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PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA CRIANÇAS E JOVENS NO BRASIL:
Perfil e desdobramentos textuais e paratextuais
Autora: Carlanne Santos Carneiro
(Graduada em Letras e mestranda em Educação/UFMG)
Co-autores: Maria das Graças Rodrigues Paulino
(Prof.a Dr.a FAE/UFMG)
Florence Barbosa Gomes Santos
(Graduada em Letras e mestranda em Educação/UFMG)
RESUMO: O concurso da FNLIJ, que seleciona os melhores livros para crianças e jovens, acontece anualmente, a partir da avaliação de 12 votantes que representam 11 estados brasileiros e o Distrito Federal. Dentre eles, o GPELL, pertencente ao Ceale – (FaE/UFMG). O Grupo é formado por estudiosos de diferentes níveis de formação, caracterizando uma diversidade de integrantes interessados na formação de leitores literários. A pesquisa “Produção literária para crianças e jovens no Brasil” surgiu, em 2005, quando ocorreu a transformação da avaliação dos livros num projeto de pesquisa. O grupo passou a coletar e armazenar os dados significativos. Apresentado, em 2009, num evento da Universidade do Minho, desde então vem passando por transformações. O objetivo da pesquisa é constatar as principais tendências da produção literária para crianças e jovens no Brasil, através do levantamento de dados sobre os livros premiados pela FNLIJ a partir do ano de 2005.
Palavras-chave: literatura; infanto-juvenil; premiação.
INTRODUÇÃO
O concurso da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ -, que
seleciona os melhores livros para crianças e jovens, acontece anualmente, a partir da
avaliação de 12 votantes que representam 11 estados brasileiros e o Distrito Federal.
Dentre eles, o Grupo de Pesquisa do Letramento Literário – GPELL -, pertencente ao
Ceale (FAE-UFMG). O Grupo é formado por estudiosos de diferentes níveis de
formação, caracterizando uma diversidade de integrantes interessados na formação de
leitores literários.
A pesquisa “Produção literária para crianças e jovens no Brasil” surgiu, em
2005, de uma ideia da Professora Maria das Graças Rodrigues Paulino, que sugeriu a
transformação da avaliação dos livros em um projeto de pesquisa. O grupo passou a
coletar e armazenar os dados mais significativos sobre as obras avaliadas.
2A pesquisa foi apresentada em Portugal em 2009, num evento da Universidade
do Minho, e desde então vem passando por transformações.
REFERENCIAL TEÓRICO
Em uma sociedade letrada, alguns julgam que a língua escrita possui mais valor
que as outras formas de interação, já que organiza e armazena os conhecimentos
humanos. E a literatura em suas formas escritas é uma ponte para que possamos
organizar nossos pensamentos e repensar o mundo em que vivemos, através da
linguagem. Ela permite ao indivíduo transcender os limites do tempo e do espaço e ser
criador de sua linguagem perante o outro criador, o leitor literário, sem precisar seguir
as regras e o formato usual da língua.
Dessa maneira, é importante entender o domínio das práticas sociais da escrita
como direito do cidadão, como bem observou Antonio Candido (1995). Essas práticas
não se referem à habilidade de decifração, nem mesmo ao uso funcional da língua. O
ponto de partida aqui definido é o letramento adquirido através de textos literários, que,
ao abordar diferentes dimensões da linguagem escrita em seus usos sociais, contribui
para o domínio dessas práticas.
Parece fácil definir o que é ou não é direito do ser humano, porém, é preciso
descobrir como contribuir para a aquisição das práticas sociais de leitura e escrita e para
a participação ativa dos cidadãos letrados em uma sociedade. Sendo esta letrada, é
comum pensar nessa função como sendo da escola, instituição a qual responsabilizamos
pela formação dos sujeitos letrados. Muitas vezes o indivíduo só entra em contato com a
Literatura através dessa instituição, que seria responsável por formar leitores sensíveis e
críticos. Mas o lugar da literatura nesse espaço é cada vez mais complexo e indefinido.
Segundo Rildo Cosson (2006), a literatura é entendida, hoje, nas escolas, como
sinônimo de todo e qualquer tipo de leitura praticada no Ensino Fundamental, na
maioria das vezes seguida de exercícios gramaticais, enquanto no Ensino Médio o que
ocorre é o estudo dos estilos de época, como se fossem momentos delimitados na
História. As aulas acontecem, geralmente, uma vez por semana, dentro da disciplina
Língua Portuguesa, e são consideradas fontes de aprimoramento das habilidades de
3leitura e escrita. Além disso, o papel do professor, como mediador da leitura, passa a ser
questionado devido à falta de objetivos claros da leitura literária na escola.
A inércia da instituição dificulta cada vez mais o trabalho do mediador, pois este
deve usar o livro didático, que, segundo Regina Zilberman (1993) e outros
pesquisadores, contém fragmentos que descontextualizam os textos literários,
desvirtuando, assim, a leitura dos jovens. Quando o professor sugere livros para serem
estudados durante o período letivo, outros obstáculos aparecem. Normalmente, buscam
textos contemporâneos para recusar os cânones, adotando uma crítica atual da
Universidade, ou escolhem escritores canônicos como “curingas”, que não podem ser
contestados devido ao status conquistado pelos autores. Porém, muitos professores têm
a ideia de que os jovens têm dificuldade de ler tais textos, o que, na verdade, é só uma
indicação de que eles não estão lendo bem outros tipos de enunciados. O trabalho com o
cânone também é uma questão conflitante, já que, por um lado, talvez não seja possível
abolir esse tipo de obras, por outro lado não se pode mitificá-las, pois essas atitudes
afastam o aluno de ótimas obras literárias pelas quais poderia se interessar. O valor
cultural de um cânone, entendido, não apenas como sua linguagem, mas também como
outras questões da época apontadas por ele, pode ser associado a uma leitura prazerosa.
Isso ocorre quando o professor mostra como temas não contemporâneos podem ser
atuais e muito instigantes, devido à forma como são explorados em uma obra literária.
De acordo com Magda Soares (1999), muitos são os livros infantis que
possuem caráter pedagógico, o que é inevitável, por serem produzidos especialmente
para a circulação na escola. Estes possuem seu espaço garantido, visto que o mercado
está suprindo uma demanda das instituições, que pretendem fazer da leitura literária
uma forma de transmitir valores e condutas respeitosas para com a imagem de um
sujeito autoritário que representa o adulto ou a própria instituição. Existem, também,
muitos livros paradidáticos que são considerados literários por algumas escolas.
Zilberman e Lajolo (1986) em Um Brasil para Crianças dizem que a literatura
infantojuvenil no século XVIII fortaleceu o mercado de livros, fazendo da escola o local
onde o gênero circula e criando uma relação de dependência entre a escola e o mercado.
Porém, Ceccantini (2003) mostra que os autores premiados pela FNLIJ e por outros
concursos literários não são influenciados pelo número de vendas alcançado através da
escola. Muitos deles utilizam conotações negativas, em suas histórias, para descrever a
4imagem da escola ou de professores.
Isso mostra que o selo fornecido pela FNLIJ, assim como outras premiações,
aponta uma literatura de qualidade, que não se preocupa em recompensar os agentes que
garantem sua circulação. Nesse sentido, a premiação realizada pela Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil torna-se um bom parâmetro para comprovar a qualidade
artístico-literária de um livro.
Laura Sandroni e Luiz Raul Machado (2008) contam que a FNLIJ foi criada em
23 de maio de 1968, registrada como seção brasileira do IBBY – International Board on
Books for Young People. Surgiu através das ideias de Maria Luiza Barbosa de Oliveira,
técnica em assuntos educacionais do INEP, na época. A instituição é privada e mantida
por quase cem editoras, mas que não possuem influência nas seleções. A Fundação
busca estimular o livro infantil e juvenil através de seus prêmios, promover
estudos e pesquisas sobre todos os aspectos do livro, incentivar os autores e
ilustradores, estimular a ampliação da rede de bibliotecas infanto-juvenis, divulgar e
promover o livro produzido para crianças e jovens.
Como um exemplo do que tem conseguido a FNLIJ com seu trabalho, temos
hoje um crescimento no setor diferente de todo o resto da América Latina e a leitura de
livros per capita passou de 1,8 para 4,7, segundo a última pesquisa, realizada em maio
de 2010.
Com todos esses indicadores de que a avaliação feita pela FNLIJ é um parâmetro
confiável para se selecionar uma boa obra literária, torna-se indispensável pesquisar
quais são as tendências da produção literária brasileira através dos resultados desse
concurso.
O GPELL, sendo um votante dessa premiação, permite aos seus pesquisadores o
contato com as obras indicadas pelas editoras, além da participação da avaliação,
através de seu voto. A professora Maria das Graças Rodrigues Paulino foi a primeira
responsável por esse voto e fundou o grupo passando a todos os integrantes sua
condição de votante no processo de seleção dos livros.
Em 2005, a professora sugeriu a transformação da avaliação dos livros em um
projeto de pesquisa. E o resultado dessa ideia é este trabalho, que buscou utilizar os
5dados fornecidos pelos pesquisadores para compreender quais os principais aspectos da
produção literária para crianças e jovens vêm se destacando no nosso país.
OBJETIVO GERAL
O objetivo da pesquisa é constatar as principais tendências da produção literária
para crianças e jovens no Brasil, através do levantamento de dados sobre os livros
premiados pela FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – entre os anos
de 2005 e 2011.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Elaborar uma base de dados sobre os livros avaliados a partir do ano de
2005;
• Analisar as tendências da produção literária, comparando os resultados
obtidos pelas tabelas de cada ano, além de analisar os dados como um conjunto
progressivo;
• Construir uma fonte para futuras pesquisas, além de produções
científicas;
• Contribuir com o letramento literário no país, colaborando com ações
educacionais ao fornecer resultados sobre a pesquisa;
• Estabelecer uma análise dos dados obtidos desde o início da pesquisa,
para entender melhor a finalidade para a qual se tem produzido literatura para crianças e
jovens no país.
METODOLOGIA
A pesquisa foi feita com base em fichas que cada avaliador (professor membro
6do GPELL) de livros do concurso FNLJ enviou a partir do ano de 2005, conforme
figura 1.
Fig.1 - Modelo de ficha avaliativa (preenchida manualmente):
Esses documentos preenchidos manualmente foram trocados por um formulário
eletrônico, construído no site Google Docs, com as ferramentas que ele proporciona
(recepção de dados, compartilhamento, confecção de planilhas, etc.), demonstrados na
figura 2.
Fig. 2 - Ficha eletrônica:
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Planilha de dados:
Os dados são transportados para tabelas, conforme apresentado na figura 3 e 4,
que são analisadas para a organização dos dados em gráficos. Depois desse
procedimento, é possível se ter uma ideia da progressão e dos principais aspectos da
literatura infanto-juvenil apontados pela pesquisa para produzir Artigos Científicos,
como já foi feito, além de possibilitar outros tipos de trabalhos de pesquisa, ensino ou
extensão.
Fig. 3 – Tabela de Avaliação de Livros Google Docs
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Fig. 4 – Armazenamento seguro de dados:
DESENVOLVIMENTO
No dia 15/09/2009 as fichas começaram a ser preenchidas utilizando-se o
formulário digital. Até o dia 12/08/2011, 856 digitais fichas já haviam sido feitas. A
partir da análise dos dados recolhidos destas e com a ajuda dos gráficos abaixo, alguns
resultados sobre autoria podem ser levantados.
No Gráfico 1, que expressa a quantidade de livros escritos por homens, por
mulheres, ou por ambos, no caso de um livro ter como autores um homem e uma
mulher, como é o caso do livro Monteiro Lobato e o leitor de hoje, escrito por João Luiz
Ceccantini e Alice Áurea Penteado Martha, percebe-se que, das 856 fichas, 50% foram
escritos por homens, 46% por mulheres e 4%por ambos
9
46%
50%
4%
Sexo do Autor
FemininoMasculinoMasculino e Feminino
Graf.1 – Sexo do Autor
O Gráfico 2 mostra que, de todos os autores, 34% já foram premiados, 5% não
foram premiados e 61% dos livros não fornecem esse dado. Dentre os premiados,
podemos citar Ana Maria Machado, Ziraldo e Ruth Rocha.
34%
5%
61%
Premiação
PremiadosNão premiadosNão menciona
Graf. 2 – Premiados e não premiados.
No Gráfico 3 podemos notar que 74% dos autores não são iniciantes, ou seja, já
escreveram um ou mais livros, como as já citadas Ana Maria Machado e Ruth Rocha;
3% são iniciantes, cita-se a autora Paula Pimenta; e 23% dos livros não fornecem essa
informação.
10
3%
74%
23%
Autor Iniciante
SimNãoNão menciona
Graf. 3 – Iniciantes e não iniciantes
Desses autores, de acordo com o Gráfico 4, 20% escrevem e ilustram o livro,
como Ana Carla Cozendey, Mariana Massarani e Marina Colassanti; 4% dos livros não
mencionam nada sobre isso e 76% dos autores não ilustram, só escrevem, a exemplo de
Sylvia Orthof.
20%
76%
4%
Ilustra e escreve o livro
SimNãoNão menciona
Graf. 4 – Ilustradores e não ilustradores
RESULTADOS ALCANÇADOS E DISCUSSÃO
Esta pesquisa foi apresentada em Portugal em 2009, num evento da
Universidade do Minho com os seguintes dados:
11 Sexo do autor: 56% masculino, 42% feminino e 2% ambos;
Premiação: 62% não menciona, 33% premiados e 5% não premiados;
Autor iniciante: 74% não, 23% não menciona e 3% sim;
Autores que ilustram e escrevem: 86% não, 13% sim e 1% não
menciona.
Através da comparação dos novos gráficos com os mais antigos não é possível
deixar de perceber a enorme semelhança entre os números. A literatura para crianças e
jovens premiada pela FNLIJ mostra uma forte tendência desde 2005, pois os autores
premiados possuem, em sua maioria, as mesmas características.
Além disso, percebe-se que alguns dados são mais visíveis, enquanto outros não
costumam ser mencionados nos livros avaliados – por exemplo, a premiação e o tempo
de trabalho com literatura que o autor possui, na maioria das vezes, são dados não
mencionados. E essa característica permanece com a mesma proporção desde 2005 até
hoje.
Já constatamos, através do banco de dados, algumas características da produção
literária para jovens e crianças no Brasil. Os autores desses livros são, em sua maioria,
homens, não ilustram seus livros, não são iniciantes na carreira literária e já foram
premiados anteriormente.
Porém, essas são informações simplificadas, pois a pesquisa ainda está em
andamento e revela outros pontos interessantes acerca da produção literária brasileira.
Em agosto de 2009, havia 1710 fichas catalogadas. Agora, com a organização
das fichas antigas e a utilização do formulário digital, já possuímos mais de 2.500 fichas
avaliativas cadastradas.
REFERÊNCIAS
CADEMARTORI, Ligia. O professor e a literatura para pequenos, médios e grandes. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
12CECCANTINI, João Luís. A narrativa juvenil brasileira premiada. In: PAULINO, Graça; COSSON, Rildo. Leitura literária: a mediação escolar. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2003.
COSSON, Rildo. Letramento Literário. São Paulo: Contexto, 2006.
PAULINO, Graça. O Jogo do Livro Infantil. Belo Horizonte: Dimensão, 1997;
SANDRONI, Laura; MACHADO, Luiz Raul Machado; SERRA, Elizabeth D’Angelo. Um imaginário de livros e leituras: 40 anos da FNLIJ. Rio de Janeiro: FNLIJ, 2008.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 11. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças. São Paulo: Global editora, 1986.
Site consultado: <www.fnlij.org.br>. Acesso em: 28 mar. 2012