Qualidade do ensino superior: os cursos de
Administração de Empresas 1ª parte – Diagnóstico
Flavio Farah*
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Sumário
Introdução 3
O fator determinante da qualidade do ensino superior 3
Conclusão 6
Docente do ensino superior: uma profissão? 6
A formação dos professores universitários e a 8
pós-graduação estrito senso
A legislação da pós-graduação estrito senso 9
Conclusão 10
Os cursos de mestrado e doutorado 10
Instituição A 10
Instituição B 11
Instituição C 13
Conclusão – causas das distorções 14
Os cursos de pós-graduação lato senso em magistério do 17
ensino superior
Conclusão 17
Podem os professores evoluir? – a prática docente 18
O ambiente das IES 18 Estrutura Organizacional das IES 18
Processo seletivo 19
Remuneração 19
Treinamento 20
Avaliação de desempenho 20
Retenção de talentos 21
Desligamento 21
Número de alunos por classe 21
Número de disciplinas lecionadas 21
Atribuição de disciplinas 22
O conteudo das disciplinas 23
Gestão do conhecimento pedagógico 23
A situação própria dos professores 23
Conclusão 24
Notas 27
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Introdução
O propósito deste trabalho é analisar a qualidade do ensino superior de um ponto de vista centrado
nos cursos de Administração de Empresas. Não é finalidade deste estudo, porém, focalizar o aluno e
suas condições de aprendizagem, mas sim, as condições de ensino, ou seja, o lado do professor. Da-
qui por diante, usaremos a sigla IES em substituição à expressão instituições de educação superior.
O fator determinante da qualidade do ensino
superior
Não constitui preocupação deste trabalho conceituar a qualidade do ensino superior de modo amplo,
mas sim, destacar e estudar um particular fator que determina essa qualidade. Qual é, pois, o fator
determinante da qualidade do ensino superior para os fins do presente estudo?
Na Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI, da UNESCO, a qualidade em
educação superior foi definida da seguinte forma:
“A qualidade em educação superior é um conceito multidimensional que deve envolver todas as
suas funções e atividades: ensino e programas acadêmicos, pesquisa e fomento da ciência, provisão
de pessoal, estudantes, edifícios, instalações, equipamentos, serviços de extensão à comunidade e o
ambiente acadêmico em geral. Uma auto-avaliação interna transparente e uma revisão externa com
especialistas independentes, se possível com reconhecimento internacional, são vitais para assegurar
a qualidade. Devem ser criadas instâncias nacionais independentes e definidas normas comparativas
de qualidade, reconhecidas no plano internacional. Visando a levar em conta a diversidade e evitar a
uniformidade, deve-se dar a devida atenção aos contextos institucionais, nacionais e regionais
específicos. Os protagonistas devem ser parte integrante do processo de avaliação institucional.”(1)
Esse conceito é demasiadamente amplo para os propósitos do presente estudo, pois abrange todas
as atividades inerentes a uma universidade. O que interessa discutir aqui não é a qualidade da edu-
cação superior em geral, mas tão somente a qualidade do ensino. Vamos, então, formular um outro
ponto de partida para estreitar o foco.
Toda organização é criada com um propósito, ou seja, é criada para alcançar certos objetivos, para
produzir determinados resultados. Pode-se considerar que qualquer organização é constituída dos
seguintes elementos:
Quadro de agentes. É o conjunto dos membros da organização com suas respectivas qualifica-
ções;
Infra-estrutura física. Constituída pelos prédios, instalações, máquinas, equipamentos, ferra-
mentas e instrumentos de trabalho utilizados pelos membros da organização;
Estrutura organizacional. É o conjunto de atividades – denominado papel organizacional –
que cada membro da organização desempenha;
Processo. É um conjunto de papéis organizacionais, integrado segundo certas normas que deter-
minam o modo como esses papéis devem ser desempenhados. Qualquer organização possui vá-
rios processos.
Os membros da organização usam a infra-estrutura física para colocar em marcha os processos e,
assim, produzir os resultados esperados pela organização. Em uma IES, pode-se dizer que o prin-
cipal processo é o ensino, que tem a aprendizagem como resultado principal esperado. Os docentes
de uma IES usam a infra-estrutura física da instituição para operar o processo de ensino com o obje-
tivo de produzir aprendizagem. Disso resulta que a aprendizagem é condicionada por três fatores:
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(a) infra-estrutura física da instituição; (b) qualificação formal de seus docentes, aqui entendida co-
mo titulação e/ou experiência profissional; e (c) qualificação material dos mestres, isto é, compe-
tência no uso de métodos e técnicas de ensino.
Dentre esses três fatores, o que será discutido no presente estudo é tão somente o terceiro: métodos
e técnicas de ensino. Por que esse fator e apenas esse? Pelos seguintes motivos:
1. A UNESCO declara que “para atingir e manter a qualidade nacional, regional ou internacional,
certos componentes são particularmente relevantes, principalmente a seleção cuidadosa e o trei-
namento contínuo de pessoal, particularmente a promoção de programas apropriados para o
aperfeiçoamento do pessoal acadêmico, incluindo a metodologia do processo de ensino e apren-
dizagem ...”.(2)
2. Em 2006, do total de matrículas nos cursos de graduação presenciais, 61% eram do período no-
turno. Esse índice era de cerca de 70% e 75% nas IES privadas e particulares, respectivamente.
Em outras palavras, cerca de três quartos dos alunos das instituições particulares estudam à noi-
te. Coloca-se como hipótese que uma das principais características do aluno que estuda à noite –
e trabalha durante o dia(3) – é a menor disponibilidade de tempo e a menor disposição para
realizar, de forma autônoma, atividades de estudo fora da sala de aula. Por esse motivo, o aluno
do período noturno, para aprender, depende fortemente de sua interação com o professor. Em
tais condições, os métodos e técnicas de ensino assumem, para o estudante do período noturno,
importância maior do que a infra-estrutura física da instituição.
3. Dentre os estudantes que participaram do ENADE 2006, 73% declararam que a maioria de seus
professores utiliza a aula expositiva como técnica de ensino predominante. Para se entender o
que isto significa em termos de qualidade do ensino, é preciso recordar que, historicamente, a
didática passou por três grandes etapas:
1ª) ensino verbalista;
2ª) ensino intuitivo;
3ª) ensino ativo.
O ensino verbalista, também chamado de “ensino pela palavra”, foi o primeiro estilo de ensino
de toda a História do homem e vem sendo praticado há milhares de anos. Esse estilo ainda é
usado, sendo hoje representado pelas aulas expositivas. O ensino verbalista baseia-se na idéia de
que ensinar significa transmitir conhecimentos, como se o professor pudesse conectar um cabo
entre seu cérebro e o cérebro dos estudantes e despejar tudo que ele sabe nas mentes dos alunos.
Se isso for verdade, então os estudantes não precisarão fazer nada, bastará que fiquem “atentos”,
permanecendo em posição passiva: o professor fala e os alunos escutam. “Transmissão de
conhecimentos”, porém, não existe. É um engano. O processo de aprendizagem é muito
diferente. A pedagogia moderna já demonstrou que, para haver aprendizagem, é necessário que
o aluno atue sobre o conteúdo. Em outras palavras, só existe aprendizagem quando o aluno
realiza uma atividade a respeito do tema que está sendo lecionado. Atualmente, existe um certo
consenso de que as aulas expositivas são adequadas apenas em certas circunstâncias bem especí-
ficas. Isto nos leva à terceira etapa da didática, o chamado ensino ativo. Praticar o ensino ativo
significa reduzir ao mínimo a parte expositiva e aumentar ao máximo as atividades realizadas
pelos alunos, tais como exercícios e estudos de caso. Dentro da perspectiva do ensino ativo, uma
boa aula é aquela em que os alunos trabalham e o professor orienta. Além de mais eficaz, o ensi-
no ativo é bem mais interessante e agradável para os alunos do que as aulas passivas, nas quais
eles não fazem nada.
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Conclui-se, pois, que, a julgar pelo que responderam os participantes do ENADE 2006, a
maioria dos professores utiliza, predominantemente, uma técnica de ensino pouco eficaz.
4. No final de 2002 e início de 2003, foi feita uma pesquisa com uma amostra de 283 alunos evadi-
dos de uma IES situada na Região Sul do Brasil.(4) Os entrevistados declararam quais os aspec-
tos de funcionamento da instituição que precisavam ser corrigidos para se melhorar a qualidade.
O item mais citado pelos estudantes foi “Metodologia das aulas”, com 48% de menções, vindo
a seguir “Comunicação interna e externa” e “Corpo docente”, ambos com 46% de citações cada
um.
No mesmo estudo, os alunos também declararam quais os elementos que contribuem para a boa
qualidade de um curso de graduação. O mais citado foi “Contar com professores com grande
capacidade de transmissão de conhecimentos”, por 76% dos entrevistados. O item seguinte foi
“Possuir ótima infra-estrutura de laboratórios, equipamentos e biblioteca”, com 50% de citações,
e “Ser reconhecido no meio acadêmico como um curso de boa qualidade”, mencionado por 39%
dos entrevistados.(5) Os entrevistados declararam ainda as razões pelas quais se evadiram. As
três mais importantes foram, pela ordem: questões pessoais, problemas financeiros e deficiência
didático-pedagógica dos professores.(6) Os dados, portanto, sugerem que: (a) os alunos perce-
bem a deficiência didático-pedagógica dos professores, sendo essa deficiência uma causa impor-
tante de evasão; b) para os entrevistados, os métodos e técnicas de ensino são mais importantes
do que as instalações físicas da instituição; (c) quanto piores forem os métodos/técnicas de ensi-
no, tanto menor será o sacrifício financeiro que os estudantes estarão dispostos a fazer para con-
tinuar os estudos.
5. Foi realizado um estudo com 16 cursos de graduação em Ciências Contábeis oferecidos por IES
situadas no norte de um dos estados do Sul do País.(7) O objetivo do estudo era aferir a qualida-
de do ensino de Ciências Contábeis, considerando-se os resultados do ENC – Exame Nacional
de Cursos (posteriormente ENADE) – e do ES – Exame de Suficiência – instituído pelo CFC
(Conselho Federal de Contabilidade). O autor do estudo formulou três hipóteses, dentre as quais:
Hipótese 2 – Os motivos da qualidade insuficiente do ensino contábil são a formação acadêmi-
ca, a formação profissional e o regime de trabalho (horista) do corpo docente.
Em relação a essa hipótese, as conclusões do autor foram as seguintes:
A Hipótese 2 foi confirmada parcialmente. Nos doze cursos que não alcançaram conceitos
A e B em nenhuma das duas edições do ENC/ENADE e que também obtiveram índices de
reprovação de mais de 40% no ES, todos os respectivos docentes possuem pós-graduação.
O mesmo foi verificado quanto à formação profissional, pois 60% dos professores que atuam
nos referidos cursos possuem outras atividades profissionais além da docência. A formação aca-
dêmica do corpo docente, bem como sua experiência profissional, portanto, não foram suficien-
tes para assegurar uma boa qualidade do ensino. O autor, então, concluiu que a causa mais signi-
ficativa do problema é o regime de trabalho dos professores. Não explicou, porém, como chegou
a essa conclusão.
O fato de o autor não fornecer dados sobre o regime de trabalho dos docentes sugere que ele não
buscou esses dados. Se não os buscou, é de se supor que ele não considerava importante esse
fator. Em outras palavras, o autor esperava que a baixa qualidade de ensino dos cursos pesquisa-
dos fosse explicada pela falta de formação acadêmica ou de experiência profissional dos profes-
sores. Ele supôs que, se o corpo docente fosse titulado ou possuísse experiência profissional na
área, isto deveria ser suficiente para garantir uma satisfatória qualidade de ensino, mas tal não se
verificou. Por que, então, o autor supôs que a causa deveria ser o regime de trabalho dos
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professores se, no texto do estudo, não constam dados sobre esse fator? Talvez ele tenha sido
influenciado pela opinião dos coordenadores dos cursos. Em outra parte do trabalho, o autor
buscou a opinião dos coordenadores sobre as causas dos maus resultados obtidos pelos alunos.
Dos dezesseis gestores, cinco (33%) citaram o regime de trabalho dos docentes como causa
desses resultados.
A causa do problema dos cursos de graduação em Ciências Contábeis poderia ser o regime ho-
rista de trabalho dos respectivos professores mas poderia ser também sua falta de competência
pedagógica, apesar de serem titulados e de exercerem profissionalmente a atividade contábil.
Essa hipótese não foi contemplada pelo autor do trabalho em questão, o que sugere que esse
fator talvez esteja sendo negligenciado pelos estudiosos da qualidade do ensino superior.
Conclusão
Consideramos que a qualidade do ensino depende: (a) da infra-estrutura física da IES; (b) da qua-
lificação de seus docentes, entendida como titulação e/ou experiência profissional; e (c) de sua ca-
pacidade no uso de métodos e técnicas de ensino.
Dentre esses três fatores, destacamos o último para estudo porque:
a) O aperfeiçoamento da metodologia do processo de ensino e aprendizagem foi considerado parti-
cularmente relevante pela UNESCO;
b) Colocamos como hipótese que o aluno que estuda à noite, e que constitui a maioria, depende
fortemente de sua interação com o professor para aprender. Em tais condições, o processo de en-
sino-aprendizagem assume importância maior do que a infra-estrutura física da instituição;
c) A maioria dos professores continua a utilizar, como técnica de ensino predominante, a aula ex-
positiva, um método didático adequado apenas em umas poucas situações;
d) As pesquisas sugerem que, para os alunos: (a) o fator que mais contribui para a boa qualidade de
um curso de graduação é a competência pedagógica dos professores; (b) uma das maiores defi-
ciências das IES, senão a maior, está na metodologia de ensino; (c) depois das questões pessoais
(decepção com o curso, por exemplo) e dos problemas financeiros, o principal motivo de evasão
do estudante universitário está na deficiência didático-pedagógica dos professores;
e) As pesquisas sugerem que nem a titulação do docente nem o fato de este exercer a atividade que
leciona garantem a qualidade do ensino;
f) A possível falta de competência pedagógica dos docentes é um fator que talvez esteja sendo ne-
gligenciado pelos estudiosos da qualidade do ensino superior.
Essas são as razões pelas quais, ao falarmos da qualidade do ensino universitário, concentramo-nos
nos métodos pedagógicos como fator determinante dessa qualidade. Falar em métodos e técnicas
pedagógicas, porém, impõe-nos a obrigação de examinar a formação do professor universitário.
Docente do ensino superior: uma profissão?
Ao abordar a formação do professor universitário, a primeira pergunta a ser feita é: o professor uni-
versitário precisa formar-se? Em outras palavras, “professor universitário” é uma profissão?
Profissão é qualquer atividade remunerada exercida habitualmente por uma pessoa. Existem duas
grandes categorias de profissão: a) técnica; b) não técnica. Atividade técnica é aquela que demanda
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a aplicação de métodos especializados. A atividade técnica envolve a aplicação de uma metodologia
rigorosa, ou seja, o uso de procedimentos formais que não fazem parte do corpo de conhecimentos
comuns nem são ensinados nos cursos regulares do ensino fundamental ou médio, devendo ser ad-
quiridos em instituições próprias por meio de cursos especializados. A atividade técnica consiste na
operacionalização do conhecimento científico, permitindo aplicações práticas que decorrem de uma
teoria. O indivíduo exercente de uma atividade técnica põe em prática métodos que estão organiza-
dos de forma sistemática e que se baseiam em conhecimentos científicos.
O ofício de “professor universitário” envolve a execução de atividades técnicas que consistem na
aplicação de métodos e técnicas didáticas derivados de conhecimentos contidos em ciências tais co-
mo a Psicologia da Aprendizagem, ou seja, a docência de nível superior envolve a aquisição e a
aplicação de conhecimentos científicos. Isto nos leva a concluir que “professor universitário” é uma
profissão, e uma profissão técnica de nível superior. Em tais condições, para exercer a docência, o
professor universitário precisa formar-se.
Esclarecida a natureza técnico-profissional da atividade do professor universitário, a pergunta
seguinte é: o ensino de nível superior é uma profissão regulamentada?
Profissão regulamentada é aquela regida por uma legislação própria que, em geral:
Define o nome oficial da profissão;
Estabelece as atribuições e prerrogativas do profissional;
Institui um órgão de fiscalização do exercício profissional;
Define os pré-requisitos para o exercício da profissão, entre eles a posse do diploma profissional
e a inscrição no órgão citado no item anterior;
Fixa as penalidades administrativas pelo exercício ilegal da profissão.
As profissões regulamentadas, em geral, também possuem, cada qual, um Código de Ética que re-
gula os deveres e proibições a que os membros da respectiva profissão estão sujeitos. Esse Código
costuma ser editado pelo órgão que fiscaliza o exercício da profissão.
Face a essas características, conclui-se que a profissão de professor universitário não é regulamenta-
da, pois:
Não há legislação específica que regule o exercício do magistério superior;
A profissão não possui nome oficial;
Não há curso que confira o diploma de “professor universitário” ou de “docente do ensino supe-
rior”, não se exigindo, como consequência, o referido diploma para o exercício da profissão;
Não existem órgãos de fiscalização do exercício profissional;
Não existem pré-requisitos fixados em lei para o exercício da profissão;
Não existem penalidades pelo exercício ilegal da profissão.
Assim, considerando que, por um lado, os professores universitários precisam formar-se para exer-
cer a docência em nível superior e, por outro, que não há cursos que confiram o diploma correspon-
dente, perguntamos: Como podem, então, esses docentes formarem-se como tais? A nosso ver, exis-
tem três candidatos ao posto de formadores de docentes de nível superior: a) o curso de Pedagogia;
b) a PGES – pós-graduação estrito senso; c) o curso de pós-graduação lato senso em magistério do
ensino superior. Destes, descartamos logo de saida o primeiro por ter foco na educação básica. Res-
ta analisar os dois últimos. No próximo item, portanto, será examinada a PGES como formadora de
professores universitários.
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A formação dos professores universitários e a
pós-graduação estrito senso
Neste item, vamos tentar responder duas questões: 1) a finalidade da PGES é formar professores
universitários? 2) Independentemente de sua razão de ser, a PGES forma, de fato, docentes para o
ensino superior? Para responder a primeira pergunta, vamos investigar a legislação pertinente.
A legislação da pós-graduação estrito senso
A LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) não distingue entre
graduação e pós-graduação quando trata do ensino superior. Em seu art. 43, a Lei dispõe sobre as
finalidades da educação superior:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento
reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem
patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras
formas de comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a
correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa
estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e
regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de
reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas
e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na
instituição.
O artigo 43 define genericamente as finalidades da educação superior sem fixar especificamente os
fins da PGES.
Por outro lado, as modalidades de educação superior são fixadas no art. 44 da LDB:
Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I - cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a
candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino;
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II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e
tenham sido classificados em processo seletivo;
III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de
especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de
graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;
IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso
pelas instituições de ensino.
O art. 44, caput, dispõe que a educação superior abrange “cursos e programas”, definindo, em seu
inciso III, que a pós-graduação compreende “programas de mestrado e doutorado”. A pouco clara
redação da LDB deixa dúvidas sobre o status da PGES: se é um curso ou um simples programa.
Qual seria, porém, a diferença entre ambos?
No âmbito do ensino superior, curso é um conjunto de disciplinas de formação profissional que
levam à obtenção de um diploma que está sujeito a registro nos órgãos definidos em lei. Os cursos
superiores têm carga horária mínima, estão abertos a candidatos que atendam aos requisitos pré-
estabelecidos na legislação e estão sujeitos a processos de autorização, reconhecimento e renovação
de reconhecimento, com procedimentos específicos que garantam a qualidade do ensino. No caso
dos cursos superiores de pós-graduação, os respectivos candidatos têm sua admissão condicionada à
posse de um diploma de graduação. Em resumo, curso superior é um tipo regulamentado de ensino,
enquanto programa de educação superior é uma modalidade de ensino não regulamentada cuja
qualidade não se pode garantir. A distinção entre ambos, portanto, é relevante.
Não obstante a dúvida deixada pelo art. 44 da LDB, a Câmara de Educação Superior do Conselho
Nacional de Educação baixou a Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001, que estabelece
normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação. Essa resolução, em seu art. 1º,
caracteriza a PGES como um curso que compreende programas de mestrado e doutorado.
Continuando a análise da LDB, seu art. 66 dispõe:
Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-
graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.
O art. 66 define que a finalidade do mestrado e do doutorado é preparar para o magistério superior.
Com redação imprecisa, esse artigo não afirma categoricamente que a finalidade do mestrado e do
doutorado é formar professores universitários. Ademais, de acordo com o referido dispositivo legal,
a preparação dos docentes não há de ser feita exclusivamente nesses cursos, mas sim, prioritaria-
mente. Isto significa que outros cursos podem servir ao “preparo” de professores para o magistério
superior.
Outro preceito da LDB, o art. 52, dispõe:
Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros
profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano,
que se caracterizam por:
I – (...)
II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
III – (...)
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O caput do art. 52 define os fins das universidades, mencionando explicitamente a formação de
profissionais de nível superior e de pesquisadores. Surpreendentemente, porém, dentre as finalida-
des das instituições universitárias, não consta, de modo explícito, a formação de docentes para o en-
sino superior.
O inciso II do mesmo art. 52 estabelece que as universidades devem possuir no mínimo um terço do
corpo docente com diploma de mestrado ou doutorado. Isto significa que dois terços dos professo-
res dessas instituições podem ser constituidos de docentes sem qualquer título de pós-graduação,
isto é, de professores simplesmente graduados, portanto sem formação docente específica. No caso
das instituições não universitárias de ensino superior, a LDB é ainda mais leniente, não exigindo
nenhum tipo de formação pedagógica para seu quadro de professores.
Conclusão
A nosso ver, as imprecisões, omissões e indecisões da LDB vistas acima deixam em situação incer-
ta a formação de professores universitários, pois a lei não colocou categoricamente a PGES como
formadora de docentes para o ensino superior.
Os cursos de mestrado e doutorado
Se a LDB não afirma claramente que os cursos de PGES devem formar professores universitários,
cabe perguntar: os cursos de PGES formam, de fato, pesquisadores e docentes para o ensino supe-
rior, apesar das deficiências da lei? Vamos tentar responder essa pergunta analisando os cursos de
PGES em Administração de Empresas de três renomadas instituições paulistas.
Instituição A
Mestrado
O curso de mestrado da Instituição A tem por objetivo “preparar docentes, pesquisadores e
profissionais à reflexão científica sobre temas atuais da Administração, estimulando o domínio
dessa ciência e de suas ferramentas analíticas.” O curso, que tem duração máxima de 2,5 anos
(5 semestres), apresenta as seguintes disciplinas obrigatórias:
Métodos de pesquisa;
Métodos quantitativos de pesquisa;
Teoria das organizações;
Estratégia.
Na relação acima, salta aos olhos a completa ausência de disciplinas pedagógicas. Em relação à área
de metodologia científica, a disciplina Métodos de Pesquisa explicita alguns dos procedimentos
quantitativos de pesquisa mais utilizados nas ciências sociais, de modo a fornecer aos alunos
instrumentos que os ajudem a elaborar seus projetos de dissertação. Por outro lado, Métodos Quan-
titativos de Pesquisa, na verdade, é uma disciplina de estatística destinada a desenvolver a capacida-
de de análise estatística de dados.
Considerando que, até o final do 3º semestre, o aluno tem que apresentar sua proposta de
dissertação, conclui-se que, provavelmente, a única pesquisa que ele fará durante o curso, se fizer,
será aquela relativa à dissertação.
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Doutorado
O curso de doutorado, por sua vez visa “preparar profissionais para a reflexão científica sobre os
temas atuais da Administração, estimulando o domínio dessa ciência e de suas ferramentas
analíticas, com um diferencial: a ênfase na atividade de pesquisa e o direcionamento à busca de
novas contribuições para o conhecimento.”
No doutorado também não existem disciplinas pedagógicas, e a única disciplina metodológica
obrigatória é Métodos Qualitativos de Pesquisa, que tem por objetivo “o aprofundamento da
discussão sobre questões referentes ao uso da pesquisa qualitativa no campo das ciências sociais”.
Nesse curso, que tem duração máxima de 4,5 anos (9 semestres), o aluno tem que apresentar sua
proposta de tese até o final do 5º semestre.
O processo seletivo da Instituição A consta de duas etapas: 1ª) teste ANPAD; 2ª) apresentação de
documentos e entrevista com a banca de seleção. Como não existem critérios pré-definidos para a
banca de seleção julgar os candidatos, o processo torna-se não transparente, não existindo, assim,
garantia de que seja justo.
Outra observação quanto ao processo seletivo é que, dos candidatos ao doutorado, não se exige
nenhum documento que comprove qualificação para a docência nem se lhes aplica algum teste
prático de didática. Isto significa que qualificação para a docência não é um critério de avaliação
dos candidatos a esse curso.
A conclusão a que se chega é que, nos cursos de mestrado e doutorado da Instituição A, o aluno não
adquire formação docente, pela absoluta ausência de disciplinas pedagógicas. Considerando-se,
ainda, que as disciplinas metodológicas são teóricas, e que o aluno, logo após iniciar o curso, vê-se
obrigado a mergulhar na elaboração da dissertação/tese, somos forçados a concluir também que
esses cursos não formam pesquisadores habilitados.
Instituição B
Mestrado
O Curso de Mestrado em Administração de Empresas da Instituição B tem por objetivo “formar
professores com habilidades na utilização da metodologia científica, motivados a investigar
fenômenos e fatos da realidade da Administração, com visão estratégica e integradora, que busquem
o auto-aprendizado contínuo.”
As disciplinas obrigatórias são:
Análise de Decisões Financeiras;
Elementos do Comportamento Organizacional;
Estudos e Análise Organizacional;
Metodologia do Trabalho Científico;
Planejamento Estratégico.
Nota-se igualmente a ausência de disciplinas pedagógicas, bem como a presença de uma única
disciplina metodológica, denominada Metodologia do Trabalho Científico.
Por outro lado, é estranho que o objetivo desse curso seja “formar professores com habilidades na
utilização da metodologia científica”. Quem deveria ter habilidades em metodologia científica são
os pesquisadores. Por outro lado, se o objetivo do curso é formar professores, então as habilidades
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pertinentes deveriam ser as didático-pedagógicas. A impressão que se tem é a de que existe uma
indecisão sobre o que privilegiar: formação de professores x formação de pesquisadores.
Doutorado
O Curso de Doutorado, por sua vez, tem como objetivo “formar pesquisadores com profunda e
excelente base científica, comprometidos com a geração, a transmissão e a facilitação do processo
de aprendizagem de novos conhecimentos sobre as tecnologias avançadas de gestão empresarial,
visando contribuir para o desenvolvimento econômico do país.”
As disciplinas obrigatórias são:
Competitividade Empresarial;
Ensino em Administração;
Epistemologia e Trabalho Cientifico;
Métodos Qualitativos de Pesquisa em Administração;
Métodos Quantitativos de Pesquisa em Administração.
Percebe-se uma certa incoerência entre os objetivos dos cursos e as respectivas disciplinas. O
mestrado declara ser seu objetivo a formação de professores mas não contém disciplinas
pedagógicas. Já o doutorado enfatiza a formação de pesquisadores mas inclui uma disciplina
pedagógica denominada Ensino em Administração.
É de se ressaltar a declaração da Instituição de que o objetivo do doutorado é “formar pesquisadores
(...) comprometidos com a geração, a transmissão e a facilitação do processo de aprendizagem de
novos conhecimentos (...)”. Essa declaração sugere que a Instituição B acredita não ser difícil
formar cientistas capazes de lecionar o conhecimento com a mesma competência com que o
produzem.
O processo seletivo do curso de doutorado inclui uma “prova de habilidades em projetos de
pesquisa”, na qual o candidato recebe um tema na linha de pesquisa que escolheu, para o qual terá
que desenvolver um pré-projeto de pesquisa que cumpra “o padrão de um doutorado”. Isto significa
que, no processo seletivo, o candidato deve demonstrar proficiência em metodologia de pesquisa.
Mas isso não deveria ser pré-requisito para admissão ao curso, uma vez que capacitação em
pesquisa, supostamente, constitui o próprio objetivo do curso. Outro paradoxo é que o processo
seletivo do doutorado da Instituição B exige dos candidatos uma habilidade em pesquisa que não é
fornecida pelo mestrado da mesma Instituição.
O processo seletivo também inclui uma entrevista que tem peso igual a 30% na nota final dos
candidatos. Trata-se igualmente de uma etapa cujos critérios de avaliação são desconhecidos.
Novamente, não se exige dos candidatos ao doutorado nenhum documento que comprove
qualificação para a docência nem se lhes aplica algum teste prático de didática. Qualificação para a
docência, portanto, nada significa em termos de avaliação dos candidatos a esse curso.
Conclusão: na Instituição B, o curso de mestrado não forma professores nem pesquisadores.
O curso de doutorado também não forma pesquisadores, pois o respectivo processo seletivo é
configurado de tal forma que são admitidos apenas candidatos já proficientes em metodologia de
pesquisa, mas cuja proficiência não pode ser adquirida no mestrado da Instituição.
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Instituição C
Mestrado
O curso de mestrado da Instituição C tem por objetivo “iniciar a formação de seus alunos nas
atividades de pesquisa e docência em Administração.”
As disciplinas obrigatórias são:
Metodologia de Pesquisa Aplicada à Administração I;
Didática do Ensino em Administração;
Monitoria Didática I.
Existe uma disciplina pedagógica nesse curso: Didática do Ensino em Administração. Quando se
inspeciona o plano da disciplina, porém, constata-se vários aspectos questionáveis:
1) O programa compõe-se de apenas doze aulas, a serem ministradas em três meses, sendo que, das
doze aulas, seis correspondem a seminários e seis a sessões de microensino. Parece claro, portanto,
que se trata de um programa insuficiente para formar um professor dotado de competências
didático-pedagógicas;
2) O uso do seminário como estratégia de aprendizagem de capítulos do programa parece
incoerente, pois, em uma disciplina de didática, a técnica do seminário deveria ser exatamente um
dos tópicos a serem ensinados aos alunos;
3) Os objetivos declarados da disciplina são possibilitar que o aluno: a) incorpore “conceitos
fundamentais em Didática do Ensino Superior”; b) “conheça as estratégias básicas de ensino e saiba
escolher entre elas em momentos de necessidade na prática”; c) passe por um “treinamento didático
prático que possa revelar-lhe suas principais potencialidades como professor”. Parece, pois, que o
objetivo da disciplina não é permitir que o aluno adquira competências didático-pedagógicas, mas
apenas revelar-lhe “suas principais potencialidades como professor”.
No campo metodológico, consta a disciplina Metodologia de Pesquisa Aplicada à Administração I.
Embora o respectivo programa seja bastante completo, a duração do curso é limitada a um semestre
letivo.
Doutorado
O curso de doutorado, por sua vez, tem por objetivo “aprofundar a formação de seus alunos nas
atividades de pesquisa em administração.” As disciplinas obrigatórias são:
Metodologia de Pesquisa Aplicada à Administração I;
Didática do Ensino em Administração;
Monitoria Didática II.
As disciplinas são as mesmas do mestrado? Sim e não. As duas primeiras são oferecidas apenas
para alunos de doutorado que não possuam o título de mestre. O doutorando que já for mestre
cursará apenas a disciplina Monitoria Didática II.
Outro paradoxo: embora o objetivo do curso seja aprofundar a formação dos alunos em pesquisa,
aparentemente não existe nenhuma disciplina de “aprofundamento”, quer dentre as obrigatórias,
quer dentre as eletivas.
14
O processo seletivo, tanto para o mestrado quanto para o doutorado, consta de três etapas, todas
eliminatórias: 1ª) provas; 2ª) avaliação da documentação do candidato pela comissão de seleção;
3ª) entrevista.
A documentação a ser apresentada pelo candidato na segunda etapa consta de:
currículo Lattes;
histórico escolar do curso de graduação (para o mestrado) e também do curso de pós-graduação
(para o doutorado);
projeto da dissertação de mestrado (mestrado) ou da tese de doutorado (doutorado);
cópias de publicações.
A primeira observação é que não existem critérios pré-definidos, quer para classificar a
documentação apresentada na segunda etapa, quer para classificar os candidatos por ocasião da
entrevista. Não sendo o processo transparente, não se pode verificar se é justo.
A segunda observação é que se exige do candidato ao mestrado a apresentação prévia do projeto da
dissertação. Mas, em se tratando de um trabalho acadêmico de pós-graduação, não seria objetivo do
curso exatamente capacitar o aluno a elaborar um tal trabalho? Se isto for verdade, por que exigir do
candidato uma habilidade que ele não tem obrigação de possuir?
A terceira observação é que se exige do candidato ao doutorado a apresentação prévia do projeto de
tese, que deve prever obrigatoriamente um teste de hipótese. Mas, pelo que foi visto até aqui, é
pouco provável que o candidato tenha adquirido capacitação em pesquisa no mestrado. Assim, a
menos que o pretendente tenha adquirido essa capacitação por outro meio, não se compreende como
ele conseguirá elaborar e apresentar um projeto de tese aceitável.
A quarta observação é que, novamente, não se exige dos candidatos ao doutorado documentos que
comprovem qualificação para a docência nem se lhes aplica algum teste prático de didática.
Qualificação para a docência, portanto, aqui também não é critério de avaliação dos candidatos a
esse curso.
Conclusão – causas das distorções
De todo o exposto, a julgar pelas instituições examinadas, conclui-se que os cursos de PGES não
formam docentes para o ensino superior, pois sua grade curricular é fraca no tocante à formação
pedagógica. E a maneira como tais cursos são projetados com respeito à sua configuração e modo
de acesso leva a pensar que existe, por parte das citadas Instituições, uma certa indiferença, ou até
mesmo menosprezo, em relação à formação de professores universitários.
Percebe-se também, pela configuração dos processos seletivos do doutorado, o favorecimento a
candidatos que já sejam pesquisadores. Isto significa que, embora o suposto objetivo de tais cursos
seja a formação de cientistas, as instituições examinadas, de modo incoerente, privilegiam o
ingresso de acadêmicos já experientes em pesquisa, deixando em clara desvantagem os demais,
principalmente quando se considera que os cursos de mestrado desses mesmos centros de ensino
não proporcionam o domínio da metodologia científica. A impressão que se tem é que as
instituições não desejam admitir alunos, mas sim, pesquisadores já formados para integrar seus
quadros.
15
Como causas dessas distorções, colocam-se as seguintes hipóteses.
1) A histórica desvalorização da atividade docente. Um dos indicadores do desprestígio do
magistério é a questão do registro profissional. O art. 317 da CLT, em sua redação original, de
1943, estabelecia que, para exercer o magistério em escolas particulares, o professor deveria
registrar-se no Ministério do Trabalho. O registro dependia da apresentação dos seguintes
documentos pelo professor: a) certificado de habilitação para o exercício do magistério,
expedido pelo Ministério da Educação; b) cédula de identidade; c) atestado de antecedentes
criminais; e) atestado de isenção de doença infecto-contagiosa.
O art. 61 da antiga LDB (Lei nº 4.024/61) estabelecia que, para lecionar no ensino médio, os
professores deveriam estar registrados “no órgão competente”. A Lei nº 5.692/71, que fixou
Diretrizes e Bases para o ensino fundamental e médio, manteve a exigência em seu artigo 40,
fixando que o registro profissional deveria ser feito em “órgão do Ministério da Educação e
Cultura”. O art. 317 da CLT teve sua alteração alterada e simplificada pela Lei nº 7.855/89,
passando a dispor apenas que os professores deveriam registrar-se no Ministério da Educação.
Finalmente, a nova LDB (Lei nº 9394/96), ao revogar tanto a antiga LDB como a Lei
nº 5.692/71, aboliu a exigência de registro. Por outro lado, em relação aos docentes do ensino
superior, nunca se lhes foi exigido qualquer tipo de registro profissional. Pelo contrário, o art. 69
do Decreto nº 5.773/06 estipula que “O exercício de atividade docente na educação superior não
se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional”.
Outro indicador de desvalorização da docência são os salários pagos ao professor. Os docentes
brasileiros em escolas de ensino fundamental têm um dos piores salários mundiais da categoria.
No mundo todo, dentre 73 cidades, apenas 17 pagam aos docentes salários inferiores aos de São
Paulo, entre elas Nairobi, Lima, Mumbai e Cairo.(8) No Brasil, o salário médio de um professor
da rede pública com curso superior e com, no mínimo, 15 anos de experiência (US$ 15,4 mil)
não chega a metade (48,5%) da remuneração dos demais profissionais (US$ 31,7 mil).(9)
2) A crença de que o indivíduo competente na produção do conhecimento também é compe-
tente para comunicá-lo. Dito de outro modo: supõe-se que a pessoa mais indicada para trans-
mitir um conhecimento seria aquela que o produz. De acordo com essa crença, a comunicação
do saber seria o resultado automático de sua produção. Esse modo de pensar leva às seguintes
conclusões: a) não se pode admitir a existência de um docente que não seja também pesquisador
e vice-versa; b) a formação dos estudantes de mestrado ou doutorado não precisa incluir a
aquisição de competência pedagógica; basta que os alunos adquiram capacidade de investigação
científica.
Até onde vai o conhecimento do autor deste trabalho, não existem evidências científicas a
demonstrar que os indivíduos competentes na produção do conhecimento também têm
capacidade de lecioná-lo. Também parece não haver evidências de que aquele que tem interesse
em pesquisa também tem, automaticamente, o mesmo grau de interesse pela docência e vice-
versa. Em sentido contrário, veja-se o caso histórico de Kant. Immanuel Kant (1724-1804), um
dos maiores pensadores de todos os tempos, reconheceu humildemente sua dificuldade de
comunicação e pediu aos “excelentes homens que tão afortunadamente equilibram a perfeita
sabedoria com o talento da exposição lúcida” que assumissem a “tarefa de elevar a minha obra
― muito falha neste particular ― a maior perfeição”.(10) Quer isto dizer que Kant pediu ajuda
para divulgar sua obra àqueles que a compreendessem e que possuíssem competência didática.
Será verdade que todo bom cientista é necessariamente um bom docente? Aparentemente não,
pois as aptidões, interesses, conhecimentos, habilidades e atitudes necessários a quem pesquisa
parecem ser diferentes daqueles necessários aos que lecionam. “Parece que há poucas dúvidas
16
de que a pesquisa requer competências e qualidades profissionais completamente diferentes das
exigidas pelo ensino (...). Elas podem apresentar-se todas nas mesmas pessoas, obviamente;
porém, é frequente encontrar excelentes pesquisadores que são professores medíocres (ou não se
comunicam bem, ou utilizam um tipo de discurso muito elevado e complexo, ou mantêm
relações conflituosas com seus estudantes, ou não têm tempo suficiente para preparar a aula, ou
estão mais envolvidos com os conteúdos que explicam do que com a forma como seus
estudantes os decodificam e assimilam etc.)”(11)
Também parece que o ambiente em que um pesquisador exerce seu ofício é substancialmente
diverso daquele em que o professor exerce o seu. Durante o curso de mestrado, o autor deste
trabalho mais de uma vez ouviu queixas e comentários de colegas sobre professores que eram
obrigados a lecionar e que eram péssimos docentes porque não tinham paciência para o ensino
e que não faziam segredo de que, se pudessem, dedicariam todo o seu tempo à pesquisa.
Também durante o mestrado, este autor teve dois professores que, em vez de lecionarem um
conteúdo geral em suas respectivas disciplinas, abordaram exclusivamente os temas objeto das
estreitas linhas de pesquisa que eles estavam seguindo, linhas nas quais este autor não tinha
interesse.
O fato de os professores limitarem seu ensino aos temas que estão pesquisando pode produzir
efeitos negativos, já que tais questões constituirão apenas um segmento reduzido e muito
especializado da disciplina que estão lecionando.(12)
A hipótese que se coloca é que, à medida que o tempo passa e quanto mais um pesquisador se
aprofunda em uma certa área de conhecimento, tanto mais se reduzem sua capacidade e sua
disposição de comunicar seu conhecimento a indivíduos mais leigos do que ele e tanto mais se
reduz sua disposição de lecionar outro assunto que não seja o de sua área de investigação.(13)
3) A legislação. O artigo 65 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) dispõe que
a formação docente incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas, exceto para a
educação superior. A conseqüência é que, ao não exigir prática de ensino nem qualquer outro
requisito pedagógico para a formação de docentes para o ensino universitário, a lei deixou sua
preparação ao acaso.
4) O enorme status acadêmico concedido à pesquisa e o quase desprezo devotado ao ensino. “O que normalmente é avaliado nos concursos de ingresso e promoção são os méritos das
pesquisas; o que os professores e seus departamentos tendem a priorizar por causa dos efeitos
econômicos e do status são as atividades de pesquisa; o destino prioritário dos investimentos
para formação do pessoal acadêmico, em geral, é orientado principalmente para a formação em
pesquisa (...). Isso faz com que (...) a docência se transforme em uma atividade marginal dos
docentes (gg. do a.). Na realidade, são muitos (...) os que defendem que, para ser um bom
professor universitário, o mais importante é ser um bom pesquisador. Eles entendem que
“pesquisar” constitui um nível de desenvolvimento intelectual superior (...).”(14) As evidências
nesse sentido são as seguintes:
a) O principal requisito estabelecido para conclusão dos cursos de PGES e conseqüente
titulação dos alunos é a aprovação de sua defesa de dissertação ou tese. Essa aprovação
significa o reconhecimento, por parte da instituição, da proficiência do estudante em
metodologia científica bem como do domínio da área de concentração escolhida. Nenhuma
demonstração de proficiência, porém, é exigida no campo pedagógico; este é simplesmente
ignorado.
17
b) Os critérios adotados pela CAPES para avaliação dos cursos. A avaliação da CAPES está
totalmente voltada para os aspectos ligados à pesquisa. Ao julgar as atividades formativas,
por exemplo, a CAPES não avalia a estrutura curricular do ponto de vista da formação
pedagógica dos alunos, limitando-se a verificar a adequação das disciplinas ministradas em
relação às áreas de concentração do curso e às respectivas linhas e projetos de pesquisa. No
tocante ao corpo docente, a CAPES avalia principalmente sua titulação, tipo de vínculo com
a instituição e regime de trabalho, passando ao largo de sua competência pedagógica. Já em
relação aos “produtos” dos cursos, são avaliadas a produção científica e a produção de
dissertações e teses. A CAPES não investiga a competência pedagógica adquirida pelos
alunos.
c) O prestígio de uma IES não depende da qualidade de seu ensino mas apenas dos cursos de
pós-graduação que mantém e das pesquisas que promove. Em conseqüência, nas instituições
fortes em pesquisa, o ensino tende a ser tratado como atividade de terceira classe, como
subproduto sem valor, como mal necessário.
Na área educativa, os resultados dessas distorções são a não formação de docentes habilitados e a
ausência de pesquisas em pedagogia do ensino superior.
No próximo item, examinamos os cursos de pós-graduação lato senso em magistério do ensino
superior como formadores de docentes universitários.
Os cursos de pós-graduação lato senso em
magistério do ensino superior
Várias IES oferecem cursos de pós-graduação lato senso em magistério do ensino superior. Ao se
examinar, porém, os objetivos e a grade curricular de alguns desses cursos, constata-se que quase
todos possuem natureza exclusivamente teórica, mesmo no âmbito de uma disciplina como “Didáti-
ca do Ensino Superior”. A esse propósito, veja-se, por exemplo, a metodologia que um professor
propõe para essa disciplina: “a) exposição dialogada; b) seminários; c) trabalhos individuais e em
grupo; d) produção de textos”.(15) A metodologia proposta não prevê atividades que façam os
estudantes exercitarem a prática docente.
A amostra examinada sugere que tais cursos não permitem a aquisição de habilidades didáticas pe-
los alunos. Em tais circunstâncias, o docente só poderia adquirir tais habilidades se encontrasse nas
próprias IES um ambiente de aprendizagem semelhante ao das empresas privadas, um ambiente que
lhe permitisse transformar sua prática pedagógica em um processo de melhoria contínua, com o
docente sendo orientado por mestres que ministrassem ensino de qualidade, realizando uma perma-
nente experimentação e aprendendo pela experiência. Esse ambiente, porém, não existe, como vere-
mos a seguir. Também é difícil que o docente assuma um processo de melhoria contínua de forma
autônoma, sem orientação de terceiros, por força das condições em que exerce o magistério.
Conclusão
A conclusão a que se chega é que, não importa a titulação do docente (Especialista, Mestre, Dou-
tor), provavelmente ele não terá formação pedagógica ou, se a tiver, esta será altamente deficiente.
18
Podem os professores evoluir? – a prática docente
Se os cursos de pós-graduação não formam docentes para o ensino superior, então poder-se-ia espe-
rar que esses professores aperfeiçoassem sua prática pedagógica com o passar do tempo? A resposta
é não. Para se entender o motivo, deve-se examinar as condições em que os docentes exercem seu
ofício. A análise que segue aplica-se às IES privadas, focalizando o ensino em nível de graduação.
O ambiente das IES
Estrutura Organizacional das IES
A estrutura organizacional das IES se biparte em duas subunidades estruturais bem nítidas, que
funcionam de modos completamente distintos: de um lado, a estrutura administrativa, que executa
as atividades-meio da instituição; de outro, a estrutura docente ou de ensino, que realiza as ativi-
dades-fim. O organograma das IES, em geral, compõe-se, com ligeiras variações, de uma Reito-
ria/Diretoria Geral, à qual estão subordinados um Pró-Reitor Acadêmico/Pró-Reitor de Gradua-
ção/Diretor de Unidade (Diretor de Faculdade, Diretor Acadêmico ou Chefe de Departamento) e um
Pró-Reitor/Diretor Administrativo, da seguinte forma:
Reitor
______________|_____________
| |
Pró-Reitor Acadêmico Pró-Reitor Administrativo
A estrutura docente é dirigida pelo Pró-Reitor Acadêmico/Pró-Reitor de Graduação/Diretor de
Unidade, ao qual se subordinam os coordenadores de cursos (também chamados de gestores de
cursos), e os professores:
Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
| | |
Coordenador Coordenador Coordenador
de curso de curso de curso
| | |
Professores Professores Professores
Por outro lado, a estrutura administrativa, que aglutina as áreas de apoio da IES, é dirigida pelo Pró-
Reitor/Diretor Administrativo:
Pró-Reitor Administrativo
____________________|__________________
| | |
Administração Finanças Gestão de Pessoas
A estrutura administrativa, dirigida pelo Pró-Reitor/Diretor Administrativo, funciona, em linhas
gerais, de modo análogo ao das empresas privadas, com empregados contratados no regime da CLT
trabalhando em período integral. Esses funcionários compõem uma estrutura hierárquica tradicio-
nal, isto é, uma estrutura em forma de pirâmide que molda as costumeiras relações chefe-subordina-
do. Os indivíduos que compõem a estrutura administrativa interagem contínua e principalmente
com outros funcionários administrativos e, em menor escala, com os integrantes da estrutura docen-
te. Essa configuração apresenta, como resultados, a criação e manutenção de vínculos fortes entre
os funcionários administrativos e entre estes e a IES.
19
Em comparação, a estrutura de ensino, dirigida pelo Pró-Reitor Acadêmico/Pró-Reitor de Gradua-
ção/Diretor de Unidade, compõe-se geralmente de docentes dos quais a maioria trabalha apenas um
ou alguns dias por semana, recebendo por hora.aula. Esses professores costumam ser admitidos no
regime da CLT, quando seu destino é a graduação, ou contratados como autônomos, se forem cha-
mados a lecionar em programas de menor procura, como os cursos de pós-graduação e de extensão.
Os professores interagem contínua e principalmente com os alunos, principal público externo das
IES e, em menor escala, com os integrantes da estrutura administrativa. É comum que os integrantes
da estrutura docente, isto é, professores e gestores de cursos, vinculem-se a mais do que uma IES
(nesse aspecto eles se assemelham aos médicos dos hospitais privados, que tendem a manter empre-
gos em várias instituições de saúde). O resultado desse arranjo é a existência de vínculos frágeis
entre os integrantes da estrutura docente e entre estes e a IES. Na realidade, os docentes universitá-
rios tendem a ser vistos como profissionais autônomos, mesmo quando contratados no regime
celetista. Essa visão tem conseqüências nas práticas de gestão de pessoas adotadas pelas IES em
relação a seus professores.
Processo seletivo
Em geral, cabe aos gestores a seleção de docentes para os cursos que coordenam. Se as IES
encaram os professores universitários como profissionais autônomos, então o processo de
contratação tende a ser baseado na intenção de contratar um profissional qualificado, onde o termo
“qualificado” significa “profissional pronto para produzir”. Isto quer dizer que, quando estiver
conduzindo um processo seletivo, um gestor de curso nunca olhará os candidatos como
profissionais em desenvolvimento ou a desenvolver, mas sempre como candidatos que, para serem
considerados, devem estar “prontos”, pois a IES não lhes oferece um ambiente de aprendizagem.
Assim, os candidatos que não apresentarem essa característica fundamental tenderão a ser
rejeitados.
O requisito da “prontidão” se traduz na exigência de que os candidatos a uma vaga no quadro
docente da IES possuam domínio do conteúdo da respectiva disciplina, prática profissional,
experiência (tempo de militância) no magistério superior e, talvez, diploma de mestre ou doutor, se
a IES estiver pressionada a contratar candidatos titulados. Se, por outro lado, a instituição
contratante tiver tradição em pesquisa, os requisitos mudam. Nesse caso, o critério de seleção tende
a ser baseado na titulação, na experiência como pesquisador e nos trabalhos científicos publicados
pelo candidato. A formação pedagógica e as habilidades didáticas do pretendente não serão
requisitos para admissão, ou seja, seu mérito como professor não será considerado. Como os
candidatos à admissão nas IES são, em sua grande maioria, docentes sem formação pedagógica,
idêntica característica será verificada entre os contratados. O resultado é que a bagagem dos recém-
admitidos dificilmente ajudará na melhoria do ensino da instituição contratante. Eventualmente, o
processo seletivo poderá incluir a obrigação de o candidato ministrar uma aula-teste para o gestor-
selecionador. Mesmo nesse caso, porém, a correta aferição das habilidades didáticas do pretendente
dependerá da capacidade pedagógica do próprio gestor e de seu conhecimento acerca da disciplina
objeto do teste.
Remuneração
As IES tendem a remunerar o pessoal da estrutura administrativa com salários fixos e os docentes
com salário variável, isto é, por hora.aula, quer estes últimos sejam contratados pela CLT, quer
sejam admitidos como autônomos. Os professores recebem também um percentual sobre o salário-
base denominado “hora-atividade”, para remuneração de atividades extra-classe como preparação e
correção de provas e trabalhos, preparação de aulas, pesquisa ou participação em reuniões e em
outros eventos. No Estado de São Paulo, o percentual da hora-atividade é de apenas 5% nas
instituições privadas. Em tais condições, as atividades extra-classe tendem a ser vistas pelo docente
20
como “não compensadoras”. Assim, a forma de remuneração dos integrantes da estrutura de ensino
atua no sentido de estimular o professor a reduzir ao máximo as atividades não magisteriais,
restringindo-se apenas e tão somente à docência, e contribuindo para manter fracos seus vínculos
com a instituição.
Em geral, o sistema adotado pelas IES para remunerar seus professores é o da remuneração
funcional, isto é, a remuneração baseada no cargo. A esse respeito, é comum existir nas IES um
quadro de carreira constituído, por exemplo, de uma série inicial composta pelos cargos de
Professor Assistente I, II e III, que incluem docentes detentores, respectivamente, dos títulos de
Especialista, Mestre e Doutor, sendo a carreira completada com os cargos finais de Professor
Adjunto e Professor Titular. Costuma-se atribuir um valor fixo de remuneração a cada cargo. O
acesso (promoção) aos cargos iniciais depende da titulação e, aos cargos finais, depende do tempo
de serviço e do “desempenho”. O docente recém-contratado é enquadrado em um dos cargos
iniciais da carreira de acordo com seu título. Os acréscimos de remuneração, portanto, dependem de
promoção.
Treinamento
A tendência das IES é não criar programas de aperfeiçoamento para seus professores. Vários fatores
contribuem para isso: a fragilidade do vínculo professor-instituição; a visão dos docentes como
profissionais autônomos, portanto os únicos responsáveis por seu próprio desenvolvimento; a
consideração dos professores como profissionais “prontos” e, mais do que isso, como “prontos e
acabados”, isto é, dotados de um certo conjunto de habilidades fixas; a crença de que o magistério
superior seja uma atividade não passível de aperfeiçoamento; e, talvez, a disposição de não investir.
Se um docente, por sua própria iniciativa, se inscrever em um programa de treinamento, essa
participação não exercerá nenhuma influência na remuneração que ele recebe da Instituição onde
leciona.
Avaliação de desempenho
Muitas IES utilizam instrumentos de avaliação de desempenho dos professores. Em geral, esses ins-
trumentos assumem a forma de questionários de múltipla escolha contendo itens genéricos tais co-
mo a qualidade do conteúdo lecionado, do material didático, da exposição etc., que são preenchidos
pelos estudantes ao final do curso ou do semestre. Podem esses instrumentos avaliativos contribuir
de alguma forma para o aperfeiçoamento dos docentes e para a melhoria da qualidade do ensino?
A primeira observação a fazer é que o fato de a avaliação ser realizada sempre ao final do curso ou
do semestre, portanto em prazos pré-definidos, e por meio de um instrumento formal como o
questionário, indica que essas avaliações não se destinam a orientar o desenvolvimento do docente,
mas sim, têm natureza exclusivamente decisória, ou seja, destinam-se unicamente a permitir que a
IES decida se mantém o docente ou se o demite.
Em segundo lugar, deve ser observado que a entrevista de feedback não é uma prática institucionali-
zada nas IES. Em conseqüência, muitos docentes tendem a ser demitidos sem saber a razão.
A terceira observação é que, em geral, a avaliação é feita exclusivamente pelos alunos, ou seja,
pelos “clientes”. O gestor do curso, que é o chefe imediato do professor, não o avalia, nem pode
fazer isso observando diretamente seu desempenho, pois não assiste suas aulas. O gestor toma
decisões em relação ao docente baseado apenas no que dizem os alunos.
Em quarto lugar, o questionário preenchido pelos alunos fornece apenas um “instantâneo”, isto é,
uma “fotografia” imprecisa e incompleta do desempenho do docente. Como a IES encara o
21
professor como um profissional “pronto”, a instituição não sabe e, em geral, não tem interesse em
saber, se ele está evoluindo ou não, se está fazendo algum esforço para melhorar seu magistério,
qual o seu potencial, qual o seu grau de interesse pela docência e assim por diante. Esse conjunto
muito mais completo de informações seria o “filme” do professor, que a IES não tem.
A quinta observação é que as avaliações, por terem caráter genérico e serem feitas por alunos, não
detalham, de um ponto de vista pedagógico, quais as condutas corretas do docente e quais os
aspectos que ele precisa melhorar.
Por todos esses motivos, os questionários de avaliação de desempenho preenchidos por alunos
pouco podem ajudar no tocante ao aperfeiçoamento dos professores.
Retenção de talentos
As IES tendem a não recompensar os melhores mestres e a não reconhecer os esforços de
desenvolvimento pessoal que seus professores porventura fizerem. O desempenho e o potencial dos
integrantes do quadro docente são, talvez, de conhecimento exclusivo dos gestores de curso. Nas
IES não existem, portanto, estratégias destinadas à retenção de talentos.
Desligamento
Os professores contratados pelas IES são supostos qualificados em virtude de sua experiência. De
fato, considerando-se a maneira como seu desempenho é avaliado, os docentes tendem a ser
demitidos por razões administrativas (por exemplo, excesso de faltas ou de atrasos) ou se seu
desempenho for considerado gritantemente ruim por parte dos alunos.
Número de alunos por classe
Nos cursos de Administração das instituições privadas, é comum que o professor seja obrigado a le-
cionar para uma turma de oitenta ou cem alunos. Em uma classe desse tamanho, torna-se difícil,
senão impossível, utilizar métodos didáticos eficazes; a aula tende a assumir uma feição pesada-
mente expositiva. Em tais condições, mesmo que o docente fosse capaz de ministrar ensino de qua-
lidade, ele encontraria sérios obstáculos para fazê-lo.
Número de disciplinas lecionadas
Em se tratando do curso de Administração, a estrutura organizacional das IES estimula os pro-
fessores a assumir várias disciplinas de áreas de concentração diferentes. Essa estrutura organiza-
cional também torna difícil que os docentes partilhem suas experiências. Os professores que lecio-
nam uma mesma disciplina tendem a permanecer isolados e a não trocar idéias entre si.
A maneira como a estrutura organizacional produz esse efeito é a seguinte. Foi visto que a estrutura
docente das IES é dirigida pelo Pró-Reitor Acadêmico ou Diretor de Unidade, ao qual se subor-
dinam os coordenadores de cursos e os professores:
Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
| | |
Coordenador Coordenador Coordenador
de curso de curso de curso
| | |
Professores Professores Professores
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Nesse tipo de estrutura, compete aos gestores a seleção de docentes a serem contratados para os
cursos que coordenam. Suponhamos, por exemplo, que uma determinada IES possua um curso de
graduação em Administração, um de graduação em Ciências Contábeis e um curso de tecnologia
em Gestão Empresarial, cada qual com seu respectivo gestor, da seguinte forma:
Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
| | |
Gestor do curso de Gestor do curso de Gestor do curso de
Administração Ciências Contábeis Gestão Empresarial
Os três cursos provavelmente possuirão, em sua grade curricular, por exemplo, uma disciplina como
GP – Gestão de Pessoas. Nestas condições, é provável que os três coordenadores contratem três
professores diferentes para lecionar essa mesma disciplina em seus cursos. O coordenador do curso
de Administração provavelmente não dará atenção ao fato de existirem professores de GP nos
outros dois cursos, e vice-versa. E os três professores de GP provavelmente nunca chegarão a ter
contato entre si porque se subordinam a coordenadores diferentes. E esse contato se tornará ainda
mais improvável se os três cursos forem ministrados em campi ou prédios diferentes.
O gestor é responsável pelo sucesso de seu curso, cabendo-lhe selecionar os respectivos
professores. Se a IES não tiver políticas e procedimentos de admissão de docentes e deixar os
gestores sem suporte e entregues à própria sorte, a tendência será estes últimos adotarem uma
postura defensiva, tentando constituir corpos docentes exclusivos para seus respectivos cursos e não
colaborando entre si. O resultado será, por um lado, a contratação de professores diferentes para a
mesma disciplina em diferentes cursos e, por outro, a atribuição de disciplinas de áreas de
concentração diferentes ao mesmo professor.
Supondo que, no exemplo acima, os três cursos possuam as disciplinas de Gestão de Pessoas (GP),
Gestão de Marketing (MKT) e Gestão Financeira (FIN), a tendência é ocorrer a seguinte situação:
Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
| | |
Curso de Administração Curso de Ciências Contábeis Curso de Gestão Empresarial
Professor 1 – leciona Professor 2 – leciona Professor 3 – leciona
três disciplinas diferentes: três disciplinas diferentes: três disciplinas diferentes:
GP, FIN e MKT GP, FIN e MKT GP, FIN e MKT
É por essa razão que a estrutura organizacional das IES estimula os docentes a assumir várias
disciplinas de áreas de concentração diferentes. Nesse tipo de estrutura, professores que lecionam
em cursos diferentes, ainda que ministrem uma mesma disciplina, tendem a não ter contato entre si
e a não partilhar experiências pedagógicas relativas à sua disciplina comum. À medida que aumenta
o número e a variedade de disciplinas lecionadas e à medida que aumenta o isolamento do docente,
diminui a possibilidade de que ele melhore seu magistério.
Atribuição de disciplinas
A atribuição de disciplinas aos professores compete exclusivamente aos gestores de curso. Em
geral, não se fixam critérios para decidir quais docentes devem receber quais disciplinas. Isto
aumenta os riscos de que uma determinada disciplina seja atribuída a um professor que não esteja
capacitado a lecioná-la e de que os docentes que se sentirem prejudicados fiquem insatisfeitos.
23
O conteudo das disciplinas
Em geral, cabe aos gestores de curso a elaboração da respectiva grade curricular. Isso inclui a
escolha de quais disciplinas farão parte da grade, bem como, para cada disciplina, a escolha do
respectivo nome, objetivos, ementa e bibliografia básica e complementar.
Em geral, o gestor é habilitado em uma determinada área de concentração. Como consequência, em
se tratando de um curso de Administração, é pouco provável que ele esteja familiarizado com todas
as disciplinas do curso. Em tais condições, ao elaborar a ementa de cada disciplina, ele terá
dificuldade em avaliar o conteudo que é possível lecionar em um semestre. O resultado é a
frequente criação de ementas super-sobrecarregadas, cujo cumprimento afigura-se virtualmente
impossível.
Vejamos um exemplo. Um curso de graduação em Administração tem a seguinte ementa para a
disciplina de Estatística, que é lecionada em um semestre, com carga horária de 60h: Ementa: Conceitos fundamentais de estatística. Divisão da estatística: Estatística Descritiva e Estatística Inferencial.
Organização e apresentação dos dados. Distribuições de freqüências. Análise Gráfica. Medidas de tendência central e
de variabilidade, assimetria e curtose. Noções de probabilidades e distribuições de probabilidade. Técnicas de
amostragem probabilística e não probabilística. Estimação por intervalo de confiança. Testes de hipóteses. Análise de
Correlação e Regressão Linear. Utilização de software estatístico / planilha eletrônica.
A ementa abrange os dois ramos da Estatística: Descritiva e Inferencial. Todavia, qualquer pro-
fessor consciencioso e minimamente familiarizado com essa disciplina sabe que é impossível lecio-
nar decentemente o conteudo acima em apenas um semestre. Em tais condições, ou o professor não
cumpre a ementa, ou cumpre-a e a disciplina será lecionada muito superficialmente.
Gestão do conhecimento pedagógico
As IES não possuem um saber pedagógico institucionalizado. Esse conhecimento, se existir, estará
apenas e tão somente nas mentes dos professores. Isto significa que, quando algum docente deixa a
instituição, ele leva consigo todo o conhecimento que possui, inclusive o que adquiriu em seu
trabalho na IES que acabou de deixar. As IES não criam, adquirem, registram ou transferem o
conhecimento pedagógico nem usam esse conhecimento para aperfeiçoar as atividades de ensino.
A situação própria dos professores
Se as IES não oferecem um ambiente que possibilite o aperfeiçoamento da prática pedagógica dos
professores universitários, os docentes, por outro lado, também não têm condições de melhorar a
qualidade de seu magistério por iniciativa própria.
Os docentes não podem evoluir porque, primeiro, não sabem que seu ensino é ruim. No Brasil, em
geral apenas os cursos de licenciatura incluem disciplinas pedagógicas em seus currículos. A finali-
dade de todos os outros cursos é formar profissionais, sem preocupação com sua competência para
o magistério. Aqueles que não conhecem pedagogia, porém, não sabem que ela é necessária;
supõem, equivocadamente, que o diplomado experiente em sua profissão é também, automatica-
mente, um professor qualificado dessa profissão. Assim, profissionais contratados para o magistério
superior imaginam possuir competência para esse mister apenas por serem competentes em sua
profissão de origem.
Acresce-se a esse equívoco o fato de que a convicção sobre a própria competência e a auto-
confiança daí resultante crescem à medida que os anos passam e o desempenho do docente nunca é
questionado. Assim, quanto mais tempo de militância um professor tiver sem críticas, menos ele
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aceitará a idéia de que seu ensino é deficiente. A certeza do valor como educador, o orgulho e a
força dos hábitos adquiridos, farão com que o questionamento repentino de seus métodos seja
insuportável para o docente não-iniciante. Ele se sentirá insultado com a mera sugestão de um
aperfeiçoamento. Um professor maduro, com métodos pedagógicos cristalizados, usados
repetidamente durante anos, terá grande dificuldade em encarar processos de mudança.
Os docentes também não podem evoluir porque, mesmo que soubessem que seu ensino é deficiente,
não saberiam o que fazer para melhorar, pois não poderiam contar com o apoio das instituições
onde lecionam, instituições que não oferecem programas de aperfeiçoamento a seus professores e
muito menos realizam pesquisas em pedagogia do ensino superior. Outra razão que impede os
docentes de evoluir é que eles não partilham suas experiências e não dispõem da referência de
mestres que ministrem ensino de qualidade. Os professores que lecionam uma mesma disciplina
tendem a permanecer isolados e a não trocar idéias entre si.
Mesmo que quisessem melhorar e soubessem o que fazer para alcançar esse objetivo, muitos
professores universitários de instituições privadas encontrariam um obstáculo adicional: o número
de disciplinas que lecionam. Não é raro encontrar professores que lecionam várias disciplinas
diferentes. Em tais circunstâncias, torna-se mais difícil para o professor aperfeiçoar a qualidade de
seu magistério.
Muitos professores assumem disciplinas de áreas de concentração diferentes, mesmo em campos de
conhecimento com os quais não estão familiarizados. Por que isso acontece? Podem-se supor várias
razões. Uma delas seria a idéia de que não há mal nenhum no fato de um professor lecionar
disciplinas díspares em termos de áreas de conhecimento; outra razão seria uma crença mais ou
menos generalizada de que a prática pedagógica é algo estático, isto é, não há consciência de que o
professor pode e deve melhorar seus métodos de ensino continuamente. Se a prática pedagógica é
imutável, então o docente não precisa gastar tempo para refletir sobre ela e para melhorá-la. Um
terceiro motivo seria a remuneração por hora.aula, que faz com que o docente aceite lecionar
qualquer disciplina com o objetivo de aumentar ou manter seus rendimentos. Um quarto motivo é
que talvez o docente pense que, se recusar-se a assumir qualquer disciplina que lhe for oferecida,
ficará mal visto pelo coordenador de seu curso.
Por fim, deve-se mencionar os professores que lecionam em período noturno e exercem outra
atividade profissional em período diurno, trabalhando às vezes 10 ou 12 horas por dia. Estes
dificilmente terão tempo e disposição para realizar, a cada semestre, um trabalho de revisão de
conteúdos, de revisão de métodos e técnicas didáticas, de pesquisa, de reflexão e de
experimentação, enfim, para realizar esse árduo trabalho que é vital à melhoria de seu magistério.
Conclusão
O fator determinante da qualidade do ensino superior são os métodos e técnicas pedagógicas. Os
professores universitários, porém, via de regra não dominam tais métodos e técnicas. Os motivos
dessa deficiência podem ser agrupados nas categorias seguintes.
Falta de formação pedagógica
Os professores do ensino superior, via de regra, não possuem formação pedagógica. Os motivos
dessa deficiência são os seguintes:
1. Embora o ofício de professor universitário seja uma profissão, trata-se de uma profissão não re-
gulamentada. Como consequência, nenhum requisito é imposto ao exercício da docência supe-
rior de modo a garantir a qualidade da formação dos que nela atuam.
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2. A PGES é uma modalidade de educação que seria candidata natural ao encargo de formar
professores universitários. Todavia, as imprecisões, omissões e indecisões da LDB colocam esse
ramo de ensino em uma posição frágil como formador de docentes para o ensino superior.
3. Se, por um lado, a LDB não afirma claramente que os cursos de PGES devem formar
professores universitários, por outro, a julgar pelas instituições examinadas, a PGES também
não forma de fato professores universitários porque sua grade curricular é fraca em relação às
disciplinas pedagógicas.
4. Os cursos de pós-graduação lato senso em magistério do ensino superior são outro candidato ao
posto de formador de docentes universitários. A amostra examinada desses cursos, porém, suge-
re que eles possuem natureza exclusivamente teórica. A respectiva metodologia não prevê ativi-
dades que façam os estudantes exercitarem a prática docente. Tais cursos, portanto, não permi-
tem a aquisição de habilidades didáticas pelos alunos.
5. Para aprovação dos alunos de mestrado ou doutorado, não se exige nenhuma demonstração de
proficiência no campo pedagógico.
6. O artigo 65 da LDB dispõe que a formação docente incluirá prática de ensino de, no mínimo,
trezentas horas, exceto para a educação superior. Isto significa que a lei não exige prática de
ensino nem qualquer outro requisito pedagógico para a formação de docentes para o ensino
universitário.
7. Ao avaliar os cursos de PGES, a CAPES não verifica se eles proporcionam competências
pedagógicas aos alunos.
8. O § 5º do art. 1º da Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001, que estabelece normas para
o funcionamento de cursos de pós-graduação, estabelece, como condição indispensável para a
autorização de um curso de PGES, a comprovação da prévia existência de grupo de pesquisa
consolidado na mesma área de conhecimento do curso. Isto significa que a resolução impede
uma IES de criar um curso de mestrado ou doutorado exclusivamente para formar professores
universitários.
Inexistência de ambiente de aprendizagem nas IES
Os professores universitários não encontram, nas IES, um ambiente de aprendizagem que lhes per-
mita aperfeiçoar sua prática docente, em virtude dos seguintes fatores, próprios das IES privadas.
1. Os vínculos entre os docentes e entre estes e a IES são frágeis.
2. Mesmo quando contratados no regime celetista, os docentes universitários tendem a ser vistos
como profissionais autônomos, o que significa que eles não são vistos como profissionais em
desenvolvimento ou a desenvolver, mas sempre como candidatos que, para serem considerados,
devem estar “prontos para produzir”.
3. A formação pedagógica e as habilidades didáticas dos candidatos a uma vaga no quadro docente
da IES não são requisitos para admissão, ou seja, seu mérito como professor não é testado.
4. Em razão do baixo percentual recebido a título de “hora-atividade”, as atividades extra-classe
tendem a ser vistas pelo docente como “não compensadoras”.
5. Os acréscimos de remuneração do docente dependem exclusivamente de promoção.
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6. A tendência das IES é não criar programas de aperfeiçoamento para seus professores. Por outro
lado, se um docente, por sua própria iniciativa, se inscrever em um programa de treinamento,
essa participação não exercerá nenhuma influência na remuneração que ele recebe da Instituição
onde leciona.
7. Via de regra, as IES não possuem processos formais de avaliação de desempenho dos docentes.
8. As IES tendem a não recompensar os melhores mestres e a não reconhecer os esforços de desen-
volvimento pessoal que seus professores porventura fizerem.
9. Os docentes tendem a ser demitidos apenas por razões administrativas (por exemplo, excesso de
faltas ou de atrasos) ou se a maioria dos alunos exercer uma pressão insuportável sobre o gestor
do curso.
10. Nos cursos de Administração, é comum a existência de classes com muitas dezenas de alunos, o
que dificulta a utilização de métodos didáticos eficazes
11. Em se tratando do curso de Administração, a estrutura organizacional das IES estimula os pro-
fessores a assumir um número excessivo de disciplinas de áreas de concentração diferentes. Es-
sa estrutura organizacional também torna difícil que os docentes partilhem suas experiências. Os
professores que lecionam uma mesma disciplina tendem a permanecer isolados e a não trocar
idéias entre si.
12. A atribuição de disciplinas aos professores compete exclusivamente aos gestores de curso. Em
geral, não se fixam critérios para decidir quais docentes devem receber quais disciplinas.
13. No caso do curso de Administração, é frequente a existência de disciplinas com ementas super-
sobrecarregadas, cujo cumprimento afigura-se virtualmente impossível.
14. As IES não criam, adquirem, registram ou transferem o conhecimento pedagógico nem usam
esse conhecimento para aperfeiçoar as atividades de ensino.
Impossibilidade de melhoria autônoma
É difícil aos docentes engajar-se, de forma autônoma, em um processo de melhoria contínua, em
virtude dos seguintes fatores.
1. Os docentes não sabem que seu ensino é ruim.
2. Como nunca foram avaliados, os docentes não iniciantes se sentirão ofendidos com a mera su-
gestão de um aperfeiçoamento e terão grande dificuldade em encarar processos de mudança.
3. Mesmo que soubessem que seu ensino é deficiente, os docentes não saberiam o que fazer para
melhorar, pois não poderiam contar com o apoio das instituições onde lecionam.
4. Os professores universitários não partilham suas experiências e não dispõem da referência de
mestres que ministrem ensino de qualidade.
5. Muitos docentes universitários lecionam um número elevado de disciplinas diferentes na mesma
área de concentração e mesmo disciplinas de diferentes áreas de concentração.
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6. Os professores não têm consciência de que podem e devem melhorar seus métodos de ensino
continuamente.
7. Os professores que lecionam em período noturno e exercem outra atividade profissional em
período diurno integral não têm tempo nem disposição para revisar conteúdos, métodos e
técnicas didáticas.
Resultado
O resultado de todos esses fatores é um bloqueio ao aperfeiçoamento dos métodos e técnicas peda-
gógicas. Assim, a possibilidade de os estudantes dos cursos superiores serem contemplados com um
ensino de qualidade dependerá da existência de mestres apaixonados pela docência e: a) que sejam
dotados de aptidões pedagógicas inatas que os façam, instintivamente, lançar mão de métodos didá-
ticos eficazes, ou; b) que queiram evoluir e que consigam fazê-lo sozinhos apesar de todos os obstá-
culos que enfrentam.
Notas (1) UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação. Disp. em:
http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_20020319150524/20030620161930/20030623111830/
(2) UNESCO. Idem.
(3) Dentre os estudantes que participaram do ENADE 2005, 60% estudam em período noturno e 75% trabalham
regularmente.
(4) PEREIRA, Fernanda C. B. Determinantes da evasão de alunos e os custos ocultos para as instituições de ensino
superior: Uma aplicação na Universidade do Extremo Sul Catarinense. Florianópolis: Universidade Federal de
Santa Catarina, 2003. pp. 125-126. Disp. em: http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/6936.pdf
(5) Idem. pp. 126-127.
(6) Idem. pp. 134-135.
(7) NASCIMENTO, Claudinei de Lima. Qualidade do Ensino Superior de Ciências Contábeis: Um Diagnóstico nas
Instituições Localizadas na Região Norte do Estado do Paraná. Base – Revista de Administração e Contabilidade da
Unisinos, 2(3): 155-166, setembro/dezembro 2005. pp. 11-12. Disp. em:
www.fecap.br/PortalNovo/Arquivos/Extensao_Desenvolvimento/pqd/ART_005.pdf
(8) “Salário de professor no País está entre os piores do mundo”. Disp. em:
http://noticias.terra.com.br/educacao/salario-de-professor-no-pais-esta-entre-os-piores-do-
mundo,22ac42ba7d2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
(9) “Professor brasileiro ganha menos que metade do salário dos docentes dos países da OCDE”. Disp. em:
http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/10/01/professor-brasileiro-ganha-menos-que-metade-do-salario-dos-docentes-
dos-paises-da-ocde.htm
(10) PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 7.
(11) ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.
p. 155.
(12) ZABALZA, Miguel A. Idem. pp. 120-121.
(13) A esse respeito, leia-se a primeira parte de meu artigo “O autor deve respeitar o leitor”. Disponível em:
http://www.centrorefeducacional.pro.br/autrelei.htm
(14) ZABALZA, Miguel A. Idem. pp. 154-155.
(15) ALCANTARA, Paulo. Didática do Ensino Superior: Plano da Disciplina. Disponível em:
http://www.esmape.com.br/downloads/didatica_ensino_superior-paulo_alcantara.pdf
*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas e Professor Universitário. O autor leciona disciplinas como Gestão de Pessoas, Comportamento Organizacional, Relações Humanas e Ética. E-mail: [email protected].