, estão os que argumentam que tal riqueza deveria ser
usada em benefício de todos os brasileiros e não somente daqueles que vivem 1 Professor do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 64
nos estados e municípios produtores, já que a camada do Pré-sal localiza-se
no mar territorial brasileiro e não no território de qualquer estado ou
município. De outro, estão aqueles que acreditam que, sofrendo o impacto
direto ou indireto do processo de exploração do petróleo, os recursos dos
royalties e das participações especiais devem ficar, essencialmente, nestas
regiões para compensar os efeitos negativos que esta produção traz para seus
territórios na forma de migração crescente, poluição ambiental, especulação
imobiliária, incremento da criminalidade e da violência, entre outros.
Como é possível perceber de imediato, este debate está eivado de
interesses que ultrapassam em muito os próprios termos em que está
colocado, na medida em que envolve disputas políticas, interesses econômicos
poderosos, expectativas sociais de melhoria de vida, além de uma importante
discussão em torno da correta interpretação constitucional a ser dada à
questão da partilha dos recursos gerados pela exploração do petróleo no país.
Nas páginas que seguem, buscaremos explorar algumas das questões
que se colocam atualmente neste debate, com o propósito de destacar os
efeitos possíveis de uma mudança no padrão de distribuição da riqueza do
petróleo, além de chamar a atenção para uma das facetas que se encontra,
estranhamente, ausente nestes tempos de grande discussão mundial em torno
da questão das mudanças climáticas: o efeito potencialmente desastroso que
o uso dos bilhões de barris de petróleo do Pré-sal deverão ter sobre a
produção de gases de efeito estufa causadores do aquecimento do planeta,
com amplas repercussões sobre a biodiversidade e a vida de milhões de
pessoas em todo o mundo.
1. O Pré-sal: Características Principais.
O assim chamado Pré-sal é uma porção do subsolo brasileiro situado na
plataforma marítima continental que se encontra sob uma camada de sal
situada alguns quilômetros abaixo do leito do mar. Acredita-se que o pré-sal
possui grandes reservatórios de óleo leve, de melhor qualidade e que produz
petróleo mais fino, ocupando uma área que se estende por 800 quilômetros do
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 65
litoral brasileiro, desde Santa Catarina até o Espírito Santo, chegando a
atingir até 200 quilômetros de largura2, como pode ser visto na figura abaixo3.
O potencial estimado desta camada equivaleria a cerca de 1,6 trilhão
de metros cúbicos de gás e óleo, total este que superaria em mais de cinco
vezes as reservas atuais do país. Só no campo de Tupi (porção fluminense da
Bacia de Santos), haveria cerca de 10 bilhões de barris de petróleo, o
suficiente para elevar as reservas de petróleo e gás da Petrobras em até 60%.
O total estimado até o momento permitiria que o país passasse a ocupar a 6ª
posição entre os países produtores de petróleo no mundo, atrás somente dos
países do Oriente Médio, onde se encontram as maiores jazidas comprovadas4.
Algumas especulações mencionam ainda um total de 100 bilhões de
barris de petróleo no Pré-sal. Se considerarmos que o preço do barril
atualmente gira em torno de U$ 90,00 (noventa dólares) pode-se facilmente
inferir o montante de riqueza potencial que o Pré-sal poderá, 2 Revista Veja, setembro/2009, disponível em: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/pre-sal/index.shtml 3 Folha Online. “Entenda o que é a Camada Pré-sal”, disponível em: http://www.folha.uol.com.br/, de 31/08/2009, acesso em 01/12/2010. 4 Ibid.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 66
potencialmente, representar no futuro: nada menos que U$ 9 trilhões,
equivalentes a 5 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2010!
Por motivos óbvios, este montante potencial de riqueza despertou
muito interesse, especialmente entre governadores, prefeitos, deputados e
senadores de todo o país, seja dos estados e municípios produtores, seja
daqueles que não estão diretamente relacionados com a produção do
petróleo, em razão da possibilidade de projeção do uso destes recursos para o
desenvolvimento de seus respectivos estados e municípios, portanto, de suas
bases eleitorais, elemento central do cálculo político destes agentes.
Neste cálculo não entrou, pelo menos até o momento, a possibilidade
de que o custo da exploração destes recursos se torne proibitivo, ou mesmo
que, em razão da necessidade de uma mudança na matriz energética devido
às mudanças climáticas, o uso de combustível fóssil deixe de ser interessante
economicamente ou mesmo que represente um alto custo político e
ambiental.
Toda a estratégia adotada até agora tem sido a de considerar que o
fluxo esperado de riqueza do Pré-sal efetivamente se materializará e,
portanto, é preciso desde já assegurar um lugar privilegiado, ou, pelo menos,
algum lugar à mesa da sua distribuição. Esta expectativa, no entanto, tem
que passar pela edição e promulgação de leis que regulamentem com clareza
a participação de cada ente federativo neste festim futuro. À discussão deste
aspecto nos dedicaremos à continuação.
2. Aspectos Jurídicos da Distribuição da Riqueza do Petroleo no Brasil.5
A distribuição de royalties derivados da produção de petróleo no país
foi estabelecida já no momento mesmo da criação da Petrobras com a Lei
2.004/53, a qual estabelecia o pagamento de 5% de royalties aos estados e
territórios os quais deveriam, também de acordo com a lei, destinar 20%
destes recursos aos municípios envolvidos neste processo. A participação dos
5 Esta parte do texto se beneficiou em grande medida da leitura do parecer do Professor Luis Roberto Barroso, elaborado a pedido do Governo do Estado do Rio de Janeiro: “Alterações nos Royalties são Inconstitucionais”, no qual o eminente constitucionalista defende a manutenção da atual distribuição dos royalties do petróleo, em beneficio dos estados e municípios produtores, entre os quais o estado do Rio de Janeiro. O texto do parecer está disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-jul-14/alteracoes-distribuicao-royalties-sao-inconstitucionais. Acesso em 02/12/2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 67
municípios, por sua vez, ficou definitivamente consagrada na Lei 3.257/57 a
qual determinava que o pagamento dos royalties deveria ser feita
diretamente aos municípios, evitando, dessa forma, conflitos políticos entre o
governo dos estados e as administrações municipais, mormente quando o
prefeito pertencia a algum partido de oposição ao governador.
A produção legislativa em torno a este tema tem sido relativamente
frequente nos últimos anos, acompanhando a crescente importância da
riqueza gerada pela exploração do petróleo no país, e os conflitos em torno à
sua distribuição.
Neste sentido, a Lei 7453/85, irá estabelecer também a distribuição de
5% de royalties do petróleo para os estados e municípios confrontantes com
aqueles diretamente envolvidos na sua exploração, mas que, por diversas
razões, são também afetados por ela. A mesma lei irá também fixar que, caso
a exploração se realize na plataforma continental, deverá ser destinado 1% de
royalties para um Fundo Especial que irá distribuir estes recursos entre todos
os estados e municípios do país.
A delimitação e caracterização do envolvimento dos diferentes
municípios na exploração do petróleo foi feita, por sua vez, pela Lei 7525/86
que definiu uma Zona Geoeconômica, da qual consta as zonas de produção
principal, secundária e limítrofe, cabendo aos entes federados nela
localizados a participação nos royalties do petróleo.
Um novo marco no tema da participação dos entes federativos na
riqueza do petróleo foi dado com a Constituição Federal de 1988 a qual, no
seu Artigo 20, § 1°, assegura aos estados, aos municípios e ao Distrito
Federal, nos termos da lei, a participação na riqueza gerada pela exploração
do petróleo e do gás natural, entre outros recursos naturais, ou a
compensação financeira por essa exploração. O dispositivo constitucional foi,
por sua vez, regulamentado pelo artigo 7º da Lei 7.990/89, que novamente
explicitou o dever de se pagar uma compensação financeira aos estados e
municípios em cujo território se fizesse a lavra, bem como àqueles
confrontantes às áreas de produção marítima, no montante de 5% do valor da
produção. A lei, no entanto, embora mantendo o Fundo Especial criado pela
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 68
Lei 7.453/85, vai reduzir o percentual a ele destinado, fixando-o em 0,5%6. O
tema dos royalties foi também objeto de outras normatizações, como o
Decreto nº 2.705/1998 que, no seu Art. 11º assim define o tema: “Os royalties
constituem compensação financeira devida pelos concessionários de
exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos
mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a
respectiva data de início da produção”.
No entanto, a grande polêmica recente em torno à distribuição dos
royalties do petróleo ocorreu a partir da necessidade de regulamentação dos
mecanismos de exploração do Pré-sal, o que deu origem a várias iniciativas de
lei do Governo Federal e também a propostas oriundas da Câmara de
Deputados, com a Emenda do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB/RS), e do
Senado Federal, com a Emenda apresentada pelo Senador Pedro Simon
(PMDB/RS).
Por parte do Governo Federal foram propostos os seguintes projetos de
lei (PLs) com os respectivos objetivos:
- PL 5938/09: Regime de Partilha da exploração e produção de
petróleo e gás;
- PL 5939/09: Criação da PETRO-SAL (empresa que irá gerir os recursos
gera- dos pela exploração do Pré-sal)
- PL 5940/09: Criação do Fundo Social, para aplicação em programas e
projetos
de educação, cultura, ciência e tecnologia e sustentabilidade
ambiental
- PL 5941/09: Capitalização da Petrobras, voltada para a captação de
recursos
públicos e privados para viabilizar o início das atividades de
exploração do
Pré-sal.
Por sua vez, o Poder Legislativo elaborou projetos de Lei
Complementares (PLCs) com destaque para os seguintes:
6 Luís Roberto Barroso, op.cit., pg. 4.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 69
- PLC 16/2010 - Emenda do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB/RS), que a
respeito da distribuição dos royalties propõe:
- “Artigo 45:..., Ressalvada a participação da União, a parcela
restante dos royalties e participações especiais oriundos dos contratos de
partilha de produção e de concessão de que trata a Lei 9.478, de 6 de agosto
de 1997, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou
zona econômica exclusiva, será dividida entre estados, Distrito Federal e
municípios da seguinte forma: 50% para constituição de Fundo Especial a ser
distribuído entre todos os estados e o Distrito Federal, de acordo com os
critérios de repartição do fundo de Participação dos Estados (FPE); e 50% para
constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os municípios, de
acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM)”;
- PLC 7/2010 – Emenda do Senador Pedro Simon (PMDB/RS), a qual é
bastante semelhante à Emenda do Deputado Ibsen Pinheiro, ressalvando os
municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo
e gás natural, a serem compensados pela União. Dessa forma, propõe:
- “Artigo 64: Ressalvada a participação da União, bem como a
destinação prevista na alínea ‘d’ do inciso II do artigo 49 da Lei 9.478, de
1997, a parcela restante dos royalties e participações especiais oriunda dos
contratos de partilha de produção ou de concessão de que trata a mesma lei,
quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona
econômica exclusiva, será dividida entre estados, Distrito Federal e
municípios da seguinte forma: 50% para constituição de fundo especial a ser
distribuído entre todos os estados e Distrito Federal, de acordo com os
critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE); e 50%
para constituição de fundo especial a ser distribuído entre todos os
municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM)”7.
Argumentando pela inconstitucionalidade destas propostas, em
particular no que se refere à mudança nas regras de distribuição dos royalties
7 Ibid., pg. 2.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 70
das áreas de exploração já licitadas e contratadas, e na defesa da atual
distribuição dos royalties, o Prof. Luís Roberto Barroso, após análise da
jurisprudência já produzida pelo Supremo Tribunal Federal a respeito do
tema, vai afirmar: “Note-se bem, na linha da clara posição do STF, que o
direito a royalties não decorre quer da propriedade do recurso — que sempre
é da União — quer da titularidade direta da área de produção, mas da
circunstância de o estado e o município estarem na esfera de impacto
ambiental e socioeconômico da atividade, por se tratar de seu território ou
por serem confrontantes da área de exploração. [...] Tais receitas pertencem,
de direito, aos estados e municípios envolvidos, e substituem as que lhes
caberiam a título de ICMS, dentro da sistemática adotada pela Constituição. O
principal propósito do artigo 20, § 1º é compensar os estados e municípios
pelos impactos ambientais e socioeconômicos decorrentes de uma atividade
de interesse nacional, proporcionando-lhes condições de prevenir riscos e de
atender ao aumento da demanda por serviços públicos.”8
Além destes argumentos, o autor afirma ainda que, se adotadas as
propostas contidas nas propostas dos representantes do PMDB/RS, elas
violariam alguns princípios constitucionais importantes que, na sua opinião,
orientaram o legislador constitucional na elaboração do Artigo 20, § 1°, da
Constituição, em particular:
1. Violação do Princípio da Isonomia ou da Igualdade ao dar
tratamento semelhante aos estados produtores e não produtores
2. Violação do Princípio da Segurança Jurídica: incidência das novas
regras inclusive sobre as áreas já licitadas sob regime de concessão, e com
contratos em plena vigência;
3. Violação do Princípio Federativo, com supressão de receita que
compromete a autonomia financeira dos estados produtores9.
Os componentes jurídicos e legais, embora de extrema importância no
atual contexto brasileiro de um Estado Democrático de Direito, não são,
contudo, os principais fatores a serem considerados neste processo, já que os
8 Ibid., pg. 8. 9 Ibid., pgs. 8-13.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 71
determinantes de caráter político ocupam, em nossa opinião, o lugar central
da disputa deflagrada pela descoberta do petróleo do Pré-sal.
3. Aspectos Políticos da Distribuição dos Royalties: o Conflito Federativo.
A apresentação da proposta do Marco Regulatório do Pré-sal, pelo
Governo Federal, e as propostas elaboradas pelos parlamentares do Rio
Grande do Sul, já votadas e aprovadas no Congresso Nacional, provocou a
imediata reação dos estados produtores de petróleo, em especial do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo os dois maiores produtores de petróleo e que
seriam os mais afetados pela mudança na distribuição dos royalties.
O conflito em questão assumiu rapidamente os contornos de uma cisma
federativa, opondo, de um lado, os estados e municípios
produtores/beneficiários diretos da exploração do petróleo, e, de outro, o
conjunto dos demais estados e municípios que, na atual configuração da
exploração do petróleo no país, são beneficiários menores, indiretos, da
riqueza gerada por essa exploração. Para se ter uma ideia dos montantes
envolvidos, só no ano de 2010 – até novembro - foram distribuídos cerca de R$
9,1 bilhões em royalties no país, dos quais R$ 2,7 bilhões foram distribuídos
para os estados produtores e R$ 3,1 bilhões para municípios de diversos
estados da Federação10.
A questão federativa no Brasil – ou seja, o conflito distributivo dos
diversos impostos cobrados no país, envolvendo a União, os Estados e os
Municípios – é antigo, e é parte constitutiva da nossa história. Ao contrário da
forma de estruturação da federação nos Estados Unidos, por exemplo, na qual
se estabeleceu um verdadeiro equilíbrio entre a União e os estados federados,
com a construção de um verdadeiro processo de controle mútuo entre todos
os entes, na lógica dos “checks and balances” buscando estabelecer, ao
mesmo tempo, uma dinâmica de competição e cooperação saudável, no Brasil
deu-se uma construção federativa na qual estes objetivos foram mitigados
pelos conflitos entre os entes federativos.
10 Agência Nacional de Petróleo (ANP), disponível em: http://www.anp.gov.br/?id=522, acesso em 12/01/2011.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 72
Dessa forma, no nosso caso são claramente observáveis características
que contribuem muito para facilitar o conflito federativo, tais como:
- Assimetria entre os estados no plano político, econômico, social, e
também dos recursos naturais disponíveis em seu território;
- Multipolaridade: competição não-cooperativa, estimulando um
conflito que se manifesta em diferentes níveis: naiconal, regional,
microrregional, o qual varia ao sabor dos diversos interesses conjunturalmente
definidos;
- A introdução, na Constituição Federal de 1988 do Município como ente
federativo, atribuindo-lhe uma série de competências, obrigações e direitos,
entre os quais, no caso em tela, o de participar nos benefícios derivados da
exploração do petróleo, conforme o Artigo 20, §1°, já citado.
A estrutura de distribuição dos royalties e das participações especiais
instituída pela crescente normatização do setor petrolífero, apresentada
brevemente acima, contribuiu para a institucionalização de uma progressiva
dependência financeira de estados e municípios, principalmente, dos recursos
dos royalties – recebidos através, respectivamente, do Fundo de Participação
dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) -, fazendo
com que muitas propostas de políticas públicas nas áreas de educação, saúde,
segurança, habitação, e também de melhoria salarial dos servidores públicos,
esteja atrelada à continuidade do pagamento destes recursos. No caso do Rio
de Janeiro, um exemplo desta dependência financeira pode ser apreciado no
quadro abaixo, elaborado a partir de dados do Tribunal de Contas do Estado
(TCE).
Tipo de Receita
Buzios Campos R.Ostras Quissamã Macaé C.Frio Média
Transf. ERJ 16,7% 14,5% 8,9% 22,3% 18,5% 21,3% 17,1%
Transf. União 9,1% 3,3% 3,3% 4,9% 4,1% 8,8% 5,6%
Outras Rec Corr.
5,3% 2,1% 2,1% 2,4% 4,6% 4,8% 3,6%
Rec. Serv e Contr.
0,7% 1,1% 1,3% 0,1% 2,0% 1,9% 1,2%
Rec. Tributárias
16,7% 5,4% 7,8% 3,2% 20,3% 11,2% 10,8%
Rec. Patrimoniais
1,0% 3,3% 6,3% 1,0% 2,0% 1,5% 2,5%
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 73
Royalties 50,4% 69,9% 70,1% 66,1% 48,5% 50,5% 59,2
Receitas de Capital
0,1% 0,4% 0,2% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1
Total de Receitas
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Estudos sócio-econômicos – TCE-RJ11
Assim, qualquer possível ameaça à entrada destes recursos representa
um grande problema político e social, resultando em imediata reação
contrária. Foi o que se viu, no caso das propostas de distribuição dos royalties
Pré-sal, com a mobilização de mais de 100 mil pessoas, no Rio de Janeiro, no
mês de março de 2010, em manifestação convocada pelo Governo do Estado
do Rio de Janeiro, com o apoio de vários partidos políticos, de organizações
da sociedade civil e do empresariado fluminense.
A lógica federativa brasileira, na prática, implica na construção de uma
estrutura que, com frequência, coloca em lados opostos a União e os Estados,
assim como os Estados em conflito entre si, e também com os municípios. O
exemplo histórico mais claro deste conflito é a guerra fiscal entre estados e
municípios na tentativa de atrair investimentos – em geral das grandes
indústrias automobilísticas -, concedendo isenção de impostos diversos, entre
outras facilidades, numa lógica que só cobra sentido do ponto de vista
estritamente local, sendo, no entanto, conflitiva e não-cooperativa em uma
perspectiva nacional12.
Neste contexto, a descoberta do potencial petrolífero da camada do
Pré-sal só fez intensificar a lógica conflitiva do nosso federalismo colocando,
em lados opostos, uma coalizão de estados/municípios não produtores X os
estados/municípios produtores de petróleo. Sob o argumento de que os
recursos do Pré-sal pertencem à União – embora os recursos petrolíferos
explorados em terra firme também pertençam a ela -, os defensores de uma
distribuição diferente dos royalties derivados da sua exploração lograram
introduzir na agenda pública brasileira a necessidade de uma rediscussão em
torno desta questão, ainda que o Presidente Lula, em um dos seus últimos
11 Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/15019/despesas-com-pessoal-e-os-royalties-do-petroleo/1 12 ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e Contexto Federativo Brasileiro”, in, Série “Pesquisas”, Fundação Konrad Adenauer, 1998, Vol. 12, São Paulo, pgs. 49-54. O texto também é uma excelente referência para o estudo da questão federativa no Brasil.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 74
atos como governante, tenha vetado da proposta de distribuição aprovada
pelo Congresso Nacional os artigos que modificavam a estrutura distributiva
vigente, em especial a que se refere aos contratos de exploração do Pré-sal já
assinados com a Petrobrás e outras empresas.
Esta vitória, no entanto, poderá ser só momentânea e limitada somente
aos contratos já assinados do Pré-sal, mas sem efeito sobre as áreas ainda não
licitadas para exploração, em razão dos grandes e diversos interesses que
estarão em jogo quando isso vier a ocorrer. Assim, o resultado provável deste
processo é que a União, os estados e os municípios produtores deverão ter, no
futuro, uma menor participação nos royalties derivados da exploração do Pré-
sal, os quais serão distribuídos de forma menos concentrada entre os demais
entes da Federação.
3. A Questão Ambiental: o Pré-sal e as Mudanças Climáticas.
Um dos elementos relativamente ausentes de todo este debate em
torno à exploração dos recursos do Pré-sal é, sem dúvida, o impacto que o uso
do combustível fóssil a ele associado deverá ter sobre o processo de mudanças
climáticas em curso no mundo.
Algumas vozes, evidentemente, se fizeram escutar aqui e ali, como,
por exemplo, a do ex-ministro de Ciência e Tecnologia e atual presidente do
Conselho de Estudos Ambientais da Federação do Comercio de São Paulo
(FECOMERCIO), José Goldemberg o qual, em entrevista ao blog Observatório
ECO13, afirma que a expectativa de uso dos recursos do Pré-sal é contraditória
com a necessidade mundial de utilização de energias limpas, o que faz com
que o Brasil corra o risco de colocar-se na contramão da história, ainda mais
depois do compromisso assumido pelo país, na COP-15, realizada em
Copenhague em 2009, de reduzir as emissões de CO2 entre 36,1% e 38,9% até
2020.
13 Disponível em: http://www.observatorioeco.com.br/index.php/brasil-e-pre-sal-na-contramao-da-historia-diz-goldemberg/comment-page-1/, acesso em 01/12/2010. Outra voz chamando a atenção para os impactos potenciais da exploração dos recursos do Pré-sal sobre o meio ambiente é a do ambientalista Arthur Sofiati. A respeito, consultar, por exemplo: http://www.silvajardim.com/noticia-palestra-aborda-os-impactos-sociais-e-ambientais-da-exploracao-do-petroleo--159.html.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 75
Esta contradição é motivada, parece-nos, pela lógica
desenvolvimentista stricto sensu hegemônica na formulação das políticas
públicas, e também privadas, no plano econômico, visando o máximo de
exploração dos recursos naturais no curto e médio prazos, sem grandes
considerações pelos efeitos a longo prazo do uso dos recursos naturais, em
particular o petróleo, diretamente relacionado com o processo de
aquecimento global. Aqui está em jogo a lógica da produção de mais riqueza
material, a geração de mais empregos, o progresso do país, etc., tão cara aos
diversos governantes do país nos últimos anos. Obviamente, esta é também a
expectativa da população em geral, ávida por garantir melhores condições
materiais de vida para si e para seus descendentes, carentes que são, às
vezes, dos elementos básicos para uma boa qualidade de vida, como saúde,
educação, infraestrutura, segurança pública, etc.
Neste processo, portanto, pouca referência tem sido feita aos impactos
ambientais que poderão ser causados pelo lançamento de bilhões de toneladas
a mais de CO2 na atmosfera, contribuindo para acelerar as mudanças
climáticas já em curso. Na verdade, qualquer menção a este tema é vista
como derrotismo, como contrária ao interesse nacional, já que pode
representar, no âmbito de uma perspectiva orientada pelos princípios da
precaução e do desenvolvimento sustentável, a adoção de uma um uso mais
responsável – com o país e também com o mundo - destes recursos, e menos
comprometida com interesses de curto prazo dos diferentes grupos envolvidos
com essa exploração.
É verdade que, no Fundo Social a ser criado para captar e aplicar parte
dos recursos gerados pelo Pré-sal, existe a previsão de destinação de recursos
para aplicação em meio ambiente, como forma de compensação pelos
impactos ambientais resultantes dessa exploração. No entanto, é improvável
que eles sejam suficientes para fazer frente aos efeitos ambientais, sociais e
econômicos provocados pelas mudanças climáticas, cujo principal componente
é o uso de combustível fóssil.
Dessa forma, e talvez contra todas as expectativas de um possível novo
“eldorado” a ser proporcionado pelos recursos do Pré-sal, existe a
possibilidade de que o uso de tais recursos se torne inviável, não só em
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 76
termos econômicos, mas, particularmente, em termos políticos em razão das
pressões mundiais que deverão crescer no futuro próximo pela
abolição/substituição progressiva da matriz energética estruturada no uso de
combustível fóssil, por outra que utilize recursos não poluentes – ou pelo
menos, não tão poluentes e comprometedores do clima – tais como as
energias eólica, solar, elétrica, a baseada em biocombustíveis (para o
transporte público e privado), e também a energia nuclear que passa, nestes
momentos, por uma reavaliação do seu potencial até mesmo entre segmentos
ambientalistas da sociedade em escala global.
Portanto, uma atitude um pouco mais realista e menos ufanista com a
riqueza potencial contida no Pré-sal, talvez seja a mais adequada por parte
de todos nós, considerando-se os riscos que sua exploração poderá
representar para o meio ambiente, o clima e a biodiversidade do planeta e
não só do Brasil.
- Conclusão.
Diante dos temas aqui rapidamente tratados, parece-nos possível
divisar pelo menos três processos que deverão estar no centro das
preocupações em relação ao uso dos recursos do Pré-sal no futuro próximo.
São eles:
1. Elaboração de um novo pacto federativo (que nos parece já em curso)
no tocante a uma melhor distribuição regional da riqueza do petróleo;
2. Necessidade de um planejamento estratégico menos dependente dos
royalties (nos três níveis federativos), de forma a garantir a
continuidade do processo de desenvolvimento econômico e social do
país, em seus três níveis federativos; e,
3. Urgência na preparação social, econômica e tecnológica para enfrentar
os possíveis efeitos climáticos associados ao uso dos combustíveis
fósseis e, dessa maneira, à utilização dos recursos do Pré-sal.
Estas questões não são triviais nem fáceis de resolver, longe disso. Se
tomarmos como referência as manifestações a respeito ocorridas até o
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 77
momento, elas deverão envolver boa dose de conflito político e social nos
próximos anos, com ênfase em 2011, com o início de uma nova Legislatura no
Congresso Nacional, com os novos deputados e senadores desejosos de
mostrar serviço para seus eleitores atuais e futuros. E nada melhor que buscar
garantir um maior fluxo de recursos financeiros para suas bases territoriais. A
discussão em torno dos royalties do Pré-sal se presta esplendidamente a este
propósito.
- Bibliografia Consultada.
- ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e Contexto Federativo
Brasileiro”, in, Série “Pesquisas”, Fundação Konrad Adenauer, 1998, Vol. 12,
São Paulo.
- BARROSO, Luiz Roberto. “Alterações sobre royalties são
inconstitucionais”, in,
http://www.conjur.com.br/2010-jul-14/alteracoes-distribuicao-royalties-sao-
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- Agência Nacional de Petróleo (ANP), disponível em:
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- Revista Veja, setembro/2009, disponível em:
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/pre-sal/index.shtml
- Despesas com Pessoal e Royalties do Petróleo:
http://jus.uol.com.br/revista/texto/15019/despesas-com-pessoal-e-os-royalties-do-
petroleo/1, acesso em 01/12/2010.
- Arthur Sofiati, entrevista disponível: http://www.silvajardim.com/noticia-
palestra-aborda-os-impactos-sociais-e-ambientais-da-exploracao-do-petroleo--
159.html, acesso em 01/12/2010.
- José Goldemberg, entrevista disponível em:
http://www.observatorioeco.com.br/index.php/brasil-e-pre-sal-na-contramao-da-
historia-diz-goldemberg/comment-page-1/, acesso em 01/12/2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 78
TRANSPARÊNCIA ORÇAMENTÁRIA: AS APLICAÇÕES DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO E A REFORMA NA GESTÃO DAS FINANÇAS PÚBLICAS
Alexandre da Silva Lima 1
RESUMO O trato com a coisa pública e o papel desempenhado por aqueles que se incumbem desta tarefa exige muito mais do que as competências necessárias ao bom desempenho da gestão no contexto da res publica. Pressupõe, acima de tudo, o compromisso vocacional com o próximo; desprendido, sobretudo, da ótica minimalista e umbilical dos interesses pessoais daqueles que são investidos na função estatal. Tal investidura, alicerçada nos pilares dos direitos sociais de nossa Carta Maior repercutem muito além dos formalismos e tecnicismos que a gestão do erário governamental abraça em sua dinâmica. A função estatal é construída pela idéia consolidada do Estado em suas bases primárias, sejam elas o bem-estar, a redução das desigualdades sociais, a alocação adequada de seus recursos finitos, e a correta distribuição de paridade entre o binômio riqueza-renda. Em vista disto, o presente trabalho pretende contribuir para a discussão sobre a transparência orçamentária na evidenciação do impacto que as receitas decorrentes da exploração petrolífera têm acarretado para a gestão aplicada ao desempenho da esfera pública como finalidade e objeto para a construção de políticas públicas eficazes no âmbito estatal, sob a luz das recentes mudanças na legislação da esfera contábil. Palavras-Chave: Gestão Pública, Governo, Contabilidade Pública, Transparência ABSTRACT The deal with the public thing and the paper performed by that itself we charge of this task requires much more than the necessary competences to the good performance of the management in the context of the “res publica”. It presumes, above all, the vocational commitment with the near one; removed, especially, of the umbilical and minimalist point of view of the vested interests of those are invested in the state-owned function. Such investiture, consolidated in the social rights pillars of our Republic Letter have repercussions above and beyond the formalities and technicism that the management of the governmental exchequer embraces in its dynamic. The state-owned function is built by the consolidated idea of the State in his primary bases, be the welfare, the reduction of the social inequalities, the adequate allocation of his finite resources, and to correct distribution of parity between the binomial richness-wealth. In view of this, the present work is going to contribute for the argument about the budgetary transparency in the publicization of the impact that resulting prescriptions of the oil-producing exploitation has caused for the management applied to the performance of the public sphere as purpose and
1 Contador Municipal da Prefeitura de Macaé. Bacharel em Ciências Contábeis, Pós-Graduado, lato sensu¸ em Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Atualmente cursando Especialização, lato sensu, em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal Fluminense – UFF, no Programa Nacional de Formação em Administração Pública, Edital PNAP - UAB/Capes. Email: [email protected].
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object for the construction of efficient public politics in the state-owned scope, under the light of the recent changes in the legislation of the accountancy sphere. Key-words: Public Management, Government, Public Account, Transparency. 1 – Introdução
O trato com a coisa pública e o papel desempenhado por aqueles que se incumbem
desta tarefa exige muito mais do que as competências necessárias ao bom
desempenho da gestão no contexto da res publica. Pressupõe, acima de tudo, o
compromisso vocacional com o próximo; desprendido, sobretudo, da ótica
minimalista e umbilical dos interesses pessoais daqueles que são investidos na função
estatal.
Tal investidura, alicerçada nos pilares dos direitos sociais de nossa Carta Maior
repercutem muito além dos formalismos e tecnicismos que a gestão do erário
governamental abraça em sua dinâmica. A função estatal é construída pela idéia
consolidada do Estado em suas bases primárias, sejam elas o bem-estar, a redução
das desigualdades sociais, a alocação adequada de seus recursos finitos, e a correta
distribuição de paridade entre o binômio riqueza-renda.
Em vista disto, o presente artigo pretende contribuir para a discussão sobre a
transparência orçamentária na evidenciação do impacto que as receitas decorrentes
da exploração petrolífera têm acarretado para a gestão aplicada ao desempenho da
esfera pública como finalidade e objeto para a construção de políticas públicas
eficazes no âmbito estatal, sob a luz das recentes mudanças na legislação da esfera
contábil.
2 – Metodologia
O presente trabalho pretendeu confirmar a suposição de que a gestão de políticas
públicas governamentais e os impactos positivos e negativos das receitas advindas
dos chamados “royalties do petróleo” perpassam exclusivamente pela correta
orientação da gestão pública orientada à legislação contábil aplicada ao setor
público, em vista do desempenho governamental empreendida pelos pressupostos
básicos de ética, transparência e essencialidade com que os gestores públicos
exercem a efetividade da função estatal.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 80
Em linhas gerais, partiu-se da hipótese que a efetividade da gestão no contexto da
ótica pública por parte do(s) gestor(es) público(s) advém de uma correta avaliação
contábil da mensuração e desempenho da gestão de políticas públicas, com vistas ao
alcance de sua parcela realmente convertida em benesses a toda sociedade, tendo
em vista os vários enfoques referenciais propostos pela literatura sobre o tema.
Nesse sentido, afirma Lubambo (2006)2 que:
“A discussão do conceito de desempenho da gestão pública inicia-se pela distinção de que elementos - num leque de opções colocadas pela literatura existente sobre o tema, pelas evidências da observação empírica e pela informação disponível - devem e podem ser investigados enquanto seus determinantes.”
Há que se pesar, contudo, que a ética do gestor construída a partir dos conceitos
inerentes na esfera pública, perpassa, sobretudo, pela construção permanente das
ideologias que ratificam a res publica, ou seja, o primado pelo bem-comum e da
transparência das ações governamentais.
Dessa forma, a moralidade e respeito estrito às leis pelos governantes é fator
primário esperado para o desenvolvimento sustentável do Estado. Baseado nisso, a
correta mensuração orçamentária, financeira e contábil dos impactos, sejam eles
negativos e/ou positivos desta parcela de recursos destinadas à gestão do erário, são
fatores determinantes para o crescimento econômico e social e redução das
desigualdades sociais.
Em vista disto, a metodologia adotada na confecção deste artigo procurou abordar
uma análise exploratória sucinta e descritiva dos instrumentos de gestão
orçamentária com vistas à evidenciação transparente dos impactos decorrentes das
atividades petrolíferas nas características socioeconômicas abrangidas nos entes
federativos, sejam eles estaduais e municipais, adotando-se na confecção do
presente artigo, o exemplo do município de Macaé, que foi significativamente
impactado por tais atividades nas últimas décadas.
2 LUBAMBO, Cátia W. Desempenho da Gestão Pública: que variáveis compõem a aprovação popular em pequenos municípios?. Porto Alegre. Revista Sociologias, ano 08, nº 16 jul/dez 2006, p. 86-125.
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Assim, na ótica de tais instrumentos procurou-se destacar a desfocalização social das
premissas essenciais quanto à mensuração e elaboração das políticas públicas, bem
como de seu alcance pretendido;
Dessa forma, o objetivo maior deste trabalho é exibir um retrato do conceito de
transparência orçamentária no contexto da gestão pública em relação ao seu gasto
na parcela específica das atividades petrolíferas, e sua importância dentro da
execução orçamentária sob a ótica das recentes mudanças na gestão das finanças
públicas.
3 – Referencial Teórico
3.1 – Instrumentos de Controle Social na Gestão Pública
Os processos de fiscalização e acompanhamento das contas públicas e da execução
de seu erário têm-se mostrado cada vez mais uma tarefa de extrema relevância
social, não somente pela importância que o tema exige, mas, sobretudo, pela voga e
implicações sociais que sua ausência implica a toda sociedade.
Fiscalizar a eficácia, economicidade e eficiência dos serviços públicos pressupõem
não apenas um conhecimento primário da máquina pública, mas principalmente, suas
normas e diretrizes legais que norteiam o processo orçamentário como agente
fomentador de políticas públicas e desenvolvimento social.
Isto posto, revela-se como parte primária e principal para quaisquer estudos e
avaliação da política de gestão e efetividade da coisa pública mensurar corretamente
em que medida a execução orçamentária se destina ao objetivo maior de
proporcionar ao Estado sua qualidade em ações administrativas e sociais. Isto tem
sido o desafio dos gestores públicos da atualidade, assim como a inserção da
participação popular e da sociedade civil organizada no seu controle social tem sido a
perspectiva de uma moralidade pública plena e responsável.
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Nessa esteira, conforme acrescenta Duarte (2006, p. 04)3,
“é direito de qualquer cidadão entender e controlar a vinculação e a aplicação desses valores, para tanto, a disponibilidade de mídias acessíveis constitui parte da estratégia política necessária ao exercício da cidadania em âmbito local ou mesmo nacional. Diante da realidade político-administrativa brasileira, estruturada em três níveis de governo com autonomia de gestão financeira e convivendo com vinte e sete governos estaduais e mais de cinco mil governos municipais, a necessidade de maior participação da sociedade civil, no que diz respeito ao controle social, é vista como uma estratégia central para viabilizar a implementação da política de Estado a respeito dos recursos educacionais constitucionalmente vinculados.”
Não apenas a vinculação dos recursos destinados à educação, como no exemplo
citado pela autora, são merecedores de uma atenção mais detalhada. A participação
popular deve implementar-se pelo exercício de cidadania sobre todos os recursos que
tem seu destino focado na gestão do ente público, seus projetos e seu alcance social,
iniciando-se, sobretudo, pela afirmação dos direitos civis, em meio ao usufruto dos
serviços associados aos direitos sociais.
Somente o controle social exercido pela sociedade e pelos cidadãos apresenta-se
como a utilização prática de um processo democrático, dialógico, percebidas através
da concepção de um Estado aberto e transparente em suas ações, comprometimento
e eficácia.
Instrumentos eficazes de fiscalização popular como o Orçamento Participativo4,
tornam viáveis processos de discussão e decisão pública que articula o Estado e
sociedade através de um formato institucional que, por sua vez, torna a democracia
possível. Esta confirmação requer, portanto, uma institucionalidade que, feita e
refeita através do diálogo incessante entre os atores envolvidos, seja um antídoto
3 DUARTE, Marisa Ribeiro Teixeira. O conceito de Controle Social e a Vinculação de Recursos à Educação. Trabalho apresentado na 29ª Reunião Anual da ANPEd. Caxambu/MG, 15 a 18 de outubro de 2006. Sitio da Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Educação. Disponível em http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT05-2087--Int.pdf. Acesso em 12 de novembro de 2010. 4 A Lei Federal n° 10257, de 10 de julho de 2001, regulamentou os arts. 182 e 183 da CF/88 e dispôs sobre diretrizes gerais da política urbanas e outras providências. Mais conhecida como “Estatuto da Cidade”, esta lei em seu artigo 44, definiu a gestão orçamentária participativa, através da realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.
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aos constantes riscos dos processos participativos, tais como a manipulação, a
cooptação e o controle político e administrativo.
Ademais, conforme afirma Costa (2005, p. 64)5:
“Participar das decisões do Orçamento significa defender o patrimônio público, contribuir para reduzir as desigualdades sociais e aplicar de forma honesta e eficiente o dinheiro público. Isto deverá se traduzir em melhorias nos serviços de saúde, educação, transporte, infra-estrutura e tantos outros de responsabilidade do governo local, como demonstram as experiências de participação da população no processo orçamentário. Se quisermos que os recursos tenham uma aplicação honesta, transparente e eficaz em políticas públicas claramente definidas, o processo orçamentário é o instrumento. Pode-se fazer previsão por um período de quatro anos, levantar não só as necessidades, mas potencialidades, os projetos viáveis para aumentar renda e emprego, estabelecer prioridades em médio prazo, fixar regras, orientações para vincular as decisões e atos do prefeito que podem ser avaliadas e reformuladas ano a ano, após discussões com os diversos segmentos da sociedade”.
Nessa esteira, Lima (2008) ainda completa que:
“o orçamento público revela-se como parte primária e principal para quaisquer estudos e avaliação da política de gestão e efetividade da coisa pública. Mensurar corretamente em que medida o planejamento e execução orçamentária se destinam ao objetivo maior de proporcionar ao Estado sua qualidade em ações administrativas e sociais tem sido o desafio dos gestores públicos da atualidade, assim como a inserção da participação popular e da sociedade civil organizada no seu controle social tem sido a perspectiva de uma moralidade pública plena e responsável.”6
Compreender, de fato, a tríade estabelecida entre planejamento, programação e
orçamentação revela-se neste enfoque os pilares principais de uma gestão pública
comprometida com o binômio eficácia/efetividade.
5 COSTA, Flávia Danyelle Alves da. Orçamento Participativo: a institucionalização da participação popular no controle do orçamento público. O município de Campina Grande – PB. Dissertação de Mestrado apresentada no curso de Pós-Graduação em Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Brasília/DF – 2005. 6 LIMA, Alexandre da Silva. O Gasto Público Social na Gestão Municipal: um estudo de caso sobre o município de Casimiro de Abreu. Monografia de Pós-Graduação, lato sensu, em Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade. Universidade Federal Fluminense, 2008.
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Tal enfoque só pode ser atingindo a partir da premissa natural do equilíbrio das
contas públicas, da compreensão efetiva da capacidade governamental e suas ações,
mas, sobretudo, do fortalecimento do processo democrático consolidado no controle
social e transparência dos componentes do ciclo orçamento quais sejam o Plano
Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual
(LOA), além das normas fiscalizadoras deste controle como, por exemplo, a Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF.7
Contudo, o conhecimento acerca da terminologia contábil das normas, leis e
pareceres técnicos sobre o orçamento público inviabiliza e chega a intimidar uma
participação social efetiva, devido ao rigor estritamente técnico e jurídico de seus
termos. Por fim, a falta de aderência numa linguagem capaz de traduzir de forma
ampla e acessível o que acontece ao erário público na sua execução orçamentária,
tornam-se um “entrave” a este controle social.
Contra este tipo de intimidação, iniciativas fomentadas por organizações da própria
sociedade civil como a distribuição de cartilhas explicativas e campanhas de
conscientização junto à população são cada vez mais freqüentes8, com vistas a
fomentar o desejo individual e coletivo em conhecer e acompanhar a condução das
políticas sociais dos Estados e municípios através de seus orçamentos e sua gestão.
A partir dessa realidade, o controle social pode ser realmente exercido de forma
estratégica na defesa do interesse público e dos direitos de cidadania; com vistas a
um fortalecimento e aprofundamento efetivo da democracia em suas bases em seu
sentido real.
3.2 – Os royalties do petróleo e seus impactos na gestão pública
7 Lei Complementar nº 101, de 05 de maio de 2000. 8 Um exemplo destas organizações é o Instituto Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, que é uma organização não-governamental de atuação nacional, constituída e fundada em 1987 como uma associação civil sem fins lucrativos, apartidária, pluralista e reconhecida como entidade de utilidade pública nos âmbitos municipal, estadual e federal; e que fomenta constantemente uma série de publicações relacionadas ao controle social do orçamento público, desenvolvimento social, participação popular e temas correlatos, sendo a cidadania, enquanto conquista democrática, o eixo articulador de sua intervenção dirigida à construção de cidades justas, sustentáveis e democráticas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 85
Os impactos sociais e econômicos nas cidades oriundos das receitas advindas da
exploração dos recursos naturais decorrentes das atividades petrolíferas são cada vez
mais objeto de estudo nos modelos de gestão urbanos e tipologias ideais na aplicação
de suas compensações financeiras aos governos.
Segundo afirmam Guzman et al. (2007) apud Borba & Neto (2008):
“A presença de atividades petrolíferas tem agravado problemas como marginalidade e exclusão social ao invés de resolvê-los. Estudos de caso em distintos países apontam que atividades produtivas tradicionais – especialmente a agricultura e incipientes processos de industrialização - entraram em crise a partir do auge das atividades petrolíferas, devido à falta de atenção governamental.”9
O crescimento econômico dissonante em relação à consolidação de estruturas
urbanas e sociais tem acarretado um descompasso entre desenvolvimento e redução
das desigualdades sociais. Isto faz com que as cidades impactadas pelas receitas
petrolíferas tenham em seu tecido social uma sobrecarga de problemas que, num
cenário ideal, seriam contornáveis com planejamento urbano adequado.
Reflexo primário disso é a extremada explosão demográfica e do “boom” em setores
da economia ligados a indústria de petróleo que inflacionam o custo de vida nesses
lugares.
O inicio deste apogeu e de tais consequências ocorreu a partir de 1997, com a edição
da Lei Federal nº 9.478 que decretou o fim do monopólio da Petrobrás, permitindo
que outras empresas explorassem e produzissem óleo em território brasileiro. Além
disto, esta Lei criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP), como órgão responsável
pela regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas da indústria do
petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis.
A partir desta regulação, houve um incremento significativo nas transferências
governamentais e compensações financeiras a estados e municípios pela exploração
das atividades petrolíferas.
9 BORBA, Rafael Corrêa; NETO, Romeu e Silva. Artigo “Impactos das Atividades Offshore de Exploração e Produção de Petróleo nas Cidades: Um Estudo Comparativo entre Macaé (Brasil), Ciudad del Carmen (México) e Alberdeen (Reino Unido).” Disponível em http://www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br. Acesso em 06 de dezembro de 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 86
Os impactos mais significativos deste excedente de recursos na gestão pública podem
ser considerados sob dois aspectos fundamentais. O primeiro tem sua relação com a
desfocalização das políticas públicas empreendidas pelo gestor governamental no
trato do erário, haja vista que o excesso de recursos financeiros coloca o ente
federativo numa “zona de conforto” ao qual permite um descuido maior pela busca
constante da tríade “eficiência-eficácia-economicidade”.
Como se tratam de recursos finitos e com vinculação muitas vezes leniente quanto à
sua aplicabilidade pelos gestores públicos, a gestão dos recursos dos royalties do
petróleo muitas vezes não é abrangida em sua plena eficácia, deturpada pelo
imediatismo de políticas públicas construídas a partir de cenários pouco ou nada
planejados.
Um segundo aspecto fundamental dos impactos percebidos na arquitetura social
constituída nos entes recebedores de tais recursos tem sua exposição definida
justamente pela falta de planejamento governamental e aplicabilidade plena dos
instrumentos de gestão pública capazes de garantir a consistência e coesão dos
recursos que ingressam nos cofres públicos.
3.2.1 – O exemplo do município de Macaé/RJ
Localizada na Região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, a cerca de 200
Km da capital, o município de Macaé foi um dos municípios mais impactado pelos
investimentos da Petrobrás nas atividades petrolíferas do país. No passado, a pesca,
a produção de cana-de-açúcar e a agropecuária foram os alicerces da economia de
Macaé. Contudo, desde a década de 70, a descoberta de campos petrolíferos na
Bacia de Campos e a instalação da Petrobrás no município, Macaé tornou-se base da
exploração de petróleo e gás na Bacia de Campos, formando um grande aglomerado
petrolífero na cidade, consolidando sua posição como principal centro das atividades
deste setor no Brasil.
Nesse sentido, a indústria petrolífera impôs à cidade um processo de reorganização
espacial das suas atividades produtivas e da população diretamente impactada no seu
eixo de influência. Essa reestruturação profunda da base econômica do município foi
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 87
impulsionado pelo crescimento econômico desordenado e acelerado, tendo como viés
principal a alta explosão demográfica.
Em dados pontuais, segundo apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE10, Macaé possuía em 1980 uma população de 75.683. Após a
instalação da Petrobrás e da indústria petrolífera na cidade, sua demografia acusou
uma variação de 123,97%, com 169.513 habitantes registrados em 2007.
De acordo com um extrato de dados apurados no Portal “Transparência Macaé”11
idealizado pela Prefeitura Municipal de Macaé, a aplicação dos royalties do petróleo
na gestão municipal em 2009 foi efetivada da seguinte forma:
Figura 1: Extrato da Aplicação dos Royalties (executado) – Macaé 2009
Fonte: Adaptado do Portal “Transparência Macaé”
Apenas pelo extrato sucinto do presente demonstrativo, fica evidenciado que a
máquina administrativa deste município equaciona a aplicação dos royalties do
petróleo de forma desigual, em vista da concentração excessiva de recursos para
10 Dados apurados pelo autor no sítio eletrônico http://www.ibge.gov.br. Acesso em 06 de dezembro de 2010. 11 Dados disponíveis no sítio eletrônico http://www.macae.rj.gov.br. Acesso em 06 de dezembro de 2010.
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despesas de custeio12 em detrimento dos investimentos, como é demonstrado na
“Função 04 – Administração”, “Subfunção 122 – Administração Geral”.
Esta volumosa arrecadação e, consequente distribuição de royalties, não altera e
ainda consolida o quadro de desigualdades sociais impostas pelo desenvolvimento. A
economia da cidade de Macaé é periférica a partir do momento que potencializa a
construção de elementos agregadores somente em torno destas atividades
petrolíferas e isso se reflete no âmbito governamental, que idealiza um “estereótipo
de desenvolvimento” que dificulta e neutraliza outras formas de desenvolvimento
econômico.
3.3 – A reforma na Gestão das Finanças Públicas
Este desenvolvimento econômico só poderá ser alcançado e consolidado
tecnicamente a partir da concepção estrita de que o fomento de políticas públicas é
iniciado de forma interna, ou seja, no esteio da gestão pública municipal. Assim, sem
a informação e tratamento correto das peças que compõem a gestão orçamentária e
financeira dos royalties do petróleo, as políticas públicas empreendidas pelos entes
federativos em suas diversas esferas (como neste exemplo da cidade de Macaé),
ficam sub ou superestimadas em relação à realidade social que pretendem interagir.
Nisto, a contabilidade aplicada ao setor público exerce seu papel garantidor desta
consistência de dados e mensuração delineada dos atos e fatos que se esmiúçam no
pilar principal da gestão da coisa pública: o bem-estar social.
O papel da Contabilidade como ciência aplicada reveste-se de uma transversalidade
tácita ao oferecer aos usuários de suas informações um diagnóstico detalhado da
situação orçamentária, financeira, econômica e patrimonial dos entes públicos.
Assim, num plano estratégico, a Contabilidade aplicada ao Setor Público, como
sistema de informações específico, vem incorporando novas metodologias e
recuperando seu papel, adotando parâmetros de boa governança, demonstrando a
importância de um sistema que forneça o apoio necessário à integração das
12 A Lei Federal nº 4.320/64, classifica as “despesas de custeio” como as dotações destinadas à manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive para atendimento a obras de conservação e adaptação de bens imóveis, pagamento de serviços de terceiros, pagamento de pessoal e encargos, aquisição de material de consumo, entre outras. (artigo 12, § 1º e artigo 13).
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informações macroeconômicas do setor público e à consolidação das contas
nacionais.
O objeto principal destas práticas de boa governança na gestão pública alicerçadas,
sobretudo, nesta nova configuração das finanças públicas, reflete a necessidade de
resgatar o tratamento dos fenômenos do setor público, em bases teóricas que
reflitam a essência das transações governamentais e seu impacto no patrimônio, e
não meramente o cumprimento de aspectos legais e formais.
A inadequada evidenciação do patrimônio público e a ausência de procedimentos
contábeis suportados por adequados conceitos e princípios revelam intrinsecamente a
necessidade do desenvolvimento de diretrizes estratégicas para o aperfeiçoamento
da Contabilidade e Planejamento Governamental.
Imbuídos nessa premissa, o Conselho Federal de Contabilidade13, em parceria com
entidades governamentais e de classe, buscou a adequação dos Princípios
Fundamentais de Contabilidade sob a perspectiva do Setor Público14. Essa adequação
possibilitou a abertura de um leque mais amplo da gestão pública sob o enfoque
contábil, alicerçado nas seguintes bases conceituais:
A convergência aos padrões internacionais de contabilidade aplicados ao setor
público;
A implementação de procedimentos e práticas contábeis que permitam o
reconhecimento, a mensuração, a avaliação e a evidenciação dos elementos
que integram o patrimônio público;
A implantação de sistema de custos no âmbito do setor público brasileiro;
A melhoria das informações que integram as Demonstrações Contábeis e os
Relatórios necessários à consolidação das contas nacionais;
A possibilidade de avaliação do impacto das políticas públicas e da gestão, nas
dimensões social, econômica e fiscal, segundo aspectos relacionados à
variação patrimonial na gestão pública.
13 O Conselho Federal de Contabilidade é uma Autarquia Especial Corporativa, criada pelo Decreto-Lei n.º 9.295, de 27 de maio de 1946, dotada de personalidade jurídica de direito público e que representa todos os profissionais contabilistas do país. 14 Resolução CFC nº 1.111, de 29 de novembro de 2007.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 90
Todas estas premissas trazem em seu bojo a urgência de uma evolução efetiva da
gestão pública e da ciência contábil com vistas ao aumento do controle social e
transparência exigida pela sociedade e da correta mensuração do patrimônio público
e suas variações que repercutem muito além da sua esfera interna.
Ademais, ainda estão na pauta das motivações para esta reforma profunda na Gestão
das Finanças Públicas as seguintes questões pontuais:
A adequação da legislação financeira atualmente em voga no Brasil (Lei
Federal nº 4320/64 e Decreto-Lei nº 200/67);
A solução de problemas de implementação da LRF como a falta de
padronização de procedimentos contábeis e relatórios da Federação,
divergências conceituais e dúvidas jurídicas quanto à aplicação da Portarias
da STN à Federação;
A adoção de experiências bem-sucedidas em outros países sobre a integração
do processo orçamentário com os processos de gestão;
O surgimento de novos conhecimentos e novas tecnologias de gestão aplicadas
ao setor público.
Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF trouxe em seu aparato
institucional uma evolução que foi a Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de
2009.15
Este novo regulamento determina em seu arcabouço a ampliação do conceito de
transparência orçamentária e controle social, determinando a liberação – em tempo
real – de informações detalhadas sobre a execução orçamentária e financeira dos
entes federativos (Estados e Municípios) através de meios eletrônicos de acesso
público (internet).
Neste ínterim, foram estabelecidos prazos de cumprimento e adequação a essas
determinações legais, quais sejam:
15 Acrescenta dispositivos à Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 91
a) União, Estados, Distrito Federal e Municípios com mais de 100.000 habitantes
– até 27 de maio de 2010;
b) Municípios entre 50.000 e 100.000 habitantes – até 27 de maio de 2011;
c) Municípios até 50.000 habitantes – até 27 de maio de 2013.
Percebendo esta enorme evolução em marcha, além desta iniciativa, o Senado
Federal propôs duas novas leis complementares criando um novo regime contábil em
substituição à Lei n° 4320/64 e uma lei de responsabilidade orçamentária.16
Os projetos passaram a ter tramitação conjunta. Na Comissão de Constituição e
Justiça, já foi aprovado o texto substitutivo do Senador Artur Virgílio que fundiu os
dois projetos e considerou sugestões de seminários de técnicos realizados na Escola
Superior de Administração Fazendária – ESAF.
Esta nova legislação propõe uma reestruturação profunda na no processo de
elaboração do orçamento público, tornando a participação parlamentar mais
eficiente, utilizando a contabilidade e o controle para dar maior transparência às
contas públicas, aperfeiçoando e reforçando a austeridade da LRF.
Estes Projetos de Lei de Responsabilidade Orçamentária e Qualidade Fiscal trazem
em seu cerne o esforço em melhorar a qualidade do gasto público de forma
consistente com o equilíbrio fiscal para abrir espaço para investimentos e focalização
dos gastos sociais. Para tanto, sua instrumentalização tem como ação fundamental o
realinhamento através de “choques” de novos paradigmas, em três alicerces
principais que permeiam a Gestão Pública: Gestão, Transparência e Controle.
Estes três “choques” referem-se à adoção de novas formas de repensar e viabilizar
esta reforma na gestão das finanças públicas.
O choque de Gestão tem como objetivo confrontar a Administração Pública com seus
novos paradigmas, voltadas à busca incessante da qualidade do gasto público e
16 O Senador Tasso Jereissati apresentou o Projeto de Lei do Senado nº 229/09 – planejamento e orçamento e o Senador Renato Casagrande propôs o Projeto de Lei do Senado n º 248/09 – contabilidade e controle. Os dois projetos de lei passaram a ter tramitação conjunta. Na Comissão de Constituição e Justiça, já foi aprovado o texto do Senador Artur Virgílio que fundiu os dois projetos e considerou sugestões de seminários de técnicos realizados na Escola de Administração Fazendária - ESAF.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 92
transparência orçamentária. Sua evidenciação no escopo deste novo regulamento a
ser implementado vislumbra-se, sobretudo, em alguns dos seguintes itens:
introduz o conceito de qualidade na gestão, orientando toda a gestão pública,
do planejamento ao controle, para resultados;
normatiza o PPA (arts. 11, 12, 13, 19, § 1º, 70) e a sua avaliação e cria o
banco de indicadores para o PPA;
integra PPA, LDO e LOA, distinguindo as funções de cada um;
cria regra nacional para Restos a Pagar em todos os exercícios e Despesas de
Exercícios Anteriores;
orienta a gestão de recursos humanos orientada para a eficiência do trabalho
e incentiva a capacitação de servidores públicos;
O choque de Transparência é a confirmação explicita desta nova realidade
alicerçada responsabilidade e responsabilização do gestor público na aplicação dos
recursos públicos. Seu mérito pode ser justificado no exemplo sucinto das seguintes
propostas:
amplia o conceito de transparência;
separa os conceitos aplicáveis ao orçamento e à contabilidade, esta última
com foco no patrimônio e regime de competência integral;
exige o orçamento por fonte de recursos;
define as demonstrações contábeis: Balanço Patrimonial, Demonstração das
Variações Patrimoniais, Demonstração do Fluxo de Caixa, Demonstração do
Resultado Econômico, acompanhado de síntese do Relatório de Gestão
Administrativa, esclarece que Balanço Orçamentário é instrumento de
transparência, mas não é demonstração contábil, e define tratamento do
superávit financeiro de exercício anterior;
Já o choque de Controle instrumentaliza e consolida o controle social exercido pela
sociedade através da cobrança efetiva dos atos pertinentes à gestão do erário. Isso é
plenamente evidente na aplicação de alguns dos itens abaixo:
institui a participação dos cidadãos na elaboração e apreciação dos planos
nacionais de políticas públicas e de todas as leis do ciclo orçamentário;
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 93
institucionaliza o controle social das políticas públicas exercido diretamente
pelos cidadãos ou por Conselhos;
aumenta fluxo de informações para órgãos de controle;
determina a realização de auditorias periódicas na folha de pessoal;
institucionaliza cooperação entre tribunais de contas dos estados;
4 – Considerações Finais
A esfera pública tem suas responsabilidades e obrigações. Aqueles que são imbuídos,
ainda que transitoriamente da função pública devem ter a exata noção que a gestão
dos recursos públicos não é simplesmente a gestão eficaz de números e a cuidadosa
atenção à execução orçamentária como um todo
A gestão pública trata de pessoas. Ela enfatiza sua importância na tradução de bem-
estar e qualidade de vida da população que depende estritamente da atuação do
Estado na diminuição das desigualdades sociais. Sua ótica deve seguir sempre a ética
social com que os gastos públicos são alocados, considerando, sobretudo, o
cumprimento da norma legal em consonância com o objetivo maior da supremacia do
interesse público.
A transparência Orçamentária e o Controle Social são os alicerces sólidos para a
consecução de tal premissa. A inovação em marcha das Finanças Públicas
instrumentalizadas nestas reformas em seus basilares de gestão tem trazido à baila a
profissionalização dos gestores públicos e todos aqueles responsáveis pelo
planejamento governamental. E as recentes mudanças na legislação contábil pública
reafirmam isso nessa preocupação essencial com a construção da figura do Estado
Brasileiro e de sua imagem institucional.
Os municípios precisam enxergar esse realinhamento nas funções deste novo aparato
buscando cada vez mais o compromisso ensejado no exercício de nossa democracia.
Sobre isso, os impactos das receitas petrolíferas no desenvolvimento sustentável das
cidades devem cada vez mais ter sua realidade mensurada e estudada, com vistas à
focalização das políticas públicas que realmente trarão benesses para toda
sociedade. No exemplo da cidade de Macaé, é necessário que seus governantes
reflitam e busquem ainda mais políticas e estratégias, para o direcionamento dos
royalties no fomento de outros setores ligados às suas vocações regionais, ou mesmo
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 94
para a criação de novas potencialidades locais, com o intuito de diminuir as mazelas
trazidas pelo “progresso” das atividades petrolíferas e seus impactos ocasionados
pela dependência destas atividades em um futuro pós-petróleo.
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responsabilidade no processo orçamentário e na gestão financeira e patrimonial, altera
dispositivos da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a fim de fortalecer a
gestão fiscal responsável e dá outras providências.
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Estabelece normas gerais de finanças públicas voltadas para a qualidade na gestão e dá
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 97
Os impactos socioambientais e as medidas mitigadoras/compensatórias no
âmbito do licenciamento ambiental federal das atividades marítimas de
exploração e produção de petróleo no Brasil
Mônica Armond Serrão1
Licenciamento ambiental: uma decisão de Estado∗
O licenciamento ambiental é uma atribuição exclusiva do Estado e um
instrumento de gestão ambiental, por meio do qual os órgãos ambientais
autorizam a instalação e operacionalização de grandes empreendimentos
econômicos (minerações, siderurgias, indústria de celulose etc.) ou de infra-
estrutura (estradas, portos, hidrelétricas, entre outros).
Ao determinar essa distribuição espacial de grandes obras e empreendimentos,
grande parcela da população passa a conviver com os impactos socioambientais
que tais empreendimentos causam. Quando se decide que certo empreendimento
pode ser instalado em uma determinada região, os técnicos responsáveis por essa
tomada de decisão estarão impondo um determinado grau de risco àquelas
populações que lá residem. São os técnicos, baseados em um conhecimento
“perito”, que decidem se aquele risco é aceitável ou não. Contudo, os grupos
sociais que estarão sujeitos aos impactos e riscos que ali se instalarão não
participam, de fato, da decisão a respeito da localização do empreendimento. O
poder da decisão está na mão do Estado.
No caso do licenciamento ambiental, a legislação determina a realização de
audiências públicas antes de o empreendimento obter a licença ambiental.
Todavia, as audiências são apenas fóruns consultivos, com limitação de tempo
para a exposição de dúvidas por parte da população e, portanto, não é um fórum
de decisão. Essa acontece a posteriori e é restrita aos órgãos ambientais. Dessa
1 Geóloga, especialista em Educação Ambiental Mestre e Doutoranda em Ecologia Social . Analista Ambiental da Coordenação Geral de Petróleo e Gás, CGPEG/DILIC/IBAMA, desde 2002. ∗ Os itens iniciais desse trabalho que discorrem sobre licenciamento ambiental estão baseados no artigo de minha autoria com Tatiana Walter e Anderson Vicente: “Educação ambiental no licenciamento ambiental - duas experiências no litoral baiano”, publicado no livro Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, 2009. p: 107 – 142.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 98
forma, na maioria das vezes, muito pouco, ou nada, dos anseios e medos das
populações da área de influência dos empreendimentos é incorporado ao processo
de licenciamento. Fica inteiramente sob a responsabilidade dos técnicos
governamentais, e em alguns casos, das próprias empresas, a definição de
projetos ambientais que serão implementados com o objetivo de mitigar ou de
compensar os impactos e riscos aos quais aqueles grupos sociais estarão
submetidos com a chegada do empreendimento.
Portanto, no contexto do licenciamento, um determinado grupo social (técnicos
governamentais) aceita o risco ambiental em nome de outros grupos sociais que
serão afetados pelo empreendimento, sem que se conheça em profundidade suas
necessidades, sua percepção de risco e sem levar em conta seus medos e
ansiedades sobre o que aquele empreendimento causará em suas vidas. Isso
ocorre em nome de que e de quem? A quem essas decisões de Estado de fato
beneficiam? A quem de fato o Estado está atendendo? Quem fica com o ônus,
representado pelos impactos e riscos socioambientais, e quem fica com os
benefícios, dessa distribuição que vem sendo estabelecida pelo Estado brasileiro?
Nesse contexto, caracterizado por uma desigualdade “estrutural” entre os
diferentes grupos sociais que compõem a sociedade brasileira, o Estado, na
maioria das vezes, acaba por favorecer aos grupos econômicos, em nome de um
modelo de desenvolvimento que prioriza o crescimento econômico, em prol das
demais dimensões do desenvolvimento (social, ambiental, cultural, etc).
Diante desse quadro, como promover o empoderamento dos grupos sociais
historicamente excluídos dos processos decisórios que afetam suas vidas, tendo
em vista que, pela legislação vigente, as decisões tomadas no licenciamento
cabem exclusivamente ao órgão ambiental? Que instrumentos poderiam ser
utilizados para propiciar uma real participação dos grupos sociais que serão
afetados pelos empreendimentos? Até que ponto o próprio licenciamento
ambiental poderá prever estratégias de fortalecimento desses grupos sociais para
que se tornem sujeitos atuantes na gestão ambiental de seus territórios? Ou seja,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 99
será o licenciamento capaz de contribuir para o desenvolvimento socioambiental
e não apenas para o crescimento econômico do país?
Na tentativa de responder tais questões, será feita uma apresentação dos
impactos socioambientais relativos às atividades marítimas de exploração e
produção de óleo e gás, bem como das medidas mitigadoras e /ou compensatórias
demandadas pelo IBAMA às empresas petroleiras, no âmbito do licenciamento
ambiental federal, que constituem condicionantes das licenças concedidas.
Dentre tais medidas, destacam-se as que vêm sendo implementadas por meio de
programas de educação ambiental, cujas diretrizes estão pautadas em processos
participativos que visam à organização social dos grupos impactados pelos
empreendimentos, em situação de vulnerabilidade socioambiental,
historicamente excluídos dos processos decisórios no país.
O licenciamento ambiental das atividades de petróleo
Com a sanção da Lei Federal nº 9.478/98, ocorreu, em 1998, a quebra do
monopólio da exploração e produção do petróleo no Brasil, permitindo-se, dessa
forma, que outras empresas, além da Petrobras, atuassem no país. Em 1999, para
atender à nova demanda por licenciamento ambiental da atividade de petróleo e
em cumprimento à legislação ambiental, foi criada uma unidade específica no
âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA2. (Walter et al, 2004)
O arcabouço legal3 que respalda o licenciamento em geral, pauta suas exigências
na análise dos riscos e na avaliação dos impactos ambientais oriundos da atividade
licenciada. Os riscos e os impactos são conseqüências das características dos
empreendimentos, aliadas aos aspectos socioambientais dos locais em que estes
serão instalados. (Walter et al, 2004)
2 A Unidade do IBAMA criada naquele momento denominava-se Escritório de Licenciamento das Atividades de Petróleo e Nuclear – ELPN. Em 2006, foi criada a Coordenação Geral de Petróleo e Gás – CGPEG, em substituição ao ELPN (Decreto n.° 5.718/2006). A CGPEG integra a Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA e possui a atribuição de coordenar, controlar, supervisionar, normatizar, monitorar, executar e orientar a execução das ações referentes ao licenciamento ambiental, nos casos de competência federal, quanto às atividades de exploração, produção e escoamento de petróleo e gás no mar. 3 O detalhamento da legislação que embasa o licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de petróleo e gás encontra-se em Walter et al., (2004).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 100
A atividade de petróleo está subdividida em duas etapas na fase de exploração
(pesquisa sísmica e perfuração exploratória) e duas etapas na fase de produção
(perfuração de desenvolvimento e produção). As atividades de pesquisa sísmica,
de perfuração e de produção são distintas, originando impactos ambientais
distintos4. Conseqüentemente, o licenciamento ambiental é específico para cada
uma das três atividades (sísmica, perfuração e produção). Na etapa de produção
são considerados os impactos da instalação do empreendimento, da produção de
óleo ou gás e do sistema de escoamento da produção. (Walter et al, 2004)
As atividades de pesquisa sísmica e de perfuração, em geral, têm duração entre
um mês e um ano, podendo chegar, em casos excepcionais, a dois anos. Já a
atividade de produção pode chegar a ter uma duração de décadas.
Os impactos da atividade marítima de exploração e produção de óleo e gás e
as medidas mitigadoras e compensatórias exigidas no licenciamento
ambiental
Os principais impactos da atividade marítima de petróleo são: i) aumento da taxa
de imigração e alteração dos padrões de uso e ocupação do solo; ii) degradação
ambiental marinha e costeira; iii) potencial de acidentes com derramamento de
óleo; iv) restrição e exclusão de áreas marítimas utilizadas por outras atividades
econômicas, principalmente a navegação e a pesca artesanal; e v) mudança do
comportamento das espécies marinhas em virtude da presença das estruturas
físicas, como exemplo, as plataformas e dutos. A mudança na dinâmica das
pescarias5, a percepção dos atores sociais em virtude da presença de outra
atividade e a incorporação dessas transformações em seu cotidiano necessitam,
também, ser observadas.
De maneira geral, tanto a previsão do recebimento de royalties, quanto a do
aumento na geração de serviços são compreendidas como impactos positivos pela
4 As características de cada uma das etapas (sísmica, perfuração e produção) e seus impactos sobre a pesca artesanal encontram-se em Walter et al. (2004). 5 Na Bacia de Campos, por exemplo, há um tipo de pescaria denominado pesca de plataforma, resultante do efeito atrator das estruturas físicas sobre espécies de importância econômica.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 101
população local, contudo, é necessário levar em conta que o processo de
desenvolvimento regional é extremamente desigual e as diferenças sociais
tendem a se aprofundar quando esses recursos são distribuídos na região. Isso
porque, raramente os grupos detentores do poder político e econômico aplicam
tais recursos com o objetivo de promover melhorias reais para a qualidade de vida
das populações locais.
Soma-se a isso o fato de que a atividade de petróleo caracteriza-se por sua pouca
capacidade de geração de empregos na região onde se instala, um vez que utiliza
mão de obra com alta qualificação técnica, oriunda, geralmente, de outras
regiões do Brasil e de outros países.
O licenciamento avalia, a partir da análise de Estudos Ambientais – EA6, a
viabilidade socioambiental do empreendimento em questão. Quando cabível, de
acordo com a legislação, essa análise é complementada com a realização de
Audiências Públicas. Se o empreendimento for considerado viável, é concedida
uma licença ambiental que define condições gerais e específicas para que ele seja
implementado − as condicionantes de licença −, pautadas principalmente nas
informações do Estudo Ambiental e, em alguns casos, nas informações obtidas em
vistorias prévias e/ou na Audiência Pública. Tais condições devem ser cumpridas
pela empresa durante toda a validade da licença e seu cumprimento é
acompanhado pelo IBAMA. Caso haja descumprimento das condições estabelecidas
na licença, há uma série de sanções previstas na legislação brasileira.
Os Estudos exigidos no licenciamento dos empreendimentos de petróleo são
estruturados de maneira que sejam informadas: as características do
empreendimento; o diagnóstico ambiental da área onde a atividade pretende ser
realizada; os impactos que serão gerados, à luz das metodologias de Avaliação de
6 A legislação ambiental, de forma geral, pauta o licenciamento na exigência de Estudos de Impacto Ambiental – EIA e de seu relatório resumido – Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, bem como na realização de Audiências Públicas como mecanismo de consulta. Entretanto, para as atividades de exploração e produção de petróleo, as Resoluções CONAMA nº 23/94 e 350/04 definem outros tipos de Estudos que podem ser exigidos em substituição ao EIA. Também são previstas outras formas de consulta pública, como exemplo, a Reunião Técnica. Uma vez que os Estudos e Reuniões possuem as mesmas prerrogativas e se pautam pelas mesmas exigências, no presente trabalho, todo tipo de Estudo será considerado como sendo Estudo Ambiental – EA e todo tipo de consulta à sociedade sobre o licenciamento como sendo Audiência Pública.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 102
Impactos Ambientais; e a proposição de medidas de monitoramento ambiental e
projetos que mitiguem tais impactos ou os compensem, no caso daqueles
impactos não mitigáveis. Uma série de normativas define o conteúdo mínimo a ser
apresentado nos Estudos e, a critério do órgão ambiental e com base nos impactos
gerados pela atividade, podem ser definidos projetos mínimos, contendo
diretrizes específicas. Geralmente as empresas contratam empresas de
consultoria, universidades ou organizações não-governamentais tanto para a
elaboração dos Estudos, como para a implementação dos projetos exigidos como
condicionantes das licenças.
Medidas mitigadoras e compensatórias no licenciamento das atividades
marítimas de exploração e produção de óleo e gás
Para minimizar os impactos constatados pela análise do EA ou compensá-los, cabe
ao órgão licenciador exigir das empresas que implementem Projetos Ambientais,
os quais são condicionantes das licenças concedidas.
Dentre os projetos exigidos à atividade de petróleo têm-se: i) a estruturação da
área – em termos de equipamentos e recursos humanos – para o combate a
qualquer emergência relacionada à atividade; ii) o monitoramento ambiental; iii)
a promoção da educação ambiental dos trabalhadores da empresa, iv) o controle
dos poluentes gerados pela atividade; v) a estruturação de mecanismos de
comunicação social que informem à população situada na área afetada pela
atividade sobre seus riscos e medidas implementadas para minimizá-los; vi) a
promoção da educação ambiental junto às comunidades da área de influência do
empreendimento; e vii) o fortalecimento da pesca artesanal como medida
compensatória devido aos impactos causados a esta atividade. Cada projeto é
embasado e estruturado fazendo uso de legislação específica.
As medidas de Controle da Poluição, Monitoramento Ambiental, Plano de
Emergência, Projeto de Educação Ambiental dos Trabalhadores interagem
indiretamente com o Projeto de Educação Ambiental. Pois, à medida que
asseguram que existe um controle sobre o empreendimento e que seus resultados
são divulgados por meio do Projeto de Comunicação Social, aumentam a
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 103
confiança em torno da Empresa e do órgão regulador, melhorando as ações
educativas.
É possível, ainda, que outros projetos ambientais sejam exigidos como medidas
mitigadoras quando são demandados pela população local ou quando o órgão
ambiental entende ser necessário.
A educação no processo de gestão ambiental
Em um movimento de fortalecimento da gestão pública no país, existe atualmente
em desenvolvimento no âmbito do licenciamento ambiental federal, uma
proposta na qual o espaço da gestão ambiental vem sendo utilizado para se
desenvolver ações educativas de caráter crítico e transformador. O processo de
educação no processo de gestão ambiental, iniciado por José Silva Quintas no
IBAMA, vem sendo construído há mais de quinze anos naquela instituição e, ao
longo desse tempo, promoveu experiências que resultaram no fortalecimento de
grupos sociais envolvidos em conflitos de uso de espaços e de recursos naturais,
instrumentalizando-os no sentido de aumentar o seu poder de participação nas
decisões afetas à gestão ambiental de seus territórios.
A proposta de educação no processo de gestão ambiental parte do princípio de que
cabe ao Estado criar as condições para que o espaço da gestão ambiental seja um
espaço público, evitando que as decisões tomadas privilegiem os atores sociais
com mais visibilidade e influência na sociedade e deixem de fora outros atores,
geralmente, os mais impactados negativamente. Portanto, é o Estado que media
os interesses e conflitos entre atores sociais, definindo os modos de destinação dos
recursos ambientais na sociedade. (Quintas, 2009)
Quando um órgão ambiental licencia um empreendimento ou nega o seu
licenciamento, ele estará definindo também quem ganha e quem perde com tal
decisão, que se configura como um ato de gestão ambiental. Portanto, a gestão
ambiental nunca é neutra. O Estado quando assume uma determinada postura
diante de um problema ou conflito ambiental, define como se distribuirão os
custos e os benefícios decorrentes daquele processo decisório. (Quintas, 2009)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 104
A gestão ambiental é um processo de mediação de interesses e conflitos entre atores sociais que agem sobre o meio físico-natural e construído. Esse processo de mediação define e redefine, continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, por meio de suas práticas, alteram a qualidade do meio ambiente, e, também, como se distribuem os custos e os benefícios decorrentes da ação desses agentes. (QUINTAS, 2002:14).
Diante disso, a proposta de educação ambiental em questão pressupõe que o
Estado deve criar as condições necessárias ao controle social da gestão ambiental,
incorporando a participação de amplos setores da sociedade nos processos
decisórios sobre a destinação dos recursos ambientais.
A construção dessa proposta, denominada Educação no Processo de Gestão
Ambiental, iniciou-se na Coordenação Geral de Educação Ambiental do IBAMA –
CGEAM, nos anos 90, e propõe que o espaço da gestão ambiental pública seja o
ponto de partida para a organização de processos de ensino-aprendizagem,
construídos com os sujeitos neles envolvidos. Para Quintas (2009:55),
buscar a mitigação de assimetrias, pelo menos no plano simbólico, é uma das tarefas primordiais de uma educação ambiental com centralidade na gestão ambiental pública, uma vez que injustiça e desigualdade são inerentes à ordem social vigente. (...)
Assumir este pressuposto significa admitir que a gestão ambiental não se esgota
em suas dimensões administrativas e técnicas, mas é estruturada e permeada por
relações políticas e econômicas que situam as próprias escolhas técnicas (Loureiro,
2009)
A proposta em questão é um processo educativo eminentemente político, que,
segundo Layrargues (apud Quintas, 2009:58) “visa o desenvolvimento, nos
educandos, de uma consciência crítica acerca das instituições, atores e fatores
sociais geradores de riscos e respectivos conflitos socioambientais”.
Para Layrargues (2009:27) “fazer educação ambiental com compromisso social
significa reestruturar a compreensão de educação ambiental para estabelecer a
conexão entre justiça ambiental, desigualdade e transformação social”. De acordo
com o autor, trabalhar com processos pedagógicos voltados para os grupos sociais
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 105
em condições de risco e vulnerabilidade ambiental permite uma abordagem
educativa “contextualizadora, complexa e crítica”.
Ainda de acordo com Layrargues (2009), a educação ambiental com compromisso
social deve politizar o debate ambiental, propiciando que os atores sociais
envolvidos nos processo pedagógicos percebam as contradições da realidade
vivida, as situações de desigualdade, de vulnerabilidade e de risco ambiental,
auxiliando-os a se instrumentalizar para a defesa de seus direitos e interesses,
motivando-os a reagir e a participar, como sujeitos políticos, da gestão ambiental
pública.
Quando pensamos em educação no processo de gestão ambiental estamos desejando o controle social na elaboração e execução de políticas públicas, por meio da participação permanente dos cidadãos, principalmente de forma coletiva, na gestão do uso dos recursos ambientais e nas decisões que afetam à qualidade do meio ambiente. (QUINTAS, 2002:9).
As lutas em torno de questões concretas são importantes não somente porque as
vitórias parciais são úteis por si mesmas, mas também porque contribuem para
uma tomada de consciência e favorecem a atividade e a auto-organização dos
grupos em maior situação de vulnerabilidade socioambiental.
Segundo Layrargues (2009:21), quando a política ambiental é formulada com o
compromisso de combater a injustiça ambiental, “emerge potencialmente como
uma questão de justiça distributiva” e, nesse caso, tal intencionalidade poderia
contribuir para o enfrentamento da desigualdade “materializada pelos conflitos
socioambientais”. (grifos do autor)
A proposta de EA no âmbito do licenciamento ambiental
Ao longo da década de 1990 até o ano de 20077, a Coordenação Geral de Educação
Ambiental do IBAMA (CGEAM), formulou pressupostos teóricos e metodológicos que
embasaram a proposta da educação no processo de gestão ambiental, e as ações
7 Em 2007 a Coordenação Geral de Educação Ambiental – CGEAM - foi extinta da estrutura do IBAMA por um ato da então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que criou na mesma ocasião o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 106
promovidas pela CGEAM possibilitaram um acúmulo pedagógico que serviu de
referência para a elaboração da proposta teórico-metodológica desenvolvida no
âmbito do licenciamento ambiental federal. Por conta dessa iniciativa, há hoje no
país, um conjunto de instrumentos jurídicos, teóricos e metodológicos que
norteiam a educação ambiental no licenciamento, sob uma perspectiva crítica e
socioambiental8.
Mas quais seriam as especificidades da educação ambiental no licenciamento? O
que há de novo nessa proposta que tem suscitado tanto interesse ultimamente em
vários estados do país? Por que essa proposta estaria sendo considerada por
vários educadores ambientais como estratégica para a gestão ambiental?
Segundo Loureiro (2009:20) essas respostas podem ser dadas de um modo bem
direto: “a educação ambiental no licenciamento atua fundamentalmente na
gestão dos conflitos de uso e distributivos ocasionados por um empreendimento”
e, objetiva garantir:
(1) a apropriação pública de informações pertinentes; (2) a produção de conhecimentos que permitam o posicionamento responsável e qualificado dos agentes sociais envolvidos; (3) a ampla participação e mobilização dos grupos afetados em todas as etapas do licenciamento e nas instâncias públicas decisórias.
Para o autor o ineditismo da proposta estaria pautado numa perspectiva de
educação ambiental “com forte impacto nas políticas públicas e nas relações de
poder entre os grupos sociais” que possuem diferentes interesses em relação aos
processos produtivos licenciados.
No entanto, alerta Loureiro (2009:21), para que ocorram impactos nas políticas
publicas, os projetos desenvolvidos deverão ir além de ações pontuais e devem
desenvolver processos educativos que abordem as características, os impactos e
os riscos do empreendimento, o qual deve ser o foco motivador da ação
educativa.
8 Entre os documentos norteadores elaborados pelo IBAMA estão: as “Orientações pedagógicas do Ibama para elaboração e implementação, de Programas de Educação Ambiental, no Licenciamento de Atividades de Produção e Escoamento de Petróleo e Gás Natural”, de 2005 e a Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA NO 001/10, de 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 107
Assim, o mesmo autor ressalta que a Educação Ambiental não deve reproduzir e
dar sentido universal a modos de vida e a valores de grupos dominantes e observa
que é comum o desenvolvimento de projetos de Educação Ambiental que levam
“grupos sociais em situação de exclusão a aceitarem padrões culturais e
comportamentais previamente estabelecidos e a assumirem certos problemas
como prioritários”. (Loureiro, 2004:4)
O autor chama atenção para o fato de que estes projetos deveriam,
fundamentalmente, “estabelecer processos participativos de ação consciente e
integrada, fortalecendo o sentido de responsabilidade cidadã e de pertencimento
a uma determinada localidade”. Considerando que “todos são sujeitos da
transformação individual e coletiva, não podendo haver passividade diante do
mundo”. (Loureiro, 2004:5)
Segundo Loureiro (2004:5) “educar é agir conscientemente em processos sociais
que se constituem conflitivamente por atores sociais que possuem projetos
distintos de sociedade, que se apropriam material e simbolicamente da natureza
de modo desigual.”
Para o autor, não se deve admitir que um projeto de EA no licenciamento, por
exemplo, seja pautado por atividades com crianças em escolas ou visitações em
áreas preservadas sem que se leve em consideração o objeto central do processo:
o empreendimento e seus efeitos. Até porque a atribuição educativa própria da
gestão ambiental é a educação não-formal. (Loureiro, 2009)
A EA no âmbito do licenciamento das atividades marítimas de exploração e
produção de óleo e gás
Como já apresentado, as ações de Educação Ambiental no licenciamento das
atividades marítimas de óleo e gás são obrigatórias e visam minimizar os riscos e
os impactos da atividade sobre os grupos sociais afetados por ela. Desde 2004, o
IBAMA tem proposto diretrizes para o desenvolvimento de projetos de educação
ambiental que visam ao empoderamento desses grupos, de maneira a diminuir sua
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 108
vulnerabilidade. No caso da atividade de petróleo, principal atenção tem sido
dada aos pescadores artesanais9, uma vez que estes são considerados os mais
afetados por esse tipo de empreendimento.
De acordo com Loureiro (2009), o público prioritário de qualquer projeto no
contexto do licenciamento devem ser os grupos afetados pelos empreendimentos,
e os espaços de atuação dos educadores aqueles onde se manifestam os conflitos
de uso.
Em consonância com tais princípios, foram propostas pelo IBAMA, ações de
Educação Ambiental para a fase de exploração da atividade petrolífera (etapas de
sísmica e de perfuração), que ocorrem no âmbito de um projeto denominado
Plano de Compensação da Atividade Pesqueira – PCAP e para a etapa de produção,
o projeto de Projeto de Educação Ambiental – PEA.
Ambos os projetos estão orientados para os processos pedagógicos nos espaços
não formais da educação, ou seja, aqueles que ocorrem em reuniões, nos
sindicatos, nas associações, ou seja, no inter-relacionamento das pessoas.
As ações do PEA devem proporcionar meios para a produção e aquisição de
conhecimentos e habilidades e contribuir para o desenvolvimento de atitudes
visando à participação individual e coletiva na gestão do uso sustentável e na
conservação dos recursos ambientais, bem como, na concepção e aplicação de
decisões que afetam a qualidade ambiental (meios físico-natural e sociocultural).
9 A definição de pesca artesanal utilizada pelo IBAMA considera que essa atividade contempla tanto as capturas com objetivo comercial associadas à subsistência das famílias dos participantes, quanto àquelas com objetivo essencialmente comercial. Destaca-se como uma grande fornecedora de proteína de ótima qualidade para as populações locais, é multiespecífica (captura diversas espécies de peixe), utiliza grande variedade de aparelhos e, em geral, a maioria das embarcações não é motorizada. Geralmente, os meios de produção (petrechos de pesca) são confeccionados pelo grupo familiar ou em bases comunitárias e o saber-fazer orienta as pescarias e a divisão das tarefas do grupo. O pescador artesanal exerce sua atividade de maneira individual, em pares ou em grupos de quatro a seis indivíduos e está sob o efeito de pressões econômicas que governam sua estratégia de pesca, selecionando os peixes de maior valor. Sua relação com o mercado é caracterizada pela presença de intermediários. A relação de trabalho parte de um processo baseado na unidade familiar ou no grupo de vizinhança e tem como fundamento o fato de que os produtores ou parte deles são proprietários do seu meio de produção (DIEGUES, 1983).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 109
O PEA é elaborado conforme os princípios básicos da educação ambiental
definidos pela Lei 9.795/99 e é construído e implementado em conjunto com os
grupos sociais afetados pela atividade, fazendo uso de metodologias
participativas. Conseqüentemente, o processo educativo se inicia desde a etapa
de diagnóstico e as decisões, ou ações prioritárias, são sempre escolhidas
coletivamente, a partir da negociação entre os grupos sociais, empresa e IBAMA.
O PEA e o PCAP possuem duas etapas. A primeira refere-se a um diagnóstico
participativo realizado com os grupos afetados pelo empreendimento, o qual
resulta na proposição de projetos que compõem uma agenda ambiental
comunitária10. A segunda etapa consiste na escolha e implementação de um ou
mais projetos propostos na primeira etapa. O(s) projeto(s) selecionado deve
promover ações coletivas, atender às exigências legais e buscar mecanismos de
sustentabilidade.
Considerações finais
Diante do que foi apresentado a respeito dos projetos de educação ambiental
enquanto medidas mitigadoras / compensatórias dos impactos socioambientais da
atividade marítima de petróleo e gás, como saber se os projetos de caráter
participativo trarão resultados verdadeiros e serão eficazes no alcance dos
objetivos de empoderamento e de construção de alternativas reais de
desenvolvimento para aquelas comunidades? Como verificar se os impactos
socioambientais provocados pelos empreendimentos licenciados foram
minimizados e/ou compensados? Como medir os resultados obtidos? Esse é sempre
um grande desafio ao se tratar de ações de caráter qualitativo.
Tentar descobrir em que medida esses projetos de educação ambiental são
instrumentos de empoderamento e emancipação dos grupos sociais ou são apenas
instrumentos que manterão o status quo das comunidades, gerando ações
tuteladas pelas empresas em atendimento às exigências do Estado é o desafio
atual dos analistas ambientais da CGPEG/IBAMA.
10 Não necessariamente o produto final da primeira etapa é uma agenda ambiental comunitária. Mas, o termo será aqui utilizado, pois o resultado gerado é um diagnóstico comunitário e um conjunto de ações de curto, médio e longo prazo, necessário para desenvolver a comunidade e diminuir sua vulnerabilidade aos empreendimentos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 110
Do que se observou até o momento das experiências de projetos de educação
ambiental relacionados a processos de licenciamento ambiental federal das
atividades marítimas de exploração e produção de petróleo em andamento no
país, é a existência de um limite muito tênue entre ações emancipatórias e
tuteladas, sendo necessária uma reflexão contínua sobre até onde ir e o que se
pode exigir.
A adoção de premissas e de diretrizes claras para nortear os projetos de educação
ambiental exigidos como medidas mitigadoras e compensatórias do licenciamento
ambiental, por exemplo, é uma condição necessária, para que o Estado cumpra
seu papel de gestor, as empresas implementem projetos comprometidos com a
transformação da realidade socioambiental das comunidades e estas sejam co-
autoras dos projetos e exerçam seus direitos e deveres na gestão de seu espaço de
vida.
Portanto, ainda que os projetos de educação ambiental busquem o fortalecimento
das organizações sociais e o apoio dos movimentos sociais, é necessário que sejam
acompanhados, avaliados e sistematizados, gerando informações que subsidiem a
formulação de políticas públicas que visem institucionalizá-los como ações
obrigatórias no campo da gestão ambiental.
Neste contexto, o IBAMA, no licenciamento de petróleo e gás, tem desenvolvido
um conjunto de procedimentos que, recentemente, foram consolidados na
elaboração da Nota Técnica No 001/10, voltada para articular diferentes PEAs
desenvolvidos em uma mesma região impactada pela cadeia produtiva do
petróleo, tendo por principais objetivos direcionar diferentes linhas de ação de
modo que venham a convergir para uma efetiva gestão ambiental regional e
garantir que os processos educativos estejam voltados para a mitigação /
compensação dos impactos da atividade licenciada.
Dentre as linhas de ação propostas na referida Nota Técnica, está prevista a
elaboração de PEAs que desenvolvam ações voltadas para a (i) organização
comunitária para a participação no licenciamento ambiental, o (ii) controle social
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 111
da aplicação de royalties e de participações especiais da produção de petróleo e
gás natural, o (iii) apoio à elaboração, à democratização, à discussão pública e à
fiscalização do cumprimento das diretrizes de Planos Diretores municipais e o (iv)
apoio à discussão e ao estabelecimento de acordos para a gestão compartilhada
das atividades na zona marítima.
Os processos educativos propostos para o licenciamento de petróleo pretendem
realizar um papel de mediação junto aos grupos e movimentos sociais impactados,
contribuindo para que os sujeitos envolvidos no processo educativo sejam capazes
de desvelar a realidade vivida, em todos os seus aspectos, incluindo as
contradições, as causas da desigualdade, da vulnerabilidade socioambiental e dos
riscos a que estão sendo submetidos. Espera-se dessa forma, instrumentalizá-los,
tornando-os aptos a defender seus diretos e interesses, motivando-os a reagir e a
participar “como sujeitos políticos” dos espaços públicos de decisão. (Layrargues,
2009)
Dessa forma, acredita-se que o fortalecimento da proposta de educação no
processo de gestão ambiental no interior das dinâmicas do licenciamento,
possibilitará ao Estado ampliar o seu papel de mediador de conflitos e promotor de
políticas socioambientais de caráter público e universalizante.
Referências Bibliográficas: IBAMA. Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA NO 001/10. Rio de Janeiro: CGPEG / IBAMA, 2010. LAYRARGUES, P.P. “Educação ambiental com compromisso social: o desafio da superação das desigualdades”. In: Carlos Frederico Bernardo Loureiro, Philippe Pomier Layrargues, Ronaldo Souza de Castro (Orgs.) Repensar a educação ambiental: um olhar crítico – São Paulo: Cortez, 2009. p: 11-32. LOUREIRO, C. F. B In: “Educação ambiental no licenciamento: aspectos legais e teórico-metodológicos.” In: Carlos Frederico Loureiro (Org.) Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, 2009. p: LOUREIRO, C. F. B.. “Educação Ambiental e Gestão Participativa na Explicitação e Resolução de Conflitos”. In: Gestão em Ação. v.7, no 1, jan./abr. Salvador, 2004. 16 p. Disponível em: http://homologa.ambiente.sp.gov.br/EA/adm/admarqs/FredericoLoureiro.pdf QUINTAS, J.S. “Educação no processo de gestão pública: a construção do ato pedagógico”. In: Carlos Frederico Bernardo Loureiro, Philippe Pomier Layrargues, Ronaldo Souza de Castro (Orgs.) Repensar a educação ambiental: um olhar crítico – São Paulo: Cortez, 2009. p: 33 – 80.
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SERRÃO, M.A., WALTER, T. VICENTE, A. “Educação ambiental no licenciamento ambiental- duas experiências no litoral baiano”. In: Carlos Frederico Loureiro (Org.) Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, 2009. p: 107 – 142.
WALTER, T. & MENDONÇA, G. Pode o licenciamento ambiental promover o desenvolvimento local? Uma reflexão a partir do Baixo Sul – BA. IN: Anais do Seminário de Comemoração dos 30 anos do CPDA, 2007.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 113
O licenciamento ambiental de petróleo frente às discussões sobre
desenvolvimento local: potencialidades e limitações quanto à capacidade de
redução de desigualdades sociais
Gilberto Moraes de Mendonça1
1. Introdução
Nas Ciências Sociais, um dos conceitos repletos de juízos de valor é aquele
associado ao termo “desenvolvimento”. Como destaca STAVENHAGEN (1985),
desenvolvimento significa mudança, evolução, crescimento, porém ainda não estão
definidos os pontos de partida e chegada ou as referências nas quais devem se basear
estudos e políticas que buscam promover tal mudança. As questões que se põem para que
sejam definidas essas referências podem ser muitas e, como exemplo, têm-se:
desenvolvimento de quê e para quem?; de onde para onde?; de pobre a rico?; de
tradicional a moderno?; de pequeno a grande? Mesmo assim, o termo é aceito como tema
de trabalho e praticam-se as diversas noções desse conceito, seja entre os economistas e
sociólogos, seja entre os planejadores e gestores. Outros termos e expressões similares
são, também, amplamente usados, tais como “subdesenvolvimento” ou “desenvolvimento
perverso” como uma situação desviante de uma noção de desenvolvimento válida,
mostrando, assim, que os valores estão postos antes mesmo de se estabelecer um
arcabouço consensual de ferramentas para discutir a questão.
Não se pode desconhecer o fato de que a disputa do campo semântico do termo
“desenvolvimento” apresenta-se como uma arena da política e da hegemonia ideológica
vigente. Não se trata, portanto, de um conceito neutro. Sua origem se deu, segundo
FAVERO (2003), no seio da economia liberal, cujo objetivo sempre foi apontar caminhos
para a reprodução do capitalismo. Por isso mesmo, foi alvo de críticas desde o seu
nascimento, permitindo a elaboração de diversas teorias do desenvolvimento. Importa
saber se as teorizações e concepções contemporâneas sobre o desenvolvimento trazem, de
fato, propostas de alterações estruturais na sociedade, centradas no humano e criadoras
de vida digna. Nesse sentido, ressurgem, aqui, outras perguntas clássicas sobre o tema e
destacadas por esse autor: quem é o sujeito do desenvolvimento?; quem é o beneficiário
do desenvolvimento?
1 Analista Ambiental – Coordenação Geral de Petróleo e Gás – Diretoria de Licenciamento Ambiental – IBAMA. Engenheiro
Civil e Agrônomo, Mestre em Ciências em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ), doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED/UFRJ).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 114
A partir de um levantamento sumário sobre as concepções históricas de
desenvolvimento e sobre as dinâmicas que envolvem as propostas inseridas no chamado
“desenvolvimento local”, o presente artigo pretende apresentar, de forma sucinta,
potencialidades e limitações do licenciamento ambiental brasileiro de petróleo e gás no
meio marítimo, quanto à sua capacidade de propor redução das desigualdades sociais.
Optou-se, para tal, por lançar mão de abordagens de autores que estudam o
desenvolvimento e daqueles que tratam do papel do Estado e da participação de atores
sociais na elaboração e implementação de políticas públicas, bem como de explanações
sobre a prática do licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de petróleo e
gás.
2. As concepções de desenvolvimento em perspectiva histórica
COWEN e SHENTON (1996), analisando a obra de diversos autores, dentre eles
Malthus, Comte, Marx e Mill, mostram que a ideia moderna de desenvolvimento emergiu na
primeira metade do século XIX na Europa e era traduzida como um conjunto de
melhoramentos a serem promovidos ante a crise social (pobreza e desemprego) que se
sucedeu ao rápido movimento da população do campo para os centros urbanos para dar
cabo da expansão da produção industrial. Assim, desenvolvimento era a reconstrução da
ordem e combate à miséria social para compensar os efeitos negativos do capitalismo; o
progresso somente poderia ser sustentado por meio de uma ação construtivista intencional
e a produção industrial e a organização eram aceitas como parte integrante do movimento
na direção a um estágio orgânico e positivo da sociedade europeia. Nota-se, aqui, o
desenvolvimento ligado à ideia de progresso e o nascimento de um pensamento
necessariamente eurocêntrico do termo, bem como a inescapável força com que o
conceito é comumente associado ao seu sentido econômico. Foi nesse período que a
economia de mercado adquiriu sua maturidade (na Inglaterra e na esteira da Revolução
Industrial) e potencializou as diferenças já existentes entre os países em termos de
distância entre ricos e pobres, no que diz respeito a seus indicadores socioeconômicos.
Mesmo considerando esses fatos, são as três décadas que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial, chamada de “era de ouro” do capitalismo (entre os anos 50 e os anos 70 do século
passado), que diversos autores registram como sendo o período que marca a explosão do
imaginário contemporâneo sobre desenvolvimento.
Segundo FALLEIROS, PRONKO e OLIVEIRA (2010), nesse período, consolidou-se a
hegemonia do capitalismo no mundo ocidental, pela difusão do “americanismo” (expressão
de Antonio Gramsci para designar o modo de vida característico dos norteamericanos no
século XX): um conjunto de estratégias dos Estados Unidos da América que, ao se
transformarem no principal agente de reconstrução da Europa devastada pela Guerra,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 115
consolidaram seu projeto societário capitalista frente ao ideário comunista soviético. E ao
obterem êxito nessa reconstrução, por meio de significativa melhoria de vida (pleno
emprego, consumo de massa, etc.), fortaleceram mundialmente sua posição
anticomunista. Também nesse período, foi instaurado, nos países capitalistas centrais, o
Estado de bem-estar social e ocorreram, simultaneamente, alto crescimento da
industrialização e expansão da produção. As fronteiras nacionais começaram a se
flexibilizar, surgiram as empresas multinacionais e uma nova e sofisticada divisão
internacional do trabalho.
Como salienta STAVENHAGEN (1985), ao longo das décadas citadas anteriormente,
predominou uma concepção linear evolucionista sobre o desenvolvimento, tendo como
referência o reconhecimento de que determinadas regiões do planeta — a maioria
localizada nas colônias e ex-colônias europeias — eram “atrasadas” em termos
econômicos, sociais e culturais, algumas delas, também no âmbito político. Esse atraso,
conforme entendido na época, se dava nos aspectos da pobreza, fome, baixo produto
nacional, baixa renda per capita e baixos padrões de vida. Percebiam-se como remédio
para o atraso medidas que fomentassem o crescimento econômico, formuladas e
implementadas de diversos modos, a depender da situação diagnosticada, como por
exemplo, incentivo à formação de capital, à tecnologia, à educação. Entretanto, o que se
percebeu, em seguida, é que nem todos esses fatores agindo em conjunto poderiam
solucionar o detectado problema do atraso. Corrobora tal fato o que ressalta MALUF
(2000): a partir da segunda metade dos anos 1970 ficaram patentes os impasses teóricos e
práticos da promoção do desenvolvimento econômico, a partir do reconhecimento dos
limites encontrados nas políticas e programas que buscavam emancipar econômica e
socialmente as nações. Diante dessa constatação, houve uma importante distinção entre o
crescimento econômico (formulado em termos de produto e renda) e o desenvolvimento
em sentido mais amplo, passando o desenvolvimento social e o institucional a serem
componentes mais fortes nas discussões. E o subdesenvolvimento não significava mais “ser
atrasado”, mas sim “ser dependente e explorado”, passando de um conceito linear a um
conceito relacional, ou seja, em termos metodológicos, houve uma mudança de paradigma
em relação ao período anterior.
3. A intervenção do Estado e alternativas para se pensar o desenvolvimento
A questão da intervenção do Estado e se esta beneficia ou prejudica o bem-estar
econômico e social no capitalismo é historicamente recorrente. E defender ou não essa
intervenção passam a ser os argumentos centrais na disputa entre projetos políticos que se
propõem diagnosticar e equacionar questões econômicas e sociais.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 116
Em uma economia capitalista existe uma tensão permanente entre dois mecanismos
pelos quais os recursos escassos são alocados na produção de bens e serviços e esses são
distribuídos entre os cidadãos: o mercado e o Estado. Na esfera política, essa tensão é
exacerbada pela democracia e, ideologicamente, pauta o debate contemporâneo em torno
do papel do Estado na economia.
Conforme REIS (2008), desde meados do século XIX, prevaleceram três teorias ou
quadros conceituais, sustentando quatro projetos políticos em disputa: (i) teoria política e
econômica liberal, sustentando dois projetos distintos, o liberal-conservador (ou
neoliberal) e o liberal-democrata; (ii) teoria marxista, onde se apoia o projeto social-
democrata; (iii) teoria desenvolvimentista da CEPAL (Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe), subsidiando o projeto desenvolvimentista. Entre os anos 1950 e 1980, a
discussão atingiu seu auge, principalmente pela apropriação, pelo projeto liberal-
democrata e pela social-democracia, de uma teoria econômica — o keynesianismo — que
propunha, por meio da intervenção estatal no funcionamento dos mecanismos de mercado,
a elevação e manutenção do bem-estar social. Nesse sentido, o liberal-democrata se
distancia do projeto neoliberal, o qual não acredita que as falhas de mercado possam ser
corrigidas por meio da intervenção do Estado. Por fim, as contribuições da CEPAL, com
pontos em comum com o keynesianismo, forneceram subsídios teóricos para a orientação
das ações dos governos nacionais de países da região, no sentido de superarem sua
condição por meio da industrialização. Fato é que, entre os anos 1950 e 1970, prevaleceu a
visão social-democrata e, dos anos 1980 em diante, voltou a prevalecer a liberal-
conservadora, que havia dominado no período entreguerras.
No que concerne aos países periféricos, no modelo prevalecente de
desenvolvimento entre os anos 1950 e 1970, o Estado gestava e implementava uma
variante da industrialização orientada para o interior desses países, tendo como meta a
substituição de importações. A partir dos anos 1980, instaura-se uma política econômica
que, em contraste, alterou quase por completo a intervenção do Estado, com a
liberalização do comércio interno e dos investimentos, privatização de empresas estatais e
aplicação de uma série de reformas econômicas. Como atestam FALLEIROS, PRONKO e
OLIVEIRA (2010), a década marca o início da neoliberalização do mundo, processo
capitaneado pelos governos de então da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, o que
provocou profundas mudanças em todas as dimensões da vida social, a desregulamentação
de todos os mercados, o comércio livre e a mundialização do capital, reforçando a
globalização produtiva, financeira e tecnológica e tendo como consequência o
aprofundamento das desigualdades sociais. Isto porque, ao fim da década, consolida-se o
consenso ideológico global (por vezes, rotulado de Consenso de Washington): uma nova
ordem global, onde, conforme EVANS (1997), as prescrições ideológicas angloamericanas
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 117
passam a ser transcritas dentro de regras formais do jogo, com as quais os Estados
individuais têm de se comprometer ou, então, arriscarem a se tornar párias econômicos. O
receituário foi aplicado aos países em dificuldades financeiras, principalmente aos
latinoamericanos. Nesse cenário, o papel do Estado altera-se significativamente, passando
a ser, então, o de criar e preservar uma estrutura institucional, de modo a garantir a
manutenção da doutrina neoliberal.
Nos anos 1990, os efeitos negativos do neoliberalismo provocaram a criação da
Terceira Via (também conhecida como “social-liberalismo”), um projeto político que,
segundo FALLEIROS, PRONKO e OLIVEIRA (2010), tem a função de desempenhar o papel de
nova âncora do capitalismo neoliberal. Esse projeto também tem interferido de maneira
intensa no papel do Estado na sua responsabilidade pela execução das políticas sociais,
embora diferentemente da doutrina neoliberal: enquanto esta defende a privatização e
define que a execução dessas políticas cabe ao mercado, a Terceira Via repassa essa
responsabilidade para as organizações da sociedade civil. Dentre outras práticas, o Estado
neoliberal da Terceira Via: interfere na legislação e concebe estruturas regulatórias que
privilegiam interesses específicos; assume riscos nas parcerias público-privadas; vigia e
pune, por meios diversos, a classe trabalhadora; tem o dever de proteger interesses
corporativos. Embora receba críticas contundentes, esta é a ideologia hegemônica no
início século do XXI em todos os países do chamado “mundo ocidental” e está voltada para
a criação de um novo senso comum e um novo padrão de sociabilidade, preservando a
lógica da acumulação.
O desgaste de cada um dos projetos postos em prática nas últimas décadas fez com
que diversos autores venham defendendo, por meio de argumentação teórica e evidências
empíricas, que os Estados são vitais para o bem-estar social e econômico de seus cidadãos
e que a questão apropriada não é “o quanto” intervir, mas sim “que tipo” de intervenção
deve ser processada pelo Estado. Surgem, então, os novos caminhos para se pensar a
temática do desenvolvimento, com perspectivas mais amplas e diversificadas. Assim,
STAVENHAGEN (1985) propõe um modelo de “desenvolvimento alternativo”, com uma
abordagem que envolva vários elementos que nem sempre ocorrem em conjunto. Dentre
esses elementos, encontram-se: uma estratégia destinada a satisfazer as necessidades
básicas fundamentais de um grande número de pessoas; uma visão endógena, ao invés
daquela orientada para exportações e importações; ações válidas do ponto de vista do
respeito ao meio ambiente; uso de recursos de forma a ter autossustentação local,
nacional e regional; mais participação da sociedade em todos os níveis do processo e
menos tecnocracia; aproveitamento de tradições culturais existentes; implantação do
“etnodesenvolvimento”, ou seja, respeito e reconhecimento da variedade grupal, tornando
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 118
a etnicidade como aliada do desenvolvimento e da legitimação do Estado-nação e não,
como é usual, encoberta ou negada por este último.
4. As noções sobre desenvolvimento local
Nas três últimas décadas, ficou patente que a globalização desestrutura a sociedade
na periferia e caduca a democracia representativa, potencializando a separação entre
dominantes e dominados. Tende a caducar, também, o Estado-nação, o que desfaz a
cidadania, caso esta não possa se desenvolver sob sua própria racionalidade, para além da
racionalidade burguesa. Tais consequências dos processos de globalização para o Estado-
nação provocaram o surgimento de novas concepções de desenvolvimento a serem
implementadas junto às sociedades situadas no interior dos países. Gestou-se, assim, a
ideia de um tipo de desenvolvimento que pudesse promover uma espécie de proteção da
realidade local contra os reveses advindos da globalização e que, simultaneamente,
elevasse o dinamismo econômico dos territórios em questão, cunhando-se, aí, a expressão
“desenvolvimento local”. Exemplos de iniciativas dessa natureza já eram vários, à época, e
destaca-se, segundo OLIVEIRA (2001), o desenvolvimento em âmbito local praticado (e bem
sucedido) em países europeus, principalmente na Itália, entre a Segunda Guerra e meados
dos anos 1980. Ou seja, no seu nascimento, o desenvolvimento local está associado à ideia
de um processo a ser construído nos Estados nacionais, pela valorização dos atributos
locais, frente à possível desagregação desses atributos promovida pela globalização.
O termo “local”, contido na expressão, passou, a partir de então, a ser identificado
e significado de formas diversas, a depender da intenção e do discurso de quem pretende
implementar alguma forma desse tipo de desenvolvimento ou, mesmo, simplesmente
colocá-lo na agenda de debates, sejam estes acadêmicos, políticos, econômicos, sociais.
Sendo assim, o que se observa, normalmente, é o “local” como sinônimo de território e os
exemplos são dos mais diversos: um determinado país, em uma comparação com os demais
ou com outro país específico; uma região que engloba vários países; uma região ou um
Estado dentro de um país; um município ou conjunto de municípios; uma comunidade ou
localidade dentro de um município. Tudo isso reforça o caráter de territorialidade
associado à construção do conceito.
Outro caráter inescapavelmente associado ao desenvolvimento local é a sua
endogeneidade, o que remete aos grupos sociais que vivem nos territórios em questão,
bem como às suas condições de vida, no que diz respeito à cidadania, e ao nível de
democracia vivenciado por esses grupos. Nesse sentido, refletir, na atualidade, sobre o que
vem a ser desenvolvimento local requer estar atento às atuais tensões na diferenciação
entre o que é público e o que é privado, as quais foram enumeradas e comentadas por
DUPAS (2003). Dentre essas tensões, para o caso específico da endogeneidade, basta
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 119
observar os fatos citados pelo autor no que concerne à cidadania, descritos,
resumidamente, nessa sequência: (i) os mercados globais construíram a metáfora da
soberania popular triunfando sobre Estados coercitivos para garantir a liberdade individual,
de modo a que o individualismo fosse afirmado como único caminho de inclusão e de
sucesso; (ii) essa exaltação desmesurada da individualidade implicou crescente volatização
da solidariedade; (iii) a intensificação do narcisismo leva tanto à emancipação do indivíduo
quanto a uma aversão à esfera pública, o que causa a consequente degradação desta; (iv)
a esfera privada passa a ser, assim, percebida como o único locus possível de liberdade, o
que gera progressiva privatização do conceito de cidadania.
OLIVEIRA (2001) segue essa linha, sublinhando que a noção de desenvolvimento
local, como qualidade, ou se apoia na cidadania, ou então será apenas sinônimo de uma
certa acumulação de bem-estar e qualidade de vida nos âmbitos mais restritos. Sob essa
perspectiva, a noção de cidadania a nortear a tentativa de mensuração dos processos e
estoques de bem-estar e a qualidade de vida deve se referir ao indivíduo autônomo, crítico
e reflexivo, longe, portanto, do indivíduo-massa; ou seja, trata-se de uma aquisição por
meio do conflito. O autor salienta que o desenvolvimento local é uma noção polissêmica
que comporta tantas quantas sejam as dinâmicas de busca do exercício da cidadania e,
portanto, qualquer tentativa de transformá-lo em modelos paradigmáticos está fadada ao
fracasso. Segundo ele, essas dinâmicas poderiam criar um espaço de interação entre
cidadãos e recuperar a autonomia na gestão do bem comum, fazendo com que, dessa
forma, o governo poderia estar ao alcance das mãos dos cidadãos. Destaca, entretanto,
que a maior parte das definições e ensaios de desenvolvimento local, a rigor, assemelha-se
mais com adaptações dos dominados do que com alternativa à dominação. Para romper
essa fronteira, ele sugere que seja inventado, ao longo do processo, um novo recurso que
não possa ser anulado e que se configure como tendência contrária aos processos
dominantes.
5. Aspectos sobre a participação social nos processos de desenvolvimento
No que concerne à relação entre os atores, cabe aqui tecer considerações sobre a
constituição e as formas de ação política dos grupos sociais e sobre a categoria nomeada
de “sociedade civil” e as contradições existentes na inserção desta no debate
contemporâneo sobre a democracia, no Brasil e demais países da América Latina.
DAGNINO, RIVERA e PANFICHI (2006) salientam que os espaços públicos são as
instâncias deliberativas que dão voz aos atores sociais, instâncias estas que não são
monopolizadas por um único ator social ou político ou pelo próprio Estado. É certo que
nessas instâncias, como sustentado pela teoria da sociedade civil, a ação política se faz
presente, pois ela é parte da lógica da própria sociedade civil, cujos atores, quando
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 120
defendem seus projetos na esfera pública e constroem a ação coletiva, estão fazendo
política e disputando espaço de poder. Mas, por refletir a multiplicidade social e política,
as instâncias são, também, a arena de reconhecimento da diversidade de conflitos,
interesses e opiniões na busca por caminhos que estabeleçam igualdade de recursos aos
participantes do processo, em termos de informação, conhecimento e poder. FAVERO
(2003) alerta, contudo, que o lugar, o papel e o significado dos grupos e movimentos
sociais nas dinâmicas do desenvolvimento são definidos em função de quem detém a
primazia da determinação dos rumos dos processos. Os diversos grupos sociais, ao longo da
história, transitam entre mercado e Estado e, assim, constroem conotações diversas para a
ideia de desenvolvimento, o que, na prática, acaba por ser de difícil compreensão, para os
diversos atores, o que seja participar ativa ou passivamente dos processos em curso.
OLIVEIRA (2001) chama a atenção para o não reducionismo da sociedade civil ao
desenvolvimento local e para uma conceituação não apaziguadora tanto da sociedade civil
quanto do desenvolvimento local. Cita, então, Antonio Gramsci, no sentido de sublinhar
que a sociedade civil é o lugar do conflito pela hegemonia. No Brasil, o autor salienta que,
nos discursos governamental, da mídia, das entidades filantrópicas privadas, das
organizações não governamentais, da “nova ética empresarial” e em certos discursos
acadêmicos, todos pautados pela doutrina neoliberal, a sociedade civil passou a designar
um lugar do “não conflito”, onde os interesses não aparecem, e a cidadania virou sinônimo
de harmonia, de paz social. Essa visão não é apenas falsa conceitualmente, mas também
nas práticas social e política, pois que reduz a sociedade civil ao âmbito dos atores
privados.
FONTES (2006) salienta que Gramsci, ao estabelecer seu conceito para sociedade
civil, forjou um instrumento precioso de análise e compreensão das sociedades capitalistas
avançadas. Como o capitalismo sempre produz classes dominantes e subalternos
explorados, é na análise da correlação de forças e da organização das classes dominantes e
do Estado que se apoiam as ideias desse pensador. A autora ressalta que antes das
formulações de Gramsci, os estudiosos davam ao conceito de sociedade civil um sentido
que abarcava os interesses, o mercado, a concorrência. Com Gramsci, o conceito é
recriado e a sociedade civil passa a ser compreendida como inseparável da noção de
totalidade, ou seja, da luta entre as classes sociais, das relações sociais de produção. É o
local da consolidação dos projetos sociais e das vontades coletivas, não havendo, portanto,
separação ou oposição entre sociedade civil e Estado: Gramsci compreende a sociedade
civil como o “Estado integral”; ou, na expressão cunhada por BUCI-GLUCKSMANN (1980), o
“ Estado ampliado”. Como declara a autora, essa ampliação do Estado na perspectiva
gramsciana se dá nos “pontos de fusão” entre Estado e sociedade, os quais ocorrem por
meio da união de frações da classe dominante com unidades da classe burguesa e por meio
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 121
dos vínculos ideológicos e materiais da classe dominante com suas bases. O Estado, em vez
de ser reduzido a um instrumento externo às relações sociais, articula-se a elas na forma
de dominação de classe, qual seja, um processo de organização do consenso de uma ampla
camada da população em torno da política da classe dominante, por meio dos aparelhos de
hegemonia.
É importante frisar que, na América Latina, como discorrido por MESCHKAT (2000),
o conceito de sociedade civil se difundiu quando quase todos os governos eram ditaduras
militares: o “civil” era o “não militar”. Esse contexto é bem distinto daquele que existia
nos países do chamado socialismo real; porém, em ambos os casos, tratava-se de um
esforço para fazer retroceder o Estado e buscar espaço para os grupos sociais. Contudo,
deve-se lembrar que nem todas as associações civis foram eliminadas pelos governos
militares: associações empresariais existiram livremente, apoiando os regimes enquanto
estes garantissem a ordem. O que foi destruído pelos militares foi a outra parte da
sociedade civil: as organizações e movimentos sociais das camadas mais baixas da
população, dentre elas, campesinos, operários, indígenas, moradores — o conjunto dos
oprimidos e explorados da sociedade. Na atualidade, a expressão “sociedade civil” ainda
figura como lema para apoiar esforços dos excluídos para alcançar cidadania e como um
conceito que legitima a tentativa de acesso às novas ou revividas estruturas democráticas
em nível nacional e local. Porém, como assinala o autor, há uma tendência de evocar a
expressão para sair da necessidade de confrontações entre forças opostas e desenhar um
mundo livre de dominação, equiparando a sociedade civil com a economia de mercado. É
preciso, então, cuidado para que um lema de emancipação não seja convertido em um
elemento da ideologia dominante. Nesse sentido, é indispensável realizar um esforço para
entender o contexto no qual surgem e vão se modificando os conteúdos dos conceitos
políticos.
Para LOBATO (2006), em países capitalistas de industrialização retardatária (como
os da América Latina) a formulação de políticas públicas tem outros complicadores. No
Brasil, onde o processo de acumulação está associado à intervenção do Estado em quase
todos os setores da sociedade, a identificação das formas de relacionamento Estado-
sociedade é ambígua e de difícil apreensão. Por um lado, a ausência quase total e quase
frequente, ao longo do tempo, de sistemas representativos legítimos; a exclusão de amplos
setores sociais do processo político; e um tratamento variante entre a cooptação
dominadora e a coerção estrita sobre os setores populares. Por outro lado, as mesmas
características da acumulação vêm induzindo a uma complexidade na dinâmica social por
meio da convivência de padrões diferenciados de relacionamento entre diferentes
segmentos sociais e destes com o Estado e gerando formas pré-capitalistas ou marginais ao
processo dominante, junto com formas típicas do capitalismo avançado. A autora destaca,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 122
como outros complicadores, a ausência de sistemas partidários fortes, a ainda fraca
organização de grupos pluralistas de interesse e a presença persistente, na sociedade
brasileira, do clientelismo, forma que conviveu juntamente com o corporativismo populista
dos períodos burocraticoautoritários e se mantém forte como canal de relacionamento com
a sociedade.
6. Contradições que permeiam as noções de desenvolvimento local
O deslocamento da territorialidade do plano nacional para o plano local, para se
pensar o desenvolvimento, veio acompanhado, segundo REIS (2008), da diversificação de
atores envolvidos nos novos fluxos de mercadorias e de capitais do processo de
globalização, o que provocou estudos para compreensão da formação e articulação de
redes e do papel do terceiro setor. Induziu, também, os Estados a se empenharem em
pesquisas para identificar a disponibilidade de recursos junto a atores internacionais e
nacionais, onde possam ser engendrados os novos tipos de práticas desenvolvimentistas.
Assim, encontram-se projetos de desenvolvimento local financiados: por empresas (por
conta de responsabilidade social, por exemplo); por organizações de países, como o PPG-7
(grupo dos sete países mais desenvolvidos); por instituições religiosas nacionais e
internacionais; pelo Banco Mundial; por fundações privadas e organizações não
governamentais diversas; pelos próprios agentes públicos (municípios, Unidades da
Federação, fundações e órgãos públicos). O autor alerta que isso não implicou, entretanto,
redução, tanto da desigualdade política e econômica, quanto da dificuldade de
emparelhamento verificada anteriormente entre os países, bem como da assimetria de
poder entre os atores envolvidos. Isto porque, muitas das iniciativas de desenvolvimento
local padecem de uma descontinuidade espacial, temporal e cultural, levando-as ao
fracasso e ao desperdício de tempo, energia e esperança quanto aos sentidos de melhoria
das condições almejados, embora sucesso e fracasso sejam percebidos de forma diferente
pelos atores envolvidos.
Além disso, muitos dos projetos de desenvolvimento local, na atualidade, mesmo
que surjam com a pretensão de solucionar os dilemas da exclusão social, são inócuos
frente à escala dos problemas e despolitizadores quanto às questões sociais — nesse
quadro, como ressalta DUPAS (2003), ganham destaque aqueles incluídos na nova
tendência de responsabilidade social das empresas. Isto porque, essas ações pressupõem a
desqualificação do poder público, desconhecendo a possibilidade de decisão pelo
enfrentamento do conflito, o que é viabilizado pelas políticas públicas ao criar
compromisso e envolvimento dos cidadãos.
Pensar o desenvolvimento local requer considerar que ele se caracteriza por ser
eminentemente endógeno. Muitas vezes, a percepção de quem concebe ou financia os
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 123
projetos de desenvolvimento local e está posicionado “fora do local” não coincide com a
percepção dos atores locais. Assim, conforme REIS (2008), um dos principais problemas dos
projetos está relacionado aos quadros institucionais que encaminham os conflitos e as
potencialidades (por exemplo, governança local, disponibilidade de recursos, coordenação
e articulação de interesses e dos atores).
Na tentativa de romper esses limites, as teorias e enfoques de construção de
estratégias de desenvolvimento local vêm introduzindo ou reformulando conceitos
diversos, tais como: solidariedade social (economia solidária, economia popular e solidária,
economia social); perspectiva ampliada de capital (“ativos de capital”: produtivo, humano,
político, social, cultural, ambiental); associação de processos sociais e instituições
(inovações e especificidades locais; condicionantes estruturais de cada local; criatividade
coletiva; experiências e acumulação de competências; cooperação e intercâmbio entre os
atores). Lembra-se que, nas últimas décadas, surgiu uma abordagem que dá às instituições
um papel central para se pensar os processos de desenvolvimento.
Em que pesem todas as tentativas de teorizar sobre alternativas de
desenvolvimento local, é preciso alertar que vários dos elementos citados acima estão
enredados na corrente da Terceira Via, que, conforme comentado no item 3 deste
trabalho, está situada em países centrais e periféricos e vem operando a ideologia de que
a ordem do capital é imutável. Segundo LEHER (2010), essa operação transcorre em
diversos países da América Latina, por meio de muitas mudanças ocorridas nos anos 1980 e
1990, as quais vêm reconfigurando a esquerda e, também, a direita desses países,
convergindo ambas para um ponto comum. Dessa forma, se forja um aprofundamento do
padrão de acumulação capitalista com alto grau de consentimento popular, mesmo com a
permanência de desigualdades sociais brutais, da violência da expropriação de terras e
direitos sociais e da derrocada das políticas de caráter universalista. Para melhor
compreensão desse processo, faz-se necessário observar as ressignificações da social-
democracia europeia, que nas últimas décadas, assimilou o neoliberalismo e passou a ser
operadora das políticas neoliberais, redefinindo a agenda da social-democracia mundial e
possibilitando o estabelecimento de um tipo de governo social-liberal em diversos países.
7. O licenciamento ambiental de petróleo e o desenvolvimento local
Em outro artigo da presente coletânea, intitulado “Os impactos socioambientais e
as medidas mitigadoras/compensatórias no âmbito do licenciamento ambiental federal das
atividades marítimas de exploração e produção de petróleo no Brasil”, foram
resumidamente descritos a atividade marítima de exploração e produção petróleo e gás,
seus riscos e impactos e o licenciamento ambiental dos empreendimentos, o qual está sob
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 124
responsabilidade da Coordenação Geral de Petróleo e Gás (CGPEG), vinculada à Diretoria
de Licenciamento Ambiental (DILIC) do IBAMA.
Cabe, aqui, trazer outros elementos desse licenciamento, de forma a subsidiar
reflexões sobre esse instrumento de política pública e suas potencialidades e limitações
frente à discussão anterior sobre desenvolvimento local, reflexões estas que são
complementares às levantadas no citado artigo. Para tal, foram utilizadas as medidas
mitigadoras e compensatórias associadas aos impactos no meio socioeconômico
configuradas em projetos cujas ações educativas buscam ter um caráter crítico e
transformador. Nomeadamente, o Plano de Compensação da Atividade Pesqueira (PCAP) e
o Projeto de Educação Ambiental (PEA). As reflexões focam, então, três pontos
específicos: (i) os municípios onde se realizam tais medidas; (ii) os grupos sociais inseridos
nessas medidas; (iii) a legislação que dá suporte ao licenciamento e que pauta as decisões
do quadro técnico da CGPEG.
Quanto aos municípios e aos grupos sociais, é preciso ter em conta que há critérios
para definição da área de influência dos empreendimentos marítimos. Conforme visto no
referido artigo, na atividade de petróleo e gás são licenciados empreendimentos de três
tipos— Pesquisa Sísmica; Perfuração; e Produção & Escoamento — e os impactos se dão nos
meios físico, biótico e socioeconômico. No que tange ao meio socioeconômico, por mais
distante da costa que se pretenda implantar um empreendimento, sua área de influência
são os municípios costeiros onde há comunidades que realizam atividades econômicas (tais
como pesca artesanal, turismo ou outras que venham a ser identificadas) na área do mar
requerida pelo empreendimento. Devem ser consideradas a área de exclusão promovida
pela atividade do navio sísmico (o que inclui o levantamento de dados e a área de manobra
do navio) e aquela do entorno da unidade marítima (plataforma ou sonda) e do sistema de
escoamento (dutos), bem como o aumento do tráfego de embarcações de apoio ao
empreendimento e as rotas dessas embarcações até as bases de apoio, incluindo os portos
ou terminais. Em empreendimento de Produção & Escoamento, também devem ser
incluídos os municípios que, por definição da legislação, irão receber royalties quando do
início da operação da atividade.
De norte a sul do Brasil, são 16 as bacias sedimentares que abrangem a região
costeira e oceânica e, sob responsabilidade da CGPEG, há processos de licenciamento de
empreendimentos localizados na área marítima adjacente a vários Estados. Os
empreendimentos de Sísmica e de Perfuração vêm ocorrendo sistematicamente desde a
Bacia da Foz do Amazonas, situada no extremo norte, à Bacia de Pelotas, situada no
extremo sul. No que diz respeito à Produção& Escoamento, há empreendimentos
licenciados que se encontram frontais aos Estados de São Paulo, Bahia, Sergipe e Rio
Grande do Norte, mas a maior concentração de empreendimentos (e dos processos de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 125
licenciamento) se encontra, atualmente, na Bacia de Campos, área marítima que se
estende de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, até próximo a Vitória, no Espírito Santo.
A título de ilustração sobre a potencialização dos conflitos gerados pelo uso do
espaço marítimo, basta observar o tráfego acrescido pela indústria de petróleo off shore
somente na Bacia de Campos, onde operam, atualmente, mais de 100 embarcações,
exclusivamente para essa atividade. E não são embarcações de pequeno porte. De uma
forma geral, uma embarcação lançadora de linha (que instala os dutos de escoamento no
assoalho marinho) chega à arqueação bruta de 25.000 t, podendo abrigar cerca de 200
trabalhadores. O navio sísmico se situa em uma faixa que está entre 2.000 e 4.000 t de
arqueação bruta. Um barco de apoio ou de emergência, entre 4.000 e 10.000 t. E mesmo
as consideradas menores, geralmente, têm mais de 400 t. Para efeito de comparação, uma
traineira comumente utilizada na pesca artesanal na costa fluminense encontra-se na faixa
de 10 a 20 t de arqueação bruta, onde atuam, em média, de 5 a 8 pescadores. E a julgar
pela Produção nos megacampos do pré-sal, na Bacia de Santos (área marítima que se
estende de Florianópolis a Arraial do Cabo), todas as questões sobre gestão socioambiental
nos municípios costeiros fluminenses irão se intensificar, independentemente da discussão
sobre alteração na atual legislação sobre royalties.
Assim, em diversos municípios da costa há PCAPs e PEAs sendo realizados,
envolvendo comunidades pesqueiras e outros grupos sociais, com as mais díspares
dinâmicas sociais, econômicas e culturais e distintos níveis de organização social. Disso
decorre que, nas ações participativas desenvolvidas em cada um desses Projetos, nas quais
se pretende que sejam exercitadas práticas democráticas e cidadãs, além de resultados
coletivos, há que se compreender e reforçar as características de cada grupo trabalhado e
respeitar seu ritmo de construção coletiva de ações. Isto para não incorrer no fracasso,
alertado por OLIVEIRA (2001) no item 4, caso se pense em promover alguma espécie de
desenvolvimento local em uma comunidade, aplicando-se modelos extraídos de outras.
Essa compreensão e respeito, caso sejam praticados pelos executores dos Projetos, em
última instância, vão ao encontro do caráter de territorialidade e de endogeneidade
associados à construção do conceito de desenvolvimento local, também discutidos no
mesmo item.
Os PCAPs e PEAs exigidos pela CGPEG e atualmente desenvolvidos em municípios do
Estado do Rio de Janeiro fazem parte de condicionantes de licenças ambientais das
dezenas de empreendimentos localizados na Bacia de Campos e na Bacia de Santos (muitos
desses Projetos abrangem, também, municípios do Espírito Santo). São cinco os PEAs
vinculados a licenças de empreendimentos de Produção & Escoamento desenvolvidos nos
13 municípios costeiros entre Saquarema e São Francisco do Itabapoana: PEA-BC, Pólen e
NEA-BC, da Petrobras; PEA-Devon; PEA-Shell. São Projetos de longa duração, em ciclos de
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dois ou três anos, pois estão associados ao tempo de duração dos empreendimentos, o que
pode se estender por até 30 anos (exceção ao da Devon, que tem duração de 9 anos). O
PEA-BC trata-se do Programa de Educação Ambiental da Bacia de Campos (em construção)
e irá abrigar todos os Projetos de Educação Ambiental existentes e futuros na região,
inclusive os citados. O Pólen (assim como o NEA-BC) se desdobra em um projeto por
município, onde estão sendo discutidos, dentre outros temas: controle social sobre os
royalties; gestão socioambiental em manguezais e lagoas; planos diretores municipais;
organização comunitária. Os públicos são diferenciados: jovens, pescadores, moradores,
organizações da sociedade civil, professores. O PEA-Devon debate problemas
socioambientais, por meio da instrumentalização de jovens em oficinas de cinema e
exibição e discussão pública dos filmes realizados. O PEA-Shell trabalha as questões
socioambientais com as comunidades quilombolas presentes nos municípios.
Quanto aos empreendimentos de Sísmica e de Perfuração, há mais três projetos
atualmente em andamento. O Projeto de Caracterização Regional da Bacia de Campos
(PCR/BC), da Petrobras, com duração prevista de dois anos, desenvolve-se em 11
municípios litorâneos (entre Saquarema e São Francisco do Itabapoana) e envolve a
caracterização dos meios naturais (físico e biótico) e social. Estão vinculados subprojetos
de monitoramento ambiental, monitoramento do desembarque pesqueiro em 14 pontos
distribuídos nos municípios do Projeto e caracterização socioeconômica da atividade
pesqueira (perfil de pescadores e domicílios). Os outros dois projetos têm prazos flexíveis,
com mínimo de dois anos, em função das especificidades e do andamento das ações
previstas: o PCAP da Petrobras se desenvolve em Casimiro de Abreu, Macaé, Quissamã,
Campos dos Goytacazes, São João da Barra e São Francisco do Itabapoana; e o PEA da
empresa OGX, em Arraial do Cabo, Cabo Frio, Armação de Búzios, Macaé, Campos dos
Goytacazes, São João da Barra, São Francisco do Itabapoana.
A experiência da CGPEG tem mostrado que no litoral de um mesmo Estado e até de
um mesmo município, os Projetos se desenvolvem de forma absolutamente diferente, em
termos de conquistas, progressos e retrocessos, devido, principalmente, ao nível
diferenciado de organização social encontrado de um grupo social para outro. Destaca-se,
sobretudo, um costume muito arraigado em diversas comunidades, que é o de contar com
práticas clientelistas e assistencialistas, promovidas historicamente por políticos e elites
empresariais diversas, além do baixíssimo nível (ou total ausência) de organização social
de vários desses grupos e, por desdobramento, a pouca prática de participação social,
cenário relacionado a fatores históricos, muito comum em toda a sociedade brasileira. A
diferenciação na organização social dos grupos é um dos principais motivos pelos quais a
CGPEG encontra dificuldades na mensuração qualitativa e na construção de indicadores
que permitam retratar com clareza os avanços e sanar, de modo mais célere, os impasses
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 127
verificados ao longo dos Projetos. Soma-se a isso a dificuldade de incorporação, pelas
empresas de petróleo e pelas empresas consultoras que conduzem os Projetos, dos
princípios propostos e das orientações pedagógicas do IBAMA para serem aplicados na
execução dessas medidas mitigadoras e compensatórias.
O cenário dessas comunidades confirma as constatações acerca da fraca
organização de grupos pluralistas de interesse neste país e da prática de clientelismo,
presentes nas ponderações de LOBATO (2006), no item 5. Remete, também, ao baixo nível
de democracia vivenciado por esses grupos, conforme comentado no item 4. Essas
características dificultam o entendimento, por parte dos grupos trabalhados, sobre a
vulnerabilidade aos impactos da atividade de petróleo a que estão sujeitos, bem como
sobre as funções do licenciamento e os objetivos dos Projetos. Junta-se a isso outros
agravantes, bastante percebidos pela prática do licenciamento na CGPEG, tais como o
risco de cooptação de lideranças locais ou, então, a resistência à implementação de
medidas de cunho participativo devido ao interesse na manutenção do status quo por
atores locais.
No que concerne à legislação e às decisões do quadro técnico da CGPEG, vale
assinalar que a flexibilidade contida em toda norma legal, quando se trata do “como
fazer”, dá margem a diversos tipos de iniciativas por parte dos órgãos executores da
política ambiental. Nesse caso, é fundamental a vontade política para criar, manter e
fortalecer quadros técnicos nas distintas Coordenações da DILIC/IBAMA e nos órgãos
ambientais estaduais, nas suas respectivas competências, o que remete ao comentário do
item 6 sobre quadros institucionais mediando conflitos. Este é um dos fatores de maior
peso na diferença entre os licenciamentos ditos mais burocráticos e aqueles que
implementam e renovam procedimentos por meio da discussão técnica após a verificação
prática do cumprimento de condicionantes das licenças concedidas. Ou seja, não se pode
perder de vista a perspectiva histórica e a dinâmica do processo de licenciamento. Não
existe procedimento pronto e acabado, quando se quer dar forma concreta ao que
determina cada lei, decreto, resolução. No licenciamento de petróleo, a experiência tem
evidenciado que, para a construção de cada procedimento, são necessários: (i) os avanços
anteriores e o envolvimento e constância nas discussões dos Grupos de Trabalho formados
por Analistas Ambientais da CGPEG; (ii) a associação das discussões com as práticas de
rotina e com a participação da sociedade, o que se dá por meio de reuniões com as
empresas, verificação da implementação dos projetos no campo, audiências e consultas
públicas. E o licenciamento não é interrompido enquanto é discutido. A permanência de
Analistas no setor por tempo suficiente para que sejam sedimentadas as práticas e criada
massa crítica em torno dos diversos temas tratados, aliada à entrada de novos
concursados, reforçando essa dinâmica, é o que tem permitido avanços no processo de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 128
licenciamento e melhorias nas medidas de monitoramento, mitigadoras e compensatórias.
O que não quer dizer que todos os Projetos estejam em perfeito andamento e que o
número atual de Analistas esteja satisfatório para a cada vez maior demanda por
licenciamento desses empreendimentos.
8. Considerações finais
São diversos os juízos de valor e as premissas presentes nos debates que envolvem
as questões do desenvolvimento e, dessa forma, faz-se necessário um recorte que
possibilite dar conta de apresentar, a priori, o que está pautando cada debate. As
questões se complexificam quando a expressão “desenvolvimento local” está presente.
Nesse caso, há necessidade de cautela em qualquer observação sobre o discurso que
envolve o termo “local” no debate. Por vezes, as especificidades de uma dada comunidade
podem não estar contempladas ou traduzidas de forma evidente, o que torna frustrante
qualquer iniciativa quanto à idendidade dos comunitários ou à busca da melhoria de suas
condições de vida. Um aspecto a nortear o debate sobre qualquer projeto de
desenvolvimento local, no sentido de se evitar as possíveis frustrações nas ações a serem
implementadas, é a apropriação das práticas sociais locais como fator de produção,
cuidando para que não sejam moldadas de forma a comprometer o bem-estar coletivo e
para que o resultado sejam indivíduos críticos e reflexivos. Por outro lado, o debate não
pode se furtar, também, à questão da influência da hegemonia do projeto neoliberal nos
planos nacionais e locais, que faz com que várias ações levadas em uma dada localidade
não sejam capazes de transformar estruturalmente o próprio local, reproduzindo as
desigualdades no tempo e no espaço, ainda que o desenvolvimento local esteja sendo
perseguido de forma persistente. O desenvolvimento local, como bem lembra DELGADO
(2001), não é simplesmente uma questão de acesso ou disponibilidade de recursos
econômicos e naturais. Requer, também, a criação das condições para que as comunidades
tenham acesso, não somente a recursos para sobreviver, mas a componentes que as
auxiliem a dar significado ao mundo, construir uma identidade, agir, se reproduzir
socialmente e mudar normas e regras que governam o controle e uso dos diversos recursos.
Atualmente, no licenciamento ambiental marítimo de petróleo e gás praticado no
Brasil, os aspectos citados anteriormente são considerados nas orientações e metodologias
exigidas pela CGPEG às empresas, para serem incorporadas em projetos associados aos
grupos sociais afetados pelos empreendimentos. Os projetos têm evidenciado que, por um
lado, há potencialidades no licenciamento quanto à emancipação desses grupos sociais,
mas há, em paralelo, limitações associadas às características dos próprios grupos, a
questões intrínsecas ao processo de licenciamento e à pouca cultura, no meio empresarial,
de lidar com processos sociais emancipatórios. Além disso, o licenciamento não tem as
funções de uma política pública, senão de um instrumento de política e, portanto, não
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 129
pode dar conta de todas as condições e problemas que redundaram nas desigualdades
sociais vivenciadas há tempos pelas comunidades que, na atualidade, se encontram
vulneráveis aos impactos dos empreendimentos. Todos esses elementos tornam-se
balizadores quando da intenção de se tratar de desenvolvimento local junto a esses grupos
sociais.
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 130
MACAÉ EM QUATRO TEMPOS
Arthur Soffiati∗
Juntamente com o Rio Itapemirim, o Rio Macaé delimita uma das feições
costeiras mais originais do norte do Estado do Rio de Janeiro e do Sul do Espírito
Santo. Entre ambos, o mar é afastado da zona serrana por formações geológicas de
origem recente. A mais antiga delas integra o Grupo Barreiras ou a Formação
Barreiras. Popularmente conhecida como tabuleiro, discute-se ainda se sua origem
é continental ou marinha. Ela devia preencher a maior parte do intervalo entre a
foz do Rio Macaé, o arco cristalino e a foz do Rio Itapemirim, sendo cortada pelos
Rios Paraíba do Sul, Guaxindiba e Itabapoana.
Depois do Grupo Barreiras, com idade estimada em 60 milhões de anos,
aderiu-se a ela uma restinga entre o Rio Macaé e o ponto em que futuramente será
aberta a Vala do Furado. Trata-se da Restinga de Carapebus, com 123 mil anos de
idade, onde se instalou o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. No Holoceno
(últimos 11 mil anos), o aquecimento natural da Terra produziu a elevação do nível
do mar. Esta elevação, no trecho costeiro entre os Rios Macaé e Itapemirim, que o
autor denomina Ecorregião de São Tomé, atingiu seu ponto máximo há 5.100 anos
antes do presente, fendendo o grande tabuleiro no seu ponto mais baixo. Assim, o
mar alcançou novamente o sopé da zona serrana e separou o tabuleiro em duas
partes. Da mesma forma, o trabalho do Rio Itabapoana criou mais uma unidade de
tabuleiro entre ele e o Rio Itapemirim.
A partir do ponto em que o mar chegou novamente a tocar o pé da zona
cristalina, o Rio Paraíba do Sul foi construindo uma vasta planície aluvial,
aproveitando as águas calmas de uma grande semilaguna criada pelo máximo
transgressivo do mar. Juntou-se a ela, a maior restinga do futuro Estado do Rio de
Janeiro, entre o Cabo de São Tomé e o Córrego de Manguinhos, constituída pela
ação conjunta do Rio Paraíba do Sul, em seu processo de progradação no interior
da semilaguna, e do mar, em sua regressão1, como mostra o mapa abaixo.
∗ Doutor em História Social, com concentração em História Ambiental, e professor da Universidade Federal Fluminense campus Campos dos Goytacazes. 1 MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e FLEXOR, Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997.
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Na foz do Rio Macaé, pode-se perceber nitidamente, na margem esquerda,
uma fímbria arenosa assinalando o ponto terminal da Restinga de Carapebus. Na
margem direita, emergem formações rochosas pré-cambrianas, mostrando, assim,
que o Rio Macaé, ao sul, separa duas províncias geológicas. Ao norte, o Rio
Itapemirim cumpre o mesmo papel.
Alberto Ribeiro Lamego nota que este ponto é particularmente curioso
porque os contrafortes da Serra do Mar tocam diretamente o oceano.
A feição insular da zona da cidade e suas redondezas já era manifesta no Terciário Superior. Um pequeno arquipélago se espalhava entre os mares daquele tempo, onde o arenito de ‘barreiras’ se depositava (...) Das ilhas de Macaé (...), algumas foram ligadas ao continente pelo mecanismo das restingas formando “típicos” tômbolos. Outras permaneceram como tais2.
2 LAMEGO, Alberto Ribeiro. Restingas na costa do Brasil. Boletim nº. 96. Rio de Janeiro: Departamento Nacional da Produção Mineral/Divisão de Geologia e Mineralogia, 1940.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 132
Segundo a explicação de Lamego, a foz do Macaé, na luta travada contra a
restinga para não ser tapada, acabou empurrada para as rochas pré-cambrianas.
Este estrangulamento teria ocasionado o embrejamento de todo o baixo curso do
rio3.
Quem volta das costas para o mar, em qualquer ponto alto de Macaé, divisa
do interior para a costa, três nítidos degraus geológicos e geomorfológicos: a Serra
do Mar, na qual se destaca o ponto culminante, na região, do Pico do Frade; o
Grupo Barreiras; e a planície fluviomarinha. Esta última é formada pela planície
aluvial do baixo Macaé e pela restinga de Carapebus.
A rede hídrica, no âmbito dos limites municipais, é dominada pela Bacia do
Macaé e pela Bacia da Lagoa de Imboacica. O mapa abaixo mostra como esta rede
era intrincada num passado pré-humano.
A cobertura vegetal nativa compunha-se de campo de altitude (refúgio
vegetacional), no Pico do Frade, da mata ombrófila densa atlântica na Serra do
Mar; da mata estacional semidecidual atlântica, no tabuleiro; de formações
pioneiras de influência marinha, na restinga de Carapebus; e de um expressivo
manguezal, na foz do Rio Macaé. Um pequeno manguezal monoespecífico se
formou na Praia de Imbetiba, aproveitando uma descarga de esgoto no mar. Há
3 Id, ibid., págs. 36 e 37.
Fonte: Plano Diretor de Macaé.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 133
consideráveis evidências mostrando que a Lagoa de Imboacica era, na verdade, um
rio que foi barrado pelo mar, em cuja barra devia também existir um manguezal4.
Antes da chegada dos europeus à América, as terras em que seria criado o
município de Macaé eram habitadas por povos nativos do grupo linguístico macro-
jê, ao que tudo indica. Existe um excelente estudo sobre pesquisa arqueológica
efetuada na Ilha de Santana5.
Primeiro tempo
A primeira fase da história de Macaé, para fins deste estudo, situa-se entre a
fundação de um povoado em sua foz, que dará origem à vila e à cidade, até as
grandes obras de drenagem empreendidas pelo extinto Departamento Nacional de
Obras e Saneamento (DNOS), no fim dos anos de 1960 e no início dos anos de 1970.
Trata-se de uma história de tempo lento ou de longa duração.
Já na segunda metade do século XVI, a enseada de Macaé era bastante
conhecida dos europeus. Jean de Léry registra, em torno de 1558, a seguinte
passagem:
Depois de costearmos a terra desses uetacá, avistamos outra região próxima chamada de Macaé e habitada por outros selvagens que (...) não podem se comprazer na vizinhança de índios tão brutais e ferozes. Nessas terras vê-se à beira-mar um grande rochedo em forma de torre, tão reluzente ao sol que pensam muitos tratar-se de uma espécie de esmeralda; e com efeito, os franceses e portugueses que por aí velejam o denominam “Esmeralda de Macaé”. Dizem que ela é rodeada por uma infinidade de rochedos à flor da água que avançam mar afora cerca de duas léguas e como tampouco a ela se tem acesso por terra, é completamente impraticável. Também existem três pequenas ilhas chamadas ilhas de Macaé junto das quais fundeamos e dormimos uma noite (...) estava nossa aguada corrompida, por isso pela manhã (...), alguns marujos foram procurar água potável nessas ilhas desabitadas e verificaram que todo o terreno se achava coberto de ovos de aves de diversas espécies, aliás diferentes das nossas. E tão mansas, por nunca terem visto gente, que se deixavam pegar com a mão ou matar a pauladas; assim nossos homens puderam encher o escaler, trazendo para o navio grande quantidade delas6.
4 VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL FILHO, Antonio Lourenço Rosa e LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da Vegetação Brasileira, Adaptada a um Sistema Universal. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1991. 5 LIMA, Tania Andrade e SILVA, Regina Coeli Pinheiro da. “Zoo-arqueologia: alguns resultados para a pré- história da Ilha de Santana”. Revista de Arqueologia 2 (2). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, jul/dez de 1984. 6 LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1961.
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O português Gabriel Soares de Sousa considera que
Esta ilha de Santa Ana fica em vinte e dois graus e um terço, a qual está afastada da terra firme duas léguas para o mar, e tem dois ilhéus junto de si. E quem vem do mar em fora parece-lhe tudo uma coisa. Tem esta ilha da banda da costa um bom surgidouro e abrigada por ser limpo tudo, onde tem de fundo cinco e seis braças: e na terra firme defronte da ilha tem boa aguada, e na mesma ilha há boa água de uma lagoa. Por aqui não há de que guardar senão do que virem sobre a água. E quem vem do mar em fora para saber se está tanto avante como esta ilha, olhe para a terra firme, e verá no meio das serras um pico, que parece frade com capelo sobre as costas, o qual demora a loeste noroeste, e podem os navios entrar por qualquer das bandas da ilha como lhe mais servir o vento e ancorar defronte entre ela e a terra firme7.
No Roteiro dos Sete Capitães, Macaé é mencionada diversas vezes, pois foi
de lá que partiu a primeira expedição dos sete fidalgos rumo aos Campos dos
Goitacases. Seu autor encontrou um povoado habitado por mamelucos que viviam
da pesca, havendo grande abundância de bagres no rio. Por esta razão, passou a
ser conhecido, inicialmente, como Rio dos Bagres8.
Couto Reis reparou nos extensíssimos brejos localizados principalmente à sua
margem esquerda. Registrou que suas margens eram pouco povoadas, mas que suas
terras forneciam já boa produção de açúcar e madeira para quatro pequenas
sumacas que navegavam continuamente para o Rio de Janeiro. Quanto aos
alagadiços, o capitão cartógrafo informa que se transformavam em excelentes
pastos em tempos secos e propôs fossem eles esgotados para um aproveitamento
mais regular9.
No princípio do século XIX, o rio foi visitado por três ilustres viajantes
europeus. Em 1815, cruza-o Maximiliano de Wied-Neuwied, que, sobre seu aspecto
físico, contenta-se em registrar seu curso de cerca de quinze léguas, atravessando
a Serra do Iriri e desaguando no oceano10. Ele registrou que, tanto na lagoa de
7 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. 8 Descrição que faz o Capitão Miguel Aires Maldonado e o Capitão José de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da capitania do Rio de Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas nesta costa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil tomo XVII. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, pág. 349. 9 COUTO REIS. Manoel Martins do. Descrição Geográfica, Política e Cronográfica do Distrito dos Campos dos Goitacases, que por Ordem do Ilmo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S Majestade, Vice-Rei e Capitão General do Mar e Terra do Estado do Brasil se Escreveu para Servir de Explicação ao Mapa Topográfico do mesmo Terreno, que Debaixo da Dita Ordem se Levantou. Rio de Janeiro: manuscrito original, 1785. 10 WIED-NEUWIED, Maximiliano de. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989, pág. 84.
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Imboacica, onde a comitiva do príncipe encontrou pousada na fazenda de
Itapebuçus, quanto no caminho para Macaé, a hospitalidade dos habitantes era
excelente. Hospedado numa fazenda, ele assinala o cultivo de mandioca, arroz,
café e laranja nas terras da fazenda, assim como a fartura de peixes da lagoa11.
Adentrando a Vila de Macaé, Maximiliano faz observações sobre as capoeiras
que ladeiam o rio, sobre as casas acachapadas feitas de barro com pau-a-pique e
rebocadas de branco. Limpas e bonitas, contavam elas com quintais cercados de
troncos de coqueiros, onde se criavam cabras, porcos e toda a sorte de aves
domésticas. As principais atividades econômicas do núcleo eram constituídas pela
lavoura de mandioca (com a respectiva produção de farinha), feijão, milho, arroz e
cana (para a fabricação de açúcar). O extrativismo vegetal já era intenso, com a
exportação de madeiras por navios costeiros, sumacas e lanchas que ancoravam na
enseada de Macaé12.
Em 1818, é a vez de Saint-Hilaire, mais generoso em suas observações,
inclusive corroborando os levantamentos antes efetuados antes por Couto Reis e
11 Id. ibid., p. 82. 12 Id. Ibid., p. 84.
Aspecto do rio Imboacica, hoje não mais existente. Foto: acervo do DNOS (1957).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 136
antecipando parcialmente os estudos realizados mais tarde por Alberto Ribeiro
Lamego.
Mas, com rara acuidade, ele atentou para o risco da extração madeireira e
fez uma advertência que não foi levada em conta pelos brasileiros:
O principal comércio desta cidade é atualmente o da madeira. Como os colonos de S. João da Barra, os dos arredores de Macaé escolhem nas matas virgens as árvores mais bonitas para transformarem-nas em tábuas. Alguns enviam a madeira diretamente ao Rio de Janeiro; mas, a maioria, e principalmente os menos abastados, vende-a a negociantes estabelecidos em Macaé mesmo. As árvores que mais freqüentemente exploram nesta região são o jacarandá, cuja madeira é empregada na marcenaria; o araribá; a canela; o vinhático que tem lenho amarelo e quase imputrescível, próprio para marcenaria e construção naval; a cacheta, que substitui (...) o nosso pinho; o óleo, empregado na carpintaria etc. As tábuas são vendidas por dúzias; as do vinhático, com 30 palmos de comprimento por 2 de largura, valiam trinta mil réis à época da minha viagem (...) é de se crer, entretanto, que devido à imprevidência do cultivador, esse comércio tende a diminuir e desaparecer. Aqui, e provavelmente em todo o Brasil, não há, como na Europa, o uso de explorar inteiramente uma certa extensão de floresta; escolhem-se aqui e acolá as árvores que se quer contar e o lenhador as abate à sua altura, para não ter necessidade de curvar o corpo no trabalho. Mesmo que as árvores fossem abatidas ao nível do solo, os tocos, privados de ar e logo abafados pelas lianas não poderiam produzir brotação (...) Quando passei por Macaé as belas árvores já começavam a se tornar raras e freqüentemente eram procuradas em florestas muito distantes da embocadura do rio. Assim, enquanto que de um lado os brasileiros ateiam fogo a imensas florestas, sem outro proveito que o de um adubo passageiro, de outro lado, quando exploram árvores preciosas, fazem-no de modo a concorrer para a extinção de suas espécies13.
Nesta passagem, Saint-Hilaire aponta para um traço marcante e perverso
desenvolvido pelos europeus e pelos habitantes das neo-Europas que, acostumados
à escassez de território e de recursos em seu continente natal, encontram uma
natureza luxuriante nos trópicos. Trata-se da síndrome da abundância inesgotável.
13 Id. ibid., p. 184-185.
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No Brasil, ele depararia com as práticas que levaram à quase extinção das
florestas temperadas da Europa: queimadas indiscriminadas, corte raso de árvores,
subaproveitamento do material lenhoso e aviltamento dos preços. Não sem razão,
ele adverte quanto ao fim dessa economia extrativista perdulária pelo próprio fim
do produto explorado.
Os efeitos a médio e longo prazo não serão percebidos por um viajante que
apenas passa por Macaé. Eles ficarão para os moradores do termo: a erosão e o
assoreamento. Mas o naturalista francês aporta outras informações que corroboram
a marcha de um processo danoso ao rio e ao ambiente como um todo:
A exploração de madeira não é (...) a única ocupação dos cultivadores dos arredores de Macaé. Entre o sítio do Paulista, situado a 4 léguas ao norte dessa cidade e o porto de São João da Barra contam-se cerca de 20 engenhos de açúcar, mais ou menos distanciados da beira do mar; mas reconheceu-se que é a cana-de-açúcar a planta mais conveniente à região e que ela pouco renderia se não fosse cortada no momento da maturação. Vários colonos renunciaram então a seus engenhos e dedicam-se hoje à cultura do cafeeiro, que dá menos trabalho que a da cana, não exigindo tantas benfeitorias, nem tantos escravos e que produz muito bem nas vertentes vizinhas de Macaé. A maioria dos proprietários enviam por conta própria, ao Rio de Janeiro o café colhido; mas a necessidade de numerário obriga freqüentemente os menos ricos a vender na própria região uma parte de suas colheitas. O frete, de Macaé à capital do Brasil é de 2 patacas o saco de 2 alqueires, e, com bom vento pode-se fazer a viagem em 48 horas e mesmo em menos tempo. Os colonos dos arredores de Macaé cultivam o algodão mas somente para o consumo de suas famílias, o mesmo acontecendo ao milho, ao arroz e à mandioca14.
O grande naturalista Charles Darwin viajou a cavalo do Rio de Janeiro a
Macaé, aceitando convite de um conterrâneo seu que possuía uma fazenda ao norte
de Cabo Frio. Sua permanência estendeu-se de 14 a 18 de abril de 1832 e, durante
ela, Darwin atentou menos para o rio (que não mereceu dele uma palavra sequer) e
para o núcleo urbano do que para as aviltantes condições de vida dos escravos15.
Quanto aos escritores regionais, cabe registro para Pizarro e Araujo que fala
da produção de Macaé, incluindo o milho, o arroz, a mandioca, a cana-de-açúcar e
pesca, ressaltando que o principal esteio da economia era a madeira16. O mesmo
sustenta o Visconde de Araruama, mencionando o café, o açúcar e, acima de todos
14 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1974, p. 185. 15 DARWIN, Charles R. Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo, 1º vol. Rio de Janeiro: Sociedade Editora e Gráfica, s/d, págs. 43 a 45. 16 CASAL, Manuel Aires de. Corografia Brasílica ou Relação Histórico-Geográfica do Reino do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976.
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os produtos, a madeira17. Também Muniz de Souza repisa o café, o açúcar, a
aguardente e a madeira como principais artigos de exportação18.
No que concerne à cartografia, Bellegarde e Niemeyer assinalam a bacia do
Rio Macaé com toda a riqueza dos seus afluentes e subafluentes, inclusive com o
Canal Campos-Macaé19. Esta obra, construída por etapas entre 1845 e 1862, ligou
três grandes bacias da Ecorregião de São Tomé: a do Paraíba do Sul, a da Lagoa
Feia e a do Macaé. Seu impacto foi acentuado sobre uma infinidade de lagoas,
drenando totalmente muitas delas e parcialmente outras tantas. Esta foi a grande
obra de engenharia do primeiro tempo de Macaé20. Ela também aparece, quase
como orgulho provincial, na folha relativa ao Rio de Janeiro do Atlas de Candido
Mendes21.
A partir de fins do século XIX, cada vez mais os governos federal e estadual
começaram a intervir nos trechos baixos dos limnossistemas fluminenses,
acompanhando o grande movimento sanitarista de origem européia e norte-
americana que contagiou vários países. Oswaldo Cruz e Saturnino de Brito
destacam-se como dois grandes expoentes deste movimento. Foram criadas, assim,
a partir de 1883, várias comissões mediante contrato com empreiteiros ou ação
direta do Estado. Uma delas envolvia diretamente o Rio Macaé. Trata-se da
Comissão do Canal de Macaé a Campos, criada pelo Decreto nº. 13.089, de 3 de
julho de 1918 e dirigida consecutivamente pelos engenheiros Lucas Bicalho,
Candido Borges e João Batista de Morais Rego. O primeiro efetuou levantamento
topo-hidrográfico de todo o Canal Campos-Macaé, bem como a limpeza e a
desobstrução do mesmo em vários trechos, que ficou desimpedido de obstáculos
numa extensão de 75 km. Também a eclusa no quilômetro 2 a contar de Macaé foi
17 SILVA, José Carneiro da. Memória Topográfica e Histórica sobre os Campos dos Goitacases, 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1907 (1ª ed.: 1819). 18 SOUZA, Antonio Muniz de. Viagens e Observações de um Brasileiro que Desejando ser Útil à sua Pátria, se Dedicou a Estudar os Usos e Costumes de seus Patrícios, e os Três Reinos da Natureza em Vários Lugares e Sertões do Brasil. Rio de Janeiro: Rua de Trás do Hospício, 1834. 19 BELLEGARDE. P. A. & NIEMEYER, C.J. Nova Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro, publicada às expensas de Eduardo Bensburg. Rio de Janeiro: Litografia Imperial, 1865. 20 SILVA, José Carneiro da. Memória sobre Canais, e Estradas, e a Utilidade que Resulta à Civilização, a Agricultura, e ao Comércio, da Construção destas Obras. Campos: Tipografia Patriótica de A. J. P. Maia Paraíba e Cia., 1836; e Memória sobre a Abertura de um Novo Canal para Facilitar a Comunicação entre a Cidade de Campos, e a Vila de S. João de Macaé. Rio de Janeiro: Tip. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1836. LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. A Terra Goitacá à Luz de Documentos Inéditos, tomo V. Niterói: Diário Oficial, 1942; e SOFFIATI, Arthur. O Nativo e o Exótico: Perspectivas para a História Ambiental na Ecorregião Norte-Noroeste Fluminense entre os Séculos XVII e XX. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1996 (dissertação de mestrado). 21 ALMEIDA, Candido Mendes de. Atlas do Império do Brasil (1868). Rio de Janeiro: Arte & História, 2000.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 139
restabelecida. Estas obras visavam conferir ao canal o duplo objetivo de navegação
e drenagem. Com respeito ao Rio Macaé, especificamente, Bicalho empreendeu
estudos sobre o porto de Macaé, incluindo o levantamento das enseadas das
Conchas, de Imbetiba e do rio, cuja foz desejava regularizar.
Por seu turno, Candido Borges, com relação ao Rio Macaé, limitou-se a
promover nova limpeza e roçado em suas margens, o que pode significar corte do
manguezal que subia por ele até onde a língua salina alcançava. Já Morais Rego
construiu em Macaé um dique de contenção com vistas a melhorar a barra do rio,
que estava criando empecilhos à entrada de barcos. Em 29 de abril de 1922, a
Comissão do Canal de Macaé-Campos foi anexada à Fiscalização da Baixada
Fluminense, cujo fim precípuo era o mesmo da anterior: restabelecer o Canal
Campos-Macaé, mas, em 1925, a criação da Comissão de Estudos e Obras contra
Inundações da Lagoa Feia e Campos de Santa Cruz absorveu-lhe as funções. Cada
vez mais o Estado avocava tarefas antes delegadas à iniciativa privada22.
Até aqui, o núcleo urbano de Macaé dependia de atividades rurais. Ele
continuará assim até a realização de grandes obras de retilinização e de drenagem,
no século XX.
Segundo tempo
A presença mais ostensiva do Estado na realização de obras hidráulicas na
Baixada Fluminense se efetivou na primeira fase do governo Getúlio Vargas, com a
criação da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, em 1933, e no Estado
Novo, com a transformação da Comissão no Departamento Nacional de Obras e
Saneamento, em 1940, que transcendeu as fronteiras do Estado do Rio de Janeiro
para atuar em vários estados do Brasil. O relatório preliminar da Comissão, um
primor de síntese acerca das obras empreendidas antes de 1933 e redigido pelo
engenheiro Hildebrando de Araujo Góes, dedica poucas linhas à bacia do Rio
Macaé. Sua preocupação maior centrava-se nas baixadas dos Goitacases, da
Guanabara e de Sepetiba23. Até mesmo o detalhado relatório de Camilo de
Menezes, que só trata de obras efetuadas na Baixada dos Goitacases entre 1935 e
22 GÓES, Hildebrando de Araujo. Saneamento da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: s/e, 1934. 23 Id. ibid.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 140
1940, menciona o Rio Macaé apenas por estar ligado ao Rio Paraíba do Sul pelo
famoso canal construído no Império24.
A intervenção do Departamento Nacional de Obras e Saneamento na foz do
Rio Macaé data do fim dos anos de 1960. A Carta do Brasil, do IBGE, cuja primeira
edição foi lançada em 1969, com base em levantamentos efetuados entre 1965 e
1967, mostra a foz do Rio Macaé ainda com seus meandros originais, recebendo
pela margem esquerda a vala de Jurumirim e o Canal Campos-Macaé25. No acervo
da Residência de Campos do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, uma
planta do município de Macaé datada de 1965, é esclarecedora. Ela retrata a foz do
Rio Macaé antes da drástica intervenção do DNOS. Na margem direita, figura o Rio
Teimoso e, na esquerda, o Rio São Pedro, o Córrego das Aduelas, o Rio Jenipapo, a
Vala de Jurumirim e o Canal Campos-Macaé26. Saltando para uma carta náutica de
1975, o quadro apresenta mudanças radicais. O rio fora retificado em seu curso
final. O canal central criou três ilhas com os meandros, sendo a maior delas a ilha
Colônia Leocádia
O Córrego Jurumirim, que desembocava na foz do Macaé, foi desviado para o
Canal Campos-Macaé, mas seu braço abandonado, juntamente com o canal e com o
rio, formou a Ilha da Caieira27.
Não apenas a foz, mas todos os cursos baixos dos Rios Macaé e São Pedro,
seu afluente, foram retilinizados nos anos de 1970, principalmente visando à
24 MENEZES, Camilo. Descrição Hidrográfica da Baixada dos Goitacases. Campos: Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense, 1940. 25 FIBGE. Carta do Brasil-Escala 1:50.000, Folha SF-24-M-I-3 (Macaé). Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1969. 26 SILVA, Caio. Município de Macaé. Macaé: 3 de setembro de 1965. 27 MARINHA DO BRASIL. Brasil-Costa Leste: Enseada de Macaé e Proximidades. Marinha do Brasil, 1975.
Retificação do Rio Macaé pelo
DNOS nos anos de 1970. No vale, o canal central corta os meandros em
forma de $. À esquerda, morro coberto com floresta. À direita, morro com vegetação suprimida.
Foto do acervo do DNOS (maio de 1976).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 141
conquista de terras para a agropecuária numa extensa várzea denominada Brejo da
Severina. De sinuosos, os rios tornaram-se retilíneos, o que acarretou o aumento da
velocidade de seu fluxo, o rápido exaguamento de uma vasta área alagada e
alagável, a substituição de ecossistemas nativos e transformados por ecossistemas
antrópicos, a extinção de incontáveis nichos ecológicos, a turbidez das águas dos
cursos hídricos e o aumento da taxa de sedimentação do manguezal da foz, já todo
adulterado pelas obras de retificação no trecho final do rio.
Terceiro tempo
A instalação de uma base da Petrobrás na Cidade de Macaé, no final da
década de 1970, para exploração das descomunais reservas de petróleo e gás
natural existentes na plataforma continental da região norte do Estado do Rio de
Janeiro, produziu um abrupto impacto na economia, na sociedade e na cultura de
uma cidade até então com feições ainda interioranas e sem estrutura para receber
o colossal afluxo de pessoas à procura de emprego e de técnicos dos mais variados
pontos do Brasil e do exterior. Numerosas empresas prestadoras de serviço fixaram-
se também na cidade, que passou por um processo acelerado, desordenado e
mutilador de urbanização. De pacato balneário, Macaé transformou-se em frenético
centro urbano, com intenso trânsito de uma população de passagem. Os
trabalhadores empregados na montagem da infra-estrutura necessária às operações
da Petrobras foram dispensados após o fim das obras, mas permaneceram em seus
arredores. Na expectativa de se reintegrarem ao mercado de trabalho, esta legião
de trabalhadores sem emprego buscou as áreas desocupadas, entre elas as praias
rejeitadas pelas camadas médias e altas da sociedade e o manguezal do Rio Macaé.
Ao longo do antigo leito do Rio Macaé, agora transformado numa espécie de
braço que parte do canal central e a ele retorna, chamado de rio morto, cresceu
rapidamente um assentamento humano que recebeu o nome de Malvinas, em
alusão à Guerra das Malvinas, em 1982. Para tanto, houve a supressão de uma
parte do manguezal. O poder público municipal e os órgãos governamentais de
meio ambiente não tomaram qualquer providência para transferir os ocupantes da
área. Antes, a prefeitura municipal consolidou a invasão instalando infra-estrutura
mínima e permitindo a criação de novos bairros. Tal atitude estimulou novas
ocupações à montante das Malvinas, também na margem direita do rio, em núcleo
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 142
populacional que vem constituindo o bairro Malvinas II. Pontes rústicas de madeira
foram erguidas entre a margem e a ilha Colônia Leocádia, onde restou o maior
fragmento do manguezal do rio. Várias casas começam a ser erguidas em seu
interior, implicando na supressão da vegetação nativa.
Na margem esquerda, a ilha da Caieira transformou-se num condomínio
fechado de mansões. Para tanto, houve também o desarraigamento de mais outra
fatia do manguezal, já estilhaçado pela retificação do rio. Uma dilatada área
coberta por bosque de mangue na margem esquerda do rio, à montante da Ilha
Caieira, foi doada em caráter definitivo pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
(IBRA), em 1970, a Carlos emir Mussi e irmãos28. A legalidade do documento não se
sustenta diante do Decreto-Lei Federal nº 9.760/46 e da Lei Federal nº. 4.771/65.
A primeira considera as áreas de manguezal, em toda a sua extensão, como
terrenos de marinha e bem da União. A segunda considera os bosques de mangue
como vegetação de preservação permanente. Cumpre notar que o título de
propriedade foi concedido após a promulgação dos dois diplomas legais.
Ofício do Procurador Geral da Prefeitura de Macaé sustenta que “todo bairro
de Nova Holanda é fruto de invasão e (...) foi todo calcetado pelo ex-prefeito
28 Cf. M. P. F. “Título definitivo de propriedade – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, nº 0399, 04/05/70”. Procedimento Administrativo MPF PRM/Campos nº 81202.000086/98-00. Campos dos Goitacases: Ministério Público Federal, 1998.
Urbanização do trecho final do Rio Macaé. A seta apontada para o alto assinala o canal aberto pelo DNOS. À esquerda de quem olha, indica-se o rio morto, um meandro do curso original do rio. À direita, figuram o canal Macaé-Campos (perpendicular à costa), desembocando nele o Córrego Jurumirim. A mancha escura representa a ilha Colônia Leocádia. Todo entorno, em cor clara, mostra o grau de urbanização da área. Foto aérea: Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Macaé.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 143
Carlos Emir Mussi.”29 Consta que este prefeito, em sua última gestão, desapropriou
área ilegalmente pertencente a ele e seus irmãos para instalar o bairro popular de
Nova Holanda. Assim, a grande área coberta por manguezal doada ilicitamente
como propriedade pelo IBRA à família Mussi foi dividida em duas partes, tendo uma
delas a vegetação de mangue removida para a instalação de um bairro sobre área
de preservação permanente. A outra parte continuou sob domínio irregular da
família até ser invadida por pessoas de baixa renda. Esta invasão foi precedida pela
construção de um Centro Integrado de Educação Pública, estimulando a ocupação
maciça de pessoas sem moradia. Diante de tal movimento, a família Mussi
ingressou na Justiça com uma ação de reintegração de posse30. Mas o governo
estadual, desejando beneficiar uma deputada aliada e fustigar o atual prefeito de
Macaé, expediu decreto desapropriando a área invadida, com vistas a regularizar a
ocupação. Tal ato motivou novo Procedimento Administrativo do Ministério Público
Federal31.
A urbanização ilegal e desordenada das margens do Rio Macaé, do Canal
Campos-Macaé e do Córrego Jurumirim, como os bairros de Nova Holanda e Nova
Esperança, exigiu o sacrifício de grandes extensões de manguezal do Rio Macaé. A
rodovia RJ-106, entre a ponte sobre o Rio Macaé e o bairro do Lagamar, foi
consolidada sobre a crista da praia e se transformou numa verdadeira barragem ao
escoamento de águas pluviais. Tanto de um lado quanto de outro, a urbanização se
estendeu de forma completamente desordenada. Assim, no lado que se situa no
interior, ruas e casas costumam sofrer com alagamentos, pois muitos são os
obstáculos que as águas encontram para chegar ao Rio Macaé. Por sua vez, o Canal
Campos-Macaé, por demais assoreado, perdeu sua condição de drenagem. Do lado
da praia, o poder público municipal não conseguiu ou não quis organizar a expansão
urbana, permitindo que ruas, casas, depósitos e pequenas casas fossem construídas
muito próximas do mar.
29 CARVALHO, Antônio Franco de. “Ofício nº 046/99 ao Promotor de Justiça Estadual Luciano Oliveira Mattos de Souza”. Ministério Público Federal. Doc. cit. Macaé: 5 de março de 1999. 30 M.P.F. Doc. cit. 31 M.P.F. Procedimento Administrativo MPF PRM/Campos nº 1.30.002.000019/2001-31. Campos dos Goitacases: Ministério Público Federal, 2001.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 144
Também a Lagoa de Imboacica, a partir dos anos de 1970, passou por um
acelerado processo de urbanização, mas, aqui, por pessoas de média e alta rendas.
Em conseqüência, os setores norte e oeste da lagoa sofreram aterros para a
construção de casas residenciais e comerciais. A produção de esgoto saturou
progressivamente suas águas, que foram eutrofizadas. A comunicação com o mar
foi sendo perdida e a lagoa, de salgada que era no século XIX, transformou-se em
salobra, junto à barra, e em doce, nas cercanias do rio Imboacica, no século XX.
Quarto tempo
O espaço costeiro em que se ergueu Macaé está intensamente urbanizado. O
trânsito de veículos congestiona a cidade com horas de pico. O governo municipal
tem duas intenções para a saturação urbana. A primeira é a expansão da cidade
em direção ao interior, ocupando uma área que pertencia ao meio rural. A segunda
é o programa de macrodrenagem da cidade. Pretende-se que ambos sejam
planejados, mas ambos são problemáticos, por mais que se invoque o nome do
urbanista Jaime Lerner, contratado para os trabalhos de planejamento.
A expansão já começou de forma nada planejada. Os indutores do
crescimento urbano são, principalmente, a Linha Verde, a Linha Azul e a Rodovia
Consolidação da Urbanização no terceiro tempo de Macaé. Fonte: TOUGEIRO, Jailce Vasconcelos. Conflitos Socioambientais
Motivados por Ocupação de Manguezais e Restingas para Fins de Moradia no Espaço Urbano de Macaé/1997-2007. Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense,
2008 (dissertação de mestrado).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 145
RJ-168. O espaço escolhido para a expansão é uma área de tabuleiros, formação
constituída por baixas colinas e depressões. Ela é irrigada por banhados e pequenos
cursos d’água, fundamentais para a retenção e o escoamento de águas pluviais e
para controle de cheias. Contudo, o crescimento horizontal da cidade implica, por
um lado, no desmantelamento dos tabuleiros, os grandes fornecedores de terra
argilosa. É o que, capciosamente, os engenheiros denominam “áreas de
empréstimo”. Por outro, no uso do material retirado dos tabuleiros para aterro dos
banhados. Em vários pontos da área escolhida para a expansão, avistam-se colinas
de tabuleiro escalavradas pela retirada de material argiloso.
Nas áreas aterradas, estão sendo construídas casas residenciais de alta e
média rendas, encontrando-se também habitações populares; prédios destinados ao
comércio, como shoppings, e à educação, como a cidade universitária; e prédios de
instituições públicas. Os edifícios em que funcionam o Poder Judiciário Estadual, o
Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e a EMOPI foram
construídos sobre um grande banhado aterrado, às margens da estrada RJ-168. O
RJ-186 ↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓
↓↓
Linha Verde→
← Linha Azul
Expansão urbana de Macaé As setas vermelhas indicam alguns pontos de extração de material para aterro. As setas azuis indicam as principais vias indutoras do crescimento da cidade para o interior. O perímetro aberto assinalado com linha azul indica a área de expansão urbana de Macaé. Fonte: Google Earth.
↑
RJ-168
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 146
material para o aterro foi extraído de uma colina de tabuleiro em frente aos
prédios. Há fortes indícios de que a prefeitura prosseguirá aterrando o banhado
para a construção de novas edificações. Nos aterros, já aprecem marcas de erosão
provocada pelas chuvas.
Como as colinas de tabuleiro situam-se próximas às depressões onde se
formaram áreas úmidas, a obtenção de material para aterros se torna fácil. Assim,
em vários pontos de Macaé, cortes em colinas são encontrados. E o processo de
crescimento para o interior e sobre áreas outrora rurais, nada apresenta de
ordenado. O mais grave é que o Ministério Público e o Poder Judiciário,
responsáveis pelo cumprimento da lei, ignoram-na em proveito próprio.
Aspecto geral de um banhado, mostrando as ondulações de um terreno de tabuleiro (E). Corte em tabuleiro para obtenção de material para aterro (D). Fotos do autor (04/11/2010).
Aterro sobre banhado. Vê-se o aterro avançando sobre uma depressão de tabuleiro em que se formou um banhado. Ao fundo, avista-se uma colina. No aterro já há indícios de erosão pluvial,
com a abertura de uma vala (E). Em outro trecho do aterro, estacas já demarcam trecho destinado à construção (D). Fotos do autor (04/11/2010).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 147
Quanto ao programa de macrodrenagem, seus impactos não são menores que
os aterros. Ele objetiva drenar as áreas úmidas para facilitar mais ainda os aterros.
Assim, a expansão urbana de Macaé tende a nivelar excessivamente o terreno,
rebaixando os tabuleiros e elevando as depressões entre colinas. Ele inclui,
também, a retilinização de inúmeros córregos que integram a bacia do Rio Macaé,
profusos originalmente, como mostra a segunda figura deste texto.
Antigos cursos d’água, de há muito canalizados, devem ser cobertos, prática
que dificulta a limpeza e a manutenção deles. Pretende-se ainda conter a língua
salina que avança pelo Rio Macaé com a maré alta.
Prédio em que funciona o Ministério Público Estadual em Macaé visto de frente. A vala para escoamento de águas pluviais, a depressão ao fundo e o ponto elevado em que a edificação foi construída denotam o aterro (E). O mesmo prédio visto do fundo mostrando o corte efetuado no
tabuleiro para extração de material para o aterro (D). Fotos do autor (04/11/2010).
Prédio em que funciona o Ministério Público Federal em Macaé em visão lateral. A cerca demarca a área aterrada. Dentro do perímetro, uma placa anuncia a construção de outra edificação (E). Prédio da EMOPI,
também construído em aterro sobre o banhado. Fotos do autor (04/11/2010).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 148
Conclusão e recomendações
Parece que a expansão urbana de Macaé para o interior tende a repetir os
erros da urbanização na faixa costeira. O município conta com Plano Diretor
participativo, segundo determinação do Ministério das Cidades, mas ele não é
garantia de que a expansão será ordenada, como acontece em quase todos os
municípios brasileiros. Da mesma forma, o convite ao urbanista Jaime Lerner para
planejar a cidade pressupõe que o atual Plano Diretor é um instrumento
insuficiente. Se o poder público municipal não consegue ou não quer implementar
seu Plano Diretor, a contratação de Jaime Lerner para elaborar outro plano será
inócua e cara para o erário.
De uma forma ou de outra, a expansão urbana de Macaé deve:
1- Observar rigorosamente um zoneamento urbano;
2- Conservar áreas de escape para as águas pluviais e para a biodiversidade;
3- Reduzir ao máximo o desmonte das colinas, recuperação sua vegetação nativa
sempre que esta operação for necessária;
4- Reduzir as desigualdades sociais no que concerne à partilha do espaço urbano.
5- Manter os canais descobertos, promovendo sua despoluição e, sempre que
possível, sua restauração e revitalização.
6- Restaurar as matas ciliares dos rios que não foram canalizados, impendido o
lançamento neles de esgoto sem tratamento terciário.
Canal da linha férrea, verdadeira vala negra no centro da cidade de Macaé (E). Detalhe de lançamento de esgoto no canal (D). Fotos do autor (04/11/2010).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 149
Mudanças no Espaço Urbano de Macaé : 1970-2010.
Denise Cunha Tavares Terra (a) e José Henrique Ressiguier (b)
a- [email protected] Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades – UCAM.
Professora e coordenadora do Centro de Pesquisa
b- [email protected] Mestrando em Planejamento Regional e Gestão de Cidades. Professor
do Instituto Federal Fluminense
Resumo
O texto analisa as mudanças ocorridas no espaço urbano de Macaé, no período
compreendido entre a década de 70 e a atual, e está estruturado em três seções, além
desta introdução e das considerações finais. A primeira seção recupera algumas
contribuições de autores que estudam o recente processo brasileiro de urbanização. A
segunda seção revela os impactos provocados em Macaé pela implantação da sede da
Petrobras e demais empresas petrolíferas e parapetrolíferas. Analisa o significativo
crescimento econômico do município e o consequente adensamento populacional. A
terceira seção trata das repercussões desse adensamento no crescimento das ocupações
irregulares em áreas ambientalmente sensíveis como as de mangue, restinga e lagoa.
Revela que grande parte das ocupações irregulares foi efetuada por pessoas de baixo poder
aquisitivo, mas que o Mirante da Lagoa, no entorno da Lagoa de Imboassica e Ilha Caieira,
em área de mangue, foram ocupadas por pessoas de maior poder aquisitivo. A recente
aprovação do novo Código de Urbanismo do município revela a intenção de legalizar essas
áreas de ocupação, considerando-as Zona Residencial (Mirante da Lagoa e Ilha Caieira) e
Zona de Especial Interesse Social (Lagomar, Nova Esperança e Nova Holanda).
Algumas contribuições para a compreensão do recente processo brasileiro de
urbanização
Esta seção procura destacar alguns aspectos relevantes do atual processo de urbanização
brasileiro e serve como subsídio teórico para o entendimento do padrão das desigualdades
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 150
socioespaciais em Macaé, mesmo reconhecendo que a intensidade e evolução destas são
diferenciadas.
Grande parte da literatura que trata do processo de urbanização brasileiro está voltada
para os estudos das metrópoles. Uma evidência que tem sido apontada é o relativo
esvaziamento econômico ocorrido nos últimos vinte e cinco anos e a conseqüente redução
das taxas de concentração populacional nas metrópoles. Este fato repercute na expansão
urbana das cidades de porte médio e faz emergir na metrópole novos padrões de
segregação socioespacial, caracterizados pela crescente polarização social e pelo mercado
informal de trabalho. Outro aspecto relevante é o fato de as periferias da metrópole terem
apresentado taxas de crescimento superiores às dos núcleos centrais, aumentado o
desemprego e as relações informais de trabalho. ( Lago, 2000)
É importante ressaltar a alteração de função econômica das metrópoles pelo surgimento
de novos padrões de produtividade provenientes do trabalho flexível e da terceirização das
empresas que, conseqüentemente, influenciaram seus padrões locacionais. Estas
alterações também apontam mudanças na estruturação interna das cidades, novos padrões
de segregação e norteiam análises que procuraram correlacionar mudanças
macroestruturais e os processos socioespaciais localizados.
Na visão de Maricato (2001), a década de 80 ampliou o universo da desigualdade social
devido à concentração da pobreza na zona urbana. De forma concomitante, ocorre a
escalada da violência urbana de maneira até então nunca vista na história do país. No
entanto, Maricato reconhece que os graves problemas urbanos brasileiros não foram
gerados recentemente, mas apresentam as suas origens em cinco séculos de formação da
sociedade brasileira, em especial a partir da privatização da terra (1850) e da supressão de
fato da importação de escravos (1888).
Davidovich (1987, p.150) já alertava para o fato de que as tendências da urbanização no
Brasil vinham convergindo para “a exacerbação de características sociais concentradoras e
excludentes” e esse problema vem apresentando maior complexidade em parte devido às
grandes diferenças de valor da terra.
Essas diferenças encontradas no valor da terra são decorrentes da desigual oferta de
serviços públicos e equipamentos urbanos provisionados em grande parte pelo Estado.
Desta forma, áreas mais bem equipadas com infraestrutura física tornam-se proibitivas
para grande parte da população.
A justiça social preconizada por Harvey (1973) implicaria a idéia de adoção de medidas
mais equitativas do ponto de vista da localização dos serviços públicos e da apropriação
dos benefícios desses investimentos pelas classes menos favorecidas. Davidovich (1987)
reconhece a dificuldade de implantação de políticas urbanas mais igualitárias,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 151
principalmente em países não desenvolvidos, essencialmente no tocante à adoção de uma
legislação tributária sobre a terra urbana, que tem sido utilizada como “mercadoria e
reserva de valor”.
Neste sentido, Davidovich considera difícil atingir a justiça social, ou seja, não produzir ao
lado da “cidade legal”, a “cidade ilegal”, destituída em sua maioria, dos serviços e
equipamentos públicos, construída em grande parte fora da lei, sem qualquer participação
governamental, com recursos técnicos e financeiros restritos e fora do mercado formal.
Dados do Censo IBGE de 2000 revelam que, entre 1991 e 2000, houve um incremento em
torno de 22% no número de favelas no Brasil, atingindo um total de 3905 núcleos. No
entanto, Maricato (2000, p. 13) alerta para o fato de que “o universo da favela não esgota
sua ilegalidade na ocupação do solo. Se a ele se somar o universo dos loteamentos ilegais,
deve-se se chegar à maior parte das populações dos municípios de São Paulo e Rio de
Janeiro”. Este fato decorre do próprio modelo de industrialização brasileira, que remunera
com parcos salários os seus trabalhadores, e também ao crescimento do trabalho informal.
Deve-se ressaltar, no entanto, que mesmo privilegiando a “produção capitalista do
espaço”, que beneficia o capital privado, elevando as suas taxas de lucro, o Estado não
tem se omitido a certas demandas populares por medidas assistenciais e de provimento dos
meios de consumo coletivo. (DAVIDOVICH, 1984)
De que forma estes problemas urbanos vivenciados com toda a intensidade pelas
metrópoles brasileiras se fazem sentir numa cidade como Macaé? São os mesmos, mas
vivenciados em uma escala menor? Na perspectiva de Santos, ocorre o seguinte:
Com diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas. Seu tamanho, tipo de atividade, região em que se inserem etc. são elementos de diferenciação, mas, em todas elas, problemas como os do emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, dos esgotos, da educação e saúde são genéricos e revelam enormes carências. Quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. Mas essas chagas estão em toda parte. Isso era menos verdade na primeira metade deste século, mas a urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das conseqüências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que esses são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais. (SANTOS, 2005, p. 105)
Macaé: pólo de atração demográfica e econômica
As transformações ocorridas no município de Macaé com a instalação da Petrobras e das
demais empresas petrolíferas e parapetrolíferas foram muitas e em todos os aspectos:
econômico, estrutural, comportamental, ambiental. Isso tem refletido de maneira
significativa na identidade da população nativa, que se encontra coadjuvante de um
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 152
processo em que ela pouco interfere. No entanto, nesta seção, apenas aspectos
econômicos e demográficos serão tratados.
A população de Macaé saltou de 47.221 habitantes em 1970, para 194.403 em 2009,
conforme apresentado na tabela 1. Constata-se que a população neste período mais que
triplicou. É importante ressaltar que este fato se deveu à magnitude econômica da
indústria petrolífera e empresas do ramo instaladas na cidade.
Tabela 1 - Evolução da População nos municípios do Norte Fluminense de 1970 a 2009.
Região e Municípios 1970 1980 1991 2000 2009* Região Norte Fluminense 471.038 514.644 611.576 696 988 811.079 Campos dos Goytacazes 285 440 320 868 376 290 406 511 434.008 Carapebus 8 164 6 834 7 238 8 651 11.939 Cardoso Moreira 17 958 14 728 12 819 12 579 12.481 Conceição de Macabu 11 560 13 624 16 963 18 706 20.687 Macaé 47 221 59 397 93 657 131 550 194.403 Quissamã 9 933 9 620 10 467 13 668 19.878 São Fidélis 35 143 34 976 34 581 36 774 39.256 São Francisco de Itabapoana 39 883 35 932 38 714 41 046 47.832 São João da Barra 15 736 18 665 20 847 27 503 30.595 Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1970, 1980, 1991 e 2000) e estimativa de 2009.
Se comparado ao crescimento demográfico de outras cidades vizinhas, Macaé ainda cresce
em ritmo acelerado e com grande tendência de permanência de altas taxas, em função das
recentes descobertas de novas reservas na Bacia de Campos.
Vale ressaltar que o crescimento populacional de Macaé, conforme apresentado na tabela
2, ocorreu principalmente na área urbana do município, cuja população aumentou 4,6
vezes de tamanho, causando com isto uma acelerado e desordenado processo de
urbanização. Por outro lado, a população rural diminui de 12.441 em 1970 para 9.466 em
2007, uma redução em torno de 24%.
Tabela 2 - Evolução da população rural e urbana residentes em Macaé
População 1970 1980 1991 2000 2007 Rural 12.441 10.452 7.737 6.432 9.466
Urbana 34.780 49.215 85.920 125.118 160.047
Total 47.221 59.667 93.657 131.550 169.513 Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1970, 1980, 1991 e 2000) e estimativa de 2007.
A partir da instalação da Petrobras, no final da década de 1970, intensificou-se o processo
de urbanização, também estimulado pelo comércio, serviços e construção civil. Ao
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 153
concentrar capitais e gerar milhares de empregos diretos e indiretos, a atividade
petrolífera faz de Macaé um dos mais importantes centros de migração, atraindo pessoas e
empresas de todos os estados e do mundo.
Isso acontece porque as empresas ligadas às atividades petrolíferas (off-shore e on-shore)
não encontram mão de obra local qualificada em número suficiente que atenda à
demanda de suas atividades, tendo que buscá-la em outros municípios. Isso ocasiona
também uma intensa pendularidade de trabalhadores, que vêm e retornam ao seu
município de origem.
O fenômeno da pendularidade diária em Macaé foi descrito por Paganoto:
Como originário nos núcleos urbanos circunvizinhos, o que se explica, em parte, pelo fato de estar em Macaé a concentração das oportunidades de trabalho na região e, também, pelos elevados custos dos imóveis, tanto para compra quanto para locação, estimulando a residência em municípios próximos, especialmente Rio das Ostras. … Em Macaé, o volume de pessoas que circula pelas ruas da cidade porque lá trabalham embora residam em outros municípios não é desprezível. Em 2000, segundo o IBGE, 494 pessoas freqüentavam o município de Macaé para estudar e outras 15299 pessoas freqüentavam o município para fins de trabalho. Assim, 40,47% das vagas disponíveis no mercado de trabalho macaense (37975) eram ocupadas por pessoas não-residentes no município. ( PAGANOTO, 2008, p.78)
Segundo estudos desenvolvidos por Terra, Oliveira e Givisiez (2008), o movimento pendular
está “geralmente associado à expansão urbana e especulação imobiliária dos centros de
atração populacional em função do mercado de trabalho”
Os mesmos autores mostram o seguinte:
Os deslocamentos pendulares em 2000 são significativamente superiores aos verificados em 1980, na Zona de Produção Principal da Bacia de Campos, o que é esperado dado o aumento constante da produção e adensamento da cadeia produtiva do petróleo. Foi em Casimiro de Abreu onde se verificou o maior percentual de deslocamento da mão-de-obra em 2000 (14,64%), seguido por Quissamã com 13,91% e Rio das Ostras com 10,79%. O percentual de deslocamento da mão-de-obra de Campos dos Goytacazes foi de 3,76% e por fim, Macaé, que é lócus privilegiado de oferta de trabalho, apresenta o menor percentual de deslocamento 1,85%. (TERRA, OLIVEIRA & GIVISIEZ, 2008)
Assim, os estudos desenvolvidos pelos autores comprovam o papel de destaque de Macaé
na oferta de trabalho para os municípios da região, atraindo trabalhadores em situação de
pendularidade diária, bem como trabalhadores que se alojam na cidade durante a semana,
retornando a seus municípios de origem apenas nos finais de semana.
Até a década de 70 do século do XX, a economia macaense tinha por base a agroindústria
açucareira, o comércio de malhas, a pesca artesanal, a pecuária leiteira e o turismo. A
descoberta de grandes poços de petróleo e o início da produção na Bacia de Campos, no
fim dos anos 70, marcaram uma nova fase na vida do município. A efetiva atuação da
Petrobrás em Macaé iniciou-se em 1978, quando as antigas instalações da Rede Ferroviária,
em Imbetiba, deram lugar à base de operações das plataformas de exploração de petróleo,
conforme menciona Ramires:
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 154
Em 1978 a cidade de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, foi atingida por um verdadeiro boom, quando a PETROBRÁS implantou o porto que seria o elo de ligação com as plataformas de exploração de petróleo na Bacia de Campos. Junto com a estatal vieram 126 empresas de prestação de serviços, 5000 novos empregos foram criados e 1000 carros passaram a circular pelas ruas estreitas da cidade. Novas agências bancárias foram inauguradas, além de um grande número de hotéis e bares. (RAMIRES, 1991, p. 120).
Macaé sofre uma série de transformações estruturais/econômicas, fazendo com que a
cidade viesse a ser apontada como um novo pólo de desenvolvimento regional. Macaé
vivenciava instalações de novas empresas, indústrias e comércio, atraindo também
multinacionais gigantes do setor petrolífero.
O acelerado adensamento da população urbana, não foi acompanhado desde o início, por
um planejamento de infraestrutura técnica e/ou social, trazendo com isto sérios
problemas urbano-sociais e adensamento do solo, principalmente na área urbana e áreas
ambientalmente sensíveis.
Este crescimento peculiar de Macaé, com a chegada da Petrobrás e multinacionais do
mesmo ramo, a destacou como cidade altamente próspera regionalmente e em nível de
Brasil, principalmente no quesito taxa de emprego formal, como mostra a tabela 3.
Nota-se que o emprego formal em Macaé, no ano de 2007, mais que dobrou em relação ao
ano de 2000. A implementação e o aumento da formalização de empregos podem ser
percebidos também nas décadas de 80 e 90, principalmente após a flexibilização do
monopólio da exploração de petróleo, que se deu a partir da lei 9.979/97 (Lei do
Petróleo).
A referida lei provocou a entrada de inúmeras empresas multinacionais para a exploração,
produção e serviços técnicos na bacia de Campos, pela própria expansão da capacidade de
exploração produtiva da Petrobrás, consequência dos grandes projetos e investimentos
tecnológicos dessa empresa.
Tabela 3 - Empregos formais em anos selecionados nos municípios do Norte Fluminense.
Municípios Norte Fluminense 1985 1990 1995 2000 2007 Campos dos Goytacazes 46309 48616 47206 47741 99242 Carapebus 0 0 0 1215 1700 Cardoso Moreira 0 0 948 994 1249 Conceição de Macabu 765 858 710 1402 1913 Macaé 18283 23759 22669 37975 92929
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 155
Quissamã 6 39 1114 2224 2801 São Fidélis 2278 2685 2584 3472 5070 São Francisco de Itabapoana 0 0 0 909 2309
São João da Barra 3036 3273 3304 2607 4360 Fonte: MTE: Relatório Anual de Informações Sociais.
Observa-se também o emprego formal está concentrado em duas cidades: Campos dos
Goytacazes e Macaé. Em 1985 o município de Campos detinha 65 % dos empregos formais
da região, enquanto que Macaé apresentava o valor de 26%. Em doze anos, a taxa de
empregos formais de Campos caiu para 47% ao passo que a taxa de Macaé já representa
44% de toda a oferta de empregos formais, mostrando uma forte tendência de
crescimento, tendo em vista as novas descobertas do pré sal.
A mídia tem-se referido a Macaé como terra de oportunidades, onde o emprego é farto e
vultosas rendas dos Royalties do petróleo entram para os cofres públicos, transformando a
cidade em um polo atrativo.
Conforme citado anteriormente, a indústria petrolífera proporcionou a Macaé um
vertiginoso salto econômico, que se reflete significativamente no aumento de empregos
formais nos setores da cadeia produtiva do petróleo, conforme tabela 4. Vale ressaltar que
o número de empregos formais nos setores de atividade de extração mineral, extração de
petróleo e gás, atividade de apoio petróleo e gás e indústria de transformação mais que
dobraram entre 2001 e 2008, caracterizando com isso a vocação industrial do ramo
petrolífero em Macaé. Não se deve desprezar, porém, o crescimento ocorrido no setor de
serviços, que alcançaram 97,4%, no período em análise.
Piquet ressalta o vigor econômico recente de Macaé, advindo das atividades de extração,
produção e logística do petróleo:
Macaé, denominada localmente como “Capital do petróleo”, foi a que mais se transformou e hoje ostenta um vigor diretamente relacionado às atividades de extração, produção e logística do petróleo, que a situa entre as cidades de melhor relação entre postos de trabalho e tamanho de população do estado. Enquanto Campos dos Goytacazes, com uma população de 407.000 habitantes, em 2001, detinha 47.943 postos de trabalhos formais, Macaé, com 132.000 habitantes, detinha cerca de 55.000 postos. ( PIQUET, 2003, p.228)
Segundo Piquet (2003), Campos sempre exerceu um perfil de polo regional e, após a
consolidação da Petrobrás, vem-se identificando como centro prestador de serviços e mão
de obra qualificada para os demais municípios, principalmente no setor educacional. Isto
pode ser percebido na tabela 4. Constata-se ainda o dinamismo nos setores de comércio e
administração pública direta, na referida cidade.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 156
Tabela 4 - Emprego Formal por Setores de Atividades Econômicas em Campos dos Goytacazes e
Macaé. 2001/2008
SETORES DE ATIVIDADE CAMPOS DO GOYTACAZES MACAÉ
2001 2008 2001 2008
Extrativa Mineral 154 193 10.496 22.562 Extração de Petróleo e Gás - 0 7.497 13.321 Ativ. de apoio petróleo e gás - 0 2.935 9.090 Indústria de Transformação 5.096 8.967 3.804 12145 Serviços Ind. de Utilid. Pública 574 1.407 88 293 Construção Civil 3.228 6.375 8.615 12518 Comércio 12.965 21.362 6.089 11898 Serviços 17.909 33.515 18.128 35786 Administração Pública Direta 5.450 13.632 3.484 7507 Agropecuária 2.567 2.779 391 450 Total 47.943 88.230 51.095 103.569
Fonte: MTE: Relatório Anual de Informações Sociais.
O impacto financeiro da indústria petrolífera na Bacia de Campos, além de aquecer os
empregos formais, também influenciou de maneira decisiva a elevação do PIB municipal
per capita de Macaé, da região Norte Fluminense e do Estado do Rio de Janeiro, conforme
mostra a figura 2.
O dinamismo e pujança econômica advindos da exploração de petróleo e gás em Macaé não
têm refletido na melhoria socioeconômica de parte da população, assim como na
preservação de algumas áreas ambientalmente sensíveis, como, por exemplo, manguezais,
lagoas costeiras e restingas, problemas que serão abordados na próxima seção.
Figura 2 : PIB per capita de Macaé – Região N. Fluminense – Est. RJ- 2000/2007 (Bilhões)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 157
PIB 2000 - 2007 (Bilhões)
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
50.000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
MacaéRegião Norte Fluminense
Estado do Rio de Janeiro
Fonte: CEPERJ (Centro Estadual de Estatística do Estado do Rio de Janeiro),2009.
Transformações socioespaciais.
Apesar dos benefícios econômicos e financeiros trazidos com a indústria petrolífera e
parapetrolífera, Macaé foi obrigada a enfrentar problemas relacionados à forte pressão
sobre a infraestrutura urbana. Entre os principais desafios enfrentados, pode-se citar a
inexistência, até aquele momento, de projetos voltados para moradias populares, o caos
gerado no sistema viário, o atendimento precário nas áreas de saúde, saneamento,
educação e o agravamento dos índices de poluição.
Como destaca Baruqui (2004), esse acelerado crescimento de Macaé impôs forte pressão
sobre a infraestrutura urbana e levou à ocupação de áreas ambientalmente sensíveis,
ocasionando com isto problemas de degradação ambiental:
Este acelerado processo de crescimento urbano modificou a paisagem costeira de Macaé, com perda de áreas significativas de restingas que na atualidade encontram-se descaracterizadas, em decorrência da especulação imobiliária, que, além disto, criou vários vazios urbanos e elevou o preço da terra. Em decorrência, terrenos menos valorizados como as áreas de manguezais e os terrenos inundáveis estão sendo ocupados pela população de baixa renda. ( BARUQUI, 2004, p.22)
Somente a partir da flexibilização do monopólio da Petrobras, em 1997, e com a entrada
de capitais estrangeiros na exploração e produção de petróleo é que Macaé sofre o “boom”
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 158
imobiliário e os vazios urbanos existentes passam a ser ocupados. O padrão de construção
residencial, até então restrito a casas, passa a ser alterado com a construção de prédios.
Segundo Baruqui (2004), até o final dos anos 70 os limites da área urbana estavam contidos
no entorno do chamado “Centro Histórico”. A partir daí, obedeceu a três vetores de
expansão a partir deste centro histórico, dois deles acompanhando o litoral, em sentidos
opostos, norte e sul, e um terceiro para o interior, conforme Figura 3.
Figura 3 – Vetores Iniciais de Expansão Urbana em Macaé.
Mapa elaborado por Baruqui (2004) sobre base do levantamento aerofotogramétrico de 2001.
Não tendo mais como se expandir na costa litorânea, está ocorrendo uma interiorização da
expansão, surgindo vários vetores perpendiculares à orla, em direção ao interior. ( Figura
4) Segundo Dias (2006), as empresas prestadoras de serviço à Petrobras produziram, no
espaço urbano da cidade, um padrão de ocupação desordenado, pois não se instalaram no
distrito industrial determinado pelo poder público municipal, não tendo respeitado,
portanto, o zoneamento industrial original
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 159
Figura 4 – Novos Vetores de Expansão Urbana em Macaé
Mapa elaborado por Baruqui (2004) sobre base do levantamento aerofotogramétrico de 2001.
Atualmente Macaé tem 22 bairros e 9 setores administrativos. A divisão em setores
administrativos foi uma decisão de gestão municipal anterior visando maior eficiência das
políticas públicas a serem implementadas.
Dias (2006) destaca que a proximidade da Petrobras ao porto de Imbetiba privou a
população do uso da praia, até então cartão de visita da cidade. Os bares e restaurantes
que reuniam os veranistas e moradores foram substituídos pelo embarque e desembarque
dos petroleiros. Além disso, ressalta o poder da empresa como “puxadora” de
infraestrutura, expandindo a malha urbana ao longo das duas direções da RJ-106, tendo
Cabiúnas (zona norte) estimulado a ocupação do Lagomar e o Parque de Tubos ( zona sul)
impulsionado a ocupação de Imboassica.
As desigualdades socioespaciais foram ampliadas e a cidade se dividiu em dois eixos, de
acordo com o nível de renda. Próximo a Cabiúnas, surgiram conjuntos habitacionais e
invasão de áreas. Próximo ao Parque de Tubos, surgiram os loteamentos para uma classe
de maior status socioeconômico.
Esse crescimento desordenado gerou uma série de problemas de natureza ambiental, que
são destacados por Dias:
Dentre tais problemas são ressaltados: ocupação irregular em margens de lagoas, em áreas de manguezais e em restingas: aterros em corpos d´água, para a implantação de loteamentos; desmatamento, provocando assoreamento; lançamento final de esgoto in natura nos rios, lagoas e mar; destinação inadequada de resíduos sólidos. (DIAS, 2006, p. 63)
A ocupação de manguezais e restingas tem sido muito frequente para fins de moradia nas
áreas urbanas. No entanto, a ocupação dessas áreas é considerada ilegal desde a
aprovação do Código Florestal de 1965 ( BRASIL, Lei nº 4771, de 15/09/1965), pois são
consideradas Áreas de Proteção Permanente, segundo o Conselho Nacional de Meio
Ambiente ( BRASIL, CONAMA, Resolução nº 303 de 20/03/2002).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 160
Baruqui (2004) realiza um breve histórico das ocupações informais em Macaé, mas não
considera as ocupações no aterro da Lagoa de Imboassica como irregulares, pois os
loteamentos foram aprovados pela Prefeitura. Na época em que a lagoa começou a ser
aterrada, houve protestos de segmentos da população que cobraram providências dos
órgãos ambientais, mas o clamor não foi suficiente para barrar os interesses dos que
ganhavam com a especulação imobiliária. No presente estudo, portanto, trataremos esta
localidade como ocupação irregular, mesmo reconhecendo a legalidade do loteamento,
pois a consideramos localizada em área ambientalmente sensível.
O bairro Lagoa surgiu em 1978, com a aprovação do loteamento Mirante da Lagoa, com 781 lotes com área média de 450,00m2. (...) Na década de 90 surgiram no bairro condomínios residenciais, financiados pela Caixa Econômica Federal, e voltados para a classe média. Os condomínios: Recanto da Lagoa, aprovado em 1997, Vista da Lagoa, aprovado em 1998, Morada da Lagoa e Solar da Lagoa, aprovados em 1999, são exemplos disto. ( BARUQUI, 2004, p.36)
O presente estudo apresentará três áreas de ocupação irregular, traçando o perfil
socioeconômico dos moradores e condições de infraestrutura das localidades, com base em
dados da pesquisa do Programa Macaé Cidadão: na área de restinga será pesquisado o
bairro Lagomar, de baixo poder aquisitivo. No mangue, a localidade de Nova Holanda, a
Colônia Leocádia, Nova Esperança, ocupadas por pessoas de baixo poder aquisitivo e Ilha
Caieira, ocupada por pessoas de médio-alto poder aquisitivo. No entorno da Lagoa de
Imboassica, o Mirante da Lagoa, ocupado por pessoas de poder aquisitivo mais alto.
Em consulta realizada por Faria e Tougeiro (2010) aos registros do Ministério Público
Estadual (MPE) e ao Ministério Público Federal (MPF), nos meses de agosto a setembro de
2007, foi identificada a ocorrência de denúncias referentes a sete áreas de ocupação ilegal
para fins de habitação na área urbana de Macaé.
Foram apresentadas denúncias referentes ao processo de ocupação de manguezal nas localidades denominadas Malvinas, Ilha Fluvial colônia Leocádia, Nova Holanda e Nova Brasília. Em relação à ocupação de restingas, foram apresentadas denúncias referentes à ocupação nas localidades de Lagomar, São José do Barreto e Fronteira. A ocupação no Lagomar recebeu três denúncias, a ocupação da Ilha Colônia Leocádia recebeu duas denúncias e as demais localidades uma denúncia cada. ( FARIA e TOUGEIRO, 2010, p.250)
Esses conflitos e dilemas causados por ocupações ilegais em áreas ambientalmente
sensíveis não são de fácil solução. Os conflitos aparecem em decorrência das diferentes
restrições de uso dessas áreas, impostas pela legislação, e das diferentes interpretações
sobre a forma de apropriação desses espaços. Mesmo tendo recursos financeiros, como é o
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 161
caso da Prefeitura de Macaé, ela se depara com a ausência de uma política habitacional
que dê conta do processo de expansão motivado pelo crescimento da atividade econômica
de exploração e produção de petróleo e gás, que atrai um contingente populacional que,
não tendo qualificação, não consegue se inserir no mercado, e se instala nessas áreas de
pouco valor imobiliário e impróprias à urbanização.
Farias e Tougeiro (2010) identificaram, no estudo realizado, que o Poder Público figurou
como principal denunciante. A origem da denúncia era de órgãos responsáveis pela
fiscalização ambiental, em especial o Batalhão de Polícia Florestal da Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro.
Tendo em vista os diferentes interesses que estão em jogo, Farias e Tougeiro (2010)
identificam três grupos de atores envolvidos no conflito:
Os que defendem a retirada dos ocupantes e a restauração das áreas degradadas, os que defendem a permanência dos ocupantes e urbanização das áreas ocupadas, e os que defendem a necessidade de um estudo de cada situação visando à urbanização das áreas de ocupação já consolidadas e remoção de famílias que estiverem em área de risco ou comprometendo os ecossistemas ainda existentes. A identificação dos interesses de cada ator, ou de cada grupo de atores, é importante ferramenta no auxílio do processo de negociação. ( FARIA e TOUGEIRO, 2010, p.258)
A divisão em setores administrativos e a preocupação com a realização de pesquisa tão
abrangente como é a pesquisa do Programa Macaé Cidadão demonstram o interesse da
Prefeitura Municipal em conhecer a realidade do município e de seus moradores. No
entanto, não a isenta de responsabilidade em relação às ocupações ilegais e de não ter
conseguido implantar com efetividade, nesse período, uma política habitacional e de
expansão urbana para a cidade.
A abrangência da pesquisa realizada pelo Programa Macaé Cidadão é bastante significativa
e alcança quase a totalidade dos domicílios. Na área delimitada como objeto deste estudo,
cerca de 98% dos domicílios foram pesquisados. Dessa forma, constitui-se em uma rica
fonte de informação sobre a realidade destas localidades e de seus moradores. São
levantados dados sobre o tipo de domicílio, condição de ocupação, material predominante
na construção (paredes externas e teto), além de perguntas relacionadas à infraestrutura
(saneamento, lixo, água ). Sobre os moradores há perguntas referentes a sexo, idade, raça,
se é migrante, Unidade Federativa de origem, nível de escolaridade, trabalho e renda,
problemas de saúde e pessoas com necessidades especiais.
Para o estudo proposto, selecionaram-se alguns aspectos considerados fundamentais para a
caracterização das áreas de ocupação: a infraestrutura dos domicílios ( destino do esgoto,
lixo e forma de captação da água) e o perfil de renda e nível educacional dos seus
moradores.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 162
A tabela 5 indica o número de pesquisas realizadas e o número de domicílios existentes nas
localidades selecionadas. Pode-se observar que o bairro Lagomar, em área de restinga,
apresenta um número mais significativo de domicílios. No entanto, parte significativa das
ocupações ilegais encontra-se nos manguezais.
Tabela 5 - Situação das entrevistas nos domicílios - localidades selecionadas - Macaé, 2006-2007
Áreas de Estudo Realizadas Não
realizadas por recusa
Total de domicílios
% de domicílios entrevistados
Lagomar (restinga) 3293 12 3305 99,6 Nova Holanda ( mangue) 1916 39 1955 98,0 Nova Esperança (mangue) 1639 29 1668 98,3 Colônia Leocádia (mangue) 402 2 404 99,5 Ilha da Caieira (mangue) 149 2 151 98,7 Mirante da Lagoa ( lagoa) 545 29 574 94,9 Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
A tabela 6 indica que a predominância da ocupação na área de estudo é de casas, ficando a
maior parte dos apartamentos (11,4%) no Mirante da Lagoa. As ocupações em quartos ou
cômodos destacam-se na Ilha Caieira (16,8%), Colônia Leocádia (11,7%) e Nova Holanda
(10,2%). A Colônia Leocádia apresenta quase 3% de domicílios improvisados.
Tabela 6 - Tipo de domicílios - localidades selecionadas- município de Macaé, 2006/07
Áreas de Estudo Casa Apartamento Quarto/Cômodo Coletivo Improvisado
Lagomar (restinga) 96,8 0,4 2,7 0,0 0,1 Nova Holanda ( mangue) 87,9 1.2 10,2 0,1 0,7 Nova Esperança (mangue) 90,4 1,5 7,0 0,0 1,2 Colônia Leocádia (mangue) 84,6 0,7 11,7 0,2 2,7 Ilha da Caieira (mangue) 81,2 2,0 16,8 0 0 Mirante da Lagoa ( lagoa) 88,1 11,4 0,2 0 0,4 Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
Uma análise sobre a condição de ocupação dos domicílios destacados na Tabela 7 revela
que 67% destes são próprios já pagos, destacando-se o bairro de Lagomar com 75,9%. No
entanto, sabe-se que parte do Balneário Lagomar adentra o Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba, criado pelo decreto presidencial em 29 de abril de 1998. Além disso,
Baruqui ressalta:
A invasão no Lagomar se deu no início da década de 90, no loteamento Balneário Lagomar, aprovado em 1976, prevendo a instalação de 427 sítios de recreio com área mínima de 5000 m². Desde 1997, tramita no Ministério Público Federal de Campos, um processo que denuncia o parcelamento ilegal desta área, em lotes de 200m² ou menos, num processo que se caracteriza por uma ocupação desordenada, sem infraestrutura básica. ( BARUQUI, 2004, p.71)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 163
Nova Holanda também tem sua origem atrelada à ocupação de loteamento irregular, no
início da década de 80. Com a intensificação do processo de ocupação no final da década
de 80 e início da década de 90, a Prefeitura passou a intervir, criando a unidade de
Atendimento Comunitário (UNICA) - Nova Holanda, com o objetivo de evitar novas invasões
e atuar de maneira estratégica, melhorando as condições de infraestrutura do local. Nova
Esperança surge como continuação da Nova Holanda, em 2001
Conforme destaca Baruqui:
a lei nº 1717/96 autorizou o Poder Executivo a celebrar contrato de cessão em comodato com os ocupantes das frações ideais dos lotes urbanizados pelo Município, na Nova Holanda. Da mesma forma como ocorreu nas Malvinas, alguns contratos deste tipo chegaram a ser firmados. ( BARUQUI, 2004, p.68)
Tabela 7 - Condição de ocupação dos domicílios - localidades selecionadas em Macaé,
2006/07.
Áreas de Estudo Próprios já pagos
Próprios em
aquisição Alugados Cedidos Invasões
Lagomar (restinga) 75,9 0,5 18,5 4,8 0,4 Nova Holanda ( mangue) 61,0 0,70 29,6 4,7 4,0 Nova Esperança (mangue) 70,5 0,8 15,9 3,5 9,3 Colônia Leocádia (mangue) 67,1 2,0 7,2 5,2 18,5 Ilha da Caieira (mangue) 65,1 0,7 30,2 4 0,0 Mirante da Lagoa ( lagoa) 61,7 3,5 32,3 2,6 0,0 Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
Os dados da Tabela 8 revelam que o principal destino do esgoto da Ilha Caieira é o rio,
alcançando 66,4% dos domicílios. O mesmo problema ocorre de maneira significativa na
Colônia Leocádia (29,2%) e em Nova Holanda (15,5%). Ao contrário, Mirante da Lagoa
apresenta 95,6% dos domicílios com destino do esgoto realizado por meio de rede coletora
ou fossa séptica. Ilha Caieira, no entanto, apresenta apenas 33,6% dos domicílios com estas
formas de destino do esgoto, apesar de ser local de moradia de pessoas de um poder
aquisitivo próximo ao do Mirante da Lagoa.
Tabela 8 - Destino do esgoto de localidades selecionadas - município de Macaé -
2006/2007
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Áreas de Estudo
Rede coletora
de esgoto ou pluvial
(%)
Fossa séptica
(%)
Fossa rudimentar
(%)
Rio, mar ou lagoa (%)
Céu aberto
ou vala (%)
Outra forma
(%)
Total de Domicílios
Moradores em
condições precárias
(%)
Nova Holanda 68,8 5,5 6,0 15,5 3,5 0,8 1915 25,7 Lagomar 4,1 38,2 56,5 0,3 0,6 0,4 3293 57,8
Nova Esperança 19,6 35,0 32,6 4,5 6,7 1,6 1639 45,5
Colônia Leocádia 5,2 19,5 28,2 29,2 14,2 3,7 401 75,3 Ilha da Caieira 17,4 16,1 0,0 66,4 0,0 0,0 149 66,4 Mirante da Lagoa 58,7 36,9 3,9 0,6 0,0 0,0 545 4,4
Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
O destino do lixo nas localidades escolhidas para objeto de estudo, retratado na Tabela 9,
revela que as localidades onde residem as pessoas de melhor poder aquisitivo ( Ilha Caieira
e Mirante da Lagoa) apresentam 100% dos domicílios com coleta de lixo realizada pelo
poder público. Já na Colônia Leocádia, quase 50% do lixo é queimado e 12,5% é jogado em
terreno baldio, sendo esta a área que precisa de maior atenção nesse quesito.
Tabela 9 - Destino do Lixo - Localidades selecionadas - Município de Macaé - 2006-2007
Áreas de Estudo
Coletado serviço público
(%)
Queimado (%)
Enterrado (%)
Jogado no
terreno baldio
(%)
Jogado no rio, vala ou lagoa
(%)
TOTAL
Moradores em
condições precárias
(%) Nova Holanda 86 10,3 0,5 2,6 0,7 1915 14,1
Lagomar 94 5,2 0,1 0,4 0,0 3293 5,7 Nova
Esperança 89 8,5 0,3 1,3 1,1 1639 11,2 Colônia
Leocádia 34 48,1 2,2 12,5 3,2 401 66,1 Ilha da Caieira 100 0,0 0,0 0 0 149 0,0
Mirante da Lagoa 100 0,2 0,0 0 0 545 0,2
Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
A Tabela 10 indica que as localidades de Ilha Caieira e Mirante da Lagoa são as mais bem
servidas de água canalizada, chegando a 100% dos domicílios. Lagomar e Nova Esperança
são as que precisam ser priorizadas em investimentos relacionados à canalização de água.
O problema de abastecimento de água é significativo em Macaé.
Em entrevista concedida ao Jornal O Debate, no dia 08 de novembro de 2010, o presidente
da empresa Pública Municipal de Saneamento (ESANE), engenheiro Marcos Túlio de Aguiar,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 165
explicou que há pouco mais de 15 anos, a vazão de abastecimento de água em Macaé era
de 120 mil litros por segundo. Hoje está em torno de 550 mil litros por segundo e é
insuficiente para abastecer o município de Macaé de forma uniforme. Disse que, com os
investimentos previstos na ordem de R$ 240 milhões, fruto de parceria com o Governo
Federal, em breve Macaé contará com uma adutora com capacidade para 800 mil litros por
segundo, que marca o limite atual da capacidade do reservatório. Além disso, os recursos
ajudarão a completar a adutora de água bruta, reformar a estação do Morro de Santana e
duplicar o reservatório de Santa Mônica, acrescendo mais 5 milhões de litros à capacidade
atual.
Tabela 10 - Existência de água canalizada - localidades selecionadas - Município de
Macaé - 2006/2007
Áreas de Estudo Existe (%) Não existe (%) TOTAL Nova Holanda (mangue) 87,9 12,1 1915 Lagomar (restinga) 36,9 63,1 3293 Nova Esperança (mangue) 48,0 52,0 1639 Colônia Leocádia (mangue) 55,9 44,1 401 Ilha da Caieira (mangue) 100,0 0,0 149 Mirante da Lagoa ( lagoa) 99,1 0,9 545 Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
As tabelas 11 e 12 referem-se ao perfil dos moradores das áreas de estudo. Indicam o nível
de instrução e renda, revelando que diferentes estratos sociais ocupam áreas
ambientalmente sensíveis. O Mirante da Lagoa apresenta um perfil de moradores distinto
dos demais. Detém o maior número de domicílios com pessoas residentes que completaram
ensino médio e superior, alcançando 56,1%. Ilha Caieira vem em seguida, como o local de
melhor nível educacional entre as áreas selecionadas no estudo, tendo quase 30% dos
residentes completados o ensino médio e superior.
A área de restinga e as demais de mangue apresentam maior concentração de pessoas
residentes com o nível de escolaridade mais baixo, até o fundamental.
Tabela 11 - Nível de escolaridade- localidades selecionadas- Macaé, 2006/07
Áreas de Estudo Até 1º Grau
(Ens. Fund.)
2º Grau (Ens. Médio.)
3° Grau (Ens. Sup.e
mais)
Educação Especial TOTAL
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 166
Nova Holanda (mangue) 85,3 13,3 1,2 0,2 2312 Lagomar (restinga) 83,7 14,6 1,4 0,2 3902 Nova Esperança (mangue) 89,2 10,1 0,5 0,2 1985 Colônia Leocádia (mangue) 93,1 6,2 0,4 0,4 565 Ilha da Caieira (mangue) 71,1 16,4 11,2 1,3 152 Mirante da Lagoa ( lagoa) 43,4 19,7 36,5 0,5 636 Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
A variável renda é proxy da variável educação conforme se verifica na Tabela 12. Mesmo
que os entrevistados no bairro Mirante da Lagoa não tenham declarado o valor da renda
mensal (82,2%), o nível educacional indica que esta localidade apresenta o melhor nível de
renda do conjunto de áreas estudadas.
A Colônia Leocádia e Nova Holanda são as áreas em que residem pessoas de menor poder
aquisitivo. Cerca de 50% dos moradores de Nova Holanda e da Colônia Leocádia recebem
até 1 salário mínimo.
Tabela 12 - Renda Mensal domiciliar - localidades selecionadas - Macaé, 2006-2007
Áreas de Estudo
Até 1 SM (%)
Mais de 1 até 3 SM (%)
Mais de 3 até 5 SM (%)
Mais de 5
até 10 SM(%)
Mais de 10
SM (%)
Sem rendimento
(%)
Sem Declaração
(%)
TOTAL de pessoas de 10 anos ou mais que trabalham
Nova Holanda 46,7 38,6 3,8 0,3 0,04 2,2 8,4 2502 Lagomar 29,4 45,4 4,6 0,6 0,07 0,5 19,5 4527
Nova Esperança 37,9 37,9 2,3 0,1 0,05 1,4 20,3 2084
Colônia Leocádia 53,1 40,3 1,5 0,0 0,00 0,7 4,4 452 Ilha da Caieira 19,2 40,6 15,4 4,3 2,56 0,0 17,9 234
Mirante da Lagoa 1,7 5,1 4,2 3,7 2,98 0,0 82,2 974
Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007
Considerações Finais
O objetivo desta pesquisa foi analisar os impactos do crescimento urbano em Macaé, fruto
da nova dinâmica econômica da atividade de exploração e produção de petróleo e gás, que
gerou um aumento das desigualdades socioespaciais no município. A aceleração do
processo de ocupação dos manguezais e restingas, Áreas de Proteção Permanente, foi
favorecida pela forte migração. A oferta de postos de trabalho divulgada pela mídia nem
sempre absorvia a mão de obra que chegava ao município à procura de emprego. O maior
nível de especialização exigido para as atividades relacionadas ao setor da cadeia
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 167
produtiva de petróleo e gás tornou-se um grande empecilho para a inserção de uma mão
de obra desqualificada.
A negligência do Estado em promover uma política habitacional que mitigasse o processo
de ocupação dos manguezais e restingas e impedisse a ocupação do entorno da Lagoa pelos
trâmites legais gerou um conflito e divergências de interpretação sobre o processo de
ocupação dessas áreas, culminando em denúncias ao Ministério Público.
Percebe-se que a condução política para o conflito tem sido o de garantir a urbanização
das áreas ocupadas ilegalmente, evitando-se a remoção dos moradores. Desta forma,
pode-se intuir que a população dessas áreas exerceu um poder de influência sobre as
decisões dos gestores municipais. Estes têm tomado iniciativas de legalizar as posses e
melhorar a infraestrutura, aderindo ao Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS)
e fazendo constar do novo Código de Urbanismo, aprovado em maio de 2010, os seguintes
parâmetros urbanísticos para essas áreas: Ilha Caieira e Mirante da Lagoa estão na Zona
Residencial, cujo lote mínimo é de 450 m², altura máxima permitida na construção é de
10m e a taxa de ocupação de 60%. Nova Esperança, Nova Holanda e Lagomar estão na Zona
de Especial Interesse Social, com lotes mínimos de 125m² e taxa de ocupação de 80%. A
Colônia Leocádia está na Zona de Especial Interesse Ambiental, e a definição dos
parâmetros urbanísticos não está dada previamente, mas dependerá de análise prévia do
projeto pelo órgão municipal de meio ambiente, considerando as limitações impostas pela
legislação específica.
Apesar de limitada, a aprovação do novo Código de Urbanismo já é uma conquista no
caminho de se construir uma sociedade menos desigual. Permitir formas de acesso da
população de menor poder aquisitivo às áreas legalizadas e com adequada infraestrutura
urbana é um caminho para atingir a propalada e almejada função social da terra, já
prevista na Constituição Federal. No entanto, é preciso estar atento para a identificação e
remoção das famílias em áreas de risco e evitar que novas ocupações ocorram nas áreas
ambientalmente sensíveis.
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 169
A SOCIEDADE DO HIDROCARBONETO: O ÔNUS DO AQUECIMENTO ECONÔMICO GERADO PELA CADEIA PRODUTIVA DO PETRÓLEO E GÁS EM MACAÉ-RJ.
Maria Inês Paes Ferreira1; Rafael Nogueira da Costa2; Priscila Gontijo Aguiar de Almeida3; Michelli Rocha Cordeiro4;
Maria Aparecida Vieira Albano Ferreira5 e Ully Hashimoto Mayerhofer6 1 INTRODUÇÃO
A sociedade, de uma maneira geral, relaciona os impactos ambientais negativos
gerados pela exploração de petróleo e gás offshore a derramamentos de óleo nos
ambientes marinhos, que mascaram a percepção de outros impactos ambientais de
amplitude local, ou mesmo regional, relacionados à produção de petróleo. O
crescimento populacional e das atividades econômicas estimuladas pela atividade
petrolífera na Bacia de Campos (RJ) vêm induzindo a uma série de pressões sobre os
recursos naturais e sobre as populações (COSTA e FERREIRA, 2010), principalmente
aquelas socioeconomicamente vulneráveis residentes em cidades como Macaé, que a
partir de 1978 passou a ser a base operacional das atividades de exploração de petróleo
e gás na Bacia de Campos. A partir da década de 80, Macaé veio consolidando-se como o
epicentro das atividades relacionadas à cadeia produtiva do petróleo offshore no país, e
o crescimento acelerado observado na região suscita à reflexão relativa aos impactos
indiretos associados a tais atividades. Perceber o ônus deste aquecimento econômico é
fundamental para que as sociedades macaense e brasileira possam melhor se posicionar
acerca das propostas de incremento da exploração dos seus recursos não renováveis,
associadas ao petróleo do Pré-sal e às metas de aceleração do crescimento.
Diante do quadro de injustiça ambiental presente na sociedade brasileira, esse
trabalho tem como objetivo colaborar com a pesquisa nacional sobre injustiça ambiental
e saúde no Brasil, em cujo mapa de conflitos ambientais apenas São João da Barra é
apontado no Norte Fluminense. O estudo insere-se no projeto “Conflitos ambientais e
riscos à saúde: pesquisa sobre a ocorrência de injustiça ambiental no Município de
Macaé” (linha temática do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego).
Considera-se que, na base do modelo desenvolvimento excludente e insustentável
de exploração dos recursos ambientais planetários, está a indústria do petróleo,
1 Engenheira química, Doutora em Ciência e Tecnologia de Polímeros, pesquisadora do IF Fluminense. 2 Biólogo, Mestre em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense, docente da UFRJ. 3 Bióloga, Mestre em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense, docente da Prefeitura Municipal de Macaé. 4 Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense. 5 Socióloga, Mestranda em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense. 6 Estudante do Curso Técnico em Automação Industrial no IF Fluminense.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 170
principal sustentáculo de uma sociedade energívora e intrinsecamente insustentável – a
“Sociedade do Hidrocarboneto” (YERGIN, 1994) – que apoia a produção de grande parte
de seus bens de consumo em um recurso natural não-renovável, com uma geografia
industrial não coincidente com a das áreas que detêm suas maiores reservas
(GONÇALVES, 2000). Cabannes7 é quem melhor contextualiza a região quando utiliza a
tipologia da cidade enclave, para caracterizar o processo de desenvolvimento das
cidades petroleiras da América Latina. Nesse contexto, a região aonde foi desenvolvido o
presente trabalho compreende o trecho inferior da Bacia do Rio Macaé, incluindo a parte
final estritamente fluvial e sua zona estuarina (bairros Nova Holanda, Nova Esperança,
com ênfase na localidade Águas Maravilhosas), assim como o trecho costeiro do
município que está situado no entorno do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
(Balneário Lagomar). O objetivo do estudo foi investigar a hipótese de ocorrência de
injustiça ambiental (HERCULANO, 2004) no município de Macaé, bem como divulgar os
resultados para a sociedade, em ações de mobilização e sensibilização para a superação
dos “efeitos colaterais” do progresso e da economia do bem-estar. As localidades
focadas no trabalho foram escolhidas pelo fato de serem ocupadas por populações de
nível de renda baixo (PMM, 2010), as quais estariam mais expostas aos riscos ambientais.
2 METODOLOGIA No presente estudo, realizado entre os anos de 2008 e 2010, foram investigadas
áreas do trecho inferior da bacia do rio Macaé, incluindo a parte final estritamente
fluvial e sua zona estuarina (bairros Nova Holanda, Nova Esperança, com ênfase na
localidade Águas Maravilhosas); e o trecho costeiro do município, situado no entorno do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (Balneário Lagomar). Estas localidades
configuram-se como áreas de grande importância social (navegação, moradias e pesca) e
ambiental (áreas de preservação permanente).
A observação participante caracteriza a base da metodologia adotada, tendo em
vista a implicação dos autores do trabalho, que são educadores atuantes em escolas
localizadas na região do estudo, e/ou atuaram como trabalhadores na cadeia produtiva
do petróleo e gás instalada na região. De forma a testar a hipótese de ocorrência de
injustiça ambiental como um impacto negativo associado aos empreendimentos que
aqueceram a economia macaense (e conseqüentemente a brasileira), vários métodos 7 Palestra proferida por Yves Cabannes, Diretor do Programa de Gestão Urbana da ONU, em 20 de agosto de 2003, durante III Seminário Internacional Desafios e Políticas Públicas para a Sustentabilidade, organizado pela ONG Ecocidadão em Macaé/RJ.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 171
foram aplicados, destacando-se: (i) aplicação de questionários (semi)estruturados, em
escolas, Postos de Saúde da Família (PSFs), Associações de Bairro e domicílios
selecionados (ALMEIDA, 2010; CORDEIRO, 2010) (ii) coleta de sedimentos no Estuário do
Rio Macaé, conforme apresentado na Figura 1, e de amostras de água de poços
escavados (no Balneário Lagomar, conforme apresentado na Figura 2; (iii) avaliação de
toxicidade dos sedimentos estuarinos, associada ao teor de hidrocarbonetos
poliaromáticos (HPAs); (iv) análise da qualidade de água dos pontos apresentados na
Figura 2 (CORDEIRO, 2010); (v) tabulação dos dados da pesquisa domiciliar sobre o perfil
e o anseio das famílias macaenses realizada entre os anos de 2006 e 2007, e utilização
desses resultados para compor um mapa de vulnerabilidade econômica dos bairros do
distrito urbano do município de Macaé e uma proposta para o cálculo de um Índice de
Injustiça Ambiental; e (vi) Divulgação científica e transposição de linguagem via
produção de vídeos de Educação Ambiental (EA).
A aplicação dos questionários semi-estruturados objetivou levantar os problemas
ambientais considerados de maior relevância pelos entrevistados, bem dados primários
acerca do abastecimento de água domiciliar e das possibilidades de contaminação de
mananciais subterrâneos. A tabulação das respostas dos entrevistados norteou a
solicitação oficial do Instituto Federal Fluminense ao Programa Macaé Cidadão para
cessão de alguns dos resultados da extensa pesquisa domiciliar periodicamente realizada
pelo Poder Público Municipal. Esses dados foram espacializados com o auxílio de um
Sistema de Informações Geográficas (SIG), empregando-se os aplicativos VISTA S.A.G.A.
2007 ou ArcGIS® 9.3 e softwares AutoCad da AUTODESK e COREL DRAW (Corel
Coorporation) para apoio ao tratamento das informações.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 172
Figura 1. Pontos de coleta de sedimentos no estuário do Rio Macaé (COSTA, 2010).
Figura 2. Pontos de coleta de água subterrânea no Balneário Lagomar (CORDEIRO, 2010).
Para divulgação dos resultados e transposição de linguagem, de forma a socializar
a reflexão sobre os impactos ambientais e os custos não internalizados do crescimento
econômico, pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Petróleo, Energia e Recursos
Naturais (NUPERN) implementaram, desde 2004, na então Unidade Macaé do CEFET
Campos (hoje campus Macaé do IF Fluminense), uma equipe de produção multimídia. Os
vídeos produzidos no NUPERN, pela InSitu Produções, para além da proposta de
transposição de linguagem e divulgação científica, são fundamentados na análise
histórica “das pessoas em seus lugares”, considerando o ambiente “natural” tanto um
cenário quanto um produto das interações humanas (ADAMS, 2000). Assim, no que tange
à produção de vídeos, o presente trabalho situa-se metodologicamente no campo dos
estudos etnoecológicos, que vêm buscando conciliar a conservação dos ecossistemas com
a melhoria da qualidade de vida das parcelas menos favorecidas da nossa população.
Posicionando-se numa interface com as tradicionais disciplinas acadêmicas e o
conhecimento empírico das comunidades, a etnoecologia pode efetivamente contribuir
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 173
para os debates científicos atuais relativos à conservação da diversidade biológica e
cultural (PEDROSO Jr., 2002).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Macaé é o segundo maior beneficiário dos repasses dos royalties de petróleo e gás
da Bacia de Campos8, e convive com a abundância associada aos recursos que são
transacionados pela cadeia produtiva de petróleo e gás, de um lado, e de outro com a
escassez de intervenções infraestruturais, de planejamento urbano e de saneamento
ambiental, que sejam compatíveis com seu crescimento populacional e com seu de PIB
per capta (R$ 37.667,00 no ano de 2007, quando foi realizada a pesquisa domiciliar do
Programa Macaé Cidadão) (IBGE, 2009). Comparando os percentuais de crescimento
observados, Macaé cresceu de 1970 a 2007 a uma velocidade de aproximadamente 3,6
vezes, superando a taxa de crescimento do Brasil, que foi de aproximadamente 2,0; a do
Estado do Rio de Janeiro (1,7); e a da Região Norte Fluminense (1,6), para o mesmo
período (COSTA, 2010).
Como afirma Soffiati (2010), com a descoberta das jazidas de petróleo da Bacia
de Campos e a posterior construção das instalações da PETROBRAS em Macaé, a cidade
passou a receber anualmente milhares de pessoas de todo o Brasil em busca de
emprego. Muitas não conseguem trabalho e acabam marginalizadas, o que gera, além da
violência, a invasão e urbanização de áreas de preservação ambiental (IPEA, 2008).
Associado aos problemas ambientais e sociais ocasionados pelo processo de extração de
óleo e gás, o crescimento da cidade gerou uma pressão sobre o estuário (COSTA e
FERREIRA, 2010), destacando-se a margem direita do “rio velho” (trecho assoreado do
Rio Macaé pré-retilinização), o interior da ilha Colônia Leocádia, o trecho final do Canal
Campos-Macaé, e a margem esquerda do rio.
A urbanização, além de suprimir importantes áreas, acarreta outro grande
problema: o aumento de lançamentos de produtos químicos e de efluentes, sendo
notória a contaminação do estuário do Rio Macaé por esgoto orgânico, por efluentes
oleosos e por resíduos sólidos (LACERDA et al. 2008; PINHEIRO, 2008). Apesar de possuir
sua foz permanentemente aberta, esse ecossistema encontra-se em estágio avançado de
degradação sofrendo intensos e permanentes impactos antrópicos como lançamento de
esgoto in natura e despejo de óleo das pequenas embarcações utilizadas para pesca,
principalmente no final do Canal Campos-Macaé. Atribui-se ao canal a denominação da
8 Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro – CEPERJ.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 174
localidade “Águas Maravilhosas”, inserida na “Nova Esperança”, que por sua vez
pertence ao bairro Barra de Macaé9, Setor Administrativo 5 (SA-5), que tem como limite
a margem direita do Canal de Macaé (resultante da retilinização da porção final do Rio
Macaé, realizada pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS, na
década de 70), o qual flui em paralelo com o rio Jurumirim para o Rio Macaé. Por um
lado, as “Águas Maravilhosas” eram o referencial de uma localidade tida como balneário
turístico para banhos populares no verão macaense. Ressalta-se que ainda hoje essas
águas continuam sendo utilizadas para lazer, sendo frequentadas por grande contingente
de pessoas da localidade e das circunvizinhanças. Por outro lado, o nome Águas
Maravilhosas está vinculado a uma área poligonal de, aproximadamente, 160,60 m², que
foi utilizada como Lixão Municipal de Macaé pelas administrações municipais, por um
período estimado de 15 a 16 anos, até o início da implantação e operação do Aterro
Municipal de Cabiúnas, em 1996. Apenas há informações de que a Prefeitura Municipal
de Macaé (PMM) retirou cerca de 1,50 m de lixo da superfície e alocou o volume de lixo
retirado no Aterro Municipal de Cabiúnas, atualmente desativado.
O lixo depositado em Águas Maravilhosas ao longo do período de utilização desta
área como lixão, contemplou todo o conjunto da classificação da NBR 10004:2004, quais
sejam os resíduos sólidos urbanos (RSU), os resíduos industriais e os resíduos do serviço
de saúde (RSS). Abrangeu inclusive os resíduos perigosos da Classe I. Embora não haja
indicadores que comprovem ações de remediação deste antigo vazadouro a céu aberto,
é de conhecimento público que esta área vem sendo apropriada e ocupada por
populações de baixa renda. Dados da Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão -
2006/2007, apontam que, da população residente há mais de 10 anos no local, entre os
entrevistados que trabalham, 22,6% recebem renda entre 1 e 2 salários mínimos, e 38,7%
recebem renda entre 2 e 3 salários mínimos. Também segundo o Programa Macaé
Cidadão, 32 pessoas residiam há mais de 10 anos em Águas Maravilhosas (dado que
parece corresponder ao número de pessoas que viviam da catação no antigo lixão
municipal, entre outras atividades). Inicialmente essas pessoas se localizaram na área
entre o Canal de Macaé e o Rio Jurumirim. (PMM, 2010). Águas Maravilhosas encontra-se
em franco processo de expansão urbana, intensificado a partir de 2003, e, na atualidade
é factual sua integração paulatina à malha municipal, não obstante às condições de
sujeição de risco e perigo socioambientais enfrentados pelas pessoas que lá residem.
Segundo informações obtidas de moradores do local, a iniciativa de ocupação foi do
9 Prefeitura Municipal de Macaé (PMM,2010) - Programa Macaé Cidadão.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 175
Movimento dos Sem Terra (MST). Em julho de 2009, os residentes entrevistados em
pesquisa prévia realizada estimaram que a área abriga entre 250 e 300 famílias - mais de
2 mil pessoas de baixa renda. Da mesma forma, é notória a existência de edificações de
alvenaria sobre o passivo ambiental do ex-lixão da cidade de Macaé, o que caracteriza
uma situação de injustiça ambiental, tendo em vista a fragilidade econômica da
população residente na área (Figura 3).
A Linha Azul pode ter sido o fator indutor da ocupação social desta área.
Informações pessoais obtidas a partir dos moradores informam a existência de mais de
250 a 300 famílias na localidade. Os terrenos das posses e ocupações têm dimensões de
até 12m x 27m, e há informes de que as negociações de compra e venda de terrenos de
até R$ 50 mil Reais em Águas Maravilhosas. É possível observar placas contendo
identificação do imóvel e preço de venda. A referência frontal é a rodovia Lacerda
Agostinho (antiga Linha Azul), a qual se prolonga até o distrito industrial de Macaé com o
nome de Avenida Industrial. A Linha Azul foi inaugurada em 2005, posteriormente passou
a ser denominada de rodovia Lacerda Agostinho. Esta rodovia tem, aproximadamente,
7,5 km de extensão em pistas duplas asfaltadas e possui 251 postes, instalados de 30 em
30 m e equipados com lâmpadas a vapor de 400 W. Esta rodovia está sob concessão da
Autopista Fluminense - OHL Brasil. Esta descrição é importante para a percepção de
valor estratégico desta localização, na medida em que o Arco Viário de Macaé,
planejado para interligar e otimizar os fluxos de tráfego entre os extremos Norte e Sul
de Macaé é conformado pela Avenida Industrial, Linha Azul e a Linha Verde, criando
assim a capilaridade necessária ao atendimento às demandas de expansão da produção
e crescimento econômico do município.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 176
Figura 3. Mapa temático de indicador de vulnerabilidade econômica do município de Macaé-RJ
Observa-se que a maior parte das moradias da localidade possui fossas do tipo
sumidouro, Além disso, as famílias utilizam, em geral, água de poços escavados, pois a
água fornecida pela prefeitura é insuficiente para atender todo o bairro devido ao
aumento da densidade populacional no mesmo. A comunidade não tem acesso à rede de
distribuição de água tratada, nem condições econômicas para abastecimento via carro-
pipa e água envasada de boa qualidade.
Não se tem estatísticas oficiais sobre alguns eventos, tais como, doenças de
veiculação hídrica (por utilização de água do Canal de Macaé sem tratamento adequado
para usos domésticos e banhos de lazer); por contaminação por objetos perfurocortantes
(tétano), desconforto ambiental (por odores da produção e emissão de gases da massa
de lixo, intensidade dos efeitos da radiação terrestre a exemplo elevação de
temperatura), contaminação do solo e do lençol freático. Os moradores tem
conhecimento de que a área era utilizada como vazadouro municipal de lixo a céu
aberto, embora pareçam não ter clareza do significado dessa realidade em termos de
possibilidades de contaminação e dos efeitos deletérios dos contaminantes associados
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 177
aos aterros sanitários na saúde individual e coletiva. A percepção de abandono da área
pelo poder público, ainda que sem a devida remediação do solo (Foto 1) parece ter sido
a motivação da ocupação pelo MST para fins de edificação de moradias em área urbana.
Foto 1. Recorte de solo para radier de sustentação de pilares da construção. Nesta estrutura, entre a base de concreto e o aterramento superficial do solo, de apenas 20cm de altura, se pode observar a massa de lixo disposta no solo ao longo do tempo. Ao lado, monturos de lixo retirados para a construção do radier em concreto armado. Autor: Maria Aparecida V. A. Ferreira, 2009. Com o escoamento superficial e o carreamento do lixo em direção à calha do
Canal de Macaé, criado para drenar a área, houve aterramento significativo do seu leito.
Em decorrência, a área vive sob alagamentos constantes. Esses impactos são percebidos
também ações de compactação do solo por aterramento do local e elevação do nível da
área, tentativas frustradas de evitar alagamentos (área abaixo do nível da rodovia -
Linha Azul) e por aumento do nível da vazão dos rios em épocas de cheias. De acordo
com os entrevistados nos bairros Nova Holanda, Nova Esperança e Barra do Macaé,
relativamente aos principais problemas ambientais presentes na Nova Esperança e na
Nova Holanda, o item percebido como sendo de maior relevância, assim como o maior
problema ambiental citado para a cidade de Macaé (Figura 4) foi a ocupação
desordenada em áreas sujeitas a enchentes e transbordamentos, assinalado por 82% dos
entrevistados. Com pouca diferença percentual, o segundo item mais assinalado foi a
redução de áreas de manguezal, com 81%, o que nos leva a concluir que esses dois temas
estão interligados e relacionados entre si. Esse resultado pode ser explicado pela
localização dos bairros estudados, pois tanto a Nova Holanda quanto a Nova Esperança
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 178
são bairros situados em áreas onde anteriormente havia ecossistema de manguezal.
Figura 4. Principais problemas ambientais do município de Macaé percebidos pelos entrevistados na Nova Holanda e Nova Esperança (ALMEIDA, 2010).
Os manguezais são classificados como Áreas de Preservação Permanente (BRASIL,
2002), sendo expressamente proibida a construção e ocupação urbana nesses ambientes.
Entretanto, com a grande explosão demográfica ocorrida no município após a chegada
da PETROBRAS e de outras empresas associadas às atividades petrolíferas, diversas Áreas
de Preservação Permanente foram ocupadas pela população recém chegada que sem
condições financeiras ocuparam áreas ao redor de lagoas, topos de morro e áreas de
manguezal, como no caso da Nova Holanda e Nova Esperança, estando assim as
populações dessas localidades mais expostas aos riscos de transbordamentos e enchentes
(SOFFIATI, 2010). Costa e Ferreira (2010) destacam que a ocupação de Áreas de
Preservação Permanente (APPs) no estuário do Rio Macaé pode ser considerada um
impacto secundário associado à atividade petrolífera na região.
Como decorrência da carência de saneamento básico presente na Nova Holanda
e Nova Esperança, a metade dos entrevistados (50%) sugeriu o tema infraestrutura e
equipamentos urbanos como outro tema de maior relevância de problemas ambientais
presentes nessas localidades (Figura 5). Esse tema abrange as questões de saneamento
básico, calçamento das ruas e abastecimento de água tratada.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 179
Figura 5. Gráfico de sugestão de temas de maior relevância de problemas ambientais presentes na Nova Holanda e Nova Esperança para a elaboração de mapa temático de riscos e conflitos ambientais e na saúde (ALMEIDA, 2010).
O item dinâmica populacional, exposto na Figura 5, se refere às questões de
imigração nas áreas da Nova Holanda e Nova Esperança e à situação socioeconômica
dessas populações. A psicopatologia urbana está relacionada com os problemas de
violência e drogas e o item “outros” ao assoreamento do Rio Macaé e à falta de
Educação Ambiental. Com base nessa pesquisa podemos classificar os bairros Nova
Holanda e Nova Esperança como áreas de “hiperperiferia”, definida por Torres e Marques
(2001) como áreas de periferia que, além de suas características específicas como falta
de infraestrutura adequada e menor renda da população, possuem condições adicionais
de exclusão urbana, relacionadas tanto à precariedade de acesso a serviços urbanos
como à destinação adequada dos resíduos sólidos e líquidos produzidos nesses bairros.
Conforme já mencionado, podemos considerar que a população dessas localidades sofre
maiores exposições aos riscos ambientais, decorrentes de sua desigualdade social
(ACSELRAD, 1999; HERCULANO, 2004).
Cabe destacar, conforme evidenciado no Mapa de Vulnerabilidade Econômica da
área urbana do município (Figura 3), que não só o estuário do Rio Macaé, mas também
os bairros Cabiúnas e Balneário Lagomar (situados na proximidade do Terminal de
Cabiúnas, e portanto sujeitos a riscos de contaminação química) exibem altíssima
vulnerabilidade (mais do que 40% da população residente que trabalha e respondeu à
entrevista ganha até 1 salário mínimo). O cruzamento de dados de risco de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 180
contaminação por poluentes industriais, com os de localização de empreendimentos
industriais associados à cadeia produtiva do petróleo e gás e com os padrões de
crescimento desordenado e desigualdade social evidenciados no município, confirmaria a
hipótese de ocorrência de injustiça ambiental no município, associada aos impactos
secundários e indiretos da indústria do petróleo. Está-se em desenvolvimento um Índice
de Injustiça Ambiental, que considere as dimensões ambiental e socioeconômica, bem
como a ocorrência de racismo ambiental (que associa a fixação de população não-branca
em regiões próximas a fontes potenciais e/ou reais de contaminação ambiental)
(ACSELRAD, 2009).
A contaminação química associada a resíduos de hidrocarbonetos aromáticos
presentes em solventes e diversas frações de petróleo pode ser investigada pela análise
de poluentes orgânicos persistentes conhecidos como HPAs. Os HPAs podem ser
prejudiciais à saúde, não só dos organismos que habitam estas áreas como a dos seus
consumidores (TANIGUCHI, 2001). Devido à persistência e ao potencial
mutagênico/carcinogênico de vários HPAs e dos seus derivados, frequentemente têm
sido realizados estudos sobre suas fontes, ocorrência, transporte e comportamento nos
diferentes compartimentos ambientais (ZHU et al., 2004). Existem várias fontes
possíveis de contaminação por hidrocarbonetos para o ambiente marinho como: esgotos
e drenagem urbana, fontes naturais, exploração e produção de petróleo, operações com
navios, acidentes com petroleiros e trocas atmosféricas. No estuário do Rio Macaé,
podemos verificar algumas possíveis fontes de contaminação, a saber: (i) o lançamento
de esgoto; (ii) as operações com navios de grande porte (rebocadores utilizados na
indústria petrolífera que utilizam áreas próximas ao estuário para ancorar); e (iii)
pequenas embarcações (utilizadas principalmente na pesca).
De um modo geral, as concentrações de HPAs nos sedimentos do estuário do Rio
Macaé ficaram abaixo do limite de detecção (LD) do método analítico empregado (LD =
0,01 mg/kg). Na segunda coleta, destaca-se a presença de fluoranteno (0,02 mg/kg),
pireno (0,02 mg/kg), criseno (0,01 mg/kg), benzo(b) fluoranteno (0,01) e benzo(a)pireno
(0,01) no ponto P4; na terceira coleta os observou-se ainda a ocorrência e
predominância de fenantreno (0,03 mg/kg), que pode ser decorrente da queima de
combustíveis fósseis das próprias embarcações (TANIGUCHI, 2001). Em comparação com
Taniguchi (2001), que realizou análises de HPAs nos sedimentos da área costeira de
Macaé, próximo ao Arquipélago de Sant`Ana, os valores mensurados no presente
trabalho foram mais elevados, mostrando que ocorreu um aumento da concentração
dessas substâncias nos últimos anos, apesar da área de coleta ser diferente.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 181
Durante o desenvolvimento da pesquisa foi possível verificar a carência de
infraestrutura urbana dos bairros Nova Holanda e Nova Esperança. A população dessas
localidades possui acesso precário aos serviços urbanos como ao saneamento básico
adequado. Parte das construções está localizada dentro do Canal Campos-Macaé, que
deixando o manguezal, atravessa a Restinga de Jurubatiba, no entorno do Terminal de
Cabiúnas, até adentrar o PARNA Jurubatiba. Além dos problemas de infraestrutura,
existem problemas de violência associada ao tráfico de drogas o que dificultou o
desenvolvimento da pesquisa, principalmente nesses dois bairros, mas também no
Balneário Lagomar.
O Bairro Balneário Lagomar, escolhido neste estudo por apresentar população
economicamente vulnerável (Figura 3), sujeita aos riscos ambientais associados à
proximidade do Terminal de Cabiúnas, que processa e distribui o petróleo e o gás
produzido na Bacia de Campos, está localizado na macroárea da orla norte, área
limítrofe e zona de amortecimento do Parque Nacional Restinga de Jurubatiba (PARNA
Jurubatiba), estando portanto contemplado pela Lei 9.985/ 2000 (BRASIL, 2000), a qual
define que as atividades humanas a serem desenvolvidas na região estão sujeitas a
restrições e a um mínimo impacto ambiental negativo. É importante destacar que o
PARNA Jurubatiba possui grande relevância ecológica e beleza cênica, possuindo
inúmeras lagoas costeiras e espécies endêmicas (APAJ e FNMA/PROBIO, 2002). O bairro
caracteriza-se por um local originalmente planejado para abrigar sítios de recreio (com
parcelamento mínimo de 5.000 m2), que sofreu reparcelamento e ocupação irregular,
possuindo hoje lotes habitados com até 50 m2. Caracteriza-se por possuir “residências
precárias” (cerca de 2,5 vezes mais construções de alvenaria chapiscada, taipa não
revestida, madeira aproveitada e palha do que a média do município). Nessa localidade
o prejuízo ambiental associado à contaminação por lançamento inadequado de efluentes
(Foto 2) pode ser maior, pois a área está assentada sobre solos arenosos, ou seja, de alta
permeabilidade com lençol freático elevado em alguns trechos. Alguns moradores
realizam um tratamento de água caseiro (adição de cloro e/ou fervura), fato detectado
nos pontos de coleta 01, 02, 04, 07 e 10 da Figura 2. A avaliação da qualidade da água
de abastecimento das residências urbanas pesquisadas evidenciaram contaminação da
água subterrânea na região do Lagomar, que encontra-se imprópria para o consumo,
tendo em vista que há indicação de contaminação de efluentes domésticos nos poços
escavados. oriunda de poços escavados e situados em depósitos arenosos litorâneos
realizada confirmou a ocorrência de contaminação.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 182
Foto 2. Vazamento de efluente doméstico próximo à poço escavado no Balneário
Lagomar. Autor: Micheli R. Cordeiro, 2009.
A contaminação por coliformes totais tende a ser maior para os pontos onde não
há tratamento de água, sendo observada em 18 das 30 amostras, e aparecendo em todos
os pontos de coleta, em pelo menos uma campanha, com exceção do Ponto 01, que não
exibiu contaminação. O Ponto 04 foi o que apresentou a maior contaminação. É
necessária a fervura ou adição de cloro nas águas antes do consumo. A presença de
coliformes totais na água pode também indicar que a água pode estar sendo armazenada
em péssimas condições, e/ou que o poço foi construído inadequadamente (CAMPOS,
2004). Coliformes fecais surgiram em todas as amostras de água não tratada, até mesmo
no Ponto 04 (água tratada). Ressalta-se que a média dos resultados para este
contaminante subiu, desde a primeira até a última campanha, e esteve presente em 7
das 30 amostras e em 60% dos pontos de coleta (03, 04, 05, 06, 08, e 09). O Ponto 04 foi
o que apresentou a maior contaminação, conforme observa-se na Figura 6. Comparando
os resultados das análises com os padrões de potabilidade, conclui-se que, com exceção
do Ponto 01, a água apresenta-se não-conforme.
Entre os anos de 2005 e 2006, a atuação no setor de Segurança do Trabalho numa
empresa de pequeno porte instalada no Lagomar permitiu a um dos autores o acesso a
relatórios médicos e a índices de absenteísmo. Verificou-se então que a ocorrência de
doenças não-ocupacionais em trabalhadores residentes no bairro era com freqüência
superior àquela observada para trabalhadores não residentes, fato associado à
ineficiência do saneamento ambiental. A água coletada nas torneiras das residências
apresenta coloração, odor desagradável e sabor salino. Tal verificação indubitavelmente
motivou a investigação da qualidade da água dos poços escavados e da adequação das
fossas sépticas das residências do Balneário Lagomar, realizada por Cordeiro (2010).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 183
Figura 6. Teor de coliformes fecais em poços escavados localizados no Balneário Lagomar
(CORDEIRO, 2010).
Quando entrevistados, o médico, as enfermeiras, os técnicos de enfermagem e os
agentes de saúde do bairro relataram que as doenças que mais acometem a população
residente são (i) hipertensão arterial; (ii) doenças respiratórias; e (iii) doenças de pele,
a última podendo estar relacionada à veiculação hídrica. Um dos agentes de saúde
entrevistado destacou que:
“Apesar de possuir anos de experiência trabalhando em comunidades,
nunca vi tantos casos de doenças de pele em um mesmo bairro. A doença
de pele quando não é a principal doença que levou o paciente ao
consultório é secundaria, ou seja, o paciente vai ao posto com outra
reclamação, e o médico e sua equipe detectam doenças de pele também.
E estas assolam desde recém-nascidos a idosos. Não precisa ser cientista e
nem publicar trabalhos científicos, basta ir ao Lagomar e observar in loco
os problemas de ineficácia do saneamento.”
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 184
O uso e a ocupação da terra no bairro em estudo (Figura 11) ajudam a vislumbrar
a inadequação do planejamento urbano municipal aos requisitos compatíveis com uma
zona de amortecimento de UC de Proteção Integral, havendo portanto uma ameaça de
poluição que pode vir a impactar as populações residentes, bem como o PARNA
Jurubatiba. Ressalta-se que o elevado índice de doenças de pele relatado pelos
entrevistados no PSF do bairro pode estar relacionado não só a doenças de veiculação
hídrica associadas aos efluentes domésticos, mas também à contaminação química,
relacionada às atividades industriais da cadeia produtiva do petróleo e gás, que, no caso
do Balneário Lagomar são desenvolvidas concomitantemente à ocupação residencial.
Figura 11. Mapa de uso e ocupação da terra do Balneário Lagomar (CORDEIRO, 2010).
A coleta de água no Lagomar permitiu apreender a percepção de alguns
moradores com relação à qualidade da água consumida no bairro. A maior parte da
população do Lagomar (aproximadamente 95%) utiliza água proveniente de poços (PMM,
2010), e, durante as coletas, foi evidente a insatisfação dos moradores, principalmente
no tocante em relação à cor e ao odor da água. Segundo relatos, atualmente, a maioria
dos moradores utiliza água mineral para o consumo e a água dos poços para cozinhar,
lavar a roupa e tomar banho, sendo que já há uma parcela da população residente que
cozinha com água mineral! Os entrevistados mostraram-se favoráveis à criação de um
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 185
manual que auxiliasse a população e esclarecesse tais práticas, incluindo tipo e
quantidade de substância a ser utilizada e a freqüência adequada para o tratamento.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a desestruturação das formas de uso e apropriação dos recursos
naturais característicos e o modo de vida dos habitantes das regiões litorâneas do Norte
Fluminense, bem como a migração de trabalhadores de baixa qualificação, que são
atraídos por promessas não cumpridas de prosperidade, associadas aos empregos gerados
pelo aquecimento econômico promovido pela cadeia produtiva do petróleo e gás na
região, observa-se em Macaé uma tendência de ocupação de áreas periféricas não
adensadas, e de baixa valorização imobiliária, as quais em sua maioria caracterizam-se
por possuírem restrições ao uso e a ocupação humana, sendo classificadas pela
legislação brasileira como Áreas de Preservação Permanente. Em algumas dessas mesmas
áreas, as moradias convivem com atividades industriais de pequeno porte, e fazem uso
de água para abastecimento proveniente de poços rasos, escavados juntos à fossas
sépticas fora de especificação, assim como foi verificado no Balneário Lagomar, situado
no entorno do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Em outras, como no caso do
Bairro Águas Maravilhosas, a população está assentada sobre um aterro sanitário
desativado. Em todos os casos citados, a degradação ambiental oriunda do
gerenciamento inadequado de resíduos sólidos e/ou líquidos, domésticos e/ou
industriais, desvela a ocorrência de injustiça ambiental no município, indicando que
apesar da sociedade brasileira perceber apenas os bônus advindos do aquecimento
econômico associado à exploração de petróleo e gás, há um ônus que vêm sendo pago
pelos pobres e pelas populações tradicionais, que pouco se beneficiam da prosperidade
ilusória trazida pelo modelo de desenvolvimento atual. Os trabalhos de produção de
vídeo desenvolvidos paralelamente pela InSitu produções vem colaborando para levar
esta reflexão e desvelar os impactos ambientais indiretos associados à cadeia produtiva
do petróleo e gás na região junto à sociedade local.
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-4: Sonia Rabello - Pag 188
PLANO DIRETOR E RELAÇÃO COM O ACESSO À MORADIA.
Sonia Rabello
Este texto reproduz a apresentação feita na Oficina sobre os Impactos Sociais, Ambientais e urbanos das Atividades Petrolíferas em Macaé (RJ)1
Essa apresentação propõe fazer uma reflexão geral sobre o papel do Plano Diretor, e também sobre o Plano Diretor e os impactos que seus instrumentos urbanísticos podem ter sobre o valor da terra e sobre o acesso à moradia. Para aprofundar este segundo tema seria necessário responder às seguintes perguntas, que não sabemos conseguirmos nesta oportunidade, mas que vale a pena deixá-las postas desde já: o que é o direito à moradia? O Plano Diretor é um instrumento necessário e suficiente para instrumentalizar o acesso a moradia? Quais os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que podem ser mais bem utilizados para melhorar o acesso à moradia? E se esses instrumentos, quando aplicados nos planos diretores, são efetivamente eficazes no que tange a esse aspecto específico do acesso à moradia.
Assim, nesta apresentação, nossa intenção é falar sobre alguns aspectos conceituais bem gerais dos Planos Diretores como instrumentos jurídicos, sem aprofundar aspectos técnicos específicos, ou aprofundar nas outras finalidades que ele possa ter, e que seriam inúmeras como, por exemplo, o acesso a serviços públicos, ao ensino, à qualidade de vida, distribuição espacial e estética das construções, etc. Nosso destaque, nas relações do Plano com objetivos a serem alcançados pela sua implantação normativa terá como foco específico sua eficácia no que tange ao acesso à moradia e valor do solo.
Para começar gostaria discutir a idéia de “Plano Diretor”, como o instrumento jurídico apto a resolver os problemas urbanos. Esta idéia adquiriu um aspecto simbólico forte e relevante após a Constituição de 1988, e, especialmente, após o advento do Estatuto da Cidade. Ressalto aqui a frase mencionada no texto legal de que o Plano Diretor é o instrumento fundamental para o desenvolvimento urbano e dos municípios.
Embora a Constituição Federal de 1988 só exija planos diretores para as cidades com mais de vinte mil habitantes, o Estatuto da Cidade o impôs para qualquer cidade que quisesse fazer uso de determinados instrumentos urbanísticos, como outorga onerosa, preempção, transferência de direito de construir. Desta forma, induziu-se, na prática, a necessidade de se ter Plano Diretor como instrumento jurídico quase único e definitivo para o bom funcionamento de uma cidade. Esta unidade de pensamento urbanístico é boa, num país vasto e culturalmente múltiplo como o Brasil? Tenho minhas dúvidas. Se, por um lado, esta imposição normativa pode trazer consigo um “estímulo” ao planejamento urbano, por outro parece ter implantado uma espécie de idéia de quase “sacralização” do instrumento do Plano Diretor. Ou seja, parece ter se disseminado a idéia de que uma cidade, tendo um Plano Diretor, e cumprindo a “ordem” dada pela lei, estaria com todos os seus
1 UFF-PPGSD: Niterói, 7 a 9 de dezembro de 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-4: Sonia Rabello - Pag 189
problemas urbanos resolvidos, fosse qual fosse o Plano por ela aprovado – para o bem ou para o mal...
A exigência constitucional de se ter um Plano induziu a que muitas cidades aprovassem leis, rapidamente denominadas de Plano, para cumprir a formalidade, livrando-se, com isto, de um eventual questionamento de responsabilidade política de seus dirigentes eleitos. Com isto, surgiu também, no nosso ver, um super dimensionamento da função do Plano Diretor, passando por cima de outras questões relevantes como: a abrangência da incidência das normas urbanísticas, previstas no Plano Diretor, para toda a área territorial do município.
Esta é uma questão básica e estrutural, com relação à lei dos Planos Diretores, já que, em muitos casos, essa abrangência se choca com a área de atuação da União no que diz respeito à sua competência legislativa. É que a União é quem tem a responsabilidade de legislar sobre direito agrário, ou seja, regras jurídicas que incidem sobre o território classificado como rural dentro de um Município. Isto suscita um possível confronto entre o Estatuto da Terra, norma de competência privativamente federal, e o Plano Diretor, que é legislação local.
Outro aspecto relevante, no que diz respeito a esta idéia impositiva de se ter uma lei denominada de Plano Diretor, é o dispositivo do Estatuto da Cidade, que exige sua aprovação, ou revisão, em determinados prazos, pois, caso contrário, a autoridade política municipal poderia responder por improbidade administrativa. Quero destacar que considero essa regra, trazida pelo Estatuto da Cidade, como sendo absolutamente inconstitucional, porque o Plano Diretor (embora prenunciado na Constituição) é previsto como um instrumento legislativo, de competência dos municípios e, como tal, é um instrumento político. Toda lei é um instrumento político; por isso, compete exclusivamente ao ente federativo determinar a conveniência política do momento de sua elaboração. Este é um fundamento básico do modelo de Estado Federativo!
Numa Federação, a União, os Estados e os Municípios têm a sua competência legislativa definida texto da Constituição Federal. Isso significa dizer que uma lei ordinária federal - e o Estatuto da Cidade é uma lei ordinária federal -, não pode estabelecer regras sobre o processo legislativo municipal! As regras dos processos legislativos estaduais e municipais derivam diretamente do texto da Constituição Federal, que faz a repartição constitucional de poderes. A Federação é isso. Fôssemos um país unitário, (que talvez sejamos no coração, de tanto que valorizamos o que é federal...) seria diferente. Em países unitários como França, Espanha e Colômbia, o código de urbanismo municipal ou provincial se submete a leis federais, já que nesses países leis nacionais podem ter comandos de procedimentos legislativos a serem observados pelos estados e municípios. Mas não no Brasil, que é um Estado Federal.
Em resumo, o que eu quero dizer é o seguinte: o Estatuto da Cidade não pode impor ao município um processo legislativo: não pode impor que ele legisle sobre algo, em determinado prazo! E nem mesmo que ele faça a revisão de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-4: Sonia Rabello - Pag 190
uma lei de Plano Diretor, também de tempos em tempos. Isto é flagrantemente inconstitucional, porque rompe com o modelo federativo político. E a lei é a expressão máxima da competência de um ente da federação.
Mas esse deslize, que parece tão óbvio, nunca foi sequer questionado. Pelo contrário. houve um movimento, uma grande concertação conceitual, de se aproveitar a “ordem” e os prazos do Estatuto da Cidade de se fazer planos, para se exigir de todos os Prefeitos uma lei que pudesse chamar de Plano, sob pena de serem acionados pelo Ministério Público por improbidade administrativa.
Isso tem ocasionado absurdos políticos, como o caso do prefeito da Cidade que mandou fazer, às pressas, um substitutivo ao Plano Diretor vigente da Cidade do Rio de Janeiro, apenas para não ser acionado por improbidade administrativa. Absurdos como esse ocorreram em vários municípios. Prefeitos de várias cidades mandaram qualquer coisa para a Câmara dos Vereadores, com o nome de Plano Diretor, apenas para se livrar de uma possível ação de improbidade.
Acresça-se a isto o fato do Estatuto da Cidade não oferecer nenhuma regra, nenhum modelo, nenhum padrão do que seja um Plano Diretor. Quem oferece essas regras é uma Resolução do Ministério das Cidades que é totalmente desconhecida. Pouca gente sabe da existência dessa resolução. Por outro lado não é clara a deferência, pela legislação de competência, regulamentar ao Ministério das Cidades para esta função normativa: de ser uma espécie de “agência reguladora” de regras a serem observadas pela legislação municipal. Esta seria uma idéia até bem interessante, se assim o fosse, uma vez que existem agências reguladoras para atuar em setores como energia elétrica, petróleo, aviação civil, telecomunicações, etc, seria ideal que houvesse também uma agência reguladora de ordenação territorial, com competência para fiscalizar diretrizes territoriais e urbanismo em âmbito estadual e municipal. E existe, na Constituição Federal, competência para isso. Tanto é que o Artigo 21, inciso IX, fala da competência da União para estabelecer “diretrizes de ordenação territorial”. Esta é, certamente, uma competência diversa daquela prevista no artigo 24, que dispõe sobre a competência legislativa concorrente, da União e dos Estados para legislarem sobre Direito Urbanístico.
O artigo 21, inciso IX, diz o seguinte: “Compete a União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Explicitando: o Ministério das Cidades poderia estabelecer um Plano Nacional com diretrizes técnicas de ordenação de território, que seriam de observância obrigatória pelos Estados e pelos Municípios ao elaborarem seus planos diretores. Planos diretores que deveriam observar os critérios estabelecidos pelo Plano Nacional, ou/e estadual de ordenação de território, conforme previsto no Artigo 21, inciso IX.
Esta possibilidade está repetida no art. 4º do Estatuto da Cidade, que repete o que já está disposto na Constituição. O Estatuto da Cidade também fala
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-4: Sonia Rabello - Pag 191
também dos planos estaduais de ordenação de território e planos estaduais de ordenação de território em áreas metropolitanas. Nesse caso, já que estamos falando de planejamento, podemos ilustrar com um exemplo.
Observemos o caso do Estado do Rio de Janeiro. Aqui, quais foram as ações do Estado do Rio, e da União, com vistas a estabelecer normas de ordenação territorial, de molde a compatibilizar a ocupação do território com as plantas de exploração petrolíferas nesta área específica do Estado? E qual o grau de responsabilidade destas entidades políticas quando não estipulam os planos regionais e nacionais de ordenação territorial em áreas onde irão acontecer grandes impactos ocasionados não pelos municípios, mas por investimentos exógenos a eles. E impactos que, com certeza, extravasam a fronteira dos municípios.
Isto significa dizer que o Estado e a União deveriam fazer esses planos territoriais - e eles têm competência constitucional para isso, especialmente quando determinados investimentos públicos alcançam um raio regional. Por isso é que, tomando como exemplo ainda o caso do Rio de Janeiro, levantamos agora a questão colocada anteriormente: se o Plano Diretor de um só município, seja de Macaé, ou Rio das Ostras, ou o de Campos, (todos municípios da região afetada pelas plantas de exploração petrolífera), por si só, seria capaz de disciplinar todas as questões geradas pelas impactos desse investimento? Parece-nos obviamente que não. Por isso é que entendemos que a região compreendida por Macaé, Rio das Ostras e Campos e etc.., forma um espaço regional, que necessariamente deveria estar sujeito a um plano regional de ordenação territorial, ao qual os vários planos diretores municipais deveriam estar condicionados, e observar. Isto porque o Plano Diretor é instrumento legislativo municipal, cuja incidência está contida no seu próprio território.
Vamos passar agora ao aspecto relativo ao direito à moradia, para tentar, no final, juntar este aspecto ao do Plano Diretor.
Primeiro a pergunta básica: o que é Direito de Moradia? Essa pode ser uma pergunta provocativa, na medida em que a resposta poderia ser, simplesmente, a afirmação de que é um direito assegurado na Constituição Federal. De fato, este direito está previsto no art. 6º da CF, e cujo texto completo do dispositivo diz o seguinte: art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Então a moradia, e faço questão de chamar atenção para isso, ela é assegurada junto com o direito ao trabalho, à educação, à saúde, e ao lazer. No entanto, queremos ressaltar aqui que não basta colocar na Constituição um direito, para que este fique, na prática, assegurado. O direito ao lazer, por exemplo, que está na mesma linha, e no mesmo plano do direito à moradia, estaria ele assegurado a todos? De que modo? O direito à moradia não é mais, nem é menos que o direito ao lazer no dizer do texto constitucional; ambos estão no mesmo plano; têm o mesmo valor, portanto. Mas pergunto: a quem,
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a que instituição um cidadão sem recursos deve cobrar o seu direito ao lazer? Essa mesma pergunta é a que devemos fazer quanto ao direito à moradia; e perguntar isto toda vez que o legislador introduz um direito na Constituição. A quem o cidadão deve cobrar aquele direito previsto? E como?
Qualquer professor de Introdução ao Direito responderia essa pergunta da seguinte forma: todo direito instituído é como um sistema: você tem que dizer contra quem ele pode ser exercido e o que significa esse direito. Quais as obrigações que ele cria, e em relação a quem elas podem ser cobradas e exercidas? Essa é uma questão fundamental, pois não basta apenas colocar no texto legislativo o enunciado de um direito. Para criar um direito é necessário decodificá-lo: dizer quais as obrigações que ele impõe, e a quem o cidadão pode cobrar essas obrigações, e qual o grau de intensidade dessas prestações. Caso contrário, isso é apenas discurso. Uma retórica. Uma demagogia legislativa.
No caso do direito à moradia ele foi apenas enunciado na Constituição, mas sem conteúdo definido. O máximo que pode acontecer, para dar eficácia a este direito, serão os casos específicos de interpretação jurisdicional. Por exemplo: numa ação judicial um juiz resolva interpretar todo o sistema e dar a uma pessoa específica o direito à moradia. Na prática seria assim: um fulano qualquer invade a casa de veraneio de Sonia Rabello em Macaé. E não quer sair de lá de jeito nenhum. Sonia Rabello entra com uma ação na justiça, e pede ao juiz que mande retirar o Fulano de sua casa. O juiz pode interpretar que, pelo fato da residência estar vazia, o “direito de moradia” do fulano deve ser considerado com relevância maior, em relação ao direito de propriedade de Sonia. Nesse caso o Juiz estaria sopesando dois direitos, e o que vale mais: o direito a propriedade de Sonia Rabello, ou o direito a moradia do Fulano, todos dois garantidos, igualmente, pelo texto constitucional vigente?
Os teóricos dos direitos fundamentais dizem que todas as prestações desta tipologia de direitos devem ser providas, no seu mínimo existencial, pelo Estado. Em princípio sim, mas quanto é o mínimo! Voltemos ao direito ao lazer: ele também deve ser provido pelo Estado? Ressalte-se que o limite do mínimo existencial teria que ser resolvido caso a caso pelo juiz.
O fato é que o direito à moradia foi introduzido na Constituição sem a preocupação maior de se estabelecer os meios para fazer cumprir esse direito. Isso é bem típico da nossa cultura jurídica, que, de modo geral, gosta de deliberar sobre “direitos em tese”.
Passemos agora à relação entre o Plano Diretor e o direito constitucional de acesso a moradia. O que uma coisa pode ter com a outra? O direito à moradia é um direito diferente do direito à propriedade? Um direito pode existir sem o outro? Ou seja, um cidadão pode ter direito à moradia sem, necessariamente ter propriedade? Por que então a ênfase nos programas como o da regularização dominial das comunidades?Se o Estado tem a obrigação de fazer o planejamento urbano, e o Plano Diretor é o seu
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instrumento jurídico fundamental, tem também o Estado a obrigação de, necessariamente prover a moradia?
A resposta a esta pergunta é relevante e, para decifrá-la juridicamente, devemos antes responder se a produção e venda de moradia – de habitação – pode ser considerado um serviço público, ou é uma atividade econômica? Esta diferenciação pode parecer à primeira vista sem sentido, mas juridicamente não o é. Até mesmo em relação à função do Plano Diretor, no que diz respeito ao provimento de terras para o mercado habitacional, este é um ponto crucial. É preciso lembrar que a educação, o transporte, e a saúde, que na Constituição estão no mesmo plano do direito à moradia, mas são atividades consideradas como serviço público. Mas moradia não é considerada um serviço público, ao menos juridicamente.
Moradia não é serviço público que possa ser exigido do Estado, como saúde e educação. A produção de moradia é considerada uma atividade econômica. Uma atividade de mercado, ainda que o mercado não esteja dando conta dessa atividade para o satisfatório provimento de boa parte da população!
Ai temos os seguintes pontos a serem considerados: não é o Estado quem tem a obrigação de prover as moradias, já que esta é uma atividade econômica e, como tal, afeta ao livre mercado (art.170 da CF). Tanto é assim que o art. 23, inciso IX da CF diz o seguinte: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Promover os programas habitacionais, portanto, é uma atividade de fomento, que o Estado fará, ou não. Mas, regular esta atividade econômica é sua obrigação! Isso deveria funcionar da mesma forma como o Estado regula a atividade bancária através do Banco Central!
O fato é que o Estado regula uma série de atividades econômicas, especialmente através do CADE (Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico), órgão do governo federal que regula o comércio de cerveja, por exemplo, para evitar que haja uma cartelização dessa atividade econômica, em um produto tão popular entre os brasileiros. É o caso de se perguntar: por que o estado não está regulando a cartelização do mercado de terras? Se o governo pode regular o mercado de cerveja, de chocolate, de seguros, que são atividades econômicas, tudo para evitar desvios, com dumping, cartéis, da livre concorrência, do abuso de preços, porque não faz o mesmo com o mercado de terras? É obvio que é juridicamente possível.
Portanto, com relação a questão do acesso à moradia, que é de interesse municipal (e também regional e até nacional), quando se faz uma lei de ordenação territorial, na verdade o que poderia estar se buscando é a “regulação” do mercado de terras, para viabilizar o acesso à moradia. Mais do que “prover” o acesso à moradia, os entes estatais poderiam, e deveriam, usar os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade para, na sua função regulatória, estimular o provimento de terras urbanizadas, e com isto tornar o mercado de preço de terras acessível à
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moradia. Este é, ao meu ver, o ponto estratégico das leis de ordenação territorial, especialmente do Plano Diretor, em relação à moradia.
A segunda questão levantada no início desta exposição é a seguinte: o Plano Diretor é um instrumento necessário e suficiente para instrumentalizar o acesso a moradia?
Ora, vimos que hoje em dia ele é necessário (até por exigência legal), mas a sua suficiência depende, fundamentalmente, de como são funcionalizados os instrumentos nele previstos. Deve-se perguntar: quais os instrumentos disponibilizados no Plano para que ele possa “regular”, efetivamente, esse mercado de oferta de terras urbanizadas para moradia a preços de acessíveis? É preciso que o gerenciamento do Plano Diretor seja consciente de sua função básica regulatória de mercado, sendo ele inservível, como instrumento de fomento, de provimento de moradia. Prover é uma questão de disponibilidade orçamentária para obras... E regular é uma questão de mecânica funcional. É preciso estar atento ao que vai acontecer ao mercado fundiário quando da aplicação do Plano Diretor. Nesse caso ele funciona como um instrumento de intervenção econômica para democratizar o acesso a moradia. Se assim for o Pano Diretor está cumprindo a sua função social.
Muito se diz que agora, referindo-se a existência de um eventual Plano Diretor em uma cidade, que a propriedade, com ele, passou a ter função social. Ora vejam: a propriedade sempre teve função social. Há mais de 40 anos a Constituição diz que a propriedade tem função social. Porém, para esta afirmação ser de fato verdadeira, depende como, e do que se exige dela. Se não se exige nada, nenhuma obrigação, como afirmar isto?
A Constituição de 1988 diz que: “A propriedade urbana cumpre a sua função social quando observa as normas do Plano Diretor”. Não podemos interpretar este dispositivo constitucional pensando que dar função social à propriedade é continuar, simplesmente, dando limitações de uso e ocupação do solo: gabaritos, afastamentos, recuos, alturas, zoneamento. Isto é o que foi feito desde todo sempre; desde o Brasil colônia. Não há nisto qualquer novidade, e, portanto, não pode ser confundido com a “nova” função social prenunciada pela Constituição de 1988 para os Planos Diretores.
Função social significa dizer que o Plano Diretor, no âmbito do município, pode e deve exigir que uma propriedade privada venha ter uma funcionalização social. E isto não é limitação administrativa, mas é exigir do proprietário obrigações sociais derivadas da sua condição proprietária. Essa é, no meu entender, a grande expressão funcional que os planos diretores podem ter em relação à moradia e, até onde eu saiba, nenhum Plano Diretor do Brasil tem. Por que repetir, delirantemente, de que se pode limitar uma propriedade, pelo fato dela ter uma função social? Limitação administrativa não tem nada a ver com uma funcionalização social da propriedade, através do Plano Diretor!
Um exemplo interessante. Na Colômbia quem quiser construir um empreendimento imobiliário é obrigado a destinar 25% da área potencial de
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construção para habitação de interesse social. Ou seja, se uma empresa quiser construir um shopping de 10.000 metros quadrados é obrigado a destinar 25% dessa área para habitação de interesse social em outro lugar. Porque o nosso Plano Diretor não poderia exigir isso? É claro que pode.
A terceira questão levantada no início desta exposição foi sobre os instrumentos que, previstos no Estatuto da Cidade, podem ser melhor funcionalizados para permitir o acesso a moradia. Seriam vários os instrumentos. Mas eu destacaria os seguintes:
a) A regularização possessória, que é algo que garante a moradia, mas sem adentrar no universo obscuro do direito à propriedade.
b) As operações urbanas consorciadas. É um tipo de recurso pouco utilizado para construir habitações sociais. É ideal para fazer uma repartição de índices de construtivos e de terras, e a repartição de cargas e benefícios.
c) Instituição da “outorga onerosa do direito de construir”, com índice uniforme e, se possível, unitário para toda a cidade, com a venda do potencial construtivo para todos os proprietários. Esse instrumento é a fórmula econômica de regulação do território. É ideal para produzir moradia e baixar o valor da terra.
d) Função social da propriedade, com um sentido da obrigação de fazer: de uso obrigatório a ser introduzido pelo Plano Diretor.
Esses são os instrumentos que podem ser utilizados pelo Plano Diretor, bem como pelo planejamento regional com o fim efetivo de regular o mercado de terras dentro de um território, estimulando a produção de moradias para a maior parcela da população que delas necessitada. Para terminar eu vou citar um texto do arquiteto argentino Eduardo Reeze, que diz o seguinte:
“A desigualdade social é o nosso maior problema na América Latina. Não é que não temos recursos, mas eles são mal distribuídos. Distribuídos a uns poucos, em detrimento da maioria. E uma ferramenta fundamental para mudar essa lógica é a política urbana. Quando a política urbana, instrumentalizada pelo Plano Urbano ou Plano Diretor, qualifica diferentemente o espaço urbano ou valoriza diferentemente o território e causa uma diferenciação espacial sem recuperação das valorizações urbanísticas, esse plano se torna um importante fator de maximização das desigualdades sociais.”
Eduardo Reeze quer dizer que o próprio Plano Diretor é, ele mesmo, e na maioria das vezes, um agente de desigualdades sociais, pelo modo como é concebido. O Plano Diretor do Rio de Janeiro, recentemente aprovado pela Câmara dos Vereadores, é um exemplo dessa afirmação de Reeze. É um Plano Diretor que, ao ignorar o Índice 1 e priorizar o chamado “crescimento” vai provocar mais desigualdades sociais. Eu diria que é um anti-Plano Diretor.
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O Plano Diretor ao distribuir essas diferenciações de uso e de intensidade de uso dos imóveis não é neutro, ou seja, quando distribui gratuitamente fatores de edificabilidade alguém está ganhando, por vezes muito, e outros estão perdendo.
Nada é neutro, nem ingênuo!
Obrigada.
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O PLANO DIRETOR COMO PROCESSO. E A ATUAÇÃO METROPOLITANA OU
REGIONAL?
Vera F. Rezende
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, UFF
Resumo:
O artigo discute as diretrizes para a elaboração de um plano diretor,
destacando a necessidade de encaminhamento de questões de âmbito
metropolitano, regional ou intermunicipal como parte do escopo do
documento, a sua importância para a construção de um processo de
planejamento e para a criação de um sistema de planejamento. A reflexão
que dá suporte a este artigo se iniciou com a preparação do Plano Diretor
para a Cidade do Rio de Janeiro, que deu origem à Lei Complementar nº
16/1992. O trabalho parte das possibilidades do planejamento e, além da
Cidade do Rio de Janeiro, o caso dos municípios de Macaé e Rio das Ostras
sob impacto de grandes transformações, é utilizado como exemplo da
atuação necessária do planejamento regional.
Introdução
A reflexão que dá suporte a este artigo se iniciou com a preparação do Plano
Diretor para a Cidade do Rio de Janeiro, como membro da coordenação do
documento, que deu origem à Lei Complementar nº 16/1992. À época, a
equipe procurou incorporar ao máximo a Constituição de 1988. O plano, cuja
preparação se iniciou em 1990, não contava com as diretrizes e
determinações do Estatuto da Cidade aprovadas, onze anos mais tarde, pela
Lei nº 10.257/2001.
Posteriormente, em várias situações de preparação da revisão do Plano
Diretor, verificou-se a necessidade de se olhar para trás e se verificar os
aspectos que mereceriam maior atenção. Entre esses, destacamos neste
artigo a consideração do Plano Diretor como um processo de planejamento, a
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 198
criação de um sistema de planejamento e a possibilidade dada pelo Plano com
vistas à articulação e ao encaminhamento de questões metropolitanas ou
regionais.
Ao longo dos anos, a dimensão metropolitana ou regional tem se mostrado
essencial na medida em que se intensificam os problemas urbanos comuns a
várias cidades. Carências (saneamento, habitação, transportes) e políticas
setoriais devem ser respectivamente equacionadas e formuladas, através de
um planejamento que promova a integração, tanto em termos temáticos
quanto espaciais, não só em cidades pólos de Região Metropolitana como o Rio
de Janeiro, assim como em cidades, que recebem o impacto de projetos de
desenvolvimento como Macaé e Rio das Ostras. Nesses casos, os impactos
gerados pelo crescimento não podem ser tratados por cada município
isoladamente, pois extrapolam a esfera de cada um deles, encaminhando a
necessidade de um planejamento e atuação regional, com a articulação do
estado e dos municípios ali presentes.
Os municípios de Macaé e de Rio das Ostras são diretamente influenciados
pelo desenvolvimento da economia do petróleo e, consequentemente, pelos
fluxos migratórios, que pressionam a estrutura da cidade e, inevitavelmente, a
oferta e a demanda por terra servida de infra-estrutura. (Freitas, 2009)
Região de Macaé e Rio das Ostras. Fonte: Google Earth. Acesso 19/01/2011.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 199
A situação é agravada pelo fato de Rio das Ostras desempenhar a função de
cidade dormitório de pessoas que se deslocam diariamente para trabalhar em
Macaé. Dados do Censo Demográfico, segundo Feitas, mostram que no período de
2000 a 2007, enquanto a população de Macaé passa de 132.461 hab. para 169.229
hab., a população de Rio das Ostras passa de 36 .769hab. para 74.789 hab. Como
vemos, a população da cidade mais que duplicou, o que coincide “exatamente
com o período após a flexibilização do monopólio do petróleo, alterando a
dinâmica que já existia desde a implantação da Petrobras, com a chegada de
diversas empresas, atraindo novos fluxos de migrantes para trabalhar na
região”. (Freitas, 2009, p.59)
A atuação metropolitana e regional, um pouco da história
A questão metropolitana ou regional não tem sido devidamente considerada
nos planos diretores no Brasil. Não há planejamento regional no Brasil,
desenvolvido de forma consistente e sistemática, embora, desde o final da
década de 1920 encontremos urbanistas brasileiros como Anhaia Mello (1929),
Saboya Ribeiro (1936), Armando de Godoy (1935, 1943), Szilard e Oliveira Reis
(1950), alertando para a sua necessidade e divulgando iniciativas nesse campo
como o “Plan of New York and Its Environs” (1930)1.
No Brasil, na década de 50, textos mencionam o termo planificação,
traduzindo-se por uma política integrada federal, estadual e local que tem o
desenvolvimento por objetivo. Os planos municipais ou para um conjunto de
municípios, além de físicos, deveriam contemplar o desenvolvimento social e
econômico.
Atualmente, ao olharmos para as décadas passadas verificamos um retrocesso
na atenção e na preocupação quanto à necessidade de um tipo de
planejamento que atue nos âmbitos intermunicipal, metropolitano ou
regional. Nos anos de 1960, encontramos já a utilização da noção de
1 O Plano Regional de Nova York, concluído em 1930, atingiu uma área de 100,00 km2, 22 condados para uma população futura (1960) de 20 milhões de habitantes, realizado após sete anos de pesquisas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 200
planejamento do desenvolvimento local integrado contemplando quatro
setores básicos: o econômico, o social, o físico e o territorial, reunidos no
âmbito federal por um “Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado” 2.
Em 1963, se realiza o Seminário de Habitação e Reforma Urbana em
Petrópolis, um marco na formação do pensamento urbanístico, momento em
que é proposto um órgão central, que deveria preparar o Plano Nacional
Territorial, contendo diretrizes gerais para o planejamento territorial e que
promoveria a interligação dos planos regionais e sua vinculação ao
planejamento econômico e aos grandes empreendimentos de interesse
nacional. Em 1976, o discurso oficial – documento sobre Política Nacional
de Desenvolvimento Urbano reconhece essa necessidade:
...uma estratégia nacional para organização territorial do País deve ser v ista sob dois aspectos: primeiro, em suas macrodefinições, determinadas em função da consecução de grandes objetivos nacionais previamente delineados; em segundo lugar, em seus aspectos regionais, possibilitando a consecução daqueles objetivos nacionais, tomando como base as especificidades, possibilidades e potencialidades de cada uma das regiões geoeconômicas brasileiras. Paralelamente, uma política urbana deve considerar os objetivos próprios e específicos de natureza inter e intraurbana. Ambos estão estreitamente correlacionados,...(Brasil, 1976, p. 182)
A partir de 1964, ocorre a centralização do planejamento no nível federal com
a criação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - SERFHAU3,
encarregado de promover a elaboração e a implantação de planos de
desenvolvimento local integrado, de acordo com o planejamento nacional e
regional; colaborar com os governos municipais na execução de planejamento
local integrado e com a criação do Banco Nacional de Habitação – BNH,
responsável pela gestão do sistema financeiro de habitação e pela intervenção
nas cidades através de políticas de habitação e de saneamento.
O SERPHAU é o órgão responsável pela política urbana nacional até ser extinto
em 1974. Antes disso, porém já havia perdido a capacidade de alteração do
quadro urbano brasileiro, em grande parte devido ao fato de os recursos
financeiros estarem afetos ao BNH. Este banco atua profundamente nas
cidades brasileiras nos setores de saneamento e habitação, como nos mostra 2 Sobre o assunto ver Villaça, 2006 e Lucchese, 2009. 3 O SERFHAU foi instituído nos termos do Art. 54 da Lei n° 4.388, de 21 de agosto de 1964, como autarquia do Ministério do Interior, regulamentado pelo Decreto nº/ 66.882, de 16 de julho de 1970
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 201
Villaça (em sua afirmação engloba também a atuação federal no setor de
transportes):
Talvez não tenha havido ação estatal que tenha afetado mais o espaço urbano de nossas cidades grandes e médias, nos anos 70 e 80, do que a ação do governo federal nos campos do saneamento, transportes e habitação. Pergun-ta-se então: essa ação real do Estado brasileiro sobre o urbano insere-se no âmbito do que tem sido recentemente chamado no Brasil de planejamento ur-bano? ... a resposta é negativa, pois o objetivo dos planos federais de saneamento, transportes ou habitação não foi - e nem podia ser - a organiza-ção do espaço intra-urbano. (Villaça, 2004, p.172)
O autor alerta, que “tais ações - embora tenham afetado o espaço de nossas
cidades - não são enquadradas aqui no âmbito do que chamamos de planejamento
urbano”.4 (idem) Podemos somar a seu argumento o fato de que a atuação
federal se deu de forma fragmentada, sem uma organização de intenções e sem a
atenção a diretrizes de desenvolvimento urbano ou regional.
Em 1976, o Instituto de Planejamento/Comissão Nacional de Regiões Metro-
politanas e Política Urbana assim se justificaria sobre a Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano :
....o BNH não é mais um simples organismo criado para procurar enfrentar o múltiplo desafio da casa, da água, do esgoto. A taxa de crescimento dos recursos oriundos do FGTS e as dimensões do problema urbano brasileiro vêm levando o BNH a evoluir do financiamento da habitação para o financiamento do saneamento e, mais recentemente, para a criação dos fundos. Face a isto, existem proposições para que o Banco se transforme em um Banco Nacional de Desenvolvimento Urbano. Se concretizada esta proposição, o BNH evoluirá de agente setorial de habitação ou saneamento para agente da política nacional de desenvolvimento urbano, do que resultará, como conseqüência lógica, que esta política passará a ser gerida de fato pelo Conselho do BNH, ou seja, o sistema nacional de desenvolvimento urbano e o sistema de atuação do BNH se mesclarão. (Brasil, 1976, p. 81)
Nos anos 1970, a política urbana nacional é fortalecida com a criação da
Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e de Política Urbana - CNPU
(1974), posteriormente, transformada em Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano – CNDU e do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Urbano - FNDU. Um dos aspectos positivos, embora num quadro de
enfraquecimento dos estados e municípios, é também a criação das oito
regiões metropolitanas brasileiras pela Lei complementar nº 14/1973, quando 4 Ao afirmar que não irá criar uma definição nova, Villaça descreve o planejamento urbano (e que nas décadas de 30 e 40 se chamava de urbanismo), como a ação do Estado sobre a organização do espaço intra-urbano. (2004, p.172)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 202
é dada atenção às questões intermunicipais e aos problemas comuns aos
municípios que as constituíam.
Introduz-se a noção de serviços comuns que justificariam a atuação além dos
limites municipais, como no documento sobre a Política Nacional de De-
senvolvimento Urbano:
A realidade metropolitana condiciona o surgimento de um novo conceito de div isão administrativa, não mais restrita aos limites territoriais e jurisdicionais de uma só pessoa de direito público, exigindo uma atuação integrada dos três níveis de administração. A constatação da existência de interesses comuns faz com que se torne inoperante a mera div isão administrativa tendo por base apenas limites territoriais. A integração ou inter-relacionamento de órgãos e entidades administrativas se faz premente, levando-se em conta o elemento catalisador caracterizado como serviço comum. (Brasil, 1976, p.151)
À época, o regime autoritário cria os instrumentos e meios para a política
urbana nacional ou regional, que mais tarde viriam a ser extintos ou
enfraquecidos por diversas razões, principalmente, políticas, pela ingerência
nacional em questões equivocadamente entendidas como estritamente
estaduais ou municipais.
Em 1974, é editada a Lei Complementar no. 20, que determina a fusão entre
os estados do Rio de Janeiro e Guanabara, concretizada em 1975. A cidade do
Rio de Janeiro deixa de ser o Estado da Guanabara e se transforma em capital
do novo Estado do Rio de Janeiro. Um ato político, que gerou perdas
consideráveis, segundo o Prefeito Israel Klabin (1979-1980) em entrevista:
Ah, sim, foi uma decisão essencialmente política. Os resultados pre-vistos de aumento da renda estadual e melhoria da distribuição dessa renda não se efetivaram, conforme eu também tinha previsto. E os recursos que o município passou a receber eram muito inferiores àqueles que receberia se tivesse permanecido como estado da Guanabara. .... Perdeu mais, como a administração da malha viária: passamos a ter ruas que começavam municipais, transformavam-se em estaduais e depois viravam federais — e ninguém se responsabilizava por isso. Como prefeito, tive sérios problemas com a abertura, por exemplo, do túnel e do acesso à Barra. (Motta e Sarmento, 2001, p.194)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 203
Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1977. Fonte: Pub-Rio , 1977 A partir de 1975, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro integra o quadro
das nove Regiões Metropolitanas, quando o planejamento regional parece
merecer atenção com a criação da Fundação para o Desenvolvimento da
Região Metropolitana – FUNDREM5 no âmbito da estrutura estadual do Estado
do Rio de Janeiro. Os objetivos explicitados são proceder a um planejamento
integrado, apoiar os municípios que compõem a região em seu planejamento e
executar um projeto comum. Grande parte das verbas federais destinadas ao
processo da fusão do Estado do Rio com a Guanabara passa por este órgão,
incluindo-se os recursos para saneamento e habitação popular.
A iniciativa parece ser o entendimento do papel relevante do planejamento
regional no Estado do Rio de Janeiro com o reconhecimento dos problemas
intermunicipais e poderia concorrer para gerar um projeto comum das cidades
que compõem a região. Razões políticas relacionadas à existência de um
órgão com competências e recursos tradicionalmente afetos às Prefeituras e
ao Governo do Estado, o transformam ao longo do tempo em alvo de críticas e
reações. A FUNDREM será gradativamente enfraquecida em suas decisões e
5 Decreto-Lei nº. 14 de 15 de março de 1975 e Decreto-Lei nº. 18 de 15 de março de 1975.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 204
capacidade de financiamento, acabando por ser extinta em 19866. (Rezende
e Azevedo, 2010)
Na década de 1970, diversos projetos de normas evidenciam a preocupação
metropolitana ou regional. Em 1975, o Projeto de Lei Federal nº 775 versa
sobre a política nacional de desenvolvimento urbano. O ante-projeto de 1976
trata das aglomerações urbanas – nova noção introduzida no discurso oficial-
e áreas com interesses comuns. Por outro lado, o II Plano Nacional de
Desenvolvimento II PND (1974), embora focado principalmente em diretrizes
econômicas, afirma buscar o fortalecimento do sistema urbano nacional e
subsistemas regionais, de cidades de porte médio e a eliminação dos
desequilíbrios regionais.
Entretanto, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro as ações e intervenções
escapam a uma visão regional. A concretização da ligação entre os municípios
de Niterói e Rio de Janeiro em 1974, idéia antiga e adiada inúmeras vezes,
não se encontra vinculada a iniciativas de um planejamento regional que
integre as duas cidades e traz transformações significativas.
Sem estudos de seus impactos, inclusive ambientais, e sem medidas de
planejamento de âmbito regional, a ponte contribui para acelerar o processo
de urbanização em Niterói, com reflexos imediatos no adensamento da Zona
Sul e na consolidação de núcleos mais afastados como a Região Oceânica.
(Rezende e Azevedo, 2010, p.183)
6 Extinta em 1986 na gestão do Governador W. Moreira Franco.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 205
Construção da Ponte Rio Niterói. Fonte: Revista Manchete,
Edição Especial 1973.
Sem uma visão regional e com o olhar voltado em direção contrária, na cidade do
Rio de Janeiro, no final da década de 1960, o foco se encontra na região da Barra
da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá. O Governo do Estado da Guanabara, em
face da necessidade de expansão das áreas mais valorizadas da Zona Sul, em
1969, contrata o arquiteto Lúcio Costa para preparar um plano para a região. As
obras para implantação do conjunto de vias, que daria acessibilidade a essa
grande área de expansão natural da cidade, seriam concluídas em 1974, o mesmo
ano da conclusão da Ponte Rio - Niterói.( idem)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 206
Construção dos acessos à Barra da Tijuca. Fonte: Revista Manchete, Edição Especial 1973.
Após a Constituição de 1988, com o fortalecimento dos municípios, uma leitura
superficial daquela Carta7, parece toldar a importância da atuação regional. E
com a aprovação da Lei nº 10 257/ 2001, o Estatuto da Cidade, as atenções se
voltam para os planos diretores e os instrumentos que foram instituídos.
Entretanto, devemos reafirmar que a mesma lei reforça em suas disposições uma
abrangência para o planejamento mais amplo que só a estritamente municipal :
Art. 3o .Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social. Art. 4º. Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
7 Entre outras disposições: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ...IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;...IX - diretrizes da política nacional de transportes; X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; XI - trânsito e transporte. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:...III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;...VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; ...IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. (Brasil, 1988)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 207
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III – planejamento municipal, em especial: a) plano diretor;
Ao mesmo tempo, a Lei nº 5192/ 2008 dispõe sobre a elaboração do Plano Diretor Metropolitano do Estado do Rio de Janeiro:
Art. 1º. Fica determinado que o Poder Executivo Estadual, através de suas instâncias competentes, nos termos das normas dispostas no art. 25, parágrafo 3º, da Constituição Federal; no art. 357, parágrafo único, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro; na Lei Federal nº 10.257, de 10/07/2001 (Estatuto das Cidades); na Lei Federal nº 11.107, de 06/04/2005 (Consórcios Públicos) e na Lei Complementar Estadual nº 87, de 16/12/1997, elabore o Plano Diretor Decenal da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Parágrafo único. O Plano Diretor de que trata o caput deste artigo deverá ser elaborado, no menor tempo possível, pelo Governo do Estado, através de entidade coordenadora, constituindo, inclusive, uma Comissão que inclua, obrigatoriamente, representantes de todos os municípios que integram a Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.
Como podemos verificar, existem as disposições em Lei para se proceder ao
planejamento regional, cujas ações e intervenções deveriam estar rebatidas nos
planos diretores incluídos na região. No caso de áreas metropolitanas como a do
Rio de Janeiro ou áreas sob impacto de projetos de desenvolvimento ou que
gerem impactos como o caso da Bacia de Campos, os Planos Diretores dos
Municípios de Macaé e Rio das Ostras deveriam ser desenvolvidos em conjunto,
com a presença das diversas prefeituras e ouvidas as populações interessadas.
Questões de um Plano Diretor: um processo a ser construído
O Plano Diretor é a oportunidade de se instituir um processo de planejamento
dentro da administração municipal. Construir um processo e não somente
preparar um produto é difícil, mas necessário. É mais fácil, embora contenha
dificuldades, preparar um documento, um Projeto de Lei, aprová-lo na Câmara
Municipal e esperar que suas diretrizes e determinações sejam implementadas.
Mais difícil é, sem dúvida, instituir as bases de um processo de planejamento e
consolidá-lo, sendo, contudo, a única saída para garantir a sua implementação.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 208
Uma das observações que se pode fazer ao Plano Diretor Decenal para o
município do Rio de Janeiro, Lei complementar nº 16/1992, é que ele foi
abandonado exatamente porque não era suficiente para gerar em suas
determinações um processo. Instituía instrumentos e possuía dispositivos que
dependiam de regulamentação posterior, mas não existiam instituições ou fóruns
que cobrassem a sua regulamentação ou a sua implementação.
Após 18 anos, lemos o PD do Rio de Janeiro e nos questionamos por que várias
determinações não seguiram adiante. Uma das explicações, embora não seja a
única, é que não foram instituídas atividades, processos, cobranças, instrumentos
de implementação tão fortes quanto aqueles que são as próprias determinações e
diretrizes do Plano. Torna-se fácil destruir ou ignorar um produto, difícil é
destruir comportamentos e atividades, que já estejam incorporadas aos trabalhos
dos técnicos e à vida dos cidadãos.
O processo, ao mesmo tempo, fortalece a população diante do desejo eventual
dos governantes ou de setores da sociedade de não implementar determinada
disposição, ou até o PD na íntegra. Caso esse desejo exista, o processo estará
dando suporte e força aos técnicos para continuarem desenvolvendo as suas
determinações.
Por outro lado, acompanhando o entendimento de que a cidade é o reflexo da
sociedade no espaço. Uma sociedade desigual gera uma cidade espacialmente
desigual, nas mesmas condições. Dentro dessa perspectiva, a função do
planejamento seria principalmente alterar situações de injustiça espacial.
Harvey trabalha com o conceito de distribuição justa e introduz a dimensão
territorial. Segundo ele,
...considerarei principalmente o problema como sendo o de uma autoridade central alocando recursos escassos sobre um conjunto de territórios, de tal modo que a justiça social seja maximizada....O primeiro passo na formulação de um princípio de justiça territorial está em determinar o que cada um dos três critérios – necessidade, contribuição ao bem comum e mérito – significa no contexto de territórios ou regiões.” (1980, p.85)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 209
Não seria esta a função de um Plano diretor? Estabelecer critérios que levando
em conta as situações de necessidade, o grau de contribuição ao bem comum e o
mérito promovam condições de justiça territorial? Para tanto devemos considerar
que a cidade é o resultado de um processo de urbanização e somente um
processo poderia interferir em outro processo social, em seus desdobramentos
econômico e cultural, etc....
Devemos buscar a atuação no nível social, entendido como Herculano (2006)
como uma totalidade:
... usamos o adjetivo "social" enquanto uma totalidade, dentro da qual há esferas econômicas, políticas etc. Neste sentido, a Economia diz respeito a uma forma de atividade social que lida com a produção da nossa sobrevivência. Enquanto ciência, a Economia é entendida aqui como uma ciência social, que estuda tudo o que diz respeito à produção, circulação e distribuição das riquezas produzidas. Produção que, deve-se sublinhar, é sempre coletiva, donde social. (Herculano, 2006, p.23)
Seria ingênuo considerar que, com um conjunto de papéis, com um pacote legal,
poder-se-ia intervir, no processo de produção da Cidade, num processo social,
que cria um desenvolvimento espacial desigual.
Mas, como fazer isso? A primeira possibilidade de construção de um processo
reside no próprio Plano, contendo determinações que se encaminhem no sentido
da criação de uma atuação continuada em diversos setores, estabelecendo
atividades e um sistema integrado de planejamento com a divisão de
responsabilidades. A segunda possibilidade se dá também a partir da criação no
próprio Plano de um instrumento de fiscalização de sua implementação. Em
1930, o Plano Agache recomendava a criação da Comissão do Plano da Cidade
para coordenar, acompanhar e garantir a sua aplicação. (1930, p.323)
Então, são essenciais os fóruns e conselhos de acompanhamento, mas eles devem
estar previstos no Plano, caso contrário não serão criados e ficarão submetidos à
vontade do Executivo Municipal e ao grau de sensibilidade dos eventuais
governantes em relação às questões urbanas consideradas essenciais para a
população. Mas, ainda assim, em diversos casos, como tem sido disposto sobre os
Conselhos de Planejamento Urbano, esses se encontram instituídos no plano, mas
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 210
não são postos em prática, em algumas situações por falta de regulamentação
em outras por falta de interesse da administração. Com isso, verifica-se que,
além da instituição no Plano, a obrigatoriedade de sua implantação deve estar
clara para que possa ser objeto de questionamentos por parte da população, caso
não seja efetivada.
Outra questão essencial reside no entendimento de que a implementação do
Plano constitui tarefa de vários órgãos da administração municipal, e ainda de
outros níveis de governo, das administrações estadual e federal, resultando na
necessidade de um sistema de planejamento, que deve constar do documento,
contemplando os instrumentos de integração entre os diferentes órgãos em
diferentes níveis. No caso de municípios incluídos em região metropolitana, em
áreas objeto de projetos ou atividades de âmbito regional, essa questão é
crucial, sob pena de inviabilizar os objetivos do planejamento.
O Plano Diretor de 1992 para o Rio de Janeiro (Lei Complementar nº 20/1992) dispõs sobre o sistema de planejamento, mas não de forma suficiente para garanti-lo:
Art. 13 - A lei instituirá o sistema municipal de planejamento urbano, definindo a sua estrutura, a qual será integrada pelo Conselho Municipal de Política Urbana. Art. 14 - O sistema municipal de planejamento urbano se responsabilizará: I - pela integração dos agentes setoriais de planejamento e de execução da administração direta, indireta e fundacional do Município, assim como dos órgãos e entidades federais e estaduais, quando necessário, para aplicação das diretrizes e políticas setoriais previstas nesta Lei Complementar; II - pelo acompanhamento e a avaliação dos resultados da implementação do Plano Diretor Decenal;
A implementação do PD foi entendida como tarefa da Secretaria Municipal de
Urbanismo, mas não das Secretarias de Habitação, de Meio Ambiente ou de
Transportes e de outros órgãos estaduais. Com isso, cada uma das secretarias
municipais seguiu fazendo o que considerava a sua política setorial, em ocasiões
com sucesso, mas sem integração com as demais políticas e com as diretrizes
espaciais gerais para a cidade.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 211
O Plano Diretor é o mecanismo que pode articular de uma maneira coerente e
racional as Secretarias, caso contrário, trabalharão de forma autônoma. Sem
uma obrigatoriedade, cada administrador quer dar à sua instituição a sua própria
feição, a sua imagem de realização. O Plano é um pacto sócio-territorial, sócio-
espacial e se nesse pacto não estiverem acordados os órgãos envolvidos, entre
outros atores, esse pacto será inviabilizado.
A participação dos atores no Plano
Quais são os atores representados no Plano? Em síntese são a população, os
técnicos, representantes de órgãos públicos, principalmente municipais, e,
ainda, os vereadores responsáveis pela aprovação da lei. No conjunto população,
incluem-se as associações de moradores, os órgãos de classe, os setores
profissionais e os setores empresariais. Mas, não podemos esquecer a articulação
regional ou metropolitana, que se traduz na presença de representantes de
órgãos estaduais e de outros municípios.
No caso do Plano Diretor de 1992, o que se fez? Para canalizar as diferentes
contribuições e demandas desses agentes criou-se, à época de sua preparação,
cinco grupos temáticos: meio ambiente, uso e ocupação do solo, transportes,
equipamentos e serviços públicos e, finalmente, patrimônio e administração.
Houve, nesse caso, uma intensa participação dos técnicos, de representantes de
entidades profissionais e empresariais. Contou-se com representantes de outros
órgãos da administração estadual ou federal, representantes dos empresários da
construção civil e do setor de transportes. Houve a participação de algumas
representações populares, mas não de forma suficientemente ampla no nível
geral da Cidade. Na etapa do tratamento das diretrizes espaciais para a Cidade,
a participação dos moradores foi pequena, em parte pelo tempo limitado para a
conclusão do Plano com vistas a sua entrega no prazo previsto.
À época ficou evidente a necessidade de um tempo destinado à qualificação da
população em geral, em especial, os moradores, com vistas a efetivar a sua
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 212
participação. Não se poderia pretender que um indivíduo por morar na Cidade do
Rio de Janeiro, tivesse ciência de mecanismo operacionais de planejamento e
gestão, por exemplo, o instrumento do Solo Criado, ou Outorga Onerosa do
Direito de Construir como denominada após 2001 pelo Estatuto da Cidade. Com
isso, parece ser indispensável um esforço de qualificação dessa população. Por
outro lado, é importante reconhecer que o discurso dos moradores, ainda que
não preciso em termos técnicos, contém o desejo de mudança com objetivos
claros, e o discurso do técnico muitas vezes não atinge a população no que
entende por necessidades.
Para tanto, o esforço de capacitação da população nas questões da cidade
merece anteceder a preparação do Plano ou, melhor dizendo, ser atividade
permanente como parte de um planejamento democrático. Por outro lado, a
participação também se mostra como um elemento transformador, qualificando
a população nas questões técnicas. A administração municipal e a Câmara de
Vereadores teriam que se empenhar nisso.
Em algumas cidades, por exemplo, Fortaleza, algumas organizações não
governamentais (ONG) preparam essa capacitação, com a constatação de que
não se defende aquilo que não se conhece. Se a população não entender
exatamente o que está no Plano, não se sentir co-autora das propostas, os
técnicos ficarão isolados na fase de implementação, tendo nas mãos um produto
que não possui defensores.
Contudo, em relação à participação da população nem sempre o interesse de
uma comunidade representa o interesse geral, como acontece no caso dos
Projetos de Estruturação Urbana dirigidos para os bairros ou conjuntos de
bairros. Existem interesses gerais da cidade, que podem não ser captados por
uma associação de moradores ou uma associação de empresários locais. Então,
deve-se garantir, que essa participação aconteça também num nível geral,
resultando em diretrizes gerais que forneçam o enquadramento para a solução
de questões locais. Existem questões gerais a serem resolvidas, que escapam a
demandas locais. Por exemplo: nenhuma associação de moradores vai desejar
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 213
que se coloque um cemitério no seu bairro, uma estação de tratamento, um
aterro sanitário, mas em algum lugar fora das áreas estritamente residenciais,
este tipo de equipamento deverá ser localizado.
A questão do plano como um pacto mostra-se, portanto relevante, pois tende-se
a acreditar que alguns usos nunca virão para os nossos bairros e se existir a
intenção da administração em aí localizá-los vamos lutar para que sejam
rejeitados. Trata-se do efeito NIMB, cuja sigla (em inglês) significa: “nunca no
meu quintal.” Com isso, um hospital é importante para a cidade, mas não no
bairro do morador. O plano tem que conter esse pacto, terá que afirmar onde
deverão ficar esses usos especiais nem sempre desejáveis.
De forma complementar, os técnicos são parte essencial na construção e
implementação do Plano. Se os técnicos de diferentes órgãos não participarem,
não produzirem em conjunto o PD, também não irão defendê-lo. Ao mesmo
tempo, se este Plano não for devidamente entendido e aceito por todos esses
técnicos – é o outro lado da questão - na primeira oportunidade, ele começará a
ser bloqueado. Começarão a surgir as interpretações, que escapam aos objetivos
e diretrizes, dentro de uma mesma secretaria ou em secretarias co-responsáveis
por sua implementação. Os objetivos e propostas não serão implementados da
maneira original, porque não foram aceitos e, da mesma forma, os processos não
foram consolidados dentro da administração.
A totalidade da cidade e o nível local
O Plano Diretor deve expressar uma visão de totalidade da cidade, uma visão
macro da cidade, e até regional e metropolitana, para que a administração
municipal num momento em que tenha que escolher um local, como acontece
em relação à questão da disposição dos resíduos sólidos, não dispute com os
moradores e administrações de municípios vizinhos para determinar em que
lugar, por exemplo, as seis mil toneladas/dia de lixo geradas pela Cidade do Rio
de Janeiro, seriam colocadas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 214
A questão da participação e também a questão dos instrumentos de participação
têm dois níveis – não somente o nível local. O que seria, então, o geral? O geral
seria o projeto de sociedade. É isso que está bem explícito no Estatuto da
Cidade, ao afirmar que a sustentabilidade da cidade é dada pelo atendimento
das necessidades do cidadão em termos de água, esgoto, habitação, transporte.
Se não se incorpora como objetivo final esse projeto de sociedade, não se torna
possível preparar o Plano. No primeiro momento, ele vai escapulir, os seus
objetivos não se transformarão em instrumentos. A ausência de projeto gera
regulamentações que não têm a ver com o Plano original. Ou, ainda, Projetos de
Estruturação Urbana para bairros que, em que a noção da função social da
propriedade não se encontra traduzida nas propostas. O objetivo inicial se esvai
no decorrer do planejamento, ou seja, aquele projeto de sociedade se perde no
caminho.
Quanto à dimensão ambiental, que resulta em condições melhores de vida para
a população e usuários da cidade, esta é um dos objetivos para se preparar um
PD, e é também incluída na dimensão social. O Plano Diretor é certamente o
momento de acolhimento de forma clara da Agenda 21, do Código Florestal, da
Lei do Parcelamento Urbano Federal e de suas revisões. A Agenda 21 é
importantíssima, mas, várias de suas diretrizes propostas e ações são
programáticas e não poderiam ser especializadas. Então, o Plano Diretor deve
espacializá-las.
No tocante à questão das cidades sustentáveis, como expressa pelo Estatuto da
Cidade deve-se entendê-lo como um feixe de direitos. É obrigação da política
ambiental trabalhar com o saneamento ambiental de forma clara, com a Agenda
Marrom, com a infra-estrutura em todos os seus setores e com transportes, como
uma questão ambiental.
Cabe lembrar que, em 1995 foi preparado umoutro plano para a cidade, o Plano
Estratégico, com claras vinculações a um urbanismo de resultados, sem
preocupações com a totalidade da cidade e suas questões sociais. À época ele foi
apresentado pela administração municipal como aquele, que ao contrário do PD
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 215
de 1992, iria resolver as questões da cidade, expressando o pacto social e
espacial da cidade.
Entretanto, os resultados prometidos com o Plano Estratégico não apareceram,
deixando evidente que as parcerias público-privadas não solucionam as graves
questões urbanas ligadas à habitação, infraestrutura e que o caminho possível é o
retorno a um marco regulatório para a cidade que atenda a sua totalidade, tendo
como enquadramento o Estatuto da Cidade.
O plano, diretrizes ou determinações
O Plano Diretor deve conter somente diretrizes e encaminhar propostas ou deve
incorporar todos os regulamentos, chegando ao nível de detalhes? São duas
posições diferentes. Em relação às diretrizes, parece acertado afirmar que
devem ser fortes, mas não em grande número e que não devem ser somente
frases a enfeitar um documento. Devem ter força para barrar projetos que não se
enquadrem nelas e estimular a realização de projetos que ainda não foram
feitos. Devem, ainda, ser claras para que possam ser fiscalizadas quanto a sua
observação em todos os documentos posteriores ao Plano: regulamentos,
mudanças de legislação e projetos.
Por outro lado, não cabe simplesmente ao Plano repetir as diretrizes do Estatuto
da Cidade, porque elas já estão lá. Cabe ao plano reforçar essas diretrizes e
espacializá-las. Talvez algumas sejam programáticas, mas sempre que possível
devem ser espacializadas. O plano não deve conter os regulamentos de uso e
ocupação do solo, os regulamentos de licenciamento, de parcelamento, mas deve
conter diretrizes bastante fortes, para que eles não possam mais ser preparados
de forma autônoma, fragmentados.
Após o Estatuto da Cidade em 20011, há uma possibilidade que não havia à época
do Plano Diretor de 1992, que é o rebatimento necessário do Plano Diretor no
Plano Plurianual e no Orçamento Municipal. Provavelmente um dos pontos
principais do Estatuto da Cidade, já que as ações e projetos os que não estejam
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 216
contidas ou encaminhadas no PD sob a forma de diretrizes bem claras não
poderão ser executadas e vice-versa.
De volta ao Plano Diretor de 1992, este possui inúmeros objetivos ou diretrizes.
como constantes da Seção III, das diretrizes, normas e objetivos do plano diretor
decenal. Por exemplo, o Art. 6º, item IV afirma que são objetivos do PD
“promover a distribuição justa e equilibrada da infra-estrutura e dos serviços
públicos, repartindo as vantagens e ônus decorrentes da urbanização” e no item
VIII “promover o cumprimento da função social da propriedade urbana”. São
muitos objetivos/diretrizes, cuja obediência não é fiscalizada e cobrada.
O mesmo pode ser dito a respeito do macrozoneamento. Se este mecanismo de
planejamento não se transformar em regras de uso, ocupação, parcelamento,
proteção ao meio ambiente, em um plano de sistema viário e transportes, parte
contida no PD e parte posterior a ele, não se concretizará, não se transformará
em ação concreta. Se o macrozoneamento não estiver articulado a instrumentos
muito fortes que garantam, por exemplo, a existência de áreas de restrição ou
de limite à ocupação, ele pouco servirá.
Por outro lado, se o macrozoneamento estiver articulado com as normas de
ocupação e dando a feição das áreas de restrição ou de limite de ocupação,
trata-se de um mecanismo inovador. As áreas em que não forem feitos
investimentos em transporte de massa, por exemplo, teriam seu crescimento
limitado. E isso é sério, porque estamos tratando de áreas nobres da cidade
como, por exemplo, a Barra da Tijuca.
Parece não haver saída, a não ser partir para um plano que se defina sobre
questões desse tipo. Verifica-se atualmente na saída da Barra da Tijuca em
direção à Zona Sul um estrangulamento pela quantidade de carros. Então, se não
houver limitações quanto à definição dos índices construtivos, as vias saturadas
farão com que esses bairros parem de crescer.
Na realização do Plano de 1992, contratou-se um estudo que efetuava o
cruzamento da possibilidade de ocupação do solo, da construção e verticalização
da cidade com a oferta de transportes, a partir da origem e destino das viagens
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 217
geradas pelo crescimento da cidade, dando-nos uma visão da saturação das vias.
Com isso, em 1992, tentou-se baixar os índices construtivos de vários bairros da
cidade, o que não foi feito de forma efetiva, mas definidas as áreas onde foram
fixados índices básicos e máximos, estes a serem alcançados somente com a
aplicação do Solo Criado.
Havia e, ainda, há duas etapas: a etapa do planejamento e a da legislação, que
produz a cidade. Existem os planos, mas o que realmente atua na produção da
cidade são os regulamentos. Por exemplo: os Decretos nº 3.800/1970 e nº
322/1976. Não importam os planos, porque o que vai produzir a cidade não é
aquele plano. Então, pode ser qualquer um. E os regulamentos continuam
produzindo a cidade, ao sabor dos diferentes interesses, no sentido de adensar
áreas, de pontualmente construir possibilidades, não só para empresários, mas
também para a população.
Atualmente, os Projetos como Porto Maravilha e o Peu das Vargens,
transformados em leis, continuam dentro dessa linha, produzindo a cidade e
adensando-a a despeito das regras do Plano Diretor de 1992, dos índices
construtivos lá estabelecidos e da obrigação de se aplicar o Solo Criado ou a
Outorga Onerosa do Direito de Construir - OODC.
Os projetos e leis que mudam as regras localizadas, os regulamentos, a partir do
Plano devem estar amarrados de uma forma muito forte. Da mesma maneira, os
Projetos de Estruturação Urbana -PEUs têm que estar integrados, de forma a só
ser possível a flexibilização de regras dentro de diretrizes que já estejam no PD.
Há, portanto a possibilidade de um terceiro formato, que não é o primeiro das
diretrizes sem detalhamentos e nem o segundo da situação de tudo determinado
pelo PD, no sentido de incorporar todos os regulamentos. Trata-se de um
terceiro, em que as diretrizes e objetivos sejam, em pequena quantidade e
claros, costurando de todas as formas os regulamentos, para que eles não
escapem, restando coesos na implementação do plano.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 218
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REPERCUSSÕES DA EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES
URBANAS DE MACAÉ (RJ)
Profº Drª Thereza Carvalho, Professora Associada, PPGAU/UFF [email protected]
Arq. Wandilson Guimarães Mestrando, PPGAU/UFF [email protected]
Jonas Delecave, Bolsista CNPq/PIBIC, EAU/UFF [email protected]
Resumo
Este artigo apresenta resultados preliminares de uma pesquisa interdisciplinar
financiada em parte com recursos do Edital CNPq nº003/2008 concedidos ao
LACTA/UFF, e parte com recursos do Edital PIBIC/UFF de 2009/2010. Examina
aspectos das repercussões territoriais que a geração da riqueza concentrada e
cumulativa gera sobre a morfologia e as funcionalidades urbanas do sitio onde a sua
produção está localizada, neste caso sobre a cidade de Macaé. Serão aqui
destacados algumas transformações urbanas associadas àquela produção. A gênese
de segmentos urbanos produtivos monofuncionais vem se multiplicando a partir da
instalação da Petrobrás assim como, também, significativas mudanças tem sido
introduzidas nas tipologias das edificações de função residencial. Verifica-se, ao
mesmo tempo, a fragmentação do tecido urbano consolidado decorrente da
sobrecarga e congestionamento das redes de provisão de serviços de saneamento e
transporte. Foram realizadas pesquisas documentais, cartográficas e visitas de
campo, além de entrevistas com moradores em Macaé. A análise dos resultados
permitiu a percepção de novas relações entre morfologia e processos sócio-
econômicos em construção no município de Macaé.
Palavras-chave: Morfologia urbana, Macaé, extração petrolífera, transformações
urbanas
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 221
1. Introdução
Este artigo trata da produção do território a partir do exame das formas
urbanas e das alterações introduzidas por diferentes Agentes/Atores/Produtores
atuantes em Macaé desde a instalação da Petrobrás na área dos galpões da
Leopoldina Railway junto à Praia de Imbetiba. Examina alguns aspectos das
repercussões territoriais que a geração da riqueza concentrada e cumulativa gera
sobre a morfologia e as funcionalidades urbanas do sitio onde a sua produção está
localizada, ou seja sobre a cidade de Macaé. Serão aqui analisadas algumas
transformações urbanas associadas àquela produção.
A gênese de segmentos urbanos monofuncionais a partir da Petrobrás,
atendendo a propósitos produtivos específicos do setor mostrou-se associada a
mudanças morfológicas significativas com alteração de traçados de ruas assim
como, também, com a geração de novos ou intensificação dos fluxos anteriores de
carros e transportes de carga. Segmentos urbanos monofuncionais estão sendo
igualmente produzidos por outros “atores” municipais públicos e privados, na
expectativa de atendimento à demanda gerada pela Petrobrás. Por outro lado,
verifica-se a fragmentação do tecido urbano consolidado decorrente da sobrecarga
e congestionamento das redes de provisão de serviços de saneamento e transporte.
A sobredemanda por moradias para outros grupos populacionais cuja renda
percebida não é atendida pelo “novo mercado” imobiliário tem repercussões direta
sobre os valores atribuídos às tipologias existentes assim como, também, sobre a
capacidade de carga das redes de infra-estrutura instaladas e as condições de
habitabilidade, bastante diferenciadas por faixa de consumo. As tipologias
arquitetônicas e urbanísticas dos “novos” assentamentos, com moradias auto-
produzidas igualmente para o atendimento da referida sobredemanda habitacional,
tem mais uma vez, reforçado a referida fragmentação.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 222
2. Percepções e perspectivas: modelos de referencia e transformações
urbanas
Vários analistas já comentaram sobre a imagem percebida das cidades
chamadas mundiais, como repercutem de maneira generalizada sobre outras
múltiplas cidades e localidades enquanto modelo de referencia e, portanto,
parâmetro de configuração/ reprodução de novos territórios. A quantidade de
recursos financeiros necessários para manter essa ‘vitrine acesa’ – a renaissance
das referidas cidades mundiais e, também, para manter os excluídos excluídos em
locais específicos, é, sem dúvida gigantesca, constituindo, por si só, sinal da
afluência e do prestígio e a isca com que querem atrair a morada dos decisores. As
conseqüências desse modelo vitrine em cada cidade aspirante à algum escalão na
hierarquia de centralidades que as tornem visíveis naquela rede de prestígio é,
pelas mesmas razões, avassaladora, tanto em termos ambientais e financeiros,
quanto sociais, econômicos e morfológicos. Custos enormes são socializados por
força dessas circunstâncias.
O conceito de centralidade que o contexto de globalização parece consagrar
(Hall, 2008), baseado na competitividade setorial, revela, ao mesmo tempo, uma
visão oportunista de um território pontual imaginário, sem relações de
contiguidade, e a indiferença ideológica diante de uma materialidade complexa
mas irrelevante para os fins estratégicos dos decisores. Apresenta-se, por
conseguinte, indissociavelmente ligado à percepção, da mesma forma irreal da
possibilidade de concentração ilimitada de riquezas e benesses e, por razão de
conseqüência, da socialização ilimitada dos custos sociais, ambientais,
econômicos, culturais e institucionais. É sustentável essa prática?
A crise financeira que ora se desenrola parece indicar o contrário. A escala
mundial de planejamento, produção e controle de bens e serviços, da globalização
tem o pressuposto subjacente da existência de um mercado consumidor cuja
expansão em escala e distribuição territorial compatíveis com aquela oferta - fato
que aparentemente não está a se comprovar (Burgel, 2008). A existência desse
mercado nas proporções adequadas exigiria, talvez, um outro modelo de
crescimento baseado na redistribuição territorial dos vários recursos que o modelo
concentrador drena. Os postulados tradicionais - ‘há que concentrar para crescer’
e ‘sem crescimento não pode haver (re)distribuição’ - precisariam ser revistos à
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 223
luz da sua contraparte ‘sem redistribuição não há crescimento sustentável,
econômica e financeiramente, da riqueza’ pois não haverá mais consumidores a
altura.
A exclusão por inadequação ou obsolescência de trechos de territórios
qualificados e de crescentes grupos de populações, somada à atração que a
manifestação da riqueza exerce sobre as populações pobres e miseráveis,
condensam-se nas entranhas das cidades mundiais e, também, naquelas não tão
mundiais assim, na expectativa de que a teoria dos pólos - modelo espacial não
comprovado que defendia a concentração de investimentos e de resultados para a
posterior ‘percolação’ do crescimento econômico para o resto do território e das
suas populações - aconteça.
A ‘fermentação social’ que a fricção entre ricos, pobres e miseráveis gera
particularmente agravada pelo enxugamento do Estado, incluindo das suas
obrigações face à totalidade da sociedade, manifesta-se mais intensamente em
alguns contextos. A guerra civil mal disfarçada em disputas entre grupos rivais - ora
policia, ora milícias e ora ladrão, ora traficantes – é uma das manifestações da
mencionada fricção que algumas das maiores cidades brasileiras produz com muitos
mortos e feridos como resultado e como saldo a pagar se nada mudar.
A proliferação dos condomínios privados na gênese de novos segmentos de
território multiplica as fragmentações. Às frentes de urbanização, por auto-
provisão, sub-infraestruturadas, somam-se, agora, novas urbanizações destinadas a
segmentos de alto padrão de consumo, reforçadas por algum investimento público
ou privado, com a instalação de equipamento de saúde e/ou educação, galerias
comerciais, shoppings, condomínios residenciais, etc.. Essas novas urbanizações
tendem a estar desvinculadas dos centros consolidados da cidade, e das suas
relações de complementaridade, freqüentemente acessíveis apenas por redes
viárias ‘exclusivas’ ou seja que não são servidas pela rede de transportes públicos.
3. Macaé
Macaé (RJ) ocupa uma área de 1.215,904 km²; segundo estimativas do IBGE,
teria 206.748 moradores; o TRE contabilizou 84.054 eleitores nas últimas eleições.
Desde 1974, quando a Petrobrás escolheu a cidade para sediar sua sede da Bacia de
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Campos, mais de quatro mil empresas se instalaram no município e a população foi
multiplicada por três. O petróleo é a maior força econômica de Macaé. Nos
próximos dois anos, a meta da Petrobras é produzir 2 milhões e 200 mil barris de
óleo por dia. Até 2010, a Petrobras vai investir US$ 25,7 bilhões, o equivalente a
80% dos recursos da empresa em Exploração e Produção para todo o país.
Conseqüentemente, o município tem a maior taxa de criação de novos postos de
trabalho do interior do estado, de acordo com pesquisa feita pela Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro: 13,2% ao anoi.
A instalação da Petrobrás constituiu-se no marco de mudança da dinâmica
urbana da cidade determinando demandas crescentes por moradia, redes de
ligações, espaços públicos de convivência, serviços e equipamentos coletivos, todas
associadas à expansão da empresa na região. Em 2003, Macaé possuía 7400
empregados diretos da Petrobras, 28.000 funcionários das prestadoras de serviços e
aproximadamente 3500 empresas ligadas ao setor petrolífero.
A evolução da cidade de Macaé em termos habitacionais, especialmente
após a instalação da Petrobras na década de 70, é expressa pela dualidade entre a
cidade formal e informal (BARUQUI, 2004). Condições históricas de posse e
propriedade da terra e condicionantes sociais aliadas às restrições do mercado
formal de habitação com foco nas classes sociais mais altas, somadas ao
crescimento populacional verificado nos últimos anos na expectativa de lucro com
as riquezas geradas pela exploração petrolífera, foram alguns dos fatores que
contribuíram para o crescimento da cidade informal em Macaé.
A falta de lotes destinados à habitação popular, a quase inexistência ou
ineficiência das políticas públicas no setor habitacional, geram conseqüências como
agressão ambiental, invasão e ocupação de áreas ambientalmente frágeis e
estratégicas.
Dados construídos por BARUQUI (2004) com base no Atlas de
Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD), sobre a cidade formal e informal em
Macaé, na década de 90, informa que no períodos de 1991 a 2001, a população
cresceu 40,86%, passando de 94.034 habitantes para 132.461 habitantes, enquanto
a taxa de crescimento da população residente em assentamentos informais cresceu
91,96 %, variando de 11.275 habitantes para 21.644 habitantes, resultando em uma
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 225
taxa de crescimento de 148,96% para os domicílios informais. Percentual bem
superior aos 47,75% referentes aos domicílios formais em Macaé.
A bibliografia examinada apresenta distintas visões sobre o desenvolvimento
da cidade pós-implantação da Petrobrás e sobre os impactos territoriais associados
às dinâmicas sócio-econômico-ambientais resultantes. Alguns autores apontam a
melhoria dos índices e indicadores sociais no período compreendido entre a
instalação da Petrobrás, em 1977, e a atualidade, como suficientes para configurar
uma análise positiva de desenvolvimento. Outros autores (NETO, et al, 2006;
NADER, 2009) retomam a formulação de desenvolvimento teorizada por Sachs
(2004), e avaliam a inserção da Petrobrás de forma mais crítica, procurando
identificar de que maneira a produção de riqueza foi distribuída, direta ou
indiretamente. A participação pública nos processos políticos/administrativos e a
geração de passivos ambientais são também temas recorrentes dessas avaliações.
Uma contribuição interessante é a de Vargas (1997), quando trabalha sobre a
dimensão simbólica da inserção da Petrobrás em Macaé, utilizando-se dos conceitos
de Memória e Identidade. Sua análise aponta o despreparo do município ao receber
a grande estatal como um dos fatores
responsáveis pela geração de conflitos de
várias naturezas com repercussões diretas
sobre conteúdos simbólicos anteriormente
associados a certos locais na cidade. Os
diversos relatos analisados parecem convergir
para uma “nova” Macaé como uma
“plataforma onshore” da Bacia de Campos,
com a qual os estrangeiros não estabelecem
vínculos afetivos, apenas exploram suas
riquezas. Também é percebida como uma mártir do desenvolvimento nacional, pois
Macaé estaria sacrificando sua própria identidade por um bem maior. Nesse
sentido, o historiador Macaense Antônio Alvarez Parada relata, de forma crítica, as
tranformações na cidade, após a inserção da Petrobrás. Ao mesmo tempo, a ‘nova
imprensa alternativa’ de Macaé, que o “The Macaé Times” certamente representa,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 226
sinaliza um olhar positivo sobre a visibilidade ampliada que a atividade de extração
petrolífera possibilitou à cidade.
4. Estudo de caso: procedimentos
A pesquisa, desenvolvida durante o período de 2009/2010, buscou
compreender como a instalação da Petrobrás, ao mesmo tempo que se apoiou na e
se apropriou da estrutura física da cidade - gerando transformações nas tipologias
arquitetônicas e urbanísticas, na rede viária e na distribuição espacial de pólos
geradores de fluxos - produziu uma nova dinâmica econômica, social e ambiental.
Para isso, foram analisados alguns aspectos das transformações urbanas associados
à geração da riqueza concentrada e cumulativa que a exploração petrolífera
parece promover - neste caso sobre a cidade de Macaé, sua morfologia e suas
funcionalidades urbanas.
A primeira etapa de análise foi o levantamento bibliográfico, cartográfico e
iconográfico sobre Macaé, com especial atenção à sua morfologia urbana, à
implantação da Petrobrás no município e nas alterações que se seguiram na sua
forma urbana, na acessibilidade e na mobilidade resultantes. Nessa etapa, foram
realizadas diversas visitas a bibliotecas, sendo o material utilizado
predominantemente advindo de dissertações de mestrado e doutorado dos
principais programas de pós-graduação do estado do Rio de Janeiro e de
levantamentos sócio-econômicos sobre o município e sua região –a Norte
Fluminense- realizados por órgãos específicos.
Após uma busca cartográfica nas bibliotecas do IPPUR-UFRJ, PROURB-UFRJ,
na biblioteca Central da UFF e na Biblioteca Nacional, somada à planta cadastral
fornecida pela prefeitura, foi possível montar um acervo cartográfico
compreendendo o período de 1848 –data do primeiro plano de parcelamento para a
cidade- até o presente.
Com o objetivo de compreender as novas lógicas urbanas de Macaé com a
instalação da Petrobrás, foram utilizados duas vertentes analíticas, de modo
complementar. A primeira, baseado nos procedimentos analíticos de
Gianfranco Caniggia, identifica o eixo ordenador da cidade. Analisa
comparativamente as ‘pré-existências’ que ocorrem no tecido urbano de Macaé a
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partir da caracterização das tipologias de ruas, lotes e quarteirões, e as
intervenções mais recentes, identificando as permanências de determinados
elementos de sua morfologia. Assim, procurou-se, na evolução dos mapas da
cidade, distinguir os elementos herdados e estruturantes do tecido urbano, de
marcada perenidade, os elementos novos ou que foram transformados ao longo dos
anos, assim como também as marcas daqueles que foram eliminados.
O segundo procedimento de análise, apoiado em Lynch, Cullen e Panerai,
trata da percepção e da ‘construção de imagens’ de referência, a partir de certos
elementos urbanos novos ou herdados, associadas à formação de identidade. As
duas vertentes analíticas se completam na medida em que realçam as relações
espaciais e funcionais entre as ‘pré-existências’ (Caniggia) e os elos físicos da
imagem urbana - como as vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos - com os
diferentes segmentos urbanos mono-funcionais produzidos a partir de diferentes
propósitos de vários co-produtores da cidade. A convergência daquelas relações
sinaliza o reconhecimento (e possível apropriação pelos habitantes) do potencial de
atração que algumas transformações cumulativas que vem ocorrendo em áreas
específicas de Macaé exercem sobre diferentes empreendedores.
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A divergência, por outro lado, aponta para o potencial de refração que
certos segmentos urbanos de gênese mono-funcional, recente e custosa, exercem
sobre a população e sobre os setores público e privado.
A área escolhida para a sede da Petrobrás em Macaé foi o antigo parque de
reparos de vagões de trens, pertencente à Leopoldina Railway. O grande terreno,
de frente para o mar e no centro histórico da cidade, teve suas oficinas desativadas
e seus funcionários realocados para outras regiões, causando grande transtorno às
famílias, como relembra Parada em Vargas (1997,pg 64). Da mesma forma que os
funcionários da Leopoldina foram realocados, os funcionários da recém inaugurada
Petrobrás também o foram, chegando a Macaé de outros municípios, com maiores
salários e outras referências de cidade (aqui entendidas como mapas cognitivos).
Naquele momento, surgiram os primeiros conflitos, tanto pela inflação
imobiliária decorrente dessa injeção repentina de renda, como pela relação,
freqüentemente exploratória, que os novos moradores estabeleceram com a
cidade, desprezando suas memórias. O exemplo mais marcante dessa relação foi a
transformação da praia de Imbetiba - de espaço de fruição, reconhecida como
imagem e identidade associada da cidade – em um porto, com interesses
econômicos para clientes específicos. O Professor Parada, em suas “Cartas da
Província”, publicadas semanalmente no jornal Niteroiense “O Fluminense”,
convida constantemente um amigo fictício a ir “banhar-se na Imbetiba antes que
ela acabe”. Em entrevistas mais recentes, Zamir Silva afirma que “Imbetiba, por
exemplo, que era o cartão de visitas de Macaé, hoje é o cemitério” e Sidney
(entrevista realizada em 23 de novembro de 2010) defende que “Imbetiba foi
destruída, com quebra mares ridículos e vazamentos de óleo constantes”. Sobre
esse tema, Vargas (1997, pg. 75) aponta que, de forma paradoxal, a destruição da
maior referência da cidade se transforma no lugar de memória de uma Macaé que
já não existe.
Progressivamente, o espaço de fruição da cidade foi realocado para o Sul. As
praias dos bairros Campista e Cavaleiros substituíram Imbetiba, em seu uso
recreativo, e construíram os percursos de uma nova Macaé, segmentada por faixa
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 229
de consumo. Essa região apresenta os mais elevados indicadores sociais e
econômicos da cidade, abrigando a elite econômica. Por outro lado são visíveis os
propósitos de ‘acender a vitrine’ e “ficar bonito no filme” do atual planejamento
municipal que promoveu extensa obra de urbanização da orla daqueles bairros
sem, contudo, prover a necessária rede de esgotamento sanitário.
O trabalho de campo realizado complementou a análise e identificou, na
escala do pedestre, os marcos de referencia para a percepção da
imagem/legibilidade e entendimento da paisagem urbana ao longo dos
percursos/eixos estruturantes da cidade. Essa etapa focalizou a confirmação das
continuidades e fragmentações do tecido urbano identificadas na análise
cartográfica realizada nas etapas anteriores da pesquisa. Permitiu, também, a
realização de entrevistas com alguns expoentes locais e o registro das suas
respectivas percepções do processo de transformação que “tomou conta de
Macaé”.
O primeiro percurso procurou estudar o vetor norte de crescimento urbano,
a RJ-168, em direção à BR-101 (rodovia longitudinal brasileira com 4550km de
extensão, uma das mais importantes rodovias do Brasil, parte da rodovia Pan-
Americana). Na referida estrada RJ, observa-se uma grande diferença de escala,
fruto do espraiamento promovido pela própria prefeitura que recentemente
realocou alguns de seus setores administrativos, como a Secretaria de Obras, para
o extremo norte deste percurso. Observa-se, ainda, como o marco de entrada da
cidade, localizado na rótula da RJ-168, é claramente desenhado e implantado para
percepção em alta velocidade, criando grande monotonia para o pedestre, com sua
escala e velocidade específicas. A RJ-168 se consolida como novo eixo ordenador
do crescimento urbano a partir da instalação das edificações que caracterizam a
matriz produtiva da Petrobrás em Macaé, com suas respectivas rotas de
escoamento reproduzindo a mesma direção Norte, portanto ortogonal em relação
ao eixo ordenador pré-existente ( a rua rireita).
O segundo percurso corresponde à Avenida Rui Barbosa, antiga Rua Direita,
culminando na antiga prefeitura e na Praça Washington Luiz. Aqui, vale enfatizar
que a rua mais importante do século XIX permanece, hoje ainda, como a mais
importante centralidade linear comercial e de fruição urbana da cidade. É
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 230
interessante notar, ainda, conforme Cullen, a surpresa que a antiga prefeitura
causa no transeunte, já que, por estar recuada em relação ao alinhamento da rua,
só se permite ser vista à curta distancia.
O terceiro percurso corresponde à articulação, em topografia acidentada, de
Imbetida com a praia do Campista. Neste percurso, observa-se a grande influência
da nova demanda por moradias permanentes e temporárias que a Petrobrás gera.
São casas e hotéis de alto padrão construtivo, aliados a precárias condições de
calçamento desgastados pelo uso e pela falta de adequada manutenção, plasmando
no mesmo território a riqueza recente e a fragilidade do desenvolvimento de
Macaé.
Por último, o quarto percurso corresponde às Praia do Campista/Praia do
Cavaleiro, e pretende observar em campo a nova escala edilícia da orla da Cidade.
Se Imbetiba é uma área consolidada desde o século XIX, com grande significado
simbólico para os moradores pré-Petrobrás de Macaé (Vargas, 1997) essas duas
praias já funcionam como ruptura e frente de expansão da classe alta e média alta,
nos últimos anos.
5 – Expansão urbana, conectividade e descontinuidades
Analisando a cidade através da execução de loteamentos nos bairros do sub
distrito de Macaé, que concentram mais que 90% da população, é possível
identificar que ao longo da história da cidade, até a década de 70, a expansão da
cidade estava contida na região central, próximo a foz do Rio Macaé, com três
vetores definidos, ao Norte, além do rio Macaé, e ao Sul seguindo paralelo a linha
litorânea e à Rua Direita, e o terceiro em direção ao interior.
A instalação de três grandes ‘bases’ que caracterizam a ocupação da
Petrobras no território, desde o fim da década de 70, marcam significativas
mudanças nos eixos que estruturam as redes de ligação, assim como na ampliação,
localização e tipologia da oferta habitacional, todas associadas à crescente
expansão física da “matriz espacial produtiva” configurada pela Petrobrás em
Macaé.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 231
- A base de Imbetiba, localizada na região central próximo ao antigo
porto da cidade e a foz do rio Macaé, é a sede do grupo executivo.
- O Parque dos Tubos de Imboassica, localizada na região Sul, próximo
a lagoa de Imboassica, e ao atual município de rio das Ostras, às Margens da
RJ-106.
- A Estação Cabiúnas, localizada no bairro de Cabiúnas, ao Norte do
território de Macaé, às margens da RJ-106, entreposto terrestre de
recebimento e distribuição da produção petrolífera offshore.
A consolidação do vetor Norte se dá na última década e é reforçada pelos
percursos transversais paralelos determinados pela matriz espacial da produção do
petróleo. Estes passam a ser perpendiculares à linha litorânea, caracterizando
uma mudança de 90º no eixo ordenador anterior da cidade.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 232
A análise dos vetores de expansão
da cidade aponta a direção de
crescimento linear dos eixos que
estruturam as redes de ligação. A
RJ-106, construída na década de 40,
paralela e em muitos pontos
tangente à estrada de ferro do fim
do século XIX, liga a então capital do
estado do Rio de Janeiro, Niterói, à
cidade de Campos dos Goytacazes
que cruza Macaé de Norte a Sul pelo
litoral servindo de suporte à
expansão dos vetores litorâneos.
A ligação do centro da cidade
à BR-101, construída entre as
décadas de 50 e 60, também se
constituiu como vetor de expansão
mas desta vez transversal. Por sua
vez as vias expressas municipais
planejadas e parcialmente
construídas, além de ter a função de
serem uma alternativa a interligação
das extremidades da cidade,
consolidam este vetor expansão para
o Norte, reforçada pelo Poder
Público com dito no tópico anterior,
pela construção de edificações
públicas singulares. A expansão
alcança o limite territorial do
município junto ao litoral e `a
Sudoeste, o vizinho Rio das Ostras,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 233
sinaliza um possível processo de conurbação com esse município.
Uma importante rede de fluxos construídos na cidade de Macaé pela
Petrobras dá suporte terrestre à rede offshore, igualmente transversal à linha da
costa. Esta complexa rede é composta por vias aéreas, marítimas, subaquáticas e
subterrâneas que têm entre suas funções abastecer as plataformas e navios com
suprimentos, equipamentos e mão de obra, além de transportar e distribuir a
produção de petróleo e gás.
6. Resultados Preliminares
A perspectiva aqui adotada, de investigar o processo, em andamento, de
produção da cidade a partir da morfologia urbana de Macaé permitiu distinguir
propósitos específicos na (re)configuração urbana de Macaé associados a diferentes
Agentes/Atores. As intervenções urbanas praticadas por iniciativa desses que são,
na prática, ‘co-produtores’ da cidade, apresentam algumas características em
comum - são monofuncionais, pontuais e setoriais. São portanto, ao mesmo tempo,
indiferentes à diversidade do contexto onde se inserem, às pré-existências, às
condicionantes de conectividade e desempenho que a qualidade urbana e
ambiental da cidade exige. Alheias às demandas locais externas à sua matriz
produtiva, as repercussões morfológicas, espaciais e funcionais das transformações
urbanas assim praticadas foram indutoras de um conjunto de diferentes tipologias
de rupturas.
Foram consideradas manifestações desse conjunto a expansão crescente da
superfície ocupada, a mudança no eixo ordenador da cidade – de paralelo à
ortogonal à antiga Rua Direita, as mudanças nos padrões funcionais e espaciais de
uso e ocupação do solo, as mudanças nos padrões de produção e de consumo de
segmentos urbanos monofuncionais, as mudanças nos padrões de formação de
novas centralidades e as mudanças nos padrões espaciais das relações
multifuncionais entre esses espaços. Foram também consideradas manifestações do
referido conjunto de tipologias de rupturas a fragmentação da rede de ligações
viárias decorrente do congestionamento e da sobrecarga crescentes - produzidos
pelos Agentes e razões já expostas - e a ampliação dos efeitos desse desgaste sobre
o tecido urbano consolidado associados à visão setorial e pontual mencionada.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 234
O acervo cartográfico constituído para a pesquisa possibilitou a construção
dos mapas apresentados que apontam as relações entre as tipologias identificadas
(com base em Caniggia) e os elos físicos (com base em Lynch, Panerai). A referida
seqüência de mapas desenvolvida serviu como base para as análises morfológicas e
para a identificação dos vetores de expansão urbana.
Sobre essa expansão, pode-se observar o tímido crescimento entre as
décadas de 1950 e 1960, com um tecido urbano muito próximo ao previsto no
parcelamento de 1848. Na década de 1970, porém, após a implantação da
Petrobrás -1977- observa-se um intenso crescimento, não apenas em população e
economia, mas na própria área urbana da cidade de Macaé. Pode-se observar que
esse crescimento utilizou a orla e a rodovia como importantes suportes,
determinando os vetores principais da cidade. Observa-se, ainda, que o
crescimento se deu por segmentos urbanos monofuncionais, produzidos para o
atendimento de propósitos específicos dos quais a articulação com a cidade e a
preservação da sua diversidade morfológica, social e ambiental não fazem parte.
Os grandes vazios urbanos refletem o enfoque espacialmente pontual e
economicamente setorial adotado. Comparando os loteamentos produzidos em
meados da década de 1970 até 1989, com os mapas de exclusão social e
desenvolvimento urbano de COSTA (2007), que espacializam índices sócio-
econômicos na cidade, pode-se perceber a crescente territorialização da
desigualdade em Macaé. Bairros como Lagomar ou Botafogo, com índices de
saneamento e educação baixos apontam, mais uma vez, para um modelo de
crescimento econômico segregado e excludente que a morfologia urbana em
processo de configuração reflete em Macaé como em tantas outras cidades
brasileiras.
O crescimento da extração do petróleo no estado do Rio de janeiro (NATAL,
2004), para a qual Macaé contribui com 80%, foi de 222,99% entre os anos de 1995
e 2001. Verifica-se um aumento do PIB de Macaé de R$670.124,30 para
R$2.854.380,00, entre 1996 e 2002 (CIDE, 2004) e, ao mesmo tempo, um acréscimo
do número de domicílios informais de 2833 para 7053, entre 1991 e 2000 (BARUQUI,
2004). Esses domicílios se localizam majoritariamente nos bairros: ilhas Malvinas,
Nova Holanda, Lagomar, Lixão, Fronteira, Botafogo e Ajuda. Praticamente todos
esses assentamentos se localizam em áreas com significativo valor ambiental onde
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o status de “preservação” predomina sobre qualquer forma de regulação. No
extremo oposto desse continuum de segregação social, a população mais rica têm
se localizado, principalmente, nas áreas de Campista e Cavaleiros que substituíram
a Praia de Imbetiba enquanto pólos de atração para o lazer e fruição. A avaliação
positiva dos índices e indicadores sociais constatada parece estar, no contexto
analisado, a mascarar a realidade de Macaé ‘pela média’, ou seja, a melhora se dá
em razão do grande acréscimo populacional com perfil específico melhor
qualificado em vários aspectos, que a crescente geração de empregos pela
Petrobrás promoveu.
A produção da cidade reflete os critérios do seu planejamento. No período
de 2001-2004, os investimentos dos Royalties de Petróleo aplicados na configuração
de novos tecidos urbanos revelam a perspectiva da criação de “grandes projetos”
sem uma preocupação em reduzir a disparidade sócio-econômica da cidade (Dias,
2006, p.122). Ao mesmo tempo, a exploração petrolífera certamente gerou
recursos e fluxos que projetou Macaé para uma posição muito superior à que tinha
anteriormente, na hierarquia de cidades do estado do Rio de Janeiro.
Diagrama representado a mudança da posição de Macaé na rede de cidades do Norte Fluminense. Fonte: RIBEIRO, 2009
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7. Considerações finais sobre a produção de segmentos mono-funcionais
como critério aparente para a gênese de novos territórios: fragmentação ou
outro paradigma de urbanização?
A finitude das reservas petrolíferas, e a obsolescência prevista das
edificações e demais estruturas que caracterizam a sua exploração, é tema e
preocupação recorrente das cidades e governos cuja pujança financeira tem
relação direta com a exploração deste recurso. O mesmo acontece em Macaé, onde
grande parte das receitas financeiras decorrem do recebimento das participações
governamentais (Royalties e participações especiais) advindas da exploração
Petrolífera. Possibilidade de ausência do recurso mineral é uma das principais
justificativas para a defesa do repasse dos recursos. Além do repasse dos recursos
financeiros, que por força de disputas federativas pode ser alterado mesmo antes
do início do esgotamento das reservas petrolíferas, ficam as perguntas sobre quais
serão as prováveis consequências do declínio produtivo e o que pode ser feito para
diminuir os impactos e evitar cenários desfavoráveis.
A escala de intervenções praticadas na exploração da bacia petrolífera
mostraram ter repercussões espaciais, funcionais e morfológicas sobre a cidade de
Macaé com significativos desdobramentos sobre Rio das Ostras que a continuação
da pesquisa está a comprovar. A abrangência territorial das redes de relações
funcionais e espaciais que caracterizam essas novas intervenções e seus co-
produtores não tem rebatimento na atual estrutura de gestão pública. Novas
institucionalidades precisam ser pensadas para a sua avaliação, monitoramento e
fiscalização. Novas estratégias de gestão precisam ser pensadas para que se
mantenham as condições de planejar o território para o bem comum. Novas
abordagens projetuais precisam ser pensadas para que essas intervenções
urbanísticas de grande escala preservem e aperfeiçoem os resultados apropriáveis
ao bem comum ou, no mínimo, não mais ameacem a coesão territorial que ainda
subsiste.
A promoção da equidade social e ambiental depende da consolidação dos
vários tecidos urbanos que hoje se apresentam fragmentados, não apenas pela
obsolescência e abandono, mas sobretudo pelas gêneses segmentadas decorrentes
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 237
de intervenções setoriais e pontuais de diversos agentes produtores do território.
Dentre os vários desafios que se apresentam ao gestor público, diante dessa
realidade, dois se destacam. O primeiro é catalisar essas iniciativas
empreendedoras para áreas selecionadas mediante estratégias territoriais que
espelhem visões de futuro e consensos construídos em comum e para o bem
comum. O segundo desafio é identificar formas de regulação e gestão dessa
tendência, à luz das novas relações do Poder Público com aqueles agentes que
preservem os compromissos deste com os propósitos coletivos que o justificam. A
parceria com redes acadêmicas de pesquisa e extensão pode contribuir para a
consecução deste propósito.
O foco no processo dinâmico da formação de novos segmentos urbanos e no
papel da conectividade com eixos pré-existentes na configuração das novas redes
de ligação entre pontos de atração no território realça as inter-relações entre os
temas de centralidades, da produção dos novos segmentos urbanos (ou urbanização
para segmentos de mercado específicos), os espaços públicos de convivência, a
acessibilidade e o transporte público. Distintos modelos, espaciais dentre os quais a
centralidade linear e o policentrismo aparecem em apoio a intervenções em
diferentes pontos no território como pólos provedores de serviços e geradores de
novas dinâmicas urbanas capazes de promover a qualificação urbano-ambiental de
novos trechos ou fragmentos de território. Esses mesmos modelos permitem
vislumbrar distintas perspectivas de intervenção voltadas para a valorização do
território qualificado. A promoção da diversidade dos usos do solo pode,
potencialmente, contribuir para reduzir percursos e diminuir custos de conexão e
de qualificação do solo urbano. Da mesma forma, a densificação controlada
colabora para a otimização de custos de produção do conjunto de redes de infra-
estrutura de transporte, comunicação e provisão de serviços de saneamento.
A potencialização de lugares de referência focalizando as relações
funcionais, espaciais e simbólicas que estabelecem entre si e com a cidade, os
padrões espaciais que as caracterizam, aparecem como possível alternativa para o
fortalecimento da identidade e apoio ao processo de sedimentação dinâmica das
novas intervenções segmentadas com as pré-existências - patrimônios construídos e
naturais. O tema da conectividade é condição para a materialização deste
objetivo.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 238
O desenvolvimento desta pesquisa aponta para novos temas que abrangerão
uma reflexão sobre as “novas práticas” de produção do território, que se destacam
pelas escalas física e logística de âmbitos metropolitano, regional e além, e sobre
as necessárias estratégias de gestão compatíveis com aquelas escalas.
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 240
REFLEXOS DA EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NO TERRITÓRIO FLUMINENSE: IMPACTOS, NORMATIVAS E INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS.
Maria de Lourdes Pinto Machado Costa(a), Aline Couto da Costa(b),
Diana Bogado Correa da Silva(c). a - Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal Fluminense UFF ([email protected]) b - Professora dos Cursos de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Engenharia de Produção Institutos Superiores de Ensino do CENSA - ISECENSA ([email protected]) c - Acadêmica da EAU - Programa PIBIC / Universidade Federal Fluminense ([email protected]) Resumo
Esta contribuição tem seus fundamentos nos resultados obtidos no desenvolvimento
de pesquisas, nas quais se investigou os municípios do Estado do Rio de Janeiro que
convivem com o processo de urbanização, proveniente de uma das atividades
econômicas mais dinâmicas do País e do Estado: o setor de petróleo e gás. Identifica
impactos positivos e negativos ocorridos sobre este universo e inúmeras
transformações que vêm se processando nos espaços urbanos e rurais locais,
geralmente com reflexos nas respectivas escalas microrregionais segundo diversas
naturezas, contemplando questões afetas às administrações locais, aplicação
evolutiva de normativas atinentes àquelas atividades, com ênfase nos municípios
litorâneos, no pós-1990. Constata o quadro geral de modificações relativas às ações
municipais com os royalties, e procura extrair das observações efetuadas sobre os
municípios, os rebatimentos sócio-espaciais, com implicações econômicas, culturais,
ambientais e institucionais, mediadas pela gestão pública, políticas urbanas e
intervenções urbanísticas materializadas no período.
Palavras-chave: Urbanização, Intervenções Urbanísticas, Royalties do Petróleo,
Municípios Fluminenses, Estado do Rio de Janeiro
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 241
Introdução
O território Fluminense, as administrações municipais e o advento do
Petróleo
O território no Estado do Rio de Janeiro tem formação antiga de sua malha de
comunicações terrestres, algumas desde a época de colonização das terras
brasileiras, a partir do início do século XVI, com as ordens política e econômica
precedendo a social, no curso de seu desenvolvimento.
As administrações municipais ganharam atribuições ao longo do tempo. Mas só em
1946, a Constituição estabeleceu princípios mais próximos da atual organização
municipal. Porém, a sobrevivência da maior parte dos municípios ficou, até
recentemente, na dependência dos fundos especiais federais. Na Constituição de
1988, cresceu a competência municipal, inclusive tributária, ocasião em que se
estabeleceu, entre outros, critérios para a emancipação de municípios.
As atribuições municipais foram ampliadas, somando-se ao que possuía, em termos
do uso e ocupação do solo. Mas o trazer maior responsabilidade sobre a gestão de
seu território, conviveu com o peso dos encargos nem sempre acompanhados de
respaldo financeiro imediato em seus respectivos orçamentos. Assim, os municípios
estiveram cativos de suas receitas próprias e transferidas.
Com a descentralização administrativa, tornou-se necessário o aumento de recursos
a serem disponibilizados aos municípios: Fundo de Participação dos Municípios (FPM),
repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e Imposto
Predial Territorial Urbano (IPTU). No caso do Estado do Rio de Janeiro ainda há o
repasse dos royalties do petróleo, já que possui em seu território uma importante
província petrolífera do Brasil.
Com o advento da exploração e produção offshore do petróleo nos municípios
litorâneos, a maioria lindeira à Bacia de Campos, a aplicação dos recursos
provenientes da arrecadação geralmente vinha alocada no distrito-sede, passando,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 242
posteriormente, a ser também destinada às sedes distritais dos municípios
emancipados1.
A atividade petrolífera configurou um novo ciclo econômico, que acelerou o
crescimento das cidades, principalmente quanto ao processo de urbanização. O
repasse regular dos recursos financeiros provenientes dessa atividade possibilitou
muitos investimentos aos municípios beneficiários, tornando-se um instrumento
expressivo no planejamento e na gestão urbana.
Entre muitos eventos que se tornaram correntes em relação à urbanização provocada
pela nova atividade - seja pós emancipações municipais, seja pela emergência de
inúmeros interesses neste cenário, seja pela chegada de diferentes atores sociais –
está o fato de certos municípios se ressentirem com a nem sempre gradativa
mudança no perfil de sua população, por causa da assimilação precoce de diversas
identidades exógenas, em comparação àquela dos moradores até então presentes.
O dinamismo da integração aos eixos de expansão da urbanização e crescimento
demográfico2 - à remodelação dos espaços urbanos com equipamentos que traduzem
a anunciada lógica de bem-estar e modernidade, à especulação imobiliária, à
estruturação do mercado de trabalho e à vinda de pessoas de fora do município para
nele trabalhar - geram desafios crescentes quanto à recomposição das identidades
locais.
O ritmo vertiginoso do crescimento tem, em grande parte, desencadeado
descaracterizações de diferentes naturezas, sobretudo físicas e ambientais, em
1. Entre 1986 e 1990, foram instalados: Arraial do Cabo, Italva, São José do Vale do Rio Preto, Paty do Alferes, Itatiaia e Quissamã. Em 1993, mais onze municípios: Cardoso Moreira, Belford Roxo, Guapimirim, Queimados, Quatis, Varre-Sai, Japeri, Comendador Levy Gasparian, Rio das Ostras, Aperibé e Areal. Outros dez se instalaram em 1997: São Francisco de Itabapoana, Iguaba Grande, Pinheiral, Carapebus, Seropédica, Porto Real, São José de Ubá, Tanguá, Macuco e Armação dos Búzios. O mais novo município fluminense é Mesquita, (2001). Hoje são 92 municípios no total, no Estado do Rio de Janeiro. 2. Cf. COSTA, M. L. P. M. Reestruturação do Território no Processo de Urbanização - Dispersão Urbana no Estado do Rio de Janeiro. Mesa de Interlocução de Pesquisa O Processo de Urbanização e as Formas de Tecido Urbano mais Recentes Manifestadas sobre os Territórios. XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vitória: UFES, 2010. Os resultados do estudo apontaram para: consolidação de eixos e formação mais recente de corredores de urbanização no Estado do Rio de Janeiro (um deles provocado pelas atividades do petróleo), criação de centralidades em função de novos pólos econômicos e de nova territorialidade, devido à presença de grandes projetos regionais.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 243
decorrência da chegada dos grandes contingentes populacionais e da ação desses
atores externos à municipalidade. O quadro é em geral agravado pela deficiência
generalizada de prestação dos serviços públicos e da disponibilização de
equipamentos comunitários.
Metodologia
Em termos gerais, a pesquisa contou com expressivos levantamentos de fontes
primárias e secundárias, leitura de bibliografia selecionada, com a análise e a
interpretação de dados e informações disponibilizadas pelos órgãos públicos e
instituições privadas, com montagem de um panorama relativo à influência dos
royalties do petróleo no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro e de seus Municípios.
Apoiou-se em visitas de campo locais e na realização de entrevistas junto a técnicos
e representantes de instituições e entidades de interesse da investigação, que
acompanharam a elaboração de diretrizes e propostas de intervenções, bem como de
moradores locais, no contexto da exploração petrolífera no território fluminense.
Buscou-se compreender como a atividade petrolífera se instalou no universo
estadual, com sua formação de muitas singularidades, a alocação de políticas que
influenciaram as dinâmicas das Regiões de Governo Fluminenses, destacando-lhes os
marcos e inflexões nos municípios conviventes com a exploração, desenvolvimento e
produção do petróleo na ocupação costeira do Estado.
O petróleo como motor da transformação
O petróleo sempre mobilizou a sociedade brasileira. Tema importante para a
soberania nacional e recorrente ao se discutir o desenvolvimento do País, a atividade
petrolífera traz um alerta desde a primeira metade do século XX, com a discussão do
“Petróleo é nosso”3.
A descoberta de petróleo na Bacia de Campos (Figs. 01 e 02), sua exploração em
escala comercial e a implantação de uma base operacional da Petrobras em Macaé,
para o acompanhamento da exploração e produção, fizeram com que a partir da
3 Uma breve recuperação de momentos desse percurso faz recordar alguns fatos, entre eles: pressão para que o monopólio exercido pela Petrobrás nas atividades básicas do petróleo e gás fosse extinto, através da Constituinte de 1987/88, confrontação de forças por ocasião da Revisão Constitucional, em que se manteve o quadro e a disseminação de idéias neoliberais favorecendo a privatização da empresa, com a suspensão do referido monopólio constitucional, por força da Lei 9478/1997.
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década de 1980 o estado visse refletido o crescimento dos então núcleos urbanos que
lhes deram abrigo, assim como o aumento de sua arrecadação, além do aparecimento
de novos agentes, de comércio e serviços, e de subsidiárias da indústria do petróleo.
Esta indústria é reconhecida pela Agência Nacional de Petróleo (2000) como o
conjunto de atividades econômicas relacionadas com a exploração, desenvolvimento,
produção, refino, processamento, transporte, importação e exportação de petróleo,
gás natural outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados.
Figura 01: Mapa Descobertas dos campos de petróleo. Fonte: PETROBRAS, 2008.
Figura 02: Mapa: Litoral do Estado do Rio de Janeiro, delimitado pela projeção dos limites municipais (ortogonais e paralelos) e a posição dos poços produtores de petróleo e gás natural que compõem a Bacia de Campos. Fonte: PIQUET (2003)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 245
Deve-se ressaltar que nos últimos anos, a indústria do petróleo que se configurou a
partir das atividades de pesquisa, exploração e produção transformaram
profundamente a economia, a sociedade e o território dos municípios produtores
brasileiros. No entanto, mais do que a própria formação da indústria petrolífera,
foram os royalties que contribuíram fundamentalmente para tais mudanças.
A princípio, julga-se que os royalties, por ser uma espécie de pagamento associado à
venda de um bem do patrimônio público, devem ser direcionados somente ao
governo federal, já que no Brasil os recursos naturais do subsolo pertencem à União.
No entanto, algumas justificativas fundamentam a aplicação destas compensações
financeiras recolhidas pela União, nas regiões produtoras. Uma delas é que o
processo de implantação da atividade petrolífera gera uma elevada demanda por
serviços públicos e infra-estrutura em geral. Há também a necessidade de se
indenizar ou de se compensar os impactos causados por essas atividades. Ademais, é
preciso analisar a questão que envolve a qualidade finita do adensamento urbano
causado pela atividade petrolífera, caracterizado pelo cenário previsível de
movimentos de saída de capitais e de pessoas nos territórios que atendem à
atividade de exploração de recursos não renováveis (LEAL, SERRA, 2003).
Embora bastante questionadas quanto ao aspecto quantitativo, duas questões
básicas devem ser consideradas em relação aos critérios de distribuição dos recursos
provenientes dos royalties. A primeira é que eles são compensatórios em função da
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 246
venda de um bem do patrimônio público da União e, por isso, sua administração
deve considerar a justiça intergeracional. A segunda refere-se aos contextos
regionais e locais, já que estes devem buscar a diversificação produtiva como
alternativa à finitude prevista destes recursos.
Além da compreensão da divisão dos royalties em esferas governamentais distintas,
a apresentação da matriz legal, que fundamenta essa distribuição, possibilita o
entendimento de como ocorreram as mudanças no regimento tributário do setor
petrolífero. Anteriormente, a carga fiscal recaía sobre o consumo de derivados,
sendo a produção praticamente desonerada de impostos. Com as novas
regulamentações, a partir da década de 1950, um novo regime passou a tributar
fortemente a produção, aumentando os valores dos royalties e, no final dos anos
1990, estabelecendo a participação especial.
Consequentemente, diversas normativas que regulam a cobrança e a distribuição
dessa compensação financeira foram criadas e/ou alteradas a fim de dar respaldo
aos impactos da economia petrolífera, produzindo transformações significativas na
organização e produção do espaço.
Evolução das normativas de distribuição dos royalties em face das transformações e respectivas demandas
A Lei 2.004 de 03 de outubro de 1953 foi a primeira a introduzir o pagamento de
royalties sobre a produção de petróleo e gás natural no Brasil, estabelecendo o valor
da compensação em 5% do valor de referência do barril, em relação à produção
terrestre (onshore), ou seja, em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres.
Com isso, beneficiou estados e municípios, dividindo essa alíquota respectivamente
em 4% e 1%.
A incidência de royalties sobre a produção marítima (offshore) ocorreu com o
Decreto-lei 523, de 08 de abril de 1969, mas estados e municípios só foram
beneficiados a partir da Lei 7.453, de 27 de dezembro de 1985, com alíquota de 1,5%
cada. Essa lei teve um caráter inovador na medida em que estabeleceu que os
municípios deveriam aplicar os recursos previstos, preferencialmente, em energia,
pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção
ao meio-ambiente e saneamento básico. Em 1986, a Lei 7525 alterou o termo
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 247
preferencialmente por exclusivamente, evidenciando a preocupação com a infra-
estrutura das cidades que já sofriam os impactos da indústria petrolífera.
Nesse momento, constatou-se uma transformação do perfil produtivo dos municípios
da Bacia de Campos. As atividades econômicas tradicionais em crise, como a
indústria salineira e a produção de cana-de-açúcar, associada à pecuária bovina,
deram lugar à indústria do petróleo. O processo foi bastante percebido nos
municípios litorâneos, que receberam atividades industriais e terciárias, provocando
um dinamismo demográfico e, consequentemente, significativas transformações na
produção do espaço.
Um dos exemplos foram as novas estruturas espaciais decorrentes das dinâmicas no
processo de (re)distribuição da população no território das cidades. A mão-de-obra
pouco qualificada tendeu a residir nos pólos produtivos, geralmente em áreas
periféricas, mas os mais qualificados estabeleceram estratégias residenciais
diferenciadas, ocupando bairros novos e exclusivos nas mesmas cidades ou
instalaram-se em municípios vizinhos menores por oferecerem melhor qualidade de
vida (MONIÉ, 2003). Aliada à indústria do petróleo, a consolidação do turismo como
estratégia de diversificação da economia aumentou os impactos na região.
Dessa forma, a ocupação do solo em vários municípios litorâneos da Bacia de Campos
refletiu a mudança na economia do lugar e se deu sob duas formas: a legal, através
de parcelamentos destinados a residências de veraneio e de um novo contingente de
mão-de-obra qualificada; e a ilegal, com as áreas de ocupação que se desenvolveram
de maneira espontânea, dando origem a um traçado bastante irregular.
Posterior à promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei 7.990 de 28
de dezembro de 1989 alterou a distribuição dos royalties em terra e na plataforma
continental. Manteve o valor da alíquota em 5%, que para a produção onshore, ficou
dividida em: 70% (que corresponde a 3,5%) aos estados produtores, 20% (ou 1%) aos
municípios produtores, e 0,5% (ou 1%) aos municípios onde se localizarem instalações
marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de petróleo e gás natural. No
caso da produção offshore, coube 1,5% aos estados confrontantes com os poços
produtores, 1,5% aos municípios confrontantes com os poços produtores e suas
respectivas áreas geoeconômicas, 0,5% aos municípios com instalações de embarque
e desembarque de petróleo e gás natural, 1% ao comando da Marinha, e 0,5% para
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 248
constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre os Estados e Municípios da
Federação4.
Isso beneficiou ainda mais os municípios, pois o Fundo Especial passou a ser dividido
na proporção de 80% para os municípios e 20% para os estados. Além disso,
acrescentou 10% aos municípios onde se localizassem instalações de embarque e
desembarque de petróleo ou de gás natural; sendo que para acomodar esta
alteração, o percentual dos estados foi reduzido de 80% para 70%, para a lavra
ocorrida em terra; e o percentual do fundo especial foi reduzido de 20% para 10%
para a lavra ocorrida na plataforma continental.
Entretanto, a mesma normativa suprimiu a exigência setorial de destinação desse
recurso, apenas vedando a aplicação dos mesmos em pagamentos de dívidas e quadro
de pessoal, caracterizando um retrocesso, que foi retificado com o Decreto 01, de
11/01/1991, mas novamente alterado com a Lei do Petróleo (1997).
A Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997, ou Lei do Petróleo, trouxe mudanças
significativas quanto à política energética nacional, instituindo o Conselho Nacional
de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que ficou responsável
pelo controle e distribuição dos royalties. Quanto ao valor de compensação,
possibilitou o aumento da alíquota de 5% até 10% em função da rentabilidade dos
campos petrolíferos, definindo critérios de distribuição desse excedente, que
também beneficiaram estados e municípios. Ademais estabeleceu, nos casos de
grande volume de produção ou de grande rentabilidade, o pagamento da participação
especial.
O Estado do Rio de Janeiro contou com arrecadação extra, a partir de meados dos
anos 1990, com a exploração do Petróleo na Bacia de Campos, responsável por cerca
de 80% relativa à produção de petróleo e 49% concernente ao gás natural, sobretudo
pela arrecadação advinda dos campos de Albacora, Marlim e Roncadoro (ANP, 2000),
4 Considerando a disposição geográfica dos poços de extração do petróleo, foram determinadas três zonas: ZPP (Zona de Produção Principal), ZPS (Zona de Produção Secundária) e ZL (Zona Limítrofe). Os municípios da ZPP são os confrontantes com poços produtores e aqueles que possuem três das seguintes instalações industriais: processamento, tratamento, escoamento e armazenamento de petróleo e/ou gás natural, de acordo com a Lei No. 7.525/1996(z), a partir de delimitação feita pelo IBGE, através do decreto No. 93.189, de 29 de agosto de 1986. A ZPS atinge aqueles atravessados por dutos de escoamento da produção do poço produtor e a ZL atinge aqueles que indiretamente são afetados pelas atividades petrolíferas, e são vizinhos aos da ZPP. (BARRETO, 2008).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 249
que ao mesmo tempo geraram pagamento das participações especiais aos municípios
vizinhos. Também o Estado do Rio de Janeiro repassou a todos seus municípios uma
parcela retirada dos 6,56% que recebeu pelos royalties, independente do rateio da
ANP (BARRETO, 2008).
A produção do petróleo na Bacia tem trazido um aumento gradativo nos orçamentos
municipais em geral, com percentagem crescente nas receitas dos municípios,
influenciando seus diferentes setores. As receitas próprias, referentes ao Imposto
Predial e Territorial Urbano - IPTU e ao Imposto sobre Serviços - ISS, vêm se tornando
relativamente menores perante a presença dessa nova arrecadação, na maioria das
vezes sendo ultrapassadas por ela.
A partir da Lei 9.478/97, mais do que qualquer outra atividade econômica e mais do
que qualquer outro instrumento - como a arrecadação de impostos, por exemplo -
foram os royalties que se tornaram a principal fonte de renda para os municípios
beneficiários. Com a preocupação com a questão da finitude destes recursos, as
administrações municipais optaram pelo incentivo ao turismo, como estratégia de
dinamização da economia. Sendo assim, foram realizadas obras de infra-estrutura
com o objetivo de agregar valores à cidade e atrair pessoas e empreendimentos.
Em função disso, foi iniciada uma fase de planejamento para a execução de projetos
de urbanização, paisagismo, infra-estrutura e embelezamento da cidade, sendo estes
instrumentos mais voltados para o impulso ao turismo e à prestação de serviços -
hotelaria e gastronomia, comércio, construção civil, dentre outros -, consolidando-os
enquanto principais atividades econômicas dos municípios litorâneos da Bacia de
Campos.
No entanto, os royalties nem sempre são distribuídos a ponto de beneficiar nas
mesmas proporções os diversos setores, ou aqueles reconhecidamente prioritários.
De uma forma geral, na rubrica Habitação e Urbanismo vem sendo injetado
considerável montante, embora isto não signifique, por exemplo, construções de
unidades residenciais para segmentos de baixa renda, no sentido de minimizar o
déficit habitacional fluminense ou local, pois os recursos muitas vezes são aplicados
em obras de maior visibilidade, conforme determinação de muitas administrações
governamentais locais, mediante a criação de áreas de lazer nas orlas, de
urbanização de praças centrais e pavimentação de ruas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 250
Os processos de intervenção urbanística no território
O processo de decantação do entendimento sobre as intervenções no território
fluminense passa por diferentes escalas e recortes espaciais, sendo necessário
revelar-se, inicialmente, a concepção de território.
Para HAESBAERT (2006), o conceito de território guarda sempre um significado
relacional. E pode se inscrever para as ciências sociais e políticas segundo diversas
perspectivas, tanto sob visão mais totalizante quanto parcial, para o vínculo
sociedade-natureza (e sociedade-espaço), no sentido de abrigar um complexo
conjunto de relações sociais e espaciais, econômicas, políticas e culturais
historicamente circunscritas a determinados períodos ou existência de grupos sociais.
O mesmo autor (2004) ao expor a concepção de território-rede, considera que a
ligação entre territórios se exime de ser contínua, uma vez que ela pode se expressar
pela intermediação de aeroportos, estradas, portos, e até de dutos, entre outros,
sem descartar a comunicação imediata e virtual pela internet, combinando fluxos
materiais e imateriais.
Engendrou-se um modelo, no Brasil, a partir dos anos 1990, referente à forma de
intervenção físico-territorial nas cidades, sobretudo com a descoberta da
importância assumida pelos espaços públicos, visando abrigar projetos urbanos,
protagonizados, muitas vezes, pela parceria público-privada.
A produção do espaço nas cidades tem acompanhado o movimento do capital,
segundo renovados estágios econômicos. Desde a Revolução Industrial, as cidades
surgem com seus problemas urbanos, de localização de residências em função da
relação com os locais de produção, com a industrialização sendo responsável pela
forma de materialização do meio construído, sujeitos intermitentemente a
normativas de ordenação desses espaços.
Nos tempos atuais, produção e consumo de bens buscam resgatar símbolos, forjam
cenarizações, sugerem valores subliminares das memórias coletivas locais,
respaldados pelo marketing e pela tecnologia, instigando a adoção rápida de novos
valores, com conseqüências na gestão institucional, na forma de utilização do espaço
e tempo, no contexto das novas dinâmicas urbanas, açodadas pela nova ordem
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 251
ditada pela mundialização da economia.
Vale lembrar o conceito de intervenção dado por PORTAS (1986), quando se aplica à
cidade existente. Ela é entendida como o conjunto de programas e projetos públicos
ou de iniciativas autônomas que incidem sobre tecidos urbanizados dos aglomerados
antigos ou relativamente recentes, tendo em vista sua reestruturação, revitalização
funcional, recuperação ou reabilitação setorial e cultural.
As características dos projetos e intervenções urbanas marcam diferentes gerações,
passando pela grife de autores notáveis. E dos anos 1980 em diante, estes aparecem
apadrinhados pelo planejamento estratégico, sob forma de intervenções pontuais,
com participação de diferentes atores da sociedade para a discussão, mas de
maneira bem mais restrita do que aquela normalmente formulada pelo planejamento
e desenvolvimento urbano, com participação mais abrangente e democrática dos
extratos sociais.
A associação com o caráter da visibilidade das intervenções passa a ser um dos
principais alvos dos autores de projetos e da administração que os contratou, sendo
ela em qualquer instância.
De modo geral, os administradores dos municípios do Estado do Rio de Janeiro que
sofrem influências da economia do petróleo têm optado por projetos políticos de
cidade, orientados para a promoção do crescimento econômico e para a atração de
investimentos através do turismo, como meio de diversificar a economia e minimizar
os impactos causados pela possível finitude dos royalties na região (COSTA, 2008).
Conseqüentemente, é possível identificar o processo de turistificação do lugar, ou
seja, o tratamento e a acomodação do território para a finalidade turística,
demonstrado através da implantação de projetos urbanos, muitas vezes sob o
paradigma da modernização e do embelezamento. Dessa forma, evidencia-se que
estes projetos constituem a nova maneira de intervir no espaço da cidade.
Ações como recuperação de frentes marítimas, revitalização de beira-rio e orla
marítima, renovação de áreas centrais, reurbanização de áreas degradadas,
construção de praças e edifícios emblemáticos, dentre outros, tornam-se uma
constante na produção do espaço urbano.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 252
Com o intuito de atrair ainda mais investimentos produtivos, diversificar a
economia dos municípios, estimular o turismo de negócios e gerar empregos,
há também a formação de distritos industriais, com a consolidação de pólos
empresariais voltados para a prestação de serviços.
Intervenções urbanísticas desse tipo objetivam a preparação da cidade para
vocações futuras, para além da indústria petrolífera, e articulam uma estratégia
forte ao redor de apostas urbanas e sócio-econômicas de grande vulto e longa
duração em relação ao desenvolvimento da cidade.
Na presente fase, experimenta-se a dos grandes projetos de âmbito regional, que no
caso fluminense vem provocando a interiorização da economia, sobretudo apoiada
em antigos e novos pólos, a exemplo de Campos de Goytacazes e Macaé (antes
apenas secundário), respectivamente, que hoje carreiam parte significativa de
recursos investidos no Estado. Entre outros grandes projetos estão: a implantação de
portos, a construção do Arco Metropolitano e, sobretudo, a instalação do Complexo
Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro - COMPERJ, todos com forte poder
(re)estruturador do espaço, uma vez que interferem tanto no universo interurbano
(incluindo áreas rurais), quanto no universo intra-urbano e, na medida em que
constituem novas “ilhas de produtividade”, provocam transformações na rede
urbana até então existente e nas hierarquias urbano-regionais.
Cabe lembrar que os impactos sócio-espaciais sofridos pelos municípios,
principalmente litorâneos, da Bacia de Campos demonstram que a transformação
radical e rápida da estrutura produtiva de uma região provoca efeitos complexos e
muitas vezes irreversíveis e excludentes sobre a organização e produção do espaço,
o que deve ser considerado quando da proposta, implementação e gestão desses
novos projetos.
Considerações Finais
Os municípios brasileiros têm a tradição de lutar por maiores recursos em seus
orçamentos. A nova oportunidade surgiu para os que abrigavam a exploração/refino
do petróleo no território nacional (onze estados da federação). Entre eles, destacam-
se os da faixa litorânea fluminense que, desde a exploração na Bacia de Campos
atinge 80% da receita total adquirida com essa atividade. Inúmeras transformações
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 253
vêm ocorrendo nos espaços urbanos e rurais dos municípios, muitas vezes com
reflexos nas respectivas escalas microrregionais.
Essas transformações na organização e produção dos espaços são impulsionadas pela
compensação financeira proveniente da exploração e indústria petrolífera, que são
regulamentadas por normativas que tentam dar respaldo aos impactos dessa
economia.
Entretanto, verifica-se que a legislação poderia ser mais eficiente em relação aos
critérios de aplicação dos royalties e participações especiais, a fim de possibilitar o
princípio da justiça intergeracional e o desenvolvimento pleno, que abrange não só
a dimensão econômica, como também a social, ambiental, cultural, espacial, dentre
outras, e que depende, em muito, da atuação política e administrativa dos poderes
públicos.
Pensar e gerir as cidades que contam com os royalties do petróleo revela novas
demandas de instituições governamentais, de ação privada e de associações
representativas da sociedade, em face das mutantes realidades e da própria
sociedade. A acumulação de políticas urbanas não atendidas e serviços não providos
já provocavam graves impactos. O olhar atento da parte de alguns setores e a
participação consciente de segmentos sociais ainda estão longe de provocar uma
eficácia na estruturação organizacional nas escalas local e regional, fortalecimento
da municipalidade ou a atuação articulada entre entidades.
Dentro desse panorama, faz-se necessário que o planejamento se dê nas várias
instâncias de poder, para garantir as bases para um desenvolvimento mais sensato,
nos níveis regional e local, dando condições para se regular a implantação de infra-
estrutura, ao extrapolar os limites administrativos, de serviços nas diferentes escalas
de atendimento, de qualificação de mão-de-obra, além da possibilidade de
(re)orientar linhas condizentes de pesquisa, entre outras diretrizes e ações, de
naturezas pública e privada. Não se deve esquecer que a par dos empregos e
atividades prometidas, promissoras do desenvolvimento, existem as demandas
anteriores, que configuram situações crônicas acumuladas, a serem revistas devido às
novas condições, para serem também atendidas, de antigos moradores das áreas dos
municípios atingidos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 254
Uma questão recorrente que se constata é a da discussão generalizada dos direitos
aos royalties (43% da arrecadação de royalties do País para os municípios fluminenses
e 18% para os municípios das demais unidades da federação), quando na realidade
não se observa as grandes transformações desses territórios, o uso de seus recursos e
as contaminações negativas provenientes dos grandes projetos e empreendimentos
nessas áreas.
Neste contexto situam-se os municípios envolvidos com a exploração e produção de
petróleo e gás, que começaram por reverter a curva do decréscimo econômico, antes
registrado no Estado do Rio de Janeiro. Urge, com isso, identificar, analisar e buscar
formas de gestão dos recursos disponibilizados, em especial para aqueles que vão
conviver com a implantação de futuros e grandes projetos, como o Complexo
Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ, com suas altas demandas de
recursos hídricos e habitação de suporte ao empreendimento, de dimensões locais,
metropolitanas, e regionais mais amplas.
Um dos maiores objetivos de avaliação reflete o aumento da responsabilidade pelos
resultados do administrador público perante a sociedade, que deve tomar mais
assento nesse acompanhamento, bem como para o crescimento da confiança pública
nos serviços prestados. O exercício exige um incessante processo de deliberação e
decisão. Se não existir um planejamento adequado, as tomadas de decisão começam
a ocorrer de forma desordenada, porque não podem ser prorrogadas, em função de
necessidades emergentes e cobranças da população.
Na realidade, a prefeitura opera com a qualidade permitida por sua estrutura,
mesmo que as questões envolvidas requeiram ampliação das escalas de
debates. A cultura organizacional tem influência decisiva sobre a qualidade da
gestão que, por sua vez, está relacionada com as práticas de trabalho
enraizadas na interação de indivíduos e grupos, na organização e divisão das
funções, na delegação de responsabilidades, na relevância dada aos núcleos
de planejamento e controle. Como não existe uma organização ideal, ela
nunca estará pronta e acabada, mas sim em constante transformação, e a
participação das pessoas que nela trabalham será fundamental no constante
processo de mudança.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 255
Bibliografia
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 256
IMPACTOS LOCAIS : A EXPERIÊNCIA DE MACAÉ. LIÇÕES PARA O PRÉ-SAL
Fernando Marcelo Manhães Tavares
Histórico
Cidade sede da exploração de petróleo e gás da Bacia de Campos, Macaé, uma pequena cidade de economia voltada basicamente para a agricultura (cana), pecuária bovina e pesca, passa a sofrer os primeiros impactos a partir de 1974, principalmente no que diz respeito à especulação imobiliária fomentada pelas primeiras movimentações da Petrobras na cidade.
A exploração da Bacia de Campos começou, entretanto, no final de 1976, com o poço 1-RJS-9-A, que deu origem ao Campo de Garoupa, situado em lâmina d’água de 100 metros. Já a produção comercial, começou em agosto de 1977, através do poço 3-EM-1-RJS, com vazão de 10 mil barris por dia, no Campo de Enchova.
Ao se instalar na cidade, a Petrobras ocupou três pontos da rodovia RJ-106, no centro e nos extremos do centro urbano. Situou no centro da cidade, sua principal base de operações, no bairro Imbetiba, descaracterizando aquela que era a praia mais bela e mais acessível à população local, instalando ali seu porto.
A leste, já próximo aos limites com o município de Carapebus, instalou o Terminal Cabiúnas próximo à restinga de Jurubatiba e suas lagoas, mais tarde transformada em Parque Nacional – o único Parque Nacional de Restinga do Brasil e que guarda uma biodiversidade única, sendo hoje, objeto de mais de 50 pesquisas realizadas por universidades de todo o mundo.
E a oeste, nos limites com o município de Rio das Ostras, instalou seu parque de tubos dentro da micro bacia hidrográfica do rio Imboassica, principal contribuinte da Lagoa que sofre intenso processo de degradação desde que toda a área de seu entorno dentro do município de Macaé, passou a ser ocupada de forma desordenada por condomínios e empresas.
Atualmente a atividade de exploração offshore de petróleo e gás envolve cerca de 60 mil trabalhadores das empresas diretamente ligadas à exploração e outras 50 mil nas que trabalham indiretamente.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 257
Crescimento da cidade
Macaé, foi, sem dúvida, o município brasileiro que mais cresceu da década de 1970 aos dias de hoje. Despreparada para os impactos derivados dos processos migratórios viu sua população crescer cerca de 440% em 36 anos, numa média anual, no período, de 12,23%, passando de 47 mil habitantes em 1974 a 206 mil em 2010, como demonstra o quadro abaixo.
1974 - 47.000 hab Fonte: IBGE 1980 - 75.851 hab 2000 – 132.461 hab 2007 - 169.513 hab 2010 - 206.748 hab
* Crescimento médio de 440% em 36 anos
* Média anual de 12,23% no período
Esta onda de crescimento também atinge fortemente outros municípios considerados produtores ou situados na área de abrangência, com destaque para Rio das Ostras que cresceu puxada pelo crescimento de Macaé, 190% em dez anos. O quadro a seguir mostra os municípios que mais cresceram neste período:
Rio das Ostras – 190% IBGE – 2000/2010 Maricá – 66% Casimiro de Abreu – 59% Carapebus – 51% Quissamã – 43% Búzios – 48% Macaé – 53%
Surgimento de bairros periféricos
Foram vários os bairros sem infra-estrutura que surgiram na periferia da cidade de Macaé desde o início da exploração de petróleo na Bacia de Campos, a maioria ocupando áreas de preservação ambiental. As primeiras ocupações irregulares se deram junto à foz do rio Macaé, em área de manguezal: inicialmente as comunidades de Nova Holanda, Malvinas e Botafogo; e posteriormente, Ilha Colônia Leocádia e Nova Esperança, ressalvando que a Ilha da Caieira, também área de preservação permanente, hoje abriga um condomínio de classe média/alta, sendo a primeira ocupação na foz do rio Macaé, com exceção do centro urbano.
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Destes, sofrem intervenções urbanísticas atualmente, Nova Holanda e Nova Esperança, sendo que há projeto no município para reassentamento dos moradores da Ilha Colônia Leocádia, transformada em Parque por decreto municipal, tendo em vista sua baixa ocupação em comparação com os demais – cerca de 700 moradores.
Este programa, visa, ainda, evitar o fechamento de um cinturão de adensamento populacional envolvendo os bairros já citados e que hoje sofrem com o tráfico de drogas.
A maior ocupação, entretanto, se deu no Lagomar, junto ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, reunindo, hoje, aproximadamente 40 mil moradores. Até o ano de 2005 havia o impedimento de obras de infraestrutura no local por estar dentro da área de amortecimento do Parque, impasse solucionado com a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta junto ao Ministério Público Federal. Hoje, cerca de 40% do bairro foi urbanizado, havendo a previsão de término das obras até o final de 2011.
(Ver processo de ocupação em vários bairros através de fotos de satélite da década de 1970 aos dias de hoje,na apresentação em Power Point).
Principais impactos locais
Invasões em áreas de risco e de Preservação Permanente Surgimento de favelas e de bairros periféricos sem infraestrutura Aumento das demandas por serviços públicos Aumento da violência – tráfico de drogas Aumento do custo de vida Especulação Imobiliária Trânsito - Média de 25 mil carros e 700 caminhões/dia (atualizar)
Impactos nos serviços públicos
Saúde – Hospital Público Municipal (HPM)
50 mil atendimentos de urgência em 2010 Aporte de R$ 100 milhões/2011 Atendimento às populações de cidades vizinhas e de acidentados na BR
101
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Educação
Cerca de 3 mil novas vagas/ano no ensino fundamental Investimentos para manter 50/116 escolas da rede municipal em tempo
integral Investimentos em ensino técnico e superior Manutenção de serviços de transporte universitário
Social
Ampliação permanente da rede de assistência social Investimentos para implantação de restaurantes populares Ampliação constante de programas sociais voltados para gestantes,
crianças, idosos, mulheres, dependentes químicos, moradores de rua e deficientes físicos
Infraestrutura
Demanda para : Habitação, equipamentos públicos e saneamento
Outros riscos e impactos ambientais
Vazamentos em alto mar Manipulação, transporte e disposição de resíduos perigosos Utilização de substâncias radioativas Impermeabilização de grandes áreas Desmatamento e ocupação de Áreas de Preservação Permanente Introdução de espécies exóticas no ambiente marinho Perda de identidade cultural
Impactos na pesca
Atividade que mais sofre com a atividade offshore Sísmica Abalroamentos de traineiras Perda de redes Atração do pescado para áreas de exclusão junto às plataformas Descarte de resíduos orgânicos Pesca em área de risco Modificação do ambiente marinho
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 260
Projetos sociais desenvolvidos no município
Há vários anos o município de Macaé vem desenvolvendo projetos de inclusão social e fazendo frente à crescente demanda por serviços públicos na cidade. É de se destacar que o pagamento dos royalties à cidade só passou a ser significativo a partir na nova lei do petróleo em 1997, deixando um longo período de impactos sociais e ambientais sem as contrapartidas para fazer frente a eles.
Se for considerada a data de 1974 como marco para o início destes impactos, levando-se em conta que a simples notícia da instalação de grandes empreendimentos já traz aumento de preços imobiliários, como hoje já acontece em cidades como Santos e Itaboraí, podemos contabilizar nada menos do que 23 anos de defasagem.
A seguir alguns projetos e programas que foram implantados na cidade na tentativa de fazer frente aos impactos já consolidados, principalmente decorrentes dos processos migratórios.
Rede de proteção social
Segundo dados da Prefeitura local, a cidade investe 3,4 vezes mais que a média nacional na área social, representando um gasto anual de R$ 1.450 por habitante. São mais de 100 programas sociais e projetos mantidos pela Prefeitura que promovem a educação, cultura, esporte, saúde e capacidade de trabalho para a população de baixa renda.
Habitação
Foi apenas a partir de 2005 que o município passa a desenvolver programas habitacionais com o objetivo de suplantar seu déficit habitacional, e de desocupar áreas de risco e de preservação permanente com a remoção e reassentamento para condomínios populares. Hoje o município possui um plano municipal de habitação que abrange, ainda, o programa denominado “Macaé sem favelas”. A meta do governo municipal é viabilizar a construção de quatro mil unidades habitacionais até 2012, incluídas as unidades previstas do Programa “Minha Casa Minha Vida” do Governo Federal.
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Educação
São 113 unidades municipais de ensino, das quais 50 em tempo integral e que oferecem ao aluno cinco refeições por dia. São 40 mil alunos matriculados em escolas, creches e unidades de atendimento especializado. A cidade tem, ainda, uma das menores taxas de analfabetismo do estado: 7,3%.
Mesmo sem a obrigação constitucional, o ensino superior tem recebido especial atenção do poder público municipal que construiu e implantou a “Cidade Universitária” que ocupa uma área de 95 mil metros quadrados, sediando três faculdades gratuitas – UFF, UFRJ e FeMass, esta última, faculdade municipal .
É objetivo do governo municipal transformar a cidade em um novo pólo universitário do estado do Rio, tendo em vista projeto para a construção de mais sete blocos para salas de aula e laboratórios no local e a manutenção de uma política para a atração de outras universidades para o município.
Saúde
Com cinco anos de funcionamento, o Hospital Público Municipal (HPM) realiza cerca de 50 mil atendimentos de urgência ou emergência por ano, fazendo o atendimento de pacientes oriundos de toda a região.
O HPM dispõe atualmente de 132 leitos, distribuídos por três enfermarias (masculina, feminina e pediátrica), três serviços de terapia intensiva (adulto, pediátrico e neonatal) e uma unidade de terapia intensiva.
Em 2008, foi firmado convênio entre a Fundação Educacional de Macaé (Funemac) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através do qual o HPM passa a funcionar como hospital-escola para alunos das faculdades de Enfermagem, Nutrição e Medicina, já implantados na Cidade Universitária.
Agricultura, pesca e turismo
Na agricultura, as principais produções do município são de feijão, aipim, inhame e banana. Macaé tem hoje o terceiro maior rebanho do Rio de Janeiro, com 95 mil cabeças de gado e 1.066 produtores. A maior concentração do rebanho está na área do Vale do Rio Macaé.
A pesca, que no passado foi a principal atividade da cidade, ainda é responsável por uma boa parte da economia. Hoje, cerca de 1,2 mil pescadores vivem da pesca no município, totalizando cerca de 15 mil pessoas que vivem direta ou indiretamente da pesca. Existem cerca de 400 barcos atuando no município. O volume de pescado por ano é de 50 toneladas/mês, em média. O pescado de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 262
Macaé é vendido para o Rio de Janeiro e mais 12 estados, além de ser exportado para os Estados Unidos e a Suíça.
Os atrativos naturais do município fazem do ecoturismo e o turismo de aventura uma alternativa econômica viável, considerando que 15% do território são ocupados pelo centro urbano, possuindo uma grande área em direção ao interior do Município praticamente inexplorada em todo seu potencial.
Unidades de Conservação
Nome Área (ha) Âmbito
- Parque Municipal Fazenda Atalaia 235,2 Municipal
- APA do Sana (Área de Proteção Ambiental)
14.760 Municipal
- Parque Municipal e APA do Arquipélago de Santana
Não Delimitado Municipal
- APA do Jardim Pinheiro e Morro de Santana- Parque Natural Municipal do Estuário do rio Macaé
Não Delimitado
127,82
Municipal
Municipal
- Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
14.860 Federal
- Reserva Biológica União 3.126 Federal
- Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)-Sítio Shangrilah - Sana
43 Particular
- Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)-Fazenda Barra do Sana
162,4 Particular
A atuação do movimento ambiental macaense nas décadas de 1980 e 1990
O relato a seguir, pretende resgatar informações que reconstituem alguns momentos decisivos ao longo da história do desenvolvimento da exploração de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 263
petróleo e gás na Bacia de Campos no que diz respeito às questões ambientais, ocorridos em Macaé, principal sede da Petrobras neste empreendimento.
Fundada em 1988 , a Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda), organizou ambientalistas que anteriormente atuavam de forma descoordenada na defesa dos interesses ambientais na região. A entidade teve atuação decisiva na elevação da consciência ambiental da população e dos gestores da época, resguardando, entretanto, sua personalidade combativa e firme na condução de seus propósitos.
Ativa numa época de pouco respeito ao meio ambiente, organizou protestos que cativaram a população, utilizando-se de ferramentas culturais, como o irreverente “Varal de Poesias”, semanalmente criado e exposto no calçadão da Praia dos cavaleiros, geralmente trazendo denúncias de ordem ambiental; o “Jornal Artenativa”, que publicava reportagens e arte em geral produzida na cidade, e que constituía uma grande rede postal da cultura alternativa brasileira existente na época; além de performances e shows temáticos com bandas e poetas locais nas praias e praças públicas.
A atuação da Amda chegou a extrapolar os limites territoriais de seu município sede, quando protocolou ação judicial, contra a CSN devido ao derramamento de ascarel no Rio Paraíba do Sul, ação que se arrastou por vários anos, ainda sem desfecho.
A partir dos anos 2000 a entidade entra num período de inatividade pela falta de renovação na militância, num momento em que as Ongs passam a ter atuação mais pragmática, já envolvidas nos projetos de educação, reparação e conservação ambiental.
Destaca-se o fato de que vários militantes do movimento ambiental chegaram a ocupar as pastas de meio Ambiente do município de Macaé. Foram os membros da Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda), ainda, que escreveram o capítulo de meio ambiente da Lei Orgânica municipal, aprovado na íntegra pela Câmara de vereadores. Da mesma forma ocorreu com o Plano Diretor de Macaé, que um ano após a promulgação da Constituição de 1988, ganha um texto repleto de preocupações ambientais. Estes processos se deram de forma genuinamente participativa com metodologia empregada por equipe contratada junto à Universidade de Brasília (UNB).
O movimento ambiental macaense sempre encontrara resistência na relação com as Ongs do Rio de Janeiro e região metropolitana que pautavam as reuniões da
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Apedema, que tem cadeira no Conama, apenas com questões relativas à sua realidade, isolando o interior. A imprensa carioca, da mesma forma, não acompanhou os impactos sociais e ambientais no desenvolvimento da produção na Bacia de Campos. Os jornais, não raro, confundiam Macaé com Magé ou Muriaé, evidenciando seu distanciamento com o interior do Estado. Foram esporádicas e provocadas as notas, matérias e reportagens dos grandes veículos sobre o assunto.
Campanha Xô Monobóia
E foram decisivas quando aconteceram. Foi, por exemplo, apenas quando a campanha “Xô Monobóia” ganhou a grande imprensa, que o movimento se tornou vitorioso. Além de mobilizar a sociedade, mobilizou a classe política atraída pelos holofotes. Só se envolveu, no entanto, quando o movimento demonstrou os impactos que poderiam acontecer em cidades como Búzios, Cabo Frio e outras situadas na região dos Lagos, onde se situam casas de veraneio de políticos e empresários poderosos.
Tratava-se de uma espécie de ancoradouro flutuante de grandes proporções que permitia aos petroleiros transferir o óleo para a Estação de Cabiúnas, situada no entorno do hoje Parque Nacional da Restinga de Jururubatiba. A estrutura estava prevista para ser instalada a apenas 3 km do Arquipélago de Santana, transformado em Parque por decreto municipal logo no início do movimento. Esta monobóia tinha porte para receber navios petroleiros de até 300 mil toneladas, transferindo esta carga diariamente.
Os riscos eram muitos. O próprio projeto previa uma possibilidade de falhas na casa dos 0,5%, o que, feito as contas, resultaria em prováveis mil e quinhentas toneladas/dia de óleo derramados no mar. O engate da monobóia com os dutos (mangote) era feito de material frágil, e isso foi provado durante o processo judicial. Fotografias fornecidas por mergulhadores profissionais participantes do movimento mostravam perfurações causadas por peixes espada em material equivalente de proporções menores, em uso na própria Bacia de Campos, junto às plataformas, e que motivaram dezenas de vazamentos de óleo.
O movimento contou com a adesão de grande parte da sociedade. Os próprios funcionários da Petrobras e terceirizadas, se filiavam à Amda fazendo denúncias e fornecendo importantes informações. Participaram do movimento além dos ambientalistas, pescadores, surfistas, sindicatos (destaque para o Sindipetro NF),
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associações de moradores e diversas outras entidades, além da imprensa local, através dos jornais “Folha Macaense” (extinta) e “O Debate”, e, em especial, da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que aderiu ao movimento e corajosamente enfrentou a empresa empregadora de seus diretores e associados, fornecendo subsídios técnicos ao movimento e participando ativamente dele.
Destaca-se, ainda, a participação da Feema, que através de seu representante na região, mostrou o caminho a ser tomado pelo movimento para respaldar a entidade no confronto com a maior empresa brasileira, num período em que a legislação ambiental não olhava para a produção offshore do petróleo e não havia comprometimentos sociais ou ambientais por parte das empresas.
Ao final do processo, a obra foi embargada e a Petrobras desenvolve toma o caminho dos dutos terrestres para escoar sua produção a partir deste momento.
Constituída em sua maioria por jornalistas, a entidade povoou o noticiário da imprensa local e regional com denúncias de todo o tipo. Os vazamentos eram rotineiros. Os acidentes também.
Na época corria-se atrás da autossuficiência nacional do petróleo. O avanço para águas profundas foi uma aventura de custo social alto, até que a Petrobras desenvolvesse e implementasse as tecnologias, procedimentos e capacitação necessários para a minimização dos riscos nas operações de prospecção e transferência de óleo. Hoje vemos a mesma pressa na exploração do pré-sal, esta, entretanto, determinada pelo avanço das tecnologias alternativas aos combustíveis fósseis.
Mobilização pode ter evitado tragédia ambiental
Os vazamentos ocorridos nas plataformas da Bacia de Campos, entretanto, nunca chegaram às praias macaenses, protegidas pelas correntes marítimas, que sempre levaram estas manchas para o alto mar. Os relatos de acidentes feitos por funcionários embarcados eram freqüentes. E não havia estrutura de fiscalização que pudesse comprová-los. Mas mesmo assim, eram denunciados e noticiados, preservadas as fontes.
A resistência ao rolo compressor do petróleo em Macaé foi intensa nas décadas de 1980 e 1990, e o cenário, hoje, poderia ser muito pior do que o atual.
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Na pior das hipóteses, por exemplo, se instalada a monobóia junto à costa macaense, todo o turismo poderia ser inviabilizado na região dos Lagos, com a poluição de suas praias, com risco maior para Búzios em função de sua situação geográfica. Para não falar nos prejuízos para a pesca e para o meio ambiente com a destruição dos manguezais e dos demais ambientes costeiros.
Mas como não se contabiliza o que deixou de acontecer, fica esta informação com o intuito de mostrar que não houve passividade ou imobilismo da sociedade macaense e da região produtora diante da trajetória da exploração na Bacia de Campos responsável por 86% da produção nacional de petróleo.
O Pré-Sal e o Meio Ambiente (Síntese dos artigos já publicados“ Lições para o Pré-sal” , “O pré-sal e o meio ambiente” e “O Pré-sal e a pesca”– Fernando Marcelo Tavares)
O debate que se aprofunda sobre a destinação dos recursos advindos da
exploração das camadas do pré-sal no litoral sul/sudeste ainda não abordou de
forma contundente um ponto muito importante em toda esta discussão: a
questão ambiental. Ou seja, num momento em que se sabe que é preciso
minimizar o aquecimento global através de adoção de técnicas limpas e
sustentáveis, investindo-se em fontes de energia alternativas em substituição aos
combustíveis fósseis, surgem, das profundezas, 40 bilhões de barris de petróleo,
cujas emissões correspondentes estarão na atmosfera nos próximos anos,
alimentando ainda mais o ciclo do aquecimento global.
Impensável, com as novas posturas empresarias diante da questão ambiental, em
especial da própria Petrobras nos dias de hoje, que não se considere os custos
ambientais da exploração e os contemple na contabilidade geral dos custos,
investimentos e repartições. Mais especificamente, neutralizar todo o carbono
que gerar na exploração do pré-sal, com a logística operacional e com potencial
poluidor do próprio petróleo produzido. Investindo-se em tecnologias limpas,
estruturando novos procedimentos, e plantando árvores, bilhões de árvores
necessárias à neutralização e que nossos mananciais hídricos agradeceriam
muito, aliás, insumo sem o qual não se explora coisa alguma em lugar nenhum. A
discussão sobre onde aplicar os lucros é grande.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 267
Como se estivéssemos diante do gênio da lâmpada tendo que escolher um desejo,
no caso o da inclusão social que uns entendem deve ser feito através da
educação, outro da saúde e mais um que quer ver os recursos investidos em
habitação. Discussão justa e interessante, até mesmo para percebermos as
dimensões exatas de nossas misérias. Mas, é preciso re-arrumar bois e carroça.
Primeiro os custos, depois, se viável, os lucros. Assim, investimentos em logística
e infra-estrutura nas localidades operacionais, pagamentos de royalties
preferencialmente às cidades impactadas, a neutralização do carbono, além do
planejamento estratégico participativo nas regiões envolvidas, devem ser
prioritariamente garantidos.
A exploração do pré-sal não pode repetir o erro do passado que impactou
demasiadamente cidades como Macaé, que de uma hora para outra se envolveu
num turbilhão transformando-se, da bucólica "Princesinha do Atlântico" à
província petrolífera que dá suporte para a produção de 86% da produção
nacional de petróleo. O planejamento que faltou na implantação da Bacia de
Campos não pode faltar no pré-sal. Tem a questão grave da pesca, a atividade
mais impactada pela produção offshore de petróleo e gás. Tem a questão da
mão-de-obra e da atração de pessoal desqualificado, e o conseqüente surgimento
de favelas em áreas de risco e de preservação ambiental. É preciso garantir que
o desenvolvimento se dê de forma distributiva em várias regiões
simultaneamente, e que as empresas tenham responsabilidade nos municípios
onde operarem.
Estas demandas não são miçangas, nem devem ser substituídas por projetinhos
pra inglês ver nas revistas de responsabilidade social. São custos operacionais
prioritários com referência consolidada.
Feito isso, noves fora, aí sim, deve-se passar à discussão de como vai ser usado o
excedente para minimizar o sofrimento do povo brasileiro, que merece desfrutar
deste tesouro. Se abaixando o preço da gasolina, investindo-se em educação,
saúde, habitação, esporte para todos ... carências não faltam para serem
supridas. Ilusão achar que a exploração do pré-sal vai resolver todos os
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 268
problemas. Não vai. Por isso este impasse diante do gênio. Tirar de mil, um só
desejo.
Planejamento com foco nas cidades
A experiência da Bacia de Campos já reúne subsídios suficientes para um planejamento mais inteligente e responsável, para que não se arruínem atividades econômicas tradicionais, não se formem bolsões de pobreza nos municípios produtores, não se degrade o meio ambiente, e nem exclua o cidadão comum dos benefícios desta atividade.
Um problema grave no sistema de licenciamento brasileiro quando se trata de um mega empreendimento como o pré-sal, é que ele analisa separadamente cada instalação, não havendo um mecanismo que faça a gestão do processo como um todo. Um mega empreendimento como a exploração do pré-sal deve contar com um olhar macro que analise todo o universo de desdobramentos sobre a sociedade, e que resulte num sistema de gestão abrangente.
Está passando desapercebido que o conjunto de empreendimentos que possibilitarão a exploração do pré-sal, forma um novo empreendimento de características absolutamente peculiares com relação às atividades que o compõem, com grande impacto regional, e que deve ser gerido separadamente.
Não há instrumento legal hoje no Brasil que garanta este tipo de gestão, a exemplo do que ocorreu na Bacia de Campos onde o único planejamento que houve foi o relativo à produção deixando de fora aspectos relevantes como os impactos nos municípios provocados pelos processos migratórios, desemprego, especulação imobiliária, aumento do custo de vida e da demanda por serviços públicos, crescimento desordenado e a retração da atividade pesqueira, experiência que reúne subsídios que devem ser considerados em um, infelizmente improvável, planejamento estratégico do pré-sal.
Da mesma forma como aconteceu com a Bacia de Campos nas últimas décadas, com os municípios a reboque de decisões estatais e empresariais sem nenhuma ingerência nos fatos, está acontecendo com o pré-sal, apesar de contar com disponibilidade de tempo para os planejamentos e adequações necessários, atualmente desperdiçado com polêmicas infrutíferas como as que têm sido travadas a respeito dos royalties.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 269
Deixar por conta do mercado já provou que não é uma boa solução considerando as maldições já constatadas da cadeia produtiva do petróleo. Mas quem conduziria esta hercúlea tarefa? Ainda não sabemos, talvez o Ministério das Cidades. Uma coisa é certa, entretanto: precisa ser conduzida por uma instância superior,empoderada, independente e representativa, que agregue as mais plurais participações, envolvendo a sociedade civil organizada, os municípios, os estados, as empresas e as universidades das regiões envolvidas.
Tarefa difícil, seja pela incompreensão de sua necessidade ou pela falta de uma cultura participativa. Porém mais fácil do que lidar com problemas como os que aconteceram no golfo do México, ou os que já se consolidaram nos municípios produtores e que tenderão a se repetir nos mais de cem municípios litorâneos da área de abrangência do pré-sal.
Pesca – a atividade mais impactada
A pesca foi a atividade econômica que mais sofreu com a exploração de petróleo e gás na Bacia de Campos nas últimas três décadas. Um olhar mais minucioso sobre a convivência desastrosa entre as pequenas traineiras e os super-petroleiros e rebocadores na Bacia de Campos, certamente captará um cenário que não pode se repetir na tão promissora exploração da Camada do pré-sal nas bacias de Santos, Campos e Espírito Santo, cuja extensão chega a 800 km de mar piscoso e historicamente explorado por pescadores artesanais.
É preciso identificar os reais efeitos da sísmica no comportamento dos cardumes e minimizar este impacto tão prejudicial aos pescadores. Além dos desafios tecnológicos para a retirada de petróleo e gás de áreas tão profundas, há os desafios para evitar que os peixes desapareçam das áreas onde os testes sísmicos são realizados; para que sejam controladas e evitadas as invasões de espécies exóticas que devastam os ecossistemas onde são inseridas; para que as plataformas de petróleo em operação não se transformem em atratores pesqueiros com o sombreamento e o descarte de resíduos orgânicos, praticamente convidando as traineiras a ingressarem nas perigosas áreas de exclusão junto às plataformas em alto mar.
É preciso recuperar os manguezais no continente e formar pesqueiros induzidos fora da rota offshore. É preciso criar áreas de exclusão também para as embarcações de apoio. É preciso organizar os pescadores. É preciso repensar o descarte de resíduos orgânicos pelas plataformas e embarcações em alto mar,
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permitido por norma internacional, mas que têm provocado impactos aqui e por isso deve ser mudado.
Estes são apenas alguns dos desafios para que a exploração do pré-sal seja realmente lucrativa para a sociedade brasileira, muito mais importantes do que os royalties e participações especiais, atualmente em barganha. O pescador artesanal que tradicionalmente sempre pescou nas águas da Bacia de Campos, foi a classe que mais perdeu com a busca desenfreada pela auto-suficiência nacional de petróleo desde a década de 1980. Ele não só já viu esse filme como atuou nele como o personagem que apanha o tempo todo. Como essa história ganha um novo capítulo com a descoberta das reservas do pré-sal, ainda há esperança de que esse personagem não morra no final.
Ações de planejamento propostas
Apresentamos, a seguir, o resumo de uma série de propostas identificadas e colhidas ao longo do processo de desenvolvimento da Bacia de Campos, em debates, conversas, seminários, conferências, audiências públicas e fóruns, numa espécie de grande reflexão sobre diversas iniciativas não implantadas e que resultaram nos impactos hoje observados em Macaé e demais municípios produtores e que projetamos para o futuro, no caso, a exploração do pré-sal.
Planejamento global
Gestão macro do processo.
Plano Diretor para a exploração do Pré-sal.
Processo participativo – Organização de Conferências.
Segmentos – Petrobras, empresas, Poder público nas três esferas, Sociedade Civil, Academia, Instituições ambientais etc.
Experiência da Bacia de Campos como ponto de partida.
Empresas
Maior envolvimento com as cidades onde estão instaladas.
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Responsabilidade Social – Projetos consistentes e estruturantes complementares às ações governamentais.
Situação atual – ações dispersas, geralmente restritas ao cumprimento de exigência legais ou relacionadas ao licenciamento, quando existentes.
Inserção de mão-de-obra local – Política de qualificação profissional antecipada.
SGAs, auditorias ambientais.
Poder Público
Implementação, revisão e regulamentação dos planos diretores municipais – nivelamento legal.
Zoneamento Costeiro.
Proteção de áreas sensíveis.
Estruturação dos sistemas municipais de meio ambiente.
Licenciamento ambiental municipal – descentralização com controle.
Representação do órgão estadual licenciador em municípios chaves.
Dimensionamento das redes de ensino e de saúde em conformidade com as previsões de crescimento.
Gestão regionalizada: formação de consórcios, comitês e associações.
Fomento à produção de mudas de espécies nativas.
Recursos para implementação dos programas indicados (Royalties das três esferas).
Fomento de empreendimentos sustentáveis alternativos ao petróleo.
Fomento à pesquisa.
Planejamento de bairros e condomínios.
Programas habitacionais.
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Qualificação da gestão e implementação de programas de qualificação profissional.
Aperfeiçoamento da fiscalização em mar pelos órgãos competentes.
Concursos públicos para corpo técnico dos órgãos ambientais.
Capacitação de conselhos e outros institutos participativos.
Política para controle de invasões e monitoramento de processos migratórios
- Fiscalização – Capacidade de pronta ação.
- Monitoramento de rodoviárias e postos para orientação aos visitantes.
- Política de orientação legal ao cliente em imobiliárias, cartórios e lojas de material de construção.
- Campanhas educativas.
Universidades e Centros de Pesquisas
Levantamento ambiental cooperativo na área do pré-sal.
Pesquisas para impactos pontuais previstos.
Formação de banco de dados.
Consolidação de pesquisas existentes.
Ações voltadas para a pesca
Criação de unidades extrativistas marinhas.
Inclusão de espécies comerciais nas pesquisas sobre os efeitos da sísmica.
Desenvolvimento de amplo e contínuo estudo ambiental em toda a área do pré-sal.
Investimento em equipamentos e embarcações, implantação e ampliação de estaleiros de barcos de pesca artesanais.
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Programas de qualificação e de incentivo ao cooperativismo.
Estruturação de cadeia produtiva.
Recuperação de manguezais.
Definição das rotas para as embarcações de apoio às plataformas, criando uma área de exclusão também para estas embarcações, em proteção à atividade pesqueira.
Síntese
Diferentemente do que ocorreu com a Bacia de Campos, é possível desenvolver um planejamento para a exploração do pré-sal levando em conta os impactos sofridos pelos municípios produtores nos últimos 30 anos.
Este planejamento deve ser conduzido de forma participativa, com contexto regional e focado no desenvolvimento da qualidade de vida das populações das cidades envolvidas.
Dados resumidos do autor
Fernando Marcelo Manhães Tavares, jornalista e ambientalista, nascido em Niterói, morando por vários anos em Brasília, transferindo-se para Macaé em meados da década de 1980 a partir de quando se engajou nos movimentos ambiental e cultural da cidade e região.
Fundador do Partido Verde em Macaé. Fundador e diretor da Associação Macaense de Defesa Ambiental (AMDA). Fundador e diretor da Associação de Imprensa do Distrito Federal (AIDF). Correspondente da Agência Brasileira de Notícias (ABN). Editor da Revista Meio & Ambiente. Editor da Revista Séculus. Editor do Jornal Artenativa. Participante do movimento literário independente brasileiro nas décadas de 1980 e 1990. Vice-Presidente da Agenda 21 Macaé. Presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente e do Conselho da APA do Sana. Presidente da Comissão Organizadora da I Conferência Municipal de Meio Ambiente. Organizador da Feira de Educação Ambiental Macaé Sempre Verde, a primeira feira do gênero do Estado do Rio. Secretário de Meio Ambiente e de Comunicação de Macaé. Finalizando curso de Gestão Ambiental na Universidade Estácio de Sá.
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Fontes e referências
Portal da Prefeitura de Macaé - Secretaria de Comunicação Social – www.macae.rj.gov.br
Artigo “O Pré-sal e o Meio Ambiente” publicado no Jornal do Brasil - 2008 – Fernando Marcelo Tavares
Artigo “O Pré-sal e a Pesca”, publicado nos sites “Envolverde” e “Gente Praias” – 2010 - Fernando Marcelo Tavares
Artigo “Lições para o Pré-sal” publicado no Globo On Line – 2010 – Fernando Marcelo Tavares
Deliberações da I Conferência Municipal de Meio Ambiente - 2005
Arquivos da AMDA – Associação Macaense de Defesa Ambiental
Fotos da apresentação: Rômulo Campos, Luiz Bispo, Kaná Manhães
Imagens de Satélite da apresentação: Geo Macaé - Coordenadoria do Gabinete de Gestão Integrada – GGI
IBGE – Dados populacionais
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 275
PETRÓLEO E DESIGUALDADES EM MACAÉ: ELEMENTOS PARA UMA
ANÁLISE POLÍTICO-FINANCEIRA
Brasilmar Ferreira Nunes (coord)
Cândido Francisco Duarte dos Santos e Silva
Carolina Weiler Thibes
Daniel Moraes
Tatiana Calandrino
Tiago Magaldi Granato Silva
1. Introdução
O presente trabalho foi realizado no âmbito da disciplina “Conflitos
Socioambientais e Urbanos”, sendo fruto de parceria entre alunos e professor.
Utilizando a teoria estudada para melhor compreender a realidade empírica
do Município de Macaé, pretendeu-se construir uma análise crítica da
realidade social, expressa nos indicadores econômicos e sociais levantados.
Tendo em vista o notório aumento das receitas municipais nos últimos
anos e a não-correspondência deste crescimento nas estatísticas sociais
levantadas pelas pesquisas realizadas, questionamos as possíveis raízes desta
disparidade. Neste sentido, o estudo da organização política foi fundamental
para o entendimento acerca dos fatores que estruturam a dinâmica urbana
local, na medida em que permite relacionar a distribuição desigual dos
recursos econômicos a mecanismos de acesso aos recursos políticos. O
objetivo, porém, não é esgotar o entendimento sobre o assunto, pelo
contrário, apenas contribuir para uma leitura mais atenta da relação entre
política urbana e crescimento econômico, na tentativa de identificar alguns
dos elementos que determinam a distribuição dos recursos locais, sem retirá-
los de sua complexidade.
Como fontes para a análise que ora apresentamos, utilizamos dados
disponibilizados pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro,
Prefeitura de Macaé, IBGE, bem como outras pesquisas científicas publicadas.
Em relação ao quadro político geral, foram utilizadas informações disponíveis
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 276
na página do TRE sobre os cargos eminentemente municipais - vereador e
prefeito. Selecionamos as eleições ocorridas nos anos de 2000, 2004 e 2008,
com base no notável aumento da arrecadação do município a partir do ano
2000.
Partindo de informações primordialmente quantitativas sobre a região,
a proposta do presente trabalho é levantar alguns questionamentos mais
aprofundados através do cotejo debates dados com as teorias sociais sobre o
tema do acesso à cidade, construindo uma leitura qualitativa e crítica dos
dados analisados.
A sociologia pode contribuir para o entendimento dos processos de
mudança social ocorridos em Macaé, na medida em que tem por objeto as
relações que constituem as formas de organização de uma determinada
sociedade ou grupo social. A sociologia urbana, pioneiramente a Escola de
Chicago, consolidou a importância de uma análise da dimensão espacial
enquanto fator que exerce forte influência nas modalidades de interação
social. Através da análise dos fenômenos sociais como expressão das relações
sociais constituídas em determinados espaços territoriais, a sociologia urbana
busca decodificar os elos que indivíduos e grupos criam para a vida em
sociedade.
Um dos autores escolhidos sobre o tema das migrações urbanas foi Paul
Singer. Em seu livro Economia Política da Urbanização, o autor fornece
contribuições que são de extrema importância para um adequado estudo das
transformações urbanas, chamando a atenção para as causas sociais que
determinam os movimentos migratórios. Principalmente baseado em seus
trabalhos, buscamos compreender os arranjos institucionais como parte dos
processos de mudança social, analisando quais mecanismos explicam a
restrição do acesso aos recursos almejados por todos a apenas alguns, não
obstante o aumento da receita municipal.
Paul Singer (1975) entende que dois fatores são determinantes nesse
caso: as migrações e a implantação da indústria. Historicamente os
movimentos migratórios internos, aliados à indústria, são responsáveis pela
urbanização, onde a indústria é o elemento transformador capaz de produzir
mudanças de territórios. Através dela tem-se a mudança das técnicas de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 277
produção, o emprego da tecnologia aliada ao trabalho. Como resultado tem-se
a diversificação de produtos oferecidos, uma maior divisão do trabalho e a
expansão do processo de acumulação de capital.
Importante destacar que a divisão social do trabalho se caracteriza pela
constituição de pontos de produção social, enquanto que a divisão técnica do
trabalho se caracteriza pela delegação de funções, onde quem trabalha em
uma grande linha de produção, sequer sabe quem construiu as demais peças
da grande engrenagem chamada indústria. Em outros termos, “divisão social
do trabalho” se refere à expansão de postos de trabalho no setor produtivo,
enquanto “divisão técnica do trabalho” diz respeito à distribuição das tarefas
dentro de uma unidade de produção específica; a primeira se passa no
mercado e a segunda no espaço interno da fábrica.
À luz do pensamento de Singer as cidades se tornam importantes, pois
seria a partir das já citadas migrações que formam um circulo virtuoso entre
cidade e indústria. A indústria vai se localizar onde exista seja matéria prima,
seja força de trabalho, seja mercado para seus produtos. È em áreas urbanas
que estas vantagens locacionais se manifestam com mais facilidade e se
tornam o ambiente propício para a implantação das indústrias. A teoria
econômica vai chamar esse fenômeno de “economias de aglomeração” ou
“economias de urbanização”. Em geral, tem-se a transformação da matéria
prima em bens de consumo de forma facilitada quando se tem água, energia e
serviços obtidos com menor esforço, e toda a gama de infra-estrutura que
constituem os chamados serviços coletivos urbanos.
Assim, a implantação das cidades e a fixação da indústria se processa
dentro da lógica do mercado, que através da oferta de empregos e de uma
remuneração relativamente superior funciona como um mecanismo de atração
de força de trabalho para atender à demanda industrial. Logo, na visão de
Singer, tem-se uma espécie de racionalidade utilitarista, onde cidade e
indústria andam lado a lado. Destaca-se que em uma sociedade capitalista, o
mercado não funciona sem o Estado, é insuficiente sem o Estado.
Neste diapasão, a cidade se torna uma unidade coletiva de reprodução
de força de trabalho, onde em tese se busca salários justos, onde o
capitalismo atinge sua essência básica, ou seja, quem produz mais recebe
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 278
melhores salários e em conseqüência tem-se um maior consumo. A busca pela
felicidade se faz presente numa racionalidade estratégica, calcada no
utilitarismo.
O utilitarismo propugnado por John Stuart Mill (2000) é conhecido como
a ética do capitalismo, mas será que existe ética no capitalismo? O
utilitarismo se baseia na busca pela felicidade como a essência do homem, o
que gera a idéia de acumulação de bens, o consumismo, a produção em larga
escala, a busca pelo lucro; os efeitos nefastos dessa lógica se manifestam, por
exemplo, na falta de políticas que objetivem o desenvolvimento mais
igualitário, na medida em que a concorrência é quem define a dinâmica do
sistema.
A ética utilitarista na esfera empresarial pode denotar, efetivamente, a
idéia do “levar vantagem a qualquer preço”, por parte das empresas em
relação aos seus empregados como em relação à sociedade como um todo. De
fato, essa lógica alcança tanto os empresários como a própria força de
trabalho, numa lógica concorrencial onde as partes interessadas estão sempre
à procura de melhorar seus ganhos, dada a produtividade alcançada no
sistema produtivo. A famosa luta pela absorção de maior parcela da mais-valia
gerada gera um movimento de contínua mudança dentro do sistema
produtivo, onde os capitalistas procuram sempre poupar trabalho e os
trabalhadores sempre procurando absorver mais daquilo que produzem.
Dentro desse nosso raciocínio e trazendo essa questão para o nosso
objeto de analise (o município de Macaé) podemos supor que a dinâmica de
crescimento da cidade se faz a partir de uma visão utilitarista. Em outros
termos, as migrações, iniciadas na década de 1970, com o advento da
indústria petrolífera, passa a ser vista como fonte de enriquecimento pessoal
de determinados indivíduos ou grupos locais.
Nesta perspectiva, o presente trabalho é resultado de uma leitura
interdisciplinar dos dados coletados, com vistas a ampliar a discussão acerca
das transformações ligadas ao aumento da receita dos Municípios da região
Norte Fluminense, em razão dos royalties advindos da exploração do Petróleo,
questionando se as mudanças ocorridas com o aumento das receitas são
refletidas no desenvolvimento social e quais fatores determinam e estruturam
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 279
a dinâmica social observada.
Estamos, portanto, considerando que o excedente recuperado pelo
Estado, através de impostos e taxas, é parte de uma riqueza gerada
socialmente e há a expectativa de que seriam recursos a serem aplicados na
melhoria das condições gerais da produção e da reprodução da força de
trabalho. Sua distribuição entre assalariados e capitalistas, tem a função
primeira de garantir a operacionalização das atividades econômicas, e, desta
forma, assegurar melhores condições de vida e de geração de emprego e
renda.
2. Estrutura Econômico-Financeira do Município de Macaé
Com o fito de darmos início à discussão sobre a estrutura financeira do
Município Macaé faremos uma rápida passagem pelas informações da dinâmica
populacional local. Conforme apontado no gráfico abaixo, nota-se um
crescimento populacional de 56% (cinqüenta e seis por cento) em dez anos,
ocasionado por fatores de atração gerados pela indústria petrolífera ali
instalada. Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (2009)
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
400.000
450.000
500.000
2000 2010
Macaé 56%
Campos dosGoytacazes 14%
Cabo Frio 47%
Crescimento Populacional de 2000 à 2010
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 280
Todavia, o crescimento populacional que Macaé experimentou nos
últimos anos ultrapassa a média regional e esse fenômeno merece alguma
explicação. A melhor maneira de se perceber o crescimento acelerado da
população municipal é compará-la com os municípios vizinhos que formam a
micro-região do Norte fluminense. Ao compararmos o crescimento
populacional de Macaé com os municípios de Campos dos Goytacazes e Cabo
Frio, as duas maiores cidades da área, observamos uma desproporção no
crescimento de Macaé. Esta disparidade pode ser justificada pela chegada da
indústria do petróleo neste município. Podemos, no entanto, questionar por
que Campos dos Goytacazes, distante cerca de 110km de Macaé1, não foi tão
afetado pelo fenômeno das migrações, visto que também dispõe de farta
indústria petrolífera. Uma das possíveis justificativas é ser o pólo petrolífero
macaense mais recente do que o campista, já que a Lei do Petróleo2 data de
1997, quando se acelera a exploração local do petróleo. Campos dos
Goytacazes é reputado como município petrolífero desde 1976, quando a
Petrobrás perfurou o primeiro poço de petróleo na Bacia de Campos3,
enquanto Macaé tem sua economia beneficiada com o incremento da
arrecadação de royalties4 no período entre 2000 – 2010, justamente quando
tem seu crescimento populacional impulsionado. Assim, uma de nossas
hipóteses é de que Macaé se privilegia do fato de ter sua indústria petrolífera
ainda recente o que impacta com mais vigor as taxas de crescimento
populacional na cidade.
O município de Cabo Frio, assim como o de Campos dos Goytacazes,
possui também razões consideráveis para um crescimento populacional
relevante, pois têm suas atividades turísticas bastante desenvolvida, além
1 Conforme informações constantes no site:
http://www.clickmacae.com.br/?sec=90&pag=pagina&cod=58; acesso em 01 de fevereiro de 2011.
2 Lei do Petróleo: lei ordinária n° 9.478 de 06 de agosto de 1997, que marca o fim do monopólio estatal do petróleo da União nas atividades relacionadas à exploração, produção, refino e transporte do petróleo no Brasil, o qual era exercido pela Petrobras até aquela data
3 Conforme informações constantes no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Petr%C3%B3leo#O_petr.C3.B3leo_no_Brasil; acesso em 01 de fevereiro de 2011.
4 Royalties: terminologia utilizada para designar um valor que deve ser pago ao proprietário de um território pela exploração dos recursos ali existentes, ou ao detentor de uma patente pela exploração industrial de sua invenção
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 281
de também se beneficiar da arrecadação de royalties. No entanto, verificamos
um aumento da população cabofriense de 47% nos últimos dez anos, ou seja,
9% menor do que o de Macaé. Tais estatísticas evidenciam o crescente e
intenso dinamismo deste município, apontando para a consolidação de um
novo pólo de crescimento urbano na região.
De início, bastaria apontar que Macaé teve no ano de 2009 uma
arrecadação total de R$1.113.363.121,615 (um bilhão, cento e treze milhões,
trezentos e sessenta e três mil, cento e vinte e um reais, e sessenta e um
centavos), o que corresponde a um crescimento em sua receita de mais de
683% (seiscentos e oitenta e três) em menos de 10 anos. Da análise do gráfico
abaixo, percebe-se claramente que até o ano de 2005 a maior fonte de renda
do Município era proveniente dos Royalties, que correspondia a mais de 50%
da receita total, englobando receitas próprias (tributos municipais) e receitas
correntes (transferências constitucionais – FPM, ICMS e Royalties).
0,00
200.000.000,00
400.000.000,00
600.000.000,00
800.000.000,00
1.000.000.000,00
1.200.000.000,00
2000 2002 2005 2009Receita arrecadada 162.905.167,96 343.006.233,04 664.269.079,66 1.113.363.121,61
Despesas realizadas 142.248.234,07 246.242.432,05 621.310.928,89 1.055.171.636,47
Royalties 86.219.323,80 189.410.248,83 358.732.976,02 355.889.013,19
Título do Eixo
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro
Entretanto, a partir de 2003 iniciou-se uma mudança radical na
arrecadação do município, não mais ocasionada pela transferências dos
Royalties, que estabilizou a partir de 2005 em torno de R$ 350.000.000,00
(trezentos e cinqüenta milhões de reais) anuais, mas sim pelo crescimento do
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 282
mercado formal de apoio ao petróleo (industrias, comercio, empresas
terceirizadas, etc) para atender as novas demandas do local. Essa constatação
é significativa pois aponta para o fato de que a industria petrolífera tem
efeitos multiplicadores positivos evidentes e pode garantir uma expansão
econômica sustentável a médio e longo prazo. Acerca da influencia das
grandes industrias na dinâmica local, Rosélia Piquet explica que:
É nesse segmento que se concentram os maiores efeitos multiplicadores, e onde a escala e a especificidade dos materiais e serviços necessários são tantas que raro paises podem oferecer, competitivamente, a totalidade desses bens e serviços. (...) Desse modo, para atender à petroleiras nas atividades de exploração e produção, geralmente ocorre uma divisão de mercado em que as tarefas mais sofisticadas e mais rentáveis permanecem nas mãos das grandes empresas (nacionais ou transnacionais), enquanto os serviços e equipamentos de baixo conteúdo tecnológico são encomendados a empresas menores, de âmbito local6.
O vertiginoso crescimento do setor formal das indústrias de apoio e
comércio local pode ser constatado pela explosão na arrecadação anual do
Imposto Sobre Serviços e na transferência de receita decorrente do ICMS.
Tamanho foi o crescimento do setor de apoio à indústria de petróleo que, em
2009, as divisas geradas pela prestação de serviços e pela circulação de
mercadorias e serviços foi de R$ 394.503.460,00 (trezentos e noventa e quatro
milhões, quinhentos e três mil e quatrocentos e sessenta reais), ultrapassando
a transferência dos Royalties, ou seja, as maiores receitas não são mais
diretamente provenientes do petróleo.
O principal responsável por essa superação foi a prestação de serviços
no Município, que arrecadou em 2009 R$ 207.545.425, 06 (duzentos e sete
milhões, quinhentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco reais
e seis centavos). Tomando-se como base a alíquota de 5% (cinco por cento)
sobre o serviço prestado, constata-se que no setor formal de prestação de
serviços circulou em Macaé a astronômica quantia de R$ 4.150.908.501,20
(quatro bilhões, cento e cinqüenta milhões, novecentos e oito mil, quinhentos
e um reais, e vinte centavos). Estes dados apontam que Macaé não sofre do
6 Petróleo e região no Brasil: o desafio da abundancia / Rosélia Piquet e Rodrigo Serra, organizadores – Rio de Janeiro: Garamond, 2007, pág. 24.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 283
maior problema enfrentado pela totalidade dos municípios brasileiros, qual
seja, a falta de recursos. Então é de se questionar: se o quadro econômico em
Macaé é favorável, quais são os fatores que a inviabilizam ser uma referência
nacional em desenvolvimento urbano?
Para se chegar a possíveis indicadores, passa-se à análise das despesas
realizadas pelo Município. Seguindo o crescimento da arrecadação, as
despesas cresceram absurdamente em mais de 740% (setecentos e quarenta
por cento) em menos de 10 (dez) anos, chegando em 2009 ao montante de R$
1.055.171.636,47 (um bilhão, cinqüenta e cinco milhões, cento e setenta e
um mil, e quarenta e sete centavos). Poder-se-ia argumentar que os
investimentos em infra-estrutura, educação, saúde, não permitem um
incremento nos índices sociais. Entretanto, estas hipóteses parecem não
serem confirmadas pelas contas públicas. Destas constata-se que as maiores
despesas com o município é com sua folha de pagamento. Em 2000, a despesa
com pessoal foi de 50.232474,61 (cinqüenta milhões, duzentos e trinta e dois
mil, quatrocentos e setenta e quatro mil, e sessenta e um centavos). Já em
2009, a despesa com pessoal foi de R$ 455.365.516,73 (quatrocentos e
cinqüenta e cinco milhões, trezentos e sessenta e cinco mil, quintos e
dezesseis reais e setenta e três centavos), crescendo quase 1000% (um mil por
cento) em menos de 10 anos, para um crescimento populacional de 56%.
E o que justifica tais gastos? Caberia esclarecer que despesa com
pessoal corresponde a pagamento dos salários, gratificações e diárias do
quadro do funcionalismo municipal. Dessa forma, os dados não confirmam a
hipótese de que os investimentos e a estruturação da máquina pública são os
fatores responsáveis pelo aumento dos gastos públicos e pelo impedimento de
um maior desenvolvimento urbano em Macaé. Parece, sim, apontar para uma
outra hipótese: em razão da disponibilidade de recursos e dos gastos com
pessoal constatados haveria uma irracionalidade no processo decisório sobre a
aplicação das receitas municipais. Como a decisão de gastos públicos tem um
forte componente político, seria estratégica uma análise crítica da situação
político-administrativa, para se investigar a representação política de Macaé
nos últimos 10 (dez) anos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 284
3. População urbana e rural na região do petróleo fluminense
Nos gráficos abaixo, compara-se o crescimento da população urbana e
rural nos municípios de Macaé, Campos dos Goytacazes e Cabo Frio, nos anos
2000 e 2010. Constata-se que Macaé foi o município em que a população
urbana teve maior crescimento (95%-98%) dentre as três consideradas aqui.
Esta migração para a zona urbana certamente advém do aumento dos
royalties, graças à Lei do Petróleo sancionada em 1997. O incremento na
arrecadação refletiu diretamente no crescimento do setor formal de
prestação de serviços, que como mostrou o gráfico de Crescimento
Econômico, teve um aumento exponencial, superando inclusive a arrecadação
anual do Imposto Sobre Serviços e na transferência de receita decorrente do
ICMS. O município de Campos dos Goytacazes também apresenta um leve
crescimento urbano (89%-90%), levando-nos a concluir que a atividade
petrolífera produz impactos sobretudo urbanos. Essa tendência à
urbanização máxima, no entanto, não é regra para os municípios limítrofes
como Cabo Frio, cuja população rural cresceu em relação à urbana (16%-25%)
no período de 2000-2010. Embora não estejamos tratando dessa cidade
especificamente não seria estranho que Cabo Frio se especialize ainda mais
nas atividades turísticas (beneficiando-se da renda familiar dos municípios
petrolíferos vizinhos) como também na produção agrícola para um mercado
urbano em expansão.
Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 285
Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)
Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)
Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 286
Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)
Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Apesar de Macaé, Campos dos Goytacazes e Cabo Frio serem
beneficiados com a arrecadação de royalties, seus índices educacionais não
condizem com tal rendimento. Os gráficos abaixo mostram a oscilação de
concluintes dos Ensinos Fundamental e Médios nestes três municípios. Em
Macaé observamos um aumento de quatrocentos mil concluintes do Ensino
Médio entre 1998 e 2000, mas que a partir de 2001 até 2007 tende a se
estabilizar. Este “boom” no Ensino Médio macaense pode ser uma resposta à
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 287
demanda por mão de obra mais qualificada no setor formal, impulsionado pela
Lei do Petróleo de 1997.
4. Alguns elementos para a análise da situação política de Macaé
Conforme estamos percebendo ao longo do texto, o município dde
Maca[e dispõe de elevadas receitas e portanto capacidade financeira para
atender as demandas sociais. Entretanto, a seguinte pergunta pode ser
levantada: o que impede que a cidade de Macaé realize as obras de infra-
estrutura necessárias a toda a sua população, uma vez que dispõe de recursos
para tal? Se voltarmos aos dados apresentados no início deste trabalho,
notaremos que, a partir do ano 2000, as despesas, assim como a arrecadação,
disparam em proporções quase idênticas. Mas, se parte da população segue
sem equipagem urbana, qual o destino desse vultoso montante?
Essa parte do trabalho se propõe a enfrentar o problema sob o viés da
estrutura política local. Sabemos das infinitas variáveis a serem analisadas
quando se trata de discutir política – notadamente as inter-relações políticas
entre os âmbitos municipais, estaduais e federais – ainda mais em uma região
estratégica para a economia nacional -, mas procuraremos nos ater à
flutuação política local e às conclusões (limitadas) que podemos tirar de sua
análise.
Inicialmente, procuraremos estabelecer um quadro político geral. Para
tal, nos utilizaremos dos resultados eleitorais dos pleitos para a vereança e
prefeitura nas eleições de 2000, 2004 e 2008. Como a pesquisa ainda se
encontra em seus primeiros estágios, decidimos escolher os pleitos mais
significativos quanto ao momento da explosão na arrecadação do município:
como vimos na análise da estrutura econômico-financeira, ela acontece a
partir do ano 2000.
Temos, portanto, um “antes” e um “depois” da explosão da
arrecadação. Conseqüentemente, teremos também um fluxo migratório, como
já demonstrado. Entretanto, um olhar atento aos resultados eleitorais nesse
período indica que não houve mudanças significativas na estrutura política
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 288
local7.
Tanto os números das eleições para a prefeitura quanto os para a
vereança contam a história 1) da ascensão e declínio total do PSDB na cidade,
ainda que suas principais figuras sigam sob a sigla do PMDB; e 2) da ascensão
deste como hegemônico. Num certo sentido, a estrutura político partidária
local repete a dinâmica estadual e nacional com a perda de importância do
PSDB e a consolidação do PMDB. A chamada “esquerda” não pode ainda ser
considerada representativa a nível local. Observando a evolução das tabelas
de vereadores e prefeitos eleitos de Macaé, podemos notar uma clara
mudança na hegemonia política: se em 2000 o prefeito era tucano e contava
com cinco companheiros de partido na câmara mais um vereador do PST
eleito em coligação, contra quatro peemedebistas, em 2008 o quadro muda
completamente: teremos um prefeito do PMDB com 5 vereadores mais 1
vereador petista.
A mudança partidária parece não significar, entretanto, uma mudança
nas pessoas que efetivamente exercem o poder. Temos nesse sentido o
exemplo do atual prefeito, Riverton Mussi. Eleito vereador pela primeira vez
em 1992, foi reeleito por duas vezes. Em 2004 fez-se prefeito e em 2006
filiou-se ao PMDB. A mesma migração PSDB-PMDB ocorreu nas eleições de
2008, com os três vereadores mais votados: George Coutinho Jardim, Julio
César de Barros e Paulo Fernando Martins Antunes. Some-se a esses mais um,
Teodomiro de Carvalho, eleito vereador pelo PSDB em 2000, reaparecendo em
2008, eleito pelo PMDB. Outro dado interessante, que consolida o quadro da
(ausência de) fidelidade partidária na cidade: com exceção de 3 vereadores
de primeiro mandato, todos os atuais vereadores de Macaé trocaram de
partido pelo menos uma vez entre as eleições de 2000 e 2008, sendo que a
maioria dos que foram reeleitos em 2008 trocaram de partido mais de uma
vez nesse período, passando pelo PSDB e chegando ao PMDB.
O auge da hegemonia tucana se dá nas eleições de 2004, quando o PSDB
faz 6 vereadores. Nesse ano não foi eleito nenhum peemedebista e 2 petistas.
Mas é na legislatura de 2004 que o quadro parece mudar a favor do PMDB.
Podemos levantar a hipótese de que esta mudança de ventos está diretamente 7 As tabelas contendo os resultados das eleições municipais 2000, 2004 e 2008, utilizadas para esta
análise, se encontram no Anexo
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 289
relacionada à ascensão de Rosinha Garotinho, do PMDB, ao governo do estado
do Rio de Janeiro. É bem provável que a ascensão do PMDB ao governo do
estado tenha precipitado uma “corrida” aos seus quadros durante a legislatura
de 2004-2008, o que explicaria a imigração dos três vereadores mais votados
em 2008, entre outros, do PSDB para o PMDB, além da migração do próprio
prefeito, em 2006. Observamos ainda nessa análise de médio prazo que a
“dança das cadeiras” típica da política nacional se repete também a nível
local, tudo indicando que os partidos políticos são siglas simplesmente de
hospedagem de candidatos, não refletindo uma consciência ideológica da
política. Escolhe-se o partido em razão de conveniências mais pessoais do que
necessariamente Políticas.
Podemos agora observar a evolução dos votos nas eleições para
prefeito. O PSDB foi eleito para a prefeitura em 2000 (Sylvio Lopes Teixeira) e
2004 (Riverton Mussi). Em 2006 Mussi se filia ao PMDB. Nas eleições de 2008,
Sylvio Lopes disputa novamente a prefeitura pelo PSDB mas, diferentemente
de 2000, quando obteve 46% dos votos e foi eleito, dessa feita obteve apenas
18%, o que lhe deu o 3º lugar na disputa. Em segundo lugar ficou Aluízio dos
Santos, do PV, que havia participado da gestão de Mussi – ou seja, cria do
governo peemedebista.
O PSDB foi, então, de 46,6% na eleição pra prefeitura em 2000 para
50,5 % em 2004 e 18,1% em 2008; na câmara, foi de 12,7% dos votos totais
(mais de um terço dos votos dos vereadores eleitos somados) em 2000 para
14,8% em 2004, caindo para 2,5% nas eleições de 2008.
Uma história paralela ao de nossos antagonistas - PMDB e PSDB - é a da
extinção eleitoral do PDT e do PFL, atual DEM. Esses partidos, apesar de
terem feito, em coligação, quatro vereadores em 2000, sumiram em 2004 e
assim ficaram nas eleições de 2008. Apenas dois vereadores desses 4 se
mantiveram desde 2000. Mas hoje encontram-se, ambos - Paulo Fernando
Martins Antunes (ex-PFL) e Eduardo Cardoso Gonçalves da Silva (ex-PDT) -, no
PMDB. Não escaparam ao “magnetismo eleitoral” do PMDB.
Todos os vereadores atuais, à exceção de três, que cumprem 1º
mandato, estão atualmente em partido distinto do qual tenha sido eleito em
2000 e 2004. Exemplo ideal da lógica política local parece ser o atual
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 290
vereador George Coutinho Jardim. Eleito em 2000 pelo PST, em 2004 pelo
PSDB e, finalmente em 2008 pelo PMDB, tendo sido o mais votado do pleito.
Em suma, as siglas mudam, mas os personagens são os mesmos. Dos
atuais doze vereadores, independentemente de mudança de partido, oito já
tiveram mandato em 2000 ou 2004. Ou seja, são os partidos que centralizam
as possibilidades de eleição, e os candidatos flutuam de acordo com o que
imaginam ser a melhor posição para serem eleitos. In casu, o PMDB parece ser
para onde tendem os candidatos.
Provavelmente isto está relacionado com a ascensão do PMDB-PT ao
governo do estado (Anthony Garotinho de 1999 a 2002, Benedita de 2002 a
2003 e Rosinha Garotinho de 2003 a 2007), ainda mais sendo o Norte
Fluminense o berço político do casal Garotinho.
Delineado o quadro político, cabem algumas considerações. Podemos
notar como seria escorregadio analisar o quadro político levando em
consideração os partidos políticos como atores principais. O quadro eleitoral
parece ser definido em função da atuação de pequenos grupos, cujo centro de
gravidade são os próprios candidatos, que flutuam de acordo com as
possibilidades eleitorais. Atualmente, o PMDB é o partido que mais atrai
candidatos.
Mas essa descrição, por si só, não é suficiente para jogar luz sobre
nossa pergunta inicial: o que impede que a cidade de Macaé realize as obras
de infra-estrutura necessárias a toda a sua população, uma vez que dispõe de
recursos para tal?
Uma hipótese sobre a qual podemos trabalhar é a de que a estrutura
política local não é permeável aos anseios das áreas periféricas, recém-
formadas pelo fluxo migratório originado em função da explosão da atividade
econômica. Mesmo tendo sua população aumentada em 56% de 2000 a 2010,
levando a uma acumulação de problemas urbanos, o panorama político não
mostra sinais de mudanças no exercício do poder: os mesmos grupos se
mantêm. Portanto, ou um) os atuais atores políticos incorporaram as
demandas da população periférica em seus discursos, mas pouco realizando na
prática, ou 2) nega-lhe a participação no debate público, não incorporando
suas demandas e não abrindo outros canais de participação.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 291
Assim posto, começamos a clarear a questão. Mais revelador,
entretanto, sendo fundamental na linha de raciocínio que aqui se segue, é
observar, como citado acima, o crescimento das despesas realizadas em
comparação com o investimento em infra-estrutura urbana: os dados revelam
que grande parte do montante é gasto com pessoal. Se isso é fato, comprova
uma cultura política interiorana no Brasil onde pequenos grupos monopolizam
certos partidos e recursos institucionais, conseguindo reproduzir uma elite
pouco progressista, não havendo uma distribuição mais democrática dos
recursos urbanos. Cai-se assim num círculo vicioso de fazer política onde as
desigualdades sustentam uma dinâmica urbana extremamente segmentada e
excludente.
Analisando as contas, verificamos que o maior fator de crescimento das
despesas foi com gastos com pessoal (ou seja, folha de pagamento). Isto
derruba a argumentação de que a Administração de Macaé tem investido
muito em equipamento urbano para atender as novas demandas do Município.
5. Alguns elementos conclusivos preliminares
Nos quadros de nossa análise não tivemos oportunidade de aprofundar
uma serie de aspectos que seriam esclarecedores da situação urbana de
Macaé. O município é rico, diríamos mesmo “milionário”, sobretudo se
comparado aos demais municípios de mesmo porte seja no Estado do Rio de
Janeiro, seja mesmo no Brasil. Estamos habituados à lamúria dos
administradores municipais sobre a carência de recursos para investimentos
urbanos, um argumento que se repete rotineiramente no Brasil todo.
Entretanto, quando nos deparamos com uma situação como essa de Macaé,
onde as receitas municipais são absolutamente adequadas e verificamos a
carência generalizada de serviços básicos para parcelas importantes da
população, é o momento para levantarmos algumas suposições.
Nosso enfoque aqui foi sobre a estrutura político-partidária que governa
o município nesses últimos anos. Estamos considerando que a alocação de
recursos de políticas públicas é uma decisão política que envolve tanto o
poder executivo como o legislativo local. Se assim o é, estaria ali talvez uma
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 292
das explicações dessa situação aparentemente contraditória: há recursos
financeiros, não há ações de melhoria geral das condições de vida da
população, sobretudo a da periferia da cidade.
Sabemos que houve uma explosão demográfica no município, uma
população que se dirigiu sobretudo para sua área urbana, pressionando tanto
o mercado de trabalho quanto a capacidade de atender às novas demandas
por serviços e equipamentos urbanos. Esse descompasso entre oferta e
demanda (regra geral em situação com intenso crescimento populacional)
pode ser entendido como um fenômeno conjuntural: demanda cresce
exponencialmente e a oferta cresce aritmeticamente gerando os déficits.
Pelas rápidas informações sobre a estrutura político partidária, vimos
que a cidade se caracteriza pela sua cultura política tradicional, num
evidente descompasso com a sua atividade econômica moderna e atual. A
ausência de canais de expressão de demandas sociais que poderia relacionar a
administração local e as populações do município talvez seja o principal fator
de entrave na modernização da prática política local. Ao mesmo tempo, o
domínio de oligarquias políticas tradicionais na região de certa forma
restringe as possibilidades de inovação nas praticas que regulam a relação
poder público versus comunidade. A democracia pressupõe códigos formais de
gestão e de relacionamento. É necessário dominá-los para poder jogar o jogo.
Na medida em que tais códigos fiquem restritos a uma elite política
tradicional, não havendo formas de ampliar a sua difusão entre os grupos
interessados, criam-se o ambiente propicio para uma cultura clientelística,
onde gastos com pessoal justifica toda e qualquer ação por mais irracional que
possa parecer.
Teríamos que ter tido condições de trabalhar mais com informações
sobre os movimentos sociais que certamente ocorrem fora da esfera da
política partidária local. Estaria talvez aí o gargalo que legitima estas práticas
e reproduz num dos municípios mais ricos do país um cenário de déficits e
atrasos nas condições gerais de vida de sua gente. Tudo está apontando para
uma realidade peculiar onde o acesso a um emprego (de preferência bem
remunerado) acalma as demandas por melhores condições, repassadas para
um futuro incerto.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 293
Tais aspectos são importantes, sobretudo porque se discute muito hoje
no Brasil o destino dos royalties do petróleo e fica difícil justificar a sua atual
distribuição quando não temos o impacto positivo das atuais medidas sobre a
vida cotidiana dos moradores. A questão é, portanto, muito mais complexa do
que aparenta.
6. Bibliografia consultada
ARAÚJO, Faber Paganoto. Migrantes ricos e migrantes pobres: a herança da economia
do petróleo em Macaé/RJ. IV Encontro Nacional Sobre Migrações, 2005, Rio de Janeiro. Anais
do IV Encontro Nacional Sobre Migrações, 2005.
CONSÓRCIO RIONOR/PETROBRÁS. Plano de Desenvolvimento Sustentável do Norte do
Estado do Rio de Janeiro – Análise Situacional, Volume I, 2� parte (2010).
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, Editora UNESP, 1991.
MILL, John Stuart. Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes Editora, 2000.
PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para investigação do comportamento humano
no meio urbano in VELHO, Otávio (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editora, 1979.
SINGER, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo in
Economia Política da urbanização. São Paulo, Editora Brasiliense, 1975.
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estudos Sócio-Econômicos dos
Municípios do Estado do Rio de Janeiro (2009) – Macaé. Consultado no dia 10/11/2010, em
www.tce.rj.gov.br.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 294
ANEXO – Tabelas Eleitorais
• Eleições para prefeitura de 2000 a 2008
• Eleições para a vereança Macaé – 2000
ELEIÇÕES PREFEITURA MACAÉ 2008
UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV RJ MACAÉ Prefeito RIVERTON MUSSI RAMOS 15 PMDB Eleito 41.026 41,64
RJ MACAÉ Prefeito ALUIZIO DOS SANTOS JUNIOR 43 PV
Não eleito 38.072 38,64
RJ MACAÉ Prefeito SILVIO LOPES TEIXEIRA 45 PSDB Não eleito 17.815 18,08
RJ MACAÉ Prefeito ANTONIO DE SOUZA FRANCO 21 PCB
Não eleito 1.295 1,31
RJ MACAÉ Prefeito ALEXANDRE ELIAS DA SILVA 16 PSTU
Não eleito 321 0,33
ELEIÇÕES PREFEITURA MACAÉ 2004
UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV
RJ Macaé Prefeito ANTONIO DE SOUZA FRANCO 26 PAN
NÃO ELEITO 2992 3.805
RJ Macaé Prefeito RIVERTON MUSSI RAMOS 45 PSDB ELEITO 39726 50.518
RJ Macaé Prefeito MIRIAM SANTOS MANCEBO REID 25 PFL
NÃO ELEITO 0 0
RJ Macaé Prefeito CARLOS FREDERICO KOHLER 15 PMDB
NÃO ELEITO 35919 45.677
ELEIÇÕES PREFEITURA MACAÉ 2000
UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV
RJ Macaé Prefeito DARLAN CÉZAR SIMÕES PINHEIRO 22 PL
NÃO ELEITO 825 1.272
RJ Macaé Prefeito MIRIAM SANTOS MANCEBO REID 12 PDT
NÃO ELEITO 25322 39.048
RJ Macaé Prefeito SYLVIO LOPES TEIXEIRA 45 PSDB Eleito 30246 46.641
RJ Macaé Prefeito PÉRICLES VELLOSO DE ASSIS 36 PRN
NÃO ELEITO 210 0.324
RJ Macaé Prefeito PAULO JOSÉ TAVARES LESSA 15 PMDB
NÃO ELEITO 8245 12.714
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 295
Justiça Eleitoral - Eleições Municipais 2000 Consulta de Resultados Eleitorais - Resultado da Eleição UF (RIO DE JANEIRO) - Município (MACAE) - Cargo (VEREADOR) - Situação (ELEITO E ELEITO POR MÉDIA) - Partido (TODOS) 03/12/2010 - 01:15:53 - Dados sujeitos a alteração Última atualização em: 27/10/2005 UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV Coligação
RJ MACAÉ Vereador CARLOS FREDERICO KOHLER 45630 PSDB Eleito 1723 2,581 PSDB / PST
RJ MACAÉ Vereador RIVERTON MUSSI RAMOS 45699 PSDB Eleito 1560 2,337 PSDB / PST
RJ MACAÉ Vereador PAULO ROBERTO PAES DE OLIVEIRA 45658 PSDB Eleito 1500 2,247 PSDB / PST
RJ MACAÉ Vereador PAULO NOVAES 25125 PFL Eleito 1402 1,402 PDT / PFL / PPB
RJ MACAÉ Vereador JÚLIO CÉSAR DE BARROS 33613 PMN Eleito 1386 2,076 PMN / PRP
RJ MACAÉ Vereador GILSO PESSANHA MACHADO 45677 PSDB Eleito 1288 1,93 PSDB / PST
RJ MACAÉ Vereador GEORGE COUTINHO JARDIM 18654 PST Eleito 1268 1,9 PSDB / PST
RJ MACAÉ Vereador JOSÉ CARLOS DE SOUZA CRESPO 33660 PMN Eleito 1152 1,726 PMN / PRP
RJ MACAÉ Vereador TEODOMIRO BITTENCOURT FILHO 45620 PSDB Eleito 1108 1,66 PSDB / PST
RJ MACAÉ Vereador EDUARDO CARDOSO GONÇALVES 12668 PDT Eleito 1098 1,645 PDT / PFL / PPB
RJ MACAÉ Vereador JOÃO SÉRGIO DE LIMA 15690 PMDB Eleito 1091 1,635 PMDB / PTB
RJ MACAÉ Vereador LUCIANO ANTÔNIO DINIZ CALDAS 13650 PT Eleito 1065 1,596
RJ MACAÉ Vereador RAMON MENA DE OLIVEIRA 15963 PMDB Eleito 1056 1,582 PMDB / PTB
RJ MACAÉ Vereador PAULO FERNANDO MARTINS ANTUNES 25120 PFL Eleito 986 1,447 PDT / PFL / PPB
RJ MACAÉ Vereador RONALDO GOMES PEREIRA 70369
PT do B Eleito 893 1,338 PTdoB / PSL
RJ MACAÉ Vereador MÁRCIO RODRIGUES BARCELOS 12456 PDT Eleito 880 1,318 PDT / PFL / PPB
RJ MACAÉ Vereador WALDECI BRANDÃO WILLEMEN 15111 PMDB Eleito 839 1,257 PMDB / PTB
RJ MACAÉ Vereador EDINALDO CARMO SILVA DE OLIVEIRA 23633 PPS Eleito 806 1,208 PPS / PSDC
RJ MACAÉ Vereador IZAQUEU DA CUNHA MARTINS 70670
PT do B Eleito 606 0,908 PTdoB / PSL
RJ MACAÉ Vereador ELIO TAVARES LESSA 70123 PT do B Eleito 601 0,9 PTdoB / PSL
RJ MACAÉ Vereador ANTÔNIO FRANCO DE CARVALHO 41234 PSD Eleito 497 0,745
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 296
• Eleições para a vereança Macaé – 2004
Justiça Eleitoral - Eleições Municipais 2004 Consulta de Resultados Eleitorais - Resultado da Eleição UF (RIO DE JANEIRO) - Município (MACAE) - Cargo (VEREADOR) - Situação (ELEITO E ELEITO POR MÉDIA) - Partido (TODOS) 02/12/2010 - 18:51:47 - Dados sujeitos a alteração Última atualização em: 06/03/2008 UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV Coligação
RJ MACAÉ Vereador PAULO ROBERTO PAES DE OLIVEIRA 45658 PSDB Eleito 3,373 4,162 Sem coligação
RJ MACAÉ Vereador PEDRO REIS PEREIRA 45123 PSDB Eleito 3,055 3,77 Sem coligação
RJ MACAÉ Vereador PAULO FERNANDO MARTINS ANTUNES 45615 PSDB Eleito 2,921 3,604 Sem coligação
RJ MACAÉ Vereador MARIA HELENA DE SIQUEIRA SALLES 45601 PSDB Eleito 2,833 3,496 Sem coligação
RJ MACAÉ Vereador GEORGE COUTINHO JARDIM 45678 PSDB Eleito 2,571 3,172 Sem coligação
RJ MACAÉ Vereador LUIZ FERNANDO BORBA PESSANHA 36789 PTC Eleito 2,51 3,097 PSC / PTC
RJ MACAÉ Vereador JULIO CESAR DE BARROS 45613 PSDB Eleito 2,429 2,997 Sem coligação
RJ MACAÉ Vereador FRANCISCO ALVES MACHADO NETO 19611 PTN Eleito 2,218 2,737 PTN / PSDC
RJ MACAÉ Vereador EDUARDO CARDOSO GONÇALVES DA SILVA 23668 PPS Eleito 2,062 2,544 PDT / PPS
RJ MACAÉ Vereador JORGE DE JESUS DA SILVA 22222 PL Eleito 1,437 1,773 PP / PMDB / PL / PMN
RJ MACAÉ Vereador MARILENA PEREIRA GARCIA 13123 PT Eleito 1,135 1,4 PT / PTB / PSL / PSB / PCdoB
RJ MACAÉ Vereador MAXWELL SOUTO VAZ 13456 PT Eleito 1,1 1,357 PT / PTB / PSL / PSB / PCdoB
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 297
• Eleições para a vereança Macaé – 2008
Justiça Eleitoral - Eleições Municipais 2008 Consulta de Resultados Eleitorais - Resultado da Eleição UF (RIO DE JANEIRO) - Município (MACAE) - Cargo (VEREADOR) - Situação (ELEITO E ELEITO POR MÉDIA) - Partido (TODOS) 02/12/2010 - 18:51:47 - Dados sujeitos a alteração Última atualização em: 06/03/2008 UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV RJ MACAÉ Vereador GEORGE COUTINHO JARDIM 15678 PMDB Eleito 4.298 4,35 RJ MACAÉ Vereador JULIO CESAR DE BARROS 15613 PMDB Eleito 4.130 4,18
RJ MACAÉ Vereador PAULO FERNANDO MARTINS ANTUNES 15615 PMDB Eleito 3.610 3,66
RJ MACAÉ Vereador LUIZ FERNANDO BORBA PESSANHA 15789 PMDB Eleito 3.520 3,56
RJ MACAÉ Vereador EDUARDO CARDOSO GONÇALVES DA SILVA 23668 PPS Eleito 3.447 3,49
RJ MACAÉ Vereador TEODOMIRO BITTENCOURT FILHO 15620 PMDB Eleito 3.054 3,09
RJ MACAÉ Vereador ANTONIO FRANCO DE CARVALHO 70234
PT do B Eleito 2.897 2,93
RJ MACAÉ Vereador FRANCISCO ALVES MACHADO NETO 23611 PPS Eleito 2.604 2,64
RJ MACAÉ Vereador PAULO ROBERTO PAES DE OLIVEIRA FILHO 45658 PSDB Eleito 2.448 2,48
RJ MACAÉ Vereador JOSÉ CARLOS DE SOUZA CRESPO 19660 PTN Eleito 2.205 2,23
RJ MACAÉ Vereador LÚCIO MAURO DA SILVA JUNGER 70870
PT do B Eleito 2.045 2,07
RJ MACAÉ Vereador DANILO FUNKE LEME 13333 PT Eleito 1.891 1,91
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 298
OS OPERÁRIOS DOS ROYALTIES
Angélica Chaves da Silveira Bacharel em Direito pela UFF em Macaé RJ
Residente Jurídica junto ao Centro de Assistência Judiciária da UFF em Macaé RJ
Sumário: 1. Contexto: Macaé e a Petrobras. 2. Terceirização e
reestruturação produtiva. 3. Precarização das condições de trabalho. 4.
Fragmentação sindical.
1. Contexto
É provável que todo aquele que ouve falar de royalties de petróleo ou
mesmo da suposta abastança gerada pela indústria petrolífera, sem nunca ter
ido à Macaé, imagine que nesta cidade todas as pessoas são ricas, moram em
mansões e recebem pagamentos em moeda estrangeira.
Da mesma forma, é provável que pensem que esses empregos
milionários da indústria do petróleo estejam disponíveis em cada esquina da
cidade a quem quer que seja e em qualquer momento. Que basta ir para
Macaé, ou qualquer cidade do entorno, e escolher o emprego que melhor lhe
agradar. Mas, para quem vive a realidade da região, estes pensamentos não
passam de fantasias geradas por informações distorcidas ofertadas pela mídia
em geral.
É um fato que atualmente o Estado do Rio de Janeiro, mais
especificamente a região da Bacia de Campos, que engloba Macaé, é
responsável por cerca de 80% da produção nacional de petróleo e 47% da
produção nacional de gás natural1, e, dentro desse contexto, Macaé/RJ abriga
grande parte dos trabalhadores dessa indústria devido às bases da Petrobras,
assim como de outras empresas do setor privado, instaladas na cidade.
Também é certo afirmar que essas empresas geram sim muitos 1 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 299
empregos. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(CAGED) do Ministério do Trabalho e Emprego, no mês de agosto de 2010,
Macaé passou do 45º para o 28º lugar no ranking das cidades que mais
empregam, ficando na frente de 12 capitais2.
Contudo, é preciso entender que o impacto que o aporte dessa grande
massa de trabalhadores tem sobre o município representa,
consequentemente, um impacto sobre a vida da cidade.
Antes de mais nada, é preciso entender que se a indústria do petróleo
gera muito lucro, e de fato gera, esse lucro não é direcionado para seus
trabalhadores, mas sim para os grandes acionistas das empresas do ramo.
Assim, embora muita riqueza circule pela cidade, isso não significa
necessariamente que essa riqueza seja distribuída pela população ou pelos
trabalhadores da indústria do petróleo.
Cabe lembrar que a ocupação do território que é hoje a cidade de
Macaé tem seu inicio no século XVII, quando o governador geral do Brasil,
Gaspar de Souza, recebeu ordens de proteger a região de possíveis ataques de
contrabandistas de pau-brasil3. A região experimentou o auge em suas
atividades comerciais durante o período de glória da monocultura da cana-de-
açúcar no norte fluminense, no século XIX4, vindo o seu declínio com a
implantação da via férrea para escoamento da produção, diminuindo a
importância de seu porto5. Durante os anos 20 do século XX, houve um certo
crescimento do município em razão da cultura do café6, havendo também
atividade pecuária e pesqueira.
Contudo, nada se compara em sua história ao crescimento
experimentado após a descoberta de petróleo na região, em 19747, e, a
chegada da Petrobras. A Bacia da Campos, possui aproximadamente 100 mil
quilômetros quadrados. A primeira perfuração ocorreu em 1976, e, a
2 Idem, ibidem. 3 Centro de Memória Antônio Alvarez Parada. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br, acesso em: 03 dez. 2010. 4 PARANHOS, Paulo. O Açúcar no Norte Fluminense. In Revista HISTÓRICA – Arquivo do Estado de São Paulo. Ed.n.º8, de mar. 2006. Disponível em: < WWW.historica.arquivoestado.sp.gov.br, acesso em: 03 dez. 2010. 5 Idem, ibidem. 6 Centro de Memória Antônio Alvarez Parada. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br, acesso em: 03 dez. 2010. 7 Fonte: Petrobras. Dados disponíveis em: WWW.petrobras.com.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 300
exploração comercial teve início em 1977, no Campo de Enchova, com
produção de 10 mil barris por dia em plataforma flutuante. Em 1984 é
descoberto o Campo de Albacora, comprovando a existência de campos de
petróleo gigantes em águas profundas, mudando de forma marcante o futuro
da empresa. Em 1985, o país já produzia metade do petróleo que consumia8.
Observe-se que apesar da descoberta feita em 1984, sobre a existência
de campos de petróleo em águas profundas, e dos investimentos em pesquisa
que já vinham sendo feitos desde a década de 70, o país ainda importava a
tecnologia para exploração.
Diante da necessidade de ampliar as reservas do país e aumentar a
produção, a empresa viu-se obrigada a desenvolver sua própria tecnologia de
exploração, uma vez que mesmo no exterior, já não conseguia obtê-la para as
novas profundidades descobertas. A empresa criou o PROCAP – Programa de
Capacitação Tecnológica em Águas Profundas e a tecnologia desenvolvida a
partir de então tornou a empresa líder do mercado mundial de exploração em
águas profundas9, recebendo diversos prêmios internacionais nos anos
seguintes.
Com a inauguração da P-34 e da P-50, em 2006, o país atingiu a auto-
suficiência na produção de petróleo10. Assim, pode-se afirmar, sem sombra de
dúvidas é a chegada da Petrobras que alavanca o crescimento populacional do
município nas décadas seguintes.
De acordo com o senso de 2000 a cidade tinha naquela época uma
população de 132.461 habitantes; já de acordo com o último senso realizado
pelo IBGE, a população de Macaé atingiu em 2010 o total de 206.748
habitantes11, numa base territorial de 1.217 km². Trata-se um número
controvertido, já que o Executivo Municipal acredita que, na verdade, a
cidade já tenha um total de aproximadamente 220.000 habitantes. A 8 Idem, ibidem. 9 Fonte: Petrobras. Dados disponíveis em: WWW.petrobras.com.br Acesso em 03 dez. 2010. 10 Idem, ibidem. 11 O número inicialmente divulgado pelo IBGE era de que Macaé teria em 2010 um total de 194.497 habitantes. Contudo, o Poder Executivo municipal reagiu à divulgação desses números, já que de acordo com dados do próprio IBGE, com base no Fundo de Participação de Municípios (FPM), em 2009 a cidade teria 194.413, habitantes, ou seja, em um ano teria havido um crescimento de apenas 84 pessoas. Após uma revisão nos trabalhos do Censo chegou-se ao número atual, que ainda é questionado pelo Executivo Municipal que acredita que a população da cidade tenha, na verdade, atingido a casa dos 220.000 habitantes. Dados disponíveis em: WWW.ibge.gov.br Acesso em: 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 301
controvérsia em relação aos números apresentados pelo último censo
realizado pelo IBGEse justifica, pois é de acordo com o número de habitantes
do município que se estabelece o percentual de recebimento de verbas do
Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Assim, logicamente, para o Poder
Executivo, defender o reconhecimento oficial de um aumento maior da
população local, representa defender um aumento de verbas para o
município.
Macaé teve um crescimento populacional médio de 3,4% entre 1991 e
2002, enquanto a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, cresceu cerda de
0,75% entre 1991-2000, e, 0,63% entre os anos de 2001-200812.
O fluxo intenso de aumento da população resulta, naturalmente, em
aumento da demanda pela prestação de serviços públicos, obrigando o Poder
Público a investir pesado em setores como saúde, educação, assistência
social, habitação e infra-estrutura urbana.
De acordo com dados da Prefeitura Municipal de Macaé são cerca de
4.000 matrículas novas anualmente na rede de educação, sendo um total de
aproximadamente 40.000 estudantes matriculados em escolas, creches e
unidades de atendimento especializado. O orçamento municipal, já aprovado
pela Câmara de Vereadores para o ano de 2011, prevê investimentos de R$
237 milhões para a educação e R$ 143 milhões na área de saúde13.
De fato, Macaé foi a quarta cidade do Estado do Rio de Janeiro que
mais cresceu em população nos últimos dez anos, crescendo 56,08%. Em
primeiro lugar está Rio das Ostras, com taxa de 190,39%, que é, aliás, a
segunda maior taxa de crescimento populacional do país, perdendo apenas
para a cidade de Balbinos, no Estado de São Paulo, que apresentou
crescimento populacional de 199,47%. Em segundo lugar em percentual de
crescimento populacional está Maricá com 66,18% e, Casimiro de Abreu, com
59,68%.14
12 Fonte: Ministério da Saúde. Dados disponíveis em: WWW.datasus.gov.br Acesso em: 03 dez. 2010. 13 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010. 14 Fonte: IBGE. Dados disponíveis em: WWW.ibge.gov.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 302
Conforme dados do Ministério do Trabalho, há no município hoje um
total de 103.159 pessoas com carteira assinada15. Estima-se ainda, que 48,8%
dos empregos gerados na região norte do Estado do Rio de Janeiro, no período
de junho de 2008 a junho de 2009, foram em Macaé. Em 2008 registrou-se um
total de 5.13616 empresas atuantes no município. Durante o ano de 2010, o
Estado do Rio de Janeiro foi o campeão da geração de empregos formais.
É fato notório que todo esse crescimento populacional e do mercado de
trabalho local decorre da implantação e posterior ampliação das bases da
Petrobras na cidade. Como dito anteriormente, a empresa chegou à cidade na
década de 70, mas ampliou sua presença a partir da década da última década
do século XX.
Atualmente (2010) existem 45 plataformas que empregam cerca de 30
mil trabalhadores nas unidades marítimas da empresa na Bacia de Campos, a
qual conta com 45 campos de produção. Existem ainda, mais 4 campos
operados pela empresa em parceria e oito operados apenas por terceiros17.
2. Terceirização e Reestruturação Produtiva.
O modelo de terceirização utilizado no país atualmente está
diretamente relacionado ao processo de Reestruturação Produtiva iniciado na
década de 70 do século passado. Em síntese, trata-se de uma substituição do
modelo taylorista/fordista pelo modelo japonês de organização e produção.
Ou seja, passa-se do fordismo para o toyotismo.
Modelo japonês de reestruturação produtiva na década de 1980:
CCQs (Círculos de Controle de Qualidade)
JIT – just in time
CEP – Controle Estatístico de Processos:
Qualidade Total
Terceirização
Inicialmente é preciso entender que:
15 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010. 16 Fonte: IBGE. Dados disponíveis em: WWW.ibge.gov.br Acesso em 03 dez. 2010. 17 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 303
“O sistema de produção e acumulação capitalista, vigente do pós-guerra à década de 70, no binômio taylorismo/fordismo, se caracterizava pela produção em massa para consumo em massa, que era garantido pela política Keynesiana, firmada no compromisso capital e trabalho, estruturada pela regulação do Estado.”18
Contudo, durante a década de 70, o mundo enfrenta um período de
crise do capitalismo mundial, piorado pelas crises do petróleo de 73 e de 79,
colocando em cheque o modelo de organização da produção até então em
voga.
Essa modificação do modelo de organização do capital, que culminou
no surgimento do chamado “capitalismo flexível”, tem como principal
característica a migração do capital do setor produtivo para o setor
financeiro.
Observe-se que a partir do final dos anos 60, entre outros fatores, os
Estados Unidos começam a perder a hegemonia no cenário mundial diante da
recuperação econômica da Europa e do Japão, e diversos problemas internos,
como gastos excessivos com a corrida armamentista. Assim, durante a década
de 70 o cenário econômico mundial se modifica de forma marcante. Em 1973
há o fim do padrão dólar-ouro, e, os Estados Unidos passam a emitir dinheiro
sem lastro com o dólar dentro de um sistema de câmbio flutuante19. Além
disso, o mercado consumidor torna-se cada vez mais instável, já não
absorvendo as grandes produções em massa do modelo fordista, que trabalha
ainda com a idéia de grandes estoques, e, a concorrência entre empresas se
modifica passando de preços para diferenciação de produtos.
No modelo capitalista “flexível” as empresas são enxutas, com forte
presença da tecnologia, prevalecendo o trinômio, qualidade, produtividade e
competitividade20.
Entra em destaque o neoliberalismo, com seu Estado mínimo,
desregulamentação da economia, privatização do setor empresarial do Estado,
liberalização dos mercados, redução do déficit público, controle da inflação,
18 ANDRADE, Fabrício Fontes. Reestruturação produtiva: dos novos padrões de acumulação capitalista ao novo parâmetro de políticas sociais. Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br/010/10andrade.htm> Acesso em 03 dez. 2010. 19 SENE, Eustáquio de. MOREIRA, João Carlos. Geografia Geral do Brasil: Espaço Geográfico e Globalização. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p.51. 20 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 304
corte nas despesas sociais, entre outros, guinados pelo desenvolvimento
tecnológico, em especial na área de informática, e da retirada sistemática de
direitos sociais.
O Japão foi o país onde o novo modelo baseado na Reestruturação
Produtiva teve mais sucesso, chegando ao que se chamou de “toyotismo”.
Uma explicação simples sobre o modelo toyotista encontra-se a seguir:
“Uma produção vinculada à demanda visando atender às exigências mais individualizadas do mercado consumidor (...) [que] fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções (...) [com] processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas. (ANTUNES, 2000:54)”
O modelo fordista de produção é rígido, intenso, repetitivo e
desqualificado, enquanto o novo modelo japonês é multifuncional, flexível e
exige do trabalhador cada vez mais qualificação. Assim, surge a figura do
operário que pode operar diversas máquinas e trabalhar em diversos setores
de acordo com a necessidade do trabalho. Como conseqüência, para atender
às novas demandas do “capital flexível” é preciso ter uma legislação
trabalhista “flexível”.
Com o crescente processo de informatização e mecanização que surge
no país, em especial a partir dos anos 80, o mercado de trabalho brasileiro se
modifica. O DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos apresentou um estudo que demonstra claramente o impacto
que as mudanças estruturais na produção capitalista passam a ter sobre o
mercado de trabalho:
“O período pós 94 marcou uma mudança nas motivações das greves. As reivindicações sobre remuneração, apesar de ainda manterem grande importância, deixaram de ser a principal causa das greves, que passou a ser o descumprimento de obrigações trabalhistas por parte do empresariado. As greves por melhorias na remuneração caem, gradativamente, de 76,8%, em 1994, para 49,3%, em 1995; 40,1%, em 1996; e 32,4%, em 1997. As paralisações em protesto por descumprimento de direitos saíram de um patamar de 18,6%, em 1994, para 36,8%, em 1995; 42,2%, em 1996; e 43,0%, em 1997 (tabela 3 e anexo). Também a reivindicação de participação nos lucros e resultados, ausente até 1994, passa a ocupar uma posição de destaque nas greves ocorridas a partir de 1995, quando representa 9,2% do total de paralisações, percentual que chega a 17,7% no ano seguinte, ficando em 15,1% em 1997 (tabela 3). As greves cujas motivações estão ligadas à questão da jornada de trabalho apresentam um importante crescimento relativo
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 305
no período - saem de um patamar de 3,3% do total de greves, em 1994; para 4,5%, em 1995; atingindo 11,5%, em 1996; e caindo para 7,6%, em 1997. Apesar dessa queda no último ano, é significativa sua maior participação em relação a 1994 (tabela 3).”21
Pode-se observar pelas considerações apresentadas no texto acima, que
as reivindicações dos movimentos grevistas a partir da década de 90 sofrem
grande transformação, migrando dos simples pedidos de aumento de salário
para questões relacionadas à jornada de trabalho, descumprimento de
direitos trabalhistas e negociação sobre pagamento de PLRs – Participação nos
Lucros e Rendimentos das empresas.
É preciso observar que os efeitos da Reestruturação Produtiva só
começaram a repercutir a partir da década de 90, porque o processo de
automação e informatização nacional só se implementou a partir dos anos 80,
com destaque para o setor bancário, com o surgimento dos serviços de auto
atendimento e bank-on-line. Neste aspecto cabe observar que também a
Petrobras entrou na dança, e, em meados dos anos 80 tentou impor aos seus
funcionários a participação nos Centros de Controle de Qualidade – CCQ22. Tal
experiência acabou fracassando.
Dentro da nova ótica capitalista, o desmantelamento da legislação
trabalhista é vital para o desenvolvimento da nova dinâmica de acumulação.
Não é a toa que a partir da década de noventa vê-se a precarização nas
relações de trabalho, com a terceirização de mão-de-obra, o uso do
trabalhador temporário, etc., e, diante desse novo quadro, as instituições
sindicais perdem força, como se verá na análise do último tópico deste
trabalho. Em resumo pode-se dizer que:
Terceirização – em geral sinaliza a passagem do padrão de economia de
acumulação “fordista” para a economia de acumulação flexível.
Petrobrás, exploração e produção offshore (em fluxo contínuo),
fordismo na “periferia do capitalismo periférico” (Druck: 1999), criando
novo contingente de assalariados, com remunerações médias acima da
média da região.
21 DIEESE. O Movimento Grevista nos Anos 90. Setembro de 1998. Boletim n.º208. Disponível em: <WWW.dieese.org.br> Acesso em 03 dez. 2010. 22 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 306
Reestruturação produtiva com maior produtividade leva à simplificação
gerencial e ações no âmbito da desregulação do trabalho e à prática da
terceirização.
REDE DE PRODUTOS E SERVIÇOS:
Desregulamentação do setor em 1997 com a lei 9.478, autorizando
atividades de exploração, produção, transporte, refino, importação e
exportação.
Novo modelo de organização gerencial em 2000 dividiu a empresa em
áreas de negócio e unidades corporativas.
Não renovação dos quadros próprios por via de concursos públicos a
partir de meados dos anos 90.
ATUALMENTE (2010) A PETROBRÁS CONCENTRA MÃO DE OBRA TERCEIRIZADA
NOS SEGUINTES SETORES23:
Alimentação.
Análise laboratorial.
Almoxarifado.
Cimentação e complementação de poços.
Montagem e construção de projetos.
Informática.
Limpeza.
Manutenção.
Operação e produção.
Movimentação de cargas na plataforma.
Perfuração e perfilagem de poços.
Operação de sondas.
Serviços médicos e administrativos.
Transportes.
Utilidades.
Vigilância.
23 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 307
Pela análise dos dados acima é possível afirmar que a terceirização
dividida por atividade meio e atividade fim não se aplica ao caso em tela, já
que não há como dizer que atividades como “perfuração e perfilagem de
poços” e “operação e produção” sejam de meio.
Dentro desse contexto, para efeitos de análise no presente trabalho,
traçou-se a seguinte divisão básica do trabalho na indústria do petróleo e gás
em Macaé:
Funcionários próprios da Petrobras
Funcionários terceirizados dentro da Petrobras
Funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à
Petrobras em bases próprias ou em plataformas offshore
Para melhor compreensão do tema cabe esclarecer que:
Funcionários próprios da Petrobras: são funcionários aprovados em
concurso público com estabilidade no emprego, que recebem diversas
vantagens.
Funcionários terceirizados dentro da Petrobras: são funcionários de
empresas terceirizadas que prestam serviço dentro das bases da
Petrobras, desenvolvendo todo tipo de atividade.
Funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à
Petrobras em bases próprias ou em plataformas offshore: são
funcionários de empresas contratadas que prestam serviço nas bases
operacionais das próprias empresas ou em plataformas.
Dentro dessas três “categorias” de trabalhadores da indústria do
petróleo pode-se ainda apontar uma outra forma de diferenciá-los:
Funcionários próprios da Petrobras: trabalhadores de “elite”.
Funcionários terceirizados dentro da Petrobras: trabalhadores no final
da “cadeia alimentar”.
Funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à
Petrobras em bases próprias: classe intermediária, condições de
trabalho são piores que o primeiro grupo e melhores que o segundo.
3. Precarização das Condições de Trabalho
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 308
A partir do entendimento das diferentes “categorias” de trabalhadores
que existem dentro da empresa pode-se entender as relações de trabalho
neste setor. São cerca de 295.260 trabalhadores terceirizados dentro da
Petrobras. Esse número representa um aumento de 13,35% em relação ao ano
de 2008. Com o pré-sal estima-se que esse número ultrapasse o total de 1
milhão de empregos terceirizados. No corpo de funcionários próprios da
Petrobras tem-se 76.919 empregados concursados. Esse número representa
um aumento de 3,60 % em relação ao ano de 200824.
Neste ponto cabe observar que a partir da última década a Petrobras
começou a intensificar o processo de contratação por meio de concursos
públicos, que têm sido realizados com relativa regularidade. Contudo, essas
contratações ainda não chegam nem perto de suprimir as vagas preenchidas
por trabalhadores terceirizados.
Algumas diferenças que podem ser destacadas entre as vantagens dos
trabalhadores próprios e os terceirizados de forma geral:
Próprios: têm uma média salarial maior, PLR, estacionamento
privativo, estabilidade no emprego, plano de previdência próprio,
banco de horas, transporte em ônibus exclusivo, salário extra de férias,
escala de trabalho embarcado de 14 x 21, entre outras vantagens.
Terceirizados: apenas os direitos trabalhistas da legislação ordinária.
Trabalhadores de empresas do setor privado: dependendo da empresa,
têm quase as mesmas vantagens dos próprios da Petrobras, mas não
têm estabilidade no emprego.
É preciso destacar ainda que a precarização na relação de trabalho
resulta também do modelo de contratação de empresas prestadoras de
serviço: 98% das empresas são contratadas por apresentarem menor preço.
Apenas 2% são contratadas por qualidade técnica25.
A falta de fiscalização efetiva aliada à forma de licitação atraem
empresas especuladoras, nem sempre efetivamente preparadas:
“coopergatos”. As Coopergatos são empresas de recrutamento de mão-de- 24 PORTO, Ubiraney. Petrobras Incentiva a Precarização das Condições de Trabalho. 28 de maio de 2010. Dados disponíveis em: HTTP://juventudepetroleira.wordpress.com Acesso em 07 dez. 2010. 25 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 309
obra para postos de trabalho operacionais. Na maioria das vezes, essas
empresas são criadas justamente para concorrer a um contrato, sem garantias
quanto ao pagamento de encargos trabalhistas, tendo como diferencial o
baixo custo.
A partir de outubro de 2000, a Petrobras implantou um novo modelo de
gestão dividindo a companhia em quatro áreas de negócios – E&P,
Abastecimento, Gás e Energia Internacional, duas áreas de apoio: Financeira e
Serviços, e, as Unidades Corporativas, ligadas ao Presidente. Criaram-se ainda
40 unidades vinculadas às áreas de negócio, com mais autonomia nas decisões
e independência administrativa. Contudo, esse aumento na independência
administrativa levou os gestores a realizar cortes de orçamento na
contratação de empresas para aumentar sua lucratividade, devendo ser
levado em conta o fato de que os resultados financeiros dessas gestões
impactavam na própria avaliação e remuneração dos gestores26. Assim, mesmo
setores mais nobres como manutenção e operação passam a ter atuação
intensa de mão-de-obra terceirizada.
Como resultado da precarização nas relações e condições de trabalho
há o aumento no número de acidentes de trabalho, sendo que de 1995 a 2009
houve um total de 282 mortes de trabalhadores na indústria de petróleo:
deste total 227 eram trabalhadores terceirizados27. Em 2008 foram 15
acidentes fatais, sendo vítimas 11 de funcionários terceirizados. Já em 2009
foram sete acidentes fatais, sendo vítimas 6 terceirizados28. Outros dados
sobre acidentes fatais: efetivos x terceirizados29:
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Efetivo Petrobras 4 1 4 12 3 3 3 0
Terceirizado 22 27 14 18 18 11 14 13
Total 26 28 18 30 21 14 17 13
26 Idem, ibidem. 27 Petroleiros SP – Jornal do Sindipetro Unificado do Estado de São Paulo. Até Quando? Edição n.º 679. De 25 a 31/07/2010. Dados disponíveis em: WWW.sindipetrosp.org.br Acesso em 07 dez. 2010. 28 PORTO, Ubiraney. Petrobras Incentiva a Precarização das Condições de Trabalho. 28 de maio de 2010. Dados disponíveis em: HTTP://juventudepetroleira.wordpress.com Acesso em 07 dez. 2010. 29 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 310
Principais Acidentes na Bacia de Campos:
“1984 - Plataforma Central de Enchova PCE-1, "Bacia de Campos", mar
do Norte Fluminense: Erupção de blow-out - golpe de bolsa de gás -
num dos poços conectados à plataforma, operada pela empresa POZOS,
com explosão, incêndio prolongado e evacuação do convés. Acidente
com uma das embarcações de abandono (baleeira MACLAREN),
rompimento do cabo do truco com queda e mergulho da embarcação.
42 mortos, 207 sobreviventes.
1988 - Plataforma Central de Enchova PCE-1, "Bacia de Campos", mar
do Norte Fluminense: Reconstruída parcialmente e novamente
operando e ampliando as atividades, a plataforma sofreu outro "blow-
out", com explosão e fogo, desta vez sem mortos, com a fuga dos 250
trabalhadores pela passarela de ligação com o "floating hotel Safe
Jasmínia"; incêndio durante um mês até a obturação de poços, corte de
produção de 80 mil b/d, 15% da produção Petrobrás na época,
destruição total do convés
2001 - Acidente na P-36: Dia 15 de março de 2001. Duas explosões na P-
36 culminariam com a morte de 11 petroleiros e o afundamento, cinco
dias depois, da maior plataforma submersível do mundo. Mortes que
poderiam ter sido evitadas se a direção da Petrobrás atendesse às
reivindicações dos trabalhadores, como recomposição do efetivo
próprio da empresa (reduzido praticamente à metade na última
década); o fim da terceirização, do acúmulo de horas extras e da
multifunção; maiores investimentos em programas de treinamentos,
entre tantos outros pontos relacionados à segurança.
A FUP – Federação Única dos Petroleiros e seus sindicatos afiliados têm
lutado para modificar essa situação. Um dos principais pontos de discussão é a
criação do Fundo Garantidor que seria criado com a retenção de verbas das
empresas terceirizadas e serviria para repasse aos trabalhadores no caso de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 311
não pagamento de verbas trabalhistas na rescisão contratual30. Contudo, em
relação ao mecanismo de proteção dos direitos trabalhistas e das verbas
rescisórias dos trabalhadores terceirizados, a proposta da Petrobrás é de
apenas excluir de suas licitações as empresas que comprovadamente tenham
praticado “calotes” contra os trabalhadores, estendendo a sanção também
para os seus sócios.
A íntegra da proposta é: “A Companhia compromete-se a considerar
como falta grave em seu sistema de conseqüências, constante no Manual de
Procedimentos Contratuais, o não pagamento, comprovado, por parte das
empresas contratadas, de verbas rescisórias aos empregados alocados nos
contratos de prestação de serviços celebrados com a Companhia, podendo
acarretar suspensão do cadastro e impedimentos de transacionar com a
Petrobras, estendendo as sanções aos sócios dentro dos limites legais”31.
Curiosamente, merece destaque a atuação recente da ANP – Agência
Nacional do Petróleo, na proteção dos trabalhadores do setor offshore. Foram
ações da ANP32:
Interdição da P-33. Esse fato merece destaque especial porque foi a
primeira vez na história que uma unidade foi interditada por razões de
segurança.
Medidas Cautelares: P-35; P-27; Ocean Courage (Brasdril) e West Orion
(Seadril). Essas plataformas tiveram a produção suspensa
“preventivamente” pela própria Petrobras quando a ANP sinalizou que
iria interditá-las.
O presidente da Agência, Haroldo Lima, informou, em reunião realizada
no dia 19/08/2010, com o presidente do Sindipetro-NF, José Maria Rangel e o
coordenador geral da FUP, João Moraes, que a ANP pretende inspecionar
todas as plataformas da Bacia de Campos até meados de 201133.
Voltando à questão dos trabalhadores terceirizados, merecem menção 30 PETROLEIROS SP – Jornal do Sindipetro Unificado do Estado de São Paulo. Até Quando? Edição n.º 679. De 25 a 31/07/2010. Dados disponíveis em: WWW.sindipetrosp.org.br Acesso em 07 dez. 2010. 31 Fonte: Federação Única dos Petroleiros. Dados disponíveis em: WWW.fup.org.br Acesso em 04 dez. 2010. 32 SINDIPETRO-NF. Jornal Nascente Retrospectiva 2010. Dados disponíveis em: WWW.sindipetronf.org.br Acesso em 15 jan. 2011. 33 SINDIPETRO-NF. Fiscalização Fecha Cerco às Plataformas na Bacia de Campos. Dados disponíveis em: WWW.cut.org.br Acesso em 05 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 312
as constantes substituições de empresas terceirizadas. Na hipótese da
substituição de uma empresa terceirizada, a grande parte dos trabalhadores
será aproveitada, até mesmo porque contratar novos funcionários e treiná-los
em suas funções seria mais dispendioso do que contratar os que já estão lá, e,
o capital não aceita desperdícios.
Por causa disso, é possível encontrar pessoas que passam anos sem
conseguir tirar férias, de fato, porque quando completam seu período
aquisitivo mudam de empresa, apesar de continuarem trabalhando no mesmo
lugar e na mesma função. A terceirização se enquadra justamente numa
destas “políticas de flexibilização”, aproveitando a brecha aberta pelo
Enunciado n.º 331 do Tribunal Superior do Trabalho, as empresas substituíram
seus funcionários próprios por terceirizados que desempenham as mesmas
funções por um custo menor.
Sobre esse ponto é preciso comentar que este tema é de fundamental
importância tanto para o direito em geral como para toda a sociedade, pois,
considerando que os dois valores principais do direito são a liberdade e a
justiça e, acreditando na crença de que quanto mais justa for uma sociedade
mais livre será o homem que nela viver, não se pode conceber que a situação
atual de milhões de trabalhadores neste país seja simplesmente ignorada,
deixando-se de considerar o alto grau de ofensa à dignidade da pessoa
humana, que se encontra neste caso relegada à posição de mercadoria
descartável.
Observe-se que quando se diz que a terceirização não gerou mais
empregos, a lógica empregada para se chegar a essa conclusão é muito
simples: o empresário não contrata mais que o estritamente necessário para a
reprodução de seu capital. Dessa forma, com ou sem vantagens fiscais, o
empresário contratará se for necessário, e, se não for, não o fará apenas para
gerar empregos. Surge aqui, uma das grandes lutas dos trabalhadores da
indústria do petróleo. Em razão da supracitada terceirização de mão de obra,
aparece na vida do trabalhador petroleiro a figura do assédio moral.
O assédio moral não é um fenômeno novo no mundo do trabalho, mas
fica cada vez mais intenso à medida que se fortalece a terceirização de mão
de obra. Cabe aqui mencionar as palavras Marie France Hirigoyen,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 313
pesquisadora francesa, psiquiatra e psicanalista, sobre o tema:
“O que me parece importante quando trabalhamos sobre o tema é entender que a noção de assédio moral é, e permanecerá, uma noção subjetiva. Há, efetivamente, procedimentos que são destruidores, que podem ser identificados, mas isto não é suficiente para dizer que se trata de assédio moral, e também foi insuficiente na hora de encontrar uma definição a ser usada na lei. Existem os procedimentos perversos assim como a vivência da vítima, a ofensa à sua dignidade, as conseqüências à sua saúde. São procedimentos que destroem a identidade e a auto-estima da pessoa. Este aspecto, torna difícil a autodefesa, porque começam por destruir seus meios de defesa, atingindo sua dignidade. A pessoa é isolada, perde a confiança em si própria, e não consegue mais se defender. Então, fica mais fácil destruí-la. A vítima é reduzida à condição de objeto que pode ser usado e depois descartado, e sua identidade é desprezada e aviltada. Trata-se, indubitavelmente, de procedimentos antiéticos que transgridem as normas e que são reconhecidos como totalmente inadmissíveis.” 34
O assédio surge nesse ambiente porque o trabalhador terceirizado teme
perder seu emprego se reclamar das condições de trabalho às quais é
submetido. Desta forma, a “flexibilização” das leis trabalhistas representa
para os empregados a precarização de seus direitos e condições de trabalho,
em razão das mudanças nas relações de trabalho do mundo globalizado.
Assim, o contratado, de forma geral, em relação a todas as empresas
que contratam terceirizadas de mão de obra, irá desempenhar, muitas vezes,
a mesma função que o trabalhador próprio, mas irá receber muito menos,
tanto em salário como em vantagens.
Se o próprio receber um vale-refeição de R$ 30,00 (trinta reais), o
contratado receberá um de R$ 15,00 (quinze reais), se o próprio trabalhar
além da hora receberá hora extra ou acumulará pontos no banco de horas, o
contratado não. O próprio tem PLR – participação nos lucros e rendimentos da
empresa, o contratado ficará feliz se receber o 13º em dia.
É claro que mesmo entre os funcionários terceirizados existe
diferenciação, como já exposto acima. Se o trabalhador é um terceirizado de
uma empresa de pequeno porte, seu salário, benefícios e tratamento social
será menor ou pior do que se o trabalhador for de uma grande empresa
multinacional.
34 HIRIGOYEN, Marie France. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/spip.php?article214 > Acesso em 05 nov. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 314
As grandes empresas multinacionais são também, em sua imensa
maioria, prestadoras de serviço para a grande empresa mãe, a Petrobras. E,
assim, seus funcionários serão em algum momento “contratados”.
Um grande e mais flagrante exemplo dessa distinção, talvez seja o
tempo de descanso dos trabalhadores offshore. Os funcionários próprios da
Petrobras têm direito a 21 (vinte um) dias de folga a cada 14 (quatorze) dias
de trabalho embarcado, mas os “outros” trabalhadores têm direito a apenas
14 (quatorze) dias de descanso por cada 14 (quatorze) dias de trabalho
embarcado35.
Ou seja, o trabalhador da empresa mãe, que faz o mesmo trabalho do
contratado ou terceirizado, que fica no mesmo confinamento em alto mar,
têm uma semana a mais de descanso. A justificativa para isso é que em tese
ao desembarcar das plataformas, o trabalhador demora a se ambientar “em
terra”, e, por isso precisa dessa semana extra. Nada contra a jornada de
trabalho de 14 x 21, que é resultado de uma conquista por meio de uma luta
árdua e justa dos trabalhadores da empresa, obtida há cerca de vinte anos,
contudo, fica clara aqui, a diferença de tratamento entre o trabalhador do
setor privado e o funcionário próprio da Petrobras. O fato, é que esta é hoje
uma das maiores lutas dos trabalhadores do setor privado da indústria do
petróleo, conseguir a equiparação da escala de trabalho de 14 x 21.
Pelo que já foi exposto, pode-se dizer que a distinção entre
trabalhadores do setor privado e da Petrobras é nítida. As razões para a
permanência desta distinção nos dias atuais são várias. Uma delas, e que mais
chama a atenção, é o fato de que os trabalhadores do setor privado não têm
estabilidade no emprego, e, portanto, manifestações mais “fortes” pela luta
de seus direitos não tendem a ter muito êxito, já que o medo de perder o
emprego está sempre presente.
Cabe também observar que o terceiro grupo de trabalhadores, os
funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à
Petrobras em bases próprias, tem melhores condições de remuneração,
embora quando trabalhem nas plataformas estejam sujeitos aos mesmos
35 SINDIPETRO-NF. Jornal Nascente (Setor Privado). Edição n.º55. 09 de junho de 2009. Dados disponíveis em: WWW.sindipetronf.org.br Acesso em 05 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 315
riscos. Dentro desse grupo estão também os trabalhadores estrangeiros da
indústria do petróleo e gás.
Esses trabalhadores, porém, recebem seu salário em moeda
estrangeira, e na maioria das vezes vêm apenas subtrair vagas no mercado de
trabalho brasileiro. Os estrangeiros já somam cerca de 10% da população total
do município de Macaé, sendo a maior concentração de estrangeiros
legalizados e com visto de trabalho do país36.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho, as autorizações
concedidas ao setor econômico relacionado ao petróleo e gás passaram de 33%
em 2009 para 45,5% nos três primeiros meses de 2010, sendo 6.879
autorizações para profissionais estrangeiros trabalharem no estado do Rio de
Janeiro só nos três primeiros meses de 201037.
Mas esses trabalhadores não têm muito a reclamar das condições de
trabalho. Recebem salários de milhares de dólares por mês, com diversos
benefícios das empresas, e normalmente não desempenham atividades de
campo “pesadas”. Vivem em comunidades fechadas, com uma vida quase
paralela à vida cotidiana do município. Seus filhos estudam em escolas de
língua inglesa, com mensalidades astronômicas e vagas restritas. Seu lazer e
interação social também são restritos ao grupo38.
Retornando mais uma vez à questão da terceirização de mão de obra, é
preciso indagar se realmente ela representa todo esse lucro para a empresa
mãe. De acordo com informações da própria empresa em relatório divulgado
no dia 13 de fevereiro de 2004, divulgando resultados do quarto trimestre de
2003 vê-se claramente que a coisa não é o que parece.
Conforme se verifica dos dados apresentados, a empresa teve um
gasto, em 2002, de R$ 398 milhões e, em 2003, R$ 160 milhões com
provisionamento de responsabilidade solidária com o INSS de empresas
36 SALOMONE, Roberta. Welcome to Macaé. Revista VEJA. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/221003/p_056.html> Acesso em: 03 nov. 2010. 37 Fonte: Ministério do Trabalho. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/sgcnoticia. asp?IdConteudoNoticia=7152&PalavraChave=imigra%E7%E3o,%20cgig,%20estrangeiros> Acesso em: 03 nov. 2010. 38 SALOMONE, Roberta. Welcome to Macaé. Revista VEJA. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/221003/p_056.html> Acesso em: 03 nov. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 316
terceiras. Foram mais de meio bilhão de reais, em apenas dois anos39. De
acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego:
“com a onda da terceirização, criou-se um mito de que, ao terceirizar, a contratante se livraria de todas as questões relativas às atividades terceirizadas e às pessoas ligadas a elas. Além disso, em todos os lugares a pressão por redução de custos vem sendo acompanhada por demissões e por uma elevação da carga de trabalho, fato que, às vezes, impede que os responsáveis pela terceirização tenham o devido conhecimento e tempo para analisar todos os pontos necessários. (...) Voltemos, então, aos objetivos buscados pela terceirização. Como um contratante pode focar seus esforços em suas competências principais se ele tem que gastar tanto tempo para checar e exigir tudo isso das empresas terceiras? E a redução de custos? Como obtê-la se há todo um custo nas tomadas de preço e no monitoramento das empresas terceiras” (MTE 2001).40
Assim, pode-se constatar que nem sempre a terceirização de mão-de-
obra representa lucro certo para a empresa tomadora dos serviços, além de,
em muitos casos, colocar em risco a segurança dos trabalhadores que têm
suas relações de trabalho precarizadas.
4. Fragmentação Sindical
Diante desse cenário é preciso analisar a atuação do movimento e
entidades sindicais na defesa desses trabalhadores. Pode-se encontrar um
movimento sindical complexo:
Diversos sindicatos existentes, que foram se fragmentando, na medida
em que o processo de terceirização se acentuou.
Terceirização provocou divisão junto à categoria, conforme as
resoluções do 5º CONFUP – Congresso da Federação Única dos
Petroleiros – um núcleo relativamente estável composto pelos
empregados da empresa e a maior parcela, composto pelos empregados
das demais empresas, desenvolvemdo trabalho precarizado.
No Estado do Rio de Janeiro encontra-se o seguinte panorama do
sindicalismo no setor petroleiro:
Sindipetro (Sindicato dos Petroleiros).
39 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010. 40 Idem, ibidem.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 317
Sindipetro-RJ – representa trabalhadores de várias unidades no
RJ.
Sindipetro-Caxias – representa trabalhadores da REDUC.
Sindipetro-Norte Fluminense – representa trabalhadores da bacia
de Campos.
Neste ponto é preciso destacar também o trabalho das Comissões
Internas de Prevenção de Acidentes – CIPAs, compostas por trabalhadores
eleitos por voto de outros trabalhadores, e membros indicados pelo
patronato. Com estabilidade temporária no emprego, após o exercício da
função, esses trabalhadores são os que ainda se manifestam mais vividamente
na reivindicação de melhorias nas condições de trabalho, já que um dos
problemas enfrentados pelas entidades de classe da categoria petroleira é a
“dessindicalização” causada pelo medo do empregado de ser punido pelas
ações do sindicato na defesa de seus direitos.
Sobre o sindicato da categoria petroleira no Norte Fluminense, cabe
destacar sua atuação na luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores, seja
do setor privado, seja da própria Petrobras, e, principalmente, pela melhoria
das condições de segurança nas plataformas.
Grandes são os riscos para aqueles que se aventuram a ganhar o pão de
cada dia em alto mar. Ao todo foram nove grandes acidentes no Brasil desde a
implantação da indústria petrolífera no país. Recentemente, os Sindipetros
conseguiram uma vitória importante consistente na interdição de plataformas
que não atendem às condições mínimas de segurança. A P-33 foi interditada
pela ANP – Agência Nacional do Petróleo, sendo a primeira vez na história que
a agência tomou essa atitude. Há, ainda, pedidos de interdição para a P-31 e
para a P-35 (esta última acabou sendo paralisada em função de um grande
vazamento de gás natural no mês de agosto do último ano, 2009). O
Sindipetro-NF vem lutando por ações do Ministério Público do Trabalho, da
ANP e da própria Petrobras para sanear os problemas de segurança
enfrentados pelos trabalhadores offshore.
De fato, atendendo solicitação do Ministério Público do Trabalho, o
sindicato está preparando um documento que reunirá relatos sobre a situação
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 318
das plataformas em relação às quais foram enviadas denúncias dos
trabalhadores sobre insegurança.41
Conforme denuncia o Sindipetro-NF os acidentes nessas plataformas
estão diretamente relacionados com a falha de manutenção e a extrema
corrosão em que se encontram as unidades.
Obviamente outros fatores também contribuem para a ocorrência de
acidentes, como o cansaço dos trabalhadores, submetidos a longas jornadas
de trabalho e o desânimo causado pelo assédio moral e pelas más condições
de trabalho.
Voltando à realidade dos contratados, como exposto, esses
trabalhadores sofrem com humilhações diversas, como o assédio moral, o
preconceito dos funcionários próprios, condições de trabalho nem sempre
salubres, exploração deslavada de sua mão de obra, em longas e exaustivas
jornadas de trabalho, baixos salários e vantagens, e, ainda por cima,
enfrentam a insegurança das renovações de contrato que podem levar à perda
do emprego.
A dificuldade de organização desses trabalhadores terceirizados impede
o avanço nas conquistas de suas lutas. Como já foi mencionado, os
trabalhadores terceirizados temem pela perda do emprego e são impedidos de
se organizarem em CIPAs e sindicatos. No caso dos trabalhadores que se
encontram em empresas de ramo de atividade-fim, ainda conseguem
progresso em suas demandas quando as empresas são afiliadas à FUP, por
exemplo. Já na hipótese dos trabalhadores ligados às empresas que prestam
atividade meio ou que estão em contratos temporários, esse avanço é mais
difícil, porque as empresas não se filiam a sindicatos petroleiros, mas sim a
ramos diversos de acordo com sua atividade principal. Desta forma, embora os
Sindipetros e a FUP venham trabalhando para reverter a situação de
desamparo desses trabalhadores, os avanços nesse sentido tem sido lentos.
Pode-se dizer que o lema “trabalho igual, direitos iguais” enfrenta
sérios dilemas, controvérsias e ausência de consenso. Entretanto, para tentar
resgatá-lo, foi lançada, em fevereiro de 2008, como parte das atividades do
Dia Nacional de Luta dos Trabalhadores Terceirizados e do Setor Privado, a 41 SINDIPETRO-NF. Fiscalização Fecha Cerco às Plataformas na Bacia de Campos. Dados disponíveis em: WWW.cut.org.br Acesso em 05 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 319
campanha permanente “Somos todos petroleiros: Trabalho igual, direitos
iguais”, com o intuito de mobilizar não só os trabalhadores terceirizados, mas
também os trabalhadores próprios do Sistema Petrobrás e demais operadoras
de petróleo do país. Tanto a mobilização quanto a campanha são resoluções
do I Encontro Nacional dos Petroleiros Terceirizados e do Setor Privado,
realizado pela FUP e seus sindicatos em dezembro de 200742, que apontou as
principais reivindicações da categoria, traçando uma política nacional para o
setor, que tem por objetivo unificar a luta e avançar para garantir as
conquistas dos trabalhadores do ramo de petróleo. A pauta de reivindicações
no lançamento da campanha incluía43:
• Regime e jornada de trabalho (Lei 5.811): Administrativo: 40 horas
semanais; Turno ininterrupto de revezamento: 168 horas mensais (5ª
turma); Pagamento dos adicionais de turno e sobreaviso;
• Política salarial: Salários em postos fixos de trabalho iguais aos
praticados para trabalhadores próprios no mesmo cargo ou similar; Piso
salarial equivalente a dois salários mínimos; Horas-extras nas mesmas
condições da Petrobras;
• Fim da fiscalização de contratos de terceirização por outras empresas
terceirizadas;
• PLR: pagamento à luz da Lei 10.101
• Assistência médica e odontológica;
• Transporte gratuito de boa qualidade, seguro e adequado;
• Segurança alimentar com a implantação do beneficio de auxilio-
alimentação no valor mínimo de R$ 200,00 / mês;
• Representação sindical, garantindo que todo trabalhador terceirizado
seja reconhecido como petroleiro;
• Adicionais iguais aos da Petrobras;
• Garantir instalações adequadas em todas as unidades, levando em
consideração a questão de gênero;
• Gratificação de Férias de 65%;
42 SINDIPETRO-NF. Jornal Nascente. Edição n.º540. 20 de fevereiro de 2008. Dados disponíveis em: WWW.sindipetronf.org.br Acesso em 05 dez. 2010. 43 Fonte: CUT – Central Única dos Trabalhadores. Dados disponíveis em: WWW.cut.org.br Acesso em 03 dez. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 320
• Seguro de Vida;
• Horas in itinere.
E onde ficam os royalties arrecadados pelo município? Apesar do
município de Macaé ter diversificado seu investimento em educação nos
últimos anos, com a consolidação de um importante pólo universitário,
ampliado o investimento em saúde com a construção de hospitais, como o
Hospital Infantil de Macaé e o HPM – Hospital Público de Macaé, muito há que
se fazer para justificar o gasto da receita de royalties.
A previsão orçamentária para o município no ano de 2010 era de que
Macaé arrecadasse cerca de R$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos
milhões de reais)44. Contudo, esta não foi a receita apurada. Na verdade o
município arrecadou 200 milhões a mais do que o esperado. Enquanto isso a
Prefeitura de Niterói, para efeito de comparação, cidade de muito maior
porte que Macaé, arrecadou cerca de R$ 900 milhões45, ou seja, 500 milhões a
menos que a cidade do norte fluminense. Para o ano de 2011 o orçamento
municipal aprovado é de R$ 1.347.076.210,8746. Contudo, apesar do
orçamento bilionário, o município está no rol de devedores do CADIN –
Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados do Setor Público Federal, e,
por isso só recebe verbas obrigatórias, previstas em lei, como na área de
saúde e educação, não podendo se inscrever para o recebimento de outras
verbas.
Apesar dessa grande arrecadação - boa parte dela vem não só dos
royalties, mas também do recolhimento das empresas prestadoras de serviço
na área de petróleo - a população local não vê essas cifras bilionárias
convertidas em boa prestação do serviço público. Alagamentos e enchentes
também são um problema constante na cidade, que sofre ainda com o
problema da falta de água em diversos bairros da cidade, durante todo o ano.
44 Fonte: Câmara de Vereadores de Macaé. Disponível em: < http://www.cmmacae.rj.gov.br/?service =news&interface=details&id=731> Acesso em: 03 nov. 2010. 45 Fonte: Câmara Municipal de Niterói. Disponível em: < http://camaraniteroi.rj.gov.br/2009/11/03/ orcamento-2010-de-niteroi-e-tema-de-audiencia-publica-na-camara-de-vereadores/> Acesso em 03 nov. 2010. 46 Fonte: Câmara de Vereadores de Macaé. Disponível em: < http://www.cmmacae.rj.gov.br/?service =news&interface=details&id=731> Acesso em: 03 nov. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 321
Segurança pública também não é um exemplo de sucesso, sendo que
Macaé chegou a ser, inclusive, a única cidade do interior do estado do Rio de
Janeiro a receber o BOPE. Isso ocorreu em janeiro de 200947, quando
movimentações de traficantes contra a repressão ao tráfico na região levaram
a ataques contra ônibus e arrastões pelo centro da cidade. Não será surpresa
se o município for o primeiro do interior do estado a ter uma UPP – Unidade
de Polícia Pacificadora. A cidade sofre ainda com o crescimento desordenado
do povoamento da cidade. A falsa propaganda, comentada lá no início desse
texto, feita de que Macaé terá empregos a oferecer a todo forasteiro, em
cada esquina da cidade e a qualquer momento, faz com que milhares de
pessoas venham tentar a sorte na cidade.
O que a propaganda não explica é que esses empregos do ramo
petrolífero exigem mão de obra super qualificada. Não basta uma formação
técnica. O trabalhador terá que falar, e bem, no mínimo o inglês, e ter cursos
diversos de especialização.
O resultado são pessoas sem nenhuma qualificação profissional vivendo
em condições de quase miséria em áreas mais afastadas do centro da cidade,
e, que não têm qualquer perspectiva de melhorarem de vida. Sobrevivem de
bicos e sub-empregos e da ajuda do Poder Público constituído.
Um ótimo exemplo é o bairro Lagomar: com uma população estimada
em mais de 30.000 habitantes, boa parte de seus moradores reside em área
de preservação ambiental, o que gera conflito direto com os ambientalistas,
que desejam ver o patrimônio natural do município preservado, e entre estes
e a população carente do local, que precisa ter seu direito à moradia
respeitado.
Esse povoamento desordenado está levando a um quadro perigoso no
que diz respeito à própria organização do município. Pela simples observação
do mapa da cidade, pode-se observar que um complexo de comunidades
carentes interligadas está se formando em volta de toda a cidade. A maioria
dessas comunidades sofre grande influência do tráfico de drogas.
47 Fonte: Jornal O Globo. Disponível em: < http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL968660-5606,00-BOPE+VAI+A+MACAE+REFORCAR+COMBATE+AO+TRAFICO+DE+DROGAS.html> Acesso em: 03 nov. 2010.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 322
Assim, como se pode verificar pelas informações acima expostas, o
município, que tem uma das maiores arrecadações do país, com trabalhadores
recebendo salários acima da média nacional, enfrenta na verdade, vários
conflitos sociais e econômicos.
Quanto aos trabalhadores da indústria do petróleo, como visto, não são
muito diferentes de todos os trabalhadores de modo geral. Sofrem com os
mesmos problemas que todos os outros. O único ponto a seu favor é o fato de
que aqueles que possuem grande especialização técnica, muitas vezes,
conseguem estabelecer para as empresas suas condições de trabalho. De fato,
certos postos de trabalho são tão difíceis de preencher, que quando uma
empresa consegue um trabalhador qualificado naquela área específica, irá
pagar o preço pedido para mantê-lo.
Assim, a melhor arma do trabalhador contra a exploração medieval de
seu trabalho é o investimento em conhecimento. Não é à toa que cursos de
especialização na área de petróleo e gás se espalham pela cidade.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 323
TESTEMUNHAS, INFRATORES, PARCEIROS, INVISÍVEIS OU CRIMINOSOS: PAPÉIS MÚLTIPLOS EM UMA RELAÇÃO SINGULAR ENTRE PESCADORES E A EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NA BACIA DE CAMPOS
Ronaldo Lobão PPGSD/UFF
A intolerância tem sua origem em uma
predisposição comum a todos os humanos, a de impor suas próprias crenças, suas próprias
convicções, desde que disponham, ao mesmo tempo, do poder de impor e a crença na
legitimidade desse poder. [...] Mas essa propensão universal assume um aspecto histórico quando o
poder de impedir é sustentado pela força pública, a de um Estado, e a desaprovação assume a forma de
uma condenação pública, exercida por um Estado sectário, que professa uma visão particular do bem.
Paul Ricoeur
1. Introdução
Neste artigo pretendo descrever alguns papéis que já foram atribuídos
a pescadores artesanais em função de sua atuação nas proximidades das
atividades de exploração de petróleo na bacia de Campos, estado do Rio de
Janeiro. Em função da autoria da atribuição desses papéis, discutir algumas
distinções e semelhanças entre as lógicas do Estado e as lógicas da Sociedade
Civil (Santos, 2000), frente às lógicas de um Mercado quase monopolista.
Os contextos etnográficos vêm de pesquisas ao longo da costa do Estado
do Rio de Janeiro e outros espaços litorâneos nos últimos dez anos. O foco
principal se dirige à área de influência da exploração do petróleo na Bacia de
Campos.
A discussão se desdobra em quatro níveis. O primeiro busca montar um
contexto histórico para os pescadores artesanais da costa brasileira. O
segundo tem por objetivo apresentar alguns aspectos da mudança social
dirigida – de fora para dentro – que teve como alvo esses grupos. Em seguida,
busco apresentar qual foi o papel do Estado e das políticas de governo na
construção de um cenário propício ao pleno desempenho de um último
significado: aquele construído com o objetivo de mimetizar nos grupos locais
o Mercado, onde ele era o exótico, a alteridade.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 324
2. Os Cenários, os papéis
Em Gargaú, distrito do município de São Francisco do Itabapoana, que
fica na margem norte da foz do Rio Paraíba do Sul encontramos, em 2002,
múltiplos universos da pesca. No canal que separa a sede do município da
restinga vimos barcos de médio calado que atuavam fortemente sobre um
novo recurso – o peruá1. Com a abundância do peruá, algumas instalações
frigoríficas haviam se adequado às exigências do Serviço de Inspeção Federal –
SIF – e estavam preparadas para a comercialização interestadual do pescado.
Ao lado desses pescadores e seus barcos, encontramos embarcações
menores, com pequenos motores de rabeta, e pescadores que atuavam nos
diversos canais do mangue existente na margem norte do rio. Esses
pescadores reclamavam da ocupação crescente de ilhas e outras áreas do
mangue com a pecuária. Falavam, mas as autoridades não lhes davam
atenção. Seu testemunho não tinha validade.
Fig. 1 – Canal de Gargaú
Além desses pescadores, havia também outro grupo – formado tanto por
homens quanto por mulheres – que atuava sobre outro recurso, o caranguejo.
Diziam na época, com orgulho, que o guaiamum que se comia no nordeste era
de Gargaú, em função da quebra da produção nordestina.
Tanto a pescaria do peruá, quanto a cata do caranguejo provocavam
duas discussões centrais sobre sustentabilidade: um puçá de cerca de um
metro de boca que era usado para a pesca do peruá e uma redinha que servia
1 Peixe-porco.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 325
para aumentar a produtividade da cata do caranguejo. Petrechos
potencialmente predatórios, o que fazia com que os que o utilizavam
pudessem ser considerados criminosos ambientais.
A voz local, entretanto apresentava outras percepções. Em duas falas
de catadoras de caranguejo acerca da abundância do recurso um mesmo
conceito foi utilizado com significados opostos. A primeira, numa comparação
do caranguejo com o camarão afirmou que o caranguejo era “vegetal” e,
portanto, finito. Que merecia cuidados. Já o camarão seria um “mineral”, que
nunca acabava, era inesgotável. Outra catadora usou estes conceitos
invertidos, ao associar o caranguejo ao mineral, pois era só catar, que ele
sempre estaria ali2.
Só que para a lei e para os fiscais do IBAMA, independente de serem
mineral ou vegetal, ou da abundância dos caranguejos, o que valia é a
Portaria do Defeso. Quem cata caranguejo durante o defeso vai preso. E foi o
que aconteceu com um catador de caranguejo que foi flagrado catando
caranguejo com a mão em época de defeso. Para seu azar maior, na delegacia
de Campos, para onde fora levado, eclodira uma rebelião que quase o matou.
Nesse contexto, em conversas com pescadores na Colônia de
Pescadores3 que se fundava, surgiu um outro lado da moeda. Para os
pescadores, no Brasil, só se punia os pequenos. Os pescadores presenciavam
sistematicamente vazamentos de óleo nas plataformas de exploração de
petróleo, e nada acontecia. Não seria crime ambiental também? O presidente
da Colônia já conversara com representantes da empresa que ficaram de
propor parcerias com os pescadores.
O lugar de testemunha ocupado pelo pescador de Gargaú incomodava.
2 Ambas as falas, obtidas em visitas distintas, ocorreram no período do defeso do caranguejo -
período onde não se pode catá-lo - em que a primeira estava respeitando e a segunda não. Outra distinção diz respeito à religião, a primeira evangélica, fez questão de frisar esta condição e relacioná-la com a obediência às regras e a segunda católica, não reconhece a necessidade de cumprir a regra.
3 Trata-se da recriação da Colônia Z1.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 326
Fig. 2. Testemunho de vazamentos?
Em Macaé, um novo lugar foi evidenciado para os pescadores
artesanais. Desta feita, o de infrator. Alguns pescadores eram devedores de
pesadas multas por pescarem nas proximidades das plataformas de petróleo.
De um lado a segurança das plataformas e das embarcações. De outro, o
aumento da produtividade das pescarias com a pesca na “sombra” das
plataformas, que atraía cardumes diversos.
As plataformas teriam se alojado em pesqueiros tradicionais e a
condição de infrator ameaçava a continuidade da atividade. Diferente de
outras experiências de fiscalização participativa – como os Fiscais
Colaboradores na Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo4 - neste
caso, as denúncias oriundas dos agentes da empresa não eram consideradas
denúncias vazias, como ocorriam com os Autos de Ocorrência lavrados pelos
pescadores artesanais cabistas.
A testemunha mudara de lado. O lugar de infrator era mais adequado.
Fig. 3 – Pescaria na proximidade da plataforma
4 Ver Lobão, 2000.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 327
Com o controle da situação estabelecido, teve início uma série de
iniciativas que visaram colocar os pescadores dos municípios que sofrem
impactos da exploração de petróleo na Bacia de Campos como parceiros da
atividade. Essa parceria teve o mesmo objetivo que as iniciativas da década
de cinqüenta do século passado, no governo de Getúlio Vargas. As Escolas de
pesca, na Ilha da Marambaia, no Rio de Janeiro, e em Tamandaré, em
Pernambuco, visavam desenvolver a pescaria e os pescadores dotando-os de
uma casa e um barco a motor (Pondé, 1977).
Teve início, no ano de 2003, o Projeto Mosaico, liderado à época por
uma empresa, a Ani Consultoria. Esta atividade desdobrou-se em um
diagnóstico da pesca artesanal na região e o desenvolvimento de um Plano de
Desenvolvimento Local, fundado na concepção do “planejamento
participativo de um projeto coletivo de futuro com vistas ao desenvolvimento
sustentável da pesca artesanal”.
Esse projeto coletivo envolveu pescadores de São Francisco do
Itabapoana, São João da Barra, Farol de São Tomé (Campos dos Goytacazes),
Quissamã, Carapebus, Macaé, Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Búzios, Cabo
Frio e Arraial do Cabo. O “projeto coletivo de futuro” que a dinâmica
procurava construir começava com o seguinte exemplo:
“Um casal de funcionários públicos paulistanos tem um sonho: montar um restaurante de comida tailandesa em Angra dos Reis. Mas eles não saber dirigir um restaurante, não sabem como cozinhar a comida tailandesa e não conhecem Angra dos Reis. Nossos exercícios serão dirigidos a construir as etapas para a concretização do sonho do casal.”
Para um público que tinha como sonho a reprodução do seu saber
tradicional, de suas artes de pesca, de suas relações de querência com seus
lugares, o exemplo era incognoscível. O resultado não poderia ser diferente: o
conjunto de demandas que construiriam o mundo real da “chuva de sonhos”
coletiva começava desde uma necessidade básica individual – uma nova rede
de pesca – e atingia uma necessidade coletiva, geral, como educação,
moradia, saúde de qualidade para todos5.
5 Algumas demandas tiveram caráter mais localizado. Em Arraial do Cabo pensou-se em “reinventar” a Reserva Extrativista Marinha; em Farol de São Tomé buscou-se regularizar as embarcações de pesca. Os resultados das duas iniciativas são negativos...
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 328
Com o tempo o Projeto Mosaico foi transformado em Programa Mosaico
e suas atividades alargaram-se. Por exemplo, no final de 2010, o
assistencialismo clássico foi a tônica:
“Filhos de pescadores de 13 municípios da área de influência da Petrobras, na Bacia de Campos, participam, entre os dias 1º e 17 de dezembro, do Evento de Fim de Ano promovido pelo Petrobras Programa Mosaico. Já foram visitadas as colônias de pescadores de Cabo Frio (Distrito de Tamoios), São João da Barra, São Pedro da Aldeia, Macaé, São Francisco de Itabapoana, Araruama, Carapebus, Búzios, Farol de São Thomé, Saquarema e Quissamã. Até sexta-feira, quando termina o circuito, serão visitadas as colônias de Iguaba Grande, Arraial do Cabo e Cabo Frio. Na última segunda-feira (13), foi a vez dos filhos dos 600 associados da Colônia de Pesca Z-24 de Saquarema aproveitarem a tarde entre brincadeiras e guloseimas. O presidente da instituição, Matheus Alves de Souza Neto, aprovou a iniciativa: "Passamos o ano inteiro pensando prioritariamente nos adultos, e nos esquecemos das crianças. Este evento reafirma uma parceria com a Petrobras iniciada em 2006, com o Projeto de Integração Social da Pesca Artesanal de Saquarema (Peispa) patrocinado pelo Desenvolvimento & Cidadania", disse. [...] Frutos desta parceria, a Cooperativa de Beneficiamento Pescal emprega, atualmente, 23 pessoas, e o Projeto Primeiro Passo ministra aulas de dança de salão, capoeira, balé clássico, jazz, dança livre, karatê, kung-fu, teatro música e reforço escolar. Realizado anualmente, o Evento de Fim de Ano para Filhos de Pescadores atenderá, este mês, 3850 crianças no litoral Norte Fluminense.” (Procópio, 2010).
De alguma forma, o controle sobre os parceiros aumentou.
Entretanto nem todos os pescadores ficam ao alcance dos mecanismos
clássicos de controle a partir da cooptação. Duas estratégias adicionais podem
ser empregadas: a invisibilização e a desqualificação.
A primeira estratégia segue a linha de acusações do tipo “não há mais
pescadores artesanais na região!”. Com essa forma de invisibilização, ficam
abertas as possibilidades de “des-responsabilização” dos empreendedores do
desenvolvimento para com grupos culturalmente diferenciados. Todos estão
no mesmo barco e as desigualdades são justificadas pelo mérito diferenciado
de cada um. Enfim, cada um sabe qual seu lugar e porque está lá.
A segunda estratégia visa dar conta daqueles que recalcitrantes,
insistem em manterem-se visíveis e independentes. O controle por
proximidade não funcionou e sua presença é evidente. Seriam, então,
desviantes - conforme qualificação de Howard Becker (1963) – e a acusação
correspondente é que os pequenos barcos de pesca que se aproximam das
plataformas o fazem para levar drogas para os trabalhadores da plataforma.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 329
O cerco se fechou: ou desaparecem por bem ou pela força. Um controle
que sempre foi exercido sobre os pescadores artesanais do litoral brasileiro...
Fig. 4 – A “solução” para os infratores?
3. Uma Trajetória para os Povos do Mar
Qualquer um que olhe o mapa do Brasil se impressiona com a extensão
do seu litoral. Supor, então, que a pesca é uma importante fonte de renda
não seria de todo improvável. Entretanto, a pesca não é expressiva na
composição da renda bruta nacional, se comparada com o que ocorre em
outros países da América Latina como a Argentina, o Chile e o Peru. A
produção da pesca extrativa brasileira somente superou a marca das 800 mil
toneladas no ano de 2010, conforme dados do Ministério da Pesca e
Aqüicultura. Porém, herdeiros dos navegantes portugueses, dos nativos e dos
negros africanos, podemos dizer que somos devemos muito de nossas riquezas
aos pescadores.
As comunidades de pescadores foram marcos na construção de Portugal
e no Brasil não foi diferente (Silva, 2001). Os primeiros pescadores locais, os
índios, escravizados no primeiro momento, e remunerados em seguida,
beneficiaram-se de inovações trazidas pelos portugueses, como o anzol de
ferro, como atestam vários historiadores.
Com o passar do tempo as jangadas indígenas foram remodeladas,
ganharam a vela triangular e negros para o exercício da pescaria. Novas
técnicas foram desenvolvidas e na segunda metade do século XIX a presença
do negro livre se tornou majoritária na pesca em Pernambuco, conforme
dados da Capitania dos Portos da Província de Pernambuco.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 330
No final do século XVII surgiram os primeiros currais, ou cercados, que
se desenvolveram como uma importante fonte de renda, de forma que os
coqueirais, jangadas, canoas, redes e currais uniram-se para formar a unidade
produtiva do litoral no nordeste do século XIX (Silva, 2001).
As praias se transformaram em moradias, as folhas dos coqueiros em
teto, o litoral nordestino ganhou sua feição: coqueiros, jangadas e
pescadores. E tal desenho foi se repetindo pelo Brasil afora: a praia como
sustento de muitos.
No início do século XIX começaram as investidas oficiais para
domesticar esse grupo de trabalhadores. No Ceará, em 1811, o juiz de fora
José da Cruz Ferreira determinou um código de posturas para os jangadeiros
(Silva, op.cit.). No Recife, em 1816 foi votada a primeira postura municipal
que limitou o tamanho da malha para a rede de arrasto e em 1822 tentou-se
coibir este tipo de pescaria. Seguiram-se regulamentos sobre pescadores e a
pesca no Pará, em 1839 e 1844.
Em 1845 foi aprovada a lei que criou e regulamentou as Capitanias dos
Portos e com elas uma força militar de reserva formada compulsoriamente
pelos pescadores artesanais registrados em cada Capitania. Ao se registrarem,
os pescadores não mais teriam que servir à Guarda Nacional. Somente
prestariam serviço militar quando a Marinha os chamasse. Em 1846 o
regulamento aprovado pelo Ministério da Marinha fez com que cada Capitania
fosse dividida em distritos e cada distrito entregue a um capataz. Surgiram,
assim, as “capatazias” de pescadores 6.
Os resultados não foram auspiciosos, de forma que, em 1852 desenhou-
se um novo projeto de modernização da pesca no Brasil, que já defendia sua
“industrialização”. O liberalismo econômico chegara à pesca. Tal lei fora
aprovada em 1856, e se dividia em três aspectos: garantia de juros baixos,
concessão de terrenos públicos para a instalação das indústrias e isenção de
impostos durante 10 a 20 anos.
Mas os efeitos também não foram satisfatórios, e novas leis surgiram
para “reduzir” os pescadores artesanais, e colocá-los sob a tutela do Estado.
Em 1912, a República, através da Lei 2.544/12 criou as Colônias de Pesca, 6 É evidente a relação do termo com a forma de organização do período da escravidão, onde capatazes eram encarregados de fiscalizar o bom andamento dos trabalhos dos escravos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 331
subordinadas ao Ministério da Agricultura. Em 1920, pelo Decreto 14.086/20,
a Marinha retomou sua tutela sobre os serviços de pesca, e o Capitão
Frederico Villar realizou missões colonizadoras quando “promoveu a
instalação de mais de mil colônias no litoral” (Pessanha, 2002). Essas missões
foram consideradas por seu protagonista como “missões libertadoras” (Villar,
1931). A criação do Conselho Nacional de Pesca em 1933, no âmbito do
Ministério da Agricultura, fez com que as colônias retornassem para a
jurisdição deste Ministério.
Em 1942, ainda no período do Estado Novo, voltaram as colônias para a
responsabilidade do Ministério da Marinha, até que, em 1950, se fixam na
jurisdição do Ministério da Agricultura, que organizou a pesca em um sistema
confederativo (colônias locais, federações estaduais, confederação nacional)
e definiu estatutos padronizados para todas as colônias de pesca. Na década
de 50, o segundo governo de Getúlio Vargas criou Escolas de Pesca nos Estados
de Pernambuco e do Rio de Janeiro, com o objetivo “tirar a pesca do seu
primitivismo, modernizando-a” (Ponde, 1977).
Várias foram as estratégias para manter a filiação dos pescadores às
colônias. Até a década de 80, o documento obrigatório para o exercício da
atividade da pesca profissional era a matrícula correspondente, fornecida pela
Capitania dos Portos. Além deste documento o pescador deveria estar filiado
a uma Colônia e, conseqüentemente, a uma federação e à confederação,
além de estar registrado na Superintendência do Desenvolvimento da Pesca -
SUDEPE -7, para poder exercer a atividade profissional da pesca.
Com a equiparação dos pescadores artesanais aos trabalhadores rurais
para fins de obtenção de benefício de aposentadoria especial, cresceu a
vinculação às Colônias, pois eram estas as entidades aptas a fornecer a
documentação necessária (Pessanha, 2002). Somente a partir da década de 80
é que se começaram a esboçar algumas reações, como as “Associações Livres
de Pescadores”, incentivadas por Frei Alfredo Schnüettgen, Secretário Geral
da Pastoral da Pesca no Brasil, à época. Finalmente, a Constituição de 1988
acabou com qualquer tipo de filiação compulsória. Mas mesmo assim, em 2003
7 Entretanto, a autora afirma que apesar de todas as proibições, nos anos 70, se deva à pesca “não-colonizada no Estado do Rio de Janeiro... a metade do volume da produção total da pesca” (p. 64)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 332
o decreto que regulamentou a concessão do Auxílio Defeso manteve a filiação
compulsória às Colônias para a obtenção do benefício.
Criada nesse mesmo ano, a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca e
o posterior Ministério da Pesca de da Aqüicultura deram novo impulso à pesca
e à aqüicultura, porém no mesmo diapasão do empreendedorismo e do
desenvolvimentismo, com controle dos grupos sociais locais nas estruturas
montadas pelo Estado.
É certo que um sistema tão longevo haveria de encontrar outras formas
de se manter estruturado. Assim surgem novas “motivações” para se obrigar
aos pescadores a continuarem filiados ao sistema de Colônias de Pesca. Estas
tomam o papel de “representantes”, “porta-vozes”, “interlocutores” dos
pescadores junto aos órgãos oficiais. Carteira de pescador, auxílio-defeso,
redução ICMS sobre o óleo diesel, averbação de tempo de serviço para fins de
aposentadoria, enfim, toda a articulação entre os pescadores e os órgãos
públicos a que eles deveriam contatar para receber seus direitos passa a ser
mediada pelas colônias de pesca.
Surgiu um novo padrão de tutela, que privilegiou uma forma de
representatividade cada vez mais seletiva, onde só poucos detêm a linguagem
para se comunicar com o mundo oficial. Os novos capatazes são aqueles que
mantém o jugo pela relação com os senhores através da comunicação
exclusiva e do conhecimento privilegiado.
4. Impactos da imposição de novos papéis nos espaços e na cultura locais
Os impactos explicitados pela imposição de múltiplos papéis sobre um
grupo social tão particular podem ser discutidos em duas linhas
complementares. Uma delas passa pelo controle do acesso a um determinado
espaço de produção para depois se alcançar o controle do acesso aos recursos.
Nesta linha, a definição explícita dos grupos detentores de direitos é
fundamental. É o que ocorre nos casos de criação de unidades de conservação
de uso sustentável marinhas.
A outra tem início pelo controle da forma de acesso aos recursos
naturais renováveis de uma determinada região. Nessa vertente, o que é
impositivo são as técnicas e os petrechos que podem ser utilizados por todos
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 333
aqueles que partilham do mesmo patamar tecnológico. É o que acontece nos
lagos amazônicos e seus Acordos de Pesca. O que é comum nas duas vertentes
é a intenção de se manejar os recursos naturais em função das características
sociais dos grupos que ocupam um determinado ecossistema.
Por exemplo, o que fazer com grupos tradicionais que atuem em
espaços onde a definição de uma Unidade de Conservação seja impossível,
difícil, ou desnecessária? Temos exemplos de vários espaços nestas condições.
A região estuarina-lagunar-oceânica de Cananéia, Ilha Comprida e Iguape é
uma delas. Já existem inúmeras unidades de conservação na área, tanto da
esfera federal, como da esfera estadual. Os ecossistemas se estendem por
áreas ora sob a administração municipal, ora sob a responsabilidade do estado
de São Paulo, em outras regiões sob a tutela do governo federal.
Por outro lado populações tradicionais atuam, muitas das vezes em
mais de um ecossistema: mangue, lagoa, estuário, por exemplo. Viver da roça
e da pesca é outro exemplo. Qual área preservar e definir como necessária à
reprodução do grupo social?
As questões de um plano de utilização para os recursos naturais
renováveis em áreas protegidas – quem, o que, onde, como e quando – não
estão contempladas nas duas alternativas. Nos acordos, falta, por exemplo, a
definição de uma categoria de tutela expressa para o espaço, ou seja, a
criação de uma Unidade de Conservação. Mas quando se a área já for
protegida, talvez não haja necessidade de novo estatuto legal de proteção, ou
mudança da esfera responsável por sua tutela.
O ordenamento do acesso aos recursos naturais pode ser uma
alternativa importante para a reprodução de determinados grupos sociais.
Pode ser o suficiente. Talvez o possível. Quem sabe um início, um teste. Mas
sem dúvida deve ser uma ferramenta à disposição dos grupos sociais e do
poder público.
Maior atenção deve ser dada ao lugar do saber local, do saber
tradicional. Esse mecanismo já foi feito a partir de sugestões do saber
científico. Em determinada medida, ocorre uma mudança no mecanismo de
tutela. Ela pode ser estabelecida em uma relação de subordinação através do
saber, do poder de determinar o que é sustentável ou não. O desejável talvez
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 334
seja partir do saber local e de discussões sobre as articulações desses saberes
e com os interesses e paixões locais para construir um ordenamento do uso do
espaço por atividades sustentáveis e não predatórias. Os dados coletados ao
longo do tempo serviriam como um balizamento para que a população
tradicional avaliasse suas práticas e discutisse alterações, se necessário.
Outra dimensão fundamental é a da topophilia, das relações afetivas
experimentadas com os lugares (Tuan, 1977; 1990). A querência pelo seu lugar
é uma marca substantiva das possibilidades do grupo local efetivamente
cuidar de seu lugar e dos recursos a serem explorados (Mello & Vogel, 2004).
5. O lugar do Estado e das políticas de Governo
De qualquer forma, parece que a presença do poder público é
fundamental em iniciativas como essas, pois, se o espaço natural, o Meio
Ambiente, possui muitos defensores, poucos são aqueles que estão a serviço
dos grupos sociais que vêm conservando estes espaços ao longo de várias
gerações.
Mas o que fazer quando o espaço não está mais preservado, não por
ação direta das populações tradicionais, mas por terem sido derrotadas frente
a forças a modernizadoras como a especulação imobiliária, o turismo
predatório, a atividade econômica desenfreada?
Os exemplos falam melhor. Na região de Angra dos Reis podemos
encontrar todos os prejuízos de uma atividade turística sem controle, uma
especulação imobiliária ímpar, e atividades econômicas totalmente
inadequadas ao ecossistema local: Usinas Nucleares, Estaleiros e outras
indústrias de grande porte, de suporte a estas, se alojam em verdadeiros
paraísos. Poucas áreas naturais ainda são produtivas, ou por sua extração
desordenada, ou pela destruição provocada pela poluição, decorrente de uma
especulação imobiliária predatória.
Já não se pode falar em criar mais unidades de conservação. O pouco
que restou faz parte da Estação Ecológica de Tamoios e já está protegido. Mas
esta proteção é integral, exigindo grande esforço do IBAMA para cumpri-la de
forma adequada. E os problemas decorrentes da degradação ambiental
chegaram aos grupos sociais tradicionais. Se, segundo dados da Secretaria
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 335
Municipal do Meio Ambiente de Angra dos Reis, existiam cerca de 900
extrativistas na Baía de Tamoios na década de noventa, e hoje não
conseguimos mais os encontrar. Não há mais o quê extrair, portanto não há
mais extrativistas.
O mesmo acontece no sistema lagunar de Jacarepaguá, município do
Rio de Janeiro. Os pescadores locais consultaram o IBAMA sobre a
possibilidade de serem protegidos, mas a resposta foi que o Meio Ambiente
em que viviam estava “detonado”, e que não cabia uma Unidade de
Conservação no local, porque nada mais havia a conservar8. Mas é certo que
não foi este grupo social o responsável pela degradação ambiental e sim a
especulação imobiliária de alta renda, combinada com a instalação de um
pólo industrial na região.
Talvez um conjunto de iniciativas, capitaneadas pelo poder público,
possa recompor os espaços, fazendo com que recursos naturais renováveis
voltem a existir, e fazer com que voltem a atuar sobre eles aqueles que
conhecem seu ciclo de vida e sabem como os extrair. Nestes casos, agir sobre
o espaço pode representar a ação mais eficaz que sobre os grupos sociais. Mas
não agir sobre os espaços com o objetivo de colocá-los numa redoma, apenas
para contemplação, e punir os grupos sociais que nem sempre têm culpa em
sua degradação. A idéia é recompor o espaço com o sentido de devolver sua
produção natural aos grupos que foram seus guardiões, até que os “de fora”
vencessem, e transformassem o espaço, à sua feição: estéril.
E o oposto? O espaço está lá. Mas não há quem se interesse por sua
produção natural, Não há mais quem saiba como extrair riquezas do
ecossistema. Neste caso, que pode ser o de Paraty, na região de São Gonçalo,
caberia ao poder público encetar um conjunto de medidas que incentivassem
grupos sociais na volta á produção de recursos naturais nestes espaços.
A maricultura, em suas diversas formas, é tratada como uma política de
modernização da pesca artesanal. Mas quase sempre é uma política que
envolve grupos tradicionais que, por um motivo ou por outro, perderam a
capacidade de se reproduzir ou se desenvolver nas atividades tradicionais que
8 Tal informação foi fornecida pelo então Gerente das Reservas Extrativistas do CNPT, Alexandre Cordeiro, em palestra na AREMAC, nos idos de 2000. Surpreendentemente o processo de criação da Resex continuava tramitando em 2010 no ICMBio.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 336
praticavam em seus ambientes. A transformação de pescadores em
“agricultores”, em “empreendedores” tem se mostrado uma empreitada que
tende ao fracasso.
No geral, a observação dos espaços da pesca artesanal no litoral do
Estado do Rio de Janeiro sugere um conjunto de medidas que passam pela
articulação de políticas públicas que constituam áreas protegidas com de
acordos para o ordenamento participativo de acesso a determinados recursos
em espaços definidos, a recomposição da produtividade de espaços naturais
tradicionais e o reagrupamento de grupos extrativistas tradicionais.
Estratégias de alternativas de renda e de atividade podem ser pensadas
como temporárias e secundárias. Pensar em formas de permanência de renda
no interior dos grupos, que aumentam sua circulação interna deveria ser
prioritária.
A idéia de um gerenciamento pesqueiro fundado na dimensão social das
pescarias, nas identidades locais e nas relações dos grupos com seus
territórios e recursos explorados nos parece mais viva do que nunca9.
6. A guisa de conclusão: o lugar dos empreendedores e do mercado
A proposta de discutir o lugar do empreendedor ou do mercado em
universos culturais que não seguem a “lex mercatória” nem vivem uma
“Bukovina global” (Teubner, 2003) é bastante ampla. Nesta conclusão vou
restringir-me a um tipo especial de empreendedor e de mercado: o
empreendedor estatal quase monopolista.
Essa condição cria um agente “semi-público” que ora se vê como um
agente público, ora se vê como um ator do mercado. Não diria que todos os
agentes da empresa desempenham esse papel. Mas alguns exemplos podem
iluminar o argumento.
Em 2001, logo após o grande vazamento de óleo na Bahia de
Guanabara, em uma reunião na Superintendência Regional do IBAMA técnicos
da empresa buscavam reduzir os impactos do vazamento na cadeia produtiva
9 Há uma Instrução Normativa do Ministério da Pesca e Aqüicultura, publicada em janeiro de 2010 que visa alterar os procedimentos de manutenção e obtenção do registro de pescador, onde a demonstração da produção figura como um dos elementos de comprovação da atividade. Entretanto, uma análise detalhada do documento e seus possíveis efeitos fogem do escopo deste artigo.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 337
do pescado da baía. O argumento foi que um salmão defumado continha mais
hidrocarbonetos em sua carne que os peixes afetados pelo vazamento. Ele
queria dizer que a empresa havia agregado valor ao pescado local? Não,
apenas queria reduzir a responsabilidade da empresa, contra todas as
evidências do próprio mercado.
Mas a atuação da empresa não ficou por aí. Ela precisava identificar o
universo afetado pelo vazamento para o estabelecimento da devida
compensação. Como fazê-lo? Como saber quem eram os “verdadeiros”
pescadores afetados? Os dados de registro das Colônias de Pesca não serviam,
pois havia pescadores que portavam cordões de outro, eram proprietários de
carros caros. Esses não eram aqueles com os quais a empresa era devedora de
sua responsabilidade social.
A alternativa que a empresa adotara era contratar outra empresa para
investigar quem seria de fato pescador e esta buscava informações em fontes
distintas das colônias e associações. Por exemplo, as paróquias eram fontes
mais fidedignas que os registros do setor10, que são uados para pagamento do
seguro defeso, para a concessão da aposentadoria especial dos pescadores,
entre outros direitos de seguridade social.
Em resumo, ao analisar essa lógica por seu reverso, percebe-se que
cuidado com o bem público – patrimônio, erário, espaço, recurso – não se
replica no cuidado com as finanças e a atividade no universo da esfera
privada. Para minimizar custos e encargos – e por que não falar da imagem
pública, que se reflete em perdas ligadas à responsabilidade socioambiental
das empresas – deve-se ser tão diligente quanto possível. Mesmo que para isso
se tenha que ultrapassar os limites da ética, da legalidade e da legitimidade.
No caso brasileiro, parece que a maior intolerância não está no Estado
e na sua visão sobre o bem, mas no Mercado, que imiscuído do poder do
Estado não só professa como impõe sua visão particular do bem.
10 É claro que esta estratégia foi questionada judicialmente e o processo que define o valor da compensação e aqueles que foram afetados se arrasta no judiciário há mais de dez anos...
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 338
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 339
POLUIÇÃO CÍVICA - CRIMINALIZAÇÃO DO BAIRRO LAGOMAR NO
MUNICÍPIO DE MACAÉ E AJUSTAMENTOS DE CONDUTA
Wilson Madeira Filho Prof. Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF
Jane Estanislau Roriz Bacharel em Direito pela Universdade Candido Mendes em Campos dos Goytacazes RJ
Residente Jurídica junto ao Centro de Assistência Judiciária da UFF em Macaé RJ
Angélica Chaves da Silveira Bacharel em Direito pela UFF em Macaé RJ
Residente Jurídica junto ao Centro de Assistência Judiciária da UFF em Macaé RJ
Ai, esta terra ainda há de cumprir seu ideal: Ainda vai tornar-se um império colonial!
(Fado Tropical, Chico Buarque)
Os sucessivos modelos de colonização no Brasil sistematicamente
refletem uma visão de império. No contexto quinhentista como na atual fase
de prospectivas para com o pré-sal, fala mais alto o discurso simbólico do
desenvolvimento. Tanto o Brasil descrito por Fernão Cardim enquanto outro
Portugal, quanto o Brasil onde “O pré-sal é nosso!” desconhecem a
perspectiva do indivíduo e mesmo a complexificação da questão social,
permeando-as por uma análise conjuntural de riqueza de nação, onde a
projeção desse ideal estatal cunha a imagem altaneira de uma metonímia
etnogeográfica que, seja como Reino, seja como “Brasil moleque”, faz crer
seguir uma trilha edênica assinalada.
Para o jesuíta tratava-se de viver um novo mundo, mesmo no sentido
renascentista, de retomar os valores da antiguidade, brindando-os com uma
versão admiravelmente depurada de males, pela perspectiva de um
recomeçar. Desse modo, o constructo ideológico da república clássica,
teorizada na polis grega, é reescrito pela naturalização. Tratava-se de um
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 340
lugar onde se tornava possível coabitar homens, bichos e plantas e onde o mal
era naturalizado.
Os tratados do padre Fernão Cardim, que chegou ao Brasil em 1583,
onde viveu cerca de quarenta anos, constituem não apenas um catálogo de
flora e fauna como um compêndio de usos e costumes indígenas, onde consta
a famosa discrição dos homens marinhos e monstros do mar:
Esses homens marinhos se chamam na língua Igpupiara, têm-lhe os naturais tão
grande medo que só cuidarem nele morrem muitos, e nenhum que o vê escapa; alguns morreram já, e perguntando-lhes a causa, diziam que tinham visto este monstro; parecem-se com homens propriamente de boa estatura, mas têm os olhos muito encovados. As fêmeas parecem mulheres, têm os cabelos grossos, e são formosas; acham-se esses monstros nas barras dos rios doces. Em Jagoarigpe sete ou oito léguas da Baia se têm achado muitos; em o ano de oitenta e dois indo um índio pescar, foi perseguido de um, e acolhendo-se em sua jangada o contou ao senhor; o senhor para animar o índio quis ir ver o monstro, e estando descuidado por uma mão fora da canoa, pegou dele, e o levou sem mais aparecer, e no mesmo ano morreu outro índio de Francisco Lourenço Caeiro. Em Porto Seguro se vêem alguns, e já têm morto alguns índios. O modo que têm em matar é: abraçam-se com a pessoa tão fortemente beijando-a, e apertando-a consigo que a deixam feita toda em pedaços, ficando inteira, e como a sentem morta dão alguns gemidos como de sentimento, e largando-a fogem; e se levam alguns comem-lhes somente os olhos, narizes e pontas dos dedos dos pés e mão, e as genitálias, e assim os acham de ordinário pelas praias com estas cousas de menos.1
Em contexto que se torna correlato, o Brasil como um país do futuro,
em um futuro presentificado há pelo menos cinquenta anos em projetos
estatais como 50 anos em 5 da Era JK, o Milagre Econômico da Era Militar e o
PAC da Era Lula, a autonomia econômica a despertar o “gigante adormecido”
acalenta o mesmo sonho de nação, naturalizando o desenvolvimento. Desse
modo, como uma espécie de metonímia do processo histórico, empresas como
a Petrobrás passam a simbolizar nosso poder de império, ampliando a malha
energética, tornada moeda forte na disputa internacional.
O ouro negro vertido consuma a trajetória extrativista de uma
perspectiva de colonização de uma natureza “que tudo dá” e onde flora e
fauna catalogáveis são delimitadas espacialmente, em mecanismos de
controle chamados de unidades de conservação. Os royalties do petróleo e de
seus derivados passam a centralizar as disputas políticas por recursos de
municípios e de estados federados e, paradoxalmente, as próprias demandas
1 CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo: Hedra, 2009, pp. 151-152.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 341
por sustentabilidade econômica dos mecanismos político-administrativos de
conservação da natureza. Assim como a moeda brasileira, o Real, a etimologia
dos royalties traduz o contexto simbólico desse reino em permanente
edificação.
Nesse cenário, municípios como Macaé, localizado na região Norte
Fluminense do estado do Rio de Janeiro, e que se encontra no epicentro da
maior província petrolífera do Brasil, são exemplares para dar conta do
registro de uma dinâmica civilizatória que perpetra o estupro cívico de uma
comunidade de pescadores tornando-a pólo de degredados que passam a
funcionar como alicerce proletário da nova etapa de colonização.
Desde a primeira metade do século XIX, Macaé é reconhecida em
termos de economia agro-industrial apoiada na cana-de-açúcar, exercendo a
função de cidade comercial a partir do desenvolvimento do porto de
Imbetiba, em 1846. Nas últimas décadas do século XX desponta como centro
regional em decorrência das atividades de extração de petróleo e gás natural
na Bacia de Campos, recebendo um reconhecimento a nível nacional, sendo
inclusive conhecida como a “Princesinha do Atlântico”.
O súbito crescimento demográfico, propulsionado pelo novo eldorado,
carreia migrações em busca de trabalho e oportunidades. O crescimento
desordenado do município, a “economia de cassino”2 e a política clientelista
são fatores que concorrem para gerar amplo processo de favelização. Nesse
contexto, o bairro Lagomar é o que mais se expande, com ocupações
desordenadas, chegando a uma população de cerca de trinta mil pessoas.
Lagomar passa a ocupar diariamente as manchetes sobre violência e
criminalidade dos jornais populares, em textos sensacionalistas, que
promovem um folclore marginal de novos “ipupiaras”. “O final de semana foi
marcado por dois homicídios que aconteceram no bairro Lagomar, em Macaé”
2 A expressão é utilizada por Boaventura de Souza Santos para caracterizar um economia de apostas em bolsas de valores, sem compromisso político com os contextos reais, em SANTOS, Boaventura de Souza. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In: HELLER, Agnes et al. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro, Contraponto, 1999, pp. 33-75.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 342
anuncia o site macaenews3. “Macaé lidera ranking da violência” informa o
blogspot da tribuna dos municipios4.
Pressionado pela expansão imobiliária da beira mar macaense, pelo
terminal de petróleo e gás de Cabiúnas e pela posição limítrofe ao Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, Lagomar e seus trinta mil degredados
tornam-se o inimigo comum do poder de império em sua expressão local, pois
passam a simbolizar a dimensão de uma poluição cívica, a ser exterminada, a
ser “limpa”, a ser controlada e domesticada através de ajustes de conduta,
pois aqui a palavra realidade possui apenas a mesma etimologia de realeza.
O presente texto irá abordar a Ação Civil Pública federal movida
contra os moradores do bairro Lagomar, enquanto potencial ameaça à área de
amortecimento do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, e irá
desdobrar-se em três pontos: 1) o relato sucinto do conflito; 2) o estigma da
marginalização; e 3) novos Ajustamentos de Conduta.
1. Pobreza enquanto conflito
A escolha do município de Macaé para fixar o terminal de apoio às
atividades das plataformas da Petrobrás e o Distrito de Produção do Sudeste,
acabou por levar à população local grandes expectativas com relação à
chegada da estatal, e principalmente, o próprio desenvolvimento futuro para
o município de Macaé. Além da expectativa da população macaense, os
demais municípios vizinhos, como Conceição de Macabu, Quissamã e
Carapebus, apresentam-se fortemente influenciados pelas atividades
econômicas surgidas a partir da extração de petróleo e gás natural na Bacia
de Campos.
Por sua vez, o crescimento da atividade industrial de Macaé resulta,
por um lado, dos crescentes investimentos realizados em exploração,
3 Homicídios marcaram o final de semana em Macaé. Disponível em http://www.macaenews.com.br/ver_not.php?id=64748&ed=Pol%EDcia&cat=Not%EDcias, acesso 24/01/2011 4 Macaé lidera ranking da violência. Disponível em http://tribunadosmunicipios.blogspot.com/2007/03/maca-lidera-rancking-da-violncia.html - acesso em 28/01/2011
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 343
desenvolvimento e produção de petróleo e gás, em especial pela empresa
Petrobrás, como também pelo ingresso de empresas nacionais e estrangeiras,
industriais atuantes no mercado off-shore (operadoras e
prestadoras/fornecedoras de bens e serviços), de pequeno, médio e grande
porte, atraídas pelas oportunidades de negócios na Bacia de Campos.
Esse processo foi acelerado em função da quebra do monopólio de
exploração da Petrobrás, a partir da Lei do Petróleo de 1997. Assim, em
pouco mais de três décadas, o município de Macaé presenciou a mudança de
sua base produtiva, de uma estrutura tipicamente primária para uma
estrutura industrial e de prestação de serviços.
Desde a década de 1980, Macaé vem experimentando diversas
transformações nas atividades econômicas desenvolvidas no Município, o que
acabou por desencadear um processo de rápida urbanização e crescimento
populacional. Essa rápida migração, ou seja, a urbanização e crescimento
populacional de forma desordenada tiveram como fundamento o fato do
Município de Macaé ter vivenciado um rápido desenvolvimento econômico,
ocasionando a chegada de muitas pessoas no município, vindas de diversas
regiões do Brasil e do mundo, em busca de uma melhor qualidade de vida, e
uma colocação no mercado de trabalho, sendo considerado um dos municípios
da região Norte Fluminense que mais recebe pessoas de outras localidades.
Todo esse destaque recebido pelo município, além da chegada da
Petrobrás e das diversas empresas especializadas no ramo do petróleo, teve
farta divulgação na mídia (televisão, internet, jornais, entre outros meios de
comunicação), no que tange às diversas oportunidades de trabalho, sendo
comum ouvir que “na cidade não trabalha quem não quer”, “que existem
muitas oportunidades”.
Os imigrantes chegam no município com suas aspirações individuais,
mas muitas vezes não encontram condições sociais disponíveis para
concretizá-las, permanecendo numa região em que o número de empregos
cresce enormemente, mas não conseguem uma colocação no mercado de
trabalho, tendo em vista, ser necessário ter um nível de escolaridade na área
do petróleo. Sem escolaridade, e sem ter condições de retornar para sua
cidade de origem, muitos acabam permanecendo no município, ocasionando
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 344
inúmeras consequências sociais, dentre elas a expansão da criminalidade
urbana.
O Loteamento Balneário Lagomar, que inicialmente se caracterizava
por alocar residências secundárias, ocupadas primordialmente por veranistas
e instalações industriais, em função do crescimento urbano, da valorização e
especulação imobiliária, foi ocupado de forma desordenada e irregular por
população de baixa renda.
Com a criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, em
1998, a área em que se localiza o Bairro Lagomar passou a figurar como parte
do entorno da Unidade de Conservação, o que acarretou em instaurar
restrições ao uso do solo com vistas a assegurar a preservação do território
protegido. Em decorrência, acirrou-se o conflito entre distintos interesses e
formas de uso e ocupação daquele território. A disputa pelo acesso e uso do
território assumiu nova configuração, indo de encontro à preservação e
conservação da restinga de Jurubatiba.
Importante destacar que a área onde está inserido o Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba, foi reconhecida, em 1992, pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, a pedido do
governo brasileiro, como parte da reserva da biosfera da Mata Atlântica.
O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba foi criado em 1998, com
uma superfície de 14.838 ha que se estendem pelos municípios de Macaé,
Carapebus e Quissamã, que se justifica pelo grande número de ambientes
aquáticos existentes em seu entorno, tornando esta região um dos trechos do
litoral brasileiro de maior diversidade de ecossistemas.
O Ministério Público Federal de Campos dos Goytacazes, provocado
por uma iniciativa de sua Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural,
instaurou, em agosto de 1997, um Procedimento Administrativo com a
finalidade de intervir na área do bairro Lagomar, por meio de sanções e
embargos às construções irregulares que se erguiam no local. Diz o texto da
petição inicial do Ministério Público Federal, nos autos da Ação Civil Pública
n.º 2002.51.03.001627-2, sobre a qual se falará mais a frente:
(...) com base em dano ambiental causado pelo Loteamento Balneário Lagomar, com vistas à aplicação das sanções previstas na legislação municipal, inclusive
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 345
com o embargo de diversas obras em andamento, localizadas em área de preservação permanente, sem licença dos órgãos competentes, tendo em vista, o projeto aprovado de implantação do referido loteamento junto ao INCRA, em 30 de novembro de 1970 e a Prefeitura Municipal de Macaé/RJ, em 03 de abril de 1976, determinando “a formação de 527 sítios de recreio, com área de 5.000 m2 cada um”, conforme consta em registro do Cartório do 3º Ofício de Macaé/RJ.5 Cabe esclarecer que a Ação Civil Pública acima referenciada foi
proposta pelo Procurador da República de Campos dos Goytacazes, e não de
Macaé, porque a mesma foi proposta em 18 de julho de 2002 e a Vara Federal
de Macaé só foi inaugurada em 14 de fevereiro de 2003, ou seja, após a
propositura da ação. Por sua vez, a Procuradoria da República de Macaé só foi
instalada na cidade em 2006. Embora o Município de Macaé tenha pedido
recentemente o declínio de competência para a Vara Federal de Macaé, tal
pedido foi julgado improcedente e por isso a ação continua a tramitar na 1ª
Vara Federal de Campos, atuando, portanto, o Procurador da República
daquele município.
Ainda de acordo com a petição do Ministério Público Federal:
Estas áreas, por sua vez, foram sendo alienadas, formando cadeias de transações, até chegarem aos proprietários atuais, os quais confiaram a certos corretores suas quadras, para que as vendessem, atuando, alguns destes, “por confiar na inépcia da justiça e do poder de fiscalização ambiental”, na venda fracionada dos terrenos, em lotes de 200 m2, cada um, sem o necessário licenciamento da Prefeitura Municipal de Macaé, FEEMA (loteamento) e do IBAMA (vegetação). Várias construções com fins residenciais, com supressão de vegetação de restinga, começaram a ser realizadas.6
Em ofício encaminhado pelo Procurador do Município de Macaé ao 3º
Centro Regional do Ministério Público Federal, em março de 1999, este
informa que:
(...) há loteamento na localidade Lagomar, aprovado por esta municipalidade, e que as áreas reservadas ao município foram motivos de invasões”, afirma ainda, que o município aprovou e autorizou os loteamentos, sendo certo que somente houve aprovação para os lotes de 5.000 m2. 7
5 Petição inicial do Ministério Público Federal, na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.03 dos autos. 6 Petição inicial do Ministério Público Federal, na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.04 dos autos. 7 Petição inicial do Ministério Público Federal, na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.09 dos autos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 346
Contudo, é preciso ressaltar que as autorizações para
desmembramento de lotes de 5.000 m² no bairro Lagomar continham a
ressalva de que o proprietário do imóvel se obrigaria a preservar a vegetação
nativa do local. Talvez a grave falha do município tenha sido a não
fiscalização do cumprimento desta obrigação, permitindo que a especulação
imobiliária descontrolada desfigurasse a área.
Em agosto de 1999, o Deputado Estadual Carlos Minc, então
Presidente da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro, encaminhou ao Ministério Público Federal, um
pedido de abertura de Inquérito Civil Público para investigar a
responsabilidade da Prefeitura de Macaé, nos danos ambientais causados pela
ocupação irregular do solo na área do bairro Lagomar.
O Ministério Público Federal, insatisfeito com a falta de compromisso
e de atenção para com o grave problema ambiental em questão, manifestou-
se no sentido de propor a celebração de um Termo de Ajustamento de
Conduta, ao Prefeito de Macaé/RJ.
Observe-se que um dos argumentos utilizados na defesa do Município
de Macaé, conforme contestação apresentada, consiste na afirmação da
impossibilidade de desocupação do bairro e da recomposição da vegetação
original, ressaltando que:
(...) o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado não previa a desocupação do Loteamento Lagomar, com a restauração do local à situação anterior no que tange à vegetação típica de restinga. Previa isso sim, a obrigação de obstar qualquer parcelamento ou edificação no Loteamento Lagomar.8
Ou seja, no entendimento do Município de Macaé, não seria mais
possível efetuar a remoção dos moradores e efetuar uma recuperação da área
de restinga do local em razão do grande número de pessoas residentes no
local e da quantidade de atividades já implantadas na área.
Todo o cenário acima exposto contribuiu por fazer com que as
famílias do Bairro Lagomar, que ficam na área do entorno do Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba, fossem “condenadas” por um Termo de
8 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.63 dos autos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 347
Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Município de Macaé e o
Ministério Público Federal de Campos dos Goytacazes, em 08 de novembro de
2000. Neste Termo de Ajustamento de Conduta o Município de Macaé
reconhece seu dever de fiscalização dos lotes e construções no Lagomar, e se
obriga “a obstar qualquer parcelamento, obra ou edificação”, no referido
loteamento.
A Assembléia Permanente de ONGs da Macro Região Ambiental 5/RJ,
assim como, a Associação de Moradores do Balneário Lagomar, fez afirmação
em julho de 2001, de que o prazo de cumprimento do Termo de Ajustamento
de Conduta haveria se esgotado sem que tivessem sido tomadas medidas pelo
Poder Público Municipal para controlar as invasões, e a conseqüente
depredação do patrimônio natural da região.
A ausência de medidas efetivas visando o atendimento do Termo de
Ajustamento de Conduta, agravando ainda mais a situação do conflito social
no loteamento, em razão da falta de saneamento, do acúmulo de lixo e do
incremento dos índices de violência, acabou por exigir a interferência do
Ministério Público Federal, como única alternativa capaz de forçar a adoção
de ações concretas. Este fez tramitar perante a 1ª Vara Federal de Campos
dos Goytacazes – Seção Judiciária do Rio de Janeiro – a Ação Civil Pública de
nº 2002.51.03.001627-2, em face do Município de Macaé, como medida
protetiva do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, solicitando,
liminarmente, cessar, a ocupação irregular do entorno do mencionado Parque.
Após a entrega em 2008 do Plano de Manejo do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba, que demorou cerca de dez anos para ficar pronto, o
principal objetivo era encontrar uma solução para a população que mora no
entorno do Parque no bairro Lagomar, então habitado em sua maioria por
população de baixa renda, que cresceu ao longo da última década, de
maneira irregular, e desprovidos de serviços públicos de primeira necessidade,
como água tratada e coleta de esgoto doméstico de maneira adequada.
Curiosamente, contudo, o Plano de Manejo, cala com respeito ao Terminal de
Cabiúnas da Petrobrás, cujos investimentos e obras no mesmo território
limítrofe ao Parque não são criminalizados, ao arrepio da lei.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 348
A princípio todo o bairro Lagomar era considerado integrante da área
de entorno do Parque, o que impedia, inclusive, que ali fossem realizadas
quaisquer obras de infra-estrutura na área até que fosse editado o Plano de
Manejo da Unidade. O Termo de Ajustamento de Conduta, firmado entre o
Ministério Público Federal e a Prefeitura Municipal de Macaé, definiu como
área a ser desapropriada apenas aquela mais próxima, limítrofe do Parque,
conhecida como W-30, que corresponde a uma zona de amortecimento
mínima criada, onde não se permitia qualquer tipo de construção. O TAC
determinou um prazo para que fosse concluída a desapropriação e autorizou a
Prefeitura de Macaé a promover obras de infra-estrutura no bairro, firmando,
ainda o compromisso de coibir e evitar invasões na área, tendo em vista, a
intensa utilização da Lagoa de Jurubatiba como área de lazer para essa
população.
Cabe mencionar que a delimitação da área de amortecimento mínima,
constituída pela quadra localizada entre as ruas MPM e W-30, ocorreu em
razão do forte apelo popular dos moradores da localidade que sofriam com a
falta de infraestrutura mínima, como calçamento de ruas, iluminação pública,
rede de água e esgoto e transporte público.
Em decorrência desse apelo popular, o Prefeito de Macaé, Sr. Riverton
Mussi, em 06 de setembro de 2005, instituiu por meio do Decreto
n.º180/2005, o bairro Lagomar como Área Especial de Interesse Social,
utilizando-se o instrumento jurídico disponibilizado na Lei n.º 10.257/2001, o
Estatuto da Cidade. Tal medida representou um esforço do Poder Público
Municipal para regularizar a ocupação fundiária, ao mesmo tempo em que
atendia a demanda da população local por serviços públicos, e, resguardava
parte da zona de amortecimento de impacto do Parque Nacional de
Jurubatiba.
Desta forma, o Município contemplou a sentença dada nos autos da
Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, ao reservar uma área mínima para
servir de amortecimento de impacto ambiental do Parque Nacional de
Jurubatiba e permitiu que os moradores de outras partes do bairro pudessem
ter acesso aos serviços públicos e de infraestrutura essenciais. Esta área
mínima de amortecimento está assinalada na segunda foto a seguir.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 349
Ocorre, porém, que atualmente, também esta área já está ocupada,
com o que se calcula hoje, cerca de 1.000 pessoas. Tal situação criou um novo
impasse para o Município, que precisa cumprir a sentença dada nos autos da
Ação Civil Pública e ao mesmo tempo não tem como remover essa população.
Sobre esse ponto se falará mais detalhadamente a frente.
Lagomar: visão geral. Foto disponível em www.maplandia.com.br/brazil/rio-de.../macaé/macae
Lagomar: visão da área demarcada para desocupação. Foto disponível em www.maplandia.com.br/brazil/rio-de.../macaé/macae
2. Estigma
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 350
Anteriormente à propositura da Ação Civil Pública, ambientalistas e o
Ministério Público Federal pronunciaram-se no sentido de reconhecer que o
reordenamento da ocupação do solo no bairro Lagomar se afigura como o
principal e inarredável meio de conter as invasões, assim como de obstar a
continuidade da degradação ambiental em andamento no local. Insistiu,
porém, o Município de Macaé de que a restauração da conduta à legalidade
não poderia equivaler a retirar todos os ocupantes do local, com a
restauração da vegetação de restinga, porque, não se afigurava mais possível
a recuperação do local. Tal afirmação foi feita com base em um ofício da
FEEMA encaminhado ao Ministério Público Estadual que afirmava que:
Atualmente, as medidas cabíveis para a recuperação da área, com base na alínea b do artigo 3º da Lei n.º 4.771, de 15.09.65, se tornam praticamente inviáveis devido às inúmeras atividades implantadas.9
O Município de Macaé segue ainda em sua defesa trazendo
considerações relevantes ao tema:
Vale dizer, qual o sentido de se retirar do local as famílias já assentadas, vítimas, inclusive da má-fé dos proprietários e corretores, conforme se verifica no procedimento administrativo, se na parte ocupada do Loteamento Balneário Lagomar já não cabia recuperação da vegetação.10
Mesmo defendendo tese em sentido contrário, o próprio Ministério
Público Federal reconheceu a dificuldade da situação quando, em
Procedimento Administrativo, cuja cópia segue acostada aos autos da Ação
Civil Pública que ora se comenta, decide que:
“Junte-se ao Procedimento Administrativo. Oficie-se à Prefeitura informando que estão havendo novas construções no Lagomar. E expondo que sem o reordenamento do local será impossível conter novas invasões. Por isso, deve ser informado à Prefeitura que será feito novo TAC, para que o Município possa custear um estudo por técnicas de reurbanização com proteção das áreas verdes e construção de área de lazer e infra-estrutura etc.”11
9 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.63 dos autos. 10 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.63 dos autos. 11 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.64 dos autos.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 351
Certo é também que, no caso do Município de Macaé, o Centro urbano
passou a ser considerado pequeno para conter o crescimento da população
que se denota em virtude do crescimento econômico da cidade. Assim, mais
lógica seria a organização do espaço, com a sua urbanização e com a
consequente preservação das áreas intactas que se encontram no Loteamento
Lagomar.
Por força do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, os municípios
brasileiros com população superior a 20 mil habitantes tiveram de promover a
confecção de um Plano Diretor, com diagnósticos participativos. Tal processo
culminou em Macaé com a provação da Lei Municipal Complementar n.º076,
de 10 de outubro de 2006. A lei, com 244 artigos, promove uma modernização
do planejamento urbano, em direção a uma dicção de cidade inclusiva, na
linha do que vinha sendo propagado pelo Ministério das Cidades e pelos
diversos ciclos de Conferências das Cidades, sopesando função social e
especial relevância social para populações de baixa renda. Embora no texto
legal não tenha ficado claro, o mapeamento do Balneário Lagomar.
O Plano Diretor de Macaé, em seu Título III, Da Estruturação Urbana,
apresenta, nos artigos 115 e seguintes, o macrozoneamento do território
municipal, compreendido em duas macrozonas: Macrozona de Ambiente
Natural e Macrozona de Ambiente Urbano. A Macrozona de Ambiental Natural
se subdivide em duas categorias: Macroárea de Preservação Ambiental e
Macroárea de Uso Sustentável, ambas sem maiores detalhamentos, se
compreendendo pelos anexos conter a primeira área no interior do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba. A Macrozona de Ambiente Urbano, por
sua vez, se subdivide em seis categorias: Macroárea da Orla, Macroárea de
Ocupação Prioritária, Macroárea de Ocupação Controlada, Macroárea de
Regularização Urbanísica, Macroárea de Expansão Periférica e Macroárea de
Transição.
A Macroárea da Orla é assim descrita:
Art.131 – A Macroárea da Orla compreende uma faixa territorial de litoral que se destaca pela importância ambiental, beleza cênica e vocação natural para uso público e o lazer, cuja alta valorização imobiliária, verificada ao sul, opõe-se à precariedade de áreas e equipamentos de lazer, observada ao norte.
Art. 132 – Para atender aos objetivos e dirigir a aplicação dos instrumentos da política pública urbana, a Macroárea da Orla classifica-se em:
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 352
I – orla sul, trecho compreendido entre a Lagoa de Imboassica e a Imbetiba, incluindo, no todo ou em parte, as localidades Mirante da Lagoa, Morada das Garças, Vivendas da Lagoa, Cavaleiros, Praia Campista e a faixa de encosta às margens da RJ-106;
II – orla centro, trecho compreendido entre o Pontal da Barra, incluindo parte dos bairros Centro e Imbetiba;
III – orla norte, trecho compreendido entre o Pontal da Barra e o loteamento Balneário Lagomar, excluindo este e a localidade Fronteira e incluindo as localidades São José do Barreto, Barreto e parte do Bairro de Macaé.
O Balneário Lagomar, portanto, excluído da orla norte, deveria
constar, em conformidade com os mapas em anexo, da Macroárea de
Regularização Urbanística e Ambiental, mas não se encontra listado, conforme
a descrição específica;
Art. 146 – A Macroárea de Regularização Urbanística e Ambiental é caracterizada pela predominância de áreas ocupadas PR população de baixa renda, configurada em loteamentos irregulares, assentamentos espontâneos e ocupações em áreas de risco ou de preservação ambiental, apresentando infra-estrutura básica incompleta, deficiência de equipamentos sociais e culturais, comércio e serviços.
Art. 147 – A Macroárea de Regularização Urbanística e Ambiental incluindo as localidades de Fronteira, Nova Brasília, Nova Holanda, Nova Esperança, Ilha Colônia Leocádia, Malvina e parte dos bairros da Barra de Macaé, Botafogo e Parque Aeroporto especialmente o conjunto Residencial Parque aeroporto.
Certo que princípios de hermenêutica jurídica trazem para o caso
concreto disposições de coerência na aplicação da lei, via interpretação
extensiva ou mesmo por analogia. Todavia, vale destacar o silêncio do
legislador, que permite certa confluência de interesses, uma vez que o mesmo
território, por disposição federal encontra-se na área de amortecimento do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
Essa contínua marginalização do Balneário Lagomar, que se expressa
em uma marginalização simbólica, via estigma da violência e da
criminalidade, em marginalização sócio-econômica, via estigma da pobreza,
torna-se também marginalização das próprias “margens” da cidade, pois está
e não está nos mapas e a vastidão da lei faz com que trinta mil pessoas sejam
invizibilizadas, apesar desse quantitativo ser suficiente para propor seu
próprio “plano diretor”.
Henry Lefebvre já chamara a atenção para as descontinuidades nos
processos de planejamento urbano:
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 353
O organicismo com suas implicações, a saber o evolucionismo simplificador de muitos historiadores e o continuísmo ingênuo de muitos sociólogos, ocultou as características específicas da realidade urbana. Os atos ou acontecimentos “produtores” dessa realidade, enquanto formação e obra social, escaparam ao conhecimento. (...) Não esqueçamos as dimensões. A cidade tem uma dimensão simbólica; os monumentos, como também os vazios, simbolizam os cosmos, o mundo, a sociedade ou simplesmente o Estado. Ela tem uma dimensão paradigmática; implica em mostrar oposições, a parte interna e a parte externa, o centro e a periferia, o integrado à sociedade urbana e o não-integrado. Finalmente, ela possui também a dimensão sintagmática: ligação dos elementos, articulação das isotopias e das heterotopias.12
Vale dizer, conceitualmente o Plano Diretor de Macaé incorporou
discursos de tecnologia democrática consoantes com as bandeiras sociais
consagradas, mas evitou, ou procurou evitar, que estruturalmente as
ferramentas democráticas estivessem acionadas para o construtivismo cívico
lagomarense. Um eixo transversal atravessa toda a Lei Complementar
076/2006, que sistematicamente aponta objetivos, diretrizes e meios de
consecução das diretrizes. A Lei se quer, assim, atual e atuante, ou pelo
menos simula, linguisticamente, sua facticidade.
Essa “forma revolucionária” para uma arte jurídica “revolucionária”
pode também ser lida como plágio e, sobretudo, como pastiche. Como plágio,
pois a Lei do Plano Diretor de Macaé semelha diversas outras de planos
diretores em diversos municípios brasileiros. A obrigatoriedade em cumprir o
prazo estabelecido por portarias do Ministério das Cidades, implicando em
possível empate de repasses orçamentários e em desabilitar o ente municipal
à concorrências em editais públicos, contribuiu para que diversas consultorias
“especializadas” se formassem, vendendo seus serviços em todos os cantos do
país. Esse plágio, que nem sempre é exatamente um plágio, antes uma
“paráfrase” legislativa, ao ser utilizada em larga escala dá origem ao
pastiche, ou seja, a cópia pela cópia, posto que a exigência legal passa a ser
absorvida como exigência retórica da modernidade estatal, e depois se vê
como fica, depois se vê como é que se faz.
Da mesma maneira, a construção de favelas e de subúrbios como uma
espécie de subcultura, inclusive por setores da academia, nada tem de
12 LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Farias. São Paulo: Centauro, 2001, p. 51 e p. 65.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 354
recente13. Como comentam Luiz Antonio Machado da Silva e Márcia Pereira
Leite:
O que parece novo é que agora não se trata de basear este entendimento, como antes, na desordem social dessas localidades, mas de associá-las diretamente ao crime violento. (...) Sua contraface são os “mitos” relativos à ausência do Estado nas favelas, que seriam dominadas por um poder paralelo constituído pelos bandos de traficantes, a partir dos quais se constrói a metáfora de guerra. (...) Mais importante é sublinhar que a idéia de um “Estado dentro do Estado” depende em grande parte de duas operações cognitivas. De um lado, da transformação em conivência generalizada o que é a submissão dos moradores, pela força, às necessidades logísticas dos bandos de traficantes. De outro, do desconhecimento de que esta submissão forçada não altera a adesão à ordem institucional, que pode ser claramente percebida tanto nas descrições de ações efetivamente realizadas quanto nas referências a disposições e atitudes subjetivas.14
Lagomar é a cidade dentro da cidade, abandonada a sua própria sorte,
formada com o material de demolição da cidade outra, tida como oficial,
habitando as fissuras da legalidade e se espraiando pelas práticas grilheiras do
especulador imobiliário mafioso, que transaciona certidões subornando
cartórios. Lagomar, entre a Lagoa de Jurubatiba e o mar, não faz parte da
agenda verde da conservação ambiental, é antes a poluição cívica a
apresentar individualidades arcaicas que nada se aproximam do tipo ideal
burguês reciclável. Tampouco perpassa pela pauta liberal energética a dar
sustentação operária ao sonho do pré-sal, é antes a lumpencidadania
3. Novos ajustamentos de conduta
O pivô do conflito com a população do bairro Lagomar, o Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, em seus 12 anos de existência apresentou
vários percalços em sua gestão, traduzindo embates internos no
conservacionismo brasileiro, pressionado por correntes socioambientalistas. A
começar por sua própria gênese, elaborada a idéia de Parque a partir da
13 Ver, nesse sentido, VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela. Rio de Janeiro: FGV, 2005. 14 SILVA, Luiz Antonio Machado da; LEITE, Márcia Pereira. Capítulo 4: violência, crime e polícia: o que os favelados dizem quando falam desses temas? In: SILVA, Luiz Antonio Machado da (organizador). Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, pp. 47-76.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 355
militância ambientalista local que, em seguida, confrontou-se com a
burocracia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), então pouco afeita a modelos de gestão participativa15.
Mudanças se sucederam na direção do Parque, que, iniciando sem
verbas e com três funcionários, obteve, através de medidas compensatórias
junto a Petrobrás, inicialmente guaritas e veículos e, em seguida, sede e
melhores estruturas. Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio), em 2005, este passou a gerir as Unidades de
Conservação federais, em cisão que, a principio visava trazer mais
sensibilidade social e consolidar gestões participativas.
Essa trajetória, do conservacionismo biocêntrico a socioambientalismo, é
esboçada, em pinceladas macropolíticas, por Joan Martínez Alier. O
economista mexicano distingue três correntes do ecologismo: o culto à vida
silvestre, o evangelho da ecoeficiência e a justiça ambiental ou o ecologismo
dos pobres16. O culto da vida silvestre se caracterizaria pela defesa da
natureza intocada, com o amor aos bosques e o louvor aos cursos d’água,
tendo como representantes John Muir e o Sierra Club dos Estados Unidos.
Nessa corrente, são mencionadas como conquistas a Convenção da
Biodiversidade no Rio de Janeiro em 1992 e a Lei de Espécies em Perigo dos
Estados Unidos, além de organizações do naipe da IUCN (International Union
for the Conservation of Nature), da WWF (Worldwide Fundo of Nature), da
Nature Conservancy e dos Amigos da Terra, assim como autores como
Leonardo Boff e Ronald Inglehart. O evangelho da ecoeficiência seria uma
corrente, que ainda que entrelaçada à primeira, manifestaria preocupação
com os efeitos do crescimento econômico. Essa corrente seria a responsável
pelo termo “desenvolvimento sustentável”, e onde falam “natureza” talvez se
devesse ler “recursos naturais” Seu “templo” mais importante na Europa teria
sido, nos anos 1990, o Instituto Wuppertal, e seus principais teóricos teriam
sido Samuel Hays e Gifford Pinchot, precursores do conservacionismo e do
manejo florestal científico. Ou seja, a ecologia transforma-se em ciência
15 Conforme VAINER, Alice Giacomini. Território, meio ambiente e conflitos: estudo de caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba Dissertação de mestrado. Orientação de Wilson Madeira Filho. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, 2010. 16 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres. Conflitos ambientais e linguagens de valoração. Tradução de Maurício Walman. São Paulo: Contexto, 2007.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 356
gerencial para minimizar os impactos causados pela degradação industrial. Por
fim, apresenta a corrente da justiça ambiental e o ecologismo dos pobres:
Essa terceira corrente assinala que desgraçadamente o crescimento econômico implica maiores impactos no meio ambiente, chamando a atenção para o deslocamento geográfico das fontes de recursos e das áreas de descarte dos resíduos. Neste sentido, observamos que os países industrializados dependem de importações provenientes do Sul para atender parcela crescente e cada vez maior de suas demandas por matérias-primas e bens de consumo. Os Estados Unidos importam metade do petróleo que consomem. A União Européia importa uma quantidade de materiais (inclusive energéticos) quase quatro vezes maior do que a que exporta. Ao mesmo tempo, a América Latina exporta uma quantidade seis vezes maior de matérias (inclusive energéticos) do que aquela que é importada. O continente que constitui o principal sócio comercial da Espanha, não em dinheiro, mas em quantidade exportada, é a África. O resultado em nível global é que a fronteira do petróleo e do gás, a fronteira do alumínio, a fronteira do cobre, as fronteiras do eucalipto e do óleo de palma, a fronteira do camarão, a fronteira do ouro, a fronteira da soja transgênica... todas avançam na direção de novos territórios. Isso gera impactos que não são solucionados pelas políticas econômicas ou por inovações tecnológicas e, portanto, atingem desproporcionalmente alguns grupos sociais que muitas vezes protestam e resistem (ainda que tais grupos não sejam denominados de ecologistas).17
A corrente advém do movimento organizado contra os casos de
“racismo ambiental” nos Estados Unidos, que relacionaram despejo de dejetos
tóxicos e lixos em bairros pobres ou habitados por minorias raciais. Essa luta
ganhou o nome de justiça ambiental, por via de sociólogos ambientais e está
crescendo em nível mundial18. À perspectiva urbana de justiça ambiental
somou-se à noção rural terceiro-mundista alcunhada de ecologismo dos pobres
pelo historiador peruano Alberto Flores Galindo e conceituada por
Ramachandra Guha e pelo próprio Joan Martínez Alier.
17 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres. Conflitos ambientais e linguagens de valoração. Tradução de Maurício Walman. São Paulo: Contexto, 2007, pp. 33-34. 18 A Rede de Justiça Ambiental brasileira foi lançada em evento na Universidade Federal Fluminense, em 2002, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, em parceria com diversas universidades e associações, sob coordenação dos professores Selene Herculano e Wilson Madeira Filho. Em seguida, em janeiro de 2004, no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, a Rede constituiu boletim e dinamizou os trabalhos, cujas vertentes se espraiaram em grupos de discussão em diversos eventos e congressos acadêmicos no país, como a ANPPAS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade e a ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Sob coordenação de Henri Acserald, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foram lançadas duas versões do Mapa de Justiça Ambiental, criando uma metodologia multidisciplinar de relatoria sobre os casos de conflitos ambientais. Um novo mapeamento, agora sobre o titulo Mapa de Injustiça Ambiental e Saúde foi lançado em 2010, sob coordenação de Marcelo Firpo e Tânia Pacheco, através da FIOCRUZ, e se encontra disponível em http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=mapas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 357
A questão, portanto, da gestão de unidades de conservação, visando
incluir perspectivas socioambientalistas no cerne da política de conservação
da natureza, participa desse conjunto de questões relativas à justiça
ambiental e ao ecologismo dos pobres, uma vez que, em âmbito democrático
e republicano, não é mais possível, para um ambientalismo em movimento,
partilhar de práticas que traduzem a tutela da natureza enquanto exercício
de um ecofascismo.
Retomando o caso concreto, as diferentes gestões do Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba buscaram soluções em parceria com o Município de
Macaé, inicialmente para a desapropriação das casas no bairro Lagomar na
área de amortecimento do Parque. Em diversas oportunidades, em razão de
trabalhos de pesquisa e de extensão orientados junto às turmas de graduação
em Direto da Universidade Federal Fluminense em Macaé, participamos tanto
de reuniões junto a Associação de Moradores do Lagomar como de reuniões do
Conselho do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, como ainda de
reuniões junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, aferindo o avançar
de negociações junto a Rua W-30, que em acordo entre os diversos órgãos
daria inicio ao processo de realocação das famílias e conseqüente recuperação
da área em conformidade com sentença da 1ª. Vara Federal em Campos dos
Goytacazes19.
19 Conforme, entre outros, MADEIRA FILHO, Wilson; EPIFANI FILHO, Marco Aurélio Alves: OLIVEIRA, Carolina Lopes de; PEÇANHA, Igor Barbosa; PEREIRA, Rute Curvelo. Vai ver se a segurança “ta” lá na esquina: a segurança pública e o Município de Macaé RJ. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008; MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini; TINOCO, Ana Beatriz Passos; EPIFANI FILHO, Marco Aurélio Alves: LEITE, Eduardo Lopes; PAULA, Aline Mendonça de. Subsídios para a regularização fundiária e o planejamento turístico no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008; MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini: ESPÍRITO SANTO, Camile Fonseca do; FREITAS, Iana Andrade; MEDEIROS, Fernanda Ladeira de; OLIVEIRA, Carolina Lopes de; PEÇANHA, Igor Barbosa; PEREIRA, Rute Curvelo; SOUZA, Patrícia Almeida de. Análise comparada dos planejamentos para o território do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e de seu entorno. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 358
Rua MPM (divisa com o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, à esquerda).
Foto de Angélica Chaves da Silveira
Final da Rua MPM (Portal de entrada do Parque Nacional de Jurubatiba, com o mar à direita) Foto de Angélica Chaves da Silveira
Av. Atlântica (com o mar à esquerda e à direita o final da Rua MPM)
Foto de Angélica Chaves da Silveira
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 359
Av. Atlântica (visão a partir de casas construídas na última quadra do bairro)
Foto de Angélica Chaves da Silveira
Rua W30 (no outro lado da última quadra do bairro, à direita na foto)
Foto de Angélica Chaves da Silveira
Todavia, o valor necessário para indenizar os proprietários da área,
assim como os possuidores que fizeram obras (benfeitorias) no local, seria de
aproximadamente trinta e seis milhões de reais, o que seria inviável, já que o
município não disporia dessa verba para aplicar em desapropriações. Além
disso, foi apontada a perspectiva de que a retirada da população, não seria
suficiente para afastar o problema, haja vista, a possibilidade de novas
invasões virem a ocorrer na mencionada área, uma vez que não seria factível
para o Poder Público monitorar o local permanentemente para evitar novas
invasões. Assim, passa a ficar claro que o município não tem o interesse em
efetuar a desocupação da área, da mesma forma que não considera o
investimento relativo às indenizações.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 360
2002.51.03.001627-2 6001 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autuado em 18/07/2002 - Consulta Realizada em 08/12/2010 às 08:01 AUTOR : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR: CLAUDIO CHEQUER REU : MUNICIPIO DE MACAE ADVOGADO: ERIKA PEREIRA DA SILVA NEGREIROS DE FREITAS 01ª Vara Federal de Campos - FABRÍCIO ANTONIO SOARES Juiz - Sentença: FABRÍCIO ANTONIO SOARES Distribuição-Sorteio Automático em 19/07/2002 para 01ª Vara Federal de Campos Objetos: POSSE/PROPRIEDADE DE IMOVEIS: RESTAURACAO AREA INVADIDA/RECUPERACAO AREA DEGRADADA/DESOCUPACAO; RESPONSABILIDADE CIVIL: RESTAURACAO AREA INVADIDA/RECUPERACAO AREA DEGRADADA/DESOCUPACAO -------------------------------------------------------------------- Concluso ao Juiz(a) FABRÍCIO ANTONIO SOARES em 02/05/2007 para Sentença SEM LIMINAR por JRJDNF -------------------------------------------------------------------------------- SENTENÇA TIPO: A - FUNDAMENTAÇÃO INDIVIDUALIZADA LIVRO A-002/2007 REGISTRO NR. 000702/2007 FOLHA 403/421 Custas para Recurso - Autor: R$ 0,00 Custas para Recurso - Réu: R$ 0,00
-------------------------------------------------------------------- Pelo exposto, julgo procedente em parte o pedido veiculado na inicial, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar o Município de Macaé a cumprir o plano exposto no “Projeto Complexo Municipal Jurubatiba Sustentável”, conforme apresentado às fls. 242/293 destes autos. Sem custas processuais e honorários advocatícios, a teor do art. 18 da Lei nº 7.347/85. Sentença sujeita à remessa necessária (Art. 475, I, CPC). Oficie-se ao Relator do Agravo, encaminhando cópia desta sentença. P.R.I. -------------------------------------------------------------------------------- Registro do Sistema em 23/08/2007 por JRJDNI. Publicado no D.O.E. de 28/08/2007, pág. 85/86 (JRJDNI).
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Contraditoriamente, em novembro de 2010, a Associação de
Moradores do Lagomar denuncia ao mandato do vereador macaense Danilo
Funke ações truculentas da Polícia Federal, da Polícia Militar e da Polícia
Civil, anexando autos de infração, exigindo a desocupação de Área de
Preservação Permanente, com fulcro nos artigos 25 e 26 do Código Municipal
de Meio Ambiente de Macaé, os quais falam o seguinte:
Art. 25 - São espaços territoriais especialmente protegidos: I - as áreas de preservação permanente assim definidas por Leis Federais,
Estaduais e Municipais; II - as Unidades de Conservação; III - as áreas verdes públicas e particulares, com vegetação relevante ou
florestada. Seção I DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Art. 26 - São áreas de preservação permanente, além das previstas no art. 157 da Lei Orgânica do Município de Macaé: \I - os manguezais, a vegetação de restinga e os remanescentes da Mata Atlântica, inclusive os capoeirões; II - a cobertura vegetal que contribui para a estabilidade das encostas sujeitas à erosão e ao deslizamento; III - os corpos hídricos e suas nascentes, as matas ciliares e as faixas marginais de proteção das águas superficiais; IV - as áreas que abriguem exemplares raros, ameaçados de extinção ou insuficientemente conhecidos da flora e da fauna, bem como aquelas que servem de pouso, abrigo ou reprodução de espécies migratórias; V - as elevações rochosas de valor paisagístico e a vegetação rupestre de significativa importância ecológica; VI - as demais áreas declaradas por lei.
Ou seja, a legislação referida não apresenta nenhuma especificação
que se enquadre diretamente no caso concreto. Indagados, os representantes
do Município não conseguiram identificar de onde teria saído a solicitação
para aquelas ações.
Em dezembro de 2010, um dos autores participou de reunião na sede
da prefeitura em Macaé, com a presença do Procurador Geral do Município, do
procurador municipal responsável pelo processo do Lagomar, de dois
moradores do bairro Lagomar e do vereador Danilo Funke Leme. Na reunião
foi explicado pelo Procurador Geral o andamento da ação civil pública
2002.51.03.001627-2 que tramita na 1ª Vara Federal de Campos dos
Goytacazes e a posição do município em relação à desocupação da área do
Lagomar (mapa em L, foto 2).
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O município estima que haja naquela área um total de 250 famílias
(em torno de 1.000 pessoas), e que o valor para indenização total de todos os
proprietários da área, assim como dos possuidores que fizeram obras
(benfeitorias) no local seria algo em torno de trinta e seis milhões de reais, o
que impossibilitaria o pagamento, já que o município não disporia dessa
verba.
Nesse sentido, aventou-se a proposição de projeto alternativo ao
Ministério Público Federal em reunião a ser realizada no dia seguinte, 12 de
dezembro, em Campos dos Goiatacazes. A idéia central consistia na formação
de uma "força tarefa" da prefeitura municipal de Macaé para evitar novas
invasões em áreas de proteção ambiental do município, conforme experiência
bem sucedida na área do Vale Encantado, tendo inclusive removido
moradores. Também foi dito que novas ações serão realizadas, inclusive no
bairro Águas Maravilhosas, onde também haverá remoção de moradores. Já na
área de Colônia Leocádia e Nova Esperança a proposta da prefeitura seria a de
regularizar a situação.
No dia seguinte, em Campos dos Goytacazes, um dos autores também
participou da reunião no Ministério Público Federal. Estavam também
presentes o procurador de Macaé, o gestor do Parque de Jurubatiba, um
funcionário do parque, o procurador da república e sua assistente.
Inicialmente, o procurador de Macaé explicou o processo de formação do
bairro Lagomar, o problema do fluxo migratório para Macaé e para aquela
região em especial, a impossibilidade do município indenizar todas as
famílias, explicando a quantidade de pessoas e a quantia envolvida, explicou
ainda o problema do crescimento desordenado do município e do bairro,
relacionando-o ao problema de criminalidade na área, e falou sobre a
proposta do Município como alternativa para cumprimento da sentença da
ação civil pública já mencionada.
O procurador da república alegou que o procurador do município
estava apresentando "argumentos", mas não fundamentos jurídicos para suas
alegações, uma vez que se tratava de alteração no processo de execução de
ação judicial, eis que já havia uma sentença determinando a desocupação da
área.
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Por sua vez, o gestor do Parque, manifestou-se no sentido de que era
favorável ao projeto apresentado pela prefeitura, explicando que o parque
vem sofrendo com ameaças de invasão constantes, já tendo sido usado como
área de desova de veículos roubados e mesmo corpos (mortos pelo tráfico na
área), falou da depredação da guarita existente no local e do uso sem
controle do Parque pelos moradores, em especial da Lagoa de Jurubatiba,
principalmente no verão, pela falta de opções de lazer no local (o mar
naquela localidade é muito bravo e profundo, impróprio para banho), explicou
também que o corpo técnico do Parque analisou o projeto da prefeitura e o
considerou perfeitamente viável. Informou também que os investimentos que
o município pretende fazer no Parque (com urbanização do entorno, reforma
e equipamentos para o portal do parque, batalhão de polícia florestal etc.)
resolve mais o problema de amortecimento de impacto do que a simples
retirada da população que está na área. Por fim, enfatizou que os moradores
que estão lá agora, ajudam a conservar “intocados” os limites do parque, sem
problemas de criminalidade e não representam uma ameaça real ao parque.
Lembrou que antes deles teve sérios problemas com traficantes de drogas da
região que tinham uma boca de fumo próxima à entrada do parque. O projeto
do município para o parque incluiria a organização e controle de visitantes,
criando um roteiro turístico controlado, alternativas de lazer e uso da Lagoa,
com passeio com pedalinhos, caiaque, esportes de velas, etc., já que se trata
de um "parque" que pode ser utilizado pela população e poderá servir de
alternativa de lazer para os moradores do bairro, só que de forma
sustentável, sem depredação.
O posicionamento positivo do Gestor do Parque, favorável ao projeto
municipal, foi muito importante, e contribuiu para uma reflexão sobre o
assunto pelo Procurador da República, que indagou ao Gestor se (num mundo
ideal) a retirada desses moradores resolveria de fato o problema do
amortecimento de impacto do Parque, no que o Gestor disse que não. "Num
mundo ideal", como foi perguntado, o Gestor explicou que a área de
amortecimento deveria ser todo o bairro, o que é inviável já que o Lagomar
tem aproximadamente trinta mil pessoas, dessa forma não bastaria retirar
apenas os moradores que estão dentro do "L" previsto pela sentença.
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Ficou, por fim, acertado que se envidariam esforços para buscar,
conjuntamente, uma alternativa viável e que atenda às determinações
judiciais.
Considerações finais
O conflito sociopolítico se transforma em imbróglio jurídico, eis que a
coisa julgada se transforma em mandamento do Estado e seu não
cumprimento fere a segurança jurídica e, via de conseqüência, o próprio ideal
burocrático. Por outro lado, é inconcebível que possa ser deferido o pedido de
demolição das edificações com a desocupação do local, a ser efetuado pelo
Município, se da questão emerge, inegavelmente, a situação possessória de
cada ocupante. É impossível que se promova a desocupação sem permitir a
ampla defesa de cada morador, pois não se pode afastar os argumentos e
exceções oponíveis por cada um deles.
Verifica-se que a questão a ser dirimida, na atualidade, se afigura
como uma grave situação social e não é crível que pretenda qualquer ente
federativo resolvê-la com a desocupação de uma área que não pode mais ser
restaurada à situação anterior, no que tange à vegetação de restinga.
Destaca-se que a solução proposta, em esforço tardio de gestão
conjunta entre a unidade de conservação federal e os órgãos ambientais
municipais, acarretaria aos moradores que vivem no entorno do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, mediante todos os investimentos a serem
realizados, benefícios com um melhor aporte de serviços, podendo virem a ser
estimulados a conservar os limites do Parque.
Contudo, o que determinou todo o andamento da questão no correr
desses anos foi aquilo que Marcelo Lopes de Souza classifica como “fobópole”,
ou seja, a fobia nas metrópoles que se traduz em sentimentos de insegurança
e em medo generalizado20. Nessa dimensão, o planejamento urbano
estadocêntrico se converte na militarização da questão urbana. Ou, como
viemos tratando, destaca-se a estratégia de colonização em novo ciclo
extrativista e irracional. 20 SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
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Em sentido correlato, John Ballamy Foster já salientara que para
entender a ecologia faz-se necessário entender as diferentes visões de
natureza, comentando:
De fato, Marx concordava com a economia política liberal clássica que sob a lei valor do capitalismo não se concedia valor à natureza. “A terra”, escreveu ele, “...é ativa como agente de produção na produção de um valor de uso, de um produto material, digamos o trigo. Mas ela nada tem a ver com a produção do valor do trigo”. O valor do trigo, como no caso de qualquer commodity do capitalismo, advinha do trabalho. Para Marx, porém, isto assinalava meramente uma concepção extremamente estreita, limitada, de riqueza, associada com as relações capitalistas de commodity e com um sistema construído em torno do valor de troca. A riqueza genuína, afirmou ele, consistia nos valores de uso – a característica da produção em geral, transcendendo a sua forma especificamente capitalista. Na verdade, era a contradição entre valor de uso e valor de troca, engendrada pelo capitalismo, que Marx considerava uma das principais contradições de toda a dialética do capital. A natureza, que contribuía para a produção de valores de uso, era uma fonte de riqueza tanto quanto o trabalho – muito embora a sua contribuição à riqueza fosse negligenciada pelo sistema. Na verdade, o próprio trabalho era em última instância redutível a tais propriedades naturais – uma proposição profundamente enraizada na tradição materialista, remontando até Epicuro. “O que Lucrécio diz”, escreveu Marx no Capital, “é auto-evidente: nil posse creari de nihilo, nada se pode criar do nada. A ‘criação de valor’ é a transposição da força do trabalho para o trabalho. Em si, a força do trabalho é, acima de tudo, o material da natureza transformado num organismo humano”.21
Não se faz uma real conservação da natureza sem a garantia das
condições sociais de equilíbrio e manutenção. Algo distinto disso é política de
apartheid, que estabelece nichos de conservação em espaços-fortaleza, a
servir de reservas de recursos para uma elite que calcula a crise ambiental
como estratégia de extermínio em massa.
O domínio público sobre o território, respondendo aos objetivos de
conservação, não pode mais se pautar por uma visão centralizadora, apenas
fiscalizadora e “policialesca” da gestão. Nessa visão, o cidadão não é
considerado parte do ambiente natural, mas apenas um potencial gerador de
danos, a ser controlado e “domesticado”, a sofrer “ajustamentos de
conduta”. Os conselhos de unidades de conservação, os conselhos
comunitários de segurança, assim como os demais conselhos sociais ou
institucionais, e o necessário planejamento territorial inclusivo representam a
aposta na consolidação de um discurso democrático. A questão neste
21 FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Tradução de Maria Teresa Machado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp. 234-235.
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momento é tornar substantiva uma cidadania ativa, participante,
colaboradora, edificadora. Este é o cenário prospectivo e irreversível da
ecologia política.
As unidades de conservação representam uma estratégia política diante
de uma crise no acesso e manutenção dos recursos naturais. Tornaram-se uma
alternativa incontornável para o estabelecimento de uma política ambiental
em qualquer lugar do planeta. Mas, certamente, não podem servir de
pretexto a atitudes discricionárias, posto que o ambiente a todos pertence.
Vale dizer, a natureza, toda ela, deve ser ecologicamente equilibrada - e não
apenas as atuais áreas protegidas. Para isso, uma estrutura dialógica, com
ampla participação social na questão, pode ser um importante passo em um
processo que objetive garantir a todos e a cada um o acesso aos bens
ambientais e o resgate ecologicamente equilibrado da qualidade de vida.
Referências
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MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini; TINOCO, Ana Beatriz Passos; EPIFANI FILHO, Marco Aurélio Alves: LEITE, Eduardo Lopes; PAULA, Aline Mendonça de. Subsídios para a regularização fundiária e o planejamento turístico no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008. MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini: ESPÍRITO SANTO, Camile Fonseca do; FREITAS, Iana Andrade; MEDEIROS, Fernanda Ladeira de; OLIVEIRA, Carolina Lopes de; PEÇANHA, Igor Barbosa; PEREIRA, Rute Curvelo; SOUZA, Patrícia Almeida de. Análise comparada dos planejamentos para o território do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e de seu entorno. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2. Campos dos Goytacazes: 1ª Vara da Justiça Federal, 2002. SANTOS, Boaventura de Souza. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In: HELLER, Agnes et al. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro, Contraponto, 1999, pp. 33-75. SILVA, Luiz Antonio Machado da; LEITE, Márcia Pereira. Capítulo 4: violência, crime e polícia: o que os favelados dizem quando falam desses temas? In: SILVA, Luiz Antonio Machado da (organizador). Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, pp. 47-76. SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela. Rio de Janeiro: FGV, 2005. VAINER, Alice Giacomini. Território, meio ambiente e conflitos: estudo de caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Dissertação de mestrado. Orientação de Wilson Madeira Filho. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, 2010.
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O PODER PÚBLICO LOCAL NO BRASIL: UM MODELO
INSTITUCIONAL GERADOR DE VÍCIOS E DISTORÇÕES. REFLEXÕES
SOBRE O CASO DE MACAÉ.
Heitor Delgado Correa Doutorando do PPGDS da UFF; Mestre em Direito (UNESA); Advogado.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Desde a promulgação da Constituição da República, em 1988, o
Município ganhou importância como ente integrante do pacto federativo1,
talvez como conseqüência de um longo período autoritário em que o poder
central impunha sua vontade política e seus projetos nacionais. O restrito
exercício da cidadania, típico desses períodos autoritários, teve que ceder
lugar à “Constituição Cidadã”, crendo ser possível, pela edição de leis, a
criação de uma nova realidade capaz de anular uma cultura política fundada
na desigualdade social e na consagração de privilégios. Na nova ordem
implantada por este Estado Democrático de Direito, o município passou a
simbolizar o ideal da prática da cidadania, do acesso do cidadão ao poder
político, da possibilidade de exercício dos direitos civis, ignorando-se a
diversidade de realidades locais como possíveis obstáculos a este ideal. Por
esse prisma, do confronto entre o ideal pretendido pela Constituição e as
realidades locais, é viável desenvolver algumas reflexões.
A primeira questão que se apresenta é compreender o que são estes
municípios, e que realidades institucionais foram constituídas. Em seguida,
compreender as inter-relações e influências dos contextos sociais, políticos e
econômicos frente ao modelo institucional existente. O terceiro ponto diz
respeito à forma de interação com os outros entes da federação e, por fim, a
inserção do município na economia globalizada e a repercussão do poderio
econômico no poder local.
1 Ainda que, estranhamente, os municípios não façam parte do Senado Federal. Somente os Estados têm representação nesta Casa Legislativa, o que torna contraditório o pacto federativo trazido pela Constituição da República de 1988.
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2. O MODELO INSTITUCIONAL
A realidade dos municípios brasileiros é bastante heterogênea2
resultado não só de fatores geográficos e econômicos, como também do
processo político de emancipação. Parte dos municípios surgiu de um processo
político, social e econômico amadurecido no tempo, sendo que outra parte
decorre de um processo político direcionado a atender interesses eleitorais de
grupos políticos dominantes. A fragmentação em novas unidades políticas, não
raro, foi resultado de casuísmos, sem qualquer correspondência ao
crescimento econômico ou a capacidade de sustentação da máquina pública.
Com isso, um significativo contingente de municípios vive de transferências de
recursos advindos do Estado e da União3, ocasionando, assim, a dependência
do poder local a essas esferas e, forçosamente, a perda da autonomia política
local.
Desta forma, a criação de um enorme contingente de municípios,
fundada no interesse de grupos políticos e até mesmo de líderes políticos, e
não no amadurecimento da sociedade local4 e no desenvolvimento econômico,
distorceu o que seria pertinente a uma unidade de poder local inserida em
uma sociedade organizada, capaz de se sustentar economicamente e de se
transformar em unidade de interesses político-partidários para o controle do
2 São 5.565 municípios, segundo dados do Censo 2010. (Fonte: IBGE) 3 No estado do Rio de Janeiro, o Município de Quissamã, emancipado de Macaé, foi criado em 04.01.1989. O Município de Carapebus, emancipado de Macaé, foi criado em julho de 1995. Ambos os municípios dependem dos royalties de petróleo. 4 O sentido aqui utilizado para ‘amadurecimento’ deve ser traduzido como a existência de grupos locais e de cidadãos inseridos nos processos decisórios estatais e que buscam meios permanentes de participação. Uma sociedade ‘amadurecida’ contrasta com uma sociedade tutelada, em que a falta de acesso às informações, aos meios institucionais de participação, aos processos decisórios são quase inexistentes ou distorcidos. Vale esclarecer que o acesso à informação pressupõe capacidade do interesse em compreender e raciocinar sobre o conteúdo a que teve acesso. Informação hermética ou imprecisa não traduz acesso à informação. Ressalte-se que os meios institucionais de participação devem garantir a inserção efetiva e não meramente formal, não deve ser confundida com mecanismos que têm apenas a função de fazer cumprir formalmente exigências legais. A possibilidade de atuação do cidadão no processo decisório deve ser um parâmetro para identificar a existência dos mecanismos institucionais de diálogo democrático, traduzindo a existência de uma sociedade politicamente amadurecida.
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processo eleitoral. Em síntese, o que se aponta é que o município
transformou-se, nestes casos, em unidades geradoras de votos e formadoras
de uma teia de interesses político-partidários e pessoais de agentes políticos.
Não é por acaso que o modelo institucional5 adotado, por boa parte deles6,
transformou a máquina pública em estrutura provedora de cargos e de
empregos7 e os investimentos públicos – concretizados através de obras – em
demandas às empresas “bem relacionadas” com os agentes públicos.
O poder público no Brasil, desde sua origem portuguesa8, é um dos
grandes empregadores. Oferece oportunidades diferenciadas que vão das
funções menos qualificadas até aquelas que exigem formação especializada. O
concurso público de provas e títulos, que foi o mecanismo preconizado pela
Constituição da República fundado no mérito9 para preenchimento dos cargos
5 O termo modelo institucional deve ser entendido, para fins deste trabalho, como uma estrutura formal associada a práticas administrativas que atendem a um projeto político específico. 6 Evidente que existem municípios com modelos institucionais bem diversos daquele que aqui está sendo analisado, até porque este modelo explicitado pressupõe algumas condições sociais, políticas e econômicas específicas. Talvez seja possível identificar que regiões do Brasil em que a grande concentração da propriedade nas mãos de uns poucos não seja a regra, mas sim as pequenas propriedades, ou em que a atividade econômica não esteja centrada na agricultura da monocultura e na pecuária para exportação, ambas em grande escala, mas sim na diversificação, como, por exemplo, em regiões dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o modelo institucional seja diverso. Acrescente-se a esta diferença a contribuição do imigrante, italiano, japonês, alemão. As influências geradoras dos modelos institucionais são diversas, sendo que o legado histórico, as condições econômicas e o legado político interferem, a nosso ver, em qual modelo institucional se concretizou. O presente trabalho trata de um contingente de municípios brasileiros, com base no Município de Macaé. A delimitação precisa de quais municípios poderiam ser enquadrados neste modelo envolveria uma pesquisa específica realizar o levantamento. Desta forma, ao tratar da generalidade dos municípios no texto a referência é para um contingente de municípios que não representa a totalidade. 7 Trazendo um dado conjuntural, no momento, janeiro de 2011, assiste-se à disputa dos partidos que apoiaram a eleição de Dilma Rousseff à presidência da república, ao preenchimento dos cargos da máquina pública, caracterizando o loteamento dos cargos. Estes dados conjunturais são reveladores de como a estrutura da máquina pública vai sendo ocupada e até mesmo moldada segundo interesses políticos, sem que seja possível identificar relações diretas com as demandas sociais. Abre-se, inclusive, uma discussão se seria legítimo aos vencedores dispor da máquina pública segundo seus interesses, como se isto fosse indispensável para levar adiante as propostas eleitorais ganhadoras. 8 Vale conferir BOMFIM, Manoel. A América Latina – Males de Origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. 9 Sobre a temática do mérito vale conferir BARBOSA, Lívia. Igualdade e Meritocracia – a ética do desempenho nas sociedades modernas. 4. Ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2003.
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do quadro efetivo em todos os órgãos do poder público10, consagrando assim
os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da
legalidade, essenciais à concretização da democracia, não raramente, sofre
distorções. Não tem sido incomum o uso dos cargos públicos como mecanismo
de clientelismo político para favorecer grupos específicos ou atender a
interesses pessoais de agentes políticos.
Essa prática ‘desviante’ manifesta-se das formas mais diversas, desde o
crescimento excessivo de cargos em comissão (de livre nomeação), da
celebração de contratos por prazo determinado (em que se situações
emergenciais são criadas), até a distorcida terceirização de mão-de-obra (em
que a Administração Pública interfere na contratação). Tal desvirtuamento
reside na transformação do agente público em grande empregador, sujeitando
os beneficiados a uma relação de vassalagem como condição de permanência
no cargo ou de manutenção dos contratos com empresas privadas, fazendo
surgir eficientes currais eleitorais11 e o uso da máquina pública para fins
privados.
Do exame das estruturas estatais pode-se observar, não raro, que
órgãos, departamentos e cargos de assessoramento e de chefia são criados
para ‘acomodar’ pessoas bem relacionadas. Na administração indireta, o
surgimento de autarquias e de empresas públicas, apesar de justificativas
formais comprometidas com objetivos econômico-sociais específicos, pode
ocultar sua finalidade genuína de criar um novo quadro de cargos para serem
preenchidos com fundamento nos interesses dos agentes políticos.
Este modelo institucional, quando adotado, consagra o nepotismo12, o
clientelismo, o empreguismo, desvirtuando a máquina burocrática de suas
funções precípuas, que deveriam estar voltadas para assegurar o bem comum;
em vez disso, volta-se a realizar projetos políticos pessoais de permanência
no poder. Evidencia-se, assim, não só o desvio de poder como também a 10 Alguns cargos vitalícios, como no caso dos ministros dos tribunais superiores (STF, STJ, TSE) e do TCU, dos desembargadores (TRFs, TJs) e dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e municípios, têm seu preenchimento utilizando-se de processo diverso do concurso público. 11 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 6. ed. São Paulo: Alga Omega, 2003. 12 O nepotismo é prática corrente no Brasil. Apesar de o STF ter editado a Súmula Vinculante nº 13 que veda a nomeação de parentes o problema central é a fiscalização de sua efetividade. O costume da nomeação de parentes encontra-se arraigada nas práticas da administração pública do Brasil, desde os tempos dos portugueses.
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impossibilidade da profissionalização do funcionário público, moldando o
perfil do servidor público à subserviência e à lealdade pessoal, em detrimento
da qualificação profissional13 e do comprometimento com a realização do
interesse público.
Se necessário apontar um traço comum entre os municípios brasileiros –
e o Estado e a União não fogem completamente à regra14 – este seria o
personalismo e o patrimonialismo como valores orientadores da conformação
das instituições. O personalismo se manifesta no culto à personalidade do
agente político que ocupa o cargo público com poder de nomeação e de
exoneração. O funcionamento institucional mostra-se centrado na pessoa do
agente político, à semelhança da época do Brasil monárquico ou do Brasil
ditatorial15. Já o patrimonialismo16 se manifesta como o direito de dispor da
coisa pública como bem privado, apropriando-se – inclusive por meios ilícitos
e ofensivos à moralidade administrativa – dos recursos públicos17.
13 Existem ilhas de profissionalização do servidor público com alta qualificação em alguns órgãos estatais como a Receita Federal, o Banco Central, o Tribunal de Contas da União, o servidores efetivos da carreira diplomática. Não é incompatível com este modelo institucional a existência de ilhas de qualificação. A explicação para isso pode ser traduzida nas funções essencialmente técnicas destes órgãos. 14 A mesma prática de hipertrofia da máquina burocrática ocorre no nível federal. Segundo matéria intitulada Máquina foi inchada até com serviços terceirizados, de Regina Alvarez, publicada no Jornal O Globo (de 16.01.10), 82.749 funcionários civis foram incorporados à máquina do governo federal. Na área de educação as contratações somaram mais de 49 mil servidores. Houve um aumento expressivo dos gastos com serviços terceirizados de copa e cozinha (245% acima da inflação; de R$ 36,2 milhões em 2002 para R$ 124,9 milhões em 2010), limpeza e conservação (102,7% acima da inflação; de R$ 665,6 milhões em 2002 para R$ R$ 1,349 bilhão em 2010) e vigilância ostensiva (aumento de 118,2%; de R$ 649,216 milhões em 2002 para R$ 1,416 bilhão em 2010). Os serviços de consultoria: de R$ 181,606 milhões em 2002 para R$ 225,610 milhões em 2010, 24,2% acima da inflação. A Advocacia Geral da União cresceu 334%, passando de 1.683 servidores em 2002 para 7.820 servidores em 2010. O Número de DAS (Cargos de confiança do Executivo Federal) passou de 18.374 (2002) para 21.847 (2010). Os dados tiveram como fonte a Comissão de Orçamento e Ministério do Planejamento. 15 O culto à personalidade da autoridade não vê resistências na cultura da administração pública, mas, pelo contrário, é vista como normalidade, ora com fundamento em uma rígida hierarquia (“manda quem pode, obedece quem tem juízo”) ora com fundamento em um “direito do vencedor” (ou “direito do conquistador”) que legitima inclusive o abuso de poder. 16 URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial – a burocratização do Estado Patrimonial Brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. 17 Este desvirtuamento da coisa pública se dá como mecanismo para o ajuste de contas para os financiadores de campanha, como mecanismo de controle institucional por meio da lealdade pessoal, como mecanismo de criação de uma rede relações de interesses dentro da estrutura do Estado. Este desvirtuamento transforma a finalidade pública (identificada com o que seria o bem comum) para um ‘interesse público’ identificado com o interesse do agente político, ainda que contrário ao bem comum. Ao tratar da corrupção, Roberto Romano, professor de filosofia da Unicamp, aponta que lá fora, a cultura é: Que diabo você pensa que é?. Aqui é: Sabe com quem está falando? (Corrupção de mão dupla, de Vera Araújo, Jornal O
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 373
Esses valores impedem o desenvolvimento institucional voltado para a
concretização do interesse da sociedade, favorecendo, ao contrário, o
tratamento desigual, a consagração de benefícios, o incremento do jeitinho
brasileiro18. Consagra-se, assim, o reconhecido lema de que aos amigos tudo,
aos inimigos a lei, cuja interpretação repousa na inexistência de limites legais
aos beneficiados a lei – o desvio de poder não é impeditivo à concessão de
benesses -, da mesma forma que na aplicação do rigor da lei aos desafetos,
revelando assim todo o potencial de injustiça19 – o abuso de poder não se
constitui um limite. O uso vicioso do poder discricionário20 enquadra-se
perfeitamente neste modelo institucional pautado pelo personalismo e pelo
patrimonialismo. Neste aspecto, o caso de Macaé não foge à regra.
Ressalte-se que não é seguro afirmar que esta forma de
institucionalização é decorrência da pobreza local ou da ausência de recursos
públicos. Também não é possível afirmar que tal prática decorre da baixa
qualificação dos agentes públicos. Fosse isso verdade, Macaé não adotaria tão
marcadamente este modelo, porque o que não faltam são recursos públicos,
especialmente aqueles advindos da exploração do petróleo na Bacia de
Campos.
Quanto ao critério da qualificação dos agentes públicos, é possível
aferir que tais práticas de nomeação não são calcadas no mérito profissional,
mas sim nas relações políticas e pessoais, ocorrendo com maior intensidade
nos órgãos em que a natureza da atividade não seja estritamente técnica.
Conclui-se, destarte, que, quanto maior o conteúdo técnico da atividade,
menor a intensidade de nomeações de natureza política, e vice-versa. É fácil
Globo, 01.01.2010). Em matéria intitulada A riqueza dos políticos, de Leandro Loyola e Marcelo Rocha, Revista Época, 19.07.10, com base no patrimônio declarado ao TSE e sites Políticos do Brasil e Transparência Brasil, concluem que os números permitem dizer que a política enriquece. Citando a obra Mudanças na classe política brasileira, de Leôncio Martins Rodrigues, explicitam que há uma correlação positiva entre o número de mandatos e o aumento do patrimônio declarado dos políticos. 18 BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro ou a arte de ser mais igual que os outros. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 19 A lei interpretada e aplicada dentro do Direito como um sistema, orientada por princípios constitucionais, vê reduzido o seu potencial de injustiça. A lei aplicada de forma isolada, distanciada dos princípios constitucionais, pode ser geradora de grandes injustiças e legitimadora de perseguições. 20 A discricionariedade que a lei confere ao gestor público para administrar a coisa pública é utilizada para gerar desvio de finalidade ou abuso de poder que, ao final, acaba por produzir demandas judiciais.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 374
visualizar que nos órgãos federais da administração direta cuja atividade é
estritamente técnica (como a Receita Federal, o Banco Central e o Ministério
das Relações Exteriores) o nível de profissionalização é reconhecido, o mesmo
ocorrendo no âmbito da administração indireta em que diretorias técnicas
acabam por abrigar técnicos de carreira.
Na esfera municipal, são raros os casos de órgãos cujas atividades
detenham uma natureza que privilegie a qualificação técnica como elemento
indispensável. De forma geral, o conhecimento técnico é desejável, mas não
indispensável. Resulta que o quadro institucional permite a grande
flexibilidade nas nomeações e o menosprezo pela alta qualificação, da mesma
forma que a qualificação medíocre não impede o funcionamento da máquina
pública. Deduz-se assim não ser acidental que a máquina burocrática
municipal careça de quadro de pessoal de alta qualificação, talvez porque o
modelo institucional voltado para si mesmo não veja com bons olhos a
profissionalização e o alto conhecimento técnico, que em longo prazo pode se
tornar em obstáculo ao manejo da máquina pública segundo os interesses dos
grupos políticos21.
Talvez o que se possa afirmar é que a falta de comprometimento do
agente político com o bem comum, com os valores constitucionais, com a
submissão ao Estado de Direito, é elemento indispensável à consagração deste
modelo institucional. A parca profissionalização com distorções dos valores
salariais seria um aspecto complementar, revelando-se principalmente pelo
reduzido valor dos cargos efetivos em contrapartida a valores elevados para
cargos em comissão e funções gratificadas, estes últimos de livre nomeação e
exoneração, permitindo, assim, que estes cargos e funções sejam utilizados
como mecanismo de cooptação externa e garantia da lealdade interna22.
Cabe indagar, prosseguindo nestas reflexões, como este padrão
institucional repercute na realidade social, política e econômica local. Alguns
21 Em episódio recente, no início de 2010, noticiado nos jornais, diversos servidores da Receita Federal, detentores de cargos em comissão, pediram exoneração conjunta por discordar da política que vinha sendo adotada no órgão, trazendo para a sociedade questões que diziam respeito à função do próprio órgão relativas à fiscalização das receitas. 22 Quando a remuneração do cargo efetivo é alta e os valores dos cargos em comissão e funções gratificadas são pouco expressivos, o grau de autonomia funcional aumenta. Órgãos de grande especialização e alta qualificação profissional seguem esta orientação, como por exemplo, a Receita Federal, o Banco Central.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 375
aspectos podem ser apontados. O poder público, ao se transformar em grande
empregador local, inclusive para os segmentos de menor qualificação
profissional, passa a ser o centro de uma rede de relações de interesses e de
satisfações que influencia direta e indiretamente os atores sociais. Desta
forma, o ideal democrático de desenvolvimento da cidadania próximo ao
poder, de interferência, de discussão, mostra-se com outra face, em que a
subserviência, a lealdade, a vassalagem, atrofiam e direcionam a participação
política.
Vale recordar o caso recente do município de Magé-RJ23, em que,
apesar dos inúmeros processos ajuizados pelo Ministério Público por
improbidade administrativa, identificando práticas escandalosas de abuso de
poder do chefe do Executivo local, este obteve manifestações de apoio à sua
permanência, inclusive com passeatas, em que grande parte dos participantes
era composta de funcionários contratados e comissionados.
Esta forma de institucionalização do poder público local acaba por
impor uma dinâmica às discussões políticas e aos movimentos sociais segundo
os interesses do grupo hegemônico. Os grupos discordantes, de oposição, são
cooptados ou silenciados eliminando-se ou neutralizando-se os mecanismos de
difusão destas idéias. A dinâmica da ‘democracia’ ganha, assim,
especialmente quando choca-se com interesses dos grupos bem situados
23 O caso de Núbia Cozzolino é emblemático, como símbolo da distorção política municipal, envolvendo corrupção, clientelismo político, abuso de poder econômico, crimes diversos. A ex-prefeita teve seus direitos políticos suspensos por dez anos por sentença da 1ª Vara Civel de Magé, decorrência de uma condenação em ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público em 2005. Em sua sentença, a juíza escreveu que "salta aos olhos a grande quantidade de material promocional da municipalidade que a ré utiliza para se autopromover (...). Os outdoors espalhados por toda cidade têm a clara finalidade de induzir o povo mageense, dando a entender que a própria pessoa da administradora se sobrepõe ao ente municipal, levando a crer que as obras ou serviços foram realizados pela ré, e não pelo ente da federação". A ex-prefeita também é ré no processo da Operação Uniforme Fantasma, que desbaratou uma quadrilha acusada de desviar R$ 100 milhões dos cofres de várias prefeituras do interior do estado. O Ministério Público do Estado do Rio denunciou a ex- prefeita de Magé pelos crimes de formação de quadrilha e apropriação e desvio de rendas públicas. De acordo com a denúncia, a prefeita teria celebrado contrato com a Associação Brasileira de Desenvolvimento Humano (ABDH), sob o pretexto de prestação dos mais diversos serviços, desde programas de saúde a apoio administrativo, para a qual pagava valores altíssimos que, depois, eram desviados em benefício próprio e de terceiros. (Fonte: Jornal Extra; Jornal O Dia).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 376
institucionalmente, um viés autoritário. O espaço público de discussão, e
principalmente sua difusão e assimilação crítica, é aniquilado e direcionado
apenas para reafirmar as posições dominantes.
Não é de se estranhar que os movimentos sociais e seus líderes, quando
afastados do apadrinhamento político dos grupos que disputam o poder (ou
que dispõe dele) são pouco expressivos, não influenciando as políticas
públicas nem o processo eleitoral. Paralelamente, o controle das rádios e dos
jornais locais permite esta neutralização e o permanente marketing político
de reafirmação de versões oficiais, em moldes semelhantes aos utilizados
pelos regimes autoritários, associado às nomeações para cargos na estrutura
do governo, viabiliza uma gestão político-administrativa de mão única.
Este modelo institucional não é sensível à desigualdade social, à
violência, à ineficiência, à cooperação interinstitucional, ao diálogo
democrático, utilizando-se, na verdade, destes problemas para elaborar
plataformas políticas de ‘urgência’ e produzir eventuais programas de governo
pontuais. Nesta institucionalização o poder local movimenta-se pontualmente
para atender a grupos de interesses ou a problemas emergenciais, em vez de
conceber políticas públicas sistêmicas de longo prazo com atuação preventiva.
Por isso é fácil identificar que as questões sociais vêm sempre a reboque de
algum ‘padrinho’ político, na lógica do personalismo deste modelo. Quando
não estão inseridas no foco de interesse do agente político, transformam-se
em caso de polícia, de repressão, ou são neutralizadas por estratégias de
marketing institucional.
O planejamento mostra-se meramente formal do que propriamente
uma visão sistêmica da gestão, elaborado para atender às exigências legais,
como, por exemplo, a elaboração do Plano Diretor que muitas vezes não se
concretiza no mundo real. Questões de planejamento urbano e problemas
sociais não são enfrentados com estratégias de longo prazo24; no lugar são
24 O exemplo das chuvas de verão com enchentes e deslizamentos é caso clássico de ausência de uma visão sistêmica de gestão que envolva dos órgãos setoriais locais e os órgãos das outras esferas de poder. Em um rápido histórico: em dezembro de 2008, tempestades em Santa Catarina atingiram 14 cidades e deixaram 54 mil desabrigados e 133 mortos; em janeiro de 2010, deslizamento de encosta na praia do Bananal, em Angra dos Reis (RJ), matou 138 pessoas; em abril de 2010, deslizamento de encosta com a destruição da favela sobre o lixão do Morro do Bumba, em Niterói (RJ) provocou a morte de 256 pessoas; agora em janeiro de 2011, chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, provocaram mortes em Nova Friburgo, em
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 377
adotadas medidas emergenciais na contratação de serviços e de obras que,
não raro, facilitam o tráfico de influência para direcionamento da
contratação, podendo acirrar as práticas de corrupção.
Quanto às repercussões econômicas, esta forma de institucionalização
patrimonialista tem o foco central na concentração de riquezas, propriedades
e no lucro. Por isso, com esta lógica, mostra-se razoável que a exploração e o
crescimento econômico não estejam submetidos ou condicionados às
repercussões sociais e ambientais. Desta forma, os danos sociais (direitos
trabalhistas, direito à saúde, direito à isonomia) e os danos ambientais
(apesar do discurso da ‘sustentabilidade’) não podem ser encarados como
empecilhos ao crescimento econômico, estabelecendo-se uma relação
complementar entre o modelo institucional e a forma de desenvolvimento das
atividades econômicas. Percebe-se, por conseguinte, que esta lógica não é
incompatível com o processo político que precisa do empresariado para
financiar as candidaturas, muito pelo contrário, é complementar.
Ressalte-se que nos municípios os grupos empresariais possuem estreita
ligação com o poder político e comungam de interesses comuns que acentuam
este modelo institucional examinado. Somente quando os investimentos são
externos, por decorrência de algum projeto dos governos federal e estadual
ou da instalação de empresas estrangeiras, é que a lógica externa se impõe
submetendo os interesses locais. Neste caso, os impactos sociais e ambientais
são subdimencionados, enquanto a geração de empregos costuma ser Teresópolis, em Petrópolis, em Sumidouro e em São José do Vale do Rio Preto, em um total provisório de 800 mortes e um desconhecido número de desaparecidos. (Fonte: Revista IstoÉ, nº 2149, 19.01.2011) O que se vê na prática, neste último caso, é ausência de articulação entre os órgãos públicos dos diversos níveis, ausência de equipamentos, ausência de capacitação, ausência de mecanismos de prevenção e de alerta, ausência de planejamento estratégico, morosidade para atendimento às vítimas, morosidade nas decisões. Há, seguramente, ausência de ações sistêmicas integrando todos os órgãos, e sua visibilidade ocorre quando surgem as grandes tragédias, as epidemias e situações semelhantes, expondo a ineficiência do poder público. Ainda, que o dado tenha natureza conjuntural, há que se fazer sua articulação com uma estrutura institucional inadequada, seja no dimensionamento de seus recursos humanos seja no uso das ferramentas do planejamento e da tecnologia disponíveis. A institucionalização inadequada torna-se visível em situações que demandam ações específicas de urgência, como neste caso. O paralelo que se faz com Macaé refere-se ao crescimento urbano desordenado com impermeabilização de grande parte do solo e ocupação acelerada de áreas de mangues, margens de rios e áreas de preservação, com acelerado crescimento populacional provocado pela migração. A máquina pública deve estar dimensionada, sob o ponto de vista de sua estrutura e da capacitação de seus recursos humanos, para atender cotidianamente tais demandas. O desvirtuamento ocorre quando a estruturação institucional se dá à margem destas demandas sociais e o tamanho da estrutura e a capacidade técnica-gerencial não correspondem à resposta necessária.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 378
alardeada, sem que se revele, contudo, que boa parte destes postos de
trabalho exige capacitação que a população local não possui.
Outro aspecto a ser examinado neste modelo institucional é o
relacionamento entre os municípios e os órgãos estaduais e federais. Como
este modelo está centrado em si mesmo e nos interesses dos próprios agentes,
as relações interinstitucionais que se estabelecem são as estritamente
necessárias à captação de recursos ou benefícios, resultantes de acordos
políticos. A cooperação e a parceria, desta forma, mostram-se raras, não
sendo a via institucional escolhida. As disputas políticas locais impedem
esforços de cooperação globais e estratégicos, especialmente nas áreas sociais
e ambientais, problemas sociais e ambientais complexos por ausência de
cooperação e atuação de longo prazo.
3. O CASO DE MACAÉ-RJ
O município de Macaé, no Rio de Janeiro, apresenta uma conjugação de
fatores que propicia à análise das questões anteriormente tratadas, dentre os
quais se destaca:
i) O município foi escolhido pelo governo federal para sediar as
instalações da Petrobras relativas à exploração do petróleo e gás
natural na Bacia de Campos;
ii) A Bacia de Campos, com o passar dos anos, mostrou-se o grande
centro de extração de petróleo no Brasil;
iii) A lei que disciplina o pagamento de royalties pela exploração do
petróleo beneficia o município, havendo grandes transferências
de recursos ao poder municipal;
iv) A indústria do petróleo tornou-se grande geradora de empregos
especializados, provocando enorme fluxo migratório
indiscriminado;
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 379
v) O poder local e as instituições públicas forjadas em moldes
tradicionais oligárquicos não foram capazes de acompanhar a
nova realidade gerada pelos investimentos externos;
vi) O descompasso entre as novas demandas sociais e as capacidades
das instituições locais permitiu que os problemas sociais e
ambientais se tornassem amplos e complexos25;
vii) A Proliferação dos problemas sociais e ambientais agravou-se,
dentre os quais: favelização26, violência, urbanização
desregulada27, alto custo de vida28, desemprego29, crescimento
das desigualdades sociais.
No âmbito da análise até aqui desenvolvida, Macaé permite visualizar
dois pontos importantes deste modelo institucional abordado. O primeiro 25 Em trabalho apresentado no V Encontro Nacional da ANPPAS, realizado de 4 a 7 de outubro de 2010, em Florianópolis, Santa Catarina, intitulado Articulações Institucionais e Consórcios Públicos para a Sustentabilidade da Pesca Artesanal no Litoral Brasileiro, Sidney Lianza (SOLTEC – Núcleo de Solidariedade Técnica/UFRJ), Vera de Fátima Maciel (SOLTEC/UFRJ) e Fátima Karine Pinto Joventino (SOLTEC/UFRJ), abordam questões institucionais da região dos municípios de Macaé, Casimiro de Abreu e Cabo Frio, identificando a ausência de políticas públicas sistêmicas: “em função da falta de políticas integradas e de um planejamento adequado na gestão do território, este crescimento vem se dando de forma desordenada, gerando vários problemas como a expansão acelerada da população, violência, poluição, entre outros. O município de Macaé continua sendo a principal referência do complexo petrolífero, atraindo indústrias e um contingente grande de pessoas que buscam trabalho, mas que nem sempre optam por morar neste município. Isso, segundo análise do então Secretário de Desenvolvimento Local, tem gerado impactos na administração municipal, no trânsito de veículos e na arrecadação de impostos, uma vez que os gastos e investimentos da população com lazer e habitação, por exemplo, são em grande parte, direcionados para as cidades circunvizinhas. Ainda segundo o entrevistado, o planejamento urbano não previa, inicialmente, que a cidade de Macaé se tornasse um Pólo Regional. Em sua fala, fica explícito que o crescimento desordenado deste município está relacionado com a falta de organização de políticas integradas, seja no âmbito local, estadual ou federal.” [...] “Em Macaé, pode-se destacar a grande quantidade de secretarias com suas várias subdivisões, atuando quase sempre de maneira desarticulada. Pôde-se verificar, ainda, que são poucas as políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento de outros setores, além do petróleo.” [...] “Em Macaé, quase nada está sendo feito pela prefeitura no tocante à gestão ambiental. Segundo o então Secretário de Desenvolvimento Local, uma adequada gestão compartilhada dos recursos naturais exige uma sinergia entre as esferas municipais, estaduais e o governo federal. Para que esse tipo de política seja realmente eficaz, considera necessário uma maior integração das ações desenvolvidas entre o IBAMA, a FEEMA e as Secretarias Municipais de Meio Ambiente.” (grifamos) 26 A favelização é decorrência da atração que a riqueza do petróleo gera no imaginário coletivo e a desqualificação profissional necessária para ser absorvido por esta atividade econômica. Os migrantes ficam fora do mercado dos empregos mais rentáveis. 27 O crescente fluxo de pessoas e empresas impõe o aumento acelerado da urbanização, que vem a reboque da realidade instalada. 28 O alto custo de vida é gerado pela disputa por imóveis e pelos salários diferenciados daqueles inseridos na atividade do petróleo. 29 Maior parte dos empregos gerados exige capacitação especializada.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 380
refere-se ao gasto com pessoal; o segundo à ausência de alternância no poder
político local.
3.1 A Despesa com Pagamento de Pessoal
Para iniciar o exame do caso, vale trazer alguns dados sobre as
despesas realizadas e as receitas relativas a 2009:
QUADRO I
RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL
2009
VALOR (R$)
(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO 1.058.005.309,07
(B) RECEITA DE ROYALTIES30 368.118.183,05
(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 689.887.126,02
(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 455.178.206,13
(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 234.708.919,89
Fonte: TCE-RJ
30 Para o TCE-RJ a categoria royalties deve ser entendida em sentido amplo como compensações financeiras que integram a receita corrente líquida do município. Desta forma, integram a receita royalties: I- Transferências da União (compensação financeira de recursos hídricos; compensação financeira de recursos minerais; compensação financeira por exploração do petróleo, xisto e gás natural que inclui royalties pela produção, pelo excedente de produção, participação especial e fundo especial do petróleo); II – Transferências do Estado; III – Outras compensações financeiras; IV – Aplicações financeiras. Nas análises das prestações de contas de gestão dos municípios encontram-se o detalhamento das receitas. Entretanto, para ilustrar, o impacto do valor dos royalties do petróleo é substancial: dos R$ 368.118.183,05, que totalizam o quadro royalties, R$ 355.889013,19 são relativos à compensação financeira por exploração do petróleo, xisto e gás natural. Para esta análise, que contrasta valores da despesa com pessoal com o crescimento de receitas royalties, mantivemos a abordagem adotada pelo TCE-RJ com transcrição direta dos dados e reprodução dos quadros. Além disso, caso se optasse pelo valor isolado dos royalties, o número seria impreciso porque o valor deveria incorporar o proporcional da aplicação financeira do conjunto total de royalties. Por fim, os dados mais antigos, constantes nos votos das prestações de contas de gestão, não apresentam a discriminação utilizada nos últimos anos, tratando apenas da fonte ‘royalties’. No Anexo I, foi transcrito o quadro relativo às receitas de royalties de 2009.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 381
Adicionem-se aos dados anteriores as despesas realizadas e as receitas
relativas a 2000, para comparação com o quadro anterior:
QUADRO II
RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL
2000
VALOR (R$)
(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2000) 159.621.201,33
(B) RECEITA DE ROYALTIES 86.219.323,80
(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 73.401.877,53
(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 50.232.474,61
(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 23.169.402,92
Fonte: TCE-RJ
Os dados intermediários entre 2000 e 2009 possibilitam visualizar que o
crescimento das despesas com pagamento de pessoal e o aumento da receita
total de royalties segue de forma continuada, não tendo ocorrido de forma
abrupta.
QUADRO III
RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL
2001
VALOR (R$)
(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2001) 237.131.270,90
(B) RECEITA DE ROYALTIES 115.248.932,43
(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 121.882.338,47
(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 74.844.937,42
(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 47.037.401,05
Fonte: TCE-RJ
Em 2001, a receita de royalties corresponde a 49,49% da receita
corrente líquida do município.
QUADRO IV
RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL
2002
VALOR (R$)
(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2002) 353.212.300,00
(B) RECEITA DE ROYALTIES 189.410.248,83
(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 163.802.051,17
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 382
(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 98.522.600,00
(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 65.279.451,17
Fonte: TCE-RJ
Em 2002, a receita de royalties corresponde a 53,62% da receita
líquida corrente do município.
Os dados relativos a 2003 apresentam formatação diversa dos demais
anos, o que dificulta a elaboração de quadros. Em 2003, o total das receitas
de royalties foi de R$ 264.635.940,52.
QUADRO V
RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL
2004
VALOR (R$)
(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2004) 551.734.033,65
(B) RECEITA DE ROYALTIES 288.932.562,62
(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 262.801.471,03
(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 223.997.368,88
(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 38.804.102,15
Fonte: TCE-RJ
Os dados relativos a 2005 estão disponibilizados em quadro, mas por
erro de digitação com supressão de três casas decimais, impedi-se a
transcrição de dados. No período, a partir de dados de outra tabela, o total
de receita com royalties foi de R$ 358.732.976,02
QUADRO VI
RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL
2006
VALOR (R$)
(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2006) 782.962.313,52
(B) RECEITA DE ROYALTIES 422.882.906,26
(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 360.079.407,26
(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 308.935.412,10
(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 51.143.995,16
Fonte: TCE-RJ
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 383
QUADRO VII
RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL
2007
VALOR (R$)
(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2007) 851.486.800,00
(B) RECEITA DE ROYALTIES 358.902.823,59
(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 492.583.976,41
(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 388.471.469,64
(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 104.112.506,77
Fonte: TCE-RJ
Em relação aos dados de 2008, não foi elaborado quadro de receitas e
despesas com pagamento de pessoal. O total das receitas de royalties foi de
R$ 520.233.669,57.
Em síntese, comparando a receita dos royalties e as despesas com
pagamento de pessoal no período de 2000 a 2009, é possível visualizar o
seguinte gráfico:
QUADRO COMPARATIVO
PAGAMENTO DE PESSOAL/RECEITA TOTAL DE ROYALTIES
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 384
O aumento dos valores das despesas com pagamento de pessoal,
comparando os dois quadros, é bastante expressivo: de R$ 50.232.474,61
(2000) para R$ 455.178.206,13 (2009). No período de quase uma década, o
aumento com a despesa de pessoal é gritante (mais de 906%), coerente,
entretanto, com a reafirmação de um modelo institucional em que a máquina
burocrática apresenta centralidade. É importante frisar que tal crescimento
da despesa somente foi possível com o crescimento das receitas de royalties
de R$ 86.219.323,80 (2000) para R$ 368.118.183,05 (2009) mais de 426%.
No entanto, comparando o crescimento dos valores gasto com pessoal/receita
de royalties identifica-se que em 2000 o valor da receita de royalties era
maior que o gasto com pessoal. Em 2009, contudo, o gasto com pessoal passou
a superar o valor da receita advinda dos royalties.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 385
As despesas com pagamento de pessoal incluem não só os gastos com
cargos efetivos, com cargos em comissão e com funções gratificadas, mas
também a terceirização de serviços de empresas privadas. Este conjunto é
que foi crescendo e não só com a contratação terceirizada, como também
com o aumento da própria estrutura da administração pública. Tais fatos
foram identificados nas análises das contas de gestão empreendidas pelo
Tribunal de Contas em diversos momentos.
Segundo o TCE-RJ, de 1999 a 2002 os gastos com serviços de terceiros
triplicou: de 1,82%, em 1999, para 7,99%, em 2002.
No mesmo sentido, em sua análise das contas de gestão de 2007, o
Conselheiro-Relator José Gomes Graciosa aponta o crescimento da estrutura
administrativa de Macaé:
[...] Chama a atenção o elevado número de unidades gestoras existentes no Município de Macaé. Sabemos que a descentralização administrativa é, até certo ponto, benéfica e necessária para uma boa gestão, observados critérios rigorosos de demanda, todavia, o excesso de descentralização causa custos administrativos elevados, dificultando a adoção de um sistema de controle eficiente que possa gerenciar uma máquina estatal dimensionada muito além do razoável. Portanto, a descentralização em si não é boa nem má. Ela depende das circunstâncias. A participação no processo decisório governamental pode ocorrer por formas diversificadas e com uma variedade de agentes, sem a necessidade de se criar uma nova estrutura descentralizada. A participação popular por meio de conselhos formuladores de políticas e ou fiscalizadores é uma delas, em face do custo quase inexistente, haja vista que os membros não são remunerados. (grifamos)
A hipertrofia da máquina estatal não é percebida somente pelo exame
de dados técnicos ou somente por órgãos de controle, mas também pelos
veículos da mídia local. Ainda que não seja confiável o distanciamento destas
matérias, que podem ser motivadas pelas disputas políticas locais, induzindo a
uma visão distorcida da realidade local, há que se identificar sua existência
como um fato relevante que traduz a visibilidade da questão, ou pelo menos
sua relevância nas discussões políticas locais. Com este intuito vale
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 386
transcrever a matéria divulgada na internet31, com base em notícia do Jornal
Expresso Regional de 11 de outubro de 2009, em que se reafirma o aumento
excessivo da máquina pública vigente naquele município:
As obras paralisadas são reflexos da máquina pública que a cada mês do Governo Riverton ficava mais pesada para os cofres municipais devido à quantidade de DAS e cargos comissionados oferecidos por Macaé a apoiadores políticos. Um novo momento pareceu surgir no mapa político da cidade quando em 2007, o Prefeito Riverton anunciou sua Reforma Adminitrativa. Criou mais 954 cargos de comissão e não parou por aí. Hoje o pagamento de assessorias e contratos no município supera o valor de pagamento de servidor efetivo. A metade dos funcionários do município, aproximadamente 8 mil são assessores e contratados. Somente na administração direta, sem falar em fundações, autarquias e estágios remunerados. O orçamento municipal fica comprometido com tanto gasto de contratados e assessores, dificultando o andamento das obras pela cidade. (grifamos)
O TCE-RJ, em 1999, concluiu que o indicador de investimento de 0,18
não pode ser maior em virtude do comprometimento da receita com a
máquina administrativa.
O “Estudo Socioeconômico dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro -
município de Macaé 2009”, elaborado pelo TCE-RJ, aponta que no período
1999 a 2008 a população, nesses dez anos, cresceu 23%, enquanto o número
de servidores e funcionários teve uma variação de 289%. O mesmo trabalho
cita que de acordo com pesquisa do IBGE, no ano 2008 a estrutura
administrativa municipal dispunha de 11.570 servidores, o que resulta em
uma média de 74 funcionários por mil habitantes, a 23ª maior no Estado.
Conclui a análise afirmando que Macaé teve uma receita total de R$1.150,7
milhões em 2008, a 3ª do Estado, apresentando equilíbrio orçamentário. Suas
receitas correntes estão comprometidas em 78% com o custeio da máquina
administrativa32.
31 Fonte: http://denunciamacae.forumeiros.com/u1. Acesso em 03.01.11. Dados semelhantes foram trazidos em uma das apresentações na Oficina realizada em dezembro de 2010 na UFF, quando das discussões. 32 Em matéria intitulada Dinheiro público, herança em votos?, de Gilberto Scofield Jr., Jornal O Globo de 18.07.10, a questão dos gastos do governo federal é analisada sob a ótica de que cem milhões [de brasileiros] dependem de pagamentos do governo. Segundo opinião do economista Raul Velloso, citado no texto, quando um governo tem tanta gente dependendo dele em termos de renda, isso dá um poder de influência eleitoral muito grande. Conclui que isso se deu especialmente nos últimos anos, quando foi praticada uma política agressiva de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 387
Comparando os percentuais destinados às diversas funções estatais,
com base em dados do TCE-RJ, é possível visualizar o seguinte quadro33:
QUADRO VIII
DESPESAS EMPENHADAS POR FUNÇÃO - 2009
CÓDIGO FUNÇÃO DESPESA EMPENHADA R$ % EM RELAÇÃO AO
TOTAL
04 Administração 258.628.410,02 24,51%
12 Educação 197.072.082,87 18,68%
15 Urbanismo 193.679.671,05 18,36%
10 Saúde 191.997.068,76 18,20%
17 Saneamento 51.649.746,69 4,89%
01 Legislativa 34.565.372,92 3,28%
08 Assistência Social 32.373.990,19 3,07%
27 Desporto e Lazer 17.675.527,34 1,68%
11 Trabalho 17.103.262,30 1,62%
26 Transporte 16.444.083,05 1,56%
09 Previdência Social 12.097.777,15 1,15%
19 Ciência e Tecnologia 9.538.910,94 0,90%
13 Cultura 7.621.589,39 0,72%
23 Comércio e Serviços 6.493.593,13 0,62%
14 Direitos da Cidadania 3.706.527,35 0,35%
06 Segurança Pública 2.153.580,62 0,20%
18 Gestão Ambiental 1.778.327,12 0,17%
16 Habitação 491.115,58 0,05%
20 Agricultura 101.000,00 0,01%
TOTAL 1.055.171.636,47 100,00%
Fonte: TCE-RJ.
Extrai-se deste quadro o relevo que a função administração representa
nas despesas municipais. Neste aspecto, devem ser esclarecidos alguns pontos
específicos sobre as despesas com educação, saúde, já que, por disposição
legal, parte da receita deve ser necessariamente aplicada nestas áreas. O não
aumentos reais do salário do funcionalismo e dos aposentados, sem contar a ampliação maciça do Bolsa Família. Em posição diversa, Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP, diz que programas como o Bolsa Família têm o poder de atrair votos por causa da percepção de melhora na vida de famílias que não possuíam renda e passaram a tê-la. [...] 33 Em relação à execução da despesa nas maiores funções de governo no exercício de 2009.
Fonte: TCE-RJ.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 388
cumprimento da lei pode ensejar inclusive a rejeição das contas de gestão
pelo Tribunal de Contas, razão pela qual estas funções apresentam
percentuais expressivos, independentemente do modelo institucional
adotado.
No caso da Educação, o município deve aplicar pelo menos 25% das
receitas resultantes de impostos e transferências de impostos. Em 2009,
segundo dados do TCE-RJ, o valor destas receitas foi de R$ 588.605.505,46,
devendo-se por lei (Lei Federal 11.494/07) ser aplicado o montante de R$
147.151.376,37. O valor aplicado pelo município foi de R$ 151.568.053,13.
Ressalte-se que o valor da receita corrente líquida, incluindo os royalties, foi
de R$ 1.058.005.309,07.
No caso da Saúde, conforme regulamentação do SUS, o município deve
aplicar no mínimo 15% dos impostos arrecadados e dos impostos transferidos.
Segundo dados do TCE-RJ, o total das receitas para base de cálculo foi de R$
588.605.505,46, devendo-se por lei ser aplicado o montante mínimo de R$
88.290.825,82. O valor aplicado pelo município foi de R$ 135.751.128,75,
correspondendo a 23,06% desta base de cálculo.
Em relação às despesas com a função Urbanismo, o acelerado
crescimento urbano de Macaé acaba por demandar necessariamente esta
aplicação, que inclui a contratação de obras com empresas privadas. O gasto
expressivo com obras pode refletir uma vertente institucional patrimonialista
em que os interesses de grupos privados são atendidos pelo poder público.
Para afirmar com certeza tal aspecto, seria necessária uma pesquisa focada
no perfil das empresas contratadas e das obras realizadas, identificando
possível atendimento de compromissos políticos.
O último ponto a ser examinado diz respeito à ausência de alternância
no poder político local de Macaé. Examinado o período de 1989 a 2010,
identifica-se que o mesmo grupo político ocupa o poder, ainda que,
aparentemente, pareça ter havido alternância. Sylvio Lopes Teixeira e
Riverton Mussi Ramos são as figuras centrais da política local.
Riverton Mussi é sobrinho de Sylvio Lopes Teixeira34
34 Fonte: Jornal O Dia, matéria intitulada Silvio Lopes inelegível, de Ricardo Villa Verde, publicada em 22/07/10.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 389
Sylvio Lopes Teixeira, empresário e comerciante, exerceu os seguintes
mandatos35:
Prefeito, Macaé/RJ, Partido: PL, Período: 1989 a 1992 Deputado Federal, 1995-1996, RJ, PSDB. Prefeito, Macaé/RJ, Partido: PSDB, Período: 1997 a 2000 Prefeito, Macaé/RJ, Partido: PSDB, Período: 2001 a 2004 Deputado Federal, 2007-2011, RJ, PSDB.
Riverton Mussi Ramos, professor e ex-Secretário de Esportes e Lazer de
Macaé. Foi eleito vereador pela primeira vez em 1992. Atuou como líder do
PSDB na Câmara, foi líder do governo Sílvio Lopes, sendo presidente da
Câmara de Vereadores de 2000 a 2004. Desde 2005 é prefeito de Macaé.36
A continuidade política é registrada em matéria jornalística na
cerimônia de posse de Riverton Mussi37:
Num discurso emocionado o prefeito atual, Sylvio Lopes, convidou a todos, oposição e situação a se darem as mãos, com o objetivo de continuar conduzindo Macaé ao desenvolvimento e ao crescimento da qualidade de vida, haja vista a atipicidade do município, considerado a capital nacional do petróleo.
O prefeito eleito Riverton Mussi, diante de um teatro lotado, afirmou que o seu governo seguirá dando continuidade ao trabalho desenvolvido pelo prefeito Sylvio Lopes, responsável pelo salto de desenvolvimento vivido atualmente pelo município. (grifamos)
4. CONCLUSÕES
Os problemas sociais e a degradação ambiental de Macaé podem ter sua
origem em parte no modelo institucional da municipalidade, tanto no que se
refere às práticas político-administrativas, quanto na centralidade da máquina
burocrática em si mesma.
35 Fonte: www.camara.gov.br. Acesso em 10.01.11. 36 Para registro: Adrian Mussi Ramos exerce o mandato de deputado federal; Elma Mussi ocupa o cargo de Chefe de Gabinete do Prefeito; Carla Mussi Ramos ocupa o cargo de Secretária Municipal de Administração. Glauco Mussi Lopes Teixeira exerceu o cargo de deputado estadual em 2002 e reeleito em 2006. Candidato a 1º Suplente de Senador pelo PSDB. (Fontes: site da Prefeitura de Macaé e do TSE). 37 Fonte: www.clickmacae.com.br
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 390
Neste modelo, as práticas político-administrativas, ainda fundadas no
patrimonialismo e no personalismo, direcionam a atividade do poder público
local para atender aos interesses político-partidários e pessoais dos agentes
políticos. Desta forma, as ações estatais não são sistêmicas tanto no âmbito
interno do nível municipal quanto inter-relacionadas com os órgãos estaduais
e federais, não são de longo prazo, não são articuladas com outros órgãos,
pelo contrário, são pontuais, setoriais, emergenciais, com reduzidíssima
comunicação com outras esferas do poder público.
Outra característica que pode ser observada, decorrência da anterior, é
a centralidade da máquina pública em si mesma. A expansão e reestruturação
dos órgãos públicos resulta em estruturas administrativas pesadas, de alto
custo e baixa eficiência e com um grau de comprometimento questionável em
relação às demandas sociais. Desta forma, segundo este modelo, a máquina
pública transforma-se em mecanismo gerador de permanência no poder.
Macaé consegue ser a síntese deste modelo de alto custo, mas com
resultados sociais pouco expressivos. O município possui enorme receita e
grande parte dela é aplicada na máquina burocrática, sem que isto gere
prestação de serviço eficiente e efetivo. Fosse este modelo voltado para as
demandas sociais, o município não estaria imerso em extensos problemas
sociais e ambientais. Por outro lado, há que se indagar se a máquina
burocrática funciona para sustentar um projeto político de permanência no
poder, o que pode ser observado pela ausência de alternância substantiva no
poder e por significativos grupos de oposição.
Aquilo que parece contraditório, a riqueza do petróleo em contraste
com a favelização de áreas urbanas e a marginalização de grandes segmentos
da população local, pode ter sua explicação primeira no modelo institucional
adotado por Macaé, que não difere de muitos municípios brasileiros. O que
parece claro é que o ideal democrático de participação e de interferência do
cidadão no poder local encontra fortes obstáculos de natureza político-
institucional que precisam de nova arquitetura. Por onde começar?
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 391
ANEXO I - QUADRO DAS RECEITA DISCRIMINADA DE ROYALTIES 2009
RECEITAS DA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA - EXERCÍCIO DE 2009
DESCRIÇÃO
REGISTROS CONTÁBEIS
I - Transferência da União 356.137.068,22
Compensação Financeira de Recursos Hídricos 85.343,16
Compensação Financeira de Recursos Minerais 162.711,87
Compensação Financeira pela Exploração do Petróleo, Xisto e Gás Natural
355.889.013,19
Royalties pela Produção (até 5% da produção) 294.900.819,57
Royalties pelo Excedente da Produção -
Participação Especial 60.988.193,62
Fundo Especial do Petróleo -
II - Transferência do Estado 11.369.671,90
III – Outras Compensações Financeiras -
IV - Aplicações Financeiras 611.442,93
V – Total das Receitas (I + II + III + IV) 368.118.183,05
(Fonte: Anexo 10 da Lei nº 4.320/64 Consolidado – fls. 1199/1204)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 392
DARCY RIBEIRO, UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO: APONTAMENTOS A
PARTIR DO CASO DO PETRÓLEO NA UENF
Adelia Miglievich 1
Valter de Sales 2
Apresentação
Até a segunda metade da década de 1980, a região norte-fluminense
compreendia 14 (quatorze) municípios, pertencentes às microrregiões de
Campos dos Goytacazes, Itaperuna e Miracema. A partir de 1987, o processo
conhecido como descentralização administrativa, no período da
redemocratização brasileira, ratificado na Constituição de 1988 que define
que o “município reger-se-á por Lei Orgânica própria, ditada pela Câmara
Municipal, que a promulgará” (artigo n. 29 da Constituição Federal), reforça-
se a autonomia financeira dos municípios, provocando subdivisões de
municípios mais antigos cujo número então ampliado faz surgir as
mesorregiões Norte Fluminense e Noroeste Fluminense (Cruz, 2004)
Do ponto de vista histórico, o recente advento dos royalties devido à
extração do petróleo na Bacia de Campos reacende antigas e fomenta novas
disputas territoriais, políticas e sociais nos espaços intra-regionais do norte do
Estado do Rio de Janeiro. Campos dos Goytacazes, de seu pólo regional
tradicional, vê nascer um novo pólo regional, situado em Macaé, município do
complexo petrolífero fluminense onde se concentra grande parte das
atividades de logística destinadas às operações da Bacia de Campos (IBID.,
p.92),
Este artigo propõe situar o pensamento de Darcy Ribeiro e o projeto da
Universidade Estadual do Norte Fluminense numa região que, sobretudo, a
partir da descoberta de petróleo na Bacia de Campos, ganha uma notoriedade
antes inexistente. Também, quer-se apontar para as tensões em torno do tipo
de intervenção modernizante que a universidade pode operar num dado
contexto. Interessa-nos, examinar êxito da interação com a cadeia produtiva
1 Dra. em Sociologia – UFRJ. Professora do Dept. de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFES. Bolsista Sênior “Cátedras IPEA/CAPES para o Desenvolvimento – Darcy Ribeiro”. 2 Mestre em Políticas Sociais – UENF. Professor do campus Campos-Centro do IFF.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 393
do petróleo mas, a partir daí, apontar para os desafios que ainda lhe faltam
assumir no Estado do Rio de Janeiro.
1) O pensamento de Darcy Ribeiro e a UENF
Darcy Ribeiro (1922-1987) inaugura com “O processo civilizatório”, em
1968, a série de 6 (seis) livros chamados "Estudos de Antropologia da
Civilização" que culmina com a publicação, em 1985, de “O povo brasileiro”.
Darcy Ribeiro apresentava em seu estudo o que veio a chamar de antropologia
dialética. Alimentando-se da antropologia americana de Gordon Childe, Julien
Steward e, mais especificamente, do evolucionismo de Leslie White, devorou
ainda antropofagicamente Marx & Engels para tratar da realidade íbero-latina
e explicar o surgimento de um povo tornado ele mesmo proletariado externo,
provedor colonial de bens para o mercado mundial. (RIBEIRO, 1975).
A idéia de evolução multilinear trazida de Julien Steward possibilitou-
lhe a percepção de que as formações sócio-culturais concretas têm caráter
temporal e sincrônico. Daí sua proposição de aceleração evolutiva em
contraposição à modernização reflexa ou atualização histórica. Enquanto os
últimos se expressam na modernização conservadora e dependente, o
primeiro conceito liga-se à autonomia científico-tecnológica e à soberania
nacional.
Darcy Ribeiro atentava assim para o alheamento histórico do segmento
empresarial brasileiro em face do investimento em C&T. Ainda que, a partir
dos anos 1960, o Brasil tenha iniciado a criação de um sistema de ciência e
tecnologia que é hoje o maior e melhor da América Latina, tal sistema
desenvolveu-se sem a necessária interação com o sistema produtivo nacional.
Como se refere Vermulm, com as exceções da EMBRAER e da PETROBRAS
propriamente dita, vislumbrava-se ainda algo como a ausência de uma
"cultura da pesquisa de da inovação no sistema produtivo brasileiro" (2002, p.
199).
As convicções de Darcy Ribeiro acerca da universidade faziam parte,
portanto, de um arcabouço teórico que visava à superação do atraso (nacional
ou regional) pela conquista da autonomia nos domínios da ciência e da
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 394
tecnologia avançada. Na modernização reflexa, o atraso não seria superado
jamais. Artificialmente, parcelas (minoritárias) de brasileiros poderiam
experimentar os bens da modernidade, mas o país mantinha sua inserção
subordinada de povo atrasado inscrito em formações socioculturais
estruturadas a partir de sistemas tecnologicamente alienígenas e superiores.
Apenas pela aceleração evolutiva, mediante a mobilização de fatores
endógenos à própria sociedade poderia se almejar o desenvolvimento
autônomo, com base em sua criatividade para a adoção completa e
autárquica das inovações tecnológicas alcançadas por outras sociedades. A
universidade é um dos protagonistas deste processo.
É nesse quadro que nasce a UENF, para fazer-se herdeira das tradições regionais do saber popular e erudito, mas comprometida a conquistar o que lá precisa florescer para que toda a região se integre na Civilização Emergente, fundada na ciência e na técnica. Sua missão é adornar-se, cultivar e ensinar a ciência e as tecnologias de ponta, que constituem o patrimônio cultural da humanidade, para colocá-las a serviço da modernização e do progresso econômico e social da região e do Brasil. (RIBEIRO, 1993, p. 16)
A Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), instituída nos
termos do artigo 49 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e implantada
através do Decreto n. 17206, de 23 de dezembro de 1991, pela Secretaria
Extraordinária de Programas Especiais (SEEPE) do Governo Brizola, no
município de Campos dos Goytacazes sob o signo da Universidade do Terceiro
Milênio não traduziria, por certo, com perfeição a teoria que a inspirou. Mas
nascia imbuída da missão histórica de “atualizar o Brasil quanto aos principais
campos do saber” mediante seus “laboratórios e centros de pesquisa, nos
quais as tecnologias mais avançadas possam ser praticadas, ensinadas e
criadas” (RIBEIRO, 1992, p. 27). Propunha-se constituir como universidade de
pesquisa voltada para a aceleração das potencialidades econômicas do norte
do Estado do Rio de Janeiro, entendida, portanto, por seu mentor intelectual,
como porta-voz da civilização emergente e alavanca para o desenvolvimento
regional e nacional, nos termos de Darcy Ribeiro (RIBEIRO, 1992, p. 9).
Ao anunciar, em seu plano orientador, uma “ruptura com o passado”, a
universidade era projetada como se pudesse desconsiderar seu contexto, que
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 395
não era apenas formado pela visão otimista de Darcy Ribeiro acerca do
progresso vindouro. Não ingenuamente, o que nos permite interpretar como
uma dose de pretensão, Darcy Ribeiro não disfarçava seu descaso às possíveis
forças políticas antagônicas, quer no plano local quer global.
Localmente, para onde se desloca nosso olhar nesta retrospecção, a
UENF queria se espelhar nalgumas universidades mais reconhecidas no Brasil e
no exterior, de um lado, a UNICAMP, de outro, a Johns Hopkins University e a
Rockefeller University. Parecia haver nisto um consenso com a comunidade
campista, na maneira como Darcy Ribeiro estipulava as tarefas da nova
universidade em sua distinção à manutenção das tradicionais fundações
privadas de ensino superior em Campos dos Goytacazes. Mas, no lugar do
consenso, a UENF nascia a partir de celeumas entre grupos locais e o Governo
do Estado do Rio de Janeiro.
A UENF trazia uma história que foi drasticamente interrompida diante
do Plano Orientador de Darcy Ribeiro. Sem pretender aqui julgar se a UENF de
Darcy Ribeiro era superior à ambição dos campistas em torno da agregação
das fundações privadas de ensino e manutenção dos cursos e do corpo docente
naquelas carreiras tidas como convencionais, fato é que foram os professores,
funcionários e alunos de tais fundações que se lançaram em campanha pela
criação de uma universidade pública em Campos de modo que se empenharam
para lograr a emenda popular que asseguraria na Constituição Estadual o
artigo a impor a data-limite em que esta universidade seria implantada na
cidade. Vitoriosos na Constituição Estadual 3, os grupos campistas, entretanto,
foram surpreendidos quando se viram excluídos da UENF projetada por Darcy
Ribeiro que a pensava como o maior centro de pesquisas avançadas em C&T já
visto no Estado cujos recursos humanos seriam buscados dentre os líderes de
pesquisa de renome nacional e internacional, impondo-se o doutorado como
qualificação mínima. Erguia-se, assim, uma “muralha” entre os campistas
3 Tratou-se de uma tarefa hercúlea cumprida pelos campistas. A emenda popular exigia a reunião de pelo menos três mil assinaturas mas os organizadores conseguiram 4.431, sem contar milhares de outras não qualificadas. Deste modo, o Executivo Estadual estava obrigado a criar a UENF até 1990. Caso isto não se desse, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na capital, cuidaria de instituir um campus avançado na região. Disponível em http://uenf.br/Eventos/economiasolidaria/apresentacao/historia-da-uenf/, acessão em 11/01/2011.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 396
(que não eram, à época, doutores) e o contingente de pesquisadores recém-
chegados na UENF, dentre os quais, tornaram-se notícia os russos advindos das
universidades da ex-União Soviética.
O passar dos anos tornaria as relações na comunidade acadêmica entre
docentes e demais funcionários ainda mais complexa, aumentando as tensões.
A UENF durante seus primeiros anos sofreu a hostilidade da cidade. O Governo
Marcelo Alencar, consecutivo a Leonel Brizola, fechou a torneira da qual
bebia a UENF. Foi quando a universidade sofreu o primeiro grande baque e
boa parte de seu recente corpo docente retirou-se da instituição, incluindo os
estrangeiros.
Aqueles que ficaram, contudo, construíam tijolo a tijolo a nova
universidade. Enfim, os pós-graduandos, vários nascidos na própria região,
alçaram à condição de doutores. Paulatinamente, o corpo docente foi
podendo ser renovado e a população campista começou a identificar no que
lhes parecia, nos primeiros anos de 1990, apenas um corpo estranho, os filhos
da terra. Não se pretende dizer com isso que a UENF se tornava local mas, é
fato, iniciava-se o longo percurso pelo qual ela deixava de ser estrangeira aos
olhos daqueles que eram os nativos na região.
Ainda assim, estranhamentos ocorriam e, também, entre o setor
produtivo e a universidade, quando a meta da interação entre ambos era uma
das nodais de seu Plano Orientador. A tensão subjacente ligava-se ao
propósito mesmo do desenvolvimento com base em tecnologias inovadoras
quando os setores produtivos no norte e do noroeste fluminenses não eram
idênticos ao paulista e muito menos às realidades que as universidades
estrangeiras encontraram quando de sua implementação nos respectivos
países.
A exemplo, o redirecionamento da modernização técnico-produtiva do
setor sucroalcooleiro não fora capaz, segundo Cruz, de oferecer mudanças
tangíveis nos “nós górdios” do padrão de desenvolvimento brasileiro, logo,
também local.
O caso do Norte Fluminense permite relativizar e complexificar os nexos entre crescimento, desenvolvimento, trabalho, emprego e renda. Ele é representativo dos espaços do território nacional, herdeiros de práticas produtivas e políticas tradicionais, sob domínio de oligarquias rurais,
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quase sempre representantes de uma economia monocultora, com estruturas de poder e de relações sociais preservadas pela modernização conservadora realizada pelo país. Tais arranjos e dinâmica permitem que um processo de crescimento profundo e contundente, acompanhado de modernização tecnológica, signifique reprodução e aprofundamento do subdesenvolvimento, da estagnação, da pobreza e do desemprego”. (Cruz, 2004, p. 88)
Os grupos de pesquisa em biotecnologia da cana de açúcar na UENF não
ultrapassavam o patamar conhecido como clássico, que não prevê, num prazo
discernível, a transgenia, ou seja, os investimentos que propõem alterações
de material genético, como nos produtos mais comercializados hoje no
mundo. Mesmo com a alta capacidade de seus cientistas e laboratórios, o
desenvolvimento agroindustrial do norte-fluminense persiste distanciado dos
avanços da engenharia genética. Simplesmente, ainda um arcaico parque
sucro-alcooleiro local não requeria tecnologia de ponta para manter sua
margem de lucro – advinda, sobretudo, da precarização do trabalho humano –
e não interagia com a universidade, em que pesem os esforços de gestores
públicos e de pesquisadores comprometidos com a inovação tecnológica no
setor. Esforços em se reverter tal quadro existem (MIGLIEVICH RIBEIRO &
NEVES, 2005, p. 181).
Também, o empenho dos engenheiros do Laboratório de Materiais
Avançados (LAMAV / CCT) da UENF para prover meios que qualificassem
tecnologicamente o pólo cerâmico em Campos dos Goytacazes de modo a
interromper o ciclo da informalidade e precarização das relações de trabalho
é obstaculizado pela rígida divisão do trabalho no mercado estadual da
cerâmica para o qual a inovação tecnológica no arranjo produtivo do distrito
de São Sebastião e de Tapera torna aqueles produtores indesejáveis
concorrentes. O “Projeto Revitalização” da UENF 4 que, em curto prazo,
4 O projeto “Revitalização da Indústria Cerâmica do Norte Fluminense”, iniciado em outubro de 2003 sob a coordenação do Professor Sergio Neves Monteiro, Doutor em Ciência dos Materiais e Engenharia pela Universidade da Flórida nos Estados Unidos, desenvolvido no Laboratório de Materiais Avançados (LAMAV/CCT/UENF) expressa o que aqui chamamos de uma experiência de “intervenção modernizante” direcionada ao pólo cerâmico do município, sem, contudo, as redes políticas que se fariam necessárias para que os efeitos da modernização fossem auto-sustentáveis a médio e longo prazo, a saber, mediante o ingresso
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bastaria para alçá-los num novo patamar de produtividade, atuando sobre a
débil infra-estrutura do setor, não é suficiente para intervir na lógica do
mercado que lhes reserva o nicho do comércio de tijolos para a auto-
construção local que perderiam, por sinal, com a “intervenção
modernizante”. Os trabalhadores sabem disso e a rejeitam.
Não há dúvidas de que o setor do petróleo foi aquele mais receptivo à
presença da UENF na região e ao empenho de seus cientistas em fazer
convergir os interesses de desenvolvimento de C&T àqueles de sua cadeia
produtiva. Pudemos dizer neste artigo que a economia do petróleo já se
destacava no Brasil pelos elevados padrões requeridos nas operações offshore
demandando esforços permanentes de capacitação e desenvolvimento, o que
reforçou as interações entre as universidades, as escolas técnicas e os centros
de pesquisa.
2) Petróleo e Desenvolvimento Regional
O caso específico de sucesso do segmento da produção de petróleo no
Brasil e da Petróleo Brasileiro S/A (PETROBRAS) tem sua gênese a década de
1950, momento político impar, de efervescente nacionalismo, marcado pelo
bandeira do “petróleo é nosso”. Tempo marcado por polarizações e
radicalismos. De convicção alastrada de que não seríamos eternos reféns do
subdesenvolvimento. O mundo vivia uma nova era das revoluções. O campo
socialista se consolidava, o colonialismo era desmantelado, a América Latina
sonhava em uníssono e a revolução cubana configurava-se como seu símbolo.
Neste clima, em 1953, nascia a PETROBRAS que alimentava a esperança
de descobrir petróleo no território nacional e um dia alcançar a auto-
suficiência na sua produção. Era a criação da mais importante e bem
sucedida empresa brasileira voltada para as atividades petrolíferas configura-
se em oposição a um “[...] capitalismo de padrão de intervenção estatal
frágil, na orientação do “interesse geral” do capitalismo nacional”
(CONTRERAS, 1994, p. 217). Mas, observa a autora, suas qualidades de
da comunidade no mercado produtor do Estado. MIGLIEVICH RIBEIRO & SILVA JR, “Modernização, Ciência e Tecnologia na "Universidade do Terceiro Milênio", 2006.
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integração vertical, conglomerada e internacionalizada, seu elevado potencial
de acumulação ao promover uma dinâmica microeconômica típica de grande
firma chamaria atenção também do animus privado, schumpeteriano e
internacionalizante das elites, que saberiam transformar o grupo estatal numa
organização aliada aos interesses do capital privado nacional.
A persistência da PETROBRAS nas ações exploratórias culminou com a
descoberta de hidrocarbonetos em alto-mar, na costa do Norte Fluminense.
Esse feito se deu no ano de 1974, no Campo de Garoupa; entretanto, por
questões técnicas, a produção iniciou-se somente em 1977, com a entrada em
operação do Campo de Enchova.
Conforme Sales (2009), A produção de petróleo na Bacia de Campos
intensificou-se com a instalação da PETROBRAS em Macaé, juntamente com
seus fornecedores e outras empresas ligadas à exploração de petróleo na
região. A dinamização da economia local, decorrente da instalação na cidade
do parque de infra-estrutura produtiva, proporcionou benefícios aos mais
diversos setores. Segundo os dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), citados por Cruz (2005), o Produto Interno Bruto (PIB)
municipal cresceu 239% entre 1975 e 1985. Conforme o mesmo órgão, o
indicador relativo ao índice de aferição do estoque de capital humano no
município elevou-se em 225% entre 1980 e 2000. O nível de renda per capita,
por sua vez, elevou-se em 33% entre 1991 e 2000. Para o entendimento de
como e por que este dinamismo, torna-se mister a compreensão da
necessidade de constante evolução tecnológica pertinente à exploração de
petróleo em águas cada vez mais profundas na referida bacia.
O desenvolvimento das atividades de exploração proporcionou a
evolução da produção de petróleo e gás e o aumento dos investimentos na
região. O arranjo deste pólo produtor de petróleo e gás do país nos dias atuais
conta com cerca de 100 mil quilômetros quadrados que se estendem do
Espírito Santo (próximo a Vitória) até Cabo Frio, no litoral norte do Estado do
Rio de Janeiro (Figura 01).
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Mapa 01: Localização dos campos em produção e novas descobertas na Bacia de Campos Fonte: TN Petróleo – Guia do Estudante, p. 32. Disponível em: http://www.tnpetroleo.com.br/uploads/guia_estudante/05_Guia_do_Estudante_Petroleo.pdf. Acesso em: 11 mar. 2003. A descoberta, na Bacia de Campos, na década de 1980, de campos
gigantescos em águas profundas (com sistemas de exploração em águas de
lâmina d'água entre 400 e 1.000 metros) e ultraprofundas (com sistemas de
exploração em águas de lâmina d'água entre 1.000 e 2.000 metros)
determinou a realização de investimentos que viabilizassem este novo
horizonte de exploração.
Os dados fornecidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) evidenciam que a Bacia de Campos é hoje responsável
por aproximadamente 82,3% da produção nacional de petróleo e gás 5. Sua
produção em janeiro/2009 foi de 1.640,7 Mbpd de óleo e gás natural
liquefeito. Estas atividades geram aproximadamente 52 mil empregos diretos
5 Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2008. Disponível em: http://www.anp.gov.br/conheca/anuario_2008/T2.12.xls. Acesso em: 10 mar. 2009.
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nas empresas atuantes na região (Gráfico 01), sendo aproximadamente 1/3
de empregados da PETROBRAS; e o volume de recursos injetados na economia
da região oriundos de compensações e tributos foi da ordem de 13,7 bilhões
em 2006 (CARDOSO; LESSA, 2007, p. 28).
Gráfico 01
Força de trabalho da Bacia de Campos
Fonte: CARDOSO, Beatriz; LESSA, Daniela. Bacia de Campos: 30 anos de reinado. Revista Tn Petróleo, Rio de Janeiro, número 54, p. 20, maio/junho 2007.
Uma mudança radical na região ao norte do Estado do Rio de Janeiro,
marcada por profundas desigualdades econômicas e sociais decorrentes de
inúmeros fatores que têm marcado a sua história ao longo dos séculos. Por
estes anos, a PETROBRAS passou ainda por profundas mudanças
organizacionais. A quebra do monopólio estatal no ano de 1997 e a busca pela
competitividade levaram a empresa a intensificar a subcontratação de
produtos e serviços de terceiros. Ainda hoje, a dinâmica da mesoregião Norte
Fluminense com foco nos municípios produtores de petróleo (São Francisco do
Itabapoana, São João da Barra, Campos dos Goytacazes, Quissamã,
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Carapebus, Macaé, Rio das Ostras, Casimiro de Abreu e Arraial do Cabo)
concentra o maior volume de recursos destinados aos investimentos na
expansão da indústria petrolífera nacional e a consequente arrecadação pelos
municípios produtores de impostos, royalties e participações especiais.
A grande notícia na área de petróleo no Brasil, após o alcance da auto-
suficiência em 2006, foi a descoberta pela PETROBRAS de um megacampo de
petróleo na Bacia de Santos, a quase 300 quilômetros do litoral do Rio de
Janeiro e a mais de 6000 metros de profundidade: o chamado pré-sal 6. Tudo
leva a crer que existam campos no mar em uma área de até 800 quilômetros
de extensão por 200 quilômetros de largura. As estimativas oscilam entre 30 e
50 bilhões de barris no pré-sal. Segundo a reportagem do FOLHA ONLINE 7.–
“não é um delírio nacional, esta é a avaliação do Credit Suisse (banco de
investimentos). Hoje temos 14 bilhões de barris provados. Com Tupi, Carioca,
Júpiter e áreas próximas, chegaríamos às reservas atuais da Rússia e da
Venezuela”.
Tais cifras bilionárias têm o negativo poder de minorar ainda mais a
consciência da inesgotabilidade do recurso, o que é perigoso em termos
ambientais dentro de um modelo de desenvolvimento altamente predatório.
Os movimentos ambientalistas há décadas apontam para os efeitos da
concentração do dióxido de carbono na atmosfera, triplicados desde 1950.
Somam-se a isso as denúncias dos derrames de cargueiros de petróleo e dos
incêndios de poços no mar que acabam com a flora e a fauna marinas 8.
Há que se considerar também os entraves tecnológicos e humanos que
a exploração das reservas do pré-sal irão demandar. A economia do petróleo
que já tem requerido elevados padrões nas operações offshore visto que
6 A camada pré-sal é uma faixa que se estende ao longo de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do leito do mar, e engloba pelo menos três bacias sedimentares: Espírito Santo, Campos e Santos (Figura 02). O petróleo encontrado nesta área está a profundidades que superam os 7 mil metros, abaixo de uma extensa camada de sal que, segundo geólogos, conservam a qualidade do petróleo. 7 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u440468.shtml. Acesso em: 12 mar. 2009. 8 Márcia Mérida Aguiar, em dissertação de mestrado defendida no PGPS/UENF “Ciência como política. Um estudo dos híbridos da modernidade na Universidade do Terceiro Milênio” (2005), traz o debate presente na obra do francês Bruno Latour a lhe permitir enxergar no petróleo um híbrido de alto poder de proliferação na modernidade constituída na medida em que o petróleo aparece como solução para a economia mundial, ao mesmo tempo em que multiplica outras questões sem solução.
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atualmente os fornecedores assumem diversas responsabilidades na realização
de testes, na aplicação de equipamentos e no controle do desempenho de
bens e materiais críticos, cria novas expectativas em face dos centros de
pesquisa e de formação profissional.
Neste quesito, cabe destacar a presença do Laboratório de Engenharia
e Exploração de Petróleo (LENEP) em Macaé, pertencente ao Centro de
Ciência e Tecnologia da UENF 9, ambicioso programa de formação de recursos
humanos e desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica na área de
exploração e produção de petróleo.
O LENEP é uma instituição que atua em dois importantes segmentos da industria do petróleo, Exploração e a Produção (E&P), em parceria e cooperação com o setor produtivo, as agências do governo e outras instituições de ensino superior. Até uma década atrás, esses segmentos eram tratados de forma separada, e os motivos que levaram à criação de um instituto de ensino/pesquisa híbrido (E + P) como o LENEP, derivam do pensamento de que a indústria do petróleo no Brasil e no mundo, dada a sua alta especialização, nunca dispôs de um profissional de nível superior apto a desenvolver de imediato suas atribuições específicas, precisando de treinamento custoso e demorado ao ingressar na empresa (www.lenep.uenf.br, acesso em 10/03/2008)
3. UENF, Ciência e Petróleo: uma experiência exitosa
Darcy Ribeiro fora visionário ao enxergar o potencial do petróleo na
região norte-fluminense e a urgência dos investimentos de C&T, muito antes
da descoberta do pré-sal. Professor Carlos Alberto Dias, indicado
nominalmente por Darcy Ribeiro para criar o LENEP/UENF, dedicado, desde
1968, às pesquisas acerca do petróleo 10, vinha com a clara visão da parceria
com a PETROBRAS. Suas estratégias incluíram a criação dos cursos de
graduação e de pós-graduação com ênfase na exploração de petróleo. Criava, 9 Ao lado das Unidades, em Campos dos Goytacazes, Cabo Frio e Macaé, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF). 10 Primeiramente, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), atuou na geofísica. A seguir, em 1972, criou o Instituto de Geociência da Universidade Federal do Pará (UFPA), transferindo-se em 1986 se transferiu para o norte do país. Em 1991, recebeu o convite de Darcy Ribeiro para compor a comissão de criação da UENF. Ao longo do ano de 1992, passou a estar mensalmente no Rio de Janeiro participando das reuniões sobre a criação da universidade. Em julho de 1993, aposentado na UFPA, mudou-se definitivamente para o Estado do Rio de Janeiro, integrando a Secretaria de Extraordinária de Assuntos Especiais do Estado, junto a Darcy Ribeiro.
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em nível superior, um inédito perfil de engenheiro na América Latina –
engenheiro do petróleo - que, saído do Laboratório, poderia ser diretamente
aproveitado pelas empresas, com formação do início até o fim da cadeia de
exploração e produção do petróleo (E&P) 11.
Em artigo anterior, intitulado “A Universidade Pública e o Setor
Produtivo: o caso PETROBRAS na Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro (UENF)” (2010), Machado e Miglievich Ribeiro dedicaram-se a
sistematizar os dados acerca do investimento da Petrobras na UENF. A
começar pela construção do prédio do LENEP garantida pela PETROBRAS,
firmava-se o primeiro enlace entre a universidade e o setor produtivo.
Investiu ainda o correspondente a 37,80% do valor do convênio, ou seja, R$
3.100.000,00 (três milhões e cem mil reais) no montante total de R$
8.200.000,00 (oito milhões e duzentos mil reais). Também a Prefeitura de
Macaé entrou no convênio com R$ 1,6 milhões, o Governo do Estado do Rio de
Janeiro com R$ 2,5 milhões e a família Brennand 12 com R$ 1 milhão, valor
correspondente ao terreno doado com 100.000 m². Este prédio do LENEP
possui 4.255 m² de área construída
Machado e Miglievich Ribeiro (2010) explicam que da criação da UENF
até hoje, podemos falar em 3 (três) fases vividas pelo LENEP em sua
consolidação e expansão, na correlação com o tipo e o volume dos
investimentos: 1ª – Captação de recursos para a construção do LENEP com
base no voluntarismo de seus professores sob a liderança do professor Carlos
Alberto Dias; 2ª – Captação de recursos para os projetos de P&D, já com o
LENEP criado; e por fim, a 3ª – Recursos advindos dos Convênios do “Núcleo de
Competência e das Redes Temáticas”.
A participação da PETROBRAS nas instituições de ensino e pesquisa no
Brasil intensificou-se com o passar dos anos. Por força da legislação que
obriga o uso de parte do lucro da empresa em pesquisa e desenvolvimento
(P&D), destinado ao fundo setorial do Ministério da Ciência e Tecnologia,
11 Os dados acerca do investimento da Petrobras na UENF foram alvo de artigo anterior. Cf. Tonny Machado e Adelia Miglievich Ribeiro, “A Universidade Pública e o Setor Produtivo: o caso Petrobras na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)”, 2010. 12 Brennand, rica família norte-fluminense, detentora de grandes propriedades agropecuárias, que sensibilizada pela iminente saída do LENEP instalado na UNED-Macaé (CEFET CAMPOS) para Campos, resolveu doar uma área de terra, onde hoje funciona o campus avançado da UENF em Macaé.
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conforme resolução de ANP de n° 33 de 24/11/05, a PETROBRAS tem renúncia
fiscal para apoio a projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), que contam
com 0,5% do faturamento bruto da empresa (MACHADO & MIGLIEVICH RIBEIRO,
2010, p.46)
A partir de 2006, os investimentos da Petrobrás em P&D começaram a
ser distribuídos diretamente pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), para a contratação de serviços em empresas e
instituições, na formação das redes temáticas e dos núcleos de competência.
As primeiras têm como objetivo principal desenvolver inovações tecnológicas
de interesse estratégico para o setor de petróleo, gás e energia, enquanto os
Núcleos Regionais de Competência visam a executar atividades voltadas para
a criação e reforma de infra-estrutura, formação e capacitação de recursos
humanos, desenvolvimento de projetos de Pesquisa & Desenvolvimento e
prestação de serviços tecnológicos de interesse da Petrobras, em especial de
seu Centro de Pesquisas e das Unidades de Negócios da região, voltadas para
resolver os gargalos encontrados pela empresa na exploração e produção do
petróleo no local onde a empresa atua.
A Petrobrás em conjunto com a ANP criou 7 (sete) “núcleos de
competências”, nas principais instituições de ensino do Brasil. A excelência da
UENF na área de reservatórios e de exploração de petróleo e gás natural fez
com que a universidade fosse uma das beneficiadas com recursos dessas redes
e do núcleo então formado. A contar do ano de 2006, a Universidade passou
também a receber os recursos vindos das redes temáticas e do Núcleo
Regional de Competência, um montante de precisos R$ 13.369.593,46 (treze
milhões, trezentos e sessenta e nove mil, quinhentos e noventa e três reais e
quarenta e três centavos). (MACHADO & MIGLIEVICH RIBEIRO, 2010, p.46)
Machado (2010) concluíra em seu levantamento de dados que foram,
em convênios em geral, R$38.414.249,87 aplicados na UENF. O volume de
dinheiro aportado no “Núcleo Regional de Competência” da UENF, resultante
da atual política da ANP de se exigir da Petrobras somas aplicadas em C,T&I,
equivale a R$ 13.369.593,46, ainda a 1% da receita bruta da produção de num
determinado campo, sendo que 50% desses recursos hão de ser aplicados na
contratação de projetos/programas em universidades e institutos de pesquisa
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e desenvolvimento previamente credenciados pela ANP para este fim.
(RESOLUÇÃO ANP Nº 33, DE 24.11.2005 - DOU 25.11.2005).
Ao todo, entre os anos de 1999 e 2008, a Petrobras destinou a UENF
cerca de R$ 51,8 milhões. As cifras, porém, investidas pela Petrobras e pela
ANP na UENF - e nas outras universidades do país - ainda não atingiram a
metade do percentual previsto na legislação para aplicação em C&T, bastando
que haja projetos que justifiquem o destino da dotação para seus centros de
pesquisa.
No caso UENF, dos cinqüenta e um milhões e oitocentos mil reais
aportados até fins de 2009, aproximadamente 90% serviram à montagem de
infra-estrutura e à aquisição de equipamentos e software. Os 10% restantes
destinaram-se ao pagamento por prestação de serviços e à concessão de
bolsas para a formação de pessoal qualificado.
4. A missão da UENF e as contradições do desenvolvimento regional
Se o desenvolvimento da Região Norte Fluminense foi profundamente
modificado pela nova economia nascida na década de setenta, é relevante
constatar que o crescimento econômico do norte-fluminense não se
correlaciona ao esperado desenvolvimento social na região. A economia que
gera renda, ainda não foi capaz de gerar o desenvolvimento pleno. Algo ainda
mais explícito quando se tem em vista a indefinição no uso dos royalties do
petróleo. Sem amparo legal para efetivamente virem a servir como
indenizações e compensações diante do adesnamento populacional nas regiões
petrolíferas; menos ainda sem o consenso jurídico de que se tratariam de
instrumentos que hoje garantiriam o que se pode chamar de justiça
intergeracional uma vez que falamos de um recurso não renovável cuja
exploração não beneficiará aqueles que ainda virão. Para minimizar as
condições desiguais, exigir-se-ia hoje a criação de novas estratégias de
incentivo pró-diversificação produtiva (LEAL & SERRA; SERRA & PATRÃO,
2003).
Os números apresentados por pesquisadores são inegáveis, a cadeia
produtiva do petróleo e gás, sobretudo com os royalties e a participação
especial, beneficiaram de sobre maneira a região Norte Fluminense, grande
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 407
parte dos municípios da região tiveram suas contas orçamentárias equilibradas
após o recebimento destes recursos, o que contrasta com a maioria dos
municípios brasileiros, conforme afirma Pacheco, em um paper apresentado
no 3° Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás, em 2005:
O equilíbrio orçamentário dos municípios do Norte Fluminense foi favorável para a maioria nos anos de 2001 e 2002, especialmente para Macaé e Campos dos Goytacazes (revertendo a situação deficitária de 1997/1998), com exceção de São Fidélis e São João da Barra (TCE-RJ, 2003). Dos nove municípios, quatro possuíam, em 2002, mais de metade da sua receita composta pelos repasses dos royalties. Dentre estes, ressalta-se Campos dos Goytacazes com 58,45% e Macaé, com 53,71% de sua receita comprometida com os recursos petrolíferos. Já os demais municípios do Norte Fluminense, apresentam uma baixa dependência, com média de 13,74%, de comprometimento das receitas totais, para o ano em questão.( PACHECO, 2005, p. 4)
Essa dependência citada por Pacheco (2005) é visível e também pode
ser verificada no mesmo trabalho quando o pesquisador analisa o IDH-M dos
municípios e não observa uma melhora neste índice, indicando que os recursos
não estariam sendo aplicados no desenvolvimento homogêneo desses
municípios.
A primeira hipótese que poderia ser levantada é a de que o crescimento dos recursos provenientes de royalties não estaria influenciando expressivamente na melhoria das condições de vida dos municípios beneficiados, uma vez que o principal favorecido, Campos dos Goytacazes, apresentou um baixo desempenho em 2000 (54ª posição) e Macaé, apesar de ser o município do Norte Fluminense com a melhor colocação em 2000 (17ª posição) caiu sete posições desde a avaliação de 1991. É necessário lembrar que o crescimento das atividades econômicas não se traduz necessariamente em desenvolvimento econômico e social. Outra questão fundamental é a de que os recursos originários das indenizações do petróleo são relativamente recentes. Conseqüentemente, não houve tempo suficiente para que tal incremento nas receitas pudesse se converter em sensíveis melhorias, já que as demandas sociais são elevadas.(PACHECO, 2005, p. 3)
Outro trabalho apresentado por Cruz (2005) corrobora os números
apresentados e expressa as discrepâncias da região, da década de 1970 até
2002, em que é citada a influência dos royalties na elevação da renda per
capita e os baixos índices de desenvolvimento humano (IDH). O autor destaca
que em termos gerais a renda per capita dos municípios da região Norte
Fluminense, com população entre 100.000 e 150.000 habitantes, a média é de
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três a oito vezes superiores, a média nacional e nos municípios com população
entre 100.000 e 150.000 habitantes a média é de quatro e duas vezes superior
a média nacional (Macaé e Cabo Frio), em Campos dos Goytacazes, cidade
com população de 406.989 habitantes (IBGE/Sidra/2000) a renda per capita é
duas vezes o valor da renda de outros municípios da mesma faixa
populacional.
O estudo revela ainda, que em Campos dos Goytacazes, a evolução das
receitas de royalties e participações especiais saiu do patamar de 2,5 milhões
em 1995 para 483 milhões em 2003, sendo que até 2005, este número quase
que triplicou. Outra revelação importante faz-se em torno orçamento
campista, no período de 1994 a 2004, o mesmo estudo revela, que este saltou
de 37,2 milhões para 600 milhões.
Os números apontam o crescimento econômico da cidade de Campos de
Goytacazes e da Região Norte Fluminense, em função da imensa riqueza
gerada pela cadeia do “Petróleo e Gás Natural”, mas o crescimento gerado
pelas riquezas econômicas de uma região não se materializa em benefícios
para toda a população.
Podemos nos perguntar se a UENF diretamente vinculada ao arranjo
produtivo do petróleo e do gás - como desenhou seu idealizador, na
formulação do Plano Orientador, antes mesmo da sua instituição oficial, em
1993 - atenta para tal gravidade ou isenta a si própria de um papel
prospectivo que assim se assemelharia mais ao projeto inicial, a saber,
alcançar o desenvolvimento econômico indissociado do social.
A fartura do petróleo levou incontestavelmente ao êxito do LENEP mas
a Universidade “não é só petróleo”, ainda que seus cientistas entusiasmem-se
com as mais recentes descobertas e pareçam esquecer o caráter não-
renovável e, sobretudo, predatório desta fonte energética. Ainda, não cabe
subestimar a autonomia universitária, vinculando a pesquisa nela desenvolvida
de forma reflexa aos picos econômicos e aos ritmos empresariais.
Numa universidade altamente marcada pela sua territorialidade,
pensada como parceira de uma das mais lucrativas cadeias produtivas hoje,
há uma tendência para que os rumos do ensino e da pesquisa passem a ser
determinados exclusivamente pelos interesses deste arranjo produtivo. Não é
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 409
surpreendente que para os cientistas do petróleo haja muito a ser feito no
setor especificamente e, dada fartura de financiamentos à pesquisa, poucos
ou nenhum deles se pensem inaugurando, após uma carreira dedicada a esta
fonte energética, outras trilhas ou abrindo mão da formação de futuros
cientistas do petróleo.
Novas fontes energéticas podem ser alvo de investimento na UENF,
tornando-a também nas inéditas searas referência em P&D no Estado do Rio
de Janeiro e fora dele por outros cientistas. Em entrevista concedida a Tonny
Machado 13, diz o então Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio
de Janeiro, Professor Wanderley de Souza que havia sido o primeiro reitor da
UENF, tendo participado, nos seus inícios da formação do Centro de
Biociências e Biotecnologia (CBB):
Olha se ela (UENF) estiver na linha de frente da investigação científica, ela vai ter sempre como aplicar esse investimentos, nas mais diferentes áreas, quer dizer, você ter ai um potencial ai, nas áreas agrícolas, sempre a questão alimentar, esse é o produto que vai ter 100%, por tanto saber trabalhar a terra vai ter sempre o seu lugar, portanto toda a questão de teoria do sol, toda questão de irrigação, toda questão de culturas, desenvolver a cultura de maior produção, de maior qualidade, acho que esse o caminho, tem outro caminho da agroindústria em cima da indústria do papel que aquela região em vai um determinado momento vai crescer está área,já se houve falar em iniciativas etc. e tal. Você vai ali para o Espírito Santo, aquilo ali é uma potência. (Os parênteses são nossos).
Segundo tal perspectiva, o futuro da UENF em seu impacto no
desenvolvimento regional passa pela Biotecnologia e pelas tecnologias ligadas
ao meio ambiente. Os problemas ambientais são cada vez mais evidentes e
ocupam hoje a vanguarda no debate sobre o desenvolvimento. Haverá de se
sobressair a universidade que apostar numa solução combinada entre tantos
desafios que incluem os ganhos e também a gestão dos efeitos perversos das
inovações tecnológicas, e for capaz de se desembaraçar de uma aposta única
no petróleo como energia produtiva:
13 Por ocasião da elaboração de sua dissertação de mestrado intitulada “A universidade pública e o setor produtivo: o caso PETROBRAS na Universidade Estadual Do Norte Fluminense - Darcy Ribeiro (UENF)", defendida em 2010, sob a orientação de Dra. Adelia Maria Miglievich Ribeiro, no PGPS/UENF.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 410
(...) tem muita gente que cria restrições à indústria do papel pela questão do eucalipto, a indústria do papel então é um indústria poluidora, mas certamente a biotecnologia tem muito a ajudar neste processo, com métodos de produzir de energia a partir de resíduos vegetais. O bagaço da cana, o mundo inteiro tem trabalhado nisso, quer dizer, produzir não apenas a fase liquida, mas fazer a partir da celulose que sobra. Isso é a área da produção de fármacos, têm produtos biotecnológicos, não é só o petróleo não. O petróleo e finito embora a cada ano se encontrem novas reservas que vão empurrando isso para 20, 30 anos, as pessoas já falam 60, 70 anos, e vem outras descobertas, vem outras coisas, mas de qualquer maneira não se pode pensar só em petróleo, quer dizer, a universidade tem que movimentar neste sentido, abrir cursos novos pensando nestas áreas novas.
A atual discrepância de investimentos na UENF dado que nem é
pretensão do Estado competir, com seus cofres públicos, com o fomento
advindo do setor produtivo, ainda mais, quando se fala do “ouro negro”, faz
com que uma de sua áreas de pesquisa se torne a mais atrativa sobretudo
para jovens discentes. Nada há de irrazoável nisto em tempos de
reestruturação dos postos de trabalho e de insegurança em geral do formando
quanto à sua própria empregabilidade. Mas, pode-se aqui ponderar sobre o
dano para uma sociedade que se dedica exclusivamente a instruir
especializados precoces para o mercado.
Noutros termos, a missão universitária era maior. Darcy Ribeiro tentou
se precaver do bacharelismo, identificado por ele como um mal na
constituição de nossas elites universitárias. Reivindicou da filosofia
pragmatista norte-americana a interface entre conhecimento e aplicação,
mas o intelectual público Darcy Ribeiro que compusera a geração das
“reformas de base” no Brasil, interrompida com o Golpe de 1964, jamais
dispensou da missão universitária a formação de cidadãos brasileiros críticos e
engajados. A universidade tem, assim, a função de formar quadros
intelectuais para atuar em prol do desenvolvimento autônomo do país. Esta
formação distancia-se do tecnicismo, quer, sim, aliar dimensões do
conhecimento que incluem desde as operações filosóficas ao domínio de
técnicas específicas. As ciência sociais têm indiscutível importância num
modelo de universidade cujo objetivo central é:
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 411
[...] formar pessoas capacitadas para a reconstrução da realidade social brasileira. Objetivo que só pode ser alcançado pelo cultivo das ciências e das técnicas no mais alto padrão, pela prática experimental e pela ação social participatória. (RIBEIRO. 1993, p.31)
Na interação com o entorno, caberia, pois, a UENF o diálogo crítico
com os demais protagonistas, governo, empresas, organismos da sociedade
civil, população usuária para se discernir os rumos do desenvolvimento, os
desdobramentos deste, aqueles que se pode evitar ou mesmo remodelar.
Nada mais diferente do que a passiva submissão ao mercado que, numa troca
de posições, passa a mandar abrir ou fechar cursos. Há um equívoco quando
se subestima que no Plano Orientador de Darcy Ribeiro, em consonância com
sua tese acerca da substituição da “modernização reflexa” pela “aceleração
evolutiva”, se pense que esta última possa se dar sem a presença firme do
Poder Público, numa sociedade democrática.
Sabemos que a universidade ao se vincular ao setor produtivo pode
diversificar e intensificar sua área de atuação. Também, pode agir como
dinamizadora das economias locais e regionais onde estão instaladas, através
da geração de emprego e renda. Por sua vez, o setor produtivo demanda
recursos humanos preparados e tecnologia avançada. Assim, para Darcy
Ribeiro, “só uma universidade dará o suporte necessário ao crescimento
industrial agropecuário, petrolífero e de gás à cidade de Campos e
adjacências.” (RIBEIRO, 1993, p. 31). Declarava-se, assim, o sentido da ação
modernizadora, sem deixar de ser crítica, da Universidade Pública em sua
interação com os setores produtivos e com a população a ser beneficiada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na promoção do desenvolvimento regional, Darcy Ribeiro projetou a
conexão entre a UENF e as empresas na região. Este foi, por excelência, o
caso da exploração petrolífera e da indústria do petróleo e do gás na Bacia de
Campos.
Fartos recursos da Petrobras bem como os núcleos de competência
expressam a inserção do capital produtivo na universidade, porém,
demonstram, simultaneamente, o quão localizado e diretivo é seu
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 412
investimento numa universidade. Beneficiam-se do montante aplicado pela
indústria do petróleo na UENF os laboratórios e cursos que atuam diretamente
naquele setor. As próprias a ANP e PETROBRAS exigem de seus investimentos
na UENF o exato aprimoramento na tecnologia e nos quadros profissionais que
lhe servem e saberão cobrar por isto nas prestações públicas. UM setor
produtivo quer da Universidade o investimento em C&T que a este interessa, o
que não é nenhuma surpresa. A Universidade, porém, há de enxergar além.
A UENF há de promover outros programas de pesquisa e
desenvolvimento bem como sedimentar novos cursos que, não
necessariamente, se ligam ao setor que gera hoje o capital. Talvez, a mesma
universidade que reúne cérebros para maximizar a produção petrolífera do
planeta deva fazer igual esforço no sentido de minimizar os riscos reais desta
mesma exploração. Nas contradições do desenvolvimento – uma vez que se
recusa a possibilidade de se fazer como que o petróleo não exista – cabe, nas
parcerias com o Poder Público e agências não governamentais, os melhores
investimentos em torno da proteção dos riscos criados pelo desenvolvimento
mesmo; ao mesmo tempo em que se espera lutar para que as fontes
energéticas predatórias sejam mundialmente substituídas por aquelas menos
poluentes e autodestruidoras. Para tal, pode-se pensar que as universidades
de pesquisa no Brasil devam estar atentas às tecnologias que põem em curso
tipos e ritmos do desenvolvimento menos contrários à vida.
Para Darcy Ribeiro, o diferencial da UENF está no domínio por seu
corpo científico da “linguagem da nova civilização é a da ciência e suas
aplicações tecnológicas” (1992, p. 13). Dominar significa não se submeter a
esta linguagem mas poder manuseá-la no real benefício de seus agentes. A
“revolução educacional” pretendida por Darcy Ribeiro ainda está por ser
feita. O encontro exitoso da C&T com o “ouro negro” há de ser seguido por
outros encontros que, enfim, permita se falar em “nova civilização”, numa
crítica à modernidade constituída.
Este é o principal desafio colocado para as universidades brasileiras. Notoriamente, a maior parte delas mal pode cumprir o papel das antigas universidades produtoras de profissionais. Poucas têm institutos trabalhando na fronteira do saber, com a
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 413
mente posta na cultura científica da futura civilização. (RIBEIRO, 1992, p.14)
Hoje, apresenta-se como inegável desafio a uma universidade que se
intitula como a Universidade do 3º. Milênio promover o desenvolvimento de
fontes de energia alternativas e, neste, cabe aos coletivos que, segundo
Latour, propõe a superação da cisão entre natureza e cultura de modo que
deste participam humanos e não-humanos uma vez que ambos apenas existem
na interação e esta promove as melhores convivências ou as maiores
tragédias, a deliberação sobre de qual desenvolvimento falamos? Para quê?
Para quem?
Referências Bibliográficas
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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 415
CARMÓPOLIS, IMPACTOS DA INDÚSTRIA EXTRATIVO-MINERAL
Prof. Dra. Vera Lúcia Alves França
NPGEO/UFS
INTRODUÇÃO
Sergipe é uma província mineral importante com destaque para a presença de
depósitos de sais e evaporitos (salgema, potássio, petróleo, gás natural,
calcário e outros).
Na década de 1950 intensificaram-se as pesquisas que culminam, na década
seguinte com o início da exploração de petróleo, seguindo-se a outros
minerais a exemplo do calcário e, posteriormente, do potássio e do salgema.
Até então, o Estado tinha uma economia tradicional centrada nas atividades
agrícolas, com uma pecuária forte e dispersa por quase todo o território, a
cana-de-açúcar, concentrada na Zona do Vale do Cotinguiba, além de outros
cultivos como o coco-da-baía, o fumo, o algodão e cultivos alimentícios
(mandioca, milho e feijão).
Em 1963, teve início a exploração do petróleo numa área dos terrenos da
Bacia Sedimentar Sergipe/Alagoas, situada num raio de distância de Aracaju
cerca de 50 km.
Carmópolis foi o município onde primeiro jorrou petróleo em Sergipe e se
constitui no centro de área de exploração de petróleo de campo continental
formado pelos municípios de Japaratuba, Divina Pastora, General Maynard,
Maruim, Riachuelo,Rosário do Catete, Pirambu e Pacatuba (Figura 1).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 416
Figura 2 Imagem da área de produção de petróleo com destaque para Carmópolis Fonte: PMC: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, 2007
O município tem uma área de 46 km2, o que corresponde a 0,21% do território
estadual e está situado no Leste Sergipano, fazendo parte da microrregião do
Baixo Cotinguiba (IBGE). Limita-se ao norte com o município de Japaratuba,
ao sul com General Maynard e Santo Amaro das Brotas, ao oeste com Rosário
do Catete e, ao leste, com Santo Amaro das Brotas e Pirambu (Figura2).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 417
SERGIPE
LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CARMÓPOLIS2007
N
S
W E
Fonte:IBGE, 2007.
CARMÓPOLIS
BAIXO COTINGUIBA
Figura 2 – Sergipe Localização do Município de Carmópolis
Com uma área de 46 km2, Carmópolis ocupa 021% do território estadual e está
assentado nos terrenos da Bacia Sedimentar de Sergipe o que o torna
depositário do maior campo continental de petróleo do Brasil. Por se
constituir num município pequeno e pela forte concentração da terra,
mantém na zona rural apenas um povoado: Aguada, situado nas proximidades
das margens do rio Japaratuba.
As relações do município com os demais se efetuam através da rodovia BR-101
e da ferrovia que faz apenas o transporte de cargas. Com o povoado de
Aguada a comunicação é feita através de estrada pavimentada, assim como
com os municípios vizinhos de General Maynard e Japaratuba. Para Aracaju, a
distância é de 47quilometros através das rodovias BR-101 e BR-235 e mais
recentemente, através das rodovias SE-226 e SE-100 Norte.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 418
1. CARMÓPOLIS E O PETRÓLEO
O município de Carmópolis está inserido na Zona canavieira sergipana e, até a
década de 1960, tinha como atividade principal a cana-de-açúcar,
apresentando, portanto, concentração da terra, monocultura e pobreza.
O início da exploração foi problemático pela ausência de infra-estrutura,
pelas difíceis condições de acessibilidade e ainda pelos problemas com os
senhores de terra que dificultavam o acesso (D&M Photodesign, 2009). A
cidade era muito pequena com uma estrutura frágil que foi pressionada com a
chegada de um grande número de técnicos e operários gerando demanda
sobre casas, gêneros alimentícios, encarecendo a vida para os moradores
locais.
Com a implantação da indústria extrativa mineral ocorreram mudanças
sensíveis no uso da terra, reduzindo as atividades agrícolas, com reflexos
sobre a ocupação da mão-de-obra local e a criação de novos postos de
trabalho que exigiam maior qualificação, ficando a população local alijada
dessas atividades. Entretanto, a concentração da terra permanece.
A pavimentação da rodovia BR-101 garantiu as condições de acessibilidade e a
falta de estrutura da cidade trouxe a população de trabalhadores para residir
em Aracaju, cristalizando uma migração pendular que se acentua dia a dia.
A exploração do petróleo incide sobre toda a área municipal, inclusive sobre a
cidade, onde pode se constatar um grande número de poços (Figura 3).
Portanto “a cidade, assim como o município, se constitui em territórios do
petróleo sendo que o ouro negro é um signo para a população que vive o seu
cotidiano com as marcas de indústria extrativo-mineral (SILVA, 2005)”.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 419
Figura 3 - Vista aérea da cidade de Carmópolis
Fonte: Prefeitura de Carmópolis
Nos últimos 46 anos, Carmópolis, passa de município agrícola-canavieiro a um
rico município petroleiro que convive com as contradições de
riqueza/pobreza, de exploração/ degradação ainda tão presentes no dia a dia
de sua população.
Atualmente, a vida do município gira em torno da indústria extrativo-mineral,
com a presença marcante da Petrobras e de várias empresas instaladas para
atender suas necessidades voltadas para a exploração da maior bacia
continental brasileira de exploração de petróleo e gás natural que abrange os
municípios de Japaratuba, Rosário do Catete, Riachuelo, Divina Pastora,
General Maynard, Pirambu e Maruim. Entretanto, esta atividade se baseia em
determinações exógenas, com relações verticais e com população alijada dos
postos de trabalho, em decorrência dos baixos níveis de qualificação. A maior
parte dos técnicos e dos trabalhadores reside em Aracaju, contribuindo para a
drenagem de renda para a capital.
Situado na parte leste do município, nas proximidades das margens do Rio
Japaratuba está o povoado Aguada. Esta localização ocorreu em decorrência
da formação de um quilombo, surgindo a partir da aglomeração de pessoas
fugidas da escravidão dos engenhos. Além disso, passou a ser ponto de parada
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 420
de tropas de burro, em decorrência da presença de água de boa qualidade.
Aguada apresenta uma ocupação concentrada e conta com energia elétrica,
rede de abastecimento de água, calçamento das vias e pavimentação
asfáltica, escola, creche, mercado, clube social, estabelecimentos comerciais
e pequenos serviços e concentra uma população de aproximadamente duas
mil e quinhentas pessoas (Figura 4).
Figura 4 - Povoado Aguada - Praça Ireno José da Silva
Fonte: Ambientec
Por se constituir numa comunidade quilombola e se localizar nas proximidades
do Rio Japaratuba, tradicionalmente, a população guarda relação mais
próxima com outros municípios que margeiam o rio, estabelecendo relações
menos intensas com a sede do município.
A população do povoado mantém expressões culturais importantes,
existentes desde o século XIX, como o grupo folclórico Bacamarteiros (1879),
conhecido nacionalmente e o Samba de Aboio (1888), em louvor a Santa
Bárbara por parte de remanescentes de quilombolas da família de Tamashalim
Ecuobanker, originária de Angola que chegou para ser escrava no engenho São
João, em Japaratuba (PMC, 2007).
Em 2007, foi implantado no povoado um Conjunto habitacional, com 60
unidades, fruto de política pública municipal, nas proximidades do povoado, o
que se constitui num incremento para a população rural. (Figura 5).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 421
Figura 5 - Conjunto Habitacional Ranulfo dos Santos Melo, no povoado
Aguada
Fonte: Ambientec , 2007
2. CARMOPÓLIS: POPULAÇÃO E ECONOMIA
Em 1950, Carmópolis contava com uma população de 3.085 habitantes, sendo
que 1.612 viviam na zona rural e o restante (1.473 pessoas) na zona urbana,
situação característica de um município com economia centrada nas
atividades primárias e acompanhando o que acontecia na maioria dos
municípios brasileiros.
Como na maior parte dos municípios sergipanos, Carmópolis, nos últimos anos,
passa a ter predomínio de população urbana, tendo em vista que as atividades
agrícolas foram reduzidas. Além disso, as condições de acessibilidade
facilitaram a residência na zona urbana e o município segue a tendência
nacional de urbanização. Assim, em 1970, a população alcançava 4.037
habitantes com predomínio da população urbana que correspondia a 59 % do
total.
O período de maior crescimento da população ocorreu entre 1980 e 1991,
quando passou de 4.460 para 6.782 registrando-se uma variação de 52,06%.
Neste mesmo período constata-se que a população urbana apresentou
crescimento superior, com 75%, isto é, passou de 3.065 habitantes, em 1980,
para 5.361, em 1991 (Tabela1).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 422
Tabela 1 –
Carmópolis
Evolução da População
1950-2010
VARIAÇÃO VARIAÇÃO VARIAÇÃO ANOS TOTAL
Abs. Relat. URBANA
Abs. Relat. RURAL
Abs. Relat.
1950 3.085 - - 1.473 - - 1.612 - -
1970 4.037 952 30,85% 2.388 - - 1.649 - -
1980 4.460 423 10,47% 3.065 677 28,35% 1.395 -254 -15%
1991 6.782 2.322 52,06% 5.361 2.295 75,00% 1.421 26 2%
2000 9.352 2.570 37,89% 7.606 2.245 41,87% 1.746 325 23%
2010 13.500 4.148 44,14% 10.701 3.095 40,69 2.799 1.053 60,30%
-
Fonte: IBGE, Censo Demográfico
A população rural apresentou situação diferente, sendo que no período entre
1970 e 1980 reduziu 254 habitantes, isto é, diminuição de 15,00%, porém, nas
outras décadas volta a apresentar saldo positivo, com destaque para o período
entre 2000 e 2010 com crescimento de 60,3%. A melhoria das condições de
infra-estrutura do povoado e a construção de um conjunto habitacional com
60 unidades, certamente, contribuíram para esse incremento.
O último censo demográfico, realizado em 2010, registrou a presença de
13.550 habitantes, o que correspondeu a uma variação de 44,13% com relação
ao ano 2000, se constituindo na maior variação do Estado, superior aquela
apresentada pelos municípios da área metropolitana. As políticas
compensatórias e assistencialistas têm contribuído para atrair população para
o município. Atualmente, 79% da população vivem na cidade e apenas 21% na
zona rural, seguindo a tendência nacional e estadual. A economia municipal
está centrada na industrial extrativo mineral, sendo o setor secundário
responsável por 78% do Produto Interno Bruto, enquanto o setor terciário
corresponde a 17% e a setor primário apenas 1% (Figura 6).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 423
Figura 06CARMOPOLIS
PRODUTO INTERNO BRUTO 2007
primário
impostos
terciário
secundário
Fonte: IBGE, Contas Nacionais, 2008
As funções presentes no comércio são aquelas destinadas a uma população de
baixa renda e os serviços também. Entretanto, nesses últimos existe a
presença de empresas prestadoras de serviços à Petrobras que não mantém
relação com a comunidade, mas fortalecem as finanças municipais com o
recolhimento do Imposto sobre Serviços. No domingo, dia da feira, a cidade
apresenta maior movimentação com fluxos de pessoas procedentes de
povoados dos municípios vizinhos, como Japaratuba, General Maynard,
Rosário do Catete e de Pirambu. De fato, é o circuito inferior da economia
que caracteriza a centralidade do lugar (DINIZ, 1987).
A primazia de Aracaju incide por todo o Estado de Sergipe e em Carmópolis é
comum que a população de renda mais elevada se abasteça na capital tanto
de bens como de serviços, contribuindo ainda mais para intensificar a
drenagem de renda que é tão alta, uma vez que a maioria dos trabalhadores
reside em Aracaju.
Em 2007, o PIB totalizou R$ 308.684.000,00 (trezentos e oito milhões,
seiscentos e oitenta e quatro mil reais). Entretanto, estes recursos gerados no
município não são distribuídos entre a população local, tendo em vista que a
maioria das pessoas que trabalham na indústria não reside no município. O
baixo nível de escolaridade e de qualificação distancia a população local dos
postos de trabalho existentes.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 424
3. CARMÓPOLIS: IMPACTOS DA ATIVIDADE PETROLÍFERA
No município de Carmópolis estão distribuídos centenas de poços produtores
de petróleo, resultando em impactos ambientais significativos. Segundo o
Diagnóstico do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, “o primeiro impacto
da exploração do petróleo ocorre quando do estudo sísmico. Esse estudo
permite a identificação de estruturas do subsolo, e seu princípio tem como
base a velocidade de propagação do som e suas reflexões nas diversas
camadas do subsolo” (PMC/AMBIENTEC, 2007, p. 42). O aqui descrito tem
como fonte este documento recente.
Então, “em todas as fases, a exploração de petróleo deve ser acompanhada
por ações de prevenção a acidentes ambientais, já que o derramamento do
petróleo pode ocasionar diversos impactos ao meio ambiente, entre eles:
• Nas plantas, o petróleo veda os estômatos, impedindo as
trocas gasosas e com isto a respiração e a fotossíntese.
• Nos peixes e crustáceos, recobre o animal, dificultando os
processos respiratórios.
• Nas aves aquáticas é rapidamente absorvido pela
plumagem reduzindo suas flotabilidades e impedindo vôos.
• No solo, dificulta a absorção de nutrientes pelas raízes”
(op.cit. p.42).
• A salmoura e a substancia H2S provocam corrosão nos
tubos que conduzem óleo até as unidades de separação
existentes nas estações, podendo ocorrer vazamentos que
são agravados pela alta pressão envolvida nas tubulações.
Outros derramamentos acidentais podem ocorrer em função decorrência de
falhas operacionais, como por exemplo, o blow out de poços produtores,
devido ao excesso de pressão (op.cit p.43).
Os vazamentos acidentais ainda podem provocar:
• agressão ao solo e em conseqüência, à fauna e à flora;
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 425
• contaminação do lençol freático devido à migração do óleo através do
meio poroso, podendo ocasionar prejuízos para a agricultura,
piscicultura, entre outros (op.cit p. 43).
Associada à produção de petróleo, ocorre uma produção de água, a depender
das características dos mecanismos naturais ou artificiais de produção e da
composição das rochas reservatórios.
A salmoura é normalmente considerada como uma efluente da produção e
deve ser descartada, podendo causar problemas ao meio ambiente, em
decorrência dos níveis de salinidade, sobretudo aos organismos aquáticos que
tendem a perder sua capacidade de regulação, ocorrendo assim, uma perda
de água em função da diferença de potencial hídrico das soluções externas e
internas do organismo. Nos vegetais e animais o dano fisiológico é grave,
podendo causar a desidratação e até a morte.
Outro problema resultante do descarte da salmoura é o lançamento no corpo
hídrico numa temperatura de mais elevada do que a temperatura do mesmo.
O choque térmico pode causar a morte de alguns organismos que não
suportam grandes oscilações de temperatura Ocorrendo eventuais vazamentos
nas tubulações que transportam água salgada, podem ocorrer impactos:
• ao lençol freático em eventuais vazamentos nas tubulações
subterrâneas;
• ao ser lançada nos corpos d'água aumenta a salinidade, o que implica
em prejuízos à fauna e flora.
As emissões atmosféricas também se constituem em impactos que ocorrem
nas áreas de exploração de petróleo e também estão presentes em
Carmópolis. O H2S pode provocar fadiga olfativa, enquanto a emissão do SOX,
pode eventualmente, em certas condições climáticas dar origem a chuva
ácida, cujas conseqüências danosas ao solo, fauna e flora são conhecidas
((op.cit.p.44).
A unidade de dessulfurização do gás natural no campo produtor de Carmópolis
recebe o gás, contendo H2S, que é separado do processo através do sulfinol
usando-se uma torre de absorção. O gás limpo é transferido por gasoduto até
a UPGN em Aracaju.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 426
O SOX provoca efeitos danosos sobre as plantas de várias formas à depender
da concentração e da duração da exposição. Os danos agudos são resultados
de exposições em curto prazo, com elevadas concentrações de SO2.
Com relação à cobertura vegetal, as áreas atingidas por concentrações
elevadas, usualmente adquirem um tom esbranquiçado. A exposição à
concentrações menores durante períodos prolongados ocasiona lesões crônicas
caracterizadas por um amarelo gradual das folhas, causadas por dificuldade
no mecanismo sintetizador de clorofila. Nas encostas do Monte Carmelo, que
se situa na direção preferencial dos ventos, em determinadas épocas do ano,
observa-se claramente este fenômeno (op.cit. p. 45).
Outros impactos também podem ser verificados como o crescimento da
cidade, a aumento do volume de arrecadação dos impostos sobre serviços, o
recebimento de royalties, a melhoria da infra-estrutura–urbana, com a
presença de equipamentos públicos e uma rede de educação bem equipada.
O município dispõe de um sistema autônomo de abastecimento de água
(SAAE), entretanto, chama atenção a construção de uma rede coletora de
esgotamento sanitário sem tratamento, o que tem contribuído para a poluição
dos corpos hídricos. Por se situar num vale, ainda ocorrem inundações nos
períodos de concentração de chuvas, em decorrência de deficiências no
sistema de drenagem. A população do povoado Aguada não paga pelo
abastecimento de água, entretanto o tratamento da água é feito de forma
precária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há mais de quatro décadas, Carmópolis tem a sua economia atrelada a
indústria extrativo mineral, entretanto, o rico município vive a contradição de
ainda ter uma população pobre e alijada das atividades ali desenvolvidas. Ao
longo desses anos as ações do poder público e da comunidade no sentido de
reverter essa situação foram tênues e descontínuas. Recentemente, o governo
do Estado vem incentivando o Curso Pré-vestibular e, este ano, 14 alunos
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 427
foram aprovados no vestibular da UFS, o que foi considerado uma conquista
para os professores da rede estadual e se constitui num prenúncio de
mudanças, se houver continuidade do programa.
Além disso, falta planejamento para o uso dos recursos provenientes dos
royalties com investimentos que garantam uma infra-estrutura, capaz de
respaldar atividades paralelas ou futuras que contribuam para a diversificação
da economia municipal.
Os níveis de desemprego são elevados em decorrência dos baixos níveis de
escolaridade e de qualificação da mão-de-obra, havendo intensa pressão
sobre o poder público municipal. As empresas que chegam ao município não
aceitam a interferência da Prefeitura, mas, algumas articulações poderiam
ser efetivadas no sentido do aproveitamento da mão-de-obra local, como
acontece em outros municípios. Para tal, seria necessário que houvesse
programas de qualificação de mão-de-obra com cadastramento do pessoal a
fim de atender a demanda, com pessoas qualificadas e não somente por
pedido da Prefeitura. Ao empresário interessa uma mão de obra capaz de
atender as necessidades empresariais e não apenas o local de nascimento ou
de residência do trabalhador.
De fato, o que se constata é um forte assistencialismo que minimiza os níveis
de exclusão social e de baixa renda, o que tem incentivado a migração a fim
de usufruir dos benefícios concedidos pela prefeitura, fato que pode ser
observado no crescimento da população no último decênio.
A exemplo do que vem ocorrendo em outros municípios, o volume de recursos
disponíveis tem atraído grupos políticos externos, que lutam para obter o
controle político do lugar, situação facilitada pela presença de migrantes
desenraizados e descomprometidos com os problemas locais. Ainda há tempo
para que haja uma mudança no posicionamento de condução dos problemas
municipais com a adoção de políticas voltadas para o desenvolvimento
municipal, baseadas na inclusão social e na construção da cidadania.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 428
REFERÊNCIAS
AMBIENTEC CONSULTORIA LTDA (1990) “PERFIL AMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE CARMÓPOLIS”.
AUGUSTO, Max (2006). Royalties, Pobreza e Prostituição. Edição do Jornal da Cidade do dia
26/03/2006. Disponível: www.jornaldacidade.net. Consultado em agosto de 2007.
BANCO DO NORDESTE. Manual de impactos ambientais. Coord. Marilza do Carmo Oliveira Dias.
Fortaleza: Banco do Nordeste, 1999, p.297.
D&M/PHOTODESIGN. Bacia Sergipe Alagoas uma Escola de Terra e Mar. Salvador:
PETROBRAS,2009.
DINIZ, José Alexandre F. O Sub-sistema Regional de Aracaju. Recife: SUDENE, 1987.
IBGE. Contas Nacionais. Produto Interno Bruto dos Municípios 2007. Rio de Janeiro, 2008.
IBGE. Censo Demográfico. Rio de Janeiro IBGE, 1970, 1980, 1991, 2000 E 2010.
PMCarmópolis. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Leitura Técnica. Carmópolis:
PMC/AMBIENTEC,2007
SANTOS, Maria José. A Influência da PETROBRAS na organização do Espaço de Carmópolis. São
Cristóvão: NPGEO, 2006 (Dissertação de Mestrado).
SILVA, Daniel Almeida da. Metamorfoses na Região do petróleo: A Criação de Territórios a
Partir da Implantação da PETROBRAS. São Cristóvão: NPGEO, 2005 (Dissertação de Mestrado).
THOMAS, José Eduardo (Coord.). Fundamentos de Engenharia de Petróleo. Editora
Interciência. Rio de Janeiro, 2001.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 429
ROYALTIES DO PETRÓLEO E POBREZA EM SERGIPE: DESAFIOS E INCERTEZAS NA ABUNDÂNCIA
Gicélia Mendes da Silva1
A indústria do petróleo apresenta especificidades em relação a outros
tipos de empreendimentos em função da localização que não pode ser
determinada por outros fatores senão a existência do mineral no subsolo.
Estas e outras peculiaridades da indústria do petróleo são destacadas por
Piquet (2007). Para a autora, o fato de as corporações que operam no setor
atuarem de modo globalizado e organizarem o espaço de maneira “seletiva e
extrovertida”, não caracteriza preocupação com o local onde a extração do
minério é realizada. Desta maneira,
as áreas produtoras funcionam como campos de fluxos, onde se articulam sofisticadas redes de unidades industriais, portos, dutos, aeroportos, bens, homens e informações. Não são, portanto, empreendimentos voltados a promover o desenvolvimento regional. (PIQUET, 2007, p. 23)
Contudo, mesmo não havendo o comprometimento direto da indústria
petrolífera com o desenvolvimento regional, os efeitos de encadeamento
podem trazer benefícios ao local. É possível que um processo de
industrialização seja desencadeado a partir das possibilidades criadas pelo
setor. Além disso, outras atividades de apoio à atividade surgem em torno do
empreendimento e, de certa maneira, contribuem para a dinamização
econômica da área. Estas atividades de apoio às atividades de exploração, em
certa medida, podem contribuir para o desenvolvimento econômico. Como
bem destaca Piquet (2007), a indústria do petróleo pode funcionar como um
enclave às regiões onde se localize ou oferecer benefícios, a depender do
desenvolvimento do país e da região e o comprometimento político nacional e
internacional no trato com criação de estratégias de desenvolvimento.
1 Professora Adjunto do Departamento de Geografia e do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Universidade Federal de Sergipe; Pesquisadora do GEOPLAN/UFS e do LACTA/UFF.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 430
No caso da indústria do petróleo, pela característica de exploração de
recursos finitos, são pagos aos entes federados nos quais estão instalados os
aparatos necessários à atividade, compensações financeiras, os chamados
royalties, que têm contribuído para o aumento significativo das receitas
municipais.
No Brasil, a primeira legislação do petróleo data de 1953 e a mais
recente é de 1997 que trouxe mudanças significativas ao processo de
distribuição das participações governamentais do petróleo e do gás natural,
especialmente da produção offshore.
Durante alguns anos tramitaram no Congresso Nacional projetos de Lei
que visavam o beneficiamento de Estados e Municípios por meio do
recebimento de royalties provindos da produção offshore. A busca pela
aprovação dos projetos de Lei respaldava-se nos esforços empreendidos pelos
senadores e deputados federais que usavam de argumentos os mais variados
para justificar as suas solicitações. O fato é que após a vigência da Lei
9478/97, Lei do Petróleo (LP), Estados e municípios brasileiros confrontantes
com campos de petróleo passaram a ter direito a receber royalties da
produção offshore, eventos que representaram um marco diferencial nos
orçamentos estaduais e municipais, a partir daquela data.
Em Sergipe, a distribuição dos royalties e participações especiais do
petróleo, a partir da LP, trouxe alterações significativas nos orçamentos dos
municípios produtores de petróleo, em especial aos municípios litorâneos.
Contudo, o montante que tais municípios recebem em royalties, comparados
ano a ano com alguns indicadores sociais, deixa clara a questão de que o
crescimento econômico não elimina, por exemplo, a pobreza. Em alguns casos
tem havido exatamente o contrário. A despeito dos valores monetários que
circulam nos cofres públicos dos municípios petrolíferos de Sergipe, as
condições sociais apresentadas pela maior parte deles levantam indagações a
respeito da aplicabilidade dos recursos. Os números não falam por si só, mas
contribuem para que a partir da junção de outros fatores, elaboremos um
arcabouço investigativo e propositivo a respeito das compensações financeiras
do petróleo e seus efeitos sociais e, mais especificamente, da pobreza.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 431
Se considerarmos as condições de vida nos municípios produtores de
petróleo em Sergipe constataremos o antagonismo entre as riquezas que
adentram os cofres públicos de boa parte dos municípios e as condições de
vida da população. Após mais quarenta anos de exploração, encontra-se sobre
o subsolo rico uma população empobrecida e com poucas possibilidades de
usufruir dos benefícios que os recursos provindos da exploração das jazidas
poderiam oferecer se a gestão dos recursos fosse adequada. Esta situação
reforça a necessidade de que os municípios invistam em diversificação
produtiva para que as comunidades tenham oportunidades de empregos que
alavanquem a economia dos municípios.
De que pobreza estamos falando?
Entendemos que a discussão em torno do tema pobreza é bastante
complexa. Os autores que discutem o tema têm apresentado critérios por
vezes duvidosos do que venha a ser pobreza. Há muitos que associam pobreza
à incapacidade de adquirir alimento como se o pobre usasse todo dinheiro que
ganha na compra de alimentos.
Santos (2000) apresenta três definições para a pobreza nos países
subdesenvolvidos: a pobreza incluída, a pobreza marginalizada e a pobreza
estrutural global. Estas formas de pobreza são apresentadas como resultado
de processos de transformação social e econômica dos países e representam
momentos históricos específicos. A primeira delas, a pobreza incluída,
característica de um momento onde o consumo ainda não estava difundido e o
dinheiro não assumia papel social de destaque, diz respeito àquela que
acontece sazonalmente por consequência de acidentes naturais ou sociais.
“Era uma pobreza que se produzia num lugar e não se comunicava a outro
lugar”. (SANTOS, 2000, p.70). As soluções para o problema eram de origem
provada, assistencialista e local. No segundo caso, a marginalidade, já
caracteriza a pobreza de um momento onde o processo de comunicação já se
encontrava em estágio mais avançado assim como o consumo. Por meio da
ampliação da circulação e da comunicação as inovações passam a constituir
um “dado revolucionário nas relações sociais”. (SANTOS, 2000, p. 71). Com a
divulgação do êxito do bem-estar social nos países europeus, muitos países
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 432
pobres, inclusive o Brasil, sentiram-se na obrigação de buscarem solução para
a pobreza, como confirma Santos pois, “ mesmo em países como o nosso, o
poder público é forçado a encontrar fórmulas, saídas e arremedos de solução.
Havia uma certa vergonha de não enfrentar a questão”. (SANTOS, 2000, p. 71)
O último período descrito por Santos refere-se ao que vivemos
atualmente. O período no qual está presente a pobreza estrutural globalizada.
A pobreza atual resulta da convergência de causas que se dão em diversos níveis, existindo como vasos comunicantes e como algo racional, num resultado necessário do presente processo, um fenômeno inevitável, considerado até mesmo um fato natural. (SANTOS, 2000, p. 72)
Por conseguinte, é em função da naturalização da pobreza e mesmo da
fome que sua resolução torna-se mais difícil. Algo dado como natural acaba
por se incorporar aos comportamentos e ações dos indivíduos, principalmente
daqueles que sofrem a ação das desigualdades. Tais dificuldades são ainda
mais evidentes quando as aparentes soluções vêm revestidas de todo um
arcabouço moldado para a permanência das desigualdades e ratificação da
exclusão. A pobreza estrutural globalizada, como a própria definição deixa
transparecer, apresenta ramificações, tentáculos que alcançam a todos
aqueles que os sistemas econômicos e político desejam alcançar para manter
o padrão de equilíbrio necessário à disseminação do poder.
Uma das grandes diferenças do ponto de vista ético é que a pobreza de agora surge, impõe-se e explica-se como algo natural e inevitável. Mas é uma pobreza produzida politicamente pelas empresas e instituições globais. Estas, de um lado, paga, para criar soluções localizadas, parcializadas, segmentadas, como é o caso do Banco Mundial, que, em diferentes partes do mundo, financia programas de atenção aos pobres, querendo passar a impressão de se interessar pelos desvalidos, quando, estruturalmente, é o grande produtor da pobreza. Atacam-se, funcionalmente manifestações de pobreza, enquanto estruturalmente se cria a pobreza ao nível do mundo. E isso se dá com a colaboração passiva ou ativa dos governos nacionais. (SANTOS, 2000, p. 73)
Seguindo essa linha de raciocínio, percebe-se que a pobreza tem se
adaptado às necessidades da política e da economia mundiais e que contam,
em certa medida, com a colaboração dos governos nacionais, seja de forma
ativa ou não.
A pobreza, evidentemente, não pode ser definida de forma única e universal. Contudo, podemos afirmar que se refere a situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 433
mínimo de vida condizente com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico. (BARROS, et.al., 2000)
A pobreza deve ser analisada considerando não só o nível de renda, mas
também a precariedade de infraestrutura sanitária, pela deficiência calórica,
pela esperança de vida e pelas taxas de analfabetismo. (CASTRO, 1992, p.105)
Chama-nos a atenção quando a análise destes indicadores denuncia a
pobreza em municípios enriquecidos pelas rendas petrolíferas. É sobre esta
realidade que, neste texto, pretendemos discutir.
Royalties e indicadores sociais: onde estão as prioridades?
Analisando-se alguns dos indicadores de desenvolvimento econômico
nos municípios da RPS, percebe-se que entre 1991 e 2000 houve melhoria no
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), principalmente naqueles que
apresentavam índice mais baixo a exemplo de Brejo Grande, Itaporanga
D’Ajuda e Pacatuba. Contudo quando os componentes do IDH são analisados
individualmente percebe-se que o aumento nos índices de educação e
longevidade foram os grandes responsáveis pela melhoria do IDH na maior
parte dos municípios da Região petrolífera Sergipana (RPS)2. O índice de
renda, no entanto, não demonstrou aumento significativo entre os anos 1991
e 2000. Desta forma evidencia-se que o problema maior dos municípios
produtores de petróleo em Sergipe encontra-se, principalmente, na má
distribuição da renda. (Tabela 01)
2 A região petrolífera sergipana (RPS) é composta pelos municípios sergipanos produtores de petróleo. (SILVA, 2008)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 434
TABELA 01 : REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (1991-2000)
IDH IDH renda
IDH longevidade
IDH educação Município
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 Aracaju 0,770 0,794 0,949 0,752 0,635 0,729 0,726 0,901 Areia Branca 0,421 0,644 0,280 0,522 0,610 0,719 0,374 0,691 Barra dos Coqueiros
0,553 0,676 0,441 0,578 0,637 0,631 0,581 0,818
Brejo Grande 0,348 0,550 0,203 0,456 0,477 0,526 0,363 0,667 Capela 0,437 0,615 0,293 0,501 0,579 0,629 0,440 0,716 Carmópolis 0,503 0,676 0,394 0,561 0,575 0,666 0,538 0,800 Divina Pastora 0,431 0,655 0,230 0,508 0,579 0,662 0,485 0,795 General Maynard 0,458 0,671 0,248 0,530 0,616 0,695 0,511 0,789 Itaporanga D'Ajuda
0,352 0,638 0,181 0,515 0,536 0,683 0,340 0,715
Japaratuba 0,437 0,651 0,297 0,537 0,533 0,646 0,480 0,771 Laranjeiras 0,444 0,642 0,272 0,519 0,564 0,628 0,496 0,778 Maruim 0,448 0,662 0,269 0,532 0,560 0,659 0,515 0,794 N. S. do Socorro 0,528 0,696 0,324 0,563 0,666 0,695 0,596 0,831 Pacatuba 0,349 0,584 0,179 0,438 0,522 0,646 0,346 0,667 Pirambu 0,424 0,652 0,259 0,554 0,567 0,646 0,445 0,755 Riachuelo 0,453 0,671 0,277 0,521 0,616 0,695 0,466 0,798 Rosário do Catete 0,471 0,672 0,345 0,559 0,564 0,627 0,503 0,829 Sto Amaro das Brotas
0,439 0,655 0,198 0,521 0,662 0,669 0,457 0,775
São Cristóvão 0,514 0,700 0,347 0,583 0,615 0,695 0,581 0,823 Siriri 0,420 0,645 0,247 0,520 0,579 0,662 0,436 0,754 Fonte: IPEA, 2007
A despeito da forte concentração da renda e da riqueza que há no
histórico brasileiro, é preciso que as realidades sejam demonstradas para as
transformações ocorrerem. A análise das relações entre os royalties per
capita dos municípios petrolíferos de Sergipe e os índices indicativos das
condições sociais da população oferecem subsídios que alertam para que
sejam repensadas as formas atuais de investimentos das rendas petrolíferas.
A correlação dos royalties per capita municipal (RP-M) e o Índice de
Pobreza Humana Municipal (IPH-M) demonstra a inversão de posição entre os
municípios na correlação entre as variáveis analisadas3. Este ruído é percebido
quando os royalties são comparados ao IPH-M. Dos cinco maiores beneficiários
3 Royalties per capita e IPH-M referentes ao ano 2000.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 435
dois, Japaratuba e Divina Pastora, apresentam índices de pobreza
significativa, estando entre os dez mais pobres da região. Carmópolis, General
Maynard e Pirambu sofrem inversão negativa, mas estão mais bem
posicionados no ranking da pobreza na RPS. A menor inversão ocorreu no
município de Santo Amaro das Brotas que saiu da décima terceira pra a
décima segunda posição. Nesta comparação também dica clara a inversão em
todos os municípios da RPS. Maiores valores per capita em royalties
correspondem, em linhas gerais, a índices de pobreza elevados. (Figura 01)
Royalties per capita
2000 Municípios da RPS Municípios da RPS IPH-M 2000
245,79 Divina Pastora Aracaju 9,82
217,83 Carmópolis Nossa Senhora do
Socorro 13,01 195,86 Japaratuba São Cristóvão 16,62 108,38 General Maynard Barra dos Coqueiros 18,48 102,13 Pirambu Carmópolis 20,20 93,37 Siriri Rosário do Catete 21,07 79,47 Rosário do Catete Riachuelo 21,91 66,43 Pacatuba Pirambu 24,20 57,77 Barra dos Coqueiros Maruim 24,27 50,21 Riachuelo General Maynard 24,59 49,27 Brejo Grande Laranjeiras 24,64
47,45 Itaporanga D’Ajuda Santo Amaro das
Brotas 25,77
26,79 Santo Amaro das
Brotas
Japaratuba 27,46 22,12 Maruim Divina Pastora 28,15 13,57 Aracaju Siriri 28,88 10,57 Laranjeiras Areia Branca 29,35 4,31 São Cristóvão Itaporanga D'Ajuda 32,05 2,17 Areia Branca Capela 33,02
1,97 Nossa Senhora do
Socorro
Brejo Grande 35,42 1,66 Capela Pacatuba 37,58
Figura 01: REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA- Correlação entre royalties per capita e índice de pobreza humana- 2000 Fonte de dados: ANP, 2007 - Elaboração própria
Os números atestam que a existência de exploração e produção de
petróleo nos municípios da RPS não tem contribuído para a resolução de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 436
problemas sociais. É preciso que os municípios elaborem suas próprias
políticas sociais de combate a pobreza visando uma maior participação da
população nos lucros do petróleo. As disparidades apresentadas pela
comparação dos royalties per capita e o IPH-M apontam para a urgente
necessidade de políticas sociais eficientes e que possibilitem aos municípios
conterem a pobreza e o baixo nível de desenvolvimento social. Pelo exposto
até aqui é notório que os municípios produtores de petróleo em Sergipe
dispõem de recursos financeiros para a promoção das transformações sociais.
A visualização espacial destas disparidades entre Royalties per capita, e IPH-M
possibilita que sejam identificadas as áreas de maiores contrastes e as que
demandam atenção específica.
Givisiez e Oliveira (2007) elaboraram sugestões de investimentos das
receitas petrolíferas para todos os municípios produtores de petróleo no Brasil
a partir do cruzamento de dados do RP-M e IPH-M. (Quadro 01)
TIPO IPH-M RP-M Sugestão de investimentos das rendas
petrolíferas Alto Muito Alta Alto Alta 1 Alto Média
Investimentos urgentes no desenvolvimento humano
Médio Alto Muito Alta Médio Alto Alta 2 Médio Alto Média
Investimentos no desenvolvimento humano
Médio Baixo Muito Alta Médio Baixo Alta 3 Médio Baixo Média
Investimentos direcionados ao desenvolvimento humano e econômico
Baixo Muito Alta Baixo Alta 4 Baixo Média
Investimentos direcionados ao desenvolvimento econômico
Alto Baixa Médio Alto Baixa Médio Baixo Baixa Baixo Baixa Alto Muito Baixa Médio Alto Muito Baixa Médio Baixo Muito Baixa
5
Baixo Muito Baixa
Renda petrolífera insuficiente para gerar grandes mudanças estruturais
Quadro 01: Combinação de IPH-M e RP-M segundo sugestão de investimentos prioritários para as rendas petrolíferas. Fonte: (GIVISIEZ e OLIVEIRA, 2007, p. 158)
Seguindo a metodologia adotada por Givisiez e Oliveira (2007)
buscamos identificar os municípios petrolíferos que demandam mais atenção
por parte do poder público a fim de que os royalties sejam alocados na
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 437
redução da pobreza. Os municípios foram classificados em categorias,
considerando os royalties per capita comparados ao Índice de Pobreza
Humana. O IPH-M foi escolhido pelos autores por não levar em consideração a
renda das pessoas, oferecendo vantagens na comparação com os royalties per
capita.
Os municípios da RPS estão classificados em cinco categorias de
royalties municipais per capita4. Foram utilizados dados de 2000 para efeitos
comparativos com o IPH-M 2000. Na categoria ‘muito baixa’ estão 15% dos
municípios da RPS; na categoria ‘baixa’ estão 20% dos municípios. Os 65%
restantes integram as categorias ‘média’, ‘alta’ e ‘muito alta’. Os municípios
foram também classificados, a partir do Índice de Pobreza Humana Municipal,
em cinco categorias: baixo, médio baixo, médio alto, alto e muito alto.
(Quadros 02 e 03)
QUADRO 02 : REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA CATEGORIAS DE ROYALTIES MUNICIPAL PER CAPITA (2000)
CATEGORIA MUNICÍPIO
Capela Nossa Senhora do Socorro
Areia Branca Muito Baixa
São Cristóvão Laranjeiras
Aracaju Maruim
Baixa
Santo Amaro das Brotas Itaporanga D’Ajuda
Brejo Grande Riachuelo
Média
Barra dos Coqueiros Pacatuba
Rosário do Catete Alta Siriri
Pirambu General Maynard
Japaratuba Carmópolis
Muito alta
Divina Pastora
4 No âmbito deste trabalho, os dados foram divididos em categorias a partir da frequência. O quadro foi elaborado a partir da adaptação da metodologia sugerida por Givisiez e Oliveira (2007). Fonte de dados: quadro montado a partir de dados da figura 01
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 438
QUADRO 03
REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA CATEGORIAS DE ÍNDICE DE POBREZA HUMANA MUNICIPAL (2000)
CATEGORIA MUNICÍPIO
Baixo Aracaju Nossa Senhora do Socorro
São Cristóvão Barra dos Coqueiros
Médio Baixo
Carmópolis Rosário do Catete
Riachuelo Pirambu Maruim
General Maynard
Médio Alto
Laranjeiras Santo Amaro das Brotas
Japaratuba Divina Pastora
Siriri Alto
Areia Branca Itaporanga D’Ajuda
Capela Brejo Grande
Muito Alto
Pacatuba Fonte de dados: quadro montado a partir de dados da figura 01. O quadro foi elaborado a partir da adaptação da metodologia sugerida por Givisiez e Oliveira (2007).
Para a formulação dos grupos de municípios para os quais serão
sugeridos direcionamentos dos recursos dos royalties serão utilizados as
classificações dos royalties per capita e IPH-M. O cruzamento das informações
dos RP-M e IPH-M será adotado como parâmetro para a definição de grupos de
municípios para os quais serão sugeridos direcionamentos prioritários dos
recursos dos royalties e também de outras receitas municipais. (GIVISIEZ e
OLIVEIRA, 2007).
A correlação entre as categorias de Royalties per capita e as de Índice
de pobreza humana para os municípios da Região Petrolífera Sergipana
permite juntá-los em quatro das cinco grupos propostos por Givisiez e Oliveira
(2007). O grupo um, onde há necessidade de investimentos urgentes no
desenvolvimento humano; o grupo dois que agrupa os municípios carentes de
investimentos no desenvolvimento humano; o grupo três no qual devem ser
feitos investimentos direcionados ao desenvolvimento humano e econômico e
o grupo cinco formado pelos municípios nos quais as rendas petrolíferas são
insuficientes para promover mudanças estruturais significativas.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 439
Os autores propõem que os investimentos para os municípios do grupo
um devam ser direcionados à educação, à infraestrutura de serviços urbanos e
a programas de saúde com vista à diminuição da mortalidade infantil. Estão
enquadrados neste grupo Divina Pastora, Japaratuba, Siriri, Pacatuba, Brejo
Grande e Itaporanga D’Ajuda. (Tabela 02)
TABELA 02: REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA MUNICÍPIOS DO GRUPO 1
Investimentos urgentes no desenvolvimento humano
MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-
M
Divina Pastora 28,15 245,79 Muito alta
Japaratuba 27,46 195,86 Muito alta
Siriri 28,88 93,37 Alta
Pacatuba 37,58 66,43 Alta
Brejo Grande 35,42 49,27 Média
Itaporanga D’Ajuda 32,05 47,45 Média
Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)
No grupo dois estão General Maynard, Pirambu, Rosário do Catete e
Riachuelo. Neste grupo os investimentos devem ser direcionados a programas
de incentivo à geração de renda e no incremento de atividades econômicas.
Considerado que os municípios do grupo têm população e área territoriais
relativamente pequenas, a administração e aplicação dos recursos do petróleo
podem ser direcionadas de modo mais eficiente. (Tabela 03)
TABELA 03 : REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA - MUNICÍPIOS DO GRUPO 2
Investimentos no desenvolvimento humano
MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-M
General Maynard 24,59 108,38 Muito alta
Pirambu 24,20 102,13 Muito alta
Rosário do Catete 21,07 79,47 Alta
Riachuelo 21,91 50,21 Média
Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 440
O grupo três é composto pelos municípios que necessitam de
investimentos no desenvolvimento humano e econômico. Neste grupo estão
apenas dois municípios: Carmópolis e Barra dos Coqueiros. São municípios que
estão na categoria de RP-M muito alta e alta, respectivamente, e IPH-M médio
baixo. Apresentam melhorias sociais em relação aos grupos anteriores, mas
ainda necessitam de investimentos em educação, saúde, infraestrutura urbana
e em recursos de infraestrutura produtiva e programas de geração de renda.
Têm apresentado melhoria nos índices de educação e saúde mas a distribuição
de renda ainda é deficiente. (Tabela 04)
TABELA 04 REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA - MUNICÍPIOS DO GRUPO 3
Investimentos direcionados ao desenvolvimento humano e econômico
MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-M
Carmópolis 20,20 217,83 Muito alta
Barra dos Coqueiros 18,48 57,77 Média
Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)
O quarto grupo não se configura entre os municípios da Região
Petrolífera Sergipana. Neste grupo deveriam constar municípios nos quais os
investimentos seriam destinados ao desenvolvimento econômico. A ausência
de municípios da RPS nesta categoria demonstra que as necessidades sociais
das populações ainda são significativas e que o investimento no
desenvolvimento humano deve ser prioritário.
No grupo cinco estão os municípios enquadrados da categoria de RP-M
baixa e muito baixa. Estes municípios a despeito dos royalties que recebem,
não apresentam condições de promoção de mudanças na estrutura social a
partir das rendas petrolíferas. Contudo, cabe frisar que as rendas petrolíferas
não são as únicas fontes de recursos dos municípios. No caso dos municípios
do grupo cinco toma-se como exemplos Aracaju e Nossa Senhora do Socorro
que concentram boa parte das atividades industriais do Estado. (Tabela 05)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 441
TABELA 05 REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA
MUNICÍPIOS DO GRUPO 5
Renda petrolífera insuficiente para gerar grandes mudanças estruturais
MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-M
Santo Amaro das Brotas 25,77 26,79 Baixa
Maruim 24,27 22,12 Baixa
Aracaju 9,82 13,57 Baixa
Laranjeiras 24,64 10,57 Baixa
São Cristóvão 16,62 4,31 Muito baixa
Areia Branca 29,35 2,17 Muito baixa
Nossa Senhora do Socorro 13,01 1,97 Muito baixa
Capela 33,02 1,66 Muito baixa
Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)
Pelo exposto fica evidente que os royalties do petróleo não vêm sendo
aplicados em prol da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Percebe-se
que não há relação direta entre valores recebidos e mudanças sociais
significativas. Prova disso é que em 2000 todos os municípios com RP-M
média, alta ou muito alta, há necessidade ainda, de investimentos prioritários
no desenvolvimento humano. Apenas em Carmópolis e Barra dos Coqueiros
visualiza-se melhoria nas condições de vida da população. (Figura 02)
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 442
Categorias
Prioridade no desenvolvimento humano
Desenvolvimento humano
Desenvolvimento humano e econômico
Royalties insuficientes para mudanças estruturais
N
S
W E
400 Km
Figura 02: Região Petrolífera Sergipana- Categoria de Investimentos Prioritários Fonte de dados: ROLIM, 2002, ANP, 2007 Fonte Metodológica: GIVISIEZ E OLIVEIRA, 2007
Contudo, a diferença favorável em relação aos demais municípios da
RPS ainda é insuficiente frente às possibilidades que os montantes financeiros
podem proporcionar. A produção petrolífera tem aumentado no Estado e
muitos dos municípios tiveram suas rendas melhoradas demonstrando que os
recursos estão disponíveis, bastando apenas que os investimentos sejam
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 443
direcionados de modo eficiente. Municípios como Itaporanga D’Ajuda, São
Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro, Barra dos Coqueiros, Rosário do Catete,
Brejo Grande e Santo Amaro das Brotas são exemplos de melhorias nos valores
dos royalties per capita.
A redução da pobreza não ocorre percentualmente de modo igual em
todos os lugares e os números não podem ser únicos a explicar a situação da
população, mas servem de termômetro para avaliações e guias para
planejamentos. Os números atestam que a iniquidade social é ainda uma dura
realidade para os municípios produtores de petróleo em Sergipe.
A pobreza das pessoas da RPS indica também a impossibilidade de
reagir aos desafios da convivência social em meio à atividade de ponta que é
a exploração do petróleo. Ser pobre na RPS é também sofrer as imposições
dos grilhões do sistema e da modernidade que acorrentam a ação por meio da
impossibilidade de acesso aos meios de produção, de comunicação e de
inserção e de transformação.
Referências
ANP, Guia dos Royalties, 2001.
BARROS, Ricardo Paes de. Et al. Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Fevereiro, vol 15, n. 42, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Brasil, 2000.
CASTRO, Iná Elias de. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.
GIVISIEZ, Gustavo Henrique Neves; OLIVEIRA, Elzira Lúcia de. A pobreza e a riqueza nas cidades do petróleo. In: PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo(Org.). Petróleo e Região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007
PIQUET, Rosélia. Indústria do petróleo e dinâmica regional: reflexões teórico-metodológicas. In: PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo(Org.). Petróleo e Região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
POCHMANN, Márcio; AMORIM, Ricardo (orgs). Atlas de Exclusão Social no Brasil. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2004. ROLIM, Cássio. Um índice de pobreza humana municipal para o Brasil. Universidade do Paraná, 2002. Disponível em www.economia.ufpr.br/publica/textos/2005/cassio%20rolim.pdf. Acesso em 20/10/2007. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 443
PROJETOS DO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS NO SUDESTE BRASILEIRO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESAFIO DESENVOLVIMENTO X PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
Sônia Regina da Cal Seixas1
Michelle Renk2
Resumo: O presente artigo busca apresentar um breve panorama acerca do contexto da implementação de projetos do setor de petróleo e gás no sudeste brasileiro, especificamente no estado de São Paulo, observando os impactos locais e considerando que a percepção dos moradores, quando levada em conta, pode contribuir para minimizar os impactos que tais projetos ocasionam. Para tanto, foram utilizadas as dissertações de mestrado das autoras, desenvolvidas na Universidade Estadual de Campinas. A primeira, realizada em 1990, que analisa a instalação da Refinaria do Planalto – REPLAN -, na cidade de Paulínia, São Paulo e a qualidade de vida da população e, a segunda, realizada em 2010 analisa a instalação do projeto Mexilhão em Caraguatatuba, São Paulo, e a percepção da população do entorno com relação aos riscos socioambientais para os moradores do entorno do Projeto (BARBOSA, 1990 e RENK, 2010). Palavras-chave: Refinaria de Planalto - REPLAN; Projeto Mexilhão – UTGCA; Paulínia; Caraguatatuba; Estado de São Paulo; desenvolvimento econômico; preservação ambiental
1Doutora em Ciências Sociais, IFCH-UNICAMP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Ambientais, NEPAM-UNICAMP, docente do Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade, NEPAM-IFCH-UNICAMP; colaboradora do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos - PSE-FEM-UNICAMP. Bolsista de Pq-CNPq 2.
2Mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos, Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos – PSE -FEM-UNICAMP, Bolsista de TT III - .FAPESP.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 444
Introdução
No Brasil a indústria petroquímica, considerada uma das mais dinâmicas, existe a
mais de meio século e está interligada a praticamente todas as áreas das atividades
econômicas, ocupando posição central no desenvolvimento da economia moderna.
Contudo é, também, considerada um dos segmentos industriais mais poluidores dos
tempos atuais.
No entanto, o que chama a atenção em pesquisas socioambientais sobre a
implantação de empreendimentos do setor de petróleo e gás no Brasil é que ao
analisar o discurso dos moradores das regiões produtoras, fica evidente a existência de
conflitos significativos entre o aumento da oferta de emprego local, e os problemas
que tais empreendimentos podem gerar ao ambiente, as modificações no cotidiano, e
a ausência da participação destas comunidades no processo de decisão para a
constituição desses empreendimentos.
O presente artigo busca apresentar um breve panorama acerca do contexto da
implementação de projetos do setor de petróleo e gás no sudeste brasileiro,
especificamente no estado de São Paulo, observando os impactos locais e
considerando que a percepção dos moradores, quando levada em conta, pode
contribuir para minimizar os impactos que tais projetos ocasionam, tendo como
pressuposto a importância do viés social envolvida nesta temática.
Para tanto, foram utilizadas as dissertações de mestrado das autoras,
desenvolvidas na Universidade Estadual de Campinas. A primeira, realizada em 1990,
analisa a instalação da Refinaria do Planalto3– REPLAN -, na cidade de Paulínia, São
Paulo e a qualidade de vida da população e, a segunda, realizada em 2010 analisa a
instalação do projeto Mexilhão em Caraguatatuba, São Paulo, e a percepção da
população do entorno com relação aos riscos socioambientais para os moradores do
entorno do Projeto (BARBOSA, 1990 e RENK, 2010; PETROBRAS(b), 2011).
Vale ressaltar que pretendemos contribuir para o debate social, tendo como
pressuposto as recomendações da própria Petrobras, que aponta que os modelos de
3 Atual Refinaria de Paulínia (PETROBRAS(b)).
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 445
implantação de complexos de extração ou refino que considerem a perspectiva social
possuem grande relevância, pois visam promover a melhoria e adequabilidade de
projetos voltados ao desenvolvimento econômico com o menor impacto possível para o
meio ambiente e comunidade diretamente afetada (PETROBRAS (a), 2011). Acreditamos
que, essas recomendações aliadas a pesquisas poderão ser fundamentais,
principalmente diante das recentes descobertas de novos campos petrolíferos, como o
Pré-sal, que ampliam significativamente a perspectiva do parque produtor nacional.
Paulínia e Caraguatatuba: considerações e convergências acerca da caracterização da implementação da REPLAN e UTGCA Monteiro Lobato
Neste artigo, são analisados dois empreendimentos do setor, a Refinaria do
Planalto – REPLAN, no município de Paulínia, e a Unidade de Tratamento de Gás,
Monteiro Lobato – UTGCA em Caraguatatuba, ambos no estado de São Paulo. Estes
empreendimentos representaram, cada um em sua época, grandes investimentos em
termos tecnológicos e financeiros. A primeira consiste na refinaria com a maior
capacidade de produção instalada no país (365 Mbpd) e, a UTGCA, que será
responsável pelo tratamento de cerca de 78% do gás que atualmente é importado no
Brasil (BARBOSA, 1990; RENK, 2010; PETROBRAS(c), 2010).
Paulínia é um município pertencente à região de Campinas, localizada no interior
paulista, e possui 144 Km2 de área total. Suas atividades produtivas eram basicamente
agrícolas, possuindo grandes lavouras de café e cana-de-açúcar, além de pequenos
sítios e fazendas voltadas para a cultura de algodão e milho.
Em 1942 instalou-se na cidade a empresa Rhodia Indústrias Químicas e Têxteis,
dedicada à produção de álcool, iniciando a modificação do perfil produtivo da região,
uma vez que a maior parte da mão-de-obra empregada nas atividades agrícolas voltou-
se para a produção de cana-de-açúcar e, deste modo a empresa absorveu, durante um
período aproximado de 20 anos, a mão-de-obra local, incrementando a arrecadação de
impostos (BARBOSA, 1990).
Em 1963 houve a emancipação de Paulínia, tornando-se município e não mais
distrito de Campinas. Neste mesmo período aconteceu, no plano federal a decisão de
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 446
implantar uma refinaria no interior de São Paulo, e, assim a REPLAN foi inaugurada em
maio de 1972, sendo considerada referência na indústria do petróleo devido à rapidez
com que foi construída - mil dias (BARBOSA, 1990; PETROBRAS(b), 2011).
No geral a história de Paulínia não difere muito de outros pólos petroquímicos do
país como Cubatão, Camaçari e Duque de Caxias, onde se pode observar que o
processo de industrialização destes locais correspondeu às necessidades básicas das
elites dirigentes, que consideravam exclusivamente a questão econômica como ponto
fundamental para o desenvolvimento (BARBOSA, 1990). No entanto, apesar da
diferença temporal entre os dois projetos, e das mudanças significativas na sociedade,
na ciência e tecnologia, ainda perdura, o mesmo padrão decisório na implantação do
Projeto Mexilhão, na cidade de Caraguatatuba (RENK, 2010).
A implantação de uma nova refinaria no país surgiu em um momento de crise no
refino do petróleo, onde pesava o fim do estoque armazenado e a necessidade de
importar o insumo em grande escala. A escolha de Paulínia recaiu sobre aspectos
como o grande consumo da região de São Paulo, a necessidade de baratear custos em
transporte do óleo cru em relação aos seus derivados e a conveniência de
interiorização das indústrias consumidoras de matéria prima oriundas do petróleo
(BARBOSA, 1990).
Assim, numa área aproximada de 9 milhões de metros quadrados, desmembrada
da antiga fazenda São Francisco (propriedade da Rhodia), comprada pela Prefeitura e
doada à Petrobras, foi construído a REPLAN, representando investimentos da ordem de
US$ 600.000 milhões (valor corrigido para 1986) (BARBOSA, 1990).
Outro ponto importante está na viabilização das condições mínimas para a
instalação do parque industrial, que ocorreu através do processo de solidificação da
infraestrutura básica que o complexo urbano industrial exige, e que o Estado propicia
através de normas que guiam este processo de urbanização, necessário à
industrialização, ocasionando tensões sociais e políticas, pois, como a preocupação do
estado reside na consolidação das atividades produtivas, ele teve que se ausentar da
provisão das necessidades mais imediatas da grande maioria da população,
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 447
principalmente aquelas que vão se estabelecer na periferia das cidades (JACOBI, 1986;
BARBOSA, 1990).
O município de Caraguatatuba está localizado no Litoral Norte Paulista, tendo
sido instituído Estância Balneária em 1964. Passou por modificações em seu cenário
econômico a partir da década de 50, onde a economia, basicamente agrícola, foi em
grande parte substituída pelo turismo, com o predomínio do setor de serviços. Essa
mudança de atividade econômica foi possibilitada pela abertura da rodovia ligando o
Litoral Norte ao Vale do Paraíba, mais tarde conhecida como Rodovia dos Tamoios (SP-
099), aliada a melhorias na infra-estrutura regional, provenientes da obra de
ampliação do Porto de São Sebastião – TEBAR - (SOUZA, 2009; RENK, 2010).
A descoberta do campo de gás natural na bacia de Santos, em 2003, denominado
Campo de Mexilhão trouxe grandes expectativas nacionais, principalmente com
relação à segurança no fornecimento do gás , cuja utilização tem sido estimulada pelo
governo federal, após a construção do gasoduto Brasil-Bolívia em 1999, e o
lançamento do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) no ano seguinte
(PERICO, 2007; RENK, 2010). Com a nacionalização do gás boliviano e a instabilidade
no fornecimento, a estratégia adotada foi o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) do Governo Federal, lançado em janeiro de 2007, e incluindo como meta em
relação ao Gás Natural (GN), a aceleração da produção e da oferta do gás nacional,
visando diminuir a dependência externa. Para isso, foram investidos no setor 40,4
bilhões de reais até 2010 (PERICO, 2007; RENK, 2010).
Tanto na implantação da REPLAN, durante a década de 1970, cujos primeiros
cinco anos correspondem ao período brasileiro conhecido como “milagre econômico”,
quanto na UTGCA, nos anos 2000, podemos verificar, salvos as diferenças temporais, o
mesmo tipo de incentivos federais para a sua realização, envoltos no mesmo modelo
de estratégias de desenvolvimento e crescimento econômico do país.
O objetivo do Projeto Mexilhão é a integração das malhas do sudeste e
abastecimento da região nordeste (que é carente do recurso), sendo que, devido à
localização do campo onde foi descoberto o gás, Caraguatatuba, apresenta
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 448
características mais adequadas como sua proximidade do campo produtor e o ponto de
escoamento em Taubaté (BIODINÂMICA, 2006; RENK, 2010).
Com relação à infraestrutura para a viabilização dos projetos, verifica-se em
Caraguatatuba o Decreto 09, de 06 de maio de 2009, que declara as instalações da
UTGCA de utilidade pública para fins de desapropriação total ou parcial dos imóveis na
cidade e adjacências. Contudo, este projeto prevê a construção de um túnel de
aproximadamente 5 Km na Serra do Mar, por onde passarão os dutos de interligação
entre a Unidade de Tratamento e a REPAV em Taubaté, contrariando os esforços de
proteção e preservação da biodiversidade da região expressos no Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), Lei 9.985 de julho de 2000 e Plano de
Gerenciamento Costeiro (PEGC), Lei 10.019 de julho de 1998 (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA DO BRASIL, 2009; RENK, 2010).
Em Paulínia, este processo de viabilização foi mais ativo, provocando intensa
ruptura na atividade econômica predominante na cidade, até então. Através da
política de uso do solo, cuja zona agrícola foi suprimida, sendo que o solo foi
essencialmente, a partir de 1976, ocupado pelo parque industrial, o que reduziu a
disponibilidade das terras para a agricultura (BARBOSA, 1990).
Segundo Barbosa (1990), é interessante notar que a redução da disponibilidade
da terra, favorável à especulação aliada ao alto potencial poluidor dos processos de
produção presentes na cidade, foi, em 1976, o argumento declarado da adoção de
uma política de supressão das atividades do setor primário local. Essa política
concretizada e garantida por lei (nº 540 de 6/8/1976), que ampliou o perímetro
urbano para uma área correspondente a 75% da área total do município; a maior parte
desse valor é hoje destinada à zona industrial, de acordo com a mesma lei de 1976,
que disciplina o uso do solo para loteamento e utilização.
A mudança para uma nova escala de valores no uso da terra implicou numa
crescente interposição dos recursos técnicos sobre os recursos naturais - tecnologia de
ocupação, produção, urbanização, etc. - (COVIAN, 1976; BARBOSA, 1990). Vale
destacar que, processo semelhante ocorreu com Caraguatatuba, no mesmo período, a
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 449
década de 1970, iniciou-se um profundo processo de especulação imobiliária na região
devido ao aumento do turismo de segunda residência e assim, a construção em
grandes lotes, anteriormente ocupados por comunidades tradicionais, desconfigurando
a cultura local e reduzindo drasticamente a área rural do município, que configura-se
atualmente com 50% de residências de veraneio (CÂMARA MUNICIPAL DE
CARAGUATATUBA, 2009; BARBOSA, 2007; RENK, 2010)
Nos casos descritos, o viés desenvolvimentista em que os projetos desta natureza
são implantados, fica evidente, demonstrando que os benefícios econômicos ocupam
ainda uma posição central nos critérios de implantação de novos empreendimentos,
enquanto as questões socioambientais envolvidas ficam em segundo plano e são
justificadas pela possibilidade de desenvolvimento nacional.
Outro ponto em comum encontrado na implantação de ambos os
empreendimentos foi a baixa participação, principalmente das comunidades
diretamente afetadas pela implementação do novo empreendimento (BARBOSA, 1990;
RENK, 2010). A falta de envolvimento no processo de decisão pode gerar uma série de
expectativas em seus moradores em relação à geração de emprego e melhorias na
infraestrutura local. Para identificar os impactos dessas expectativas na inter-relação
da comunidade com a nova instalação, será observada no próximo item, a experiência
ocorrida em Paulínia aliada às expectativas geradas na fase de implantação da UTGCA
em Caraguatatuba.
Expectativas geradas e a realidade, aspectos relacionados aos períodos de implantação e operação dos projetos REPLAN e UTGCA
Em seu trabalho, Barbosa (1990) salienta que a instalação da refinaria em
Paulínia não difere muito de outros empreendimentos dessa envergadura realizados no
país, que além de dependerem da investida política presente na data, encontram as
condições mínimas para sua realização através de incentivos governamentais. Em
decorrência da instalação do parque industrial, a autora aponta a diversificação da
economia local e expectativas de geração de emprego na indústria e suas
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 450
consequências sociais como a formação de um núcleo totalmente desvinculado da
realidade e a não absorção da mão-de-obra local existente.
Embora Paulínia já tenha tido contato com a instalação de uma empresa química
na região, com a instalação da empresa Rhodia nos anos de 1940, há uma significativa
diferença entre os projetos. Como a empresa naquela época produzia álcool, a mão-
de-obra existente na cidade era suficiente para o plantio e cultivo da cana-de-açúcar,
assim, por um período de praticamente vinte anos a empresa absorveu a mão-de-obra
local, fazendo parte do “patrimônio” cultural da cidade, inclusive possuindo muito
prestígio institucional junto aos moradores (BARBOSA, 1990).
Para os moradores de Paulínia, havia por parte da Rhodia respeito para com eles,
na medida em que todos conseguiam emprego, sem se sentirem estigmatizados, fato
completamente oposto ao ocorrido com a chegada da Petrobras (BARBOSA, 1990).
Segundo a autora, o que passa despercebida para estes moradores é que o tipo de
mão-de-obra que a Rhodia exigia nos seus primeiros 20 anos de atuação poderia ser
encontrado no município, exigindo uma mão-de-obra menos qualificada que a
Refinaria exige. Com a chegada da REPLAN este quadro não permaneceu o mesmo. O
parque industrial atraiu muita gente, mas na realidade a maioria dos migrantes que
para lá se mudaram, possuía uma experiência anterior na agricultura, e não pode ser
totalmente absorvida. Na maioria das vezes quando conseguiram empregos, foi no
setor terciário ou em subempregos (BARBOSA, 1990).
Assim, a falta de opções ocupacionais para o imigrante deriva principalmente da
sua falta de qualificação, pois sua passagem da zona rural para a urbana vai implicar
num caminho que leva a um sistema econômico, que exige do trabalhador um domínio
amplo não só de conhecimento mas de atitudes e valores bastante diferentes dos que
ele possuía em seu meio rural, o que exige dele uma reorganização para seu
ajustamento no meio urbano (BARBOSA, 1990).
A questão da qualificação profissional e do aumento do número de pessoas que
são atraídos para os locais onde há notícia de oportunidade de emprego, está presente
também na instalação da UTGCA. A fase de instalação da infraestrutura do Projeto
Mexilhão contou com um quadro de funcionários com cerca de 3000 trabalhadores.
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 451
Houve um acordo entre a Prefeitura de Caraguatatuba e a Petrobras que previa a
contratação de pelo menos 30% da mão-de-obra local, contudo, as vagas
disponibilizadas neste tipo de empreendimento são altamente qualificadas e
especializadas e, no município não tem sido possível encontrar (RENK, 2010).
É interessante notar que a vantagem mais comentada entre os moradores da
região está na geração de empregos, entretanto o que foi observado é que estes
empregos foram ocupados com pessoal de várias partes do país como Minas Gerais,
Bahia, Ceará e Rio de Janeiro. Esses trabalhadores, são em sua maioria profissionais
qualificados e contratados de empresas terceirizadas que já participaram da
implantação de outras unidades. Vale destacar que do total contratado para a fase de
construção menos de 50 permanecerão, devido à alta tecnologia empregada nestas
instalações é necessário um número reduzido de funcionários para sua operação
(RENK, 2010).
Assim, as observações de Barbosa (1990) sobre Paulínia podem antecipar um
possível cenário para Caraguatatuba, em relação a um rápido processo de
diversificação da economia local, ocasionando um núcleo industrial totalmente
desvinculado da realidade local, tanto em função do tipo de produção e matéria-
prima, quanto em termos de tecnologia, investimentos e mão-de-obra. Ocorreu ainda,
com a instalação da REPLAN, a vinda de outras indústrias petroquímicas atraídas pela
refinaria (BARBOSA, 1990).
Em termos de acréscimo das indústrias, durante o período de 1970 a 1989,
verifica-se que em 1970 existiam 34 empresas instaladas, chagando ao final de 1989
com 72 industrias. Através da relação entre a área do município e o número de
indústrias instaladas era de 1 para cada 4,2 Km2 de área em 1970, vinte anos mais
tarde essa relação aumentou de 1 indústria a cada 2 Km2, indicando acentuado em
termos de área ocupada (BARBOSA, 1990).
Em relação à expansão do complexo industrial em Caraguatatuba, de acordo com
o PINO4 (2010), está previsto a construção de mais quatro empreendimentos para a
4 Relatório Parcial de Avaliação Ambiental Estratégica da Dimensão Portuária, Industrial, Naval e
Offshore no Litoral Paulista. Governo de São Paulo, 2010.
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mesma área onde se encontra a UTGCA, a Fazenda Serramar. Estes novos
empreendimentos envolvem a construção de uma área para suporte à Base de Apoio
Offshore do Porto de São Sebastião, que está em fase de conceituação, e mais três,
que estão com demanda identificada como a instalação de uma Usina Termelétrica à
Gás (UTE), Desenvolvimento Logístico Intermodal, e a preparação de terreno para
recepção de instalações industriais diversas, utilizadoras da disponibilidade de gás
natural como insumo de processos produtivos (PINO, 2010).
Observou-se em Paulínia que essas transformações ocasionaram o surgimento de
duas comunidades distintas: a local existente e o parque industrial em implantação. O
complexo industrial fica em torno do núcleo local, que acabou por se expandir e se
organizou nos moldes impostos pela indústria, e, o não provimento de condições
básicas urbanas pela iniciativa privada reflete as características dominantes do
processo de acumulação desencadeado, onde os contrastes passam a se configurar
como sua tônica dominante (BARBOSA, 1990).
A própria dinâmica da urbanização implicou na implantação de um padrão urbano
com características desiguais, passando a se generalizar pela expansão de periferias
que trazem consigo claras conotações de segregação e exclusão (BARBOSA, 1990).
Assim, o inchaço da cidade em função das possibilidades de novas frentes de trabalho,
aliado a um processo de especulação imobiliária levou ao surgimento de bairros cada
vez mais distantes, afastados dos locais de trabalho e carentes de equipamentos
urbanos, impondo à sua população distâncias de deslocamento cada vez maiores
(BARBOSA, 1990).
A mudança para uma nova escala de uso da terra ocasionou em Paulínia uma
crescente interposição dos recursos técnicos sobre os recursos naturais (tecnologias de
ocupação, produção, urbanização, etc.), além do incremento populacional, gerando
um ônus significativo para a população local, tanto nos aspectos de agressão como
fruto do impacto socioambiental quanto na dificuldade que a população como um todo
teve que começar a enfrentar com relação ao aumento da demanda por infraestrutura
básica (BARBOSA, 1990).
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As questões de urbanização, especulação imobiliária e aumento populacional,
verificadas no processo de industrialização de Paulínia assim como de outras cidades
que tiveram a implantação de grandes indústrias, alerta para o agravamento de
questões que já se fazem presentes em Caraguatatuba devido a características
geográficas e econômicas, como ocupação irregular de áreas de encosta,
infraestrutura e saneamento básico insuficientes e, acentuado processo de
especulação imobiliária.
O grande número de trabalhadores na construção da UTGCA, mesmo que sua
maior parte retorne a sua cidade de origem ou siga para a instalação de outro projeto,
demonstra os primeiros problemas que seriam gerados com a possibilidade de aumento
populacional, com a atração de novos empreendimentos do setor ou consumidores de
matéria-prima para a cidade. Os moradores entrevistados salientam que a cidade
encontra-se atualmente com uma sobrecarga do serviço de saúde que resulta numa
extensa demora na marcação de consulta tanto nos Centros de Saúde locais quanto no
único hospital da cidade (RENK, 2010).
Além do problema de infraestrutura na área da saúde, os moradores do entorno
da UTGCA atribuem também ao grande número de funcionários, o aumento no custo
de vida da região, salientado que alimentos e itens básicos de higiene pessoal e de
limpeza estão tão caros como em período de temporada (RENK, 2010). Ainda
relacionado aos problemas de infraestrutura, o saneamento ambiental do município é
limitado, pois de acordo com a Sabesp5 (2010), o município conta com 45% de coleta,
afastamento e tratamento do seu esgoto.
Outra questão a ser verificada está relaciona a urbanização da cidade, que possui
a maior mancha urbana do Litoral Norte Paulista com mais de 41 km2, e a ocupação
desordenada de áreas risco nas encostas, que podem ser agravadas com o incremento
de população e, acentuar a problemática de deslizamentos já conhecidos na região
como a “catástrofe de 1967”, que foi o caso de deslizamento mais grave registrado na
cidade, resultando em 120 mortos, dezenas de desaparecidos e cerca de 400 casas
soterradas (SANTOS et al, 2000; RENK, 2010). Apesar das semelhanças encontradas no
5 Entrevista concedida por técnico da SABESP, março de 2010.
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processo de implantação dos projetos da Petrobras em ambas as cidades, Barbosa
(1990) e Renk (2010) ponderam que mesmo com as dificuldades elencadas, a visão que
os moradores têm de suas cidades e do processo de industrialização que estas
passaram e estão passando podem ser considerados mais positivos que negativos.
No caso específico de Paulínia os aspectos gerais que fazem com que os
moradores acreditem que a cidade pode oferecer mais vantagens do que desvantagens
aos seus moradores se devem aos inúmeros equipamentos que o município dispõe, na
área da saúde, educação como pronto socorro municipal, postos de saúde, centro
odontológico municipal e centro de terapia e reabilitação integrada municipal,
creches, escolas e museu, aliados ainda à sua feição espacial que reúnem praças
amplas e arborizadas, bosques, áreas de lazer que conferem ao município uma
aparência bastante agradável (BARBOSA, 1990).
Contudo, essas estruturas urbanas não dissipam uma problemática mais profunda
vivenciada por seus moradores, tais como; saneamento ambiental, habitação, perfil de
morbidade e mortalidade e o comprometimento tanto da bacia hídrica quanto do ar
respirado. A visão vantajosa sobre o empreendimento indica que a percepção dos
moradores, assim como algumas das políticas públicas do país, são orientadas em uma
perspectiva imediatista (BARBOSA, 1990).
É interessante notar que, esta mesma ótica imediatista permanece e leva os
moradores da área do entorno da UTGCA a considerar o empreendimento mais
desvantajoso que vantajoso, pois mesmo demonstrando grandes expectativas diante
da geração de empregos, e melhorias na infraestrutura, a etapa vivenciada
atualmente por seus moradores, é a etapa de implantação e esta gera uma série de
transtornos e modificações no cotidiano das áreas adjacentes (RENK, 2010).
Os transtornos relatados envolvem o trânsito de ônibus de funcionários e
maquinários pesados em áreas consideradas tranquilas por seus moradores, bem como
barulho e poeira gerados. Mesmo considerando o pagamento de royalties para a
prefeitura e a geração de empregos, diante dos transtornos que podem ser
considerados transitórios, pois estão restritos à fase de construção, os moradores
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avaliam o empreendimento como desvantajoso nesta etapa inicial da instalação
(RENK, 2010).
Considerações finais
Tendo por base os trabalhos realizados por Barbosa (1990) na região de Paulínia e
Renk (2010) em Caraguatatuba pode-se verificar alguns pontos em comum como a
presença de políticas públicas centradas no crescimento econômico do país e que,
mesmo após a evolução da discussão ambiental nestes vinte anos, ainda hoje existe
mecanismos de viabilização de empreendimentos de potencial poluidor, contrariando
esforços de proteção e sustentabilidade locais, aliados ainda a uma baixa participação
da comunidade nos processos de decisão.
O caso de Paulínia revela algumas consequências da implantação da REPLAN na
região, que podem ser observadas e consideradas na tentativa de minimizar algumas
das características existentes na região de Caraguatatuba, como ocupação irregular,
pressão na infraestrutura e especulação imobiliária. A redução dessas questões
poderia partir do incentivo e abertura para a participação da comunidade nas
questões que envolvem a implantação de novos empreendimentos, diminuído a
expectativa e especulação.
Por fim, observou-se uma ótica imediatista tanto por parte do governo na decisão
de implantação, como na visão dos moradores, que no caso de Paulínia não
consideram a questão da poluição ambiental e consequências para sua saúde, mas sim
os equipamentos urbanos fornecidos pela prefeitura e, no caso de Caraguatatuba que
os moradores avaliam o empreendimento como desvantajoso pois levam em
consideração transtornos em seu cotidiano como trânsito e barulho que estão
limitados a fase de implantação do projeto.
Referências
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