Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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O Financiamento Público da Assistência Social
Fernando A. Brandão
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Para orientar sua leitura...
“O Financiamento Público da Assistência Social” é um tema geralmente
vinculado ao campo de conhecimento técnico, de interesse de especialistas em
economia e gestão financeira. Na contramão desse entendimento, o texto de
Fernando A. Brandão tem o mérito de situar o financiamento como processo
político e técnico. Desde o início do texto, afirma que o “financiamento decorre
das escolhas, preferências e decisões tomadas pelos agentes do âmbito
político (politics)”. Nessa condição, o financiamento público é um elemento
fundamental no estudo das políticas sociais, pois reflete a correlação de forças
sociais e políticas e os interesses envolvidos na apropriação dos recursos
públicos.
O texto está estruturado em duas partes: “o pacto federativo pela
assistência social” e “avanços e desafios para o fortalecimento do
financiamento”. De modo bastante didático e objetivo coloca o financiamento
como responsabilidade conjunta dos governos federal, estadual e municipal,
em decorrência do pacto federativo legitimado no SUAS. Explica os
desdobramentos dessa responsabilidade na sistemática de gestão e analisa os
principais avanços e desafios ao dimensionar o gasto público, apresentar as
estratégias na estruturação do financiamento e, chama a atenção para o
controle social.
Nesse sentido, uma das muitas formas de leitura do texto consiste em
tomá-lo como um convite a reflexão do financiamento público da assistência
social que você leitor (a) participa, questiona, propõe e executa a partir do seu
espaço de trabalho.
Mas como aprofundar o entendimento do financiamento público da
assistência social no Brasil? Um caminho consiste na formação de quadros de
trabalhadores com capacidade técnica (para compreender e operacionalizar o
processo e ciclo orçamentário: LDO, PPA, LOA, classificação orçamentária,
fundos especiais, transferência de recursos, prestação de contas), e, também,
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com capacidade política (para analisar as contradições e articulações entre
política econômica e política social, entender a intrincada relação entre
financiamento, orçamento fiscal e as políticas sociais, lutar por interesses
sociais, disputar o fundo público, construir pactuações) na perspectiva de tornar
o financiamento um mecanismo de redução de desigualdades sociais e
efetivação de direitos socioassistenciais.
Mais que uma reflexão sobre o financiamento da política de assistência
social, este texto provoca outras questões: Quem financia a seguridade social
brasileira? Qual o destino dos recursos da seguridade social? Qual a parte da
assistência social no orçamento da seguridade social? Qual a relação entre a
reforma tributária e o financiamento da seguridade social? Quais os interesses
envolvidos na apropriação do fundo público? Para ampliar a leitura e aguçar
outras reflexões correlatas e de base para o tema, tem-se como sugestão de
leitura, o livro Fundo Público e Seguridade Social no Brasil, de Evilasio
Salvador. Assim, leitor (a), continue! Boa leitura!
Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas
seguintes questões:
1. O financiamento público da assistência social vem sendo um tema
gerador e impulsionador de discussões e proposições no seu local de
trabalho? Problematize essa questão.
2. Ao tratar do fortalecimento do financiamento, o texto descreve avanços
no plano federal e diz não ter sido “possível conseguir o mesmo
resultado no plano subnacional” (p. 16). A partir do SUAS está em curso
outra lógica de financiamento no plano estadual e municipal? O que
avançou na relação dos estados com os municípios e dos municípios
com as entidades de assistência social?
3. Em relação à prestação de contas e o controle social o texto analisa as
transferências efetuadas pelo FNAS. Como você analisa as
transferências efetuadas pelos Fundos Estaduais e Municipais?
4. Na sua avaliação, quais são os avanços e os desafios para o
fortalecimento do financiamento público da assistência social?
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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O FINANCIAMENTO PÚBLICO DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Fernando A Brandão
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AGOSTO DE 2012
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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APRESENTAÇÃO
A alocação de bens e recursos públicos é um elemento determinante na
realização das políticas públicas e tais quais os demais fatores que terminam
uma política (policy), o financiamento decorre das escolhas, preferencias e
decisões tomadas pelos agentes do âmbito político (politics).
O financiamento público se dá por decisões e ações tomadas por
autoridades públicas soberanas, portanto, revertidas de caráter imperativo. No
caso da política de assistência social as disposições normativas constam da
Constituição Federal/88 e da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS1.
Na Parte I, vamos explorar o “caráter imperativo” do financiamento
público à política de assistência social e a corresponsabilidade atribuída aos
entes federados pela Constituição Federal de 1988. Vamos focalizar o modo
como o processo de reestruturação da política de assistência social, a partir do
ano de 2005, altera a sistemática de financiamento federal e influencia a
organização dos orçamentos públicos subnacionais. Também, abordaremos as
diretrizes da Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004 na orientação
da nova lógica para o financiamento.
Na parte II faremos uma estimativa do volume atual de gasto público
com a política de assistência social nas três esferas federativas, analisaremos
os avanços e, principalmente, os desafios e acertos de rumos que já se fazem
necessários. Também discutiremos a organização dos agentes políticos para
acompanhar e avaliar a alocação e execução dos recursos - o controle social.
Saiba Mais!
O financiamento da política de assistência social é responsabilidade
compartilhada pelos entes federados, conforme estabelece a Constituição
Federal e a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/93), essa
corresponsabilidade é denominada “Cofinanciamento”.
Constituição Federal, Art. 204 – As ações governamentais na área de assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no Art. 195, além
de outras fontes (...).
Lei 8.742/93 – Art. 28 – O financiamento dos benéficos, serviços, programas e projetos
estabelecidos nesta lei far-se-á com os recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, das demais contribuições sociais previstas no art. 195 da Constituição
Federal, além daqueles que compõem o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS);
1 (RUAS, M.G., 1998) - “por mais óbvio que possa parecer, as políticas públicas são ‘públicas '-
e não privadas ou apenas coletivas. A sua dimensão 'pública' é dada não pelo tamanho do agregado
social sobre o qual incidem, mas pelo seu caráter "imperativo”. Isto significa que uma das suas
características centrais é o fato de que são decisões e ações revestidas da autoridade soberana do poder
público”.
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(...) § 3º - O financiamento da assistência social no Suas, deve ser efetuado mediante
cofinanciamento dos 3 (três) entes federados, devendo os recursos alocados nos fundos de
assistência social ser voltados à organização, prestação, aprimoramento e viabilização dos
serviços, programas e projetos e benefícios desta política – (Incluído pela Lei 12.435 de 2011).
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PARTE I – O PACTO FEDERATIVO PELA ASSISTÊNCIA SOCIAL
1.1. INTRODUÇÃO
Durante séculos os serviços de assistência social requeridos foram
fornecidos exclusivamente pelas entidades filantrópicas e a partir do fim da II
Guerra mundial pelas Organizações Não Governamentais – ONGs 2. Essas
“entidades de assistência social” eventualmente recebiam recursos dos
governos na forma de subvenção.
Nos anos da década 80, principalmente quando da Constituinte, as
ONGs e entidades filantrópicas se encontravam organizadas em grupos, que
tinham em seus objetivos definir suas estratégias em relação aos programas
sociais de abrangência nacional, lançados pelo governo federal, além de
mobilizar recursos dos orçamentos públicos, o governo federal era o principal
financiador3.
Essas “associações” organizavam-se em subsetores, então
chamados de “redes”, por exemplo: “rede de creches”, “rede de atenção às
crianças e adolescentes”, “aos idosos”, “às pessoas com deficiência”, e etc..
Assim, reproduziam a estrutura de organização dos movimentos sociais que
lutavam pela garantia de direitos e pela implantação de políticas de proteção
social.
A influência dos movimentos sociais sobre a “Assembleia
Constituinte” resultou na definição da Assistência Social como uma das
políticas integrantes da Seguridade Social, juntamente com a Saúde a
Previdência.
A Constituição Federal/88 ao dispor sobre as ações governamentais
na área de assistência social atribui ao Estado, em sua esfera federal, a
responsabilidade pela elaboração e coordenação das normas gerais. Coube às
esferas subnacionais a execução dos programas e ações socioassistenciais,
2As ONGs surgem a partir da ação da Organização das Nações Unidas – ONU, que institucionalizou um
programa voltado para o desenvolvimento e a superação da pobreza - denominou-o “desenvolvimento de comunidade”. A capacitação das comunidades era obtida por intermédio de organizações que recebiam
recursos dos governos e da própria ONU para produzir e difundir conhecimentos junto às comunidades. (AMMANN, S. B, 1992) 3 Nessa época os programas nacionais estavam reduzidos ao estabelecimento de metas regionais a
serem alcançadas pelas entidades, já que a oferta de serviços públicos por organismos estatais eram, praticamente, inexistentes e de baixa qualidade.
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em atuação direta ou por meio das entidades beneficentes e de assistência
social, de forma concorrente, ou seja, exercida simultaneamente e em
igualdade de condições entre Estado e organizações de natureza público-
privada.
1.2. O FINANCIAMENTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL – DEVER DO ESTADO
A Constituição Federal Brasileira – CF/88 determina que a
seguridade social seja financiada por toda a sociedade, mediante recursos
provenientes dos Orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Também dispõe que, em lei, se defina os critérios de transferência
da União para os Estados, o Distrito Federal e Municípios; e dos Estados para
os Municípios. (Art. 195 e §10)
A Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei Federal 8.742/93)
estabelece que o financiamento à Assistência Social, de responsabilidade da
União, seja feito com os recursos aportados no Fundo Nacionais de Assistência
Social - FNAS (Art. 28). Também, que as transferências de recursos da União
para Estados, Distrito Federal e Municípios sejam feitas mediante prévia
comprovação de efetiva instituição e funcionamento de: i) Conselhos de
assistência social de composição paritária entre governo e sociedade civil; ii)
Fundos de assistência social com orientação e controle dos respectivos
conselhos de assistência social; iii) Planos de Assistência Social; e, iv)
Comprovação de aporte de recursos próprios alocadas nos respectivos fundos
de assistência social (Art.30).
Efetivamente, a LOAS aos dispor sobre a organização da
assistência social estabeleceu as bases para a constituição da gestão da
política na forma de “sistema” (art. 5º). De mesma forma, o financiamento
passa a ser uma responsabilidade conjunta dos entes federados.
Entretanto, nos anos seguintes à publicação da LOAS o
financiamento federal às ações de assistência social continuou sendo feito por
meio de convênios firmados com entidades filantrópicas, ONGs e por ações
diretas da União, a cargo da Legião Brasileira de Assistência – LBA. Após a
extinção da LBA (1995) a estratégia federal, para a continuidade do
financiamento, foi transferir recursos para os governos estaduais, que não
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possuíam os requisitos para execução e se limitaram a repassar os recursos
recebidos para as prefeituras municipais e às entidades por estes conveniadas.
O financiamento do orçamento federal à assistência social, no
período que antecede a LOAS, e também nos anos imediatamente posteriores,
foi destinado a ações desarticuladas, paralelas e sobrepostas entregues a
vários órgãos. As rubricas que recebiam recursos sob o título de Assistência
Social continham ações e programas que não coadunavam com o escopo
estabelecido pela LOAS. “Tem-se como exemplo, na saúde, as ações de
distribuição de medicamentos, bolsa-alimentação, aparelhos de órteses e
próteses, e passes para transporte coletivo; na educação a distribuição de
material didático, merenda escolar e, recentemente, os programas de bolsa-
escola...” (BOSCHETTI & OLIVEIRA, 2002 ,p.116).
A LOAS estabelece que pelo FNAS, sob “comando único”,
transitasse todo o recurso federal aportados à função Assistência Social.
“Entretanto, ao se verificarem as ações que receberam recursos federais da
função Assistência Social, no período 1996-2003, percebe-se que um
percentual elevado destes continuou transitando fora do Fundo” (PINHEIRO,
2005).
O modelo sistémico previsto pela LOAS pressupôs a superação
de um legado de pouco organicidade, fragmentação institucional, poucos
recursos, ações pontuais e baixa capacidade técnica. Entretanto, “o
reordenamento institucional da área se deu sob uma perspectiva de reforma
que privilegiou as metas de cortes de gastos e redução do déficit público,
gerando o arrefecimento da capacidade do Estado de prover os serviços,
graças ao enxugamento da máquina estatal” (LIMA, 2003,p.26) .
Em Dezembro de 2003, a IV Conferência Nacional de Assistência
Social, aprovou “construir uma agenda para 2004, para que, sob a
coordenação do Ministério da Assistência Social, seja implantado, o Sistema
Único de Assistência Social – SUAS de forma descentralizada, regionalizada e
hierarquizada, com base no território” 4.
4 Relatório da IV Conferencia Nacional de Assistência Social, Dezembro, 2003 – III – Deliberações, Painel
III, 2.
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Em Outubro de 2004, por meio da Resolução 145, o Conselho
Nacional de Assistência Social – CNAS aprovou a nova Política Nacional de
Assistência Social - PNAS que estabeleceu os princípios e diretrizes para
institucionalizar a gestão descentralizada e participativa, buscando assim,
promover as regras estabelecidas pela CF/88 e pela LOAS. Em julho de 2005 o
CNAS aprovou a nova Norma Operacional Básica da Assistência Social –
NOB/SUAS.
Neste contexto, a PNAS/2004 e a NOB/SUAS/2005 objetiva, no
campo do financiamento, enfrentar, pelo menos, três grandes desafios:
a) Agrupar todos os recursos dos orçamentos públicos destinados à
Assistência Social em unidades orçamentárias específicas, nos três
níveis de governo;
b) Estruturar e dar capacidade de gestão aos Fundos de Assistência
Social para que possam garantir financiamento de forma continuada
aos serviços, programas, benefícios e ações de assistência social,
assim, eliminando por vez a descontinuidade e a ineficácia no gasto
público;
c) Consolidar, mediante incentivos financeiros, a estruturação de
serviços e programas em consonância com os princípios e diretrizes
da LOAS, afastando as práticas assistencialistas e clientelistas.
Para além da reorganização orçamentária e financeira, a
PNAS/2004 havia formulado críticas aos critérios, então vigente, para alocação
do financiamento, tais como:
Iniquidade das distribuições dos recursos, concentração no
financiamento de serviços nas médias e grandes cidades e nas
regiões sul e sudeste;
Excessiva segmentação do financiamento por faixa etária, ciclo de
vida e vulnerabilidade específicas;
Fixação de valores per capita, que atribuíam recursos com base no
número total de atendimentos e não na conformação dos serviços às
necessidades da população;
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Recursos financeiros “engessados” por uma série histórica de
beneficiados;
Uma relação complexa, demorada e descontinuada no
estabelecimento de convênios para repasse de recursos;
Exigência de uma prestação de contas detalhada e complexa sem
nenhuma efetividade em mensurar a consecução dos objetivos
financiados.
1.3. O SUAS E A NOVA LÓGICA PARA O FINANCIAMENTO
A iniquidade na distribuição dos recursos, apelidada de
“engessamento”, que foi objeto de crítica quando da elaboração da
PNAS/2004, decorria de uma série histórica de beneficiados e da má fixação
de valores remuneratórios, que não consideravam a complexidade dos
serviços. Assim diagnosticada a superação se da pela reorganização da
relação da União com os demais entes federados, a partir de um novo modelo
de gestão.
A gestão na forma de sistema teve inicio a partir da classificação
dos estados e municípios que optaram e apresentaram condições de aderirem.
Criam-se quatro tipos de gestão: dos municípios, dos estados, do
distrito federal e da União. A gestão dos municípios é dividida em níveis,
inicial, básica e plena. Para cada tipo e nível de gestão se estabeleceu
requisitos, responsabilidades e incentivos financeiros a serem verificados em
um processo que se denominou “habilitação”.
Desta forma, os municípios que não quiseram ou não reuniram
condições para aderirem ao sistema passaram a ter a gestão da política sob a
responsabilidade dos governos estaduais.
A alocação e distribuição dos recursos a serem transferidos aos
Estados e Municípios passaram a ser definida pelas instâncias de formação de
pactos - a Comissão Intergestores Tripartite – CIT, a Comissão Intergestores
Bipartite - CIB e o CNAS, que se orientam por indicadores de base territorial.
Esses indicadores são construídos a partir do porte dos municípios e da
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complexidade dos serviços ofertados. Este processo de alocação de recursos é
denominado “partilha”.
Para superar à excessiva segmentação do financiamento (por faixa
etária, ciclo de vida, vulnerabilidade específicas) e eliminar a presença nos
orçamentos de ações e programas que não coadunam com as diretrizes
normativas, procedeu-se a classificação do financiamento em consonância com
os níveis de proteção social instituídos pela PNAS: básica e especial, de média
e alta complexidade. Em 2009, por resolução do CNAS, os serviços
socioassistenciais foram tipificados e classificados, em estritas observâncias
aos princípios e diretrizes da política.
Para melhorar o fluxo financeiro que se apresentava descontinuado,
pois estavam sendo regidos por uma lógica de convênio imprópria para garantir
os serviços continuados previstos pela lei, adota-se instituir e incentivar os
fundos de assistência social, criados pela LOAS (art.30), como unidade central
da execução dos programas e ações, fazendo valer a obrigação de se aportar
neste todos os recursos destinados a Assistência Social.
No plano federal os esforços foram concentrados em transferir para
o orçamento do FNAS os recursos destinados à política de Assistência Social,
na “função 08”; fazer valer no planejamento e na execução orçamentária a
natureza obrigatória das transferências a Estados e Municípios; implantar no
orçamento da União a organização das prestações públicas na forma de
serviços, programas e benefícios; reestruturar as classificações orçamentárias
e apresentar aos órgãos de controle interno e externo a fundamentação legal
para a “responsabilidade compartilhada” que se implantava na execução das
ações da política, agora na forma de sistema.
1.4. AS TRANSFERÊNCIAS FUNDO A FUNDO
Instituída, no âmbito da política de Assistência Social, pela Lei
Federal 9.604/98 a faculdade de transferir recursos do FNAS aos Fundos de
Assistência Social dos Estados e Municípios independentemente de celebração
de convênios ou quaisquer tipo de acordos, só veio a ser efetivada a partir do
ano de 2005, durante a implantação da gestão por sistema.
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A utilização do “repasse automático” objetivou superar as
interrupções no financiamento e a descontinuidade na oferta dos serviços.
Essas interrupções eram comuns em decorrências dos trâmites complexos e
demorados determinado pela sistemática de convênios então utilizada.
Na organização das transferências financeiras aos Estados e
Municípios as operações do FNAS foram simplificadas, informatizadas e
organizadas em três “modalidades”: Benefícios – pagos na forma de
transferência automática direto às pessoas, por meio da rede bancária (BPC,
RMV, Bolsa Família); Serviços, programas e gestão - pagos por meio de
transferência “fundo a fundo”; Investimentos (projetos) – pagos por meio de
convênios firmados com os fundos de assistência social dos Municípios e
Estados.
Recentemente foi publicado autorização, por decreto, para que o
FNAS processe transferências de recursos para investimento por meio da
sistemática “transferência fundo a fundo”, independente de celebração de
convênios. Entretanto, se aguarda a disciplina do procedimento que será feita
por ato do Ministro de Estado de Desenvolvimento Social.
Figura 1 – Modalidades e instrumentos para o cofinanciamento
1.5. MEDIDAS DE GARANTIA DE APLICAÇÃO DOS RECURSOS NA FINALIDADE PACTUADA
– “OS PISOS”
Diante da necessidade de implantar os serviços socioassistenciais
preconizados pela PNAS/2004 e erradicar as prestações (benefícios e
serviços) que não observavam os princípios e diretrizes da LOAS, fez-se
necessário segmentar as transferências financeiras, instituindo finalidades
específicas e regras de utilização para cada segmento do repasse. Assim o
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fluxo de recursos financeiros transferidos pelo FNAS, foi agrupado. Esta
organização, denominada “PISOS”, teve como referência os níveis de
proteções da PNAS/2004 (básica e especial), e posteriormente, a “Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais”.
Os objetivos foram: organizar, orientar e avaliar o volume de
recursos aplicados em cada nível de proteção da política nacional; garantir a
efetividade das alocações financeiras pactuadas nas instâncias de deliberação
(CIT, CIB); focalizar em nível regional ou nacional os esforços financeiros de
enfretamentos das questões urgentes; colaborar com a transparência e com
atuação dos Conselhos em sua atribuição de fiscalização.
Portarias ou resoluções do executivo instituíram normas de
aplicação e definição dos objetivos (finalidades) para o gasto financiado com as
“transferências fundo a fundo”.
Essas normas retiraram dos municípios a possibilidade de decidir a
alocação de seus gastos. Entretanto, essa medida foi prudente e necessária,
pois, poucos municípios reuniam condições para planejar e programar seus
gastos em consonância com as diretrizes e princípios instituídos pela LOAS.
Um grande número de municípios sequer tinham em efetivo funcionamento as
condições básicas para receber as transferências, que são: funcionamento de
conselho, fundo e plano de assistência social.
Recentemente ações destinadas à retomada da capacidade de
programação para os municípios foram tomadas: - quando da implantação do
piso de financiamento à gestão – IGD-Suas; e quando da edição do novo
decreto regulador do FNAS, publicado neste mês, que autoriza a adoção de
blocos de financiamentos em substituição aos pisos.
Ficou sobre a responsabilidade do FNAS o apoio técnico as demais
Fundos Estaduais e Municipais na estruturação do planejamento, na
organização do orçamento, do fluxo financeiro e das demais funcionalidades
requeridas pelo SUAS.
1.6. O IMPACTO NA ORGANIZAÇÃO DOS ORÇAMENTOS E NAS FINANÇAS PÚBLICAS
SUBNACIONAIS.
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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A implantação do SUAS passou a requerer dos governos
subnacionais a revisão e a incorporação de novas ferramentas para a
construção de seus ciclos orçamentários e dos demais instrumentos de
planejamento. Isto se deve ao fato de que o novo planejamento da política de
assistência social requer que se considere: as diretrizes do sistema SUAS; as
metas estabelecidas pelo Plano Decenal da Assistência Social; os objetivos,
diretrizes e metas do plano de assistência social local; as deliberações das
conferências, locais, estadual e nacional; a participação popular, em todas as
fases do planejamento e da execução.
Esse investimento na participação popular e no controle social do
processo de planejamento e execução orçamentária e financeira esta expresso
na norma legal que atribui aos Conselhos de Assistência Social, dentre outras,
as funções de acompanhar a execução e de aprovar a proposta orçamentária,
antes de ser encaminhada ao legislativo.
Quanto à estrutura orçamentária, foi necessário reorganizar o rol de
programas e ações de governo no âmbito do orçamento e do plano plurianual,
modificando a nomenclatura e a classificação organizativa das ações,
programas, serviços e benefícios.
Saiba Mais!
LOAS – Art. 17 § 4º - Os Conselhos de que tratam os incisos II, III e IV do art. 16,
com competência para acompanhar a execução da política de assistência social,
apreciar e aprovar a proposta orçamentária, em consonância com as diretrizes das
conferências nacionais, estaduais, distrital e municipais, de acordo com seu âmbito de
atuação, deverão ser instituídos, respectivamente, pelos Estados, pelo Distrito
Federal e pelos Municípios, mediante lei específica (Redação dada pela Lei nº
12.435, de 2011)
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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Figura 2 – Ciclo Orçamentário da política de Assistência Social
1.7. A ESTRUTURAÇÃO DOS FUNDOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Os fundos especiais estão previstos na Lei Federal 4.320/64, no
âmbito da Assistência Social têm por finalidade agrupar os recursos dos
orçamentos públicos destinados à política, razão pela qual sua implantação e
efetivo funcionamento é condição essencial para a habilitação dos entes
federados ao Sistema Único de Assistência Social (LOAS, Art.30). Também,
por disposição legal, tais fundos estão sobre orientação e controle dos
Conselhos de Assistência Social, em suas respectivas esferas.
Para além da atribuição de agrupar recursos, os Fundos de
Assistência Social têm por objetivo, dentre outros: vincular recursos à política;
garantir a regularidade do fluxo financeiro; materializar o pacto de
“cofinanciamento”; aproximar a participação popular do processo de
planejamento e de execução das ações socioassistenciais. Constituem-se uma
das instâncias do sistema SUAS, definidas pela NOB-SUAS.
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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Figura 3 – Instâncias do Sistema Único de Assistência Social
Os esforços para organizar as funcionalidades básicas para os
fundos de assistência social apontaram pelo menos três aspectos estruturantes
a serem orientados aos Estados e Municípios:
a) Aspectos legais – criar, por meio de lei, o Fundo e o Conselho, de
Assistência Social, com competência para controle e orientação da
política; estabelecer, por meio de decreto, as competências e
atribuições na gestão do Fundo; inscrever o Fundo no CNPJ,
conforme determinação da Secretaria da Receita Federal; aportar
recursos de fonte própria na política de assistência social.
b) Aspectos organizacionais – instituir no orçamento a unidade
orçamentária para a programação e execução do Fundo; organiza-los
em consonância com as orientações da PNAS/2004 - alterando ou
incluindo novas funcionais programáticas; organizar a programação
financeira e orçamentária garantindo a continuidade dos serviços
implantados; organizar a guarda dos documentos inerentes à
execução do fundo, separadamente, e se possível organizar
contabilidade própria; organizar o controle patrimonial e os estoques
adquiridos com recursos do fundo; monitorar, avaliar e controlar a
prestação de serviços indireta (rede socioassistencial); prestar contas
ao Conselho, à sociedade e aos órgãos transferidores de recursos
em relatório escritos em linguagem de fácil compreensão.
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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c) Aspectos político-administrativos - instituir como gestor do fundo o
agente responsável pela política de assistência social; conceder ao
gestor autonomia administrativa e financeira, incluindo autonomia
para contratações e aquisições. Utilizar o fundo como instrumento de
vinculação de recursos à política de assistência social.
Na implantação do SUAS a habilitação dos municípios para gestão
ficou a cargo das CIB´s em seus respectivos Estados.
A verificação do efetivo funcionamento dos Fundos, Conselhos e a
existência de um Plano de Assistência foram feita por declaração, se houveram
fiscalizações “in loco” foram poucas.
Efetivamente, ainda hoje, pouco mais da metade dos municípios
reúne condições efetiva para uma eficiente gestão orçamentária e financeira
dos recursos da política de Assistência Social.
Saiba Mais!
Segundo a NOB-SUAS um dos critérios para habilitação dos municípios aos níveis de
gestão é a alocação e execução de recursos financeiros próprios no Fundo de
Assistência Social, constituído na forma de Unidade Orçamentária (UO)
PARTE II- AVANÇOS E DESAFIOS PARA O FORTALECIIMENTO DO
FINANCIAMENTO
1.1 DIMENSIONAMENTO DO GASTO PÚBLICO COM ASSISTÊNCIA SOCIAL
O Caderno SUAS, no. 5 de 2010, calcula o gasto total na política de
assistência social em 49,5 bilhões, assim distribuídos: 38,9 bilhões gastos pela
União (78%); 3,5 bilhões gastos pelos Estados (7,5 %); e, 7,1 bilhões gastos
pelos municípios (14,1%).
A participação dos estados e municípios no cofinanciamento vem se
mantendo proporcionalmente estável ao longo da série 2004 a 2010, conforme
se depreende da análise da tabela 9 que integra o Caderno SUAS # 5.
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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Figura 9 – Participação de entes no financiamento da AS
1.2 - AVANÇOS E DESAFIOS PARA O FORTALECIMENTO DO FINANCIAMENTO
Sem dúvidas os grandes avanços na estruturação do financiamento
da política de Assistência Social podem ser assim enumerados: i) a
estruturação dos Fundos como o “lugar” onde se materializa o gasto público
com a política; ii) a organização dos “pisos” como orientadores dos gastos em
consonância com as diretrizes da PNAS/2004; iii) a sistemática de
transferência “fundo a fundo” e iv) a “partilha” como instrumentos de
regularidade e viabilizadores do cofinanciamento federal.
Contudo, da mesma forma que estas estratégias permitiram
significativo avanço no plano federal não foi possível conseguir o mesmo
resultado no plano subnacional.
O provimento das capacidades técnicas e operativas as fundos
Estaduais e Municipais ainda é um desafio ao Sistema, em muitos Municípios
os fundos são utilizados apenas para receber os recursos da transferência
federal, o cofinanciamento municipal, quando existe, é executado em outras
unidades orçamentárias que não a do fundo e o cofinanciamento dos governos
estaduais nem sempre é realidade. Muito embora a legislação exija que os
recursos de cofinanciamento dos três entes ali estejam alocados.
O cofinanciamento, mediante transferência “fundo a fundo”, está
estruturado em uns poucos Estados, a maioria dos Estados ainda utilizam a
sistemática de convênio e não conseguiram estabelecer um fluxo automático
de transferências de seus recursos aos seus respectivos Municípios.
Os “Pisos”, com suas regras específicas de aplicação, acabaram por
suscitar dúvidas sobre a correta aplicação. Muitos gestores diante a ausência
de capacitação técnica ou conhecimento da correta aplicação das normativas
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acabaram por deixar de oferecer ou subdimensionaram a oferta dos serviços
socioassistenciais por eles financiados.
Esta incapacidade para superar as dúvidas ou impedimentos
técnicos à utilização dos recursos transferidos tem gerado acumulo de saldos
financeiros nas contas dos Municípios. Algumas vezes questões simples, como
a suplementação de dotações ou abertura de créditos adicionais, tornam-se
grandes barreiras ao gasto eficiente e oportuno.
As dificuldades ainda são muitas, vão deste a simples adequação da
estrutura programática nos orçamentos municipais a questões mais complexas
como a formação de um quadro técnico capaz de operar o sistema na
complexidade que ele requer. Talvez o maior desafio do Sistema seja a
formação de quadros técnicos aptos a operá-lo.
1.3 A PRESTAÇÃO DE CONTAS DAS APLICAÇÕES E O CONTROLE SOCIAL
O controle social se dá pela participação do cidadão nos espaços
institucionais criados pelas conferências e pelos conselhos. No âmbito do
financiamento é exercido sobre o planejamento, sobre a execução e sobre os
resultados obtidos. Os conselhos são responsáveis por: apreciar a proposta
orçamentária, antes do envio ao legislativo; por normatizar, regular e fiscalizar
a relação entre o setor privado e público - o vínculo Suas; e por tomar a
prestação de contas dos gestores públicos e aprovar o relatório anual da
gestão.
A prestação de contas está prevista na LOAS como obrigação
periódica do gestor junto ao conselho, no âmbito federal é trimestral. Também,
se deve a prestação de contas do fundo executor ao fundo repassador
conforme regras próprias de cada transferidor, e por último se deve a prestação
anual dos recursos aplicados por origens e destinos, dos resultados obtidos em
relação ao planejamento, dos investimentos efetuados e demais informações
relevantes à avaliação da gestão.
A LOAS diz que essa rendição anual das contas se dá por meio de
um “relatório de gestão” que é submetido à apreciação dos respectivos
conselhos. Entretanto, o sistema não dispõe de uma orientação ou modelo
para esse relatório.
Políticas Públicas – O financiamento público da Assistência Social 2012
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As prestações de contas das transferências efetuadas pelo FNAS
são feitas em conformidade com a modalidade de repasse utilizada: se por
convênio observa-se a legislação federal para esta modalidade (Portaria
Interministerial 127/2008); se por “transferência fundo a fundo” se observa as
regras estabelecidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS em
portaria, a atualmente em vigor é a Portaria 625/2010.
Essencialmente, a prestação de contas do “fundo a fundo” se dá por
declaração, mediante o preenchimento, pelo gestor, de um relatório eletrônico
que é disponibilizado pelo “Sistema SuasWeb”. Este relatório deve ser avaliado
e aprovado pelo Conselho, também de forma eletrônica, previamente ao seu
envio ao FNAS.
CONCLUSÃO
Os avanços obtidos pela implantação do SUAS demonstram que o pacto
federativo pela política vem se impondo, a estruturação gradativa do modelo de
gestão descentralizado e participativo previsto na CF/88 está em macha, porém
há muitos desafios a serem superados. A heterogeneidade das capacidades
institucionais, financeiras e técnicas precisam ser enfrentadas e apostar
fortemente na qualificação técnica para permitir o avanço do conjunto e o
amadurecimento do sistema.
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IPEA, TEXTO PARA DISCUSSÃO 1724 – COFINANCIAMENTO E RESPONSABILIDADE
FEDERATIVA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – DF, BRASIL. – 2012.
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SOCIAL E COMBATE A FOME, FNAS/DGSUAS, BRASÍLIA, BRASIL – 2009 – 2011.