UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
MARIANA CANAVEZI DE VITTA
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA- SP
FRANCA
2011
MARIANA CANAVEZI DE VITTA
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA- SP
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do titulo de mestre em Serviço Social. Área de Concentração – Serviço Social: formação e prática profissional.
Orientadora: Profª. Dra. Célia Maria David
FRANCA
2011
1
Vitta, Mariana Canavezi de
Políticas públicas para a inclusão escolar: desafios e prespectivas
no município de Franca - SP / Mariana Canavezi de Vitta. –Franca:
[s.n.], 2011
172 f.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social).Universidade Estadual
Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
Orientador: Célia Maria David
1. Serviço Social – Portadores de necessidades especiais. 2. Edu-
cação especial – Inclusão escolar. 3. Ensino municipal – Políticas
públicas – Franca (SP). I. Título
CDD – 362.3
2
MARIANA CANAVEZI DE VITTA
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA - SP
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do titulo de mestre em Serviço Social. Área de Concentração – Serviço Social: formação e prática profissional.
Banca Examinadora
Presidente:_____________________________________________________
Profª. Dra. Célia Maria David 1º Examinador(a):________________________________________________ 2º Examinador(a):________________________________________________
Franca, _____ de ________________de 2011.
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AGRADECIMENTO ESPECIAL
À minha querida orientadora Profª. Dra. Célia Maria David que com sua paciência,
compreensão e crença no ser humano, possibilitou-me concluir este trabalho de
grande significado na minha vida pessoal e profissional. Meu eterno agradecimento,
respeito e admiração.
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AGRADECIMENTOS
Talvez a atitude mais complicada para um pessoa seja reconhecer e
expressar para outros tudo o que eles significam para nossa construção como seres
humanos.
Gostaria aqui de agradecer a todas as pessoas que sempre estiveram comigo
e contribuíram cada qual à sua maneira, para construção do meu caráter, dos meus
valores e da minha atuação no mundo.
Ouvir os conselhos e as histórias de meus avós contribuiu para que a vida
fosse compreendida com o mais pleno amor. A incondicionalidade faz com que os
sentimentos sejam expressos em sua plenitude. Obrigada pelos conselhos, broncas,
sorrisos, gargalhadas, emoções e direcionamentos. Vô Mário, vó Guigui, vô Tuti e vó
Adélia, palavras não bastam...
Errar, acertar, acertar, errar.... pais e filhos... a relação da busca e da certeza.
Busca pelo certo, pelo cuidado, pela razão. Certeza do amor, da compreensão e da
presença. Ter vocês faz-me forte!
Conquistar espaços, trilhar conquistas, cuidar...À minha irmã Maiara, o mais
profundo sentimento de amor...
Trilhar caminhos, dividir conquistas, construir talvez, uma vida juntos. Tufic o
companheiro, o amigo e o amor de anos e que venham muitos anos. E à Janis,
nossa complementação familiar...
Agradeço aos meus tios, tias, primas e primos, que a cada dia me fazem
compreender as diferenças e a necessidade de estar juntos, mesmo longe.
Às pessoas maravilhosas que sempre estão ao meu lado, em todos os
momentos de alegria, de tristeza, de dúvida e que com certeza contribuíram para
que a caminhada não fosse em vão: meus amigos. Seu Jorge, Nádia, Aninha,
Derso, Rodrigo, Aender, Momo, Preta, Mamona, Bubba, Mojica, Cogú, Morato,
Gustavo, Lecão, Raquel, Pereira, Silvana, Paulo, as Flores, os meninos da
República Buraco, os meninos da República Blackout, à banda Pancilhamas, ao
Grupo Cantagallo e à Associação Banda Musical de Franca. Em especial à Lê e a
Brunna, por dividirem momentos importantes de aprendizado e convivência.
À Gislaine, uma amiga inexplicável, que me fez enxergar na vida as
possibilidades que ela tem a oferecer! Também à toda minha turma de mestrado.
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Acreditar em educação é acreditar em pessoas e por isso, agradeço a todos
os meus meninos e meninas dos PETs 11, 15, 22 e 25, por fazerem com que minha
crença na possibilidade de mudança e no ser humano fosse revigorada em cada dia,
em cada momento das aulas. O que aprendi com vocês, tempo nenhum apaga.
À equipe SENAC – Franca, por serem fundamentais para a minha formação
profissional. Em especial ao Fábio, Vanessa, Márcia, Cláudia e Lina (equipe PET).
Mais que professores! Aos meus educadores, motivadores e amigos Vânia e
Genaro. Vocês foram fundamentais para a minha formação como ser humano e para
a formação da minha visão de educação, que carregarei e construirei por toda a
minha vida.
À Laura por todo o apoio estrutural e psicológico para que esse trabalho fosse
entregue. À toda a equipe do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e à
Neide, por todo o apoio.
Agradeço a todos os participantes da pesquisa, pessoas que me ofereceram
a oportunidade de desvelar um novo horizonte educacional acreditando que é
possível lutar pelas pessoas e com as pessoas.
Finalmente agradeço a todas as pessoas que contribuíram para a minha vida.
Cada qual à sua maneira, jamais serão esquecidas.
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De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que estamos começando,
A certeza de que é preciso continuar,
A certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminar.
Façamos da interrupção um caminho novo
Da queda, um passo de dança
Do medo, uma escada
Do sonho, uma ponte
Da procura, um encontro
[...] E assim terá valido a pena.
(Fernando Sabino)
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VITTA, Mariana Canavezi de. Políticas públicas para a inclusão escolar: desafios e perspectivas no município de Franca – SP. 2011. 172 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2011.
RESUMO
A presente pesquisa teve o objetivo de analisar a implementação das políticas públicas para a inclusão escolar no município de Franca – SP. O recorte recaiu sobre as séries iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino, pois dos 319 educandos com necessidades educacionais especiais regularmente matriculados, que apresentaram laudo médico e frequentam o Atendimento Educacional Especializado, 222 estão nesse nível educacional. Focou-se mais especificamente na compreensão da inclusão escolar de educandos com deficiência, público-alvo das práticas inclusionistas da rede municipal. Para que se pudesse compreender a temática, optou-se por adotar como metodologia a análise qualitativa de caráter sócio-histórico que englobou a análise documental, a observação participante e entrevistas semiestruturadas. Inicialmente foi realizada uma contextualização histórica dos modelos educacionais e sua relação com o desenvolvimento da Educação Especial no Brasil, para que se pudesse compreender a temática estudada. Em seguida, foi realizada a discussão sobre as concepções teóricas e práticas que a proposta necessita para que seja desenvolvida com sucesso nos ambientes escolares. Posteriormente, a pesquisa focou-se na análise das diretrizes internacionais, nacionais e do Estado de São Paulo, para que se pudesse compreender as bases legais que fundamentam as propostas municipais. A partir dessa análise foi realizada a contextualização das propostas educacionais da rede municipal de ensino, bem como a importância da municipalização da educação. No que se refere à pesquisa de campo, as observações participantes foram realizadas em duas escolas municipais de Franca – SP, sendo uma com recursos físico/arquitetônicos e materiais necessários para a efetivação da proposta de inclusão escolar e outra sem esses recursos, o que possibilitou a compreensão de como a inclusão escolar se estrutura em ambientes diversos e quais os mecanismos adotados pelos gestores e educadores para que todos os educandos com necessidades educacionais especiais desenvolvam-se plenamente. Palavras-chave: inclusão escolar. políticas públicas. rede municipal de ensino.
desafios – perspectivas. Franca – SP.
9
VITTA, Mariana Canavezi de. Public politics for educational inclusion: challenges and perspectives in the city of Franca – SP. 2011. 172 p. Dissertation (Masters in Social Services) – Humanities and Social Sciences College in Franca - State University Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2011.
ABSTRACT
This research aimed at analyzing the public policies implementation for the educational inclusion in the city of Franca. The selected profile was the early grades of Basic Education of public municipal schools, because 222 out of 319 regularly enrolled students with special educational needs (who rendered medical reports and attended to Specialized Educational Services) are in these educational grades. The focus was on comprehending the educational inclusion of students with deficiencies – the target group of the municipal school's educational inclusion policies. For the theme to be understood, the adopted methodology was a qualitative sociohistorical analysis that embraced the documentary analysis, the participant observation and the semi-structured interviews. Initially a historical contextualization of educational models was made, and its relation to the development of Special Education in Brazil was verified, in order that the topics were comprehended. After that, a discussion was made, concerning the theoretical and practical concepts that this proposal demands, for it to be successfully carried out in the the school environment. Posteriorly, the research focused on the analysis of international, national and state guidelines for the explanation of the legal bases that justify the municipal proposal. From this analysis, the municipal educational proposals were contextualized, and so the importance of municipal education was shown. Participant observations were made at two municipal schools of Franca – SP, as field research. One of these schools offered sufficient physical/architectural resources and materials for the educational inclusion proposal to be effectuated, and the other one offered none of these resources. This enabled the comprehension of the way educational inclusion structures itself in diverse environments, and showed what mechanisms were adopted by managers and educators, so that all students with special educational needs can fully evolve. Keywords: educational inclusion. public policies. public municipal schools.
challenges – perspectives. Franca – SP
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LISTA DE SIGLAS AEE Atendimento Educacional Especializado
AIPD Ano Internacional da Pessoa com Deficiência
APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
AVD Atividades de vida diária
BPC Benefício de Prestação Continuada
CADEME Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais
CEAA Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
CEB Conselho de Educação Básica
CEE Conselho Estadual de Educação
CENEC Campanha Nacional de Educação de Cegos
CENESP Centro Nacional de Educação Especial
CENESP Centro Nacional de Educação Especial
CESB Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro
CFE Conselho Federal de Educação
CID Classificação Estatística Internacional de Doenças
CNE Conselho Nacional de Educação
CNER Campanha Nacional de Educação Rural
CORDE Coordenação de Educação Especial
DA Deficiência Auditiva
DEC Departamento de Educação e Cultura
DF Deficiência Física
DM Deficiência Mental
DV Deficiência Visual
EAD Educação à Distância
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA Educação de Jovens e Adultos
EMDEF Empresa Municipal para o Desenvolvimento de Franca
EMEB Escola Municipal de Educação Básica
EMEI Escola Municipal de Educação Infantil
FDF Faculdade de Direito de Franca
FEAC Fundação de Esporte, Arte e Cultura
FMI Fundo Monetário Internacional
FNEP Fundo Nacional do Ensino Primário
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FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério
GT Grupo de Trabalho
HC Hospital das Clínicas
IBC Instituto Benjamin Constant
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP Instituto Nacional de Pedagogia
INES Instituto Nacional de Surdos
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IPRS Índice Paulista de Responsabilidade Social
IPVS Índice Paulista de Vulnerabilidade Social
LBA Legião Brasileira de Assistência
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LIBRAS Língua brasileira de sinais
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
LOM Lei Orgânica Municipal
MEC Ministério da Educação e Cultura
NARC National Association for Retarded Children
OEA Organização dos Estados Americanos
ONG Organização não governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PAR Plano de Ações Articuladas
PNE Plano Nacional de Educação
PPP Projeto Político Pedagógico
PSEC Plano Setorial de Educação e Cultura
PUC Pontifícia Universidade Católica
REP Reunião Pedagógica
QI Quociente de Inteligência
SAPES Serviços de Apoio Especializado
SE Secretaria de Educação
SEAD Sistema Estadual de Análise de Dados
SEESP Secretaria de Educação Especial
SENEB Secretaria Nacional de Educação Básica
SUAS Sistema Único da Assistência Social
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TGD Transtorno Global do Desenvolvimento
UE União Europeia
UFC Universidade Federal do Ceará
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNI-Facef Centro Universitário de Franca
UNIFRAN Universidade de Franca
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................15
CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL ...........................................20
CAPÍTULO 2
A INCLUSÃO COMO MODELO EDUCACIONAL....................................................49
2.1 Os paradigmas educacionais...........................................................................52
2.2 A proposta de inclusão escolar .......................................................................54
2.3 As práticas educacionais .................................................................................58
CAPÍTULO 3
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR .......................................67
3.1 Diretrizes internacionais...................................................................................69
3.2 Políticas nacionais ............................................................................................75
3.3 A proposta do Estado de São Paulo................................................................94
CAPÍTULO 4
O MUNICÍPIO DE FRANCA – SP.............................................................................98
4.1 A municipalização do ensino em Franca – SP..............................................103
4.2 A proposta de inclusão escolar na rede municipal de ensino de
Franca – SP ......................................................................................................111
CAPÍTULO 5
A PESQUISA DE CAMPO......................................................................................116
5.1 O caminho percorrido.....................................................................................117
5.2 Os participantes e o cenário da pesquisa.....................................................121
5.2.1 Os sujeitos......................................................................................................121
5.2.2 As escolas ......................................................................................................126
5.3 A realidade vivida............................................................................................129
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CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................154
REFERÊNCIAS.......................................................................................................159
APÊNDICES
APÊNDICE A - Questões que nortearam as entrevistas ....................................166
APÊNDICE B - Relato de observação ..................................................................167
APÊNDICE C - Autorização para a pesquisa de campo.....................................170
ANEXOS
ANEXO A - Programa de Implantação de Salas de Recursos
Multifuncionais – 2008 .......................................................................172
16
Certo dia, do ano de 2007, em uma conversa com amigos, estávamos falando sobre nossas experiências educacionais, tanto como estagiários, quanto como professores. Nessa conversa, um amigo reproduziu um diálogo que ocorreu no último dia de aula do seu período de substituição, quando este realizava a chamada dos alunos: Amigo professor: - Paula, o Tiago não frequenta mais essa escola? Paula: – Ora professor, lógico que frequenta, ele não falta nenhum dia! Amigo professor: - Você tem certeza? Nessa sala? Paula: - Sim professor! Amigo professor: - Então por que ele nunca respondeu à chamada? Eu quase o reprovo por faltas! Paula: - É por que ele é surdo, professor! Como ele vai ouvir o senhor fazer a chamada? O meu amigo contava-nos esta história, dizendo que há mais de um mês dando aula naquela escola, nunca ninguém havia o avisado que existia um aluno com deficiência auditiva naquela sala1...
Este diálogo foi o ponto de partida para algumas questões que foram
ganhando forma e fundamento e que se transformaram em inquietações, tais como:
o que é a proposta de inclusão escolar? Como ela se concretiza na prática? Qual o
papel dos professores, dos alunos, da comunidade escolar, dos pais e dos gestores
frente a essa proposta? Como se desenvolve o processo de ensino e aprendizagem
no contexto da inclusão escolar?
Com o amadurecimento dessas inquietações, advindas de uma simples
conversa informal, surgiu o argumento e o objetivo de caráter acadêmico que deram
origem à pesquisa aqui empreendida.
Segundo Glat (2003), a proposta de inclusão escolar surgiu em decorrência
de um processo histórico de lutas e reivindicações sociais de garantia dos direitos de
educandos com necessidades educacionais especiais ao acesso e permanência na
escola. Desse modo, compreendem-se por necessidades educacionais especiais as
condições diferenciadas que o educando estabelece com o seu processo de ensino-
aprendizagem e que podem ser decorrentes de causas orgânicas, aspectos
socioeconômicos, altas habilidades/superdotação e dificuldades acentuadas de
aprendizagem.
A presente dissertação analisa a implementação da proposta de inclusão
escolar no município de Franca – SP. O recorte recaiu sobre as séries iniciais do 1 Os nomes dos sujeitos são fictícios.
17
Ensino Fundamental (1º ano ao 5º ano), pois dos 319 educandos com necessidades
educacionais especiais regularmente matriculados, que apresentaram laudo médico
e frequentam o Atendimento Educacional Especializado, 222 estão nas séries
iniciais do Ensino Fundamental.
Ao realizar uma maior aproximação da realidade educacional do município,
constatou-se que o público-alvo das suas propostas inclusivistas são os educandos
com deficiência, sendo esta a delimitação mais específica para o direcionamento
teórico, conceitual e analítico do presente trabalho, pois orientou a pesquisa para a
compreensão das deficiências, da história da educação de educandos com
deficiências e das posturas sociais e políticas que foram e são assumidas para a
inclusão de pessoas com deficiência em todos os ambientes sociais.
O estudo teve como objetivo principal analisar e compreender as relações
estabelecidas entre as propostas municipais para a Educação Inclusiva e o que se
concretiza no ambiente escolar, principalmente na sala de aula, tendo como
objetivos específicos:
• Verificar a influência que as políticas públicas internacionais,
nacionais e estaduais exercem nas diretrizes municipais para a
inclusão escolar.
• Analisar os aspectos socioculturais que permeiam a questão da
inclusão, não só no ambiente escolar, mas na comunidade que o
cerca.
Para que esses objetivos fossem alcançados, a presente dissertação foi
organizada em cinco capítulos. O primeiro capítulo “Da Educação Especial”
apresenta a trajetória histórica da educação dos deficientes, focando mais
especificamente a história da Educação Especial no Brasil. Este capítulo
proporciona ao leitor, a contextualização da temática e a compreensão de como a
educação do deficiente foi estruturada desde suas concepções iniciais até a sua
inclusão nos sistema educacional geral. Apresenta-se a construção de aspectos
pedagógicos que contribuíram para o pensar das deficiências e suas possibilidades
de aprendizagem, relacionando-as com o histórico da Educação Especial no Brasil e
aliando a análise às ações e direcionamentos seguidos para o sistema educacional
geral. Desse modo, objetiva-se compreender a movimentação política e social pelas
quais a Educação Especial passou até deixar de ser encarada como um sistema de
ensino paralelo.
18
O segundo capítulo, “A inclusão como modelo educacional”, discute as
perspectivas educacionais que a proposta de inclusão enseja, tais como, o repensar
da prática docente e sua relação com o educando com necessidades educacionais
especiais, a ressignificação dos paradigmas educacionais no processo de
construção do conhecimento escolar, as reformulações sobre o pensar dos
mecanismos de avaliação educacional, a necessidade de formular recursos de
acessibilidade físico/arquitetônica e didática. Para abordar essas temáticas o
capítulo divide-se em três partes: “Os paradigmas educacionais”, “A proposta de
inclusão escolar” e “As práticas educacionais”.
No terceiro capítulo foram analisadas as políticas públicas para a inclusão
escolar em três esferas: a internacional, a nacional e a do Estado de São Paulo. A
proposta de inclusão escolar ganhou destaque no decorrer da década de 1990 e
início da década de 2000 no contexto das políticas públicas educacionais, não só no
âmbito nacional, mas também mundial, tornando necessária a compreensão da
inter-relação entre os aspectos globais e locais. Sabe-se da grande quantidade de
documentos existentes com relação à temática, porém, para o presente trabalho
analisou-se somente os que são referenciados pelas políticas e propostas do
município de Franca – SP.
Na esfera internacional analisou-se inicialmente a Declaração Mundial sobre
Educação Para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994). No âmbito
Federal estudou-se a Constituição Federal (1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional nº 9394/96 (1996), evidenciando os aspectos relativos
principalmente à descentralização da educação. Foi analisada também a Lei nº
10.172 de 2001 que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), a Resolução
CEB/CNE nº 2 de 2001 que regulamentou as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica e a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (2007). Já no Estado de São Paulo analisou-se a
Resolução SE nº 11 de 2008.
A fim de complementar a pesquisa documental, foram analisados alguns
Decretos e Resoluções pertinentes à temática que foram promulgados a nível
Internacional e Federal e que balizam as atuações nas três esferas governamentais
brasileiras. São eles: a Convenção Interamericana para a eliminação de todas as
formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência (1999), a Carta
para o Terceiro Milênio (1999), a Declaração Internacional de Montreal sobre
19
Inclusão (2001), a Lei nº 8.069/90 que implementa o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), a Lei número 10.098 de dezembro de 2000 que dispõe sobre a
Acessibilidade e a Lei número 10.436, de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS).
O quarto capítulo intitula-se “O município de Franca – SP” e tem por objetivo
compreender o universo estudado. Discutiu-se o papel do município no cenário
educacional brasileiro. Neste capítulo, também foi analisada a Lei Orgânica
Municipal e seus direcionamentos para o campo educacional, o histórico da
municipalização do ensino na cidade e, por fim, a proposta municipal para a
educação, materializada no Referencial Curricular da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental das Escolas Públicas municipais de Franca (2008).
O quinto capítulo, “A pesquisa de campo”, mostra a metodologia aplicada
para o desenvolvimento do trabalho, a apresentação e a voz dos sujeitos da
pesquisa e o cenário que foi analisado. As observações participantes foram
realizadas em duas escolas municipais de Franca – SP, sendo uma com recursos
físico/arquitetônicos e materiais necessários para a efetivação da proposta de
inclusão escolar e outra sem esses recursos, o que possibilitou a compreensão de
como a inclusão escolar se estrutura em ambientes diversos e quais os mecanismos
adotados pelos gestores e educadores para que todos os educandos com
necessidades educacionais especiais desenvolvam-se plenamente.
É nas Considerações Finais, construída a partir das constatações empíricas e
reflexões teóricas realizadas no decorrer da investigação, que se enfatizou as
perspectivas para a inclusão escolar no cenário educacional brasileiro, bem como os
desafios encontrados nas pesquisas educacionais e os entraves para o
desenvolvimento de pesquisas educacionais no Brasil, relacionando essas
perspectivas às relações que as políticas públicas educacionais estabelecem com a
prática e a realidade educacional.
21
O presente capítulo tem o propósito de apresentar um breve histórico da
Educação Especial no Brasil, traçando os caminhos que levaram à adoção do
modelo de educação inclusiva no país.
A contextualização da temática é fundamental para que se possa
compreender a inclusão escolar como um processo que foi construído ao longo de
uma trajetória de lutas e reivindicações sociais. É Mazzotta (2005, p. 15), quem
reflete sobre a importância de tal enfoque,
Ignorando sua longa construção sociocultural, muitos têm sido os que entendem a situação atual como resultado exclusivo de suas próprias ações ou de contemporâneos seus. Em razão disso, é extremamente valioso clarificar alguns momentos da evolução das atitudes sociais e sua materialização, particularmente aquelas voltadas para a educação dos portadores de deficiências.
Para Jannuzzi (2006) o modo de se pensar e de se agir com o diferente,
depende da organização social como um todo, em íntima relação com as
descobertas das diversas ciências, das crenças e das ideologias apreendidas pela
complexidade da individualidade humana.
Dentro dessa prerrogativa, a educação do deficiente também depende da
organização e da dinâmica social na qual ele está inserido. Significar os caminhos
que o olhar acerca da deficiência percorreu e consequentemente os caminhos que a
Educação Especial percorreu até ser vista como parte integrante da Educação
Geral, contribui para a compreensão do modo como a sociedade atual se posiciona
frente às problemáticas que envolvem o respeito à diversidade e à diferença.
Nessa perspectiva, faz-se necessário discutir sobre os conceitos que são
fundamentais para o entendimento das modificações que o atendimento às pessoas
com deficiência sofreu ao longo de sua trajetória. Sassaki (1997) afirma que os
conceitos inclusivistas surgiram lentamente, a partir de conceitos que hoje podemos
chamar de conceitos pré-inclusivistas e refletem posicionamentos e as ações da
época em que foram elaborados. Esses conceitos são encontrados nas concepções
políticas e pedagógicas que direcionaram o atendimento educacional aos deficientes
e permeiam até os dias de hoje a prática educacional no interior da sala de aula.
Ao se aliar a utilização dos conceitos, com a história da Educação Especial no
Brasil, compreende-se como as políticas educacionais para o setor foram
elaboradas, considerando a relação dinâmica e intrínseca que há entre a
necessidade prática e a teórica.
22
[...] somente quando o “clima social” 2 apresentou as condições favoráveis é que determinadas pessoas, homens ou mulheres, leigos ou profissionais, portadores de deficiência ou não, despontaram como líderes da sociedade em que viviam, para sensibilizar, impulsionar, propor, organizar medidas para o atendimento às pessoas portadoras de deficiência. (MAZZOTTA, 2005, p. 16-17).
Por se tratar de uma temática que envolve diretamente a dinâmica social, os
conceitos e práticas estão interligados. Partindo desta perspectiva, Glat e Blanco
(2007, p. 19) evidenciaram a importância de focar a análise histórica linear com um
olhar dialético, pois, “[...] um paradigma não se esgota com a introdução de uma
nova proposta, e, na prática, todos esses modelos coexistem, em diferentes
configurações, nas redes educacionais de nosso país.”
O texto analisa a história da educação especial no Brasil, relacionando os
aspectos socais, políticos e pedagógicos para esse nível educacional. Desse modo,
fundamenta-se a base que irá proporcionar a compreensão dos aspectos
socioculturais e políticos que estruturaram o atendimento educacional do aluno com
deficiência e consequentemente do conceito de inclusão escolar que serão
discutidos nos próximos capítulos.
Segundo Mazzotta (2005), a Educação Especial no Brasil, desde seus
primórdios passou por modificações significativas, em parte determinadas pela luta
de pessoas direta ou indiretamente envolvidas com a questão e em parte por
contribuições diretas de ações governamentais.
Esse nível de Educação, tradicionalmente se configurou como um sistema
paralelo e segregado de ensino, voltado ao atendimento especializado de pessoas
com deficiências, distúrbios graves de aprendizagem e de comportamento e altas
habilidades ou superdotação.
Ao percorrer os caminhos da institucionalização da Educação Especial no
Brasil, pode-se constatar que a mesma configurou-se como um serviço
especializado por agrupar profissionais, técnicas, recursos e metodologias
específicas para cada uma dessas áreas. Sua estruturação iniciou em meados do
2 O autor entende como clima social “[...] o conjunto de crenças, valores, ideias, conhecimentos, meios materiais e políticos de uma sociedade em um dado momento histórico” (MAZZOTTA, 2005, p. 16), e essa será a concepção adotada no presente trabalho.
23
século XIX, com a organização de serviços para o atendimento a cegos, surdos e
deficientes físicos3.
Essa concepção de Educação Especial caracterizou-se pela segregação
institucional que era praticada, tendo como pressuposto a ideia de “[...] prover,
dentro das instituições, todos os serviços possíveis já que a sociedade não aceitava
receber pessoas com deficiência nos serviços existentes na comunidade.”
(SASSAKI, 1997, p. 29-30). Para Aranha (2004) essa maneira de estruturar a
Educação Especial ficou conhecida como o paradigma da institucionalização, o qual
se fundamentava na crença de que a pessoa diferente seria melhor cuidada e
protegida se fosse confinada em um ambiente segregado e construído à parte da
sociedade.
Tendo como marco fundamental a criação do “Instituto dos Meninos Cegos” e
a criação do “Instituto dos Surdos-Mudos”, a Educação Especial no Brasil era
orientada por ações em torno da deficiência e embasada nos pressupostos médicos
que se pautavam no defeito e na deficiência em si mesma, procurando respostas em
teorias educacionais sensoralistas vindas principalmente da França, país procurado
pelas elites que lá iam estudar.
No dia 12 de setembro de 1854, D. Pedro II, por meio do Decreto Imperial nº
1428, fundou na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
A fundação do Imperial Instituto deveu-se em grande parte, a um cego brasileiro, José Álvares de Azevedo, que estudara no Instituto dos Jovens Cegos de Paris, fundado por Valentin Haüy no século XVIII. Por ter obtido muito sucesso na educação de Adélia Sigaud, filha do Dr. José F. Xavier Sigaud, médico da família Imperial, José Álvares de Azevedo despertou a atenção e o interesse do Ministro do Império, Conselheiro Couto Ferraz. Sob a influência de Couto Ferraz, D. Pedro criou tal Instituto que foi inaugurado dia 17 de setembro de 1854, cinco dias após a sua criação. (MAZZOTTA, 2005, p. 28).
O Imperial Instituto destinava-se ao ensino primário e alguns ramos do
secundário, ensino de educação moral e religiosa, de música, ofícios fabris e
trabalhos manuais. Sob o regime de internato, o Imperial Instituto dava aos seus
alunos a possibilidade de serem repetidores, e após o exercício de dois anos nessa
função, o direito de trabalharem como professores da instituição. Dessa maneira, os
alunos formavam-se e permaneciam no Imperial Instituto sob a tutela do Estado.
3 Mazzotta (2005) nos mostra que até a década de 1950 do século XX, as iniciativas voltadas ao atendimento de deficientes eram isoladas, refletindo o interesse de alguns educadores pelo atendimento educacional de pessoas com deficiência.
24
Nota-se nesse período que a possibilidade de trabalharem e se desenvolverem era
percebida como um favor cedido pelo Estado.
Em 17 de maio de 1890, já no governo republicano, o Imperial Instituto
passou a chamar-se Instituto Nacional dos Cegos pelo Decreto nº 408 e, em 24 de
janeiro de 1891, pelo Decreto nº 1320, a escola passou a denominar-se Instituto
Benjamin Constant (IBC), nome adotado até os dias de hoje, em homenagem a
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, ex-professor de matemática e ex-diretor
do Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
Ainda durante o governo de D. Pedro II, em 26 de setembro de 1857, pela Lei
nº 839, foi fundado na capital do Brasil, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, que
teve sua denominação modificada para Instituto Nacional dos Surdos-Mudos e, em
1957 pela Lei nº 3198 passou a se chamar Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES).
O Instituto Nacional de Educação de Surdos exerce suas atividades até hoje
na cidade do Rio de Janeiro. Sua criação ocorreu graças ao empenho de Edouard
Hüet, educador francês com surdez congênita e professor do ensino emendativo do
Instituto de Bourges, na França. Hüet chegou ao Brasil em 1855, recomendado pelo
Ministro da Instrução Pública da França e, com o apoio do embaixador da França no
Brasil, Monsieur Saint George, aproximou-se do Marques de Abrantes que o
apresentou a D. Pedro II. O Imperador, interessado pelos planos que Hüet tinha para
a educação de surdos-mudos, permitiu a criação e o desenvolvimento de tal Instituto
que se caracterizou como um estabelecimento educacional voltado para a educação
literária e o ensino profissionalizante de meninos surdos-mudos, com idade entre 7 e
14 anos.
[...] essas duas instituições para deficientes foram intermediadas por vultos importantes da época, que procuraram transmitir ensinamentos especializados aceitos como fundamentais para esse alunado, e ficaram diretamente ligadas à administração pública. O atendimento era precário, visto que em 1874 atendiam 35 alunos cegos e 17 surdos, numa população que em 1872 era de 15.848 cegos e 11.595 surdos; porém, abriram alguma possibilidade para a discussão dessa educação, no I Congresso de Instrução Pública, em 1883, convocado pelo Imperador em 12 de dezembro de 1882. Entre os temas desse Congresso constava a sugestão de currículo de formação de professor para cegos e surdos. (JANNUZZI, 2006, p. 14-15).
Como salientado por Jannuzzi (2006), os Institutos foram criados por
influência dos chamados notáveis, homens ligados diretamente à figura do
25
Imperador e que com seus estudos na Europa, tomaram as primeiras iniciativas para
viabilizar o atendimento educacional às pessoas deficientes no Brasil. Importa
ressaltar que mesmo que a Educação do deficiente tenha se iniciado, ela refletia a
situação do sistema educacional geral desse período, que reportava a um amparo
governamental quase inexistente e mantenedor dos mesmos mecanismos que
marcaram o período colonial, ou seja, uma sociedade majoritariamente rural e uma
elite agrária atrelada diretamente ao poder. Nessa época o ensino fundamental
destinado ao povo era precário, visto que não havia pressão social para sua
efetivação, uma vez que a elite no poder resolvia o problema educacional por meio
do ensino domiciliar, contratando professores particulares.
A educação popular e muito menos a dos deficientes, não era motivo de preocupação. Na sociedade ainda pouco urbanizada, apoiada no setor rural, primitivamente aparelhado, provavelmente poucos eram considerados deficientes; havia lugar, havia alguma tarefa que muitos deles executassem. A população era iletrada na sua maior parte, as escolas eram escassas, como já foi salientado, e dado que só recorriam a ela as camadas sociais alta e média, a escola não funcionou como crivo, como elemento de penetração de deficiências. [...] Certamente só as crianças mais lesadas despertavam alguma atenção e eram recolhidas em algumas instituições. (JANNUZZI, 2006, p. 16, destaque do autor).
Com a Proclamação da República (1889), o federalismo adotado pela
Constituição de 1891 proporcionou certo grau de independência para os estados
brasileiros. No âmbito educacional, cada estado podia desenvolver sua organização
escolar, sendo que o Congresso Federal ainda tinha o direito de criar Instituições de
Ensino Superior e secundário nos estados, ficando o ensino primário inteiramente a
cargo estadual. Alguns estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de
Janeiro buscaram desenvolver a educação primária por meio do aumento de verbas
para o setor. No que se refere à educação do deficiente inicia-se uma estruturação
tímida nesses estados4.
Até o início do século XX, poucos são os registros de instituições
educacionais que prestavam atendimento a deficientes, prevalecendo o atendimento
segregado em classes anexas a hospitais, asilos e hospitais psiquiátricos5.
4 O Instituto Benjamin Constan (IBC) e o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM) foram ligados diretamente ao poder central até o ano de 1973. Isso resultou em benefícios financeiros para ambos, sendo que em 1891 os Institutos receberam juntos um verba de 251.000$000 contos de réis, quantia essa que ultrapassou a designada para a Escola Superior de Minas (Ouro Preto), 221.000$000 contos de réis.
5 Para maiores informações consultar Jannuzzi (2006) e Mazzotta (2005).
26
Sob esse enfoque o olhar médico tinha precedência: a deficiência era entendida como uma doença crônica, e todo o atendimento prestado a essa clientela, mesmo quando envolvia área educacional, era considerado pelo viés terapêutico. A avaliação e a identificação eram pautadas em exames médicos e psicológicos com ênfase em testes projetivos e de inteligência, e rígida classificação etiológica. (GLAT; BLANCO, 2007, p. 19).
Se, de um lado, os profissionais vão refletindo as expectativas da sociedade
vigente na época, justificando a separação do deficiente por meio do discurso
médico-pedagógico, por outro lado, a atenção à deficiência começa a tornar possível
a vida dos mais prejudicados, juntamente com a família e outros setores da
sociedade por meio do desenvolvimento de conhecimentos mais sistematizados e
voltados para a compreensão das deficiências. Para Jannuzzi (2006, p. 38),
Há a apresentação de algo esperançoso, de algo diferente, alguma tentativa de não limitar o auxílio a essas crianças apenas ao campo médico, à aplicação de fórmulas químicas ou outros tratamentos mais drásticos. Já era a percepção da importância da educação; era o desafio trazido ao campo pedagógico, em sistematizar conhecimentos que fizessem dessas crianças, participantes de alguma forma da vida do grupo social de então. Daí as viabilizações possíveis, desde a formação dos hábitos de higiene, de alimentação, de tentar se vestir, etc. necessários ao convívio social. Elas colocam de forma mais dramática o que se vai estabelecendo na educação do deficiente: segregação versus integração na prática social mais ampla.
O fortalecimento das discussões acerca da educação de deficientes no Brasil
pode ser evidenciado por meio de publicações e estudos para apontar e definir
medidas para o setor. Segundo Mazzotta (2005, p. 30-31):
Alguns importantes indicadores do interesse da sociedade para com a educação dos portadores de deficiência, no começo do século XX, são os trabalhos científicos e técnicos publicados. Como exemplo cabe destacar que, em 1900, durante o 4º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, no Rio de Janeiro, o Dr. Carlos Eiras apresentou a monografia intitulada Da Educação e Tratamento Médico-Pedagógico dos Idiotas. Por volta de 1915 foram publicados três outros importantes trabalhos sobre a educação de deficientes mentais: A Educação da Infância Anormal no Brasil, de autoria do Professor Clementino Quaglio, de São Paulo, e Tratamento e Educação das Crianças Anormais da Inteligência e A Educação da Infância Anormal e das Crianças Mentalmente Atrasadas na América Latina, obras de Basílio de Magalhães, do Rio de Janeiro. Na década de vinte, o importante livro do Professor Norberto de Souza Pinto, de Campinas (SP), intitulado Infância Retardatária.
Esses trabalhos contribuíram para a compreensão da deficiência e
aprofundaram as considerações acerca da deficiência mental. As obras acima
27
mencionadas discutiam o grau de alguns parâmetros de anormalidade e de
diferenciação de alunos nas escolas primárias do Brasil.
Essa postura refletia o momento histórico da Primeira República que tinha como
conceito de anormalidade os indivíduos que de alguma maneira perturbavam a ordem
vigente. Em uma época em que a urbanização começou a se estruturar, começou a se
atentar também para as diferenças que não eram perceptíveis em uma primeira
impressão. Mesmo de modo tímido, a educação primária foi crescendo, o que
possibilitou a percepção do diferente no sistema escolar. Isso não significou
automaticamente que os considerados anormais fossem assim considerados por
apresentarem alguma patologia. Para Glat (2007) os conteúdos escolares abordados
nas escolas primárias refletiam os anseios das camadas com maior poder aquisitivo,
não possibilitando a assimilação rápida e adequada aos recém-chegados nas classes
escolares, o que, de certo modo, contribuía para a classificação de anormalidade para
alunos que não acompanhavam os conteúdos escolares.
Nessa época, a educação no Brasil sofreu grande influência do movimento da
Escola Nova, movimento este que enfatizava a atenção às diferenças individuais nos
sistemas escolares. Essa teoria também foi muito influenciada por educadores que
trabalharam com crianças deficientes, tais como Maria Montessori e Ovide Decroly
e, no que se referia à Educação Especial, fez-se presente principalmente na
educação dos deficientes mentais, destacando a importância da metodologia de
ensino e da preocupação com o diagnóstico e os testes de inteligência. Toda
preocupação com testes de inteligência foi ampliada a partir de 1920 com a intenção
de valorizar e desenvolver a educação do considerado normal, servindo para a
exclusão do considerado anormal.
Segundo Jannuzzi (2006, p. 24),
Profissionais diversos como médicos, psicólogos, professores vão atuando na área, estruturando no fim dos anos de 1920 a base de associações profissionais que, de maneira ambígua e imprecisa, foram criando um campo de reflexão à procura de um espaço efetivo para a concretização de sua ação pedagógica.
Na década de 1930, com o início do envolvimento da psicologia no campo
educacional, houve uma singela alteração no modo de se encarar e atender a
deficiência. Isso se deveu principalmente pela atuação de Helena Antipoff, pedagoga
russa residente na França e que veio ao Brasil a convite do Governador de Minas
Gerais. Helena Antipoff ajudou a fundar a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais
28
(1935)6, organizou oficinas pedagógicas de trabalho, enfatizou a importância do uso
de métodos e técnicas de ensino. Com os trabalhos dessa educadora, iniciou-se
mais sistematicamente a educação dos considerados deficientes mentais.
A influência psicopedagógica não descentralizava o enfoque na deficiência,
mas de certa forma tentava abrandar o enfoque médico, intensificando o ensino para
deficientes menos comprometidos em escolas públicas. Muitos autores passaram a
utilizar o termo ensino emendativo para fazer referência ao público da educação
especial, termo esse que significava corrigir falta, tirar defeito e que no contexto da
educação geral da época tinha a função de suprir falhas decorrentes da anormalidade,
buscando adaptar o educando ao nível social dos considerados normais.
A partir de 1930, a sociedade civil começa a organizar-se em associações de pessoas preocupadas com o problema da deficiência; a esfera governamental prossegue em desencadear algumas ações visando à peculiaridade desse alunado, criando escolas junto a hospitais e ao ensino regular; outras entidades filantrópicas especializadas continuam sendo fundadas; há surgimento de formas diferenciadas em clínicas, institutos psicopedagógicos e centros de reabilitação, geralmente particulares, a partir de 1950, principalmente. (JANNUZZI, 2006, p. 68).
No que se refere à posição do Estado brasileiro frente à educação do
deficiente, nota-se que esta ainda não era considerada problema nacional, o que
acontecia também com a educação popular. A primeira reforma em âmbito nacional,
a Reforma Francisco Campos (1931), contemplou principalmente o ensino superior,
comercial e secundário, e criou o Conselho Nacional de Educação para assessorar o
ministro da administração e direção da educação nacional, deixando de lado o
ensino primário e nem se referindo à educação especial.
Na Constituição Nacional de 1934, o deficiente não é mencionado, mas o
artigo 149 deste dispositivo legal, afirmava que a educação era direito de todos,
gratuita e obrigatória a todos os brasileiros. Porém, nota-se que pouco esforço foi
feito para que a mesma acontecesse de modo amplo e efetivo, mesmo que as
mudanças na organização social e econômica do Brasil demandassem uma atenção
maior à educação popular devido ao desenvolvimento da industrialização, surgindo a
6 Em 1926, um casal de professores criou a primeira instituição para atendimento de deficientes mentais no Estado do Rio Grande do Sul. Chamado Instituto Pestalozzi, foi inspirado pela Pedagogia Social do educador suíço Henrique Pestalozzi e foi o precursor da criação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (1935), Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro (1948) e Sociedade Pestalozzi de São Paulo (1952), demonstrando a organização e a iniciativa da sociedade civil para com o atendimento de pessoas deficientes.
29
necessidade de ler, escrever e contar para ocupar os novos empregos que surgiam,
ou simplesmente para morar nas cidades.
Até esse período, o discurso sobre o atendimento educacional do deficiente,
como será visto ao longo da história da Educação Especial no Brasil, foi realizado
com muita ambiguidade, principalmente no que se referia à responsabilidade desse
atendimento. Exemplo dessa afirmação estava nos argumentos utilizados pelo
presidente Epitácio Pessoa em 1919, ao dizer que o atendimento dessas pessoas
deveria ser encarado como serviço de assistência pública, sob a responsabilidade
do Conselho Administrativo do Patrimônio e Superintendência do Ministério dos
Negócios Interiores. Da mesma maneira, Getúlio Vargas em 1937 afirmou que o
ensino emendativo, de aplicação difícil e restrita, também vai receber ampliações,
abrangendo os fisicamente anormais, os retardados de inteligência e os inadaptados
morais. Segundo Jannuzzi (2006), embora a promessa não fosse cumprida, o
presidente continuou sem clareza quanto à esfera própria desse atendimento, visto
que prescreveu que no ensino dos anormais de inteligência, a ação do poder público
seria realizada de acordo com as normas fixadas pelo Instituto Nacional de
Pedagogia, em conexão com o serviço de Assistência a Psicopatas, sendo que os
inadaptados morais ficariam a cargo do Ministério da Justiça.
Na década de 1940, as ações educacionais relacionadas à deficiência
mantiveram o mesmo viés das décadas anteriores, porém, no que se refere ao ensino
primário, considera-se importante destacar a criação do Fundo Nacional do Ensino
Primário (FNEP), em 1942, que começou a operar em 1946 e que regulamentava a
distribuição de verba para o ensino primário em todo o território nacional. Segundo
Paiva (2003), a regulamentação do FNEP deu início ao período de auxílio do Governo
Central aos Estados para a difusão do ensino primário, arcando a União com as
despesas relativas às construções escolares e à qualificação do corpo técnico e os
Estados com a manutenção das unidades escolares.
Encerrava-se, assim, a tradicional luta em favor da ajuda federal ao ensino primário, num momento em que já ninguém duvidava da necessidade de expansão desse nível de ensino, cuja situação, mostravam os dados do INEP7, era muito precária8. (PAIVA, 2003, p. 154).
7 Em 1947 foi criado o Instituto Nacional de Pedagogia, mais tarde Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), para centralizar informações e promover estudos sobre educação.
8 Segundo dados do INEP, em 1946 havia cerca de 23 milhões e 200 mil menores de 18 anos, quase 50 % da população dessa faixa etária, sem acesso ao ensino primário, ou com o mesmo incompleto.
30
Essa atuação do governo central junto à educação popular deu início à
criação e implementação de Campanhas voltadas ao desenvolvimento de setores
educacionais até então defasados. As Campanhas9 foram criadas na década de
1950 para aperfeiçoar diversos setores educacionais, tais como a Educação rural e
educação pré-escolar e possibilitaram, mesmo que de modo superficial, a criação de
uma estrutura burocrática e ampla para desenvolver os setores mais esquecidos e
escondidos da educação brasileira.
É nessa perspectiva que Mazzotta (2005) enfatiza que o atendimento
educacional dos excepcionais foi explicitamente assumido, a nível nacional, pelo
governo federal, com a criação de Campanhas especificamente voltadas para este
fim. Tais Campanhas vieram em razão da necessidade de expansão dos serviços de
atendimento educacional especial. Importa ressaltar que quando a primeira
Campanha para a Educação Especial foi proposta, as Campanhas com foco na
educação popular comum já estavam amortecidas e eram criticadas por não
resultarem em ações amplas e realmente efetivas.
A primeira Campanha para a educação do deficiente foi lançada pelo Decreto
Federal nº 42.728 de 3 de dezembro de 1957 e foi denominada Campanha para a
Educação do Surdo Brasileiro (CESB), que tinha por “[...] finalidade promover, por
todos os meios a seu alcance, as medidas necessárias à educação e assistência,
no mais amplo sentido em Todo o Território Nacional.” (MAZZOTTA, 2005, p. 49).
Em 1958, pelo Decreto Federal nº 44.236 de 1º de agosto, foi criada a
Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, vinculada
ao Instituto Benjamin Constant. Segundo Mazzotta (2005), em 1960 essa Campanha
deixou de ser vinculada ao Instituto e passou a chamar-se Campanha Nacional de
Educação de Cegos (CENEC) vinculada diretamente ao Gabinete do Ministro de
Educação e Cultura. A proposta dessa Campanha era educar e reabilitar os
deficitários da visão, manter e instalar Centros de Reabilitação e Oficinas
Protegidas, Programa de Reabilitação Domiciliar, integrá-los ao comércio,
agricultura, indústria, atividades artísticas e educativas, tanto em instituições
privadas quanto públicas, formação de pessoal especializado e atendimento médico-
pedagógico e médico-social.
9 Entre elas destaca-se a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), Campanha Nacional de Educação Rural (CNER). Tais Campanhas tinham o objetivo de promover o desenvolvimento educacional em setores que estavam defasados e para isso necessitavam de parcerias entre sociedade civil e governo para o financiamento.
31
No ano de 1960, outra Campanha foi instituída por influência dos movimentos
liderados pela Sociedade Pestalozzi e pela Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais, ambas do Rio de Janeiro. Denominada Campanha Nacional de
Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (CADEME), foi subordinada ao
Ministério da Educação e tinha por “[...] finalidade, promover em todo o território
nacional, a educação, treinamento, reabilitação e assistência educacional das
crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo.”
(MAZZOTTA, 2005, p. 91).
As Campanhas realizadas na área da deficiência vão chamando a atenção
para o problema10 e, segundo Jannuzzi (2006, p. 90),
Era uma forma conveniente de o governo baratear sua atuação, uma vez que aceitava voluntariado, verba vinda de donativos nacionais e estrangeiros ou de serviços prestados pela própria campanha, o que poderia amortecer os gastos públicos com o setor, sem que se pudesse afirmar completa ausência de seu envolvimento.
Essas Campanhas foram perdendo forças por causa do seu caráter
filantrópico, pela pouca abrangência que tiveram e por não resultarem em ações
significativas, sendo extintas pelo governo federal em 1963.
As esferas particulares, principalmente a sociedade civil, continuaram sendo
determinantes para o desenvolvimento desse nível de educação e objetivaram o
cumprimento de garantias para atender as especificidades das deficiências. O
enfoque médico e o psicopedagógico permaneceram no cenário educacional da
Educação Especial brasileira até a década de 1970, por meio da criação, pela
sociedade civil, de centros de reabilitação, clínicas psicopedagógicas, tendo
continuidade as classes anexas a hospitais e serviços geralmente privados que
empregavam profissionais da área da saúde e educação. Durante a década de
1950, mesmo com a ação das Campanhas, a escassez de serviços e o descaso do
poder público de modo geral, deram origem a movimentos comunitários que
culminaram com a implantação de redes de escolas especiais privadas filantrópicas
para aqueles que sempre estiveram excluídos das escolas comuns.
10 O censo de 1956 revelou a “[...] existência de 100 mil cegos e 50 mil surdos no país, dentre os quais apenas 0,3% e 1,5 % recebiam educação oficial sistemática” (JANNUZZI, 2006, p. 71). Até 1950, havia cinquenta e quatro instituições de ensino regular que prestavam algum tipo de atendimento especializado, sendo quarenta voltadas para deficientes mentais e catorze que atendiam também alunos com outras deficiências. Havia também três instituições especializadas que atendiam deficientes mentais e oito que se dedicavam ao atendimento de outros deficientes.
32
Dentre as instituições não governamentais criadas na década de 1950,
destacou-se a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), por ser
representativa até os dias de hoje em nossa sociedade, além de ter sido fundada em
um momento em que a institucionalização da educação especial e dos
procedimentos de reabilitação se fortaleciam e passar por inúmeras adaptações
devido às mudanças que ocorreram nas políticas educacionais brasileiras.
A primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) do Brasil
foi fundada na cidade do Rio de Janeiro em 11 de dezembro de 1954, sob influência
do casal norte-americano Beatrice e George Bemis, membros da National
Association for Retarded Children (NARC) associação fundada em 1950 nos
Estados Unidos. No dia 4 de abril de 1961, foi fundada a APAE São Paulo, como
entidade particular, assistencial e sem fim lucrativo, com o objetivo de cuidar dos
problemas relacionados com o excepcional deficiente mental. Atuantes até os dias
de hoje, as APAEs do Rio de Janeiro e de São Paulo deram impulso à criação de
mais de 2.000 Associações filiadas na Federação Nacional das APAEs.
No mesmo ano da fundação da primeira APAE, foi criado o Conselho
Brasileiro para o Bem-estar dos Cegos, fundado a partir da organização dos
deficientes, mostrando assim o fortalecimento da ação dos mesmos para a criação e
garantia de seus direitos.
A década de 1960 foi marcada por mudanças socioeconômicas no país.
Essas mudanças refletiram um gradativo aumento da oferta de ensino, a fim de
corresponder às perspectivas desenvolvimentistas da sociedade da época.
Pensava-se na sistematização e organização do ensino em função das
necessidades de mão de obra para as indústrias.
No dia 20 de dezembro de 1961 foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional nº 4.02411. Neste dispositivo legal ficou destinado à
Educação Especial o Título X, com dois artigos destacados da Educação de
Primeiro Grau, evidenciando a necessidade de se refletir acerca da Educação
Especial no cenário nacional ainda que de modo precário. Nesse Título lê-se:
Título X – Da Educação de Excepcionais
Art. 88° - A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade.
11 A LDB nº 4.024 demorou treze anos para ser votada, demonstrando de certo modo o início de um debate político-ideológico mais profundo no que se referia aos rumos da educação brasileira.
33
Art. 89° - Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções. (BRASIL, 1961, online).
Nota-se que à Educação Especial ficaram relegadas possibilidades para que
ela ocorresse. Segundo Edler Carvalho (1997, p. 65), ao dizer que “[...] deve, no
que for possível, enquadrar-se ao sistema geral de ensino.”, partia-se do
pressuposto de que havia uma possibilidade desse nível de ensino não obter
sucesso no sistema geral de educação, ou ainda, poderia interpretá-la no sentido de
que a Educação Especial ainda não fazia parte do sistema geral de educação, que
deveria abarcar todos os serviços educacionais comuns e especiais. Outra
interpretação ainda é cabível ao texto da referida lei:
[...] quando não for possível à educação de excepcionais enquadrar-se no sistema geral de educação, que ela constitua um subsistema especial de educação, à margem do sistema geral e independente dos demais níveis educativos. (CARVALHO, R. E., 1997, p. 65).
Já no artigo 89° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024
ficou claro a postura do Estado, que se eximiu de assumir sua responsabilidade
frente à Educação Especial, passando-a para ONGs e instituições particulares. Tais
instituições legitimaram-se, recebendo como reconhecimento de sua
representatividade, incentivos financeiros advindos do poder público por meio de
convênios e parcerias, o que reforçou em grande parte a trajetória que a educação
especial seguiu ao longo de sua construção, ou seja, observou-se o afastamento do
Estado na caracterização das condições educacionais necessárias ao atendimento do
alunado da educação especial, relegando este a setores particulares. Com essa
postura,
O que não ficou claro foi a natureza dos serviços educacionais a serem oferecidos, nem seus vínculos com o sistema geral de educação. O tratamento especial a elas preconizado sob as formas de bolsa de estudo, empréstimos e subvenções gerou muita polêmica, principalmente pela indefinição das ações educativas oferecidas e dos critérios de eficiência e da iniciativa privada e relativa à educação de excepcionais. (CARVALHO, R. E., 1997, p. 66).
Apesar dos contrastes, o referido documento, pelo menos em parte, já
acenava para a oferta do ensino para alunos com necessidades especiais no
sistema geral de ensino. A instituição da obrigatoriedade da escolarização básica foi
um fator que conferiu um “[...] considerável aumento de alunos com deficiência,
34
dificuldade de aprendizagem e outras necessidades especiais na sala de aula
regular.” (FERREIRA, 1993, p. 94). Em contrapartida, o sistema educacional
especializado continuou em expansão, devido principalmente à iniciativa privada.
Em consonância com a Lei nº 4.024/61, foi elaborado no ano de 1962 o
primeiro Plano Nacional de Educação que regulamentou a distribuição de recursos
para o ensino primário, secundário e superior. Esse Plano passou por uma revisão
em 1965, na qual ficaram destinados 5% dos recursos do Fundo Nacional do Ensino
Primário para a educação de excepcionais e bolsas de estudos para crianças
deficientes.
No ano de 1964, ocorreu no Brasil o Golpe Militar estabelecendo a ditadura
até o ano de 1985. Nesse período o Estado deixou de lado o populismo até então
adotado pelos governos anteriores e passou a tomar medidas que infligiam a
liberdade individual por meio de diversos atos institucionais. No que se refere à
Educação, Romanelli (1978) destacou o seu significado mais fortemente relacionado
como fator de desenvolvimento econômico do país, dividindo-o em dois momentos
nitidamente definidos e que estiveram diretamente relacionados às concepções e
práticas das políticas educacionais durante o período ditatorial.
O primeiro corresponde àquele em que se implantou o regime e se traçou a política da recuperação econômica. Ao lado da contenção e da repressão, que bem caracterizavam esta fase, constatou-se uma aceleração do ritmo do crescimento da demanda social de educação, o que provocou, consequentemente, um agravamento da crise do sistema educacional, crise que já vinha de longe. [...] O segundo momento começou com as medidas práticas, a curto prazo, tomadas pelo Governo, para enfrentar a crise, momento que se consubstanciou, depois, no delineamento de uma política de educação que já não via na urgência de se resolverem os problemas imediatos, ditados pela crise, o motivo único para reformar o sistema educacional. (ROMANELLI, 1978, p. 196).
No contexto acima apresentado, foi apenas na década de 1970 que surgiu
uma resposta mais contundente do poder público para a questão da deficiência
(FERREIRA, 1993; MAZZOTTA, 2005; JANNUZZI, 2006). Possivelmente esse
avanço foi decorrência da ampliação do acesso à escola para a população em geral,
da produção do fracasso escolar e da “[...] consequente implantação das classes
especiais nas escolas básicas públicas, na época predominantemente sob a
responsabilidade dos sistemas estaduais.” (FERREIRA, 1993).
No dia 11 de agosto de 1971 foi aprovada a Lei nº 5.692, que teve sua
redação alterada pela Lei nº 7.044 de 18 de outubro de 1982. Esta Lei fixou as
35
Diretrizes e Bases do ensino de 1° e 2° graus tanto comum, quanto especial e
definiu como objetivo geral da Educação no Brasil “[...] proporcionar ao educando a
formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento
de autorrealização, preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania”
(BRASIL, 1971, online). Com relação mais específica à Educação Especial, a
referida Lei dedicou um artigo no Capítulo I que tratava Do Ensino de 1° e 2° Graus:
Art. 9° - Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. (BRASIL, 1971, online).
Edler Carvalho (1997) destacou que a Lei foi alvo de discussões, pois reduziu
a um único artigo as diretrizes para o atendimento de pessoas com necessidades
educacionais especiais diversas, como por exemplo, enquadrar como deficientes
físicos as pessoas que possuem deficiências sensoriais. Outro fator questionável foi
a inserção de alunos com defasagem idade/série na Educação Especial, sem serem
necessariamente deficientes, o que segundo a autora, acarretou em um inchaço nas
classes especiais com alunos que não deveriam ser encaminhados para elas,
gerando muitas vezes o abandono escolar desses alunos por falta de estímulo e
perspectiva de mudança.
A partir da referida Lei, o Conselho Federal de Educação (CFE) na figura de
seu relator Valnir Chagas, emitiu o Parecer nº 848/72 que registrou uma solicitação
do Ministro da Educação e Cultura “[...] no sentido de que forneça subsídios para o
equacionamento do problema relacionado com a educação dos excepcionais.”
(JANNUZZI, 2006, p. 140). Disse o Conselheiro Valnir Chagas (apud CARVALHO,
R. E., 1997, p. 68):
É o tratamento especial do artigo 9°, que de forma alguma dispensa o tratamento regular em tudo que deixe de referir-se à excepcionalidade. Do contrário, ter-se á frustrado o objetivo primeiro da própria educação, que é o ajustamento social do educando. Esse tratamento especial pode ser feito na mesma escola, em seção a ele destinada, ou em outro estabelecimento adrede organizado, segundo o princípio da intercomplementaridade contido no artigo 3° da Lei 5.692. Sua dosagem, por outro lado, será função do grau de desvio para mais ou para menos que o aluno apresente em relação à ‘normalidade’.
Para Mazzotta (2005), o pronunciamento do Conselho Federal de Educação
enfatizou uma abordagem do tratamento especial como medida integrante de uma
36
política educacional que tratou a educação de excepcionais como uma linha de
escolarização, portanto como educação escolar, possibilitando assim, que o
Conselho Federal de Educação assumisse seu papel normativo também com
relação à Educação Especial. Neste sentido, o Conselheiro Valnir Chagas sugeriu
três medidas a nível nacional para viabilizar as aspirações do Conselho.
[...] uma atuação nacional para incremento dessa linha de escolarização deve fixar-se em três pontos fundamentais: a) o desenvolvimento de técnicas a empregar nas várias formas de excepcionalidade; b) o preparo e aperfeiçoamento de pessoal e c) a instalação ou melhoria de escolas ou seções escolares especializadas nos diversos sistemas de ensino. Os dois primeiros terão de apoiar-se grandemente sobre as universidades, cujos programas de ensino e pesquisa, à medida que se amplie a oferta de educação para excepcionais encontrarão um campo ideal para a experimentação e prática nas próprias escolas ou seções especializadas em que se instalem. (MAZZOTTA, 2005, p. 69-70).
Observou-se nesse ponto a influência das Universidades e dos estudos nelas
realizados para o setor12. Ademais, verificou-se também a preocupação voltada à
capacitação de profissionais para o atendimento aos alunos especiais.
Com o intuito de prover e ampliar os meios de acesso à escolarização às
pessoas com deficiência, em 1972 foi criado um Grupo de Trabalho (GT) com a
tarefa de reunir elementos para direcionar a política e as linhas de ação do Governo
Federal na área da educação de excepcionais.
No mesmo ano, para a educação geral, foi instituído o 1º Plano Setorial de
Educação e Cultura (PSEC) que tinha como meta desenvolver a educação brasileira
em todos os seus níveis, priorizando o que até então era defasado. No que se refere
à Educação Especial, o Plano conceituou o seu público, destacando algumas
diretrizes para esse nível de educação.
[...] excepcionais são definidos como os mentalmente deficientes, todas as pessoas fisicamente prejudicadas, os emocionalmente desajustados, enfim, todos os que requerem consideração especial no lar, na escola e na sociedade. São apontadas como diretrizes da educação especial a integração e a racionalização, bem como definidas duas grandes linhas de programação: expansão das oportunidades de atendimento educacional aos excepcionais e apoio técnico para que se ministre a Educação Especial. (MAZZOTTA, 2005, p. 91).
12 Exemplo dessa perspectiva foi a implementação do Programa de Mestrado em Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos, no ano de 1978. Esse foi o primeiro curso de pós-graduação strictu senso específico da área de Educação Especial do país e tinha como área de concentração o ensino de pessoas com deficiência mental.
37
Com referência à integração educacional, destacou-se que essa tendência,
na forma como foi apresentada na pauta dos compromissos oficiais, caracterizou-se
muito mais pela defesa da participação efetiva do indivíduo com deficiência, no
sentido de que este pudesse fazer valer os seus direitos enquanto membro da
sociedade, do que pela integração que representasse a inserção desse indivíduo no
ensino regular.
Seguindo as linhas norteadoras do 1º PSEC, em 1973 foi criado o Centro
Nacional de Educação Especial (CENESP) que, segundo Jannuzzi (2006), tinha
como objetivo promover a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais
em todo o território nacional, implantando subsistemas de Educação Especial nas
diversas redes públicas de ensino através da criação de escolas e classes especiais.
Seguindo a linha de formação de recursos humanos, contida nas políticas para o
setor, o CENESP implementou projetos de capacitação de profissionais
especializados em todos os níveis, inclusive com o envio de docentes de
Universidades para cursos de pós-graduação no exterior, o que contribuiu
efetivamente para o desenvolvimento científico e acadêmico da área. O órgão tinha
autonomia financeira e administrativa e até 1981 era supervisionado pelo MEC,
quando passou a ser fiscalizado pela Secretaria de Ensino de Primeiro e Segundo
Graus (SEPS), vinculada ao MEC.
Para Mendes e Lima (2009), a criação do CENESP em 1973, pode ser
considerada o primeiro passo mais concreto do governo federal para traçar políticas
nacionais para a área, tendo em vista que até sua criação o que ocorria eram
eventos isolados e ações ocasionais no que se referia à educação das pessoas com
deficiência.
Ele foi o primeiro órgão público no âmbito federal, responsável pela regulamentação da política nacional relativa à educação dos considerados “excepcionais”. Sua finalidade era planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da educação especial, do ensino pré-escolar ao superior, inclusive o ensino supletivo, para os diferentes tipos de deficiência e alunos com problemas de conduta e os superdotados. (LIMA, 1998, p. 42).
O CENESP estabeleceu como meta principal para 1974-1978 o apoio técnico
à educação especial treinando técnicos da equipe do MEC e secretarias de
educação e capacitando professores para atuarem diretamente com o público da
38
educação especial em escolas regulares ou especializadas13. A partir de 1979, a
prioridade do órgão era expandir quantitativamente esse nível de educação,
considerando que já existiria um bom respaldo qualitativo para que isso ocorresse.
Segundo Jannuzzi (2006), no que se referiu ao apoio às instituições privadas,
no ano de 1979 o CENESP prestou assistência a 279 instituições, favorecendo o
atendimento às categorias que exigiam assistência especializada, projetos de
construção e propostas curriculares.
Durante toda a sua existência, o CENESP voltou suas ações para a
capacitação de profissionais para atuarem junto à educação de deficientes. O órgão,
em convênio com Universidades Federais, tais como a Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), elaborou
uma série de propostas curriculares específicas, com adaptação de conteúdos
disciplinares e métodos para as diversas categorias de excepcionalidades. Com a
criação desse órgão, ocorreu o fortalecimento de alguns mecanismos de apoio aos
sistemas estaduais de ensino, recursos para a confecção de materiais pedagógicos,
para projetos de profissionalização, para instituições particulares, para formação de
agentes comunitários, seminários, etc.
Paralelamente à atuação do CENESP e direcionado a todos os setores da
educação, o 2º Plano Setorial de Educação e Cultura (PSEC), elaborado no
Ministério da Educação e Cultura para o quinquênio 1975/79, apresentou uma
avaliação geral da situação escolar no país e explicitou que, apesar da expansão do
sistema educacional, existia um descompasso entre a expansão e a demanda por
escolarização, pois essa continuava em níveis bem baixos.
O Plano colocou a educação como um dos fatores de transformação social,
além de instrumento básico para a plena realização do ser humano. Nele a
educação especial aparecia entre as suas prioridades e ações, tendo como objetivo
geral “[...] assegurar igualdade de oportunidades aos educandos que apresentam
condições especiais de desenvolvimento bio-psicológico ou físico [...]” e tinha como
objetivo específico “[...] integrar o excepcional ao sistema regular de ensino, sempre
que for possível, proporcionado-lhe condições de acompanhar o processo
educativo.” (MAZZOTTA, 2005, p. 95).
13 Em 1976, o então presidente Ernesto Gaisel afirmava que foram treinados 135 técnicos e 3.610 professores para garantir a qualidade da expansão da educação especial no país.
39
Como se pode notar, nesse período o poder público começou a direcionar seu
olhar à área da educação especial, principalmente citando-a nos documentos
oficiais, porém, continuou, ainda, a concepção de políticas especiais, com ações
casuísticas, para tratar da educação de alunos com deficiência. Não se observou a
efetivação concreta de políticas públicas com vistas a garantir a universalização do
acesso à educação, principalmente à Educação Especial.
Segundo Ferreira (1998) ampliou-se o número de vagas na Educação Especial
nesta época, mas isso se deu nas instituições filantrópicas e nas classes especiais
recém-criadas nas escolas comuns, destinadas a absorver determinadas categorias
de alunos excepcionais e egressos das classes comuns. Nas instituições filantrópicas,
de forma, segregada ficavam “[...] os alunos considerados portadores de deficiências
leves: os ‘treináveis’, os ‘dependentes’ e uma parcela dos ‘educáveis’ (encaminhados
inclusive pelas escolas públicas regulares).” (FERREIRA, 1998, p. 89, destaque do
autor).
Mendes (2002, p. 63) ao contextualizar o paradigma da integração
educacional afirma que:
Na década de 70, houve uma mudança filosófica em direção à ideia de educação integrada, ou seja, escolas comuns passaram a aceitar a ideia de incorporar crianças ou adolescentes deficientes em classes comuns ou, ao menos em classes especiais ou de recursos, em ambientes com o mínimo possível de restrição. Percebe-se nessa fase o predomínio do paradigma de serviços, com base na crença de que pessoas diferentes tinham o direito de conviver socialmente com as demais pessoas, mas que deviam ser, antes de tudo, preparadas, em função de suas peculiaridades, para assumir seus papéis na sociedade.
Para Ferreira (1993, p. 89), nessa época, ao contrário da realidade de muitos
países, cujo movimento era por ambientes menos restritivos, no Brasil,
[...] sob o discurso da integração, a ampliação do acesso deu-se de modo quase exclusivo nos espaços considerados menos apropriados para a integração escolar e social. E, nas escolas públicas regulares [...] recusava-se a matrícula daquelas pessoas que mais necessitariam dos apoios considerados especializados.
Glat (2007, p. 23) ao discutir essa questão aponta que:
As classes especiais, que deveriam ser um meio para o aluno alcançar o ensino regular, tornaram-se um fim em si mesmas. E, mais grave ainda, acabaram virando depósito de alunos que apresentavam problemas de aprendizagem. Em outras palavras, eram ‘exilados’ para classes especiais alunos com dificuldades de adaptação às exigências de uma escola cujas práticas eram desvinculadas da realidade social na qual estava inserida. Passou-se
40
a responsabilizar a própria criança pelo insucesso da escola. A culpabilização pelo fracasso na aprendizagem era, geralmente, justificada por disfunções intrínsecas, deficiências ou problemas sociais que afetavam a possibilidade de aprender.
Jannuzzi (2006) e Mazzotta (2005) apontam que outro objetivo do CENESP
era a ação conjunta de órgãos que possibilitariam o atendimento ao excepcional em
diversas áreas. Assim sendo, em 1977, pela Portaria Interministerial nº 477, de 11
de agosto, os Ministérios da Educação e Cultura e da Previdência e Assistência
Social estabeleceram diretrizes básicas para a ação integrada dos órgãos a eles
subordinados no atendimento a excepcionais. Essa ação teve por principais
objetivos a ampliação de oportunidades e de atendimento especializado, de
natureza médico-psicossocial e educacional para excepcionais, a fim de possibilitar
sua integração social e propiciar continuidade de atendimento por meio de serviço
especializado, reabilitação e educação.
É definida também a clientela dos serviços especializados de natureza educacional, prestados por órgãos ou entidades ligados ao Centro Nacional de Educação Especial – CENESP/MEC, dos serviços especializados de reabilitação da Fundação Legião Brasileira de Assistência – LBA/MPAS, dos serviços de saúde da Previdência Social e dos serviços de reabilitação profissional do INPS/MPAS. (MAZZOTTA, 2005, p. 72).
A despeito da delimitação de campos de atuação do Ministério da Educação e
da Cultura por meio do CENESP e do Ministério da Previdência e Assistência Social
por meio da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), atribuiu-se ao primeiro o atendimento educacional e ao
segundo o atendimento médico-psicossocial e a reabilitação e, neste sentido, existia
em ambos um traço comum que os situava como um campo de ação preventiva e
corretiva, pois,
Para o encaminhamento aos serviços especializados de natureza educacional, é estabelecida a exigência de diagnóstico da excepcionalidade, a “ser feito, sempre que possível, em serviços especializados da LBA/MPAS”. Onde não houver tais serviços, recomenda-se que sejam aproveitados “os serviços de natureza médico-psicossocial e educacional oferecidos pela comunidade”. (MAZZOTTA, 2005, p. 72).
Para Jannuzzi (2006), o resultado dessa ação foi o crescimento dos serviços
de reabilitação, sem o prosseguimento para o campo educacional dos indivíduos
que dele necessitavam e que dele tinham direito. Ainda persistia nessa época o viés
assistencial, sugerindo o que se vinha fazendo em muitos casos, ou seja, apenas
41
auxílios na área de saúde e proteção à vida, não sistematizando conhecimentos
escolares e procedimentos para sua apropriação e desenvolvimento.
Também em 1977, o Ministério da Cultura e Educação elaborou o 1º Plano
Nacional de Educação Especial para o triênio 1977-1979. Segundo Mazzotta (2005),
as diretrizes que nortearam tal Plano foram:
[...] ação de extensão do acesso à educação (destacando-se o acesso a tratamento diferenciado), ação otimizadora (aproveitamento dos recursos disponíveis e integração sob o ângulo pedagógico-administrativo), ação preventiva (diagnóstico e atendimento precoces), ação de aperfeiçoamento (do sistema educacional, com o máximo de eficiência e o menor custo operacional possível) e ação continuada (educação permanente). (MAZZOTTA, 2005, p. 93, destaque do autor).
Em vista da representatividade alcançada pela constante luta da sociedade
civil para garantir os direitos das pessoas deficientes, o ano de 1980 foi intitulado
pela Organização das Nações Unidas (ONU) o Ano Internacional das Pessoas
Deficientes (AIPD) e influenciou diretamente as ações brasileiras para o setor, pois,
em comemoração a essa data foi elaborado um Plano de Ação que afirmava:
Com fundamento nas novas tendências de Integração e Normalização são visados sete objetivos: conscientização, prevenção, educação especial, reabilitação, capacitação profissional e acesso ao trabalho, remoção de barreiras arquitetônicas e legislação. (MAZZOTTA, 2005, p. 101).
A década de 1980 foi marcada pela luta para redemocratização do país, na
qual inúmeros setores da sociedade civil e política uniram-se para garantir o fim do
Regime Militar (1964-1985). Assim, no ano de 1985 concretizou-se no Brasil a Nova
República, com um presidente ainda não eleito democraticamente, José Sarney, e
que colocava como meta o slogan “tudo pelo social”.
Para Mazzotta (2005), seguindo a perspectiva de participação social adotada
pelo governo, o CENESP elaborou em 1985 um novo Plano de Educação Especial
intitulado: Educação Especial: Nova Proposta. Na sua apresentação a Nova
Proposta indicou a necessidade urgente de redefinição da política para a Educação
Especial no Brasil, a fim de que o atendimento às pessoas com deficiências, com
problemas de conduta e os superdotados fosse compreendido como
responsabilidade coletiva.
Ainda na sua apresentação, declarou-se que a Nova Proposta se
caracterizava como dimensão da nova política social brasileira, pautando-se na
perspectiva de participação conjunta do governo e da sociedade civil para o alcance
42
da meta primordial da Educação Especial que era a universalização, por meio da
democratização do ensino.
Seus princípios norteadores são: participação (envolvimento de todos os setores da sociedade), integração (esforços de todos para integrar na sociedade o educando com necessidades especiais), normalização (possibilitar vida tão normal quanto possível), interiorização (expandir o atendimento ao interior e valorizar as iniciativas comunitárias relevantes) e simplificação (opção por alternativas simples, sem prejuízo dos padrões de qualidade). (MAZZOTTA, 2005, p. 103, destaque do autor).
Apesar dessa Nova Proposta, o CENESP manteve pouca determinação para
incorporar o aluno com deficiência ao sistema regular de ensino, proclamando, como
já o fazia a LDB nº 4.024/61, a proposta do deficiente integrado ao sistema regular
de ensino, mas não prescrevendo para este nenhuma obrigatoriedade de apoio
especializado, se necessário.
No governo de José Sarney, a atuação do CENESP começou a ser
efetivamente questionada, pois suas propostas ainda não tinham resultado em
ações que realmente modificaram a educação especial no país.
Segundo Carvalho (1997, p. 64) “Em que pese ter sido o CENESP um órgão
bastante relevante para a educação especial e criado para promovê-la no país,
algumas incoerências merecem ser apontadas.” Para a autora, apesar de todos os
recursos dispensados aos Estados pelo CENESP, muitos deles não fixaram, na
época, normas de implantação da Educação Especial, fato que pode ser associado
a não eficiência de atuação do órgão14.
Além disso, houve maior apoio para as instituições privadas do que para as
públicas, o que confirmava que “[...] o governo não havia assumido inteiramente
essa modalidade de ensino.” (JANNUZZI, 2006, p. 151).
Apesar de ter estabelecido como meta desde sua criação o incentivo e
financiamento à formação de um corpo técnico e de um corpo docente
especializado, foi somente no ano de 1986 que o CENESP definiu por meio da
Portaria nº 69 de 28 de agosto, normas para a prestação de apoio técnico e/ou
financeiro para a Educação Especial nos sistemas de ensino público e particular.
Segundo Mazzotta (2005), neste documento a Educação Especial foi entendida
14 Em pesquisa realizada no ano de 1977, Carvalho constatou que das 25 unidades federadas, em apenas 11 os conselhos estaduais haviam fixado normas de implantação da educação especial, e embora todas recebessem recursos do CENESP, muitas os devolveram, atestando assim a pouca importância atribuída à educação do deficiente. (CARVALHO, R. E., 1997, p. 64).
43
como parte integrante da Educação visando ao desenvolvimento pleno das
potencialidades do educando com necessidades especiais. Nota-se que foi a
primeira vez que se falou em educando com necessidades especiais, o que indicou
o início da mudança de concepção que era até então adotada e sugeria possíveis
transformações da concepção social acerca da deficiência.
A portaria acima mencionada, seguindo a tradição das políticas educacionais
para a Educação Especial, destinou uma maior parte da aplicação dos recursos para
os setores particulares. E seguindo a linha de atuação do CENESP, “Nas
disposições há indicação de que as ações serão implementadas visando à
intercomplementaridade com o Ministério da Previdência e Assistência Social.”
(MAZZOTTA, 2005, p. 76).
Ainda no ano de 1985, o presidente Sarney nomeou um Comitê Nacional de
Educação Especial, pelo Decreto nº 91.872 de 4 de novembro de 1985, cujo o
objetivo era estudar os problemas da educação especial no Brasil e propor uma
solução para os mesmos. Com os estudos e análises realizados por esse Comitê,
em julho de 1986 foi concluído o Plano Nacional de Ação Conjunta para a
Integração da Pessoa Deficiente. Logo na Introdução deste documento pôde-se
notar uma maior atenção ao processo educacional dos deficientes e não mais ao
atendimento terapêutico e assistencial que eram até então focos da Educação
Especial. O documento apontou que “[...] o programa de Assistência aos
Excepcionais, desenvolvido pela LBA/MPAS, reveste-se de um caráter repassador
de recursos, através da compra de serviços junto a entidades particulares.”
(MAZZOTTA, 2005, p. 106).
Segundo o Plano,
A regulamentação das Portarias Interministeriais nº 477 e nº 18615 apenas pela LBA e não pelo CENESP, ocasionou uma grande expansão dos serviços de atendimento terapêutico, dificultando a integração social das pessoas portadoras de deficiências, pela dissociação dos processos terapêutico e educacional. (MAZZOTTA, 2005, p. 106).
Ainda na Introdução do Plano, notou-se o apontamento de dados que
provaram que a educação dos deficientes no Brasil não se desenvolveu nos
aspectos até então propostos nos dez anos anteriores à elaboração do mesmo. 15 Interministeriais n° 477 (MEC e MPAS, 1977) e 186 (MEC e MPAS, 1978) que determinava procedimentos de diagnóstico para alunos portadores de deficiência, estabelecendo que, “[...] na ausência de serviços especializados da LBA / MPAS, deve-se recorrer aos serviços privados da comunidade.”
44
Assim, o objetivo principal do referido documento era o de implantar uma Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, “Buscando a
ampliação das atividades de prevenção e de atendimento e a efetiva integração
social [...].” Ademais, o Plano destacou a necessidade de se realizar o atendimento
às pessoas deficientes “[...] dentro do contexto geral das políticas sociais e por meio
dos sistemas básicos de saúde, educação, previdência e assistência.”(MAZZOTTA,
2005, p. 107).
Para efetivar as ações do Plano Nacional de Ação Conjunta para a Integração
da Pessoa Deficiente, em 29 de outubro de 1986 foi baixado o Decreto nº 93.481
que instituiu a criação da Coordenadoria para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (CORDE) com o intuito de “[...] traçar uma política de ação conjunta,
destinada a aprimorar a educação especial e integrar, na sociedade, as pessoas
portadoras de deficiência, problemas de conduta e superdotadas.” A CORDE nasceu
forte sob a responsabilidade do Gabinete Civil da Presidência da República até o
ano de 1987, quando passou a ser dirigida pela Secretaria de Planejamento e
Coordenação da Presidência.16
A CORDE, visando uma atuação mais abrangente que o CENESP,
representou o papel da sociedade civil, principalmente das pessoas com deficiência,
que promoveram suas lutas sob a bandeira do processo de redemocratização do
país e buscaram a consolidação de projetos políticos que respondessem às
demandas por melhores condições de acesso e permanência nos setores sociais
gerais. No seu Conselho Consultivo havia presidentes de federações de deficientes,
tais como o presidente da Federação Nacional das APAES, o presidente da
Federação das Instituições dos Excepcionais e o presidente da Sociedade
Pestalozzi, que atuavam juntamente com representantes dos diversos ministérios do
governo federal.
O “deficiente pode se integrar na sociedade” tornou-se, assim a matriz política, filosófica e científica da Educação Especial. Este novo pensar sobre o espaço social das pessoas com deficiências tomou força em nosso país com o processo de redemocratização, e resultou em um redirecionamento significativo das políticas públicas, dos objetivos e da qualidade dos serviços de atendimento a esta população, marcando o desenvolvimento da área até os nossos dias. (GALT, 2007, p. 22).
16 Após transitar por inúmeros ministérios, a CORDE foi assumida definitivamente pelo Ministério da Justiça em 1995.
45
Ainda em 1986, o Decreto nº 93.613, de 21 de novembro, transformou o
CENSEP na Secretaria de Educação Especial (SEESP), órgão central de direção
superior, vinculado ao Ministério da Educação.
Para consolidar o processo de redemocratização do Brasil, no dia 5 de
outubro de 1988 foi promulgada a Nova Constituição Federal Brasileira, conhecida
também como “Constituição Cidadã” nas palavras de Ulysses Guimarães,
Presidente da Assembleia Nacional Constituinte que a aprovou. Para o presente
trabalho, vale ressaltar alguns pontos das áreas de assistência social e educação
que reforçaram os pressupostos de uma ação conjunta para o atendimento e o
desenvolvimento do público da Educação Especial.
No Título VIII, Da Assistência Social, o Artigo 203 dispõe que independente
de contribuição à seguridade social, a assistência social será prestada a quem dela
necessitar. Dentre seus objetivos, inclui no Inciso IV “[...] a habilitação e reabilitação
das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária”, Inciso V, “[...] a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência [...].” (BRASIL, 1999a, p. 120).
No Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, Artigo 205:
A educação é direito de todos e dever do Estado e da família. Será provida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1999a, p. 120).
No Artigo 208 o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; (BRASIL, 1999a, p. 121).
Ainda no Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VII, Da Família, da criança, do
Adolescente e do Idoso, Artigo 227, a educação figura como um dos direitos da
criança e do adolescente que deve ser assegurado pela família, sociedade e Estado
com absoluta prioridade. Dentre eles as medidas tomadas para assegurar esse
direito, o dispositivo legal afirma a garantia de:
46
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração do adolescente portador de deficiência mediante o treinamento para o trabalho e a convivência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. (BRASIL, 1999a, p. 128).
Com a análise desses pontos elencados da Constituição Federal, verificou-se
que o direcionamento das propostas e políticas para o público da Educação Especial
ficou amparado pelo documento mais importante da República Federativa Brasileira,
o que antes não ocorria e o que pôde acarretar o início legal e real das mudanças
das concepções sociais e políticas efetivas acerca da temática.
Em 1989 foi criada a Lei nº 7.853 de 24 de outubro que estabelecia normas
gerais para o “pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas
portadoras de deficiência e sua efetiva integração social”. A referida Lei também
reestruturou a CORDE como órgão autônomo administrativa e financeiramente.
Somente em 1990 que a Coordenação de Educação Especial do
Departamento de Educação Supletiva e Especial da SENEB/MEC, elaborou um
documento intitulado Proposta do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria nº 06 de
22/08/90 da SENEB. Tal proposta tinha o objetivo de coordenar e promover a
operacionalização das diretrizes básicas que norteariam o atendimento educacional
dos educandos que apresentassem necessidades educacionais especiais.
Na Introdução desta proposta estava o reconhecimento de que o MEC
começou a encarar, pela primeira vez, a educação especial inserida no contexto
global da proposta de educação para todos, de maneira que os problemas a ela
relacionados fossem alvo da atuação articulada de todas as secretarias afins. Isso
porque, no mesmo ano de 1990, ocorreu em Jomtien, na Tailândia, a Conferência
Mundial sobre Educação para Todos que passou a influenciar diretamente as
políticas educacionais brasileiras para o setor.17
Ficou aí patenteado em um documento oficial do próprio Ministério da
Educação que, até então, ou seja, 1990, a Educação Especial esteve à margem do
contexto geral da educação.
Segundo Mazzotta (2005), em 1992 a CORDE definiu a Política Nacional de
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, norteando-se pelos princípios da
normalização, integração, individualização, simplificação e interiorização. Houve 17
Este documento será analisado no próximo capítulo, mas fica aqui registrada a importância que o mesmo teve no contexto das políticas públicas educacionais a partir da década de 1990 no Brasil.
47
uma contradição nessa proposta, pois a meta no Plano anterior era direcionar para a
Integração e não contar mais com a proposta da normalização que este Plano
previa. Essa postura demonstrou algumas dificuldades que foram encontradas para
a implantação da proposta e alertou que, por se tratar de uma política social, Estado
e sociedade civil deveriam ser parceiros nessa empreitada.
Em 1993 a SEESP elaborou a Proposta de Inclusão de Itens ou Disciplinas
acerca dos Portadores de Necessidades Especiais nos Currículos dos Cursos de 2º
e 3º Graus, com o objetivo de oferecer subsídios à ação do Conselho Federal de
Educação para a revisão dos currículos dos cursos de formação de educadores e
outros profissionais que atuavam com portadores de necessidades especiais.
Não entrando no mérito do conteúdo da proposta, a busca de articulação da SEESP do MEC com o Conselho Federal de Educação já constitui um passo importantíssimo para a melhoria da qualidade da educação especial. Seja pela aproximação das posições assumidas nas diretrizes dos dois órgãos federais de educação, seja pela possibilidade de melhor situar a educação escolar do ponto de vista das políticas públicas de Educação. (MAZZOTTA, 2005, p. 114).
Dentre os Planos educacionais seguiu-se o Plano Decenal de Educação Para
Todos, elaborado pelo MEC em 1993. Tal Plano incluiu explicitamente as pessoas
com deficiência, como um dos seguimentos a ser atendido pelo sistema educacional
geral, sendo esse público, merecedor de atenção especial nos esforços para o
alcance da universalização do ensino.
Em dezembro de 1993 a Secretaria de Educação Especial elaborou e
publicou a Política Nacional de Educação Especial. Esta política visou atender as
pessoas com deficiência no âmbito educacional. Para Mazzotta (2205), em muitos
aspectos essa proposta foi contraditória, pois conceituava a Educação Especial em
uma visão estática que direcionava os alunos com necessidades especiais a escolas
especiais e dizia que os alunos da Educação Especial necessitavam somente de
recursos pedagógicos e metodologia diferenciada para o seu desenvolvimento
educacional. Apesar das contradições, essa Política direcionou mais fortemente o
olhar e as ações educacionais para os deficientes e impulsionou as discussões
sobre as formas de atender os diferentes tipos de deficiências na rede regular de
ensino, evidenciando efetivamente o início da análise dos seus desafios e de sua
implementação.
48
Colocando em prática a Política Nacional de Educação Especial, no ano de
1994, o governo brasileiro participou da Conferencia Mundial sobre Educação
Especial, que ocorreu na Espanha, buscando desenvolver e ampliar suas
concepções acerca da Educação Especial, principalmente no que se referia a incluí-
la no contexto geral da educação nacional. Essa Conferência teve por objetivo
discutir a Educação Especial na perspectiva de Educação Inclusiva e será abordada
mais completamente no terceiro capítulo, onde serão discutidos os pressupostos da
concepção de educação inclusiva e serão analisadas as políticas educacionais para
a inclusão escolar.
Ao percorrer a História da Educação Especial no Brasil, constatou-se que
houve uma grande oscilação das propostas e políticas educacionais estabelecidas
pelos órgãos do governo Federal, aliado ao sentido que se atribuiu à educação e às
concepções educacionais como um todo. Percebeu-se também que a sociedade civil
foi uma importante força para as mudanças no atendimento às pessoas com
deficiência, pois os grupos de pressão por eles organizados ainda hoje têm seu
poder político concretizado na obtenção de atendimento, serviços e recursos
especiais para grupos de deficientes.
Recentemente se tem registrado também a organização dos movimentos das
pessoas com deficiência, que buscam levar suas necessidades ao conhecimento
dos organismos governamentais em todos os níveis da organização social, fazendo
esforços para assegurar que, de alguma forma, suas necessidades sejam satisfeitas
de modo mais eficiente e concreto.
Para Mendes (2002), em todos os momentos na história da sociedade
brasileira, o reconhecimento e movimento do poder público voltado para as pessoas
com deficiência, não aconteceu fortuitamente, mas tem sido decorrência da pressão
dos organismos internacionais e das manifestações populares que envolveram
segmentos de pessoas com deficiência. Essa dinâmica contribuiu para direcionar o
rumo das concepções pedagógicas e das ações políticas voltadas às questões da
pessoa com deficiência.
50
Como analisado no primeiro capítulo, foi no início da década de 1990 que os
direcionamentos sociais e governamentais fortaleceram as discussões acerca da
inclusão escolar no Brasil, encaminhamentos que já eram seguidos por países da
Europa e pelos Estados Unidos desde a década de 1980. Considera-se para o
presente trabalho a necessidade primeira de se compreender os pressupostos
pedagógicos e práticos que a proposta de inclusão escolar enseja, pois são a partir
de conhecimentos técnicos, reivindicações sociais e demanda que as políticas
públicas são elaboradas e adquirem significados.
Durante o século XX muitas ações foram empreendidas na luta por uma
sociedade que garantisse a todos os indivíduos a conquista da igualdade de direitos
e o respeito à diversidade humana.
Para Mendes (2002, p.11),
Num contexto em que uma sociedade inclusiva passa a ser considerada um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção do estado democrático, a educação inclusiva começa a configurar-se como parte integrante e essencial desse processo. Dessa forma, o paradigma da inclusão globaliza-se e torna-se, no final do século XX, palavra de ordem em praticamente todas as ciências humanas.
Ainda para a autora as perspectivas para a construção de uma escola
inclusiva no Brasil, a caracteriza como uma proposta de aplicação prática ao campo
da educação de um movimento mundial denominado inclusão social e que teve seu
maior impacto na discussão das políticas públicas, mais especificamente, nas
políticas educacionais. Esse movimento tem como pressuposto a ideia de que a
diferença é inerente ao ser humano e reconhece a diversidade como algo natural,
em que cada indivíduo pode usar de seus direitos coletivos na sociedade.
Trata-se de um movimento de resistência contra a exclusão social, que
historicamente vem afetando grupos minoritários, caracterizado por movimentos
sociais que visam à conquista do exercício do direito ao acesso a recursos da
sociedade.
Assim, passou-se a adotar o termo inclusão social para definir uma sociedade
que considera todos os seus membros como cidadãos legítimos, com direitos e
deveres que devem ser efetivados e respeitados em um processo bilateral no qual
as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em parceria, efetivar a equiparação de
oportunidades para todos.
51
Sassaki (1997), ao discutir a origem desse conceito afirma que sua semente
foi lançada em 1981 pela Organização das Nações Unidas, quando esta realizou o
Ano Internacional da Pessoa com Deficiência (AIPD). Em decorrência dessa
iniciativa o termo sociedade inclusiva ganhou abrangência referindo-se não só à luta
de pessoas deficientes pelos seus direitos, mas à luta de grupos minoritários pela
garantia de uma sociedade para todos, na qual deve ocorrer empenho para acolher
a diversidade e as diferenças, adaptando-se a sociedade às pessoas e não mais as
pessoas à sociedade.
O referido autor, ao analisar o processo de inclusão social em uma
perspectiva mais diretamente relacionada à atuação dos indivíduos na sociedade,
define o termo como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir,
em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais sendo que
estas, simultaneamente, se preparam para assumir seus papéis na sociedade.
Assim, a pessoa com necessidades especiais deve encontrar na sociedade,
caminho propício para o seu desenvolvimento, por meio de sua educação e
qualificação para o trabalho. O autor, ao realizar essa discussão, mostra que sua
prática repousa em princípios, tais como, a aceitação das diferenças individuais, a
valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana e a
aprendizagem por meio da cooperação.
A inclusão social, portanto, é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade, através de transformações pequenas e grandes, nos ambientes físicos (espaços interno e externo, equipamentos, aparelho e utensílio, mobiliário e meios de transportes) e na mentalidade de todas as pessoas, portanto do próprio portador de necessidades especiais. (SASSAKI, 1997, p.42).
Amplia-se o entendimento do termo necessidades especiais, que reporta
atualmente não só a pessoas com deficiência, mas também, a pessoas com
dificuldades socioeconômicas, nômades, estrangeiros, enfim, todas as pessoas que
por alguma razão possuem dificuldades em assumir seus papéis no contexto social
em que estão inseridas. Para o presente capítulo o entendimento de necessidades
especiais residirá nos aspectos relacionados à deficiência, mais especificamente
relacionada ao ambiente escolar por ser o recorte da pesquisa.
A partir dos elementos acima discutidos, busca-se compreender o processo
de inclusão escolar tendo como ponto de partida a sua construção como matriz
educacional brasileira. Serão discutidos os seus percalços teóricos, o papel da
52
educação especial, os impactos que incidem na educação especial e as mudanças
de paradigmas educacionais que essa proposta demanda.
2.1 Os paradigmas educacionais
Considera-se que a educação inclusiva tem importância fundamental no
contexto atual da Educação brasileira, pois, objetiva minimizar todo e qualquer tipo
de exclusão, e procura elevar ao máximo o nível de participação coletiva e individual
de seus agentes. Para Alves (2008, p. 84),
A prática cultural com orientação inclusiva requer o questionamento da estrutura organizacional da educação, especificamente, e da sociedade de modo geral, sendo que, ao se questionar a organização atual, existe a necessidade de assumir um posicionamento frente à realidade, criando a demanda por uma nova estruturação.
Uma das grandes discussões que permeiam a inclusão escolar é a crítica aos
paradigmas educacionais e aos modelos educacionais tradicionais. Crítica esta que
se fundamenta no pressuposto de que a inclusão escolar demanda uma
reestruturação dos sistemas de ensino, para que estes tenham estrutura para
abarcar todos os educandos e lhes proporcionar um padrão de ensino voltado à
prática da cidadania, do desenvolvimento humano e pessoal.
Glat e Nogueira (2002) ao discorrerem sobre a temática, afirmam que a
inclusão de educandos com necessidades educacionais especiais na rede regular
de ensino não consiste apenas na sua permanência junto aos demais alunos, nem
na negação dos serviços especializados àqueles que deles necessitam. Para as
autoras, a reorganização do sistema educacional acarreta a revisão de antigas
concepções e paradigmas educacionais, na busca de se possibilitar o
desenvolvimento cognitivo, cultural e social desses alunos, respeitando suas
diferenças e atendendo às suas necessidades.
Mantoan (2006), ao discutir os paradigmas educacionais, diz que os mesmos
estão em crise e que esta se caracteriza como uma crise de concepção, de visão de
mundo e de prática educacional. Para a autora, entende-se por paradigma “um
conjunto de regras, normas, crenças, valores, princípios que são partilhados por um
grupo em um dado momento histórico” e que norteiam o comportamento e ações
53
dos indivíduos. Quando os paradigmas entram em crise, é por que já não satisfazem
os problemas que se tem que solucionar. Ainda para a autora,
O período em que se estabelecem as novas bases teóricas suscitadas pela mudança de paradigmas é bastante difícil, pois caem por terra os fundamentos sobre os quais a ciência se assentava sem que se fincassem de todo os pilares que a sustentarão daqui para frente. Sendo ou não uma mudança radical, toda crise de paradigma é cercada de muita incerteza e insegurança, mas também de muita liberdade e ousadia, para buscar outras alternativas, outras formas de interpretação e de conhecimento que nos sustente e nos norteie para realizar a mudança. (MANTOAN, 2006, p.11).
É esse o momento em que se vive atualmente. A escola, como historicamente
se conhece, voltada para o ensino elitista e conteudista é abalada pela proposta de
democratização e universalização do ensino e passa a considerar a valorização da
heterogeneidade dos alunos como o maior expoente do desenvolvimento
educacional. Não se busca mais a homogeneização dos educandos, mas sim o
reconhecimento de suas competências, habilidades e valores, por meio de uma
educação que lhes ofereça condições de aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a ser e aprender a conviver18.
A escola não pode continuar ignorando o que acontece ao seu redor,
anulando e marginalizando as diferenças nos processos de construção dos
conhecimentos. A inclusão escolar como modelo educacional estabelece que as
diferenças humanas são normais, e implica em um processo de ressignificação e
reconstrução de todos os aspectos constitutivos da escola, demandando a
construção de novas abordagens pedagógicas, a análise da participação discente
em seu processo de aprendizagem e a relação que esse discente estabelece com o
seu tempo de aprendizagem.
Passa-se a considerar nesse contexto o momento e a relevância dos
conteúdos a serem apreendidos. A escola passa a ser por princípio, uma instituição
social a que todos têm direito de acesso e permanência, “[...] sendo sua
responsabilidade, portanto, oferecer um ensino de qualidade para todos os alunos.”
(GLAT, 2007, p. 25). Desse modo, a inclusão escolar pressupõe uma reforma do
18 Esses conceitos foram cunhados por Jacques Delors no relatório: Educação: um tesouro a descobrir (1996), realizado pela Comissão Internacional para o século XXI. Esses conceitos pautam as diretrizes educacionais em diversos países do mundo, entre eles o Brasil, e podem ser considerados fundamentais para a construção de uma nova cultura escolar na perspectiva inclusiva, pois valorizam, a priori, as potencialidades de cada aluno.
54
pensamento e uma organização do conhecimento no qual não se pode tratar ou só
do todo ou só das partes, mas da relação que eles estabelecem.
Para Glat (2007), mais do que uma nova proposta educacional, a Educação
Inclusiva pode ser considerada uma nova cultura escolar: uma concepção de escola
que visa ao desenvolvimento de respostas educativas que atinjam a todos os
alunos.
O conceito de resposta educativa indica a preocupação da escola em responder às necessidades apresentadas por seus alunos, em conjunto, e a cada um deles em particular, assumindo efetivamente o compromisso com o sucesso na aprendizagem da totalidade do corpo discente. (GLAT, 2007, p 17).
Além da reestruturação do sistema escolar, a sociedade também deve se
reestruturar para possibilitar a convivência dos diferentes, pois incluir é fazer parte, é
compreender, é ser compreendido. Desta maneira,
O conceito de necessidades educativas especiais passa a se referir, além das crianças com deficiência, aquelas que estejam experimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola, as que estejam repetindo continuamente os anos escolares, as que sejam forçadas a trabalhar, as que vivem na rua, as que precisam ser hospitalizadas por algum período, as que moram distante de qualquer escola, ou as que simplesmente estão fora da escola seja por qualquer motivo.19 (AMARAL, 2003, p. 12).
Para Mantoan (2006), esse é o momento de se trazer para o cotidiano escolar
a percepção de que as diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero,
enfim, a diversidade humana está sendo cada vez mais desvelada e destacada.
Inseri-la no cenário educacional, é condição imprescindível para se entender o
processo de aprendizagem, as mudanças que a proposta de inclusão escolar enseja
e o processo de compreensão do mundo em que se vive.
2.2 A proposta de inclusão escolar
Para Glat (2007), o debate atual sobre formas mais adequadas e inclusivas
de ensino para alunos com deficiências evoluiu das reflexões e das conquistas
obtidas a partir da política de Integração educacional. Muito embora, os modelos de
integração educacional e de inclusão educacional coexistam, a distinção entre eles é
fundamental para se esclarecer o processo de mudança das escolas, de modo que
19 Devido à abrangência do conceito e ao recorte do trabalho, a analise será empreendida com foco nas propostas referentes à deficiência.
55
estas possam acolher indistintamente todos os alunos, nos diferentes níveis de
ensino.
A inserção de alunos com deficiências ou outras condições que afetam a aprendizagem no ensino regular tem sido denominada genericamente, Educação Inclusiva, até mesmo na legislação. Entretanto, como visto, esse processo pode ocorrer por dois modelos educacionais conceitualmente distintos: Integração e Inclusão Escolar ou Educação Inclusiva, propriamente dita. O primeiro caso também previa a escolarização de alunos com deficiências (geralmente oriundos do ensino especial) em classes comuns, porém eles só eram integrados na medida em que demonstrassem condições para acompanhar a turma, recebendo apoio especializado paralelo. Na proposta atual, esses alunos, independentemente do grau de comprometimento, devem ser absorvidos diretamente nas classes comuns do ensino regular, cabendo à escola a responsabilidade de se transformar, principalmente no que diz respeito à flexibilização curricular, para dar a resposta educativa adequada às suas necessidades. (GLAT, 2007, p. 24, destaque do autor).
Nas situações de integração escolar, nem todos os alunos com deficiência
são recebidos nas turmas de ensino regular, pois há ainda uma seleção prévia dos
que estão aptos à inclusão. Nessa perspectiva, não há a proposta de mudança da
escola e nem do ensino ministrado por elas, enquanto a inclusão pressupõe uma
mudança em todos os aspectos relacionados à escola e ao ensino, tais como a
organização, estrutura e funcionamento de todo o sistema educacional, sendo
considerado, portanto, “[...] a busca da superação de uma educação reprodutora
para uma educação emancipadora, capaz de viver em toda sua intensidade o
respeito à participação e à autonomia humana.” (OLIVEIRA, 2004, p. 80).
Dentro de toda essa discussão referente às mudanças de paradigma e de
ressignificação do sistema escolar, Mendes (2002) afirma que se podem observar
duas correntes de pensamento e de prática na perspectiva da educação inclusiva: a
“inclusão” e a “inclusão total”. A autora fundamenta-se em Fuchs & Fuchs para
apresentar essas propostas e aponta as divergências existentes entre elas no que
se refere à melhor maneira de educar crianças e jovens com necessidades
educacionais especiais. Para Fuchs e Fuchs (apud MENDES, 2002, p. 65).
1. Os “inclusionistas” consideram que o objetivo principal da escola é auxiliar o aluno a dominar habilidades e conhecimentos necessários à vida futura, tanto dentro quanto fora da escola, enquanto os “inclusionistas totais” acreditam que as escolas são importantes pelas oportunidades que oferecem de fazer amizades, mudar o pensamento estereotipado sobre as incapacidades e fortalecer as habilidades de socialização.
56
2. Os “inclusionistas” defendem a manutenção do continuum de serviços, que permite a colocação desde a classe comum até os serviços hospitalares, enquanto os “inclusionistas totais” advogam pela colocação apenas na classe comum da escola regular e pregam, ainda, a necessidade de extinção do continuum.
3. Os “inclusionistas” acreditam que a capacidade de mudança da classe comum é finita e, mesmo que uma reestruturação ocorra, a escola comum não será adequada a todas as crianças, ao passo que os “inclusionistas totais” creem na possibilidade de reinventar a escola a fim de acomodar todas as dimensões da diversidade da espécie humana.
Mantoan (2003) defende a inclusão total e irrestrita, pois a considera a real
oportunidade que se tem para reverter a posição excludente das escolas, mudando
radicalmente a forma da escola ensinar, a visão que se tem do aluno e o papel das
escolas na sociedade. A autora questiona o apoio especializado no processo de
inclusão por considerá-lo uma válvula de escape para os sistemas educacionais, já
que desse modo há o encaminhamento em casos que a escola “não dá conta de
ensinar.”
Logo, tratamos de encontrar meios para facilitar a introdução de uma inovação, fazendo o mesmo que se fazia antes, mas sob uma outra designação ou em um local diferente, como é o caso de se incluir crianças nas salas de aula comuns, mas com todo o staff do ensino especial por detrás, sem que com isso seja necessário rever as práticas excludentes do ensino regular. Válvulas de escape como o reforço paralelo, o reforço continuado, os currículos adaptados etc., continuam sendo modos de discriminar alunos que não damos conta de ensinar e de nos escondermos de nossas próprias incompetências. (MANTOAN, 2003, p. 28).
No seio dessa discussão, Omote (2006), conduz de forma clara a outro
sentido que a inclusão deve adquirir em relação à oferta de serviços à comunidade:
uma sociedade abrangentemente inclusiva deve dispor, muitas vezes, por razões
técnicas, de alguns serviços especializados, o que não precisa ser necessariamente
interpretado como forma de conduzir os indivíduos que deles tem acesso, a um
processo de exclusão, mas, sim, a um avanço no atendimento às necessidades de
todas as pessoas.
Analisando as concepções de inclusão escolar, considera-se para o presente
trabalho a reflexão sobre a necessidade de se construir um modelo de educação
inclusiva que, segundo Bueno (1999), respeite as bases históricas, legais, filosóficas
e políticas da educação no Brasil, bem como analise criticamente os paradigmas
57
que consubstanciam os seus sistemas educacionais, pois se acredita que aceitar o
ideário da inclusão não modifica o que existe num passe de mágica, produzindo o
cancelamento de serviços existentes sem antes produzir uma reestruturação
adequada do sistema educacional.
Desse modo, busca-se um equilíbrio das duas concepções acima discutidas
com vistas à realização de uma análise teórica e conceitual ampla e que proporcione
elementos que possam ser referenciados na análise dos dados da pesquisa.
Mendes (2002, p. 71, destaque do autor), considera que ao mesmo tempo em
que se deve salvaguardar os serviços existentes, é preciso ousar em direção à
construção de uma proposta de educação inclusiva que seja “[...] racional,
responsável e responsiva em todos os níveis, das instâncias de gerenciamento à
sala de aula.”
Racional, no sentido de aproveitar todas as possibilidades existentes e ampliar as matrículas, não de fechar serviços ou construir parcerias. Responsável, no sentido de ser planejada e avaliada continuamente, em todas as instâncias, ou seja, desde o processo de incluir até o indivíduo incluído. Responsiva, no sentido de ser flexível e ajustável dependendo dos resultados das avaliações.
É com fundamento nesses conceitos que foi realizada a análise dos dados,
das impressões e dos relatos obtidos na pesquisa de campo.
Esse debate acerca do oferecimento de serviços especiais paralelos à
educação regular enseja a compreensão que se tem da Educação Especial no
processo de inclusão escolar.
Constata-se que embora a proposta de Educação Inclusiva não tenha nascido
no cenário da Educação Especial,
[...] se aplica também a ela, na medida em que sua clientela também faz parte daquela população historicamente excluída da escola e da sociedade. Entretanto, ela não pode ser reduzida à errônea crença de que para implementá-la basta colocar crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais em escolas regulares ou nas classes comuns. (MENDES, 2002, p. 61).
Evidencia-se que o paradigma da Educação Inclusiva não representa
necessariamente uma ruptura, mas sim o desenvolvimento de um processo de
mudança das concepções teóricas e das práticas da Educação Especial, que vem
historicamente acompanhando os movimentos sociais e políticos em prol dos
direitos das pessoas com deficiências e das minorias excluídas e que compreender
58
essa ressignificação é fundamental para o entendimento do papel da Educação
Especial no cenário atual do sistema educacional brasileiro.
Ao discutir essa questão, Pletsch (2007) salienta que a Educação Inclusiva
como hoje se conhece representa a etapa atual do processo de transformação das
concepções teóricas e das práticas da Educação Especial, que historicamente
acompanhou os movimentos sociais e políticos em prol dos direitos das pessoas
com necessidades educacionais especiais. Desse modo, passa-se a defender um
único sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem
deficiência, no qual a dicotomia ensino especial e ensino regular dão lugar a uma
nova perspectiva educacional.
Autores como Glat (2007), Mendes (2002) e outros, defendem que a
Educação Especial, deve ser concebida como um conjunto de metodologias,
recursos e conhecimentos (materiais, pedagógicos e humanos) que a escola comum
deverá dispor para atender à diversidade de seu alunado.
Para Glat (2007), este posicionamento faz com que a Educação Especial
redimensione o seu papel, destinando-se prioritariamente para dar suporte à escola
regular no recebimento desse alunado. A escola regular deve atender uma parcela
social que até então estava excluída de seus planos de trabalho e de seus projetos,
mesmo que estivessem presentes em suas dependências, seja na classe especial,
na sala de recursos ou na escola comum e para que essa proposta se efetive há a
necessidade de um respaldo por parte de quem sempre atendeu aos alunos com
deficiência.
Para Aranha, essa postura contribui muito para a visão do aluno com
deficiência em sua relação com a educação, pois,
A consideração política dos alunos com necessidades educacionais especiais, na organização do sistema público de ensino regular, aliada à retirada da Educação Especial do sistema paralelo de ensino e sua inserção no contexto geral da Educação, reconhece as pessoas com deficiência como sujeitos de direito e favorece o resgate da real natureza da Educação Especial, que é primeiramente Educação. (ARANHA, 2004, p. 18).
2.3 As práticas educacionais
Propõe-se a discussão de aspectos nevrálgicos para a reestruturação do
sistema educacional, tais como as adaptações curriculares, o processo de avaliação
59
escolar, a formação de professores e as questões relacionadas à acessibilidade
escolar. Isso por que, eles são considerados os alicerces das mudanças na prática
educacional que a Educação Inclusiva demanda, pois,
Educação Inclusiva significa um novo modelo de escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem. Para tornar-se inclusiva a escola precisa formar seus professores e equipe de gestão, e rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e que nela interferem. Precisa realimentar sua estrutura, organização, seu projeto político-pedagógico, seus recursos didáticos, metodologia e estratégias de ensino, bem como suas práticas avaliativas. Para acolher todos os alunos, a escola precisa, sobretudo, transformar suas intenções e escolhas curriculares, favorecendo um ensino diferenciado que favoreça o desenvolvimento e a inclusão social. (GLAT, 2007, p. 16).
Valle e Guedes (2003) ao discutirem o papel do professor no contexto da
educação inclusiva dizem que, pensar a capacitação dos professores, é um dos
modos de se começar a mudança na qualidade do ensino com o objetivo de criar
cenários educacionais inclusivos, capazes de oferecerem a aprendizagem a todos
os alunos.
Para Bueno (1999, p. 148).
Uma coisa é certa: dentro das atuais condições não há como incluir crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular, sem que se ofereça, aos professores dessas classes, orientação e assistência na perspectiva da qualificação do trabalho pedagógico ali desenvolvido.
Enfatiza-se a necessidade primeira de se discutir como se caracterizava (ou
caracteriza) a formação dos professores frente à educação inclusiva – especial –,
para que posteriormente se possam realizar algumas considerações sobre as
mudanças que se consideram necessárias para a eficiência na inclusão escolar.
Glat (2007), Bueno (1999), Nunes Sobrinho (2003) e Mantoan (2006) ao
discutirem as contradições na formação dos professores e a proposta de inclusão
escolar colocam que, a formação clássica do professor, ao privilegiar uma
concepção estática do processo de ensino-aprendizagem, trouxe a proposta da
existência de uma metodologia de ensino “universal”, que seria comum a todas as
épocas e a todas as sociedades. Assim, por muito tempo acreditou-se que havia um
processo de ensino-aprendizagem “normal” e “saudável” para todos os sujeitos, e
aqueles que apresentassem algum tipo de dificuldade, distúrbio ou deficiência eram
60
considerados fora das normas do sistema regular de ensino e destinados ao sistema
especial de educação.
Para Glat (2007) esta concepção de normalidade acabou por gerar dois tipos
de processos de ensino-aprendizagem: o “normal” e o “especial”. No primeiro caso o
professor estaria frente aos alunos considerados “normais”, que seguem o padrão
de aprendizagem para o qual ele foi preparado durante sua formação; no segundo
caso estariam os alunos que apresentam os denominados “distúrbios ou
dificuldades” e/ou aqueles que precisam de processos de ensino-aprendizagem
diferenciados por apresentarem deficiências ou demais necessidades educacionais
especiais. Para a autora, nesse contexto a prática pedagógica do professor acaba
sendo impregnada pela concepção - hoje considerada errônea, mas, por muito
tempo, tomada como verdade científica – de que existem duas categorias
qualitativamente distintas de alunos: “[...] os ‘normais’ que frequentam a escola
regular e os ‘excepcionais’ que frequentam a escola especial.”
Mantoan (2006), ao discutir o papel dos professores e sua relação com os
conhecimentos escolares, diz que uma escola para todos não desconhece os
conteúdos acadêmicos, não menospreza o conhecimento científico e sistematizado,
mas também não se restringe a instruir os alunos a dominá-los a todo o custo.
Desse modo, a autora questiona o papel dos professores ao encararem a prática
docente como transmissora de um saber fechado e fragmentado, em tempos e
disciplinas escolares, pautados em uma grade curricular intransponível.
Ao discutir a formação do professor, Mantoan (2006) também evidencia a
necessidade de se pensar o papel do aluno que será abarcado pela proposta de
educação inclusiva, pois,
A inclusão provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade dos alunos. O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade fixada em modelos ideais, permanentes e essenciais. (MANTOAN, 2006, p. 20).
Fonseca (1995) mostra que é preciso preparar os professores com urgência,
para que o sucesso na inclusão escolar seja alcançado, assim eles poderão aceitar
e relacionar-se com seus diferentes alunos e, consequentemente, com suas
diferenças e necessidades individuais. Porém, os professores só poderão adotar
esse comportamento se forem convenientemente preparados e equipados com
61
recursos pedagógicos, se a sua formação for melhorada, se lhes forem dados meios
de avaliar seus alunos e elaborar objetivos específicos, se estiverem instrumentados
para analisar a eficiência dos programas pedagógicos, preparados para a superação
dos medos e superstições e contarem com uma orientação eficiente nesta mudança
de postura para buscar novas aquisições e competências.
Não se pode esquecer que o professor é um ser social que possui crenças e
valores, sendo que sua subjetividade não pode ser anulada no processo de inclusão
escolar. É fato que a ação pedagógica dos professores está relacionada à sua
constituição histórica, aos seus valores, convicções e às características dos espaços
sociais em que está inserido exigindo uma disposição intensa para trocar com o
outro, aprendendo e ensinando, criando novos sentidos à sua prática e construindo
subjetivamente novas posturas políticas e valores pedagógicos. Isso corrobora para
a construção de espaços inclusivos que começam a partir da sala de aula, lócus do
maior contato, conflito e convivência escolar.
Sabe-se que a formação de professores é ponto fundamental para o processo
de inclusão escolar, mas não é determinante para que o mesmo ocorra,
necessitando de inúmeras ações no cotidiano escolar para a sua viabilização.
Glat (2007), ao discutir as possibilidades efetivas para o acesso e
permanência de todos os alunos, afirma a necessidade de substituir os mecanismos
de seleção e discriminação até então utilizados, por procedimentos de identificação
e remoção de barreiras para a aprendizagem, com o intuito de acolher a todos. Para
isso, a escola precisa mudar suas intenções e escolhas curriculares visando
oferecer um ensino diferenciado e que favoreça o desenvolvimento e a inclusão
social.
Nessa perspectiva, Oliveira e Machado (In GLAT, 2007) ao discutirem a
questão do currículo apontam a necessidade de compreensão do conceito de
adaptações curriculares para que a inclusão escolar ocorra com sucesso e em todos
os seus aspectos. Na concepção das autoras,
Adaptações curriculares são “ajustes” realizados no currículo, para que ele se torne apropriado ao acolhimento das diversidades do alunado; ou seja, para que seja verdadeiramente inclusivo. [...] Adaptações curriculares, de modo geral, envolvem modificações organizativas, nos objetivos e conteúdos, nas metodologias e na organização didática, na organização do tempo e na filosofia e estratégias de avaliação, permitindo o atendimento às necessidades educativas de todos os alunos, em relação à construção do conhecimento. (OLIVEIRA; MACHADO, 2007, p. 36).
62
Nessa discussão, as autoras evidenciam a necessidade primeira de se
considerar a inclusão escolar como o alicerce no planejamento do currículo escolar,
pois assim, pensar em adaptações curriculares se tornaria uma prática comum a ser
desenvolvida por todos que estão de certo modo relacionados com o processo de
ensino-aprendizagem. Essa postura só será possível se a construção dos currículos
e sua possibilidade de adaptação estiverem contempladas no projeto político
pedagógico de cada unidade escolar, com a reflexão de que os conteúdos a serem
trabalhados em classe não são um fim em si mesmo, mas sim,
[...] um meio para o desenvolvimento das estruturas afetivo-cognitiva dos alunos. O currículo não deverá priorizar a quantidade de conteúdos em detrimento do trabalho de qualidade, e o professor precisa levar em conta os diferentes tempos de aprendizagem e habilidades individuais de cada aluno. (OLIVEIRA; MACHADO, 2007, p. 47).
Nesse ponto, as autoras expressam alguns desafios para que as adaptações
curriculares aconteçam efetivamente. O primeiro deles são as concepções
pedagógicas dos professores que muitas vezes defendem a ideia de que é
impossível criar um currículo modificado para o desenvolvimento cognitivo específico
de determinados grupos de alunos, devendo haver apenas recursos técnicos de
acessibilidade para eles. Esses professores argumentam que “[...] a diversidade de
características desses alunos são muito grandes, o que demandaria a criação não
de adaptações, mas de múltiplos currículos a serem implementados de acordo com
a necessidade de cada aluno.” (OLIVEIRA; MACHADO, 2007, p. 40).
Em contrapartida a essa postura, as autoras mostram que existem
professores que defendem as adaptações curriculares, pois,
[...] afirmam que o desenvolvimento do currículo único, sem adaptações para atender às diversidades, pode acentuar as práticas excludentes, agora sob forma do descaso e do abandono destes alunos ao fundo da sala de aula e aos perigosos rótulos das dificuldades de aprendizagem. Argumentam que é fundamental a criação da escola inclusiva, aquela que é tão flexível a ponto de acolher todos, oferecendo as adaptações curriculares necessárias para que sejam atendidos. Complementam afirmando que as adaptações curriculares não criam “vários currículos”, este continua sendo único. (OLIVEIRA; MACHADO, 2007, p. 40).
Essa discussão enseja a necessidade de reflexão do processo de avaliação
escolar, o que é considerado para as autoras outro grande desafio relacionado à
adaptação curricular, pois, no contexto da educação inclusiva, a avaliação também
passa por uma ressignificação de concepções e adaptações que devem andar
63
juntas com as questões referentes ao currículo, pois as práticas curriculares
tradicionais desenvolvidas nas escolas juntamente com suas práticas avaliativas,
contribuem para a exclusão escolar na medida em que analisam o desempenho dos
alunos usando um conjunto de escalas e critérios comparativos tidos como
inquestionáveis e absolutos e que anulam a subjetividade dos alunos.
Nessa perspectiva, Mantoan (2006, p. 15) discorre sobre a avaliação e seus
critérios e diz que a maioria das escolas brasileiras:
[...] atribuem aos alunos as deficiências que são características do próprio ensino ministrado por elas - sempre se avalia o que o aluno aprendeu, o que ele não sabe, mas raramente se analisa o que e como a escola ensina, de modo que os alunos não sejam penalizados pela repetência, a evasão, a discriminação, a exclusão, enfim.
Considera-se que a avaliação envolve o contexto escolar, não a reduzindo
somente às expectativas da sala de aula, mas também de todas as relações
estabelecidas pelos alunos no seu cotidiano.
Libâneo (1991), Luckesi (1996) e Rios (1998) discutem as concepções de
avaliação escolar e mostram a importância de sua reflexão e ação.
Luckesi (1996, p. 93) evidencia a importância de se compreender que a
avaliação da aprendizagem não possui um fim em si, mas subsidia um curso de
ação para se construir um resultado previamente definido. Para o autor, é
necessário que a escola modifique sua concepção de verificadora de aprendizagens
e passe a ser um local onde se avaliam as aprendizagens, pois,
A avaliação diferentemente da verificação, envolve um ato que ultrapassa a obtenção da configuração do objeto, exigindo decisão do que fazer ante ou com ele. A verificação é uma ação que “congela” o objeto; a avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação.
Rios (1998, p. 39) segue essa mesma linha de pensamento e enriquece a
presente análise por considerar que:
Avaliar pressupõe definir princípios, em função de objetivos que se pretendem alcançar; estabelecer instrumentos para a ação e escolher caminhos para atingir o fim; verificar constantemente a caminhada, de forma crítica, levando em consideração todos os elementos envolvidos no processo.
Em consonância com a reflexão de Mantoan, Rios (1998) propõe
questionamentos relacionados ao que se ensina evidenciando a necessidade da
análise constante do processo pedagógico focado sempre na ressignificação de
64
como se ensina, para que se ensina, por que se ensina, quem ensina e a quem se
ensina.
Para Libâneo (1991, p. 198), é necessário que a escola corrija alguns
equívocos no processo de avaliação da aprendizagem, para que esta resulte
efetivamente em construção do conhecimento escolar e não mais na potencial
exclusão de alunos que não “acompanham” os conteúdos escolares. Para o autor,
a) O equívoco mais comum é usar a avaliação somente para dar notas, classificando o aluno em melhor ou pior, dependendo mais do que memorizou do que das aprendizagens significativas que realizou. Ainda é comum o professor ser considerado “competente”, pelo total de alunos reprovados em sua turma.
b) Outro equívoco é atribuir à avaliação uma função disciplinar, usando os seus resultados para recompensar ou punir o aluno pelas atitudes demonstradas.
c) O terceiro equívoco se dá pela realização das chamadas “profecias pedagógicas”. Muitas vezes o professor, confiando no seu “olho – clínico”, profetiza desde cedo quais os alunos que tem condições de aprovação ou reprovação, abandonando a avaliação contínua (formativa).
d) O quarto equívoco ocorre quando o professor rejeita medidas quantitativas da aprendizagem, em favor somente dos dados qualitativos, ou vice-versa. Considerar na avaliação, apenas os aspectos qualitativos ou quantitativos é um erro, deve-se buscar o equilíbrio entre ambos.
As práticas de avaliação relacionadas à concepção de currículo tradicional
não afetam somente o desenvolvimento escolar de alunos com necessidades
educacionais especiais, mas contribuem para a exclusão de inúmeros alunos que
possuem algumas dificuldades de aprendizagem e até mesmo podem acarretar em
outras dificuldades que não existiam até a primeira reprova.
Oliveira e Machado (2007) ao proporem as adaptações curriculares,
destacando a questão da avaliação, dizem que as adaptações não significam
aprovar indiscriminada e inconsequentemente os alunos, mas trata-se de avaliar
com critério e flexibilidade, atendendo aos estilos, ritmos e peculiaridades individuais
de aprendizagem. As autoras, ao relacionarem a avaliação ao processo de inclusão
escolar enfatizam a sua importância e defendem que as escolas devem:
Abrir a possibilidade de se adaptar o sistema de avaliação para determinado aluno, em função de suas necessidades educacionais especiais, é uma das principais vias para se conseguir avaliar-lhe a aprendizagem com responsabilidade e profissionalismo, e poder, então, promover os ajustes que se tornam necessários no processo
65
de ensino, para garantir seu desenvolvimento educacional. (OLIVEIRA; MACHADO, 2007, p 50).
Não se pode reduzir a crítica ao processo de avaliação somente à figura do
professor, pois isso acarretaria em uma simplificação das necessidades de
reestruturação do sistema escolar. Deve-se analisar todo o conjunto de valores
relacionados à prática de avaliação escolar acima mencionada. Isto requer a
compreensão do papel de todos os atores institucionais envolvidos no processo de
aprendizagem, e não somente o aluno e o professor, pois,
A transformação do processo educacional é tarefa e competência a ser realizada coletivamente, não cabendo exclusivamente ao professor promovê-la no interior de uma sala de aula, juntamente com os alunos, como com frequência tem acontecido. (ARANHA, 2003, p. 56).
Desse modo, a inclusão deve ser compreendida como um processo
dependente do desenvolvimento da capacidade interna da escola como um todo e
de cada membro dela em particular, com a capacidade de reflexão sobre os
acontecimentos, concepções e práticas que envolvem todo o processo de ensino-
aprendizagem que nela se manifestam.
Além dos aspectos acima evidenciados, o currículo e a prática educacional
inclusiva demandam que a escola esteja adaptada para garantir a acessibilidade de
todos os alunos aos espaços e processos pedagógicos, eliminando barreiras
arquitetônicas, de sinalização e de utilização dos recursos didáticos nas escolas.
Essas mudanças são denominadas “adaptações ao currículo” e incluem as condições físicas, materiais, e de comunicação que a escola proporciona para receber alunos com diferentes tipos de necessidades especiais e propiciando sua participação em atividades e desenvolvimento acadêmico. (GALT, 2007, p.57).
Questiona-se o discurso comum que encara a acessibilidade, como uma
tendência que enfatiza somente a preocupação com os aspectos físicos, como se o
fato do aluno poder se locomover livremente pela escola garantisse sua inclusão
educacional. Certamente isso é muito importante, contudo, pode no máximo permitir
sua inserção social, não sendo suficiente para o processo de aprendizagem e
construção do conhecimento.
O conceito de acessibilidade envolve também as adaptações de pequeno
porte ou o uso de recursos didáticos específicos, denominados “[...] ajudas técnicas
ou tecnologias assistivas que proporcionam, até mesmo para alunos com
66
comprometimentos severos ou múltiplas deficiências, formas autônomas ou semi-
autônimas de interagir e aprender.” (GLAT, 2007, p. 59, destaque do autor).
Segundo Oliveira e Machado, as expressões “ajudas técnicas” ou “tecnologias
assistivas” podem dar a impressão de que são recursos de elevada sofisticação
tecnológica. No entanto a maioria deles pode ser feita pelo professor na sala de
aula, pois, além dos materiais, é importante que o professor faça adaptações na sua
prática e no currículo, conforme foi mencionado anteriormente.
Importam as adaptações curriculares e a criação de recursos materiais e
estratégias de ensino que garantam as condições necessárias de acesso ao
currículo para esses alunos, visando sua autonomia e desenvolvimento acadêmico,
psicológico e social.
Os aspectos acima evidenciados e expostos serviram de pano de fundo para
a análise das políticas públicas para a inclusão escolar e para a fundamentação dos
argumentos da pesquisa de campo que foi empreendida. Sabe-se que muitas são as
barreiras a serem superadas para garantir a inclusão de pessoas com necessidades
educacionais especiais às salas de aula e escolas comuns da rede regular de ensino
e questiona-se o fato da educação inclusiva ser encarada como um movimento
reducionista, limitado à inserção de alunos com deficiência no contexto comum da
educação.
Conforme Mantoan (2006), sabe-se que é preciso ter cautela e insistir no
caráter mobilizador e transformador dos fundamentos e princípios inclusionistas,
para que a escola se torne um espaço no qual os direitos de todos os alunos sejam
garantidos. Para Amaral (2003, p. 12),
A educação inclusiva propõe que todas as pessoas com necessidades educativas especiais estejam matriculadas na escola regular tendo como princípios a aceitação das diferenças individuais como um atributo e não como um obstáculo, a valorização da diversidade humana pela sua importância para o enriquecimento de todas as pessoas, o direito de pertencer e não ficar de fora.
68
Para Palma Filho (2007, p. 7),
Numa primeira aproximação, pode-se dizer que por políticas públicas compreende-se o conjunto de medidas que o Estado procura executar para um determinado campo de atividades sociais. Em sentido amplo, compõe o que se entende por políticas sociais, que engloba diferentes setores da atividade humana: educação, transporte, habitação, meio ambiente, economia, com seus diferentes campos: agricultura, indústria, serviços, etc.
O presente capítulo tem o objetivo de discutir as diretrizes e propostas
referentes à inclusão escolar com foco na análise de documentos internacionais,
nacionais e do Estado de São Paulo.
Parte-se do pressuposto de que a proposta de inclusão escolar é parte
integrante dos direcionamentos políticos, econômicos e sociais que foram
disseminados pelo mundo por meio do processo de globalização, com a influência
direta dos organismos internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas
(ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO).
Segundo Teodoro (2003), a criação de um vasto sistema de organizações
internacionais de natureza intergovernamental em consonância com o processo de
globalização, influenciou a formulação de políticas públicas, mais especificamente as
políticas públicas educacionais, criando uma dependência cada vez maior da
legitimação e assistência técnica das organizações internacionais. Ainda para o
autor,
A educação, de um obscuro domínio da esfera doméstica, tornou-se, progressivamente, um tema central nos debates políticos nacional e internacional. Essa passagem da esfera doméstica para a esfera pública, com a centralidade que lhe é atribuída nos processos de desenvolvimento humano, coloca problemas complexos ao estudo das políticas educacionais. (TEODORO, 2003, p. 17).
Palma Filho, ao discutir essa questão afirma que, “[...] no século XX, estamos
irremediavelmente ligados ao nacional e ao global, quando a própria sociedade
nacional só tem sentido se vista no horizonte aberto pela existência da sociedade
global.” (PALMA FILHO, 2005, p. 40).
Nessa perspectiva, importa analisar como os direcionamentos internacionais
refletem na elaboração de propostas e ações no âmbito nacional e como essas
questões (im) possibilitam a implementação dessas políticas, considerando a vasta
69
gama de implicações que existem ao se realizar a aproximação entre o global e o
local.
Para Teodoro (2003, p. 54), as iniciativas, estudos e publicações das
organizações internacionais desempenham um papel decisivo na normalização das
políticas educacionais nacionais,
[...] estabelecendo uma agenda que fixa não apenas prioridades, mas igualmente as formas como os problemas se colocam e equacionam, e que constituem uma forma de fixação de um mandato, mais ou menos explícito, conforme a centralidade dos países.
3.1 Diretrizes internacionais
Como salienta Palma Filho (2005), em um mundo globalizado, documentos
produzidos em organismos internacionais, tais como Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Banco Mundial e Fundo
Monetário Internacional (FMI), influenciam ou até mesmo determinam, dependendo
do grau de inserção do país no processo de globalização, a elaboração e a
implementação de políticas públicas.
Partindo dessa premissa, a análise aqui empreendida se inicia nos
documentos que norteiam as políticas educacionais brasileiras a partir da década de
1990 e influenciam as propostas para a inclusão escolar.
A crítica ao processo de exclusão no interior da própria escola, bem como as
novas demandas e expectativas sociais, culminaram com a criação da proposta de
Educação Inclusiva, mundialmente disseminada pela força dos organismos
internacionais acima mencionados e foi adotada pelo governo brasileiro como
diretriz para as políticas educacionais para o século XXI.
Essa proposta é atualmente a política educacional oficial do país, amparada
pela legislação em vigor e convertida em diretrizes para a Educação Básica dos
sistemas federal, estadual e municipal. Propõe-se nesse momento, a análise dessas
diretrizes para que se possa posteriormente realizar a discussão de suas
possibilidades e desafios no cenário educacional brasileiro, mais especificamente no
município de Franca-SP.
O início dessas discussões se deu em Jomtien, na Tailândia, onde ocorreu a
“Conferência Mundial de Educação para Todos” (1990), cujo objetivo foi estabelecer
70
compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos
necessários a uma vida digna, condição insubstituível para o advento de uma
sociedade mais humana e mais justa. Participaram dessas discussões a UNESCO e
a Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com apoio do Banco Mundial
e de várias outras organizações intergovernamentais, regionais e organizações não
governamentais (ONGs).
Segundo Menezes e Santos (2002), a Conferência de Jomtien resultou na
elaboração de um dos documentos mundialmente mais significativos em educação,
lançados a partir de sua realização: a Declaração de Jomtien ou Declaração Mundial
sobre Educação Para Todos. Esse documento incluiu definições e novas
abordagens sobre as necessidades básicas de aprendizagem, as metas a serem
atingidas relativamente à educação básica e os compromissos dos Governos e
outras entidades participantes para o campo educacional.
Dessa forma, em sequência à Conferência Mundial, os países foram
incentivados a elaborar Planos Decenais de Educação Para Todos, contemplando
as diretrizes e as metas do Plano de Ação da Conferência.
Com a assinatura desse documento, pretendeu-se que alguns eixos comuns
fossem seguidos pelos países signatários, para que os principais problemas
educacionais evidenciados na referida Conferência fossem sanados.
Para Barão (1999 apud. JACOMELLI, 2007, p. 47), cinco pontos devem ser
destacados desse acordo:
1. A universalização da educação básica nos anos 90;
2. O significado político de uma certa concepção das necessidades
básicas de aprendizagem;
3. O papel do Estado e o financiamento da educação básica;
4. A qualidade na educação enquanto sinônimo de uma percepção
limitada de “aprendizagem” e “avaliação”;
5. O papel da solidariedade internacional.
Esses cinco pontos distinguiram-se como as linhas norteadoras das políticas
educacionais adotadas pelos países signatários no decorrer de toda a década de 90.
Importa o destaque dado à questão da universalização da educação básica,
considerando que a temática estudada está inserida diretamente nesse contexto.
O referido documento destacou que a universalização da educação demanda
a erradicação do analfabetismo, o acesso à educação a jovens e adultos que não
71
tiveram oportunidade de frequentar a escola, o acesso gratuito à educação básica,
dentre outros. A análise aqui empreendida destaca a importância dada à Educação
Especial, enfatizando a necessidade de proporcionar a todas as pessoas com
necessidades educacionais especiais o acesso à educação básica.
Em sua introdução, o documento fez alusão à dados do cenário educacional
mundial e destacou que nos países pobres e em desenvolvimento, as estatísticas do
início da década de 1990 apontavam que mais de 100 milhões de crianças e jovens
não tinham acesso à escolarização básica e que apenas 2% de uma população com
deficiência, estimada em 600 milhões de pessoas, recebia qualquer modalidade de
educação. Tais evidências estimularam o consenso sobre a necessidade de
concentrar esforços para atender às necessidades educacionais de inúmeros alunos
até então privados do direito de acesso, ingresso, permanência e sucesso na
educação básica.
As discussões desencadeadas a partir da realização da Conferência de
Jomtien e as mudanças teóricas que se iniciavam no campo da Educação Especial,
resultaram no fortalecimento do discurso da inclusão de pessoas com necessidades
educacionais especiais na rede regular de ensino e ganharam legitimidade em um
documento de cunho internacional intitulado “Declaração de Salamanca”, documento
este que passou a ser utilizado por muitos governos, incluindo o do Brasil, como
diretriz para as políticas adotadas para o campo educacional.
Assinada em 1994, a Declaração de Salamanca foi resultado da Conferência
Mundial de Educação Especial, organizada pelo governo da Espanha com a
colaboração da UNESCO. Dessa Conferência participaram oitenta e oito governos e
vinte e cinco organizações internacionais que tinham como objetivo:
[...] reafirmar o compromisso para com a Educação Para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. (UNESCO, 1994, p.1).
Tendo a inclusão escolar como um dos fatores determinantes para a inclusão
social, a Declaração de Salamanca propôs a ampliação do significado da expressão
“necessidades especiais”, que deixou de se restringir somente a pessoas
deficientes, abrangendo também pessoas que apresentassem dificuldades de
escolarização decorrentes de condições econômicas e socioculturais.
72
Isso por que, de acordo com a Declaração, falar em Educação para Todos é
falar sobre instituições escolares inclusivas que reconheçam as diferenças,
promovam a aprendizagem e atendam às necessidades individuais de todos os
educandos. Assim,
O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos. (UNESCO, 1994, p. 5).
No que se refere ao processo de ensino-aprendizagem, a escola inclusiva
deve incorporar princípios pedagógicos centrados nos sujeitos. Nesse processo, são
as escolas que devem se adaptar às necessidades das pessoas com necessidades
especiais e não o contrário. Ademais, enfatiza-se que:
O mérito de tais escolas não reside somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas as crianças: o estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva. (UNESCO, 1994, p. 4).
Passa-se a pensar em um novo modelo de estrutura social e de respeito às
diferenças, congregando a todos os indivíduos a responsabilidade de garantia de
direitos sociais para as pessoas com necessidades especiais, tendo a escola como
ponto de partida para essa mudança de concepção acerca do diferente.
Ressignifica-se o papel que os indivíduos com necessidades especiais
ocupam na sociedade e ressignificam-se as concepções práticas e teóricas de como
educar esses indivíduos. Nesse ponto, a Declaração de Salamanca (1994) traz uma
interessante e desafiadora concepção de Educação Especial ao utilizar o termo
“pessoas com necessidades educacionais especiais” estendendo-o a todas as
crianças ou jovens que têm necessidades decorrentes de suas características de
aprendizagem.
A Declaração considera que o encaminhamento de pessoas com
necessidades especiais para Escolas Especiais, classes especiais ou para sessões
especiais dentro da escola deve-se constituir uma exceção, a ser recomendada
somente em casos que fique claramente demonstrado que a educação na classe
regular não consiga atender às necessidades educacionais ou sociais do sujeito. As
Escolas Especiais, por possuírem um amplo conhecimento que não pode ser
73
descartado no processo de inclusão, devem ser utilizadas como local de treinamento
e de recursos para os profissionais das redes regulares.
Desse modo, elas devem ser pensadas e estruturadas como suporte ao
processo de inclusão com a coordenação entre os serviços de educação, saúde e
assistência social, apontando, nesse sentido, a possibilidade das escolas especiais
funcionarem efetivamente como centros de apoio e formação para a escola regular,
facilitando a inclusão dos alunos nas classes comuns ou mesmo a frequência
concomitante nos dois lugares.
No que se refere ao currículo adotado nas escolas inclusivas, a Declaração
de Salamanca considera que as escolas devem oferecer opções curriculares
adaptáveis às capacidades e aos interesses diversos, sendo que para os educandos
que necessitem, deve ser oferecido um apoio adicional. Além disso, devem-se rever
as formas de avaliação, pois,
A aquisição de conhecimento não é somente uma questão de instrução formal e teórica. O conteúdo da educação deveria ser voltado a padrões superiores e às necessidades dos indivíduos com o objetivo de torná-los aptos a participar totalmente no desenvolvimento. O ensino deveria ser relacionado às experiências dos alunos e a preocupações práticas no sentido de melhor motivá-los. (UNESCO, 1994, p. 9).
Enfatiza-se também que, o apoio dos pais e da comunidade são fundamentais
para o processo de inclusão, pois uma das maiores dificuldades encontradas para
se garantir o direito à inclusão escolar é o preconceito e a má informação e, somente
com a colaboração de todos os segmentos sociais, é que se pode construir novas
concepções acerca do assunto.
Por fim, a Declaração de Salamanca congrega a toda a comunidade
internacional e todos os dirigentes de Estados a adotarem o princípio da Educação
Inclusiva na forma de lei ou de política educacional, matriculando todas as pessoas
com necessidades especiais na rede regular de ensino, sendo que para isso, os
governos deveriam se comprometer com os pressupostos elencados no documento,
considerando as especificidades encontradas no cenário educacional de seu país.
No caso brasileiro, a Declaração de Salamanca tornou-se um importante
referencial tanto para a formulação de leis para a garantia de acesso e permanência
dos educandos nos sistemas escolares, como para a elaboração de políticas
públicas para o setor, articulando, segundo Prieto (2002), os anseios e
reivindicações populares para a Educação Especial, representando principalmente a
74
luta de pessoas com deficiência pela melhoria de suas condições de vida e
oportunidades.
Este documento impulsionou a criação de Leis e o direcionamento de políticas
públicas educacionais para a inclusão escolar no Brasil, fundamentando as
discussões e as possibilidades da Educação Especial na Educação Básica.
Além da participação brasileira na Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais, o MEC, em sua Secretaria de Educação Especial (SEESP),
utiliza outras diretrizes formuladas em outros eventos internacionais para o
desenvolvimento de políticas mais específicas para contribuir pra o desenvolvimento
das pessoas com deficiência. Dentre elas pode-se destacar: a Convenção
Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as
pessoas portadoras de deficiência (1999), a Carta para o Terceiro Milênio (1999) e a
Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão (2001).
Na “Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de
discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência”, aprovada em maio de
1999, na Guatemala, os Estados participantes se comprometem a criar mecanismos
de prevenção eliminando qualquer manifestação discriminatória para com as
pessoas com deficiência. Dentre estes mecanismos destacam-se: campanhas
educativas para acabar com o preconceito, tomar medidas de caráter legislativo,
trabalhista, educacional que acabem com práticas discriminatórias e a garantia de
acessibilidade. Para os efeitos dessa Convenção, define-se o significado para o
termo deficiência, dizendo que:
Deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. (OEA, 2001, p. 3).
Ademais, a Convenção enfatiza que por discriminação entende-se toda a
diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência e que, por meio de
ações conjuntas dos governos participantes, deve-se eliminar preconceitos,
estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem
iguais, permitindo desta forma o respeito e a convivência entre todos os indivíduos
de uma sociedade e em todos os locais.
Na “Carta para o terceiro milênio” aprovada em setembro de 1999, em
Londres, o que se propõe é que todos os governos, entidades e organizações não
governamentais tenham como meta para o terceiro milênio a proteção dos direitos
75
das pessoas com necessidades especiais. Para fundamentar este objetivo, a carta
destaca alguns dados sobre a deficiência e a necessidade de se acabar com
preconceitos e superstições ainda presentes em nossa sociedade, enfatizando que
pelo menos 10% da população de cada sociedade nasce ou adquire alguma
deficiência. Advoga também a possibilidade de se estender o acesso a todos os
lugares e a todos os membros de uma sociedade, tendo em voga o desenvolvimento
tecnológico e científico que se atingiu até os dias de hoje. Observa-se o destaque
dado a ações que promovam a prevenção e a diminuição dos riscos que possam
causar impedimento, deficiência ou incapacidade, bem como programas de
intervenção precoce para crianças e adultos que se tornarem deficientes.
A Carta para o Terceiro Milênio é proclamada para que toda a humanidade entre em ação, na convicção de que a implementação destes objetivos constitui uma responsabilidade primordial de cada governo e de todas as organizações não-governamentais e internacionais relevantes. (BRASIL, 1999b, p. 2).
A “Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão”, aprovada em junho
de 2001 no Congresso Internacional sobre a Sociedade Inclusiva, em Montreal,
afirma que o esforço de todos rumo a uma sociedade inclusiva é a essência do
desenvolvimento social sustentável. Deste modo, torna-se necessário a todos os
governos planejamento e estratégias intersetoriais e interdisciplinares que garantam
o acesso de todos à sociedade inclusiva.
Considera-se a necessidade de se criar ambientes inclusivos, por meio de
desenhos inclusivos que garantam a acessibilidade a todas as pessoas em todos os
ambientes públicos e particulares.
3.2 Políticas nacionais
Segundo Prieto (2002, p. 6):
A luta da sociedade brasileira pela universalização do acesso à escola remonta décadas, e a persistência de pautar essa reivindicação como prioridade garantiu, inclusive, que o último texto constitucional reafirmasse a educação como um direito de todos, definindo a quem cabe a responsabilidade por sua promoção e incentivo.
Segundo Ferreira (2004), o surgimento dessas diretrizes coincidiu, no caso
brasileiro, com um período equivalente de implementação de várias reformas no
campo da educação básica, que produziram mudanças importantes em termos de
76
competências dos sistemas de ensino, de estruturação e gestão das redes, de
financiamento educacional, de organização curricular e de formação de profissionais
da educação. Para o autor, tais mudanças, de caráter abrangente, apresentaram um
novo contexto e novos desafios para a questão da educação escolar das pessoas
com necessidades educacionais especiais, no sentido de mobilizar a comunidade
escolar para que o processo de inclusão ocorresse.
Foi no âmbito dessas diretrizes que os sistemas municipais de ensino
procuraram elaborar os seus planos de inclusão escolar, a partir de direcionamentos
do Ministério da Educação (por meio do Plano Nacional de Educação de 200120 e da
Resolução CEB/CNE nº 2 de 200121), e dos direcionamentos das Secretarias
Estaduais de Educação (no caso do Estado de São Paulo a Resolução 011/0822).
Retomando a Constituição Federal de 1988, evidencia-se em seu artigo 205
que:
Artigo 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1999a, p.120).
Ainda seguindo a Constituição Federal, a igualdade de condições, acesso e
permanência na escola também deve ser assegurada a todos e com qualidade pelo
artigo 206, inciso I e inciso VII.
Artigo 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
VII - garantia de padrão de qualidade. (BRASIL,1999a, p.121).
E, tratando especificamente da educação especial, tem-se o artigo 208, inciso
III:
Artigo 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. (BRASIL, 1999a, p.121).
20 Estabelece objetivos e metas a serem alcançados pela Educação para os próximos dez anos. 21 Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. 22 Estabelece os objetivos e metas para a Educação Especial no Estado de São Paulo.
77
Para Ferreira (2004), a presença da Educação Especial na Lei certamente
reflete um crescimento da área em relação à educação nos sistemas de ensino,
principalmente nos últimos vinte anos.
Mazzotta (2005) enfatiza que um olhar cuidadoso para a Educação Especial,
no cenário educacional brasileiro, permite constatar que esta foi tratada quase
sempre como serviço à parte ou à margem da Educação Geral, e que nos últimos
anos houve, de fato, certo esforço no sentido de incluí-Ia como alternativa de
educação escolar no contexto da Educação Geral, como se pode observar nos
capítulos anteriores do presente trabalho.
Para Pletsch (2005), a importância dada à Educação Especial, principalmente
no que se refere à inclusão, só ganhou fôlego a partir das diretrizes internacionais
tiradas na Conferência de Jomtien e, principalmente na Declaração de Salamanca.
Ainda para a autora, a participação brasileira na Conferência Mundial de Educação
Especial (1994), determinou, que o texto final da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394 de 1996, destinasse um capítulo específico
para regulamentar a atuação da Educação Especial. Desse modo, tem-se o Capítulo
V: Da Educação Especial, que caracteriza em três artigos a natureza do atendimento
especial.
Em seu artigo 58, lê-se:
Artigo 58 – Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º. A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. (BRASIL, 1996, p. 21).
A Educação Especial é definida, a partir da LDBEN nº 9394/96, como uma
modalidade de educação escolar que permeia todas as etapas e níveis de ensino.
Esta definição permite desvincular “educação especial” de “escola especial”. Permite
também, tomar a educação especial como um recurso que beneficia a todos os
78
educandos e que atravessa o trabalho do professor com toda a diversidade que
constitui o seu grupo de alunos.
Nesse sentido, o capítulo destina mais dois artigos para sistematizar e
direcionar a Educação Especial. Nota-se que o conteúdo desses artigos, bem como
de seus parágrafos e incisos, seguem alguns pressupostos elencados na
Declaração de Salamanca, tais como as adaptações curriculares, apoio
especializado quando necessário, especialização de professores, apoio financeiro e
recursos materiais. Assim, lê-se:
Art. 59º. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Art. 60º. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.
Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo. (BRASIL, 1996, p. 22).
Ferreira (1998, p.1) destaca que o fato da LDBEN nº 9394/96 reservar um
capítulo para a educação especial deve ser considerado como “[...] um avanço
79
relevante para uma área tão pouco contemplada, historicamente, no conjunto das
políticas públicas brasileiras.” Para o autor,
A presença ampliada da educação especial na nova Lei pode também sinalizar presença mais perceptível da área nas novas discussões, assumindo que sua contribuição específica visa mais do que à simples afirmação do “especialismo” educativo ou burocrático – até porque nem sempre estarão disponíveis profissionais ou serviços nas escolas. (FERREIRA, 1998, p. 6 destaque do autor).
Outra providência importante no campo educacional e relevante para o
presente trabalho é a Lei nº 10.172 de 2001. Essa Lei aprovou o novo Plano
Nacional de Educação (PNE), que estabelece os objetivos e metas a serem
alcançados pelas políticas educacionais brasileiras para os dez anos seguintes à
sua aprovação.
A elaboração do Plano Nacional de Educação já estava prevista no texto da
LDBN nº 9394/96, no Título IV, denominado “Da organização da Educação
Nacional”, que em seu artigo 9º, inciso I, diz:
Art. 9º. A União incumbir-se á de:
I – elaborar o Plano Nacional de Educação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (BRASIL, 1996, p. 3).
Com o objetivo de garantir a elaboração do PNE, a LDBN nº 9394/96, no
Título IX, quando trata “Das Disposições Transitórias”, afirma que:
Art. 87º. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei.
§ 1º. A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. (BRASIL, 1996, p. 26).
Apesar do prazo para a apresentação do PNE ter sido estipulado pela LDBN
nº 9394/96, as tramitações ocorridas em âmbito governamental23 resultaram que a
aprovação do PNE fosse realizada pelo Congresso Nacional em 14 de dezembro de
2000, sendo sancionado pelo então presidente da República Fernando Henrique
Cardoso em 9 de janeiro de 2001, transformando-se na Lei nº 10.172/2001.
O PNE engloba todos os setores da educação, sendo subdividido em seis
partes. Na primeira parte é realizada a Introdução ao documento, com um breve
histórico, bem como a síntese dos seus objetivos e metas. A segunda parte refere-
23 Para maiores informações consultar Saviani (2008, p. 269-275).
80
se aos níveis de ensino, abordando de modo distinto a educação básica – educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio – e a educação superior. A terceira
parte aborda as modalidades de ensino, abrangendo a educação de jovens e
adultos, educação à distância e tecnologias educacionais, educação tecnológica e
formação profissional, educação especial e educação indígena. A quarta parte tem
por objeto a formação dos professores e valorização do magistério. A quinta parte
destina-se ao financiamento e gestão e a sexta parte aborda o acompanhamento e
avaliação do Plano.
Todos os temas relacionados acima são analisados sob três aspectos:
diagnóstico; diretrizes; e objetivos e metas.
Em se tratando mais especificamente da educação especial, o documento
destina vinte e oito pontos que reendossam as propostas elencadas anteriormente
na legislação brasileira.
Importa o destaque que o PNE destina à inclusão, reafirmando que as
pessoas com necessidades educacionais especiais devem frequentar a rede regular
de ensino. O PNE afirma que apesar da inclusão ser uma diretriz constitucional há
mais de dez anos:
[...] tal diretriz ainda não produziu a mudança necessária na realidade escolar, de sorte que todas as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais sejam atendidos em escolas regulares, sempre que for recomendado pela avaliação de suas condições pessoais. Uma política explícita e vigorosa de acesso à educação, de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é uma condição para que às pessoas especiais sejam assegurados seus direitos à educação. (BRASIL, 2001a, p. 64).
Pode-se observar que para o Plano Nacional de Educação, tal política
abrange não somente a questão educacional referente à inclusão escolar, mas
também a questão social referente ao reconhecimento das crianças, jovens e
adultos com necessidades educacionais especiais como cidadãos, com seus direitos
de estarem incluídos na sociedade o mais plenamente possível.
Para isso, o PNE advoga a realização de parcerias entre pais, educadores,
funcionários administrativos das escolas, assistentes sociais, profissionais da área
de saúde, organizações não governamentais, municípios, estados e União,
considerando que:
Nas questões envolvidas no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, a articulação e a cooperação entre os setores de educação, saúde,
81
assistência e comunidade é fundamental e potencializa a ação de cada um deles. (BRASIL, 2001a, p. 65).
Propõe-se uma escola inclusiva, aberta à diversidade dos alunos, na qual a
garantia de vagas no ensino regular para os diversos graus e tipos de necessidades
é uma medida importante.
Assim o PNE determina que:
Nos primeiros cinco anos de vigência deste plano, redimensionar conforme as necessidades da clientela, incrementando, se necessário, as classes especiais, salas de recursos e outras alternativas pedagógicas recomendadas, de forma a favorecer e apoiar a integração dos educandos com necessidades especiais em classes comuns, fornecendo-lhes o apoio adicional de que precisam.
Generalizar, em dez anos, o atendimento dos alunos com necessidades especiais na educação infantil e no ensino fundamental [...]. (BRASIL, 2001a, p. 66).
Pode-se observar que o PNE destaca a necessidade de adaptações nas
escolas, para que essas possam receber os educandos com necessidades especiais
por meio das seguintes propostas:
Estabelecer, no primeiro ano de vigência deste plano, os padrões mínimos de infra-estrutura das escolas para o recebimento dos alunos especiais;
A partir da vigência dos novos padrões, somente autorizar a construção de prédios escolares, públicos ou privados, em conformidade aos já definidos requisitos de infra-estrutura para atendimento dos alunos especiais;
Adaptar, em cinco anos, os prédios escolares existentes, segundo aqueles padrões. (BRASIL, 2001a, p. 67).
O PNE ainda dispõe sobre o oferecimento de educação continuada a
professores que estão em exercício devendo:
Generalizar, em cinco anos, como parte dos programas de formação em serviço, a oferta de cursos sobre o atendimento básico a educandos especiais, para os professores em exercício na educação infantil e no ensino fundamental, [...]. (BRASIL, 2001a, p. 66).
Ademais, o PNE determina prazos para a implementação de recursos
didáticos que promovam o desenvolvimento do educando com necessidades
educacionais especiais. Recursos esses que vão desde livros de literatura falados,
82
em letra aumentada ou em braile, até a utilização da Língua brasileira de sinais
(LIBRAS)24 pela comunidade escolar.
Saviani (2008), ao analisar o conteúdo do PNE diz que em todos os temas, o
diagnóstico e a identificação das necessidades que precisam ser atendidas em
busca da qualidade da educação brasileira, são bem ponderados e passivos de um
consenso entre os estudiosos. Para o autor,
[...] o enunciado das diretrizes tende a ficar num nível de abstração e de generalidade não dando margem, também, a maiores controvérsias. As divergências vão se manifestar mais especificamente no que se refere aos objetivos e metas, em especial àquelas que se relacionam direta ou indiretamente, ao problema do financiamento. (SAVIANI, 2008, p. 274).
O grande número de objetivos e metas propostos em todo o documento
contribui para “[...] um alto índice de dispersão e perda do senso de distinção entre o
que é principal e o que é acessório.” (SAVIANI, 2008, p. 275), comprometendo
desse modo, o estabelecimento de prioridades e os possíveis resultados alcançados
pelo Plano.
Neste sentido, com o intuito de clarificar os objetivos e metas propostos pelo
PNE, bem como criar prioridades para a educação especial, o Conselho Nacional de
Educação, juntamente com a Câmara de Educação Básica, reafirmaram o
compromisso brasileiro de Universalizar a Educação Básica, instituindo por meio da
Resolução CNB/ CNE n° 2, de 2001, as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica.
Disposta em 22 artigos, a Resolução CNB/ CNE n° 2, de 2001, além de
reendossar o que já era previsto na LDBEN de 1996 e no Plano Nacional de
Educação de 2001, estabelece critérios e especifica com maior objetividade o que os
pais, o governo, a comunidade e principalmente as escolas podem fazer com
relação à Educação Especial na Educação Básica.
Para caracterizar a educação especial o documento destina o seu artigo 3º:
Artigo 3º - Por educação especial, modalidade da educação escolar, entende-se um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais,
24 A Língua brasileira de sinais (Libras) foi regulamentada pela lei número 10.436 de 24 de abril de 2002.
83
em todas as etapas e modalidades da educação básica. (BRASIL, 2001b, p. 1).
Ainda complementando as definições sobre a educação especial na educação
básica a Resolução CNB/ CNE n° 2 visa proporcionar a compreensão do alunado a
quem a educação especial se destina:
Art. 4º Como modalidade da Educação Básica, a educação especial considerará as situações singulares, os perfis dos estudantes, as características biopsicossociais dos alunos e suas faixas etárias e se pautará em princípios éticos, políticos e estéticos de modo a assegurar:
I - a dignidade humana e a observância do direito de cada aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida social;
II - a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de suas necessidades educacionais especiais no processo de ensino e aprendizagem, como base para a constituição e ampliação de valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e competências;
III - o desenvolvimento para o exercício da cidadania, da capacidade de participação social, política e econômica e sua ampliação, mediante o cumprimento de seus deveres e o usufruto de seus direitos. (BRASIL, 2001b, p. 2).
A Resolução CNB/ CNE n° 2, busca esclarecer o que se entende por
educandos com necessidades educacionais especiais, destinando para isso um
artigo:
Artigo 5° - Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional apresentarem:
I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis.
III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (BRASIL, 2001b, p. 2).
84
Pode-se observar que a Resolução amplia a concepção brasileira a respeito
do que se consideram necessidades especiais, englobando também pessoas que
apresentam dificuldades não relacionadas a causas orgânicas25.
Além disso, a Resolução estabelece o que as escolas da rede regular de
ensino devem fazer para proporcionar a inclusão26:
Artigo 8º - As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns:
I – professores das classes comuns e da educação especial capacitados e especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos;
II – distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas várias classes do ano escolar em que forem classificados, de modo que essas classes se beneficiem das diferenças e ampliem positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar para a diversidade.
III – flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processo de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória;
VI – condições para reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas na relação pedagógica [...];
VII – sustentabilidade do processo inclusivo, mediante aprendizagem cooperativa em sala de aula, trabalho de equipe na escola e constituição de redes de apoio, com a participação da família no processo educativo, bem como de outros agentes e recursos da comunidade; (BRASIL, 2001b, p. 3).
Considera-se que a Resolução sinaliza alterações importantes nas políticas
educacionais voltadas para a Educação Especial, principalmente no que se refere ao
direcionamento dessas políticas para a inclusão.
Prieto (2002) observa que a Resolução, aliada às diretrizes do PNE para a
Educação Especial, formam a base recente das políticas nacionais para atender às
pessoas com necessidades educacionais especiais.
25 Considera-se nesse sentido dificuldades relacionadas a fatores socioculturais, como explicitados na Declaração de Salamanca.
26 Aqui foram selecionados apenas os incisos considerados significantes para a pesquisa.
85
Para a autora, as disposições legais e normativas estão postas e refletem a
tendência mundial de uma concepção democrática da educação escolar que não
comporta qualquer tipo de exclusão de crianças, jovens ou adultos.
Mendes (2001, p. 17 apud PRIETO, 2002, p. 5), ao discutir a implementação
da proposta de inclusão escolar e da reformulação do conceito de educação
especial diz que,
[...] ao mesmo tempo em que o ideal de inclusão se populariza, e se torna pauta de discussão obrigatória para todos os interessados nos direitos dos alunos com necessidades educacionais especiais, surgem as controvérsias, menos sobre seus princípios e mais sobre as formas de efetivá-las.
Nessa perspectiva é que foi elaborada a proposta de ação mais recente no
âmbito da Educação Especial denominada Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva, idealizada por um Grupo de Trabalho (GT)
nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007 e prorrogada pela
Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. O referido GT foi composto, em sua
maioria, por estudiosos renomados na área da educação especial e que há muito se
dedicam à compreensão da proposta de inclusão escolar e a elaborarem
mecanismos práticos para que esta ocorra de fato nos sistemas educacionais
brasileiros.
Na sua Introdução, o documento reafirma a necessidade de se encarar a
educação inclusiva como uma ação política, cultural, social e pedagógica,
desencadeada em defesa do direito de todos os alunos a frequentarem os sistemas
escolares juntos, aprendendo e participando do cotidiano escolar sem nenhum tipo
de discriminação.
Partindo de uma análise mais abrangente e concreta da realidade
educacional do Brasil e tendo como base os inúmeros estudos desenvolvidos ao
longo da história da educação no país e que remontam à exclusão como um dos
maiores marcos do sistema educacional, a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva reconhece que “[...] as dificuldades
encontradas nos sistemas de ensino evidenciam a necessidade de confrontar as
práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las.” (BRASIL, 2007, p. 1).
Nesse contexto,
[...] a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. A partir dos referenciais para a construção de
86
sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas. (BRASIL, 2007, p. 1).
Apesar de estar na pauta das discussões legais e das diretrizes e metas
educacionais há mais de 15 anos, pode-se constatar o caráter inovador desse
documento no que se refere à análise da implementação da educação inclusiva no
país, pois discorre sobre a necessidade de se reformular a estrutura educacional e
de se criar culturas inclusivas, não pautando a discussão exclusivamente em
questões operacionais, tais como, a determinação do público a ser atendido pelas
propostas de educação inclusiva, a prática docente, entre outros, mas também
pensando em aspectos socioculturais que devem ser desenvolvidos nos ambientes
sociais para a efetivação da proposta. Assim, o documento denuncia:
[...] mesmo com uma perspectiva conceitual que aponte para a organização de sistemas educacionais inclusivos, que garanta o acesso de todos os alunos e os apoios necessários para sua participação e aprendizagem, as políticas implementadas pelos sistemas de ensino não alcançaram esse objetivo. (BRASIL, 2007, p. 8).
Nessa perspectiva, o MEC e a Secretaria de Educação Especial (SEESP)
afirmam que a atual proposta acompanha os avanços do conhecimento acerca do
desenvolvimento motor, cognitivo e intelectual de alunos com necessidades
educacionais especiais e atende reivindicações de lutas sociais, visando constituir
políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos.
Para assentar suas bases teóricas os autores do referido documento
remontam a uma breve análise das políticas educacionais voltadas à Educação
Especial e realizam um breve diagnóstico desse nível educacional no país tendo
como referencial os censos escolares realizados no Brasil até o ano de 2006. No
bojo dessas informações está a análise sobre as condições em que a educação
especial se estruturou para que os direcionamentos encaminhados pela Política
fossem focados em propostas de ações que viabilizassem a inclusão de fato.
É com base nesses dados que a Política tem por objetivo “[...] o acesso, a
participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares [...]”
(BRASIL, 2007, p. 7), garantindo para isso:
• Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior;
87
• Atendimento educacional especializado;
• Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino;
• Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar;
• Participação da família e da comunidade;
• Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e
• Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. (BRASIL, 2007, p. 8).
Nota-se a junção das diretrizes de outros documentos que foram
isoladamente adotados pelo governo brasileiro e propõem-se a implementação
conjunta desses documentos, com o intuito de criar uma estrutura de atendimento
que seja global, mas que ao mesmo tempo consiga abarcar as especificidades de
cada educando.
Um ponto importante deste documento é a permanência da discussão sobre o
público que deve ser atendido pela educação especial e o caráter do atendimento
prestado a esse alunado. Assim, afirma-se que:
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. (BRASIL, 2007, p. 9).
Fica relegado à educação especial o direcionamento de ações para o
atendimento das especificidades acima mencionadas e no âmbito de uma atuação
mais ampla na escola, ela deve orientar “[...] a organização de redes de apoio, a
formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvimento de
práticas colaborativas.” (BRASIL, 2007, p. 9).
Há que se destacar o pioneirismo do documento ao realizar a conceituação
dos termos deficiência, altas habilidades/superdotação e transtornos globais do
desenvolvimento, o que não ocorria nos direcionamentos anteriores, ficando a cargo
88
dos sistemas educacionais, serviços de saúde e assistência social a escolha do
termo que seria atribuído em cada especificidade. Desse modo,
A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2007, p. 9).
Essa conceituação contribui para a realização de diagnósticos mais
específicos e desse modo, para a busca por recursos financeiros, materiais e
profissionais direcionados para o desenvolvimento dos educandos com
necessidades educacionais especiais. Ademais, é com base nessas definições que
a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
estabelece as diretrizes que nortearão as ações com vistas à efetivação da proposta
de inclusão escolar.
Enfocando o papel da educação especial na linha dos documentos aqui
analisados anteriormente, a Política define o caráter que o atendimento educacional
especializado deve assumir. Vale ressaltar, que tratamento especializado e
tratamento especial são conceituações diferentes. O primeiro tem a função de
identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que
eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas, enquanto o segundo se restringe a direcionar os alunos a
ambientes segregados.
Advoga-se a compreensão dessas diferenciações e destaca-se a
complementação de serviços e recursos no ensino da sala de aula comum.
As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela. Dentre as atividades de atendimento educacional especializado são disponibilizados programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização e
89
tecnologia assistiva. Ao longo de todo o processo de escolarização esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum. O atendimento educacional especializado é acompanhado por meio de instrumentos que possibilitem monitoramento e avaliação da oferta realizada nas escolas da rede pública e nos centros de atendimento educacional especializados públicos ou conveniados. (BRASIL, 2007, p. 10).
Seguindo essa linha de ação, o documento reintera a necessidade de se
garantir o acesso à educação desde a infância, sendo que o atendimento
educacional especializado deve-se efetivar mediante “[...] serviços de estimulação
precoce, que objetivam otimizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem em
interface com os serviços de saúde e assistência social.” (BRASIL, 2007, p.10).
Na Educação Básica o atendimento educacional especializado deve ser
organizado em todas as etapas, visando o desenvolvimento dos alunos e
constituindo-se como oferta obrigatória nos sistemas de ensino. Ademais, a proposta
determina que esse atendimento deva ser realizado no turno inverso ao da classe
comum, na própria escola ou em centro especializado que realize esse serviço
educacional.
A preocupação em formular uma diretriz para todos os níveis de ensino e para
todos os educandos com necessidades educacionais especiais do Brasil é reforçada
ao se propor ações que visem à inserção e permanência de jovens e adultos que
necessitem de atendimento educacional especializado na educação básica e no
ensino superior, possibilitando a formação para o ingresso e permanência no mundo
do trabalho e a efetiva participação social desses sujeitos, por meio do:
[...] planejamento e da organização de recursos e serviços para a promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão. (BRASIL, 2007, p. 11).
Advoga-se a necessidade dos sistemas de ensino contar com profissionais
especializados. Desse modo considera-se que:
O atendimento educacional especializado é realizado mediante a atuação de profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais, da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais superiores, dos programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da tecnologia assistiva e outros. (BRASIL, 2007, p 11).
90
Ademais, competem aos sistemas de ensino disponibilizar instrutores,
tradutores/intérpretes de Libras, bem como monitor ou cuidador dos alunos com
necessidades de apoio nas atividades de higiene, alimentação, locomoção, entre
outras, o que é inovador nas propostas até então formuladas pelo governo brasileiro.
Além de discutir sobre a necessidade de se reformular os métodos de
avaliação escolar, advoga-se a necessidade de formação inicial e continuada
principalmente para professores que atuam na educação especial, pois se considera
que essa formação possibilita a atuação desses profissionais no atendimento
educacional especializado, aprofundando o caráter interativo e interdisciplinar que
deve ser constante entre as salas comuns e as salas de recursos.
Importa destacar outro aspecto que garante um diferencial a essa proposta
que reside na necessidade de se garantir a intersetorialidade na implementação das
políticas públicas para a inclusão escolar, “[...] tendo em vista o desenvolvimento de
projetos em parceria com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, aos
atendimentos de saúde, à promoção de ações de assistência social, trabalho e
justiça.” (BRASIL, 2007, p. 12).
Por fim, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva reporta aos sistemas de ensino o dever de:
[...] organizar as condições de acesso aos espaços, aos recursos pedagógicos e à comunicação que favoreçam a promoção da aprendizagem e a valorização das diferenças, de forma a atender as necessidades educacionais de todos os alunos. A acessibilidade deve ser assegurada mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas, urbanísticas, na edificação – incluindo instalações, equipamentos e mobiliários – e nos transportes escolares, bem como as barreiras nas comunicações e informações. (BRASIL, 2007, p. 12).
O caráter discursivo e explicativo da proposta pode ser considerado um
reflexo dos estudos e das pesquisas realizadas no campo da educação especial na
perspectiva da educação inclusiva e remonta as linhas teóricas dos autores que
contribuíram na sua elaboração.
Como se observa, as políticas públicas educacionais voltadas à Educação
Especial, no que se refere ao processo de inclusão, apresentam inúmeras propostas
que nos levam a questionamentos considerados de extrema importância para a
compreensão do tema. Questionamentos esses, que se fundamentam não só na
possibilidade – ou não – da implementação dessas políticas, mas, que permeiam
aspectos socioculturais, que conforme Ferreira (1998), são inerentes ao tema e que
91
serão analisados no próximo capítulo, quando serão discutidos os desafios e
possibilidades da inclusão escolar no município de Franca – SP.
Além dos documentos acima apresentados, importa a análise de outros
referenciais legais que contribuem para o direcionamento do olhar para o público da
Educação Especial, mais especificamente para os educandos com deficiência, pois
estes fundamentam as formas de se prensar sobre esses sujeitos, até há pouco
tempo ignorados pelos textos que regem as políticas públicas no Brasil.
Inicia-se a análise pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que foi
aprovado em julho de 1990, pela Lei nº 8.069/90, que regulamentou o art. 227 da
Constituição Federal Brasileira de 1988, atribuindo à criança e ao adolescente a
prioridade absoluta no atendimento aos seus direitos como cidadãos. No artigo 227,
lê-se:
Artigo 227º - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1999a, p.128).
A aprovação do Estatuto representou o esforço coletivo de inúmeros setores
da sociedade, entre eles, pais, organizações não governamentais, UNESCO e
governo federal, revelando um projeto de sociedade marcado pela igualdade de
direitos e de condições que devem ser construídas em conjunto por todos os setores
que compõem a sociedade brasileira. É, portanto, um instrumento importante nas
mãos do Estado brasileiro (sociedade e poder público) para transformar a realidade
da infância e juventude historicamente vítimas do abandono e da exploração
econômica e social.
Dentre os pontos que o Estatuto aborda estão o direito à saúde, ao lazer, à
liberdade, ao respeito, à família e à cultura. Para o presente trabalho, interessa a
reflexão sobre alguns artigos do capítulo IV, quando dispõe do Direito à Educação, à
Cultura, ao Esporte e ao Lazer.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
92
V - acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. (BRASIL, 1990, p. 10).
Com os artigos e incisos acima mencionados, tem-se a busca da garantia do
direito de acesso a uma escola pública, com qualidade, próxima à sua residência, o
que até a década de 1990 era restrito a apenas uma parcela da população que
possuía condições socioeconômicas de enviarem seus filhos às escolas, ao invés de
direcioná-los exclusivamente ao mercado de trabalho.
Outro ponto importante é o reconhecimento de que alunos com deficiência
possuem o direito de frequentarem a rede regular de ensino e que independente das
condições físicas, intelectuais e sociais, os alunos com necessidades educacionais
especiais possuem os mesmos direitos sociais e educacionais previstos no
documento.
O papel destinado aos pais e responsáveis na participação efetiva da vida
escolar de seus filhos é considerado fundamental para o desenvolvimento
educacional e social das crianças e adolescentes e faz parte de uma proposta que
congrega ao Estado e principalmente à sociedade civil a busca e garantia dos
direitos previstos nos artigos do referido Estatuto.
Considera-se que para que as propostas acima evidenciadas sejam
efetivadas, todos devem refletir sobre a visão acerca das crianças e adolescentes e
ressignificar suas posturas e ações.
Outra referência importante para o presente trabalho é a Lei número 10.098
de dezembro de 2000 que dispõe sobre a “Acessibilidade”. Isto porque, esta Lei
prevê a adaptação de edifícios públicos e privados com a construção de rampas,
banheiros, elevadores, estacionamentos, para proporcionar o acesso a pessoas com
93
baixa ou nenhuma mobilidade. Prevê também a adaptação de meios de transportes,
sinalização de trânsito e nos sistemas de comunicação. Ademais, garante
financiamentos por parte de programas federais e estaduais para incentivo às
modificações que a referida lei demanda, além de exigir que as novas construções
sejam já planejadas para a acessibilidade. A Lei está diretamente relacionada ao
processo de inclusão escolar, pois, a partir do momento em que determina a
acessibilidade em todos os locais acima mencionados, regulamenta a necessidade
de adaptação das escolas e dos transportes escolares para todos os alunos com
necessidades educacionais especiais.
No que se refere à acessibilidade comunicativa, interessa considerar a Lei
número 10.436, de abril de 2002, que dispõe sobre a “Língua Brasileira de Sinais”
(Libras), estabelecendo os direcionamentos para se implementar e regularizar o uso
da Libras promovendo a sua difusão e garantindo a sua inclusão nas instituições de
Ensino Superior para a formação de profissionais que desenvolvam o trabalho junto
a alunos surdos na rede regular de ensino, bem como o desenvolvimento e a
aplicação da Libras nas salas regulares. Assim, esta lei reconhece e legitima o uso
da Libras no Brasil. Em seu artigo 1º, lê-se:
Art. 1º - É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2002, p. 1).
Sendo um sistema linguístico legítimo e natural, a Libras possui uma estrutura
gramatical independente da Língua portuguesa falada no Brasil, possibilitando o
desenvolvimento linguístico, social e intelectual daquele que a utiliza enquanto
instrumento comunicativo, favorecendo seu acesso ao conhecimento cultural-
científico, bem como a inclusão no grupo social ao qual pertence.
A referida Lei enfatiza a necessidade de se difundir o uso da Libras, sendo
que para isso, o poder público e as empresas prestadoras de serviços públicos
devem criar mecanismos institucionais para viabilizar ações nesse sentido.
94
3.3 A Proposta do Estado de São Paulo
Seguindo a proposta do presente trabalho, após a análise dos documentos
elaborados pelo MEC, passou-se à investigação da legislação estadual para a
educação inclusiva. Foram encontradas algumas resoluções publicadas pela
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo desde o ano de 1994. Porém, ao
lê-las chegou-se à conclusão de que para o presente trabalho, não seria necessário
aprofundar em todas elas, pois, a Resolução SE nº. 11 de janeiro de 2008 (alterada
pela Resolução SE nº. 31, de 24 de março de 2008), que regulamenta a educação
de alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino,
contempla as resoluções anteriores.
Ademais, a rede municipal de ensino de Franca-SP tem o referido documento
como referência para a elaboração de suas propostas, pois os educandos com
necessidades educacionais matriculados na rede municipal, ao concluírem as séries
iniciais do Ensino Fundamental, frequentarão a rede Estadual de ensino,
demandando a sintonia entre as ações, para que o processo de ensino-
aprendizagem desses educandos não seja prejudicado.
A Resolução nº 11, seguindo as legislações acima abordadas, determina que
a educação de alunos com necessidades educacionais especiais seja desenvolvida
preferencialmente em classes comuns da rede regular de ensino, com apoio de
serviços especializados organizados na própria unidade escolar e em casos que as
escolas não possuam condições de oferecer esses serviços, prevê o atendimento
em outras escolas ou em centros regionais especializados.
Assim como a Declaração de Salamanca e a Resolução CNE/CEB nº 2, a
Resolução SE nº. 11, também inicia seu texto especificando o que se entende por
alunos com necessidades especiais, dizendo em seu artigo 1º que:
Art. 1º - São considerados alunos com necessidades educacionais especiais:
I - alunos com deficiência física, mental, sensorial e múltipla, que demandem atendimento educacional especializado;
II - alunos com altas habilidades, superdotação e grande facilidade de aprendizagem, que os levem a dominar, rapidamente, conceitos, procedimentos e atitudes;
III - alunos com transtornos invasivos de desenvolvimento;
95
V - alunos com outras dificuldades ou limitações acentuadas no processo de desenvolvimento, que dificultam o acompanhamento das atividades curriculares e necessitam de recursos pedagógicos adicionais. (SÃO PAULO (Estado), 2008, p. 1).
Um aspecto muito significativo da Resolução SE nº. 11, refere-se à
regulamentação das salas de recursos e dos critérios que devem ser seguidos para
que os alunos que delas necessitem a elas sejam encaminhados.
Neste sentido, prevê-se a avaliação pedagógica do aluno realizada pela
escola e o apoio da sala de recurso deverá ocorrer em período contrário ao que o
aluno está matriculado. Ademais, prevê a participação de professor especializado
que atenda alunos com necessidades especiais de uma única área. O professor
especializado, além de desenvolver o trabalho com os alunos, deve esclarecer
dúvidas dos professores da classe regular, orientar a equipe escolar quanto aos
procedimentos de inclusão, entre outras atividades que necessitem de apoio
especializado. Essas perspectivas estão regulamentadas pelos seguintes artigos:
Art. 10 - na organização dos Serviços de Apoio Especializado (Sapes) nas Unidades Escolares, observar-se-á que:
I - o funcionamento da sala de recursos será de 25 (vinte e cinco) aulas semanais, distribuídas de acordo com a demanda do alunado, com turmas constituídas de 10 a 15 alunos, de modo a atender alunos de 02(dois) ou mais turnos, quer individualmente, quer em pequenos grupos na conformidade das necessidades do(s) aluno(s);
II - as aulas do atendimento itinerante, a serem atribuídas ao docente titular de cargo como carga suplementar e ao ocupante de função-atividade na composição da respectiva carga horária, serão desenvolvidas em atividades de apoio ao aluno com necessidades especiais, em trabalho articulado com os demais profissionais da escola;
III - o apoio oferecido aos alunos, em sala de recursos ou no atendimento itinerante, terá como parâmetro o desenvolvimento de atividades que não deverão ultrapassar a 2 aulas diárias.
Art. 11 - a organização dos SAPEs na unidade escolar, sob a forma de sala de recursos, somente poderá ocorrer quando houver:
I - comprovação de demanda avaliada pedagogicamente;
II - professor habilitado ou, na ausência deste, professor com Licenciatura Plena em Pedagogia e curso de especialização na respectiva área da necessidade educacional, com, no mínimo, 360 horas de duração;
III - espaço físico adequado, não segregado;
96
IV - recursos e materiais didáticos específicos;
V - parecer favorável da CENP, expedido pelo Centro de Apoio Pedagógico Especializado.
§ 1º - As turmas a serem atendidas pelas salas de recursos poderão ser instaladas para atendimento de alunos de qualquer série, etapa ou modalidade do ensino fundamental ou médio, e as classes com professor especializado, somente poderão atender alunos cujo grau de desenvolvimento seja equivalente ao previsto para o Ciclo I.
§ 2º - A constituição da turma da sala de recursos, da classe com professor especializado e da itinerância deverá observar o atendimento a alunos de uma única área de necessidade educacional especial.
Art. 12 - Os docentes, para atuarem nos SAPEs, deverão ter formação na área da necessidade educacional especial, observada a prioridade conferida ao docente habilitado. (SÃO PAULO (Estado), 2008, p. 3).
Além de dispor sobre questões pedagógicas das salas de recursos, a
Resolução SE nº. 11 também aborda as questões de infraestrutura, afirmando que
tais salas só podem existir em escolas que tenham espaço físico não segregado e
materiais necessários para prover a inclusão, pois considera-se que sem essas
premissas haverá o retorno aos modelos de exclusão escolar dentro do próprio
ambiente educacional.
O documento congrega a todos os participantes do sistema estadual de
ensino a encarar o processo de inclusão escolar como a melhor maneira de se
atender o alunado com necessidades educacionais especiais e afirma que para isso
faz-se necessária a adoção de projetos pedagógicos e metodologias de trabalho
inovadoras e que atendam às necessidades e características da demanda de cada
unidade escolar.
Uma discussão essencial para o processo de inclusão escolar e que a
referida proposta fomenta são os critérios de avaliação para o encaminhamento de
alunos para as salas de recurso ou para classes especializadas, quando a situação
específica do aluno não permita o ingresso e permanência na sala regular. Em
momento algum o documento faz alusão ao encaminhamento à instituições
especiais, dizendo em seu artigo 9º que:
Art. 9º - Os alunos que não puderem ser incluídos em classes comuns, em decorrência de severa deficiência mental ou grave deficiência múltipla, ou mesmo apresentarem comprometimento do aproveitamento escolar em razão de transtorno invasivo do desenvolvimento, poderão contar, na escola regular, em caráter de
97
excepcionalidade e transitoriedade, com o atendimento em classe regida por professor especializado, observado o disposto no parágrafo único do art. 4° da Deliberação CEE 68/07.
§ 1º - Esgotados os recursos pedagógicos necessários para manutenção do aluno em classe regular, a indicação da necessidade de atendimento em classe regida por professor especializado deverá resultar de uma avaliação multidisciplinar, a ser realizada por equipe de profissionais indicados pela escola e pela família.
§ 2º - O tempo de permanência do aluno na classe regida por professor especializado dependerá da avaliação multidisciplinar e de avaliações periódicas a serem realizadas pela escola, com participação dos pais e do Conselho de Escola e/ou estrutura similar, com vistas a sua inclusão em classe comum.
§ 3º - O caráter de excepcionalidade, de que se revestem a indicação do encaminhamento dos alunos e o tempo de sua permanência em classe regida por professor especializado, será assegurado por instrumentos e registros próprios, sob a supervisão do órgão competente. (SÃO PAULO (Estado), 2008, p. 2).
Todos os direcionamentos acima abordados contribuem para a elaboração e
implementação de propostas inclusivas nas redes municipais de ensino e
possibilitam parcerias entre os diferentes níveis de governos para que a efetivação
de todas as diretrizes acima abordadas sejam seguidas e resultem em mudanças e
novas possibilidades de atendimento a todos os alunos nas redes públicas e
privadas do país.
99
A organização político-administrativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da
Constituição da República Federativa do Brasil (Constituição Federal, Artigo 18).
A questão da autonomia dos entes federativos acima pode ser observada
quando se tratam das atribuições da União com relação à distribuição das políticas
sociais, tais como habitação, saneamento básico, transporte e educação para os
três níveis de governo. Arretche (2000, p. 31), ao discutir essa questão expõe que:
Considerada uma dada distribuição de competências na área social e dada a barganha federativa da qual a política social é um dos componentes, as regras constitucionais influíram decisivamente no processo de descentralização de cada política social, uma vez que podem estabelecer diferentes imposições legais para os três níveis de governo e geram diferentes incentivos para que estes venham a assumir as funções de gestão das políticas. Assim, as regras constitucionais podem incentivar a transferência de atribuições ou, inversamente, não criar nenhum incentivo para tal, favorecendo assim a distribuição prévia de atribuições.
O processo de descentralização proposto nesse momento, atribui ao
município o papel central na implementação e oferta das políticas públicas.
Concebido como unidade da Federação, dotada de estrutura política, financeira e
administrativa, o município possui autonomia para planejar, executar e avaliar as
políticas públicas em consonância com as demandas locais.
É o Capítulo IV da Constituição Federal de 1988 que se refere às atribuições
municipais. O artigo 30 deste capítulo enumera as competências que estes devem
exercer.
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV – criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação estadual;
V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;
100
VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do planejamento e da ocupação do solo urbano;
IX – promover a proteção do patrimônio histórico – cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (BRASIL, 1999a, p.37).
O artigo 29º, do referido dispositivo legal, estabelece que o município “reger-
se-á por lei orgânica”. Essa lei é o instrumento maior de um município, promulgada
pela Câmara Municipal e atende princípios estabelecidos na Constituição Federal e
Estadual. Nela está contida a base que norteia a vida da sociedade local, na soma
comum de esforços visando o bem - estar social, o progresso e o desenvolvimento
da população.
No município de Franca, a Lei Orgânica Municipal (LOM) foi promulgada no
dia 05 de abril de 1990. Em seu preâmbulo, lê-se,
Nós, representantes do povo que fomos destinados a elaborar a Lei Orgânica do Município de Franca, Estado de São Paulo, queremos, um processo democrático assegurar a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça e a participação popular como valores primordiais de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. (FRANCA, 1990, online).
Com o objetivo de atender à proposta acima mencionada, o referido
documento é composto por seis Títulos subdivididos em um total de 20 capítulos,
que abordam todas as questões e direcionamentos considerados fundamentais para
o desenvolvimento do município. Importa a análise de alguns Títulos, Capítulos e
Artigos para compreender como a educação especial é discutida nessa esfera.
O Título I do referido documento discorre sobre as Disposições Transitórias,
sendo o Capítulo I referente ao município. O artigo 1º destina-se à organização e ao
grau de autonomia que o município possui com relação às outras instâncias
governamentais. Desse modo lê-se:
Art. 1 - O Município de Franca, parte integrante do Estado de São Paulo, organiza-se autônomo em tudo que respeite ao seu peculiar interesse, regendo-se por esta Lei Orgânica, as demais leis que adotar, respeitados os princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual. (FRANCA, 1990, online).
101
Nesse mesmo Capítulo, o artigo 8º discorre sobre as funções que o município
deve exercer, concomitantemente com a União e o Estado de São Paulo,
especificando no inciso II promover conjuntamente “a educação, o ensino e a
cultura”.
A educação encontra-se no Título V – Dos Direitos Sociais, no Capítulo I,
sendo estruturada em 20 artigos. O artigo 20427 refere-se à organização do sistema
municipal de ensino e, juntamente com o artigo 205, teve sua redação alterada pela
Emenda à Lei Orgânica nº 39, de 28 de setembro de 2005.
Art. 204 - A atuação da administração municipal de ensino dar-se-á por rede própria, e abrange o Ensino Fundamental, Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos. (FRANCA, 1990, online).
Já o artigo 20528, discorre sobre a responsabilidade do município sobre os
diferentes níveis de ensino.
Art. 205 - O município de Franca responsabilizar-se-á pela Educação Infantil em creches e Pré-Escola, e, com prioridade, o Ensino Fundamental, permitida a educação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência, e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. (FRANCA, 1990, online).
É no parágrafo 2°. do referido artigo, que pela primeira vez encontra-se nesse
dispositivo legal, a referência à educação especial.
§ 2º - O Município desenvolverá programas de educação especial, inseridos nas escolas de ensino regular, de forma a não haver segregação. (FRANCA, 1990, online).
Sendo complementado pelo artigo 217.
Art. 217 - O Município promoverá todos os meios para garantir atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, visando à garantia de padrão de qualidade, atendendo às demandas e necessidades do deficiente, quanto ao recurso humano especializado, recurso físico, material e equipamento. (FRANCA, 1990, online).
Outros artigos que regulamentam a atenção e atuação junto à educandos
com necessidades educacionais especiais encontram-se no Capítulo V – Da 27 Redação original - Art. 204. A atuação da administração municipal de ensino público dar-se-á por rede própria, na educação pré-escolar e no ensino fundamental, para jovens e adultos, que, na idade própria a eles, não tiverem acesso, e, através de cooperação e programas intercomplementares, no ensino fundamental gratuito, mantido pelos poderes públicos.
28 Redação original - Art. 205. O Município de Franca responsabilizar-se-á, prioritariamente, pelo ensino pré-escolar e ensino fundamental para os que a ele não tiverem acesso na idade própria, atuando nos níveis mais elevados apenas quando a demanda dos primeiros estiver satisfatoriamente atendida, quantitativa e qualitativamente.
102
Promoção e Assistência Sociais. Nesse capítulo há o destaque à participação ativa
da comunidade para a promoção social e desenvolvimento de projetos e programas
sociais no município. Mais especificamente voltado às pessoas com deficiência, o
referido capítulo destina dois artigos que relacionam a assistência social ao
atendimento educacional.
Art. 252 - O Município ampliará o atendimento nas áreas de Saúde e Educação, mediante a atuação de uma equipe de Profissionais multidisciplinares para acompanhamento de crianças e adolescentes que apresentem dificuldades de desenvolvimento psico-intelectual.
Art. 253 - O Município viabilizará formas de atendimento, tais como clínicas, centros educativos, de terapia e/ou outros destinados às crianças e adolescentes portadores de limitações sensoriais, físicas ou mentais. (FRANCA, 1990, online).
A organização dos serviços públicos locais e a formação do quadro de
servidores públicos também são asseguradas pela LOM para garantir a autonomia
administrativa do município. Desse modo, tem-se como autoridades políticas o
Prefeito, o Vice-Prefeito e os Vereadores e como órgãos públicos administrativos as
Secretarias Municipais29, Autarquias30, Empresas municipais31 e uma Fundação32.
O setor público municipal que se responsabiliza pela gestão educacional do
município é a Secretaria Municipal de Educação.
Palma Filho (2007, p. 15), ao discutir a questão da descentralização da
educação nos sistemas de ensino brasileiro, diz que,
No caso específico da educação, a Constituição Federal de 1988, ao inovar com a criação dos sistemas municipais de educação e, particularmente, após a aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional nº 14, ficam dadas as condições gerais para a descentralização da educação básica, ao menos nos seus dois primeiros segmentos educação infantil e ensino fundamental. É portanto uma descentralização que se dá em termos de municipalização da educação33.
29 São elas: Administração, Ação Social, Saúde, Educação, Finanças, Serviços e Meio – Ambiente, Urbanismo e Habitação, Segurança e Cidadania e Desenvolvimento.
30 Faculdade de Direito de Franca (FDF), Centro Universitário de Franca (UNI – FACEF) e Serviço de Assistência e Seguro Social dos Municipiários de Franca.
31 Empresa Municipal para o Desenvolvimento de Franca (EMDEF) e Habitação Popular de Franca (PROHAB).
32 Fundação de Esporte, Arte e Cultura (FEAC). 33 A Emenda Constitucional nº 14 instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério (FUNDEF), modificando os artigos 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dando nova redação ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
103
4.1 A municipalização do ensino em Franca – SP
Segundo o Plano Diretor da Secretaria de Educação e Cultura de Franca de
1998, as primeiras formas de atendimento educacional vinculadas à Prefeitura
Municipal de Franca se deram na condição de convênios estabelecidos entre
Instituições Filantrópicas que mantinham creches para cuidarem dos filhos de
operárias na década de 1950.
Em virtude das transformações socioeconômicas e do aumento da população
urbana, na década de 1960 foi se organizando no município a atenção às crianças
de 0 a 6 anos de idade, sendo as instituições mantidas por Entidades Filantrópicas,
Instituição Particular e Rede Estadual de Ensino.
A primeira escola Municipal foi inaugurada ainda na década de 1960, pelo
Departamento de Educação e Cultura (D.E.C) – chamada de Pré – primário,
funcionando com uma classe no Lar Escola São Vicente de Paula.
No início dos anos de 1970, foram celebrados novos convênios entre a
Prefeitura e os Parques Infantis, creches e Escolas Estaduais. Nesses convênios a
Prefeitura providenciaria os professores, materiais didáticos e merenda e os outros
órgãos participantes emprestariam o espaço físico – salas de aula, sanitários,
espaço de recreação, etc. – e o mobiliário.
Na década de 1980, devido às atuações mais pontuais e efetivas do Estado
de São Paulo com relação à municipalização do ensino34, as escolas da rede
municipal de Franca passaram a se chamar Escolas Municipais de Educação Infantil
– EMEIs – atendendo cerca de 3.199 alunos em 126 classes.
A década de 1990 foi marcada por inúmeras reformulações no sistema de
Ensino Municipal. No ano de 1990 as EMEIs foram divididas em quatro regiões -
Norte, Sul, Leste e Oeste – sob a responsabilidade de quatro diretores, atendendo
3.859 alunos em 133 classes. No ano de 1991 houve uma nova reestruturação na
rede municipal, sendo necessária a uma nova divisão das regiões para que a
demanda fosse atendida com qualidade. Desse modo, passou a existir seis regiões
– Norte, Sul, Leste, Oeste, Noroeste e Sudoeste – ficando cada uma sob a
responsabilidade de um diretor, atendendo um total de 4.700 alunos em 163 classes.
34 Para maiores informações consultar Santos (2007, p. 39-52).
104
A municipalização efetiva do ensino em Franca teve o ano de 1992 como um
marco significativo, pois as 20 classes de pré-escola existentes no município sob
administração estadual foram transferidas para a esfera municipal, passando a
atender 6.000 alunos em 220 classes, o que demandou um rearranjo nas estruturas
educacionais municipais.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9.394/96 a esfera municipal passou a se responsabilizar oficialmente pela educação
infantil e pelo Ensino Fundamental. Em seu artigo 11º, inciso V, lê-se:
Art. 11º. Os Municípios incumbir-se-ão de:
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. (BRASIL, 1996, p. 5).
Apesar de o município atender alguns alunos do Ensino Fundamental desde
1995, a rede municipal para esse nível educacional passou a ser implantada
efetivamente a partir de 1998, com a construção de escolas em diversos bairros da
cidade que ainda não possuíam escolas de Ensino Fundamental Estadual, ou seja,
estabeleceu-se como um atendimento gradativo da demanda, o que ocorre até os
dias de hoje.
Atualmente a rede municipal de educação possui 68 escolas de Educação
Infantil, atendendo 5.892 alunos, 26 escolas de Ensino Fundamental com um total
de 9.811 alunos, atende 3.305 alunos na EJA e com o sistema de convênio com
Instituições Filantrópicas o município atende 4.000 crianças em creches35.
O sistema municipal de ensino está estruturado em cinco regiões – Norte, Sul,
Leste, Oeste e Centro – para que as especificidades de cada região sejam atendidas
com excelência.
A Secretaria Municipal de Educação, por meio da Divisão de Ensino, é
responsável pela parte organizacional, de funcionamento e gerenciamento das
Escolas Municipais e conta com uma Equipe de Gestão Pedagógica para o
desenvolvimento de suas atividades. Essa equipe é composta por 32 diretores de
escola, 26 coordenadores pedagógicos, 23 orientadores educacionais, 26
35 Fonte Secretaria Municipal de Educação – data de referência: setembro de 2010.
105
pedagogos nas escolas, 19 pedagogos nas creches, 5 pedagogos nas salas de
recursos, 2 professores de educação especial, 1 fonoaudiólogo e 1 estagiário.
A Equipe de Gestão Pedagógica tem por finalidade subsidiar todo o trabalho
pedagógico das escolas, tanto nos aspectos teóricos como práticos, contribuindo
para que todos os envolvidos com a educação estudem, reflitam e questionem,
continuamente, as ações educacionais e seus resultados, promovendo um cenário
educativo acolhedor e pleno de aprendizagem com sucesso para todos.
Atendendo ao objetivo acima mencionado, cada cargo desempenha uma
função específica, tendo por princípio o conceito de gestão educacional. Segundo a
Secretaria Municipal de Educação,
A expressão ‘gestão educacional’, comumente utilizada para designar a ação dos dirigentes, surge, por conseguinte, em substituição a ‘administração educacional’, para representar não apenas novas ideias, mas sim um novo paradigma, que busca estabelecer na instituição uma orientação transformadora, a partir da dinamização de rede de relações que ocorrem, dialeticamente, no seu contexto interno e externo. (FRANCA, 2008, p. 15).
Desse modo, ao Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador
competem a responsabilidade pela formação continuada dos professores, pelo
acompanhamento, pela orientação e pela intervenção do trabalho pedagógico
desenvolvido nas escolas. O Orientador educacional é o profissional responsável
pelo processo de integração escola-família-comunidade. Este profissional visa a
formação do aluno no que se refere ao desenvolvimento de sua personalidade,
levando-o a adquirir atitudes e comportamentos de respeito aos valores humanos
universais, essenciais à aquisição da aprendizagem escolar.
Os Pedagogos da Educação Infantil (4 e 5 anos) e Ensino Fundamental são
responsáveis pelo mapeamento, avaliação e atuação junto aos alunos que são
encaminhados e apresentam necessidades educacionais especiais e/ou dificuldades
de aprendizagem. Já os Pedagogos da Educação Infantil (0 a 3 anos) são
responsáveis pela formação continuada dos educadores de creches; orientação e
acompanhamento do trabalho pedagógico.
Esses profissionais juntos exercem algumas funções essenciais para que a
proposta educacional da Secretaria Municipal de Educação se desenvolva com
resultados. São elas: a elaboração de projetos pedagógicos visando seu
desenvolvimento em toda a rede; avaliação dos projetos que são encaminhados à
Secretaria Municipal de Educação e redirecionamento, quando viável, dos mesmos
106
para as escolas; formação continuada para professores alfabetizadores; integração
com a equipe de Assistentes Sociais para o trabalho de aproximação qualitativa de
comunidade e escola, com o objetivo de serem parceiros na aprendizagem;
formação continuada dos especialistas que atuam nas escolas, nos segmentos da
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos;
acompanhamento, nas escolas, das ações de formação continuada oferecidas na
Secretaria de Educação aos especialistas da educação.
Nessa conjuntura o Diretor assume papel relevante, conjugando compromisso
político que o fazer pedagógico exige com sua competência técnica e a de todos os
envolvidos no processo educativo, para melhor atender as expectativas da
comunidade que procura a escola. Sendo um mediador do processo educacional e o
elo entre Secretaria Municipal de Educação e comunidade escolar, são atribuídos ao
Diretor os papéis de:
O administrador educacional – que tem a função de representar, na Escola, a instituição responsável pela educação local e por isso comunga-lhe os princípios e ideais, responsabilizando-se pela aplicação da legislação de ensino vigente e pelas normas administrativas, emanadas dessa instituição.
O gestor escolar – que se responsabiliza pelo cotidiano da Escola, gerenciando-a em seus aspectos físicos e humanos, propiciando as condições de funcionamento, o enriquecimento profissional e perseguindo a qualidade pretendida pela instituição pública local.
O agente social – que deve fortalecer os vínculos entre a Escola e a comunidade, busca-lhe a parceria, coloca-se como um servidor dessa comunidade, ouvindo-lhe os anseios, partilhando decisões e compartilhando resultados, conforme prevê a legislação emanada do órgão central.
O supervisor técnico-pedagógico – que assume a responsabilidade primeira pela qualidade da educação, dominando os fundamentos da política educacional e do Currículo, definidos pelo órgão central, e da proposta pedagógica da sua escola. Conhece e estimula a atuação didática de seus professores, fornece-lhes apoio técnico e material, acompanha o desempenho dos alunos, controlando os critérios de avaliação utilizados e proporcionando-lhes condições de progresso e de sucesso. Preocupa-se com que sua escola ocupe lugar de destaque em relação aos índices de promoção, confrontados com os das demais Escolas. (FRANCA, 2008, p. 16-17).
Os diretores também são responsáveis pelos núcleos escolares compostos
por uma Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) e EMEIs. Na região sul
existem 16 escolas – 6 EMEBs e 10 EMEIs – sendo divididas em 6 núcleos. Na
107
região Leste existem 13 escolas – 4 EMEBs e 9 EMEIs – sendo dividida em 4
núcleos escolares. A região central possui 5 escolas, compondo 1 núcleo escolar,
com 1 EMEB e 4 EMEIs, além de escola municipal de Educação de Jovens e
Adultos, um Centro de Supletivo à Distância, um Centro de Educação Integrada e
uma Escola Municipal de Iniciação Musical, cada qual com o seu diretor. A região
Norte possui 24 escolas, sendo 9 EMEBs, 14 EMEIs e uma Escola Municipal de
Educação de Jovens e Adultos, formando 9 núcleos escolares. Na região Oeste
existem 5 EMEBs, 10 EMEIs e uma Escola Municipal de Educação de Jovens e
Adultos, formando 5 núcleos escolares.
Para direcionar as ações pedagógicas no município e estruturar uma rede de
ensino coesa e coerente, no ano de 2008 foi concluído o Referencial Curricular da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental das Escolas Públicas Municipais de
Franca.
Tendo como eixo norteador geral as diretrizes da Conferência de Jomtien
(1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, os dados do
Relatório Jacques Delors – Educação um Tesouro a Descobrir – de 1996 e a
atenção direta à legislação educacional vigente no país e no Estado de São Paulo, o
Referencial foi elaborado por uma comissão composta por gestores educacionais do
município e foi aprovado pela Secretaria Municipal de Educação após a validação
teórica e prática das escolas municipais.
A Secretaria Municipal de Educação tem como missão:
Servir a comunidade e a família garantindo educação de qualidade, assegurando acesso, permanência e sucesso de todos os alunos, promovendo uma cultura para a paz e a justiça, num processo de melhora contínua. (Fonte: Secretaria Municipal de Educação, 2010).
É com base nessa missão que a Secretaria desenvolve seu trabalho e pauta
a estrutura de suas ações.
Para a Secretaria Municipal de Educação, o referencial curricular do município
é a expressão máxima do que se compreende e se pretende para o
desenvolvimento educacional dos educandos abarcados por esse sistema de
ensino, pois “Este documento apresenta-se como um condutor, um norte, um eixo
fundamental na consecução do objetivo primeiro de nosso sistema: o sucesso
escolar – meta desta Administração Municipal.” (FRANCA, 2008, p. 3).
Segundo a Diretora da Divisão Regional de Ensino de Franca, o objetivo
desse documento é:
108
É construir a Identidade Educacional do Município - um ato de amor e, sobretudo, um ato de coragem da Secretaria Municipal de Educação, quando através de intensos estudos e profunda reflexão, define a Concepção de Educação para o município, os eixos filosóficos que a norteiam, seu tratamento metodológico, culminando com a construção dos Referenciais Curriculares das Escolas Públicas Municipais, que serão um marco referencial para o estabelecimento de diretrizes pedagógicas da Educação Básica e que deverão orientar políticas de implementação para a melhoria da qualidade de ensino. (FRANCA, 2008, p. 3).
Apresenta-se como uma proposta curricular que se assume como
construtivista e psicopedagógica:
Construtivista porque enfatiza, como finalidade última da educação, a promoção do crescimento dos seres humanos; porque valoriza uma aprendizagem significativa e uma memorização compreensiva. Psicopedagógica no sentido de que, para promover o crescimento, há de se conhecer e respeitar os processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança, há de se interagir com ela de forma interdependente. (FRANCA, 2008, p. 3).
Com base nesses fundamentos, estrutura-se uma proposta aberta às
adaptações necessárias ao dia-a-dia de uma sala de aula, sendo um norte comum
para “[...] guiar a ação pedagógica do professor, tornando-a mais eficaz e ajudando-
o a enfrentar as múltiplas situações que encontra em sua tarefa profissional.”
(FRANCA, 2008, p. 4).
O documento se inicia com a discussão sobre a concepção de currículo que o
município adota. Para a Secretaria Municipal de Educação de Franca, o currículo
não pode ser considerado um mero conjunto de objetivos, conteúdos, experiências
de aprendizagem e avaliação. Este deve ser o conjunto das oportunidades e
experiências disponibilizadas ao educando para o seu crescimento integral,
compreendido como um processo coletivo, discernido em diálogo com todos os
segmentos da comunidade escolar, sendo selecionado saberes, competências,
conhecimentos e habilidades.
Acompanhando as novas concepções pedagógicas, deve-se ultrapassar a ideia de currículo como a simples seleção e organização de conteúdos predeterminados. Trata-se de organizar, de forma problematizadora, o conteúdo de estudo, relacionando-o com interesses e necessidades presentes e futuras, a fim de torná-lo significativo e intencional para o educando. Procura-se ultrapassar a fragmentação e os limites das especialidades, tratando os componentes curriculares global e integradamente, organizando-os por áreas do conhecimento, por projetos, por complexos temáticos, e desenvolvendo-os interdisciplinar, transdisciplinar e transversalmente. (FRANCA, 2008, p. 10).
109
Considerando a realidade da educação municipal, propõe-se, então, uma
estrutura curricular fundamentada na concepção construtivista do ensino e da
aprendizagem, entendida não como metodologia didática, mas como instrumento de
planejamento, indagação e análise da prática educacional. Para a Secretaria
Municipal, mais que uma expressão do conhecimento acumulado pala humanidade,
o currículo deve possibilitar a compreensão da cultura e a valorização da diversidade
cultural, para proporcionar a inserção social focada no desenvolvimento do
educando e na sua formação plena para o exercício da cidadania.
Objetiva-se uma metodologia de ensino pautada na Pedagogia por Projetos,
na qual o que se aprende assume significado relevante na vida cotidiana dos
educandos. Por meio de Projetos os professores incentivam a pesquisa, promovem
o desenvolvimento de habilidades e competências essenciais para a vida dos
alunos, além de contribuírem para a formação de alunos críticos e ativos
socialmente.
Os conceitos de competências e habilidades são aqui compreendidos como atributos intelectuais e cognitivos apreendidos a partir da ação educativa e disponíveis para o agir eficiente em qualquer situação de vida do ser humano. Construir habilidades e desenvolver competências pressupõe disponibilizar recursos mobilizáveis que, na estrutura cognitiva, assumirão sua postura em sinergia, objetivando um agir eficiente em situações complexas da vida da pessoa. (FRANCA, 2008, p. 40).
A interdisciplinaridade e a transversalidade norteiam o desenvolvimento de
habilidades e competências visando a formação integral dos alunos, a compreensão
da cultura e da compreensão do mundo.
Há que se ter clareza que a práxis educativa reflete e é refletida pelo modelo de relações estabelecido na escola. Optar pela concepção construtivista e pela prática de projetos enquanto democratização dos processos de ensino e aprendizagem, definir uma prática baseada na construção de habilidades e desenvolvimento de competências por significar formação humana, pensar e fazer educação no sentido de proporcionar o cumprimento da função social da escola, pressupõe uma nova lógica nas relações de poder. É um paradoxo construir uma práxis educacional pelas vias da democracia sobre bases arcaicas da visão de administração educacional. Faz-se primordial buscar e construir novas relações a partir da ótica da gestão educacional, objetivando uma escola que prima pelo acesso, permanência e sucesso das crianças e jovens que estão sob sua responsabilidade. (FRANCA, 2008, p. 11).
Outra proposta enfocada nesse documento é a implementação do Ensino
Fundamental de 9 anos. Essa reestruturação atende às diretrizes da LDBEN
110
9394/96 e do Plano Nacional de Educação de 2001 e visa possibilitar o acesso e
permanência de crianças nas escolas de Ensino Fundamental. O documento
enfatiza que essa nova estrutura educacional deve respeitar o tempo de
aprendizagem das crianças, pois, não se trata de transferir para as crianças de seis
anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas conceber uma
nova estrutura de organização dos conteúdos no Ensino Fundamental de nove anos,
considerando o perfil de seus educandos.
Implantar um Ensino Fundamental, agora de nove anos, leva necessariamente a repensá-lo no seu conjunto. Assim, esta é uma oportunidade preciosa para uma nova práxis dos educadores, sendo primordial que ela aborde os saberes e seus tempos, bem como os métodos de trabalho. Os educadores são convidados a uma práxis que caminhe na direção de uma escola de qualidade social. (FRANCA, 2008, p. 24).
A rede municipal, antes de estruturar o ensino de 9 anos, já atendia alunos
com seis anos de idade. A Rede Municipal de Franca tem seu ensino organizado por
ciclos (implantado em 1997), sendo que a nomenclatura para o Ensino Fundamental
de 9 anos ficou disposta da seguinte maneira: I Ciclo – 1º ano, 2º ano e 3º ano –; II
Ciclo – 4º ano e 5º ano.
Assim, a criança passa a ter o direito de um tempo maior de escolaridade obrigatória, que deve ser compreendido como ampliação de suas possibilidades de aprender e de interagir com parceiros da mesma idade e com outros mais experientes. Enfim, considerar a especificidade da faixa etária das crianças significa reconhecê-las como cidadãs possuidoras de direitos, entre eles, uma educação de qualidade, proteção e cuidado por parte do poder público. (FRANCA, p. 26).
Há também a necessidade de preparo e desenvolvimento do professor para
atender essa faixa etária,
É essencial que esse professor esteja sintonizado com os aspectos relativos aos cuidados e à educação dessas crianças, seja portador ou esteja receptivo ao conhecimento das diversas dimensões que as constituem no seu aspecto físico, cognitivo-lingüístico, emocional, social e afetivo. Nessa perspectiva, faz-se essencial assegurar ao professor programas de formação continuada específicos que atendam às crianças desta faixa etária. (FRANCA, 2008, p. 23).
Para garantir a formação continuada dos professores, na rede municipal de
ensino existem as Reuniões Pedagógicas (REP) que ocorrem todas as quintas –
feiras após o intervalo – recreio36. Nas REP são discutidos assuntos relacionados ao
36 Nos dias de REP os alunos saem mais cedo da escola.
111
cotidiano escolar, são realizadas palestras com diversos profissionais que auxiliam o
desenvolvimento educacional dos alunos, além de repasses de informações,
decisões e direcionamentos assumidos pela Secretaria Municipal de Educação que
necessitam ser desenvolvidos nas escolas.
A participação da comunidade no desenvolvimento e sucesso escolar dos
alunos é fundamental para que o município consiga atender à proposta de
democratização do ensino. Essa participação é concretizada mediante a presença
da comunidade escolar na elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) das
escolas, participação em palestras oferecidas, exposições e festividades promovidas
pela escola para divulgar os trabalhos realizados pelos alunos, bem como
participação em reuniões com os professores e gestores da unidade escolar.
Ademais, existem na Secretaria Municipal de Educação algumas instâncias
deliberativas representadas por conselhos. São eles: Conselho do FUNDEB37,
Conselho Municipal de Educação38 e o Conselho da Alimentação Escolar39. Para a
Secretaria “Acreditar nesta parceria da escola e família e trabalhar coletivamente
para que isso ocorra pode ser o segredo do sucesso de uma aprendizagem
realmente significativa e de qualidade para os alunos.” (FRANCA, 2008, p. 34).
4.2 Proposta de Inclusão Escolar na Rede Municipal de Franca – SP
Fundamentada nas diretrizes abordadas no capítulo anterior, a Secretaria
Municipal de Educação destinou um capítulo do Referencial Curricular da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental de Franca – SP para a proposta de educação
inclusiva, denominado: “Educação Inclusiva: Educação para TODOS e para cada
um”, que tem por objetivo assegurar o “[...] acesso e permanência de todas as
crianças, jovens e adultos, em todas as modalidades do sistema educacional,
independente de suas condições pessoais de raça, gênero, etnia, classe social ou
deficiência”. (FRANCA, 2008, p. 57).
A proposta de inclusão elaborada pela rede municipal parte do pressuposto
de que a escola não pode se isentar das responsabilidades relativas às dificuldades
de seus alunos e que para isso, deve-se pautar no princípio de que todas as
37 Criado pela Lei nº 6.815 de 13 de abril de 2007. 38 Criado pela Lei nº 4.952 de 02 de dezembro de 1997. 39 Criado pela Lei nº 4.598 de 15 de setembro de 1995.
112
crianças podem aprender juntas, independente das necessidades educativas
especiais que possuam.
A proposta advoga que, para o processo de ensino – aprendizagem ser
desenvolvido plenamente na sala de aula e no ambiente escolar e contemple todos
os alunos, é necessária uma ação conjunta entre escola e comunidade. Desse
modo, propõe-se a construção de uma rede de apoio, podendo ser constituída por
alunos, diretores, pais, professores, psicólogos, terapeutas, especialistas em
educação e servidores. Juntos, esses agentes terão a oportunidade e a
responsabilidade de resolverem problemas, trocarem ideias, desenvolverem
métodos, técnicas e atividades, com a finalidade de ajudar não somente os alunos,
mas os professores, para que possam ser bem sucedidos em seus papéis.
Nesse processo, o diretor deverá proporcionar a todas as crianças o acesso
igualitário a um currículo básico, rico e uma aprendizagem de qualidade, além de
promover na escola uma ressignificação da cultura escolar, desenvolvendo práticas
mais cooperativas e menos competitivas nas salas de aula e na escola. Ademais,
deve incentivar a criação de valores positivos de respeito, solidariedade, ética,
cidadania e diversidade.
Evidencia-se a necessidade de estabelecer uma rotina escolar para que todos
os alunos recebam o apoio necessário para participarem de todas as atividades
realizadas na escola e pela escola de forma igual e plena.
O papel dos educadores é fundamental para que o processo de inclusão
escolar ocorra com sucesso. Além de ser um parceiro direto na execução da
proposta da Secretaria Municipal de Educação, os educadores, na figura do
professor e equipe de gestão pedagógica, devem promover a flexibilidade curricular,
compreendendo o tempo de aprendizagem de cada aluno, seus desafios e
conquistas, tornando o aprendizado significativo.
As adequações curriculares constituem, pois, possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os alunos. (FRANCA, 2008, p. 59).
Para que isso seja possível, os educadores devem examinar e adotar várias
abordagens de ensino para trabalhar com alunos com diferentes níveis de
desempenho, reavaliando as práticas e determinando as melhores maneiras de
113
promover a aprendizagem ativa para os resultados educacionais almejados.
Segundo a proposta, deve-se ter muito bem delimitado o que o aluno deve aprender,
como deve aprender, quando deve aprender, qual metodologia de ensino é a mais
adequada e como o aluno deve ser avaliado.
Desse modo, as adequações curriculares devem ser planejadas e
desenvolvidas em três níveis: no âmbito do projeto pedagógico; no currículo
desenvolvido na sala de aula; e no nível individual relacionado ao processo de
ensino – aprendizagem.
No âmbito do projeto pedagógico tem-se a necessidade de preparação e
dedicação da equipe educacional para que o ambiente escolar e a comunidade
escolar tenham possibilidades de promover a inclusão plena, removendo não só as
barreiras arquitetônicas, mas principalmente as barreiras culturais. Ademais, é no
projeto pedagógico que se deve discutir como o apoio a recursos especializados
serão utilizados e como isso acontecerá, com o objetivo de promover o acesso ao
currículo e às suas adaptações.
A flexibilização curricular deve ser utilizada como estratégia para responder
aos estilos de aprendizagem. Desse modo, elas dizem respeito:
- À priorização de áreas ou unidades de conteúdos que garantam funcionalidade e que sejam essenciais e instrumentais para as aprendizagens posteriores. Ex. habilidades de leitura e escrita, cálculos, etc.
- À priorização de objetivos que enfatizam as capacidades e habilidades básicas de atenção, participação e adaptabilidade do aluno. Ex. desenvolvimento de habilidades sociais, de trabalho em equipe, de persistência na tarefa, etc.
- À sequenciação pormenorizada de conteúdos que requeiram processos gradativos de maior complexidade da tarefa, atendendo à sequência de passos, à ordenação da aprendizagem, etc.
- Ao reforço da aprendizagem e à retomada de determinados conteúdos para garantir o seu domínio e a sua consolidação.
- À eliminação de conteúdos menos relevantes, secundários, para dar enfoque ao essencial do currículo. (FRANCA, 2008, p. 59).
As formas de ensinar, ou seja, as adaptações didáticas e metodológicas são
pautadas na utilização de recursos de acessibilidades que favoreçam o apoio físico,
visual, verbal e gestual aos alunos com deficiência temporária ou permanente, de
modo a possibilitar a realização das atividades escolares e o processo avaliativo.
114
Esse apoio “[...] pode ser oferecido pelo professor regente, pelo professor de sala de
recursos, pelo professor itinerante ou pelos próprios colegas.” (FRANCA, 2008, p. 60).
Os critérios e os modos de avaliação também são adaptados para atender às
especificidades dos alunos.
A seleção de técnicas e instrumentos avaliativos são modificadas para considerar a capacidade do aluno em relação ao proposto para o restante da classe, acrescentando objetivos complementares e específicos que minimizem as dificuldades concernentes à deficiência. (FRANCA, 2008, p. 57).
Um ponto de destaque na proposta inclusiva do município é a necessidade de
mudança de mentalidade, no sentido de promover a valorização plena do sucesso
escolar dos alunos. Isso só será possível se os profissionais da rede municipal de
ensino oferecerem aos alunos a oportunidade de aprender com os desafios e
considerarem a criatividade e a iniciativa como premissa absoluta para o
desenvolvimento educacional. Dessa forma, torna-se mais sistemática a busca por
respostas aos desafios que inevitavelmente surgem quando as novas oportunidades
de aprendizagem e desenvolvimento apresentam-se.
Para que os objetivos da referida proposta sejam atendidos, faz-se necessário
desenvolver uma assistência técnica organizada e contínua, que deve incluir
recursos humanos especializados para atuarem como consultores e facilitadores,
recursos materiais, tais como biblioteca prontamente acessível com materiais
atualizados, recursos em vídeo e áudio que enfoquem a reforma da escola e as
práticas educativas inclusivas e um plano abrangente, condizente e contínuo de
formação em serviço.
Nesse ponto, entra em discussão o papel da Educação Especial e sua
relação com o cenário da educação inclusiva municipal. A realização de ações
pedagógicas inclusivas demanda a percepção do sistema escolar como um todo,
unificado, em vez de estruturas paralelas, separadas, sendo uma para alunos
regulares e outra para alunos com necessidades educacionais especiais.
Pensando as escolas especiais como suporte ao processo de inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais e com deficiências na escola regular, a coordenação entre os serviços de educação, saúde e assistência social aparece como essencial, apontando, nesse sentido, a possibilidades das escolas especiais funcionarem como centros de apoio e formação para a escola regular, facilitando a inclusão dos alunos nas classes comuns ou mesmo a frequência concomitante nos dois lugares. (FRANCA, 2008, p. 55-56).
115
A questão que se coloca é compreender como o atendimento educacional
especializado integra o processo de inclusão escolar. A manutenção de serviços
especializados e de apoio aos processos de ensino – aprendizagem são essenciais
para a concretização de uma educação radicalmente inclusiva.
Com isso, descaracterizam-se as necessidades educacionais especiais como exclusividade “para deficientes” e passa-se a entendê-las como algo que todo o aluno, em maior ou menor grau, ocasional ou permanentemente, pode vir a demandar. Assim, a educação especial deixa de ser o FIM para se transformar no MEIO de assegurar o direito à escola de boa qualidade a todos. (FRANCA, 2008, p. 56).
Por fim, a proposta enfatiza que a inclusão escolar na rede municipal de
ensino de Franca – SP, somente obterá sucesso se toda a comunidade escolar
promover o apoio aos alunos com dificuldades para aprender,
[...] com o compromisso de fazer o ensino inclusivo acontecer, com espontaneidade e a coragem de assumir os riscos, trabalhando em equipe, desenvolvendo novas habilidades e promovendo uma educação de qualidade a todos os alunos. (FRANCA, 2008, p. 60).
117
5.1 O caminho percorrido
“Você poderia me dizer, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?” disse Alice. “Isto depende muito de onde você quer chegar.” Respondeu o gato. (CARROLL, Lewis. Alice no país das maravilhas, p. 58).
Com o objetivo de compreender como o processo de inclusão escolar se
desenvolve no município de Franca – SP e verificar seus desafios e perspectivas, o
caminho aqui escolhido para unir o ponto de partida do presente estudo, ao seu
ponto de chegada foi a pesquisa qualitativa de caráter sócio-histórico. Isso por que,
Trabalhar com a pesquisa qualitativa numa abordagem sócio-histórica consiste, pois, numa preocupação de compreender os eventos investigados, descrevendo-os e procurando as suas possíveis relações, integrando o individual com o social [...] a observação não deve se limitar à pura descrição de fatos singulares, o seu verdadeiro objetivo é compreender como uma coisa ou acontecimento se relaciona com outras coisas ou acontecimentos. (FREITAS, 2006, p. 90).
Ademais, na perspectiva sócio-histórica,
Os estudos qualitativos, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e por intermédio, compreender também o contexto. (FREITAS, 2006, p. 89).
Para Minayo (1994, p. 21-22),
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Frente a essas considerações a pergunta que ficou no ar foi: como então
analisar os dados obtidos, considerando todos os elementos subjetivos acima
citados, sem que se caia em uma mera análise pessoal dos acontecimentos?
São Brito e Leonardos (2006) quem esclarecem esse questionamento.
Segundo as autoras, para se alcançar uma visão complexa da realidade é preciso
compreender o modo que o pensamento dos envolvidos na pesquisa se estrutura.
Isso só é possível se a pesquisa realizada estiver pautada em três agentes
fundamentais representados pelo pesquisador, pela literatura científica e pelo
118
objeto/sujeito da pesquisa. Para as autoras, esses três elementos dialogam entre si
e consigo mesmo, considerando os fatores internos e externos que os compõe.
Seguindo esse posicionamento, primeiramente foi realizado o estudo da
literatura referente à temática da inclusão escolar para tatear o terreno que se
propunha desbravar. Percebeu-se que há um grande otimismo com relação à
temática por parte de autores que há muito se dedicam a estudar a Educação
Especial e que a proposta de inclusão escolar surgiu em decorrência de um
processo histórico de lutas, reivindicações e posturas políticas para garantir a
igualdade e a justiça social. Juntamente com a literatura científica, encontrou-se na
análise documental um grande respaldo que possibilitou o embasamento e a
compreensão da inclusão escolar como uma política pública, encarando-a como
parte da realidade educacional brasileira.
Sabe-se que toda pesquisa nasce de um questionamento. Esse
questionamento tem na figura do pesquisador um sujeito, que busca vasculhar
determinada realidade. Nessa perspectiva, o pesquisador, enquanto parte integrante
da pesquisa, se ressignifica e ressignifica a realidade pesquisada. Importa
contextualizá-lo, considerando-o como um ser social, que faz parte da investigação e
que carrega consigo um conjunto de valores que não tem como serem dissociados.
Brito e Leonardos (2006, p. 41) elucidam que “[...] nem mesmo a distância
assegurada por um método científico poderia controlar a influência da subjetividade
própria do ser humano.” Ainda para as autoras, “[...] ao invés de negar sua
subjetividade, o pesquisador deve procurar ter consciência dela durante todo o
processo de pesquisa, analisando-a como mais um dado desse processo.” (BRITO;
LEONARDOS, 2006, p. 70). Fazendo parte da própria situação de pesquisa, o
pesquisador está em processo de aprendizagem e de mudança. O mesmo acontece
com o pesquisado, que também tem a oportunidade de refletir, aprender e
ressignificar-se no processo de pesquisa. Nessa caminhada, ambos levam para o
trabalho tudo aquilo que os constituem como seres concretos, como seres sociais.
Para que a interlocução dos três agentes acima mencionados fosse possível,
na realização da pesquisa de campo foram aplicadas duas técnicas da pesquisa
qualitativa: a observação e a entrevista, pois,
O pesquisador, nas interações verbais e não verbais, e na compreensão do contexto das ações do informante, vai recolhendo os dados que o conduzem à progressiva elucidação do problema, à formulação e à confirmação de suas hipóteses. (CHIZOTTI, 2009, p.93).
119
Importa buscar:
[...] a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação, correlacionada ao contexto do qual fazem parte. Assim, as questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos fenômenos em toda a sua complexidade em seu acontecer histórico. Isto é, não se cria artificialmente uma situação para ser pesquisada, mas se vai ao encontro da situação no seu acontecer, no seu processo de desenvolvimento. (FREITAS, 2006, p. 89).
Para as entrevistas, foram propostas as semiestruturadas, pois por meio
delas,
[...] o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada. (CRUZ NETO, 1994, p. 57).
A elaboração das entrevistas foi realizada em duas etapas. A primeira ocorreu
no início das investigações e, no entanto, caracterizaram-se por questionários
amplos que variavam de acordo com as categorias de sujeitos que seriam
compreendidos. Nesse momento, tanto as perguntas quanto as respostas
mostraram-se extensas e acabaram por configurar uma conversa informal, o que
proporcionou uma grande aproximação com o contexto que seria analisado.
A inúmera variedade de questões forneceu a oportunidade de compreensão
das diversas problemáticas que estão relacionadas com a temática estudada e
mostrou que seria necessário um maior recorte na pesquisa para que esta não
caísse estritamente no senso comum e não se perdesse na diversidade de opiniões,
experiências e posicionamentos. Desse modo, novas questões foram elaboradas
para que os objetivos da pesquisa fossem contemplados40.
Juntamente às entrevistas, foi realizada a observação participante41 com o
objetivo de captar as situações e os fenômenos que não conseguiriam ser
percebidos no decorrer da entrevista.
A técnica de observação participante se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter
40 Ver questões no Apêndice A. 41 As observações foram realizadas durante 8 meses nas escolas selecionadas, acompanhando o desenvolvimento dos educandos na sala de aula regular, na sala de recursos multifuncionais e nos ambientes escolares, como a biblioteca, aulas de Educação Física e recreio. Ademais, algumas REP, Conselhos de Classe e Reuniões de pais também fizeram parte das observações para complementar os dados da pesquisa.
120
informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. O observador, enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados. Nesse processo, ele, ao mesmo tempo, pode modificar e ser modificado. (CRUZ NETO, 1994, p. 59).
Dando destaque à relação que o pesquisador estabelece com os sujeitos da
pesquisa, as observações foram realizadas seguindo um planejamento cuidadoso e
sempre revelando aos envolvidos no trabalho quais eram os objetivos propostos.
Realizou-se a observação direta e sistemática42, visando,
Uma descrição “fina” dos componentes de uma situação: os sujeitos em seus aspectos pessoais e particulares, o local e suas circunstâncias, o tempo e suas variações, as ações e suas significações, os conflitos e a sintonia de relações interpessoais e sociais e as atitudes e os comportamentos diante da realidade. (CHIZZOTTI, 2009, p. 90).
No decorrer das observações, constatou-se a necessidade de discutir a
terminologia que seria utilizada para fazer referência ao público atendido pela
proposta da educação inclusiva, pois se deparou com a multiplicidade de
terminologias utilizadas em documentos oficiais, na bibliografia especializada e nas
falas dos envolvidos com o processo de inclusão escolar para fazerem referência
aos sujeitos que são atendidos pela proposta de educação inclusiva. Alguns termos
foram constantemente encontrados em documentos ou repetidos nas falas dos
envolvidos, sendo que se pode destacar: pessoas portadoras de deficiência,
pessoas com necessidades educacionais especiais, alunos com problema para
aprender, educandos com necessidades especiais, entre outros termos que se
referiam aos sujeitos como alunos com problemas de aprendizagem.
Para Sassaki (2002), usar ou não usar termos técnicos corretamente não é
uma mera questão semântica ou sem importância caso se deseje falar ou escrever
construtivamente, numa perspectiva inclusiva sobre qualquer assunto de cunho
humano. Para o autor, deve-se considerar também que as terminologias são
percebidas como corretas ou incorretas em função dos valores e conceitos vigentes
em cada sociedade e em cada época de sua história. Importa ressaltar que ao longo
do trabalho, os termos adotados para fazer referência ao público da educação
especial seguiu o contexto de cada época relatada com objetivo de mostrar como os
termos refletem os aspectos socioculturais que envolveram e envolvem a temática
42 Os relatos da observação eram registrados ao final de cada visita. Ver exemplo no Apêndice B.
121
estudada e que o impasse acima mencionado estava diretamente relacionado ao
momento de análise da pesquisa de campo.
Encontrou-se na literatura específica o respaldo necessário para assumir um
posicionamento para essa questão, pois como destaca Mazzotta (2005), uma
pessoa não porta uma necessidade especial, mas apresenta ou manifesta
necessidades especiais em determinadas situações, sendo que quando se refere ao
campo educacional, trabalha-se com o termo necessidades educacionais especiais.
Adotou-se então, para o presente trabalho, o conceito oficializado pela
Resolução CEB/CNE nº. 2 (2001). Importa retomá-lo para clarificar sua
conceituação43:
Artigo 5° - Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional apresentarem:
I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis.
III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (BRASIL. 2001b, p. 02).
5.2 Os participantes da pesquisa e o cenário
5.2.1 Os sujeitos
Considerando a amplitude do termo “necessidades educacionais especiais”
que engloba educandos com deficiências, com altas habilidades e com dificuldades
de aprendizagem, constatou-se a necessidade de realizar um recorte mais
específico dos sujeitos, pois esse termo proporcionaria uma vasta gama de
informações e inquietações que não conseguiriam ser respondidas ao longo da
pesquisa aqui empreendida.
43 O referido artigo foi apresentado e discutido no Capítulo 3 do presente trabalho.
122
Partindo desse pressuposto, os critérios de escolha e amostragem voltaram-
se para o principal público-alvo das políticas inclusivistas do município de Franca -
SP que são os educandos com deficiência. Vale ressaltar que,
Necessidade educacional especial não é o mesmo que deficiência. O conceito de deficiência se reporta às condições orgânicas do indivíduo, que podem resultar em uma necessidade educacional especial, porém não obrigatoriamente. O conceito de necessidade educacional especial, por sua vez, está intimamente relacionado à interação do aluno à proposta ou realidade educativa com a qual se depara. (GLAT, 2007, p. 26).
Por deficiência entende-se ser uma condição física e/ou mental que pode
limitar um indivíduo a exercer determinado tipo de atividade. Considerando a
possibilidade da deficiência não determinar uma necessidade educacional especial,
decidiu-se realizar um recorte ainda mais específico, para que o objetivo do trabalho
fosse alcançado.
Na busca de compreender os desafios encontrados e o que se espera para o
futuro da educação inclusiva no município, o recorte mais específico recaiu sobre o
público que possui maior índice de inclusão escolar e sobre o público que possui
menor índice de inclusão escolar, para que houvesse a compreensão de como as
propostas e práticas são efetivadas. Constatou-se que dos 222 educandos com
necessidades educacionais especiais matriculados no Ensino Fundamental, o maior
e o menor índice eram diagnosticados respectivamente com Deficiência Intelectual –
termo atualizado para fazer referência às pessoas com Deficiência Mental – (DM)44 –
total de 106 educandos - e baixa visão ou cegueira45 - Deficiência Visual – (DV) –
06 educandos -, sendo essas as deficiências acompanhadas na pesquisa de
campo46.
Após uma análise detalhada das matrículas dos educandos com
necessidades especiais, dois educandos foram selecionados para serem
44 A principal característica da deficiência intelectual é a redução da capacidade intelectual (QI), situadas abaixo dos padrões considerados normais para idade, se criança ou inferiores à média da população, quando adultas. A pessoa com deficiência na maioria das vezes apresenta dificuldades ou nítido atraso em seu desenvolvimento neuropsicomotor, aquisição da fala e outras habilidades (comportamento adaptativo conceptuais, sociais ou práticos).
45 A definição clínica afirma como cego o indivíduo que apresenta acuidade visual menor que 0,1 com a melhor correção ou campo visual abaixo de 20 graus; como visão reduzida quem possui acuidade visual de 6/60 e 18/60 (escala métrica) e/ou um campo visual entre 20 e 50 graus, e a sua visão não pode ser corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico nem com óculos convencionais.
46 Dentre os 222 alunos com deficiência matriculados no Ensino Fundamental, 106 possuem Deficiência Intelectual (DI), 49 possuem Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD), 13 deficiência múltipla, 15 surdez ou baixa audição (Deficiência Auditiva – DA), 33 deficiência física (DF) e 6 deficiência visual (DV).
123
acompanhados: Maria e Pedro47, pois atendiam a todos os requisitos, além dos seus
pais, da direção da escola e das professoras aceitarem participar da pesquisa.
Maria tem 8 anos e está matriculada no 2º ano do Ensino Fundamental de
uma escola regular da zona norte de Franca que não possui sala de recursos
multifuncionais. Desde os 5 anos ela frequenta a escola de seu bairro, tendo
ingressado no Ensino Fundamental com 6 anos e meio. A menina foi diagnosticada
com baixa visão no olho direito e cegueira no olho esquerdo. Segundo a mãe da
Maria, “foi quando minha filha tinha 7 meses de vida que percebi algo estranho com
sua vista, pois ela não acompanhava os brinquedos com o olho. Levei ela ao médico
e ele disse que ela não enxergava direito.” Desde o primeiro diagnóstico, Maria tem
acompanhamento médico constante, o que possibilitou alguns estímulos para que
ele não perdesse totalmente a visão do olho direito. Maria é uma menina muito
tranquila e alegre. Na sala de aula fica sempre atenta ao que a professora está
falando e fazendo e sempre quer participar das atividades propostas.
Pedro é um garoto de 10 anos que está matriculado no 4º ano do Ensino
Fundamental de uma escola regular da zona sul de Franca. Essa escola possui sala
de recursos multifuncionais onde Pedro é atendido 3 vezes por semana. Aos 9 anos
Pedro foi diagnosticado com Deficiência Intelectual, pois apresenta “dificuldade de
sociabilização, coordenação e um retardo no aprendizado, às vezes ele era
agressivo, às vezes tranquilo”. (pedagoga da escola B). Segundo a mãe do garoto:
“depois que a escola insistiu muito e eu realmente vi que o Pedro não aprendia nada
direito, eu procurei o médico e descobri o que o Pedro tinha.” Pedro frequenta a
escola regular desde os 6 meses, quando ingressou em uma creche do seu bairro.
Na sala de aula ele é muito agitado, tem dificuldade de concentração e de
coordenação motora. No começo do ano ele brigava muito com os colegas de
classe, mas com intervenções da pedagoga, da professora e dos pais dos alunos da
classe, as brigas diminuíram bastante. Com relação ao processo de ensino –
aprendizagem, Pedro gosta muito de desenhar e fica muito nervoso quando a
professora explica algum conteúdo e ele não entende.
Para compreender a realidade pesquisada e atender aos objetivos da
pesquisa, além dos educandos que são os principais sujeitos do trabalho, outros
sujeitos foram selecionados. São eles:
47 Os nomes dos alunos são fictícios e foram escolhidos pelos próprios alunos.
124
� Dois pais de alunos
� Dois professores da sala de aula regular
� Um diretor de escola
� Dois pedagogos de Unidade Escolar responsáveis pelo Atendimento
Educacional Especializado (AEE)
� Coordenadora da Educação Inclusiva do Município
� Secretária Municipal de Educação
Para que a análise dos dados fosse conduzida e fundamentada de modo mais
eficiente, dividiram-se os sujeitos em categorias, a saber:
� Gestores:
Secretária Municipal de Educação
Coordenadora da Educação Inclusiva do Município
Diretor de Escola
� Pedagogos
Pedagogo de Unidade Escolar
� Professores
Professor da sala de aula regular
� Participantes
Pais de alunos
Alunos
Importa realizar uma breve apresentação dos sujeitos acima mencionados,
para que se possa compreender a relevância que eles possuem para o
desenvolvimento da pesquisa.
Na categoria Gestores analisaram-se os depoimentos da Secretária Municipal
de Educação, da Coordenadora da Educação Inclusiva do Município e da Diretora
da escola A. A Secretária Municipal de Educação é formada em Pedagogia e
trabalha na Prefeitura Municipal de Franca há 32 anos. Ela ocupa este cargo desde
2005, quando o atual prefeito assumiu a administração. Na análise dos dados, a
125
Secretária Municipal é quem responde pelas informações e estimativas que são
referenciadas pela Secretaria Municipal de Educação.
A Coordenadora da Educação Inclusiva do Município possui graduação em
Pedagogia e Especialização em Educação Especial. Está no cargo desde 2006,
quando foi criada a Divisão de Inclusão Escolar no município. Ela trabalha na rede
municipal de ensino há 13 anos, atuando na maior parte de sua carreira como
Pedagoga de uma Unidade escolar. Essa profissional tem como funções: assessorar
as pedagogas responsáveis pelo AEE, emitir solicitação de laudo médico,
encaminhar educandos com necessidades educacionais especiais para a sala de
recursos multifuncionais ou para Escolas Especiais, fortalecer o vínculo da rede
municipal de ensino com as Escolas Especiais e desenvolver cursos de capacitação
e formação continuada para os profissionais da rede atuarem junto ao AEE.
A Diretora da Escola A trabalha na rede municipal de ensino há 15 anos,
possui graduação em Pedagogia e Especialização em Gestão Escolar. Está no
cargo há 10 anos, trabalhando sempre na mesma escola. Com relação ao AEE, o
papel da Diretora é possibilitar que o educando com necessidades educacionais
especiais tenha acesso a esse atendimento. Como a escola A não possui sala de
recursos multifuncionais, a Diretora fica responsável por estabelecer o contato com a
Secretaria Municipal de Educação e providenciar o encaminhamento dos educandos
para salas de recursos multifuncionais mais próximas à escola.
Na categoria Pedagogos foi acompanhado o desenvolvimento do trabalho de
duas pedagogas responsáveis pelo AEE nas escolas que foram selecionadas. A
pedagoga da escola A trabalha na rede municipal de ensino de Franca há 7 anos,
mas já possui 15 anos de experiência profissional como pedagoga em outro
município, somando 22 anos de experiência. Ela não atua diretamente na sala de
recursos multifuncionais, mas acompanha os educandos com necessidades
educacionais especiais que necessitam do AEE e desenvolve projetos na escola
para promover a inclusão escolar. A pedagoga da escola B trabalha na rede
municipal de Franca há 12 anos e desde 2008 é responsável pelo AEE na sala de
recursos multifuncionais dessa escola, atendendo educandos com necessidades
educacionais especiais da escola B e de mais 4 Unidades Escolares da região.
Ambas as pedagogas possuem Especialização em Educação Especial.
Na categoria professores foram entrevistadas e acompanhadas as
professoras das salas regulares da Maria e do Pedro. A professora da escola A
126
trabalha há 11 anos na rede municipal de ensino de Franca, ministrando aulas por 5
anos na Educação Infantil e há 6 anos no Ensino Fundamental. Ela não possui curso
de Ensino Superior, sendo formada no Magistério. A professora da escola B trabalha
há 17 anos na rede municipal de ensino de Franca. Desses 17 anos, 12 foram
dedicados à Educação Infantil e há 5 anos ela trabalha com o Ensino Fundamental.
Ela possui graduação em Pedagogia.
Na categoria Participantes foram entrevistadas a mãe da Maria e a mãe do
Pedro. A mãe da Maria é viúva, tem 28 anos e tem dois filhos: a Maria com 7 anos e
um menino de 9 anos que também estuda na escola A. Atualmente a mãe da Maria
está desempregada, à procura de um cargo de coladeira em bancas de pesponto.
A mãe do Pedro tem 37 anos e é divorciada. Ela tem quatro filhos: o Pedro
com 10 anos, um menino de 13 anos e duas meninas, uma de 8 anos e outra de 3
anos. Ela trabalha em uma fábrica de calçados como cortadora e à noite borda
sandálias em casa para complementar a renda familiar.
As entrevistas realizadas com os sujeitos acima mencionados foram
imprescindíveis para que o desenvolvimento do trabalho fosse possível. Por
questões éticas, optou-se por não entrevistar o Pedro e a Maria, sendo que as
informações e impressões que foram obtidas por parte deles ao longo da pesquisa
são decorrentes das observações e conversas informais. A baliza para essas
conversas foi a sensibilidade e a postura ética que um pesquisador deve ter ao
realizar a sua pesquisa.
5.2.2 As escolas
Antes de realizar a descrição das escolas que Maria e Pedro estudam,
importa apresentar o cenário que o Ensino Fundamental de Franca se encontra e as
condições estruturais para o atendimento educacional dos alunos com necessidades
educacionais especiais.
O município de Franca - SP possui atualmente 26 escolas municipais de
Ensino Fundamental que atendem 9.811 alunos matriculados do 1º ao 5º ano.
Dessas 26 escolas, 12 possuem alunos com necessidades educacionais especiais
matriculados, somando um total de 222 alunos. Para proporcionar um suporte
pedagógico para esse público, o município possui 6 salas de recursos
127
multifuncionais48 onde se realizam o Atendimento Educacional Especializado (AEE)
para alunos com deficiência, altas habilidades/superdotação e transtornos globais do
desenvolvimento. Essas salas funcionam como polos regionais de atendimento,
distribuídas nas cinco regiões do município. Após o laudo médico e
psicopedagógico, os alunos são encaminhados para as salas de recursos em
atendimento no contra turno, com horário agendado. Os encontros ocorrem de duas
a três vezes por semana, dependendo da necessidade do educando, e duram no
máximo 50 minutos por dia.
Na região sul existe duas escolas com sala de recursos. A sala de recursos
existente na região central localiza-se no prédio referente à Secretaria Municipal de
Educação e está voltada especificamente ao atendimento das deficiências auditivas
e visuais. É essa a sala de recursos que Maria frequenta.
Por questões éticas, optou-se por não revelar os nomes das escolas
pesquisadas, sendo que as mesmas serão chamadas de escola A e de escola B.
Maria frequenta a escola A e Pedro frequenta a escola B.
A escola A localiza-se na zona norte do município e não tem sala de recursos.
Ela possui 11 salas de aula que funcionam no período da manhã e da tarde com um
total de 520 alunos, sendo que 3 são educandos com necessidades educacionais
especiais. Vale ressaltar que a escola atende crianças do bairro no qual ela se
localiza e de mais três bairros ao redor do mesmo.
O quadro de profissionais que atuam na escola A é composto por dois
inspetores de alunos, duas secretárias, uma pedagoga, uma coordenadora, uma
diretora, uma vice-diretora, uma merendeira, uma bibliotecária, dois auxiliares gerais
e 25 professores, sendo 22 efetivos nas salas regulares, uma de educação física,
uma de música e uma professora de reforço.
A escola é cercada por alambrados, por isso, logo ao se aproximar pode-se
observar a sua parte externa e constatar que possui um amplo pátio para a
recreação dos alunos, com uma parte coberta relativamente pequena para o
tamanho do terreno. Nos fundos tem uma quadra coberta que é compartilhada com
outra escola municipal de Educação Infantil e cujo acesso é difícil por não possuir
escadas e rampas, sendo que o meio de se chegar a ela é descendo um pequeno
48 Ver informações sobre as salas de recursos no Anexo A
128
barranco de grama. Ao redor da quadra existe um amplo terreno com um gramado
que serve de estacionamento para funcionários da escola.
Sua construção é composta por quatro blocos de salas dispostos um ao lado
do outro e interligados por um corredor que corta o centro das construções. Não
existem recursos de acessibilidade física e arquitetônica, o que compromete o livre
acesso de educandos com deficiência nas suas dependências.
A escola está entre um campo de futebol com chão de terra batida, onde
crianças treinam futebol em projetos da Prefeitura e uma escola Municipal de
Educação Infantil. Ao observar o bairro, constatou-se um grande número de bancas
de pesponto e vários pontos comerciais, principalmente bares e mercadinhos.
Muitas famílias ficam nas calçadas bordando calçados e as crianças brincam
tranquilamente pelas ruas. Não existe muito movimento de carros, as ruas são
asfaltadas e muitas casas não tem calçadas cimentadas.
A escola B localiza-se em um dos maiores bairros da zona sul da cidade e
possui uma sala de recursos multifuncionais para atender alunos com necessidades
educacionais especiais matriculados nessa escola e em mais 3 escolas municipais
da região, sendo duas de Ensino Fundamental e uma de Educação Infantil. Além da
sala de recursos multifuncionais, existem recursos de acessibilidade físico/
arquitetônica em todo o espaço físico da escola.
A escola possui 10 salas de aula que funcionam no período da manhã e da
tarde, com 490 alunos matriculados no Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). O
quadro de funcionários da escola é composto por duas merendeiras, três inspetores
de alunos, uma bibliotecária, dois secretários e três auxiliares gerais. A gestão da
escola é formada por uma diretora, uma vice-diretora e uma coordenadora
pedagógica. Também trabalham na escola duas pedagogas, sendo uma
responsável pelo Atendimento Educacional Especializado na sala de recursos49 e
outra pelo atendimento de alunos com dificuldades de aprendizagens, além de 24
professores, sendo dois de Educação Física, dois de Educação Musical e 20
efetivos das salas regulares.
A escola se localiza em um quarteirão, que se pode chamar de complexo
educacional, pois é composto por uma Escola Estadual que atende alunos do 6º ao
49 Na sala de recursos atendem-se somente alunos com deficiência comprovada por laudo específico.
129
9º ano do Ensino Fundamental e do 1º ao 3º anos do Ensino Médio, uma Creche
Municipal, uma Escola Municipal de Educação Infantil e a escola pesquisada.
Ao observar o entorno da escola, notou-se um movimento de pessoas e
carros constantes nas ruas. Crianças correndo, pessoas vendendo produtos de
porta em porta, idosos conversando nos portões e vários pontos comerciais muito
movimentados. Existe um comércio bem diversificado nas redondezas, composto
por farmácia, padaria, supermercado, pet shop, locadora, lojas de acesso à internet,
escritório de advocacia, consultório dentário, bares e lanchonete.
5.3 A realidade vivida
A pesquisa de campo teve como principal alicerce a literatura educacional
contemporânea e permitiu transpor os muros da institucionalização, ou seja, da
academia e da escola, para compreender a relação que as políticas públicas
estabelecem com a realidade vivida pelos sujeitos que por ela são abarcados.
Analisou-se a inclusão escolar como um processo que envolve todos os
segmentos sociais e a mentalidade de quem dele participa direta ou indiretamente.
O contato com os sujeitos que foram pesquisados consistiram em momentos
gratificantes e de grande encantamento com o tema pesquisado.
Três questões gerais nortearam a obtenção dos dados e análise dos
resultados, são elas:
• Como a proposta de inclusão escolar é pensada no município e o que é
feito para que ela se efetive?
• Quais são os desafios encontrados para a implementação da inclusão
escolar no município?
• Quais as perspectivas para a inclusão escolar no município de Franca
– SP?
Essas questões dialogam entre si a todo o momento e permitem o
aprofundamento em pontos específicos que as relacionam com as diretrizes e
legislações abordadas nos capítulos anteriores. A análise aqui empreendida
relaciona os depoimentos das categorias de sujeitos nos aspectos que tangem às
questões acima mencionadas, compreendendo as ações de modo relacional,
analisando as respostas por assuntos discutidos entre todos os sujeitos.
130
Segundo Mantoan (2006), para que o processo de inclusão escolar seja
realizado em sua plenitude, todos os sistemas de ensino devem se reestruturar e
possibilitar que alguns paradigmas arraigados na cultura escolar brasileira sejam
reformulados. A partir dessa colocação, compreende-se como o sistema municipal
de ensino de Franca-SP se estrutura para atender à proposta de inclusão escolar.
A rede municipal de Franca busca atender a todos os objetivos e metas que os documentos legais, desde a Declaração de Salamanca, até o Plano Nacional de Educação, colocam para a inclusão escolar, mas nós temos algumas prioridades para que no nosso município a proposta se torne uma prática efetiva, que são: a capacitação dos profissionais, o atendimento dos alunos nas salas de recursos multifuncionais e o incentivo para a participação da comunidade no processo educacional de seus filhos. (Secretária Municipal de Educação). Para estruturar a nossa proposta de inclusão escolar, que está presente no nosso Referencial Curricular, nós utilizamos as diretrizes do MEC, tais como a Declaração de Salamanca, a Resolução CEB/CNE nº 2, a LDB, o ECA, e outros que tratam do assunto, mas esses são os principais. Conforme vão sendo lançadas as Leis, a gente procura se enquadrar, mas nós também temos os nossos direcionamentos próprios, tais como o Referencial Curricular. (Coordenadora da Educação Inclusiva do Município).
A prática da inclusão de educandos com necessidades educacionais
especiais na rede municipal de Franca tem por objetivo “desenvolver a cooperação
entre as crianças e acabar com o preconceito que ainda existe com relação às
deficiências”. Para a Secretária, “isso só será possível com o desenvolvimento de
um bom trabalho de todos os profissionais da rede, garantindo que todas as nossas
crianças sejam tratadas com carinho e eficiência”.
Para atingir esse objetivo, a Secretaria Municipal de Educação tem como
meta:
A formação continuada dos professores, para que eles estejam capacitados para exercer a inclusão, evitando que as escolas se tornem potenciais depósitos de crianças, como acontecia antigamente nos casos de integração escolar. Antigamente, a culpa do fracasso escolar, principalmente nos casos de alunos deficientes, era exclusivamente do aluno. Hoje, nós buscamos desenvolver e compreender ao máximo o nosso aluno, para que ele tenha sucesso na sua vida escolar e no exercício do seu papel social. A nossa Secretaria, e eu reforço sempre isso, acredita que o primeiro passo para a inclusão escolar acontecer é capacitar continuamente os nossos profissionais, e é para isso que sempre trabalhamos. (Secretária Municipal de Educação).
A primeira ação na perspectiva da inclusão escolar do município de Franca
ocorreu no ano de 2005, quando em parceria com o Ministério da Educação (MEC),
mais especificamente com sua Secretaria de Educação Especial (SEESP), foi
131
realizado o primeiro Seminário de Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. Esse
Seminário faz parte do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade
desenvolvido pela SEESP e teve por objetivo promover a formação continuada de
professores e gestores das redes municipais e estaduais, para que sejam capazes
de oferecer educação especial na perspectiva da educação inclusiva50.
Foi a partir desse evento que começou a se estruturar no município uma rede
de gestão e apoio para a implementação da educação inclusiva. Com esse evento
Franca tornou-se um dos 162 municípios polo51 para a inclusão, ou seja, uma
referência regional52 para a área, promovendo cursos, palestras e assessorias com
auxílio financeiro do Governo Federal. Segundo a Secretaria Municipal de
Educação, a escolha de Franca para ser município polo na área de educação
inclusiva deve-se ao fato da boa organização da rede municipal de ensino, da
preocupação da atual gestão com questões referentes à temática e por ter
infraestrutura para receber os representantes dos municípios participantes.
A partir de 2007, inúmeros cursos de formação continuada foram oferecidos
para gestores da rede municipal, com o objetivo de capacitá-los para o Atendimento
Educacional Especializado (AEE)53. Esses cursos são desenvolvidos em parceria
com Universidades, tais como Universidade de Franca (UNIFRAN), Universidade
Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de
Marília, Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Minas Gerais, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade de Alcalá – Espanha. Vale ressaltar
que a maioria dos cursos oferecidos por essas instituições são realizados na
modalidade de Educação a Distância (EAD).
50 Outras edições desse evento aconteceram nos anos de 2006, 2008, 2009 e 2010 e tiveram o mesmo objetivo do primeiro Seminário.
51 Em parceria com o MEC, esses municípios oferecem cursos com duração de 40 horas em que são formados os chamados multiplicadores. Após a formação recebida, esses multiplicadores estão aptos a formar outros gestores e educadores.
52 São municípios de abrangência da região de Franca: Altinópolis, Buritizal, Caconde, Cássia dos Coqueiros, Cravinhos, Cristais Paulista, Divinolândia, Igarapava, Itirapuã, Jeriquara, Macedônia, Mira Estrela, Monte Alto, Nuporanga, Orlândia, Paulo Faria, Palmares Paulista, Patrocínio Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina, Sales Oliveira, Santa Rita do Passa Quatro, Santa Rosa do Viterbo, São Joaquim da Barra, São José da Bela Vista, São Sebastião da Grama, Serra Azul e Tapiratiba.
53 O Atendimento Educacional Especializado (AEE), já estava previsto no artigo 60 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96. No ano de 2008, pelo Decreto Federal nº 6.571 de 17 de setembro, o AEE ganhou novo formato, regulamentando o atendimento em todo o território nacional, por meio do apoio técnico e financeiro da União, atendendo as especificidades das redes de ensino. Entre as ações do AEE estão cursos, palestras e instrumentalização das salas de recursos multifuncionais.
132
Segundo a Secretária Municipal de Educação, esses cursos visam a
formação de uma rede de ensino que garanta aos educandos um ensino de
qualidade e uma aprendizagem significativa:
O nosso objetivo com esses cursos, com essas parcerias, é possibilitar a toda a nossa rede de ensino a capacitação para oferecer o AEE. Como a nossa rede de professores é muito ampla, nós não temos condições de oferecer os cursos a todos eles. Por isso, nós selecionamos alguns gestores da Secretaria Municipal de Educação para alguns cursos, como o Congresso Aprender Criança, ou alguns pedagogos das escolas para cursos mais específicos como o curso de Formação Continuada do AEE. Enfim, nosso objetivo é que esses profissionais atuem como multiplicadores das ações e propostas da Secretaria Municipal de Educação nas escolas da rede. (grifo nosso).
A referida ação multiplicadora é muito questionada pelos profissionais da
rede, tanto pedagogos, quanto professores da sala de aula regular, pois o
repasse é realizado de maneira rápida e superficial nas Reuniões Pedagógicas
(REP), com seus conteúdos ficando muitas vezes distantes da realidade da sala
de aula. Essa afirmação pode ser ilustrada no relato da professora da sala regular
da escola A:
Às vezes, na REP, vem alguém da Secretaria falar para a gente de cursos que eles fizeram sobre o AEE. É importante para a gente saber o que se passa na Secretaria e como é pensado o AEE na teoria, mas às vezes, tudo o que se fala foge da nossa realidade, por que nós não temos recursos físicos, materiais e nem psicopedagógicos para atender com toda essa excelência que se fala. A gente se esforça dentro da sala de aula, a direção apoia e a Secretaria oferece o suporte necessário, mas como são muitas escolas e a demanda por apoio, esclarecimento, laudo e intervenção é muito grande, a gente acaba dando o nosso jeitinho e resolvendo os problemas na medida em que eles aparecem. (professora da sala regular da escola A).
Com relação à demanda constatou-se que a inclusão escolar no município é
encarada por todos como um “processo em construção”, pois as escolas, na medida
em que os “casos de inclusão aparecem”, se adaptam para recebê-los e atendê-los
de maneira progressiva. Não há um preparo prévio dos profissionais e nem da
comunidade. Para a pedagoga da escola A:
O sistema educacional no Brasil é contrário à Lei. Quem exclui o aluno é o processo. Todo mundo aprende e a escola deveria ser o local do aprendizado, mas não há estrutura, principalmente para as crianças com deficiência. Se não existissem barreiras sociocultuais, o preparo seria natural, pois a inclusão aconteceria naturalmente, assim como, por exemplo, a alfabetização. Está sendo um processo muito difícil. Antes da inclusão é preciso preparo dos profissionais e um preparo do espaço físico e de recursos nas escolas. Os alunos chegam, são matriculados e é a partir desse momento que as
133
escolas buscam o preparo. Tem casos, e o de Maria é um deles, que o aluno com laudo fica um tempão sem receber o AEE, principalmente em escolas como a nossa que não tem sala de recursos, por falta de transporte, vaga ou implicações familiares. Mas o lado bom, é que depois que a escola recebe o primeiro caso, os outros ficam bem mais fáceis de serem trabalhados. (Pedagoga da escola A).
Com relação ao preparo do espaço físico e dos recursos chamados,
respectivamente, de recursos de acessibilidade físico/arquitetônico e de
tecnologias assistivas, percebeu-se que também são encarados como um
processo em construção, visto que 78% das escolas de Educação Básica
possuem acessibilidade físico/arquitetônica e existem somente 6 salas de
recursos multifuncionais para atender a todos os alunos com deficiência
matriculados na rede municipal.
A acessibilidade físico/arquitetônica, regulamentada pela Lei Federal
10.098 de dezembro de 2000, e prevista para os espaços escolares no Plano
Nacional de Educação de 2001, passou a ser implementada na rede municipal de
educação no ano de 2005, com reformas em escolas de Ensino Fundamental. A
partir dessa data, todas as escolas municipais que foram e serão construídas já
possuem a acessibilidade em seu projeto arquitetônico inicial. Os principais
elementos de acessibilidade dessas construções e reformas são as rampas de
acesso para cadeirantes, corrimão nos corredores e em espaços coletivos para
facilitar o acesso a educandos com deficiência física, sanitários adaptados, pisos
táteis para facilitar o acesso aos deficientes visuais e marcação de vagas de
transportes para deficientes.
Segundo a Secretária Municipal de Educação, um dos pontos fundamentais
para que a inclusão se realize com sucesso é o atendimento nas salas de recursos
multifuncionais.
Uma das ações da Secretaria mais eficientes para a prática da inclusão é a implementação das salas de recursos multifuncionais. Nós conseguimos as 6 salas que temos através do “Programa de Implantação das Salas de Recursos Multifuncionais”, lançado pelo MEC em 2008. Nós só conseguimos essas salas por que nós temos um ótimo Plano de Ações Articuladas (PAR)54. O nosso PAR foi muito elogiado, nós temos mais de 60 projetos aprovados
54 O PAR é um instrumento eficaz de avaliação e de implementação de políticas de melhoria da qualidade da educação, sobretudo da educação básica pública, lançado pelo MEC em 2007, em consonância com o Plano de Desenvolvimento da Educação, elaborado a partir do PNE (2001). O PAR deve ser elaborado a partir de um diagnóstico minucioso da realidade educacional local, propondo ações que visem o desenvolvimento global dos sistemas de ensino considerando suas especificidades.
134
para serem executados até o ano de 2011. Entre esses projetos está a ampliação do número de salas de recursos. (Secretária Municipal de Educação).
Quando questionada sobre a demanda e a oferta dessas salas, a Secretária
disse que a meta do município para 2011 é inaugurar mais 5 salas de recursos que
estão aguardando as instalações ficarem prontas. Há também uma estimativa de
que cheguem mais 10 salas para serem instaladas e inauguradas até o ano de
2012, atendendo assim toda a demanda e possibilitando novos atendimentos.
Nós ainda temos uma defasagem da quantidade de salas de recursos, mas não acredito que isso influencie na qualidade do serviço prestado, pois os alunos matriculados em escolas que ainda não tem sala de recursos são atendidos pelas nossas pedagogas nas salas de recursos que funcionam como polos regionais. Quando a escola polo fica longe da casa do aluno, a Secretaria oferece transporte gratuito para o aluno poder receber o atendimento necessário. Além disso, todas as escolas núcleos tem uma pedagoga responsável pelo AEE, tanto no Ensino Fundamental, quanto nos outros níveis de ensino oferecidos pela rede municipal. (Secretária Municipal de Educação).
Essa afirmação foi fundamental para que se pudesse analisar como o
processo de inclusão ocorre em situações nas quais os recursos técnicos e
materiais são diferentes. E é com base nessa afirmação que se analisou os desafios
encontrados nesse processo, pois acredita-se que as formas de atendimento
refletem nos resultados e nas perspectivas da comunidade escolar com relação à
temática.
A afirmação da Secretária Municipal de Educação vai de encontro com o que
disse a pedagoga da escola A anteriormente e também ao que se constatou ao
acompanhar a realidade de uma escola que não possui salas de recursos.
O caso de Maria retrata essa contradição. A menina sempre esteve
matriculada em escola regular, desde os 5 anos quando ingressou na Educação
Infantil. Ao ir para a escola de Ensino Fundamental, a pedagoga da escola A,
juntamente com a coordenação da escola, solicitaram à mãe da Maria um laudo
médico atestando a deficiência da garota. A mãe prontamente atendeu à solicitação
da escola e em 2 semanas entregou o laudo à pedagoga que o encaminhou à
Secretaria de Educação.
Por falta de vagas na sala de recursos multifuncionais voltada ao AEE de
alunos com deficiência auditiva e deficiência visual, Maria frequentou o primeiro
semestre de seu 1º ano do Ensino Fundamental sem o acompanhamento
necessário. No segundo semestre, surgiu uma vaga na referida sala de recursos,
135
mas a mãe da Maria não tinha condições financeiras para pagar o transporte para a
filha receber o acompanhamento necessário. A escola então entrou com um pedido
de transporte gratuito para Maria junto à Secretaria Municipal de Educação. Foi
somente em setembro do ano de 2010 que Maria passou a frequentar a sala de
recursos multifuncional localizada na Secretaria Municipal de Educação.
Quando nós recebemos a matrícula da Maria, logo buscamos entrar em contato com a mãe dela para buscarmos o apoio necessário para o desenvolvimento da menina. Como vimos que ia demorar a escola toda se mobilizou para acolhê-la da melhor maneira possível. Como ainda não temos acessibilidade física e nem recursos adequados para atender uma criança com deficiência visual, os professores e funcionários da escola começaram a criar estratégias. A primeira foi identificar os espaços da escola com figuras nas portas e nas paredes para que a menina pudesse se localizar. Depois, foi correr atrás da Secretaria e, principalmente da pedagoga da sala de AEE para deficientes visuais, para que ela nos ensinasse alguns caminhos para o desenvolvimento educacional da Maria. (Diretora da Escola A).
O caminho trilhado pela escola A e pela família da Maria para que a garota
conseguisse a garantia do seu direito de receber o AEE, ainda é uma realidade na
rede municipal, como afirma a Coordenadora da Educação Inclusiva do Município:
Os casos de alunos que ficam aguardando vagas, principalmente nos casos de deficiência visual e auditiva, infelizmente ainda acontecem na rede, mas não são a maioria. A demanda é alta e nós estamos estruturando o nosso trabalho da melhor maneira possível. Para que o aluno com deficiência que não tem acesso à sala de recursos não tenha defasagem no seu processo de aprendizagem, a Secretaria realiza um acompanhamento constante desses casos, oferecendo apoio direto às professoras das salas regulares para que elas consigam suprir essa necessidade. Nós vamos às escolas pelo menos de quinze em quinze dias para acompanhar o trabalho das professoras, até que o caso seja resolvido. Nós contamos com profissionais competentes e até agora não nos decepcionamos. (Coordenadora da Educação Inclusiva do Município).
No que tange ao trabalho desenvolvido nas salas de recursos multifuncionais,
além da capacitação constante, a Secretaria visa,
O acompanhamento do trabalho das pedagogas das salas de recursos multifuncionais, oferecendo a elas todo o respaldo estrutural. Todo mês as pedagogas têm cursos de formação com uma profissional da Secretaria especializada em AEE e responsável por essas salas. (Coordenadora da Educação Inclusiva do Município).
Para que se possa compreender a importância da sala de recursos para o
desenvolvimento educacional de alunos com deficiência e o seu funcionamento, a
pedagoga da escola B, explica:
A sala de recursos é um ambiente onde o aluno tem a possibilidade de desenvolver aspectos fundamentais que influenciam o seu
136
aprendizado, tais como a sociabilidade, a observação, a atenção, a coordenação motora e o equilíbrio emocional. Nós não focamos o conteúdo, pois é a professora da sala regular quem se responsabiliza por ele. Não é um reforço escolar. A gente busca desenvolver competências nos alunos que possibilitem que eles aprendam o conteúdo na sala de aula. Por exemplo, um aluno que tenha Deficiência Intelectual e não tem a habilidade de observar e se concentrar no que a professora está falando, aqui na sala de recursos, por meio de jogos e atividades que exijam concentração e paciência ele começa a desenvolver essas habilidades e começa a ter resultado efetivo no aprendizado. (Pedagoga da escola B).
Para participar do AEE na sala de recursos, existe uma série de etapas que a
escola e os responsáveis pelo educando com necessidades educacionais especiais
devem cumprir e, apesar de ser um percurso específico para cada caso, de modo
geral existem alguns passos comuns a todos.
O primeiro deles é a observação da professora da sala de aula regular. Essa
observação é fundamental e tem que ser realizada de modo sistemático para que o
pedagogo tenha elementos para o diagnóstico e a intervenção junto aos pais ou
responsáveis pelo educando com necessidades educacionais especiais. Após a
observação, o pedagogo responsável pelo AEE da Unidade Escolar conversa
informalmente com o educando para formular suas impressões. Feito isso, é
marcada uma reunião com os pais ou responsáveis, coordenação da escola,
professora da sala regular e pedagogo responsável pelo AEE da Unidade Escolar
(quando a escola não possui sala de recursos, a pedagoga responsável pelo AEE na
sala de recursos que atenderá o educando também participa da reunião). O objetivo
dessa reunião é informar os pais ou responsáveis sobre a situação de aprendizagem
do educando para que eles tomem algumas providências para que o AEE seja
iniciado.
Dentre essas providências, a primeira e fundamental para que o educando
faça parte do AEE é a realização de um laudo médico que ateste a necessidade
educacional especial que o aluno possui. Sem o laudo médico, os gestores, os
pedagogos e os professores não têm legitimidade para dar início ao atendimento,
pois não possuem condições para quantificar e especificar o grau de dificuldade ou
deficiência que o educando apresenta.
Percebeu-se ao longo do trabalho, que a solicitação do laudo médico é
encarada pela família como um marco decisivo na relação que o educando com
necessidades educacionais especiais estabelece com a escola e com o meio em
137
que vive. Isto por que, em muitos casos a família não aceita a intervenção da escola,
ou não reconhece a existência da necessidade educacional especial do educando.
O laudo médico é imprescindível para a realização do AEE, sem ele nós não temos como iniciar o trabalho, pois eu não posso dizer que um aluno tem deficiência ou não. Só o médico quem pode fazer isso. Mesmo com essa importância fundamental, o laudo acaba sendo um dos nossos grandes problemas, por que a família muitas vezes se recusa a aceitar que o aluno possa ter alguma deficiência. Teve um caso em que chamamos a mãe de um aluno de uma das escolas que nós atendemos para conversar, mostrei a ela o relatório da professora da sala regular e fui explicando para ela que o filho dela precisava de um respaldo maior da escola para que ele pudesse se desenvolver e que para isso ela precisava levá-lo ao médico para que eu pudesse compreender melhor o filho dela. Na minha sala ela aceitou a ideia, pegou o encaminhamento e foi embora. Passados 15 minutos a Secretária da escola que o aluno estudava ligou aqui dizendo que essa mãe estava lá na porta da escola chamando a polícia e dizendo que o filho dela tinha sido vítima de preconceito. A direção da escola conseguiu acalmá-la. Esse foi um caso extremo, mas reflete muito do que passo até as pessoas entenderem que é importante para o desenvolvimento dos alunos. Tem os pais que apoiam o trabalho e logo atendem ao nosso chamado e espero que um dia esses se tornem a maioria. (Pedagoga da escola B). Aqui na nossa escola, tínhamos um aluno até a semana passada, agora ele foi para a APAE, que estava no 3º ano. Esse menino sempre estudou aqui. Ele tem deficiência múltipla, não tem controle do esfíncter e nem da urina. Ele fazia suas necessidades fisiológicas na sala de aula e os inspetores e serventes da escola que ajudavam a professora a limpá-lo. A família nunca aceitou a deficiência dele e relutou dois anos para trazer o laudo. No ano passado conseguimos diminuir a carga horária dele para 50 minutos por dia, por que não temos condições físicas e materiais para higienizar o menino. Quando a família trouxe o laudo, o Conselho da escola, juntamente com a família, o médico e a Secretaria Municipal de Educação, decidiu encaminhá-lo para a APAE. O laudo é que possibilita o encaminhamento do aluno ao AEE e nos mostra o caminho a seguir. (Pedagoga da escola A).
Após a entrega do laudo médico, a pedagoga realiza uma entrevista com
membros da família do educando com necessidades educacionais especiais
chamada anamnese, que tem o objetivo de conhecer o histórico familiar, investigar
as causas da sua deficiência ou dificuldade de aprendizagem, compreender a
relação que a família estabelece com essa deficiência ou dificuldade e conhecer um
pouco do universo vivido pelo educando com necessidades educacionais especiais
e sua família, para que assim a pedagoga tenha a possibilidade de criar estratégias
pedagógicas significativas para a realização do AEE. Ademais, é por meio da
anamnese que a pedagoga estabelece um vínculo de cumplicidade, determinação e
138
afetividade com educando que será atendido, buscando com isso a participação da
família no processo de inclusão escolar.
Esse processo de investigação é muito importante para que possamos dar início ao AEE. As etapas devem ser cumpridas com muito rigor, por exemplo, quando a professora da sala regular está em processo de observação de um aluno, eu não posso ficar na sala dela para observar esse aluno também, por que a minha presença interfere na dinâmica da aula, os alunos ficam agitados perguntando o que estou fazendo ali. Por isso é que deve existir um trabalho conjunto de toda a escola e comunidade, de confiança e respeito pelo trabalho de todos. (Pedagoga da escola B).
Realizado todo esse processo de investigação, compreensão e aproximação
com o educando com necessidades educacionais especiais e sua família, o
atendimento se inicia. Como previsto pela legislação brasileira55, o AEE ocorre em
turno contrário ao que o educando com necessidades educacionais especiais está
matriculado. No município de Franca o atendimento depende da necessidade do
educando com necessidades educacionais especiais, ocorrendo de 2 a 3 vezes por
semana em seções individuais e outras coletivas, com duração máxima de 50
minutos.
Quando o aluno inicia o AEE as seções são sempre individuais. Com o passar do tempo e dependendo da necessidade do aluno, nós realizamos seções coletivas. Essas seções coletivas são realizadas com outros alunos que também são público do AEE e visam o desenvolvimento da sociabilidade. Às vezes, quando a professora da sala regular tem muita dificuldade para desenvolver a sociabilidade dos alunos e promover a inclusão, eu realizo atividades na classe regular para sensibilizar os alunos para a importância da inclusão, mas isso raramente acontece, por que os alunos de modo geral são muito receptivos. Os desafios são outros. (Pedagoga da escola B).
Quando questionada sobre os desafios acima mencionados e os seus fatores
a pedagoga da escola B disse que,
Esses desafios são, em sua maioria, vinculados a fatores que não estão diretamente relacionados ao processo de ensino-aprendizagem, mas sim a fatores sociais, culturais e de mentalidade que rondam a proposta da inclusão escolar. Considero que o maior desafio é fazer os pais e os professores da sala regular compreenderem a importância da inclusão e da sala de recursos. Quando me refiro aos pais, não quero dizer somente os pais dos alunos que necessitam da sala de recursos, mas os pais de todos os alunos. É muito difícil a compreensão do meu trabalho por parte da comunidade escolar. Para muitos, só por que uso jogos e materiais alternativos, não realizo um trabalho pedagógico que vise o desenvolvimento dos alunos em tudo o que se espera para a inclusão escolar. (Pedagoga da escola B).
55 Decreto Federal nº 6.571 de 17 de setembro de 2008.
139
Quando questionada sobre o posicionamento das professoras das salas
regulares e de como o trabalho na sala de recursos é visto por elas, a pedagoga da
escola B explica:
Eu acredito que, por ser um trabalho ainda novo na rede, (só estamos com salas de recursos desde 2008), as professoras das salas regulares ainda não compreendem a real intenção do trabalho. Muitas vezes, quando realizo o repasse do desenvolvimento do aluno, as professoras questionam o conteúdo. Elas dizem: Mas ele ainda não aprendeu a escrever? Para mim, muitos professores continuam com a vidraça suja, o que importa para eles é somente o conteúdo. Não estou dizendo que o conteúdo não seja importante, por que os alunos da inclusão também participam do IDEB através da Prova Brasil, mas ele não é determinante no caso da inclusão. Tento acreditar que alguns professores não aceitam muito bem a inclusão por não conhecerem a proposta e nem as deficiências. A direção e a coordenação permitem que eu fale na REP sobre o meu trabalho, sobre a proposta da Secretaria, do MEC, do mundo, mas a vidraça está suja. O medo do desconhecido ainda impera. As pessoas tem que ouvir mais, estudar mais, saber sobre as deficiências e suas possibilidades de aprendizado. (Pedagoga da escola B).
Quando questionadas sobre o papel da sala de recursos e a sua relação com
o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem dos educandos com
necessidades educacionais especiais na sala de aula regular, as professoras
disseram:
Depois que a Maria começou a frequentar a sala de recursos, parece que ela encontrou um significado maior para o aprendizado. Eu não sei muito bem descrever isso, mas ela se envolve bem mais nas coisas que fazemos. Todo dia ela conta coisas que aprendeu. Antes de ela entrar na sala de recursos, a impressão que eu tinha era que a escola não era sinônimo de aprendizado, mas sim de amizade. Por mais que eu fizesse, eu não conseguia atender a necessidade da garota (professora da sala regular da escola A). Eu ainda não entendo muito a sala de recursos, por que acho que deveria ser trabalhado mais o conteúdo, já que a pedagoga fica 2 ou 3 horas por semana com o aluno. Ela fica só com um aluno por atendimento, então fica mais fácil trabalhar a matéria com eles, ao invés de ficar só para as professoras da sala normal, que tem que dar conta de ensinar Português, Matemática e as outras matérias, para 25 a 30 alunos. Acho que é importante trabalhar a coordenação e a atenção, mas acho que isso pode ser desenvolvido pela pedagoga junto com o conteúdo. (professora da sala regular da escola B).
Essa diferença de discurso e prática pode ser compreendida quando a
Coordenadora da Educação Inclusiva do Município realiza um perfil dos profissionais
que atuam na rede municipal de ensino e que estão diretamente relacionados ao
processo de inclusão escolar. Percebeu-se que não são os anos de profissão e em
140
consequência a experiência ou a “disposição juvenil” que condicionam a aceitação
ou não da proposta de inclusão escolar, como comumente se acredita.
O perfil dos profissionais da Secretaria Municipal é bem peculiar. A maioria dos gestores pedagógicos possui no máximo 15 anos de profissão e já assumiram cargos de liderança. Isso incomoda muita gente que está na prefeitura há anos, mas é fundamental para a renovação das concepções pedagógicas do município. Nós temos que aliar a experiência à renovação para poder fazer as propostas inovadoras da rede acontecerem. (Coordenadora da Educação Inclusiva do Município).
Referindo-se mais especificamente ao perfil dos educadores:
No que se refere às professoras, os anos de profissão são bem variados e, independente dos anos de profissão, nós temos inúmeras professoras que tem muita resistência em aceitar a inclusão, por que dizem que não há o preparo e que até todos terem uma formação adequada, os alunos devem frequentar as escolas especiais. Em contrapartida, existem professoras que fazem questão de acompanhar todo o processo de inclusão dos alunos e se esforçam ao máximo para compreender a deficiência, a demanda e a proposta da rede municipal. (Coordenadora da Educação Inclusiva do Município).
Essa afirmação pôde ser constatada no acompanhamento do cotidiano
escolar da Maria e do Pedro na sala de aula regular. Durante os meses de
realização da observação participante, percebeu-se o desenvolvimento educacional
dos sujeitos da pesquisa e foi possível diagnosticar pontos de resistência, de
cautela, de inovação e de mudanças de ação e posicionamento por parte das
professoras frente à prática da inclusão escolar. Ademais, pôde-se avaliar a
influência da “aceitação ou não” do processo de inclusão escolar sobre as relações
estabelecidas na sala de aula entre os educandos e entre o desenvolvimento da
aprendizagem.
Desde o início da pesquisa, as professoras demonstraram opiniões e ações
diferentes. A professora da escola A sempre esteve aberta a discutir os desafios e
as possibilidades que o processo de inclusão escolar enseja. Já a professora da
escola B sempre manteve um discurso voltado aos desafios e dificuldades. O ponto
em comum às professoras é que em todas as atividades que eram realizadas as
deficiências dos educandos eram destacadas. Para exemplificar essa afirmação,
importa destacar dois trechos dos relatos de observação:
A professora disse: Maria você já decorou alguma perlenda? E Maria respondeu: Sim professora! Então diga uma pra moça que veio te observar ver como você já sabe! E Maria recitou uma das perlendas. A professora encerrou essa parte da aula dizendo: Viu Maria, mesmo sem ler, você já sabe uma perlenda. Você é muito inteligente! (relato de observação realizada na escola A).
141
A professora não entregou uma cópia da prova para o Pedro. Ele questionou dizendo que estava sem prova e a professora disse que a dele estava em outra pasta por que era diferente. Um aluno disse que não entendia por que as provas do Pedro eram as mais fáceis e a professora disse na frente de todos os alunos que era por que o Pedro demorava mais tempo para aprender. Percebi que o Pedro ficou um pouco abalado com a resposta da professora, pois fechou o semblante e se recusou a fazer a prova. (relato de observação realizada na escola B).
Durante todo o período das observações, a postura de evidenciar as
deficiências para justificar a opção didática e metodológica utilizada pelas
professoras durante as aulas foi constante. Em muitos momentos os colegas de sala
da Maria e do Pedro questionavam esse posicionamento, dizendo que “ela (Maria)
pode tudo, sempre é ela primeiro” ou “por que o Pedro pode sair da sala a hora que
ele quer e eu não?” (relatos de observação). Nessas ocasiões sempre ficava um
clima de insatisfação e muitas vezes a Maria e o Pedro ficavam chateados.
Considera-se essas ocasiões um reflexo da falta de preparo dos professores, devido
ao modo como o processo de inclusão escolar se efetiva no município, pois como
mencionado anteriormente, tanto as professoras, quanto os outros profissionais da
escola preparam-se para receber educandos com necessidades educacionais
especiais quando a matricula já foi efetivada.
Ao questionar as professoras sobre suas expectativas e reações quando
ficaram sabendo que teriam alunos com deficiência matriculados em suas turmas
elas responderam:
Quando eu fiquei sabendo que na minha sala tinha uma menina com DV eu fiquei assustada, pois nunca tinha tido um aluno deficiente na sala. Eu sou professora há 11 anos e os casos de pedagoga que eu tive foram de problemas de aprendizagem, mas nunca de deficientes. Desde o meu primeiro dia de professora eu tenho para mim que se um aluno cai na minha sala, é por que Deus acha que eu vou conseguir ensinar esse aluno. Foi desse modo que eu encarei a entrada da Maria na minha sala, para ser a primeira professora do Ensino Fundamental dela, posso fazer a diferença. (professora da sala regular da escola A). O Pedro já estuda na nossa escola há 3 anos. Ele sempre teve muito problema de comportamento e de aprendizagem. Como ele é do período da manhã, eu já sabia que ele cairia na minha sala. Então fui pedindo conselho para as outras professoras que já conheciam ele para saber como eu deveria ensinar ele, por que ele tem muita dificuldade para aprender. (professora da sala regular da escola B).
Nota-se que o discurso da professora da escola A é permeado pela
possibilidade da ação docente no processo de ensino-aprendizagem, não
transferindo para Maria a total responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso
142
escolar. Já a professora da escola B apresenta um discurso conformista e fatalista,
de que existe uma receita pronta para desenvolver o aprendizado do Pedro,
dependendo exclusivamente dele seu desenvolvimento escolar, por ser “um menino
muito bagunceiro e sem concentração.” (professora da sala regular da escola B).
Por meio das observações, as estratégias de ensino e as opções didáticas
das professoras também foram compreendidas. Na escola A, o cumprimento de uma
rotina escolar é realizado naturalmente, como previsto no Referencial Curricular da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental de Franca – SP56, a fim de possibilitar a
inclusão plena de todos os educandos no contexto escolar e de aprendizagem.
Todos os dias as atividades que serão realizadas durante a aula são apresentadas e
escritas no quadro negro para os educandos copiarem. Para Maria, a professora da
escola A criou uma caixa de rotina que contém objetos que representam as
atividades que serão realizadas. Todos os dias a professora da escola A pega esta
caixa e a entrega para Maria encontrar os objetos para cada atividade que será
realizada, por exemplo, se é dia de ir à Biblioteca, Maria deve achar um livro dentro
de sua caixa e colocá-lo sobre sua carteira escolar. Quando questionada sobre essa
estratégia de ensino-aprendizagem a professora disse:
Maria é a minha primeira aluna que precisa de AEE. Eu li, pesquisei, acompanhei Maria e a mãe dela em consulta médica e fui à sala de recursos multifuncionais que tem o AEE para aluno com DV. A partir das coisas que vi e aprendi, criei o meu jeito de dar aula. A rotina é muito importante para o desenvolvimento de alunos com deficiência, por que eles sentem segurança naquilo que podem fazer, principalmente no caso da Maria, que não escreve e não lê no primeiro ano. Eu criei para ela a caixa de rotina e nessa caixa tem vários objetos que representam todas as atividades que nós fazemos. Quando tem uma atividade nova, eu compro ou peço na escola e coloco o objeto lá. A Maria está se desenvolvendo, ela até aprendeu a escrever o nome dela, por que na caixa tem as letras do nome dela e por sentir as letras, ela aprendeu. Ela é muito inteligente e mesmo com a demora de conseguir a sala de recursos ela se desenvolve bastante. (professora da sala regular da escola A).
Na escola B, a professora não estabelece uma rotina com os alunos.
Normalmente são realizadas atividades de cópias e explicação dos conteúdos.
Quando perguntada sobre as estratégias de ensino que utiliza, a professora da
escola B respondeu:
Como dou aula para o quarto ano, não posso ficar adaptando muito minhas aulas para atender só o Pedro. Eu dou para ele usar o lápis que a pedagoga me orientou e com esse lápis ele consegue escrever
56 Para maiores informações consultar o Referencial Curricular da Educação Infantil e do Ensino Fundamental de Franca – SP (2008, p. 58).
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na linha. O que eu faço de diferente com ele é tentar passar os conteúdos mais fáceis, até para ele conseguir notas na prova. Ele aprende sim, principalmente depois que coloquei ele sentado na primeira fileira e com o melhor aluno da sala. Esse aluno ajuda muito ele. Eu também tento seguir as orientações da pedagoga, como por exemplo, falar olhando para o Pedro, relacionar os conteúdos com a vida real e propor atividades práticas, mas isso nem sempre é possível, por que os outros alunos também precisam de atenção e se não passar a matéria, as mães e a direção questionam. (professora da sala regular da escola B).
Nota-se que mesmo com as ações multiplicadoras realizadas nas REP, com a
proposta municipal de formação continuada, com a existência de um Referencial
Curricular para a Rede Municipal de Ensino e com as concepções legais e teóricas
que existem para a implementação da inclusão escolar, a professora da escola B
encontra muita dificuldade e resistência para possibilitar a inclusão escolar plena do
Pedro. Mesmo realizando ações intencionalmente positivas, tais como deslocar o
educando para a primeira fileira junto com o “melhor aluno” da sala, o resultado
alcançado não representou mudanças na ação da professora da escola B, com
relação à transmissão de conteúdos e avaliação conteudista.
Ao acompanhar o processo de inclusão, percebeu-se que o posicionamento
das professoras frente à proposta, reflete muito na relação que os educandos com
necessidades educacionais especiais estabelecem com seus colegas de sala de
aula.
Na minha sala de aula eu criei um esquema de parceiragem. Nenhum aluno pode ficar sozinho, um tem que cuidar do outro. Eles sempre revezam as duplas ou os trios. É muito legal essa proposta por que eles ficam mais amigos e se sentem importante para o colega. Pensei nisso, mais por causa da Maria. É o primeiro ano que faço isso, mas acho que de agora em diante sempre vou fazer. Dessa forma eles não discriminam ninguém e conhecem a todos. Na minha sala é muito difícil ver um aluno xingando o outro. Assim eles ajudam a Maria naturalmente e ajudam uns aos outros. (professora da sala regular da escola A). Às vezes tem um aluno que mexe com o outro por inúmeros fatores. Isso sempre aconteceu desde que entrei no magistério há 17 anos. Com o Pedro não é diferente. Da mesma forma que ele xinga os colegas, os colegas xingam ele. Eu sempre chamo a atenção e explico que isso não se deve fazer e que todos são iguais. No começo do ano, como muitos alunos eram novos na escola e não conheciam o Pedro e por o Pedro ser muito agitado, precisei pedir a ajuda para a pedagoga vir fazer uma intervenção na sala. Ela fez várias dinâmicas legais e o clima na sala melhorou muito. Eu percebi que os alunos estão aceitando melhor o Pedro e entendendo ele melhor também, assim como eu. (professora da sala regular da escola B).
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A compreensão e o conhecimento acerca das necessidades educacionais
especiais dos sujeitos da pesquisa são determinantes para que o processo de
inclusão ocorra com sucesso. Com os depoimentos acima, podemos perceber que a
inclusão é realmente um processo socialmente construído, passível de resistências
e de quebra de paradigmas ao longo de sua implementação.
Quando questionadas sobre a maior dificuldade relacionada ao processo de
ensino-aprendizagem e à função docente, as professoras disseram que existe uma
grande dificuldade em avaliar o educando com necessidades educacionais
especiais, principalmente pelo fato de que eles são avaliados pelos mesmos
mecanismos de qualidade educacional que os outros educandos.
Ampliando a perspectiva dessa questão para os outros entrevistados, a
dificuldade de avaliar pareceu ser um consenso. A Secretária Municipal de
Educação e todas as entrevistadas nas categorias gestores, pedagogos e
professores disseram não saber como aplicar provas, solucionar questões, enfim,
avaliar os educandos com necessidades educacionais especiais, mesmo que a
proposta de avaliação seja contemplada no Referencial Curricular da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental de Franca – SP.
Os alunos que frequentam as salas de recursos participam das avaliações do IDEB através da Prova Brasil. Acontece que essas avaliações ainda não são adaptadas para todas as necessidades dos alunos. Isso faz com que as práticas avaliativas nas escolas não sejam adaptadas também, pois a direção e as professoras querem cumprir as metas e realizam provas de acordo com as provas que os alunos farão. É complicado achar quem está certo e quem está errado nessa história, por que às vezes o que a legislação e a teoria educacional pregam, não é o que as políticas e propostas nos permitem fazer. Às vezes fico um pouco perdida. (Pedagoga da escola A). Nós temos muita dificuldade em avaliar o aluno da inclusão e normalmente eles sempre acabam indo para Conselho. No Conselho vira uma confusão, pois as professoras querem segurar o aluno por que ele não tem média nas provas e nós da gestão pedagógica queremos aprovar por que houve, na maioria dos casos, um desenvolvimento cognitivo, motor, social e emocional significativo. No começo eu brigava sempre. Agora fico quieta, por que eu acredito no resultado do meu trabalho. (Pedagoga da escola B). Quando chega para mim um aluno, independente da necessidade que ele apresente, eu estabeleço em mim uma meta: ele tem que sair da minha sala bem diferente do que ele entrou. Essa diferença eu sempre pensava a nível de conteúdo. Ou seja, se um aluno entrava na 1º série, hoje 1º ano, sem saber ler, ele tinha que terminar o ano sabendo ler. Com a inclusão eu estou reformulando essa minha ideia, por que os meus padrões de avaliação tem que mudar. Eu ainda não sei a melhor forma de avaliar, por que o aluno da
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inclusão não assimila o conteúdo do mesmo modo que o aluno que não é da inclusão, ou seja, eu tenho que fazer duas provas diferentes, mas o resultado que vão me cobrar vai ser o mesmo para todos os alunos. (professora da sala regular da escola A). Na minha sala eu avalio diferente o aluno que é da inclusão e o aluno que não é da inclusão. O aluno que não é da inclusão faz a prova normalmente, com a avaliação do desenvolvimento e do conteúdo, com certo e errado. Já o aluno da inclusão eu costumo dar uma prova mais fácil, com conteúdos mais leves e tento entender o raciocínio dele. (professora da sala regular da escola B).
Quando questionadas sobre o que poderia ser feito para que os mecanismos
de avaliação escolar na rede municipal contemplassem a proposta da inclusão
escolar, a Secretária Municipal de Educação afirmou:
Todas as propostas e políticas que existem para a inclusão escolar, inclusive a nossa, buscam criar inúmeros mecanismos avaliativos que não tenham como foco a classificação do aluno, mas sim sua formação plena. Nós acreditamos nisso como uma premissa para a inclusão escolar. Mas, como mudar a avaliação, se temos que prestar contas, nossos alunos fazem provas que avaliam a qualidade educacional do município perante outras cidades e o país, eu tenho que mostrar para os pais que os filhos aprendem e os pais cobram provas? Acho que as políticas de inclusão devem andar juntas e ser pensada juntamente com todas as outras políticas que são elaboradas. Acredito que não existe uma real conexão entre elas, pois se houvesse, não teríamos tanta dificuldade para implementar qualquer política pública. (Secretária Municipal de Educação).
Outro ponto importante para a compreensão da temática estudada e que foi
levantado por todos os entrevistados na categoria dos gestores como primordial
para o desenvolvimento da inclusão escolar foi o posicionamento dos pais frente à
proposta e à prática. Um ponto central nessa perspectiva foi perceber como a
comunidade escolar se relaciona com a temática.
O papel da família é muito importante para que a inclusão escolar tenha sucesso. Refiro-me às famílias de todos os nossos alunos, seja ele com problema para aprender ou não. É a partir da quebra de preconceitos que vamos conseguir tornar a inclusão uma prática natural e isso deve ser desenvolvido em casa também. Se essa responsabilidade ficar só com a escola não daremos conta de tudo o que temos que fazer. Para atingir esse objetivo, a escola promove atividades que trazem as famílias para a escola, como por exemplo, a “Mostra de Talentos”, um projeto desenvolvido pelas professoras que tem o objetivo de apresentar para os pais o resultado do trabalho dos seus filhos e de todos os alunos da escola. Acredito que projetos assim constroem a nossa comunidade escolar e favorecem a inclusão. (Pedagoga da escola A).
Além dos projetos específicos que são elaborados e realizados nas Unidades
Escolares, a rede municipal de ensino tem como prática a participação da
comunidade escolar na elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas
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previsto no Referencial Curricular da Educação Infantil e do Ensino Fundamental de
Franca – SP.
A rede tem a prática de convidar a comunidade para participar da construção do Projeto Político Pedagógico de cada Unidade Escolar. Isso é muito importante, pois todos buscam construir uma escola acolhedora, eficiente e que consiga atender a todos os alunos com qualidade. Fico triste por que muitas escolas da rede não tem a participação efetiva da comunidade, mas nós estamos pensando em estratégias para esse cenário mudar. (Secretária Municipal de Educação).
Apesar das iniciativas formuladas pelas escolas e pela Secretaria, inúmeros
desafios precisam ser superados para que as escolas se tornem um ambiente
voltado à inclusão de fato. A pedagoga da escola B, ao falar sobre a relação da
comunidade escolar com o trabalho desenvolvido por ela na sala de recursos afirma
que “a comunidade escolar confunde a função dos pedagogos, muitos acham que
sou psicóloga, outros questionam a função da sala de recursos, dizem que não tem
função.”
As escolas buscam inicialmente desenvolver um trabalho de conscientização
efetivo com os pais de educandos que necessitam do AEE, para depois ampliá-lo
para os outros pais. Isso por que,
A questão da comunidade escolar é complicada. Para a inclusão acontecer nós precisamos motivar os pais das crianças que necessitam do AEE. Sabe, muitas vezes o nosso trabalho não flui por que não há continuidade. Depois que batalhamos com os pais em busca do laudo e da vaga na sala de recursos a gente acha que vai ser tudo mais fácil. Aí a gente se engana. A mãe deixa de trazer o filho, aí você vai questionar e ela fala que é por que ele toma remédio e fica com sono. Muitas vezes a gente escuta: “Se essa aula fosse no horário normal, ficaria mais fácil.” (Pedagoga da escola B).
Para tentar modificar este cenário e esta concepção, com os pais dos
educandos com necessidades educacionais especiais atendidos pelo AEE são
propostas reuniões periódicas que tem por objetivo mostrar o desenvolvimento
educacional de seus filhos e também verificar se o trabalho realizado na escola está
refletindo na vida social do educando fora do ambiente escolar. O agendamento
depende do desenvolvimento do educando, mas costumam acontecer normalmente
uma vez ao mês. Dessas reuniões participam: a professora da sala de aula regular,
a pedagoga responsável pelo AEE na sala de recursos e, quando a escola não
possui sala de recursos, a pedagoga responsável pelo AEE da escola também
acompanha a reunião.
Essas reuniões são muito importantes, pois aproximam os pais da realidade escolar de seus filhos e nos aproximam da realidade
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familiar do aluno, para que a gente possa saber a melhor forma de trabalhar com ele. Como a Maria tem o AEE em outro lugar, a gente aqui da escola vai até lá na Secretaria e faz a reunião com a mãe dela lá, por que aqui fica difícil a pedagoga que atende a Maria na sala de recursos vim. Nessas reuniões, nós mostramos à mãe os resultados que a menina alcançou tanto na sala regular, quanto no AEE. A mãe dela se interessa muito e isso faz muita diferença. (Pedagoga da escola A). Nós realizamos essas reuniões uma vez ao mês com cada pai ou responsável. Essas reuniões são individuais. Nós mostramos os resultados dos trabalhos e os pais falam sobre o desenvolvimento dos filhos. O meu maior problema é a quantidade de pais e os horários que eles podem vir à escola. Eu atendo 27 alunos ao longo da semana por que aqui é uma sala polo e vem crianças de mais 4 escolas da região. Muitos pais trabalham durante o dia e não podem comparecer, alguns querem vir à noite, mas nós muitas vezes não conseguimos agendar horário para todos, pois o nosso horário é manhã e tarde. Acredito que quando pudermos atender toda a demanda, essas reuniões acontecerão com sucesso. (Pedagoga da escola B).
Quando questionados sobre a importância dessas reuniões para o
desenvolvimento educacional de seus filhos, os pais da Maria e do Pedro disseram:
Esse acompanhamento da escola nessas reuniões me fez ver que a escola está sendo importante para a Maria. Quando ela começou a ir na sala de recursos eu pensava “Meu Deus, ela podia ficar só na sala de recursos”, mas se ela ficasse só na sala de recursos eu ia perder o BPC57. Com o passar do tempo essas reuniões me fizeram entender que ela precisa estar no meio de outras pessoas e que ela está aprendendo na escola. (mãe da Maria) O Pedro nunca foi bem na escola. Eu sempre ia em reunião e a professora só me falava mal dele. Essa foi a primeira reunião que eu fui e a pedagoga falou bem dele. Sabe, eu não tenho muito tempo pra ficar com ele atrás de lição de casa e essas coisas, mas pra essa reunião eu arrumo tempo, por que está me ajudando a entender a cabecinha dele. No começo eu faltava muito, por que a escola ficava no meu pé, pedindo laudo, querendo saber sobre a vida do meu filho e da minha casa. Agora eu entendo que eles só querem o bem do meu menino. (mãe do Pedro).
Nessas reuniões os pais também relatam para a escola os avanços que
perceberam no desenvolvimento de seus filhos:
Todo dia eu ajudo a Maria fazer a lição de casa. Eu sempre escrevo tudo o que a professora pede, por que a Maria ainda não sabe
57 Benefício de Prestação Continuada. O Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), é um benefício da assistência social, integrante do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), pago pelo Governo Federal, cuja a operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e pessoas com deficiência às condições mínimas de uma vida digna.No âmbito escolar o BPC efetiva-se por meio do Programa BPC na escola, implementado no ano de 2008. O programa é uma ação interministerial que envolve os ministérios da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, além da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, em parceria com municípios, estados e com o Distrito Federal e que tem por objetivo realizar o acompanhamento e monitoramento do acesso e da permanência na escola das pessoas com deficiência.
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escrever no caderno e nem em Braille. Eu leio para ela o que a professora está pedindo e o que ela responde eu escrevo. Um dia ela me pediu para deixar ela escrever o nome dela. Eu deixei e não é que ela escreveu. Eu perguntei como ela tinha aprendido e ela disse que a professora dava a ela todo dia uma caixa de rotina. Nessa caixa tem as letras do nome dela, ela sentiu como era o formato das letras e aprendeu a escrever. Eu até chorei de alegria, por que vi que minha filha é igual a todo mundo, só o tempo dela que é diferente. (mãe da Maria). O Pedro sempre me deu trabalho na escola, principalmente no comportamento. Ele não sossegava e nem fazia o que a professora pedia. Tudo dele era um escarrancho total. Foi só a pedagoga dar para ele um lápis grosso, que ele chama de lápis mágico, que ele conseguiu escrever. Agora ele presta mais atenção na aula e briga menos com os colegas. A professora fala que ele tem muito que melhorar. Eu sei disso, mas ele nem se parece com o Pedro de antigamente, do tanto que ele mudou depois que a pedagoga atende ele. (mãe do Pedro).
Ao longo da pesquisa, a mudança de postura dos pais da Maria e do Pedro
com relação à proposta de inclusão pode ser verificada. Isso por que, no início da
pesquisa os pais quase não falavam dos seus filhos, eles falavam da escola e o
quanto era importante seus filhos estudarem na escola regular “por causa da
sociabilização” (mãe da Maria). Com o passar do tempo os pais perceberam que a
escola visava o desenvolvimento dos seus filhos e passaram a se envolver mais na
vida escolar deles.
No começo eu não vinha na escola não, por que eu não achava que era necessário e eu trabalho muito e não arrumava tempo para vim, mas agora eu venho em tudo o que a escola pede por que entendi e percebi que comigo aqui meu filho se desenvolve mais. (mãe do Pedro).
Para compreender como esse processo de aceitação e participação foi
desenvolvido, os pais relataram:
Bom, eu custei muito pra entender que o meu filho tinha algum problema. Eu achava que ele não gostava de estudar, punha ele de castigo, xingava. Até que um dia a pedagoga me chamou. Eu achei estranho, por que eu nunca tinha visto ela e nem sabia o que ela fazia. Já fiquei brava com o Pedro, por que achava que ele tinha aprontado. Fui conversar com ela e quando ela me falou que o Pedro tinha uma necessidade diferente para aprender eu fiquei assustada. Ela me pediu um laudo médico, me deu o encaminhamento e tudo, mas eu não acreditei no que ela estava falando. No começo eu achei ela intrometida. Na verdade eu não queria que o Pedro tivesse algum problema, tinha medo do que os outros iam falar. Eu demorei acho que 4 meses para ir atrás do laudo. Depois que o Pedro começou a ser acompanhado, minha vida mudou também. Agora eu entendo ele e sei que ele pode ir longe e isso é graças a escola e ao acompanhamento que ela também me deu. (mãe do Pedro). Desde os 7 meses da Maria eu sei que ela não enxerga. Por isso eu sempre levei ela no médico para fazer tratamento. A gente ia lá em
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Ribeirão Preto, no HC (Hospital das Clínicas). Quando ela fez 4 anos eu parei de levar ela lá, por que ficou difícil e parecia que não estava adiantando mais nada, por que ela continuava na mesma. Foi quando eu decidi que ela tinha que ter autonomia e estudar. Ela sempre foi esperta, toma banho sozinha desde pequena e eu queria que ela soubesse se virar no meio das pessoas. Ela foi pra escolinha com 5 anos, mas não tinha muito o acompanhamento, ela só ia na aula e eu na reunião de pais. Ela também não desenvolveu muito, mas eu queria que ela ficasse na escola e ela também queira ficar. Quando ela entrou no Ensino Fundamental, tudo mudou. A escola inteirinha se mobilizou pra receber minha filha e mesmo com a demora da vaga na sala de recursos, a professora e a pedagoga se preocupam em ensinar minha filha. Eu até cheguei a achar que só a sala de recursos era suficiente e o melhor para minha filha, mas depois, com o apoio da escola, percebi que eu estava errada. (mãe da Maria).
Nas conversas com os pais dos educandos atendidos pelo AEE, percebeu-se
que ao longo do processo de inclusão escolar, uma questão permeava os
posicionamentos assumidos e os direcionamentos seguidos por esses pais, questão
essa que estava diretamente ligada à existência ou ao medo do preconceito.
Sempre tive medo que minha filha sofresse preconceito por ser cega. Um dia um pai de outro aluno, na porta da escola, perguntou para a professora se uma aluna cega na sala não ia prejudicar o aprendizado do filho dele. Acho que ele nem viu que eu estava perto dele ouvindo a conversa. A professora respondeu que ao contrário, o filho dele seria um grande homem, pois iria aprender com a diferença. Nesse dia eu fiquei muito triste e me questionei se esse pai não tinha razão. Com o passar do tempo percebi que ele não tinha razão. Acho que ele também percebeu isso. (mãe da Maria). Às vezes o Pedro chega chorando em casa por que os meninos mexem com ele e chamam ele de “burro” ou “retardado”. Ele fica muito nervoso e pede para sair da escola. Quando eu não entendia meu filho, eu ia na escola e brigava com todo mundo. Um dia até xinguei a mãe de um menino na porta da escola, por que esse menino tinha mexido com o Pedro e batido nele. Agora, depois que aprendi a entender o meu filho, converso com ele, ao invés de brigar na escola eu vou na escola e converso com a pedagoga sobre o que acontece. (mãe do Pedro).
Segundo os participantes da pesquisa, a frequência com que essas ações
preconceituosas acontecem tem diminuído muito “graças às atividades realizadas
pelas escolas para conscientizar os pais a respeito da proposta e da prática da
inclusão escolar” (Coordenadora da Educação Inclusiva no Município).
A relação entre os educandos pode ser acompanhada mais especificamente
no decorrer das observações participantes, pois como mencionado anteriormente,
optou-se por não entrevistá-los devido a questões éticas e de envolvimento com os
sujeitos. De modo geral, constatou-se que a maioria dos educandos são
extremamente receptivos ao processo de inclusão escolar, apoiando os colegas em
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todas as atividades realizadas em sala de aula, até mesmo propondo alternativas
para que os educandos com necessidades educacionais especiais participem
ativamente do processo de ensino-aprendizagem e das atividades sociais da turma.
A Maria adora os amigos da sala dela. Às vezes umas meninas vão brincar lá em casa e às vezes a Maria vai na casa delas. Todo dia a Maria chega em casa contando o que fez na escola e muito feliz. Eu sinto que ela ainda tem medo de ficar sozinha na escola e em outros lugares, ela precisa sempre de alguém por perto se não ela chora, mas as meninas nunca deixam ela sozinha. Esses dias ela chegou com uma nova, pedindo uma bicicleta por que todo mundo tem, eu acho que vou dar essa bicicleta pra ela. Acho que ela vai conseguir andar, só vou precisar achar uma estratégia para isso (mãe da Maria). De uns tempos prá cá o Pedro tem se relacionado melhor com os amigos dele. Depois que a pedagoga foi na sala dele e fez umas atividades, os meninos pararam um pouco de mexer com ele por que ele tem deficiência. Agora eles mexem com ele como mexem com qualquer outro menino, por que o Pedro também não é Santo. Ele é bem danado. Ele está bem melhor em todos os aspectos. (mãe do Pedro).
Sobre essa questão a pedagoga da escola A complementa:
A relação dos alunos com a inclusão é essa que você vê. Eles são totalmente abertos e não discriminam os alunos com deficiência. Quando eles estão nas séries iniciais do Ensino Fundamental fica até mais fácil, por que os alunos maiores praticam o bullying com mais frequência e com todos os alunos, sendo deficientes ou não. Nós desenvolvemos projetos para tentar não tornar o bullying parte da cultura escolar, mas isso não está diretamente relacionado com a inclusão, pois acontece em inúmeras situações, o maior desafio da inclusão é o preparo dos professores, da estrutura da escola e da mentalidade dos pais dos alunos, os alunos em si não são o problema, eles nos ajudam a encontrar, muitas vezes, soluções (Pedagoga da escola A).
O posicionamento da pedagoga da escola A sintetiza a opinião dos outros
entrevistados no que tange à questão dos desafios encontrados para que a proposta
de inclusão escolar se efetive. Ao longo das falas dos entrevistados, analisou-se a
conexão existente entre o que se acredita ser a inclusão escolar, a importância de
sua efetivação para a mudança da cultura escolar e desse modo da cultura social,
os desafios que toda mudança encontra e necessitam ser vencidos e as inúmeras
possibilidades que esta proposta oferece para todos que dela compartilham.
O último questionamento feito com os participantes da pesquisa referiu-se às
expectativas que eles tinham com relação às possibilidades de mudança no cenário
educacional francano, e talvez brasileiro, se considerarmos os ecos dos sujeitos.
151
Encerra-se a análise do presente trabalho com essas considerações, por tê-las
pontos de partida para outros estudos e possibilitarem a reflexão de que apesar de
todos os desafios encontrados no processo de inclusão escolar, este é um passo
para a construção de novas ações e posturas educacionais que poderão beneficiar a
todos os educandos, com ou sem deficiências.
Quando chega um pai de aluno para mim e me agradece por possibilitar ao seu filho o acesso à escola regular, eu me sinto privilegiada por fazer o que faço e motivada a continuar. Nós estruturamos uma Rede Municipal de Ensino forte na nossa gestão e eu espero que esse trabalho tenha continuidade, independente de quem vier. Sei que muito tem a ser feito com relação à inclusão, como oferecer sala de recursos para todos os alunos, mas nós vamos conseguir atender às necessidades e fazer com que a inclusão seja um processo natural. Todos os funcionários da Rede exercem suas funções com muito amor e carinho e são com esse amor e esse carinho que nós educamos os nossos alunos, todos os alunos. Temos planos estruturados para que no máximo em dois anos possamos atender toda a demanda do AEE. Além disso, estamos, a cada dia, tendo maiores possibilidades de oferecer capacitação a todos os profissionais que atuam nas escolas, não só os professores. (Secretária Municipal de Educação).
Para mim, a inclusão escolar está se fortalecendo a cada dia na Rede Municipal. Estamos conseguindo, a cada dia, conscientizar mais profissionais sobre a importância dessa prática. Acredito que com a inclusão escolar, estamos formando gerações de cidadãos conscientes das diferenças individuais e capazes de promoverem uma cultura de paz. Essa é a minha crença na educação, e é o que espero colher como fruto do meu trabalho. (Coordenadora da Educação Inclusiva do Município).
Ver os alunos convivendo juntos, ver as pessoas aceitando sem preconceito as outras pessoas, ver um pai compreender seu filho e aceitar que o seu tempo de aprendizado é diferente, ver a Secretaria instrumentalizando o trabalho das pedagogas, ver as pedagogas querendo realizar com eficiência o seu papel, ter todas as professoras das salas regulares como aliadas e os alunos se respeitando e respeitando a escola de modo geral. Acho que é tudo isso que espero para a inclusão escolar na Rede Municipal e espero da inclusão escolar. Será um sonho? Espero que não. Com a inclusão eu acredito que a escola realmente possibilitará a formação de pessoas conscientes de seus papéis na sociedade, pois nós precisamos reestruturar todas as nossas ações educacionais e isso vai possibilitar a mudança da escola. (Pedagoga da escola A).
Minha maior pretensão com relação à inclusão é a mudança de mentalidade de quem está dentro da escola. Acredito que os profissionais tem que estudar e aceitar as mudanças que são para melhor. É necessário que tenhamos estrutura para trabalhar. Não só de material, mas emocional e cultural. Tenho percebido que as práticas de capacitação que são realizadas estão tendo um resultado
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singelo. Acredito que isso vai mudar para melhor logo. Em breve a prática vai se aproximar da teoria. (Pedagoga da escola B).
Com o tempo nós professoras vamos ter mais condições de preparo. A proposta e principalmente a prática são muito recentes. Por mais que a gente faça cursos, muita coisa é a vivência que ensina. É com essa vivencia que vamos conseguir contribuir efetivamente para o desenvolvimento do nosso aluno. Estudar mais, vivenciar mais e assim não ter medo do novo e não ter medo de errar. (professora da sala regular da escola A).
A tendência é aumentar o número de alunos com deficiência nas escolas e com isso todos os professores vão ter que estudar mais, as pedagogas vão ter que ajudar mais e a Secretaria vai ter que dar mais materiais e recursos para que a gente possa trabalhar. Acho também que os alunos vão aceitar mais as diferenças e serem boas pessoas. (professora da sala regular da escola B).
Para a Maria eu acho que a escola, a sala de recursos e todo o acompanhamento que nós temos, só vai ajudar ela a aprender os conteúdos e também a ter autonomia na vida dela inteira. O meu maior medo era esse. Um dia eu sei que vou morrer, assim como o pai dela morreu, e eu pensava o que seria dela sem mim. Hoje eu sei que junto com a Maria estão crescendo pessoas que sempre vão entender ela e ajudar ela quando ela precisar. (mãe da Maria).
Hoje sei que o Pedro tem chance de ter um emprego, de aprender a se virar e ser educado com as pessoas. Sempre tive medo dele não conseguir nada disso, mas hoje até ele sabe que ele vai conseguir. Eu acredito na escola, acredito no Pedro. Tenho muito medo, por que daqui a dois anos ele muda de escola e eu não sei se na escola do Estado a gente vai encontrar o que encontra aqui. (mãe do Pedro).
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Quais os desafios encontrados no caminho percorrido? Quais experiências
foram vivenciadas? Quais esperanças foram reafirmadas? Quais sonhos se
fortaleceram?
Posicionar-se, conquistar espaços e compreender diferentes concepções de
mundo. Esses foram alguns desafios encontrados e experiências vivenciadas no
decorrer da realização do presente trabalho.
Assumir um posicionamento frente a uma temática considerada polêmica e
complexa pelos profissionais e sujeitos que com ela estão envolvidos, só foi possível
com o aprofundamento teórico e o contato com a realidade vivida. A busca por
espaços escolares para a realização da pesquisa demandou paciência,
determinação e compreensão dos aspectos técnicos e burocráticos que são
necessários para se iniciar uma pesquisa em educação, atendendo aos aspectos
éticos e culturais que estão envolvidos com o processo de inclusão escolar. A
compreensão dos diferentes posicionamentos com relação à proposta de educação
inclusiva foi fundamental para que a parcialidade, presente em pesquisas que
envolvem diretamente seres humanos, fosse considerada e administrada no dia-a-
dia das observações participantes e na realização das entrevistas.
Percorrer a história da Educação Especial no Brasil e a relação que a
sociedade civil estabeleceu com o desenvolvimento educacional de pessoas com
deficiência foi fundamental para que a temática fosse analisada com um olhar
sistêmico e relacional. Nessa perspectiva, constatou-se que o atendimento médico,
assistencial e educacional desse público esteve diretamente relacionado ao contexto
econômico, social e político pelos quais o país passou.
Em grande parte da trajetória educacional dos deficientes, estes foram
relegados aos porões da sociedade e, por isso, muito ainda deve ser discutido e
efetivado para que essa realidade mude de fato.
A inclusão educacional como um processo em construção contribui para essa
mudança de postura, pois a escola, na sociedade moderna, representa um lócus de
possibilidades de mudança social e ressignificação cultural. Representa, pois não é
o que ainda ocorre de fato no ambiente escolar, como muitas vezes vê-se noticiado
e discutido em textos acadêmicos, mas possibilita a crença de que as coisas podem
mudar.
Ao discutir a temática do trabalho, pôde-se constatar que foi por meio das
reivindicações sociais para uma sociedade mais justa e igualitária que as legislações
155
e diretrizes educacionais se estruturaram e que essas legislações e diretrizes visam
uma mudança prática na cultura escolar, que justamente por ser uma mudança
cultural, necessita tempo, adaptação e reflexão sobre a prática.
A proposta de inclusão escolar do município de Franca – SP está
teoricamente estruturada e bem fundamentada, resultando em ações práticas e
efetivas com relação ao que a legislação prevê. As diretrizes internacionais,
nacionais e do Estado de São Paulo, abordadas no terceiro capítulo, são a base dos
direcionamentos municipais e determinam a adoção de políticas públicas tais como,
a implementação das salas de recursos multifuncionais, o AEE, os projetos de
acessibilidade físico/ arquitetônica e a aquisição de tecnologias assistivas. Mesmo
que essas ações não atendam à demanda geral dos educandos que necessitam de
atendimento especializado, as perspectivas para a ampliação e adequação de todas
as escolas para o AEE existe e com projetos já aprovados pelos órgãos
governamentais competentes.
Ao analisar o processo de inclusão escolar, questionou-se se esse não seria o
modelo educacional ideal para atender a todos os educandos, sendo eles
educandos com necessidades educacionais ou não. Será que somente um
educando com deficiência precisa de novos mecanismos de avaliação? De novos
recursos didáticos? De uma metodologia de ensino que possibilite a todos os
educandos levar o que aprendem e ensinam na escola para fora de seus muros?
Essas questões surgiram durante a pesquisa de campo e de maneira especial
nas entrevistas, pois os profissionais envolvidos com a temática não demonstraram
considerar a proposta de inclusão escolar como uma perspectiva educacional que,
para atingir os resultados almejados, deve ser adotada para todos os educandos.
É Mantoan (2003) quem defende essa concepção aqui compartilhada. Para a
autora, se os profissionais envolvidos com a proposta de inclusão escolar
oferecerem aos educandos com necessidades educacionais especiais avaliações
com conteúdos mais fáceis, atividades diferentes (e não diferenciadas), lugares
destacados na sala de aula e enfatizarem a deficiência ao invés da possibilidade de
desenvolver o aprendizado, a proposta de inclusão escolar vai constituir-se como um
fim em si mesma, não mudando a estrutura educacional e ocasionando a exclusão
dentro da própria concepção de inclusão.
Essa perspectiva pôde ser verificada principalmente na relação que as
professoras das escolas pesquisadas estabelecem com o processo de ensino e
156
aprendizagem dos educandos com necessidades educacionais especiais. Durante
as observações participantes, constatou-se inúmeras vezes a dificuldade das
professoras em escolher práticas educacionais que não excluíssem os educandos
de maneira sutil e muitas vezes inconsciente. O que mais se verificou foram
atividades completamente diferentes (e consideradas pelas professoras mais fáceis)
ou as mesmas atividades com o mesmo grau de dificuldade, mas sem respaldo e
adaptação.
No que se referem aos aspectos pedagógicos e ao cotidiano escolar,
percebeu-se realmente o processo sendo construído. As resistências, o medo do
desconhecido e a falta de preparo profissional, que no início do trabalho
caminhavam sozinhos e que permeavam a cultura escolar, foram sendo
acompanhados ao longo do tempo, pela a elaboração de estratégias de
aprendizagem (mesmo sem recursos adequados), de compreensão da
heterogeneidade dos educandos e de crença na possibilidade de mudança do
sistema educacional e social brasileiros. A resistência ao processo de inclusão
escolar ainda está longe de ser superada por inúmeros profissionais da rede e
membros da comunidade escolar, mas os caminhos já estão traçados.
Um ponto comum em todas as entrevistas, até mesmo dos profissionais que
tem maior resistência à proposta de inclusão escolar foi a crença de que a inclusão
escolar beneficia a todos os envolvidos com a proposta.
Com todos os percalços culturais, estruturais e materiais que foram
apontados no decorrer da pesquisa, não se pode anular os resultados que a
proposta de inclusão escolar exerce na vida dos educandos com necessidades
educacionais especiais e suas famílias. A descoberta de possibilidades de
aprendizagem, de autonomia, e construção de vida, não pode ser ofuscada pelas
dificuldades estruturais que a prática da inclusão escolar ainda enfrenta.
Para as mães da Maria e do Pedro, as ações realizadas para que seus filhos
tenham a possibilidade de se desenvolverem possibilitará a eles a conquista de
espaços sociais e a atuação efetiva nesses espaços. Essa percepção não está
relacionada somente aos conteúdos e ao processo de ensino e aprendizagem, mas
também à construção de uma geração de pessoas que têm a oportunidade de
compreender a diversidade existente entre todos os seres humanos.
É fato que as políticas públicas brasileiras são propostas e tendem a ser
implementadas sem que haja a real contestação da estrutura educacional e do
157
caráter modificador ou não dessas políticas, mas como Mantoan (2006) aponta, a
implementação da inclusão escolar, por mais que seja ainda muito contestada pelo
caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, especialmente no meio
educacional, convence a todos pela sua lógica e pela ética de seu posicionamento
social.
O que se defende não é a inclusão total e irrestrita, como foi discutido no
segundo capítulo do presente trabalho, que retira do educando com necessidades
educacionais especiais todo o tipo de apoio para o seu desenvolvimento pessoal e
educacional e o desloca para as escolas regulares ainda despreparadas. Acredita-se
que com todo o aparato teórico, tecnológico e psicopedagógico que as concepções
educacionais desenvolveram, existe a possibilidade do desenvolvimento de práticas
inclusivistas cada vez mais significativas.
Nas palavras de Mantoan (2006, p. 53) “Ao denunciar o abismo existente
entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira, a inclusão é reveladora dos
males que o conservadorismo escolar tem espalhado.”
As experiências vivenciadas, principalmente no que se refere à construção do
significado da inclusão no ambiente escolar e na comunidade que o cerca, da
ressignificação de práticas educacionais, dos desafios diários que são encontrados
pelos profissionais e estudantes e pelas possibilidades de mudanças educacional e
social que o processo de inclusão escolar focaliza, proporcionou a compreensão de
que muito ainda precisa ser discutido e realizado para que a inclusão escolar se
efetive como uma prática real de democratização do ensino no país.
Tem-se como premissa que a pesquisa, de um modo geral, só tem significado
quando cumpre uma função social, contribui para modificar a realidade e propõe
novos paradigmas.
Neste sentido, longe de esgotar as discussões, as pesquisas e os
questionamentos que envolvem a proposta e a prática da inclusão escolar, este
trabalho se encerra reafirmando a necessidade de sempre se questionar a realidade
vivida e assim, intervir de modo consciente no mundo que se quer construir. Esse é
o sonho que se fortalece ao final do presente trabalho.
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APÊNDICE A - Questões que nortearam as entrevistas:
1) Como a proposta de inclusão escolar é pensada no município e o que é feito
para que ela se efetive?
2) Quais são os desafios encontrados para a implementação da inclusão escolar
no município?
3) Quais as perspectivas para a inclusão escolar no município de Franca – SP?
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APÊNDICE B - Relato de observação:
Data: 12/05/2010
Local: Escola A
Como de costume, cheguei à escola às 6h50min. O inspetor de alunos estava
terminando de organizar a caixa de som e o microfone e imediatamente ligou os
equipamentos para receber as crianças. Nesse dia ele colocou para tocar um CD
com músicas de Beethoven, reconheci por causa da nona sinfonia, acho muito legal
essa forma de recepcionar os alunos todas as manhãs. Aos poucos os alunos foram
chegando, uns trazidos pelos seus pais, outros sozinhos. Uma aluna nova ficou
chorando muito e não queria que a mãe a deixasse sozinha na fila. Às 7h00min os
professores chegaram e tomaram a frente das filas de suas classes. A música
“Silêncio” foi colocada e os alunos cantaram e em seguida uma das professoras
pegou o microfone e rezou o “Pai Nosso”. Após a oração, o sinal da escola tocou, as
professoras puxaram as filas para as salas de aula e às 7h10min as aulas
começaram.
Acompanhei a fila da sala em que realizo a observação participante. Como
todos os dias, a professora pegou a mão de Maria e puxou a fila até a sala de aula.
A professora solicitou que eu me sentasse no fundo da sala para não dispersar os
alunos. A professora pediu para que uma aluna auxiliasse Maria a se sentar e
colocar a mochila no lugar, a aluna prontamente ajudou. A aula começou com uma
cantiga de cumprimento e depois a oração do “Anjo da Guarda”. Como todos os
dias, a professora começou a escrever na lousa a “Rotina” do dia que iniciou com a
Data, Nome da Escola, Nome do Aluno, Aula de Educação Física e Projeto Romero
Brito. Todos os alunos deveriam copiar a rotina e depois de copiarem, os ajudantes
da sala colocaram seus nomes na Lousa e depois que todos terminaram eles leram
o que era para ser realizado naquele dia. Enquanto os colegas copiavam, a
professora foi até o fundo da sala e pegou a caixa de rotina de Maria. Aos comandos
da professora, a garota começou a pegar os objetos que representavam as
atividades que seriam realizadas. Maria ficou irritada por que não achava uma letra
de seu nome e começou a tirar todos os objetos da caixa para ver se o encontrava.
Uma colega quis ajudá-la, mas a professora prontamente a reprimiu dizendo que a
caixa era de Maria e como ela não conseguia ainda escrever, ela tinha que
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encontrar os objetos sozinha para poder aprender. Achei a intenção da professora
válida, mas ela poderia ter se expressado de outra forma, pois Maria fechou o
semblante quando a professora disse que ela não conseguia escrever.
Às 8h00min a professora de Educação Física veio para a sala e começou a
aula na sala mesmo. O objetivo da aula era construir uma peteca de jornal e papel
celofane. A professora pediu para um colega ajudar Maria a confeccionar a peteca
dela, mas ao invés de ajudá-la o colega fez tudo e Maria ficou um pouco perdida,
sem saber o que estava acontecendo. Na hora que a professora foi distribuir o papel
celofane ela disse que o único amarelo ia ser o da Maria, por que não tinha mais
amarelo. Maria ficou feliz com a exclusividade e alguns alunos reclamaram do
“privilégio”. Acho isso bem complicado, a professora poderia ter sorteado o amarelo,
ou criado outra estratégia para completar as cores da peteca. Alguns alunos
perguntaram baixinho: “Por que Maria?”. Eu também gostaria de saber.
Depois que todas as petecas estavam prontas, a professora de Educação
Física levou os alunos para a quadra de esportes. Acompanhei os alunos até a
quadra. É muito difícil chegar até a quadra, pois não há escadas em nem rampas de
acesso, tivemos que descer por um pequeno barranco. A professora de Educação
Física segurou Maria para ela não cair. Os alunos teriam 10 minutos para brincar
com suas petecas. A professora foi ensinar Maria a brincar. A menina jogava a
peteca para cima, mas não conseguia acertá-la, pois não sabia onde ela estava
caindo. Uma menininha, vendo a dificuldade de Maria, criou uma estratégia de jogo
que eu, particularmente, achei genial! A regra era: de olhos fechados, fazer silêncio
e ouvir onde as petecas tinham caído, quem achasse mais petecas ganhava. Eu
fiquei realmente emocionada com essa atitude e acredito que a professora também.
Maria não ganhou, mas participou completamente da atividade. A menininha que
propôs o jogo olhou para mim, lançou um sorriso e piscou o olho. Acho que ela quis
dizer: Está vendo como sou inteligente! Foi um momento mágico. O “aprendiz”
dando lição ao “mestre”.
Às 8h50min os alunos voltaram para a sala de aula e a professora de
Educação Física os deixou com a professora titular da sala. Eu voltei junto com os
alunos e sentei em meu lugar. A professora disse aos alunos que agora era a hora
de retomar o projeto Romero Brito. Na lousa estava colada uma imagem de um
quadro do artista. Era linda, muito colorida, chamava-se “Dotty Fish”, um peixe
colorido em um oceano cor de rosa com bolhas de ar lilás. A professora pediu para
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que os alunos juntassem as carteiras em grupos de quatro alunos, formando um
quadrado. Alguns alunos ajudaram Maria a se locomover e se ajeitar na carteira. No
centro dos grupos foram colocados pincéis, tintas, pano e um pote de água para
limpar os pincéis. Para cada aluno foi entregue uma cópia xerocada da obra e a
partir dela eles deveriam pintar como quisessem. Às 9h30min tocou o sinal do
recreio e em fila os alunos foram para o refeitório e depois de lancharem foram para
o pátio. Depois de comer, Maria foi para o pátio acompanhada de uma amiguinha.
As duas ficaram sentadas o recreio todo conversando. Quando tocou o sinal, os
alunos formaram as filas e as professoras os levaram para a sala de aula.
Ao retornarem para a sala de aula o projeto Romero Brito foi retomado. A
professora pediu-me para auxiliar Maria, pois ela iria dar assistência aos outros
alunos. Eu aceitei e, apesar de não ser uma pesquisa-ação, achei que essa seria
uma oportunidade de compreender mais a relação que Maria estabelece com os
métodos de aprendizagem que lhe são oferecidos.
Pelo fato de ter baixa visão em um olho e não enxergar nada do outro, a
garota percebe as tonalidades escuras e sempre opta por utilizá-las em seu
trabalho. Como a folha entregue à Maria era igual à dos colegas, não havia como a
garota saber onde deveria ou não pintar, não havia relevo ou outro recurso. Desse
modo, a garota pediu para que eu colocasse o indicador esquerdo dela em cima de
onde ela deveria pintar, para que ela não fizesse errado. Quando todos os alunos
terminaram, a professora pediu para que cada pintor expusesse a sua obra na frente
da sala. Antes de chegar a vez de Maria, a professora pediu o trabalho da garota e
colou barbantes nos círculos que representavam as bolas de ar do oceano, pedindo
para Maria tocá-las e sentir o círculo. Não entendi o porquê dessa ação, já que a
garota havia pintado os círculos (muitos ultrapassaram a circunferência devido à
falta de referencia espacial). Maria apresentou sua obra aos colegas e foi aplaudida.
Os alunos organizaram a sala de aula, guardaram os materiais e aguardaram o sinal
para irem embora para casa. Quando tocou o sinal, a professora formou a fila e no
pátio, deixou os alunos com seus responsáveis. Fui embora quando a mãe de Maria
chegou para buscá-la58.
58 Esse relato foi colocado a título de exemplo.
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APÊNDICE C - Autorização para a pesquisa de campo
Franca, 10 de agosto de 2008. SOLICITAÇÃO
Prezados senhores, venho por meio desta solicitar a autorização para realizar junto às escolas municipais de Ensino Fundamental do município de Franca – SP, a etapa de coleta de dados da pesquisa intitulada: Políticas Públicas para a inclusão escolar: desafios e perspectivas no município de Franca-SP. O projeto de pesquisa é conduzido por Mariana Canavezi de Vitta, do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e orientado pela Prof (a). Dr(a) Célia Maria David, pertencente ao quadro de Docentes da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP Campus Franca. O material obtido com a pesquisa de campo será utilizado para apresentação da Dissertação de Mestrado, observando os princípios éticos da pesquisa científica e seguindo procedimentos de sigilo e discrição. A presente pesquisa visa analisar e compreender como o processo de inclusão escolar de educandos com necessidades educacionais especiais ocorre no município de Franca-SP, verificando as propostas e a prática, bem como as relações socioculturais que permeiam o processo de inclusão. Para o desenvolvimento da pesquisa serão utilizados os procedimentos metodológicos da pesquisa qualitativa, com a observação das escolas e entrevistas semiestruturadas com os participantes, juntamente com a análise bibliográfica e documental. Sem mais para o momento, agradeço a atenção. Respeitosamente,
____________________________ Pesquisador Responsável: Mariana Canavezi de Vitta - Rua Tiradentes,1233, Centro, Franca- SP, CEP: 14400-550. Telefone: (16) 8809-8682. e-mail: [email protected]
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ANEXO A - Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais - 2008
As Salas de Recursos Multifuncionais – Tipo I e II são constituídas de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos pedagógicos, conforme quadro abaixo: Nº
de Ordem
Especificação
01 Microcomputador com gravador de CD, leitor de DVD e terminal
02 Monitor de 32” LCD 03 Fones de ouvido e
Microfones 04 Scanner 05 Impressora laser 06 Teclado com colméia 07 Mouse com entrada para
acionador 08 Acionador de pressão 09 Bandinha Rítmica 10 Dominó 11 Material Dourado 12 Esquema Corporal 13 Memória de Numerais 14 Tapete quebra-cabeça 15 Software para comunicação
alternativa 16 Sacolão Criativo 17 Quebra cabeças
sobrepostos (seqüência lógica)
18 Dominó de animais em Língua de Sinais
19 Memória de antônimos em Língua de Sinais
20 Conjunto de lupas manuais (aumento 3x, 4x e 6x)
21 Dominó com Textura 22 Plano Inclinado – Estante
para Leitura 23 Mesa redonda 24 Cadeiras para computador 25 Cadeiras para mesa
redonda 26 Armário de aço 27 Mesa para computador 28 Mesa para impressora 29 Quadro melanínico