PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DO PANTANAL
KIASE SEBASTIANA MORAES SIQUEIRA
A INSERÇÃO DE ESTRANGEIROS NAS SOCIEDADES FRONTEIRIÇAS: O CASO DOS PARAGUAIOS EM CORUMBÁ, MS.
CORUMBÁ – MS 2009
KIASE SEBASTIANA MORAES SIQUEIRA
A INSERÇÃO DE ESTRANGEIROS NAS SOCIEDADES FRONTEIRIÇAS: O CASO DOS PARAGUAIOS EM CORUMBÁ, MS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito final para obtenção do título de Mestre. Linha de Pesquisa: Ocupação e Identidades Fronteiriças Orientador(a): Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira.
Corumbá - MS 2009
FOLHA DE APROVAÇÃO
Este documento corresponde à versão final da dissertação de mestrado
intitulada A INSERÇÃO DE ESTRANGEIROS NAS SOCIEDADES FRONTEIRIÇAS: O
CASO DOS PARAGUAIOS EM CORUMBÁ, MS, à Banca Examinadora do Curso de
Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus
do Pantanal, tendo sido considerada ___________________________________.
Corumbá, _______ de ____________________ de 2009.
Presidente da Banca Examinadora
Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira.
Avaliadora
Profª. Drª. Vanessa Santos Bivar Bodstein
Avaliador
Prof. Dr. Gustavo Villela Lima da Costa
Este trabalho é dedicado especialmente à minha mãe Regina, responsável pela formação do meu caráter, princípios em acreditar sempre no meu potencial, ao meu padrasto Joaquim que também sempre acreditou que a educação é a maior herança que se pode deixar aos filhos. E ao meu irmão João Daniel, solidário, incentivador e encorajador. A vocês que me ensinam a ser uma pessoa melhor a cada dia, meu referencial e porto seguro em todas as horas, todo meu amor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que nunca me abandonou em nenhum momento, e sempre me deixava mais
motivada e animada a cada dia, em completar esse trabalho com dedicação.
A minha família por entenderem os momentos de ausência e isolamento, acreditando e
incentivando a minha realização profissional não medindo sacrifícios e esforços para
concretizá-lo.
Aos professores maravilhosos e super profissionais, dedicados e dispostos a ajudar a
toda hora que precisei meu carinhoso agradecimento. Em especial ao Professor Doutor Edgar
Aparecido da Costa que se revelou uma pessoa solícita, atenciosa, generoso, competente, tudo
com a maior simplicidade, digno de ser merecedor de todo nosso respeito e amizade.
Aos meus colegas de turma, a primeira, a saber, o que era ultrapassar as “fronteiras”
de um mestrado em Estudos Fronteiriços em Corumbá, alguns um carinho especial, ao
Moyses agradeço as discussões e generosidade em compartilhar o conhecimento; a Lívia
muito atenciosa e atenta aos fatos, sempre prestativa; a Luciene Lemos, carisma, profissional
de primeira linha e amiga da família, tornou-se durante esses dois anos, pelo convívio mais
intenso, uma inspiração por sua inteligência, garra, vontade todo meu carinho e respeito.
Ao grande amigo de longa data Luciano agradeço pelo apoio e incentivo em não me
deixar esmorecer jamais, na incessante busca pelo conhecimento.
A senhora Hortência que sempre me recebeu de portas abertas, em todos os momentos
que pude desfrutar de sua companhia saia revigorada e admirada com tão grande generosidade
e atenção, por tudo que me ajudou sou muito grata.
A minha mais nova, porém não menos querida, amiga Vanessa Bivar, a quem sempre
me ofertava com palavras de apoio e incentivo nos momentos de sufoco e apreensão, obrigada
pela paciência, carinho e amizade.
Ao meu Professor Doutor José Luis dos Santos Peixoto que desde minha graduação
incentivou-me a continuar os estudos, meus sinceros agradecimentos.
Ao meu grande amigo e orientador Professor Doutor Marco Aurélio Machado de
Oliveira, grande pesquisador, incomparável e respeitado profissional, uma pessoa ímpar,
generosa, esteve comigo em todos os momentos da minha graduação como um mestre querido
e como meu orientador no programa de mestrado. Após anos de conhecimento e convivência
tenho o imenso prazer de registrar o quão feliz sou por te-lo como amigo. A esse grande
homem toda minha admiração, sem dúvida, sem seu apoio e incansável esforço não seria
possível desfrutar desse momento, grande idealizador e batalhador pela implantação do
Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços, certamente não estaríamos, nesse momento
desfrutando a contemplação de um sonho realizado pelo magnífico Professor Marco Aurélio,
a quem eu dedico não apenas esse trabalho, como todo meu carinho, respeito, confiança. Mais
que um orientador ele é um amigo de todas as horas, sou grata a tudo que fez.
SIQUEIRA, Kiase Sebastiana Moraes. A Inserção de Estrangeiros nas Sociedades Fronteiriças: O Caso dos Paraguaios em Corumbá, MS. 2009. Dissertação de Mestrado do Programa de pós- graduação strictu senso Estudos Fronteiriços, da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Corumbá, MS.
RESUMO
O eixo principal da pesquisa é o estudo da imigração paraguaia na cidade de Corumbá
em dois momentos históricos de maior fomento populacional desse grupo de imigrante, tais
momentos compreendidos o primeiro na segunda metade do século XIX e o segundo na
primeira metade do século XX. Suas contribuições, dificuldades, alegrias, desafios, conflitos,
esperanças, aceitação e miscigenação, conceitos esses que se mesclam na vida de pessoas que
emigram em busca de melhores oportunidades por vários fatores. A pesquisa apresenta dois
fatores propulsores dessa emigração. Verificou-se a comprovação de teses acerca dessa
fronteira peculiar, referimos aqui a Corumbá, que se apresenta, ainda na atualidade, múltipla
em seu cotidiano identitário. A interferência e consequências ocorridas em virtude de atitudes
de poucos influenciam a vida de milhares de famílias.
A visão que temos sobre fronteira, um linde invisivelmente visível, mas que por vezes
ignorada e pensada como igual nos leva a compreensão da necessidade de desmistificar
conceitos turvos sobre essa região ímpar.
Palavras-chave: fronteira – imigração - Paraguai
SIQUEIRA, Kiase Sebastiana Moraes. A Inserção de Estrangeiros nas Sociedades Fronteiriças: O Caso dos Paraguaios em Corumbá, MS. 2009. Dissertação de Mestrado do Programa de pós- graduação strictu senso Estudos Fronteiriços, da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Corumbá, MS.
RESUMÉN
El eje principal de la investigación es el estudio de la inmigración Paraguaya en la
ciudad de Corumbá en dos momentos históricos de una promoción más grande de la
población de este grupo del inmigrante, tal los momentos entendidos primer por la mitad
segundo del siglo XIX y como por la mitad primer del siglo XX. Sus contribuciones,
dificultades, alegrías, desafían, los conflictos, las esperanzas, aceptación y miscegenación,
conceptos éstos que si mezclan en la vida de la gente que emigra en busca de ocasiones
mejores para algunos factores. La investigación presenta dos factores del propulsor de esta
emigración. Era evidencia verificada de teses referentes a esta frontera peculiar, relacionamos
aquí el Corumbá, que si los presenta, aún en el actual tiempo, múltiple en su identitário diario.
La interferencia y las consecuencias ocurridas en la virtud de actitudes de pocos influencian la
vida de mil de familias.
La visión que tenemos en la frontera, una es invisiblemente visible contiguo, pero que
por épocas no hizo caso y pensó como igual de ellas toma la comprensión de la necesidad
para desmitifica disturbios de los conceptos en esta región desigual.
Palabras-llave: frontera – imigración - Paraguay
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Zonas de Fronteira: Territórios Especiais Mapa 2 - Formação Territorial dos Estados da América do Sul: Independência Paraguaia.
Mapa 3 - Principais Disputas de Fronteira envolvendo o Paraguai: a Grande Guerra e Guerra do Chaco, com os territórios perdidos e incorporados. Mapa 4 – Divisão Política e Administrativa da América Latina Colonial (1800).
Mapa 5 – Comparativo da Imigração de Procedência Paraguaia com outras imigrações sul americanas no Brasil.
Mapa 6 - Imigrantes da década de 1990 procedentes do Paraguai, conforme município de residência.
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Placa na base que sustenta a imagem de Nossa Senhora de Caacupé
Foto 2 - Imagem da Santa ofertada pelo cônsul paraguaio
Foto 3 - ATA de fundação do então Centro Social Paraguaio
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 - Demonstrativo de matrimônios em Corumbá no período de 1870 a 1895, envolvendo paraguaios e paraguaias.
Quadro 02 - Demonstrativo de batizados em Corumbá no período de 1878 a 1886, envolvendo paraguaios e paraguaias.
Quadro 03 - Demonstrativo dos dados acerca da relação entre batizados e casamentos.
Quadro 04 - Recenseamento de Imigrantes paraguaios
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13 PARTE 1 ................................................................................................................ 16 1 - A FRONTEIRA E A FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA: EM BUSCA DE UM
CONCEITO .......................................................................................................... 16
1.1 REDES SOCIAIS EM TERRITÓRIO FRONTEIRÇO ........................... 27 2 - O PARAGUAI ................................................................................................ 28 2.1 A GRANDE GUERRA .................................................................................. 33 3 - A IMIGRAÇÃO PARAGUAIA NO PRIMEIRO MOMENTO: PÓS GRANDE GUERRA .............................................................................................................. 39 3.1 A ACOMODAÇÃO NA NOVA TERRA: O MATRIMÔNIO .................. 46 3.1.2 BATIZADOS ............................................................................................... 50 PARTE 2 ............................................................................................................... 56 1 - A IMIGRAÇÃO PARAGUAIA NO SÉCULO XX .................................... 56 ANTECEDENTES DA IMIGRAÇÃO PARAGUAIA NO SÉCULO XX...... 56 1.1 A ACOLHIDA EM CORUMBÁ ................................................................ 71 1.2 ACOMODAÇÃO NA NOVA TERRA: O TRABALHO .......................... 74 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................... ANEXOS ..............................................................................................................
INTRODUÇÃO
Estudar fronteira, um território complexo por si só, que comporta variadas histórias de
grupos de imigrantes, impulsionados por diferentes motivos, em momentos históricos
particulares. Esses grupos se misturam e se consolidam nesse território denominado por
Raffestin de “magia” que é a fronteira. Um lugar mágico repleto de relações múltiplas. Para a
escolha do tema foi necessária a observação de hábitos corriqueiros da cidade de Corumbá.
Para a realização da dissertação foi traçado um plano de estudo com referencial teórico
e conversas, acredito que entrevista não seja a melhor denominação para as informações orais
recebidas, pois não fiz entrevistas, procurei sim manter um diálogo o mais próximo de um
relacionamento formal, mas com total liberdade de confrontar informações, de certa forma
invadir, com muito respeito e sensibilidade, a intimidade familiar dos colaboradores da
pesquisa. A troca de informações tornou-se imprescindível e esclarecedora para todos os
envolvidos na pesquisa. As informações obtidas a partir dos referenciais teóricos tornaram-se
o alicerce do trabalho.
A imigração paraguaia é especialmente retratada no período que abrange a segunda
metade de século XIX, em Corumbá especialmente por ter sido um dos palcos da Grande
Guerra, encontra-se muito sobre esse período e raros trabalhos escritos sobre a imigração
ocorrida no século XX.
A dissertação versa acerca de dois momentos históricos marcantes, que impulsionaram
a chegada de paraguaios à cidade de Corumbá. O primeiro deles, talvez o mais conhecido, foi
após o fim da Grande Guerra, ainda na década de 1870, nesse período fica evidente a posição
da sociedade local, sociedade aqui no seu sentido mais amplo, dividida em dois blocos, o
pequeno formado pela Elite com ações preconceituosas, quando lhe convinha. O outro bloco
constituído grande parte da sociedade, que os aceitou com receptividade comprovada nos
levantamentos feitos em livros de casamentos e batizados da primeira Igreja fundada em
Corumbá. Neles está registrada a aceitação do povo brasileiro, e não só corumbaense, para
com esse grupo de imigrantes.
Outro momento relevante para a pesquisa ocorreu no século XX, em particular após a
Guerra do Chaco, já na década de 1930, aqui as adversidades se apresentaram na escassez de
referencial teórico que pudesse amenizar nossas dificuldades. Decidimos então nos nortear
por intermédio da oralidade, fonte usualmente utilizada, quando se tem a oportunidade.
Tamanha foi nossa surpresa em nos deparar com pessoas que nos deram informações ricas em
detalhes de uma história de solidariedade entre patrícios.
O imigrante vive uma situação atípica, a do nacional, quando se torna imigrante,
emigrante, nativo essas definições são separadas por uma faixa muito estreita, e que de certo
modo oscila numa aparente ordem des-ordenada que envolva essas denominações. A
exclusão sofrida pelo imigrante é um fato altamente relevante, o individuo se exclui dos
direitos que exerce quando está no seu país, por outro lado também vive excluído do país do
acolhimento. Mesmo que procure se manter informado dos fatos que envolvam sua pátria, não
mais influenciam ou interferem de forma direta no cerne das disputas políticas, por exemplo.
Igualmente não podem interferir nas decisões, conflitos, disputas que ocorra no país do
acolhimento, é como se ele estivesse invisível, de mãos atadas sem poder de reação. Porém se
analisarmos friamente a situação do imigrante e por que não dizer também do emigrante, é de
alguém que não é identificado nem lá nem cá, nesse sentido, a naturalização, é talvez uma
opção para quem deseja e pode fazer essa escolha. Ao se tornar emigrante o individuo deixa,
em parte, de ser nacional e tornando-se imigrante ele não é, mas está parte da população.
Desde a antiguidade essa relação é norteada pela exclusão, os metecos, denominação dos
estrangeiros que moravam na Grécia, não tinham direitos que um cidadão grego, mas tinham
obrigações de pagar imposto como qualquer cidadão grego.
Os conceitos atribuídos a esse indivíduo diaspórico, são difíceis de orientar, é claro
que, pela experiência nesses dois anos e meio trabalhando com o tema imigração, a
consciência que os paraguaios, objeto dessa dissertação, têm de sua condição, ficou muito
evidente. Eles mantêm-se informado, por meio da mídia, dos fatos ocorridos no Paraguai, têm
opiniões formadas, discutem, se expressam, mas não pensam em voltar, os anos no Brasil
deram a eles o discernimento e esclarecimento necessário em saber que hoje, após décadas no
país, eles se sentem nacionais, entretanto como toda regra tem exceção há alguns que se
sentem binacionais, declaram amor as suas duas pátrias como poesia.
Mis Dos Amores “Tengo dos amores, Señores: Paraguay y Brasil Paraguay mi solar nativo Y Brasil mi país cautivo Porque lo tengo dentro de mi corazón Yo soy la cautiva De este suelo inmenso Que me brinda albergue, cariño y sustento Amo esta patria, sus gentes, sus artes, sus cantos Sin que yo me olvide de mi patria amada Y de sus encantos.
¿Se puede tener dos amores, Señores? ¡Claro que se puede! En mi caso, Señores ¡Se puede!”
Lilia Roa
Parte 1 A FRONTEIRA E A FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA: EM BUSCA DE UM
CONCEITO
A fronteira é estabelecida pela demarcação de um território, uma região que envolve
dois ou mais países, com legislações próprias que refletem na população fronteiriça os efeitos
peculiares dessa localidade. Nessas regiões estão envoltas pessoas de diversas nacionalidades,
consequentemente várias culturas, modos de vida que se misturam.
Nesse sentido é que Raffestin observa que fronteira não é uma linha, a fronteira é um
dos elementos da comunicação biossocial que assume uma função reguladora. Ela é a
compreensão de um equilíbrio dinâmico que não se encontra somente no sistema territorial,
mas em todo sistema biossocial1.
Ainda a esse respeito o Grupo Retis de Pesquisa da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, apresenta uma definição mais complexa no tocante à fronteira que leva em
consideração dois vetores presentes que podem estender ou diminuir a fronteira: um
relacionado ao bloqueio de movimento, de controle de fluxos e o outro relacionado à abertura
de comunicação, relação e troca. Esses vetores – bloqueio e abertura – dependerão do tipo de
relação existente entre os vizinhos, então “a fronteira seria, portanto, uma zona na qual seus
habitantes vivem os efeitos da proximidade entre dois ou mais países. Ela contém um
conjunto de instituições, práticas, sujeitos e modos de vida particulares2”.
A fronteira, então se estabelece em decorrência de vários fatores, um deles é a
construída “naturalmente”, fronteiras definidas por montanhas, rios, mares etc. Entretanto
autores como Aldo Janotti ressalta que “uma fronteira natural como um rio não pode ser
entendida como um obstáculo (...) mas como um caminho, de via de mão-dupla que permite
uma articulação inter-regional e intercontinental3.” O que de forma alguma tais fatores podem
ser enfrentados como impedimento para a integração dos países envolvidos.
Portanto as fronteiras são delimitadas sob várias perspectivas, a mais pontual é a ‘linha
demarcatória’ de um território. Linha essa que delimita os limites de uma cidade, estado ou
1 RAFFESTIN, Claude. A ordem e a desordem ou os paradoxos da fronteira. . In OLIVEIRA, Tito C. M. (org.). Territórios sem Limites. Campo Grande: UFMS, 2006. p.13 2 Grupo Retis de Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro 3 Cf. JANOTTI, Aldo.Op. cit. p. 240-254. Apud: CORRÊA, Lúcia Salsa. História e Fronteira. O sul de Mato Grosso. (1870-1920). Campo Grande: UCDB, 1999.
país. Esse limite faz-se necessário até para que se cumpra à lei, pois cada território tem uma
legislação que precisa ser cumprida. Essa noção de limite implica intenção de poder, onde o
espaço é natural e seus atores constroem seus limites. Para Raffestin4, por exemplo, o espaço
é uma ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si. Essa
afirmação deixa clara a relação de poder e dominação, fundamentais à permanência de uma
coesão territorial e controle dos seus atores sociais. Mais ainda a fronteira para o autor é
compreendida como zona de contato e limite, ou seja, é uma linha de separação definida que
cristalizada se torna então ideológica, pois justifica territorialmente as relações de poder. 5
O território nacional faz fronteira com dez países, com tanta abrangência fronteiriça
não há, entretanto uma completa ou menos contrastante integração e desenvolvimento da
faixa de fronteira. Não há uma política que vise às especificidades dessas regiões, ou ao
menos que minimize o aporte de transeuntes que procuram serviços no país mais bem
equipado. Portanto é necessário que haja parcerias para promover infra-estrutura adequada a
essas regiões diferenciadas.
4 RAFFESTIN, Claude. Apud: SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções sobre território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 76. 5 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Apud: PEREIRA, J. H.V. Processos identitários da segunda geração de migrantes de diferentes etnias na fronteira Brasil-Paraguai.
MAPA 1: ZONAS DE FRONTEIRA: TERRITÓRIOS ESPECIAIS, 2001.
Dessa forma estabelecesse a diferença entre limite e fronteira, o limite de um território
pode ser modificado, pode-se perder ou incorporar novas terras, mas a fronteira existirá
sempre. Por outro lado pode-se também adotar uma concepção na qual a fronteira seja o
limite que separa dois países, reafirmando o que foi dito acima, quando se trata da relação de
poder. A esse respeito Oliveira6 afirma:
O sentido de fronteira remete à idéia de limite, resultante da soberania de um Estado sobre um determinado espaço. Portanto são os limites político-geográficos que conformam os territórios nacionais, dentro dos quais se organizam os diversos aspectos da vida social e do Estado.
Em uma região fronteiriça observamos que sua construção é marcada por forças
simbólicas, as quais interferem no cotidiano dos seus atores sociais, que vivem as diferenças
culturais peculiares de uma população miscigenada. Tal poder simbólico é mais presente que
qualquer outro tipo de poder. A magia das fronteiras está na existência de uma desobediência
da ordem nacional em decorrência de estabelecer estatutos próprios. Não tem como negar que
há um modo de vida peculiar em fronteiras. Portanto deve-se ter um olhar diferenciado dessas
regiões que são azadas por sua natureza. Assim o território está sustentado por duas ordens
como observa Oliveira7, uma global e outra local:
A ordem global, externa, está regida sob a lógica dos organismos internacionais e das grandes corporações transnacionais, que ditam os ritmos dos fluxos, em escala planetária, desconsiderando e desconcertando circulações e intenções locais, estendendo, assim, uma manta de feições homogeneizante sobre o território. A outra – local e interna – regida pela organização, atuação e dinâmica dos atores locais imprimem formas variáveis e descontínuas aos fluxos que, por sua vez, permitem fixar as dessemelhanças e identidades aos territórios em relação a ordem global. A justaposição destas duas condições ata na arena do território fronteiriço, complexas redes de intercâmbios.
É evidente que existem relações desiguais entre as nações fronteiriças. E, tais relações
de poder exercidas nas fronteiras também se tornam algo característico, estabelecendo a
6 OLIVEIRA, Naia. Áreas de fronteira na perspectiva da integração Latino-Americana Apud: FEDATTO, Nilce A.S.F. Educação em Mato Grosso do Sul: Limitações da escola brasileira numa divisa sem limites na fronteira Brasil-Paraguai. In OLIVEIRA, Tito C. M. (org.). Territórios sem Limites. Campo Grande: UFMS, 2006. p.492 7 OLIVEIRA, Tito C. M. Fronteiras na América Latina: reflexões metodológicas. p. 03.
hegemonia de uma nação frente à outra. Consideramos importante observar que a fronteira,
por si só, possui peculiaridades para com as demais regiões de uma nação e, também, é
possuidora de traços próprios quando a comparamos com outras áreas de fronteiras. Dessa
forma o autor8 ressalta que:
Os conflitos, as desconfianças, as regras, bem como os preconceitos são perenes, ainda que pouco aparente, e criam um ambiente de profundo cuidado nas complexas relações de todo tipo, (...). Esta pluralidade de ambiente termina por conceber comportamento similar para a população: os fronteiriços se parecem e criam as condições necessárias para produção e reprodução de uma localidade específica (...). Este ambiente plural transformou as fronteiras em territórios singulares. São singulares em relação ao território-nação e singulares entre si – cada fronteira é uma fronteira.
Assim se abordarmos a formação fronteiriça do estado de Mato Grosso do Sul, Corrêa
evidencia que a fronteira de Mato Grosso, enquanto uma das extremas da ex-Colônia de
Portugal pode ser compreendida como uma área permeável à influência externa9. Desta forma
a autora analisa a delimitação de fronteira:
a abordagem histórica da fronteira no século XIX, vinculou a questão ao Estado Moderno, que pressupõe um território identificado e organizado, uma totalidade de habitantes minimamente integrada (através de um língua nacional, de costumes comuns, de interesses econômicos relativamente articulados, ect.), um controle político e administrativo hegemônico; e, por fim, limites territoriais bem definidos com estados vizinhos estabelecidos em mediações e arbitragens internacionais, definidos suas marcas espaciais.
Ainda sobre a formação fronteiriça do Estado de Mato Grosso do Sul, a autora
evidencia que:
a fronteira de Mato Grosso, enquanto uma das extremas da ex-Colônia de Portugal, pode ser compreendida não apenas como resultado de uma expansão interna (as fronteiras mineiras e agrícolas, por exemplo), mas também como uma área permeável à influencia externa. Nesse sentido é que se pode compreender a fronteira do Sul mato-grossense como parte integrante de um processo global de formação de fronteiras no continente americano.
8OLIVEIRA, Tito Carlo Machado de. Tipologia das Relações Fronteiriças: elementos para o debate Teórico-Prático. In ___________ (Org.). Território sem limites. Campo Grande: Ed. UFMS, 2006. p. 380. 9 CORRÊA, Lúcia Salsa. História e Fronteira. O sul de Mato Grosso. (1870-1920). Campo Grande: UCDB, 1999. p. 44- 49
Numa tentativa de dividir o continente sul americano entre as Coroas Portuguesa e
Espanhola foi assinado o Tratado de Madri de 1750, porém na prática era muito frágil a julgar
pela dificuldade de aplicabilidade no linde. Assim a demarcação do sul de Mato Grosso foi
sendo estabelecida aos poucos e com a preocupação de limitar o território e definir o controle
da Coroa Portuguesa. Dessa forma decidiu-se fundar às margens do rio Paraguai o Forte
Coimbra em 1775, a partir de então foi necessário à fundação de outros Fortes e povoados ao
longo do rio Paraguai. Aos poucos a área foi povoada e Corumbá fundada em 1778 sob o
nome de Albuquerque.
Os conflitos entre as Coroas eram cada vez mais frequentes em prol da demarcação de
território fronteiriço, nessas agitações foram envolvidos também os índios, que ora estavam
ao lado dos brasileiros ora ao lado dos espanhóis, mas sempre do seu próprio lado,
viabilizando seus interesses10.
As dificuldades foram inúmeras e a cidade de Corumbá ficou, por muito tempo,
esquecida pelo Império. Seus habitantes viviam na miséria e como se fosse pouco a cidade
ainda foi destruída por um incêndio em 1800. O tempo foi passando, a fronteira estava
demarcada e materializada como território brasileiro, mesmo que sem condições necessárias
para uma região de fronteira, extremamente importante pelo papel, que deveria assumir por
sua condição territorial. Contudo sem o aparato necessário à defesa do território nacional, sua
principal função até então.
Somente no início do século XIX, Corumbá começou a acolher imigrantes, a iniciar
pelos que atuavam no mercado internacional, como o português Manoel Cavassa11,
importante comerciante na cidade. Nesse período apareceu um novo componente da estrutura
comercial que ali se implantou, na figura do mascate fluvial, pessoas dedicadas ao lucrativo
comércio de retalho ambulante. Tal atividade permitiu rápido enriquecimento considerando as
condições da região sul de Mato Grosso. O mascate impôs os mecanismos de troca com
grande vantagem e em detrimento da população ribeirinha, uma vez que deteve o controle
10 Cf. ESSELIN, Paulo Marcos. . Índio, Gado e Blindagens na Construção da Fronteira no Sul de Mato Grosso. Boletim Paulista de Geografia n. 32, 2008. 11 “Manoel Cavassa representou um caso típico de mascate fluvial e descreveu detalhadamente sua carreira comercial num Memorandum ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil, em 22 de Fevereiro de 1894. Imigrante português muito ligsdo `s colonis italiana que se estabeleceu na América por laços de parentesco, Cavassa fixou-se em Corumbá no período anterior à invasão paraguaia e com um pequeno capital inicial, como ele próprio descreveu, conseguiu acumular uma considerável fortuna com a importação e exportação de mercadorias através do comércio fluvial. Cavassa edificou a primeira casa de alvenaria em Corumbá, por volta do ano de 1858, onde havia somente ranchos de palha” Reinvindicou também após a Guerra, a urbanização da rua do Porto. CORREA, , V.B. et al Casario do Porto de Corumbá. Campo Grande: Fundação de Cultura de MS, 1985. p. 31
sobre o meio de transporte e comunicação e de pequenos estoques de gêneros de primeira
necessidade cujo consumo era garantido12.
Corumbá, no entanto foi muito importante para o estabelecimento do poder central,
primeiro português e depois brasileiro, sobre a fronteira Oeste, sem, contudo receber a
atenção que lhe era devida. Sua povoação foi mal planejada bem como toda estrutura que a
ela convinha. Corrêa13 afirma que:
Os documentos oficiais e as impressões de viajantes, que registraram os tempos pioneiros de Corumbá, revelaram, em última análise, os sacrifícios e os padecimentos da sua população inicial, bem como as medidas inadequadas de seus comandantes, ainda que tivessem propósitos relevantes de proteger e ocupar efetivamente esse território. A história de Corumbá foi, portanto, e sem dúvida alguma, feita de sangue, suor e lágrimas, o que possibilitou, entretanto, a conquista e a formação definitiva do atual contorno dessa fronteira oeste.
Através do Porto de Corumbá, que se fortaleceu com investimentos de imigrantes, a
prática do comércio, entre outras, se encarregou de ser o principal elemento na construção
dessa fronteira. A internacionalização das águas platinas já era fato consolidado, enquanto
prática econômica, porém o mesmo não ocorria no campo político, visto que a Guerra sinaliza
essa questão não resolvida.
Corumbá então se vê envolta ao comércio do próspero casario contrastando com a
pobreza reinante em circunstância da fome e falta de estrutura que abarcasse sua ainda restrita
população. A navegação foi, por um lado à implantação de uma atividade econômica que
proporcionasse a ligação, via fluvial com outros países, ampliando o fluxo de mercadorias no
Porto, bem como assegurar sua estratégica posição geográfica da fronteira oeste para o
Império. A relação com o Paraguai acerca da internacionalização das águas platinas – no
campo político - perpassava por assuntos complexos desde o governo de Francia.
No entanto a ameaça de um conflito propriamente real com os paraguaios só ocorreu
quase um século após o início da formação dessa fronteira. Tal agitação foi se intensificando
até que eclodiu a Guerra da Tríplice Aliança (1864 – 1870) entre os aliados – Brasil,
Argentina e Uruguai – contra o Paraguai.
A Guerra perdurou por cinco anos, durante esse período a cidade foi invadida pelas
tropas paraguaias, retomada pelas tropas brasileiras sob o comando do Coronel Antonio Maria
12 Cf. CORRÊA, V.B. et al Casario do Porto de Corumbá. Campo Grande: Fundação de Cultura de MS, 1985. 13 CORRÊA, V.B. Corumbá: Terra de Lutas e de Sonhos. Brasília: Gráfica do Senado, 2006. p. 14
Coelho. Houve a reestruturação de Corumbá, nesse período como antes da Guerra a presença
de imigrantes foi de suma importância para o desdobramento da história daquela cidade, bem
como de fundamental significância para o estabelecimento das atividades comerciais no
Porto. Aquela cidade diferenciou-se das demais cidades por apresentar, principalmente em sua
urbanização aspectos heterogêneos como descreve Marin. 14
Corumbá diferencia-se das demais cidades brasileiras pelo aspecto urbanístico. A cidade recebeu influência platina e européia nas construções civis. Particularizava-se entre as demais cidades de Mato Grosso pelo seu cosmopolitismo. As casas comerciais exibiam produtos europeus e no teatro apresentavam-se operetas, zarzuelas e comédias de Buenos Aires, Montevidéu e Asunción. Os cafés, bares, balneários e os jardins públicos permitiam opções culturais e de lazer. As ruas eram largas e calçadas e os passeios ladrilhados eram comparáveis aos existentes no Rio de Janeiro. As famílias mais abastadas realizavam viagens periódicas às cidades platinas e às principais cidades do litoral brasileiro. O complexo arquitetônico denominado “casario do porto”, em estilo neoclássico italiano, foi construído entre o final do século XIX e início do XX. O casario chama atenção pelo ecletismo da arquitetura e pela sofisticação das construções, nos seus jardins e passeios públicos. Enfim, Corumbá era uma cidade cosmopolita e reunia elementos dos países platinos, andinos e europeus, seja na arquitetura ou no estilo de vida da maioria dos moradores (Cidade, 1943, 116).
Tal atividade propiciou a cidade status de um dos principais entrepostos comerciais
do país. Assim como a pecuária que também se apresentava como suporte na economia da
cidade, contemplando personagens ilustres das tradicionais propriedades rurais pertencentes à
elite local. Em suas fazendas também se encontravam inúmeros trabalhadores imigrantes.
Corrêa15 observa que a abertura do porto de Corumbá significou a fomentação da cidade,
tanto populacional quanto econômico visto que:
A abertura da livre navegação do rio Paraguai propiciou de fato o surgimento de um expressivo movimento de pessoas e de mercadorias no porto de Corumbá, que passou a desempenhar as funções de principal entreposto comercial da Província de Mato Grosso e pólo catalisador do desenvolvimento de toda a região sul. O Pantanal mato-grossense passou então a ser mais intensamente ocupado com a abertura de fazendas de gado, cujo núcleo inicial surgiu nos arredores de Cuiabá no século XVIII.
14 MARIN, J. R. Fronteiras e Fronteiriços: Os Intercâmbio e a Nacionalização da Fronteira no Sul do Estado de Mato Grosso. Fronteiras: revista de História, Campo Grande, MS, 4/5 (7/9): 97-122, 2000/2001. p. 157
15 CORRÊA, Valmir B. et al. ..op. cit.. p. 30
Segundo Marques16 há indícios que o início da construção da Companhia de Estrada
de Ferro Noroeste do Brasil, em novembro de 1905, com origem em Bauru e destino a
Cuiabá, no Mato Grosso foi marcada por dificuldades em construir a ferrovia até a cidade de
Cuiabá, fazendo com que o traçado original, em 1908, fosse alterado para Corumbá, divisa
com a Bolívia e, nesse sentido, em 1914 a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil liga as duas
bacias fluviais: Paraná e Paraguai, aos países vizinhos: a Bolívia (através de Porto Esperança)
e o Paraguai (através de Ponta Porã), impulsionando o desenvolvimento do Estado do Mato
Grosso, principalmente da porção sul do Estado, atual Mato Grosso do Sul,
consequentemente, a expansão desses ramais contribuiu no processo de integração da
fronteira com o Paraguai e a Bolívia. A ferrovia, portanto, constituiu-se num dos elementos
propulsores do povoamento entre fronteiras até então praticamente subordinadas à navegação
platina.
Percebemos então que apesar de existir territorialmente a fronteira Brasil – Bolívia,
Corumbá, que após a Guerra do Paraguai e por muitas outras décadas, foi importante porto
fluvial nos caminhos entre o Oceano Atlântico e o centro do Continente, entretanto possuía
intimidade fronteiriça com o Paraguai e não com a vizinha Bolívia, com o qual passou a
manter estreitas relações de fronteira a partir da década de 195017. Por tudo até aqui
apresentado, a cidade de Corumbá é peculiar não só por ser fronteiriça, mas por ter intimidade
fronteiriça com outros países, entendemos por isso uma cidade miscigenada culturalmente,
pois a mesma preserva hábitos provenientes de algumas nacionalidades.
A esse fato podemos atribuir também uma existência de várias identidades fronteiriças
na cidade. Sobre esse assunto há várias definições, tanto com questões de
multiplaterritorialidade como multiterritorialidade, onde os atores sociais exercem influência
no cotidiano popular. Faz-se necessário, entretanto, discutir um pouco mais acerca desses
conceitos sobre território, é interessante constatar que todos nós vivemos em uma
multiterritorialidade. Uma vez que compartilhamos e convivemos com vários grupos ao
mesmo tempo, grupos sociais familiares, grupos de amigos, no trabalho, ect, como
observamos a citação de Barel (1986, p. 131). O autor ressalta que:
(...) é raro que apenas um território seja suficiente para assumir corretamente todas as dimensões de uma vida individual ou de um grupo. O individuo, por
16 MARQUES, Ângela. M. Movimentos migratórios fronteiriços: Bolivianos e Paraguaios em Mato Grosso do Sul. XXVII Congresso Anual da ILASSA, 2007. 17 OLIVEIRA, M. A. M. Espaço, Tempo e Imigrante: O desconcerto de uma fronteira. In: CHIAPPINI, L.: MARTINS, M. H. (Org.). Cone Sul: fluxos, representações e percepções. São Paulo: Hucitec, 2006. p. 254.
exemplo, vive ao mesmo tempo ao seu ‘nível’, ao nível de sua família, de um grupo, de uma nação. Existe, portanto multipertencimento territorial.
Nesse contexto é que não podemos dissociar o processo TDR – territorialização,
desterritorialização e reterritorialização – até porque não há, na prática, a desterritorialização
para que haja a reterritorialização, é um processo quase simultâneo, sem interrupções
temporais, com exceção de alguns raros casos. É um processo de movimento constante. Esse
processo gera um espaço temporalizado em razão de informações que circulam e comunicam,
bem como de fatores culturais que o condiciona.18 Somos então atores sociais que
pertencemos a vários grupos da sociedade simultaneamente.
A multiplaterritorialidade também está presente no contexto do espaço fronteiriço,
uma vez que se trata de grupos de atores sociais oriundos de diversas nacionalidades.
Somente a partir do século XX, foi intensificado o contingente populacional no Estado
e consequentemente na cidade de Corumbá. Esse aumento populacional contribuiu para
mobilizar as diferenças culturais no município. A influência dos imigrantes fica evidente nas
construções, em especial no casario do porto, construído em estilo neoclássico italiano. As
construções possuem arquitetura sofisticada deixando evidente a ostentação de seus
proprietários e dos seus estabelecimentos. Ou seja, a cidade demonstrava por sua arquitetura
ou hábitos a influência marcante de elementos de países dos seus primeiros imigrantes.
Notamos em toda a história da cidade de Corumbá a presença efetiva de imigrantes
que ajudaram na sua construção e na tradição de sua população, não podemos esquecer que
muitos imigrantes também atuaram na consolidação desse território. No entanto a fronteira
territorial é entre Brasil e Bolívia, porém não percebemos a autêntica integração entre as
cidades vizinhas, talvez até pela falta da política de integração mencionada acima, ou por
ausência de afinidades ou ainda de falsa hipocrisia, quando se trata de preconceito. Há uma
ambiguidade em relação ao país, ou seria somente com as cidades fronteiriças, cuja população
mestiça sofre com a marginalização por parte de alguns brasileiros que ignoram tal
proximidade.
Mesmo a cidade tendo sido notavelmente - analisando sua história - acolhedora com
seus estrangeiros, é importante reconhecer que houve, em contrapartida, a existência do
18 SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e Concepções sobre Território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 78.
preconceito. Aos bolivianos recaem um sentimento de tolerância por não ter outra alternativa,
afinal não se pode eliminar ou trocar seu vizinho fronteiriço. Sobre isso Silva19 observa:
(...) E o que se visualiza nesta relação dos brasileiros para com os bolivianos não é algo vinculado ao afeto ou/e o bem estar, parcela de brasileiros não gosta dessa relação; ele a suporta, assim como se suporta um vizinho indesejado, que é próximo porque não é possível tirá-lo fisicamente de onde está. Neste sentido, para delimitar bem o espaço e definir quem é quem, marca-se uma linha divisória invisível, sendo que esta vai se construindo através de um distanciamento silencioso, sutil por diversas vezes, mas muito eficiente. Esta proximidade existente faz emergir o conflito entre não querer, mas tolerar, este está entrelaçado com o preconceito assim como a solidariedade está entrelaçada com a permissão, este significaria permitir o outro (boliviano) fazer parte do seu cotidiano mergulhado em um laço recíproco, onde não se faria necessário falsear uma relação solidária, mas ser de fato uma relação alicerçada no bem estar.
Em uma cidade fronteiriça que se constituiu, marcantemente, por imigrantes,
acolhendo-os prontamente, em particular os provenientes da Europa, a tal ponto de se
miscigenarem intensamente, a manifestação de preconceito possui contornos desconcertantes.
19 SILVA, Solange Gomes da. Bolivianos e brasileiros em Corumbá, MS: preconceitos e cooperação mútuos. Corumbá, MS, 2004 (mimeo). p. 12
1.1 REDES SOCIAIS EM TERRITÓRIO FRONTEIRIÇO
Num território formado por vários grupos de imigrantes, como é o caso da cidade de
Corumbá, a formação das redes é inevitável, contemplar objetivos, metas comuns aos seus
componentes demonstrando a integração entre seus membros é uma prerrogativa. Essa
consistência deve ser de forma linear, contínua. Portanto, a união de grupos que viabilizem
projetos beneficiando a todos e por consequência a si próprio, interagindo com a sociedade
local, formam a adesão de uma sociedade em redes. Sobre essa trama de retalhos na formação
de uma rede Costa salienta.
Dessa forma, a realidade se apresenta como um Manto de Arlequim, porque o manto que configura o mundo não é feito de um único tecido, mas de retalhos, que ao se conectarem por intermédio das linhas formam uma veste aparentemente homogênea, mas que ao ser dissipada a eloqüência do poder do discurso se revela em sua totalidade heterogênea (Serres, 1993). Pensar a sociedade de redes é atentar para essa totalidade fragmentada, mas complexa, onde a rede é uma constituinte de diversos pontos conectados. E esse é seu objetivo – a conexão de pontos, mostrando uma configuração territorial aparentemente homogênea, mas que quando analisada se revela desconexa em muitos pontos, onde o que realmente se revela é uma realidade heterogênea. Nesse caso, não é compreender o objeto que se torna o mais importante, mas o conteúdo das ações que os produzem e os põem em funcionamento. 20
As redes de solidariedades estão presentes em Corumbá e pensar em identificação de
um grupo, é de qualquer forma pensar na sua compreensão, um conceito aparentemente
simples na prática, mas que na teoria torna-se complexo. Sobre esse conceito de identificação
Hall21 descreve
Trata-se de um campo semântico demasiadamente complexo para ser deslindado aqui, mas é útil estabelecer, pelo menos indicativamente, sua relevância para a tarefa que temos à mão. Na linguagem do senso comum, a identificação é construída a partir do reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal. É em cima dessa fundação que ocorre o natural fechamento que forma a base da solidariedade e da fidelidade do grupo.
20 COSTA, Jodival Mauricio da. Redes e Território: Notas sobre a reticulação espacial. IX Encuentro Internacional Humboldt. Juiz de Fora, 2007. 21 HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Identidade e diferença. Rio de Janeiro; Vozes, 2007. p. 105-106.
O estabelecimento das redes sugere, no caso específico dos paraguaios, um resguardo
da sua identidade, a esse respeito o autor ressalta que.
Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação.
Seguindo esse conceito de “pluralidade individual”, as redes nos permitem esse olhar,
uma vez que participamos em diversas redes. Somos capazes de conviver com uma relação e
integração que o mundo nos oferta, conciliar política, economia, cultura de várias naturezas
nos leva a compreensão do indivíduo e suas “faces”, Saquet observa que “cada indivíduo age,
ao mesmo tempo, em diversas redes, participando com objetivos, formas, intensidades e
significados distintos, no mesmo ou entre diferentes lugares”.
São as relações sociais que, de certo modo, dão forma ao território, pois envolve
vários elementos como a compreensão, reciprocidade, é uma construção contínua de via de
mãe dupla. E é em decorrência dessas relações sociais que é evidenciada a identidade da
população de região de fronteira. As redes envolvem aspectos essenciais para a formação
dessa identidade. A coesão dessas relações é inerente aos seus atores sociais, a comunicação,
a reciprocidade, a solidariedade e a forma de atuação das redes contribuem para solidificar um
território, aparentemente diferente, torna-se, de modo geral, único, ou seja, vários territórios
agrupados formam um grande e heterogêneo território aparentemente homogêneo.
Os elementos que compõem a fronteira, aqui representada na cidade de Corumbá
reforçam a diversidade cultural presente naquela cidade. As redes sociais relacionam-se
abarcando diferenças e semelhanças, compartilhamentos, solidariedade, troca de informações,
é um verdadeiro exercício de democracia em uma cidade que demonstra, historicamente, ser
receptiva ao imigrante.
A preservação e perpetuação da tradição é um forte elemento na formação de uma
rede, quando essa se encontra em um território heterogêneo oportuniza sua concretização,
tendo como moldes básicos os citados acima, possibilitando assim a junção do grande quebra
cabeça que é uma fronteira.
2 O PARAGUAI Sabemos que o Paraguai apresenta uma população caracteristicamente mestiça em
virtude da junção do espanhol com os índios, estes de costumes muito marcantes e de
inúmeras etnias. Nesse sentido é de conhecimento comum que o Paraguai tem sua origem dos
povos indígenas, sua cultura representa, em grande parte, seus costumes, que se difere entre si
em decorrência de suas várias comunidades indígenas. A colonização dos espanhóis também
agregou a cultura indígena nessa inevitável aproximação, que suscitou a base populacional do
que representa a atual sociedade paraguaia, a esse respeito o arqueólogo Martins22 acrescenta.
Para os índios, inicialmente, era interessante o laço familiar com os espanhóis. Eles os tinham como parentes e isso representava status e uma suposta proteção. Ao perceberem este aspecto cultural dos índios e a utilidade que ele trazia para as metas coloniais, os espanhóis, astutamente conduzidos por Irala, promoveram casamentos em massa e coletivos. Cada espanhol casou-se ao mesmo tempo com várias índias, originando, dessa forma, em poucos anos, uma extensa prole mestiça, que foi, sem dúvida, o alicerce demográfico da atual sociedade paraguaia.
Ainda acerca dessa constante política de miscigenação, existe ainda a questão das
terras, garanti-la era uma forma de permanecer produtivo no país, a esse fato deveu-se
inúmeros conflitos, visto que a economia era sustentada pela agricultura. Sobre isso Susnik23
observa.
La agricultura era la actividad de la mayor parte de la población; el beneficio de la yerba, el estanco del tabaco, la abundancia del ganada y la explotación de los bosques en los obraje para la extracción de la madera, eran los principales rubros de exportación del Paraguay por esta época, además cobraban importancia los astilleros, las fábricas del tabaco torcido, y el nuevo oficio de la curtiembre para la producción de suelas para zapatos, todos éstos rubros de exportación de productos elaborados
22 MARTINS, G. R. A Cultura Guarani na Formação da Sociedade Paraguaia. ARCA. Campo Grande, MS, nº 4, 1993. p. 9. 23 SUSNIK, 1988, Apud: PUSINERI, Adelina. Indígenas Monteses y Pueblerinos em el Paraguay del Siglo XIX. “Comunidad o Libertad”. Fronteiras: revista de História, Campo Grande, MS, 4/5 (7/9): 97-122, 2000/2001. p. 12.
Ainda sobre a questão da terra, e a exigência de se produzir intensamente Pusineri24
ressalta.
A los “tava-pueblos”25 coloniales de indígenas guaraní – a mediados del siglo XVIII y hacia el fin de la colonia, - debido a la explotación de los yerbales intensivamente, al gran auge de los tabacales, se les exigieron desde el Virreinato remesas de tabaco mensuales. Cada tava tuvo que cumplir con un cupo, creándose fábricas, demandando mano de obra de los tava, cuyos administradores, faltando los guaraní pueblerinos se vieron obligados a tomar mestizos y criollos pobres, quienes se asentaban en forma clandestina en tierras no cultivadas de los tava, denominándoseles ya “feligreses externos”. Se inicia así una lucha por la tierra, pues el criollo se encontraba en desventaja por no poseer tierras, viendo en las baldía y sin cultivar de los tava, una ocasión de ocuparlas, ya que los indígenas también las abandonaban para ir a los conchabos.
A proximidade entre colonizadores e nativos foi fundamental à relação projetada
futuramente pelos espanhóis, é evidente que os indígenas não imaginavam tais conseqüências
desse ato. Os índios da etnia Guarani foram de importância inquestionável a essa relação,
mister salientar a habilidade dos espanhóis como relata ainda o autor.
Nos primeiros momentos do contato inter-étnico, a aliança era vantajosa para ambos os lados. Os espanhóis garantiram as suas necessidades vitais em alimentos e recursos humanos para a implantação definitiva do modelo colonizador, em troca da proteção militar que dariam aos seus parceiros, em confrontos com outras tribos. (...) Nos anos iniciais do convívio, os termos da relação eram equilibrados e formais, com algumas doses de cordialidade mútua. (...) Os índios não tinham consciência de que as intenções colonizadoras eram bem mais abrangentes. A habilidade e oportunismo da diplomacia conquistadora ludibriou os chefes guarani a ponto destes não perceberem que estavam comprometendo, irremediavelmente, a sua própria soberania. (...) A composição com os guarani era fundamental para os planos ibéricos de conquista do Alto-Paraguai e utilização destes como trampolim para investidas terrestres no noroeste chaquenho, onde, acreditavam, estaria localizado o “Eldorado” ou a mitológica “Serra de prata”, que, de acordo com as tradições indígenas, ocultavam as imensas riquezas acumuladas por um rei branco – Reino do Paititi. (...) Sem o apoio da infra-estrutura econômica e demográfica Guarani, teria sido impossível para os espanhóis empreenderem, entre 1537 e 1550, as sucessivas expedições militares e exploratórias no território cha-quenho e sul-mato-grossense, infestados de perigos e densamente povoados por tribos refratárias aos colonizadores26.
24 PUSINERI, Adelina. Indígenas Monteses y Pueblerinos em el Paraguay del Siglo XIX. “Comunidad o Libertad”. Fronteiras: revista de História, Campo Grande, MS, 4/5 (7/9): 97-122, 2000/2001. p. 13. 25 Termo referente a população indígena paraguaia, que em 1793, apresentava uma população aproximada de 100.000. 26 Idem. p. 08
Em virtude dessa aproximação inevitável pelas circunstâncias apresentadas acima, a
forte influência das comunidades indígenas no Paraguai, contribuiu para que o idioma nativo
– o guarani - torná-lo oficial junto ao castelhano. Segue o autor.
A cultura paraguaia, em grandes aspectos, deve muito aos povos indígenas que originalmente ocuparam as Bacias do Prata e do Paraguai. Exemplo disso é o idioma Guarani, herança maior deixada pelos nativos do século XVI, que hoje junto ao Castelhano, é ensinado como língua oficial no Paraguai. 27
O Paraguai conseguiu sua independência na primeira metade do século XIX, mais
precisamente em 1811, após depor o então governador Bernardo Velasco, os paraguaios
liderados por Fulgencio Yegros, Pedro Juan Caballero e Vicente Ignácio Iturbide,
proclamaram a independência do país em 14 de maio. Em 1814 assume o poder no Paraguai
Jose Gaspar Rodriguez de Francia, instaurando a ditadura no país.
27 Idem. p. 04
MAPA 2 - Formação Territorial dos Estados da América do Sul: Independência Paraguaia.
Adaptado de PASTORE, Fortunato. Soldados Nus: Filhos do Acaso ou Filhos da Glória. Estratégia Militar e Economia na América Latina Independente, 1810-2000. São Paulo, 2007 Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
2.1 A GRANDE GUERRA Breve Histórico
Na segunda metade do século XIX, houve a maior guerra, na visão de muitos autores,
ocorrida na América do Sul, a estatística não precisa o número exato de mortos, entretanto o
que se sabe, ao certo, é que inúmeras vidas foram perdidas num confronto que se arrastou por
anos. Antes, porém a principal preocupação do Paraguai após sua independência, ocorrida em
15 de maio de 1811 foi, além de preservá-la, manter a livre navegação nos rios platinos.
Quando já consolidada e reconhecida sua independência, faltava a definição do território,
enquanto limite, com seus vizinhos platinos. A Argentina e o Brasil mantinham intensas
relações com a Europa, em particular com a Inglaterra, em contra partida o Paraguai manteve-
se autônomo, isolado política e economicamente de seus vizinhos, algumas medidas foram
implantadas reforçando tal objetivo, como relata MOTA. 28
O Paraguai manteve-se isolado. A longa ditadura do doutor José Gaspar Rodríguez de Francia isolou o país, ao cortar relações diplomáticas e comerciais com os demais, exceção feita ao Brasil. Foram proibidas a imigração e a emigração, tentou-se atingir uma certa auto-suficiência baseada na agricultura e na industria artesanal. Os dois ditadores que lhe sucederam no poder, Carlos Antonio López e o filho, Francisco Solano López, abriram o país ao comércio exterior e atraíram imigrantes e técnicos estrangeiros.
Com a guerra civil uruguaia declarada entre os partidos blancos e colorados que
contou com a intervenção brasileira em favor do partido colorado, sob o comando do general
uruguaio Venâncio Flores, que o Paraguai declara guerra ao Brasil e em seguida a Argentina,
quando essa tentar manter-se neutra e tem suas terras invadidas pelos paraguaios. Vejamos
como esses fatos ocasionaram a Guerra segundo Bethell. 29
O país já era e permanecia sendo não apenas geograficamente isolado (até a derrota da Bolívia na Guerra do Pacífico, o Paraguai era o único Estado latino-americano cercado por terras), uma nação que falava predominantemente a língua guarani, como era também um país culturalmente isolado. Sob a ditadura do doutor José Gaspar Rodríguez de
28 MOTA,Carlos Guilherme. A Guerra contra o Paraguai A História de um Silêncio. In: MARQUES, M.E.C.M. Guerra do Paraguai 130 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. p.44 29 BETHELL, Leslie. A Guerra do Paraguai História e Historiografia. In: MARQUES, M.E.C.M. Guerra do Paraguai 130 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. p. 14
Francia (1813-1840) e, em menor proporção (pelo menos até a década de 1850), sob a ditadura do seu sucessor, Carlos Antonio López, o Paraguai tinha se isolado política e economicamente de seus vizinhos. Seu papel fora bem pouco significativo nas guerras civis e interestaduais do Rio da Prata durante a primeira metade d século XIX. Ele tinha, contudo, muito receio e alimentava sentimentos de profunda desconfiança com relação aos dois vizinhos – muito maiores muito mais populosos do que ele e potencialmente predatórios - as Províncias Unidas do Rio da Prata (Argentina) e o Brasil, que, por sua vez, tinha pendências envolvendo domínio territorial contra o Paraguai. (...) Durante a década de 1850 o governo de Carlos Antonio López passou a implementar, com crescente empenho, um política de modernização econômica e militar passando então a fazer uso efetivo da tecnologia britânica e dos técnicos britânicos.
Após a morte de Carlos Antonio López, assume o poder no Paraguai se filho Francisco
Solano López que tinha como aliado natural o partido uruguaio dos blancos, adversários do
partido colorado que contava com o apoio do Brasil e da Argentina. Sobre esse momento que
antecedeu a Guerra o autor evidencia ainda:
Francisco Solano López tinha assumido o poder no Paraguai, em outubro de 1862, depois da morte do pai. Inicialmente hesitante em estabelecer uma aliança formal com os blancos – seus aliados naturais - contra os colorados, no Uruguai, agora este último contava com o apoio tanto do Brasil como o da Argentina, durante a segunda metade daquele ano, López começou, numa espiral ascendente, a advertir a Argentina e o Brasil contra o que ele considerava uma ameaça crescente ao equilíbrio de poderes existentes no Rio da Prata, que, em sua opinião, garantia a segurança, a integridade territorial e a independência do Paraguai. Ele também vislumbrou uma oportunidade de fazer sua presença sobressair na região, uma chance de desempenhar um papel que estivesse à altura do novo poder econômico e militar do Paraguai. No início de 1864, López começou a se mobilizar, tendo em vista uma possível guerra. 30
Tais atitudes paraguaias deflagram a ação mais temida pelo Paraguai, a união dos seus
vizinhos contra seu país. No entanto a guerra apresentava-se reprovada, ao que tudo indica
inicialmente, pelos povos brasileiro e argentino, como assinala Bethell.
Nem o Brasil nem a Argentina tinham uma contenda suficientemente séria com o Paraguai que justificasse uma situação de guerra. Eles não desejavam nem planejavam uma guerra com o Paraguai. A Argentina não contava com o apoio nem era uma reivindicação popular. Na verdade, a guerra provou impopular, falando em termos genéricos, nos dois países, mas sobretudo na Argentina. Mas a necessidade de se defender contra a agressão paraguaia
30 Idem. p. 15-16
(fosse ela em grande parte provocada ou justificada) ofereceu aos dois países (Brasil e Argentina) uma oportunidade de fazer um “acerto de contas” com o Paraguai, bem como de punir e enfraquecer, talvez mesmo de destruir, um poder emergente e preocupante dentro de sua região. 31
Para Souchaud dentre os países envolvidos, o Paraguai foi quem mais sofreu as
consequências desse conflito com perdas irreparáveis, o autor também faz uma breve análise
acerca do legado do ditado Solano López.
El Paraguay e a Triple Alianza se enfrascan oficialmente en una guerra al final de la cual las pérdidas territoriales y demográficas para el Paraguay son considerables. A partir de 1862, fecha del fallecimiento del general Carlos Antonio López, el poder es asegurado por su hijo Francisco Solano López que muera en 1870 en el campo de batalla ultimado por las tropas brasileñas, en la batalla de Cerro Corá, en el actual departamento de Amambay. Francisco Solano López representa mucho más que su padre el símbolo de la resistencia heroica del Paraguay al imperialismo extranjero. Una vez más la identidad paraguaya parece forjarse sobre la voluntad heroica, encarnizada y desesperada de resistencia a la invasión extranjera. Las consecuencias espaciales y territoriales directas e indirectas de este conflicto son esenciales pues se hacen sentir más allá de la segunda mitad del siglo XX. El balance de pérdidas humanas paraguayas no ha sido establecido con certeza; se considera comúnmente que la población se redujo en cinco años aproximadamente al cuarto de su volumen de antes de la guerra. (…) .Una verdadera catástrofe demográfica. En realidad, estas cifras son objeto de controversia (...) lo que tendería disminuir la importancia de esta catástrofe demográfica. Establecer toda la verdad sobre este episodio histórico es importante ya que los efectos de la guerra son comúnmente evocados para explicar los erráticos de los modelos paraguayos del siglo seguinte.32
Para Bethell a Guerra pode ser dividida em três principais fases a primeira quando da
invasão paraguaia no sul de Mato Grosso, culminando com a batalha do Riachuelo, a segunda
quando os aliados invadiram o território paraguaio e conquistaram a fortaleza fluvial de
Humaitá e a terceira quando finda a Guerra com a morte de Solano López, o autor descreve
tais momentos.
A Guerra em si pode ser dividida em três fases. A primeira teve inicio com as limitadas ofensivas paraguaias contra Mato Grosso, em dezembro de 1864, e Corrientes, em abril de 1865. Em maio de 1865, o exército paraguaio finalmente atravessou as Missiones e invadiu o Rio Grande do Sul. No começo muito bem-sucedida, a invasão acabou sendo contidas pelas forças
31 Idem. p. 16 32 SOUCHAUD, Sylvain. Geografía de la migración brasileña en Paraguay. Asunción: UNFPA, 2007. p. 68-69.
aliadas. Os paraguaios nunca chegaram a alcançar o Uruguai. (...) No fim do primeiro ano da Guerra, as únicas tropas paraguaias que permaneciam em solo aliado eram umas poucas localizadas em Mato Grosso (que continuou como front secundário dentro da Guerra). Nesse ínterim, em 11 de junho em Riachuelo, no Rio Paraná, logo abaixo do porto fluvial de Corrientes, na única batalha naval da Guerra que realmente foi importante, a marinha brasileira destruiu a marinha paraguaia e instituiu um efetivo bloqueio do Paraguai, mantido até o final da Guerra. A segunda e principal fase (que incluiu diversos períodos em que quase não havia luta de fato) começou quando os aliados finalmente invadiram o Paraguai, em abril de 1866, e estabeleceram seu quartel-general em Tuiuti. Nesse local, em 24 de maio, eles rechaçaram uma violenta investida paraguaia e ganharam a primeira grande batalha terrestre da Guerra. (...) os aliados sofreram a sua pior derrota na Guerra. Eles não renovaram seus esforços de avanço até julho de 1867, quando foi iniciado um movimento para cerca a grande fortaleza fluvial de Humaitá, que bloqueou o acesso ao rio Paraguai e à capital paraguaia, Assunção. Em uma terceira fase da Guerra López constituiu um novo exército na Cordilhera a leste de Assunção e liderou uma campanha de guerrilha que, embora limitada, foi bem-sucedida, contra as forças aliadas. Finalmente foi derrotado e teve suas tropas massacradas, em 16 de agosto de 1869, na última grande batalha dessa Guerra. O próprio López escapou novamente. Ele e sua companheira foram perseguidos, em direção ao norte, pelas tropas brasileiras, por mais uns seis meses, até que López foi finalmente encurralado e morto em Cerro Cora, no lado extremo da região nordeste do Paraguai, em 1º de março de 1870.33
Em decorrência da guerra civil no Uruguai envolvendo os partidos blancos e
colorados e consecutivas intervenções paraguaias e brasileiras em crescente apoio a seus
respectivos aliados eclodiu a Guerra da Tríplice Aliança em 1864 com a invasão paraguaia ao
território brasileiro. Após a invasão de Corrientes a Argentina também entra na guerra contra
o Paraguai, em 1865 é assinado o Tratado da Tríplice Aliança entre o Brasil, a Argentina e o
Uruguai contra o Paraguai. As invasões ocorridas no Brasil envolveram o Rio Grande do Sul
e o sul de Mato Grosso. Tais invasões refletiram o poderio paraguaio e a organização da
expedição brasileira. Entre derrotas e vitórias a guerra arrastou por anos findando-se em 1870
com a vitória dos países da Tríplice Aliança. Os acordos de paz assinados pelos envolvidos
consolidou os anseios dos vencidos como relata Squinelo34
Os acordos de paz que se configuraram após a Guerra consolidaram os anseios dos grandes leões platinos. O Tratado de Paz e Amizade Perpétua e de Limites imposto ao Paraguai pelo Brasil e assinado em 09/01/1872 garantiu a esse último a posse do território entre os rios Apa e Branco, no
33 BETHELL, Leslie. A Guerra do Paraguai História e Historiografia. In: MARQUES, M.E.C.M. Guerra do Paraguai 130 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. p. 18-19-20 34 SQUINELO, Ana Paula. A Guerra do Paraguai, essa desconhecida: ensino, memória e história de um conflito secular. Campo Grande: UCDB, 2003. p. 20-21
atual Mato Grosso do Sul, conforme reivindicação anterior ao conflito. Outro Tratado, assinado em fevereiro de 1876, cedeu os territórios litigiosos das Missiones, entre os rios Bermejo e Pilcomayo, à Argentina. Os territórios entre os rios Pilcomayo e Verde foram submetidos ao arbítrio norte-americano, que concedeu a região ao Paraguai.
MAPA 3 - Principais Disputas de Fronteira envolvendo o Paraguai: A Grande Guerra e Guerra do Chaco, com os Territórios perdidos e incorporados.
Adaptado de PASTORE, Fortunato. Soldados Nus: Filhos do Acaso ou Filhos da Glória. Estratégia Militar e Economia na América Latina Independente, 1810-2000. São Paulo, 2007 Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
Passado mais de um século do fim da Grande Guerra ou Guerra da Tríplice Aliança é
atribuída a ela os constantes acontecimentos ocorridos no Paraguai nos anos que a seguiram.
A destruição de seu território foi uma catástrofe, apontada como grande empecilho de seu
desenvolvimento e do longo período de instabilidades políticas paraguaias. Ainda marcada
por controvérsias e munida do legado deixado por Solano López, os paraguaios mantêm
intrínseco o sentimento de ser paraguaio, preservando sua cultura mesmo vivendo em outros
países. A Guerra findou e o Art. 1º do Tratado de Amizade, Navegação e Comércio com o
Paraguai de 6 de abril de 185635, parece ter voltado a direcionar o comportamento e ações dos
brasileiros e paraguaios, o artigo propunha que “Haverá paz perfeita, firme e sincera amizade
entre Sua Majestade o Imperador do Brasil e seus sucessores e súditos, e a República do
Paraguai e seus cidadãos, em toda as suas possessões e territórios respectivos. As altas partes
contratantes velarão em que esta amizade e boa inteligência sejam mantidas constante e
perpetuamente”. Esse Tratado não conseguiu manter sua proposta quando do início da Guerra,
porém, ao que tudo indica, impetraram tal anseio no início da década de 1870, no período pós-
guerra.
35 Tratados de Limites Internacionais que Interessam à Mato Grosso. Cuiabá: Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, 2002.
3 A IMIGRAÇÃO PARAGUAIA NO PRIMEIRO MOMENTO: PÓS GRANDE GUERRA
O processo emigratório dos paraguaios já foi objeto de outros estudos. Menciono aqui
Carla Centeno, que realizou estudos de mestrado e doutorado acerca da emigração paraguaia
na fronteira do Estado. Em seus trabalhos a autora trata do tema sob o viés da educação dos
trabalhadores paraguaios nos ervais da fronteira sul do Mato Grosso. Sua pesquisa versa sobre
ocupação do estado, envolvendo os conflitos, dificuldades inerentes, devido a instabilidades
desses territórios por sua natureza. Para então discutir sobre a educação no estado no fim do
século XIX ao início do XX, transitando por inúmeros trabalhos de diversos autores
historiadores e autodidatas que tratam do tema da fronteira e imigração paraguaia. Entretanto
sua pontualidade na fronteira com o Paraguai é direcionada para a cidade de Ponta Porã,
cidade vizinha territorial com o país. O modo exploratório ao qual são submetidos os
trabalhadores ervateiros paraguaios pelas grandes empresas é um dos pontos da pesquisa que
propicia o entendimento da população brasileira abastada para com esse imigrante.
Aproveitando da sua força física e carência de outras atividades de trabalho, o balanço real da
empresa era muito elevado, o que de certa forma nos orienta a entender que a mão de obra,
qualificada ou não, dos paraguaios era tida como fonte de renda para seus empregadores.
O trabalho exercido por esses trabalhadores era, em grande parte, especializada, ou
seja, cada um tinha uma função específica no processo de tratamento da erva, desde o plantil a
etapa final. Isso de certa forma induziu, no sistema capitalista, a sistematização e exploração
dos paraguaios nos ervais. Mesmo ainda em moldes manufatureiros, essa demonstrou ser uma
prática muito lucrativa aos proprietários das Companhias empregadoras dessa mão de obra.
É fato, portanto que esses trabalhadores já eram explorados na fronteira de Ponta Porã,
segundo a autora. Eram vistos tão somente como braços fortes e resistentes, pois tinham que
sustentar sobre seus ombros em torno de duzentos quilos por longas distâncias. A pesquisa
tem em consideração uma média de trabalhadores paraguaios nessa atividade, é impreciso o
número exato mas é real a grande porcentagem desses estrangeiros nessas condições em Ponta
Porã.
Para tentar entender os processos migratórios ocorridos no Paraguai é importante saber
que existiu uma politica de isolamento promovida pelo Estado. Embora, isso já tivesse
ocorrido antes mesmo de sua independência, foi após ela que se verificou um endurecimento
dessa prática governamental que tinha o intuito de manter coesa sua população sem
influências estrangeiras e sem o risco de migração36. O governo permitia que suas terras
fossem cultivadas por toda população mediante irrisorios pagamentos. Assim o fluxo
migratório era portanto muito incipiente, salvo exceções cuja interferencia era em virtude de
fenômenos naturais:
(...) durante la primera mitad del Siglo XIX, no existían restricciones al acceso de la tierra, se aprecia en los últimos años del período una incipiente diferenciación social expresada en la diferencia del tamaño de las tierras estatales arrendadas, en la expansión del régimen de asalarización y en las disposiciones sobre vagabundos. Las mayores limitaciones a la explotación de la tierra en este periodo histórico, parecían ser las originadas en calamidades como sequías y ataques de plagas 37
O governo paraguaio era proprietário de cerca de 95% do território oriental e de todo o
Chaco, essa atitude de nacionalizar a terra tinha como preocupação assegurar ao país sua
independência como observa Souchaud 38
En el siglo XIX, la colonización rural alcanza igualmente los dos objetivos que se había fijado. El primero relativo al desarrollo de la agricultura principalmente familiar, a fin de asegurar al país una independencia alimentaría y por qué no, un superávit monetario susceptible de ser inyectado en otros sectores de la economía paraguaya. Esta función de motor económico del sector agrícola será cumplida ampliamente.
Ainda sobre a distribuição de terra aos colonos o autor revela ainda:
Desde fines del siglo XVIII la Provincia precede a la apropiación jurídica de las tierras y los derechos inmobiliarios se redistribuyen a colonos para que desarrollen la actividad de extracción de la yerba mate (...) en grandes extensiones. Simultáneamente, grandes estancias ganaderas toman posesión en estos lugares. Finalmente se instalan contingentes armados en las ciudades y se alienta la formación de colonia de pequeños agricultores, destinadas a alimentar los mercados locales.
O autor ressalta também que a imigração na segunda metade do século XIX foi
escassa, referindo-se a “población flotante, sin ningún arraigo en el país”.
36 MORISON, S. E. Política Colonial de Colón. 1983.; Apud: SOUZA, José Carlos de. O Fenômeno da Migração Paraguaia no século XX. Fronteiras: revista de História, Campo Grande, MS, 4/5 (7/9): 97-122, 2000/2001 37 Idem p.103 38 SOUCHAUD, Sylvain. Geografía de la migración brasileña en Paraguay. Asunción: UFNPA, 2007. p. 62- 63
Contudo as atitudes tomadas pelas autoridades não causaram o impacto esperado e sua
população começou a migrar para a Argentina inicialmente. Os estudos de Genaro Romero
citado por Souza39, expõem como causa desse fenômeno migratório paraguaio, a
disponibilidade da terra para o uso, moradia e plantio, o temor do recrutamento compulsório
nos exércitos, necessário para o combate das inúmeras revoluções que pretendiam derrubar os
governos. Tais conflitos intensificaram no século XX. Para o autor ainda era melhor repatriar
os paraguaios que incentivar migrações estrangeiras. O histórico problema da instabilidade
política no país também colaborou à prática da migração do seu povo.
Além de emigrarem pela necessidade de sobreviver, os paraguaios também foram
obrigados a fazê-la em virtude da escravidão por dívida como observa Centeno. 40
Os paraguaios começaram a migrar para o sul de Mato Grosso no final de Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), movidos pela grande instabilidade que se instalou nos anos seguintes no Paraguai. A maior parte veio pela fronteira seca e constituiu o maior contingente estrangeiro da fronteira. Era formada, sobretudo, por camponeses expropriados que, não tendo capitais para adquirir terras, transformaram-se em trabalhadores ervateiros. Muitos foram trazidos à força ou eram contratados no Paraguai num sistema que foi denominado na fronteira de escravidão por dívidas.
Muitos começaram sua viagem acompanhando os soldados brasileiros após a Guerra.
Várias paraguaias e centenas de outros imigrantes, dentre muitos, paraguaios, aventuraram-se
junto às forças brasileiras instaladas em Assunção ao regressarem a pátria anos após o
conflito. É notável que muitos paraguaios vieram para o Estado para trabalhar no cultivo do
erva mate41.
As correntes imigratórias não foram exclusivamente para o sul de Mato Grosso tão
pouco estiveram ligadas somente a erva mate. Também se deslocaram em direção a Corumbá,
uma das opções mais pontuais dos paraguaios em decorrência das possibilidades de emprego.
Entretanto quando lá chegaram não encontraram o que esperavam, em decorrência disso
muitos não tiveram como permanecer, retornando ao seu país ainda em precárias condições. A
necessidade de emigrarem, por falta de alternativa, pois não tinham como continuar no
Paraguai, fez com que os imigrantes se deslocassem para a cidade de Corumbá. Uma das
39 SOUZA, José Carlos de. A Fenômeno da Migração Paraguaia no século XX. Fronteiras: revista de História, Campo Grande, MS, 4/5 (7/9): 97-122, 2000/2001. p. 103-104 40 CENTENO, C. V. A educação do trabalho nos ervais de Mato Grosso (1870-1930): uma crítica da historiografia regional, de suas concepções de história, trabalho e cultura. Campo Grande: Dissertação (Mestrado em Educação). UFMS, 2000. p. 60-61 41
idem.
peculiaridades dessa corrente que lá se fixou, foi exatamente a forma de inserção deles na
sociedade local. Acostumados a todo tipo de trabalho esses imigrantes se depararam com uma
realidade desconhecida e talvez inesperada. Entretanto estavam dispostos a exercer qualquer
função que lhe fosse atribuída. Mesmo que essa, em muitos casos não fosse bem vista em
virtude de se tratar de crimes entre outras atividades de caráter amoral.
A opção de escolher Corumbá deveu-se, sobretudo a política implantada pelo governo
imperial que concedia aos paraguaios, passagens gratuitas em viagens nos vapores que subiam
o rio Paraguai até a cidade de Corumbá42. Essa prática contribuiu para fomentar a cidade,
contudo não agradou grande parte da população quanto à presença desses imigrantes nas ruas
da cidade, porém eram empregados nas fazendas como mão de obra barata e sem ninguém
para olhar por eles.
Diferentemente de alguns grupos de estrangeiros, a maioria dos imigrantes paraguaios
estava na cidade como trabalhadores braçais, fazendo inclusive o trabalho que ninguém
gostava de fazer. Dessa proximidade resultou, entre outros, o estabelecimento de linhas
fluviais regulares entre Corumbá e Assunção que perdurou até bem pouco tempo43. Quando
chegaram à cidade os mesmos passaram por inúmeras dificuldades, viviam em condições
precárias, dependendo muitas vezes da caridade de outros, eram pelas circunstâncias, vítimas
da fome, da completa miséria.
Outros, contudo trabalhavam em fazendas, alguns sob escolta de outros empregados,
que ficavam sempre atentos ao seu trabalho além de intimidá-los. Consta também que tais
imigrantes eram utilizados em trabalhos forçados, na construção de estradas, bem como sendo
escravizados por índios da região e as mulheres escravas de soldados brasileiros e
desertores44. Acerca das condições das imigrantes paraguaias Corrêa45 expõe o relato da
Agência de Colonização que observou o seguinte fato:
uma grande parte desses immigrantes é do sexo feminino e compõem-se em sua quasi totalidade de mulheres perdidas, da mais baixa espécie, (...) que trazem consigo os vícios mais repugnantes e aqui se vêm entregar a mais imunda devassidão fugindo completamente a todo e qualquer trabalho ...
42 CORRÊA, V.B. Corumbá; Terra de Lutas e de Sonhos. Brasília: Edição do Senado, 2006. p. 48 43 OLIVEIRA, Marco A. M. Espaço, Tempo e Imigrante: O Desconcerto de uma Fronteira. In CHIAPPINI, L.; MARTINS, Maria H. (org.). Cone Sul: fluxos, representações e percepções. São Paulo: Hucitec, 2006. p. 255 44 idem. 45 Queira vê Relatório do Juiz de Direito da Comarca de Santa Cruz de Corumbá, J. J. Ramos Ferreira, dirigido ao Presidente da Província em 26 de janeiro de 1879. Manuscrito. Lata 1879B, Doc. av. APMT, Cuiabá – MT Apud : CORRÊA, Lúcia Salsa. História e Fronteira: o Sul de Mato Grosso 1870-1920. Campo Grande: UCDB, 1999. p. 212.
causa de constantes desordens, roubos e desmoralisação ... / Há quatro annos, Ex mo Senr., que resido neste lugar, e posso assegurar a V. Exa. Que durante esse tempo, conduzidas em vasos de guerra nossos, e em navios mercantes de toda a espécie têm aportado aqui seguramente tres mil mulheres paraguayas, e no entanto não se encontra uma dellas que queira justar para o serviço doméstico, e o trabalho propriamente de mulheres, como seja, a lavagem de roupa e o engomado é caríssimo; ao passo que nas palhoças das immediações desta Villa, nas barracas dos soldados, encontrão-se grupos dessas infelizes entregues á mais completa ociosidade e mais cubertas de asquerosas enfermidades.
Ainda sobre as enfermidades desses imigrantes o médico João Severiano da Fonseca
nos revela:
tendo ouvido por diversas vezes dizer que ainda não vio em parte alguma tanta gente afectada de mal venéreo como neste lugar, e que a maior parte da desproporcional mortalidade de crianças que aqui se observa é devida á affecções syphilicas... Além das causas gerais que em todo Império actuão em sentido desvantajoso a colonisação em cujo numero se conta principalmente as deficiências das nossas leis que regulão o casamento ... [danificado] males que se podem aleviar, apresenta esta província o terrivel inconveniente que resulta de sua posição geographica, seu clima, a que não podem, resistir entregando-se ao serviço da lavoura, homens acostumados ao clima da Europa.46
Esses relatos deixam presente a explicita forma de julgamento a qual os paraguaios
estavam submetidos, perante parcela da sociedade local. A esse olhar estava atribuído o modo
de atuação ou desempenho da elite que os empregava de maneira coercitiva em suas fazendas.
Corumbá se apoiou na economia portuária, devido à localização estratégica na Bacia
Platina, como pólo de escoamento de mercadorias. A pecuária também se apresentava como
suporte na economia da cidade. A essa atividade foram inseridos inúmeros trabalhadores de
descendência paraguaia, assim como na construção civil, em trabalhos domésticos e
atividades urbanas. Entretanto tais imigrantes foram vistos como mão de obra alternativa e
concreta para suprir o contingente no trabalho em atividades diversas, sobretudo em escala
extensiva. Também eram aproveitados como braço armado em lutas que envolviam questões
de disputas de terras. Sobre o trabalho escravo ao qual eram submetidos os paraguaios
46 Idem. p. 212
baseava-se, principalmente na suposta propensão aos vícios, à rebeldia como observa Correa47
sobre as informações do Agente de Colonização de Corumbá, sob o punho de Fonseca:
(...) não encontrando emprego, deixava-se abater pelo desânimo ou pelo vício da embriaguez ou da prostituição. E nesses termos expressou uma visão recorrente que justificava a exploração de homens e mulheres livres e pobres, degredados involuntários (...) Essa visão foi ancorada na apologia do trabalho e na sua contrapartida: a condenação da vadiagem, da embriaguez, do jogo, da prostituição e da indolência inerente ao paraguaio, bem como sua suposta aptidão para os vícios e para a rebeldia. Esses preconceitos constituíram na fronteira um peculiar código de valores, fundados nas relações capitalistas de produção e na necessidade de exploração do trabalho (e na violência) numa região carente de população, código acionado e quase sempre apontado na direção da massa dos paraguaios estabelecidos nessa área fronteiriça, como forma de submetê-los à superexploração, nos limites da escravidão.
Contudo esse elevado número de paraguaios naquela cidade contribuiu para o
crescimento populacional, mesmo enfrentando inúmeras dificuldades de adaptação e
preconceitos de parte da população local. Esse fluxo populacional oscilou de forma crescente
e decrescente até meados de 1878, quando estabilizou o número de saída e de entrada de
estrangeiros naquela cidade. Esse movimento migratório foi analisado pelo Juiz de Direito da
Comarca de Corumbá48 que relatou:
Com a retirada das Forças Brasileiras de Assumpção acompanharão os Batalhões que vieram para esta cidade [Corumbá] mais de mil mulheres paraguayas; vieram tambem centenas de estrangeiros procurar aqui o trabalho que não encontravão em Assumpção reduzida a ultima miséria. O arsenal de Ladario occupava então centenas de operários, que para alli tinhão trazidos seus agregrados, família, etc. E assim duplicou rapidamente em 1875 a população desta cidade. Em fins de 1875 e principios de 1876 porem, despedio-se grande numero de operários do arsenal de Ladario: suspenderão-se as obras que alli se fazião, continuando apenas aquellas que absolutamente não podiam deixar de continuar; e a irrigação monetária que alli se fazia foi diminuindo consideravelmente ate extinguir-se. Os immigrantes que tinhão chegado aos cem e duzentos em cada vapor, começaram a sahir da mesma forma, porque não encontravam trabalho em Corumbá e não lhes davam passagens gratis para Cuyabá e Villa Maria como muitos pretendião; e como para Assumpção lhes davão passagens gratuitamente para alli regressaram. Assim foi decrescendo a população até
47 Idem p. 213 48 Relatório do Juiz de Direito da Comarca de Santa Cruz de Corumbá, J. J. Ramos Ferreira, dirigido ao Presidente da Província em 26 de janeiro de 1879. Manuscrito. Lata 1879B, Doc. av. APMT, Cuiabá – MT Apud: CORRÊA, Lúcia Salsa. História e Fronteira: o Sul de Mato Grosso 1870-1920. Campo Grande: UCDB, 1999. p. 212-213.
quase fins de 1878 em que paralizou-se este movimento, sendo hoje quase equivalente o numero de sahidas e de entradas de estrangeiros.
Mesmo demonstrando todo desconforto com a presença de imigrantes paraguaios
naquela cidade, deixando clara a insatisfação com a política implantada pelo Império, parcela
da população local não se sentia desconfortável em maltratar de forma violenta seus
funcionários paraguaios. E de caracterizá-los pejorativamente. Bem como de evidenciar que a
violência que imperava de modo costumeiro em Corumbá era fruto desses imigrantes e
cobravam uma solução eficaz para tal situação. No entanto as autoridades reiteravam que a
violência na região fronteiriça não ultrapassava os limites. Até porque a região contava com
duas guarnições, e era normal tal situação em virtude de haver naquela cidade uma população
muito heterogênea, assim como em virtude da sua posição geográfica.
Devido toda essa situação de preconceito para com os paraguaios, houve ainda a
resistência à integração desses imigrantes na sociedade local. Contudo a interação foi se
realizando não só na cidade, mas também em todo Estado através do alistamento e
engajamento militar nas guarnições fronteiriças, bem como mercenários, forças rebeldes,
trabalhadores urbanos, ervateiros, em grandes Companhias como a Matte Larangeira ou como
autônomos, peões e camaradas49 nas fazendas de criação de gado, também se integraram
49 “[...]” camarada era um termo usado para se referir a trabalhadores livres ou libertos que eram contratados para desenvolver uma determinada atividade. Os acordos de trabalho poderiam ser temporários ou não. E os trabalhadores assim definidos poderiam saber algum ofício específico, sendo contratado para tal, ou empregados para desenvolver atividades diversas. Podemos supor que a utilização de um vocábulo para definir aspectos de coleguismo, proximidade, reconhecimento e parceria, foi adaptado nos séculos XVIII e XIX, para se referir a uma pessoa livre que vendia sua força de trabalho a quem dela necessitasse, justamente pelo fato de que o contratante ao negociar com o contratado os serviços a serem prestados, estreitava-se certa aproximação entre ambos, às vezes no convívio diário, ou na proximidade das tarefas realizadas. Não precisava necessariamente morar sob o mesmo teto, mas o ajuste estabelecia algumas relações entre patrão e [p. 35] empregado, o que levou usualmente a utilização da palavra camarada para se referir a uma categoria de trabalhadores livres e pobres.
Os camaradas estavam presentes nos meios urbanos e rurais da capitania/província de Mato Grosso, no desenvolver de todo tipo de atividade, poderiam ser encontrados também na área de mineração, ajustados junto a mineiros. Os camaradas nos ambientes urbanos poderiam ser vistos morando nos arredores das cidades, ou na casa de seus patrões.
Arrieiro, vaqueiro, guia, trabalhador de lavoura, feitor, ferreiro eram ocupações presentes em ambientes rurais, e também, desenvolvidas por camaradas. Estes eram homens, poderiam saber ou não algum ofício, e desenvolviam atividades a um contratante, chamado de patrão, por meio de um acordo. O ajuste poderia ser temporário, o suficiente para percorrer os locais da capitania/província, ou poderia mais tempo, sendo que o serviço a ser realizado era que demandava a temporalidade do acordo. Remadores e guias, por exemplo, contratados em Cuiabá para conduzir uma embarcação até São Paulo tornavam-se camaradas de quem os contratasse durante o tempo da viagem, da mesma forma que um condutor de tropa por um período em que estava responsável por uma determinada carga. Além disso, o acordo poderia durar o tempo do cultivo de uma lavoura (preparação da terra, plantio, colheita e transporte) ou durar mais tempo, como por exemplo, camaradas que moravam por longos períodos na propriedade do patrão.” (p. 35-36). Apud: SENA, Divino Marcos de. Camaradas: A presença de livres e pobres em Mato Grosso (1808-1850). Exame de qualificação. Dourados: UFGD, agosto de 2009, Curso de Mestrado em História.
como posseiros em pequenas comunidades próximas a cidades em crescimento e ainda como
contrabandista, pistoleiros de aluguel e bandoleiros50. E de forma particular a inserção social
pelo matrimônio.
3.1. A acomodação na nova terra: o matrimônio Quadro 01 Demonstrativo de matrimônios em Corumbá no período de 1870 a 1895, envolvendo paraguaios e paraguaias.
NOIVOS NOIVAS MATRIMÔNIOS Espanhóis Paraguaias 1 Austríacos Paraguaias 1
Ingleses Paraguaias 1 Bolivianos Paraguaias 3 Franceses Paraguaias 3
Portugueses Paraguaias 4 Italianos Paraguaias 6
Brasileiras Paraguaios 8 Paraguaios Paraguaias 10 Brasileiros Paraguaias 74
Fonte: Paróquia Nossa Senhora da Candelária, Corumbá, MS, Livros de Casamento nº I, II e III (1870 - 1895).
Assim como houve inserção social pelo trabalho em diversas áreas, o casamento deve
também ser considerado como fator de inserção. Os casamentos miscíveis demonstraram de
forma notável a aceitação, e consolida legalmente sua permanência na cidade, o que
contribuiu para disseminar seus costumes.
A análise do Quadro 01 nos revela o casamento de imigrantes paraguaios com
brasileiros e outras nacionalidades que viviam em Corumbá. Foram analisados cento e onze
casamentos abarcando aqueles imigrantes. Destes, oitenta e dois envolviam brasileiros e
imigrantes paraguaios. Apenas dez não caracterizam relações miscíveis. E os dezesseis
casamentos restantes foram miscíveis entre paraguaios e outras nacionalidades existentes na
cidade. Muitos desses brasileiros eram de outros estados do país, que para lá foram em
decorrência da Guerra. E contribuíram de certa forma, para o processo de aceitação desses
imigrantes na cidade.
50 CORRÊA, Lúcia Salsa. História e Fronteira: o Sul de Mato Grosso 1870-1920. Campo Grande: UCDB, 1999.
Após a leitura acerca do modo como eram vistos os imigrantes paraguaios, e
analisarmos os casamentos percebe quantitativamente que a miscigenação entre brasileiros e
paraguaios ocorreu ainda na década de 1870. Essa realidade é no mínimo contraditória com os
depoimentos da Agência de Colonização de Corumbá. Por outro lado esses imigrantes
procuravam adaptar-se e consequentemente buscavam a aceitação de sua presença, assim
como de seus costumes. E uma das hipóteses sugerida pela leitura dos dados obtidos na tabela
é que o casamento é uma das formas de inserção social, em busca de sua aceitação e
permanência na cidade.
É imprescindível, contudo, perceber como o imigrante se sente fora do seu país,
enfrentando dificuldades por sua conjuntura. O imigrante é um individuo em busca de novas
terras, e para tanto é preciso lembrar que o mesmo é deslocado de um lugar para outro, o que
acarreta uma série de questões que se tornam complexas. Partindo do princípio de enfrentar o
desconhecido, decidir sair, e para onde ir, bem como a aceitação na terra nova e viver os
conflitos inerentes a sua condição. Sobre isso Oliveira51 ressalta:
Uma das principais dificuldades que é encontrada na conceituação do imigrante está na inserção de questões amplamente complexas como tempo, espaço e memória. Isto, pois, admitir que o imigrante é tão-somente aquele que internacionalmente se desloca de um lugar para outro é aceitar que não exista complexidade em seu ato, isso desde a aceitação e decisão da saída, até a aceitação e conflitos no novo lugar em que passou a se encontrar. Desta forma, o tempo, categoria altamente discutível quanto à sua definição é, desconcertantemente, um dos principais elementos que constituem aquilo que pode ser denominado de conjunto epistemológico do (i)emigrante. Ou seja, ao romper as barreiras internacionais, também o fez com o tempo cultural que assegurava algumas espécies de estatutos na terra de origem. Mais, ainda, ao desafiar uma espécie de 'ordem temporal' que estava instituída em seu lugar de origem, passou a se posicionar na esfera de um novo tempo a ser associado, identificado, assimilado.
A inserção social é determinada por inúmeros fatores, entre eles o trabalho e o
casamento, pois assim cria-se um vínculo forte com a região em que vivem. Isso motiva a
intensa relação entre a população da terra nova à transição que passa o imigrante. A esse
respeito Oliveira52 observa ainda que:
51 OLIVEIRA, Marco Aurélio Machado. O mais importante era a raça. Sírios e Libaneses na política em Campo Grande, MS. Tese de Doutorado. F.F.L.C.H., USP, 2001 p. 14-15 52 Idem p. 35
A inserção social pelas vias do casamento é, em outras palavras, um deslocamento, falo isso tentando fugir de algumas banalidades. Em síntese, esse deslocamento é uma variação do processo inicial - ou, melhor, uma adaptação. Volto a insistir, falar da imigração é falar da sociedade com um todo, em dimensões diacrônicas e sincrônicas53, contemporânea e anacronicamente. Quero, com isso, reafirmar que matrimônio, nesse momento, guardava à feição dos imigrantes/descendentes e da região em que viviam a sua paradoxia elementar: improviso e estratégia.
Esse entrelaçamento entre atividade econômica, convívio social e matrimônio, está
presente, na cidade de Corumbá, no processo de miscigenação com os paraguaios, desde o fim
do século XIX. O imigrante adquire novos hábitos a fim de serem aceitos pela população. A
vontade de se misturar a nova realidade é um dos fatores que o estimula a concretizar esse
entrelaçamento. O casamento proporciona a aceitação e acomodação esperada pelo imigrante
na nova terra. O casamento propicia a entrada dos imigrantes para a sociedade local pela porta
da frente. Nesse primeiro momento os paraguaios estavam envoltos a condição de miséria,
fome, prostituição, trabalhadores de fazendas, mão de obra barata sujeita a humilhações e
descriminações. O matrimônio contribui para a tão esperada aceitação social e motiva a sua
pratica. Com isso a proximidade do modo de vida e até a troca de costumes com a população
da nova terra, faz com que os imigrantes se misturem a essa rotina e se adaptem ao meio que
escolheram para morar.
Como se pode observar no quadro 01, as noivas imigrantes, em grande parte, casaram
antes dos vinte anos de idade, algumas inclusive com quatorze. Seria uma forma de inserção
social acelerada, pois quanto mais cedo ocorrer à aceitação, menores são as dificuldades
enfrentadas por elas.
Os casamentos envolvendo brasileiras e paraguaios ocorreram todos na década de
1890, alguns, entretanto sugerem que sejam de descendência paraguaia, por alguns fatores
como o sobrenome e o próprio nome, bem como a idade. Do início de sua chegada a cidade já
havia passado mais de vinte anos, idade compatível com seis das noivas da tabela. Pois
somente uma apresenta idade superior ao tempo de imigração. E outra que não consta sua
idade no registro matrimonial. Voltamos aqui a enfatizar que o casamento entre esses casais,
provavelmente, elas de origem paraguaia, reforça um caminho para a consolidação de sua
presença naquela cidade.
Dos setenta e quatro casamentos entre brasileiros e paraguaias, quarenta e nove
ocorreram na década de 1870, ou seja, depois de mais de vinte anos já se tem a segunda
53 Cf: SAYAD, Abdelmalek. A Imigração. Trad. de Cristina Murachco. São Paulo, Edusp, 2000, p. 16.
geração dessa família. Consequentemente a hipótese levantada tem razão de ser. A
miscigenação desenvolveu – se então naquela cidade, pois não havia entre esses imigrantes a
necessidade de conservar os costumes, até porque eles já haviam os disseminado após décadas
de convivência. Não eram por assim dizer um grupo fechado, restrito aos seus. Além de
levantar outra questão, a visão dos habitantes de Corumbá não era tão discriminatória, ou
parcela dessa população não era, pois as reclamações levadas às autoridades da capital do
Estado eram de pessoas que integravam a elite. Reivindicações feitas pelas senhoras e
senhores proprietários de terras, que tinham empregados paraguaios e que em alguns casos os
exploravam em trabalhos forçados.
GRÁFICO DOS CASAMENTOS
CASAMENTOS ENVOLVENDO PARAGUAIOS E OUTRAS
NACIONALIDADES (%)
Br/ Py (66%)
Bol/ Py (2,7%)
Aust /Py (0,9%)
Ita/ Py (5,4%)
Port/Py (3,6%)
Py/Py (9%)
Fr/Py (2,7%)
Ing/Py (0,9%)
Esp/Py (0,9%)
Brª/Py (7,2%)
total (100%)
Casamentos por Individuo
Br + Py (74)
Bol + Py (3)
Aust + Py (1)
Ita + Py (6)
Port + Py (4)
Py+ Py (10)
Fr + Py(3)
Ing + Py (1)
Esp + Py (1)
Brª + Py (8)
total (111)
3.1.2 Batizados Quadro 02 Demonstrativo de batizados em Corumbá no período de 1878 a 1886, envolvendo paraguaios e paraguaias.
PAIS MÃES BATISMOS Espanhóis Paraguaias 1 Austríacos Paraguaias 1 Franceses Paraguaias 3
Portugueses Paraguaias 4 Paraguaios Paraguaias 4 Brasileiros Paraguaias 5
Sem Nacionalidade Identificada
Paraguaias 7
Italianos Paraguaias 10 Fonte: Paróquia Nossa Senhora da Candelária, Corumbá, MS, Livros de batismos nº II e III (1878 - 1886).
Assim como houve inserção social pelo matrimônio, deve também ser considerado o
batismo dessas crianças, fruto da união desses imigrantes com outros e com população local.
Foram analisados trinta e três batizados no período compreendido entre os anos de 1878 a
1886, Diferente do matrimônio, onde a maior referência de miscigenação era entre brasileiros
e paraguaias, o batismo apresenta maior índice de pais imigrantes italianos com mães
paraguaias constituindo dez batizados, seguido por brasileiros e paraguaias, cinco batismos, e
com o mesmo percentual entre portugueses e paraguaias, constituindo quadro batismos bem
como a relação não miscível entre paraguaios. Aqui surge um fato interessante na análise dos
dados obtidos, ou seja, como é possível tanta miscigenação matrimonial entre brasileiros e
paraguaias e o batismo não acompanhar essa progressão, que deveria ser lógica, a que se deve
esse fenômeno?
Algumas hipóteses podem ser levantadas, uma delas seria o retorno dos soldados ao
seu estado de origem, levando consigo sua família. Visto que muitos eram de outro estado do
Brasil, havia nordestinos, paulistas, cariocas, gaúchos entre outros.
GRÁFICO DOS BATIZADOS
Porcentagem de Batizados de Filhos de Paraguaias com
outras Nacionalidades
Ita/ Py (30%)
Br/ Py (15%)
Aust /Py (3,0%)
Port/Py (12%)
Py/Py (12%)
Fr/Py (3,0%)
Esp/Py (3,0%)
SNI/Py (21%)
total (100%)
Batizados por Indivíduo
Ita + Py (10)
Br + Py (5)
Aust + Py (1)
Port + Py (4)
Py+ Py (4)
Fr + Py (1)
Esp + Py (1)
SNI+Py (7)
total (33)
Quadro 03- Demonstrativo dos dados acerca da relação entre batizados e casamentos.
Pais Filhas Eduardo Elias – Francês
Feliciana Valente – Paraguaia
Emilia
Pedro Gonçalves. Paraguaio Rosalia Ximenes. Paraguaia
Rosenda
Ramão Augusto. Brasileiro Maria Rita. Paraguaia
Paula
O fato é que a cada ano, a cada casamento miscível e os batizados de descendentes
paraguaios constata-se a integração de povos heterogêneos. A esses dados estão envoltas
outras curiosidades como quando fizemos a relação entre os casamentos analisados acima e
batizados, só conseguimos chegar a três casais da Tabela 1 (em anexo) que batizaram seus
filhos no período analisado. Dois casais apresentando relação miscível e um casal de mesma
nacionalidade.
O quadro 03 surgiu após feita a relação de batizados – do Quadro 02 – de filhos de
imigrantes paraguaios e dos casamentos – Quadro 01 - foi subtraído somente três casais que
batizaram seus filhos na mesma Igreja que realizaram seu casamento. Fato relevante, pois
dentre cento e onze casamentos e trinta e três batismos, essa relação tão surpreendentemente
irrisório, visto que o período analisado dos batizados está contido, do início ao fim, no
período analisado dos casamentos.
Parte 2 1 A Imigração Paraguaia no século XX ANTECEDENTES DA IMIGRAÇÃO PARAGUAIA NO SÉCULO XX.
A situação do Paraguai após a Grande Guerra não era das melhores, assim como não o
foi por muito tempo. Mais de 90% das terras paraguaias pertenciam ao Estado, constituindo
cerca de 16.239 de um total de 16.590 léguas quadradas54. Em decorrência das dificuldades
pós-guerra, o governo paraguaio privatizou suas terras para amenizar a situação financeira do
país. Tal medida abriu caminhos para que a influência argentina principiasse então no
território paraguaio como relata Bandeira.
Em 1870, quando a Guerra da Tríplice Aliança terminou, cerca de 16.239 léguas quadradas, de um total de 16.590, que constituíam o território paraguaio, pertenciam ao Estado; apenas 261 léguas quadradas estavam em mãos de particulares. O Estado ainda possuía 72 km de ferrovia em funcionamento, 148 edifícios em Assunção e 352 em cidades e vilas do interior. Mas logo em seguida o processo de privatização começou, a fim de possibilitar o pagamento das obrigações e amortizar emissões de papel moeda, com o que todo aquele patrimônio, no curso de alguns anos, passou para o controle dos investidores de outras nações, particularmente da Argentina, da qual o Paraguai não apenas copiou a Constituição como adotou o próprio Código Civil. O historiador paraguaio Ricardo Caballero Aquino salientou que "a maioria dos especuladores estrangeiros, que chegaram ao Paraguai para investir em terras, vieram desde ou através da Argentina" e esta situação contribuiu para incrementar ainda mais a dependência do país em relação a Buenos Aires, cujos bancos e instituições financeiras começaram a receber e enviar grandes somas de divisas a Assunção. Conforme outro historiador paraguaio, Efraim Cardozo, "a venda de terras públicas converteu os capitalistas argentinos nos maiores proprietários do país", sendo que a companhia La Industrial Paraguaya se apropriara de mais da metade das plantações de erva-mate, o mais importante item de sua pauta de exportações, e suplantara, vantajosamente, a Mate Laranjeira, a concorrente brasileira, afetada ainda mais pelas taxas alfandegárias.
Ainda acerca da influencia argentina no território paraguaio o autor observa que:
54 BANDEIRA, L.A.M. A Guerra do Chaco. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, vol 41, nº1, jan/jun, 1998. p. 3
E este predomínio se ampliou cada vez mais, embora a política interna não se estabilizasse e evoluísse para uma situação próxima da anarquia, sem que a República sequer se democratizasse. Uma série de quarteladas, golpes de Estado e revoluções começou, com o Partido Liberal a dividir-se em facções que lutavam entre si pelo poder. Desde então, nenhum Presidente do Paraguai, cujos governos não foram menos autoritários do que os dos seus predecessores do Partido Colorado, completou o mandato de 4 anos, estabelecido pela Constituição de 1870.55
Sobre a instabilidade política paraguaia o autor ressalta ainda:
Juan Batista Gaona não permaneceu mais que um ano na Presidência do Paraguai. Caiu em 9 de dezembro de 1905, derrubado pelos seus companheiros, integrantes da facção dos Liberais Cívicos, cujo "óbvio argentinismo" levava-os a falar "con cierto acento rioplatense", e Cecil Baez, ideólogo do liberalismo, substituiu-o, a fim de preparar as eleições e entregar o poder ao próprio General Benigno Ferreira, chefe militar da revolução de 1904. Este, eleito em 1906, não demorou no governo mais do que dois anos. Sob a acusação de pender demasiadamente para o lado da Argentina, teve de renunciar à Presidência da República, em 2 de julho de 1908, após sangrento levante chefiado pelo Coronel Albino Jara, seu ex-companheiro de armas, durante a revolução de 1904, e pertencente à facção radical do Partido Liberal. O Vice-Presidente, Emiliano Gonzáles Navero assumiu o governo, também por um brevíssimo período, bem como sucessores, Manuel Gondra e o próprio Coronel Jara, dado que as sublevações e os golpes de Estado não cessaram, mantendo o país em permanente turbulência. 56
Como a influência argentina era refletida fortemente no território paraguaio, o Brasil
sentia-se ameaçado pela crescente organização política econômica do vizinho platino que,
segundo percepção do governo brasileiro, vislumbrava a recomposição do território das
fronteiras do Vice-Reino do Rio da Prata.
55 Idem p.5 56 Idem p. 5
Mapa 4 – Divisão Política e Administrativa da América Latina Colonial (1800).
Fonte: Adaptado de R. A. HUMPHREYS. The Evolution of Modern Latin América.
A capacidade de alcance da influência argentina no território paraguaio era evidente;
para o chanceler brasileiro Octávio Mangabeira o Paraguai, em 1927, era uma "verdadeira
província" ou uma espécie de "feudo" da Argentina, a ela atrelado pelo Tratado de Comércio
de 1916, que estatuíra um regime de franquias e sanções alfandegárias, a permitir o livre
comércio entre os dois países, este relato consta no Relatório Reservado sobre a Política
Externa do Brasil e dos países da América do Sul, organizado por ordem do Ministro de
Estado das Relações Exteriores pelo 1º. Oficial da Secretaria de Estado, Ronald de Carvalho,
do Gabinete do Ministro sediado no Rio de Janeiro57.
57 Apud: BANDEIRA, L. A. M. A Guerra do Chaco. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, vol 41, nº1, jan/jun, 1998. p. 6
Não ficou restrita ao Paraguai a influência argentina. Na Bolívia, por exemplo, as
empresas argentinas desfrutavam de benefícios, além do fato deles deterem o domínio de
grande parte do Chaco boliviano.
Além das questões econômicas e territoriais, o Paraguai também se enfraqueceu
politicamente, uma vez que os conflitos civis entre partidos – Liberal e Colorado –facilitavam
influências estrangeiras. Em virtude dessa instabilidade, os presidentes não conseguiam
governar até o fim do seu mandato. Suportavam desde o fim do século XIX ao início do
século XX, seguidos conflitos armados contra os governantes do Paraguai.
Ao Brasil coube amenizar o avanço do poderio argentino no território boliviano com a
solidificação do Tratado de Petrópolis assinado em 1903. De certa forma essa atitude tomada
pelas autoridades brasileiras impediu que a Argentina conseguisse influenciar de forma mais
eficaz a Bolívia, como o fez no território paraguaio. Entretanto, a Bolívia apresentava-se
insatisfeita com a limitação via fluvial, bem como fora fortemente atingida por crises
desencadeadas pela queda da Bolsa de Nova York em 1929. Sob o governo do presidente
Daniel Salamanca a Bolívia declara a Guerra do Chaco ao Paraguai, julgando-se superior
militarmente como observamos:
Ela se julgava mais bem armada, mais forte, militarmente, que o vizinho, com o qual disputava o território, e, conforme as palavras do Embaixador Antônio Salum-Flecha, "desengañada de sus anteriores tentativas diplomáticas para obtener una salida sobre el rio Paraguay”, inició una nueva política como medio efectivo de incorporar el Chaco a sus domínios consistentes en una penetración pacífica. 58
Ainda sobre o início da Guerra do Chaco o autor ressalta:
Esta política o Presidente Daniel Salamanca (1931-1935) se dispôs a executar com determinação quando assumiu, em 1931, o Governo da Bolívia, e propôs ao Estado Maior do Exército que elaborasse um plano para "penetração pacífica", ocupação militar e exploração do Chaco. Seu propósito era "prestar maior atenção" a esta questão, devido não só à honra como ao "supremo interés del porvenir de Bolivia, tanto para asegurar sus territórios del sudeste, constantemente usurpados, como para abrirse una salida al Plata". Inevitável, portanto, o agravamento do conflito se tornava. A Bolívia, em meados de 1931, tomou a iniciativa de suspender novamente as relações diplomáticas com o Paraguai. Poucos meses depois, em setembro, tropas bolivianas, com ordem de ocupar os lugares providos de água, tomaram o posto avançado paraguaio Masamaklay, rebatizado Água Rica. E as refregas recresceram e se generalizaram, em 1932, quando o regimento Lanza, sob o comando do Major Oscar Moscoso, capturou o Fortim Antônio
58 Idem p.8
Carlos López, na verdade, um rancho que albergava insignificante guarnição de 1 cabo e 5 soldados, à margem da laguna Pitiantuta, ou Chuquisaca, cuja importância consistia no fato de constituir o único reservatório de água, em muitas léguas ao longo da região. A guerra do Chaco, formalmente, começara. 59
Depois de declarada a Guerra, o interesse nesse território aumentou em decorrência de
supostos poços de petróleo, diante disso o então presidente paraguaio Eusébio Ayala declarou:
Nuestra frontera natural e histórica llega al Parapeti, cordillera Chiriguanos y Pilcomayo. Si la victoria no nos asegura esta frontera, se originará un hondo malestar en el país (...) La posesión de la zona del petróleo nos servirá además para recuperar nuestras pérdidas y levantar el país de la postración en que había de quedar.60
A Argentina não se manteve a par da situação, interferiu mesmo que de modo
mascarado em benefício do Paraguai, ou segundo o autor em seu próprio benefício, como
observa:
Esta crença, a de que o sub-solo da Bolívia, na região do rio Parapeti, lindeira do Chaco Boreal, e adjacências, escondia imensos depósitos de petróleo, influenciou também os dirigentes da Argentina e concorreu para que ela respaldasse o Paraguai, sob o disfarce do que denominou de neutralidade benévola. Este comportamento, durante o conflito e no curso da Conferência de Paz realizada em Buenos Aires (1935-1938), não obedeceu, certamente, às prováveis ambições da Royal Deutch Shell, apesar de que com elas pudesse coincidir, e sim aos reais interesses da Yacimentos Petrolíferos Fiscales (YPF), já a responder por 37,5% (835.565 m³) da produção nacional contra uma participação de 62,5% (1,4 milhão de m³), das companhias particulares, entre as quais a Standard Oil of New Jersey como sua principal concorrente aparecia. Ao que tudo indicava, os militares nacionalistas, que, não obstante a queda do General Mosconi, ainda influíam no Governo de Buenos Aires, temiam que a Standard Oil, com a posse de enormes reservas na Bolívia, segundo imaginavam, alcançasse a saída para o estuário do Prata, através do rio Paraguai, e terminasse por esmagar a YPF, ao ponto de excluí-la até mesmo da exploração das jazidas existentes em Salta, Jujuy, Mendoza e em outras Províncias da própria Argentina. Por esta razão, o Governo do General Agustín P. Justo, embora tratasse de assegurar os investimentos britânicos e se opusesse ao monopólio estatal do petróleo, resistiu, tanto quanto pode, à demanda de concessões da Standard Oil, escorada por poderosos políticos de Salta, como Robustiano Patrón Costas, que se tornara um dos árbitros do regime. Naquelas condições, portanto, à Argentina absolutamente não convinha à vitória da Bolívia, pois desviaria do seu território as atividades relacionadas com a indústria do petróleo, se ela a conquistar viesse um litoral apropriado. Por outro lado, em face da completa
59 Idem p.8 60 Idem p.17
dependência e subordinação da economia do Paraguai à Argentina, reforçada por toda a espécie de cooperação durante a guerra, inevitável tornar-se-ia a concentração de acordos, mediante os quais toda a produção de petróleo da região de Parapeti, na Bolívia, e a que ocorrer viesse no Chaco Boreal cairia em poder da YPF. Não sem razão todos perceberam, como o Coronel Francisco Barrero V., que o "objetivo estratégico" da Argentina e do Paraguai só podia ser a destruição da máquina militar da Bolívia, tendo por "meta econômica" o Chaco e o petróleo. E, se esta questão já se tornara, durante a guerra, cada vez mais importante, ela assumiu uma significação ainda maior, como fator de negociação diplomática, após a instalação da Conferência de Paz em Buenos Aires, com a cessação das hostilidades, em junho de 1935. 61
Após tantas diversidades e anos de conflitos o acordo decisivo, ao que parece, foi
assinado 74 anos finalizado o conflito. O acordo foi elaborado por vários países, dentre eles o
Brasil e assinado em Buenos Aires pelos presidentes Fernando Lugo e Evo Morales selando
pacificamente o fim, em definitivo, da Guerra do Chaco ocorrida entre 1932 a 1935.
Após o fim da Guerra do Chaco os anos seguintes no Paraguai não foram tranquilos,
ao contrário, o país sofreu com conflitos civis entre os partidos políticos na disputa pelo
poder. Um nome oriundo do exército com alta patente ainda muito jovem surgiu e apoiado
pelo partido Colorado tomou o poder e permaneceu por 35 anos de 1953 a 1988. A ditadura
de Alfredo Stroessner foi marcada por forte repressão a população, o que estimulou a
migração paraguaia em equidade a sua forma de governo.
Em virtude de conflitos ocorridos no século XX, houve grande fluxo migratório,
abarcados por fatores políticos. A imigração paraguaia ocorrida nesse século apresenta uma
motivação diferente da ocorrida no século XIX, pois nesse momento a instabilidade política
renovou a iniciativa de migrar do Paraguai. Acontecimentos como guerras civis, a Guerra do
Chaco até o governo de Alfredo Stroessner Matiauda, provocaram grandes migrações, em
particular para o estado de Mato Grosso do Sul. Essa situação de inconstância advém desde o
fim do século anterior. O reflexo da Grande Guerra no século XX é evidente, até porque não
houve por parte dos governos seguintes a reconstrução rural do país segundo Souchaud,
congelaram qualquer possibilidade de desenvolvimento do setor rural. Ainda sobre essa
questão o autor escreve “Paraguay, país de enormes tierras vírgenes, expulsará a sus
campesinos hacia los frentes pioneros extranjeros”.
O setor agrário no país sofreu com perdas em decorrência da Grande Guerra bem
como a venda de parte de suas terras, para o plantio da erva mate, a compradores estrangeiros.
Ao contrario da política preventiva exercida no século XIX, o Paraguai abriu de maneira
61 Idem p.18
ampla sua economia ao capital estrangeiro. As grandes Companhias começam a exploração
dos ervais. Aos camponeses restaram a pratica de uma técnica arcaica sem retorno esperado.
A este respeito observamos que:
A agricultura tradicional sobre quemados se basa en una gran disponibilidad de tierras arables donde se practica una agricultura itinerante y extensiva, limitando así el empobrecimiento de los suelos. Por lo tanto la saturación de la tierra que se necesita pone fin a las posibilidades de rotación. La agricultura practicada sigue siendo arcaica: al estar muy poço diversificada produce poços excedentes monetarios. El sector agrícola empobrecido constituye, sin embargo, la base de la economía paraguaya. Se podría casi decir que en esa época el Paraguay era un país agrícola sin agricultura. 62
Diferente da política preservacionista empregada no século XIX, nesse momento
houve a necessidade de aproximar de seus vizinhos assim como da Europa, por acreditarem
que a política econômica do país seria mais bem desenvolvida. Ainda que seletiva, a
implantação dessa política traria benefícios ao Paraguai. Veja o discurso do presidente
Ayala63 acerca do fato:
En la inmigración, hay que preferir siempre la calidad a la cantidad, y proteger eficazmente la corriente sana y útil de poblaciones laboriosas (...) necesitamos extranjeros inteligentes y laboriosos que enseñen a nuestros campesinos el hábito del trabajo y del ahorro ... A fin de prevenir resultados negativos que podrían aparecer en el futuro, es menester buscar en la inmigración seleccionada, los hombres capacitados que por su moral y energía puedan convertirse en elementos estables y útiles.
A política implantada pelo governo paraguaio no século XX propiciou o incremento
populacional no Estado de Mato Grosso de imigrantes paraguaios, cujo principal fator
motivador desse êxodo foram as atitudes dos seus governantes. Souchaud descreve os fatores
e o desdobramento dos acontecimentos que impulsionaram a decisão de “tornar-se” imigrante.
Segue o autor dizendo que:
Durante la primera mitad del siglo XX el Estado paraguayo selecciona a los migrantes según criterios económicos, sociales, culturales y políticos y da una neta preferencia a la inmigración extranjera, concediéndole facilidades de acceso a la propriedad rural. Un segundo elemento va a acentuar la marginalización del campesinado paraguayo cuando el poder central encara la cesión de los dominios públicos (tierras fiscales). Las transferencias
62 SOUCHAUD, Sylvain. Geografia de la migración brasileña en Paraguay. Asunción: UNFPA, 2007. p. 72 63 El Paraguay Contemporâneo Apud: SOUCHAUD, Sylvain. Geografia de la migración brasileña en Paraguay. Asunción: UNFPA, 2007. p. 76
siguen entonces dos procedimientos. En el primer caso se venden a los extranjeros, esencialmente colonos europeos, parcelas pequeñas o medianas. La segunda vía consiste en poner a la venta tierras propuestas a los paraguayos y a los extranjeros de países limítrofes. Los precios propuestos son, a menudo muy bajos pero como los lotes se presentan únicamente bajos la forma de amplios dominios ganaderos, el campesinado se ve imposibilitado de accender a la propriedade inmobiliaria.
O autor segue ainda relatando a decisão de imigração dos paraguaios aos países
vizinhos.
El Estado durante todo este período actúa, bien y pronto, contra el desarrollo de la pequeña propriedad campesina y contra la valorización paraguayo/ paraguaya de los territorios periféricos. El campesinado local de la región Central no tiene otro recurso que él éxodo. Los campesinos paraguayos emigran, se unen entonces a los frentes pioneros de las naciones vecinas que, en fase de crecimiento, llevan más lejos fronteras internas. Este es el caso del Mato Grosso do Sul brasileño a partir de los años 1870 (Wilcox,1993), (...). “El censo brasileño de 1920 destaca la presencia de cerca de 17.000 paraguayos en él país, 13.000 de los cuales solo en el Mato Grosso” (Wilcox,1993).
Com períodos turbulentos em seu país, muitos paraguaios optaram pela saída do
Paraguai e novamente o Estado de Mato Grosso foi escolhido pela proximidade territorial. Na
década de 1930 e até um pouco antes a imigração era prática constante, em todo o Estado
eram encontradas pessoas com essa nacionalidade e em Corumbá não era diferente. Pois
desde a Grande Guerra a cidade acolhia imigrantes paraguaios. Ainda na primeira metade do
século XX, em decorrência dessa intensa migração paraguaia, algumas atitudes foram
tomadas pelos governos. Exemplo disso foi a tentativa de aproximar os países vizinhos no
tocante ao idioma, como observamos no artigo do Jornal Tribuna no fim da década de 1930.
O exemplo do Paraguay O governo do Paraguay acaba de instituir o ensino obrigatório da língua portugueza nas escolas primárias. Referem os telegramas que assim fazendo, que aquele governo justifica o seu ato com as mais sugestivas razões de fraternidade continental. 64
As informações contidas no jornal Tribuna, que circulava na cidade de Corumbá,
trazia notícias do país vizinho, eram apresentadas as condições as quais passavam o Paraguai
assim como as turbulentas crises envoltas no país. Algumas reportagens nos chamaram a
64 Jornal Tribuna, 26-08-1938
atenção em virtude da constatação que a vinda desses imigrantes ao Estado, foi de
importância para o crescimento do mesmo.
Uma honrosa visita a Mato Grosso (...). O chanceler paraguayo Don César A. Vasconcellos ainda demorará sua permanência em nosso país, em visita a vários dos nossos serviços públicos, notadamente os de caráter social, pretendendo regressar a Assunção via Mato Grosso, a fim de conhecer neste grande Estado as condições de apreciável labor e confraternidade em que vivem os súditos paraguayos entre nós, colaborando com os brasileiros nos progressos do Estado. 65
A relação de brasileiros e paraguaios era exposta pelos artigos como sendo de afetuosa
e duradoura como deveria ser a relação de nações co-irmãs.
Republica do Paraguay Festeja hoje a data de sua independência a nobre Republica do Paraguay, de tantas e tão altivas tradições no conserto das federações sul americanas. A presente efeméride se exalça entre as passadas especialmente pelo fato de emergir a nação co-irmã de uma situação caótica produzida pelos pruridos de revoluções consecutivas, das quais o governo Morinigo se saiu soberanamente, mais fortalecido, quiçá nas suas prerrogativas. Em todas as datas comemorativas da conquista de sua soberania, costuma o representante consular paraguaio entre nós abrir a sua sede para receber os cumprimentos das nossas autoridades civis e militares e também a alta sociedade local, envolvendo-os no trato distinto e cordial que caracterisa a personalidade do seu titular, o estimado cavalheiro Don Antonio Alonso Quíntana. Infelizmente motivos supervenientes impediram que tal sucedesse este ano, forçando Don Alonso Quíntana a afastar se para o Rio de Janeiro em companhia de sua Exma família há dias, e obrigando o ali permanecer algum tempo. Felicitando com êste registro aquele distinto servidor do Governo Paraguaio, fazemos partilhar da sinceridade nos nossos votos os súditos aqui residentes da nação amiga com os quais convivemos na formação de uma amizade das mais afetuosas e duradouras. O fato de uma expressiva presença de tais imigrantes demonstra a preocupação de manifestar sobre os acontecimentos e datas festivas do país vizinho, reforçando a vontade de se viver fraternamente com esses imigrantes. 66
65 Jornal Tribuna, 06-05-1948 66 Jornal Tribuna, 14-05-1948
A imigração paraguaia concentrou-se no Centro Oeste do Brasil, em áreas fronteiriças,
porém não se limitou a essa área, como descreve os autores. 67
A imigração sulamericana para o Brasil é destacadamente concentrada zona de fronteira, sobretudo ao longo da porção brasileira da bacia hidrográfica Paraguai/Paraná, ainda que outras regiões do país também recebam parcelas importantes desses migrantes, como representado na Figura 1, adaptada de Matos et. al. (2005). Essa concentração é resultado, em boa medida, da centralidade regional exercida pelo núcleo e o entorno de Foz do Iguaçu e da atração da agroindústria localizada no Sul e no Centro-Oeste brasileiro, responsável pela crescente recepção de imigrantes procedentes do Paraguai. Em menor volume, é também significativa a presença de imigrantes na região do litoral sul, sobretudo na Região Metropolitana de Curitiba e de Porto Alegre, bem como no Sul de Mato Grosso do Sul e nos estados de Mato Grosso e de Rondônia (Matos et. al, 2005).
A intensidade de imigração de paraguaios no século XX pode ser observada no mapa
02, como a opção de escolha foi, além do estado de Mato Grosso do Sul, parte da costa oeste
do Brasil, além de ser a maior imigração sul americana no país, se comparar com a imigração
dos países vizinhos ao Brasil. O mapa 03 demonstra o quantitativo de imigrante paraguaios
nessa costa oeste brasileira, percebe-se maior concentração na região centro sul do país. Essa
concentração apresenta-se já no fim do século passado.
Diferentemente do século XIX, onde o número de imigrantes paraguaios do sexo
feminino era muito superior ao masculino, até mesmo em virtude dos motivos propulsores da
imigração, o século XX, os paraguaios são maioria, pode-se atribuir esse fato ao motivo, que
nesse momento era predominantemente político, diferente da imigração anterior.
Em decorrência desse altíssimo índice de paraguaios na cidade é que foi fundada, no
ano de 1936, a Igreja de Nossa Senhora de Caacupé, uma comunidade pertencente à Paróquia
de Nossa Senhora da Candelária, igreja Matriz da cidade, dizem os moradores e integrantes da
coordenação dessa comunidade que a Igreja surgiu quando um cônsul paraguaio que trouxe
consigo uma imagem dessa santa, cuja devoção no Paraguai é intensa, para rezar junto ao
Asilo São José, situado ao lado da Igreja. A proposta inicial era, segundo relatos, exatamente
essa, acalmar àqueles que precisavam de conforto, conversa e é claro rezar, não se tinha
pretensão de imediato fundar a comunidade de Caacupé, porém a prática desse hábito,
exercido diariamente abarcou a vizinhança, dando início a comunidade com uma pequena
capela onde ficava a Santa trazida e ofertada pelo cônsul paraguaio Antonio Alonso Quintana
67 LOBO, C. et al. Novas Territorialidades e a mobilidade espacial dos imigrantes procedentes do Paraguai residentes no Brasil. Trabalho apresentado no III Congresso da Associação Latino Americana de População, realizado em Córdoba, Argentina, 2008. p. 3
como mostra a placa, localizada atrás da base da imagem. A Santa original fica aos cuidados
dos coordenadores na comunidade. A lenda e os milagres atribuídos a Virgencita de Caacupé,
como é chamada no Paraguai é contada pelos paraguaios orgulhosos de ter uma
“representante” em Corumbá. A lenda apresentada por Sigrist. 68
Dos vocábulos Caá – que significa erva, e Cupê – que significa atrás, a palavra Caacupé se traduz em “atrás da erva-mate”. Isso vale para explicar o significado relativo à Virgem, que se sustenta em uma lenda indígena, contada da seguinte forma: - um índio estava sendo perseguido pelos seus donos, quando se lembrou de Nossa Senhora e prometeu-lhe que se a mesma o salvasse da perseguição, esculpiria a sua figura em madeira da erva mate. Quando os patrões chegaram, ele se escondeu atrás de um pé de erva e não foi visto, o que lhe possibilitou a fuga em seguida. Conta-se que a primeira santa encontrada era esculpida em madeira de erva-mate. Corre a crença de que o lago de Ypacaraí, que quer dizer “água santa”, inicialmente era um poço que foi transbordado e o povo da região rezou à Virgem, para que o transbordamento não continuasse, pois poderia trazer grandes prejuízos às plantações. A santa fez com que aquilo se transformasse num lindo lago, hoje cantado em versos pelos poetas e músicos da terra.
Placa na base que sustenta a imagem de Nossa Senhora de Caacupé
SIQUEIRA, Kiase S. M. O dia 08 de dezembro é comemorado o dia de Nossa Senhora de Caacupé, a data é
celebrada não só no Paraguai onde é feriado nacional, bem como em todo Estado de Mato
Grosso do Sul, e em Corumbá não poderia ser diferente. Há missa presidida em espanhol,
68 SIGRIST, Marlei. A Resistência Cultural do Povo Paraguaio ARCA. Campo Grande, MS, nº 4, 1993. p. 56.
onde grande parte de imigrantes e descendentes paraguaios revivem a festa de poder
homenagear, agradecer, renovar pedidos, enfim estar presente e atuante numa comemoração
que os fazem lembrar do seu povo. A essa religiosidade Sigrist69 observa ainda:
Assim como no Paraguai, as cidades do Mato Grosso do Sul (...) continuam com a tradição de festejar o dia de N. S. de Caacupé, que acontece dia 08 de dezembro. Missas são rezadas e comida em abundância entre as famílias, muita música, dança, podem ser acompanhadas de perto por todo aquele que deseja conhecer um pouco mais dessa cultura. (...) A maior forma de se pagar uma promessa é fazer uma visita à santa, na cidade de Caacupé-Paraguai – a 54 km de Asunción, para onde se dirigem caravanas, romarias de peregrinos, com o objetivo de venerar a imagem, participando de atos religiosos e de festas populares.
69 idem. p. 56.
Imagem da Santa ofertada pelo cônsul paraguaio
SIQUEIRA, Kiase S. M.
A imigração paraguaia é uma marcante no Estado de Mato Grosso do Sul, bem como
se apresenta também em outros Estados do Brasil, o Mapa 02 mostra o território brasileiro
onde há grande concentração desse grupo. Demonstra também que tal imigração é a maior das
imigrações sul americana em solo brasileiro, englobando oito Estados nacionais envolvendo
do sul ao centro oeste do Brasil. O Estado de Mato Grosso do Sul aparece com quase sua
totalidade territorial coberta por esse grupo de imigrante.
Esse comparativo deixa evidente a influencia da cultura paraguaia no Estado, não
obstante, em Corumbá. Contudo podemos perceber que o número de imigrantes vem
diminuindo a cada ano e hoje é muito ínfimo, contudo visitas à cidade são frequentes, em
particular para rever amigos e parentes que vivem em Corumbá.
Mapa 5 – Comparativo da Imigração de Procedência Paraguaia com outras imigrações sul americanas no Brasil.
Fonte: Adaptado de Matos et. al (2005)
Mapa 6 - Imigrantes da década de 1990 procedentes do Paraguai, conforme município de residência.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000 (dados da amostra) Base Cartográfica Digital do IBGE.
A intensidade de imigração de paraguaios no século XX pode ser observada no mapa
05, como a opção de escolha foi, além do estado de Mato Grosso do Sul, parte da costa oeste
do Brasil, além de ser a maior imigração sul americana no país, se comparar com a imigração
dos países vizinhos ao Brasil. O mapa 06 demonstra o quantitativo de imigrantes paraguaios
na costa oeste brasileira, por número de indivíduos, o agrupamento maior está na faixa
fronteiriça, percebe-se maior concentração na região centro sul do país. O que, de certa forma,
consolida a escolha feita pela proximidade territorial. A fronteira seca também favorece essa
imigração, feita em muitos casos de modo ilícito, a Lei do estrangeiro exige algumas regras
que o imigrante deve cumprir ao se tornar um imigrante.
Segundo a Lei do Estrangeiro, quem entrar no país tem que apresentar passaporte ou identidade à Polícia Federal, que lhe dará um visto de entrada e permanência de no máximo 90 dias. A partir daí, para se conseguir o “visto provisório”, haverá uma demora nos trâmites de quase dois anos. Se o estrangeiro pleitear o “visto permanente” – só concedido a quem tiver filho nascido no Brasil ou for casado com uma brasileira, terá que esperar por mais alguns anos. Só que, durante esse tempo, o estrangeiro não poderá exercer atividades profissionais e muito menos ter algum vinculo empregatício, sob pena de ser expulso do país. Nesse período em que os pais não têm documentação brasileira, os filhos, mesmo que tenham nascido no Brasil, não podem se matricular em escolas brasileiras. 70
Entretanto não houve fiscalização com afinco por parte das autoridades brasileiras, até
porque muitos desses imigrantes viviam na clandestinidade trabalhando nas fazendas do
Estado. Não se detinha, portanto o controle de entrada e saída de inúmeros paraguaios que
imigraram para o sul de Mato Grosso. Em meados do século XX a cada ano a imigração
paraguaia vem reduzindo, gradativamente, para o Estado de Mato Grosso do Sul como mostra
o quadro abaixo.
Quadro 04 - Recenseamento de Imigrantes paraguaios Ano Homens Mulheres Total 1940 6.692 5.109 11.801 1950 6.375 5.207 11.581 1960 6530 5601 12131 1970 6597 5306 11903 1980 2562 2646 5208 1990 1849 2073 3922 Fonte: Censo Demográfico Mato Grosso do Sul.
70 Os dados da Imigração. ARCA. Campo Grande, MS, nº 4, 1993. p. 03
1.1 A acolhida em Corumbá
A organização dos imigrantes paraguaios que já residiam na cidade, foi fundamental
ao auxílio à base de apoio, denominada como o 1º Centro Social Paraguayo Brasileiro, uma
espécie de Casa de Abrigo, fundada entre as décadas de 1940-1950, cuja finalidade era a de
ajudar a todos os imigrantes paraguaios que aportavam na cidade, havia inclusive uma
chalana de propriedade de um paraguaio, o mesmo prestava serviços aos patrícios trazendo-os
das embarcações até o porto, pois as embarcações maiores não atracavam no porto de
Corumbá necessitando, portanto, de uma outra de menor tamanho, para atracarem. Ao
aportarem na cidade, os imigrantes eram dirigidos a uma casa71 – casa essa de um imigrante
paraguaio, que já havia adquirido sua independência financeira - e lá permaneciam até
conseguirem emprego, a partir desse momento deixavam a casa cedendo o lugar para outro
patrício que necessitasse da mesma ajuda, até sua adaptação à cidade, era um processo
rotativo. A preocupação era em não deixar abandonado um irmão de pátria. Inicialmente uma
vez por semana, normalmente aos domingos, todos se reuniam para compartilhar da tradição
paraguaia, regados de almoços típicos, com muita música, dança tudo realizado a fim de
aproximar os patrícios e amenizar a falta de familiares. Esses eventos concretizaram a
importância da fundação do 1º Centro Social Paraguayo, porém com a morte dos fundadores
do Centro, os eventos, as festas não foram mais realizadas, perdendo sua essência e prática até
então costumeira. É imprecisa a data de fundação desse 1º Clube, entretanto, ele foi de suma
relevância à fundação do 2º Centro Social Paraguayo Brasileiro, este fundado no dia 6 de
agosto de 1979 com o desígnio de “congregar a comunidade local e a colônia paraguaia”
como reza seu estatuto, preservando sua cultura, um espaço onde há frequentes festas com
ritmos e danças paraguaios como a polca, por exemplo. Os imigrantes e descendentes
paraguaios conseguiram junto ao governo municipal o terreno para a construção da sede do
Centro Social Paraguayo Brasileiro. Com o terreno ofertado, os imigrantes ergueram o clube e
criaram seu estatuto, bem como sua ATA de fundação, cuja designação Brasileiro ainda não
tinha sido incorporado em seu nome.
71 Este local está situado na rua sete de setembro, hoje o local é ponto comercial, na verdade pode se dizer que era peça ampla que era dividida para acomodar os paraguaios.
Foto 3 - ATA de fundação do então Centro Social Paraguaio.
SIQUEIRA, Kiase, S. M.
A grande presença desses imigrantes, a preservação e o orgulho de ser paraguaio e
descendente dos mesmos, realizando bailes e acima de tudo sua organização naquela cidade
foram determinantes para que o presidente do Paraguai fizesse uma brevíssima visita a
Corumbá, em meados do século XX, honrando a todos os seus patrícios com sua presença.
Esse fato demonstra a importância que a cidade tinha para o país. Atualmente o Clube é
composto pelo presidente, vice-presidente, tesoureiro, primeiro secretário, segundo secretário,
as eleições ocorrem a cada dois anos e pode haver reeleição do candidato, a escolha do
presidente é realizada pelos sócios através do voto. Hoje o espaço é também reservado a
festas particulares. Porém perdeu-se muito da essência do objetivo que era manter a tradição
paraguaia num espaço próprio, a organização de outrora tão concreta, hoje se revela
carecendo de uma boa injeção de ânimo, que seria a volta dos patrícios na participação
efetiva.
A importância da presença das colônias paraguaias e bolivianas na cidade foi
fundamental à realização de um programa de rádio apresentado em espanhol e ou guarani
semanalmente, com duração de duas horas na programação da Radio Clube cujo público
almejado era os imigrantes, sobretudo os bolivianos e paraguaios. O programa intitulado
Cultura Tupi-Guarani foi ao ar por quatro anos na década de 1990, como podemos constatar
na reportagem do Jornal Folha de São Paulo. O programa mereceu destaque por ser líder de
audiência. Veja a reportagem escrita pelo correspondente em Campo Grande Fábio Guibu:
“Programa em guarani lidera a audiência.
A Rádio Clube de Corumbá (MS) vem dedicando duas horas de sua programação semanal aos bolivianos e paraguaios. O programa, que se chama “Cultura Tupi-Guarani”, é narrado em castelhano e guarani e vai ao ar aos domingos, das 18h às 20h. Líder de audiência no horário, o programa é apresentado pela paraguaia Lilia Roa. Ela fala sobre os idiomas e a literatura dos dois países e dá dicas a respeito do Brasil aos paraguaios e bolivianos. O programa tem como patrocinadores empresas brasileiras de exportação e comerciantes bolivianos da região da fronteira”.
1.2 Acomodação na nova terra: o trabalho
Assim como o casamento, o batizado, a religiosidade, o trabalho também é uma
formada inserção social. Os imigrantes paraguaios a se fixarem em Corumbá, uma cidade
distante da capital do Estado, Campo Grande cerca de 400 km e mais distante ainda de Ponta
Porá 767 km, cidade que faz divisa com o Paraguai e, portanto mais fácil de apresentar
elevado fluxo de imigrantes paraguaios no Estado. Entretanto em entrevistas imigrante
paraguaia72, que chegou a cidade de Corumbá no ano de 1951, aos 21 anos de idade em busca
de melhores condições de vida, foi possível conhecer um pouco mais sobre esses imigrantes
que aqui residem há muito tempo. Segundo relato da depoente, os imigrantes vinham sempre
em busca de vagas de trabalho, independente da cidade e não importando a distância, onde
houvesse trabalho era o destino de quem o almejava. Assim a cidade de Corumbá oferecia
vagas para quem estivesse disposto a trabalhar, foi exatamente com esse intuito e esperançoso
em conseguir essa vaga que o seu tio chegou à cidade na década de 1920, foi trabalhar em
uma fazenda de gado leiteiro, começou como empregado, anos mais tarde conseguiu, com o
auxilio de sua patroa e dedicação, tornar-se pecuarista, portanto empregador.
Conseguiu estabilidade econômica, posses, respeito e, sobretudo, foi, para sua família,
um porto seguro, pois trouxe, após garantir sua estabilidade, alguns membros de sua família a
Corumbá. Dentre eles sua sobrinha, que reside até hoje na cidade. As dificuldades
encontradas inicialmente foram desvendando-se grandes barreiras a serem superadas, segundo
a depoente a maior delas foi à diferença no idioma – português e espanhol/ castelhano – pois
nada era compreendido, tudo era diferente do que estava acostumada a ver, ouvir e fazer.
Entretanto, os imigrantes não se deixaram abater, até porque aos poucos essas dificuldades e
diferenças foram sendo superadas, dando espaço a um carinho pela cidade que os acolheu,
como podemos observar nessa poesia.
JÁ TE AMAVA CORUMBÁ Corumbá eu te amei antes de te conhecer E cheguei a teu porto décadas atrás Encontrei aqui, parentes, amigos, trabalho e até pretendente. A tua beleza deixou-me encantada As tuas palmeiras são lindas, fagueiras. E o teu pantanal belo sem igual. Foi no carnaval que vi a cultura Deste povo alegre e hospitaleiro Nada entendia do idioma que falavam estes pantaneiros
72 Entrevista realizada com uma imigrante paraguaia.
Mas com a vivencia e o estudo do idioma Foi ficando fácil e tudo compreensível. Iniciei aqui uma nova vida bebi numa fonte de novas culturas Ensaiei no campo da Literatura Escrevi uns cantos e mais outros cantos E assim ingressei no grupo de homens letrados Que me convidaram para fazer parte da ALEC, da APEC e eu aceitei. Com tanto incentivo dos homens letrados consegui escrever algumas poesias Consegui amar muito, muito mais esta Corumbá. E esta terra linda chamada Brasil. Lilia Roa
No mesmo ano chegaram àquela cidade, inúmeros paraguaios que também foram
trabalhar em fazendas, bem como, em décadas posteriores, exerciam sua profissão. Este fato é
de fundamental importância para diferenciar os dois principais momentos da imigração
paraguaia. Diferentemente da imigração ocorrida no século XIX, cujos fatores foram
econômicos, os paraguaios imigrantes do século XX, como se pode notar é mais bem
acolhido, e aceito pela sociedade e participa ativamente com sua profissão, muitos desses
eram marceneiros, carpinteiros, agricultores e exerciam em Corumbá tais atividades. Os
reflexos desse grupo de imigrante estão no cotidiano da população daquela cidade, nos seus
hábitos de fim de tarde, nas rodas de tereré, na dança, como o chamamé, na alimentação, entre
outros. A integração desses povos – brasileiros e paraguaios – há mais de cem anos
consolidou-se em uma cidade fronteiriça que abarcou não só os paraguaios como também
inúmeros outros povos estrangeiros que chegaram a ela. Corumbá é uma fronteira especial
não só por sua condição territorial mais por demonstrar a integração de várias culturas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar em estudar fronteira é uma fascinante aventura e acima de tudo um desafio.
Fascinante porque se abre um leque de oportunidades de pesquisa e um desafio, pois não é
conceituar, como se pode imaginar, erroneamente, de forma transparente esse tema. Por ser
uma cidade receptiva aos imigrantes que a escolheram como a cidade do acolhimento, o novo
lar.
As opções de estudo dos grupos de imigrantes encontrados naquela cidade é variada, a
escolha pela imigração paraguaia surgiu quando da observação de hábitos de influencia
paraguaia em Corumbá.
Os paraguaios estão presentes na cidade desde o fim do século XIX, uma das
imigrações mais antigas nessa fronteira e que, no entanto permanece com um “véu sobre seu
rosto”, ou seja, ainda sabe-se muito pouco, tentamos então levantá-lo ao menos alguns
centímetros.
Os paraguaios e seus descendentes nos receberam tão prontamente, foram muito
receptivos e especialmente dispostos a nos auxiliar em tudo que necessitamos. Mesmo com
forte influência no cotidiano da cidade de Corumbá, algumas lacunas da história desse grupo
de imigrantes, nos intrigou e aguçou nossa curiosidade, o desafio tinha sido lançado e nosso
objetivo era contribuir com a história dessa fronteira, pesquisando e entendendo os caminhos
percorridos por esses imigrantes. A história de Corumbá precisa ser desvendada e escrita.
A constatação de que Corumbá sempre foi receptiva com seus imigrantes não nos
surpreendeu, essa é sua a marca histórica, característica marcante da cidade. Um fato
importante e estimulador de permear sobre sua história, sua gente, seus estigmas, suas ruas
que revelam a simbologia dos “heróis”, bem como apresenta a contribuição de seus
imigrantes na sua formação.
A solidária Corumbá, aberta a oportunidades, apresentada em todo processo de
investigação e levantamento bibliográfico. Este por sua vez revelou ser escasso sobre o objeto
de pesquisa dessa dissertação, sobretudo do século XX. Mesmo com as adversidades
souberam superá-las e realizaram obras significativas naquela cidade.
Os colaboradores da pesquisa foram fundamentais para elencar opiniões orientadas na
organização e busca de um caminho norteador que pudesse esclarecer a realidade e acreditar
que podemos ultrapassar as muralhas do preconceito, exposto em várias formas.
A análise dos resultados das conversas com os imigrantes e descendentes paraguaios, a
pesquisa nos livros da Igreja, nos documentos particulares sustentam a tese de terra
acolhedora, pessoas receptivas, que mantêm hábitos tradicionalmente paraguaios até a
atualidade.
Uma história rica em detalhes, que por vezes passam despercebidos, talvez por estar
disseminada em práticas corriqueiras, mas que a um olhar mais atento é possível observar a
satisfação de expor, de forma transparente e desprovida de qualquer situação desconfortável,
sua trajetória.
Ressaltar a convivência que todos temos em vários grupos com os quais nos
relacionamos como família, amigos, colegas de trabalho entre outro, em um território cuja
diversidade cultural é magnificamente ampla.
Alvo de críticas que envolviam práticas laborais das paraguaias no inicio de sua
imigração foram desmistificando ou, mais que desmistificar é esquecer o que, na verdade, não
teve repercussão discriminatória pela maior parte da população. O pior sentimento de
exclusão de um imigrante é a dificuldade de compreensão, o fato de não poder manifestar sua
vontade verbalmente é a etapa mais dolorosa do processo de adequação a nova realidade.
A pesquisa demonstrou que o fenômeno da imigração, que ocorre em todo mundo, e
os fatos históricos reforçam isso, introduzem na sociedade do acolhimento novos hábitos que
se mesclam, deixando, como no caso de Corumbá, uma identidade caracterizada pela
diversidade cultural.
A opção pelo objeto de estudo advem da relação fronteiriça histórica mantida entre
Corumbá e Assunção. O fato de ser uma relação histórica profunda, intensa ainda no período
colonial, em virtude de Corumbá ter sido um dos palcos de batalha da Grande Guerra, nos
norteou a desvendar os meandros desse linde.
A análise dos referenciais teóricos e dos dados obtidos junto aos colaboradores
demonstrou que a proibição, imposição, opressão, exploração promovem a imigração, quando
esses conceitos, no sentido agressivo das palavras, advem de pessoas responsáveis pelo bem
estar da população. Grandes homens políticos proporcionam, pelos seus atos, a emigração de
seu povo.
O estudo dos livros de matrimônios que envolviam paraguaios e brasileiros revela que
a aceitação foi imediata o inicio da imigração. A concentração da imigração paraguaia
confirma a opção de escolha em virtude da proximidade territorial com o estado de Mato
Grosso do Sul. A trajetória percorrida foi variada, dependeu da ocasião dessa decisão e da
ajuda que tiveram da população local e dos patrícios.
Uma informação, infelizmente não pode ser provada, por meio de fonte escrita, sobre a
viagem do Presidente Paraguaio Higino Morinigo à cidade de Corumbá. A esse fato é preciso
fazer uma terrível constatação: é muito triste descobrir que não há preservação de documentos
do século passado. Não há a preocupação em salvaguardar a história daquela cidade.
Inúmeros exemplares de periódicos da primeira metade do século XX se perderam por falta
de adequada manutenção, cuidado respeito à cidade e por que não aos pesquisadores. Poucos
lugares da cidade de Corumbá têm essa consciência de preservar documentos com o
apropriado cuidado.
A comprovação da forte e marcante influencia paraguaia em Corumbá está retratada
principalmente em duas edificações, o Centro Social Paraguaio Brasileiro, recanto de muitos
patrícios. A perpetuação do hábito de reunirem para discutir acerca da situação do Paraguai,
da imigração, conversas em espanhol ou mesmo em guarani vem, aos poucos, se
desfragmentando, ou seja, como a imigração hoje é muito rara e com pouquíssimos
indivíduos, além de haver poucos remanescentes engajados, as reuniões não mais se realizam
como outrora.
Boas idéias são subitamente abafadas, foi o caso do programa de rádio voltado para
imigrantes e com audiência satisfatória, que terminou por desaparecer, sem motivos concretos
e fortes para tal atitude. Quem sabe eles não reconquistam essa vitória um dia?
Outro prédio a Igreja de Nossa Senhora de Caacupé, que está tão sólida e assiste a toda
comunidade circundante. Percebemos que essa Igreja é preservada com todo cuidado por
imigrantes que enaltecem sua padroeira e se reportam ao feriado paraguaio quando
comemoram seu dia no mês de dezembro.
Os hábitos culinários paraguaios já fazem parte do cotidiano da população e já integra
a identidade tradicional cultura corumbaense.
Fatores diferentes são diretamente proporcionais a inserção dos imigrantes, ou seja, o
motivo determinante da emigração reflete no modo de inserção na sociedade do acolhimento.
Grandes barreiras são superadas, certamente muito ainda tem de ser estudado, contudo
buscamos contribuir no estudo de tema ainda sem processo de desenvolvimento de trabalhos
acadêmicos, e poder colaborar com a história da cidade de Corumbá, cujas lacunas merecem
ser contadas em outras pesquisas. O tema é rico, pesquisar sobre imigração é fascinante,
realizar esse trabalho em uma fronteira peculiar – como é o caso de Corumbá - é mágico.
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ENTREVISTADOS
Livros de batismos nº II e III (1878 - 1886).
Livros de Casamento nº I, II e III (1870 - 1895).
ANEXO
Anexo 01 Casamentos cujo(a)(s) noivo(a)(s) é (são) paraguaio(a) (s), na cidade de Corumbá, no período de 1870-1895.
Noivo - idade Noiva - idade Data do
matrimônio Nacionalidade
do noivo Nacionalidade
da noiva
Manoel Joaquim de Santana
Maria da Cruz Benites
1871 Brasileiro-SE Paraguaia
Mariano Raimundo de
Castro
Maria Joanna Isabel
1871 Brasileiro-MA Paraguaia
Ramão Filismino Augusto
Maria Rita 1871 Brasileiro-RJ Paraguaia
Adolfo João de Souza
Maria Ignácia Paula da Silva
1872 Brasileiro Paraguaia
Basilio Antonio José
Maria Francisca 1872 Austriaco Paraguaia
Francisco Nascimento
Maria Joanna 1872 Brasileiro-BA Paraguaia
Hermanigildo Manoella 1872 Brasileiro-BA Paraguaia
José Estevão Ferreira
Casimira Maria 1872 Brasileiro Paraguaia
Pedro Batista Maria
Domingues 1872 Brasileiro-PB Paraguaia
Theodoro da Silva
Marta Felicia Pineira
1872 Paraguaio Paraguaia
Antonio Bezerra dos Santos
Joanna Baptista Ferreria
1873 Brasileiro Paraguaia
João Pereira Teixeira
Maria Luiza Maciel
1873 Brasileiro Paraguaia
Joaquim José de Barros
Maria Lucia 1873 Brasileiro Paraguaia
Manoel Cipriana da
Concha 1873 Brasileiro Paraguaia
Manoel Jeorge de Santana
Joanita Gualberta
1873 Brasileiro Paraguaia
Vicente Ferreira dos Santos
Luiza Maria Dias 1873 Brasileiro Paraguaia
Antonio Raimundo da
Costa
Maria da Conceição
1874 Brasileiro Paraguaia
Gabriel Moreira dos Santos
Petrona Pasquala 1874 Brasileiro Paraguaia
João Luis Gomes Carlota Amida 1874 Brasileiro Paraguaia
Justino Felis de Faria
Assumpção Martinha
1874 Brasileiro Paraguaia
Justino Fernandes Francisca Dolores
1874 Português Paraguaia
Manoel João Vicenta Ximenes 1874 Brasileiro Paraguaia
Miguel Monteiro Maria do Pilar 1874 Boliviano Paraguaia
Pedro Joaquim Maria Domingos
da Conceição 1874 Brasileiro Paraguaia
Theodoro Carreiro
d´Oliveira
Eusebia Maria Franco
1874 Brasileiro Paraguaia
Vicente da Trindade
Maria dolores 1874 Brasileiro Paraguaia
Virgílio Pereira Dutra
Maria da Cruz Martinha
1874 Brasileiro Paraguaia
Antonio Ferreira dos Santos
Simona Espindola
1875 Brasileiro-RJ Paraguaia
Eusébio Soares Gertrudes Meirelles
1875 Paraguaio Paraguaia
José Bulhões Maria Simona
Ayala 1875 Brasileiro-PE Paraguaia
Manoel Fagundes de Santiago
Miguela de Jesus 1875 Brasileiro-MG Paraguaia
Manoel Leandro da Penha
Ignácia Maria Fernandes
1875 Brasileiro-PB Paraguaia
Anastácio Alves Simona 1876 Brasileiro-MG Paraguaia
João Antunes Cunha
Valeriana Fernandes
1876 Brasileiro-RJ Paraguaia
João de Castro Acelina
Gonçalves 1876 Brasileiro-MA Paraguaia
João Eusébio Vanega
Maria Luiza Mendes
1876 Boliviano Paraguaia
Jose Baptista de Magalhães
Maria Raia Gonçalves
1876 Brasileiro-BA Paraguaia
Jose Vicente da Silva
Rafaela da Aranha
1876 Brasileiro-BA Paraguaia
Larran Bungo Maximinia
Calonga 1876 Paraguaio Paraguaia
Marcelo Jose Pereira
Matilde de Freitas
1876 Brasileiro-BA Paraguaia
David Ferreira dos Santos
Maria Chaves 1877 Brasileiro Paraguaia
Eduardo Elias Feliciana Valente
1877 Francês Paraguaia
Joaquim Casiria de Asambuja
Felizarda Alvaninga
1877 Brasileiro-
naturalizado Paraguaia
Manoel de Barros Eusebia
Gonçalves 1877 Brasileiro-CE Paraguaia
Manoel Pereira de Souza
Anacleta da Rosaria
1877 Brasileiro-PE Paraguaia
Vicente Chaves Maria Paulina 1877 Paraguaio Paraguaia
Eduardo Clart Maria Dinis 1878 Inglês Paraguaia
João Ramires Maria Leandra 1878 Paraguaio Paraguaia
Manoel Ignácio de Moraes
Maria Paulina 1878 Brasileiro-RJ Paraguaia
Rafael João de Souza
Maria ercedes 1878 Brasileiro Paraguaia
Raimundo Rodrigues
Francisca Paula 1878 Brasileiro-CE Paraguaia
Ramigio Carretto Josefa Ignacia
Cruz 1878 Italiano Paraguaia
Agostinho Affan de Castro
Maria Melchiara Espinoza
1879 Brasileiro Paraguaia
Ângelo da França Rosana Lopes 1879 Brasileiro-BA Paraguaia
Antonio Joaquim de Souza
Maria de Jesus 1879 Brasileiro-BA Paraguaia
Bento José Fernandes
Francisca do Rosário
1879 Brasileiro-RJ Paraguaia
Bernardo F. da Costa Filho
Maria Theresa 1879 Brasileiro-MA Paraguaia
João Herculano Daniela Falaço 1879 Brasileiro-PB Paraguaia
João Matos Oliveira
Joanna Regis 1879 Brasileiro-PB Paraguaia
Luis Gastão Estefania Santos 1879 Brasileiro-BA Paraguaia
Manoel Castilho Rosa Isabel 1879 Paraguaio Paraguaia
Virgilio da Costa Guimaraes
Tarríbia do Carmo
1879 Brasileiro-RS Paraguaia
Manoel Antonio Guimaraes
Maria Germana 1880 Brasileiro-RJ Paraguaia
Manoel Raimundo
Maria Cruz 1880 Brasileiro-BA Paraguaia
Silvio Levas Maximiliano
Maria 1880 Francês Paraguaia
Olimpio Carletti Joseph Isabel 1882 Italiano Paraguaia
Antonio Gomes Francisca Cabanhos
1883 Brasileiro-SE Paraguaia
Manoel dos Santos Rosa
Francisca Ribeiro
1883 Português Paraguaia
Pedro Gonçales Rosalia Ximenes 1883 Paraguaio Paraguaia
João Baptista Pereira
Fernanda Alencan
1884 Português Paraguaia
Manoel A. de Souza Costa
Maria Aguero 1884 Brasileiro-SE Paraguaia
Domingo Candido
Isidora Sanabria 1885 Italiano Paraguaia
Francisco da Silva
Maria Paula 1885 Brasileiro-RJ Paraguaia
João Cristóvão da Silva
Filippa 1885 Paraguaio Paraguaia
João Ignácio Rocha
Francisca Martinha
1885 Paraguaio Paraguaia
Manoel do Nascimento da
Cunha Maria de Jesus 1885 Brasileiro Paraguaia
Mariano da Silva Marianna Dominga
1885 Brasileiro-MG Paraguaia
Domingos Rompolde
Francisca Calismo
1886 Italiano Paraguaia
João Baptista - 34 Gabriela Gonçales
1886 Brasileiro Paraguaia
Jose Mirales Maria Almada 1886 Brasileiro-BA Paraguaia
João Justino Moreira - 24
Maria do Pilar – 24
1887 Brasileiro-BA Paraguaia
Manoel Francisco de Souza - 36
Jesuína da Maza - 16
1887 Brasileiro-PE Paraguaia
Virgulino Jose Francisco – 45
Maria Pereira Dias - 35
1887 Brasileiro-PE Paraguaia
Adão Primeiro - 35
Maria Francisca Gomes - 45
1888 Brasileiro-MG Paraguaia
Salvator Provençano - 38
Maria Porletha - 22
1888 Italiano Paraguaia
Adelino Gomes da Lira
Maria Angas da Silva
1889 Brasileiro-RN Paraguaia
Francisco de Paula Alhitles
Maria Lucia Triarte
1890 Brasileiro-RJ Paraguaia
João Ricardo Salvatierra - 28
Maria Flores - 29 1890 Boliviano Paraguaia
Jose Gracopella - 55
Cecília Brevenha - 39
1890 Italiano Paraguaia
Mauricio Vicente - 33
Iathania de Jesus - 16
1890 Brasileiro Paraguaia
Feliciano Moreno - 18
Virginia Maria Gonçalves - 17
1891 Paraguaio Brasileira
Gregório Duarte - 28
Emília Francisca de Souza
1891 Paraguaio Brasileira
Pascoal Acostac - 28
Maria Mercedes Barreto – 25
1891 Paraguaio Paraguaia
Jorge Thomaz de Alvarenga
Manoela Davalo 1892 Brasileiro - naturalizado
Paraguaia
Jose Gimenes - 28
Maria Luiza Duarte – 15
1892 Paraguaio Brasileira
Jose Pereira da Silva - 22
Prudência Antonia
Rodrigues - 21 1892 Brasileiro Paraguaia
Francisco Rabelo Joana Maria
Saraca 1893 Brasileiro Paraguaia
Heros Ramiro - 20
Leopoldina da Conceição
1893 Brasileiro -RJ Paraguaia
João Muy d’ Almeida - 76
Manoela Antonia - 40
1893 Espanhol Paraguaia
Luiz da França Reis - 37
Salustiana Natano - 14
1893 Brasileiro Paraguaia
Ageo Aureliano da Costa Paiva -
52
Maria Dolores Florentina - 26
1894 Brasileiro - PB Paraguaia
Celestino Birestem - 27
Clara Flores - 30 1894 Paraguaio Brasileira
Firmino Jose da Silva - 28
Amélia Maria da Conceição - 21
1894 Português Paraguaia
Manoel Espindola - 28
Carmem Erocar - 14
1894 Brasileiro Paraguaia
Paulino Francisco Rosa - 32
Miguela do Rosário
Navarros -18 1894 Brasileiro Paraguaia
Antonio Rodrigues Pereira
-33
Henriqueta Emilia Vieira Cunha - 21
1895 Brasileiro Paraguaia
Emilio Paniolle - 35
Gregoria Vilalba 1895 Francês Paraguaia
Faustino Espínola - 40
Maria Amélia d’ Oliveira - 18
1895 Paraguaio Brasileira
Jose Luiz Cabral - 30
Maria Cândida das Neves - 23
1895 Paraguaio Brasileira
Miguel Germano da Costa - 22
Maria do Carmo Romaz - 16
1895 Paraguaio Brasileira
Valentim Costelado - 28
Petrona Panyagua - 16
1895 Paraguaio Brasileira
Fonte: Arquivo da Igreja Nossa Senhora da Candelária, Livros I, II e III, Corumbá, MS.
Anexo 02 Batizados de filhos de paraguaios
Nome da criança
idade Nome do pai Nome da mãe Data do batizado
Emilia 3 meses Eduardo Elias –
Francês Feliciana Valente -
Paraguaia 1878
Maria Rafaela
10 dias
Miguel Piantui - Italiano
Rosana Gonçales - Paraguaia
1878
Guilherme
50 dias
Candido de Souza - Brasileiro
Hermanguda Gonçales - Paraguaia
1878
Jose
5 dias
Francisco Bancisco - Italiano
Maria Rocha - Paraguaia
1878
Basthalanisco
X
Jose Antonio - Paraguaio
Petrona Gonçales- Paraguaia
1878
Beliriana
8 meses
Honesto Jose Leandro
Maria - Paraguaia 1878
Luiz
4 meses
Estevão Baquechimet –
Austríaco
Plácida Puena - Paraguaia
1878
Maria
1 mes Vicente de Arane
Maria Dolores - Paraguaia
1879
Antonia
7 dias
Antonio Lirante - Italiano
Petrona Branca - Paraguaia
1879
Manoel Antonio
6 meses João da Costa -
Paraguaio Juliana - Paraguaia 1879
Theodoro Antonio
X Luis Sambiasi -
Italiano Maria d Assumpção -
Paraguaia 1879
Emilio
3 meses
Eduardo Soares de Mattos - Português
Plácida Canteiro - Paraguaia
1879
Ângelo
X
Nicola Salassi - Italiano
Gabriela Paes - Paraguaia
1879
Venâncio
20 dias
João Carlos - Italiano
Dolores - Paraguaia 1879
Francisco
2 meses
Vicento De Livio - Italiano
Miguela Sales - Paraguaia
1879
Igna
5 meses Francisco Juliano
Petrona Sanches - Paraguaia
1879
Manoel
4 meses
Jose Ignácio de Carmelo – Português
Maria do Carmo - Paraguaia
1879
Mariana
20 dias
Messias Pereira dos Santos - Brasileiro
Maria do Espírito Santo - Paraguaia
1879
Jaimes
X
Miguel Esceles - Espanhol
Aumerinda Gabaral - Paraguaia
1880
Joanna
50 dias
João Auriemime- Italiano
Ana Raiego - Paraguaia
1880
Cassiano
1 ano
Elistenio Marques. Brasileiro
Anna Josepha da Silva. Paraguaia
1879
Saturnino
1 mês
Gabriel Moreira dos Santod. Brasileiro
Petrona Pasquala. Paraguaia
1882
Paula
X
Ramão Filismino Augusto. Brasileiro
Maria Rita. Paraguaia 1882
Francisco
9 dias
Carlos Maia. Italiano
Ramona Dolores. Paraguaia
1883
Rosenda
1 mês
Pedro Gonçalves. Paraguaio
Rosalia Ximenes. Paraguaia
1883
Maria
3 meses
Vicente Livirio. Italiano
Miguela Valdez. Paraguaia
1884
Filippe
1 dia Manoel Vieira
Francisca Gomes Alves. Paraguaia
1884
Autesio
5 meses
Manoel Augusto dos Santos.
Lourença. Paraguaia 1884
Constantino
5 meses
Jose Germano Pereira Gomes
Margarida. Paraguaia 1884
Hermanogildo
3 meses Firmino Mariano.
Paraguaio Gabriela. Paraguaia 1884
Maria
7 meses Jose Lopes. Português
Maria Petrona. Paraguaia
1884
Maria
4 meses
Manoel Marinho. Português
Virginia Petronilha. Paraguaia.
1884
Francisco
1 mês Jomaris da Silva. Francisca Pereira.
Paraguaia 1886
Fonte: Arquivo da Igreja Nossa Senhora da Candelária, Livros II e III, Corumbá, MS.