SPl- Bauru SJSP -16/fev/2016-14:18
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11 11111111 11111111111 111111 1111111111 Ili 0002889 - 43.2016.4.03.0000
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
PROCURADORIA R EG IO AL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
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r- Ru~rcicaneca , 1360 -Consolação - São Paulo - s""P=CEP013õ7.-0õ2~~(il)D69"=5 ÕÜÕ -J
EXCELÉNTTsSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO -SÃO PAULO.
URGENTE
AGRAVO DE INSTRUMENTO Ref.: AÇÃO CIVIL PÚBLICA nº 0023969-33.2015.403.6100 2ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo (SP)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem, respeitosamente perante Vossa Excelência, com assento nos arts . 522 e 527, inciso III e.e. art. 558, caput, todos do Código de Processo Civil, interpor o presente
AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL
dar. decisão de fl. 111 /1 12, que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, o que faz no termos das razões anexas.
Cumpre informar que a Procuradoria Regional Federal da 3ª Região -SP/MS, órgão vinculado à Advocacia Geral da União (agravada) possui endereço na Rua da Consolação, nº 1875, São Paulo/SP e, pelo fato de atuar ex lege , deixa-se de juntar cópia da procuração e dados dos advogados, conforme determina o artigo 525, inciso L do Código de Processo Civil, considerado o disposto - igo 9º da · nº 9.469/97.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado de São Paulo Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão
Quanto aos demais agravados, não consta procuração nos autos em razão da ausência de intimação, até o momento. Contudo, podem ser citados nos seguintes endereços: RÁDIO SHOW DE IGARAPAVA LTDA., CNPJ nº 585686000120, com sede na Rua Nicolau Nassif, 523 , Conjunto H Kasuto Yatsuda, Jardim Madrugada, Igarapava/SP. CEP nº 14540-000, RÁDIO AM SHOW LTDA., pessoa jurídica de direito privado, C PJ nº 57329732000147, com sede na Rua Elpídio Gomes 366 Vila Amélia, Ribeirão Preto/SP. CEP nº 14050-290, e LUIZ FELIPE BALEIA TENUTO ROSSI, brasileiro, Deputado Federal, inscrito no CPF sob o nº 178.167.248-29, residente na Rodovia Prefeito Antonio Duarte ogueira, Km 313, casa 412, Ribeirão Preto/SP, CEP 14022-060.
Buscando atender o disposto nos incisos I e II do artigo 525 do Código de Processo Civil , bem como demonstrar a tempestividade do recurso interposto, apresenta os seguintes documentos de instrução:
1 - obrigatórios:
a) cópia da decisão agravada (DOC. 1 - fls. 111/112);
b) cópia da abertura de vista ao Ministério Público Federal (DOC. 2- fl. l 13v).
II - facultativos:
a) cópia da petição inicial da ação civil pública nº 0023970-18.2015.403 .6100 (DOC. 3 -fls. 02/30).
b) documentos que instruíram a petição inicial e comprovam a participação ilegal do réu Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, bem como a situação inconstitucional dos demais réus (DOC. 4 - fls. 47/52, 54/56 e 58).
c) manifestação da União (DOC. 5 - fls. 97/110).
Termos em que, E.R.M.
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EIRA MACHADO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado de São Paulo P ROCURADORIA REGIONAL DOS Ü IREITOS DO C 1DADÃO
Agravante: Ministério Público Federal Agravada: União Federal e outros Ação Civil Pública nº 0023969-33.2015.403.6100 2ª Vara Federal Cível de São Paulo (SP)
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
COLENDATURMAJULGADORA
EMINENTES DESEMBARGADORES FEDERAIS
DIGNÍSSIMA PROCURADORIA-REGIONAL DA REPÚBLICA
1-DOS FATOS
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A presente Ação Civil Pública foi proposta com vistas a assegurar, em
homenagem aos preceitos constitucionais, o pleno cumprimento do artigo 54, II, alínea
"a" da Constituição Federal, que define a impossibilidade de Deputados e Senadores, a
partir de sua posse, serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que goze
de favor proveniente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou que nela
exerça função remunerada.
Na exordial demonstrou-se conforme informações documentos amealhados
com a instauração de Procedimento Preparatório (nº 1.34.001.000957/2015-15) na
Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, foi constatado que as rés
Rádio Show de lgarapava ltda. e Rádio AM Show ltda. ,
concessionárias/permissionárias/autorizatárias do serviço de radiodifusão sonora, tem como
sócio LUIZ FELIPE BALEIA TENUTO ROSSI , ocupante and~ e . o de Deputado
Federal (DOC. 4).
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado de São Paulo P ROCURADORIA R EGIONAL DOS D IREITOS DO C IDADÃO
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O serviço de radiodifusão é atribuído às rés Rádio Show de Igarapava ltda. e
Rádio AM Show ltda .. Todavia, nos termos do contrato social das empresas, consta como
sócio o Deputado Federal LUIZ FELIPE BALEIA TENUTO ROSSI (DOC. 4).
De tal forma, deve-se considerar a afronta constitucional aqui apontada.
pois enquanto o réu LUIZ FELIPE BALEIA TENUTO ROSSI é sócio de pessoa jurídica
que explora radiodifusão sonora, também ocupa cargo eletivo de Deputado Federal pelo
Estado de São Paulo (DOC. 4).
Em decisão liminar, o d. Juízo afirmou que merece maior
discussão/instrução as questões referentes à natureza das cláusulas dos contratos de
concessão e de permissão de radiodifusão, bem como que a suspensão dos serviços de
radiodifusão sonora das corrés vai de encontro ao princípio da continuidade do serviço
público. Por conseguinte, julgou ausente o periculum in mora e negou o pedido de tutela
antecipada.
Porém, a decisão não merece prosperar, conforme passamos a dispor.
II - DO DIREITO
O autor, ora agravante, no exercício de suas funções institucionais de velar
pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (art. 127, C.F.), bem como da legalidade, impessoalidade e
moralidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional , de qualquer
dos Poderes da União, além dos princípios constitucionais relativos à comunicação social
(art. 5º, I, "h' ; II, 'd"; Lei Complementar nº 75/93), busca tutela jurisdicional que
restabeleça, no caso, o cumprimento e observância da incompatibili entar
negocial ou contratual estabelecida no artigo 54, 1, "a", da Co
a qual os Deputados e Senadores não poderão, desde a,,..,.,~.Y"'~,.,yv
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manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública.
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. salvo quando
o contrato obedecer a cláusulas uniformes.
Cabe destacar que as ·'cláusulas uniformes" não englobam o contrato de
sociedade, pois referem-se apenas aos contratos de adesão de consumo, os quais são
firmados entre congressistas e empresas prestadoras de serviços públicos. Em mesmo
entendimento, segue julgado exposto na exordial:
Eleições 2012. Registro de candidatura. Decisão regional. Indeferimento. Art. 1° ,
li , i , da LC nº 64 190. Cláusulas uniformes. Não incidência .
Desincompatibilização. Ausência. 1. O Tribunal Regional Eleitoral, soberano na
análise do contexto tático-probatório, assentou que o contrato de permissão para
a prestação de serviço público entre a Aneel e a Cooperativa de Distribuição e
Geração de Energia das Missões (Cermissões) submete-se a procedimento de
licitação. nos termos do art. 2° . IV, da Lei nº 8.987 195, razão pela qual não se
enquadra na ressalva relativa aos contratos de cláusulas uniformes. 2. Diante
disso, a Corte de origem concluiu que o candidato a vereador, o qual exerce o
cargo de vice-presidente na citada entidade, estava inelegível, nos termos do art.
1° , inciso li , alínea i , da LC nº 64190, por não ter se afastado de suas funções
nos seis meses anteriores ao pleito. 3. O agravante sustenta que o contrato seria
de cláusulas uniformes. Todavia, a Corte de origem não explicitou as
circunstâncias alusivas ao referido contrato, nem foram opostos embargos de
declaração para provocar o exame da alegação de que tal instrumento contratual
seria padronizado e de adesão. razão pela qual, para afastar a conclusão da
Corte de origem, quanto à incidência da causa de inelegibilidade, seria
necessário o reexame de fatos e provas, vedado em sede de recurso de
natureza extraordinária, nos termos das Súmulas nº 7 do STJ e nº 279 do STF.
Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE, Pleno, maioria, AgR-REspe
nº 170-02.2012.6.21 .0052/RS, Relator Ministro HENRIQUE NEVES DA SILVA.
Data da Decisão: 2510412013. Data da Publicação: 0410612013) - sem destaque
no original. ,.,. ~-
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Tal dispositivo consiste na reafirmação dos princípios estruturantes que
regem não só a administração pública estrito senso, mas a atuação de qualquer agente
público e político, que são a impessoalidade, a moralidade e a isonomia. E, no caso,
sintomático que os valores de tais postulados devem balizar e integrar a interpretação a
ser conferida à extensão e profundidade desse art. 54 do texto constitucional.
Para além há ainda respeitável entendimento doutrinário, que defende que
essa modalidade de incompatibilidade parlamentar objetiva para além da preservação do
princípio da isonomia, impedir também o tráfico de influência:
[ ... ]o Estatuto dos Congressistas cria o regime jurídico do parlamentar com o fito
de garantir a livre e isenta atuação do Poder Legislativo, e não privilégios
particulares de seus membros[ ... ]
Já as incompatibilidades negociais são as que vedam aos congressistas
firmarem contrato com as entidades mencionadas acima, salvo se forem
contratos com cláusulas uniformes (art. 54, 1, a) , isto é, contratos que contenham
cláusulas padronizadas para qualquer contratante, os chamados contratos de
adesão. Justifica-se a ressalva , vez que não pode o parlamentar ser privado de
firmar, v.g., contratos de prestação de serviços com empresa de telefonia
(concessionária de serviços público) , ou um banco público , como o Banco do
Brasil ou a Caixa Econômica Federal. Ademais, por se tratar de contrato com
cláusulas padronizadas para qualquer pessoa , não haveria , em princípio
nenhuma aferição de vantagem indevida ou privilégio em virtude do cargo de
congressista exercido. Desse forma estaria preservado o princípio da isonomia.
[ .. . ]
Percebe-se claramente que as incompatibilidades estabelecidas no dispositivo
sob comento possuem, em comum, o escopo de evitar que o congressista exerça
tráfico de influência, utilizando a importância que decorre do man
que exerce, para aferir benefícios particulares, inclusiv
interesse público, violando o princípio da igualdade.1 ~~~~~~~~~
STRECK Lenio Luiz, OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni, NUNES, poderes : Capítulo 1 Do poder legislativo: Seção V Dos deputados e
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É ainda indene de dúvidas que através de tal dispositivo busca-se, dentre
outros objetivos proteger os meios de comunicação, mais especificamente o exercício dos
serviços públicos de radiodifusão, da influência do poder político, a fim de criar um
ambiente livre e democrático, no campo da comunicação social, sabido, no mais, que
grande parcela da população não tem acesso a fontes diversas de informação, por isso as
radiodifusoras são responsáveis pela produção e veiculação de relevantes informações,
difusão do pensamento e notícias ao grande público.
Nessa perspectiva, a aludida vedação constitui imprescindível tutela contra
a influência política nos meios de comunicação (serviços públicos de radiodifusão) de
suma importância para a garantia de preceitos fundamentais como a liberdade de
expressão e o direito à informação, mas também para a proteção da normalidade e
legitimidade das eleições visando preservar ao fim e ao cabo a democracia, sobre a qual
vale reproduzir a advertência de Luís Roberto Barroso:
A democracia não se assenta apenas no princípio majoritário, mas também na
realização de valores substantivos, na concretização dos direitos fundamentais e
na observância dos procedimentos que assegurem a participação livre e
igualitária de todas as pessoas no processo decisório[ ... ]
Na configuração moderna do Estado e da sociedade, a idéia de democracia já
não se reduz à prerrogativa popular de eleger representantes, nem tampouco às
manifestações das instâncias formais do processo majoritário . Vive-se uma
democracia deliberativa , em que o debate público amplo, realizado em contexto
de livre circulação de idéias e de informações, observado o respeito aos direitos
fundamentais, desempenha uma função racionalizadora e legitimadora de
determinadas escolhas políticas.2
Gomes et ai (Org.). Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Tiragem 20 14) / BARROSO, Luís Roberto . O controle de constitucionalidade no ãi · sileiro: 2" edição revista e atuali=ada de acordo com a E.C. n. 451200-1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 58 e 61
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Justamente porque não é possível ignorar o potencial risco de congressistas
utilizarem do espaço de comunicação para promoverem interesses próprios ou de
terceiros, de maneira a prejudicar a formação da opinião pública (através de informações.
manifestações e noticiários tendenciosos) é que se estabeleceu a incompatibilidade
constitucional, de impedimento de congressistas firmarem contratos com órgãos da
administração pública, notadamente de concessão de serviços públicos.
Tem-se assim, respeitosamente, que entendimentos como o adotado na
decisão agravada decorrem de uma visão acanhada da extensão e profundidade da
democracia, em razão das condições históricas do nosso país, conforme bem realça Celso
Antônio Bandeira de Mello:
É que o Brasil mal conhece instituições políticas democráticas. Desde 1500 -
quando foi descoberto - até o presente não experimentou mais do que
pouquíssimos anos de cambaleante democracia política , o que ocorreu entre
1946 a 1964, e desde 1986 [ ... ] Com efeito, durante o período colonial e imperial
é óbvio que não se cogitava de democracia. Durante a República Velha,
sabidamente, também não houve espaço para sua implantação e as eleições "a
bico de pena" cuidavam zelosamente de impedir-lhe o nascimento. Sobrevindo a
revolução de 1930 e subsequente implantação da ditadura getulista , o País
continuou insciente do que seria este regime, só conhecido nos países
civilizados. Finalmente com a Constituição de 1946 desvendou-se para nós o
mundo até então desconhecido da democracia. Contudo, em 1° de abril de 1964
o Golpe militar se encarregou de desvanecer estes sonhos, implantando nova
ditadura (a dos generais) , que se manteve até 1986, em se final disfarçada por
configuração mais
democrática [ .. . ]3
M ELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrati vo. 32° ed. São Paulo: Malheiros. 20 14. p. 107.
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Ademais é preciso não olvidar que compete privativamente à União le~islar
sobre a radiodifusão, conforme exposto no artigo 22, inciso IV da Constituição4, o que
sem sombra de dúvidas revela indisfarçável conflito de interesses, violador dos princípios
da moralidade, isonomia e impessoalidade, a autorização para a participação de
congressistas, seja direta ou indiretamente, como sócios ou associados de pessoas
jurídicas concessionárias, permissionárias ou autorizatárias de serviços públicos de
radiodifüsão.
Inclusive, a própria Câmara dos Deputados já decidiu e reconheceu o
conflito de interesses no Relatório dos trabalhos da Subcomissão Especial (CCTCI),
criada para analisar as normas de radiodifusão, apontando que não somente a direção, mas
também a propriedade de emissoras de rádio e televisão são incompatíveis com a natureza
do cargo político:
(. . .) como o Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de
outorga e de renovação de outorga de radiodifusão, a propriedade e a direção de
emissoras de rádio e televisão são incompatíveis com a natureza do cargo
político e o controle sobre concessões públicas, haja vista o notório conflito de
interesses. 5
A concessão do direito de exploração do serviço público de radiodifusão de
sons e imagens a parlamentares, ainda que indiretamente, quando figurem nos quadros da
concessionária como sócio catista, se caracteriza como a prestação de um favor, situação
vetada pela Constituição (art. 54, 1, ' 'a" c/c art. 3 7 caput) e que, para além do que já se
pontuou, se afasta do princípio republicano, isto é, da noção de verdadeira república,
confonne ensina Fábio Konder Comparato: ~--
4 Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre: IV - águas, energia, i r · · a - ecom icações e radiodifusão. / ·~ ' Comi ssão de Ciência. Tecnologia. Comunicação e Informáti ca. Subcomissão ~~#de dio ·' são. Relatório dos trabalho da ubcomissão Especial da Comissão de Ciência, Tecnologia, C nica -o formática - CCTCI, da Câmara dos Deputados, criada para analisar mudanças nas normas de aprêéiaçao os atos de outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens . Centro de Documentação e In fo rmação. Edições Câmara. Brasília. 2009. p. 54. grifo nosso. Disponível cm: <h ttp : 11 www2 . camara . gov. br I a tividade-legisla tiva I comissoes I comissoes-permanen tes l cc tci l pu blicacoes. h tml l Rel-Radiodifu sao . pd f>. Acesso em : 12. 12.2011.
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A verdadeira República , os romanos nos mostraram claramente, é um regime
onde o bem comum do povo está sempre acima de interesses particulares, de
famílias , classes grupos religiosos, sindicatos e, até mesmo, entidades estatais,
pois muitas e muitas vezes uma entidade estatal pode atuar contra o bem
comum do povo, para escapar de alguma situação difícil , constrangedora ,
notadamente em seu aspecto financeiro .
[ . .. ]
Os meios de comunicação de massa - e estou falando na sede de uma
institui9ão prestigiosa , que grande serviço prestou à nossa República , que é a
ABI - (me refiro à televisão e à rádio) usam um espaço público que pertence ao
povo. Ora, é uma aberração que esse serviço de comunicação, debate , de
crítica , utilizando um espaço público, seja feito em detrimento do povo , dos
interesses do povo. De alguma forma nós precisamos encontrar uma solução
que evite, de um lado, a "estatização" e, por outro lado, o privativo explorador.
Mas será possível que não tenhamos a capacidade para encontrar uma solução
jurídica justa e que dê essa medida equânime de regulação das coisas?6
Aliás colhe-se desde o preâmbulo da Constituição que o Brasil constitui- e em
um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
assim como a liberdade, a segurança .. o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista.
De modo que o consentimento de vantagens, privilégios ou benefícios em
razão de preferência pessoal ou do exercício de poder econômico .. político ou de função ..
destoa do figurino constitucional do Estado Democrático de Direito que adota o re i
republicano.
6 COMPARATO, Fábio Konder. O desafio de construir um novo poder. Jornal dos economistas, Rio de Janeiro, n. 201 , p. 5, abr. 2006. Disponível em: <hnp://www.corecon-rj .org.br/documents/ 118'.27/ 13981 /Abril +-+2006+%28n%C %BA201 %29/f922a95f-095b-49d6-8a l9-fb7a3I96f6b9?version=1.2> Acesso em: 15 fev. 2016.
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Isto porque, ao celebrar contratos com particulares a Administração deverá
sempre respeitar os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da
isonomia. Como garantia, as contratações se valerão sempre do processo de licitação,
garantido pelo artigo 34, inciso XXI da Constituição Federal, de modo a permitir que todos os
interessados disputem em igualdade as contratações do governo e em contrapartida, a
Administração possa selecionar a proposta mais vantajosa ao interesse público.
De tal maneira, toma-se incompatível com os princípios e valores adotadas
pela Constituição da República que congressistas figurem como proprietários, controladores
ou diretores dessas empresas, como já expresso no artigo 54, inciso l, alínea "a" do texto
constitucional.
O mesmo entendimento, já foi inclusive adotado pelo Supremo Tribunal
Federal, no julgamento da Ação Penal 5307, na qual a Ministra Rosa Weber afirmou em
seu voto:
"Entendo que a concessão - ou a permissão - para a exploração de serviços de
radiodifusão a parlamentar ou a empresa dirigida ou pertencente a parlamentar
viola as proibições constitucionais e legais acima examinadas" - sem destaque
no original.
Nesse caso, a Suprema Corte condenou um Deputado Federal por
falsificação do contrato social de empresa detentora de permissão para a exploração de
serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada. Segundo o Acórdão, a
falsificação foi realizada para omitir a condição de sócio do parlamentar federal ,
diante da vedação prevista no artigo 54 da Constituição Federal e no artigo 3
4.117/62. Ainda, dispõe:
(i) os contratos de concessão e de permissa--c J...<7le-81eTV ~~~~~~~~~
7 TF. AP 530. Rei. Min. Ro a Weber. Rei. p/ AcórdàD Min. Roberto Barroso. Primeira Turma julgado em 09.09.2014, DJe Public 17-11-2014. Republicação DJe Public 19.12.20 14. No mesmo sentido. veja-se os precedentes do TJSP e do TJR mencionados no item 111.6. abaixo.
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enquadram na exceção prevista na parte final do artigo 54, 1, "a", da Constituição
(contratos que obedecem a cláusulas uniformes), pois não constituem contratos
de adesão celebrados entre consumidor e empresa concessionária de serviços,
tais como contratos de fornecimento de água e luz, "cuja celebração jamais teria
o condão de implicar qualquer espécie de cooptação";
(ii) contratos precedidos de licitação, na modalidade de técnica e preço, não
obedecem a cláusulas uniformes, pois "riscos de manipulação do resultado para
favorecimento de empresa controlada por parlamentar ou os riscos de utilização
pelo parlamentar de influência indevida no certame são mais do que óbvios''.· "[o]
objetivo das incompatibilidades do artigo 54 consiste exatamente em prevenir
riscos e males da espécie"; "[não há] como qualificar um contrato como por
adesão ou de cláusulas uniformes quando precedido por licitação, influindo essa
na variação de aspectos relevantes do pacto, como o preço e o objeto da
prestação"; e
(iii) "não merece endosso, nessa perspectiva, a posição trazida aos autos em
ofício do Ministério das Comunicações e em parecer da Câmara dos Deputados
de que não haveria proibição para que parlamentar fosse proprietário de
empresa titular de serviço radiodifusão (fls . 426-7, 1.008-9 e fls . 1.942-3)"; "ao
contrário do ali preconizado, a proibição é clara ".
No mesmo sentido há precedentes análogos do Tribunal de Justiça de São
Paulo 8 e do Tribunal de Justiça do Rio Grande
incompatibilidade negocial em empresas que possuem políticos
8 TJSP, Apelação n. 102.77 1.5/0-00/Guarulhos, Relator Desembargador Willi arinho, 27.0 1.2000, data de registro 28.02.2000. Ementa: "MANDADO DE SEGU ÇA - Lic· sociedade comercial do certame - Admissibilidade - De utado e ver or ncorrente - Restri ão constitucional CF art. 54 1 "a" e li . "a" e LOM. art. 18. 1. e II "a" - n 1 atibilidades negociais -Subsistência da sentença concessiva da ordem - Recursos, voluntários e oficial, não providos. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - Esgotamento das vias administrativas - Matéria sujeita ao crivo do Judiciário (CF, art. 5°, XXXV) - Preliminar, rejeitada" (grifo nosso). 9 TJRS, Apelação Cível n. 70018961870/Seberi, Relator Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini , julgado em 19.12.2007, DJ 21.02.2008. Ementa: "Apelação cível. Licitação e Contrato Administrativo. Ação civil pública. Ato de improbidade administrativa. Violação ao princípio da moralidade administrativa. ( ... ) Inobservância de princípio regente da administração pública. Ação dolosa. Contratação com o poder público vedada a detentor de mandato de vereador. Art. 43 da Lei orgânica e art. 54 da Constituição Federal. Má-fé caracterizada. Evidente obtenção de beneficio próprio dos demandados. ( ... )" (grifo nosso).
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eletivo como sócios, pois não podem participar de licitação pública ou firmar e manter
contratos com a Administração.
O Tribunal de Justiça de São Paulo ainda afirmou que (i) o artigo 54 não
alcança apenas contratos fumados pelos políticos como pessoas fisicas mas também os
contratos firmados por pessoas jurídicas das quais participem os políticos como sócios e
(ii ) a norma do artigo 54 alcança também a Administração, proibindo-a de celebrar os
contratos vedados pelo artigo 54. Essa decisão foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal
no RE 370.018 1º. Apesar de negar seguimento ao recurso. a Ministra Cármen Lúcia afirmou,
quanto ao mérito, que nada havia a "reformar ou a se corrigir nas decisões anteriormente
exaradas pelos órgãos do Poder Judiciário".
E tais precedentes estão fincados, indiscutivelmente. nos princípios da
moralidade, impessoalidade e isonomia.
A título de exemplo veja-se o que preceitua o § 1° do art. 37, da
Constituição Federal, quer seja, que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e
campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação
social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos. Pois bem, interpretando esse dispositivo
constitucional a Corte Suprema concluiu que é inconstitucional a utilização de slogan na
publicidade dos atos da Administração Pública com conteúdo subliminar que se identifica
com o partido político dos governantes. Tal entendimento deu-se quando do julgamento
do Recurso Extraordinário nº 191.668/RS, em face de acórdão assim ementado:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. PUBLICIDADE. A
INCLUSÃO DE SLOGAN NA PUBLICIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO . . 7
PUBLICA, COM CONTEUDO SUBLIMINAR QUE O N ICA COMO
PARTIDO POLÍTICO DOS GOVERNANTES,
10 STF. RE 370.018/SP, Relatora Ministra Carmen Lúcia, julgamento e
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PESSOAL ILÍCITA, VEDADA NO ART-37, PAR-1 , DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. A IMPRESSÃO DO SLOGAN OCUPA ESPAÇO DESNECESSÁRIO,
ENCARECENDO AS PUBLICACOES COMO LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO E
NAO ATENDE AOS REQUISITOS DE TER CARÁTER EDUCATIVO,
INFORMATIVO OU DE ORIENTAÇÃO SOCIAL. EMBARGOS REJEITADOS.
(RESUMO) (Embargos Infringentes Nº 593129422 , Primeiro Grupo de Câmaras
Cíveis, Tribunal de ~lustiça do RS, Relator: José Vellinho de Lacerda , Julgado em
01/07/1994) .
Antes da remessa do caso ao Supremo Tribunal Federal, na Corte de origem
(TJRS) houve interposição de embargos infringentes, de cujo acórdão se colhe:
Sr. Presidente. A matéria foi analisada à exaustão nos doutos votos proferidos na
Câmara e no não menos erudito Parecer do Dr. Procurador de Justiça . Fácil ,
pois, a tarefa deste Relator, limitada a optar por uma das duas posições. Faço-o,
aderindo à douta maioria . É de conhecimento geral que a 'administração-popular'
confunde-se com 'administração do Partido dos Trabalhadores' . Se o fato ainda
despertasse alguma dúvida, ficaria ela desfeita coma a leitura do folheto de fl . 46.
Ora sendo a expressão usada com enorme destaque nos editais , comunicados e
avisos de licitação de tis. 6/8, é de se reconhecer - data vênia - que se trata de
uma forma de marcar, na lembrança do público, a presença de agremiação
política e, via indireta , das autoridades integrantes de seu quadro. Tal prática é
vedada no art. 37 , § 1°, da CF, eis que fere o princípio da impessoalidade. Além
disso a impressão do slogan ocupa espaço desnecessário, encarecendo as
publicações, com lesão ao erário e, pelo menos nos exemplares trazidos aos
autos, não atende aos requisitos de ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social. Rejeito os embargos. É o voto.11
A Suprema Corte manteve o julgado em decisão co
seguida de parte do voto do E. Relator, Ministro Menezes Dire· :
11 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pae.inadorpub/paginador.jsp?docTP=;:. em 15 fev. 2016.
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EMENTA Publicidade de atos governamentais. Princípio da impessoalidade. Art.
37, parágrafo 1 º, da Constituição Federal. 1. O caput e o parágrafo 1° do artigo
37 da Constituição Federal impedem que haja qualquer tipo de identificação
entre a publicidade e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a
que pertençam . O rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da
impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de
orientação social é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens,
aí incluídos slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores
públicos. A possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido
político a que pertença o titular do cargo público mancha o princípio da
impessoalidade e desnatura o caráter educativo, informativo ou de orientação
que constam do comando posto pelo constituinte dos oitenta . 2. Recurso
extraordinário desprovido.
(RE 191668, Relator(a) : Min . MENEZES DIREITO, Primeira Turma , julgado em
15/04/2008, DJe-097 DIVULG 29-05-2008 PUBLIC 30-05-2008 EMENT VOL-
02321-02 PP-00268 RT J VOL-00206-01 PP-00400 RT v. 97, n. 876, 2008, p.
128-131 LEXSTF v. 30, n. 359, 2008 , p. 226-231 RJTJRS v. 47 . n. 286, 2012, p.
33-37)
REPRODUÇÃO PARCIAL DO VOTO DO MINISTRO MENEZES DIREITO:
"[ ... ] No momento em que existe a possibilidade de reconhecimento ou
identificação da origem pessoal ou partidária da publicidade há , sem dúvida , o
rompimento do princípio da impessoalidade determinada no caput, bem como
configuração da promoção pessoal daquele que exerce o cargo público no
padrão de sua vinculação com determinado partido político que ensejou sua
eleição. Assim , direta ou indiretamente, a vedação é alcançada toda a vez que
exista a menor possibilidade que seja de desvirtuar-se a lisura desejada pelo
constituinte , sequer sendo necessário construir interpretação tortuosa que
autorize essa vedação, nascida que é da simples leitura do texto da espécie
normativa de índole constitucional. Com isso, o que se deve explicitar é que a
regra constitucional veda qualquer tipo de identificação pouco relevando que
seja por meio de nome, de slogan ou de imagem ncular o governo à
pessoa do governante ou ao seu partido. Q de abertura nesse
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princípio é capaz de ensejar no tempo exceções que levam à inutilidade do
dispositivo. [ ... ]"1 2
Grifamos.
Ou seja, a Corte Suprema foi buscar no princípio da impessoalidade. em
toda a sua extensão e profundidade a forma de interpretar o dispositivo sob a perspectiva
democrática e republicana. Revelador o entendimento de que o conteúdo subliminar e ª mera possibilidade de reconhecimento de propaganda pessoal/partidária, direta ou
indiretamente, ou, ainda, a menor possibilidade de desvirtuar os objetivos na norma
constitucional, deve ser reprimida e considerada inconstitucional.
Mutatis mutandis, é o que se pretende com a ação civil pública proposta
pelo Ministério Público Federal e, mais imediatamente, com o presente recurso de agravo
de instrumento, vez que na r. decisão agravada se conferiu interpretação restritiva e literal
ao artigo 54, 1, alínea "a", da Constituição Federal, permitindo-se a indevida participação
societária de parlamentares, em empresas concessionárias de serviços públicos, o que
viola os princípios estruturantes da administração pública (impessoalidade, moralidade e
isonomia), que se aplicam não só aos atos de seus agentes públicos (Poder Executivo
estrito senso) mas também aos agentes públicos e políticos de quaisquer dos Poderes do
Estado (funções estatais) conforme ensina Carlos Ayres Brito:
2.1 É isso mesmo. Embora a cabeça do art. 37 da Constituição deixe literalmente
posto que a "administração Pública" Uá agora com iniciais minúsculas) é algo
próprio de cada um dos Poderes orgânicos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, o fato é que a matéria está versada no interior do
segmento normativo respeitante à organização do Estado Federal como um todo .
Não no título alusivo à organização daqueles Poderes estatais (título de n. IV) .
2.2 As coisas se explicam. Se a administração pública é
Poderes do Estado, e não uma particularidade dess ou daq
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que a matéria faça parte (como efetivamente faz) da realidade que abarca todos
eles sem exceção: a realidade do Estado. Que já é uma realidade-continente ,
enquanto cada qual dos Poderes não passa de uma realidade-conteúdo.
A interpretação literal, como a adotada na decisão agravada, desvinculada
dos princípios estruturantes e dos valores fundamentais adotados pela Carta da República,
constitui vezo do positivismo jurídico dogmático que não encontra mais espaço no atual
estágio civilizatório do direito, conforme assevera Daniel Sarmento:
Esta imagem do Direito, que teve seu apogeu na fase das grandes codificações
do século XIX, entrou , porém , em crise com o crepúsculo do Estado Liberal. As
novas demandas sociais que se cristalizavam no mundo contemporâneo
impunham uma concepção substantiva de justiça , que a compreensão formalista
do fenômeno jurídico não tinha como abrigar. Assim , sob as mais variadas
perspectivas, o positivismo passa a sofrer ataques contundentes, seja sob o
enfoque metodológico (realismo jurídico, utopia, teoria da argumentação, lógica
do razoável etc.), seja do ponto de cista material (teoria crítica , jurisprudência dos
valores etc.)
[ .. . ]
Afinal , o Direito é uma disciplina que se destina à regência da vida humana em
comunidade, e que não pode, por consequência , ser tratada como ciência exata .
[ ... ]
Assim , torna-se evidente que a neutralidade plena do aplicador do Direito,
postulada pela hermenêutica tradicional , constitui um mito ultrapassado, que se
presta à ocultação das relações de poder subjacentes à esfera jurídica , com o
objetivo de perpetuá-las, e que tem ser desmascarado, em favor da
transparência que deve revestir o fenômeno jurídico dos estados democráticos.
[ ... ]
Na verdade, para definição da natureza de princípio ou de regra de determinada
norma jurídica, torna-se necessário, no mais das vezes, transcender seu texto
legal e analisar também a qualidade do bem jurídico protegido pela
como o domínio empírico sobre o qual ela se projeta .
[ ... ]
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Demais, a Constituição dirigente, característica do Estado do Bem-Estar Social ,
ao ocupar-se de uma infinidade de questões que anteriormente não eram objeto
de tutela constitucional, não tem corno descer ao nível de detalharnento
necessário à regulamentação imediata de todos os campos aos quais se dedica.
Assim, acaba valendo-se, nestes novos campos, de princípios setoriais, que
estabelecem valores e objetivos centrais, os quais, posteriormente, têm de ser
concretizados pelo legislador.
Diante disso, fica evidente a razão pela qual a Constituição torna-se hospedeira
de tantos princípios. Segundo Joaquín Arce y Flórez-Valdés, hoje o habitat
natural dos princípios gerais de direito não é mais o código - expressão de uma
fase do Direito que se findou - , mas a própria Constituição, que sintetiza os
valores mais relevantes da ordem jurídica.
Neste sentido, o caráter principiológico da Lei Fundamental representa um
autêntico convite ao intérprete para que proceda uma "leitura moral" da
Constituição.
Cumpre reconhecer, porém, que a Constituição brasileira de 1988 caracteriza-se
por descer a um nível de detalhamento, no varejo das miudezas, como ressaltou
Luiz Roberto Barroso. Este fato pode ser em parte imputado à atuação marcante
de lobbies de toda a ordem na constituinte, que conseguiram alçar ao texto
fundamental normas garantidoras de interesses corporativos, completamente
desprovidas de dignidade constitucional.
[ ... ]
De todo modo, o arcabouço da ordem constitucional brasileira está alicerçado em
princípios altamente abstratos, portadores de um acentuado conteúdo axiológico,
corno o do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana e da
igualdade. Entretanto, um dos vícios da jurisprudência brasileira tem sido o do
relativo descaso devotado aos princípios constitucionais , o que acaba despindo o
processo de interpretação e aplicação da Constituição da sua dimensão ética
mais profunda. Como observou o grande constitucionalista norte-americano
Bruce Ackerman , a relutância do Tribunal Constitucional em interpretar a
Constituição brasileira de 1988 como uma constituição de prinçípios leva os
advogados a duvidarem se a Constituição brasileira é de f
13 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição fed p. 20, 21 /22, 48, 49/50 e 51.
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Significativo nessa perspectiva o que estabelece o novo Código de Processo
Civil , Lei nº 13. l 05/2015. que após vincar no seu art. 1° que o processo civil será
ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais
estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, preceitua no seu artigo
8° que, ao aplicar o ordenamento jurídico. o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências
do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando
a proporcionalidade. a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência
Aliás, firme nessa perspectiva da força normativa da constituição e da
incidência de seus princípios e valores na aplicação do direito e na prestação da tutela
jurisdicional, foi que o Supremo Tribunal Federal, debruçando-se sobre o alcance dos
princípios da moralidade e impessoalidade, editou a Súmula Vinculante nº 13, mesmo
sem a existência, ao menos à época, da norma constitucional ou infraconstitucional
e pressa sobre o tema, ao menos não na profundidade e amplitude do verbete sumular, do
seguinte teor:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor
da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou,
ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.
No seu voto, na medida cautelar da Ação Declaratória de
Constitucionalidade nº 12, precedente que deu origem à referida súmula. asseverou o E.
Ministro Carlos Ayres Brito, em seu voto Uulgamento aos 16/02
princípio da impessoalidade consiste:
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[ ... ] no descarte do personalismo. Na proibição do marketing pessoal oi da auto
promoção com os cargos, ad unções, os empregos, os feitos , as obras, os
serviços e campanhas de natureza pública. Na absoluta separação entre o
público e o privado , ou entre a Administração e o administrador, segundo a
republicana metáfora de que 'não se pode fazer cortesia com o chapéu alheio".
Conceitos que se contrapõem à multissecular cultura do patrimonialismo eque se
vulnerabilizam, não há negar, com a prática do chamado nepotismo. [ ... ]14
Outrossim, quando do julgamento de mérito da própria Ação Declaratória
de Constitucionalidade nº 12, aos 20/08/2008, vale reproduzir o que pontuaram os
Ministros Menezes Direito e Cármen Lúcia:
VOTO DO MINISTRO MENEZES DIREITO - REPRODUÇÃO PARCIAL:
Mas eu tenho entendido, e creio que essa é a convergência do Supremo Tribunal
Federal , que esses princípios que estão insculpidos no caput do artigo 37 da
Constituição Federal têm uma eficácia própria , eles são dotados de uma força
própria , que podem ser imediatamente aplicados. E eu diria até mais: sem um
retorno às origens técnicas da diferenciação entre o princípio e a norma, que
hoje, na perspectiva da Suprema Corte, esses princípios revestem-se da mesma
força , tanto isso que, em precedente recentíssimo que julgamos aqui neste
Pleno, nós aplicamos um desses princípios com a força efetiva de uma norma
constitucional , e, portanto, esse princípio pode, sim, ser aplicado diretamente,
independentemente da existência de uma lei formal.
Se essa concepção é verdadeira , e, ao meu sentir, é verdadeira , nós temos de
admitir que dentro das atribuições do Conselho Nacional de Justiça está a de
preservar os princípios
que estão presentes no caput do artigo 37 da Constituição. E um desses
princípios é aquele relativo à moralidade;
resolução do Conselho Nacional de Justiça.
14 Disponível em: < ,_,_,h t~t "'-'-'-'-"-""""""'"-'-'-"""'-"~='-'-"-""'-'-"'-"'-""~~=~'79'-"7""'-'-....:..r===--"-~-'-"em: 15 fev. 2016.
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VOTO DA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA- REPRODUÇÃO PARCIAL:
O traçado histórico brasileiro expõe a utilização dos espaços públicos pelos
interesses privados, do que decorre, em grande parte - e que já haveria de ter
sido extirpada há muito - a manutenção de atuações nepotistas no País.
[ ... ]
Contra a pessoalidade que assolava em terras brasileiras, sobreveio em 1828 a
Lei de 1 O de outubro, em cujo art. 38 em dispunha:
"Nenhum vereador poderá votar em negócio de seu particular interesse, nem
dos seus ascendentes ou descendentes, ou cunhados, enquanto durar o
cunhadio. Igualmente não votarão aqueles que jurarem suspeição".
Sob a vigência da Constituição de 1824, ensinava o grande Pimenta Bueno:
"A admissão dos cidadãos nos cargos públicos, sem outra diferença que
não seja de seus talentos e virtudes, é uma bela e lógica consequência. da
igualdade perante a lei. Não são pois as condições de nascimento, as
distinções ou prejuízos aristocráticos, e sim a capacidade, as habilitações, o
mérito pessoal , que dão a preferência aos cargos públicos; é uma conquista
preciosa da civilização e da justiça , que produz importantes resultados.
Primeiramente, é óbvio que os empregos, que os serviços públicos, não
podem ser bem desempenhados senão pela capacidade, pelos talentos e
virtudes; sem isso os negócios sofrerão e a sociedade terá o duplo sacrifício
de contribuir para as respectivas gratificações e de ver os seis interesses
mal dirigidos, sacrificados.
Em segundo lugar cumpre reconhecer que os talentos e a probidade, além
das garantias que dão, e serviços que prestam, são forças naturais e de
grande intensidade, pois que dispõe de meios, recursos, e de muitas outras
forças .
A abolição dos privilégios. salva a única exceção dos que forem essencial e
inteiramente exigidos por utilidade ou serviços públicos, é uma outra
consequência necessária do justo e útil princípio da igualdade perante a lei.
Por privilégio em geral , ou na consideração do direito público, entende-se
toda e qualquer espécie de prerrogativas, vantagens, isenções ou direitos
quaisquer concedidos com exceção da lei co~,.,.~
privilégio pode expressar-se por uma
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Ter direito superior ou preferência quando entrar com outros em
concorrência" (Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do
Império. Rio de Janeiro: ministério dos Negócios interiores, 1958, p. 412) .
Dessa forma, firme nesses precedentes jurisprudenciais paradigmáticos. e
no sentido que deles emana qual seja, de que, tratando de impor isenção e imparcialidade
à atuação do agente público/político (diretrizes do Estado Democrático de Direito,
fundando em regime republicano), para além da literalidade das normas é preciso buscar a
interpretação nos princípios e valores contidos na Constituição Federal, pretende-se a
reforma da decisão agravada, para o fim de acolher-se os pedidos de tutela liminar
requeridos na exordial da ação civil pública, cuja cópia instrui o presente recurso.
m - DA NÃO CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO E DA
ANTECIPACÃO DA TUTELA RECURSAL
Inicialmente, destaca-se que a decisão impugnada, pelo fato de postergar o
pedido antecipatório de tutela com fundamentação que malfere princípios e valores
albergados na Carta da República, causa lesão grave e de dificil reparação decorrente de
abuso do poder político e econômico, mediante concessão de serviço público de
radiodifusão a beneficiar parlamentar, prática vedada pelo ordenamento jurídico (art. 54,
1, "a", C.F. ).
Como já demonstrado, a situação das rés, empresas
concessionárias/permissionárias dos serviços de radiodifusão encontra-se
nitidamente em desacordo com o art. 54, inciso 1, alínea "a", da Constituição
Federal, além dos princípios constitucionais estruturantes da admini,,,.,...-.,._-,v pública, da
impessoalidade, moralidade e isonomia.
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Permitir a continuidade da exploração de serviço público concedido de
forma inconstitucional, propiciando o abuso de poder político e econômico, causa um
dano de proporções muito maiores do que a restrição do acesso à informação das
populações afetadas.
No mais, reafirme-se. sob a perspectiva de fumus bani iuris, que a decisão
agravada é passível de reforma pois, além de representar afronta aos princípios da
moralidade na Administração e de supremacia do interesse público, ofende o princípio da
legalidade. acolhido pelo artigo 5°, inciso II, da Lei Maior.
Ainda, em atenção ao comando normativo extraído do artigo 273 , § 2°, do
estatuto processual civil, que inadmite a concessão de tutela antecipada diante de eventual
perigo de irreversibilidade do provimento atendido, salienta-se que, no caso em testi lha,
não há que se falar em riscos capazes de afastar a tutela antecipatória pleiteada,
considerada a dimensão dos direitos constitucionais violados.
Destarte, comprovada a possibilidade de lesão grave e de dificil reparação,
o presente caso não autoriza a conversão em agravo retido, conforme previsto no artigo
527, inciso II, do Código de Processo Civil, devendo, ao invés, ser processado na forma
de instrumento, pois cabível a antecipação da pretensão de tutela recursai em caráter
liminar, consoante estabelece o artigo 527, inciso III, do estatuto processual civil, in
verbis:
Artigo 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (. . .) Ili- poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou
deferir. em anteci a ão arcialinente a
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IV - DOS PEDIDOS
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Diante do exposto nas presentes razões recursais e considerando o quanto
aduzido na inicial da ação civil pública promovida (DOC. 3). o Ministério Público
Federal requer:
1) seja concedida, inaudita altera pars, LIMINAR. inclusive com
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL, com a reforma da decisão de primeiro
grau, deferindo-se os pedidos de tutela liminar/antecipada (na perspectiva da
fungibilidade prevista no§ 7~ do artigo 273. do Código de Processo Civil). com o fim de
impor aos agravados:
a) Seja suspensa a execução do serviço de radiodifusão sonora das rés
RÁDIO SHOW DE IGARAPAVA LTDA. e RÁDIO AM SHOW LTDA ..
b) A União abstenha-se de conceder novas outorgas de serviço de
radiodifusão às rés RÁDIO SHOW DE IGARAPAVA LTDA. e RÁDIO AM SHOW LTDA ..
2) Seja DADO PROVIMENTO ao presente agravo de instrumento,
reformando-se a decisão ora recorrida.
Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo, 15 de fevereiro de 2016.
IVEIRA MACHADO
Pr