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REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: AFRO-
BRASILEIROS/AS NA ÓTICA DO CARTUNISTA
Autora: Anesia De Castro Marques Silva1
Orientadora: Edméia Ribeiro2 RESUMO:
A questão dos afrodescendentes ganhou notoriedade a partir da promulgação da Lei
10.639/2003, onde se formaliza a inserção dos conteúdos referentes ao ensino da
História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Porém observava-se a existência de
movimentos e instrumentos, após anos de lutas reivindicatórias, pelos direitos de
igualdades raciais. A lei vem de encontro para oportunizar aos afrodescendentes
uma efetiva participação e apresentação da sua história e da sua identidade
valorizada pelas pesquisas e manifestações culturais. Um desses instrumentos é a
Revista Raça Brasil que surgiu em meados da década de 1990 e que ao longo da
sua trajetória foi se configurando como uma forma de mostrar: a cultura, as
personalidades, as lutas e conquistas da comunidade afrodescendente no Brasil.
Maurício Pestana, cartunista, ativista, engajado nas questões de igualdade racial no
país, passou a publicar suas charges mostrando a crítica social bem humorada,
inspirando-se em pessoas ou fatos que foram notícia junto ao universo dos
afrodescendentes.Foram desenvolvidos estudos com as charges de Maurício
Pestana, vinculadas na Revista Raça Brasil, a motivação em se trabalhar com a
questão dos afrodescendentes no Brasil, junto aos alunos/as do ensino fundamental,
fonte na qual poderíamos nos debruçar para pesquisá-la e que fosse de encontro
aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de
investigação e de análise, serviu como recurso para mobilizar nossos alunos/as no
processo de conhecimento, nas aulas de História. A implementação desse projeto
aconteceu no Colégio Estadual Profª. Célia Moraes de Oliveira, no segundo
1 Graduada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Umuarama. Especialização em Supervisão e
Orientação Escolar pela UNOPAR e professora de História da Rede pública estadual no Colégio Célia Moraes de
Oliveira. Londrina – PR.
2 Graduada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestrado e Doutorado pela
UNESP/ASSIS e professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina
(UEL).
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semestre de 2011, onde os alunos/as da 6ª série/7º ano, utilizaram a Revista Raça
Brasil e produziram charges relacionadas às questões dos afrodescendentes no
contexto atual.
Palavras chaves: Charges, Maurício Pestana, História, Revista Raça Brasil.
Abstract
He issue of African descent gained notoriety after the promulgation of the law
10.639/2003, which formalizes the inclusion of content related to the teaching of
history and Afro-Brazilian and African. But we observed the existence of movements
and instruments, after years of fighting for the rights of reivindicatórias racial equality.
The law is against African descent to create opportunities for effective participation
and presentation of their history and their identity valued by the research and cultural
events. One such instrument is the Race Magazine Brazil that emerged in the mid-
1990s and throughout his career was shaping up as a way of showing: the culture,
the personalities, the struggles and achievements of Afro-descendant community in
Brazil. Maurício Pestana, cartoonist, activist, engaged in issues of racial equality in
the country, began to publish his cartoons showing the humorous social criticism,
drawing on people or events that made news with the world of African descent.
Studies were conducted with the cartoons of Mauricio Pestana in Brazil Race
Magazine. The motivation to work with the issue of African descent in Brazil, with the
students / the elementary school where we sought a source from which we could
look to research it and that was against our interests. A cartoon that is legitimized as
a source of historical research and analysis, served as a resource to mobilize our
students / in the process of knowledge in history classes.
The implementation of this project took place in the State College Prof.. Célia Moraes
de Oliveira, in the second half of 2011, where students / the 6th grade / 7th grade,
used the Brazil Race Magazine and produced cartoons related to the issues of
African descent in the current context.
Keywords: Cartoons, Maurício Pestana, History, Race Magazine Brazil.
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APRESENTAÇÃO
Ao entrar no PDE, em 2010, com a intenção de desenvolver uma proposta de
pesquisa em torno da questão sócio cultural dos afrodescendentes, buscava
respostas para questões relacionadas às contradições que eu visualizava em torno
da escola na qual trabalho. Sua realidade, seu olhar para as indagações que
buscavam respostas, a forma com a qual contextualizavam em relação ao que
aprendiam em História.
Porém, continuava a pergunta: como trabalhar tais questões? Como abordar
os alunos, sendo que não tenho um histórico de engajamento em torno das
problemáticas que os envolviam? Procurava algo, um instrumento, uma fonte que
servisse como um referencial, com o qual poderia aprofundar meus estudos e
dialogar com os grupos de alunos/as a respeito da questão e desse diálogo. Levá-
los-ia à reflexão das questões cotidianas para produzir, com eles, algo que pudesse
transmitir seus pensamentos e sentimentos, respaldados pelas teorias com as quais
estivessem envolvidos nos seus estudos e que fossem socializadas com a sua
comunidade.
Diante desses questionamentos, ao dar início aos trabalhos no Programa de
Desenvolvimento Educacional, e contactar com a orientadora, encaminhei essas
questões e em conjunto com os professores/as com os quais partilho experiências
nesse curso. Percebi que também carregavam suas dúvidas quanto à melhor fonte
de pesquisa para desenvolver esses trabalhos.
A professora, ao elencar algumas propostas de fontes, apontou a
possibilidade para que eu conhecesse e utilizasse como objeto de estudo a Revista
Raça Brasil. Procurei-a, e comecei a folheá-la, porém continuavam as incertezas de
como desenvolver uma proposta de pesquisa com esse recurso, visto que não a
conhecia e que não havia pensado em desenvolver esse projeto fazendo uso de um
instrumento de mídia para as aulas de História. Esta revista mostra um segmento da
sociedade com o qual nos envolvemos, porém nos revela uma realidade
diferenciada da qual encontramos em nosso contexto. As hipóteses de trabalho
tornaram-se amplas ao me deparar com tantas possibilidades de fontes para
pesquisa, que a revista propiciava nas suas diversas seções.
Observando a revista na sua última página, deparei-me com charges que
refletiam acontecimentos e personagens com olhares diferenciados, o que me
chamou atenção em relação ao restante do seu conteúdo, pois estas aproximavam-
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se das indagações do grupo de alunos/as com o qual desenvolvo meu trabalho.
Pesquisei a respeito do autor, das charges e observei nele envolvimento com as
questões dos afrodescendentes e que possui uma história de luta em defesa das
causas étnico raciais. Maurício Pestana, que assina as charges, apresenta um
acervo com o qual é possível refletir sobre as questões raciais no Brasil e no mundo.
A Revista Raça Brasil tem como proposta apresentar um universo cujas
demais revistas que circulavam não contemplavam, de forma tão enfática, as
questões relacionadas à realidade dos afrodescendentes. Observa-se que a Revista
Raça Brasil, ao longo de sua história, passou por modificações e procurou mostrar a
importância dessa cultura, destacando movimentos sociais e culturais, fugindo dos
padrões que as outras apresentavam e que tinham como público-alvo segmentos da
sociedade que se identificavam com o que era apresentado nos conteúdos das
matérias, nas fotos e personagens nelas mostrados.
Levando em consideração as questões acima elencadas, neste artigo
trabalhamos com as charges do cartunista Maurício Pestana, apresentadas na
Revista Raça Brasil, e nelas observamos de que maneira são retratados aspectos
da vida de pessoas afrodescendentes, por intermédio desse instrumento. Fizemos
um levantamento e estudo das charges nas edições que vão do período de abril de
2007 a março de 2011, evidenciando as principais temáticas enfocadas.
A charge, como objeto de investigação, pode ser explorada de forma que vá
além de uma caricatura do cotidiano e tenha nas suas nuances mensagens que
remetam a reflexões e revejam posicionamentos e (pré) conceitos, manifestando no
censo crítico uma avidez maior do que se possa imaginar que exista nessas
mensagens. Observa-se, nas Diretrizes Curriculares a legitimação dessas propostas.
Fenômenos, processos, acontecimentos, relações ou sujeitos podem ser analisados a partir do conhecimento histórico construído. Ao confrontar ou comparar documentos entre si e com o contexto social e teórico que os constituíram, a produção do conhecimento propicia validar, refutar ou complementar a produção historiográfica existente. Como resultado, pode ainda contribuir para rever teorias, metodologias e técnicas na abordagem do objeto de estudo historiográfico. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p. 47)
Justifica-se, então, o uso da imagem, neste caso a charge, como recurso
metodológico no ensino de História. Validada como fonte, propicia também uma
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forma de ver o fato, o contexto e possibilita a interpretação de uma representação. É
o que aponta Warley da Costa
Portanto, a importância da imagem no ato de aprender é inquestionável (...). A leitura da imagem proporciona ao receptor um sentido, um significado próprio de acordo com suas vivências (...). Assim, a imagem induz o expectador a estabelecer uma rede de significações de acordo com experiências individuais, socializando valores e elaborando saberes e identidades coletivas. (COSTA, 2005, p. 149)
Por que a Revista Raça Brasil? A proposta em torno desse instrumento de
comunicação nasce da curiosidade de pesquisar nesse meio, que surge na década
de 90, no século XX especificamente, atendendo à parcela do público afro-
brasileiro. Percebe-se, nas charges, um retrato diferenciado da realidade dos
afrodescendentes. Sendo assim, surgem algumas indagações às quais procuramos
respostas que foram transformadas em uma proposta de ensino, na educação
básica.
A Revista Raça Brasil nasceu em primeiro de setembro de 1996, com o
propósito de atender a uma demanda reprimida da população, que gostaria de se
ver na revista, que teria acesso a ela, que era inteiramente voltada às questões afro,
e que também fazia parte do mundo de consumo. Na época em que a revista foi
idealizada, havia uma discussão em torno do termo e do significado de ”ascensão
social’’, dos afrodescendentes. Segundo Roberto Melo, redator da revista Raça
Brasil, este termo não era visto com simpatia por áreas e setores do meio
acadêmico, como por exemplo, pela Sociologia e pela Antropologia.
Houve um fato objetivo que foi um movimento silencioso de ascensão social dos negros nesse país. E foi silencioso por quê?Foi silencioso porque uma das vertentes, uma das facetas do racismo do povo brasileiro, desse racismo cordial foi excluir os negros do nosso campo de visão. Então toda a mídia brasileira, sempre nos ensinou que os negros são pobres, e que o Brasil está dividido entre brancos ricos e negros pobres e por isto os negros nunca apareceram em comerciais, ou em qualquer outro meio de comunicação. O lançamento da revista foi o estopim, uma injeção de auto-estima que fez com que muitos destes negros e mulatos que estavam em cima deste muro de identidade, pulassem para o lado negro. Porque nós fizemos uma revista onde está escrito em cima, com letras claríssimas, a revistas dos negros brasileiros. (PAGU, 1996, p.245)
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Na ótica do editor, o lançamento da revista foi um sucesso. Segundo ele, os
números de tiragem da revista superaram as expectativas. Por outro lado, observou-
se que mesmo com esses números, não havia um consenso, pois em estados, como
a Bahia, que seria teoricamente de grande demanda, os números não mostraram
uma resposta tão imediata.
Ao analisar o debate em torno da criação da Revista Raça Brasil, percebe-se
que não havia unanimidade em torno do seu sucesso e de sua relevância, é o que
nos mostra a professora da UNICAMP, Mariza Corrêa:
Ah! Fizeram uma com negros, perfeito. E a outra coisa é que, embora seja uma revista para negros, tem matérias muito interessantes... Nada específico de negro aqui, nada a começar pelo mel que a moça passa no rosto, o banho de ervas, etc. É muito interessante, porque lendo a revista parece que é uma coisa para negros, a ilustração, a mulher negra, a mulher que sai do banho, que fica linda depois, como todas as revistas. Mas nada é específico de negros. (PAGU, 1996, p. 261)
Ou seja, a revista, quando surgiu, provavelmente não apresentou de forma
mais próxima a realidade e os interesses das diversas comunidades afro
descendentes do Brasil, pois contemplava um perfil mais mercadológico.
Com o decorrer dos anos, a revista passou por algumas reestruturações. A
partir de abril de 2007, Maurício Pestana passou a publicar suas charges nela
promovendo assim, junto a uma esfera de humor, um novo formato para
contextualizar a questão dos afrodescendentes, na atualidade. Segundo consta no
editorial da Revista Raça Brasil(Edição 150, Jan.2011) a mesma passou por
significativas transformações ao longo de sua história.
Nasceu para dar visibilidade ao negro e mostrar que existia, já em 1996, uma enorme parcela da população ávida por autoestima e estruturada para o mercado consumidor. Em outro momento, exploramos o cotidiano e o comportamento de um povo orgulhoso com o espaço conquistado... A revista teve um papel ativo nesse processo de amadurecimento e, há pouco mais de dois anos, com uma nova proposta editorial passou a acreditar na educação e na cultura como as únicas ferramentas capazes de transformar uma nação por inteiro. (REVISTA RAÇA BRASIL, 2011, p.4)
As charges, que foram analisadas, são de autoria de Maurício Pestana.
Este chargista constitui-se como ativista pelas causas da igualdade racial no país.
Além de seus trabalhos publicados no Brasil, tem seu reconhecimento também no
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exterior. É paulista, natural de Santo André. Foi a partir dos anos 70 que iniciou sua
carreira como jornalista, no jornal O Pasquim. Posteriormente destacando-se em
importantes meios de comunicação como cartunista político. Dedica-se na luta pelos
direitos humanos e cidadania plena dos afrodescendentes. Seu trabalho inclui
também cursos, workshops, oficinas e assessoria nas áreas de educação.
Atualmente, Maurício Pestana é presidente do Conselho Editorial da Revista Raça
Brasil, que é inteiramente voltada às questões afro-brasileiras.3
Neste sentido a implementação aconteceu no Colégio Estadual Professora
Célia Moraes de Oliveira no segundo semestre de 2011, onde foram contempladas
as turmas de 6ª série/7º ano do período vespertino, com as quais desenvolveram-se
trabalhos de análises das charges da Revista Raça Brasil e posteriormente os
alunos/as finalizaram expondo charges produzidas por eles.
Reflexões sobre a questão racial no Brasil e o Estatuto de Igualdade Racial.
Com a implementação da Lei número 10.639/03, que inclui no currículo oficial
a obrigatoriedade da História e Cultura Afro Brasileira, seguidas das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, faz-se necessário um estudo e uma
reflexão diferenciada. Diante de uma história marcada, a princípio, pelas opressões
da escravidão sofridas pelos africanos, mesmo com a abolição constata-se que
foram criadas novas legislações, pois passado mais de um século, são constantes
as demandas de enfrentamentos e consequentes reparações de perdas e danos
causados pelo preconceito - tão presente na sociedade contemporânea. Após anos
de lutas reivindicatórias pelos direitos de igualdades raciais, a lei vem de encontro
para oportunizar aos afrodescendentes uma efetiva participação e apresentação da
sua história e da sua identidade valorizada pelas pesquisas e manifestações
culturais. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p 45).
Junia Sales Pereira (2008) aborda que a partir das legislações que norteiam a
questão dos afrodescendentes e da educação no Brasil, serão promovidos debates
em torno das transformações que ocorreram em decorrência dessas normas. Note-
se:
3 Informações retiradas do site WWW.mauriciopestana.com.br, Acesso no dia 16/03/2011 às 15 horas.
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A publicação da Lei nº 10639/2003, ocorreu num contexto educacional mais abrangente, marcado pelas transformações advindas da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96, em que afirmaram modificações educacionais importantes, como a flexibilização curricular, a consciência do valor da inclusão e da diversidade na educação, e a reafirmação da autonomia docente. (PEREIRA, 2008, p.22)
A lei promoverá uma reestruturação nos conteúdos e nas práticas
educacionais do Brasil. A autora continua afirmando das consequências desse
processo, que se fundamentaria, e faria com que transformações ocorressem para
adequações ao que é previsto na lei.
Estamos, assim, num momento de percepção dos primeiros impactos dessas transformações advindas da obrigatoriedade de conteúdos curriculares, e estamos vivenciando os desafios colocados ao cotidiano escolar. Como já dissemos, este momento é, também devido ä abrangência da lei, de rearranjo de propostas curriculares de formação docente e, decerto, de reconfiguração de alguns pressupostos da formação histórica e das dimensões do ensino e da pesquisa. (PEREIRA, 2008, p. 25)
Isso tudo reafirma que estamos diante de um novo momento relevante
perante o ensino de História, pois nos remete à reflexão de novas práticas em
concomitância com o que propõem as Diretrizes em relação à historiografia: que se
deve contemplar novos sujeitos e novos eventos. A proposta da história vista de
baixo, de Peter Burke, e a nova História Cultural, recorrem à palavra “nova” para
distinguir essas produções historiográficas das formas anteriores. (DIRETRIZES
CURRICULARES, 2008, p.51)
As legislações são promulgadas no transcorrer das lutas dos movimentos,
que reivindicam não apenas direitos de igualdade perante a sociedade, como
também reveem as memórias e as questões étnicas raciais - tão propaladas na
contemporaneidade. É o que abordam Marta Abreu, Hebe Mattos e Carolina Vianna
Dantas, que com o movimento das políticas de reparação, identidades arraigadas e
memórias coletivas sedimentadas – como as ideias de um Brasil mestiço e
racialmente democrático – estas vêm sendo cada vez mais questionadas. (ABREU,
MATTOS E DANTAS, P. 35, 2010)
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Daí a importância da inclusão da História da África, que ganha status e
relevância, visto que, por muito foi excluída dos currículos, que comumente
apontavam a História dos grupos africanos a partir do processo de escravidão.
Continuam as autoras:
A inclusão da História da África e dos afro-brasileiros nos currículos escolares está ancorada, sem duvida, num projeto de afirmação do Brasil como uma sociedade multicultural e de reconhecimento do importante papel dos negros na formação da sociedade brasileira, em todos os aspectos, muito além da escravidão ou da submissão. (ABREU, MATTOS E DANTAS, P. 35, 2010)
Reflexões sobre o ensino de História e a inserção da charge como fonte.
Ao findar o século XX, o ensino de História passou por significativas
transformações: novos objetos, temporalidades, metodologias de ensino. Começa-
se a dar novas configurações na produção do conhecimento histórico. É o que
aponta Helen Ciampi:
O conhecimento histórico é um campo sempre aberto, seja porque o processo histórico nunca cessa de agregar novos acontecimentos, seja porque existe uma constante releitura dos acontecimentos para alguns historiadores..., Há, portanto, diferentes maneiras de aprender o histórico, e, desta forma, a História é reescrita segundo preocupações e diferentes pontos de vista que são, também, historicamente condicionados. (CIAMPI, 1992, P. 29)
A História ensinada, que por muito tempo limitou-se à reprodução dos fatos,
dos heróis constituídos, dos eventos e processos de memorização, das
metodologias pautadas nas narrativas, ganha uma nova configuração quando passa
a ser vista, na sala de aula, como um processo de relação mediada pelo (a)
professor (a), que leva seus (suas) alunos (as) a repensar e perceber relações no
seu cotidiano. Ciampi prossegue abordando que há, portanto, diferentes maneiras
de aprender o histórico e, desta forma, a História é reescrita segundo preocupações
e diferentes pontos de vista, que são, também, historicamente condicionados.
(CIAMPI, 1992, P. 29)
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Um dos fatores que influenciaram a intensificação do uso nas mudanças, no
ensino de História, está relacionado diretamente aos meios de comunicação de
massa, que tiveram, nos seus instrumentos, espaços para sua exposição nos
contextos de pesquisa e ensino, como aponta Selva Guimarães Fonseca.
As mudanças operadas no ensino de História nas duas últimas décadas processaram-se em estreita relação com o universo da indústria cultural. As mudanças na produção do conhecimento chegam a escola fundamental e ao público em geral não só pelos novos currículos, mas sobretudo pelo material de difusão, produto dos meios de comunicação de massa: livros didáticos e paradidáticos, jornais, revistas, programas de TV, filmes e outros. Assim, pensar o ensino de História implica refletir sobre as relações entre Indústria Cultural, Estado, Universidade e Ensino Fundamental. (FONSECA, 1993, P. 133)
Fonseca justifica que o aparecimento das novas formas no ensino de História,
está relacionado diretamente com o desenvolvimento das pesquisas, que
fundamentam a utilização de novas fontes, novos personagens e a utilização dos
meios de comunicação como objetos de estudo, propiciando a visualização de
dimensões pouco ou quase nunca exploradas pelos historiadores. A apreciação
desses, nos currículos escolares, desconstrói a hegemonia dos fatos e dos
personagens, que por muito apareceram nos manuais didáticos como referências
exclusivas por seus atos, que os tornavam símbolos de uma História Nacional.
A utilização e incorporação de diferentes linguagens, sobretudo dos
meios de comunicação como TV e grande imprensa, é
crescentemente assumida como uma necessidade da aprendizagem
histórica, dado o papel desempenhado por eles no cotidiano da
sociedade e na construção da memória. Os alunos e professores
estão mergulhados num nível de informação de elevadas
proporções, tornando imprescindível, no trabalho cotidiano de sala de
aula, a discussão e interpretação dos acontecimentos/notícias e,
sobretudo, do significado da indústria cultural da nossa sociedade.
(FONSECA, 1993 p. 155)
Lana Mara de Castro Siman destaca as dificuldades e os propósitos de se
ensinar História. E que o (a) professor (a) ao incorporar, como parte integrante do
processo ensino e aprendizagem, a ação mediadora, ele se projeta como
encaminhador das propostas, deixando de figurar como retransmissor de conteúdos.
Em face dessa questão, torna-se necessário somar-se à perspectiva de que o (a)
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aluno (a) é ator (atriz) de sua própria aprendizagem e que também pode oferecer
indicadores que propiciarão ao (a) professor (a) subsídios, dentro do processo de
conhecimento.
Ensinar História não é uma tarefa fácil, sobretudo se o professor pretende formar alunos capazes de raciocinar historicamente, criticamente e com sensibilidade sobre a vida social, material e cultural das sociedades; se ele reconhece que o conhecimento histórico é fruto de operações cognitivas e sociais de ordem complexa que exigem dos alunos o desenvolvimento de capacidades que dêem conta dessa complexidade e, ainda, se ele reconhece que a aprendizagem será mais significativa e efetiva se ele der conta de promover o trânsito entre os conhecimentos e as representações que os alunos já trazem e o “novo” conhecimento a ser apropriado. (SIMAN, 2004, p.81)
Nesse processo de modificação no ensino de História, estudam-se os
recursos para o seu desenvolvimento. O aprimoramento das pesquisas, em torno de
novas formas de fontes, estendeu-se também às didáticas da História, que segundo
o entendimento de Siman, surgem como os novos mediadores de ensino.
Apresentam-se nas diversas formas de linguagem e de leitura.
Para que o ensino de História, todavia, seja levado a bom termo, ao
longo do todo o ensino fundamental, torna-se necessário que o
professor inclua como parte constitutiva do processo
ensino/aprendizagem, a presença de outros mediadores culturais,
como os objetos da cultura, material, visual ou simbólica, que
ancorados nos procedimentos de produção do conhecimento
histórico possibilitarão a construção do conhecimento pelos alunos,
tornando possível “imaginar”, reconstruir o não-vivido diretamente,
por meio de variadas fontes documentais. (SIMAN, 2004, p. 88)
Nesse intervalo acrescenta-se a cultura popular, que apresenta seus valores
e que, por muito tempo, percebia-se certa discriminação. Daí não ter espaço nos
contextos de pesquisa e não contemplar os conteúdos historicamente construídos.
Segundo André Luiz Joanilho, a cultura é apresentada como forma de manifestação
e de revolta aos costumes burgueses e ganha espaço no universo intelectualizado
como aquela
[...] que não participa da cultura da elite, sendo, portanto, cultura do
povo... O fundamento desta fórmula vem da prática da esquerda em
fins do século XIX, que ressentida com a burguesia, exclui tudo o que
pudesse vir dela. Toma para si o que a historiografia positivista
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produziu e dicotomizou em termos de popular e erudito,
transformando-os em conceitos operatórios e definitivos de
entendimento do social.(JOANILHO, 1992, P.42)
Podemos trabalhar o conceito de cultura sob o olhar de Clifford Geertz,
quando propõe o seu pensamento, voltado à ideia do homem relacionando-se ao
seu meio e com outros homens.
O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios
abaixo tentam demonstrar é essencialmente semiótico. Acreditando,
como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo
essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa,
à procura do significado. (GEERTZ, 1978, P. 15)
Geertz, ao aproximar-se dos modelos culturais, ao mesmo tempo em que se
aproxima, percebe um fator que promove o isolacionismo dos seus elementos.
Porém, ao compreender a cultura de um povo, expõe sua normalidade sem reduzir
sua particularidade. (p.24). Ele continua afirmando que a cultura é tratada de modo
mais efetivo, quando:
[....] pelo isolamento dos seus elementos, especificando as relações
internas entre esses elementos e passando então a caracterizar todo
o sistema de uma forma geral – de acordo com os símbolos básicos
em torno dos quais ela é organizada, as estruturas subordinadas das
quais é uma expressão superficial, ou os princípios ideológicos nos
quais ela se baseia. (GEERTZ, 1978, P.27)
O estudo da cultura popular, neste trabalho, leva-nos a refletir e analisar as
charges representadas pelo cartunista Maurício Pestana, retratadas nos números da
Revista Raça Brasil, ou seja, o olhar dos afro-brasileiros sob alguns aspectos da
sociedade. Sendo assim, a intenção aqui é de contextualizar essa realidade por
intermédio desse instrumento e utilizá-lo como fonte para análise histórica. Os
hábitos, as manifestações e as conquistas dos afrodescendentes retratados pelas
charges, tornam-se materiais que geram análises e a busca de leituras que
nortearão ou complementarão esses estudos.
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A charge como fonte, inspirada no cotidiano, revela um universo pautado em
dimensões políticas, sociais, culturais e econômicas. O chargista não cria um
personagem em específico e sim utiliza como inspiração, pessoas ou fatos que
foram notícia junto ao universo dos afrodescendentes. Faz sua análise crítica por
intermédio de seus desenhos: ora de forma sarcástica, como no exemplar 144
(Junho/2010), no qual uma pessoa chega ao céu e justifica sua chegada não como
uma “batida” de trânsito mas sim como uma “batida” policial; ora com humor crítico,
como na edição número 150 (Janeiro/2011) na qual mostra a polêmica em torno do
livro de Monteiro Lobato “As Caçadas de Pedrinho”; 4
Alberto Gawryszewski, ao desenvolver suas pesquisas em torno das charges,
revela que essas são formas de leituras que promovem reações diferenciadas ao
serem observadas. Promovem debates de aceitação ou não em torno do que elas
expõem.
A charge e a caricatura políticas podem causar o riso, por possuírem uma carga de humor, podem divertir, mas não podemos nos esquecer de que podem causar ao intérprete um estranhamento, pois podem despertar sua consciência, dar uma visão do político ou da situação que desconhecia, isto é, desvendar, desnudar uma realidade que talvez não quisesse ver ou conhecer. Portanto, a charge e a caricatura políticas possuem um grau de ambigüidade, uma carga emocional que a caricatura comum, a charge comum, a de costumes e de humor não contêm. (GAWRYSZEWSKI, 2008, P. 16)
Daí nos aprofundarmos em torno das questões da História e da cultura,
como estas caminham e são apresentadas. São pertinentes no momento em que a
diversidade e a quantidade de fatos e personagens, que conquistam espaço na
História, ganham cada vez mais ênfase junto aos pesquisadores. A educação leva
esse modelo ao ensino básico, onde os currículos promovem a inserção de
abordagens relacionadas ao universo dos seus educandos.
Estudioso da imagem como fonte, Peter Burke mostra o papel que essa
desenvolve, ao transportar para uma esfera imaginativa as visões de uma
determinada realidade.
O Ponto de vista que eu utilizei para escrever este livro é que as imagens não são nem um reflexo da realidade social nem um
4 REVISTA RAÇA BRASIL, N. 144, JUNHO/2010, p.82 e, REVISTA RAÇA BRASIL. N. 150, JANEIRO/2011 p. 82.
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sistema de signos sem relação com a realidade social, mas ocupam uma variedade de posições entre estes extremos. Elas são testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais, pelas quais indivíduos ou grupos veem o mundo social, incluindo o mundo de sua imaginação. (BURKE, 2004, P. 232)
Burke, ao analisar as imagens em relação à visão do outro, aos encontros
culturais e ao problema de estereotipar os personagens e os fatos, remete-nos à
reflexão sobre uma postura na qual devemos observar, quando da análise das
charges de Maurício Pestana e a sua visão do outro. É o próprio conceito de
estereotipar.
A palavra ‘estereótipo’ (originalmente uma placa da qual uma imagem podia ser impressa), como a palavra clichê (originalmente o termo frances para a mesma placa), é um sinal claro da ligação entre imagens visuais e mentais. O estereótipo pode não ser completamente falso, mas freqüentemente exagera alguns traços da realidade e omitem outros. O estereótipo pode ser mais ou menos tosco, mais ou menos violento. Entretanto, necessariamente lhe faltam nuanças, uma vez que o mesmo modelo é aplicado a situações culturais que diferem consideravelmente umas das outras. (BURKE, 2004, P. 155)
Estereotipar poderia ser um problema se não tivéssemos a expectativa dessa
possibilidade. Porém é fato que essa possibilidade vai acontecer. Pois, ao trabalhar
com grupos diferenciados, esses deixarão transparecer seus conceitos e
preconceitos em torno do que será apresentado. Ao habituarem-se poderão se
familiarizar e até mesmo se identificar com as propostas apresentadas. Como
poderão repugná-las.
Diante dessa análise, defrontamo-nos com algumas indagações: utilizando-
nos de Alberto Manguel, aproveitamos seus questionamentos para discorrer a
respeito da leitura e das formas de interpretação das imagens.
Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria que somos feitos. Mas qualquer imagem pode ser lida? Ou, pelo menos, podemos criar uma leitura para qualquer imagem? E, se for assim, toda imagem, encerra uma cifra simplesmente porque ela parece a nós, seus espectadores um sistema auto-suficiente de signos e regras? Qualquer imagem admite tradução em uma linguagem compreensível, revelando ao espectador aquilo que podemos chamar de Narrativa da imagem, com N maiúsculo? (MANGUEL, 2006, P. 21)
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Este foi nosso propósito ao levarmos as charges para as salas de aula e
proporcionarmos leituras que levem nossos alunos e alunas a refletirem sobre a
questão dos afro-brasileiros, por esse instrumento. Daí levá-los a essa proposta de
leitura.
Implementação
A implementação da proposta aconteceu no segundo semestre de 2011, nos
Grupos de Trabalho em Rede e na escola onde me propus a direcionar o projeto.
Escola na qual já atuo há 15 anos, - no Colégio Estadual Profª Célia Moraes de
Oliveira - na cidade de Londrina, com os alunos e alunas da 6ª série (7º ano), do
período vespertino.
Diante das análises feitas e definindo-se a fonte, os trabalhos aconteceram
assim que retornamos às atividades nas salas de aula. Isso no mês de agosto. Daí a
necessidade de se implementar o projeto de imediato, para um melhor
aproveitamento. Estaríamos recomeçando. Então a dificuldade em nos
readaptarmos no transcorrer do ano letivo e desenvolver a proposta de trabalho
seria possível.
As ações de implementação foram divididas em quatro blocos, desenvolvidas
no período de 15/08/2011 a 16/09/2011.
No primeiro momento, apresentamos o projeto no qual estaríamos envolvidos:
a questão racial no Brasil e no contexto onde encontram-se inseridos e apresentei o
Estatuto de Igualdade Racial. Toda essa exposição, acompanhada de discussões e
reflexões sobre todos esses apontamentos.
No segundo momento apresentei a Revista Raça Brasil, aos alunos que pela
primeira vez tiveram acesso à mesma. Reunidos, montamos grupos e discutimos as
matérias publicadas. Ao continuar o debate, foram questionados se conheciam e
como foi esse primeiro contato com a revista. Posteriormente foi solicitada uma
pesquisa sobre o cartunista Mauricio Pestana.
A partir do terceiro momento, foi apresentada a seção de humor da Revista
Raça Brasil, destacando as charges de Maurício Pestana para análise e debate.
Nesse momento, os alunos/as apresentaram suas pesquisas sobre o cartunista,
fizeram suas observações e percebeu-se o seu envolvimento como ativista nas
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questões raciais. Reunidos em grupos, os alunos/as passaram efetivamente a fazer
a análise das charges, elaborando uma produção escrita e apresentando para a
turma seus apontamentos.
No quarto momento, foi proposto que elaborassem charges que retratassem
as situações pertinentes às questões dos afrodescendentes na atualidade. Após
estarem concluídas, passaram a apresentá-las. Depois de apresentadas, foi
organizada uma exposição em painéis mostrando as charges de Maurício Pestana
ao lado das produções dos alunos/as. Ao concluir essa etapa, foi proposto que
fizessem uma avaliação de todo o trabalho realizado.
Avaliando o trabalho como um todo, para nossa surpresa, encontrei alunos
receptivos e que se mostraram dispostos a cooperar e participar dessa intervenção,
visto que alguns alunos identificavam-se com as questões que ali seriam abordadas.
É o que aponta um dos alunos na sua avaliação:
que muitas vezes nós julgamos as crianças, adultos, pela cor, raça, se são altos, baixos, gordos, magros, brancos ou negros e não devemos ser assim, pois todos devem e tem os direitos iguais apesar de hoje no nosso país essa diferença ainda existe.(sic) (Alunos e alunas da 6ª Série / 7º ano)
Esse olhar amplo, global está relacionado diretamente ao contexto em que
estão inseridos. São retratos de discriminação em relação ao seu corpo, sua forma
de se vestir, à comunidade em que convivem e as questões raciais. Ao observar o
apontamento desse aluno, ele representa um pouco dos traumas e dos preconceitos
de todos que participaram desse projeto, e viram um outro jeito de ganhar voz e
fazer uso desse instrumento em suas vidas.
Que é um modo de aprendizado que reúne um conteúdo sério em um conteúdo divertido. É fácil de aprender em um ambiente descontraído com a participação dos alunos com o professor e não deixa de ser um aprendizado. (Alunos e alunas da 6ª série/7º ano).
Quanto à implementação na escola, o primeiro impacto relacionou-se ao fato
dos alunos terem contato com a revista e posteriormente com as charges, a
possibilidade de acesso a esse material desconhecido por eles e o seu deslumbre
ao perceber outro olhar para questões relacionadas ao seu cotidiano. Como fonte,
observou-se como foi possível trabalhar com as charges e nelas possibilitar
reflexões em torno de sujeitos e eventos históricos.
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Todo professor/a deve ser um pesquisador/a, porém a rotina escolar não
permite que se faça um estudo aprofundado sobre as diversas abordagens
históricas. O professor da educação básica ao se distanciar da pesquisa, das
análises historiográficas, também se distanciou da escrita e da produção no contexto
acadêmico. Ou seja, criou-se um distanciamento desse universo de pesquisa, - hoje
muito voltado para os fenômenos que se desenvolvem nas escolas para a educação
básica-, propiciando objetos de pesquisa que antes não eram vistos como tal.
Este Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) proporcionou um
tempo para retomada e maior dedicação aos estudos e pesquisa sobre os diversos
temas escolhidos. Nele nos debruçamos em torno das charges de Maurício Pestana,
na Revista Raça Brasil, para o desenvolvimento em torno da temática das questões
dos afrodescendentes para o ensino de História.
No entanto, não podemos esquecer que o principal objetivo é proporcionar ao
professor/a espaços para estudo, onde possa contribuir para um modelo de
educação de qualidade. Com este intuito, foi elaborado um projeto e material
didático a ser implementado na escola de atuação do/a professor/a.
Imaginar como seria o desenvolvimento dessa proposta proporcionou
momentos de ansiedade que foram superados quando dei início aos trabalhos e
encontrei turmas receptivas para o novo, porém que demonstravam dificuldades
para ler e relacionar, naqueles materiais, situações que remetessem a uma análise
crítica para aquele contexto histórico. Isso foi verificado ao retornar à escola, no
segundo semestre de 2011. Pairava a dúvida de como seria a receptividade dos
alunos, mediante tal proposta. Era algo novo que estaria usando na minha prática
em sala de aula, e muito mais nova para eles.
O grupo de alunos/as queria expor suas ideias e percebi que ficavam
satisfeitos com a participação e descoberta, a cada passo do trabalho.
Nesta perspectiva, quando o professor/a sai da zona de conforto,
proporcionada ou vivida pelo ensino conservador (tradicional), observam-se
mudanças nos padrões de postura para a comunicação e encaminhamentos nas
atividades, possibilitando novos olhares na prática de ensino. Causando mudanças
na prática usual, afetando não somente o papel desempenhado pela professora,
mas também mexendo com a postura dos alunos.
O que se observou, nos primeiros momentos, foram indagações do tipo
“Professora me auxilia aqui” ou por outro lado “Como é que a senhora quer que a
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gente escreva?”. Ou seja, havia uma expectativa em receber o conhecimento pronto,
facilitado. Havia ainda a expectativa do professor que fosse retransmitir os
conteúdos e que eles não viam que poderiam ser capazes de construir com suas
próprias experiências e olhares.
Porém, observaram-se momentos em que não se dava a devida importância
para o material e não se identificavam com o projeto. Não havia uma relação, o que
se percebia era um distanciamento do que se propunha com a realidade da qual
faziam parte. Manifestavam com reações de desinteresse, pois nunca haviam
participado ou desenvolvido atividades que os levassem a refletir sobre sua própria
realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram movimentos antagônicos, onde o que se percebeu foi que a
implementação possibilitou olhares em que nem tudo que foi positivo demonstrou
progressos e superação de obstáculos e nem as dificuldades apresentadas
significaram o fim do projeto, mas formas de reação quanto a se abordar assuntos
relacionados ao convívio desses alunos. Mostrando reações de descaso, de
inferioridade ou de revolta, que se manifestavam o que muitas vezes observamos
com os olhos da indisciplina. Encontramos dificuldades, resistências, como em toda nova proposta. Essa
não foi diferente, quando esbarramos em diversas situações, como, por exemplo, o
manuseio do material. O que analisamos, no primeiro momento como uma
adversidade, ganhou uma nova dimensão após as conclusões dos alunos. O que foi
um deslumbre, uma agitação, quando tiveram pela primeira vez um contato com a
revista e posteriormente com as charges. Verificou-se depois que foi um privilégio
possibilitar àqueles alunos um contato com algo que lhes propiciou novos olhares e
a possibilidade de acesso a novos conhecimentos.
O trabalho, com documentos e metodologias que fogem dos padrões
convencionais, proporciona novos olhares e dinâmicas reflexivas. Isso respaldado
por concepções de ensino de História que ganharam espaço nos campos de
pesquisa, e possibilitaram um status diferenciado em torno das fontes históricas
como instrumento de ensino. É o que aponta Cainelli:
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Uma nova concepção de documento histórico implica, necessariamente, repensar seu uso em sala de aula, já que sua utilização hoje é indispensável como fundamento do método de ensino, principalmente porque permite o diálogo do aluno com realidades passadas e desenvolve o sentido da analise histórica. O contato com as fontes históricas facilita a familiarização do aluno com formas de representação das realidades do passado e do presente, habituando-o a associar o conceito histórico à analise que origina e fortalecendo sua capacidade de raciocinar baseado em uma situação dada. (P. 94, 2004)
Foi o que se percebeu após a implementação do projeto nas salas de aula.
Uma postura se não diferenciada, porém reflexiva em torno das questões dos
afrodescendentes. Olhava-se para essa abordagem especificamente pelas questões
relativas ao tráfico de escravos, ao processo de abolição, às formas de resistência
em torno de alguns eventos históricos referentes a esse contexto. Observa-se que
era muito complexo olhar essas questões de forma mais próxima, contextualizada.
O olhar que as charges propiciaram revelou que essas questões raciais estão
presentes no contexto que eles/elas (os/as alunos/as) vivenciam. Retomando a
análise de outro registro feito por um aluno percebemos no seu apontamento, “que
aprendi que mesmo os negros terem ganhado a liberdade, ainda sofriam racismo e
eram escravizados escondidos (sic)”.
A fonte com a qual nos propusemos trabalhar possibilitou que refletíssemos
sobre nossas práticas, que muitas vezes são pautadas em torno de algo já
constituído. Carregamos o ranço dos documentos escritos e dos manuais didáticos
que nos são ofertados. Essa “nova” postura nos revela algo que retrata o modelo de
professor que busca em outras fontes e na pesquisa historiográfica, respaldo para
legitimar seu trabalho. Rompendo com estruturas pré-estabelecidas, modificando
sua forma de atuação perante seus educandos. Cainelli aborda essa relação
O trabalho com o documento histórico em sala de aula exige do professor que ele próprio amplie sua concepção e o uso do próprio documento. Assim, ele não poderá mais se restringir ao documento escrito, mas introduzir o aluno na compreensão de documentos iconográficos, fontes orais, testemunhos da história local, além das linguagens contemporâneas, como cinema, fotografia e informática. Mas não basta o professor ampliar o uso de documentos; também deve rever seu tratamento, buscando superar a compreensão de que ele serve apenas como, ilustração da narrativa histórica e de sua exposição, de seu discurso. (P. 95)
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Verifica-se que o uso de novas fontes históricas possibilitaram trabalhos e
encaminhamentos que suscitaram novos estudos em prol do ensino da História e
que esse caminho tornou-se uma vertente relacionada à prática dos professores. E
que dificilmente retornará àquelas que centralizavam na figura do professor e seus
conteúdos que se mostravam fechados e prontos.
O que se verificou foi que os alunos mostraram com a sua participação que
estão suscetíveis a novas possibilidades. Ao trabalhar com essa proposta,
percebeu-se um maior envolvimento com as questões sociais pertinentes a eles.
Como dito antes, houve certa euforia, porém estava relacionado ao novo, ao que se
apresentava e onde poderiam chegar. Foi o que apontou um aluno que apresentou a
seguinte leitura sobre o trabalho com charges:
”Elas falam a verdade sobre tudo o que acontece, aconteceu e dão
ideias de como acontecerá se o mundo não mudar em relação ao
preconceito e o racismo” (sic)
Com este trabalho, constatei a importância das imagens especificamente as
charges, como recurso metodológico e pedagógico, pois vincula, contextualiza e
desperta interesses nos alunos/as em construir uma sociedade mais igualitária.
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