UNIVERSIDADE DO PORTO
INSTITUTO DE CINCIAS BIOMDICAS DE ABEL SALAZAR
Servio Social e Modelos de Interveno: da sociedade industrial sociedade do risco
Maria Helena Fernandes Moura
Dissertao de doutoramento
em Cincias do Servio Social
2006
SERVIO SOCIAL E
MODELOS DE INTERVENO da sociedade industrial sociedade do risco
Maria Helena Fernandes Moura
Dissertao de doutoramento em Cincias do Servio Social apresentada no Instituto
de Cincias Biomdicas Abel Salazar da Universidade do Porto, orientada pela
Professora Doutora Anabela Soriano Carvalho (Instituto Superior de Economia e Gesto
de Lisboa)
2006
SERVIO SOCIAL E
MODELOS DE INTERVENO da sociedade industrial sociedade do risco
Maria Helena Fernandes Moura
2006
| DEDICATRIA
Aos meus pais pelos valores ticos em que me
educaram e de uma forma especial memria
da minha me que morreu sem conseguir
compreender a razo porque uma tese de
doutoramento me impacientava tanto ao ponto
de me levar a ficar triste.
Aos meus filhos como meio de lhes demonstrar
que sempre possvel nos reencontrarmos com
os nossos sonhos.
| AGRADECIMENTOS
Universidade do Porto no s pela ousadia
demonstrada ao pr em funcionamento o 1
Curso de Doutoramento na rea do Servio
Social em Portugal, mas tambm pela
oportunidade que me deu em poder prestar
provas de doutoramento na cidade que me viu
nascer.
Ao Instituto Superior Miguel Torga por fazer
honrar a sua memria de 70 anos ao servio do
ensino do Servio Social em Portugal ao me ter
criado as condies para que me possa tornar
na primeira doutorada em Cincias do Servio
Social por uma Universidade pblica portuguesa
contribuindo uma vez mais para a histria do
Servio Social Portugus.
minha orientadora Prof Anabela Soriano
Carvalho por ter compreendido o desafio que
lhe fiz.
| RESUMO
Neste trabalho de dissertao so focalizadas as grandes questes que esto na
origem da ambiguidade instalada entre a trajectria social da Interveno Social e
a do exerccio profissional da interveno pelos assistentes sociais. Procura-se,
atravs de uma anlise das formas e descontextualizao e recontextualizao
das prticas de interveno do Servio Social, encontrar os pontos de
convergncia e de divergncia relativamente aos esteretipos de interveno
social configurados na sociedade industrial e reconfigurados na sociedade do
risco. No sentido de tornar mais consistente a teoria de que a recriao do
Servio Social resulta do realinhamento do exerccio da interveno profissional
face s transformaes dos modos de vida e dos quotidianos sociais, foram
desenvolvidas duas perspectivas: uma que explora os fenmenos de emprstimo
que interferem sobre o alinhamento do Servio Social como profisso social e o
seu desalinhamento como profisso poltica; outra que transforma a
destradicionalizao do Servio Social num epifenmeno que, para alm de
reflectir as alteraes que se foram processando nos seus traos culturais,
produz as condies para a profisso preparar o seu futuro. Centrado no
ecossistema do Servio Social, mas sem se afastar das realidades perifricas onde
se integra a alterao na representao dos problemas sociais e dos sistemas de
ajuda social, dada a devida nfase consolidao dos valores e princpios tico-
polticos que do novas legitimidades ao Servio Social perante o surgimento de
novos riscos sociais ligados ao desenvolvimento da Economia no mundo. Na
prtica, utiliza-se a dinmica de renovao e recriao do exerccio profissional
da interveno pelos assistentes sociais para justificar as formas de gerir as
questes da pertena social na sociedade no tradicional, tal como a expresso
pblica e privada dos seus paradoxos
| ABSTRACT
This dissertation work focuses on the major issues that give rise to the ambiguity
existing between the social trajectory of Social Intervention and the professional
practice of intervention by social workers. Through an analysis of the forms and
decontextualization and recontextualization of the intervention practices of Social
Work, an attempt is made to find converging and diverging points with regards to
the stereotypes within social intervention that were shaped in the industrial
society and reshaped in the risk society. In order to render more consistent the
theory that the recreation of Social Work results from the realignment of the
practice of professional intervention in the light of the transformations in the
ways of life and social everyday activities, two perspectives have been developed:
one that explores the borrowing phenomena that act upon the alignment of
Social Work as a social profession and its dealignment as a political profession;
and another one that transforms the detraditionalization of Social Work into an
epiphenomenon that, besides reflecting the changes that have taken place in
terms of its cultural features, also produces the conditions that allow the
profession to be prepared for the future. Being centred on the Social Work
ecosystem, but without withdrawing from the peripheral realities where change in
the representation of social problems and social assistance systems is integrated,
the proper emphasis is given to the consolidation of the values and ethical
political principles that impart new legitimacies to Social Service in view of the
emergence of new social risks associated to the development of Economics in the
world. In practice, the renovation and recreation dynamic of the professional
practice of intervention by social workers is used to justify the ways of managing
the issues of social belonging in the non-traditional society, such as the public
and private expression of its paradoxes.
| RESUME
Dans ce travail de thse sont traites les grandes questions qui sont lorigine de
lambigut existante entre la trajectoire sociale de lIntervention Sociale et celle
de lexercice professionnel dintervention effectu par les assistants sociaux. On
cherche, grce une analyse des formes et la dcontextualisation et
recontextualisation des pratiques dintervention du Service Social, trouver les
points de convergence et de divergence vis--vis des strotypes dintervention
sociale adopts au sein de la socit industrielle et reconfigurs dans le cadre de
la socit risque. Dans le but de rendre plus consistante la thorie selon
laquelle la recration du Service Social provient du ralignement de lexercice
dintervention professionnelle face aux transformations des modes de vie et des
quotidiens sociaux, deux points de vue ont t dvelopps: lun explore les
phnomnes demprunt qui ont une influence sur lalignement du Service Social
en tant que profession sociale et son dsalignement en tant que profession
politique; lautre transforme la dtraditionnalisation du Service Social en un
piphnomne qui, mis part le fait de reflter les changements qui se sont
oprs au niveau de ses traits culturels, permet la profession dtre en
condition de prparer son futur. Prenant essentiellement en compte lcosystme
du Service Social, sans toutefois sloigner des ralits priphriques o sintgre
le changement observ dans la reprsentation des problmes sociaux e des
systmes daide sociale, on a accord, juste titre, de limportance la
consolidation des valeurs et principes thico-politiques qui donnent au Service
Social une nouvelle lgitimit face lapparition de nouveaux risques sociaux lis
au dveloppement de lEconomie dans le monde. Dans la pratique, on utilise la
dynamique de rnovation et recration de lexercice professionnel dintervention
effectu par les assistants sociaux pour justifier la faon dont sont gres les
questions dappartenance sociale dans la socit non traditionnelle, ainsi que
lexpression publique et prive de leurs paradoxes.
| NDICE
INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
I PARTE | ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL, ORGANIZAO METODOLGICA, APRESENTAO DO TRABALHO EMPRICO
CAPTULO 1 | ENQUADRAMENTO TERICO CONCEPTUAL E METODOLGICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
1.1 | INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
1.2 | ESTRUTURA TERICO-CONCEPTUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.3 | ESTRATGIAS METODOLGICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
CAPTULO 2 | METODOLOGIA E TCNICAS DE ANLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA EMPRICA . . . . . . 57
2.1 | INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.2 | APRESENTAO DOS RESULTADOS DOS QUESTIONRIOS ENVIADOS POR INTERNET . . . . . . . . . . 59
2.3 | APRESENTAO DOS RESULTADOS DA RECOLHA DE INFORMAO OBTIDA ATRAVS DOS
REGISTOS DOS RELATRIOS DE ESTGIO DE FIM DE CURSO DE SERVIO SOCIAL DO INSTITUTO
SUPERIOR DE SERVIO SOCIAL/INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.4 | APRESENTAO DA REFLEXO SOBRE A ORIENTAO DOS ESTGIOS CURRICULARES DE
FIM DE CURSO DE SERVIO SOCIAL DO INSTITUTO SUPERIOR DE SERVIO SOCIAL/INSTITUTO
SUPERIOR MIGUEL TORGA: UM CASO PESSOAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
II PARTE | SOBRE A INTERVENO NO SERVIO SOCIAL
CAPTULO 1 | A INTERVENO SOCIAL NA TRANSFIGURAO DO POLTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
1.1 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
1.2 INTERVENO SOCIAL: NA GESTO DAS DESIGUALDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
1.3 INTERVENO: TRAJECTRIA DA TRANSFORMAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
1.4 INTERVENO: PROPSITOS E ESTRATGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
1.5 INTERVENO: ESTILOS DE ACO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
1.6 INTERVENO: EXPRESSO CULTURAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
1.7 INTERVENO E SERVIO SOCIAL: AS DUAS MARGENS DO DESENVOLVIMENTO . . . . . . . . . . . . . . 144
1.8 SNTESE CONCLUSIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
CAPTULO 2 | SERVIO SOCIAL: A RESSONNCIA DO PASSADO SOBRE O PRESENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
2.1 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
2.2 SERVIO SOCIAL: CONSTRUO PROFISSIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
2.3 SERVIO SOCIAL: FORMAS DE PENSAR A PROPRIEDADE PROFISSIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182
2.4 SERVIO SOCIAL: CONSTRUO IDENTITRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208
2.5 SERVIO SOCIAL: CONSTRUO E RECRIAO DA SUA IMAGEM CULTURAL . . . . . . . . . . . . . . . . 224
2.6 SERVIO SOCIAL: MODELOS DE INTERVENO PROFISSIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244
2.7 SERVIO SOCIAL: PRODUO DO CONHECIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262
2.8 SNTESE CONCLUSIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 288
CAPTULO 3 | CONTEMPORANEIDADE E SERVIO SOCIAL: DESAFIOS DA GLOBALIZAO . . . . . . . . . . . . . . 291
3.1 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
3.2 SERVIO SOCIAL: MODERNIZAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292
3.3 A REINVENO DO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 310
3.4 SERVIO SOCIAL E GLOBALIZAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333
3.5 A ATITUDE DOS ASSISTENTES SOCIAIS FACE MODERNIZAO E GLOBALIZAO . . . . . . . . . . . 361
3.5.1 ANLISE VERTICAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
3.5.1.1 REGIO EUROPEIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
3.5.1.2 AMRICA LATINA E CENTRAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 370
3.5.1.3 AMRICA DO NORTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 374
3.5.2 ANLISE HORIZONTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 376
3.5.2.1 REGIO EUROPEIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 376
3.5.2.2 REGIES DA AMRICA CENTRAL E LATINA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 378
3.5.2.3 AMRICA DO NORTE ESTADOS UNIDOS E CANAD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 380
3.6. SNTESE CONCLUSIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381
CAPTULO 4 | SERVIO SOCIAL E SOCIEDADE DO RISCO: CONVERSO DA INTERVENO PROFISSIONAL . . . 383
4.1 INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383
4.2. SERVIO SOCIAL E SOCIEDADE DE RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 385
4.3. SERVIO SOCIAL: SOCIEDADE DO RISCO E O SEU NOVO CICLO DE MODERNIZAO . . . . . . . . . . 414
4.4. SERVIO SOCIAL COMO MARCA DE REFERNCIA DA INTERVENO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . 445
CONCLUSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 517
BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 531
| NDICE DE QUADROS E FIGURAS
| QUADROS
QUADRO 1 | NMERO POR PASES DE INQURITOS ENVIADOS NA EUROPA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
QUADRO 2 | NMERO POR PASES DE INQURITOS ENVIADOS PARA OS PASES DA AMRICA DO NORTE . . . . . . 60
QUADRO 3 | NMERO POR PASES DE INQURITOS ENVIADOS PARA OS PASES DA AMRICA CENTRAL E LATINA . 60
QUADRO 4 | LISTA NUMRICA DOS RELATRIOS REGISTADOS E DOS RELATRIOS SELECCIONADOS . . . . . . . . . . 63
QUADRO 5 | TOTAL FINAL E POR ANOS DOS RELATRIOS SELECCIONADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
QUADRO 6 | NMERO DE SUPERVISES DE ESTGIO POR ANO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
QUADRO 7 | MODELOS DE INTERVENO: PARMETROS PARA A ACO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
QUADRO 8 | DIFERENAS ENTRE O EXERCCIO PROFISSIONAL DO SERVIO SOCIAL DE COMUNIDADES E A
INTERVENO TERRITORIALIZADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
QUADRO 9 | DIFERENAS ENTRE O EXERCCIO PROFISSIONAL DO SERVIO SOCIAL DE COMUNIDADES E A
INTERVENO NA COMUNIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
QUADRO 10 | DIFERENAS ENTRE FORMA INTUITIVA E SISTEMATIZADA DO EXERCCIO DA ASSISTNCIA PELO
SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
QUADRO 11 | PADRES DE DESEMPENHO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
QUADRO 12 | PADRES CLSSICOS DE EXERCCIO DA INTERVENO PROFISSIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248
QUADRO 13 | DIFERENAS ENTRE O EXERCCIO PROFISSIONAL DA REGULAO E DA EMANCIPAO . . . . . . . . . 389
QUADRO 14 | DIFERENAS ENTRE PERIGO E RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 398
QUADRO 15 | DIFERENAS ENTRE PROBLEMAS PREVISVEIS E NO PREVISVEIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399
QUADRO 16 | CARACTERIZAO DAS FASES DA INTERVENO EXTENSIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 400
QUADRO 17 | FASES DA CONSTRUO DA INTERVENO SOBRE O PERIGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427
QUADRO 18 | FASES DA CONSTRUO DA INTERVENO SOBRE O RISCO CALCULADO . . . . . . . . . . . . . . . . 428
QUADRO 19 | ELEMENTOS DE REFERNCIA DO MEDIATO NO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429
QUADRO 20 | ELEMENTOS DE REFERNCIA NO EXERCCIO DO IMEDIATO NO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . 429
QUADRO 21 | CARACTERSTICAS DA INTERVENO NA GESTO SOCIAL DO CASO NA SOCIEDADE DO RISCO . . . . 434
QUADRO 22 | PROCEDIMENTOS PROFISSIONAIS NA GESTO SOCIAL DO CASO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435
QUADRO 23 | ORGANIZAO E SUBSTANCIAO DAS FASES DE QUE SE COMPE A GESTO SOCIAL DO CASO . . 436
QUADRO 24 | EIXOS DE SUPORTE INOVAO DO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448
QUADRO 25 | FINALIDADE DA INOVAO NO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448
QUADRO 26 | OBJECTIVOS DA INOVAO NO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449
QUADRO 27 | ORGANIZAO DO EIXO RECRIATIVO NO PROCESSO DE INOVAO DO SERVIO SOCIAL . . . . . . . 449
QUADRO 28 | ORGANIZAO DO EIXO CONSTRUTIVO NO PROCESSO DE INOVAO DO SERVIO SOCIAL . . . . . 450
QUADRO 29 | AS INTERFERNCIAS INTERNAS E EXTERNAS NA RECRIAO DO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . 457
QUADRO 30 | DIFERENAS NO EXERCCIO PROFISSIONAL DA RELAO DE AJUDA NO SERVIO SOCIAL . . . . . . . 458
QUADRO 31 | DIFERENAS ENTRE O EXERCCIO PROFISSIONAL DA RELAO DE AJUDA PELOS ASSISTENTES SOCIAIS
OU POR OUTROS AGENTES SOCIAIS NO QUALIFICADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 459
QUADRO 32 | EXERCCIO DA INCLUSO COMO NOVA PROPOSTA DE INTERVENO PROFISSIONAL . . . . . . . . . . 462
QUADRO 33 | ANLISE COMPARATIVA ENTRE O CENRIO VIVIDO E O CENRIO PROPOSTO PARA A INTERVENO
PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 463
QUADRO 34 | DIFERENAS ENTRE OS DESGNIOS, LIMITES E FRONTEIRAS DO SERVIO SOCIAL NA SOCIEDADE
INDUSTRIAL E NA SOCIEDADE DO RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 489
QUADRO 35 | ACTUAO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 491
QUADRO 36 | INTERVENO DIRECTA E RADIAL: CARACTERIZAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 507
| FIGURAS
FIGURA 1 | INTERVENO SOCIAL: LIMITADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
FIGURA 2 | INTERVENO SOCIAL: ALARGADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
FIGURA 3 | ORGANIZAO DA INTERVENO SOCIAL ALARGADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
FIGURA 4 | RELAO DE CONVERGNCIA ENTRE INTERVENO, PROTECO SOCIAL, EMPOWERMENT E SERVIO
SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247
FIGURA 5 | INTERVENO / MUNDO IMAGINADO / MORFOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338
FIGURA 6 | INTERVENO / MUNDO IMAGINADO / FISIONOMIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338
FIGURA 7 | MODELO DE INTERVENO CONCERTADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340
FIGURA 8 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341
FIGURA 9 | MODELO DE INTERVENO PROFISSIONAL DISJUNTIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343
FIGURA 10 | ENQUADRAMENTO DO EXERCCIO PROFISSIONAL DA INTEGRAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 390
FIGURA 11 | TRANSMUTAES NA RELAO ENTRE ASSISTENTE SOCIAL E O UTILIZADOR DOS SERVIOS NUM
CONTEXTO DE UMA PRTICA DE INTERVENO REFLEXIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 411
FIGURA 12 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 411
FIGURA 13 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 412
FIGURA 14 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413
FIGURA 15 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413
FIGURA 16 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 416
FIGURA 17 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 416
FIGURA 18 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 416
FIGURA 19 | . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 420
FIGURA 20 | CONJUNTO DE ELEMENTOS ESSENCIAIS NA CARACTERIZAO DO CORPO SOCIAL DO PROBLEMA . . . 421
FIGURA 21 | ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CONHECIMENTO PARA A ACO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 425
FIGURA 22 | ELEMENTOS PREPONDERANTES NA ORGANIZAO DA GESTO SOCIAL DO CASO . . . . . . . . . . . . . 430
FIGURA 23 | PATAMARES DE INTERVENO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 496
FIGURA 24 | EIXOS DE SUSTENTAO DA INTERVENO DIRECTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 496
FIGURA 25 | REQUISITOS DO EXERCCIO PROFISSIONAL DA PROXIMIDADE E DA PERSONALIZAO DA ACO . . . . 498
FIGURA 26 | VIAS DE CONDUO DO PROCESSO DE ACOLHIMENTO NO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . 500
FIGURA 27 | IDIOSSINCRASIA DA PRESENA NO TERRENO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 502
FIGURA 28 | A INTERVENO DIRECTA E A GESTO DO RISCO CALCULADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 503
FIGURA 29 | A PERSONALIZAO DA ACO: ESPAO DE ACO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504
FIGURA 30 | PERSONALIZAO DA ACO: ESQUEMA DE REFERNCIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 505
FIGURA 31 | ELEMENTOS BSICOS DA INTERVENO DIRECTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 506
FIGURA 32 | PROCESSO DE INSCRIO DO SERVIO SOCIAL NA DEMOCRATIZAO DA DEMOCRACIA . . . . . . . 509
FIGURA 33 | REFORMULAO DO CONTEDO IDIOSSINCRTICO DO SERVIO SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . 510
| INTRODUO
O trabalho de dissertao aqui apresentado sob o ttulo Servio Social e
Modelos de Interveno da sociedade industrial sociedade do risco, tem
como objectivo dar a conhecer o produto da investigao realizada sobre o
processo de recriao da profisso, desde a sua legitimao na viragem para o
sculo XX1, at sua relegitimao no sculo XXI. Traduz o investimento
produzido num diagnstico das transformaes que se processaram no exerccio
da interveno pelos assistentes sociais. Justifica-se pelo facto de se considerar
que o esbater do desfasamento entre modelos tradicionais e ps-tradicionais de
interveno sobre as realidades socialmente degradadas pode ser uma via para
responder ao hiato instalado entre presente e futuro. Da que o seu objecto de
estudo esteja centrado nas configuraes do exerccio da interveno
desenvolvido pelos assistentes sociais ao nvel da gesto localizada dos
considerados tradicionais e novos riscos sociais, que se constituram em micro-
unidades sociais. Enquadra-se na rea das Cincias Sociais, muito particularmente
no campo disciplinar do Servio Social, e tem como finalidade identificar a
existncia ou inexistncia de uma relao concertada entre recriao e
modernizao no Servio Social. Tomou a forma de um estudo panormico que se
fundamentou numa descontextualizao e recontextualizao do exerccio
profissional dos assistentes sociais, desde a sociedade industrial sociedade do
risco. Quanto s estratgias utilizadas na sua prossecuo, foram utilizados
eixos de investigao de carcter terico conceptual e de carcter emprico.
Relativamente ao eixo terico conceptual, este suportou-se em fontes
bibliogrficas de referncia que permitiram no tornar episdicos a linguagem e
o conhecimento adquirido e utilizado. Da que os conceitos e teorias que definem
1 Mais especificamente em 1897 nos EUA e em 1899 na Europa.
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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o traado da investigao e que esto associados interveno - sociedade
industrial, sociedade do risco e Servio Social - se tenham constitudo, de forma
explcita ou mitigada, nos conhecimentos residenciais que esto sempre
presentes e fazem parte da geografia central da investigao. Quanto ao eixo
emprico, este desenvolveu-se com base num estudo do patrimnio documental
que expressa a sua memria colectiva e que disponibiliza a informao
necessria para se levar a cabo o processo de composio e de recomposio
profissional. Realizou-se ainda um questionrio via Internet aos agentes nacionais
e internacionais com responsabilidade na formao dos assistentes sociais, quer
a visvel, quer a invisvel exercida pelos opinion makers sobre a propriedade
intelectual do Servio Social. uma investigao de caractersticas qualitativas
suportada em fontes primrias e secundrias. Nas fontes primrias integram-se
as fontes bibliogrficas, relatrios de final do curso de Servio Social
apresentados no Instituto Superior de Servio Social de Coimbra/Instituto
Superior Miguel Torga e o questionrio lanado a entidades com
responsabilidades acrescidas na rea do Servio Social. Nas fontes secundrias
deliberadas ou inadvertidas, esto integrados discursos, planos de formao
acadmica e actas de encontros internacionais de assistentes sociais. Mas na
medida em que, tanto ao nvel da produo do conhecimento como ao nvel do
debate contemporneo, a realidade profissional do Servio Social tem sido
essencialmente pensada em termos de passado e presente, perspectiv-la em
termos de um presente com olhos no futuro tornou-se na grande particularidade
deste trabalho, o que lhe d um carcter inovador. Na realidade no se pretende
reescrever a histria de vida do Servio Social enquanto profisso, mas sim rev-
la e estud-la de uma forma contextualizada para, depois de compreendida, a
transformar no centro difusor do futuro. Assim se justifica o facto de a
desconstruo e a reconstruo do exerccio profissional dos assistentes sociais
terem como balizas a sociedade industrial e a sociedade do risco: a sociedade
industrial por corresponder ao espao onde se processou a inscrio da
profisso na construo criativa de um modelo de sociedade, neste caso a
sociedade industrial; a sociedade do risco porque, para alm de se ter
constitudo no espao do confronto entre as construes simblicas do Servio
Social e a reconstruo dos seus significantes mticos, se tornou tambm no
espao onde se tem vindo a processar a hermenutica da sua recuperao que,
para Lash (2000:142), definida como um olhar para debaixo do significante
de modo a aceder aos significados partilhados que so as condies de
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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existncia.... A grande dificuldade encontrada est relacionada com uma
produo terica no campo disciplinar do Servio Social que se caracteriza por
ser pouco significativa face s restantes reas das cincias sociais. Mas, se
entendermos que o conhecimento no Servio Social no autnomo e que a sua
propriedade intelectual constituda por um somatrio alargado de um
conhecimento que traduz a sua expanso por diferentes reas das cincias
sociais, pode-se paradoxalmente dizer que se tornou suficientemente extenso. E,
por ser extenso, implicou uma seleco. Como critrios de seleco foram
utilizados o conhecimento de suporte, que neste caso est ligado sociedade
industrial, a modernizao, a destradicionalizao, a sociedade do risco, a cultura
e a identidade. Por esse motivo apoiou-se, no exclusivamente no conhecimento
existente no s na rea do Servio Social, mas tambm nas da Sociologia e da
Antropologia.
Na rea do Servio Social os suportes bibliogrficos utilizados
estenderam-se pelos campos das historiografias clssica, neo-clssica e moderna
da profisso2, e no numa historiografia reflexiva, uma vez que no foram
encontradas referncias bibliogrficas em que a realidade histrica da profisso
fosse sujeita a uma auto-confrontao. Na rea da Sociologia foram usadas as
fontes de conhecimento produzidas sobre reflexo, reflexividade, modernizao,
destradicionalizao, sociedade industrial e sociedade de risco, assim como
Globalizao. Na Antropologia a recolha de informao de suporte centrou-se
mais especificamente nas questes relativas cultura e identidade. Pode-se
assim dizer que houve uma articulao entre os conhecimentos de diversas reas.
Esta articulao faz igualmente parte da estratgia encontrada para fundamentar
a opo por uma viso da produo do conhecimento que se suporta na teoria de
Giddens( 2000), a qual defende a inexistncia de fronteiras na propriedade
intelectual. Tendo no entanto em considerao o modelo de pesquisa utilizado, o
objecto em que incide a investigao e o propsito em demonstrar que, em
termos de Servio Social:
a sua construo um produto cultural da legitimao da sociedade
industrial,
2 Na clssica porque se mantm viva enquanto forma de pensar a profisso. Na neo - clssica por traduzir uma forma mais elaborada e recontextualizada de pensar a trajectria de vida do Servio Social. Na moderna por fazer uma simbiose histrica entre a sua realidade institucional e a sua realidade poltica.
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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a sua modernizao corresponde necessidade de acompanhar a
dinmica de transformao da sociedade industrial,
a sua inovao traduz a resposta profissional aos desafios da sociedade
do risco,
justifica-se assim a nfase atribuda s teorias de Beck sobre sociedade do
risco, s de Giddens sobre modernizao e s de Castel sobre excluso e
desigualdades, at porque so fundamentais para o exerccio terico de
reconstruo do Servio Social.
Castel integra uma perspectiva sociolgica de anlise da evoluo dos
fenmenos da excluso e da desigualdade que se caracteriza pelo facto de os
enquadrar num contexto histrico alargado e por os diferenciar de acordo com a
dinmica das descontinuidades, das bifurcaes e das inovaes, dinmicas
essas que se foram gerando no contexto da Histria que permite construir a
histria do presente e que facilitam ao Servio Social construir a sua histria
atravs da Histria. Giddens desenvolve um meio de pensar as realidades
concretas, assim como o seu impacto na construo do futuro, ou seja, permite
compreender a forma como a sociedade respondeu ao seu processo de
transformao social e como geriu as suas sinergias, tendo em linha de conta que
a relao entre modernizao e inovao pode ser considerada como um
elemento de cosmopolitizao da vida quotidiana que, iniciada na sociedade
industrial, se estende pela sociedade do risco. No confronto que estabelece com
a modernidade e a ps-modernidade, abre o devido espao para se poder
compreender a poltica emancipatria, bem como as questes do empenhamento
poltico no sistema de controlo do social exercido por via das polticas de
regulao social onde se situa o Servio Social. Beck expressa o salto qualitativo
na forma de pensar as novas expresses do bem-estar e a relao da sociedade
com a prpria sociedade na construo das polticas de vida para o presente e
para o futuro. Da que, na volta histrica do Servio Social ao presente, a sua
recriao tanto se possa consubstanciar numa modernizao como numa
destradicionalizao. E, como pensar o presente e o futuro do Servio Social
adquiriu uma importncia significativa para a hermenutica da sua recuperao,
estas trs lgicas de reflectir sobre o presente social representadas por estes trs
autores constituram nos grandes alicerces da estrutura terica do trabalho
realizado e aqui apresentado. Apesar do papel singular que exerceram no quadro
das referncias tericas activas, foram, porm, coadjuvadas por fontes tericas
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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passivas3, que se constituram como tal por se circunscreverem mais aos efeitos
dos fenmenos sociais que interferem sobre as polticas de vida do que
propriamente aos que aos que interferem sobre as mudanas nas polticas de
vida. O mesmo dizer que a opo terica est consignada ao espao da relao
do Servio Social com a desnormalizao dos modos de vida. Este foi o meio
encontrado para identificar, tanto a ressonncia do passado institucional sobre o
futuro profissional do Servio Social, como a capacidade da profisso de
metabolizar a sua cultura institucional constituindo-a como uma identidade
poltica capaz de avaliar a dimenso dos significados atribudos ao exerccio
profissional dos assistentes sociais. Assim, e porque o exerccio da interveno
pelos assistentes sociais se constituiu no elemento de referncia profissional que
assegurou e assegura o aprofundamento da razo no espao da sociedade civil,
transformou-se num dos elementos identitrios da profisso. Contudo, como o
princpio da identidade deu por vezes lugar ao princpio do contraditrio o que
para Wunenburger (2003) implica que a causalidade linear se tivesse de encaixar
no interior das causalidades complexas e multidimensionais a razo identitria
do Servio Social absorveu um conjunto de axiomas e de postulados. No entanto,
estes axiomas e postulados foram ciclicamente repensados de forma a gerar
confiana nas normas da liberdade e da justia que se legitimaram como cones,
no s da sociedade industrial, como da conscincia cosmopolita do Servio
Social ao longo do seu processo de recriao4 na sociedade do risco. Como um
todo, a finalidade deste mesmo trabalho de dissertao visa dar a conhecer o
conhecimento produzido sobre:
a construo social do exerccio profissional da interveno pelos
assistentes sociais;
a organizao e desenvolvimento dos modelos de interveno do Servio
Social;
a relao social e poltica da reconstruo dos modelos de interveno
com a transformao do significado social da profisso;
3 Onde se engloba os autores que se tm empenhado em reflectir sobre o contexto da mudana nas polticas de vida e no mudana nas polticas de vida, como acontece com Faleiros com a sua obra Desafios do Servio Social na era Globalizao (2001). 4 Assim, e com base nas referncias obtidas atravs da forma como a interveno foi usada pelo Servio Social face industrializao e Globalizao tal como utilizando o cruzamento da meta histria com o conhecimento na rea do Servio Social, foram definidos os meios para, ao nvel da investigao realizada, neutralizar as pseudo evidncias e os dogmas estereotipados do Servio Social
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a reinveno do exerccio profissional da interveno na sociedade do
risco.
J propriamente em termos de tese, o que pretendido demonstrar que
a recriao do Servio Social resulta do realinhamento do exerccio da interveno
profissional face s transformaes dos modos de vida e dos quotidianos sociais.
Da que o seu epicentro se localize na relao entre Interveno e Servio
Social, uma vez que a compreenso desta relao to importante para o estudo
da recriao do Servio Social quanto o teorema de Pitgoras o foi para as
Cincias Exactas. Por este motivo, uma desconstruo e uma reconstruo dos
modelos de interveno, que estiveram subjacentes criao dos esteretipos de
interveno profissional criados na sociedade industrial e reconfigurados na
sociedade do risco, constituram a linha mestra da investigao realizada. Na
prtica, a inteno dar a conhecer como se processou a construo,
organizao, legitimao e reconstruo dos modelos de interveno do Servio
Social, assim como verificar como os factores exgenos5 interferiram na sua
conduta profissional relativamente gesto dos problemas sociais. A razo por
que se optou por tomar a interveno como ponto fulcral da reflexo acerca da
recriao da profisso uma opo que se justifica pelo facto justifica-se de as
alteraes na forma de agir profissional traduzirem as respostas encontradas
para:
colmatar as deficincias sentidas ao nvel na organizao tico/poltica
da gesto do social;
reorganizar as competncias profissionais considerando a reformulao
a que esto expostos os pontos de partida e os pontos de chegada do
exerccio da interveno pelos assistentes sociais;
desenvolver um dilogo contnuo com as cincias sociais e humanas.
Atravs desta estratgia de investigao pode-se ainda determinar como as
relaes entre interveno e Servio Social tm:
5 Factores estes relacionados com as dinmicas sociais, polticas, econmicas e cientficas que justificam formas de gerir as questes da pertena social numa sociedade tradicional e no tradicional, tal como a expresso pblica e privada dos seus paradoxos que foi criando por fora da sua legitimao.
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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servido para combater o ambiente assptico em que as correntes
tradicionais pretenderam envolver a profisso;
interferido sobre a definio das competncias reconhecidas ao Servio
Social;
contribudo para a reinveno do sistema simblico da profisso;
exercido os seus efeitos sobre a cultura profissional dos assistentes
sociais;
suscitado a necessidade de difuso de uma nova concepo profissional
de Servio Social.
A opo por esta estratgia tem como objectivo perifrico constatar se, na
transio da sociedade industrial para a sociedade do risco, se produziu uma
insegurana no Servio Social porque, tal como refere Beck (2000:5), () as
certezas da sociedade industrial (...) dominam o pensamento e a aco das
pessoas e das instituies na sociedade industrial., por isso (...) as instituies
da sociedade industrial tornam-se produtoras e legitimadoras das ameaas que
no conseguem controlar. J na sociedade do risco, apesar dos riscos residuais e
os calculados poderem ser passveis de aceitao e, por isso, mais facilmente
enquadrados por via de respostas institucionais, os riscos no previsveis fogem
facilmente s instituies de monitorizao do risco. Assim se explica que
durante a sociedade industrial o exerccio profissional da interveno pelos
assistentes sociais correspondesse a um processo de fuso entre assistncia,
promoo e educao social. Na prtica era uma atitude de resposta a um
processo de socializao6 das desigualdades em curso. Da que, no contexto da
sociedade industrial, o exerccio da integrao tenha sido assumido como eixo
propulsor da interveno profissional dos assistentes sociais. Serviu de meio para
tornar o indivduo membro da sua sociedade sem que, no entanto, fosse dada a
devida ateno forma como este produzia a sua identificao com a mesma.
Formou-se assim um dos paradoxos em que se envolveu a aco profissional
tutelada pelo Servio Social (Auts:2004), ou seja, aquele que se constituiu com
base no facto de os profissionais do Servio Social promoverem a integrao sem
que avaliassem a capacidade cultural do indivduo para se afectar ao modelo de
organizao social onde se inseria. O mesmo ser dizer que os assistentes 6 A noo de socializao aqui utilizada a definida por Cuche (2003: 83) como sendo: o processo de integrao de um indivduo numa dada sociedade ou num grupo particular atravs da interiorizao dos modos de pensar, de sentir e de agir, ou, por outras palavras, dos modelos culturais prprios da sociedade ou do grupo em causa.
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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sociais, ao mesmo tempo que profissionalmente promoviam uma cultura
integradora, no cumpriam os imperativos criados pelo exerccio social da
evitao7. Na prtica tornavam tendencialmente imprevisvel a sua aco, pois,
ao quererem actuar sobre os problemas da integrao, produziam as condies
para que se reproduzisse o risco da excluso. O mesmo dizer que, perante a
evoluo do ciclo da incerteza que precipitou a transformao dos sistemas de
interveno social, o Servio Social ficou comprometido com o pensamento
tradicional. Em face deste comprometimento emergiu a necessidade de o
exerccio da interveno por parte dos assistentes sociais ser recontextualizado.
E esta recontextualizao, para que se tornasse devidamente consistente, deveria
ter em linha de conta a separao que entretanto se processou entre os
problemas de ordem e de risco8. J relativamente s estratgias que o Servio
Social utilizou para tornar o exerccio da integrao social numa das suas
competncias profissionais, dado:
no afectarem os sistemas de deciso,
no criarem rupturas ao nvel das redes de solidariedade,
no enfraquecerem o individualismo,
nem to pouco fazerem perder a capacidade da profisso de enformar a vida social
acabaram por se confundir com as estratgias polticas utilizadas para
reforar as tendncias estruturantes do sistema de proteco social9. Esta a
razo por que profissionalmente o Servio Social no fugiu ao reentendimento
das linhas de conflitos e de realinhamento poltico dos limites de fronteira entre
sociedade industrial e sociedade de risco. Viu-se ento confrontado com um
aparente colapso no seu auto conceito de interveno10. No seu quotidiano, este
mesmo colapso no seu auto - conceito de interveno11 gerou uma controvrsia
7 Por evitao, considera-se o processo que conduz a uma forma de agir que impea que acontea alguma coisa ou produza efeitos. 8 A separao entre questes de risco e de ordem significa para Beck (o.p.10) que se est a iniciar a ruptura, ou seja, um conflito dentro da modernidade no que respeita aos fundamentos da racionalidade e do auto-conceito da sociedade industrial. 9 Apesar de estarem intrincadas com as estratgias do sistema de proteco social, as estratgias adoptadas pelo Servio Social distinguiam-se das do sistema de proteco social por conseguirem articular um exerccio tradicional9 da integrao com um exerccio moderno da mesma, que foi dominado por um processo de assistncia individual que sofreu as influncias de uma ritualizao dos hbitos individualistas (Fernandes:1999:72). 10 Colapso este que se consubstanciou na desvalorizao de algumas das suas competncias no campo da integrao social e na desdogmatizao da especificidade do Servio Social. 11 Colapso este que, em termos do exerccio profissional do Servio Social, coincide com uma reorganizao dos seus paradigmas de interveno que, na passagem da sociedade industrial para a sociedade do risco, foram influenciados, quer por uma perspectiva dialctica onde segundo Fernandes (1999:219) se inserem o radicalismo-conservadorismo, a liberdade-totalitarismo, o inovacionismo-tradicionalismo, o positivismo-
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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no universo profissional do Servio Social relativamente separao entre o que
se considerava atributos e competncias dos assistentes sociais. Produziu
tambm os seus efeitos sobre a forma como o Servio Social reconfigurou o seu
espao de interveno profissional face:
ao papel exercido pelo Estado na gesto dos problemas sociais;
ao conflito de ideias e de interesses que se instalou na reorganizao
dos modelos sociais;
relao estabelecida entre pblico e privado na gesto do social.
Mas a necessidade que sentiu em se situar no seu tempo, criou-lhe uma
conscincia de temporalidade a qual se reflectiu na forma como subordinou o
exerccio profissional da interveno s necessidades locais e globais de
interveno. Superou assim as influncias que, sobre as suas prticas
profissionais, tinham sido exercidas pelos organicistas. Por isso mesmo o
figurino identitrio do exerccio profissional da interveno deixou de estar
confinado sua natureza assistencial, o que justifica o facto de a razo
identitria do Servio Social se ter reconstitudo no tempo, tendo como
indicadores as linhas de tenso social que definem os limites do bem-estar. O
mesmo ser dizer que, se a sua razo identitria se foi consignando de acordo
com a forma como a profisso geriu a articulao entre o consumo das polticas
sociais e o desenvolvimento/reestruturao das necessidades sociais, o que
passou a diferenciar o exerccio da interveno entre as diferentes profisses
sociais foi o facto de cada profisso ter criado um artefacto prprio na conduo
do exerccio da interveno social. E, para o Servio Social, o seu artefacto
prende-se com a capacidade que foi demonstrando ao longo da sua trajectria
em se reinventar de acordo com:
o poder que no tempo lhe tem sido conferido;
o reconhecimento por si realizado dos poderes constitudos;
a dimenso da crtica instalada s tradies e s instituies;
a consolidao da interdisciplinaridade na gesto das descontinuidades
existentes no sistema de coeso social;
racionalismo, o catatrofismo-reformismo, quer dentro de um pensamento que prope novos valores e uma nova moral tica para uma sociedade aberta e em progresso.
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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a dinmica do exerccio da desconstruo cultural do processo de
interveno.
Para uma melhor compreenso da tese apresentada e dos resultados
produzidos de modo a demonstrar que a construo social da profisso um
produto cultural da modernidade, as transformaes verificadas na sua
identidade reflectem a forma como utilizou a sua destradicionalizao para
exercer a sua modernizao e conduzir a sua recontextualizao na sociedade do
risco. A dimenso argumentativa da tese aparece sob a forma de produo de
conhecimento, que por sua vez est dividida em quatro captulos.
No primeiro captulo, O exerccio da interveno social na
transfigurao do poltico, abordada a questo da construo social do
exerccio profissional da interveno e a sua absoro pelo Servio Social.
Pretende-se com esta abordagem compreender como a relao concertada que se
estabeleceu entre Interveno e Servio Social foi determinante, no s para a
legitimao do Servio Social na sociedade industrial como dispositivo pblico de
regulao das desigualdades sociais, mas tambm para a recriao na sociedade
do risco, tanto do seu sistema identitrio, como do simblico.
O segundo captulo, Servio Social: a ressonncia do passado sobre o
presente, visa dar a conhecer como as transformaes operadas no exerccio
profissional da interveno pelos assistentes sociais no resultaram de nenhum
processo de ruptura com o seu passado, mas sim de um alinhamento com o
processo contnuo de decomposio e recomposio ideolgica e cultural das
prticas de interveno social.
No terceiro captulo, Contemporaneidade e Servio Social: desafios da
Globalizao, so desenvolvidos dois aspectos fundamentais para a avaliao
das transformaes que se foram operando no Servio Social. Um que est
relacionado, por um lado com o exerccio da mudana no Servio Social, por
outro com os sistemas utilizados para exercer a mudana; outro que diz respeito
forma como os profissionais se posicionam face aos desafios da Globalizao,
ou seja, de como se recontextualiza a profisso num espao de desordem
cultural em que as tenses sociais aumentam, as diferenas assumem maior
visibilidade, os problemas de no-integrao se avolumam e se torna importante
repensar as relaes de coabitao e de interdependncia.
O quarto captulo, intitulado Servio Social e Sociedade do Risco:
converso da interveno profissional, trata da reorganizao do espao do
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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Servio Social num contexto societrio significativamente marcado pela
reinveno das profissionalidades, isto , de como o Servio Social conduz a
transfigurao do seu ecossistema ideolgico e cultural face desconstruo
sociolgica do conceito de problema social e da sua diviso entre problemas de
perigo e risco, e de como est empenhado em deixar de ser identificado como
uma profisso depositria do tempo passado. Por outras palavras, projecta as
possveis respostas institucionais que a profisso pode criar, dada a sua
necessidade de inovao, e quais as mudanas que pode exercer nas sua esfera
de aco. Estes so os propsitos centrais que servem de referncia reflexo a
que nos conduz a um estudo amplo sobre a converso das prticas de
interveno social como meio de revitalizao profissional do Servio Social.
Em suma, a estrutura do trabalho apresentado obedece s regras definidas
para o efeito. Na prtica, o corpo do trabalho, para alm da incluir a respectiva
introduo, est dividido em dois grandes blocos, aos quais se segue a concluso
final. No primeiro bloco existe um primeiro captulo onde so tratadas as
questes relacionadas com o enquadramento terico e conceptual do seu objecto
e a arquitectura metodolgica, quer do trabalho terico, quer do trabalho
emprico, e um segundo captulo totalmente dedicado ao trabalho emprico
realizado. No segundo bloco so apresentados os quatro captulos referenciados
que, para alm de se constiturem numa resposta estruturada aos desafios
patentes no ttulo original deste trabalho de dissertao, pretendem tambm
abrir espao a trabalhos posteriores sobre esta matria.
I PARTE
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL, ORGANIZAO
METODOLGICA, APRESENTAO DO TRABALHO EMPRICO
CAPTULO 1 | ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL E
METODOLGICO
1.1 | Introduo
Neste captulo, destinado fundamentao terica que serve de suporte ao
tratamento do objecto definido para o presente trabalho de dissertao, so
abordadas, no plural, a problemtica terica onde se circunscreve o tema do
trabalho Servio Social e Modelos de Interveno: da sociedade industrial
sociedade do risco e, no singular, a conceitualizao das palavras-chave
utilizadas, isto : Modelos de Interveno; Sociedade Industrial; Sociedade do
Risco; Servio Social.
Pretende-se desta forma apresentar o quadro terico e conceptual que
acompanhar toda a textura do trabalho e que confere o rigor necessrio ao
esforo oscilatrio que por vezes interfere na relao entre
consistncia/inconsistncia terica e objectividade/subjectividade no plano
metodolgico. Foi concebido mediante uma atitude de vigilncia crtica que
pretende afastar os perigos da compreenso espontnea, mas no rejeita o
conhecimento construdo. Serve-se dos seus significados imediatos para, com a
ajuda documental, esclarecer os elementos susceptveis de no serem
devidamente compreendidos ou interpretados de forma mecanizada. Embora
referenciado por trs autores seleccionados, Castel, Giddens e Beck, tem
igualmente em ateno as questes epistemolgicas do Servio Social, bem como
o cenrio alargado de produo terica que permite construir a sua histria
atravs da Histria. Utiliza o conhecimento adquirido para exercitar o
contraditrio. Recorre a premissas tericas complementares, cooptadas na
Servio Social e Modelos de Interveno | Maria Helena Fernandes Moura
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propriedade intelectual de diferentes reas de conhecimento, como meio de no
tornar a investigao intelectualmente hermtica.
No quadro terico est igualmente integrado o quadro conceptual. Em
termos conceptuais so valorizadas as unidades conceptuais nucleares
consideradas fundamentais, no s pelo seu significado como ideias
constituintes, mas tambm por funcionarem como proposies portadoras de
significados isolados.
Relativamente ao quadro metodolgico so apresentadas as estratgias
metodolgicas utilizadas na organizao da fundamentao do desenvolvimento
terico da tese, bem como as estratgias metodolgicas de suporte ao trabalho
emprico.
1.2 | Estrutura terico-conceptual
No obstante a forma de pensar o Servio Social estar dividida entre duas
correntes uma de caractersticas humanistas e doutrinrias e outra de
caractersticas marxistas e racionalistas o seu exerccio profissional tem
assumido mltiplos significados ao longo da sua trajectria de vida social. Este
facto, por ter sido empiricamente integrado na unidade cultural que associa a
transformao do Servio Social sua histria, no tem sido devidamente
valorizado como exerccio da sua modernizao. Advm este facto do debate
sobre a epistemologia do Servio Social ter estado dissociado de uma postura
crtica relativamente ao conhecimento produzido sobre esta matria, no s
porque ambas as correntes se fundamentam numa lgica de interpretao dos
factos histricos e sociais alinhada por propsitos ideolgicos, mas tambm
porque se constituram numa alternativa uma da outra. Por isso mesmo, sem que
seja desvalorizada a produo terica existente, mas fazendo uso da mesma para
desenvolver outras formas de interpretar a realidade profissional construda ou
em construo, a reflexividade - que para Giddens (2002:27) consiste no facto
de as prticas sociais serem constantemente examinadas e reformadas luz da
informao adquirida sobre essas mesmas prticas, alterando assim
constitutivamente o seu carcter - aqui assumida como paradigma utilizado
para desconstruir as certezas que geraram interpretaes descontinustas sobre
as mudanas no Servio Social. Assim se explica que o uso da histria do Servio
Social seja utilizado para romper com o seu passado e preparar o seu futuro. No
se trata, como diz Foulcaut (1969), ...de transferir para o domnio da histria, e
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singularmente para o domnio da histria dos conhecimentos, um mtodo
estruturalista..... Trata-se, sim, de utilizar a investigao histrica como
instrumento para produzir uma localizao singular da exterioridade do Servio
Social a qual, no confronto com a experincia profissional, abre uma busca do
originrio do seu futuro. E, na preparao do seu futuro, o conceito de
modernizao reflexiva - que para Lash (2002:105) se constituiu como a teoria
crtica do sculo XXI, para Giddens (2002:5) significa um processo de auto
confrontao e para Beck a descontextualizao e a recontextualizao das
formas sociais industriais - tomou um significado especial. Na prtica, a reflexo
sobre presente e passado tendo em vista o futuro faz com que se desenvolva a
importncia que deve ser reconhecida desconstruo dos consensos
estabelecidos na relao entre tradio e inovao no Servio Social. Por esse
motivo, e para que esta questo no seja passvel de ser simplesmente
confundida com disputas de ordem terica, a descontextualizao e
recontextualizao das transformaes que se processaram nas prticas
profissionais serve de meio para examinar o comportamento profissional
relativamente ao processo legitimador das certezas da sociedade industrial e das
incertezas da sociedade do risco. Assim - como forma de desenvolver a converso
e a reconverso das prticas profissionais dos assistentes sociais e com base no
pressuposto de que a histria desempenha um papel constante na busca da
identidade e simultaneamente abre caminho a novas buscas, atravs da teoria da
reflexividade que, para Lash (2000:136), s se converte numa teoria crtica
quando afasta a sua reflexo da experincia quotidiana e a dirige para o
sistema - pretende-se compreender como o Servio Social se resignificou face ao
jogo das dominncias que no tempo se constituiu sob a forma de interceptar os
desfasamentos sociais. E esta viso, que em larga medida responde proposio
de usar as correlaes estudadas entre os traos assinalveis da profisso e a
reestruturao, tanto das suas prticas, como das regras de uso dos modelos de
interveno pelo Servio Social, faz da histria o discurso do contnuo tal como a
concebe Foulcaut (2005). Por conseguinte a transformao profissional deve ser
considerada como sua continuidade histrica.
Ou seja, o que se pretende no fazer histria. Pretende-se, sim, que esta
seja usada, por um lado para encontrar as diferenas do Servio Social
relativamente s variadas profisses sociais, por outro para se analisar a
capacidade dos profissionais de conciliarem os factores endgenos e exgenos
que do legitimidade ao seu futuro e que revitalizam a conscincia profissional.
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Mas ao trazer para o debate as questes existenciais que se colocam profisso,
logo se esboa a importncia em enfatizar a sua reorganizao no tempo e no
espao. uma perspectiva singular e dinmica de utilizar o passado para
construir o futuro. Integra-se num cenrio de reflexividade institucional que se
amplia ao estabelecer uma conexo entre os traos institucionais da profisso e a
transformao do contedo e da natureza do quotidiano da vida profissional.
Pode ser entendida como um meio de conhecer o que Giddens (2001) denomina
de transformao da intimidade, considerando que a intimidade tem a sua
prpria reflexividade e as suas formas prprias de ordem internamente
referencial. Os efeitos expropriadores da reflexividade levam, contudo, a que os
processos de transformao que povoam o habitat institucional do Servio Social
deixem de ser teoricamente alinhados com as premissas desenvolvidas por Castel
no quadro da Teoria da Desvantagem. Da que se tenha optado por no utilizar
uma lgica de insero das prticas profissionais numa forma de estar
institucional que se aproximava ideologicamente de uma cultura de governao
das desigualdades e se traduzia na integrao dos assistentes sociais no mbito
das novas tutelas sociais, onde se inclua a aco social e a proteco social. Em
contrapartida, toma-se como substrato o exerccio de um raciocnio em que a
aco profissional enquadrada no campo da execuo das polticas de defesa
da proviso social e de vitalizao da concertao entre o pblico e o privado no
que diz respeito responsabilizao social da interveno. Sublinhando esta
perspectiva de conduzir uma forma de pensar as transformaes do Servio
Social dentro de uma metamorfose das combinaes existentes entre o moderno
e o tradicional, a recriao do exerccio da interveno pelos assistentes sociais
passou assim a ser equacionada como elemento difusor da reinveno
profissional que, paradoxalmente, se foi desenvolvendo dentro de um quadro
que Castel (2003:144) definiria como independncia dentro da dependncia. O
mesmo ser dizer que o Servio Social, ao longo do seu quotidiano de vida
profissional, foi ajustando as suas caractersticas funcionais s diferentes formas
de gesto das polticas sociais. E, ao mesmo tempo que se integrou nos
diferentes fluxos de desenvolvimento das estratgias de regulao social, aferiu
as suas configuraes de acordo, quer com a diversidade dos modelos de
desenvolvimento econmico e social, quer com os parmetros da interaco entre
crescimento e desenvolvimento, quer ainda com a consistncia ou inconsistncia
das vulnerabilidades sociais. Assim se explica que profissionalmente os
assistentes sociais se tenham envolvido de forma sistemtica na gesto do social
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e cultivado processos de interveno que lhes permitiram um protagonismo mais
ou menos slido na esfera dos sistemas de harmonizao social. Por conseguinte,
e atravs de uma lgica de pensamento reflexivo que retira qualquer pertinncia
a uma proposta historicista, toma todo o sentido o estudo da forma como o
Servio Social se estruturou dentro da sua prpria idiossincrasia.
Como meio de pragmatizar a problemtica terica que resulta de uma
investigao particular onde se circunscreve a confrontao do Servio Social com
a estrutura gentica do processo de interveno, a sua recriao torna-se assim
no referencial que permitir criar os cenrios necessrios para conhecer de forma
dirigida, e em consonncia com os factores externos aos sistemas sociais da
sociedade industrial e da sociedade do risco (Giddens:2000), os impulsos
institucionais do Servio Social como um todo e os dos modelos de interveno
em particular. Deste modo evita-se que o Servio Social se apresente como um
dado extrnseco, o que torna a sua experincia numa reaco a efeitos
expropriadores que geram desqualificao, ou que criam dificuldades a uma
poltica profissional que, no sendo emancipatria, se pretende que seja
afirmativa das suas competncias profissionais.
Relativamente ao exerccio da interveno pelo Servio Social - e no
obstante se poder considerar que a legitimao do Servio Social surgiu como
uma resposta nova fisionomia poltica dos problemas sociais decorrentes da
promessa modernista de bem-estar que se estabeleceu no quadro de uma
simbiose entre capitalismo e democracia - a corrente marxista e a humanista tm
contudo defendido perspectivas diferentes. Para a corrente marxista do Servio
Social, tanto a legitimao da profisso, como a construo do seu modelo de
interveno entendido como um conjunto de aces que paradigmatizam a
forma de agir esto associadas ao processo de organizao das estratgias de
disperso dos conflitos criadas pelo capitalismo para assegurar as suas
hegemonizao e reproduo como sistema econmico dominante. Dentro desta
perspectiva de anlise, os contemporneos do Servio Social, tal como Paulo
Netto (1991,1992) e Natalio Kisnerman (1978), ao se apoiarem numa teoria que
considerava os conflitos existentes como o produto de um processo instalado de
luta de classes1, justificavam a institucionalizao do Servio Social como: uma
nova profisso criada pelo capitalismo para pr em prtica formas sociais de
integrao dos indivduos num novo contexto de modelo societrio. Por esta
1 Que se tinha consolidado por via de uma politizao dos assalariados gerada pelo paradoxo onde se tinha sustentado um dos axiomas da Revoluo Francesa que defendia a igualdade no contexto de afirmao da propriedade privada (Mouro; Carvalho:1987).
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razo, neste contexto de raciocnio, o Servio Social enfatizado pelo papel
poltico mitigado de educativo2, que no estava divorciado dum exerccio
assistencial ou mesmo assistencialista (Alayn: 1992). A sua actuao
consubstanciava-se numa aco sobre os indivduos e as famlias com o objectivo
de desproblematizar a gesto das igualdades. Deste modo, neste contexto de
anlise, o Servio Social considerado como um mecanismo de disperso dos
conflitos, dado assumir um papel de mediao entre interesses antagnicos,
sendo eles o capital e o trabalho. . Este mecanismo, ao nvel da interveno,
caracterizou-se pelos seguintes factos:
as suas prticas terem sido estabelecidas em funo das necessidades
de legitimao do modelo de gesto social definido pelo poder poltico em
funo dos interesses do poder econmico;
o seu modelo de actuao fundir o binmio estabelecido entre a aco
social e a assistncia;
o seu exerccio ser desenvolvido de forma polivalente como meio de
colmatar eventuais brechas entre os indivduos e as instituies.
J no quadro da perspectiva humanista defendida por Balbina Ottoni Vieira
(1985) e Ander-Egg (1994), a institucionalizao do Servio Social no sculo XIX
resultou de um processo de evoluo da arte de bem-fazer que, tendo as suas
razes nas sociedades clssicas, assumiu um elevado protagonismo na sociedade
tradicional marcada pelo domnio cultural da Igreja Catlica. O bem-fazer, se nas
sociedades tradicionais se constituiu numa arte social, traduziu-se num conjunto
de prticas conduzidas pela sociedade civil como forma de cumprir uma
obrigao religiosa que se iniciou com o exerccio social da caridade e se
multiplicou sob a forma de beneficncia e de assistncia. A noo de
necessidade era ento socialmente desvitalizada, visto que a pobreza era
justificada luz da teoria teocntrica. O pobre era socialmente aceite como
expresso da vontade divina (Geremek:1995), fazendo parte de um mosaico
social que representava o pensamento construdo sobre o papel dos diferentes
actores sociais. Mas a noo de necessidade e a forma de actuar sobre este
campo foram-se alterando em funo das transformaes culturais e econmicas
que no tempo atravessaram a forma de pensar o exerccio da regulao social.
2 Esse papel educativo teria sido veiculado por meio dos centros sociais e das organizaes assistenciais.
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Foi por essa razo que as prticas de ajuda social assumiram estticas diferentes,
sem contudo se substiturem umas s outras. Este facto servir de argumento
para que o Servio Social seja definido, tal como Balbina (1981:7) o faz, numa
arte de ajudar as pessoas a se ajudarem a si mesmas, cooperando com elas a fim
de benefici-las e, ao mesmo tempo, sociedade em geral e para que o seu
modelo de interveno seja perspectivado como a sntese da articulao instalada
entre o doutrina social da Igreja Catlica e o individualismo que qualifica a
natureza do liberalismo econmico Da que o entendimento sobre a aco se
tenha centrado na interveno profissional mais no indivduo do que no seu meio
ambiente. O mesmo ser dizer que era reconhecido ao Servio Social a
competncia de ajudar a combater a atitude parasitria dos indivduos
transformando-a numa forma til de participar na legitimao de um mundo
social racional. Desta forma, conciliou as exigncias do direito natural com as da
eficcia econmica (Castel:234). Criou na prtica uma afirmao da religiosidade
num contexto de laicizao da vida social. A contradio velada que esta posio
contm fez subestimar o antagonismo de interesses que discretamente
marcavam o inconsciente social da sociedade industrial. Por outro lado, ajudou a
recriar os suportes relacionais e sociais e conciliou o espao pblico com o
espao privado na reintegrao do indivduo no seu espao social e comunitrio.
Independentemente das diferenas contidas entre a perspectiva marxista e
humanista, o certo que em ambas as correntes de pensamento a questo da
socio-espacialidade dos problemas sociais se tem sobreposto a uma reflexo
sobre os agentes de produo do bem-estar, ou sobre as representaes
individuais e colectivas do bem-estar. Tanto uma como outra fazem uma
associao muito mitificada sobre a relao profissional dos assistentes sociais
com os fenmenos de precariedade e excluso social. No entanto dissociam-na
dos fenmenos de vulnerabilidade, de invalidao e de desfiliao social tal como
os define Castel (2003:234). Mas, ao valorizarem a relao do Servio Social com
o interstcio da desigualdade, tornam-se incapazes de desfazer a forma
equivocada como a socializao assistencialista das desigualdades se tem
projectado na gesto da cidadania, tal como focado por Selma Schons (1999) e
Marlia Iamamoto (1992). Por isso mesmo distorcem a construo identitria do
Servio Social e tornam sofismveis as escolhas dos modelos de interveno
pelos profissionais. No s desenvolvem uma perspectiva identitria da profisso
em que o seu sistema simblico est dominado por uma linguagem passiva e um
modo de pensar e agir que, ao querer dessacralizar a aco, se transformou num
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somatrio de saber, mas tambm conduzem a projeco profissional no contexto
das dinmicas polticas e culturais de legitimao das desigualdades.
Porm, como toda a cultura um processo permanente de construo,
desconstruo e reconstruo tal como a identidade uma construo social e
no um dado (Cuche: 2003), uma anlise reflexiva sobre o exerccio da
interveno pelo Servio Social pode ser uma via para a identificao do
particularismo da profisso na forma de gerir e actuar sobre os problemas
sociais. Para o efeito, partindo do pressuposto de que a cultura no esttica e
considerando que, por interveno, se deve considerar: uma aco conduzida
por via institucional ou no e que de forma voluntria, consciente ou
intencional visa exercer a transformao (Robertis:1991), as alteraes
exercidas nos processos de interveno do Servio Social devem ser
metabolizadas em funo da identidade socio-poltica do contexto espacial onde
est inscrito o exerccio da interveno social. O mesmo dizer que o exerccio
da interveno no esttico nem hermtico. Por isso mesmo, e considerando
que os registos da aco dependem da posio dos agentes e da interaco
criada com os recursos e o modo estratgico de utilizar os prprios recursos
identitrios, o exerccio da caridade pode ser interpretado como um modelo de
interveno que se legitimou como tal, face morfologia cultural do espao-
tempo em que se desenvolveu. Da que, at afirmao cultural do
antropocentrismo e da reforma protestante, a caridade tenha funcionado como
um mecanismo de interveno social legitimado para permitir assegurar o
processo de coeso social (Donzelot:1986). Todavia, face s mudanas culturais
que se operaram por fora da concertao de poderes entre o catolicismo e
protestantismo, modificou-se a conscincia identitria do exerccio da regulao
social e abriu-se espao a uma reorganizao do percurso poltico e cultural do
processo de interveno de onde se destaca a sua produo por via institucional.
E, se at sua inscrio em contexto institucional o modelo de interveno
desenvolvido se caracterizou por uma subjectividade activa que resultava do
exerccio individual da caridade, o seu enquadramento no sistema institucional
no fez com que se tivesse desactivado o exerccio individual da interveno,
nem to pouco o seu exerccio institucional deixou de assumir as caractersticas
que particularizavam a caridade como modelo de interveno. Permitiu no
entanto uma manipulao na sua representao simblica, a qual se
consubstanciou na construo social da beneficncia. A beneficncia constituiu-
se, assim, como um novo modelo de interveno que no pretendia ser uma
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alternativa ao existente, mas sim um complemento estruturado e organizado na
base de um emprstimo de uma identidade cultural que remetia para as
modificaes nos modos de vida e de pensar a ajuda social, a inscrio de uma
outra forma de agir que tambm ela no estava isenta de ambiguidades. O que
de novo trouxe a beneficncia foi a representao de um novo modelo de
interaco entre sociedade e fenmenos de precariedade que emergiu na
sequncia da renovao dos agentes sociais envolvidos no processo social da sua
regulao. Assim a instituio tornou-se numa nova figura social de que o
indivduo carenciado se poderia socorrer para procurar ajuda, mas no suportes.
Com a legitimao da instituio como dispositivo de interveno social, o
exerccio da interveno deixou de ser exclusivamente personalizado e passou a
ser tambm disciplinado. E, a partir do momento que passou a fazer uma
articulao entre uma cultura paroquial centrada em interesses locais com uma
cultura de sujeio que alimenta a passividade nos indivduos (Cuche 2003.158),
deixou tambm de ser autctone. Mas, sem que fossem objectivamente postos
em causa politica ou ideologicamente, quer o modelo caritativo, quer o modelo
beneficente, a construo social da sociedade industrial, ao reinventar o sistema
de valores e ao constituir um domnio localizado da vida quotidiana
(Mommas:169), no desenvolveu as condies para uma emancipao
institucional do processo de interveno; levou, antes legitimao da
modernizao dos sistemas de ajuda social. E a sua modernizao passou por
uma conjugao entre a recontextualizao do exerccio tradicional da ajuda e a
construo de novos paradigmas de interveno social aos quais atribuiu um
particularismo sintomtico. Esta conjugao traduz o resultado do dilogo que na
sociedade industrial se estabeleceu entre o modelo de interveno social
experimentado, as caractersticas da realidade social e a redefinio do sistema
simblico da ajuda social. Foi da consolidao deste mesmo dilogo que emergiu
a assistncia como um novo modelo de interveno que, se no contexto da
sociedade industrial se centrou inicialmente nos processos de incapacidade
social, posteriormente veio a centrar-se nos problemas de excluso. Mas, se na
sociedade industrial a assistncia se constituiu numa sntese entre caridade e
promoo social, j no quadro da sociedade do risco, apesar do seu exerccio
como um todo se bifurcar entre assistncia e aco social, traduz-se numa
resposta simbiose entre incapacidade e excluso. Por sua vez, o seu exerccio
pelo Servio Social tomou como referncia o processo de redefinio da natureza
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do exerccio da interveno social e adaptou-o aos modelos de actuao que foi
exercitando desde a sociedade industrial sociedade do risco.
Se por sociedade industrial entendemos, atravs de uma leitura
multifacetada do conceito, uma fase da modernidade marcada pelo impacto do
industrialismo, pela construo de uma nova ordem econmica e por um
exerccio descontinuista do desenvolvimento social, como sociedade do risco
Beck (2000:6) define uma fase da modernidade na qual as ameaas at
agora produzidas no caminho da sociedade industrial comeam a
predominar.. Da que a sociedade do risco no possa ser pensada de forma
isolada ou circunstanciada no tempo. Para ser melhor compreendida deve ser
contextualizada no quadro de um diagnstico cultural que permita reconhecer a
validade, a vastido e as ambivalncias dos previsveis e imprevisveis efeitos
sociais gerados pelas mudanas, que se foram e vo operando, nas
caractersticas da fisionomia social da sociedade.
Tomando ento como referncia o diagnstico por via do qual se pode
determinar a expresso de alguns dos problemas sociais que foram assumindo
um significado mais ou menos relevante, verifica-se que, se por um lado os
problemas que se instalaram na sociedade industrial produzidos pelas alteraes
nos modos de vida no foram superados, por outro constituram-se novos
problemas que retratam as novas realidades sociais decorrentes da forma como
as dinmicas culturais, econmicas e tecnolgicas emergentes interferiram na
vida social. No que concerne aos problemas no superados, pelo facto de
estarem muito relacionados com o processo contnuo de fragilizao das redes
primrias de apoio social3, embora no se tivessem dissolvido, foram porm
reciclados. Por outras palavras, assumiram novas expresses sociais. Foi o que
aconteceu por exemplo com o problema da terceira idade. Tendo emergido
enquanto problema social na sociedade industrial4, a sua morfologia foi-se
entretanto modificando de acordo com o processo de governamentalizao da
gesto social, mantendo-se como problema de dependncia - mas constituiu-se
tambm como problema de isolamento. O mesmo aconteceu, na Europa Central,
com os problemas de desemprego, ou mesmo de trabalho. Se estes, no evoluir da
3 Neste contexto de problemticas sociais integram-se as relaes familiares e comunitrias, isto , as relaes de proximidade que funcionavam como uma das instncias, talvez a principal, de suporte social e emocional aos seus elementos de pertena e que esto relacionadas pela substituio da famlia extensa pela famlia nuclear. Em contrapartida o Estado torna-se progressivamente substituto, abrindo espao governamentalizao da gesto social. 4 No s porque as polticas de trabalho se alteraram, mas tambm por outros factores ligados aos novos xodos sociais da sociedade industrial, ao crescimento da longevidade e transformao operado no seu processo identitrio.
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sociedade industrial, deixaram de ter o mesmo peso na produo social dos
fenmenos de excluso econmica, todavia, quando relacionados com o bem-
estar, fizeram aumentar os processos de desfiliao social5. Todos estes
problema j existentes e que escondem os efeitos de uma desconstruo cultural
da realidade social, no sendo um fenmeno forosamente negativo, geraram e
geram novas identidades simblicas aos fenmenos sociais que se repercutem
sobre a construo das identidades particulares das situaes sociais.
Na prtica o que se verifica o facto de os problemas de desfiliao e de
desintegrao social j enraizados no terem sido anulados6 e se terem
avolumado com a emergncia de novos problemas sociais gerados no quadro da
consolidao da sociedade do risco. Isto sucede porque a proteco social,
apesar de no relativizar as iniciativas de diferenciao que foram emergindo na
sociedade e que retratavam a relao do pblico com o privado em matria de
interveno institucional, funcionou e funciona como um instrumento de resposta
aos problemas existentes e de difuso das polticas de regulao social7,,no s
porque manteve uma relao de fidelizao institucional na regulao dos
clssicos riscos sociais do trabalho8, mas tambm porque se recontextualizou
face transformao operada no conceito cultural de vida social alargando o seu
domnio s necessidades que atravessam as novas realidade de vida dos
indivduos9. Esta sua recontextualizao pode ser considerada como uma
resposta s exigncias da modernidade, se entendermos a modernidade tal como
Giddens a define (2001:3): reduz o carcter geral dos riscos de certas reas e
modos de vida, mas introduz ao mesmo tempo novos parmetros desse risco em
grande parte ou completamente desconhecidas em pocas anteriores. l
Partindo desta premissa conceptual, compreende-se ento que o processo
de interveno conduzido por via do sistema de proteco social se tivesse
alargado de acordo com a gesto poltica do social. Sendo esta gesto poltica da
responsabilidade dos governos, o que explica o fenmeno crescente de
governamentalizao do social, no deixa contudo de simultaneamente reflectir
5 Segundo Castel (op.ct, p.51) H risco de desfiliao quando o conjunto das relaes de proximidade que um indivduo mantm a partir de sua inscrio territorial, que tambm sua inscrio familiar e social, insuficiente para reproduzir a sua existncia e para assegurar a sua proteco 6 Mas tambm no criaram clivagens sintomticas no perfil cultural e social da sociedade de bem-estar, nem to pouco na forma como o Estado providncia organizou as respostas sociais s necessidades teoricamente estudadas, que passavam pela recriao do sistema de proteco social e pela afirmao da sua coeso. 7 Para caracterizar esta constelao central, cujo ncleo duro assenta na forma de organizao do sistema de proteco social, torna-se importante referir que a construo de um sistema de proteco social deve ser interpretada como uma resposta s reivindicaes organizadas no sentido de melhorar as condies de vida e de trabalho que faziam parte das novas aspiraes sociais e que eram fundamentais para dar corpo ao estilo de vida que a modernidade foi criando e recriando. 8 Invalidez, morte, desemprego, doena. 9 Como por exemplo: subsdios de dependncia, colocao de crianas em amas, em famlias de acolhimento.
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as influncias do processo de modernizao na representao do poder e de
consolidao de um tipo de bens que Castel (2003:48) considera que no so
comerciveis e que servem ao bem comum. Mas o facto de na sociedade
industrial se terem constitudo estratgias de interveno que tinham como
objectivo a tutela da vida social, como aconteceu com a institucionalizao do
sistema de proteco social, no significa que estas mesmas estratgias tivessem
conseguido absorver todas as situaes de desvinculao social. Existia um outro
conjunto de situaes que, pela sua natureza social, se constituram em
situaes perifricas e que so definidas por Castel (idem:476) como as
situaes vividas por todos aqueles que por vontade prpria ou pelas
circunstncias de no estarem integrados na dinmica da sociedade industrial,
viviam em situao de excluso ou de vulnerabilidade social. Mais concretamente,
eram situaes que estavam mais ligadas aos problemas de precariedade
econmica e social e que resultavam, sobretudo, de uma desfiliao
relativamente ao sistema produtivo. Sucediam com pessoas que viviam nas
franjas da pobreza absoluta, ou que por uma opo consciente ou inconsciente
de vida viviam em crculo com a sua dificuldade de socializao e em perigo de
ruptura com a ideologia instalada de desenvolvimento econmico e social. Por
este motivo o sentido de homogeneizao, que foi insuflado no modelo de
interveno social recriado na sociedade industrial, tornou-se efmero no
contexto da sociedade do risco, uma vez que foi essencialmente usado para gerir
a diferenciao, e no para promover a igualdade. Portanto, na sociedade de risco
a questo da destituio social no deixou de ocupar um espao prprio no
processo de interveno. Esse facto permite confirmar que a poltica de
interveno dirigida s margens, quando sustentada no exerccio da proteco
social, faz com que se fragilizem os aspectos relacionais onde deveria assentar o
processo de controlo social. Por sua vez, a metamorfose do processo de controlo
social e a sua recriao na sociedade do risco fez-se depender das modificaes
produzidas na natureza e nas caractersticas dos problemas sociais, do exerccio
do poder na gesto social e, ainda, das formas culturais de protagonizar esse
mesmo poder. Por este motivo, a identidade da interveno, pelo facto de ser
uma construo social como defende Cuche, tambm se alterou em face dos
contextos onde est integrada. Assim se compreende que a reconstruo dos
modelos de interveno na sociedade do risco resultem das descontinuidades do
exerccio do controlo social produzido na sociedade industrial - e que se recriem
tomando novas configuraes no contexto da sociedade de informao.
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Tendo em considerao o conceito anteriormente apresentado de
sociedade do risco e relacionando-o com o processo de construo e de
desconstruo do risco no quadro de um processo de contextualizao, pode-se
assim compreender que o risco se sedimentou no tempo, apesar de se ter
reestruturado no espao. Tem valores plurais que podem penetrar, ou no,
completamente na vida quotidiana e que se diferenciam de acordo com a presso
que exercem sobre o seu presente, a influncia que produzem sobre o modo de
organizar os recursos sociais e a forma como fazem emergir a conscincia sobre
os problemas produzidos. Portanto, quanto questo do risco, este no pode ser
entendido como um produto construdo exclusivamente pela sociedade
contempornea, nem to pouco como um resultado da transformao no espao
das relaes de poder que se traduzem em problemas de ordem, ou melhor
dizendo de uma nova ordem social. O risco cmplice da dissipao e da
causalidade e nunca est inerte. A sua dimenso representa o grau das
transformaes operadas nos modos de vida, estilos de vida, cultura de
interveno, organizao do passado em relao ao presente, bem como no
desenvolvimento das capacidades crticas e reflexivas e das formas de interjeio
do futuro. Da que se deva definir o risco em funo da sua contextualizao no
tempo, dentro dos aspectos de que