O Caminho dos Fortes
Um roteiro de:
Samuel Queles
Copyright@2011
Samuel de Freitas Queles
Todos os direitos reservados
"O CAMINHO DOS FORTES"
FADE IN
INT. QUARTO DE JEREMIAS - DIA - MANHÃ
JEREMIAS, rapaz magro, branco, 23 anos, amarra o cadarço do
TÊNIS; usa moleton e está se preparando para a corrida
matinal. Mesa e cadeira aparecem num canto com LIVROS sobre
concursos metodicamente arrumados e cartazes com frases
motivacionais afixados na parede. Jeremias SAI e se dirige à
COZINHA.
INT.COZINHA DA CASA DE JEREMIAS - DIA - MANHÃ
Jeremias dirige-se ao filtro de barro e enche um copo com
água. o Ambiente é simples, pobre mas arrumado. O PAI, uma
figura grisalha com barba rala, rosto encovado,sentado à
mesa, beberica uma xícara de café enquanto a mãe,
rechonchuda e baixa, prepara marmita do marido. ELIANE,21,
irmã de Jeremias,figura esbelta de uma beleza comum;
organiza numa bolsa seu KIT DE MANICURE. A atmosfera é tensa
e silenciosa.
MÃE DE JEREMIAS
Não vai com seu pai, Jeremias?
JEREMIAS engole a água rapidamente, mantém por um momento, a
mão erguida segurando o copo; ELIANE encara-o com certa
reprovação. JEREMIAS coloca o copo com energia sobre a pia.
O PAI se levanta e pega a marmita já preparada. Passa
próximo a JEREMIAS enquanto assobia baixinho uma canção; há
uma tensão visível.O pai SAI. JEREMIAS SAI a tempo de ouvir
ELIANE em tom provocador.
ELIANE
Doutorzinho.
Reação incômoda de JEREMIAS que encara ELIANE rapidamente
com reprovação.
CORTA PARA
2.
EXT. RUA - DIA - MANHÃ
JEREMIAS faz alongamento diante de casa enquanto vê o PAI se
distanciando, assobiando, empurrando um carrinho de mão com
ferramentas.
CORTA PARA
EXT. ESTRADA - DIA - MANHÃ
JEREMIAS corre. Ângulo revela seu TÊNIS em passadas
vigorosas.
JEREMIAS (V.O.)
Todo dia, milhões de malucos
levantam pensando em ser alguma
coisa na vida. Jogador de futebol,
cantor, qualquer glamour vale. O
problema meu amigo é que Pelé
mesmo, só existiu um. E que Elvis,
infelizmente, não morreu.
TÊNIS aumenta as passadas. Respiração ofegante.
JEREMIAS (V.O.CONT.)
Mas o cara ainda quer se dar bem.
Aí, atendendo a pedidos,
inventaram uma coisa chamada
governo e com ele a burocracia; e
com a burocracia, o concurso. E com
o concurso,a chance de uma vida
mansa. É aí que começa a história
de muita gente.
CORTA PARA
INT. CASA DE MARINA - SALA - DIA
Ambiente limpo e arrumado. Na estante, uma FOTO de MARINA -
típica de formatura - com beca e canudo.
CORTA PARA
INT. CASA DE MARINA - QUARTO DE MARINA - DIA
MARINA, jovem bonita, fala alegremente ao celular enquanto
arruma sua mala. A mãe, esguia, espreita-a da porta,
esfregando as mãos. Tem um ar triste e ansioso.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 3.
MARINA
Já falou com a RENATA?
Pausa. MARINA joga os cabelos para trás enquanto firma o
celular entre a orelha e os ombros e usa as duas mãos para
fechar o zíper da mala.
MARINA
Ah, sim. Tudo bem, o lugar é bom.
Papai olhou tudo... A gente se vê.
MARINA termina a ligação; pega a mala e SAI.
CORTA PARA
EXT. RUA DA CASA DE MARINA - DIA
O pai de MARINA, senhor de meia calva,baixo, um pouco gordo;
tem um ar alegre e decidido; Ele coloca a bagagem dela no
porta malas do carro popular. MARINA abraça o pai e depois a
mãe demoradamente. MARINA ENTRA no carro. Um rapaz
magro,FRED, um pouco mais baixo que MARINA, tem o semblante
triste. É namorado de MARINA. FRED também ENTRA no veículo
no banco do passageiro. Está calado. O PAI de MARINA chega à
janela da porta de MARINA e estalando os dedos e gingando
desengoçado a cabeça, entoa Felling Groovy. MARINA tenta
ajudá-lo com a letra.
PAI DE MARINA
Slow down, you move...
MARINA começa a cantar também enquanto sorri. Ao seu lado,
FRED força um sorriso tentando se mostrar amável.
PAI DE MARINA
... to fast/... morning
last/Just... the couble
stones/looking for fun and
felling groovy.
MARINA
... to fast/You get make
the morning last/Just
kickin down the couble
stones/looking for fun and
felling groovy.
CORTA PARA
INT. CARRO DE MARINA - DIA
Enquanto a música Felling Groovy soa (na voz de Symon and
Garfunkel), MARINA acaba de encostar o veículo próximo a uma
fábrica - típica metalúrgica - Funcionários chegam. Ângulo
revela que FRED veste o mesmo uniforme dos funcionários.
FRED e MARINA se encaram em silêncio.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 4.
FRED
Acho que não precisava cancelar o
noivado.
MARINA
Fred, nós apenas adiamos. É nosso
futuro. Eu preciso me concentrar
nisso agora. É o meu futuro FRED.
FRED
Não faz sentido, Marina.
MARINA
Não quero mais discutir isso.
Pausa. MARINA suspira e olha o relógio. FRED abre a porta do
carro.
FRED
Esse é o problema. Eu nunca estou
nos seus planos.
MARINA
Eu... Eu acho que você está
exagerando um pouco. Você...
FRED SAI do carro abruptamente, um tanto contrariado e fecha
a porta.
FRED
Boa sorte. Preciso me concentrar
(tom) no trabalho.
FRED caminha em direção ao portão da empresa sem olhar para
trás. Passos duros. MARINA apóia o cotovelo sobre a porta do
carro enquanto apóia a testa com a mão. Balança
negativamente a cabeça, angustiada.
CORTA PARA
EXT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - DIA
ALEXANDRE,jovem,27 anos, atarracado e gordinho, calça
sapatos e usa camisa social escapando na cintura entre a
calça e a barriga. Segura livros e tem uma mochila a
tiracolo. Aguarda seu pai abrir a porta do apartamento. O
pai,figura sisuda, procura a chave certa.
PAI DE ALEXANDRE
A prefeitura vai desapropriar essa
área. Vou vender aqui... fim do
ano.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 5.
Encontra a chave e a introduz na fechadura.
PAI DE ALEXANDRE (CONT.)
Não posso perder dinheiro.
Abre a porta.
ALEXANDRE
Absque argento omnia vana.
PAI DE ALEXANDRE
O quê?
CORTA PARA
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA
ENTRAM. O ambiente é simples. A sala, praticamente vazia,
tem um sofá grande e uma escrivaninha com TV em cima.
ALEXANDRE
É latim.
PAI DE ALEXANDRE confere o ambiente enquanto caminha para
abrir a janela da sala. ALEXANDRE joga-se no sofá.
PAI DE ALEXANDRE
Latim é?
A janela já aberta, ele observa a vista ao longe por uns
instantes. ALEXANDRE se espreguiça.
ALEXANDRE
É.
O PAI DE ALEXANDRE se afasta da janela enquanto joga a
CHAVE no colo do filho e vai para a cozinha.
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - COZINHA - DIA
PAI DE ALEXANDRE (O.S.)
Espero que sua faculdade de Direito
sirva pra algo mais do que rezar
missa.
6.
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA
ALEXANDRE continua jogado no sofá olhando para o teto.
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - COZINHA - DIA
Escuta-se o SOM DAS PORTAS dos armários da despensa se
abrindo e fechando.
PAI DE ALEXANDRE (O.S.)
Você tem um ano prá isso. Está na
hora de você compensar o
investimento.
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA
ALEXANDRE ainda sentado no sofá, olha para o teto por uns
instantes e, de repente, ouve o seu celular que TOCA dentro
da mochila. Ele atende.
ALEXANDRE
Alô? É você? Cheguei agora.
CORTA PARA
INT. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA - DIA
ADRIANA, 25, namorada de ALEXANDRE, é estagiária em um
escritório de advocacia. É uma jovem bonita,usa aparelho
dentário; um pouco gordinha, usa óculos. Está em sua mesa de
trabalho. Ambiente típico de escritório.
INTERCUT - CONVERSA TELEFÔNICA
ADRIANA
Oi amor! Quer que eu leve alguma
coisa? Quando sair daqui posso
passar aí.
ALEXANDRE tenta falar baixo para que o PAI não o escute.
ALEXANDRE
Não precisa se preocupar, DRICA.
Vou descansar um pouco. Tá tudo bem
aqui...
ADRIANA percebe o tom de voz diferente de ALEXANDRE.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 7.
ADRIANA
(sussura)
Seu pai ainda está aí?
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - COZINHA - DIA
O PAI DE ALEXANDRE se encosta na parede da cozinha, próximo
à porta sem que ALEXANDRE o veja e tenta ouvir a conversa.
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA
ALEXANDRE leva a mão à boca como se abafasse o som de sua
voz.
ALEXANDRE
Não fosse a paranóia dele, você
sabe. Juiz, promotor... Falou a
viagem toda. Estou de saco cheio.
ADRIANA
(sorri)
Ele se preocupa com você.
ALEXANDRE
(irônico)
E agora eu tenho prazo de validade.
ADRIANA
(conciliadora)
Ahh! Alexandre, não exagere.
PAI DE ALEXANDRE irrompe na sala e interrompe a conversa.
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA
PAI DE ALEXANDRE
Cuidado com o que você fala. Eu não
tive nada disso que você tem.
PAI DE ALEXANDRE caminha em direção à porta sisudo, pára e
volta-se para ALEXANDRE apontando-lhe o dedo ameaçador.
ALEXANDRE tenta tapar o telefone enquanto encara o PAI.
PAI DE ALEXANDRE
Escuta aqui. Eu não tive essa
moleza toda. Você devia estar me
agradecendo. Eu não tive essa
moleza sua rapaz.
PAI DE ALEXANDRE pára à porta.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 8.
PAI DE ALEXANDRE
Seu tempo está acabando.
PAI DE ALEXANDRE SAI pela porta batendo-a. ALEXANDRE suspira
com uma careta engraçada e volta sua atenção ao telefone.
ALEXANDRE
Ei! Adriana?
ADRIANA (V.O)
Estou aqui.
ALEXANDRE
(imitando o pai com
empostação)
"Está na hora de compensar o
investimento" "Eu não tive essa
moleza toda". (continua com a voz
normal). As vezes acho graça disso.
ADRIANA
Vou assumir a diretoria assim que
terminar o estágio. Gostaram de mim
aqui. Não quero nem pensar em
concurso. Essa pressão toda não é
prá mim. O salário aqui é bom.
Tenho boas chances de crescer.
ALEXANDRE
Queria ter essa certeza agora. Não
sei o que quero, exatamente.
ADRIANA
Estou aqui para o que precisar.
ALEXANDRE
Alea jacta est.
ADRIANA sorri.
ADRIANA
Nos vemos à noite.
CORTA PARA
INT. BALADA - NOITE
MARCO RICONNI,24 anos, um jovem forte, alto e bonito, está
rodeado de amigos enquanto se abraça a uma bela GAROTA numa
boate. Luzes estroboscópicas piscam. O som eletrônico agita
a galera enquanto jovens bonitos, de classe media alta,
dançam e riem. MARCO RICONNI faz uma CARREIRA DE COCAÍNA no
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 9.
tampo do balcão e cheira avidamente. A garota o puxa pelo
braço. Ele resiste um pouco mas logo cede; Ambos SAEM.
CORTA PARA
EXT. INTERIOR DO VEÍCULO DE MARCO - NOITE
MARCO RICONI dirige seu possante veículo. a GAROTA reclina o
banco e põe os pés no painel do carro. Seu vestido curto
revela as belas coxas. MARCO RICONNI se excita; liga o
rádio. Um música sertaneja melosa enche o carro. A GAROTA
toma o controle da mão de MARCO RICONNI e muda a estação
para um funk. A GAROTA respira sensualidade e se mexe
provocante.
CORTA PARA
INT. CASA DE MARCO RICONNI - SALA - NOITE
MARCO RICONNI e a GAROTA. Acabaram de chegar. Ela agora
segura as sandálias de salto e anda pé ante pé. Evitam fazer
barulho. É uma bela casa e sua decoração denota riqueza e
bom gosto. Caminham pela sala em direção ao corredor.
CORREDOR
quando MARCO RICONNI esbarra acidentalmente numa ESCULTURA
tombando-a ao chão. O barulho enche o silêncio. A GAROTA se
assusta e faz cara de repreensão. Estacam-se por um momento,
assustados.
CORTA PARA
INT. CASA DE MARCO RICONNI QUARTO DOS PAIS - NOITE
Os pais de MARCO RICONNI, - ALBERTO e ANA - já estão
deitados. Na penumbra, sua mãe se assusta com o BARULHO.
ANA
É o MARCO de novo, ALBERTO.
ALBERTO resmunga algo ininteligível e se vira para outro
lado na cama.
ANA
(suspirosa)
Onde foi que eu errei meu Deus!
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 10.
ALBERTO
Eu sempre disse que ele tem que
arranjar alguma coisa com o
GUSTAVO, Ana.
ANA
Você sabe bem que os dois não se
entendem, ALBERTO.
CORTA PARA
INT. CASA DE MARCO RICONNI - CORREDOR - NOITE
MARCO RICONNI reposiciona a ESCULTURA e junto com a GAROTA
correm em direção ao quarto dele entre risos mal contidos,
como duas crianças. ENTRAM e a CÂMERA encontra PORTA que se
fecha com estrondo. Ouvem-se risadas e GRITINHOS de prazer.
CORTA PARA
INT. ACADEMIA - DIA
MARCO RICONNI está malhando supino. Ao lado, COSTA, um
senhor com meia calva,48, com uma barriguinha proeminente,
corre na esteira. MARCO RICONI pára o exercício, pega o
celular ao lado e deitado na prancha, liga para seu irmão,
GUSTAVO. COSTA o observa.
MARCO RICONNI
Parece que você quer me ver?
GUSTAVO (O.S.)
Oi? Marco? Tem uma coisa sua
aqui. Depois passa aqui no
escritório. Preciso falar com
você.
MARCO RICONNI
Irmão, você me levanta uma grana?
GUSTAVO
Preciso falar com você. Passa aqui.
MARCO RICONNI
(enquanto desliga o aparelho)
Saco!
CORTA PARA
11.
INT. ACADEMIA - VESTIÁRIO - DIA
MARCO RICONNI acaba de sair do banho. Enquanto se veste,
observa os objetos de COSTA sobre a bancada. CARTEIRA,
CELULAR, RELÓGIO. COSTA está se banhando. Sua cabeça calva
aparece acima da divisória do box. MARCO RICONNI olha
repetidas vezes para a cabeça de COSTA e para os OBJETOS na
bancada como que avaliando. Por fim decide: abre a CARTEIRA
cautelosamente e tira algumas notas; sempre atento à COSTA
que cantarola debaixo do chuveiro. MARCO RICONNI deixa a
CARTEIRA na bancada e SAI.
CORTA PARA
INT. ACADEMIA - CORREDOR - DIA
MARCO RICONNI está saindo quando escuta atrás de sí,
PALMAS. Continua andando.
CLOSE SHOT - MARCO RICONNI
que está tenso mas, continua em frente.
COSTA (O.S.)
(batendo palmas)
Parabéns!
COSTA, enrolado numa toalha, ainda molhado,caminha em
direção a MARCO RICONNI. Está sorrindo.
COSTA (CONT.)
Você passou.
MARCO RICONNI se detém e encara COSTA em atitude de defesa.
MARCO RICONNI
(desafiador)
Que que foi irmão?
COSTA vai se aproximando. Tem uma aparência calma. MARCO
recua e evita a aproximação.
MARCO RICONNI
Que que foi zé?
MARCO RICONNI se vira e ignora COSTA. está SAINDO
apressadamente. COSTA pára e não o segue.
COSTA
(em voz suficientemente alta)
Isso é pouco para o que você pode
conseguir!
12.
CORTA PARA
EXT. ESTRADA - DIA - MANHÃ
JEREMIAS corre como de costume. Um carro que vem em sentido
contrário passa sobre uma poça - um buraco no asfalto - e
lhe atira água suja. JEREMIAS interrompe a corrida
bruscamente e olha absurdado o carro afastar-se.
POV DE JEREMIAS:
Vê o carro sumir rapidamente na CURVA. A vegetação costeira
encobre sua visão.
VOLTA À CENA
JEREMIAS olha sua roupa. Descansa com as pernas afastadas,
as duas mãos apoiadas sobre os joelhos. Ainda curvado, olha
o horizonte. Resolve voltar. Inicia o percurso com uma
corrida leve e quando faz a curva encoberta pela vegetação,
percebe à distância, que o veículo que lhe acabara de sujar
está parado. Fora dele, três garotas, como se buscassem uma
solução. JEREMIAS acelera ao encontro delas. As garotas
notam JEREMIAS se aproximando e imediatamente ENTRAM no
veículo e se trancam.
CORTA PARA
EXT. ESTRADA - INTERIOR DO VEÍCULO - DIA
Ao volante está MARINA. Ao seu lado, JOYCE, gordinha de cara
angelical. Atrás está RENATA, esguia, cabelos longos em rabo
de cavalo. Estão visivelmente nervosas.
POV DAS GAROTAS:
JEREMIAS se aproxima. Caminha até a porta de MARINA e bate
TOC TOC no vidro. Está suado e ofegante.
VOLTA À CENA
As meninas entram em pânico. RENATA,24, uma bela jovem,
quebra o silencio.
RENATA
Chama a polícia, eu sabia!
JOYCE, loirinha rechonchuda, está vermelha e procura o
celular na bolsa. Encontra-o.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 13.
JOYCE
Sem sinal! Maldito!
RENATA
A polícia, a polícia!
POV: DAS GAROTAS
JEREMIAS vai para a traseira do carro.
VOLTA À CENA
RENATA
As malas!
MARINA
Meu Deus! A chave!
JEREMIAS vê o porta malas semi aberto. A chave da ignição
balança na fechadura da tampa. Levanta a tampa e dentro do
porta malas está toda a bagagem das garotas.
POV: DAS GAROTAS
Do interior do veículo as meninas escutam o ruído de
ferramenta. JEREMIAS, encurvado, some sob a tampa.
VOLTA À CENA
CLOSE UP: MÃO DE MARINA
tateia em busca do CELULAR debaixo do banco. Está num
silêncio controlado, mas tensa. JOYCE começa a chorar.
JOYCE
Oh meu Deus!
POV: DAS GAROTAS
Um pedaço de ferro aparece das mãos de JEREMIAS. Ele
finalmente se ergue e caminha até à frente do veículo. Vem
com o estepe e chave de roda na mão.
CLOSE UP: MÃO DE MARINA
que pega o CELULAR. Do retrovisor MARINA observa JEREMIAS e
vê que se trata de uma chave de rodas, o que tem na mão.
MARINA
Espera um pouco.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 14.
RENATA
(desafiadora)
Não, não! liga...
MARINA
(enérgica)
Espera, Renata!
O carro começa a subir impulsionado pelo macaco. As meninas
se encaram em silêncio.
JEREMIAS troca o pneu. Caminha até o porta malas, coloca o
pneu furado e as ferramentas e fecha-o. Espalma a poeira das
mãos, chega o rosto próximo ao vidro de MARINA, dá um um
sinal de "jóia" com o polegar e retoma sua corrida.
VOLTA À CENA
As meninas suspiram aliviadas mas ainda assustadas.
CORTA PARA
EXT. INTERIOR DO VEÍCULO DE COSTA - DIA
COSTA dirige seu veículo enquanto fala ao celular. Usa
gravata amarela e paletó.
COSTA
MARÇAL? Aqui é o Costa. A prova da
federal já tá na mão. To passando
aí daqui a pouco.
Pausa. Escuta alguém do outro lado da linha.
COSTA (CONT.)
E esse contato é seguro?
Pausa.
COSTA (CONT.)
Ok, então. Te vejo lá.
CORTA PARA
EXT. CASA DA MÃE DE COSTA - DIA
COSTA encosta o carro e desce. É um barracão simples e
pobre. Paredes descascadas, capim crescendo no quintal, um
visível abandono. COSTA segura uma MALETA. COSTA ENTRA.
15.
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - DIA
O interior é uma penumbra. COSTA caminha até a cozinha.
COZINHA onde está a empregada MARIA; é jovem de uns 17 anos,
é negra. COSTA entrega a MARIA o remédio da mãe.
COSTA
Aqui, o remédio dela. Ela tá
tomando direitinho?
MARIA faz sinal positivo com a cabeça.
MARIA
Ela tem...
COSTA, elétrico, arrasta uma cadeira e sobe nela. COSTA
coloca a MALETA sobre o vão do armário da cozinha que é
fixado alto, quase tocando o teto. COSTA não presta atenção
à empregada. Vira-se de costas para MARIA e saca uma PISTOLA
da cintura.
COSTA
Não tenho tempo agora, MARIA.
Ainda de costas tenta encobrir a PISTOLA enquanto a esconde
junto à MALETA, sobre o armário, no espaço sob o teto.
MARIA
Ela tem consulta... tem que levar
ela
COSTA pula da cadeira e já está indo em direção ao quarto da
mãe.
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - QUARTO - DIA
O ambiente está escuro. COSTA tateia a parede até acender a
luz. A claridade revela sua MÃE, pálida e magra; Usa lenço
na cabeça. deitada, vira o rosto e fecha os olhos recusando
a luz. Ela tosse. COSTA apaga. Aproxima-se da cama
inclina-se próximo à cabeceira.
COSTA
Mãe?
MÃE DE COSTA
(entre tosses)
Ô meu filho. Eu tô
aqui...pelejando. Graças a Deus.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 16.
COSTA senta na cama e segura a mão da mãe. MARIA fica parada
à porta. COSTA fica assim por um momento enquanto sua mãe
tosse.
COSTA
Cê tá bem, mãe?
A MÃE de COSTA tosse. COSTA vira-se para MARIA.
COSTA
Não esquece o remédio dela.
MÃE DE COSTA
Come meu filho.
MARIA
Ela tem consulta. Eu...
COSTA
(irritado)
Eu sei, eu sei.
Levanta-se.
COSTA (CONT.)
É a décima vez que fala isso. Mãe,
vou indo. Tô trabalhando muito
hoje.
MÃE DE COSTA
(em meio a tosse)
Come meu filho.
COSTA caminha para a porta de saída.
MÃE DE COSTA
Deus põe a benção.
MARIA o segue a uma distância respeitosa. Escuta-se ao fundo
os gemidos e tosse lamentosos da MÃE.
COSTA (CONT.)
Tá, viu... Já comi. Depois vejo
isso aí, da consulta.
COSTA SAI para a rua.
RUA
onde ENTRA no seu veículo e SAI.
CORTA PARA
17.
INT. CURSINHO DESAFIO - RECEPÇÃO - DIA
JEREMIAS conversa com uma atendente. Típica recepção de
cursinho com cartazes e folders sobre concuros. Um CARTAZ de
concurso para agente penitenciário se destaca. JEREMIAS quer
saber informações sobre concursos. Enquanto conversa, coloca
seu LIVRO no balcão. Atrás dele, sentado em um sofá, está
COSTA, de paletó e gravata amarela; pernas cruzadas,
confortavel; tem uma atitude tranquila enquanto observa a
movimentação dos candidatos. Logo passa a observar JEREMIAS.
JEREMIAS
Prá que horário vocês tem?
ATENDENTE
Oh...
Com uma caneta marca num papel sublinhando a informação.
ATENDENTE (CONT.)
Essa turma é a última. Prá soldado
é a última que temos. Sete às Dez
da noite. Vai abrir uma de agente.
JEREMIAS pensa por um momento hesitante. A ATENDENTE o
encara, esperando a resposta.
JEREMIAS
Mas já começa agora?
ATENDENTE
(um pouco impaciente)
É como eu falei senhor. Na próxima
segunda, dia doze.
JEREMIAS ainda pensa. Atrás de sí, ALUNOS aguardam a vez de
serem atendidos.
ATENDENTE (CONT.)
O senhor quer reservar?
Atrás, alguns se impacientam. JEREMIAS ainda está lento e
pensativo.
JEREMIAS
(abafando a voz)
É... Você não pode segurar pra mim,
uma vaga?
ATENDENTE
Cheque ou cartão, senhor?
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 18.
JEREMIAS
Balança a cabeça negativa e lentamente enquanto esfrega os
olhos com polegar e indicador. O lábio apertado. Está
tentando raciocinar. Sua mão treme (Detalhar) sobre o LIVRO.
A ATENDENTE nota a mão trêmula de JEREMIAS que logo a põe no
bolso rapidamente. COSTA se levanta e coloca um CARTÃO
furtivamente no LIVRO de JEREMIAS sem que ele perceba;
enquanto isso, fala com a ATENDENTE, apontando a direção
que vai tomar. Aparenta intimidade com o lugar.
COSTA
Estou subindo tá? MARÇAL... vou ver
o MARÇAL.
A ATENDENTE assente com a cabeça. Volta-se impassível para
JEREMIAS e o encara franzindo a testa interrogativa.
JEREMIAS
Não, nem cartão, nem cheque. Nada.
Um jovem impaciente na fila ataca.
JOVEM IMPACIENTE
Ei! Vai ficar aí dia todo?
JEREMIAS encara a ATENDENTE como que numa prece mas logo se
resigna. Pega o LIVRO e SAI.
CORTA PARA
INT. CURSINHO DESAFIO - DIRETORIA - DIA
Ambiente bem mobiliado. Mesa arrumada. Sentado na cadeira de
chefe está MARÇAL. Acima dele, um grande RELÓGIO de pêndulo,
de parede. COSTA sentado ao seu lado organiza na mesa,
habilmente, papéis que tira de um envelope. MARÇAL brilha os
olhos.
MARÇAL
(sacarsticamente)
Desde quando você é especialista em
consultoria?
Ambos dão risadas. COSTA continua organizando a papelada.
MARÇAL põe os cotovelos na mesa e observa.
MARÇAL (CONT.)
Quando quiser ser presidente do
senado, vou te contratar.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 19.
COSTA
Não me envolvo com política,
Marçal. Meu trabalho é coisa séria.
COSTA sorri sério. MARÇAL, porém, abre sonora gargalhada e
chega a abaixar o rosto próximo ao tampo da mesa enquanto dá
tapas na mesa. COSTA termina de arrumar os pápeis. Fica
sério. Sinaliza com a palma da mão aberta os três blocos de
papel que ele separou.
COSTA (CONT.)
Delegado, Auditor e Abin. Só peixe
grande. Espero que seus pupilos
sejam confiáveis.
MARÇAL muda a posição na cadeira. Agora sério.
MARÇAL
O cursinho está perdendo alunos
para o concorrente. Preciso de uma
galera top aqui que mostre que
somos os melhores. Você sabe; essa
coisa de concurso. Não podemos
marcar bobeira.
MARÇAL se levanta enquanto coloca as provas no envelope.
COSTA tamborila a mesa com os dedos.
MARÇAL (CONT.)
Meus professores farão a correção.
COSTA
Espero que sejam confiáveis.
MARÇAL
Seu senso de humor me impressiona.
Você acha que a essa altura eu
estragaria tudo? Você devia se
preocupar mais com suas gravatas.
MARÇAL acaba de colocar as provas no envelope. Esfrega o
polegar e o indicador ( sinal típico de grana ).
MARÇAL (CONT.)
Aqui tem uma galera super dotada.
Gente de boa família. Não é difícil
conseguir primeiros lugares. Sempre
fomos os primeiros. E isso não
mudará.
CORTA PARA
20.
EXT. CURSINHO DESAFIO - PLANO GERAL DA FACHADA - DIA
Alunos chegam e saem. Burburinho típico de jovens em
ambiente de cursinho. RENATA, JOYCE e MARINA saem. MARCO
RICONNI passa próximo às meninas e rola um flerte rápido de
olhos entre ele e MARINA. RENATA nota e estranhamente se
enciuma.
CORTA PARA
INT. CURSINHO DESAFIO - AUDITÓRIO - DIA
Local amplo e repleto de alunos. Ângulo foca MARINA próxima
à JOYCE. RENATA está em outra ponta da sala. Jovens
conscientes de seu objetivo participam de uma aula
inaugural. Eles prestam atenção ao homem que projeta data
show na lousa. Trata-se de WILLIAM ROCHA. Na lousa um
projetor mostra: PALESTRA MOTIVACIONAL COM O GURU DOS
CONCURSOS: JUIZ FEDERAL WILLIAM ROCHA. Ele Aparenta ter uns
38 anos, loiro e usa óculos. Veste-se e articula bem.
WILLIAM ROCHA
É muito comum ver nos clubes, nos
bairros, nas escolas... Três tipos
de pessoas. Os famosos, os neutros
e os mal-afamados. Para ser famoso,
basta uma boa qualidade: habilidade
nos esportes, riqueza, beleza,
inteligência...
Ângulo revela rostos atentos.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
(em tom gozador)
... desde que não seja um nerd.
Auditório ri.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
Ter uma boa compleição física,
força ou então, bons
relacionamentos: "filho de", "amigo
de", um "protegido de"... e até
algum sortudo namorado de alguém.
Do outro lado, na outra ponta
(ênfase), estão os exageradamente
feios, pobres, limitados; digamos
que intelectualmente, mal
relacionados...
WILLIAM ROCHA movimenta-se à frente da turma.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 21.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
(gozador)
É o mesmo "filho de", "amigo de",
Só que num outro contexto.
Auditório ri.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
(divertido)
É, vocês podem achar engraçado.
Isso aqui é para os fortes, só prá
quem é forte o bastante.
Retoma o tom.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
Bom... para os azarados existe
ainda o consolo de ganhar na
loteria.
Auditório ri ainda mais.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
Mas aí ele não seria um azarado.
Ângulo mostra auditório em gargalhadas. WILLIAM ROCHA retoma
o tom original da palestra.
WILLIAM ROCHA
Ok. Aqueles que não têm a sorte de
estar no primeiro grupo, nem o azar
de estar no último são os neutros.
Aqueles que têm...
WILLIAM ROCHA é interrompido pela porta que se abre
abruptamente por ALEXANDRRE que estaca-se por um momento -
desengonçado à porta; irrompe pela sala ADENTRO e busca o
fundo da sala. Um silêncio sepulcral. Cabeças o acompanham,
alguns, num meio sorriso, misto de estranhamento e gozação.
ALEXANDRE senta-se. WILLIAM ROCHA retoma a fala.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
São aqueles que têm a vida mais
tranquila; livres da
responsabilidade dos eleitos pela
fama e das discriminações e
perseguições dos mal-afamados.
Ângulo mostra ALEXANDRE olhando ao redor como se estranhasse
o ambiente.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 22.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
Pois bem, as classes não são
fechadas e as pessoas se movimentam
entre os polos. Os famosos andam
juntos por questão de elitização.
Os pobres se juntam por falta de
opção. E os neutros?
ALEXANDRE está inquieto e recorre ao COLEGA ao lado.
ALEXANDRE
Essa turma aqui não é a de juiz?
COLEGA
(em tom baixo)
É aula inaugural, amigo. Aula
inaugural.
WILLIAM ROCHA (CONT.)
Os neutros? É aí que entra o
concurso. A aprovação coloca a
pessoa no grupo dos bem resolvidos,
dos que tiveram sucesso, dos que
têm algum poder... A aprovação é o
estrelato. Num momento ele é o cara
desempregado que estuda, estuda, e
só leva bomba. De repente,
transforma-se num vencedor...
ALEXANDRE se levanta abruptamente causando barulho com a
cadeira e caminha para a saída,por onde entrou. WILLIAM
ROCHA, sério, interrompe a fala. A sala
silenciosa acompanha ALEXANDRE novamente com a cabeça e
olhar intrigado. ALEXANDRE SAI.
COLEGA
(em bom som)
É... é só para os fortes amigão, só
para os fortes.
A sala inteira solta o riso.
CORTA PARA
EXT. CURSINHO DESAFIO HALL DE SAÍDA - DIA
Burburinho de conversas paralelas. Alunos saem; entre eles
MARINA, JOYCE e RENATA, agora juntas.
CORTA PARA
23.
EXT. REPÚBLICA DA AMIGAS - FACHADA - DIA
Trata-se de um pequeno prédio de quatro andares. O
apartamento das garotas dá para a rua com duas janelas
amplas de onde é possível ver a rua embaixo. MARINA, JOYCE E
RENATA ENTRAM.
CORTA PARA
INT. REPÚBLICA DAS AMIGAS - QUARTO DE MARINA - TARDE
MARINA está concentrada estudando. O ambiente é limpo e bem
arrumado e silencioso. Vê-se cama, escrivaninha com cadeira
confortável e um guarda roupa. Há livros sobre a
escrivaninha e material de estudo. Na porta um adesivo. "Não
perturbe". A porta se abre e vê-se a cabeça de RENATA.
RENATA
Estamos saindo... quer alguma
coisa?
MARINA
(força um sorriso)
Ah... não. Tenho que terminar isso
aqui ainda hoje.
MARINA volta aos estudos após RENATA fechar a porta. Começa
a se concentrar quando a porta é aberta novamente; agora é
JOYCE.
JOYCE
Não vem com a gente?
MARINA
(um pouco entediada mas
cordial)
Vou estudar mais um pouco JOYCE,
Hoje não... Divirtam-se bastante.
JOYCE fecha a porta e SAI.
MARINA se volta para o estudo quando o telefone toca.
Visivelmente irritada atende. É seu namorado.
MARINA
Fred? Podemos conversar depois? Te
ligo mais tarde. Estou bastante
ocupada agora.
Vozes do outra lado da linha que não ouvimos. MARINA suspira
longamente.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 24.
MARINA
Ah não... Eu, aqui...
FRED continua interpelando algo que não ouvimos. MARINA
balança a cabeça exasperada.
MARINA
Você quer me ouvir?
Som da ligação é cortado abruptamente.
MARINA
Fred? Fred?
CORTA PARA
INT. CAIXA ELETRÔNICO DE BANCO - DIA
MARCO RICONNI tenta sacar dinheiro. Não tem. Bate na máquina
irritado. Circula meio que sem direção.
MARCO RICONNI
Saco!
Funga enquanto passa o dorso da mão no nariz. Apóia-se no
caixa eletrônico com as duas mãos. Pensa por uns instantes
quando parece se lembrar de algo e SAI.
EXT. RUA - CARRO DE MARCO RICONNI - DIA
MARCO RICONNI dirige velozmente. Está nervoso. Numa longa
avenida acelera enquanto cruza as esquinas. Os semáforos
estão numa onda verde. MARCO RICONNI corre louco. Adiante um
semáforo muda para amarelo. Vai fechar. MARCO RICONNI
acelera mais. Na esquina adjacente um carro se prepara para
arrancar. Vai cruzar a avenida de MARCO RICONNI assim que o
sinal abrir. Na avenida o sinal fica vermelho para MARCO
RICONNI. Ele não quer parar e acelera para cruzar no momento
em que o carro da esquina arranca. Vai bater. MARCO RICONNI
numa guinada violenta desvia do carro, quase tomba, mas
retoma a direção e continua louco pela avenida. No carro uma
SENHORA ASSUSTADA põe a mão no peito aterrorizada. O carro
dela parado no meio da avenida interrompe o trânsito.
BUZINAS soam implacáveis.
25.
EXT. RUA - SAÍDA DE SUPERMERCADO - DIA
BUZINAS de um MOTORISTA IMPACIENTE acuam o PAI DE MARINA que
está parado no meio da rua, mão no peito. Acaba de sentir um
mal súbito. Está suando e respira mal. No chão, sua sacola
caiu e esparramou laranjas. Abaixa a cabeça. Respira. Está
suando frio. Uma MULHER com CRIANÇA nota a situação e corre
para ajudá-lo, enquanto leva-o para a calçada. Ele logo
volta ao normal. A CRIANÇA apanha as laranjas e o ajuda com
a sacola.
INT. CASA DE MARCO RICONNI - COZINHA - DIA
MARCO RICONNI, sem camisa, o dorso musculoso e ameaçador,
anda de um lado para o outro nervoso. Enquanto abre gavetas
e armários sem nexo. Sua mãe, ANA o observa, impassível, de
braços cruzados, apoiada na grande mesa.
MARCO RICONNI
Cadê minha proteína? Droga! Por que
não acho nada nessa casa?
ANA se move e vai até uma gaveta e tira um pote de Proteína
usada por praticantes de musculação e o coloca na mesa.
Encosta-se no armário e permanece em silêncio, impassível
observando MARCO.
MARCO RICONNI (CONT.)
Por quê não tenho nada nessa droga
de casa! Já cortaram a porra do meu
dinheiro!
MARCO RICONNI circula maluco.
ANA
Você precisa se tratar MARCO. Nós
vamos...
MARCO RICONNI
Tratar? Tratar? Ficou louca?
Aproxima-se de ANA e com rosto próximo ao dela, beira à
loucura.
MARCO RICONNI (CONT.)
A senhora ficou louca? Quer me
internar agora?!
ANA resiste firme à aproximação. Olhos nos olhos. Braços
cruzados. Finaliza categórica.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 26.
ANA
Vá conversar com seu irmão. Dessa
casa, ou você sai, ou eu saio.
Deixa MARCO RICONNI sozinho enquanto SAI elegantemente do
alto do alto de seus 45 anos ainda altiva e atraente.
CORTA PARA
EXT. FACHADA DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA - DIA
MARCO RICONNI, vestido com roupas de malhação, tem uma
mochila nas costas; está impaciente na recepção. Sua
aparênica destoa completamente do local. Trata-se de um
ambiente típico de uma sala de espera de escritório de
advogados. MARCO RICONNI parece esperar alguém enquanto
circula elétrico. Logo seu irmão, GUSTAVO,30 anos, forte,
trajando terno, assemelha-se com o irmão MARCO RICONNI,
aparece de um corredor; Chama MARCO RICONNI com um sinal de
mão. GUSTAVO caminha de volta seguido por MARCO RICONNI.
CORTA PARA
INT. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA - SALA DE GUSTAVO - DIA
Ambiente ricamente decorado. Vê-se uma mesa grande com
processos empilhados, mas organizados. Uma estante atrás da
cadeira de GUSTAVO repleta de livros jurídicos, filosóficos
e afins. A sala é ampla. Na mesa, uma plaqueta com nome de
GUSTAVO RICONNI. Num canto um sofá confortável; a frente da
mesa de GUSTAVO, tem-se duas cadeiras estofadas. GUSTAVO se
senta em sua cadeira e aponta uma cadeira estofada
indicando-a a MARCO RICONNI. Tem um ar sério.
GUSTAVO
Sente-se.
MARCO RICONNI permanece de pé; as mãos segurando o encosto
da cadeira, balança-a como uma cadeira de balanço. Morde o
lábio inferior. Está inquieto.
GUSTAVO
(enérgico)
Sente-se.
MARCO RICONNI senta enquanto lança a piada.
MARCO RICONNI
Tá me oferecendo emprego
irmãozinho? Você sabe que não é
minha praia, isso aqui. Essa coisa
de enganar os outros...
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 27.
GUSTAVO coloca sobre a mesa um envelope timbrado. Um CLOSE
mostra uma inscrição de nome de uma FACULDADE. Interrompe
MARCO RICONNI.
GUSTAVO
O que é isso MARCO?
MARCO RICONNI aperta os olhos e inclina a cabeça tentando
visualizar os dizeres do envelope. Faz-se de desentendido.
GUSTAVO
Eu sei bem porque você quer
dinheiro, MARCO! Olha bem o que
você está fazendo... Peguei com a
mamãe os boletos( pega o envelope )
atrasados. O que você andou fazendo
com o dinheiro todo esse tempo?
MARCO RICONNI dá risadinhas evasivas e fixa os olhos em
GUSTAVO.
MARCO RICONNI
Me chamou aqui prá isso?
GUSTAVO
Você estraga tudo.
MARCO RICONNI
Anh... Sei. Me chamou aqui prá dar
sermão.
GUSTAVO
Olha MARCO, vou resolver isso aqui.
Mas você está se acabando. Olhe
para você... Você sabe onde isso
vai dar...
MARCO RICONNI se levanta abruptamente e com trejeitos
afetados ironiza GUSTAVO.
MARCO RICONNI
Ok. O filhinho bonzinho da mamãe
agora quer cuidar de mim.
GUSTAVO (CONT.)
(eleva o tom e põe-se de pé)
... Você está se acabando MARCO!
MARCO RICONNI
Não tem mais a grana, droga? É isso
então?
GUSTAVO caminha e toca o ombro de MARCO.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 28.
GUSTAVO
(cordial)
Olha, posso te colocar numa
clínica.
MARCO RICONNI o empurra ferozmente de volta à mesa. Os olhos
esbugalhados.
MARCO RICONNI
(grita)
Chega! Tire essas mãos sujas de
mim!
MARCO RICONNI SAI. Uma SECRETÁRIA de óculos e coque no
cabelo que chega à porta - motivada pela gritaria - se
espreme amedrontada na parede enquanto MARCO RICONNI SAI e
deixa o local como um furacão. GUSTAVO fica atônito,
derrotado, escorado na mesa, com o envelope na mão.
CORTA PARA
EXT. ACADEMIA - FACHADA - DIA
MARCO RICONNI frea o carro estrondosamente. Desce do veículo
e ENTRA descontrolado na academia.
CORTA PARA
INT. ACADEMIA - DIA
Procura por alguém. Circula impaciente até visuaizar COSTA.
Caminha em direção a COSTA.
CORTA PARA
INT. ACADEMIA - VESTIÁRIO - DIA
COSTA sentado, enxuga o rosto suado com uma toalha. Tem um
leve sorriso no rosto. Em pé, encostado à bancada, está
MARCO RICONNI, impaciente e um tanto constrangido.
COSTA
Então... você tem que ser bom no
que faz. E tem que ter algum
proveito nisso. Você quer uma
carreira certo?
Pausa. MARCO RICONNI fita-o com estranheza.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 29.
COSTA (CONT.)
(gozador)
Não, não é essa carreira que você
está pensando.
MARCO RICONNI
Não tente me humilhar, irmão.
COSTA
Ei, ei! Não me leve a mal, irmão (tom).
MARCO RICONNI funga. Faz um sinal de assentimento com a
cabeça, um pouco chateado.
COSTA
(sério)
Quarenta pratas. Bumm! E você tá la
dentro.
MARCO RICONNI
(coça a cabeça)
Não tenho essa grana. Quarenta mil
não é esmola, cara.
COSTA se levanta e dá tapinhas nas costa de MARCO RICONNI
enquanto fala ao seu ouvido.
COSTA
Tranquilize-se amigo. Use seu
talento. Você consegue. É um
conquistador certo?
COSTA caminha para a ducha. MARCO RICONNI fica pensativo.
COSTA (CONT.)
Você sabe convencer as pessoas. Não
precisa sempre ser a ovelha negra.
Abre a ducha. Cantarola. Tira a cabeça molhada para fora da
portinhola.
COSTA (CONT.)
Ah, e deixe minha carteira me paz.
CORTA PARA
30.
INT. CURSINHO DESAFIO - SALA DE AULA - DIA
Alguns poucos alunos conversam no intervalo das aulas.
Burburinho típico. Num canto, uma turma conversa
animadamente. ALEXANDRE caminha em direção ao grupo.
ALUNA B (O.S)
...é uma ADIN questionando o
direito de o promotor sentar ao
lado do juiz.
ALEXANDRE se aproxima do grupo.
ALUNO A
Eu também acho estranho. Dá
impressão de que o juiz e o
promotor estão do mesmo lado.
ALUNO C
(gozador)
Pois eu vou enfiar o MP no seu
devido lugar. Nem à direita nem à
esquerda. Vai ficar de frente prá
mim.
ALEXANDRE já integrado ao grupo; ALUNO A olha-o com desdém.
ALEXANDRE
Por mim, a promotora pode até
sentar no meu colo.
A ALUNA B cora-se. O grupo olha-o com estranheza. Alguns
acham graça. ALUNO A o ignora a piada. ALEXANDRE nota a
reação.
ALEXANDRE
(um pouco sem graça, mas
rindo)
Desde que não interfira no
julgamento, claro.
ALUNO C
Bom, eu analizo pela teoria de
Walch Bulow; a relação triangular
do processo. (Desenha um triângulo
no ar, com os dedos)
ALUNO A observa ALEXANDRE com desdém da cabeça aos pés e lhe
dirige a fala.
ALUNO A
Você, amiguinho, vai prestar pra
juiz? promotor? (Pausa). Ou polícia
militar...
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 31.
O grupo solta gargalhada. ALUNA B não aprova atitude de
ALUNO A e faz cara feia.
ALEXANDRE
(desconcertado)
Bem...
ALUNO A
Mas, voltando ao assunto. Não sei
se compensa perder o foco...
ALEXANDRE interrompe-o abruptamente, encarando ALUNO A, em
transe. Dedo em riste, ameaçador.
ALEXANDRE
Dois indivíduos, um alcança o seu objetivo, o outro não. Mas
os dois podem alcançar um final feliz, de maneiras
totalmente diferentes.
ALUNO A, num ar zombeteiro, faz cara de quem não entendeu;
procurando com o olhar o apoio do grupo. ALEXANDRE SAI.
ALUNA B zomba de ALUNO A.
ALUNA B
(imita o tom de ALUNO A)
Maquiavel, amiguinho.
CORTA PARA
SÉRIE DE PLANOS:
(A) ALEXANDRE imprime boleto. Vê-se que se trata de concurso
mas não é possível detalhar qual a carreira.
(B) ALEXANDRE fazendo prova em sala apinhada de candidatos.
(C) ALEXANDRE vibrando com a aprovação ao conferir o
resultado.
(D) ALEXANDRE, perfilado junto a outros aspirantes, canta o
hino da corporação.
PLANO ABRE:
(E) ALEXANDRE está na academia de polícia civil. O uniforme
e o local revela: É um detetive.
CORTA PARA
32.
INT. QUARTO DE JEREMIAS - DIA - MANHÃ
JEREMIAS estuda concentrado. A porta do quarto abre; é
ELIANE. Ela fica por um instante com o rosto enfiado para
dentro quarto. JEREMIAS continua concentrado. Então ELIANE
entra com pano de chão, balde e rodo. JEREMIAS se incomoda
mas permanece em silêncio.
CLOSE UP: ROSTO DE JEREMIAS
que tem um semblante irritado. ELIANE esfrega o chão no
canto oposto até se aproximar de JEREMIAS. O rodo toca, por
baixo da cadeira,
CLOSE UP: PÉ DE JEREMIAS
o pé de JEREMIAS como se cutucasse no vaivém. JEREMIAS, numa
explosão, salta da cadeira e empurra ELIANE para fora do
quarto.
JEREMIAS
Desgraça!!!
JEREMIAS bate a porta; pega um dos livros sobre a mesa e o
lança violentamente na porta. O livro cai e revela o CARTÃO
que fora colocado por COSTA. JEREMIAS se detém por um
instante e pega o CARTÃO. Sua expressão muda como se
lembrasse de algo. Joga o CARTÃO na mesa e senta-se
desolado.
FUSÃO
INT. BIBLIOTECA PÚBLICA - DIA
ÂNGULO abre a partir do CARTÃO na mesa até revelar
JEREMIAS de um lado e COSTA do outro, ambos sentados à
mesa. O ambiente é típico de alunos em estudo. Ao longe se
destaca dois jovens em estudo. Um jovem negro, LUIZ; tem um
estilo calmo; e um branco: FERNANDO, também jovem. São
amigos de estudos e estão partilhando a mesma mesa.
COSTA
(sarcástico)
Então, você quer ser um cara que
joga, digamos... do lado certo?(
faz sinal de aspas com os dedos).
JEREMIAS
Preciso trabalhar. Sabe como é,
seguir uma carreira.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 33.
Pausa. COSTA o fita atentamente batucando os dedos na mesa
como que avaliando-o. JEREMIAS pega o cartão e batuca a mesa
levemente.
COSTA
Você sabe bem, as coisas boas
custam algum sacrifício certo?
JEREMIAS o observa, concordando com a cabeça, atento.
COSTA (CONT.)
Você trabalha comigo e eu pago seu
curso.
O rosto de JEREMIAS se ilumina, interessado. COSTA sorri
largamente.
COSTA (CONT.)
Mas antes, precisa provar que
merece. Combinado?
JEREMIAS assente com a cabeça. COSTA aperta-lhe a mão como
se fosse uma manopla gigante e fica sacudindo-a
vigorosamente enquanto fala.
COSTA (CONT.)
Ok, Ok. Vamos ver do que você é
capaz.
COSTA se levanta, pega o cartão da mão de JEREMIAS e o
lança de volta à mesa como se fosse uma carta de baralho.
COSTA (CONT.)
(irônico)
Soldado.
CORTA PARA
EXT. GRÁFICA - PLANO GERAL - DIA
Movimentação de trabalhadores e carros.
JEREMIAS (V.O.)
Eu nunca imaginei que tivesse
primeiro de transgredir a lei para
ter o direito de protegê-la depois.
Mas eu queria ser alguém... e
soldado, meu amigo, cumpre ordens.
CORTA PARA
34.
INT. GRÁFICA - LINHA DE IMPRESSÃO - DIA
JEREMIAS está de uniforme entre outros trabalhadores. As
máquinas rodam as bobinas. Agitação típica de um dia de
trabalho normal.
JEREMIAS (V.O.)
A tarefa, como dizia o COSTA, era
bem simples. Um teste de segurança.
Era só tirar um caderno de
provas...
CLOSE UP: DE CADERNOS DE PROVAS NA ESTEIRA
sendo cortados e montados.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
enquanto ninguém estivesse olhando.
ÂNGULO abre e revela sistemas de vigilância
eletrônica espalhados pelo teto e paredes, além de guardas
em postura atenta, impávidos. JEREMIAS pega sacos grandes
cheios de restos de papel enquanto analisa o ambiente.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
O problema...
CLOSE UP: ROSTO ATENTO
de um guarda posicionado a um canto.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
... é encontrar alguém que não
estivesse olhando.
JEREMIAS carrega os sacos um de cada vez e os deposita num
canto vazio. Imediatamente, outros carregadores já pegam os
sacos SAEM por uma porta. JEREMIAS observa todo o processo
tentando encontrar um meio de quebrar a segurança. JEREMIAS
sai com mais um saco; passa próximo a esteira com cadernos
de prova; propositalmente - faz parecer que é acidente -
deixa o saco cair, esparramando todo conteúdo; enquanto puxa
um caderno na esteira. JEREMIAS se abaixa para refazer a
carga, Um SEGURANÇA se aproxima, atento.
SEGURANÇA
Algum problema?
JEREMIAS
Não, ok... tudo bem. Já to
juntando.
Força um sorriso inocente enquanto olha o SEGURANÇA nos
olhos.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 35.
JEREMIAS (CONT.)
Tranquilo.
SEGURANÇA o fita interpelativo por uns instantes e volta
para seu lugar. JEREMIAS, agora parcialmente encoberto pelo
volume do saco, no chão ao seu lado, pega um caderno e dobra
varias vezes. Desamarra o cadarço do TÊNIS, ergue
parcialmente o pé e enfia rapidamente o caderno dobrado na
sola do pé, dentro do TÊNIS. Faz tudo isso sendo observado
ao longe pelo SEGURANÇA. O SEGURANÇA volta no momento em
que JEREMIAS está terminando de catar os papéis do chão.
Levanta-se rapidamente e pega o saco; Retira-se. O cadarço
dessamarrado(Detalhar) O segurança vê.
SEGURANÇA
Ei! Aí!
CLOSE SHOT: JEREMIAS
que está suando e assustado
SEGURANÇA (CONT.)
Seu cadarço!
JEREMIAS se abaixa para amarrar. Finge-se surpreso.
JEREMIAS
Oh! Deve ser por isso... tropecei.
SEGURANÇA balança a cabeça afirmativamente mas com ar
incrédulo. JEREMIAS caminha para depositar o saco no canto
como de costume.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Enquanto eu quase me ferrava, o
viado do COSTA devia tá tomando uma
cerveja gelada...
CORTA PARA
INT. SALÃO DE BELEZA - DIA
Salão de beleza pequeno. Cabeleireiras trabalhando em
clientes. ÂNGULO ABRE e revela ELIANE fazendo as unhas de
COSTA. Ela tem as pernas cruzadas deixando entrever parte da
coxa. Está concentrada no trabalho mas COSTA dá uma olhada
nas coxas, malicioso.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Ou tentando fuder mais um.
CORTA PARA
36.
EXT. CURSINHO DESAFIO - PLANO GERAL DA FACHADA - DIA
Movimentação habitual de alunos.
CORTA PARA
EXT. CURSINHO DESAFIO - HALL DE SAÍDA - DIA
MARCO RICONNI conversa com colegas. Não se ouve o que falam
mas é possível perceber sua atitude confiante. Gesticula e
sorri. Ao longe MARINA aparece.
POV: DE MARCO
MARINA vem bela e confiante. Ela carrega alguns livros.
Reduz a passada e parece procurar algo na mochila. Retoma a
caminhada. Aproxima-se e de repente cai um dos seus livros.
MARCO RICONNI imediatamente apanha o livro e o devolve; seus
olhos e os de MARINA se cruzam-(Detalhar). Há um visível
interesse entre eles.
MARINA
Oh! obrigada.
MARCO RICONNI
Você vem sempre aqui?
MARINA acha graça mas já vai saindo.
MARCO RICONNI (CONT.)
Hmm... vi sua nota em Penal, muito
boa. Parece que você leva jeito.
Acho que poderíamos trocar umas
idéias, sei lá...Preciso de alguém
interessado.
MARINA um pouco hesitante. O tronco num giro para sair, mas
o rosto voltado para MARCO RICONNI.
MARINA
Não vejo problemas. É que estou com
um pouco de pressa agora.
MARCO RICONNI
Não se preocupe. Não quero
incomodá-la. Podemos ver isso
depois?
MARINA assente resignada arqueando as sobrancelhas enquanto
SAI.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 37.
MARINA
Ok, espero que não seja um calouro.
MARCO RICONNI sorri polidamente e sinaliza com mão num até
breve.
INT. SALÃO DE BELEZA - DIA
COSTA agora está sentado na cadeira de cabeleireiro enquanto
uma PROFISSIONAL tenta aparar o pouco cabelo que lhe resta.
COSTA tem o telefone celular ao ouvido enquanto olhas as
unhas recém feitas da outra mão. Ora aproxima, ora estica o
braço contemplando.
COSTA
Negócios? Nós não temos mais
negócios, amigo.
TOM (V.O.)
Só quero o que é justo.
COSTA
Não quero sócios Tom. Não sou
agência de emprego.
TOM (V.O.)
Você complica as coisas. Você...
COSTA corta a ligação. Põe o celular na bancada e estica as
duas mãos admirando as unhas. O celular TOCA e VIBRA
doidamente em cima do balcão. COSTA olha - pelo espelho- a
PROFISSIONAL que lhe corta o cabelo, embevecido, como que
procurando aprovação.
COSTA
Perfeito.
CORTA PARA
EXT. REPÚBLICA DA AMIGAS - FACHADA - DIA - MAIS TARDE
MARCO RICONNI encosta o carro Acaba de chegar com MARINA. Na
janela ao alto, vê-se que RENATA está observando a rua.
POV: DE RENATA
RENATA vê MARCO RICONNI encostar o carro. A porta se abre e
desce MARINA. MARCO RICONNI também desce. Conversam
rapidamente algo que não ouvimos.
VOLTA À CENA
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 38.
JOYCE também se aproxima da janela.
POV: DE RENATA E JOYCE
MARINA E MARCO RICONNI se despedem. MARINA sobe e ENTRA.
CORTA PARA
INT. REPÚBLICA DAS AMIGAS - SALA - TARDE
MARINA fecha a porta atrás de sí. Afixado na porta, vê-se
uma adesivo estilo "Meninas Superpoderoas" com os dizeres:
"HOMEM NÃO ENTRA". RENATA apresenta um leve sacarsmo na voz
em um misto de inveja.
RENATA
Uhumm! Prá uma menina do interior
até que você está indo bem.
MARINA
(desconversa, risonha)
Bobagem.
JOYCE
(sorridente)
Bom... aposto que ele não é nem um
pouco neutro...
MARINA faz uma cara de quem não entendeu a piada.
JOYCE (CONT.)
e nem mal afamado.
MARINA acha graça e faz uma cara de falsa repreensão e
caminha para a cozinha. JOYCE e RENATA a seguem.
COZINHA.
JOYCE
Ele é bom em química?
CORTA PARA
INT. REPÚBLICA DAS AMIGAS - COZINHA - TARDE
As garotas riem da piada. MARINA abre a geladeira enquanto
procura algo de comer.
MARINA
Aí que fome! Vocês não comeram
nada?
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 39.
JOYCE
(zombeteira)
Hmm.. faz tempo que eu não tenho
uma fome dessas.
Ambas riem. RENATA senta-se à pequena mesa e fica girando
com o dedo uma colher sobre a mesa. A outra mão espalmada
sob o queixo; o cotovelo apoiado na mesa. Pensativa. A
conversa se distancia. A imagem recortada da janela da
cozinha deixa ver o ocaso. O sol se vai.
CORTA PARA
EXT. RUA - DIA - MANHÃ
JEREMIAS caminha apressado. Veste jaqueta. tem um ar
desconfiado. Uma viatura passa devagar. Os policiais
observam-no. JEREMIAS sua. (Detalhar) mas continua no passo
apressado. A viatura se vai. JEREMIAS vira uma esquina; dá
mais alguns passos quando, de súbito, escuta uma freada
violenta atrás de sí. Volta-se perplexo. Trata-se de um
veículo comum. Três homens estão no veículo. A porta do
passageiro já se abriu e de lá desceu um brutamontes em
direção a JEREMIAS. É SANDOVAL, grandalhão e forte. Ruivo e
aparenta ter 39 anos. JEREMIAS ameaça correr quando escuta o
CLICK de uma arma.O SANDOVAL está armado de uma pistola.
SANDOVAL
(fazendo sinal negativo com a
cabeça)
Ãh ãh... Vem cá "meninin". Entra no
carro.
JEREMIAS hesita, relutante. Sai outro homem do veículo,é
TOM, baixinho, usa bigode, tem pouco mais de 50 anos,de
paletó e gravata, cenho sempre franzido; e emprurra
JEREMIAS violentamente para dentro do veículo enquanto
prescruta atento ao redor. Ao volante está REIS, uma figura
comum e sempre calmo. Assim que ENTRAM no veículo, REIS
arranca vagarosamente.
TOM
Vamo logo rapaz!
REIS acelera velozmente.
CORTA PARA
40.
EXT. RUA - VEÍCULO DOS TRÊS HOMENS - DIA
O veículo continua a correr. Na frente ao lado do REIS, vai
TOM; tem uma ar bravo. REIS, se mantém calmo.SANDOVAL vai
atrás ao lado de JEREMIAS. SANDOVAL, com a cabeça abaixada,
quase que encostando no teto do veículo, quase não cabe no
carro. SANDOVAL fica empertigado encarando JEREMIAS de uma
forma ameaçadora, mas cômica. TOM se vira para o banco de
trás e se dirige a JEREMIAS.
TOM
Então rapaz. Você é cria do COSTA
certo?
Pausa. JEREMIAS, impassível, tem os lábios cerrados. TOM se
volta para o MOTORISTA.
TOM (CONT.)
Você entende o que eu falo REIS?
REIS apenas ergue as sobrancelhas e aperta a boca. TOM se
volta novamente para JEREMIAS.
TOM (CONT.)
(em tom afirmativo)
Mais uma vez... Bem devagar. Você
trabalha pro COSTA.
JEREMIAS
Vocês são da polícia?
Pausa. TOM se volta para frente e recosta-se no banco e
então, repentinamente volta-se para trás com veemência e
desfere um tapa no rosto de JEREMIAS que se assusta. Tem os
olhos esbugalhados. Lágrimas silenciosas começam a descer.
JEREMIAS abaixa a cabeça e balança-a afirmativamente.
SANDOVAL, comicamente tentando olhar nos olhos de JEREMIAS.
TOM se acomoda no banco e agora não olha para JEREMIAS.
TOM (CONT.)
Ele tem um coisa que é
minha. Então... deixa um recado
pra ele. O desgraçado está se
escondendo de mim.
SANDOVAL vai fazendo mímica e põe o dedo indicador em forma
de revólver na cabeça de JEREMIAS e gira como se fosse um
parafuso.
TOM (CONT.)
Poderia mandar sua cabeça pra ele,
na caixa.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 41.
SANDOVAL faz gesto de cortar o pescoço. O carro vai
reduzindo a velocidade. Pára num local ermo com espesso
matagal. TOM se vira para JEREMIAS.
TOM (CONT.)
(resoluto)
Mas eu sou um homem bom.
Ri para JEREMIAS.
TOM (CONT.)
(agora tremendamente sério)
Ele tem três dias. Faça ele saber
isso, por favor.
Faz um sinal de cabeça indicando a porta.
TOM(CONT.)
Pode ir.
JEREMIAS está saindo quando um ENVELOPE se sobressai do
bolso da jaqueta. TOM percebe.
TOM
Ei! Ei, ei!
JEREMIAS é imediatamente puxado para o banco do carro - por
SANDOVAL - antes de terminar de sair. SANDOVAL puxa o
ENVELOPE.
SANDOVAL
Me dá isso aqui "meninin".
TOM, recebe o ENVELOPE da mão de SANDOVAL que com a outra,
como garras, segura JEREMIAS pela jaqueta. TOM abrindo o
ENVELOPE.
TOM
O que temos aqui...
Analisa o conteúdo. São as PROVAS (Detalhar) que JEREMIAS
retirou da gráfica. Reconhece que tem um trunfo nas mãos.
Sorri triunfante. Faz sinal para JEREMIAS sair. SANDOVAL o
empurra para fora. O carro arranca.
TOM (CONT.)
A caça vem ao caçador.
CORTA PARA
42.
EXT. LUGAR ERMO - ESTRADA - DIA
JEREMIAS caminha de volta. Devagar, passos pesados. Vai se
tornando um pontinho na estrada, no meio da poeira.
CORTA PARA
EXT. RUA - DIA - MAIS TARDE
JEREMIAS cansado e sujo, já está quase próximo de casa,
Passa pela mesma rua e cruza com a mesma viatura fazendo
ronda. Dessa vez, os policiais, descem e o abordam. JEREMIAS
é posto na parede; mãos abertas e pés afastados enquanto
toma uma "geral". O guarda enfia a mão nos bolsos da jaqueta
e não acha nada. Confere o documento de JEREMIAS.
GUARDA
(falando para o companheiro)
Tá limpo.
Eles o deixam ir embora. JEREMIAS, passos trôpegos, chora
silenciosamente. Por fim, senta na calçada; apóia os
cotovelos nos joelhos; as mãos seguram a cabeça que olha
para o chão. FORMIGUINHAS vêem sua trilha interrompida pelo
TÊNIS de JEREMIAS. Hesitam um instante, ameaçam voltar mas
logo decidem e passam por sobre o TÊNIS dele e saem do outro
lado. JEREMIAS observa-as. Lágrimas pingam. A tristeza o
domina. É um fracassado total.
FUSÃO PARA
INT. CASA DE MARINA - QUARTO DE MARINA - DIA
MARINA à mesa, estuda, meio absorta. As mãos seguram a
cabeça pelo queixo; os cotovelos na mesa. O olhar meio
perdido. O telefone celular toca na mesa e interrompe o
silêncio. MARINA dá um pulo e alegre atende. O VISOR mostra
que é FRED, o namorado. MARINA suspira cansada e corta
chamada. O telefone chama novamente. MARINA deixa chamar até
parar. O telefone chama pela terceira vez. MARINA,
visivelmente irritada, pega o aparelho e atende nervosa.
MARINA
Oi!
Seu semblante se muda rapidamente quando reconhece a voz da
MÃE.
MÃE DE MARINA
(chorosa)
(MAIS...)
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 43.
MÃE DE MARINA (...cont.)
Filha..? Você precisa vir rápido.
Seu pai não está bem... Estou no
hospital.
MARINA
(surpresa)
Quê???
CORTA PARA
INT. HOSPITAL - QUARTO - DIA
MARINA e a MÃE estão ao lado do leito do PAI DE MARINA. Ele
está sedado e respira por aparelhos.
MÃE DE MARINA
Já marcaram a cirurgia... Vão
levá-lo daqui a pouco. Eu não sei o
que aconteceu. Ele nunca reclama,
você sabe. Oh! Meu Deus!
MARINA se aproxima do leito do PAI e o observa num misto de
preocupação e medo.
MÃE DE MARINA (CONT.)
O plano dele não cobre essas
emergências. Vamos precisar de
dinheiro, filha... tudo que tiver.
Você entende...
MARINA deixa cair lágrimas pela face. Abraça a mãe.
MÃE DE MARINA (CONT.)
Não podemos mais pagar seu curso. E
o seu tio JOÃO vai ficar com o
carro. Precisamos de dinheiro
agora. Seu pai precisa de nós
agora.
MARINA, abraçada à mãe, chora silenciosamente.
CORTA PARA
EXT. PLANO GERAL - FACHADA DA CASA DE COSTA - DIA
Trata-se de uma bela casa. Grande, alto padrão.
CORTA PARA
44.
INT. GARAGEM DA CASA DE COSTA - DIA
COSTA prepara-se para sair. A garagem está fechada. O portão
é fechado e o muro é alto; não se vê a rua. COSTA Destrava o
alarme do carro. Aperta o controle do portão automático
basculante que lentamente começa a se abrir. COSTA entra no
carro. Está preparando para ligar a chave quando é
surpreendido pelo CANO (Detalhar) de uma pistola na nuca.
SANDOVAL (V.O.)
Ãh, âh... Desce "meninin".
SANDOVAL toma o controle do portão da mão de COSTA e fecha o
portão. Do outro lado do carro TOM chega com dois galões
cheios de gasolina e os coloca no chão. Vão fritá-lo. COSTA
percebe a situação e desce do carro. SANDOVAL o subjuga
sobre o capô e imobiliza suas mãos sobre as costas com fita
adesiva.
SANDOVAL(CONT.)
Não recebeu o recado "meninin"?
COSTA ainda no capô dirige o olhar para TOM.
COSTA
Não precisa disso, TOM. Não
preci...
TOM dá um tapa no capô do veículo, irritado.
TOM
Você esquece rápido dos amigos,
COSTA. Qando precisou de mim, eu
estava lá.
SANDOVAL começa a empurrrar COSTA resistente para a
traseira do carro, em direção ao porta malas.
TOM (CONT.)
Agora... está bem. Muito
bem(ênfase). E me deve. E não paga.
Eu...? (abre os braços enfáticos)
na bosta.
SANDOVAL abre o porta mala. Empurra COSTA para dentro. COSTA
ameaça resistir.
COSTA
TOM, você sabe que podemos
conversar.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 45.
SANDOVAL o empurra com violência. COSTA cai dentro do porta
malas. Logo em seguida passa fita adesiva prendendo-lhe os
pés. TOM coloca os dois galões no porta malas e SANDOVAL o
fecha.
CORTA PARA
EXT. PLANO GERAL - FACHADA DA CASA DE COSTA - DIA
Frente ao portão fechado ficou REIS; sentado ao volante do
veículo em que chegaram. De repente percebe uma viatura
apontar na esquina. REIS se incomoda e tenta discar pelo
CELULAR. Não dá tempo. A viatura se aproxima lentamente e
pára. Os policiais avaliam REIS que dá um meio sorriso
forçado e cumprimenta com a cabeça.
POLICIAL I
(prescrutando)
Algum problema aí?
REIS
Não, não, não... Só to esperando
aqui... o COSTA.
Policiais ainda aguardam, insistentes.
REIS
A gente trabalha junto.
Policiais ficam por instantes em indecisão mas arrancam e
saem devagar. REIS consegue ligar e é categórico.
REIS
(sussurrado)
Pára tudo aí! Sujou aqui fora.
Policiais que estavam já a meia distância, voltam de ré.
REIS (CONT.)
Sujou!
Recompõe-se no banco, dá um "oi" com um movimento de cabeça
e sorri amarelo para os policiais.
CORTA PARA
46.
INT. GARAGEM DA CASA DE COSTA - DIA
TOM é decisivo. ordena a SANDOVAL.
TOM
Tira tudo! Tira tudo. Parece que
sujou lá fora.
SANDOVAL eficientemente abre o capô e corta as fitas que
amarram COSTA rapidamente. BATIDAS no portão. COSTA pula pra
fora do porta malas.
POLÍCIAL (O.S.)
Abre! É a polícia!
TOM cola o rosto na cara de COSTA e sacode a PROVA tomada
de JEREMIAS. COSTA se surpreende.
TOM
(rosnando)
Seja bonzinho amigo. Ou cai a casa
de todo mundo.
CORTA PARA
EXT. PLANO GERAL - FACHADA DA CASA DE COSTA - DIA
O portão basculante, abre lentamente e revela os três
homens. Os policiais em posição de ataque, aquietam-se ao
verem os três homens sorridentes e despedindo-se. REIS dá um
suspiro discreto de alívio. TOM cumprimenta os policias com
a cabeça amistosamente.
POLICIAL I
(aparenta intimidade)
E aí "seu" COSTA? tudo normal aí?
COSTA
(sorrindo)
Tranquilo, BORGES... tranquilo. Eu
estava saindo...Por quê? Algum
problema aí?
POLICIAL I
Não, nada. Só rotina mesmo.
TOM apertando a mão de COSTA e fazendo menção de sair.
Olha-o fixa e severamente nos olhos.
TOM
Precisamos conversar mais. Não
gostei da proposta.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 47.
COSTA
Você precisa reconsiderar, TOM.
Os policiais permanecem no local. Parecem querer puxar papo
com COSTA. Então, REIS, SANDOVAL e TOM entram no carro e
SAEM.
CORTA PARA
INT. CASA DE COSTA - SALA -DIA
O ambiente é ricamente mobiliado. COSTA que acabou de
entrar, após despachar os policiais, liga para MARCO
RICONNI.
COSTA
MARCO? Você ainda quer ser um
federal? Acabei de achar sua vaga.
CORTA PARA
EXT. FAVELA - DIA
ALEXANDRE e outros policiais fazem um incursão no morro.
Cumprem mandado de prisão. A operação está a pleno vapor.
Ouvem-se disparos e os policiais avançam e se protegem numa
progressão típica militar.
POLICIAL OPERAÇÃO I
É isso aí parceiro. É cabaço no
morro?
ALEXANDRE mostra-se nervoso e assustado. Ele porta uma
metralhadora.
ALEXANDRE
Não é como encarar um júri.
POLICIAL OPERAÇÃO I
Fica na cobertura, fica na
cobertura.
POLICIAL OPERAÇÃO II
(em tom gozador)
Hêêi... Quando é que vai sair
fumaça nesse cano?
Os tiros pipocam. ALEXANDRE se protege. POLICIAL I atravessa
a rua correndo em meio as balas e se protege ante um muro.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 48.
POLICIAL OPERAÇÃO II
Sua vez, parceiro. Dou cobertura.
ALEXANDRE assente com a cabeça enquanto espera a hora certa
de passar sob fogo cruzado. Prepara-se para arrancar quando
uma ADOLESCENTE correndo, cruza a rua segurando uma CRIANÇA
no colo. De súbito, a ADOLESCENTE tropeça e deixa a CRIANÇA
cair no chão. As balas traçam o ar. A ADOLESCENTE
desesperada, aos trancos, termina de atravessar e se protege
num beco. A CRIANÇA fica caída no chão, de gatinhas, se
arrasta segurando uma BONEQUINHA, chorando. A ADOLESCENTE
projeta a cabeça para fora do beco; grita e chora
desesperada.
POLICIAL OPERAÇÃO II
Droga!
ALEXANDRE tira a bandana com a metralhadora e a entrega ao
POLICIAL II. Pega uma pistola e se prepara para sair.
POLICIAL OPERAÇÃO II
Ei, ei, ei! O que você vai fazer?
ALEXANDRE resoluto se lança no fogo cruzado. A criança chora
agarrada à BONEQUINHA.
POLICIAL OPERAÇÃO II
(gritando)
É armação, porra!
ALEXANDRE correndo abaixado, pega a CRIANÇA e segue na mesma
direção do beco no qual entrou a ADOLESCENTE. De súbito é
atingido no momento em que cai, já no beco, amparando a
CRIANÇA nos braços. POLICIAL II se desespera e dispara
rajadas em toda direção como se buscasse o agressor. A
ADOLESCENTE tenta pegar a CRIANÇA dos braços de ALEXANDRE
mas a CRIANÇA se aninha nos braços de ALEXANDRE sem querer
sair. ALEXANDRE olha sua perna que está sangrando. A
ADOLESCENTE consegue tirar a CRIANÇA que deixa cair a
BONEQUINHA no colo de ALEXANDRE. A ADOLESCENTE se afasta
beco adentro. Enquanto isso a CRIANÇA estende as mãos em
direção a ALEXANDRE, olhando-o e chorando. ALEXANDRE aperta
a perna numa careta de dor.
CORTA PARA
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - COZINHA - DIA - ENTARDECER
PAI DE ALEXANDRE enche a geladeira de frutas, verduras e
alimentos. Lava um prato que está na pia e caminha para a
49.
SALA onde senta-se confortavelmente no sofá. Instantes
depois, ouve o BARULHO de ALEXANDRE subindo a escada. Ele
canta.
EXT. ESCADA DO APARTAMENTO DE ALEXANDRE - DIA - ENTARDECER
ALEXANDRE (O.S.)
Dori me/ Interimo Adapare/ Dori me
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA - ENTARDECER
O PAI DE ALEXANDRE ouve o GIRO DA CHAVE na porta e volta sua
atenção para a porta.
EXT. PORTA DO APARTAMENTO DE ALEXANDRE - DIA - ENTARDECER
ALEXANDRE (O.S.)
Ameno, Ameno Lantire/ Lantire mo
Dori me.
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA - ENTARDECER
O PAI DE ALEXANDRE dá um meio sorriso raro enquanto continua
olhando para a porta. A MAÇANETA gira. A porta se abre
lentamente.
EXT. PORTA DO APARTAMENTO DE ALEXANDRE - DIA - ENTARDECER
ALEXANDRE (O.S.)
Ameno, Omenare imperavi/ Amen...
INT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - SALA - DIA - ENTARDECER
A porta se abre totalmente e revela ALEXANDRE fardado de
polícial civil. Uma das pernas da calça arregaçada revelando
a perna enfaixada. Na mão segura a BONEQUINHA. Ângulo volta
para o PAI DE ALEXANDRE, estupefato; ao mesmo tempo que
volta e revela ALEXANDRE estático à porta. Mudo. Surpreso.
Por uma fração de instantes esse é o quadro. O
PAI levanta-se abruptamente. Caminha a passos firmes em
direção a ALEXANDRE. Passa por ele num esbarrão e pára.
PAI DE ALEXANDRE
(ríspido)
Não era isso... Não foi prá isso.
Você... não... Você é uma decepção
prá mim, prá família.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 50.
Meneia a cabeça negativamente; os lábios trancados. Pai e
filho espremidos no limiar da porta. O PAI o encara com a
face crispada.
PAI DE ALEXANDRE (CONT.)
Tira suas coisas daqui! Você sempre
foi um fracasso!
Vira-se e SAI sem olhar para trás. ALEXANDRE, mudo,
paralisado. Os olhos se enchem d’água. A BONEQUINHA cai ao
chão.
CORTA PARA
INT. SEXSHOP - NOITE
COSTA escolhe peças na seção de lingeries enquanto fala com
MARCO RICONNI. Escolhe uma lingerie e a pendura no
antebraço.
COSTA
...Ainda quer sua vaga?
MARCO RICONNI
Você faz muito mistério.
COSTA ajeita ao peito um baby doll como se medisse em si
mesmo.
COSTA
Sexo é como um bom vinho. Não há
porquê saboreá-lo sem uma atmosfera
ideal.
MARCO RICONNI o olha estranhamente com a lingerie sobre o
peito. COSTA entende o olhar e ri. Recoloca a peça na arara.
COSTA (CONT.)
Calma. Ainda não cheguei a esse
ponto.
COSTA caminha entre araras seguido por MARCO RICONNI.
COSTA (CONT.)
Já leu Conwell? Conwell diz que não
é preciso procurar muito longe a
sua oportunidade.
COSTA lhe passa um envelope que tirou de dentro do paletó.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 51.
COSTA (CONT.)
Que ela está justamente no lugar em
que estamos.
MARCO RICONNI começa a abrir o envelope. COSTA toca-lhe a
mão impedindo-o enquanto acena com os olhos e cabeça (
discretamente ) logo acima deles onde esta posicionada uma
CÂMERA DE VIGILÂNCIA. (Detalhar)
COSTA (CONT.)
Proteção meu caro, proteção.
COSTA caminha até uma prateleira de preservativos e pega um
e o agita na direção de MARCO RICONNI.
COSTA (CONT.)
Proteção é essencial.
MARCO RICONNI
Você podia começar a ser mais claro
ou eu rasgo essa porra de envelope.
COSTA caminha em direção ao caixa. MARCO RICONNI o segue.
COSTA
Viu só? com sua inteligência animal
você não passaria na prova de um
gari.
MARCO RICONNI está impaciente e irritado;funga de maneira
típica. Seu orgulho está ferido. COSTA efetua pagamento da
compra. A ATENDENTE CAIXA olha ressabiada para MARCO RICONNI
mas logo sorri para COSTA. COSTA retribui com largo sorriso.
Ambos SAEM.
EXT. SEXSHOP - CALÇADA - NOITE.
COSTA (CONT.)
Entende agora o que chamo de
oportunidade? Seu passaporte para a
Federal está na sua mão. (Detalhar
envelope). Não faça besteira,
"capo"
CORTA PARA
52.
EXT. INTERIOR DO VEÍCULO DE MARCO RICONNI - DIA
MARCO RICONNI retira do ENVELOPE uma FOTOGRAFIA. Olha a
foto, trata-se de TOM. Olha o verso da FOTOGRAFIA e lá tem
alguns dizeres: é o endereço de TOM. Observa novamente a
FOTOGRAFIA, joga-a no banco e arranca o veículo.
EXT. RUA DA CASA DE TOM - DIA
MARCO RICONNI encosta o veículo um pouco afastado da casa de
TOM. Desce e vai se aproximando; conferindo no mapa e
olhando a numeração de cada casa. Encontra-a. É uma casa
simples e com muros baixos. MARCO RICONNI espia pela fresta
do portão. A casa está fechada. Silêncio. MARCO RICONNI vê
que o muro tem caco de vidro em cima. Volta ao carro e pega
um tapete do veículo, além de um bastão de beisebol. Um
jovem aponta de bicicleta na esquina. MARCO RICONNI encobre
o bastão e espera-o passar. Caminha até o muro. Olha para os
lados. Joga o bastão no quintal, coloca o tapete sobre o
muro e, num salto atlético, pula para dentro do quintal.
CORTA PARA
EXT. QUINTAL DA CASA DE TOM - DIA
Silêncio. MARCO RICONNI vai caminhando rente ‘à parede,
meio agachado. Vai em direção aos fundos da casa. Pretende
entrar pela porta dos fundos. Só se ouve sua respiração.
Caminha devagar, chega na quina da parede e vira; De súbito
um cão pitbull projeta-se em sua direção, num LATIDO
assustador. MARCO RICONNI se assusta e tenta no mesmo
instante, pular para trás mas escorrega e cai a uma
distância pequena do cão. O bastão solta-se de sua mão. O
cão, por sua vez, no mesmo salto que deu, tranca-se no ar,
preso pela corrente curta. Isso salva MARCO RICONNI de
levar uma mordida mortal. MARCO RICONNI se levanta, pega o
bastão e vê que por ali não há como entrar. Dá a volta pelo
outro lado da casa. Vê então uma janela. Força-a vê que
também está trancada. MARCO RICONNI usa o bastão para
quebrar a janela. Vidros estilhaçam e metal quebrado vôa.
MARCO RICONNI ENTRA por ela. O cão continua com seu LATIDO
infernal.
CORTA PARA
53.
INT. CASA DE TOM - QUARTO - DIA
MARCO RICONNI começa a fuçar rapidamente as gavetas
enquanto vasculha com os olhos o ambiente. O ambiente está
em meia penumbra. A cama dessarrumada. Tênis e meias
espalhados. Portas do guarda roupas abertas. Uma bagunça
visível. MARCO RICONNI vai para a
SALA
Nota-se uma pequena mesa de centro; Sofás rasgados. Um rack
com TV. Alí está mais claro. Uma luz entra pelo vidro da
janela. MARCO RICONNI vê um PAPEL na mesinha, aproxima-se e
pega-o. No PAPEL, uma lista de nomes, telefones (Detalhar);
escritos a caneta com uma letra horrível: cada nome
relacionado a uma quantia em dinheiro como numa lista de
contabilidade. O nome de COSTA (Detalhar) aparece riscado
com um traço vermelho. Outros nomes também estão marcados de
vermelho. MARCO RICONNI corre o dedo e resolve escolher um
deles. Dobra o papel, guarda-o no bolso e SAI
apressadamente.
CORTA PARA
EXT. BAIRRO POBRE - DIA
MARCO RICONNI adentra pelas ruas enquanto olhares
desconfiados de crianças, mulheres e homens o espreitam
estranhamente, afinal, um sujeito rico não frequenta aqueles
arredores habitualmente. Reconhece o endereço e estaciona o
carro frente a um barracão simples e pobre. MARCO
RICONNI desce do veículo, temeroso; Coloca então os óculos
escuros para esconder a insegurança. Olhos o vigiam. O
barracão é cercado por cercas de arame e paus retorcidos,
descuidados. No terreiro, quatro crianças brincam na terra.
São irmãos. São eles: DUAS MENINAS de idades próximas,6 e 8;
e dois meninos, MICHAEL 9 anos e PHILLIP, 11. Eles notam a
presença de MARCO RICONNI à cerca, param a brincadeira e um
catarrento, MICHAEL, lança um sorriso desdentado.
MARCO RICONNI
Ei! nenem! (Faz sinal com a mão
chamando-o;cara amistosa)
MICHAEL se aproxima da cerca resoluto; veste camisa curta
rasgada, suja e calçãozinho. Os outros meio que intrigados
observam.
MICHAEL
"Cê" é o moço da "teevisão"?
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 54.
MARCO RICONNI
(num lampejo)
É. o moço da TV. "cê" chama o
papai? pro moço?
O moleque sai em disparada e some porta ADENTRO. Logo
depois surge na porta do barraco um homem magro; nordestino,
rosto encovado. Barba rala não feita. É ZÉ GOMES. Olhos
apertados pelo sol que ofusca. Fuma um cigarro. O peito
magro, desnudo; veste apenas um calçao e chinelos de dedo. O
garoto surge à porta e ensaia uma corrida em direção à MARCO
RICONI. ZÉ GOMES SAI ao encontro de MARCO RICONNI. Um misto
de curiosidade e temor. Seu grito interrompe a carreira do
moleque.
ZÉ GOMES
(áspero)
MICHAEL!! Prá dentro!!
O moleque corre de volta para DENTRO.
MICHAEL
Home da teevisão! home da teevisão!
MARCO RICONNI esboçando um sorriso tenta a aproximação.
MARCO RICONNI
"Bão"?
ZÉ GOMES para a uma distância segura da cerca, ameaçador.
Tem um cacoete de apertar um olho enquanto franze a testa.
MARCO RICONNI
(força um sorriso)
Bão seu zé?
ZÉ GOMES permanece impassível.
MARCO RICONNI
Eu... É que...Eu queria falar com o
senhor.
ZÉ GOMES tira o cigarro da boca.
ZÉ GOMES
(áspero, cospe no chão)
Pois fale.
MARCO RICONNI
É...eu, tinha que ser num lugar
mais, assim, tranquilo, seguro.
ZÉ GOMES pisca no seu cacoete. Põe o cigarro na boca.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 55.
ZÉ GOMES
(cospe)
Num carece.
MARCO RICONNI então tem uma idéia. Se aproxima mais e tenta
falar baixo enquanto exibe o papel.
MARCO RICONNI
Isso é para o senhor.
ZÉ GOMES franze o cenho e afasta-se em atitude defensiva,
avaliando MARCO RICONNI. Não pega o papel.
ZÉ GOMES
(grita)
Phillip!
PHILLIP, um garoto de uns 11 anos,comprido, centrado e
calmo, deixa o grupo de irmãos, se aproxima devagar e pára
junto a ZÉ GOMES; olhando-o com olhar investigativo. ZÉ
GOMES aponta com a cabeça o papel na mão de MARCO RICONNI.
PHILLIP se aproxima e pega o papel. Analisa-o por um
instante. Olha para o pai.
ZÉ GOMES
Lê.
PHILLIP
(soletrando)
Ge-orge dos San-tos. 500 reais.
Pausa. MARCO RICONNI puxa os óculos escuros para a testa.
PHILLIP
De-sid - funga e continua -
Desidé-ri-o do açou, açou-gue. Mil
reais.
Analisa novamente o próximo nome. Olha apreensivo para o
pai. MARCO RICONNI está ligeiramente ansioso.
ZÉ GOMES
Vamo!
PHILLIP
José Go-mes, Oitoss...
ZÉ GOMES avança e arranca o papel das mãos de PHILLIP. MARCO
RICONNI se assusta.
ZÉ GOMES
Já chega! Pode ir.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 56.
PHILLIP funga se retira calmamente. ZÉ GOMES encara
ferozmente a MARCO RICONNI.
ZÉ GOMES
Ô moço, se veio aqui fazer
desfeita...
MARCO RICONNI aponta o papel aflitamente e sacode o dedo
indicador em negativa.
MARCO RICONNI
Não, não...Não é isso. não sei se
entendeu. Ele tá atrás de mim
também.
ZÉ GOMES, retesado aproxima o rosto do papel segurando-o com
as duas mãos. Cenho franzido. Avalia aqueles hieroglifos;
não entende nada. O cigarro travado na boca. Sua dívida é de
oitocentos reais e está no papel com data e um traço
vermelho sobre o nome. Conclui, olhando para MARCO RICONNI
de modo diferente, com estranhamento. MARCO RICONNI faz
típico sinal de cortar a própria garganta com mão.
MARCO RICONNI
(conclusivo)
O TOM. O agiota.
ZÉ GOMES muda a expressão e inclina ligeiramente a cabeça ao
lembrar de TOM com quem pegou dinheiro emprestado.
ZÉ GOMES
Desembucha.
MARCO RICONNI
Está atrás de nós.
Pausa. Hesitação de ZÉ GOMES. Coça o cavanhaque. O cigarro
já apagado na boca.
MARCO RICONNI
Então?
ZÉ GOMES dá de ombros enquanto devolve o papel
ZÉ GOMES
Ôxe! Deixa vim, diacho!
MARCOS RICONNI tira rapidamente do bolso, um maço de notas.
MARCO RICONNI
Eu pago sua dívida. E dou mais um
tanto...
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 57.
Estende a mão com o maço de notas volumoso, tentador; ao
alcance de ZÉ GOMES que titubeia observando a bolada.
MARCO RICONNI
...depois do serviço feito. Coisa
de homem, seu ZÉ.
ZÉ GOMES, vencido, pega o dinheiro. Começa a contá-lo, cenho
franzido; cigarro travado no canto da boca.
MARCO RICONNI
Como é que vou saber do serviço
feito?
ZÉ GOMES, olhar grave, acabou a contagem, enfia o dinheiro
no calção.
ZÉ GOMES
Num sô de batê fofo não, moço.
CORTA PARA
INT. BIBLIOTECA PÚBLICA - DIA
COSTA está sentado num canto afastado. Nota-se ao longe
aquela mesma dupla de estudantes. LUIZ e FERNANDO. JEREMIAS
vai ao encontro de COSTA; acaba de chegar. COSTA lança-lhe
um olhar inquisidor e frio. Está impaciente e bate com os
dedos na mesa. JEREMIAS se aproxima e permanece em pé em
silêncio. Encara COSTA friamente. COSTA aponta-lhe o dedo
ditatorial indicando a cadeira. JEREMIAS permanece imóvel.
COSTA
Tudo bem. Já sei a burrada que você
fez. O espertinho me pega a prova e
dá de bandeja para um desgraçado
insignificante, estou errado
Soldado?
Pausa. JEREMIAS suspira entediado. Faz menção de sair.
COSTA levanta-se e apóia as duas mãos na mesa, encurvado
como se fosse dar um bote.
COSTA (CONT.)
O quê? Quer sair fora agora? Depois
da merda feita?
COSTA aponta o dedo ditador, sacudindo-o.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 58.
COSTA (CONT.)
Você ainda me deve. Vou dizer o que
vai fazer. Você vai voltar à
gráfica e vai terminar o serv...
JEREMIAS tira da jaqueta um envelope e joga-o na mesa como
se fosse uma carta de baralho.
JEREMIAS
Eu tirei uma cópia.
COSTA olha com surpresa o envelope. Senta-se enquanto olha
para os lados desconfiadamente; pega-o e confere o conteúdo
( as provas da gráfica).
COSTA
(rindo)
Você passou no teste. Agora...
JEREMIAS
Agora acabou.
JEREMIAS vira-se e vai SAINDO.
COSTA
Ei, ei! Vai desistir agora?
JEREMIAS pára, volta-se e espera. COSTA raciocina tentando
achar as palavras certas enquanto olha o ambiente; a boca
semi aberta; o dedo em riste. Ele vê os dois estudantes o
LUIZ e FERNANDO no cantinho habitual. Estão concentrados. É
neles que COSTA se inspira naquele momento. COSTA
aponta-os.
COSTA
Vê aqueles dois, soldado? Pois bem.
Eu estou nesse ramo há mais de sete
anos. Faz exatos três anos que os
vejo aqui...
JEREMIAS observa os rapazes, agora com um pouco mais de
interesse.
COSTA (CONT.)
...como dois patetas. Com a cara
nos livros; (vai enumerando nos
dedos da mão), apostilas baratas,
tempo perdido, ilusão... contra os
outros, eles não têm nenhuma
chance. São pobres. Você é pobre
Jeremias. É isso que você quer
soldado?
COSTA aponta o envelope na mesa.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 59.
COSTA (CONT.)
Posso te colocar onde quiser. Pense
bem, não jogue fora essa chance.
Não se iluda soldado. Esse é o
sistema. Você não terá outra
oportunidade. Não jogue fora essa
chance.
JEREMIAS empertiga-se.
JEREMIAS
Não, não vou mesmo perder essa
chance. A chance de começar de
novo, da maneira certa.
JEREMIAS aponta com a cabeça a dupla de estudantes.
JEREMIAS (CONT.)
Como os bobos fazem.
JEREMIAS afasta-se e SAI. COSTA balança a cabeça
negativamente, inconformado.
CORTA PARA
INT. CURSINHO DESAFIO - RECEPÇÃO - DIA
MARINA afixa no mural um cartaz com o número de seu telefone
onde se lê: "Aulas de Estatística e Contabilidade - Marina".
Os alunos circulam.
CORTA PARA
INT. CURSINHO DESAFIO - SALA DE ESTUDOS - DIA
MARINA está sozinha. O local apresenta poucas cadeiras em
volta três mesas pequenas, configurando uma típica sala de
estudos. No mural vê-se também o cartaz de Marina oferecendo
aulas particulares. Uma ALUNA chega à porta. Observa MARINA
e lhe dirige a fala. Não ouvimos a conversa. Elas falam
rapidamente. A ALUNA sai. MARINA se volta aos estudos. O
tempo passa. O RELÓGIO na parede marca SEIS HORAS da tarde.
A penumbra toma conta. Na sala vazia, MARINA é apenas uma
silhueta curvada sobre os livros.
60.
INT. CURSINHO DESAFIO - SALA DE ESTUDOS - NOITE
Anoitece. A sala vai se escurecendo até se apagar. MARINA é
solidão.
CORTA PARA
INT. REPÚBLICA DAS AMIGAS - QUARTO DE MARINA - NOITE
MARINA deitada na cama olha o teto, silenciosa e angustiada.
Ao longe escuta-se um latido aflito de um cão. A porta se
abre e aparece o rosto gordo e vermelho de JOYCE.
POV: DE MARINA
JOYCE
Não vem?
VOLTA À CENA.
MARINA apenas olha JOYCE com um olhar compreensivo e triste.
Esboça um meio sorriso e balança negativamente a cabeça.
JOYCE faz uma cara de quem está entendendo o sofrimento da
amiga. JOYCE ENTRA. Afaga os cabelos de MARINA.
JOYCE (CONT.)
Sinto muito pelo seu pai.
Pausa. JOYCE continua acariciando MARINA que começa a chorar
silenciosamente.
JOYCE
E você vai mesmo embora?
Pausa. MARINA continua com lágrimas nos olhos.
JOYCE (CONT.)
Tenta mais um pouco. Vai dar certo.
Você não pode abandonar tudo agora.
JOYCE abraça a amiga. MARINA sorri timidamente em meio às
lágrimas. RENATA aparece à porta, observa, apática.
MARINA
Obrigada.
JOYCE e RENATA SAEM.
MARINA fica só. Suspira fundo enquanto enxuga as lágrimas. O
silêncio só é quebrado pelo LATIDO distante de um cão
aflito. O vento ASSOBIA e balança alguma janela. Ela se
levanta. De súbito, a CAMPAINHA TOCA. MARINA paralisa-se.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 61.
Não espera ninguém a essa hora. A campainha toca outra vez.
MARINA vai até a sala.
CORTA PARA
INT. REPÚBLICA DAS AMIGAS - SALA - NOITE
MARINA confere no olho mágico. Volta-se assustada. Hesita um
pouco e põe a mão na maçaneta da porta. De repente decide.
MARINA
(grita)
Espera!
Corre ao banheiro
BANHEIRO, onde e lava o rosto. Passa rapidamente um batom e
volta à sala.
SALA, abre a porta: É MARCO RICONNI. MARINA permanece na
porta; Ela veste camiseta de algodão leve e jeans. Os
cabelos em desalinho. Está singelamente bela. MARINA encosta
a cabeça na porta semi-aberta. Sorri a contragosto. MARCO
RICONNI traz um buquê de flores. MARINA sorri timidamente
MARINA
Você não pode ficar aqui Marco, me
desculpe.
MARCO RICONNI
É claro. Eu não entraria mesmo.
MARCO RICONNI entrega as flores com um sorriso largo.
MARCO RICONNI
Prá você. Vim dar o meu apoio.
MARINA
Oh, desculpe. Obrigada.
MARCO RICONNI MARINA
Bom, espero que tudo fique bem. Uhum.. (ríspida)
Ambos ficam meio desajeitados. MARINA cerca a porta, com as
flores ainda nas mãos.
MARCO RICONNI
Bom... você fica bonita, mesmo
triste.
MARINA sorri melancolicamente. MARCO RICONNI fica meio que
sem palavras, mas logo fecha o semblante.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 62.
MARINA
Marco, nada de homens aqui.
São regras. Agradeço pelas flores.
Eu...
MARCO RICONNI
Não sei nada de estatística mas
algo me diz que minhas chances
aumentariam em cem por cento se
pudesse aprender com você.
MARINA fixa-o sem entender.
MARCO RICONNI (CONT.)
(sério)
Quero aprender com você, Marina.
MARINA se surpreende, acha graça, mas tenta manter o
domínio da situação.
MARINA
Essa não é uma boa hora para um
aluno estar longe de casa.
MARCO RICONNI faz cara de falsa repreensão enquanto se
aproxima mais de MARINA e quase cola seu rosto ao dela.
MARCO RICONNI
Não vai atender seu melhor aluno?
CORTA PARA
INT. REPÚBLICA DAS AMIGAS - SALA - NOITE
MARCO RICONNI e MARINA agora estão sentados no sofá. MARINA
um pouco sem graça, tímida, está na outra ponta do sofá.
MARCO RICONNI se sente confortável. Olha a decoração simples
da sala, porém harmoniosa.
MARCO RICONNI
Vejo que tem bom gosto.
MARINA
É. Faço o possível. Sei algo mais
que estatística e economia. Estudei
decoração quando ainda sonhava em
ser alguma coisa.
MARCO RICONNI
Já lhe ocorreu que muitas vezes
sacrificamos um talento nato em
nome de uma falsa estabilidade? Em
(MAIS...)
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 63.
MARCO RICONNI (...cont.)
nome de uma sala apertada com ar
condicionado e um monte de papel na
mesa?...
MARINA fica pensativa. Estuda MARCO RICONNI com uma
curiosidade nova.
MARCO RICONNI (CONT.)
Eu me pego pensando nisso, sempre.
Embora eu ache que não tenho nenhum
talento assim, específico, claro.
MARINA se solta um pouco. Mas continua na outra ponta do
sofá, reservada.
MARINA
Não seja tão pessimista. Acho que
não é impossível conciliar as
coisas.
MARCO RICONNI
Bem, algo como, talento e
utilidade? Essas coisas podem andar
juntas?
MARINA
Nunca acreditei em certas teorias,
mas cada vez mais me convenço que
você é obrigado a suprir antes uma
necessidade básica para depois
pensar nos desejos. Bom, talvez
eu...
MARCO RICONNI, sempre despojado, nota o controle do som no
sofá ao seu lado e pega-o e liga o aparelho numa estação de
rádio.
MARCO RICONNI
Permita-me.
Fica zapeando até encontrar uma estação de música,
confortável.
MARINA
...talvez eu esteja errada.
Ambos ficam em silêncio enquanto a música embala o momento.
MARCO RICONNI se encurva, os braços sobre os joelhos; as
mãos unidas pelas pontas dos dedos, olha para o chão.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 64.
MARCO RICONNI
Sabe, eu não sei se sou um cara
muito legal. Mas eu tenho paixão. E
é isso que eu vejo em você: paixão.
Mas você acredita naquilo que
quer... Eu queria ser assim.
MARINA
Todas as manhãs eu acordo e vejo
que estou respirando. O que faço é
continuar a viver.
De repente o rádio começa a tocar a música Felling Groove.
APARELHO DE SOM
Slow down/You move to fast...
MARINA sobressalta-se. Enrubesce. Tenta articular. Falta-lhe
palavras. MARCO RICONNI ainda na última posição, olhando
para o chão, não percebe a situação.
MARCO RICONNI (CONT.)
Eu começo a pensar como as pessoas
corretas pensam.
MARINA
MARCO, você deve ir embora; me
desculpe, eu...
MARINA começa a chorar. MARCO RICONNI ergue o tronco e então
nota MARINA chorando. Ele não entende a situação inesperada
mas se aproxima dela. MARINA se retesa levemente. MARCO
RICONNI agora está sentado ao lado dela. Ampara-lhe a cabeça
no seu peito. MARINA cede. MARCO RICONNI acaricia-lhe o
rosto. O colo de MARINA (Detalhar) sobe e desce arfante e
lânguido.
MARCO RICONNI
Você está respirando agora.
A música enche os corações. MARINA se deixa levar, fecha os
olhos enquanto MARCO RICONNI a beija.
CORTA PARA
INT. CURSINHO DESAFIO - SALA DE ESTUDOS - DIA
MARINA está novamente sozinha.
SÉRIE DE PLANOS:
A)MARINA estuda enquanto espera alunos.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 65.
B)A aluna que apareceu no primeiro dia retorna com uma
amiga.
C)Segundo dia, MARINA já aparece com quatro alunos.
D) As cadeiras vão sendo ocupadas. Alunos ENTRAM e SAEM. O
relógio gira na parede.
E) MARINA, sozinha, conta o dinheiro sorridente.
CORTA PARA
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - COZINHA - DIA
COSTA elétrico, pega a MALETA em cima do armário. Abre-a em
cima da pia e começa a contar as notas. Percebe que falta
dinheiro. Levanta-se furioso e procura pela empregada MARIA.
Leva a MALETA na mão.
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - CORREDOR - DIA
COSTA
Maria?! Maria?!
Abre portas furioso e quando retorna pelo corredor,
depara-se com MARIA assustada.
CORTA PARA
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - CORREDOR - DIA
COSTA exibindo a maleta aberta.
COSTA
Tá faltando dinheiro aqui! O que
você fez? Quem pegou?!!
MARIA encolhe-se miúda. Olhos baixos. COSTA eleva o tom
agressivo enquanto sacode a MALETA.
COSTA
Você pegou? Hein? Me roubou???
MARIA
Foi prá remédio. Sua mãe...
COSTA
(ameaçador)
Pegou? Quanto você pegou?! Não era
prá meter a mão aqui. E o que mais?
Hein?
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 66.
MARIA
(cabisbaixa, olhos marejados)
sandálias...
MARIA adianta ligeiramente o pé direito. Um sandália
simples(Detalhar) com detalhe de florzinhas.
COSTA
E o que mais hein?! Não tente me
enganar. Não tente me enganar!
MARIA
(chorando)
Foi só.
COSTA joga a maleta no chão. As notas se espalham. Ele se
abaixa e arranca as sandálias dos pés de MARIA. Levanta-se e
arranca as correias com brutalidade e as lança longe.
Aproxima as sandálias ao rosto de MARIA enquanto sacode-as
com ira.
COSTA
Eu não te pago o suficiente? Hein?
Não te pago?
Joga violentamente os chinelos arrebentados aos pés
descalços de MARIA que chora copiosamente. Ao fundo,
escuta-se os gritos fracos da MÃE, vindos do quarto, quase
ininteligíveis, entre tosses.
MÃE DE COSTA (O.S.)
Filho? Filho? Maria?
COSTA (CONT.)
Você não trabalha mais aqui! Não
trabalho com ladrão.
COSTA volta frenético à cozinha.
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - COZINHA - DIA
COSTA pega a PISTOLA em cima do armário e volta ao corredor
onde MARIA está em prantos.
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - CORREDOR - DIA
COSTA (CONT.)
(sacudindo a arma)
Se você meter a mão aqui de novo eu
te mato.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 67.
MÃE DE COSTA (O.S.)
(em meio à tosse)
Filho? Ôh meu filho.
COSTA se agacha, joga a arma ao lado e começa a catar as
notas do chão e jogá-las na mala. MARIA em pé, paralisada,
chora.
COSTA (CONT.)
Desgraça!
Encara MARIA com fogo nos olhos.
COSTA (CONT.)
(histérico)
Saí prá lá!
MARIA se assusta com o grito e sai da letargia. Corre para
o quarto da MÃE DE COSTA.
CORTA PARA
EXT. CANTEIRO DE OBRAS - DIA
JEREMIAS trabalha como servente de pedreiro na mesma obra
que seu pai. Seu PAI está trabalahndo a uma certa distância,
assobiando como de costume. JEREMIAS com uma pá, coloca
massa num carrinho de mão. Seu COMPANHEIRO de trabalho - um
adolescente - já com trejeitos de malandro aguarda próximo
ao carrinho enquanto fuma um cigarro de palha. Seu
COMPANHEIRO ajeita o boné puído na cabeça.
COMPANHEIRO
Sol desgraçado.
JEREMIAS, suado, permanece dando pazadas vigorosas.
COMPANHEIRO
O lance é trabalhar na "boca". Lá a
grana corre solta. Tá ligado?
JEREMIAS continua enchendo o carrinho.
COMPANHEIRO
"Muié" no baile, e os manos te
consideram, tá ligado?
JEREMIAS balança negativamente a cabeça com ar de
reprovação. Acabou de encher o carrinho.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 68.
COMPANHEIRO
Hann... Que foi zé? Tá me tirando
irmão?
JEREMIAS descansa os cotovelos no cabo da pá enquanto põe um
pé sobre a pá em típica posição de descanso. Ajeita o boné e
olha distante, ignorando o COMPANHEIRO. O COMPANHEIRO por
sua vez, o encara furioso mas logo sai empurrando o carinho.
COMPANHEIRO
Mané.
JEREMIAS (V.O.)
Eu não queria vida fácil. Eu só
queria ser alguém.
CORTA PARA
INT. QUARTO DE JEREMIAS - NOITE
JEREMIAS curvado sobre os livros estuda. Enquanto o RELÓGIO
na parede vai avançando as horas.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Eu não queria imaginar que minha
vida fosse passar em branco; Eu não
queria que meu suor não valesse
nada. Eu queria ser alguém.
JEREMIAS agora vencido pelo sono, a cabeça sobre os livros,
dorme. Na parede o RELÓGIO marca a madrugada.
INT. QUARTO DE JEREMIAS - NOITE - MADRUGADA
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Eu queria ser chamado pelo nome. Eu
só queria a minha vez.
CORTA PARA
INT. QUARTEL DA POLICIA MILITAR - SALA DE AULA - DIA
O local está cheio de recrutas, recém aprovados para o cargo
de agente penitenciário. A polícia militar é a responsável
pela formação desses agentes. Os rapazes ocupam suas
carteiras. Há um burburinho típico de jovens recém
alistados. Um jovem OFICIAL, à porta da sala, chama
energicamente pelos nomes dos recrutas; estes, levantam-se
cada um a sua vez e retornam logo após com o fardamento em
mãos, ( coletes, distintivos e coturnos).
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 69.
OFICIAL
José Amável Pinto!
Um jovem magro e cabeçudo se levanta e sai meio que
dançando; a cabeça, balançando engraçada. Enquanto isso, num
canto, alguns recrutas riem escondidamente da situação
cômica. No meio dos recrutas estão os dois jovens, LUIZ e
FERNANDO; que estudavam juntos na biblioteca.
FERNANDO
(rindo)
Eu não ia querer ter um pinto
amável como companheiro de guerra.
Os jovens riem contidamente enquanto tentam se esconder do
olhar atento do OFICIAL.
LUIZ
Amável Pinto. Engraçado esse
sujeito.
Jovens dão risadas.
CORTA PARA
INT. BAR - NOITE
O ambiente está na penumbra. ALEXANDRE está embriagado;
adormecido à mesa. Num canto, um CASAL ocupa uma mesa. Um
SENHOR CALMO de meia idade se dirige ao CASAL.
SENHOR CALMO
(cordial)
Vou fechar o bar.
O CASAL apenas balança a cabeça afirmativamente. Estão
bastante bêbados. O HOMEM DO CASAL ergue o copo como se
fosse brindar com alguém invisível. Aparentam que não vão
sair dali tão cedo.
HOMEM DO CASAL
(voz embolada.)
A saideira.
O SENHOR se dirige à mesa de ALEXANDRE. SENHOR o cutuca
tentando acordá-lo.
SENHOR CALMO
Já vai fechar amigo.
ALEXANDRE se assusta e num salto saca a arma derrubando a
garrafa de cerveja, que EXPLODE no chão. Atordoado olha em
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 70.
volta. O casal dos fundos se assusta e SAI correndo
atabalhoadamente, tropeçando em cadeiras. O SENHOR CALMO,
pacientemente como se já o conhecesse de longa data não se
sobressalta. Calmo como um monge o faz guardar a arma no
coldre. ALEXANDRE cambaleia. O SENHOR CALMO apóia-o até a
saída. Enquanto isso ALEXANDRE, solenemente, desfia seu
sermão como numa igreja.
ALEXANDRE
Abyssus, invocat!
SENHOR CALMO o vai conduzindo, arrastando-o.
ALEXANDRE
(explicativo)
Um absimo chama o outro; amigo.
SENHOR CALMO
(típica calma de dono de bar)
Sei, sei. Vamos.
ALEXANDRE
(solene, grave.)
Abyssus abyssum invocat!
CORTA PARA
EXT. FACHADA DO APARTAMENTO DE ADRIANA - NOITE
ALEXANDRE aperta insistentemente o interfone. Cambaleia e
vomita. Sacode a cabeça. Parece melhorar.
ALEXANDRE
(grita)
Adriana!? Adriana!
CORTA PARA
INT. APARTAMENTO DE ADRIANA - SALA - NOITE
O ambiente é típico classe média. WALTER,33, um rapaz magro,
usa óculos, com cara de nerd, amigo de ADRIANA está no
sofá; uma revista nas mãos; estático, olha para ADRIANA
esperando dela uma decisão. ADRIANA segura o interfone
visivelmente atordoada enquanto tenta raciocinar.
ADRIANA
Já vou descer.
Caminha para a porta.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 71.
WALTER
(levanta-se, resoluto)
Vou com você.
ADRIANA
Não. Fique aqui. Eu cuido dele.
CORTA PARA
INT. ESCADARIA DO APARTAMENTO DE ADRIANA - NOITE
Começa a descer as escadas. Seu corpo é delineado pelo
vestido. Pára um instante para tirar as sandálias de salto
que a dificultam andar. Tira um pé e quando vai descalçar o
outro, escorrega e rasga o vestido revelando parte da coxa.
Recompõe-se e desce as escadas.
CORTA PARA
EXT. PÁTIO DE ENTRADA DO APARTAMENTO DE ADRIANA - NOITE
ADRIANA caminha segura em direção ao portão onde está
ALEXANDRE.
ADRIANA
Não é hora para estar aqui. Onde
você estava? Liguei todos esses
dias. Você não me atendeu.
ALEXANDRE
My precious...
Já próxima, nota que ALEXANDRE está embriagado, sujo de
vômito.
ADRIANA
O que aconteceu? Você está péssimo.
ALEXANDRE, segurando a grade do portão, se apóia.
ALEXANDRE
My precious... Oh my precious.
ADRIANA
Oh meu Deus! Você está horrível.
ADRIANA aproxima-se mais do portão, os olhos prescrutando a
noite; tenta ver de perto o que aconteceu. Abruptamente é
agarrada por ALEXANDRE através das grades. ALEXANDRE tenta
beijá-la enquanto ADRIANA tenta se desvencilhar dele.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 72.
ADRIANA
Alex! Me larga! Meu Deus, Você
enlouqueceu. (grita)Walter! Walter!
ALEXANDRE agarra-lhe a coxa descoberta com a outra mão.
ADRIANA continua gritando.
ADRIANA
Me solta Alex! Walter!!!
Acima, janelas se abrem e começam a acender; vizinhos
espreitam curiosos.
ALEXANDRE
(grita bêbadamente)
Eu quero entrar no paraíso-ô!
WALTER aparece correndo e se aproxima de ADRIANA. Tenta
puxá-la ao mesmo tempo em que procura acalmar ALEXANDRE.
WALTER
Calma amigão. Vamos conversar.
ALEXANDRE nota a presença de WALTER e se transfigura.
Imediatamente associa o vestido rasgado de ADRIANA à WALTER.
CLOSE UP: VESTIDO RASGADO DE ADRIANA
que mostra as coxas.
CLOSE UP: ROSTO DE WALTER
suado e indignado.
ALEXANDRE, transtornado, rapidamente saca a arma. A outra
mão mantém ADRIANA segura. Grita como louco enquanto dispara
a arma a esmo. As janelas vizinhas se fecham rapidamente,
batendo como numa sinfonia combinada. Luzes se apagam.
ALEXANDRE
Conversar é? Você quer conversar?!
WALTER sai tropeçando e correndo loucamente para o interior
de onde viera. ADRIANA prensada na grade pela força de
ALEXANDRE, está estupefata. ALEXANDRE, arma em punho, a
encara nos olhos por um instante. Solta-a lentamente
afrouxando a mão. Ela cai desamparada. ALEXANDRE se afasta
lentamente, primeiro de costas, arma em punho. Depois SAI
andando vagarosamente e some no escuro da noite.
CORTA PARA
73.
EXT. RUA - CARRO DE COSTA - DIA
MARCO RICONI entrega um jornal a COSTA, recebe um ENVELOPE
de COSTA e sai apressadamente. COSTA está no interior do seu
carro. Abre o jornal e vê uma pequena nota de reportagem -
marcada com marca texto. "Corpo Encontrado Crivado de Balas"
Ao lado da reportagem, uma fotografia de TOM. COSTA sorri e
já vai dar partida no carro quando alguém bate no vidro do
carro.
POV: DE COSTA
Um policial o encara ameaçador.
VOLTA À CENA
É a polícia. COSTA está cercado.
CORTA PARA
INT. CORREDOR DO HOSPITAL - DIA
MARINA aguarda ao lado de sua MÃE. À frente, a porta da sala
de cirurgia se abre. Um MÉDICO caminha até elas que estão
apreensivas.
MÉDICO
Houve uma complicação; o que é
natural. Ele não vai ser operado
ainda. Temos que estabilizá-lo.
MÃE DE MARINA
(começa a chorar)
Meu Senhor!
MÉDICO
O quadro dele é delicado. Talvez,
amanhã passe por cirurgia, mas
temos que observá-lo.
MARINA
(sobressalta-se)
Amanhã?
MÉDICO
Sim. Estarei aqui se precisarem
O MÉDICO se afasta gentilmente. MARINA se joga no sofá de
espera. A cabeça entre as mãos. Lágrimas brotam.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 74.
MARINA
Não quero perder minha prova, mãe.
O que posso fazer mamãe? Estudei
tanto... Estou confusa.
MÃE DE MARINA
(amparando-a)
Você chegou até aqui. Você vai até
o fim.
MARINA
(soluça)
Eu, eu...não quero deixá-lo
sozinho.
MÃE DE MARINA
(acaricia-a)
Eu estou aqui. Vai minha filha, vai
com Deus.
CORTA PARA
INT. CADEIA DISTRITAL - SALINHA - DIA
Numa sala pequena a portas fechadas, COSTA é interrogado por
dois agentes penitenciários. COSTA está sentado em uma
cadeira, algemado; Um dos agentes, RUY sentado sobre a mesa,
de frente para COSTA o interroga. O outro agente, WLADIMIR
observa. COSTA está surrado e em total desalinho: acaba de
ser espancado.
RUY
Tem um mundo me esperando lá fora.
Não posso ficar aqui o dia todo,
parceiro.
COSTA, acuado encara WLADIMIR.
COSTA
É covardia bater em um homem
algemado, senhor.
Imediatamente, WLADIMIR avança e puxa a cadeira de COSTA
fazendo-a ir ao chão de maneira que COSTA continuou na
cadeira, as mãos algemadas sobre as costas, entre o encosto;
e os pés suspensos no ar. Com o impacto, COSTA bate a cabeça
no chão.
WLADIMIR
Covardia? Covardia? Você vem me
falar em covardia? É o seguinte:
tem uma porta alí. (aponta na
(MAIS...)
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 75.
WLADIMIR (...cont.)direção da porta fechada). Atrás
dela tem outra, e depois, a rua. Lá
fora você é um sacana. Aqui virou
um santo?
Aproxima-se do rosto ao de COSTA, encarando-o. RUY apenas
observa; acostumado com a cena.
WLADIMIR (CONT)
Eu sei qual é sua. Não vem pagar
moral vagabundo! Eu quero o
dinheiro! Agora!
Uma pausa. COSTA balança a cabeça tentando se esquivar da
face salivante de WLADIMIR.
WLADIMIR (CONT)
Cadê o dinheiro porra!
Silêncio. WLADIMIR volta-se para RUY.
WLADIMIR (CONT)
Cadê a cocota?
RUY se levanta da mesa e caminha até à parede onde está
pendurada a um prego, uma tira de borracha de pneu com uma
argola de cordinha numa ponta para segurar a mão. RUY passa
a COCOTA para WLADIMIR e senta novamente no tampo da mesa.
WLADIMIR encara COSTA com avidez. Um estalo de tira de
borracha soa. WLADIMIR golpeia a planta dos pés de COSTA.
Ele urra de dor enquanto sangue espirra na parede.
EXT. ENGARRAFAMENTO - INTERIOR DO COLETIVO - DIA
MARINA está ansiosa. Carros buzinam adoidados. Seu ônibus
parece travado. Pessoas parecem alheias ao que acontece
enquanto algumas correm. Os que correm são candidatos ao
concurso. Parece que estão atrasados e confusos. MARINA
observa aflita a movimentação. Olha o relógio
insistentemente. O coletivo parece que anda um pouco mas
pára novamente no sinal vermelho. A chuva começa a cair em
pingos grossos. Vai aumentando e logo se torna forte. MARINA
se aflige. De súbito, toma uma decisão. Vai até ao
motorista. Nota-se que ela gesticula e lhe fala algo. O
motorista abre a porta do coletivo. MARINA salta para a rua
alagada em meio a chuva torrencial. Corre ofegante.
76.
EXT. RUA - DIA
MARINA corre. A chuva cai impiedosa. Uma candidata que
corria meio atrapalhada, pára e tiras as sandálias de salto
alto e continua a correr.
JEREMIAS (V.O.)
É quase irracional o quanto de suor
e sangue é derramado pelo preço de
uma vida confortável...
CORTA PARA
INT. SALAS DE PROVA 1 - DIA
Candidatos concentrados aguardam as provas em diferentes
lugares. Ansiedade e silêncio dão o tom da atmosfera.
MONTAGEM:
A)JOYCE morde a caneta.
B) CANDIDATOS se sucedem em diferentes planos na mesma
ansiedade.
C) RENATA rói as unhas.
D) MARINA corre na chuva aflita, resoluta.
INT. SALAS DE PROVA 2 - DIA
E) MARCO RICONNI tranquilo porém desconfiado, está sentado
folgadamente na cadeira, quase deitado.
EXT. PORTÃO DO LOCAL DE PROVAS - DIA
F)MARINA chega ao portão que está fechado. O porteiro dá uma
olhada rápida ao redor como se certicasse que não estava
sendo vigiado e abre rapidamente o portão. MARINA passa como
foguete.
JEREMIAS (V.O.)
Não se pode medir derrotas ou
vitórias. Simplesmente, elas
existem. Ou você vence, ou morre.
Nessa hora, meu amigo, você não
sabe muito bem de que lado está.
Mas é preciso seguir. É a única
saída que lhe resta. Ou vence, ou
morre.
77.
INT. SALAS DE PROVA 3 - DIA
MARINA irrompe à porta, ensopada, olhos arregalados,
suplicantes; peito explodindo de cansaço. A sirene toca.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
É preciso seguir. Chegar aonde está
a luz. Achar uma saida.
EFEITO DE TRANSIÇÃO
INT. CORREDOR DO HOSPITAL - NOITE
MARINA agora corre pelo corredor; ainda com a mesma roupa
com que fez as provas; Um MAQUEIRO passa empurrando a maca
com um paciente coberto por lençol. MARINA se sobressalta e
continua apressada pelo corredor afora. Avista sua mãe ao
fundo e corre ao encontro dela. Apreensiva abraça sua
MÃE. O MÉDICO surge e passa próximo delas. Faz um sinal
positivo com o polegar e sorri para MARINA.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
E quando acha a saída, percebe o
quão perto ela estava de você.
MARINA olha pela porta da enfermaria e vê seu pai entubado;
aproxima-se e ENTRA no quarto seguida de sua mãe que
espreita a uma certa distância.
INT. QUARTO DA ENFERMARIA - NOITE
Seu PAI tem o peito respirando levemente e dorme tranquilo.
MARINA beija-lhe a testa.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
E nessa busca, descobre que a luz
era você mesmo, o tempo todo.
INT. DELEGACIA DE POLÍCIA - RECEPÇÃO - NOITE
WLADIMIR agora recepciona dois novatos que vão pegar o
plantão. São LUIZ e FERNANDO, os recrutas da academia de
agentes penitenciários.
WLADIMIR
(grita para o corredor)
Ô RUY! Tem calouro hoje no plantão!
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 78.
RUY se aproxima e observa os garotos com curiosidade.
Aparentam um certo nervosismo e estranhamento típico de
calouro. RUY porta uma metralhadora e fica na recepção
enaquanto WLADIMIR os conduz à mesma salinha de COSTA. Os
novatos, LUIZ e FERNANDO, o seguem em silêncio.
WLADIMIR
"Cês" vão perder o cabaço é hoje!
Não tem segredo não. A cadeia tá na
paz. Só tem um bosta aqui que ficou
mudo e acho que sofre de Alzheimer.
CORTA PARA
INT. CADEIA DISTRITAL - SALINHA - NOITE
COSTA agora, está sentado no chão algemado numa barra de
ferro afixada à parede. Quando WLADIMIR e os novatos entram,
ele se levanta rapidamente. Vê-se que está sofrendo. LUIZ e
FERNANDO entreolham-se um pouco assustados. Reconhecem COSTA
dos tempos da biblioteca. COSTA fica confuso e envergonhado
e abaixa a cabeça.
WLADIMIR
Estamos trabalhando nele.
Aproxima-se de COSTA e fala-lhe ao pé do ouvido de modo
sacárstico.
WLADIMIR (CONT)
Você vai ficar bonzinho não vai?
Vira-se para os novatos enquanto caminha em direção à porta
de saída.
WLADIMIR (CONT)
Não vai dar chapéu nos meninos,
vai? (Justifica-se perante os
novatos) Ele é um cara legal. Mas
está aprendendo a falar ainda.
WLADIMIR é interrompido por RUY que aparece à porta e lhe
faz um sinal chamando com o dedo indicador. A outra mão
segura a metralhadora. RUY cochicha algo ao ouvido de
WLADIMIR enquanto olham para COSTA. WLADIMIR olha para os
novatos.
WLADIMIR
Segura a onda aí que eu já volto.
CORTA PARA
79.
INT. CADEIA DISTRITAL - RECEPÇÃO - NOITE
WLADIMIR e RUY escutam MARIA, a ex-empregada de COSTA. Não
ouvimos o que é falado mas MARIA gesticula aflitamente.
Voltam para a salinha.
CORTA PARA
INT. CADEIA DISTRITAL - SALINHA - NOITE
WLADIMIR posiciona-se frente a COSTA como se tivesse ganhado
um prêmio. Põe as mãos na cintura. Sorri maliciosamente.
Vira-se para RUY.
WLADIMIR
Agora ele fala.
RUY, sempre à porta, agora parece um pouco incomodado com a
situação e apenas suspende os ombros, espreme os lábios para
o canto da boca e inclina a cabeça. Os novatos se entreolham
curiosos e um pouco temerosos. WLADIMIR vira-se para os
novatos enquanto coça a testa.
WLADIMIR (CONT)
É... parece que hoje é meu dia de
sorte.
COSTA sobressalta-se. Sabe que o assunto é ele. Com os olhos
suplicantes procura uma resposta. WLADIMIR faz um sinal pra
RUY, este, à porta, olha para o corredor ( que não vemos) e
faz um sinal com a cabeça, inclinado-a positivamente. MARIA
aparece à porta, olha COSTA fixamente; um olhar grave.
COSTA
Oh não!
COSTA encurva-se desesperadamente, contorce-se como uma
cobra. A mão presa a algema parece que vai se dilacerar. Por
fim, tomba-se no chão e chora copiosamente.
WLADIMIR
(impassível)
Então, vamos negociar ou não?
Os novatos abaixam as cabeças respeitosamente. MARIA esfrega
as mãos sem entender muito a situação.
CORTA PARA
80.
EXT. REPÚBLICA DA AMIGAS - FACHADA - NOITE
MARINA radiante acaba de chegar. Sobe as escadas saltitante.
Procura as chaves na bolsa. Sorri sozinha. Coloca a chave na
fechadura, gira e abre a porta.
CORTA PARA
INT. REPÚBLICA DAS AMIGAS - SALA - NOITE
MARINA pisa na sala e depara com MARCOS RICONNI e RENATA
sentados no sofá. RENATA está recostada no peito de MARCOS
RICONNI. Ambos se assustam. RENATA afasta-se de MARCOS
abruptamente mas continua sentada no sofá; olha para o chão.
A câmera volta para MARINA que está paralisada e estupefata;
a mão na maçaneta. A porta semi-aberta. MARCOS se levanta em
direção à MARINA; balbucia uma tentativa de explicação.
MARCO RICONNI
Você... Eu...
MARINA recua e fecha a porta atrás de si, batendo-a, com
raiva. A Câmera focaliza a porta fechada. A chave (interna)
na porta com um chaveiro de ursinho alegre, balança como um
pêndulo em festa.
FUSÃO PARA
INT. CURSINHO DESAFIO - DIRETORIA - DIA
O ÂNGULO focaliza um RELÓGIO DE PÊNDULO(CLOSE) na parede. O
ponteiro caminha para marcar dezoito horas.
FUSÃO PARA
EXT. CURSINHO DESAFIO HALL DE SAÍDA - DIA
MONTAGEM:
A) Um aluno confere o RELÓGIO que está para marcar dezoito
horas. Tem um notebook no colo aberto na página de resultado
do concurso ( detalhar).
B) MARINA caminha em SLOW. Não há som real a sua volta. As
pessoas em volta são como borrões psicodélicos.
C) Duas alunas sentadas diante do computador em um
apartamento esperam ansiosas, olhos grudados na tela.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 81.
D)MARINA continua caminhando em SLOW. Agora o silêncio sofre
entrecortadas bruscas de som do ambiente (algazarra do hall
do cursinho). O som e a imagem das pessoas vão e voltam como
lampejos.
D)RENATA e JOYCE, aflitas, aguardam diante do computador no
quarto de JOYCE, na república. RENATA rói as unhas.
CORTA PARA
INT. CURSINHO DESAFIO - DIRETORIA - DIA - MAIS TARDE
O RELÓGIO na parede marca dezoito horas em ponto. O pêndulo
para.
CORTA PARA
EXT. CURSINHO DESAFIO HALL DE SAÍDA - DIA - MAIS TARDE
O mundo está parado. Todas as pessoas estão imóveis,
petrificadas na última posição em que estavam. Todos os
alunos, imóveis. A folhagem das árvores porém, balançam
timidamente num farfalhar sombrio. De repente,ouve-se um
ESTOURO, A Câmera mostra no céu uma chuva de luzes coloridas
de fogos de artifício. Irrompe-se um som como grito de
multidão em estádio de futebol. O que se vê em seguida são
alunos pulando em sorrisos, alegria, abraços. Alguns
caminham tristemente, cabisbaixos, sem rumo. Outros choram
inconsoláveis, prostrados. Enquanto isso, MARINA
destaca-se, no meio da multidão; procura seu nome na lista
de APROVADOS ( detalhar ) afixada na parede. Os nomes se
embaralham como numa visão míope. MARIA, MARIANA, MARA,
MAR... Até que encontra seu nome na lista. MARINA ARCOLLI
MORBECK. MARINA salta radiante,(em SLOW); Ela sobe. No
impacto de seus pés no chão, a vida volta ao normal (fim do
SLOW). MARINA salta, todos saltam. O grito irrompe. A tela
fecha-se num FADE OUT.
CORTA PARA
INT. QUARTEL DA POLICIA MILITAR - SALA DE AULA - DIA
O local está cheio de recrutas agentes ocupando suas
carteiras. Há um burburinho típico de jovens recém
alistados. A CÂMERA começa a percorrer a sala quando seu
movimento é interrompido pelo grito.
OFICIAL (V.O.)
José Amável Pinto!
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 82.
A CÂMERA parou exatamente num jovem magro cabeçudo que se
levanta e sai meio que dançando; a cabeça balançando
engraçada. Enquanto isso, num canto alguns recrutas riem
escondidamente da situação cômica. No meio dos recrutas
percebemos os dois jovens LUIZ e FERNANDO que estudavam
juntos na biblioteca.
FERNANDO
(rindo)
Eu não ia querer um pinto amável
como companheiro de guerra.
Os jovens riem contidamente enquanto tentam se esconder do
olhar atento do OFICIAL.
LUIZ
Amável Pinto. Engraçado esse
sujeito.
Jovens dão risadas. A voz tonitruante do OFICIAL soa
novamente.
OFICIAL (V.O.)
Jeremias de Jesus Santos!
A CÂMERA faz seu movimento circular e busca JEREMIAS que
estava num canto da sala até então não visto. Ele se levanta
e caminha em direção à CÂMERA.
CORTA PARA
INT. QUARTEL DA POLICIA MILITAR - SALA DE UNIFORMES - DIA
JEREMIAS ENTRA na sala no momento em que um tenente, GARCIA
(seu nome na farda) aparentando, vinte dois anos,(bastante
empertigado), está SAINDO. Seus OLHARES se cruzam. JEREMIAS
aguarda em pé enquanto um SARGENTO GORDO confere os
uniformes e coloca uma etiqueta com os dizeres( AGT. SANTOS)
no uniforme. JEREMIAS, pela posição em que está, visualiza,
pela porta entreaberta, uma outra sala onde se vê um TV
ligada no noticiário. O tenente GARCIA entrou nessa sala. E
pela fresta da porta vemos que ele se sentou e agora está
meio encoberto pela porta. Sua bota aparece na fresta da
porta. Parece que ele está vendo o noticiário. O SARGENTO
GORDO acaba de organizar o uniforme e volta-se para JEREMIAS
para lhe entregar o uniforme e fazer recomendações. O som da
TV chega à sala.
JORNALISTA (V.O.)
A Polícia Federal deflagrou nesta
quarta-feira a Operação Tormenta
com o objetivo de prender um grupo
(MAIS...)
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 83.
JORNALISTA (V.O.) (...cont.)envolvido em fraudes em concursos
públicos em todo país...
JEREMIAS sobressalta-se. Tenta dar atenção à reportagem e ao
SARGENTO GORDO ao mesmo tempo. O SARGENTO GORDO está falando
com ele algo que não ouvimos.
JORNALISTA (V.O.)
Foram expedidos trinta e quatro
mandados de busca e apreensão sendo
vinte e um, só na grande São Paulo.
De acordo com a assessoria da PF,
foram expedidos ainda, 12 mandados
de prisão temporária...
A imagem de COSTA aparece sendo preso (na ocasião em que
estava em seu veículo e foi cercado pela polícia). MARÇAL
aparece sendo conduzido algemado. JEREMIAS agora está om o
uniforme nas mãos e fixa os olhos na TV. Ele sua frio.O
SARGENTO GORDO se afastou para pegar os coturnos de
JEREMIAS, num canto da sala.
JORNALISTA (V.O.)
De acordo com a PF, o grupo atuava
por meio de aliciamento de pessoas
que tinham acesso ao caderno de
questões, repasse de ponto
eletrônico e até furtando cadernos
de provas em gráficas credenciadas.
A quadrilha fazia ainda
falsificação de documentos e
diplomas exigidos nos concursos. A
Polícia vai continuar as buscas até
prender toda quadrilha...
A imagem de um circuito interno da gráfica onde JEREMIAS
trabalhou mostra o exato momento em que JEREMIAS pega um
CADERNO na esteira. A TV repete em ZOOM o movimento e por
fim congela a imagem recuperada no rosto de JEREMIAS olhando
para a câmera do cicuito interno. JEREMIAS, na sala de
uniforme, está atônito, paralisado. O SARGENTO GORDO vem
voltando com os coturnos. A bota do tenente GARCIA recua e
some da vista de JEREMIAS e logo volta e some como se o
tenente estivesse incomodado. A porta se mexe. JEREMIAS não
pensa nem mais um instante. Joga o uniforme à frente que vai
cair nos braços do SARGENTO GORDO, que sem entender nada,
ainda segura os coturnos. JEREMIAS SAI apressado no exato
instante em que aparece à porta da sala de uniformes, a cara
nervosa do tenente GARCIA. Ávido como uma raposa.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 84.
GARCIA
(como um gato faminto atrás do
rato)
Cadê ele? Onde foi ele? Ele estava
aqui agora.
SARGENTO GORDO
(assustado,se atrapalhando na
continência, ainda abarrotado
de uniforme e coturnos)
O quê? Quem? Sim senhor?!
O tenente GARCIA SAI esbaforido.
CORTA PARA
INT. QUARTEL DA POLICIA MILITAR - CORREDOR - DIA
O tenente GARCIA ágil e atento prescruta o ambiente como uma
ave de rapina enquanto vai seguindo no corredor, quase
correndo. À frente, a distância estão dois oficiais,RAMIRES
e DERON, de alta patente conversando. Tenente GARCIA vai ter
que passar por eles para sair do corredor e ganhar o pátio.
GARCIA se aproxima e sem parar esboça uma desconcertada
continência e segue seu caminho quando escuta atrás de si.
RAMIRES (V.O.)
Ei, ei sub!
GARCIA estaca-se. CÂMERA foca seu rosto num misto de fastio
e ódio. Vira-se para os dois oficias, já recomposto; um
rosto solene.
RAMIRES
(faz sinal com a mão)
Vem aqui sub.
Ambos, RAMIRES e DERON estampam um meio sorriso de sacarsmo,
pronto para humilhar alguém. GARCIA caminha ao encontro
deles, respeitoso, tenta explicar a situação gesticulando
apavorado.
GARCIA
Um recruta senhor... ali...
fugiu...
DERON
(zombeteiro, mas sério)
Não se faz disciplina como
antigamente RAMIRES?
GARCIA se aproxima e agora faz continência corretamente e
com vigor. Permanece perfilado. RAMIRES o encara.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 85.
RAMIRES
Ele está aprendendo, DERON.
RAMIRES volta-se para DERON e sorri de boca fechada, lábios
apertados, e é retribuído da mesma forma por DERON; ambos
ostentando uma cumplicidade superior. RAMIRES encara GARCIA
novamente.
RAMIRES
O que o sub dizia?
GARCIA balança cabeça afirmativamente, nervos à flor da
pele, tenta ser conciso e breve ao mesmo tempo. Ele ainda
está perfilado, pés juntos.
GARCIA
Senhor, um recruta acabou de sair
por aquela porta (aponta o fim do
corredor). Eu o vi na TV... Uma
quadrilha que frauda concursos...
senhor...
RAMIRES
(num tom irritantemente calmo)
E o que você está fazendo aqui sub?
RAMIRES reforça a pergunta abrindo um pouco mais os olhos e
com leve movimento de boca; como se dissesse: Já saiu?
GARCIA entende a mensagem, faz novamente continência e SAI
desajeitadamente pelo corredor em direção ao pátio.
CORTA PARA
EXT. QUARTEL DA POLÍCIA MILITAR - PÁTIO - DIA
O pátio é grande. GARCIA alcança o pátio a ponto de ver
JEREMIAS chegando ao portão, à distância. GARCIA inicia uma
corrida em direção ao portão. Gesticula com os braços ao
alto tentando ser visto pelo GUARDA PORTEIRO. Ao longe vemos
JEREMIAS, na guarita - através da vidraça - gesticulando e
falando com o GUARDA PORTEIRO algo que não ouvimos.
CORTA PARA
EXT. QUARTEL DA POLÍCIA MILITAR - GUARITA - DIA
JEREMIAS olha e vê GARCIA se aproximando. Firma os olhos à
distância e nota que GARCIA está com a mão junto à orelha
como se estivesse telefonando. No mesmo instante o telefone
da guarita TOCA. O GUARDA PORTEIRO atende ao telefone.
JEREMIAS nota que o portão não está totalmente fechado.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 86.
Nesse momento o GUARDA PORTEIRO, com o telefone na orelha,
já o está olhando de modo estranho. JEREMIAS avança com
ímpeto, abre o portão e ganha a liberdade numa desabalada
carreira.
CORTA PARA
EXT. RUA - DIA
Ouvimos suas passadas e sua respiração ofegante. A CÂMERA
focaliza seus TÊNIS numa corrida acelerada.
JEREMIAS (V.O.)
Por todos generais do mundo! Eu
nunca pensei que uma coisa chamada
disciplina poderia garantir a minha
liberdade. Mas naquele momento, meu
caro, não havia muito o que pensar.
Eu só queria correr.
EXT. RUA DESERTA - CARRO DE MARCO RICONNI - TARDE
MARCO RICONNI está sentado com o banco inclinado enquanto
uma garota está em seu colo como se cavalgasse. Ela sorri
enquanto coloca uma MÁSCARA de fantasia no rosto de MARCO.
Eles sorriem. Ela empurra MARCO que se deita no banco
bastante inclinado. A GAROTA ri e lança para trás a cabeça e
quando vem voltando o rosto depara com o rosto de ZÉ GOMES
colado ao vidro do carro.
POV: DA GAROTA
O rosto de ZÉ GOMES no seu cacoete característico,
silencioso.
VOLTA À CENA
A GAROTA, interrompida, se assusta; grita e rapidamente sai
do colo de MARCO. MARCO RICONNI se levanta bruscamente com a
MÁSCARA na cara e vê ZÉ GOMES. Baixa o vidro do veículo.
Tira a MÁSCARA.
ZÉ GOMES
Vim buscar minha parte no trato.
MARCO RICONNI
Droga cara! Agora?
ZÉ GOMES permance impassível. A GAROTA abre a porta do
passageiro. Está irritada e com medo.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 87.
GAROTA
Vou embora.
MARCO RICONNI
(volta-se para ela)
Espera, droga! Vou resolver isso.
GAROTA
(já descendo)
Vou embora.
MARCO RICONNI a puxa violentamente de volta. Ela se debate
com ímpeto, tentando se livrar dele. ZÉ GOMES observa.
MARCO RICONNI
Espera porra!
A GAROTA se debate mais e cai no chão fora do carro. MARCO
RICONNI sai do carro, cego, ignora ZÉ GOMES, dá a volta e
joga a garota no banco do carro com violência. Bate a porta
com força. Volta para o banco do condutor e bate a porta.
Vira-se para ZÉ GOMES.
MARCO RICONNI (CONT.)
Olha o que você fez, desgraça!
Arranca o veículo cantando pneu. Logo adiante dá uma freada
brusca. Volta de ré desastradamente fazendo ZÉ GOMES pular
para não ser atropelado. Pára o veículo ao lado de ZÉ GOMES.
MARCO RICONNI
Quer receber? Quer receber é?
MARCO RICONNI procura algo no console do carro que não
vemos. Ao seu lado a GAROTA está muda. Subitamente MARCO se
ergue e lança uma MOEDA no peito de ZÉ GOMES. A MOEDA rola
ao chão.
MARCO RICONNI (CONT.)
Toma sua esmola. Paraíba de merda!
MARCO RICONNI arranca velozmente e some na estrada.
CORTA PARA
INT. BALADA - NOITE
O som pancadão enche o ar. MARCO RICONNI está efusivo. Os
jovens dançam com MÁSCARAS de fantasia. Alguns usam
camisetas apertadas com dizeres: "EU SOU UM FEDERAL".
Comemoram aprovação em concurso. A festa rola solta. Num
canto, MARCO RICONNI cheira coca como de costume. Ele dança.
Também usa camisa com os dizeres.
88.
INT. CADEIA DISTRITAL - SALINHA - NOITE
COSTA, derrotado ainda está sentado no chão, algemado à
parede. LUIZ e FERNANDO agora são os responsáveis pelo
plantão. FERNANDO lhe traz uma cadeira e ajuda COSTA a se
sentar. COSTA permanece algemado à parede.
COSTA
Obrigado.
LUIZ se aproxima e o observa silencioso.
LUIZ
Ela partiu mesmo, cara.
Balança a cabeça negativamente.
LUIZ (CONT.)
É... não deu.
COSTA cai em prantos. FERNANDO tira-lhe a algema deixando
apenas um braço algemado no cano à parede. A outra mão fica
livre. COSTA com essa mão cobre o rosto e chora baixo,
inconformado.
COSTA
(enxugando os olhos)
Me deixa "ver ela". Pela última
vez.
Os novatos ficam em silêncio.
COSTA (CONT.)
Eu prometo... Eu faço qualquer
coisa, eu só quero ver minha mãe.
Por favor, pela última vez!
FERNANDO
Você sabe que não podemos fazer
isso. E não há tempo para ordem
judicial. (faz uma careta). Tá
complicado, seu caso.
COSTA se ajeita o melhor que pode junto à parede. Parece um
orador que vai anunciar uma verdade universal.
COSTA (CONT.)
Vocês não precisam me ouvir; se não
quiserem.
COSTA força um meio sorriso constrangido enquanto sacode o
ombro resignado.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 89.
COSTA (CONT.)
Afinal, sou um estelionatário. Um
enganador em potencial.
Pausa. COSTA abaixa a cabeça. LUIZ e FERNANDO o encaram num
misto de desconfiança e curiosidade, típicas de calouros.
COSTA (CONT.)
Não conheci meu pai. Fui um menino
pobre. Minha mãe, cuidava de mim
sozinha. Sempre fui trabalhador,
não parece eu sei...Um dia, minha
mãe adoeceu gravemente. Eu
trabalhava num Banco. Comecei a
visitá-la no hospital. Me disseram
que ela tinha câncer.
Os novatos estão atentos. LUIZ lhe traz um copo d’água.
COSTA pega.
COSTA (CONT.)
Comecei a faltar ao trabalho. Ela
só tinha eu. Conversei com o chefe,
expliquei toda situação. Ele pegava
no meu pé, mas não era nada que
atrapalhasse.Eu precisava de grana
o tempo todo. Não tinha como pagar
a cirurgia. Um dia briguei com o
chefe. Estava estressado. Eu via
dinheiro o dia inteiro mas ele me
faltava nas coisas mais básicas.
Fui alimentando aquele ódio.
COSTA suspira. E toma a água quase num gole. A água lhe
escorre pelo canto da boca. Ele enxuga com o ombro passando
a camisa.
COSTA (CONT.)
A pobreza cara, é uma merda. Não
demorou muito para eu perceber que
precisaria de dinheiro. Eu fui
atrás dele. Da pior forma possível.
Nada como usar suas habilidades de
comunicação para roubar. No início
eu me desculpava: Tava só ajudando
minha mãe. O dinheiro brotava do
nada. Fiquei cego. Esqueci minha
mãe... e a sua doença.
COSTA embarga a voz.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 90.
COSTA (CONT.)
Virei animal. Eu sei que ela me
amava. E agora estou aqui... Não
posso fazer nada. Eu queria que ela
me perdoasse. Não deu tempo.
COSTA chora.
COSTA
Eu só queria um abraço, cara. só um
abraço.
COSTA endireita-se.
COSTA (CONT.)
O que mais me machuca, é que um dia
eu a levei numa consulta. Eu tinha
um compromisso. Eu não achava o
consultório e estava atrasado. Fiz
ela descer no lugar errado. Ela
conseguiu achar o lugar e fez os
exames. Mas depois...
COSTA irrompe o choro.
COSTA (CONT.)
Depois fiquei sabendo que ela andou
quase quatro horas para achar o
lugar... e ela estava doente, muito
doente, fraca mesmo. E eu sabia, eu
sabia. Eu... eu só pensava em
ganhar, ganhar... maldito!
Os novatos olham entre si por um momento e SAEM da sala.
COSTA chora num choro convulsivo. Os novatos ENTRAM
novamente. LUIZ retira as algemas presas ao cano na parede.
COSTA se surpreende, atônito. As lágrimas ainda escorrem
pela face. FERNANDO o encara, sério.
FERNANDO
Vamos correr o risco.
CORTA PARA
INT. BALADA - NOITE
Altas horas. Os Jovens dançam. Bebem e se divertem. MARCO
RICONNI, trôpego, SAI.
91.
EXT. RUA EM FRENTE A BALADA - NOITE
A rua está deserta. MARCO RICONNI atravessa-a em direção ao
seu veículo. Está meio cambaleante. ENTRA no carro.
CORTA PARA
EXT. RUA - CARRO DE MARCO RICONNI - NOITE
MARCO RICONNI liga o veículo. Começa a arrancar quando sente
o carro pesado.
(INSERT) Pneu traseiro está murcho. MARCO RICONNI SAI do
carro. Na noite, um PIO soturno de uma coruja solitária.
VOLTA À CENA
Caminha em direção à traseira do veículo.
CORTA PARA
EXT. RUA FRENTE A BALADA - NOITE
MARCO RICONNI, cambaleante, rodeia o carro olhando os pneus.
Vê o PNEU MURCHO e abaixa-se. A noite está escura. O vento
sibilia. MARCO RICONNI se assusta quando, ainda abaixado,
ouve o tilintar de uma MOEDA que rola e pára no chão à sua
frente; A MOEDA brilha no escuro. MARCO RICONNI ergue a
cabeça surpreso. Se rosto brilha num flash e um estouro de
arma de fogo se ouve. Um clarão - seu rosto assustado, e
tudo se apaga.
CORTA PARA
EXT. INTERIOR DA VIATURA - DIA - TARDE
Os novatos, temerosos, circulam com COSTA. LUIZ, sempre
calmo, dirige a viatura. FERNANDO vai ao lado de COSTA no
banco de trás. COSTA está algemado nas mãos e pés
(Detalhar). A viatura atravessa a cidade. Todos em silêncio.
A viatura para próximo a um pequeno cemitério de subúrbio.
CORTA PARA
92.
EXT. CEMITÉRIO - DIA - TARDE
Os novatos escoltam COSTA por entre as lápides a uma
distância respeitosa. COSTA anda com dificuldade por causa
da corrente nos pés. O local está praticamente vazio. Ao
longe se vê uma pequena família próxima a um túmulo. Eles
cantam hino 202 da Harpa Cristã.
FAMÍLIA
Junto ao trono de Deus preparado/
Há cristão um lugar para ti...
Os novatos e COSTA se aproximam. COSTA olha prescrutando e
balança negativamente a cabeça, como se afirmasse que alí
não se tratava do enterro de sua mãe. Continuam andando e
vêem ao longe uma silhueta feminina próximo a um túmulo.
Começam a andar rápido mas as correntes nos pés de COSTA o
atrapalham. LUIZ lhe solta os pés. COSTA inicia uma
desesperada corrida - as mãos algemadas frente ao corpo -
faz com que seus movimentos sejam desengoçados. Os novatos o
seguem, correndo, à meia distância. COSTA, desembestado,
chega próximo ao túmulo. Percebe que a ex-empregada, MARIA,
está no local e ainda chora silenciosamente enquanto um
COVEIRO acaba de cobrir com terra a tumba.
COSTA
(desesperado)
Oh não!!
COSTA cai de joelhos.
COSTA (CONT.)
Eu quero minha mãe! Pelo amor de
Deus! Eu quero minha mãe!
O COVEIRO continua impassível, dando pazadas de terra.
FERNANDO se aproxima e agacha junto ao COVEIRO. Olha-o numa
expressão de solidariedade e compaixão como se tentasse
convencê-lo pela alma. COVEIRO pára as pazadas por um
momento.
COVEIRO
(balança negativamente a
cabeça)
Num posso não moço!
COVEIRO retoma as pazadas. COSTA chora histérico, sem
controle.
COSTA
Pelo amor de Deus, pelo amor de
Deus... minha maezinha.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 93.
MARIA se solta em choro compulsivo. OS NOVATOS se olham. Os
olhos marejados. COSTA ainda de joelhos, cai com o rosto em
terra em prantos. O COVEIRO, encurvado, como se fosse a
própria morte, continua cobrindo o túmulo. O som da cantoria
triste da família ao longe, sobe no ar e enche o crepúsculo
da tarde.
FAMÍLIA
Se quiseres gozar das venturas/Que
no belo país haverá/É somente pedir
de alma pura/Que de graça Jesus lhe
dará...
CORTA PARA
EXT. INTERIROR DA VIATURA - DIA - TARDE
Os novatos, COSTA E MARIA estão retornando. Um silêncio
fúnebre. Uma viatura passa veloz com sirene a ligada.
COSTA
(abruptamente)
Vamos prá casa da minha mãe.
LUIZ frea de repente e retoma a velocidade.
LUIZ
O quê?
LUIZ e FERNANDO se entreolham rapidamente.
LUIZ (CONT.)
Ficou maluco?
FERNANDO
Cara, Já quebramos teu galho. Na
boa, já deu.
COSTA
(resoluto)
Eu quero ver a casa de minha mãe.
Levanta as mãos algemadas.
COSTA (CONT.)
É a última coisa que peço. Confiem
em mim, mais uma vez.
LUIZ e FERNANDO se entreolham. MARIA, silenciosa, sacoleja
ao movimento do veículo; a cabeça encostada no vidro e olhos
perdidos no horizonte. A viatura muda de direção.
CORTA PARA
94.
EXT. APARTAMENTO DE ALEXANDRE - DIA
O PAI DE ALEXANDRE gira a chave na porta. Abre a porta e sua
face transfigura-se. Na penumbra, ALEXANDRE está de bruços
sobre a mesa, sentado na cadeira. Na sua mão direita,
pendida, já flácida, tem uma ARMA ( detalhar). A ARMA toca o
chão mas ainda se apóia em sua mão, como se estivesse presa
ao último suspiro. Na outra mão, estendida sobre a mesa, há
uma CARTA, ainda presa entre os dedos rígidos. Está morto. O
pai, trêmulo, pega a carta(CLOSE) e a lê. GOTAS DE LÁGRIMAS
pingam no papel e se misturam ao vermelho do sangue.
ALEXANDRE (V.O.)
Pai, como é que as pessoas aprendem
tanta coisa errada sobre a vida?
Elas são programadas, pai. Nascemos
para falhar. E eu falhei com você,
pai. Eu falhei.
MATCH CUT
EXT. RUA - DIA - TARDE
GOTAS de chuva pingam nos TÊNIS de JEREMIAS e se misturam à
lama. Ele ainda corre. Ao longe, bem distante, ouve-se uma
sirene de viatura.
ALEXANDRE (V.O.)
Eu sei que não é tão grave falhar
às vezes. Mas eu tinha que acertar
o próximo lance. E tive medo de
perder outra vez. Eu estava num
jogo e não respeitei as regras. Eu
tentei quebrar as normas que são
passadas de geração em geração; As
regras sobre carreira, negócios...
FUSÃO PARA
INT. CASA DE MARINA - SALA - DIA
PASSADAS de JEREMIAS se mesclam ao som de PALMAS dos
familiares e amigos de MARINA, enquanto MARINA está à porta
com um buquê de flores. Ela sorri vitoriosa.
JEREMIAS (V.O.)
As regras sobre o sucesso. Noções
que são consideradas sagradas pelos
professores, pela TV, por nossos
pais bem intencionados, nas
poltronas confortáveis de suas
(MAIS...)
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 95.
JEREMIAS (V.O.) (...cont.)casas. E nós nos seguramos tão
fortemente a essas idéias pequenas,
que morremos cedo...
CORTA PARA
EXT. CEMITÉRIO CLASSE A - DIA - TARDE
Familiares de MARCO RICONNI acompanham seu enterro. Há uma
tristeza comum. Um silêncio negro. Sua MÃE chora abraçada ao
filho GUSTAVO.
JEREMIAS (V.O.)
Morremos cedo no espírito, na alma
e no corpo. E nessa corrida, é
difícil perceber que a solução está
dentro de nós mesmos. Quanto mais
tarde percebemos isso, mais rápido
caminhamos em direção à morte. E
nesse jogo meu caro, ninguém erra
duas vezes.
CORTA PARA
EXT. INTERIOR DA VIATURA - DIA - TARDE
Os novatos, COSTA e MARIA ainda circulam na viatura.
Contornam umas duas esquinas e chegam à casa da MÃE DE
COSTA. Param frente à residência.
CORTA PARA
EXT. FACHADA DA CASA DA MÂE DE COSTA - DIA - TARDE
Todos descem da viatura. COSTA, algemado, suspira e balança
a cabeça inconformado. FERNANDO prescruta ao redor
atentamente. LUIZ segura COSTA pelas algemas. MARIA abre a
porta. Todos ENTRAM.
CORTA PARA
INT. CASA DA MÃE DE COSTA - COZINHA - DIA - TARDE
COSTA sinaliza para LUIZ, esticando os braços.
COSTA
Preciso tirar isso.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 96.
Os novatos se entreolham. FERNANDO faz sinal afirmativo com
a cabeça e LUIZ, um pouco cauteloso, tira as algemas de
COSTA. COSTA caminha em direção à estante, sobe numa cadeira
como de costume e tateia por cima do móvel. Sua mão toca a
PISTOLA.
INSERT - MÃO DE COSTA TOCA A PISTOLA.
VOLTA À CENA
Por um instante, COSTA olha para os agentes; a mão suspensa,
oculta sobre o móvel. MARIA olha apelativa para FERNANDO que
instintivamente toca sua arma na cintura. LUIZ se afasta
rapidamente e saca a arma.
LUIZ
Ei, ei!
COSTA ainda mexe a mão sobre o móvel. Agora seu corpo está
esticado; Ele e puxa a mão de repente mas o que se vê em sua
mão é a MALETA. LUIZ permanece afastado com a arma apontada.
COSTA desce da cadeira, agacha-se e abre a MALETA no chão.
Realmente, a MALA está abarratoda de dinheiro em cédulas.
LUIZ se acalma e guarda sua arma. COSTA levanta-se. Empurra
a MALA com o pé na direção de MARIA e dos novatos. Enquanto
caminha com as mãos estendidas e juntas em direção a LUIZ,
pronto para ser algemado.
COSTA
Não preciso disso. Não quero mais
precisar disso... Não dessa forma.
É de vocês. Se quiserem.
LUIZ e FERNANDO se entreolham estranhamente. LUIZ começa a
colocar as algemas em COSTA. Encara-o.
LUIZ
Parece que não aceitamos suborno.
COSTA
Parece que você não entendeu amigo.
Vira-se para MARIA enquanto está sendo algemado.
COSTA (CONT.)
Pegue. É seu MARIA. Eu lhe devo
mais que isso.
Alterna agora o olhar entre FERNANDO e LUIZ.
COSTA (CONT.)
Eu estava perdido e fui achado.
Preciso começar de novo, da maneira
(MAIS...)
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 97.
COSTA (CONT.) (...cont.)certa, no caminho certo. Não posso
perder essa chance.
CORTA PARA
EXT. ESTRADA - DIA - MANHÃ
ÂNGULO revela estrada ao longe. A imagem treme ao ritmo de
passadas cansadas. Ouvimos o som de passadas arrastadas.
Respiração ofegante e lenta. ÂNGULO sobe rotacionando junto
ao corpo sujo e maltrapilho e pára mostrando de baixo para
cima, uma espessa barba grisalha.(abaixo do queixo). ÂNGULO
começa a descer num movimento inverso.
JEREMIAS (V.O.)
(voz cavernosa, mais velho)
Todos os dias...
ÂNGULO finaliza descida e foca os TÊNIS de JEREMIAS em
passadas cansadas. Os TÊNIS estão rotos e sujos, quase
irreconhecíveis. O sol bate a pino.
JEREMIAS (V.O.)
...milhões de pessoas acordam
pensando em ser grande. Milhões de
pessoas crescem pensando em ser
grande. E milhões de pessoas morrem
pensando.
CÂMERA se afasta e abre plano e revela JEREMIAS; Ele é agora
um andarilho. Carrega um pesado saco nas costas. Está sujo e
derrotado.
JEREMIAS (V.O.)
Talvez elas se acham inseguras, com
medo, despreparadas. Não importa
qual é a razão, o fato é que elas
falharam em agir. Elas falharam em
ter sucesso. As vezes eu me
pergunto o que é pior: tentar e
falhar...
JEREMIAS pára e deposita o pesado fardo no asfalto quente.
Uma latinha de refrigerante( usada para crack),
descascada, deixa ver o metal que brilha num dos rasgos do
saco. O sol bate nela e cria um facho de luz. JEREMIAS ,
semi agachado,coloca as mãos sobre os joelhos, as pernas
afastadas. Parece descansar na sua posição típica. Olhos
voltados para o chão, cabisbaixo.
(CONTINUA...)
...CONTINUANDO: 98.
JEREMIAS (V.O.)
...ou falhar em tentar.
JEREMIAS levanta a cabeça lentamente e fita o horizonte.
Gira a cabeça e olha atrás por sobre os ombros. Volta a
cabeça para frente. Olha para o saco e volta a fitar o
horizonte. Está cansado.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Eu não sei a resposta.
MONTAGEM:
A)JOYCE numa mesa apinhada de livros estuda e morde o lápis
nervosamente.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Às vezes, as pessoas tentam a vida
inteira.
B)MARINA dirige feliz seu carrão pela estrada e passa por
JEREMIAS.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Outras acertam logo no primeiro
lance do jogo.
C) COSTA ajoelhado na cela, ora.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Há ainda aqueles que só aprendem
com as lições mais difíceis.
D) PAI DE ALEXANDRE está sozinho, triste,no sofá do
apartamento.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Das piores maneiras.
E) MÃE de MARCO RICONNI deposita flores em seu túmulo.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
Alguns abandonam o jogo antes mesmo
"dele" começar.
F) RENATA, fotógrafa bem sucedida, clica modelos num
estúdio. Uma placa estampa os dizeres: STÚDIO RENATA DURAN.
JEREMIAS (V.O.)CONT.
E o jogo às vezes, reserva supresas
agradáveis.
99.
EXT. ESTRADA - DIA - MANHÃ
JEREMIAS ergue-se ereto e dá uns passos para trás,
afastando-se do saco.
JEREMIAS (V.O.)
Eu não saberia a resposta.
Pára, Vira-se e começa a correr devagar no sentido contrário
de onde vinha. A CÂMERA pega-o de costas.
JEREMIAS (V.O.)
Mas eu não quero a resposta. Eu
prefiro a mudança. Eu prefiro o
caminho. Eu preciso aprender o
caminho.
JEREMIAS vai ficando pequeno enquanto se afasta correndo. No
saco, o metal quente e reluzente, espelha contra o sol e
começa a queimá-lo. A princípio, uma tímida fumaça que vai
crescendo e crepitando. E logo uma combustão faz surgir o
fogo que lambe impetuosamente o fardo de lixo. Ao longe, a
figura de JEREMIAS corre, saltitante; Abre os braços. Vai
sumindo no horizonte.
JEREMIAS (V.O.)
E dessa vez, não farei como os
fracos: que entram para lutar.
Dessa vez, eu serei como os fortes:
que saem para vencer.
Música "Felling Groove" toca enquanto os créditos sobem na
tela.
FADE OUT.
FIM