PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP Faculdade de Filosofia, Ciência, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)
Gustavo Cardoso Silveira
De A Streetcar Named Desire a Um bonde chamado Desejo:
uma análise sob o enfoque da Linguística Sistêmico-Funcional
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
São Paulo
2018
Gustavo Cardoso Silveira
De A Streetcar Named Desire a Um bonde chamado Desejo:
uma análise sob o enfoque da Linguística Sistêmico-Funcional
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo como exigência parcial para obtenção do
título de MESTRE em Linguística Aplicada e
Estudo da Linguagem sob orientação da Profa.
Dra. Sumiko Nishitani Ikeda.
São Paulo
2018
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda (Orientadora)
___________________________________________________
Prof. Dr. Orlando Vian Júnior – UNIFESP
___________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Madureira – PUC-SP
São Paulo, 29 de maio de 2018
À minha mãe, Maria Alice, pelo exemplo de vida. Ao meu amor: “Me dá a mão e vamos juntos”.
À Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, seguimos juntos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior (CAPES), fundação
vinculada ao Ministério da Educação (MEC), meu profundo agradecimento por
possibilitar a execução desta minha dissertação de mestrado.
AGRADECIMENTOS
Aos meus amigos, meu profundo agradecimento, não só pelas vivências e
sábios comentários com os quais fui contemplado, mas também pelo reconfortante
apoio a mim oferecido, em um momento de profundo aprendizado da minha vida.
Quero deixar, também, meu singelo agradecimento para aqueles que
contribuíram da mais diversificada maneira para a realização desse projeto de
pesquisa.
À Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, meu profundo agradecimento,
não só pelas leituras constantes e sábios comentários com os quais fui contemplado,
mas também pelo reconfortante apoio a mim oferecido, em um momento de profundo
aprendizado da minha vida.
Aos colegas de classe, pela agradável convivência e apoio mútuo; à Maria
Lúcia dos Reis (Malu), pela paciência, sempre solícita e dispostas a ajudar; aos
professores doutores que tão gentilmente aceitaram integrar a banca de defesa dessa
dissertação e contribuíram para o enriquecimento desse trabalho.
Todavia, não menos especiais são as contribuições dadas por tantos outros
que, seguramente, se encontrarão no quadro abaixo:
Q O G A I T S K E C O A
P S N E N O W U Q M Ã D
U A P I C T Q F A A I R
L N T O L I Ô R J C T I
A D R R R E I N A I S A
M R N N I A D N I N A N
O A E E A C I U Z O B A
S H F L L M I X A M E W
P R I S C I L A W L S E
X C A D N I L E M R E H
E O O D R A U D E Z T W
R O B E R T O K I M U S
[...] a hercúlea tarefa do leitor/desconstrutor não se restringe à academia e aos departamentos de filosofia ou de estudos da linguagem. Ao sacudir os alicerces de nossas mais caras e arraigadas convicções, a desconstrução de qualquer texto atinge necessariamente múltiplas dimensões: teóricas e filosóficas, institucionais e pedagógicas, familiares e sexuais, políticas e jurídicas, teológicas e científicas. Não é à toa, portanto, que tantos teóricos e tantos críticos tenham sucumbido a esse apelo sedutor à desconstrução de tudo aquilo que representa o estabelecido e o tido como certo dentro ou fora da academia.
Rosemary Arrojo (2003, p.8-9)
RESUMO
O objetivo desta dissertação de mestrado é a comparação entre o original em língua
inglesa de A Streetcar Named Desire, de Tennessee Williams, com a respectiva
tradução em português, Um bonde chamado Desejo, de Vadim Nikitin, a fim de
caracterizar as diferenças entre as duas versões com base nas escolhas
lexicogramaticais feitas pelos referidos autores. Desde 1950, o importante trabalho de
estudiosos da tradução baseada em linguística tem feito muito para romper as
fronteiras entre diferentes disciplinas dedicadas a ela, e tirar seus estudos de uma
posição de possível confronto. A pesquisa tem o apoio da Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF), uma proposta teórico-metodológica de Halliday (1985) e Halliday e
Matthiessen (2004). A LSF estabelece que o uso da língua é funcional; que sua função
é construir significados; que os significados são influenciados pelo contexto social e
cultural em que são intercambiados; e que o processo de uso da língua é um processo
semiótico, um processo de fazer significado por meio de escolhas. Pesquisas mostram
que esse quadro teórico pode ser aplicável ao campo dos estudos da tradução a partir
de vários aspectos envolvidos na LSF: o sistema da transitividade, a modalidade e a
avaliatividade, além da noção de estrutura temática. Outras contribuições ajudam a
entender as características que marcam uma tradução, tais como as noções de
determinismo e relatividade linguísticos, bem como a questão da tipologia linguística.
O presente estudo busca responder às seguintes perguntas: (a) o que a comparação
do original em inglês e a tradução em português de A Streetcar Named Desire pode
revelar? (b) que consequências essas diferenças significam para a interpretação do
texto original e de sua tradução? Os resultados mostram a impossibilidade de uma
tradução literal, já que várias características linguísticas separam as duas línguas em
termos da tipologia específica seja do inglês, seja do português. Esse fato obriga o
tradutor a fazer escolhas lexicogramaticais possibilitadas pela língua alvo o que pode
implicar modificações na interpretação do drama de uma língua a outra.
Palavras-chave: Tradução (inglês/português). “A Streetcar Named Desire”.
Linguística Sistêmico-Funcional.
ABSTRACT
The purpose of this master's dissertation is to compare the English-language original
of A Streetcar Named Desire, by Tennessee Williams, with the respective translation
in Portuguese, Um bonde chamado Desejo, by Vadim Nikitin, in order to characterize
the differences between the two versions based on the lexicographic choices made by
these authors. Since the 1950s, the important work of linguistic-based translation
scholars has done much to break the boundaries between different disciplines
dedicated to it, and to draw their studies from a position of possible confrontation. The
research has the support of Systemic-Functional Linguistics (SFL), a theoretical-
methodological proposal of Halliday (1985) and Halliday and Matthiessen (2004). The
SFL states that the use of language is functional; that its function is to construct
meanings; that meanings are influenced by the social and cultural context in which
they are exchanged; and that the process of language in use is a semiotic process, a
process of making meaning through choices. Researches show that this theoretical
framework can be applied to the field of translation studies from several aspects
involved in SFL: the transitivity system, the modality and the evaluation, as well as the
notion of thematic structure. Other contributions help to understand the characteristics
that mark a translation, such as the notions of linguistic determinism and relativity, as
well as the question of linguistic typology. The present study seeks to answer the
following questions: (a) what can the comparison of the original in English and the
Portuguese translation of A Streetcar Named Desire reveal? (b) what consequences
do these differences mean for the interpretation of the original text and its translation?
The results show the impossibility of a literal translation, since several linguistic
characteristics separate the two languages in terms of the specific typology of both
English and Portuguese. This fact obliges the translator to make lexicographic choices,
made possible by the target language, which may imply modifications in the
interpretation of the drama from one language to another.
Keywords: Translation (English / Portuguese). "Um bonde chamado Desejo".
Systemic-Functional Linguistics.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Enquadre de satélite e Enquadre de verbo ........................................... 31
Quadro 2 – Resumo das teorias de apoio ................................................................ 35
Quadro 3 – Marcação das diferenças ...................................................................... 44
Quadro 4 – Comparação entre o original inglês e a tradução em português ............ 64
Quadro 5 – Mudança semântica .............................................................................. 66
Quadro 6 – Incidência de MS ................................................................................... 67
Quadro 7 – Acréscimo no português ........................................................................ 68
Quadro 8 – Incidência de ACRE ............................................................................... 69
Quadro 9 – Omissão no português .......................................................................... 69
Quadro 10 – Incidência de OMIS ............................................................................. 70
Quadro 11 – Expressão idiomática .......................................................................... 71
Quadro 12 – Enquadre de verbo X Enquadre satélite ............................................... 71
Quadro 13 – Tipologia de língua .............................................................................. 72
Quadro 14 – Mudança morfológica .......................................................................... 73
Quadro 15 – Perífrase .............................................................................................. 73
Quadro 16 – Modalização ........................................................................................ 73
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Diferenças na tradução do inglês para o português ................................. 65
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 – A Streetcar Named Desire (Scene XI) ..................................................... 81
Anexo 1 – Um bonde chamado Desejo (Cena XI) .................................................... 86
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14 1.2 Tennessee Williams: o poeta do coração ....................................................... 18 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................... 21 2.1 Linguística Sistêmico-Funcional ..................................................................... 21 2.2 Relação língua e cultura ................................................................................... 23 2.3 A tradução .......................................................................................................... 23 2.4 Relatividade e Determinismo Linguísticos ..................................................... 25 2.4.1 O nível lexical ................................................................................................. 26 2.4.2 O nível gramatical .......................................................................................... 27 2.5 Tipologia das línguas ........................................................................................ 28 2.6 A Linguística Sistêmico-Funcional e a tradução ............................................ 31 2.6.1 A metafunção ideacional e a tradução ......................................................... 32 2.6.2 A metafunção interpessoal e a tradução ...................................................... 33 2.6.3 A metafunção textual e a tradução ............................................................... 33 3 METODOLOGIA .................................................................................................. 36 3.1 Dados ................................................................................................................. 36 3.1.1 Estrutura da peça ........................................................................................... 39 3.2 Procedimentos de Análise ................................................................................ 43 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................. 46 4.1 Análise de registro – contexto situacional ...................................................... 46 4.2 Análise de A Streetcar Named Desire ou Um bonde chamado Desejo ........ 48 4.3 Discussão dos Resultados ............................................................................... 65 4.3.1 Mudanças Semânticas (42,5%) ..................................................................... 66 4.3.2 Acréscimo no Português (18,5%) ................................................................. 68 4.3.3 Omissão no Português (14,5%) ..................................................................... 69 4.3.4 Expressão Idiomática (6,5%) ......................................................................... 70 4.3.5 Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite (6,5%) .......................................... 71 4.3.6 Tipologia de Língua (6,5%) ............................................................................ 72 4.3.7 Mudança Morfológica (2%), Perífrases (2%) e Modalização (1%) .............. 73 5 DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS ........................................................ 74 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 76 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 77 ANEXOS ................................................................................................................... 81
14
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação de mestrado é resultado do desejo de agregar um percurso
pessoal de formação em psicanálise à linguística aplicada. Em meio a dificuldades
que cercam o processo tradutório – do inglês para o português – enfrentado por meus
alunos, incluindo a tradução de A Streetcar Named Desire, de Tennessee Williams,
peça teatral, na qual, o autor mostra o percurso de Blanche DuBois em direção ao
surto psicótico que atinge sua máxima representação no final, julguei que esta
pesquisa reuniria as duas tendências.
Porém, no desenrolar da pesquisa, percebi que a junção dessas duas vertentes
careceria de um enfoque especial, não fazendo sentido a inclusão da questão
referente à psicanálise. Assim, decidi-me por dividir a pesquisa, deixando o enfoque
psicanalítico para um possível doutorado, concentrando meus esforços na tentativa
de esclarecer as diferenças que ocorrem entre o texto original e sua versão. Por outro
lado, não tenho conhecimento de trabalhos enfocando a obra de Williams sob a
perspectiva da linguística aplicada, em especial com base na Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF) (HALLIDAY, 1994), fato que pode justificar a presente abordagem.
Para a LSF, a língua é considerada um recurso para fazer significado e, nesse
processo de realização, a língua funciona para preencher uma série de necessidades
humanas, e “a riqueza e a variedade de suas funções estão refletidas na natureza da
própria língua, em sua organização como um sistema” (HALLIDAY, 1973, p. 20). Uma
descrição sistêmica tenta interpretar simultaneamente tanto o código quanto o
comportamento, para especificar os sistemas dos quais se deriva um item linguístico,
isto é, as escolhas incorporadas naquele item. Portanto, ao analisar instâncias da
língua numa conversa, correlacionamos simultaneamente diversos sistemas da língua
para fornecer um tratamento linguístico compreensível. A LSF ganhou um lugar de
destaque nos estudos do discurso nos últimos vinte anos, e é provável que se
mantenha influente nos anos por vir, visto que atingiu o objetivo de Halliday ao
constituir-se como uma gramática funcional para fins de análise de texto, segundo
Ming (2007).
Nesse contexto, pesquisas na área da linguística tem promovido, desde 1950,
o desenvolvimento da teoria da tradução. O importante trabalho de estudiosos da
tradução baseado em linguística, como os de: Mona Baker, Roger Bell, Basil Hatim,
15
Ian Mason, Kirsten Malmkjaer, Katharina Reiss, Hans Vermeer e Wolfram Wilss, para
citar apenas alguns dos mais conhecidos, tem feito muito para romper as fronteiras
entre diferentes disciplinas dedicadas à tradução e tirar seus estudos de uma posição
de possível confronto (cf. BASSNETT, 2004, p. 3, apud MING, 2007).
A propósito, a hipótese do determinismo/relativismo linguísticos de que línguas
diferentes influenciam o pensamento de maneiras diferentes existe desde o início da
filosofia, segundo Slobin (1980), e pode interessar ao estudo da tradução.
Começamos a pensar nessa hipótese quando comparamos línguas, e descobrimos
quão distintas podem ser as categorias da experiência incorporadas nas diferentes
línguas. Relacionada a esses fatos, a conferência interdisciplinar pioneira sobre a
questão dos universais linguísticos, organizada em 1961, gerou bastante informação
a respeito das línguas do mundo, e veio a revelar padrões comuns surpreendentes,
dando início à noção de tipologia linguística. A consideração desse fator é essencial
na tradução, já que todas as línguas envolvem: tendências humanas a pensar e
imaginar de certa maneira; exigências de realização impostas por um código que se
enfraquece rapidamente e é temporariamente ordenado (seja fala auditiva ou sinal
visual); natureza e metas da interação humana.
Com referência à participação da linguística nas pesquisas sobre a tradução,
Nida (2001, p. 244) refere-se a “estudiosos que têm abordado a questão a partir de
pontos de vista de diferenças linguísticas entre os textos de origem e os de destino”.
Por seu lado, Bell (1991) julga que os teóricos da tradução não poderiam ir além de
uma avaliação subjetiva e normativa dos textos se não se voltarem para a linguística.
Mais recentemente, Ming (2007) recorreu à teoria da Linguística Sistêmico-Funcional
(LSF) para estudos da tradução a partir de parâmetros funcionais, como a
transitividade, a modalidade e a estrutura temática, entre outros. Assim também,
Zhang e Huang (2003) recorreram à perspectiva funcional para estudos de tradução,
apoiando-se em características textuais, escolha linguística, além da relação entre
língua e seu contexto de realização.
Isso dito, o objetivo desta dissertação de mestrado é a caracterização das
diferenças que ocorrem entre o original em língua inglesa de A Streetcar Named
Desire, de Tennessee Williams, com a respectiva tradução em português, Um bonde
chamado Desejo, de Vadim Nikitin, com base nas escolhas lexicogramaticais feitas
pelos referidos autores. A pesquisa tem o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional
16
(LSF), uma proposta teórico-metodológica de HALLIDAY (1994); HALLIDAY;
MATTHIESSEN (2004). O modelo estabelece que o uso da língua é funcional; que
sua função é construir significados; que os significados são influenciados pelo
contexto social e cultural em que são intercambiados; e que o processo de uso da
língua é um processo semiótico, um processo de fazer significado por meio de
escolhas (EGGINS, 2004, p. 3).
Para tanto, o presente estudo busca responder às seguintes perguntas: (a) o
que a comparação do original em inglês e a tradução em português de A Streetcar
Named Desire pode revelar? (b) que consequências essas diferenças significam para
a interpretação do texto original e de sua tradução?
Esta dissertação de mestrado está assim estruturada: Introdução,
Fundamentação Teórica, envolvendo a Linguística Sistêmico-Funcional, que abrange
as metafunções e a relação da língua e contexto, as noções de modalidade e de
avaliatividade, além da Linguística Crítica; a tradução e a relatividade e determinismo
linguísticos; a tradução e a tipologia das línguas; a tradução e as metafunções; além
de noções que embasam a análise, como as de ironia, footing (alinhamento), frame
(conhecimento de mundo). Metodologia, incluindo Dados e Procedimentos de Análise.
Análise e Discussão dos Resultados. Considerações Finais. Referências e Anexos.
A presente pesquisa insere-se no projeto de pesquisa “Recursos para a
realização da persuasão através da avaliação implícita”, sendo parte integrante do
grupo de pesquisa Análise Crítica e Linguística Sistêmico-Funcional (ACLISF),
cadastrado no CNPq, ambos coordenados pela professora doutora Sumiko Nishitani
Ikeda. Cito alguns dos trabalhos feitos pelo grupo: SILVA, R. R. A Tradução de
Memórias de um Sargento de Milícias segundo o modelo comparativo e a GSF (2013);
SAPARAS, M. Representações metafóricas em títulos de filmes americanos e suas
traduções para o português: um enfoque sistêmico-funcional (2012); NINOMIYA, S. L.
A Estruturação Temática na tradução de textos literários da língua japonesa para a
língua portuguesa: um enfoque sistêmico-funcional (2012); BEZERRA, L. A. Marcas
linguístico-culturais presentes na tradução, do português para o inglês, da obra
Menino de Engenho, de José Lins do Rego (2010); ARMBRUST, C. As funções das
construções passivas em editoriais em português e em inglês: um estudo à luz da
perspectiva sistêmico-funcional (2006).
17
Mas, antes de iniciar o capítulo da Fundamentação Teórica, trato da
importância de Tennessee Williams na dramaturgia moderna e alguns dados sobre A
Streetcar Named Desire, estrutura e contexto histórico em que foi escrito o romance.
Esses itens dizem respeito aos requisitos de registro sugeridos por Goatly (1997), com
a finalidade de contextualizar a obra para facilitar a compreensão das suas três
variáveis: campo (assunto), relações (comportamento dos personagens) e modo (no
caso, um drama moderno) bem como para evitar a subjetividade das interpretações.
1.1 Contexto histórico de A Streetcar Named Desire
Desde muito antes da década de 1940, o apego de autores e críticos a um
teatro de molde realista e dramático deixava necessariamente à margem da cena não
apenas episódios de grande impacto histórico e coletivo, como a guerra, mas também
o impacto subjetivo das grandes transformações sociais e materiais. Tennessee
Williams e Arthur Miller desenvolveram soluções, formas e estratégias representativas
que permitiram avançar tanto num sentindo como em outro. Tennessee Williams
impregnou o eixo da subjetividade de elementos tomados ao âmbito do épico: sua
dramaturgia está impregnada de elementos como o fluxo narrativo e de memórias, as
projeções de slides, a ruptura com o passado apresentando a representação
verossimilhante do espaço e a criação de uma atmosfera determinada pela natureza
da afetividade da personagem protagonista.
De acordo com Berthold (2014, p. 451), a era da máquina havia começado. A
ciência empreendeu a tarefa de interpretar o homem como produto de sua origem
social. Fatores biológicos foram reconhecidos como forças formativas da sociedade e
da história. Numa época em que a sociologia começou a investigar a relação do
indivíduo e da comunidade e a derivar novas teorias estruturais das mudanças
observadas na vida coletiva, os historiadores da cultura claramente precisavam
também de novas categorias de classificação.
Chega-se, assim, à uma análise da dramaturgia da virada do século XIX. O
dramaturgo, nesse período, deveria levar ao palco uma realidade que explicasse todo
o comportamento humano; eliminando a fantasia da subjetividade, construindo
diálogos que fossem a reconstituição exata de uma conversa, tal como ela poderia
ocorrer fora dos palcos (SZONDI, 2015, p. 49).
18
No drama realista os heróis eram escolhidos dentro das camadas mais baixas
da sociedade e, o estilo cênico, impregnado de realidade, buscando, como
mencionado, a verossimilhança. Havia, também, o surgimento da quarta parede, ou
seja, no jogo cênico, o ator ignorava a existência do público e seu posicionamento no
palco ocorria pelo curso das ações e dos diálogos. A interpretação, juntamente com a
cenografia, era fiel à vida e, dessa forma, “mostrava a vida como ela realmente é, em
seu completo horror” (BERTHOLD, 2014, p. 457). O realismo absorve a técnica
analítica ibseniana.
Os Estados Unidos da América, durante dois séculos, recorreram aos modelos
europeus. Ao se comparar os quatro grandes centros teatrais, tinha-se: Paris como o
prazer artístico; Viena como o prazer sensorial; Berlim como a batalha entre atores e
críticos; e Moscou como a dedicação religiosa ao teatro. Nos Estados Unidos da
América, o teatro era um divertimento visto como negócio; o teatro deveria dar certo
como empreendimento comercial.
Os anos de 1940 assiste à emergência de Tennessee Williams, que permanece
até hoje como um dos mais representativos dos teatros da Broadway.
Autobiograficamente, ele reflete sobre as pretensões da tradição sulista, buscando
refúgio, do mundo moderno, nos sonhos e retraimentos (BERTHOLD, 2014, p. 520).
1.2 Tennessee Williams: o poeta do coração1
Segundo Falk (1961, p. 7) “Tennessee Williams tornou-se uma das figuras
literárias mais conhecidas no cenário americano [...]”. Para melhor entender sua obra,
importante se faz conhecer o autor que a produz.
Nascido Thomas Lanier Williams III, em Columbus, estado do Mississipi, nos
Estados Unidos da América, em 26 de março de 1911, era o segundo filho do casal
Edwina e Cornelius Williams, Tennessee e seus dois irmãos passaram a infância ao
lado da mãe, dos avós maternos e da babá Ozzie. Seus pais viviam aparentemente
separados, e, seu pai, considerado um homem frio e distante, com frequentes hábitos
etílicos, trabalhava como vendedor ambulante, aparecendo em casa somente para
ameaçar seus filhos e entristecer o ambiente familiar. Dentro desse desenrolar,
1 “[…] the poet of the heart.” (ROUDANÉ, 2009, p. 1, tradução nossa)
19
Williams “viu e tomou consciência de ambos: ao mesmo tempo em que temia, mas
respeitava o pai, amava, mas sentia pena de sua mãe” (FALK, 1991, p. 18).
Sua mãe, a bela Edwina, absorvera traços culturais remanescentes do Old
South, que, em tese, seria uma terra de fazendas prósperas, amplas casas brancas
com janelas envidraçadas, habitadas por homens e mulheres brancos e cultos, com
grandes habilidades e conhecimentos de literatura e música, sustentados por uma
economia estável sedimentada na produção agrícola, conforme Cáceres (1996). O
avô materno, Dakins, pastor da igreja episcopal, com forte presença no sul dos
Estados Unidos, supria, pelo status religioso perpetrado pelo ministério, grande parte
da figura paterna, não deixando faltar nada às crianças na casa paroquial em que
viviam com a avó materna Rose.
Tennessee era o segundo filho, tendo sua irmã, Rose, sido diagnosticada como
esquizofrênica, fato que influencia de maneira relevante a sua vida e obra,
apresentando personagens com instabilidade mental e emocional. Ainda, segundo
Williams (1975, p. 36):
(...) não consigo apresentar no palco uma fraqueza humana a menos que a
conheça na pele. Eu exponho uma boa quantidade de fraquezas e
brutalidades humanas e, consequentemente, eu as tenho”
Bloom (2004) destaca as personalidades antagônicas dos pais e suas
influências na vida e na obra do dramaturgo. A mãe, muito semelhante a Blanche em
seu principal trabalho, Um bonde chamado Desejo, aderiu a costumes irrelevantes e
a uma ideia quase irreal a respeito das convenções sociais de então. O pai o chamava
de “senhorita Nancy”, expressando abertamente sua aversão a ele [...] fazendo com
que, não importa para quão longe Tennessee tenha fugido, suas memórias e
cicatrizes daqueles anos para sempre permaneceram com ele (BLOOM, 2004, p.
557).2 Nesse ambiente de hostilidade, ele passa a sofrer com a ambiguidade, medos
e fragilidades. Cabe ressaltar que são esses sentimentos que o auxiliam a lidar com
suas próprias angústias, timidez, opressão paterna, homossexualidade e o
2 “William’s mother is much like Blanche in his masterwork, A Streetcar Named Desire, adhered to largely irrelevant mores and a somewhat unreal idea of the current social convention. William’s father called his son “Miss Nancy” and relentlessly expressed his disgust for the youngster […] no matter how far he fled the memories and scars of those years stayed with him”. (BLOOM, 2004, p. 557, tradução nossa)
20
reconhecimento de sua insignificância perante a humanidade (WILLIAMS, 1975, p.
23).
Roudané (2009, p. 2) afirma que Tennessee reinventou o palco norte-
americano, ao eleger as palavras como sua grande preocupação. De acordo com o
crítico, o valor que ele dava a elas é o que o torna singular entre outros dramaturgos
contemporâneos. Segundo ele, William “celebrava a linguagem”, e é sua “linguagem
poética que da vida à palavra” 3 e às suas produções teatrais:
Ele procurou encontrar equivalentes verbais para expressar a tortura interior
de seus personagens. [...] Esta vontade de ampliar seu teatro para algo além
da forma tradicional de realismo, que naquele momento era o modo
dominante de expressão teatral da América, permitiu a Williams criar um
drama lírico, um teatro poético (ROUDANÉ, 2009, p. 3).4
3 “Williams celebrates language [...] a poetic language that makes the world flesh”. (Tradução nossa) 4 “He sought to find the verbal equivalents for his characters’ tortured inner selves. […] This willingness to open up his theatre to more than the traditional forms of realism, then the dominant mode of theatrical expression in America, allowed Williams to create a lyric drama, a poetic theatre’. (Tradução nossa)
21
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Apresento, a seguir, as teorias que embasam a minha análise na comparação
do original e da respectiva tradução de A Streetcar Named Desire: a proposta teórico-
metodológica da Linguística Sistêmico-Funcional além das contribuições que a teoria
tem recebido mais recentemente; seguem-se as seguintes teorias complementares:
estudos da tradução; o determinismo e a relatividade linguísticos; e a tipologia
linguística.
2.1 Linguística Sistêmico-Funcional
A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) é uma proposta teórico-metodológica
de Halliday (1994) e seus colaboradores. Para a LSF, a língua está estruturada para
construir três tipos de significados simultâneos: ideacional, interpessoal e textual.
(a) A metafunção ideacional, por meio do sistema da transitividade, trata da
codificação pelos usuários da língua de suas experiências (HALLIDAY, 1994;
HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Para Halliday (1994), os processos semânticos
representados na oração têm potencialmente três componentes: o processo, expresso
pelo grupo verbal da oração; os participantes envolvidos no processo; e as
circunstâncias associadas com o processo, expressas por grupos adverbiais ou
preposicionais. Halliday sugere a existência de seis tipos de processo, conforme
representem ações, eventos, estados da mente ou estados de ser. material (ações e
eventos), mental (estados da mente) e relacional (estados de ser) e nos limites entre
esses processos, os processos: comportamental (que representam manifestações de
atividades internas), verbal (relações simbólicas construídas na consciência humana
e em estados fisiológicos) e existencial (processos relacionados à existência),
resumidos no Quadro 2 (os processos nos exemplos estão em maiúscula; os
participantes, entre colchetes).
(b) A metafunção interpessoal organiza a oração como um evento interativo,
envolvendo produtor e receptor da mensagem, e focaliza a interação como uma troca
de bens e serviços (denominados de proposta) ou de informação (denominada de
22
proposição) (HALLIDAY, 1994). A metafunção interpessoal envolve: mood5 (sujeito +
finito + modalidade) e resíduo (predicador + complemento + adjunto).
(i) O MOOD estabelece relações entre papéis de falante e ouvinte, por meio de:
● orações declarativas (afirmativas ou negativas), interrogativas, imperativas
e, no caso do português, as subjuntivas;
● modalidade, que inclui verbos modais (ex., precisar, poder, querer), adjuntos
modais (ex., talvez, certamente) e o tempo primário (tempo verbal)6.
(ii) O RESÍDUO consiste de elementos funcionais de três tipos: predicador,
complemento e adjunto. Há apenas um predicador, um ou dois complementos
e um número indefinido de adjuntos até, em princípio, cerca de sete.
A metafunção interpessoal da linguagem abarca, hoje, as demais metafunções,
já que as escolhas lexicogramaticais que se fazem tanto na metafunção ideacional,
quanto na textual, são feitas tendo sempre em vista a interlocução, ou seja, a
metafunção interpessoal.
(c) A metafunção textual organiza os significados ideacionais e interpessoais na
oração, de acordo com as exigências do meio sócio-histórico-cultural, apoiada nos
conceitos de tema e rema. O tema (sujeito psicológico) é o ponto de partida da
mensagem e indica uma posição importante na oração, ajudando a estruturar o
discurso, a dar proeminência aos elementos que o compõem e, segundo Figueiredo
(2006), a orientar a interpretação do leitor. O rema é o restante da mensagem da
oração. Rema é tudo menos o tema.
A língua pode manipular esses três tipos de significados simultaneamente,
porque possui um nível intermediário de codificação: a lexicogramática. É esse nível
que possibilita à língua construir três significados concomitantes, e eles entram no
texto através das orações, mediante escolhas feitas no sistema linguístico. Daí porque
5 “Mood” tem sido traduzido por Modo (com inicial maiúscula); porém decidimos manter o termo inglês para evitar confusão com “Modo”, componente de Registro, quando em início de sentença. 6 Thompson & Thetela (1995) propõem distinguir duas funções no interior da metafunção interpessoal:
(i) pessoal - posicionamento do escritor (= modalidade) e (ii) interacional – relação entre os falantes (=
mood).
23
Halliday dizer que a descrição gramatical é essencial à análise textual. Importante
para a LSF é a noção de escolhas. Assim, quando se faz uma escolha no sistema
linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado contra um fundo em
que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas, mas que não o foram, fato
importante na análise do discurso. Em resumo, a LSF procura desenvolver uma teoria
sobre a língua como um processo social e uma metodologia que permita uma
descrição detalhada e sistemática dos padrões linguísticos.
2.2 Relação língua e cultura
Outra questão importante para a LSF é a relação entre língua e contexto para
o estabelecimento do discurso, na medida em que este envolve questões
dependentes do compartilhamento de conhecimento de mundo entre escritor e leitor.
Os contextos que afetam a língua, para os sistemicistas, são sociais: (a) gênero
(contexto cultural) e registro (contexto situacional).
O gênero representa os processos sociais em estágios orientados para uma
finalidade de uma dada cultura, tais como a narrativa, uma anedota, uma reportagem,
um relato, um procedimento, etc., e, por isso, são em geral rotulados de contexto de
cultura. O registro, por outro lado, refere-se ao contexto de situação (MARTIN, 1992).
Na LSF, o registro é organizado pelas três variáveis contextuais, campo (assunto),
relações (status dos interactantes) e modo (organização do texto). Essas três
variáveis contextuais de registro são, por sua vez, organizadas pelas metafunções da
linguagem (HALLIDAY, 1978).
2.3 A tradução
As teorias da linguagem que emergem da tradição intelectual do Ocidente,
alicerçadas no logocentrismo e na crença que Jacques Derrida chamada de
“significado transcendental”, têm considerado o texto de partida como um objeto
definido, congelado, receptáculo de significados estáveis, geralmente identificados
com as intenções de seu autor, afirma Arrojo (1993, p. 16). Obviamente, esse conceito
24
de texto traz consigo uma concepção de leitura que atribui ao leitor a tarefa de
descobrir os significados originais do texto (ou de seu autor).
Porém toda tradução, diz Arrojo (2003), por mais simples e breve que seja, trai
sua procedência, revela as opções, as circunstâncias, o tempo e a história de seu
realizador. Toda tradução revela ser produto de uma perspectiva, de um sujeito
interpretante e, não, meramente, de uma compreensão neutra e desinteressada ou
de um resgate comprovadamente correto ou incorreto dos significados supostamente
estáveis do texto de partida. Portanto, “nenhuma tradução será [...] “neutra” ou “literal”;
será, sempre e inescapavelmente, uma leitura” (ARROJO, 2003, p.68).
É o que diz Venuti:
[...] um texto estrangeiro é o lugar de diferentes possibilidades semânticas, estabelecidas apenas provisoriamente em qualquer tradução, com base em hipóteses culturais variáveis e escolhas de interpretação, em situações sociais específicas, em períodos históricos diferentes. O significado é uma relação plural e contingente, não uma essência unificada imutável, e assim uma tradução não pode ser julgada conforme conceitos matemáticos de equivalência semântica ou de correspondência bi-unívoca (VENUTI, 1995, p.18).
Nos anos 1990, a figura do tradutor subserviente foi substituída pela do tradutor
visivelmente manipulador, o artista criativo mediador de línguas e culturas
(BASSNETT, 2003, p. 14 apud MING, 2007). Mas o que mudou? Bohunovsky (2001,
p. 54) afirma que o que muda agora é que “o tradutor é entendido como um sujeito
inserido num certo contexto cultural, ideológico, político e psicológico – fatores que
não podem ser ignorados ou eliminados na elaboração de uma tradução”. O tradutor
tornou-se “visível”. Dessa forma, deixou-se de esperar do tradutor uma tarefa que,
como diz Arrojo (1993, p.73) é impossível: um tradutor que seja não apenas invisível
e inconspícuo, mas que possa também colocar-se na pele, no lugar e no tempo do
autor que traduz, sem deixar de ser ele mesmo e sem violentar a sintaxe e a fluidez
de sua língua, de seu tempo.
De fato, como diz Robinson (2003 apud PÉREZ, p. 07), os tradutores sabem
algumas coisas: como regular o grau de "fidelidade" em relação ao texto fonte, como
estabelecer o tipo de fidelidade apropriada ao contexto de uso específico [...], como
tratar da terminologia, como falar e agir do modo como faz um profissional, dentre
outras coisas. Os tradutores são pessoas que sabem essas coisas, e deixam seu
conhecimento governar seu comportamento. E esse conhecimento é ideológico,
25
controlado por normas ideológicas [...]. Se quisermos ser um tradutor, devemos
submeter-nos ao papel submisso de tradutor, submeter-se à ser "possuído" por aquilo
que as normas ideológicas o informam.
Em artigo escrito em 1970, Halliday (apud FIGUEIREDO, 2006) afirma que
examinar a estrutura linguística em si não é suficiente para explicar a sua organização.
Seria necessário também levar em conta o uso da língua. Se pensarmos a tradução
do ponto de vista da LSF, veremos que as escolhas lexicogramaticais do tradutor são
importantes, principalmente se olharmos para essas escolhas como alternativas para
aquelas que poderiam ter sido feitas e também os efeitos de sentido criados por essas
escolhas.
Não é outra a situação que se vê no campo da literatura. Como não poderia ser
de outra forma, diante de um texto literário qualquer, os tradutores devem fazer
escolhas lexicogramaticais, que não são neutras, pois refletem a ideologia, a
subjetividade e a visão que cada pessoa tem sobre o que é "ser um texto" e como ele
significa.
2.4 Relatividade e Determinismo Linguísticos
A hipótese da Relatividade e do Determinismo linguísticos veio a ter o nome de
hipótese Whorfiana, em homenagem a Benjamin Lee Whorf, que devotou grande
atenção ao problema (WHORF, 1956 apud SLOBIN, 1980). Comecemos com uma
afirmação sobre o problema feita por Edward Sapir, o grande linguista que foi
professor de Whorf:
Os seres humanos não vivem isolados no mundo objetivo, nem no mundo da atividade social como ordinariamente se entende, mas estão muito a mercê da língua que se tornou o meio de expressão de sua sociedade. O fato de que o "mundo real" é, em larga extensão, inconscientemente construído sobre os hábitos linguísticos do grupo (MANDELBAUM, 1958, p. 162 apud SLOBIN, 1980).
Sapir, no princípio, diz que estamos "à mercê da língua" (versão forte do
determinismo); mais tarde, simplesmente diz que "os hábitos linguísticos [...]
predispõem a certas escolhas de interpretação" (versão fraca). Fica também claro
nessa afirmação que línguas diferentes são consideradas como tendo efeitos
26
diferentes no pensamento e na experiência. A afirmação de Sapir avança, assim, as
noções de Determinismo Linguístico (a língua pode determinar a cognição) e de
Relatividade Linguística (o determinismo é relativo à língua que se fala).
Como haveremos de ver logo a seguir, as línguas diferem grandemente, tanto
nas categorias que expressam como nos meios linguísticos especiais que empregam
para a representação das várias categorias. Essas diferenças vão além do fato tão
conhecido de que a maioria das palavras não tem tradução perfeitamente equivalente,
de uma língua para outra.
2.4.1 O nível lexical
Examinemos as questões mencionadas acima de maneira mais detalhada.
Inicialmente, pode-se perguntar o motivo de as pessoas falarem de relatividade
linguística. Podemos começar com o nível lexical.
(a) Quando comparamos duas línguas, podemos concluir que uma delas tem
palavras para as quais não há, de forma alguma, equivalentes na outra língua
(ex.: “pinga”; “tatame”).
(b) As línguas também diferem no fornecimento de hiperônimos para designar várias
categorias. Ex.: “nut” (inglês) não tem tradução para o português. Os árabes têm
muitos termos para as várias raças de cavalos, mas não têm nenhum termo
hiperonímico para “cavalos”, um termo geral para os equinos.
(c) As línguas diferem no modo como seccionam os vários campos semânticos. É o
que acontece com o campo semântico da cor: as línguas diferem tanto no
número de termos para cor, quanto no modo como dividem o continuum do
espectro solar. Uma grande quantidade de pesquisas mostrou que as cores que
eram designadas com facilidade – isto é, as cores que eram altamente
codificáveis – retinham-se melhor em várias tarefas de memória e
reconhecimento.
27
Há, aqui, duas questões a considerar: (i) a natureza da codificabilidade, e (ii)
os efeitos da codificabilidade. Quanto ao primeiro ponto, consideremos o exemplo de
Whorf (1956 apud SLOBIN, 1980), da riqueza do vocabulário dos esquimós no que
tange à neve, o que não acontece no português. Notemos que em todos esses casos
é a presença ou ausência de uma única palavra que se oferece como prova da
relatividade e determinismo Iinguísticos.
Isso nos leva ao segundo ponto: o efeito da codificabilidade. Em francês, um
só termo, conscience, é usado para os dois significados diferentes expressos pelos
termos ingleses, conscience (ex.: perda de consciência ética) e consciousness (ex.:
perda de sentidos, desmaiar). Por um lado, isso significa que os que falam francês
não têm a seu alcance um meio de distinguir as duas noções, como têm os de língua
inglesa. Alguns pesquisadores pensam ser possível demonstrar que essa identidade
linguística levou os pensadores franceses a uma fusão conceitual maior entre os
conceitos de "conscience" e "consciousness", determinando confusão entre um ato
consciente e outro inconsciente, com possíveis implicações comportamentais.
2.4.2 O nível gramatical
Aqui a questão do determinismo se torna bastante complicada, porque há uma
variedade de classificações obrigatórias incorporadas à gramática, às quais
geralmente não prestamos atenção, segundo Slobin (1980). Tem-se generalizado a
noção de que as categorias gramaticais de uma língua nos levam, sem que o
percebamos, a prestar atenção nos diferentes atributos das situações.
Na língua nootka, a impressão combinada de uma pedra caindo é analisada de
forma bem diferente da do inglês. Não é necessário referir-se especificamente à
pedra; mas pode-se usar uma única palavra, uma forma verbal, que na prática não é
essencialmente mais ambígua do que a frase inglesa. Essa forma verbal consiste em
dois elementos principais, o primeiro indicando movimento geral ou posição de uma
pedra ou objeto semelhante a pedra, ao passo que o segundo se refere à direção para
baixo.
Podemos ter uma ideia do que é a palavra em nootka, se admitirmos a
existência de um verbo intransitivo, "to stone", referindo-nos à posição ou ao
28
movimento de um objeto semelhante a pedra. A frase "The stone falls", "A pedra cai",
pode ser reformulada mais ou menos como "it stones down", "pedra [verbo inexistente
ou suposto] para baixo". Nesse tipo de expressão, a qualidade de coisa da pedra está
implícita no elemento verbal generalizado "to stone", ao passo que a qualidade
específica do movimento que nos é dada na experiência quando uma pedra cai é
concebida como separável em uma operação generalizada do movimento de objetos
e uma noção mais específica de movimento de direção. Em outras palavras, enquanto
os nootka não têm nenhuma dificuldade em descrever a queda de uma pedra, eles
não possuem um verbo que corresponda a exatamente ao "fall" (ou "cait").
Creio que somos obrigados a admitir a hipótese determinista, se considerarmos
a influência do frame – conhecimento de mundo arquivado na mente – dos
interlocutores. A minha orientadora traz alguns dados que assim me fazem entender
as diferenças de expressão de uma língua à outra. Quando, em sua estada no Japão,
ao conversar com seus alunos universitários, ela notou que, mesmo falando sobre um
determinado objeto concreto, “cama” por exemplo, ela tinha em mente a cama
ocidental enquanto seu aluno pensava no seu tatame rente ao chão. Então, dizer algo
como “encontrei isso debaixo da cama” soa estranho para o japonês.
Entendeu, então, que havia uma força determinante que não permitia a ambos
pensarem na mesma coisa. O que se verifica, portanto, é que a língua uma vez criada
pela cultura, liberta-se de seu criador e envolve-se de poder, “escravizando”, digamos
assim, seu usuário. Cita-se, então, um outro exemplo: a dificuldade que sentiu ao fazer
a revisão de “Quincas Berro d´água”, romance regionalista de Jorge Amado. Não há
equivalente cultural entre o contexto brasileiro do romance e o contexto criado na
tradução, aparecendo a impossibilidade de o japonês experienciar a mágica de
Amado.
2.5 Tipologia das línguas
O ensino de inglês como língua estrangeira tem se mostrado uma área em
franco desenvolvimento e tem crescido bastante no Brasil nos últimos anos. A
aprendizagem de uma língua estrangeira exige o conhecimento não só das regras
gramaticais das línguas envolvidas no processo tradutório, mas também do contexto
29
sociocultural que cerca o uso dessas línguas. Assim, sabemos que uma tradução
pode estar gramaticalmente correta, mas discursivamente inadequada. Katan (2004,
p. 9) dá um exemplo de como isso pode acontecer:
(1) One of the main features of the complete machine are cantilevered tundish cars running
on tracks on an elevated steel structure for rapid change of the tundish ‘on the fly’.7 Segundo o autor, embora o texto seja gramaticalmente correto, poucos falantes
nativos compreenderiam o significado desse texto. Isso ocorre porque, dentre outras
coisas, as escolhas dos itens “tundish” e “on the fly” são usados de forma ambígua
nesse contexto. Para Katan, se cotejado com textos técnicos bem escritos, o texto
acima poderia ser reescrito da seguinte forma:
(1') One of the main features of the (complete?) machine are the cantilevered tundish cars.
These run on tracks on an elevated steel structure, which ensures a rapid change of the tundish ‘on the fly’.
Ou seja, o que ocorre aqui é que, embora seja possível escrever da forma como
no exemplo (1), a estrutura do texto (1’) é mais provável e, portanto, mais idiomática,
de mais fácil processamento pelo leitor. Pym (apud KATAN, 2004, p. 16) fala que: “[...]
nossos programas de treinamento devem ser orientados progressivamente para a
produção de mediadores interculturais, pessoas capazes de fazer e não somente de
traduzir".
Nesse sentido, Fillmore (1988) que ampliou nossa visão de semântica,
colocando o significado das palavras no enquadre cognitivo. Em sua proposta,
Fillmore e Atkins (1992, p. 78) propuseram - e demonstraram - que "o significado das
palavras só pode ser entendido com referência ao contexto da estrutura da
experiência, crenças ou práticas, constituindo uma espécie de pré-requisito conceitual
para o entendimento do significado".
Ilustram a questão, exemplos como os seguintes. As vendas do Corsa da GM
não decolaram quando o carro foi oferecido na Espanha com o nome de NOVA (No
va = não vá). Já, mais cuidadosa, a Mitsubishi, que vende o modelo 4 x 4 no Brasil e
na Grã-Bretanha com o nome de Pajero, rebatizou-o, em países de língua espanhola
como Montana, pois "pajero" significa "masturbar", nesses lugares.
7 Uma das principais características do maquinário está no carro de escoamento que funciona em uma estrutura elevada de aço permitindo rápida troca quando em movimento. (Tradução nossa)
30
Slobin (1996) tenta aplicar as intravisões da linguística cognitiva para os usos
de verbos de movimento em dois tipos de língua. Ele pretende estender a noção de
“enquadre” (frame) de dois modos: um verbo de movimento está situado no enquadre
discursivo de um relato de uma viagem; e fornece e limita os meios de expressão dos
componentes do movimento numa determinada língua. Para caracterizar a
codificação linguística desses elementos, então, deve-se ater ao uso, como sendo
limitado pela tipologia da língua em questão.
O contexto de uso com o qual Slobin está interessado é o da narrativa tanto
obtidas artificialmente, quanto por meio do trabalho de romancistas. Nos dois tipos de
narrativa, a forma e o conteúdo das descrições de viagens são fortemente formatados
pela tipologia dos padrões lexicais. O contraste tipológico em questão fica claramente
demonstrado na comparação do inglês com o espanhol. Essas línguas representam
os polos opostos da dicotomia tipológica, que Leonard Talmy (1985, 1991, apud
SLOBIN 1996) caracterizou com enquadre-satélite versus enquadre-verbo.
Consideremos o exemplo prototípico de Talmy sobre a saída de um homem montando
seu cavalo:
(2) He rode out of the garden versus El salió del jardin montando a caballo.
Em inglês, o satélite do verbo, out, expressa a formação nuclear do movimento,
enquanto que em espanhol, é o verbo por si, salir, que expressa essa informação.
Notemos que a informação sobre o modo do movimento não é expressa pelo
verbo em inglês, mas pelo adjunto adverbial (montando a caballo). Esses padrões são
muito frequentes nas duas línguas (com exceção de verbos de origem latina no
inglês). Assim, o inglês possui muitos verbos de movimento que expressam o modo,
mas não a direção (walk, run, crawl, fly, etc.), combináveis com uma coleção de
satélites (in, up to, across, etc.). Já o espanhol prefere verbos inerentemente
direcionais (entrar, bajar, subir etc.), com uso mais restrito de verbos de movimento
não-direcionais e alguns verbos de modo. Talmy (1991, p. 486) propõe que a
dicotomia tipológica é universal, dividindo as línguas nas que expressam o “esquema
nuclear” (no caso, movimento) por meio de verbos ou satélites.
31
Quadro 1 – Enquadre de Satélite e Enquadre de Verbo
inglês espanhol
rode out salió montando a caballo
mov + modo fora mov + fora modo
As línguas que mapeiam o esquema nuclear no verbo serão consideradas
como tendo um enquadre-de-verbo (espanhol, português e demais línguas românicas,
semíticas, japonês, tamil, polinésio, a maioria das bantu, a maioria dos mayanos, nez
perce e cado). Por outro lado, as línguas que mapeiam o esquema nuclear no satélite
serão consideradas como enquadre-de-satélite (o inglês e a maioria das línguas indo-
europeias – exceto as românicas, o finlandês, o chinês, o ojibwa e o warlpiri). Vejamos
mais alguns exemplos:
(3) Gradually he worked his way up to the foot of the bluffs.
Poco a poco, fue acercándose (Ø), hasta el pie de los riscos. [omite “movimento para cima”]
(4) Mrs Tranter rustled forward, effusive and kind. [rustle = sair farfalhando a saia]
(a) Mrs Tranter se adelantó (Ø), efusiva y amable. [ou omite “farfalhar”] (b) Salió del cuarto, acompañada del susurro siseante de sus ropas. [ou traduz]
2.6 A Linguística Sistêmico-Funcional e a tradução
Ming (2007) recorre à abordagem da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF)
(HALLIDAY, 1994) para estudar a tradução a partir de vários parâmetros funcionais,
tais como a transitividade, a modalidade e a estrutura temática, além das contribuições
que a teoria tem recebido, que ampliaram seu poder analítico, tal é o caso da
avaliatividade (appraisal), que complementa a modalidade da LSF. Segundo Martin
(2000), a interação através do discurso vai além da permuta de bens e serviços ou
informação proposta por Halliday (1994); assim, ele amplia a abordagem da LSF,
propondo a semântica da avaliação para referir-se aos sentimentos, julgamento
éticos, apreciação estética e o valor que os interlocutores incluem, posicionando-se
no discurso.
32
A LSF, proposta por Halliday (1994, 2004), entende a língua como um recurso
social semiótico que as pessoas usam para realizar seus propósitos ao expressar
significados em contexto. Essa proposta ganhou um lugar de destaque nos estudos
do discurso nos últimos vinte anos, e é provável que se mantenha influente nos anos
por vir, visto que atingiu o objetivo de Halliday ao constituir-se como uma gramática
funcional para a análise da microestrutura do texto, nas escolhas lexicogramaticais
feitas pelo escritor/falante às quais subjaz a ideologia e a relações de força do
discurso.
Recentes publicações mostram que o quadro teórico da LSF também pode ser
aplicável ao campo dos estudos da tradução, como mostram, por exemplo, alguns
tradutores chineses (HUANG, 2002, 2004, 2006; LI, 2007). Zhang e Huang (2003)
expõem a perspectiva funcional para estudos de tradução a partir de vários aspectos:
características textuais, contexto e escolha linguística, relação entre significado e sua
realização.
Na década de 1960, durante o boom das teorias linguísticas estritamente
científicas, linguistas falantes de inglês também desenvolveram abordagens teóricas
da tradução. Na Inglaterra, Catford (1965) aplicou a gramática sistêmica de Halliday à
teoria da tradução, categorizando de modo positivo as alterações nas traduções que
incidem em: níveis, estruturas, classes de palavras, unidades e sistema.
2.6.1 A metafunção ideacional e a tradução
A língua chinesa, segundo Ming (2007), constrói significados com menos
conjunções do que o inglês, não tendo essa abundância de orações subordinadas
como a língua inglesa, pois organiza as orações uma após outra sem o uso de
conectivos; já o inglês constrói significados por meio de construções subordinadas,
lançando mão de conectivos para estabelecer as relações lógicas entre orações. As
diferenças entre as línguas em termos da relação lógico-semântica podem ser
reveladas por meio de teorias da função lógica, possibilitada pela LSF, o que é
benéfico para analisar a distinção inerente entre língua fonte e língua meta, a partir da
dimensão da relação oracional.
33
2.6.2 A metafunção interpessoal e a tradução
Usamos a língua para interagir com outras pessoas, para estabelecer e manter
relações com elas, para influenciar os seus comportamentos, para expressar nosso
próprio ponto de vista sobre as coisas do mundo, e para obter ou alterar o dos outros
(THOMPSON, 1996, 2000, p. 28). A metafunção – ou significado – Interpessoal diz
respeito à interação entre o falante e o destinatário, o que se manifesta principalmente
no nível da oração no mood (interação por meio dos modos verbais: imperativo,
declarativo, subjuntivo), modalidade e avaliação. Por outro lado, há que se considerar
que, na tradução do imperativo, por exemplo, pode haver muitas maneiras de
expressar esse modo.
No entanto, a organização do sistema de mood e as realizações das várias
opções, diferem de uma língua para outra. Por exemplo, o grau da categoria
gramatical correspondente aos comandos é variável: pode haver ou não uma forma
distinta do imperativo, e, geralmente, há muitas outras realizações possíveis. No curso
da tradução interlinguística, é vital manter a correspondência dos significados do
mood entre as duas línguas. Para atingir este objetivo, o tradutor deve estar
familiarizado com as características do sistema de mood realizadas no original e na
tradução, respectivamente.
2.6.3 A metafunção textual e a tradução
Esse tipo de organização textual vem sendo explorado em LSF, de Halliday,
que também investiga os significados, examinando o modo como uma mensagem se
relaciona com as mensagens ao seu redor. Thompson (1996, 2000, p. 27) afirma que
esses significados são expressos principalmente pela ordenação dos constituintes da
oração.
Nesse contexto, Gouveia e Barbara (2004) suscitam argumentos que podem
ser úteis para entender as diferenças entre línguas. Tanto o inglês quanto o português
são línguas de padrão sintático SVO (sujeito, verbo, objeto); no entanto, o português,
34
assim como o espanhol e o italiano, é considerado línguas pro-drop, ou seja, permitem
a elisão do sujeito e o posicionamento do predicador8 em primeiro lugar na oração.
O fato de uma língua ser pro-drop, como, por exemplo, o português, acarreta
algumas consequências: (1) não há pronomes expletivos como o inglês (it), por
exemplo (1); (2) existe a possibilidade de posicionar o sujeito depois do verbo (2); e
(3) aparentemente a característica pro-drop parece estar relacionada à rica morfologia
verbal, em termos de pessoa e número, o que quer dizer que a ocorrência de sujeitos
pronominais, em português , pode ser redundante, se se considerar que, no tempo
verbal, informações sobre as pessoas envolvidas ou a identidade do participante
esteja codificada no finito9:
(1) Chove. (It is raining.)
(2) Apareceu um rato no meu escritório. (It apeared a mouse in my office.)
A análise dos dados dos autores mostra que os sujeitos pro-drop, em
português, tendem a ser utilizados em sentenças contextualizadas ou em textos onde
o sujeito já foi mencionado em sentenças anteriores. Além disso, quando não há um
sujeito explícito, ele está codificado na morfologia verbal, que carrega consigo as
características de pessoa e número do sujeito.
Gouveia e Barbara acreditam que a diferença entre português e inglês deveria
estar no estabelecimento de laços coesivos de referência e não entre diferentes
formas de marcar o elemento tema. Para os autores, tanto sujeito quanto verbo podem
ser instâncias de temas não-marcados em português, o que não quer dizer que a
escolha natural, no português, seja o verbo, mas sim o sujeito. Mas, sem dúvida, há
casos cujo primeiro elemento da oração é um verbo, que codifica o sujeito, que já foi
previamente expresso ou está óbvio no contexto de situação e, portanto, equivale à
escolha do sujeito como tema e não do verbo como tema.
A propósito, Figueiredo (2006), baseando-se em Halliday e Matthiessen (2004),
cuja teoria atribui à organização textual a responsabilidade principal pelo
desenvolvimento da informação, examina estruturas da organização textual em um
conto de ficção científica, enfocando sua estrutura temática e macrotemática
(MARTIN; ROSE, 2003), buscando entender como autor e tradutor constroem a
8 Predicador equivale a verbo principal (HALLIDAY, 1994) 9 Finito inclui: sujeito + verbo flexionado
35
mensagem. Para Figueiredo, mudanças temáticas, em especial, interferem na
interpretação da mensagem. A propósito, Ventola (1995) já se referia às poucas
pesquisas interessadas na estrutura temática e no padrão de progressão temática de
um texto quando submetido ao processo tradutório.
Nesse contexto, Ninomiya (2012) – tratando da questão tema e rema –
demonstrou que, mesmo tendo em vista a impossibilidade de uma tradução “ao pé da
letra”, muitas das diferenças que acabam interferindo na interpretação do texto
traduzido em relação ao original podem ocorrer devido ao desconhecimento dessas
questões linguísticas. No caso, o original japonês trata do início de romance entre dois
adolescentes, fazendo com que ora o rapaz ora a moça sejam o tema da oração,
aproximando-se sutilmente do par. Já na tradução para a língua portuguesa, por
questão da diferença tipológica, essa alternância não foi respeitada, já que os
elementos que podem figurar como Tema diferem de uma língua para outra.
Isso dito, apresento o Quadro 2, que traz o resumo das teorias apresentadas.
Quadro 2 – Resumo das teorias de apoio
Linguística Sistêmico-Funcional (LSF)
Metafunções
Ideacional – Interpessoal – Textual A relação entre língua e cultura: gênero, registro e ideologia
Modalidade – Avaliatividade
Tradução
Tipologia linguística Determinismo e relatividade linguísticos
Relação das metafunções com a tradução
36
3 METODOLOGIA
A pesquisa de caráter qualitativa, caracterizada pela investigação e
interpretação do pesquisador, em que uma entidade é estudada como uma unidade e
tem limites claros, em termos de perguntas feitas, recursos de dados usados e do
contexto envolvido e tem o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional – um modelo
multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a
interpretação da língua em uso.
Levo em conta, de acordo com Fowler (1991), Charteris-Black (2004) e de
Kerbrat-Orecchioni (2004), que o apoio teórico em pesquisa de linguística aplicada
tende a ser eclético, empregando metodologia mista, “já que os mesmos recursos não
são apropriados para descrever diferentes níveis e componentes da interação, sendo
necessário o apelo a várias tradições descritivas” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2004, p.
9).
3.1 Dados
O drama A Streetcar Named Desire (ou Um bonde chamado Desejo), de
Tennessee Williams é, segundo dados apresentada por Roudané (2009, p. 45), “a
primeira peça a ganhar as três maiores premiações, o Pulitzer Prize, o New York
Drama Critics’ Awards e o Donaldson Award”10. A primeira montagem da peça, dirigida
por Elia Kazan, estreou na Broadway em 03 de dezembro de 1947, tendo 855
apresentações até 17 de dezembro de 1949.
Segundo Londré (apud ROUDANÉ, 2009, p. 45) “[...] Um bonde chamado
Desejo é a “melhor” peça de Tennessee Williams, ou mesmo a mais encenada, sendo
a mais perto de identificação com o dramaturgo, e a que mais possibilitou comentários
da crítica.”.11 Para a crítica teatral do período, a peça era, assim, a representação de
uma mente mórbida e inescrupulosa.
10 “[...] became the first play ever to win all three major awards, the Pulitzer Prize, the New York Drama Critics’ Award, and the Donaldson Award”. (Tradução nossa) 11 “[...] A Streetcar Named Desire is Tennessee Willimas’s “best” play, or even his most performed play, it is probably the one most closely identified with the dramatist, and it is certainly the one that has elicited the most critical commentary.” (Tradução nossa)
37
Londré ainda nos aponta que a peça pode ser compreendida como um
compendio das características dramatúrgicas, verbal e visual, de seu autor,
apresentando elementos, tais quais: estrutura nos episódios, diálogo lírico, realismo
psicológico, uso dos elementos cênicos, efeitos sonoros, gestos, temática linguística,
marginalização de personagens, perda da inocência e escapismo da realidade
(LONDRÉ, apud ROUDANÉ, 2009, p. 45, p. 46-47). Por conta desses elementos, Um
bonde chamado Desejo apresenta-se como um novo estilo para produções teatrais,
afetando a compreensão do teatro da época.
O contexto original da peça está na Broadway, alguns anos após o final da
Segunda Guerra Mundial, dentro de um período dominado pelas comédias musicais
e pelos trabalhos de Shakespeare, Chekhov, Shaw, entre outros. Londré (LONDRÉ,
apud ROUDANÉ, 2009, p. 47) afirma que poucos autores se dispuseram a produzir
novas peças e, menos ainda, fizeram a transição para a ansiedade e o medo que se
fizeram presentes no pós-Guerra. Por esse motivo, as formas de diversão, tendo o
teatro como um de seus representantes, não satisfazia mais com as “peças bem
produzidas”12 (LONDRÉ, apud ROUDANÉ, 2009, p. 48) de autores de outro período.
Há um relativo consenso entre os críticos de que Tennessee Williams, em suas
peças, retrata a sociedade norte-americana de seu tempo, abordando a repressão
sexual, o preconceito social, a inadequação à competitividade e ao individualismo.
Tendo suas tramas, normalmente, na região Sul do Estados Unidos da América,
apresentando não só a localização geográfica, mas também a herança cultural da
aristocracia agrária e escravagista (RODRIGUES, 2001, p. 52).
A peça de Tennessee William, dentro desse contexto, apresenta-se como uma
quebra na estrutura teatral e na ambiguidade moral dos sujeitos, sendo única,
colocando as estruturas morais e sociais dentro dos palcos, ou seja, a
verossimilhança. Para adentrarmos à peça, seu título indica o brilhante processo de
produção de seu autor, apresentando a importância da metáfora em seu trabalho: o
uso da palavra concreta ‘bonde’ e as qualidades abstratas evocadas pela palavra
‘desejo’ (LONDRÉ, apud ROUDANÉ, 2009, p. 49). Além disso, apresenta a noção de
um ponto para outro, ou seja, do concreto para o abstrato, do consciente para o
inconsciente, do real para o imaginário.
12 “well-made play” (Tradução nossa)
38
A epígrafe escolhida por Tennessee Williams para a peça, marca, também, a
presença no autor dentro do desenrolar da narrativa, sintetizando não só suas
escolhas temáticas, mas também sua realidade:
And so it was entered the broken world To trace the visionary company of love, its voice An instant in the wind (I know not whither hurled) But not for long to hold each desperate choice.13
Podemos notar, assim, que a vida de Tennessee Williams está diretamente
associada às de suas personagens. Segundo Kolin (1998), o conjunto de suas obras
apresenta diversos elementos autobiográficos, constatando que muito de sua vida
está na obra Um bonde chamado Desejo. Williams declara “Eu posso me identificar
completamente com Blanche (...) ambos somos histéricos”14 (JENNINGS apud
KOLIN, 1998, p. 51). Além disso, em uma carta para sua editora, Audrey Wood, ele
também afirma “Eu fui e ainda sou a Blanche [, mas] eu tenho um Stanley em mim
também”15 (JENNINGS apud KOLIN, 1998, p. 51). Estudiosos da peça, afirmam que
ela seja o resultado da composição de diversos fragmentos da vida do dramaturgo,
sendo a personagem Blanche uma espécie de cópia de Williams, segundo Bigsby
(1986), criador e criatura são alienados, ficcionistas e possuidores de uma grande
tendência a empreender voos cegos como estratégia de vida, outro fator, ainda
segundo Kolin, é a ligação do enredo da peça à homossexualidade de Williams. Para
sintetizar, ao pensarmos em todos os elementos que relacionam a vida do autor com
a obra, temos “Um bonde ajudou William a realizar a sua vida tanto quanto na direção
oposta”16 (Kolin, 1998, p. 52).
Apresento, a seguir, um resumo de A Streetcar Named Desire ou Um bonde
chamado Desejo:
Blanche DuBois, uma professora de Laurel, Mississipi, chega em Nova Orleans
para ficar por um tempo indeterminado com sua irmã, Stella Kowalski, informando-a
que perdeu as propriedades da família. Stella aceita a estadia sob a condição de que
13 E então eu entrei no mundo partido,/Traçando a companhia visionária do amor, e sua voz/Um instante ao vento (eu sei sem saber para onde se lançou)/Mas sem se prender a escolhas desesperadas (Londré, apud Roudané, 1997, p. 49, tradução nossa). 14 “I can identify comletely with Blanche (...) we are both hysterics.” (Tradução nossa) 15 “I was and still am Blanche... [, mas] I have a Stanley in me too.” (Tradução nossa) 16 “Streetcar helped William perform his life as much as the other way around.” (Tradução nossa)
39
ela não incomode seu marido, Stanley, pessoa dura e com hábitos grosseiros,
diferente das pessoas refinadas com as quais Blanche está acostumada a conviver.
Um dia, ao retornarem ao apartamento, Blanche é a presentada a Mitch, um
solitário em busca de uma esposa, por quem ela se sente atraída. Mitch, então, deixa
o jogo de pôquer para conversar com ela, o que enfurece Stanley, fazendo-o agredir
Stella.
Ao notar que Mitch está interessado em Blanche, Stanley tenta interromper o
relacionamento dos dois como uma forma de se vingar da cunhada, que o tem
destratado. Para forçar sua mulher a deixar a amizade com a irmã, ele acaba
descobrindo fatos desairosos contra Blanche: ela não era uma mulher de boa fama
em Laurel, não está de licença da escola, mas, sim, fora demitida por má conduta
sexual, motivo que a fizera deixar a cidade natal.
3.1.1 Estrutura da peça
A peça Um bonde chamado Desejo divide-se em 11 cenas. As quebras
temporais presentes na peça estão nas cenas 4 e 6, marcando a divisão sazonal, ou
seja, as cenas de 1 a 4 apresentam dois dias consecutivos do início de maio; as cenas
5 e 6 tratam de uma noite de agosto; as cenas de 7 a 10 do dia do aniversário de
Blanche (15 de setembro); e a cena 11 algumas semanas após o aniversário de
Blanche, podendo-se inferir em outubro. A peça está assim estruturada:
I.
Blanche chega à Nova Orleans, ao apartamento de sua irmã, Stella, e de seu marido,
Stanley. Blanche observa o prédio com desdém, vestida com roupas caras, sente-se
fora de contexto. Eunice confirma o endereço para Blanche e abre o apartamento de
sua irmã para que ela possa entrar. Blanche olha atentamente para o interior do
apartamento, senta-se e fica incrédula com o espaço que vê. Blanche e Stella se
encontram. Blanche faz um comentário crítico da vida de Stella e pede mais uma dose
de bebida para acalmar seus nervos. Ao terminar sua bebida, Blanche questiona
Stella a respeito de suas condições de vida e como ela pode suportar isso. Para evitar
confrontos, Stella fica em silêncio ao qual Blanche responde como uma infelicidade
40
da irmã ao vê-la, explicando que foi obrigada a deixar sua cidade natal, pedindo uma
licença como professora titular, para se reestruturar. Blanche se preocupa com a
pouca privacidade do apartamento e faz comentário preconceituosos a respeito da
simplicidade de Stanley. Blanche informa Stella de que perdeu a propriedade da
família (Belle Reve, Mississippi) após a morte de seus pais e parentes. Stanley, após
marcar uma noite de pôquer com seus amigos, chega ao apartamento.
II.
Blanche e Stella saem para um passeio noturno. Stanley descobre que Blanche
perdeu a propriedade da família e Stella pede que ele seja gentil com a irmã e,
também, que não mencione sua gravidez. Stanley não se mostra preocupado com
Blanche, mas quer saber a respeito da sua parte na propriedade da família,
acreditando que Blanche usurpou Stella. Após uma pequena discussão entre Blanche
e Stanley, Blanche entrega-lhe os papeis da perda da propriedade e Stanley
reconhece a honestidade dela. Stanley conta a Blanche que Stella está grávida e as
irmãs saem, momento em que Blanche menciona que o sangue imigrante de Stanley
maculará a linhagem de sua família.
III.
Steve, Pablo, Mitch e Stanley estão jogando pôquer na cozinha. Stanley domina a
cena enquanto Mitch fala de sua mãe (mostrando-se o mais sensível entre eles). Stella
e Blanche chegam ao apartamento. Blanche é apresentada aos presentes. Nenhum
deles, com exceção de Mitch, mostra interesse por ela. Stella e Blanche vão para o
quarto e continuam a conversa, irritado e bêbado, Stanley grita para que elas fiquem
em silêncio. Blanche liga o rádio para ouvir música e evitar o som da voz de Stanley
que se levanta e quebra o rádio. Stella discute com Stanley e ele esbofeteei-a. Os
outros participantes do jogo vão para o quarto, separam a briga e Stella, juntamente
com Blanche, vão para o apartamento de Eunice. Stanley, sozinho no apartamento,
grita por Stella. Stella retorna para o apartamento e reata com Stanley.
IV.
Stella está feliz em seu quarto. Blanche retorna para o apartamento e mostra-se
inconformada com o fato de Stella ter voltado ao apartamento e, mais ainda, de ter
41
passado a noite com Stanley. Stella conta para Blanche que as atitudes violentas do
marido são comuns e que essa é a forma que ele tem de demonstrar amor. Blanche,
horrorizada, diz que Stella deve deixar Stanley. Com a recusa de Stella em abandonar
o marido, Blanche se vale de elementos emocionais para desestabilizar a irmã.
Stanley entra no apartamento, sem ser notado, e houve Blanche descrevendo-o como
primitivo e agressivo.
V.
Stanley chega ao apartamento e tem uma conversa tensa com Blanche que faz
comentários preconceituosos a seu respeito. Stanley é usualmente rude com Blanche
e, nesse momento, questiona seu passado e Blanche, ao ouvir a menção do nome
Shaw, dá respostas evasivas. Stanley insiste na menção de Shaw dizendo que ele é
cliente de um hotel de reputação duvidosa na região de Laurel (cidade natal de
Blanche e Stella). Os comentários de Stanley deixam Blanche abalada e ela conta
para Stella que nos últimos dois anos se comportou de maneira inapropriada em sua
cidade. Nesse momento, um jovem vendedor de jornais aparece em cena, Blanche o
seduz e beija-lhe os lábios.
VI.
Blanche e Mitch retornam de um encontro. Blanche mostra-se envolvida com o
encontro enquanto Mitch está aparentemente melancólico. Mitch diz que se interessou
por Blanche por ela ser diferente de todas as mulheres que já conheceu. A conversa
vai de encontro a Stanley e Blanche afirma que ele a odeia ao que Mitch responde
que ele apenas não a compreende. Blanche e Mitch passam a conversas pessoais e
Blanche conta-lhe o caso de seu marido, revelando um pouco de seu passado: ela
tinha apenas 16 anos quando eles se conheceram e se apaixonaram. Por outro lado,
esse amor não foi suficiente para salvá-lo de uma vida de infelicidade, pois algo o
atormentava. Um dia ela chega em casa e encontrou seu marido com outro homem
na cama. Algumas horas depois do incidente, fingindo que nada aconteceu, os três
foram para um casino. Após algumas bebidas, Blanche confronta o marido que foge
do casino e se suicida com um tiro na cabeça.
42
VII.
Stella decora o apartamento para o aniversário de Blanche. Aproveitando que Blanche
está no banho, Stanley conta para Stella que descobriu detalhes de seu passado:
Blanche tem uma reputação notória em um hotel chamado Flamingo. Esse hotel pediu
para que ela não fosse mais lá, pois ela teve comportamentos imorais que não são
aceitados no estabelecimento, tendo sido considerada como uma pessoa louca aos
olhos da comunidade. Stanley contou, também, que ela não está de licença da escola
em que leciona, mas que sim foi demitida após se relacionar com um aluno de 17
anos. Stella não se convence totalmente das histórias contadas e admite que Blanche
passou a ter problemas psíquicos após o suicídio de seu marido homossexual.
Mudando de assunto, Stella pergunta a respeito de Mitch que foi convidado para o
aniversário e Stanley afirma que ele não comparecerá, pois ele contou a Mitch todo o
passado de Blanche. Stanley ainda mostra o presente que comprou para Blanche:
uma passagem de volta para Laurel.
VIII.
Blanche tenta animar sua festa de aniversário com piadas e gracejos. Stanley fica
violento e quebra seu prato dizendo que não suporta mais ser chamado de asqueroso
(fato recorrente ao longo da peça) e diz para as irmãs que ele é o rei da casa. Stella
começa a chorar e Blanche questiona o que aconteceu enquanto ela estava no banho.
Blanche decide ligar para Mitch. Stanley, em conversa com Stella, diz que tudo ficará
bem quando Blanche for embora e o bebê nascer. Stanley e Blanche discutem e ele
lhe entrega seu presente de aniversário. Com tudo o que está acontecendo, Stella
sente-se mal e pede para ser levada ao hospital.
IX.
Mitch chega ao apartamento e confronta Blanche sobre seu passado. Blanche disfarça
fingindo não entender o que ele quer dizer. Mitch, então, diz abertamente que não
entende o motivo de Blanche ter mentido para ele durante todo o verão, fingindo ser
uma pessoa moralmente estruturada e, no final, não ser nada disso. Blanche tenta
negar o que foi dito a seu respeito, mas, após tantas informações, ela admite tudo.
Blanche passa a falar sozinha e retoma fatos ocorridos em seu passado em Laurel.
Mitch tenta se aproximar e Blanche o repele.
43
X.
Blanche abre sua mala e começa a atirar roupas por todo o quarto, senta-se em frente
ao espelho e coloca uma tiara na sua cabeça, falando sozinha, flertando com pessoas
imaginárias, brincando de carrossel. Irritada com sua imagem refletida, Blanche
quebra o espelho. Stanley entra no apartamento e assovia quando vê Blanche.
Blanche e Stanley estão bêbados. Blanche pergunta a respeito de Stella e Stanley
conta que veio para casa, pois o bebê só nasceria no dia seguinte. Stanley afirma que
eles estarão sós no apartamento. Stanley abre mais uma bebida e oferece a Blanche
que a nega. Blanche e Stanley discutem. Stanley após Blanche o chamar, novamente,
de suíno; vagarosamente vai em sua direção, Blanche grita para ele deixá-la passar.
Blanche pega uma garrafa e a quebra em uma mesa, ameaçando-o com ela. Stanley
pula sobre ela, segura seu braço e a força a largar a garrafa, ela se ajoelha. Stanley
a levanta e a carrega para o quarto e, então, a estupra.
XI.
Algumas semanas após o estupro. Stella chora enquanto arruma as coisas de
Blanche. Stanley e seus amigos estão na cozinha jogando pôquer Eunice e Stella
conversam sobre Blanche. Stella diz que não havia como acreditar na história que ela
contou. Eunice conforta Stella e diz que ela não teve outra escolha a não ser continuar
sua vida com Stanley. Blanche sai do banho e, ao ouvir a voz de Stanley, sente-se
mal. O médico e a enfermeira chegam para buscar Blanche que entra em estado de
pânico. Eunice reafirma que Stella tomou a decisão correta. Após uma conversa entre
Blanche e o médico, ela se deixa ser levada. O médico, a enfermeira e Blanche saem
de cena, enquanto Eunice entrega o bebê para Stella. Stanley vai ao encontro de
Stella que chora com a criança nos braços. Stanley conforta Stella, enquanto na
cozinha o jogo de pôquer continua.
3.2 Procedimentos de Análise
Devido à extensão da peça, será comparada a XI cena do texto original de A
Streetcar Named Desire, de Tennessee Williams, da coleção Penguin Modern
Classics, edição de 2004, publicado pela editora Penguin UK com a mesma cena do
44
texto Um bonde chamado Desejo, traduzido por Vadim Nikitin, da coleção Grandes
Dramaturgos, V.1, 2004. Selecionei o capítulo XI porque é nele que se realiza o clímax
da peça de Tennessee Williams, com diálogos mais tensos, traços de psicose e a
demonstração de como a mulher se transforma em vítima da sociedade.
A pesquisa deve responder às seguintes perguntas: (a) o que a comparação
do original em inglês e a tradução em português de A Streetcar Named Desire pode
revelar? (b) que consequências essas diferenças significam para a interpretação do
texto original e de sua tradução?
Para tanto, procederei da seguinte forma: Inicialmente procurarei algum tipo de regularidade que faz diferir o texto original do
texto traduzido. Para tanto:
(a) os textos serão colocados lado a lado, em duas colunas;
(b) as diferenças entre as duas versões serão indicadas por números (e.g.1)
antepostos ao elemento diferente, sublinhado, como mostra o Quadro 3.
Segue-se um Comentário explicando a causa da diferença (no caso, a tipologia
em 1“open on” e mostrando” em português, e 2 a diferença entre “raw” e
“desordenada” (uma mudança semântica)).
Quadro 3 – Marcação das diferenças
[1] It is some weeks later. STELLA is packing BLANCHE's
things. Sounds of water can be heard running in the bathroom. The portières are partly 1open on the poker players – Stanley, Steve, Mitch and Pablo – who sit around the table in the kitchen. The atmosphere of the kitchen is now the same 2raw, lurid one of the disastrous poker night.
(Algumas semanas depois. Stella está fazendo as malas de Blanche. Pode-se ouvir o som de água correndo no banheiro.
Os reposteiros estão parcialmente abertos, 1mostrando os jogadores de pôquer – Stanley, Steve, Mitch e Pablo – que estão sentados em volta da mesa da cozinha. A atmosfera da cozinha agora é a mesma atmosfera 2desordenada e sombria da desastrosa noite de pôquer.
Comentário: 1“open on” X “mostrando”
2“raw” X “desordenada”
TP
MS (lexical)
45
Os trechos não analisados, mas que servem de cotexto aos trechos analisados serão
digitados em tipo ARIAL NARROW 10.
Uma vez encontradas as regularidades, início a segunda parte da análise, por meio
de:
(i) pelo sistema da transitividade, da metafunção Ideacional;
(ii) pela avaliatividade, da metafunção Interpessoal;
(iii) pela estrutura temática, da metafunção textual.
(d) Cada parágrafo do texto assim analisado será seguido de uma Interpretação,
em que os achados serão discutidos tendo como pano de fundo as teorias
acima apresentadas e outras que a análise poderá sugerir.
(e) Em Resultados Gerais, serão computados os motivos das diferenças entre
original e tradução, com o que espero entender melhor as razões linguísticas
que impedem uma tradução literal.
46
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Inicio a análise comparativa dentre A Streetcar Named Desire e Um bonde
chamado Desejo, apresentando o contexto situacional – ou registro – que cerca a
Cena XI, do drama de Tennessee Williams.
4.1 Análise de registro – contexto situacional
O exame das variáveis de registro – campo, relações e modo – segundo Goatly
(1997), diminui a subjetividade da análise.
Campo: A Cena XI da peça teatral Um bonde chamado Desejo, de Tennessee
Williams, retoma, sequencialmente, o evento que a precede (internação de Stella para
o parto; discussão acalorada entre Blanche e Stanley; e, tristemente, o estupro de
Blanche).
Stella já retornou do hospital com o bebê e, juntamente com a amiga Eunice, está
fazendo as malas de Blanche. Stanley, juntamente com seus amigos, alheio ao que
está ocorrendo, joga pôquer na cozinha (atmosfera que retoma a cena inicial na qual
ele bate em Stella). Enquanto isso Blanche, como recorrência de outras cenas, está
no banheiro do apartamento tomando banho e se preparando para uma “viagem” que
fará com o intuito de melhorar seus nervos; entretanto, psicossomatizando eventos
passados, afirma que não irá para uma casa de repouso, mas sim para uma viagem
com um grande amor (imaginário).
Nesse momento, Stella retoma com Eunice o estupro afirmado por Blanche e diz não
ter feito a coisa certa ao ignorar o fato e continuar a viver com Stanley, mas é
repreendida e a amiga afirma que não haveria outro meio a não ser esse. Após um
retorno aos sentimentos de Mitch por Blanche, pequena discussão entre ele e Stanley,
a campainha do apartamento toca e, para descrença de Blanche, não é o seu salvador
(Shep Huntleigh) quem chega, mas uma enfermeira e um médico (psiquiátrico) para
a levarem a um hospital para doentes mentais.
47
A enfermeira, agressivamente, tenta agarrar Blanche para levá-la ao hospital o que
acaba ocasionando um surto histérico em Blanche que tenta fugir correndo pelo
apartamento. Stella, depressiva, escora na saída do apartamento e Eunice vai a seu
encontro para confortá-la. O médico, educadamente, retira seu chapéu e afirma que
uma camisa de força não será necessária, acolhendo Blanche em seu sofrimento e
surto. O médico entra e dá seu braço para Blanche que o enlaça e emite a famosa
frase “Seja você quem for – eu sempre dependi da gentileza de estranhos”.
O médico, então, leva Blanche pela cozinha, ao que todos se viram para olhar, passam
por Stella, que agoniza na varanda, gritando o nome da irmã e leva-a. O médico, a
enfermeira e Blanche desaparecem e Eunice, como uma forma de confortar Stella,
traz o bebê. Stanley vai até a varanda e abraça Stella que chora.
Relações: As personagens presentes na cena em análise são: Blanche DuBois, irmã
mais velha de Stella; Stella Kowalski, irmã mais nova de Blanche e casada com
Stanley; Stanley Kowalski, esposo de Stella e cunhado de Blanche; Mitch, amigo de
Stanley; Eunice, amiga de Stella e casada com Steve; Steve, amigo de Stanley e
casado com Eunice; Pablo, amigo de Stanley; Médico, psiquiatra; Enfermeira
(matrona), acompanhante do médico.
Modo: A linguagem utilizada por Tennessee Williams para dar vida a suas
personagens busca representar a oralidade das personagens, uma das características
do teatro realista, a partir da verossimilhante, ou seja, valendo-se da língua com os
possíveis desvio de normas e inadequações, utilizando-se de construções
léxicogramaticais que representam as características de Novo Orleans dos anos 1940.
48
4.2 Análise de A Streetcar Named Desire ou Um bonde chamado Desejo
Código de análise: ACRE = acréscimo
EId = expressão idiomática
ENQ = enquadre
MM = mudança morfológica
Mod = modalização
MS = mudança semântica
OMIS = omissão
PE = perífrase
TP = diferença devida à tipologia linguística
SCENE ELEVEN CENA XI
[1] It is some weeks later. STELLA is packing BLANCHE's
things. Sounds of water can be heard running in the bathroom. The portières are partly 1open on the poker players – Stanley, Steve, Mitch and Pablo – who sit around the table in the kitchen. The atmosphere of the kitchen is now the same 2raw, lurid one of the disastrous poker night.
(Algumas semanas depois. Stella está fazendo as malas de Blanche. Pode-se ouvir o som de água correndo no banheiro.
Os reposteiros estão parcialmente abertos, 1mostrando os jogadores de pôquer – Stanley, Steve, Mitch e Pablo – que estão sentados em volta da mesa da cozinha. A atmosfera da cozinha agora é a mesma atmosfera 2desordenada e sombria da desastrosa noite de pôquer.
Comentário: 1“open on” X “abertos mostrando”
2“raw” X “desordenada
TP
MS (lexical)
[2] The building is framed by the sky of turquoise. Stella
has been crying as she arranges the flowery dresses in the open trunk. [EUNICE comes down the steps from her flat above and
enters the kitchen. There is a 1burst from the poker table.]
O prédio está emoldurado pelo céu de turquesa. Stella está chorando enquanto arruma os vestidos floridos no baú aberto. (Eunice desce os degraus, vindo de seu apartamento, e
entra na cozinha. Há uma 1explosão de vozes que vem da mesa de pôquer).
Comentário: 1“burst” X “explosão de vozes”
PE (acréscimo no PT) + explicitude
[3] STANLEY: 1 Drew to an inside straight and made it, by God. PABLO: Maldita sea to suerte!
STANLEY: Meu Deus, 1puxei bem a carta que precisava! PABLO: Maldita sea tu suerte!
49
Comentário: 1“Drew to an inside straight” X
“puxei bem”
EId
[4] STANLEY: 1Put it in English, greaseball!
STANLEY: 1Não sabe falar inglês, bola-de-sebo!
Comentário: 1“put it in” X “não sabe falar”
MS (julgamento (-) no PT)
[5] PABLO: I am cursing your goddam luck. STANLEY [1prodigiously elated]:
You know what luck is? Luck is believing you're lucky. Take
at Salerno. I believed I was lucky. I figured that 4 out of 5 would not 2come through but I would... and I did. I put that down as a rule. To hold front position in this rat-race you've got to believe you are lucky.
PABLO: Eu estou amaldiçoando a sua maldita sorte.
STANLEY (1monstruosamente exultante):
Sabe o que é sorte? Sorte é acreditar que tem sorte. Por
exemplo, em Salerno. Eu acreditei que tinha sorte. Mentalizei que, de cada cinco, quatro iam 2morrer e eu não...e deu certo... Isso para mim é lei. Nessa
corrida de ratos, pra ficar em primeiro lugar você tem que acreditar que tem sorte.
Comentário: 1”prodigiously” X
“monstruosamente” 2”come through” X “morrer”
MS (lexical) + concretude
MS (lexical, sem eufemismo no PT)
[6’] MITCH: You... you... you.. Brag... brag...1bull... bull. [STELLA goes into the bedroom and starts folding a dress.] STANLEY: What’s the matter with him? EUNICE [walking past the table]:
I always did say that men are callous things with no 2feelings, but this does beat anything. 3Making pigs of yourselves. [She comes through the portieres
into the bedroom.]
MITCH: Você... você... você... Papo... papo... 1tudo papo. (Stella entra no dormitório e começa a dobrar um vestido). STANLEY: O que é que há com ele? EUNICE (passando pela mesa):
Eu sempre disse que os homens eram calos duros, sem nenhum 2coração. Mas isso também já é demais. Porcos. (Passa pelos reposteiros em
direção ao dormitório.)
Comentário: 1“bull .. bull” X “tudo papo” 2”feelings” X “coração” 3“making... of yourselves
MS (lexical) + explicitude
MS (lexical) + concretude
OMIS (no PT)
50
[7] STANLEY: What's the matter with her?
STELLA: How is my baby? EUNICE: Sleeping like a little angel. Brought you some grapes. [She puts them on a stool and lowers her voice.] Blanche? STELLA: Bathing. EUNICE: How is she? STELLA: She wouldn't eat anything but asked for a drink. EUNICE: What did you tell her? STELLA: I – just told her that – we'd made arrangements for
her to rest in the country. She's got it mixed in 1her mind with Shep Huntleigh.
STANLEY: O que há com ela? STELLA: Como está o meu bebê? EUNICE: Dormindo feito um anjinho. Eu trouxe umas uvas. (Coloca as uvas num banquinho e abaixa a voz.) E a Blanche? STELLA: No banho. EUNICE: Como ela está? STELLA: Não quis comer nada, mas pediu um drinque. EUNICE: O que você disse pra ela?
STELLA: Eu – só disse que – a gente tinha arranjado um 2lugar no campo pra ela descansar. Mas ela misturou tudo com o Shep Huntleigh.
Comentário: 1“her mind” 2“lugar”
OMIS (no PT)
ACRE (no PT) (explicitude)
[8] [Blanche opens the bathroom door slightly.]
BLANCHE: Stella.
STELLA: 1Yes, Blanche?
(Blanche abre de leve a porta do banheiro.) BLANCHE: Stella!
STELLA: 1O que é, Blanche?
Comentário: 1“yes” X “o que é”
MS (lexical) + explicitude
[9] BLANCHE: If anyone calls while I'm bathing take the
number and tell them I'll call right back. STELLA: 1Yes.
BLANCHE: Se alguém ligar enquanto eu estiver no banho, anote o número e diga que retorno em seguida.
STELLA: 1Pode deixar?
Comentário: 1“yes” X “pode deixar”
MS (lexical) + explicitude
[10] BLANCHE: That 1cool yellow silk – the bouclé. See if it's crushed. If it's not too crushed I'll wear it and on the 2lapel that silver and turquoise pin in the shape of a seahorse. 3You will find them in the heart-shaped 4box I keep my accessories in. And Stella... 5Try and locate a bunch of artificial violets 6in that box, too, to pin with the seahorse on the lapel of the jacket
BLANCHE: Aquele amarelo, de seda, 1levinho – o buclê. Veja se não está muito amassado. Se não estiver muito amassado, é esse que eu vou usar, e também aquele broche de cavalo-marinho, prata e turquesa. 3Está naquele meu coração, onde eu guardo meus adereços. E, Stella... 5veja se você acha também 6nesse coração um raminho de violetas artificiais, pra prender junto com o cavalo-marinho na lapela da blusa. (Fecha a porta.)
Comentário: 1“cool” X “levinho” 2“lapel”
3“you will find them” X “está”
MS (lexical) afeto (PT)
OMIS (no PT)
TP
51
4“box” 5“Try and ,,,” X “veja se você acha” 6“in that box” X “nesse coração”
OMIS (no PT)
MOD (no PT)
MS (lexical) afeto (PT)
[11] STELLA: I don't know if I did the right thing.
EUNICE: What else could you do? STELLA: I couldn't believe her story and go on living with Stanley. EUNICE: Don't ever believe it. Life has got to go on. No matter what happens, you've got to keep on going.
[The bathroom door opens a little.] BLANCHE [looking out]: Is the coast clear?
STELLA: Não sei se fiz a coisa certa. EUNICE: O que mais você podia ter feito? STELLA: Eu não podia acreditar na história dela e continuar vivendo com o Stanley. EUNICE: Nunca acredite nisso. A vida tem de continuar. Aconteça o que acontecer, você tem que tocar em frente.
(A porta do banheiro se entreabre). BLANCHE (olhando para fora): O caminho está livre?
Comentário: “opens a little” X “entreabre”
ENQ (o português tem no verbo os
dois lexemas: abrir + um pouco, o que
não acontece no inglês; daí a
perífrase.)
[12] STELLA: 1Yes, Blanche. [To EUNICE] Tell her how 2 well she's looking.
STELLA: 1Claro, Blanche. (Para Eunice). Diga que ela está 2bonita.
Comentário: 1“yes” X “claro” 2“well” X “bonita”
MS (lexical) Apreciação (PT)
MS (lexical) Apreciação (PT)
[13] BLANCHE: Please close the curtains before I come
out. STELLA: They're closed. STANLEY: - How many for you? PABLO: Two. STEVE: - Three.
[BLANCHE appears in the amber 1light of the door. 2She has a tragic radiance in her red satin robe 3following the sculptural lines of her body. The
‘Varsouviana’ rises audibly as BLANCHE enters the bedroom.]
BLANCHE: Por favor, feche a cortina antes que eu saia. STELLA: Estão fechadas. STANLEY: - Quantas pra você? PABLO: Duas. STEVE: - Três.
(Blanche surge no âmbar da porta. 2Exala uma radiância trágica do seu roupão de cetim vermelho, que 3delineia as linhas esculturais do seu corpo. Enquanto Blanche entra no dormitório a
“Varsoviana” torna-se audível.)
Comentário: 1“light” 2“she has” X “exala”
3“following” X “delineia”
OMIS (PT)
MS (processo relacional x processo
existencial) + explictude no PT
MS (processos materiais) +
explicitude no PT
52
[14] BLANCHE [with faintly hysterical vivacity]: I have just
washed my hair. STELLA: Did you? BLANCHE: I'm not sure I got the soap out. EUNICE: Such fine hair! BLANCHE [accepting the compliment]: It's a problem. Didn't I get a call? STELLA: Who from, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Why, not yet, honey! BLANCHE: How strange! I –
[At the sound of BLANCHE's voice MITCH's arm supporting his cards has sagged and his gaze is dissolved into space. STANLEY 2slaps him on the shoulder.]
BLANCHE (com uma vivacidade ligeiramente histérica): Acabei de lavar o cabelo. EUNICE: É? BLANCHE: Não sei se enxaguei todo o xampu. EUNICE: Que cabelo lindo! BLANCHE (aceitando o elogio): Mas é um problema. Ninguém me ligou? EUNICE: Quem, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Ah, ainda não, meu bem! BLANCHE: Estranho! Eu –
(Ao som da voz de Blanche, o braço de Mitch, 1cuja mão segura as cartas, se afrouxa e o seu olhar fica perdido no espaço. Stanley lhe dá um 2tapinha no ombro.).
Comentário: 1“cuja mão” 2“slaps” X “tapinha”
ACRE (explicitude)
MS (diminutivo) (explicitude) +
Afeto
[15] STANLEY: Hey, Mitch, 1come to!
STANLEY: Ei, Mitch, 1acorda!
Comentário: 1“come to” X “acorda”
EId
[16] [The sound of this new voice shocks BLANCHE. She makes a shocked gesture, 1forming his name with her lips. STELLA nods and looks quickly away. BLANCHE stands quite still for some moments – the silver-backed mirror in her hand and a look of 2sorrowful perplexity as though all human experience 3shows on her face. BLANCHE finally speaks but with sudden hysteria.]
(O som dessa nova voz choca Blanche. Ela faz um gesto de espanto, 1desenhando o nome dele com os lábios. Stella maneia a cabeça e olha rapidamente em
outra direção. Blanche fica muito quieta por alguns momentos – o espelho de fundo prateado na mão e um olhar de 2contrita perplexidade, como se toda a experiência humana se 3revelasse no seu rosto. Finalmente fala, com súbita histeria).
Comentário: 1“forming” X “desenhando” 2“sorrowful” X “contrita” 3“shows” X revelasse”
MS (explicitude no PT)
MS (Afeto ↑ no ING)
MS (explicitude no PT)
53
[17] BLANCHE: What's going on here?
[She turns from STELLA to EUNICE and back to STELLA. Her rising voice penetrates the concentration of the game. MITCH 1ducks his head lower but STANLEY shoves back his chair as if about to rise. STEVE places a 2restraining hand on his arm.]
BLANCHE: O que é que está acontecendo aqui?
(Volta-se de Stella para Eunice e de Eunice para Stella. Sua
voz em crescendo penetra a concentração do jogo. Mitch 1abaixa cabeça, mas Stanley dá um empurrão em sua cadeira, como se fosse levantar. Steve coloca a mão no seu braço, 2impedindo-o).
Comentário: 1“ducks... lower” X “abaixa” 2“restraning hand” X “impedindo-o”
ENQ
MS (gramatical + explicitude no PT)
[18] BLANCHE [continuing]: What's happened here? I want
an explanation of what's happened here. STELLA [agonizingly]: 1Hush! Hush!
BLANCHE (continuando): O que é que está acontecendo aqui? Eu exijo uma explicação sobre o que é que está acontecendo aqui.
STELLA (angustiadamente): 1Calma! Calma!
Comentário: 1“hush” X “calma”
EId
[19] EUNICE: Hush! Hush! Honey.
STELLA: Please, Blanche. BLANCHE: Why are you looking at me like that? Is something wrong with me? EUNICE: You look wonderful, Blanche. Don't she look wonderful? STELLA: 1Yes.
EUNICE: Calma! Calma! Querida! STELLA : Por favor, Blanche. BLANCHE: Por que é que vocês estão, me olhando desse jeito? Tem alguma coisa errada comigo? EUNICE: Você está maravilhosa, Blanche. Ela não está maravilhosa?
STELLA: 1Claro, maravilhosa.
Comentário: 1“yes” X “claro, maravilhosa”
MS (lexical) Apreciação (PT)
[20] EUNICE: 1I understand you are going on a trip.
EUNICE: 1Quer dizer então que você está de viagem.
Comentário: 1“I understand” X “quer dizer então”
MS (O falante é o Experienciador no
INGL X o interlocutor é o Dizente)
(explicitude no PT)
[21] STELLA: Yes, Blanche is. 1She's going on a vacation.
STELLA: Está, sim. Blanche vai 1tirar umas férias.
Comentário: 1“going on a vacation” X “tirar
férias”
EId
54
[22] EUNICE: I'm green with envy.
BLANCHE: Help me, help me get dressed! STELLA [handing her dress]: Is this what you –
BLANCHE: Yes, it will 1do! I'm 2anxious to get out of here – this place is a trap!
EUNICE: Estou morrendo de inveja. BLANCHE: Me ajude, me ajude a me vestir! STELLA (dando-lhe o vestido): É esse que você –
BLANCHE: Esse, 1esse está ótimo! Estou 2louca pra sair daqui – esse lugar é uma armadilha.
Comentário: 1“ will do” X “ está ótimo”
2“anxious” X “louca”
Eid
MS (lexical)(+Afeto no PT)
[23] EUNICE: What a pretty blue jacket.
STELLA: It's lilac colored. BLANCHE: You're both mistaken. It's Della Robbia blue.
The blue of the robe in the old 1Madonna pictures. Are these grapes washed?
EUNICE: Que blusa azul linda! STELLA: É lilás.
BLANCHE: As duas erraram. É um azul Della Robbia. O azul do robe do manto da 1Virgem naquelas Madonas antigas. Essas uvas estão lavadas?
Comentário: 1“Madonna” X “Virgem”
MS (lexical) (+Julgamento no PT)
[24] [She fingers the bunch of grapes which EUNICE has
brought in.] EUNICE: Huh? BLANCHE: Washed, I said. Are they washed? EUNICE: They're from the French Market. BLANCHE: That doesn't mean they've been washed. [The cathedral bells chime] Those cathedral bells – they're the only clean thing in the Quarter. Well, I'm going now. I'm ready to go. EUNICE [whispering]: She's going to walk out before they get here. STELLA: Wait, Blanche. BLANCHE: I don't want to pass in front of those men. STELLA: Sit down and...
[BLANCHE turns 1weakly, hesitantly about. She lets them 2push her into a chair.]
(Toca com os dedos o cacho de uvas que Eunice trouxe) EUNICE: Ahn? BLANCHE: Eu disse lavadas. Foram lavadas? EUNICE: São do Mercado Francês. BLANCHE: O que não quer dizer que foram lavadas. (Os sinos da catedral repicam). Esses sinos da catedral – são a única coisa limpa deste bairro. Bom, eu já vou indo. Estou pronta para ir. EUNICE (sussurrando): Ela vai sair antes de eles chegarem. STELLA: Espere, Blanche. BLANCHE: Não quero passar na frente daqueles homens. STELLA: Senta aqui e...
(Blanche vira-se 1lenta e hesitantemente. Deixa que elas a 2façam sentar-se numa cadeira).
Comentário: 1”weakly” X “lenta” 2”push” X “façam sentar”
MS (lexical) (+ Apreciação no ING)
EId
55
[25] BLANCHE: I can smell the sea air. The rest of my 1time I'm going to spend on the sea. And when I die, I'm
going to die on the sea. You know what I shall die of? [She plucks a grape] I shall die of eating an unwashed grape one
day out on the ocean. I will die – with my hand in the hand of some nice-looking ship's doctor, a very young one with a small blond mustache and a 2big silver watch. ‘Poor lady,’ they'll say, the ‘quinine 3did her no good. That unwashed grape has transported
her soul to heaven.’ [The cathedral chimes are heard] And I'll be buried at sea sewn up in a clean white sack and dropped overboard – at noon – in the blaze of summer – and into an ocean as blue as [chimes again] my first lover's eyes!
BLANCHE: Eu posso sentir o cheiro do mar. Vou passar o resto da minha 1vida no mar. E, quando eu morrer,
vou morrer no mar. Sabe do que é que eu vou morrer? (Arranca uma uva.) Vou morrer um dia por ter comido uma
uva que não estava lavada, em alto-mar. Vou morrer – com a minha mão na mão de um lindo médico de bordo, muito jovem, que usa um pequeno bigode loiro e um relógio de prata. Vão dizer “Pobre lady, o quinino 3não fez efeito. Aquela uva não lavada levou
sua alma pro céu”. (Ouve-se sinos da catedral.) E vou ser enterrada nas águas, costurada dentro de um saco branco, 4muito limpo, e lançada ao mar – ao meio-dia – no fogo do verão – e num oceano tão azul como (Novo repique), como os olhos do meu primeiro amor!
Comentário: 1”time” X “vida” 2 ”big” 3”did her no good” X “não fez efeito” 4”muito”
MS (lexical)(+explicitude no PT)
OMIS (no PT)
MS (lexical) (+explicitude
+Apreciação no ING)
ACRE (no PT) (+Graduação↑)
[26] [A DOCTOR and a MATRON have appeared 1around the corner of the building and climbed the steps to the porch. The gravity of their profession is
exaggerated – the unmistakable aura of the state institution with its cynical detachment. The DOCTOR rings the doorbell. The murmur of the game is interrupted.]
(Um Médico e uma Enfermeira surgem do 1lado da esquina e sobem os degraus até o alpendre. A
gravidade de sua profissão é exagerada – a inconfundível aura da instituição pública, com a sua cínica indiferença. O Médico toca a campainha. O burburinho do jogo se interrompe).
Comentário: 1“around” X “lado”
MS (+lexical) (+abrangente no ING)
[27] EUNICE [whispering to STELLA]: That must be them.
[STELLA presses her fists to her lips.] BLANCHE [rising slowly]: What is it?
EUNICE [1affectedly 2casual]: Excuse me while I see who's at the door.
EUNICE (sussurrando para Stella): Devem ser eles. (Stela aperta um punho contra os lábios).
BLANCHE (levantando-se lentamente): O que é isso? EUNICE (afetando desimportância): Com licença que eu vou ver quem é.
Comentário: 1”affectedly X “afetando” 2“casual” X “desimportância”
MM (advérbio modal X processo)
MS (lexical) (+Apreciação no PT)
56
[28] STELLA: Yes.
[Eunice goes into the kitchen.]
BLANCHE [tensely]: I 1wonder if it's for me.
STELLA: Isso. (Eunice entra na cozinha).
BLANCHE (tensa): E se for para mim?
Comentário: 1”tensely” X “tensa” 2“(I) wonder” X “se”
MM (advérbio modal X Julgamento)
MS (+lexical) (+abrangente no ING)
[29] [A whispered colloquy takes place at the door.]
EUNICE [returning, brightly]: Someone is 1calling for Blanche.
(Dá-se um diálogo na porta.)
EUNICE (voltando, radiante): Tem alguém aí 1procurando a Blanche.
Comentário: 1“calling” X “procurando”
EId
[30] BLANCHE: It is for me, then! [She looks fearfully from one to the other and then to the portières. The ‘Varsouviana’ 1faintly plays] Is it the gentleman I was expecting from Dallas?
BLANCHE: Então é pra mim!
(Olha temerosamente de uma para outra e depois para os reposteiros. A “Varsoviana” toca 2bem 1baixinho.) É o gentleman de Dallas que eu estava
esperando?
Comentário: 1“faintly” X “baixinho”
2“bem” (acréscimo no português)
MS (lexical) (Graduação ↑ no PT)
(afeto no PT)
ACRE (no PT) (+Graduação ↑ no
PT)
[31] EUNICE: I think it is, Blanche.
BLANCHE: I'm not quite ready. STELLA: Ask him to wait outside. BLANCHE: I... [EUNICE goes back to the portieres. Drums sound very softly.]
STELLA: Everything packed?
EUNICE: Acho que é, Blanche. BLANCHE: Ainda não estou pronta. STELLA: Diga para ele esperar lá fora. BLANCHE : Eu... (Eunice volta aos reposteiros. Os tambores soam suavemente).
STELLA: 1Você colocou tudo na bagagem?
Comentário: 1“Você colocou”
ACRE (no PT) (explicitude)
[32] BLANCHE: My silver toilet articles are 1still out.
BLANCHE: Os meus acessórios de prata pra toalete 1ainda não.
Comentário: 1“(are) still out” X “ainda não”
MS (+ explicitude no ING)
57
[33] STELLA: Ah!
EUNICE [returning]: They're waiting in front of the house. BLANCHE: They! Who's ‘they’? EUNICE: There’s a lady with him. BLANCHE: I cannot image who this ‘lady’ could be! How is she dressed?
EUNICE: Just – just sort of a – 1plain-tailored outfit.
STELLA: Ah! EUNICE (voltando): Eles estão esperando na frente do prédio. BLANCHE: Eles? “Eles” quem? EUNICE: Tem uma senhora com ele. BLANCHE: Nem imagino quem seja essa "senhora"! Como ela está vestida? EUNICE: Só um – um tipo de – 1um conjunto de peça única.
Comentário: 1“plain-tailored outfit” X “um
conjunto de peça única
PE (não há termo único para
expressar o significado no ING e no
PT)
[34] BLANCHE: Possibly she’s [Her voices dies out
nervously.] STELLA: Shall we go, Blanche? BLANCHE: Must we go through that room? STELLA: I will go with you. BLANCHE: How do I look?
STELLA: 1Lovely. EUNICE [echoing]: 2Lovely.
BLANCHE: É possível que ela seja - (A sua voz some nervosamente). STELLA: Podemos ir, Blanche? BLANCHE: Temos que passar por aquela sala? STELLA: Eu vou com você. BLANCHE: Como estou?
STELLA: 1Uma graça. EUNICE (fazendo eco): 2Uma graça.
Comentário: 1“lovely” X “uma graça” 2“lovely” X “uma graça”
TP
TP
[35] BLANCHE 1moves 2fearfully to the portière. EUNICE draws them open for her. BLANCHE goes into the kitchen]
(Blanche 1dirige-se 2nervosamente para os reposteiros. Eunice abre-o para ela. Blanche entra na
cozinha).
Comentário: 1“moves” X “dirige-se”
2“fearfully” X “nervosamente”
ENQ (“moves” não apresenta
indicação de advérbio de direção,
enquanto que em “dirige-se” há o
movimento + direção)
MS (lexical) Apreciação (PT)
[36] BLANCHE [to the men]: Please, don’t get up. I’m only
passing through.
BLANCHE (para os homens): 1Não, por favor, não 2precisam se levantar. Eu só estou apenas passando.
Comentário: 1“não” 2“precisam”
ACRE (no PT) (graduação)
ACRE (no PT) +Explicitude (no PT)
58
[37] [She crosses quickly to outside door. STELLA and
EUNICE follow. The poker players stand awkwardly at the table – except MITCH, who remains seated, looking at the table. BLANCHE steps out on a small
porch at the side of the door. She stops 2short and 3catches her breath.]
(Dirige rapidamente para a porta da rua. Stella e Eunice a
seguem. Os jogadores de pôquer ficam todos de pé, desajeitados, 1em volta da mesa, exceto Mitch, que permanece sentado, olhando para a mesa. Blanche sai para um pequeno alpendre ao lado da
porta. Para 2abruptamente e 3prende a respiração).
Comentário: 1“em volta da” 2“short” X “abruptamente” 3“catches” X “prende”
ACRE (no PT) + Explicitude
MS (lexical)
MS (lexical) (processo material X
processo comportamental)
[38] DOCTOR: How do you do?
MÉDICO: Como vai 1a senhora?
Comentário: 1“you” X “a senhora”
TP (em PT é necessário o acréscimo
para denotar formalidade, sendo que
o ING não precisa dessa distinção)
[39] BLANCHE: You are not the gentleman I was expecting. [She suddenly 1gaps and starts back up the steps. She stops by STELLA, who stands just outside the door, and 2speaks in a frightened whisper.] That
man isn’t Shep Huntleigh.
BLANCHE: Não é o senhor que eu estava esperando. (1Ofega de repente e começa a recuar pelos degraus. Para ao lado de Stella, que está em pé, perto da porta, e sussurra assustada.) Esse homem
não é Shep Huntleigh.
Comentário: 1“gaps” X “ofega”
2“speaks
MS (lexical) (processo material X
processo comportamental)
OMIS (no PT)
[40] [The ‘Varsouviana’ is playing distantly. STELLA stares
back at BLANCHE. EUNICE is holding STELLA's arm. There is a moment of silence – no sound but that of Stanley
steadily shuffling the cards. BLANCHE 1catches her breath again and slips back into the flat with a peculiar smile, her eyes wide and brilliant. As soon
as her sister goes past her, STELLA closes her eyes and
clenches her hands. EUNICE throws her arms 3comforting about her. Then she starts up to her flat.
BLANCHE stops just inside the door. MITCH keeps staring down at his hands on the table, but the other men look at her
curiously. At last she 4starts around the table toward the bedroom.5As she does, STANLEY suddenly pushes back his chair and rises as if to block her way. The MATRON follows her into the flat.]
(A “Varsoviana” toca à distância. Stella olha de volta para Blanche. Eunice está segurando o braço de Stella. Há um momento de silêncio – nenhum som, exceto o de Stanley
embaralhando as cartas. Blanche 1prende a respiração novamente e desliza para dentro do apartamento. 2Entra com um sorriso singular nos lábios, os olhos bem abertos e brilhantes. Assim
que a sua irmã passa, Stella fecha os olhos e cerra as mãos. Eunice joga os braços ao seu redor, como que 3encorajando-a. Em seguida, começa a subir para o
apartamento. Blanche para bem na porta. Mitch continua a olhar para as suas mãos na mesa, mas os outros homens
olham curiosos para ela. Por fim, ela 4começa a andar em torno da mesa, em direção ao dormitório. De repente, Stanley empurra a sua cadeira para trás e se levanta, como que para bloquear a
59
passagem dela. A Enfermeira segue-a dentro do apartamento.)
Comentário: 1 “catches” X “prende”
2 “entra” 3 “comforting” X “encorajando” 4 “starts around” X “começa “a
andar” 5 “as she does”
MS (lexical) (processo material X
processo comportamental)
ACRE (no PT) (concretude)
MS (lexical) (Graduação ↑ no PT)
ENQ
OMIS (no PT)
[41] STANLEY: Did you forget something?
BLANCHE [shrilly]: Yes! Yes, I forgot something!
[She rushes past him into the bedroom. 1Lurid reflections appear on the walls in odd, sinuous shapes. The
‘Varsouviana’ is filtered into a weird distortion, accompanied by the cries and noises of the jungle. BLANCHE seizes the back of a chair as if to defend herself.]
STANLEY: Esqueceu alguma coisa? BLANCHE (estridentemente): Esqueci! Esqueci uma coisa!
(Passa correndo por ele e entra no dormitório. Os reflexos1assombrados aparecem nas paredes, 2compondo formas estranhas e sinuosas. A
“Varsoviana” é filtrada numa misteriosa distorção, acompanhada pelos gritos e barulhos da selva. Blanche agarra o encosto de uma cadeira, como para se defender.)
Comentário: 1“lurid” X “assombrados” 2“compondo”
MS (lexical) (+Apreciação no PT)
ACRE (no PT) (concretude)
[42] STANLEY [sotto voice]: Doc, you better go in.
DOCTOR [motioning to the MATRON]: Nurse, bring her out. [The MATRON advances on one side, STANLEY on the other. Divested of all the softer properties of womanhood, the MATRON is a peculiarly sinister figure in her severe dress. Her voice is bold and toneless as a fire-bell.] MATRON: Hello, Blanche.
[The greeting is echoed and re-echoed by other mysterious voices behind the walls, as if reverberated through a canyon 1of rock.]
STANLEY (em voz baixa): Doutor, é melhor o senhor entrar. MÉDICO (fazendo gestos para a Enfermeira): Enfermeira, traga-a para fora. (A Enfermeira avança de um lado e Stanley do outro. Despida de todas as propriedades mais suaves das mulheres, a Enfermeira é uma figura particularmente sinistra, com o seu vestido austero. A sua voz é forte sem modulações, como uma campainha de alarma). ENFERMEIRA: Oi, Blanche!
(O cumprimento é ecoado repetidamente por outras misteriosas vozes atrás das paredes, como se reverberasse num desfiladeiro.)
Comentário: 1“of rock” (omissão no português)
OMIS (no PT)
[43] STANLEY: She says that she forgot something.
[The echo sounds in threatening whispers.] MATRON: That's all right. STANLEY: What did you forget, Blanche? BLANCHE: I – I –
MATRON: It don't matter. We can pick it up later.
STANLEY: Ela disse que esqueceu alguma coisa. (O eco ressoa em sussurros ameaçadores.) ENFERMEIRA: Sem problemas. STANLEY: O que é que você esqueceu, Blanche? BLANCHE: Eu – Eu –
ENFERMEIRA: Não tem importância. A gente 1passa depois par pegar.
60
Comentário: 1“passa” (acréscimo no português)
ACRE (no PT) (concretude)
[44] STANLEY: Sure. We can send it along with the trunk.
BLANCHE [retreating in panic]: I don't know you – I don't
know you. I want to be – left alone – please! MATRON: 1Now, Blanche! ECHOES [rising and falling]: 2Now, Blanche – 2now, Blanche – 2now, Blanche!
STANLEY: Claro. A gente manda depois junto com o baú. BLANCHE (recuando em pânico): Eu não conheço vocês – eu não conheço vocês. Eu quero – ficar sozinha – por favor!
ENFERMEIRA: 1 Vamos lá, Blanche! ECOS (subindo e descendo): 2Vamos lá, Blanche! 2Vamos lá, Blanche! 2Vamos lá, Blanche!
Comentário: 1“now” X “vamos lá” 2“now” X “vamos lá”
MS (lexical) Apreciação (PT)
MS (lexical) Apreciação (PT)
[45] STANLEY: You left nothing here 1but 2spilt talcum and 5old empty perfume bottles – unless it's the paper lantern you want to take with you. You want the lantern?
STANLEY: Você não deixou nada aqui, 3só um pouco de talco 4no chão e vidros de perfumes vazios – a menos que você queira levar a lanterna de papel. É a lanterna 6de papel que você quer?
Comentário: 1“but” 2“split" 3“só um pouco” 4“no chão” 5“old” 6“de papel”
OMIS (no PT) Contraste
OMIS (no PT)
ACRE (no PT) + Explicitude
ACRE (no PT) (concretude)
OMIS (no PT)
ACRE (no PT) (concretude)
[46] [He 1crosses to dressing table and seizes the paper lantern, 2tearing it off the light bulb, and extends it toward her. She cries out as if the lantern was
herself. The MATRON steps boldly 3toward her. She screams and tries to break past the MATRON. All the
men spring to their feet. STELLA runs out to the porch, with EUNICE following to 4comfort her, simultaneously with the confused voices of the men in the kitchen. STELLA rushes into EUNICE's
embrace on the porch.]
(1Vai até a penteadeira, pega a lanterna de papel, 2tira-a da lâmpada e estende-a para ela. Blanche
grita como se a lanterna fosse ela mesma. A Enfermeira
avança firmemente 3para ela. Ela grita e tenta
esquivar-se da Enfermeira. Todos os homens põem-se de
pé num salto. Stella sai correndo para o alpendre, seguida por Eunice, simultaneamente com a confusão das vozes dos homens na cozinha. Stella
lança-se aos braços de Eunice no alpendre.)
Comentário: 1“crosses” X “vai”
2“tearing it off” X “tira-a”
ENQ (caso de enquadre-satélite X
enquadre-verbo: “vai” encerra
movimento + direção “para”,
enquanto “crosses” não inclui
direção)
ENQ (enquadre satélite X enquadre
de verbo: “tear” precisa de “off” para
61
3“toward” X “para” 4“comfort”
indicar “tirar”, que já inclui essa
partícula adverbial)
MS (lexical) (+explicitude no PT)
OMIS (no PT) – Apreciação
47] STELLA: Oh, my God, Eunice help me! Don't let them
do that to her, don't let them hurt her! Oh, God, oh, please God, don't hurt her! What are they doing to her? What are they doing? [She tries to break from EUNICE's arms.] EUNICE: No, honey, no, no, honey. Stay here. Don't go back in there. Stay with me and don't look.
STELLA: What have I done to my 1sister? Oh, God, what have I done to my sister?
STELLA: Ah, meu Deus, Eunice, me ajude! Não deixe eles fazerem isso com ela, não deixe eles machucarem ela! Ah, meu Deus, ah, por favor, meu Deus, não machuquem ela! O que é que eles estão fazendo com ela? O que é que eles estão fazendo? (Tenta se desprender dos braços de Eunice.) EUNICE: Não, querida, não. Fique aqui. Não volte lá pra dentro. Fique aqui comigo e não olhe.
STELLA: O que é que eu fiz com a minha 1maninha? Ah, meu Deus, o que é que eu fiz com a minha maninha?
Comentário: 1“sister” X “maninha”
MS (diminutivo) (explicitude) +
Afeto
[48] EUNICE: You done the right thing, the only thing you
could do. She couldn't stay here; there wasn't no other place for her to go. [While STELLA and EUNICE are speaking on the porch the voices of the men in the kitchen overlap them.] STANLEY [running in from the bedroom]: Hey! Hey! Doctor! Doctor, you better go in! DOCTOR: Too bad, too bad. I always like to avoid it. PABLO: This is a very bad thing. STEVE: This is no way to do it. She should’ve been told. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy, muy mala!
[MITCH has started toward the bedroom. STANLEY 1crosses to block him.]
EUNICE: Você fez o que tinha que ser feito, a única coisa que você podia fazer. Ela não podia ficar aqui; não tinha outro lugar para ir. (Enquanto Stella e Eunice conversam no alpendre, as vozes dos homens na cozinha se sobrepõem às delas.) STANLEY (correndo de dentro do dormitório): Ei! Ei! Doutor! Doutor, é melhor o senhor entrar lá! MÉDICO: Que pena, que pena. Eu sempre tento evitar essas coisas. PABLO: Isso é muito ruim. STEVE: Não é assim que se faz. Tinham que ter contado pra ela. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy mala!
(Mitch começa a se dirigir para o dormitório. Stanley 1barra-lhe a 2passagem.)
Comentário: 1“crosses to block” X “barra”
2“passagem”
ENQ (enquadre de verbo no
português, pois “barra” já inclui
”crosses”)
ACRE (no PT) + Explicitude
[49] MITCH [wildly]: You! You done this, 2all o’your God damn 4interfering 5with things you –
MITCH (feroz): 1Foi você! Foi você que fez isso, 2
seu desgraçado, com essa sua 3mania de 4se meter 5em tudo, você –
Comentário: 1“foi” 2“all o’your God damn” X “seu
desgraçado”
ACRE (no PT) + Explicitude
MS (lexical) (+Apreciação no PT)
62
3“mania de” 4“interfering” X “se meter” 5“with things” X “em tudo”
ACRE (no PT) + Explicitude
MS (lexical, sem eufemismo no PT)
MS (lexical)(+explicitude no PT)
[50] STANLEY: Quit the blubber! [He pushes him aside.]
MITCH: I’ll kill you! [He lunges and strikes at STANLEY.] STANLEY: Hold this bone-headed cry-baby. STEVE [grasping MITCH]: Stop it, Mitch. PABLO: Yeah, yeah, take it easy. [MITCH collapses at the table, sobbing. During the preceding scenes, the MATRON catches hold of BLANCHE's arm and prevents her flight. BLANCHE turns wildly and scratches at the MATRON. The heavy woman pinions her arms. BLANCHE cries out hoarsely and slips to her knees.] MATRON: These fingernails have to be trimmed. [The DOCTOR comes into the room and she looks at him.] Jacket, Doctor? DOCTOR: Not unless necessary. [He takes off his hat and now he becomes personalized. The unhuman quality goes. His voice is gentle and reassuring as he crosses to BLANCHE and crouches in front of her. As he
speaks her name, her terror subsides a little. The 1lurid reflections fade from the walls, the inhuman cries and noises die out and her own hoarse crying is calmed.]
STANLEY: Para de choramingar! (Empurra-o para o lado.) MITCH: Vou te matar! (Investe contra Stanley e o golpeia.) STANLEY: Segura esse chorão cabeçudo. STEVE (agarrando Mitch): Para com isso, Mitch. PABLO: Calma, cara. (Mitch desaba na mesa, soluçando. Durante as cenas anteriores, a Enfermeira agarra o braço de Blanche e impede que ela escape. Blanche vira-se ferozmente e arranha-a. A pesada mulher imobiliza os braços de Blanche, que solta um grito rouco e deixa-se cair de joelhos.) ENFERMEIRA: Essas unhas têm de ser cortadas. (O médico entra no dormitório e ela olha para ele.) Camisa-de-força, doutor? MÉDICO: Só se for necessário. (Tira o chapéu e passa então a ter personalidade. A característica desumana desaparece. A sua voz é gentil e tranquilizadora, enquanto vai até Blanche e se curva diante dela. Quando ele pronuncia o seu nome, o seu terror diminui
um pouco. Os reflexos vão sumindo das paredes, os gritos e barulhos inumanos vão morrendo e o próprio choro rouco de Blanche se aquieta.)
Comentário: 1“lurid”
OMIS (no PT)
63
[51] DOCTOR: Miss DuBois.
[She turns her face to him and stares at him with desperate pleading. He smiles; then he speaks to the MATRON.] It won't be necessary. BLANCHE [faintly]: Ask her to let go of me. DOCTOR [to the Matron]: Let go. [The MATRON releases her. BLANCHE extends her hands toward the DOCTOR. He draws her up gently and supports her with his arm and leads her through the portières.] BLANCHE [holding tight to his arm]: Whoever you are – I have always depended on the kindness of strangers. [The poker players stand back as BLANCHE and the DOCTOR cross the kitchen to the front door. She allows him to lead her as if she were blind. As they go out on the porch, Stella cries out her sister's name from where she is crouched a few steps up on the stairs.] STELLA: Blanche! Blanche! Blanche! [BLANCHE walks on without turning, followed by the DOCTOR and the MATRON. They go around the corner of
the building. EUNICE descends to STELLA and places the child in her arms. It is wrapped in a pale
blue blanket. STELLA accepts the child, sobbingly. EUNICE continues downstairs and enters the kitchen where the men, except for STANLEY, are returning silently to their places about the table. STANLEY has gone out on the porch and stands at the foot of the steps looking at STELLA.]
MÉDICO: Senhorita DuBois. (Ela volta o rosto para ele e olha-o fixamente, com uma súplica desesperada. Ele sorri; e, em seguida, fala para a Enfermeira.) Não vai ser necessário. BLANCHE (debilmente): Peça pra ela me soltar. MÉDICO (para a enfermeira): Solte. (A Enfermeira solta-a. Blanche estende os braços para o Médico. Ele a atrai gentilmente, a ampara com o braço e a conduz através dos reposteiros.) BLANCHE (segurando forte o braço dele): Seja você quem for – eu sempre dependi da gentileza de estranhos. (Os jogadores de pôquer se afastam enquanto Blanche e o Médico cruzam a cozinha até a porta da frente. Ela deixa que ele a conduza como se fosse cega. Quando eles saem no alpendre, Stella, que está agachada poucos degraus acima, nas escadas, grita o nome da irmã.) STELLA: Blanche! Blanche, Blanche! (Blanche caminha sem se virar, seguida pelo Médico e pela
Enfermeira. Eles dobram a esquina do prédio. Eunice desce até 1onde está Stella e coloca a criança nos seus braços. A criança está envolta num cobertor azul-
claro. Stella recebe a criança, soluçando. Eunice continua descendo e entra na cozinha, onde os homens, exceto Stanley, estão retornando silenciosamente a seus lugares em volta da mesa. Stanley saiu para o alpendre e está de pé junto aos degraus, olhando para Stella.
Comentário: 1“onde está”
ACRE (no PT) + Explicitude
[52] STANLEY [a bit uncertainly]: Stella?
[She sobs with inhuman abandon. There is something luxurious in her complete surrender to crying now that her sister is gone.]
STANLEY [voluptuously, soothingly]: 1Now, honey. 1Now, love. 1Now, 3now, love.
STANLEY (meio hesitante): Stella? (Ela soluça com um abandono inumano. Há qualquer coisa de voluptuoso na sua total entrega ao choro, agora que a sua irmã se foi.)
STANLEY (libidinoso, tranquilizador): 1Ah, querida. 1Ah, 2 meu amor. 1Ah, 2meu amor.
Comentário: 1“now” X “ah” 2“meu” 3“now”
MS (lexical) (+explicitude no PT)
ACRE (no PT) + concretude
OMIS (no PT)
[53] [He kneels beside her and 1his fingers find the opening of her blouse] 2Now, now, love. Now, love...
(Ajoelha-se ao lado de Stella, e 1com os dedos encontra a abertura da blusa dela.) Ah, 3meu amor. Ah, meu amor...
Comentário: 1“his” X “com” 2“now” 3“meu”
TP
OMIS (no PT)
ACRE (no PT) + concretude
64
[54] [The luxurious sobbing, the sensual murmur fade away under the swelling music of the ‘blue piano’ and the muted trumpet.] STEVE: 1This game is 2seven-card stud.
(Os soluços voluptuosos e os murmúrios sensuais vão sumindo sob a crescente música do blue piano e do trompete com surdina.) STEVE: 2Mão de sete cartas.
Comentário: 1“this games (is)” 2“seven-card stud” X “mão de sete
cartas”
OMIS (no PT)
TP
O Quadro 4 apresenta os resultados da comparação entre o original A Streetcar
Named Desire e sua tradução Um bonde chamado Desejo, em termos de
porcentagem.
Quadro 4 – Comparação entre o original inglês e a tradução em português
TIPOS DE OCORRÊNCIA INCIDÊNCIA
Mudança Semântica (MS) 42,5% (46)
Acréscimo no Português (ACRE) 18,5% (20)
Omissão no Português (OMIS) 14,5% (16)
Expressão Idiomática (EId) 6,5% (7)
Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite (ENQ) 6,5% (7)
Tipologia de Língua (TP) 6,5% (7)
Mudança Morfológica (MM) 2% (2)
Perífrase (PE) 2% (2)
Modalização (Mod) 1% (1)
Esses resultados podem ser igualmente visualizados na Figura 1, a seguir:
65
Figura 1 – Diferenças na tradução do inglês para o português
4.3 Discussão dos Resultados
A análise comparativa realizada entre a Scene Eleven (A Streetcar Name
Desire) e a Cena XI (Um bonde chamado Desejo) nos mostra que há diferenças
lexogramaticais entre o texto de partida (original em língua inglesa) e o texto de
chegado (versão em língua portuguesa). No decorrer da discussão, me atarei aos
resultados mais significantes, mostrando as escolhas realizadas pelo tradutor.
42,5% - MS
18,5% - ACRE
14,5% - OMIS
6,5% - EId
6,5% - ENQ
6,5% - TP
2% - MM
2% - PE
2% - Mod
66
4.3.1 Mudanças Semânticas (42,5%)
As mudanças semânticas apresentam o maior índice de alteração na tradução
e tratam de diferenças que envolvem: abrangência, afeto, apreciação, concretude,
eufemismo, explicitude, graduação e processos, conforme Quadro 5 abaixo.
A discussão dos resultados colocará: (a) original seguido de sua tradução
literal; (b) tradução para o português.
Quadro 5 – Mudança semântica
ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS
Abrangência (I) wonder (me pergunto) se
Afeto
raw (bruta) desordenada
cool (fresco) levinho
in that box (naquela caixa) nesse coração
slaps (bofetada) tapinha
sorrowful (dolorosa) contrita (- afeto no PT)
anxious (ansiosa) louca (- afeto no PT)
faintly (fracamente) baixinho
sister (irmã) maninha
Apreciação
yes (sim) (2X) claro
well (bem) bonita
weakly (fragilmente) lenta (- apreciação no PT)
did her no good (não lhe fez bem) não fez efeito (- apreciação no PT)
casual (casual) desimportância
fearfully (temivelmente) nervosamente
lurid (sensacionalista) assombrados
now (agora) (2X) vamos lá
all o’ your God damn (seu maldito Deus)
seu desgraçado
Concretude prodigiously (prodigiosamente) mosntruosamente
feelings (sentimentos) coração
Eufemismo come through (passar dessa) morrer
interfering (interferir) se meter
67
Explicitude
bull... bull... (bobagem... bobagem...)
tudo papo
yes (sim) o que é
she has (ela tem) exala
folowwing (seguindo) delineia
forming (formando) desenhando
shows (mostra) revelasse
restraining hand (mão
delimitadora)
impedindo-o
I undestand (eu entendo) quer dizer então
time (tempo) vida
did her no good (não lhe fez bem) não fez efeito
(are) still out (ainda estão fora) ainda não
toward (em direção a) para
with things (com as coisas) em tudo
Graduação comforting (confortando) encorajando
Julgamento put it in (coloque em) não sabe falar
Madonna (Madona) virgem
Processos
she has (ela tem) – relacional exala – existencial
following (seguindo) – material delineia – material
catches (apanha) – material (2X) prende – comportamental
gaps (interrompe) – material ofega – comportamental
Quadro 6 – Incidência de MS
TIPOS %
Explicitude 30%
Apreciação 24%
Afeto 19%
Processos 11%
Concretude 4%
Eufemismo 4%
Julgamento 4%
Abrangência 2%
Graduação 2%
68
O Quadro 6 apresenta um resumo das mudanças semânticas presentes,
indicando que em língua portuguesa há maior necessidade de explicitude (30%) a
partir das escolhas lexogramaticais realizadas pelo autor da versão. Logo abaixo há
apreciação (24%), afeto (19%), processos (11%), concretude (4%), eufemismo (4%),
julgamento (4%), abrangência (2%) e graduação (2%). A partir da análise de
incidências, podemos afirmar que não se faz possível uma tradução sem a
intervenção do tradutor nas escolhas realizadas, mostrando que não se faz possível
uma tradução literal, fiel ao original, mesmo com o esforço do tradutor.
4.3.2 Acréscimo no Português (18,5%)
Os acréscimos no português apresentam o segundo maior índice de alteração
na tradução e tratam de diferenças que envolvem: concretude, explicitude e
graduação, conforme Quadro 7 abaixo.
Quadro 7 – Acréscimo no português
ACRÉSCIMO
Concretude
entra
compondo
passa
no chão
de papel
meu (2X)
Explicitude
lugar
cuja mão
você colocou
precisam
em volta da
só um pouco
passagem
foi
mania de
onde está
69
Graduação
muito
bem
não
Quadro 8 – Incidência de ACRE
TIPOS %
Explicitude 50%
Concretude 35%
Graduação 15%
O Quadro 8 apresenta um resumo dos acréscimos no português, indicando que
em língua portuguesa há maior necessidade de explicitude (50%) a partir das escolhas
lexogramaticais realizadas pelo autor da versão. Logo abaixo há concretude (35%), e
graduação (15%).
4.3.3 Omissão no Português (14,5%)
As omissões no português apresentam o terceiro maior índice de alteração na
tradução e tratam de diferenças que envolvem: concretude, explicitude e graduação,
conforme Quadro 9 abaixo. A discussão dos resultados colocará o original seguido de
sua tradução literal.
Quadro 9 – Omissão no português
Omissão
Concretude
her mind (sua cabeça)
lapel (gola)
light (luz)
of rocks (de pedras)
Explicitude
making (pigs) of yourselves (se fazendo de (porcos)
you will find them (você os achará)
70
speaks (fala)
as she does (como ela faz)
now (agora) (2X)
this game (esse jogo)
Graduação
big (grande)
but (mas)
old (velho)
comfort (comfortável)
lurid (sensacionalista)
Quadro 10 – Incidência de OMIS
TIPOS %
Explicitude 43,75%
Graduação 31,25%
Concretude 25%
O Quadro 10 apresenta um resumo das omissões no português, indicando que
em língua portuguesa há maior necessidade de explicitude (43,75%) a partir das
escolhas lexogramaticais realizadas pelo autor da versão. Logo abaixo há graduação
(31,25%), e concretude (31,25%).
4.3.4 Expressão Idiomática (6,5%)
As expressões idiomáticas apresentam o quarto maior índice de alteração na
tradução e tratam de diferenças que envolvem aspectos culturais e de uso da
linguagem, conforme Quadro 11 abaixo. A discussão dos resultados colocará: (a) o
original seguido de sua tradução literal; (b) a tradução para o português.
71
Quadro 11 – Expressão Idiomática
ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS
Drew to an inside straight (tirou um straight do monte)
puxei bem
come to (venha) acorda
hush (silêncio) calma
going on vacation (saindo de férias)
tirar férias
will do (será) está ótimo
push (empurrar) façam sentar
calling (chamando) procurando
Como dito no Quadro 4, as expressões idiomáticas representam 6,7% das
modificações presentes na tradução para o português, essas alterações se fazem
necessárias, para maior aproximação com o idioma de chegada (tradução), sendo o
processamento mais fácil para o leitor, aproximando, assim, o texto do enquadre
cognitivo.
4.3.5 Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite (6,5%)
Os enquadres de verbo e enquadres satélites apresentam o quinto maior índice
de alteração na tradução e tratam de diferenças que envolvem aspectos culturais e
de uso da linguagem, conforme Quadro 13 abaixo. A discussão dos resultados
colocará: (a) o original seguido de sua tradução literal; (b) a tradução para o português.
Quadro 12 – Enquadre de Verbo X Enquadre Satélite
ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS
opens a little (abre um pouco) entreabre
ducks... lower (afunda... mais baixo)
abaixa
moves (move) dirige-se
starts around (inicia em torno de) começa a andar
crosses (atravessa) vai
tearing it off (rasga fora de) tira-a
72
crosses to block (atravessa para bloquear)
barra
O Quadro 4 apresenta os enquadres de verbo X enquadre satélite como 6,5%
dos resultados presentes nas alterações lexogramaticais realizadas na versão em
português, essas escolhas se relacionam com padrões lexicais da língua, ou seja, as
línguas em questão (inglês e português) representam polos opostos, mostrando que
o texto de partida (inglês) possuiu verbos que expressam o modo, mas não a direção,
enquanto o texto de chegada (português) possuiu verbos direcionais, nos quais modo
e direção se constroem integradamente.
4.3.6 Tipologia de Língua (6,5%)
A tipologia de língua representa o sexto maior índice de alteração na tradução
e tratam de diferenças que envolvem a língua em sua manifestação como um tipo
comunicativo, conforme Quadro 13 abaixo. A discussão dos resultados colocará: (a)
o original seguido de sua tradução literal; (b) a tradução para o português.
Quadro 13 – Tipologia de Língua
ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS
open on (abertos sobre) abertos mostrando
you will find them (você os achará) está
lovely (adorável) (2X) uma graça
you (você) a senhora
his (dele) com
seven-card stud (Stud de sete cartas – um tipo de jogo)
mão de sete cartas
No Quadro 4 a tipologia de língua representa 6,5% das mudanças realizadas
na tradução em português, sendo esse fator essencial para a tradução que envolve
tendências humanas que são impostas pelo código e que têm como meta a interação
entre os sujeitos, mostrando a necessidade de conhecimentos do contexto
73
sociocultural de uso. Como exemplo, temos a expressão em língua inglesa How do
you do? (objeto de análise presente em [38]), com sua tradução Como vai a senhora?,
em língua portuguesa se faz necessário o acréscimo da palavra senhora para denotar
a formalidade expressa em língua inglesa que não precisa dessa distinção.
4.3.7 Mudança Morfológica (2%), Perífrases (2%) e Modalização (1%)
Os Quadros 14, 15 e 16 mostram as mudanças morfológicas, perífrases e
modalização presentes na tradução para o português da cena analisada na peça.
Esses casos, conforme apresentado no Quadro 4, aconteceram em números
reduzidos, mas no conjunto mostram outras diferenças entre as duas línguas em
confronto. A discussão dos resultados colocará: (a) o original seguido de sua tradução
literal; (b) a tradução para o português.
Quadro 14 – Mudança Morfológica
ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS
affectedly (comovidamente) afetando
tensely (tensamente) tensa
Quadro 15 – Perífrase
ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS
burst (surto) explosão de vozes
plain-tailored outifit (uma simples
roupa de vestir)
um conjunto de peça única
Quadro 16 – Modalização
ORIGINAL TRADUÇÃO P/O PORTUGUÊS
Try and... (Tente e...) Veja se você acha...
74
5 DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS
As etapas de análise permitem responder às perguntas de pesquisa, a saber:
(a) o que a comparação do original em inglês e a tradução em português de A
Streetcar Named Desire pode revelar? (b) que consequências essas diferenças
significam para a interpretação do texto original e de sua tradução?
Os resultados da análise mostram que uma tradução exata e fiel ao original não
é possível e não depende somente da subjetividade do tradutor, pois a língua, em si,
apresenta características que levam a modificações necessárias frente ao texto de
partida e o texto de chegada. Dessa forma, os dados apresentam categorias que se
fazem presentes no processo de tradução. Nida (2001) elucida, então, que há
diferenças linguísticas que se fazem presente entre o texto de partida e o texto de
chegada, mostrando que nenhuma tradução será “neutra” ou “literal”, mas uma leitura
de sua versão original (ARROJO, 2003).
Sendo assim, a análise mostra que 42,5% das modificações presentes na
tradução representam mudanças semânticas juntamente com 18,5% de acréscimos
no português e 14,5% de omissões no português. O que se sugere, então, é que essas
modificações mostram o envolvimento do tradutor em língua portuguesa na
apropriação do texto de partida, corroborando com Bohunovsky (2001), ou seja, de
que a tradução possuiu um tradutor que é um sujeito inserido dentro de um contexto
cultural, ideológico, político e psicológico.
Além disso, segundo Fillmore (1988), a visão semântica deve ser colocada
dentro de um enquadre cognitivo, sendo as palavras entendidas dentro de um
contexto estrutural de experiência, crença ou prática, constituindo um pré-requisito
para o entendimento de seu significado. Sendo o tradutor responsável por escolhas
lexogramaticais que refletem a ideologia, a subjetividade e a visão de um texto e do
que ele significa. Arrojo (1993), diz que o tradutor se torna “visível”, sendo aquele que
se coloca no lugar, tempo e espaço do autor, sem violentar a sintaxe e a fluidez da
língua.
Outras diferenças observadas tratam das tipologias de língua, enquadres de
verbo X enquadres satélites e expressões idiomáticas cada um deles com 6,5%,
somado um total de 19,5% de modificações que representam escolhas
lexogramaticais diversas dentro de um mesmo referente, sendo necessário critérios
75
linguísticos, pragmáticos e cognitivos, Halliday (1970) afirma que examinar a estrutura
linguística em si não é suficiente para explicar a organização de um texto, devendo-
se levar em conta, também, o uso da língua, momento em que as escolhas realizadas
pelo tradutor são importantes pois elas se fazem em detrimento de outras que
poderiam ter sido feitas e não foram e tendo, um sentido, criado por essas escolhas.
A análise da tradução em português mostra exatamente esse fato: as escolhas
lexogramaticais feitas pelo tradutor impossibilita, por conta de questões socioculturais,
um texto de chegada fiel ao texto de partida. O tradutor, então, movido por crenças e
valores de sua cultura, modifica-o, tendo como base as expectativas do leitor
brasileiro. Além disso, a análise sistêmico-funcional revela que há uma ideologia
marcada, respondendo a aspectos culturais.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória da elaboração desta dissertação de mestrado se iniciou com a
preocupação a respeito das dificuldades que cercam o processo tradutório enfrentado
por meus alunos juntamente com a tentativa de esclarecer as diferenças que ocorrem
entre um original e sua versão, posso afirmar, com os resultados apresentados, que
consegui entender o que subjaz a essas diferenças.
De fato, a pesquisa me mostrou que as diferenças lexogramaticais, juntamente
com valores socioculturais, perpassam o discurso narrativo, sendo, por esse motivo,
a importância das pesquisas linguísticas firmada pela força explicativa no
esclarecimento de conceitos e na compreensão de fenômenos do discurso que
envolvem questões ideológicas.
Julgo, assim, que as perguntas de pesquisa foram respondidas, mostrando que
a análise da língua em uso, dentro de um contexto e de escolhas feitas, pode levar a
uma maior reflexão e entendimento de detalhes na compreensão de fenômenos
discursivos e suas manifestações. Valida-se, assim, a pesquisa para os professores
de língua inglesa que terão suas aulas engrandecidas graças a explicações
pormenorizadas sobre as diferenças entre original e tradução.
Além disso, este estudo une a literatura e teorias linguísticas, tendo enfoque na
funcionalidade da língua, enfoque, esse, que modifica a minha compreensão da
linguagem, vendo-a como um objeto sociosemiótico que pode ser melhor
compreendida ao se levar em conta a relação lexicogramatical e a relação que o
tradutor faz nas escolhas e modificações presentes no texto.
Dessa foram, este estudo se faz enriquecedor para mim, enquanto professor,
pois a Linguística Sistêmico-Funcional traz subsídios, ajudando a compreender a
complexidade do discurso, para uma análise tradutória mais ampla e profunda,
contribuindo para a minha prática pedagógica e sendo, também, útil para aqueles que
lidam com esse processo em sala de aula.
Finalmente, acredito que este trabalho tenha contribuído para as pesquisas na
área de linguística aplicada e estudos da linguagem, esperando responder à bolsa de
estudos CAPES, que me permitiu a elaboração desta dissertação. Espero, também,
que esse trabalho instigue o interesse em novas pesquisas que contribuam para um
melhor entendimento da tradução e do processo tradutório.
77
REFERÊNCIAS
ARROJO, R. (Org.). O signo desconstruído: implicações para a tradução, a leitura e o ensino. Campinas: Pontes, 2003.
_____. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
BASSNETT, S. Translation Studies. Shanghai: Shanghai Foreign Language Education, 2004.
_____. The meek or the mighty: Reappraising the role of the translator. In: ALVAREZ, R; AFRICA-VIDAL, C. (org.) Translation Power Subversion. Clevedon: Multilingual Matters, 1996.
BELL, R. T. Translation and Translating: theory and practice. Londres: Routledge, 1991
BLOOM, Ken. Broadway: an encyclopedia. Nova Iorque: Taylor & Francis, 2004.
BERTHOLD, M. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2014.
BIGSBY, C. W. E. A critical introduction to Twentieth-Century American Drama. v. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
_____. Modern American Drama, 1945-1990. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
BOHUNOVSKY, R. A (im)possibilidade da “invisibilidade” do tradutor e da “fidelidade”: por um diálogo entre a teoria e a prática de tradução. Cadernos de tradução , v. 2, 2001, p. 51-62.
CÁCERES, F. História Geral. São Paulo: Moderna, 1996.
CATFORD, J. C. A linguistic theory of translation. Oxford: Oxford University Press, 1965.
CHARTERIS-BLACK, J. Corpus approaches to critical methaphor analysis. Londres: Palgrave Macmillan, 2004.
EGGINS, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics. Londres: Bloombury Academy, 2004.
78
FALK, S. L. Tennessee Williams. Rio de Janeiro: Lidador, 1961.
FIGUEIREDO, G. P. The flow of information in Brian Aldiss’ supertoys into Brazilian Portuguese. 2006. Disponível em: http://www.pucsp.br/isfc/proceedings/Artigos% 20pdf /05tr_figueredo_117a154.pdf. Acesso em: 23 nov. 2015.
FILLMORE, C. J.; ATKINS, B. T. Towards a frame-based lexicon: the case of RISK. In: LEHRER, A.; KITTAY, E. (org.) Frames, Fields, and Contrasts. Londres: Erlbaum, 1992.
_____. The Mechanisms of “Construction Grammar”: Proceedings of the Fourteenth Annual Meeting of the Berkeley. Linguistics Society, 1988, p. 35-55.
FOWLER, R. Language in the news. Londres: Routledge, 1991.
GOATLY, A. The language of metaphors. Nova Iorque: Routledge, 1997.
GOUVEIA, C. A. M.; BÁRBARA, L. Marked or Unmarked, that is not the question. The question is: where’s the theme? Ilha do Desterro, v. 46, 2004, p.155-177.
HALLIDAY, M. A. K ; MATTHIESSEN, C. M. I. M. An introduction to Functional Grammar. Londres: Arnolds, 2004.
_____. An introduction to Functional Grammar. Londres: Arnolds, 1994.
________ Language as social semiotic. The social interpretation of language and meaning. Londres: Edward Arnold, 1978.
_____. Explorations in the functions of language. Londres: Edward Arnold, 1973.
KATAN, D. Translating cultures: an introduction to translators, interpreters and mediators. Londres: Routledge, 2004.
KERBRAT-ORECCHIONI, C. Introducing polylogue. Journal of Pragmatics, 36, 2004, p. 1-22.
KOLIN, P. C. (org.) Tennessee Williams: A Guide to Research and Performance. Westport: Greenwood, 1998.
LI, S. Yuliaoku yu fanyi jiaoxue [Corpora and translation teaching]. China Journal of Scientific Translation, v. 3, 2007, p. 46-49.
79
MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. Londres: Continuum, 2003.
_____. Beyond exchange: APPRAISAL System in English. In: HUNSTON, S. H.; THOMPSON, G. Evaluation in Text - Authorial Stance and the Construction of Discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000.
_____. The English Text – System and Structure. Amsterdã: John Benjamins. 1992.
MING, L. Systemic Functional Linguistic approach to translation studies. US-China Foreign Language, 5.8, 2007, p. 74-85.
NIDA, E. A. Contexts in translations. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001.
NINOMIYA, S. R. L. Estruturação temática na tradução de textos literários da língua japonesa para a língua portuguesa: Um enfoque sistêmico-funcional. Tese de Doutorado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, 2012.
PÉREZ, M. C. Apropos of Ideology. Translation studies on Ideology – Ideologies in Translation Studies. Manchester: St. Jerome Publishing, 2003.
RODRIGUES, E. P. De A Streetcar Named Desire a Um Bonde Chamado Desejo: o percurso discursivo de apresentação da personagem Stanley Kowalski em duas traduções brasileiras. 2001. 179 f. Dissertação (Mestrado em Tradução) – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
ROUDANÉ, M. C. (org.) The Cambridge companion to Tennessee Williams. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
SAPIR, E. The collected works of Edward Sapir. Berlin: Walter de Gruyter, 2008.
SLOBIN, D. I. Two ways to travel: verbs of motion in English and Spanish. In: MASAYOSHI, S.; THOMPSOM, S. A. Grammatical constructions: their forms and meaning. Oxford: Clarendon Press, 1996.
_____. Psicolinguística. São Paulo: Companhia Editora Nacional e EDUSP, 1980.
SZONDI, P. Teoria do drama moderno [1880-1950]. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
80
TALMY, L. Path to realization: a typology of event conflation. In: Proceeding of the Seventeenth Annual Meeting of the Berkely Linguistics Society, 1991, p. 480-519.
_____. Lexicalization patterns: Semantic Structure in lexical forma. In: SHOPEN, I. Language Typology and Syntactic Description. Londres: Cambrigde University Press, 1985.
THOMPSON, G. Two ways to travel: verbs of motion in English and Spanish. In: MASAYOSHI, S.; THOMPSOM, S. A. Grammatical constructions: their forms and meaning. Oxford: Clarendon Press, 1996.
_____.; THETELA, P. The sound of one hand clapping: The management of interaction in written discourse. Text, 15.1, 1995, p. 103-127.
VENUTI. L. The translator’s invisibility: a history of translation. Londres: Routledge, 1995.
VENTOLA, E. The Structure of Social Interaction: a systemic approach to the semiotics of service encounters. Londres: Frances Pinter, 1995.
WILLIAMS, T. A Streetcar Named Desire. London: Penguin UK, 2004.
_____. Um Bonde Chamado Desejo. São Paulo: Peixoto Neto, 2004.
_____. Memoirs. Nova Iorque: Penguin, 2003.
_____. Memórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
ZHANG, Y. Analysis of influence of semiotic context on translating strategies: On the translation of "Peach Blossom”. Journal of Sichuan International Studies University, v. 2, 2003, p. 135-139.
_____.; HUANG, G. A text linguistic approach to translation studies. Chinese Translator Journal, v. 2, 2003, p. 145-153.
81
ANEXO A – “A STREETCAR NAMED DESIRE” – SCENE XI
It is some weeks later. STELLA is packing BLANCHE's things. Sounds of water can be heard running in the bathroom. The portières are partly open on the poker players – STANLEY, STEVE, MITCH and PABLO – who sit around the table in the kitchen. The atmosphere of the kitchen is now the same raw, lurid one of the disastrous poker night. The building is framed by the sky of turquoise. Stella has been crying as she arranges the flowery dresses in the open trunk. STANLEY: Drew to an inside straight and made it, by God. PABLO: Maldita sea to suerte! STANLEY: Put it in English, greaseball! PABLO: I am cursing your goddam luck. STANLEY [prodigiously elated]: You know what luck is? Luck is believing you're lucky. Take at Salerno. I believed I was lucky. I figured that 4 out of 5 would not come through but I would... and I did. I put that down as a rule. To hold front position in this rat-race you've got to believe you are lucky. MITCH: You... you... you... Brag... brag... bull... bull. [STELLA goes into the bedroom and starts folding a dress.] STANLEY: What's the matter with him? EUNICE [walking past the table]: I always did say that men are callous things with no feelings, but this does beat anything. Making pigs of yourselves. [She comes through the portieres into the bedroom.] STANLEY: What's the matter with her? STELLA: How is my baby? EUNICE: Sleeping like a little angel. Brought you some grapes. [She puts them on a stool and lowers her voice.] Blanche? STELLA: Bathing. EUNICE: How is she? STELLA: She wouldn't eat anything but asked for a drink. EUNICE: What did you tell her? STELLA: I – just told her that – we'd made arrangements for her to rest in the country. She's got it mixed in her mind with Shep Huntleigh. [Blanche opens the bathroom door slightly.] BLANCHE: Stella. STELLA: Yes, Blanche? BLANCHE: If anyone calls while I'm bathing take the number and tell them I'll call right back. STELLA: Yes. BLANCHE: That cool yellow silk – the bouclé. See if it's crushed. If it's not too crushed I'll wear it and on the lapel that silver and turquoise pin in the shape of a seahorse. You will find them in the heart-shaped box I keep my accessories in. And Stella... Try and locate a bunch of artificial violets in that box, too, to pin with the seahorse on the lapel of the jacket. [She closes the door. STELLA turns to EUNICE.] STELLA: I don't know if I did the right thing EUNICE: What else could you do?
82
STELLA: I couldn't believe her story and go on living with Stanley. EUNICE: Don't ever believe it. Life has got to go on. No matter what happens, you've got to keep on going. [The bathroom door opens a little.] BLANCHE [looking out]: Is the coast clear? STELLA: Yes, Blanche. [To EUNICE] Tell her how well she's looking. BLANCHE: Please close the curtains before I come out. STELLA: They're closed. STANLEY: - How many for you? PABLO: Two. - STEVE: - Three. [BLANCHE appears in the amber light of the door. She has a tragic radiance in her red satin robe following the sculptural lines of her body. The ‘Varsouviana’ rises audibly as BLANCHE enters the bedroom.] BLANCHE [with faintly hysterical vivacity]: I have just washed my hair. STELLA: Did you? BLANCHE: I'm not sure I got the soap out. EUNICE: Such fine hair! BLANCHE [accepting the compliment]: It's a problem. Didn't I get a call? STELLA: Who from, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Why, not yet, honey! BLANCHE: How strange! I – [At the sound of BLANCHE's voice MITCH's arm supporting his cards has sagged and his gaze is dissolved into space. STANLEY slaps him on the shoulder.] STANLEY: Hey, Mitch, come to! [The sound of this new voice shocks BLANCHE. She makes a shocked gesture, forming his name with her lips. STELLA nods and looks quickly away. BLANCHE stands quite still for some moments – the silver-backed mirror in her hand and a look of sorrowful perplexity as though all human experience shows on her face. BLANCHE finally speaks but with sudden hysteria.] BLANCHE: What's going on here? [She turns from STELLA to EUNICE and back to STELLA. Her rising voice penetrates the concentration of the game. MITCH ducks his head lower but STANLEY shoves back his chair as if about to rise. STEVE places a restraining hand on his arm.] BLANCHE [continuing]: What's happened here? I want an explanation of what's happened here. STELLA [agonizingly]: Hush! Hush! EUNICE: Hush! Hush! Honey. STELLA: Please, Blanche. BLANCHE: Why are you looking at me like that? Is something wrong with me? EUNICE: You look wonderful, Blanche. Don't she look wonderful? STELLA: Yes EUNICE:
83
I understand you are going on a trip. STELLA: Yes, Blanche is. She's going on a vacation. EUNICE: I'm green with envy. BLANCHE: Help me, help me get dressed! STELLA [handing her dress]: Is this what you – BLANCHE: Yes, it will do! I'm anxious to get out of here – this place is a trap! EUNICE: What a pretty blue jacket. STELLA: It's lilac colored. BLANCHE: You're both mistaken. It's Della Robbia blue. The blue of the robe in the old Madonna pictures. Are these grapes washed? [She fingers the bunch of grapes which EUNICE has brought in.] EUNICE: Huh? BLANCHE: Washed, I said. Are they washed? EUNICE: They're from the French Market. BLANCHE: That doesn't mean they've been washed. [The cathedral bells chime] Those cathedral bells – they're the only clean thing in the Quarter. Well, I'm going now. I'm ready to go. EUNICE [whispering]: She's going to walk out before they get here. STELLA: Wait, Blanche. BLANCHE: I don't want to pass in front of those men. EUNICE: Then wait'll the game breaks up. STELLA: Sit down and... [BLANCHE turns weakly, hesitantly about. She lets them push her into a chair.] BLANCHE: I can smell the sea air. The rest of my time I'm going to spend on the sea. And when I die, I'm going to die on the sea. You know what I shall die of? [She plucks a grape] I shall die of eating an unwashed grape one day out on the ocean. I will die – with my hand in the hand of some nice-looking ship's doctor, a very young one with a small blond mustache and a big silver watch. ‘Poor lady,’ they'll say, the ‘quinine did her no good. That unwashed grape has transported her soul to heaven.’ [The cathedral chimes are heard] And I'll be buried at sea sewn up in a clean white sack and dropped overboard – at noon – in the blaze of summer – and into an ocean as blue as [chimes again] my first lover's eyes! [A DOCTOR and a MATRON have appeared around the corner of the building and climbed the steps to the porch. The gravity of their profession is exaggerated – the unmistakable aura of the state institution with its cynical detachment. The DOCTOR rings the doorbell. The murmur of the game is interrupted.] EUNICE [whispering to STELLA]: That must be them. [STELLA presses her fists to her lips.] BLANCHE [rising slowly]: What is it? EUNICE [affectedly casual]: Excuse me while I see who's at the door. STELLA: Yes. [Eunice goes into the kitchen.] BLANCHE [tensely]: I wonder if it's for me. [A whispered colloquy takes place at the door.] EUNICE [returning, brightly]: Someone is calling for Blanche. BLANCHE:
84
It is for me, then! [She looks fearfully from one to the other and then to the portières. The ‘Varsouviana’ faintly plays] Is it the gentleman I was expecting from Dallas? EUNICE: I think it is, Blanche. BLANCHE: I'm not quite ready. STELLA: Ask him to wait outside. BLANCHE: I... [EUNICE goes back to the portieres. Drums sound very softly.] STELLA: Everything packed? BLANCHE: My silver toilet articles are still out. STELLA: Ah! EUNICE [returning]: They're waiting in front of the house. BLANCHE: They! Who's ‘they’? EUNICE: There’s a lady with him. BLANCHE: I cannot image who this ‘lady’ could be! How is she dressed? EUNICE: Just – just sorto f a – plain-tailored outfit. BLANCHE: Possibly she’s [Her voices dies out nervously.] STELLA: Shall we go, Blanche? BLANCHE: Must we go through that room? STELLA: I will go with you. BLANCHE: How do I look? STELLA: Lovely. EUNICE [echoing]: Lovely. [BLANCHE moves fearfully to the portière. EUNICE draws them open for her. BLANCHE goes into the kitchen] BLANCHE [to the men]: Please, don’t get up. I’m only passing through. [She crosses quickly to outside door. STELLA and EUNICE follow. The poker players stand awkwardly at the table – except MITCH, who remains seated, looking at the table. BLANCHE steps out on a small porch at the side of the door. She stops short and catches her breath.] DOCTOR: How do you do? BLANCHE: You are not the gentleman I was expecting. [She suddenly gaps and starts back up the steps. She stops by STELLA, who stands just outside the door, and speaks in a frightened whisper.] That man isn’t Shep Huntleigh. [The ‘Varsouviana’ is playing distantly. STELLA stares back at BLANCHE. EUNICE is holding STELLA's arm. There is a moment of silence – no sound but that of Stanley steadily shuffling the cards. BLANCHE catches her breath again and slips back into the flat with a peculiar smile, her eyes wide and brilliant. As soon as her sister goes past her, STELLA closes her eyes and clenches her hands. EUNICE throws her arms comforting about her. Then she starts up to her flat. BLANCHE stops just inside the door. MITCH keeps staring down at his hands on the table, but the other men look at her curiously. At last she starts around the table toward the bedroom. As she does, STANLEY suddenly pushes back his chair and rises as if to block her way. The MATRON follows her into the flat.] STANLEY: Did you forget something? BLANCHE [shrilly]: Yes! Yes, I forgot something!
85
[She rushes past him into the bedroom. Lurid reflections appear on the walls in odd, sinuous shapes. The ‘Varsouviana’ is filtered into a weird distortion, accompanied by the cries and noises of the jungle. BLANCHE seizes the back of a chair as if to defend herself.] STANLEY [sotto voice]: Doc, you better go in. DOCTOR [motioning to the MATRON]: Nurse, bring her out. [The MATRON advances on one side, STANLEY on the other. Divested of all the softer properties of womanhood, the MATRON is a peculiarly sinister figure in her severe dress. Her voice is bold and toneless as a fire-bell.] MATRON: Hello, Blanche. [The greeting is echoed and re-echoed by other mysterious voices behind the walls, as if reverberated through a canyon of rock.] STANLEY: She says that she forgot something. [The echo sounds in threatening whispers.] MATRON: That's all right. STANLEY: What did you forget, Blanche? BLANCHE: I – I – MATRON: It don't matter. We can pick it up later. STANLEY: Sure. We can send it along with the trunk. BLANCHE [retreating in panic]: I don't know you – I don't know you. I want to be – left alone – please! MATRON: Now, Blanche! ECHOES [rising and falling]: Now, Blanche – now, Blanche – now, Blanche! STANLEY: You left nothing here but spilt talcum and old empty perfume bottles – unless it's the paper lantern you want to take with you. You want the lantern? [He crosses to dressing table and seizes the paper lantern, tearing it off the light bulb, and extends it toward her. She cries out as if the lantern was herself. The MATRON steps boldly toward her. She screams and tries to break past the MATRON. All the men spring to their feet. STELLA runs out to the porch, with EUNICE following to comfort her, simultaneously with the confused voices of the men in the kitchen. STELLA rushes into EUNICE's embrace on the porch.] STELLA: Oh, my God, Eunice help me! Don't let them do that to her, don't let them hurt her! Oh, God, oh, please God, don't hurt her! What are they doing to her? What are they doing? [She tries to break from EUNICE's arms.] EUNICE: No, honey, no, no, honey. Stay here. Don't go back in there. Stay with me and don't look. STELLA: What have I done to my sister? Oh, God, what have I done to my sister? EUNICE: You done the right thing, the only thing you could do. She couldn't stay here; there wasn't no other place for her to go. [While STELLA and EUNICE are speaking on the porch the voices of the men in the kitchen overlap them.] STANLEY [running in from the bedroom]: Hey! Hey! Doctor! Doctor, you better go in! DOCTOR: Too bad, too bad. I always like to avoid it. PABLO: This is a very bad thing. STEVE: This is no way to do it. She should’ve been told. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy, muy mala! [MITCH has started toward the bedroom. STANLEY crosses to block him.] MITCH [wildly]: You! You done this, all o’your God damn interfering with things you – STANLEY: Quit the blubber! [He pushes him aside.] MITCH:
86
I’ll kill you! [He lunges and strikes at STANLEY.] STANLEY: Hold this bone-headed cry-baby. STEVE [grasping MITCH]: Stop it, Mitch. PABLO: Yeah, yeah, take it easy. [MITCH collapses at the table, sobbing. During the preceding scenes, the MATRON catches hold of BLANCHE's arm and prevents her flight. BLANCHE turns wildly and scratches at the MATRON. The heavy woman pinions her arms. BLANCHE cries out hoarsely and slips to her knees.] MATRON: These fingernails have to be trimmed. [The DOCTOR comes into the room and she looks at him.] Jacket, Doctor? DOCTOR: Not unless necessary. [He takes off his hat and now he becomes personalized. The unhuman quality goes. His voice is gentle and reassuring as he crosses to BLANCHE and crouches in front of her. As he speaks her name, her terror subsides a little. The lurid reflections fade from the walls, the inhuman cries and noises die out and her own hoarse crying is calmed.] DOCTOR: Miss DuBois. [She turns her face to him and stares at him with desperate pleading. He smiles; then he speaks to the MATRON.] It won't be necessary. BLANCHE [faintly]: Ask her to let go of me. DOCTOR [to the Matron]: Let go. [The MATRON releases her. BLANCHE extends her hands toward the DOCTOR. He draws her up gently and supports her with his arm and leads her through the portières.] BLANCHE [holding tight to his arm]: Whoever you are – I have always depended on the kindness of strangers. [The poker players stand back as BLANCHE and the DOCTOR cross the kitchen to the front door. She allows him to lead her as if she were blind. As they go out on the porch, Stella cries out her sister's name from where she is crouched a few steps up on the stairs.] STELLA: Blanche! Blanche! Blanche! [BLANCHE walks on without turning, followed by the DOCTOR and the MATRON. They go around the corner of the building. EUNICE descends to STELLA and places the child in her arms. It is wrapped in a pale blue blanket. STELLA accepts the child, sobbingly. EUNICE continues downstairs and enters the kitchen where the men, except for STANLEY, are returning silently to their places about the table. STANLEY has gone out on the porch and stands at the foot of the steps looking at STELLA.] STANLEY [a bit uncertainly]: Stella? [She sobs with inhuman abandon. There is something luxurious in her complete surrender to crying now that her sister is gone.] STANLEY [voluptuously, soothingly]: Now, honey. Now, love. Now, now, love. [He kneels beside her and his fingers find the opening of her blouse] Now, now, love. Now, love... [The luxurious sobbing, the sensual murmur fade away under the swelling music of the ‘blue piano’ and the muted trumpet.] STEVE: This game is seven-card stud.
ANEXO B –UM BONDE CHAMADO DESEJO – CENA XI
Algumas semanas depois. Stella está fazendo as malas de Blanche. Pode-se ouvir o som de água correndo no banheiro. Os reposteiros estão parcialmente abertos, mostrando1 os jogadores de pôquer – Stanley, Steve, Mitch e Pablo – que estão sentados em volta da mesa da cozinha. A atmosfera da cozinha agora é a mesma atmosfera desordenada e sombria da desastrosa noite de pôquer. O prédio está emoldurado pelo céu de turquesa. Stella está chorando enquanto arruma os vestidos floridos no baú aberto.
87
Eunice desce os degraus, vindo de seu apartamento, e entra na cozinha. Há uma explosão de vozes que vem da mesa de pôquer). STANLEY: Meu Deus1, puxei bem a carta que precisava! PABLO: Maldita sea tu suerte! STANLEY: Não sabe falar inglês, bola-de-sebo? PABLO: Eu estou amaldiçoando a sua maldita sorte. STANLEY (monstruosamente exultante): Sabe o que é sorte? Sorte é acreditar que tem sorte. Por exemplo, em Salerno. Eu acreditei que tinha sorte. Mentalizei que, de cada cinco, quatro iam morrer e eu não... e deu certo... Isso para mim é lei. Nessa corrida de ratos, pra ficar em primeiro lugar você tem que acreditar que tem sorte. MITCH: Você... você... você... Papo... papo... tudo papo. (Stella entra no dormitório e começa a dobrar um vestido). STANLEY: O que é que há com ele? EUNICE (passando pela mesa): Eu sempre disse que os homens eram calos duros, sem nenhum coração. Mas isso também já é demais. Porcos. (Passa pelos reposteiros em direção ao dormitório.) STANLEY: O que há com ela? STELLA: Como está o meu bebê? EUNICE: Dormindo feito um anjinho. Eu trouxe umas uvas. (Coloca as uvas num banquinho e abaixa a voz.) E a Blanche? STELLA: No banho1. EUNICE: Como ela está? STELLA: Não quis comer nada, mas pediu um drinque. EUNICE: O que você disse pra ela? STELLA: Eu – só disse que – a gente tinha arranjado um lugar no campo pra ela descansar. Mas ele misturou tudo com o Shep Huntleigh. (Blanche abre de leve a porta do banheiro.) BLANCHE: Stella! STELLA: O que é, Blanche? BLANCHE: Se alguém ligar enquanto eu estiver no banho, anote o número e diga que retorno em seguida. STELLA: Pode deixar. BLANCHE: Aquele amarelo, de seda, levinho – o buclê. Veja se não está muito amassado. Se não estiver muito amassado, é esse que eu vou usar, e também aquele broche de cavalo-marinho, prata e turquesa. Está naquele meu coração, onde eu guardo meus adereços. E, Stella... veja se você acha também nesse coração um raminho de violetas artificiais, pra prender junto com o cavalo-marinho na lapela da blusa. (Fecha a porta.) (Stella vira-se para Eunice) STELLA: Não sei se fiz a coisa certa. EUNICE: O que mais você podia ter feito? STELLA: Eu não podia acreditar na história dela e continuar a vivendo com o Stanley. EUNICE: Nunca acredite nisso. A vida tem de continuar. Aconteça o que acontecer, você tem que tocar em frente. (A porta do banheiro se entreabre). BLANCHE (olhando para fora): O caminho está livre? STELLA: Claro, Blanche. (Para Eunice) Diga que ela está bonita.
88
BLANCHE: Por favor, feche a cortina antes que eu saia. STELLA: Estão fechadas. STANLEY: - Quantas pra você? PABLO: Duas - STEVE: - Três. (Blanche surge no âmbar da porta. Exala uma radiância trágica do seu roupão de cetim vermelho, que delineia as linhas esculturais do seu corpo. Enquanto Blanche entra no dormitório a “Varsoviana” torna-se audível.). BLANCHE (com uma vivacidade ligeiramente histérica): Acabei de lavar o cabelo. EUNICE: É? BLANCHE: Não sei se enxaguei todo o xampu. EUNICE: Que cabelo lindo! BLANCHE (aceitando o elogio): Mas é um problema. Ninguém me ligou? EUNICE: Quem, Blanche? BLANCHE: Shep Huntleigh... STELLA: Ah, ainda não, meu bem! BLANCHE: Estranho! Eu – (Ao som da voz de Blanche, o braço de Mitch, cuja mão segura as cartas, se afrouxa e o seu olhar fica perdido no espaço. Stanley lhe dá um tapinha no ombro.). STANLEY: Ei, Mitch, acorda! (O som dessa nova voz choca Blanche. Ela faz um gesto de espanto, desenhando o nome dele com os lábios. Stella maneia a cabeça e olha rapidamente em outra direção. Blanche fica muito quieta por alguns momentos – o espelho de fundo prateado na mão e um olhar de contrita perplexidade, como se toda a experiência humana se revelasse no seu rosto. Finalmente fala, com súbita histeria). BLANCHE: O que é que está acontecendo aqui? (Volta-se de Stella para Eunice e de Eunice para Stella. Sua voz em crescendo penetra a concentração do jogo. Mitch abaixa cabeça, mas Stanley dá um empurrão em sua cadeira, como se fosse levantar. Steve coloca a mão no seu braço, impedindo-o). BLANCHE (continuando): O que é que está acontecendo aqui? Eu exijo uma explicação sobre o que é que está acontecendo aqui. STELLA (angustiadamente): Calma! Calma! EUNICE: Calma! Calma! Querida! STELLA : Por favor, Blanche. BLANCHE: Por que é que vocês estão, me olhando desse jeito? Tem alguma coisa errada comigo? EUNICE: Você está maravilhosa, Blanche. Ela não está maravilhosa? STELLA: Claro, maravilhosa. EUNICE: Que dizer então que você está de viagem. STELLA: Está, sim. Blanche vai tirar umas férias. EUNICE: Estou morrendo de inveja. BLANCHE: Me ajude, me ajude a me vestir! STELLA (dando-lhe o vestido): É esse que você –
89
BLANCHE: Esse, esse está ótimo! Estou louca pra sair daqui – esse lugar é uma armadilha. EUNICE: Que blusa azul linda! STELLA: É lilás. BLANCHE: As duas erraram. É um azul Della Robbia. O azul do robe do manto da Virgem naquelas Madonas antigas. Essas uvas estão lavadas? (Toca com os dedos o cacho de uvas que Eunice trouxe) EUNICE: Ahn? BLANCHE: Eu disse lavadas. Foram lavadas? EUNICE: São do Mercado Francês. BLANCHE: O que não quer dizer que foram lavadas. (Os sinos da catedral repicam) Esses sinos da catedral – são a única coisa limpa deste bairro. Bom, eu já vou indo. Estou pronta para ir. EUNICE (sussurrando): Ela vai sair antes de eles chegarem. STELLA: Espere, Blanche. BLANCHE: Não quero passar na frente daqueles homens. EUNICE: Então espere o jogo acabar. STELLA: Senta aqui e... (Blanche vira-se lenta e hesitantemente. Deixa que elas a façam sentar-se numa cadeira). BLANCHE: Eu posso sentir o cheiro do mar. Vou passar o resto da minha vida no mar. E, quando eu morrer, vou morrer no mar. Sabe do que é que eu vou morrer? (Arranca uma uva.) Vou morrer um dia por ter comido uma uva que não estava lavada, em alto-mar. Vou morrer – com a minha mão na mão de um lindo médico de bordo, muito jovem, que usa um pequeno bigode loiro e um relógio de prata. Vão dizer “Pobre lady, o quinino não fez efeito. Aquela uva não lavada levou sua alma pro céu”. (Ouve-se sinos da catedral.) E vou ser enterrada nas águas, costurada dentro de um saco branco, muito limpo, e lançada ao mar – ao meio-dia – no fogo do verão – e num oceano tão azul como (Novo repique), como os olhos do meu primeiro amor! (Um Médico e uma Enfermeira surgem do lado da esquina e subem os degraus até o alpendre. A gravidade de sua profissão é exagerada – a inconfundível aura da instituição pública, com a sua cínica indiferença. O Médico toca a campainha. O Burburinho do jogo se interrompe). EUNICE (sussurrando para Stella): Devem ser eles. (Stela aperta um punho contra os lábios). BLANCHE (levantando-se lentamente): O que é isso? EUNICE (afetando desimportância): Com licença que eu vou ver quem é. STELLA: Isso. (Eunice entra na cozinha). BLANCHE (tensa): E se for para mim? (Dá-se um diálogo na porta.) EUNICE (voltando, radiante): Tem alguém aí procurando a Blanche. BLANCHE: Então é pra mim! (Olha temerosamente de uma para outra e depois para os reposteiros. A “Varsoviana” toca bem baixinho.) É o gentleman de Dallas que eu estava esperando? EUNICE: Acho que é, Blanche. BLANCHE: Ainda não estou pronta. STELLA: Diga para ele esperar lá fora.
90
BLANCHE : Eu... (Eunice volta aos reposteiros. Os tambores soam suavemente). STELLA: Voce colocou tudo na bagagem? BLANCHE: Os meus acessórios de prata pra toalete ainda não. STELLA: Ah! EUNICE (voltando): Eles estão esperando na frente do prédio. BLANCHE: Eles? “Eles” quem? EUNICE: Tem uma senhora com ele. BLANCHE: Nem imagino quem seja essa "senhora"! Como ela está vestida? EUNICE: Só um – um tipo de – um conjunto de peça única. BLANCHE: É possível que ela seja - (A sua voz some nervosamente). STELLA: Podemos ir, Blanche? BLANCHE: Temos que passar por aquela sala? STELLA: Eu vou com você. BLANCHE: Como estou? STELLA: Uma graça. EUNICE (fazendo eco): Uma graça. (Blanche dirige-se nervosamente para os reposteiros. Eunice abre-o para ela. Blanche entra na cozinha). BLANCHE (para os homens): Não, por favor, não precisam se levantar. Eu só estou apenas passando. (Dirige rapidamente para a porta da rua. Stella e Eunice a seguem. Os jogadores de pôquer ficam todos de pé, desajeitados, em volta da mesa, exceto Mitch, que permanece sentado, olhando para a mesa. Blanche sai para um pequeno alpendre ao lado da porta. Para abruptamente e prende a respiração). MÉDICO: Como vai a senhora? BLANCHE: Não é o senhor que eu estava esperando. (Ofega de repente e começa a recuar pelos degraus. Para ao lado de Stella, que está em pé, perto da porta, e sussurra assustada.) Esse homem não é Shep Huntleigh. (A “Varsoviana” toca à distância. Stella olha de volta para Blanche. Eunice está segurando o braço de Stella. Há um momento de silêncio – nenhum som, exceto o de Stanley embaralhando as cartas. Blanche prende a respiração novamente e desliza para dentro do apartamento. Entra com um sorriso singular nos lábios, os olhos bem abertos e brilhantes. Assim que a sua irmã passa, Stella fecha os olhos e cerra as mãos. Eunice joga os braços ao seu redor, como que encorajando-a. Em seguida, começa a subir para o apartamento. Blanche para bem na porta. Mitch continua a olhar para as suas mãos na mesa, mas os outros homens olham curiosos para ela. Por fim, ela começa a andar em torno da mesa, em direção ao dormitório. De repente, Stanley empurra a sua daceira para trás e se levanta, como que para bloquear a passagem dela. A Enfermeira segue-a dentro do apartamento.) STANLEY: Esqueceu alguma coisa? BLANCHE (estridentemente): Esqueci! Esqueci uma coisa! (Passa correndo por ele e entra no dormitório. Os reflexos assombrados aparecem nas paredes, compondo formas estranhas e sinuosas. A “Varsoviana” é filtrada numa misteriosa distroção, acompanhada pelos gritos e barulhos da selva. Blanche agarra o encosto de uma cadeira, como para se defender.) STANLEY (em voz baixa): Doutor, é melhor o senhor entrar. MÉDICO (fazendo gestos para a Enfermeira): Enfermeira, traga-a para fora. (A Enfermeira avança de um lado e Stanley do outro. Despida de todas as propriedades mais suaves das mulheres, a Enfermeira é uma figura particularmente sinistra, com o seu vestido austero. A sua voz é forte sem modulações, como uma campainha de alarma). ENFERMEIRA:
91
Oi, Blanche! (O cumprimento é ecoado repetidamente por outras misteriosas vozes atrás das paredes, como se reverberasse num desfiladeiro.) STANLEY: Ela disse que esqueceu alguma coisa. (O eco ressoa em sussurros ameaçadores.) ENFERMEIRA: Sem problemas. STANLEY: O que é que você esqueceu, Blanche? BLANCHE: Eu – Eu – ENFERMEIRA: Não tem importância. A gente passa depois par pegar. STANLEY: Claro. A gente manda depois junto com o baú. BLANCHE (recuando em pânico): Eu não conheço vocês – eu não conheço vocês. Eu quero – ficar sozinha – por favor! ENFERMEIRA: Vamos lá, Blanche! ECOS (subindo e descendo): Vamos lá, Blanche! Vamos lá, Blanche! Vamos lá, Blanche! STANLEY: Você não deixou nada aqui, só um pouco de talco no chão e vidros de perfumes vazios – a menos que você queira levar a lanterna de papel. É a lanterna de papel que você quer? (Vai até a penteadeira, pega a lanterna de papel, tira-a da lâmpada e estende-a para ela. Blanche grita como se a lanterna fosse ela mesma. A Enfermeira avança firmemente para ela. Ela grita e tenta esquivar-se da Enfermeira. Todos os homens põem-se de pé num salto. Stella sai correndo para o alpendre, seguida por Eunice, simultaneamente com a confusão das vozes dos homens na cozinha. Stella lança-se aos braços de Eunice no alpendre.) STELLA: Ah, meu Deus, Eunice, me ajude! Não deixe eles fazerem isso com ela, não deixe eles machucarem ela! Ah, meu Deus, ah, por favor, meu Deus, não machuquem ela! O que é que eles estão fazendo com ela? O que é que eles estão fazendo? (Tenta se desprender dos braços de Eunice.) EUNICE: Não, querida, não. Fique aqui. Não volte lá pra dentro. Fique aqui comigo e não olhe. STELLA: O que é que eu fiz com a minha maninha? Ah, meu Deus, o que é que eu fiz com a minha maninha? EUNICE: Você fez o que tinha que ser feito, a única coisa que você podia fazer. Ela não podia ficar aqui; não tinha outro lugar para ir. (Enquanto Stella e Eunice conversam no alpendre, as vozes dos homens na cozinha se soprepõem às delas.) STANLEY (correndo de dentro do dormitório): Ei! Ei! Doutor! Doutor, é melhor o senhor entrar lá! Médico: Que pena, que pena. Eu sempre tento evitar essas coisas. PABLO: Isso é muito ruim. STEVE: Não é assim que se faz. Tinham que ter contado pra ela. PABLO: Madre di Dios! Cosa mala, muy mala! (Mitch começa a se dirigir para o dormitório. Stanley barra-lhe a passagem.) MITCH (feroz): Foi você! Foi você que fez isso, seu desgraçado, com essa sua mania de se meter em tudo, você – STANLEY: Para de choramingar! (Empurra-o para o lado.) MITCH: Vou te matar! (Investe contra Stanley e o golpeia.) STANLEY: Segura essa chorão cabeçudo. STEVE (agarrando Mitch): Para com isso, Mitch. PABLO: Calma, cara. (Mitch desaba na mesa, soluçando.
92
Durante as cenas anteriores, a Enfermeira agarra o braço de Blanche e impede que ela escape. Blanche vira-se ferozmente e arranha-a. A pesada mulher imobiliza os braços de Blanche, que solta um frito rouco e deixa-se cair de joelhos.) ENFERMEIRA: Essas unhas têm de ser cortadas. (O médico entra no dormitório e ela olha para ele.) Camisa-de-força, doutor? MÉDICO: Só se for necessário. (Tira o chapéu e passa então a ter personalidade. A característica desumana desaparece. A sua voz é gentil e tranquilizadora, enquanto vai até Blanche e se curva diante dela. Quando ele pronuncia o seu nome, o seu terror diminui um pouco. Os reflexos vão sumindo das paredes, os gritos e barulhos inumanos vão morrendo e o próprio choro rouco de Blanche se aquieta.) MÉDICO: Senhorita DuBois. (Ela volta o rosto para ele e olha-o fixamente, com uma súplica desesperada. Ele sorri; e, seguida, fala para a Enfermeira.) Não vai ser necessário. BLANCHE (debilmente): Peça pra ela me soltar. MÉDICO (para a enfermeira): Solte. (A Enfermeira solta-a. Blanche estende os braços para o Médico. Ele a atrai gentilmente, a ampara com o braço e a conduz através dos reposteiros.) BLANCHE (segurando forte o braço dele): Seja você quem for – eu sempre dependi da gentileza de estranhos. (Os jogadores de pôquer se afastam enquanto Blanche e o Médico cruzam a cozinha até a porta da frente. Ela deixa que ele a conduza como se fosse cega. Quando eles saem no alpendre, Stella, que está agachada poucos degraus acima, nas escadas, grita o nome da irmã.) STELLA: Blanche! Blanche, Blanche! (Blanche caminha sem se virar, seguida pelo Médico e pela Enfermeira. Eles dobram a esquina do prédio. Eunice desce até onde está Stella e coloca a criança nos seus braços. A criança está envolta num cobertor azul-claro. Stella recebe a criança, soluçando. Eunice continua descendo e entra na cozinha, onde os homens, exceto Stanley, estão retornando silenciosamente a seus lugares em volta da mesa. Stanley saiu para o alpendre e está de pé junto aos degraus, olhando para Stella. STANLEY (meio hesitante): Stella? (Ela soluça com um abandono inumano. Há qualquer coisa de voluptuoso na sua total entrega ao choro, agora que a sua irmã se foi.) STANLEY (libidinoso, tranquilizador): Ah, querida. Ah, meu amor. Ah, meu amor. (Ajoelha-se ao lado de Stella, e com os dedos encontra a abertura da blusa dela.) Ah, meu amor. Ah, meu amor... (Os soluços voluptuosos e os murmúrios sensuais vão sumindo sob a crescente música do blue piano e do trompete com surdina.) STEVE: Mão de sete cartas.