1 Estao Cientfica - Juiz de Fora, n 09, janeiro junho / 2013
A SOBERANIA E A EXCEO NO PENSAMENTO DE GIORGIO AGAMBEN E
CARL SCHMITT
Terezinha de Ftima Juraczky Scziminski [email protected]
Dr. Sandro Luiz Bazzanella [email protected]
RESUMO
O presente artigo resultante de estudos e pesquisas realizados sobre algumas das obras do filsofo italiano Giorgio Agamben e do jurista e filsofo alemo Carl Schmitt, com o argumento de que todos os Estados contemporneos agem em estado de exceo. Mesmo os estados que se apresentam como governos democrticos contm na estrutura de seu poder soberano prerrogativas jurdicas excepcionais. O Estado de direito das sociedades modernas ocidentais, movimenta-se em torno do paradoxo entre reconhecer a existncia da exceo, ou assumir o risco de conferir legalidade e prerrogativas de poder soberano aos Estados que se autoproclamam democrticas. A partir dessas perspectivas, possvel a atravs dos conceitos apresentados pelo jurista alemo e pelo filsofo italiano, constatar convergncias argumentativas e analticas, salvaguardadas as diferenas tericas, conceituais e de posicionamento poltico, para a ideia de que soberano aquele que decide no estado de exceo. Ainda nesta direo, Schmitt e Agamben nos permitem reconhecer no Ocidente que a exceo uma prtica normal de governo, que se consubstancializa cotidianamente na indistino entre o poder legislativo, executivo e, judicirio, como prtica cotidiana dos governantes, mostrando-se como tendncia de uma prtica durvel nos Estados contemporneos.
Palavras-chave: Estado; Soberania; Exceo.
Terezinha de Ftima Juraczky Scziminski. bacharel em direito, pedagoga, cursando Cincia da Religio e especialista em Educao Infantil e Sries Iniciais, Gesto Escolar, Coordenao Pedaggica, Direito Municipal, Cincia Jurdica para a Magistratura e cursando Acessibilidade Cultural. Membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Cincias Humanas Cnpq. Membro do Grupo de pesquisa em Giorgio Agamben. Dr. Sandro Luiz Bazzanella. Doutor em Cincias Humanas. Professor de filosofia. Coordenador do Curso de Cincias Sociais e docente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Lder do Grupo de pesquisa Interdisciplinar em Cincias Humanas (Cnpq) e Lder do Grupo de estudo em Giorgio Agamben www.agambenbrasil.com.br
mailto:[email protected]:[email protected]2 Estao Cientfica - Juiz de Fora, n 09, janeiro junho / 2013
INTRODUO
O presente artigo resulta de um conjunto de estudos realizados em torno da
abra do filsofo italiano Giorgio Agamben (1942) e do jurista e filsofo alemo Carl
Schmitt (1888) e, pretende colocar em debate o argumento de que todos os Estados
contemporneos agem em pleno estado de exceo. Nesta perspectiva, at mesmo
os autointitulados Estados democrticos ocidentais, que pretendem disseminar, suas
prticas democrticas como melhor forma de governo para Estados de conformao
autoritria e/ou teocrtica, operam a partir do Estado de exceo. Assim, todos
aqueles estados que se apresentam como democrticos, contm na estrutura de
seu poder soberano prerrogativas jurdicas excepcionais, que se assemelham as
estruturas estatais totalitrias, fascistas, nazistas, seno stalinistas de fundo
totalitrio, que se manifestaram em toda sua potencialidade, produzindo vida nua,
eliminando cidados indesejveis e desajustveis em suas propostas totalitrias de
sociedade nas primeiras dcadas do sculo XX. sob tais condies, que Agamben
argumenta logo nas primeiras pginas de sua obra: O Estado de Exceo (2004):
O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instaurao, por meio do estado de exceo, de uma guerra civil que permite a eliminao fsica no s dos adversrios polticos, mas tambm de categorias inteiras de cidados que, por qualquer razo, paream no integrveis ao sistema poltico. (AGAMBEN, 2004, p. 13).
Portanto, o Estado de direito, que caracteriza a dinmica poltica das
sociedades modernas ocidentais, movimenta-se em torno do paradoxo entre
reconhecer a existncia da exceo, ou assumir o risco de conferir legalidade e
prerrogativas de poder soberano ao Estado na conduo de sua racionalidade
poltico-administrativa sobre o corpo biolgico dos indivduos e da populao. Nesta
direo, Agamben chama ateno para o fato determinante presente nos Estados
democrticos de direito contemporneos: O estado de exceo, apresenta-se nesta
perspectiva, como um patamar de indeterminao entre democracia e absolutismo
(AGAMBEN, 2004, 13).
O que caracteriza o Estado so suas prerrogativas de instaurao do
ordenamento jurdico na garantia da ordem necessria sua existncia, bem como
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de garantia de segurana aos recursos humanos que compe sua populao. No
entanto, em suas prerrogativas jurdicas soberanas encontra-se a condio de
estado de exceo que lhe permite operar fora do ordenamento por ele instaurado.
Tal condio coloca em cena um conjunto de variveis problematizadoras em torno
do exerccio do poder de Estado, sobretudo em sociedades que se autoproclamam
democrticas, pois na medida em que tem o poder de fazer cumprir a regra
estabelecida pela lei, tem tambm o poder de criar novas regras, ou mesmo
descumpri-las e, por ser tais regras produzidas fora do ordenamento, provm a
condio da exceo.
Neste contexto de anlise, possvel tomar os conceitos apresentados pelo
jurista alemo Carl Schmitt (1992) e, pelo filsofo italiano Giorgio Agamben (2004),
que convergem, salvaguardadas as diferenas tericas, conceituais e de
posicionamento poltico, para a ideia de que soberano aquele que decide no
estado de exceo. Ou seja, de ter presente que na tradio poltica e jurdica
ocidental, desde as origens Greco-romana da civilizao Ocidental a exceo uma
prtica normal de governo. Segundo a obra supracitada: Estado de Exceo
(2004), do filsofo italiano Giorgio Agamben, a indistino entre o poder legislativo,
executivo e judicirio, mostra-se como tendncia a transformar-se numa prtica
durvel de governo, ou seja, a exceo torna-se regra e, ainda nesta direo, a
expresso plenos poderes define uma das possveis modalidades de ao do
poder soberano durante o estado de exceo. A expresso plenos poderes (pleins
pouvoirs), com que, s vezes, se caracteriza o estado de exceo, refere-se
ampliao dos poderes governamentais e, particularmente, atribuio ao exerccio
de promulgar decretos com fora de lei. (...). Em todo caso, a expresso plenos
poderes define uma das possveis modalidades de ao do poder executivo durante
o estado de exceo, mas no coincide com ele. (Agamben, 2004, p.17).
O jurista, filsofo e terico poltico, Carl Schmitt dedicou significativas
reflexes em torno do conceito de estado de exceo. O referido pensador
argumenta que o direito se edifica como ordem pura e valorativa, onde o
pensamento do direito se torna pensamento da legalidade. Schmitt desenvolve sua
crtica demonstrando que os fundamentos jurdicos so incapazes de se constituir na
perspectiva de resoluo da questo da exceo, a no ser manifestando-se no
juridicamente. Ou seja, inerente ao ordenamento jurdico institudo pelo poder
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soberano, prerrogativas legais que lhe permitem agir em determinadas situaes
que lhe interessam a margem do ordenamento jurdico por ele institudo.
A crtica de Schmitt em relao ao estado de exceo estava centrada,
principalmente, em dois argumentos: na noo de soberania como poder de decidir
no estado de exceo e, na crena de que o esprito, a vontade do povo, somente
se revelaria se houvesse homogeneidade e ou totalidade.
No se pode indicar com clareza tipificvel quando se apresenta um estado de necessidade, nem pode ser enumerado, substancialmente, o que pode ocorrer quando se trata, realmente, de um estado extremo de necessidade e de sua reparao. Os pressupostos so aqui, como contedo da competncia, necessariamente ilimitados. Portanto, no sentido jurdico-estatal, no se apresenta nenhuma competncia. No mximo, a Constituio pode indicar quem deve agir em tal caso. No se submetendo a ao a nenhum controle, no h, de nenhuma forma, a diviso, como ocorre na prxis da Constituio jurdico-estatal, em diversas instncias que se equilibram e se obstruem reciprocamente, de modo que fica claro quem o soberano. Ele decide tanto sobre a ocorrncia do estado de necessidade extremo, bem como o que se deve fazer para san-lo. O soberano se coloca fora da ordem jurdica vigente, porm, a ela pertence, pois ele competente para a deciso sobre se a Constituio pode ser suspensa in Toto. (no seu todo) (SCHMITT, 1992. p.8)
Sob tais pressupostos, se tomarmos as prerrogativas contratualistas
hobbesianas, em que o Estado resultante da vontade coletiva dos indivduos que
abrem mo de suas liberdades inerentes ao estado de natureza em que se
encontravam inserido, em troca de segurana, advindo do pacto que funda o ente
artificial Estado. Significa ter presente que o poder soberano que o constitui e o
caracteriza advm da transferncia voluntria dos direitos de natureza dos
indivduos. Portanto, o Estado, este ente artificial no assinou o contrato social com
os indivduos, no lhes deve obedincia, nem obrigaes, no se submetendo a
nenhuma forma de poder que no seja a sua autoafirmao. Nesta perspectiva, o
Estado possui o direito legtimo violncia. esta condio ontolgica do poder
soberano que lhe permite agir exceo do ordenamento jurdico por ele institudo,
na garantia de sua manuteno e fortalecimento.
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Porm, Agamben em sua obra: Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua
(2012), questiona a tradio contratualista de Hobbes, Locke e Rousseau, de
constituio do Estado. A crtica do filsofo italiano aos filsofos contratualistas inicia
indicando que o pressuposto do estado de natureza, a partir do qual, tais
pensadores partiram para justificar a origem do Estado, jamais existiu. Um estado de
natureza pr-social no comportaria o ser humano em sua humanidade, na medida
em que o humano resultante de sua necessidade de sociabilidade. Ou ainda,
significa pressupor que o estado de natureza dos contratualistas um estado pr-
social em que h o estabelecimento e vigncia do direito liberdade e vida, mas
que podem ser afrontados a qualquer momento por qualquer indivduo. O estado de
natureza hobbesiano no uma condio pr-jurdica totalmente indiferente ao
direito da cidade, mas a exceo e o limiar que o constitui e o habitat; (AGAMBEN,
2012, p. 112)
Para Agamben, o que est na origem da constituio do Estado em sua
condio ontolgica de exceo o bando. O despertar de sua conscincia como
ser no mundo, que se d no seio do bando. Assim, o bando inclui e apreende o
humano sem suas estruturas societrias, mas na medida em que o inclui inerente
a condio ontolgica do bando, excluir, banir, retirar da esfera de convivncia com
os demais seres humanos integrantes do bando. Ou seja, o estado de exceo, a
violncia que o caracteriza j sem encontra em sua estrutura originria.
esta estrutura de bando que devemos aprender a reconhecer nas relaes polticas e nos espaos pblicos em que ainda vivemos. Mais ntimo que toda interioridade e mais externo que toda a estraneidade , na cidade, o banimento da vida sacra. Ela o nmos soberano que condiciona todas as outras normas, a espacializao originria que torna possvel e governa toda localizao e toda territorializao. (AGAMBEN, 2012, p. 116).
O que Agamben nos permite compreender a partir de um reposicionamento
das perspectivas contratualistas, sobretudo, neste caso a partir dos pressupostos
Hobbesianos, o fato de que o estado de natureza, que se caracteriza por ser uma
contnua guerra de todos contra todos sobrevive na estrutura do poder soberano. O
poder soberano constitutivo do Estado justifica-se neste limiar, nesta zona de
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indistino, de indiferena entre homem e animal, natureza e civilizao, lei e
violncia. Nas palavras do prprio filsofo.
importante notar, de fato, que em Hobbes, o estado de natureza sobrevive na pessoa do soberano, que o nico a conservar o seu natural ius contra omnes. A soberania se apresenta, ento, como um englobamento do estado de natureza na sociedade, ou, se quisermos, como um limiar de indiferena entre natureza e cultura, entre violncia e lei, e esta prpria indistino constitui a especfica violncia soberana. (AGAMBEN, 2012, p. 40).
Portanto, o estado de exceo revela a violncia no fundamento da ordem
jurdica e, consequentemente da norma. Entendendo que as normas tm funo
reconhecida de legitimar o poder e de gerar a autoridade, imputando uma posio
valorativa ao do Estado.
1. A ORDEM JURDICA E A EXCEO
Para Agamben, o paradoxo, ou a indistino entre a exceo e a regra era
exatamente o que Terceiro Reich consubstancializou de modo concreto. Hitler
organizou o Estado dual, sem promulgar uma nova Constituio, simplesmente
pela fora do espao sem norma em que se efetivou o poder soberano em toda sua
extenso tirana, sem, contudo, descumprir uma norma legal. Desta forma, segundo
Agamben, o Estado retoma o poder soberano, no como poder jurdico estabelecido
contratualmente e institucionalizado, mas como poder originrio de autoconservao
do coletivo, que se define como um direito estatal legtima defesa frente ao inimigo
perigoso.
Sob tais pressupostos o poder soberano totalmente inviolvel e inalcanvel
que segundo Agamben (2012) o soberano tendo o poder legal de suspender a
validade da lei, coloca-se legalmente fora da lei. (AGAMBEN, (2012, p.22). Sendo
assim, o soberano afasta as leis existentes, dita as suas prprias, leis com a deciso
por ele tomada. nesse sentido, que o referido filsofo, parte da ideia de que o
soberano est dentro e fora da lei. Porm, dentro e fora insuficiente para
compreender o que o fenmeno deveria explicar, qual seja:
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[...] se o que prprio do estado de exceo a suspenso (total ou parcial) do ordenamento jurdico, como poder essa suspenso ser ainda compreendida na ordem legal? Como pode uma anomia ser inscrita na ordem jurdica? [...] como possvel o ordenamento jurdico ter uma lacuna justamente quanto a sua situao crucial? E qual sentido dessa lacuna. (AGAMBEN, 2012. p. 39).
Diante de tais perguntas apresentadas pelo autor possvel perceber que o
mesmo refere-se a uma zona de indiferena, isto , que o estado de exceo no
seria exterior e nem tampouco interior ao ordenamento jurdico. Ainda nesta
perspectiva, Agamben (2012), afirma que a suspenso da norma no alude a sua
abolio e a zona de anomia da decorrente, nem deposta da relao com a ordem
jurdica, vejamos:
A exceo uma espcie de excluso. Ela um caso singular, que excluda da norma geral. Mas o que caracteriza propriamente a exceo que aquilo que excludo no est, por causa disto, absolutamente fora da relao com aquela na forma de suspenso. A norma se aplica a exceo desaplicando-se, retirando-se desta. O estado de exceo no , portanto, o caos que precede a ordem, mas a situao que resulta da sua suspenso. Nesse sentido, a exceo verdadeiramente, segundo o timo, capturado fora (ex capere) e no simplesmente excluda.(AGAMBEN, 2012. p. 24).
Tanto Schmitt como Agamben convergem no sentido de que existem
situaes de excepcionalidade, onde age uma violncia que afeta a postura
ordinria da construo das normas. A excepcionalidade converge no centro do
sistema jurdico e poltico degradando-o. Tal fenmeno se apresenta como
constitutivo da lgica da soberania, da deciso do poder excedente, afirma o filsofo
italiano: apresenta-se como forma legal daquilo que no pode ter forma legal
(AGAMBEN, 2012.p.12).
De acordo com Kervgan (2006)
O que Schimtt censura, de um modo geral, nos princpios normativistas, a sua incapacidade de criar vnculo necessrio entre a racionalidade jurdica entenda-se: aquela da teoria do direito de um lado e, de outro, a
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positividade das regras de direito, cuja coerncia supe, antes de tudo, segundo ele, a efetividade primaria de uma deciso poltica. a mesma dissociao entre racionalidade, desde modo abstrata, e a efetividade, deste modo dedicada positividade (...) (KERVGAN, 2006. p. 6/7).
O que para Schimtt parece ser claro o desejo dos constituintes de se unir a
uma razo de ordem poltica. E quando a ordem poltica est suspenso, o soberano
entra em ao e decide ao seu bel prazer, esse ato libera o poder normativo e
revigora o estado de exceo, que de maneira resumida, Schimtt observa trs
conceitos, quais sejam: soberania, exceo e deciso. ... de acordo com os
interesses geridos pelo permanente estado de exceo que a acompanha,
otimizando as formas de vida humana para contemplar, a partir de uma lgica de
produo e consumo, os interesses em jogo na relao de poder (ASSMANN,
BAZZANELLA, 2012. p.3).
Nesta perspectiva, podem-se citar como exemplo: as Medidas Provisrias,
recurso legislativo de que lana mo o poder executivo no exerccio de seu poder no
Brasil e tambm em outros Estados, entre eles a Frana, caracterizando-se como
instrumentos legislativos de exceo, que no caso brasileiro crescem
vertiginosamente1 desde a promulgao da constituio de 1988. ... o chefe do
Poder Executivo da Unio transformou-se em verdadeiro legislador solitrio da
Repblica2. A medida provisria que deveria ser medida excepcional, no entanto,
tornou-se uma tcnica de governo, do poder executivo que toma decises num
primeiro momento a revelia do poder legislativo, que se constitui como o poder
representante por excelncia dos interesses da sociedade.
1 Ao analisar o significado poltico assumido pelas medidas provisrias no Brasil, o qual possui
amplos poderes legislativos do presidente demonstram a fragilidade da democracia brasileira, e o grande nmero de medidas provisrias constitui-se uma evidncia da incurso por parte do Executivo, das atribuies do poder Legislativo. Em pesquisa realizada entre os anos de 1990 e 2000, mas especificamente os anos 1990, 1993, 2001 e 2002 e 2005 foram encontradas 350 Medidas provisrias, tratando de vrios assuntos e sendo a grande maioria convertidas em lei, podemos citar
como exemplo as medidas provisrias 402, de 29.12.1993, publicada no DOU de 30.12.1993 que altera a legislao do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, e d outras providncias. Convertida na Lei n 8.849, de 1994 e medida provisria n 2.229-43, de 6.9.2001,
publicada no DOU de 10.9.2001que dispe sobre a criao, reestruturao e organizao de carreiras, cargos e funes comissionadas tcnicas no mbito da Administrao Pblica Federal direta, autrquica e fundacional. Disponvel em: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/medidas-provisorias. 2 Frase proferida pelo Ministro Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal brasileiro julgamento da
Medida Cautelar n 4048. Disponvel em: www.stf.ov.br.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/1990-1995/402.htmhttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8849.htmhttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2229-43.htmhttp://www.stf.ov.br/9 Estao Cientfica - Juiz de Fora, n 09, janeiro junho / 2013
O estado de exceo tende cada vez mais se apresentar como paradigma de governo dominante na poltica contempornea. Esse deslocamento de uma medida provisria e excepcional para uma tcnica de governo ameaa transformar radicalmente e, de fato, j transformou de modo perceptvel a estrutura e o sentido da distino tradicional entre os diversos tipos de constituio. (AGAMBEM, 2012. p.13)
A frentica promulgao de medidas provisrias pelo poder executivo esvazia
o poder legislativo em suas prerrogativas constitucionais, como o poder que se
caracteriza como representante e guardio dos interesses da sociedade civil frente
ao poder executivo. Desta forma, possvel perceber essa disparidade no voto do
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes:
H evidente abuso, ou melhor, desvio do executivo no uso das medidas provisrias, o que caracteriza um verdadeiro trao de Estado absolutista no meio de um governo republicano e democrtico. Quando passa a exercer funes que seriam tipicamente prprios do Legislativo, o Executivo se desvirtua e acaba se tornando um poder imperial. uma tradio triste da cultura do Pas ou, a bem da verdade, da democracia ocidental...3
Ainda nesta direo preciso salientar, que existem muitos outros institutos
que poderiam ser mencionados para demonstrar excees nas legislaes em um
Estado de Direito, explicitando desta forma o argumento agambeniano: as medidas
excepcionais encontram-se na situao paradoxal de medidas jurdicas que no
podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceo apresenta-se
como forma legal daquilo que no pode ter forma legal. (AGAMBEN, 2004, p.
11/12). E ainda, que no se pretenda adequar o pensamento de Agamben a ordem
jurdica e poltica brasileira, mesmo porque demandaria outras anlises, mas tal
exemplo se justifica como condio para questionar os fundamentos do estado de
exceo presente na estrutura poltica e jurdica tambm no Brasil, teorizados pelo
filsofo, mas considerando que o Brasil um pais de tradio poltica, jurdica
ocidental, em funo de sua colonizao luzitana, relaciona-se a anlise do contexto
terico com o pensamento do referido filsofo.
3 Extrado do voto do Ministro Gilmar Mendes na Medida Cautelar em Ao Direito de
Inconstitucionalidade n 4048, ajuizada pelo Partido Social Democrtico Brasileiro, PSDB, contra o Presidente da Repblica. Disponvel em: www.stf.gov.br.
http://www.stf.gov.br/10 Estao Cientfica - Juiz de Fora, n 09, janeiro junho / 2013
possvel perceber que na lei maior, ou seja, na Constituio Federal
brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, no Ttulo IV -"Da Organizao dos
Poderes", Captulo I -"Do Poder Legislativo", Seo VIII -"Do Processo Legislativo",
Subseo III "Das Leis", no artigo 62, considera que a prtica das medidas
provisrias eleve ser disciplinada nos seguintes termos:
Em caso de relevncia e urgncia, o Presidente da Repblica poder adotar medidas provisrias, com fora de lei, devendo submet-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, ser convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Pargrafo nico. As medidas provisrias perdero eficcia, desde a edio, se no forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicao, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relaes jurdicas delas decorrentes. (BRASIL, 1988).
Diante dos amplos poderes legislativos por parte do Executivo Brasileiro, os
quais se evidenciam pelo abuso das medidas provisrias, o mesmo utiliza de
poderoso conjunto de instrumentos para controlar e muitas vezes determinar a
agenda do Congresso Nacional, utilizando as normas disciplinadas na Carta Magna,
legislando em situao que no lhe seja conveniente, desta forma construindo ao
longo do tempo um estado de exceo.
Nessa perspectiva, Carl Schmitt, (1992) afirma que a exceo elemento
central a partir de dois elementos fundamentais do direito, quais sejam, a norma e a
deciso. A partir disso, que se constitui o estado de exceo na ordem jurdica, e
que, somente diante da excepcionalidade (Ausnahmezustand) pode-se enxergar
quem o soberano, pois justamente o soberano quem decide sobre o estado ou
situao de exceo.
Todo Direito direito situacional. O soberano cria e garante a situao como um todo na sua completude. Ele tem o monoplio da ltima deciso. Nisso repousa a natureza da soberania estatal que corretamente deve ser definido, juridicamente, no como monoplio coercitivo ou imperialista, mas como monoplio decisrio em que a palavra deciso utilizada no sentido geral ainda a ser desenvolvida. O Estado de exceo revela o mais claramente possvel a essncia da autoridade estatal. Nisso, a deciso distingue-se da norma jurdica e (para formular paradoxalmente) a autoridade
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comprova que, para criar direito, ela no precisa ter razo/direito. ( SCHMITT, 1992. p.14).
Para Schimtt, necessrio definir o soberano, pois ele quem concebe o
estado de exceo, ele tambm que governar sobre tais condies. O soberano
que governar no estado de exceo estar se colocando acima da lei, suas
decises devem ser cumpridas e no questionadas e tem poder ilimitado. Um poder
supremo, ou seja, maior, irresistvel (...) (KERVGAN, 2006. p.19), a deciso
soberana no estado de exceo institui condies concretas de vigncia do direito.
Ao articular exceo a autoridade (...), para criar direito, (...) no precisa ter
razo/direito. (KERVGAN, 2006. p.14).
Agamben (2012), tambm afirma: o soberano tendo o poder legal de
suspender a validade da lei, coloca-se legalmente fora dela. (AGAMBEN, 2012, p.
23.) Importante observar que o estado de exceo atual, conhecido pela negao
do direito. Ou seja, para Agamben a relao entre Direito e violncia no Estado
moderno preliminarmente a exceo e, se caracteriza como prevalncia de uma
fora de lei sem lei.
Para Schmitt o Estado de exceo revela de maneira clara a essncia da
autoridade, expressando-se de forma paradoxal, prova que ela no necessita ter o
direito para aplicar o direito. Portanto, a exceo estado de emergncia, estado de
exceo, estado de sitio..., sob suas diferentes formas, revela na atualidade a
prpria ordem normativa.
Por outro lado, o que est em jogo na potencializao contempornea do
estado de exceo, a captura da vida em sua dimenso meramente biolgica pelo
poder soberano. Diante das demandas de plena produo e consumo em que
estamos inseridos na lgica planetria em curso, importa ao poder soberano fazer
viver e deixar morrer. Ou seja, o que est em jogo a ao do poder soberano em
suas prerrogativas de administrabilidade da vida biolgica de milhes de pessoas,
entendidos como recursos humanos, necessrios ao fortalecimento do prprio poder
soberano.
O Estado de exceo, a partir do qual opera o poder soberano, produz
ininterruptamente vida nua. A vida nua vida exposta violncia originria do
poder soberano em suas prerrogativas de instituio do ordenamento jurdico,
poltico, administrativo a partir do qual apreende a administra a vida do cidado, mas
que paradoxalmente pode agir a margem do ordenamento jurdico por ele institudo
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no sentido de apreender, capturar, manipular, controlar, vigiar e se necessrio punir
e matar as vidas que considerar desnecessrias, ou que ameacem a ordem
soberana estabelecida.
nesta perspectiva que para Bazzanella e Assmann (2013), convergem no
sentido que os dispositivos do direito que permitem ao soberano apreender como
objeto de interesse da poltica a vida nua, justifica a violncia jurdica a qual a
sociedade esta contida.
Agamben presenciou no sculo XX, e nessa primeira dcada do sculo XXI, um contexto mundial em que as promessas e projees de melhoramento do mundo e de emancipao e autonomia dos seres humanos se revelaram perspectivas contrarias, cujo paradigma, segundo o prprio filsofo italiano foi o campo de concentrao como lcus radicalizados da sociedade de massas produtoras e consumidoras. Isto envolveu a produo de vida nua, de vidas capturadas polticas e juridicamente no mbito da soberania do Estado-nao e, simultaneamente, situadas numa zona de indiferenciao, excluda de seus direitos polticos e jurdicos, o que as tornavam vidas matveis, sacrificveis. (BAZZANELLA, ASSMANN, 2013, p. 164).
E essa condio est submetida ao estado de exceo a partir da qual
justificam as mais variadas formas de manifestao de violncia como condio de
manuteno e legitimao do poder soberano. Tais argumentos, ainda hoje,
mostram-se relevantes quando se tem em vista a reflexo dos atuais Estados
Democrticos de Direito no ocidente, dentre eles o Brasil.
CONSIDERAES FINAIS
As questes apresentadas pelo jurista alemo Carl Schmitt e pelo filsofo
italiano Giorgio Agamben so provocativas e, acima de tudo, urgentes no contexto
dos estados contemporneos, exigindo ateno e perspiccia reflexiva, na medida
em que nos direcionam ao enfrentamento da questo da exceo: Como fazer para
que a norma de conta do que no se sujeita a ela? A norma pode autorizar sua
prpria suspenso por meio de excees? Ainda nesta direo, Agamben questiona:
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como compreender um poder estatal a margem do direito, para alm da norma, uma
deciso sem fundamentos regrados, ou uma ordem transcendente a ordem jurdica?
Para o filsofo, o estado de exceo o paradigma das estruturas polticas
jurdicas ocidentais, potencializado pela modernidade e, radicalizado nas
experincias do campos de concentrao do incio do sculo XX, em situao na
qual a lei existe formalmente, mas no tem eficcia de fato. Ou ainda, na medida em
que o ordenamento jurdico inclui concomitantemente exclui o vivente, o homem
suposto portador direitos condio de vida nua, destitudo de todo e qualquer
direito.
Talvez o que Carl Schmitt e, sobretudo, Agambem nos permitem
compreender em relao aos ordenamentos polticos e jurdicos estatais que se
constituram no Ocidente at nossos dias este limiar de indiscernibilidade entre
vida humana juridicamente justificada, portadora de direitos e, vida humana que em
determinados momentos passa a ser juridicamente injustificada, submetida aos
interesses da ao do poder soberano.
E nesta perspectiva, Agamben demonstra que no estado de exceo, o
soberano pode decidir qual vida vale pena ou no de ser vivida, potencializada e/ou
aniquilada.
Agamben, utilizando a teoria de Derrida, complementa que o estado de
exceo se caracteriza pelo isolamento da fora de lei em relao lei, na
palavras do autor:
Ele define um estado da lei em que, de um lado, a norma esta em vigor, mas no se aplica (no tem fora) e em que, de outro lado, atos que no tem valor de lei adquirem sua fora. No caso extremo, pois, a fora de lei flutua como um elemento indeterminado, que pode ser reivindicado tanto pela autoridade estatal [...] quanto por uma organizao revolucionaria [...]. O estado de exceo um espao anmico onde o que esta em jogo uma fora de lei sem lei (que deveria, portanto, ser escrita: fora de lei). Tal fora de lei, em que potencia e ato esto separados de modo radical, certamente algo como um elemento mstico, ou melhor, um fictio por meio da qual o direito busca se atribuir sua prpria anomia. (AGAMBEN, 2004. p. 61)
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Assim para o filsofo italiano, os Estados contemporneos agem em
permanente estado de exceo, pois toma como fato poltico por excelncia a vida
do cidado em sua centralidade biolgica, fazendo viver, ou deixando morrer. O
sujeito da soberania, no caso da exceo, no est limitado a um conjunto de
competncias, mas a uma deciso, que tem em si a presuno de um poder
ilimitado, em circunstancia de um caso concreto.
Para Carl Schmitt (1992), o Estado se sobrepe ao direito. Ou seja, a validade
da norma jurdica e o estado de exceo que suspende o direito por fazer jus
autopermanncia implicam no fato de que a exceo um poder supremo, maior,
irresistvel, no necessita provar nada ao direito simplesmente a vinculao do
poder ftico e jurdico. Nesse sentido, torna-se o problema principal do conceito de
soberania, por ser um elemento formal jurdico-especfico de deciso.
No direito brasileiro, pode-se citar o direito vida humana, a qual est
ordenada dentro um sistema de leis, em que essa vida no tomada em seu sentido
particular, pois no texto da lei encontra-se a definio de quando comea e termina
esta vida. Nesse sentido, tornar-se evidente que nesse modelo, a lei soberana,
vindo de encontro s reflexes de Giorgio Agamben, em que a lei muito mais do
que administrar o poder, ela que conduz a vida dos cidados.
Portanto, no Estado brasileiro, vinculado a tradio moderna ocidental, pode-
se dizer que tambm vigora o estado de exceo em vrias circunstncias, como
integrante do modelo poltico e jurdico que circunscreve nossas vidas em situaes
em que o ordenamento suspenso, onde a lei disposta se traduz em muitos casos,
em processos, em ritos jurdicos, em discusses dos tribunais, por vezes se
resumindo forma. Ou seja, em nossa estrutura de Estado de direito de fundo
igualitarista encontra-se o mesmo paradoxo do estado de exceo evidenciado por
Carl Schmitt e Giorgio Agamben na tradio contratualista em suas estruturas
poltico-jurdicas do Estado moderno.
ABSTRACT
This article is the result of studies and research conducted on some of the works of the Italian philosopher Giorgio Agamben and the German jurist and philosopher Carl Schmitt, with the argument that all contemporary states act in a state of exception. Even states that present themselves as democratic governments in the structure
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contain its sovereign power exceptional legal prerogatives. The rule of law of modern Western societies, moves around the paradox between acknowledging the existence of the exception, or take the risk of giving legitimacy and prerogatives of sovereign power to states that call themselves democratic. From these perspectives, it is possible through the concepts presented by the German jurist and philosopher Italian convergences seen analytical and argumentative, safeguarded theoretical differences, conceptual and political positioning for the idea that sovereign is he who decides on the state of exception. Also along these lines, Schmitt and Agamben allow us to recognize in the West that the exception is a normal practice of government that consubstancializa daily in blurring between the legislative, executive, and judiciary, as a daily practice of the government, showing up as trend durable practice in contemporary states . Keywords: State, Sovereignty, Exception.
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