3. Instrumento de trabalho3 Congresso Missionrio Nacional
Palmas, TO, 12 a 15 de julho de 2012 Lema:Como o Pai me enviou,
assim eu vos envio (Jo 20,21) Tema:Discipulado missionrio: do
Brasil para um Mundo secularizado e pluricultural, luz do Vaticano
II Pontifcias Obras Missionrias (POMBrasil)
4. Instrumento de trabalho 3 Congresso Missionrio
Nacional.Tema: Como o Pai me enviou, assim eu vos envio (Jo
20,21)Lema: Discipulado missionrio: do Brasil para um Mundo
secularizado e pluricultural, luz do Vaticano IIDireo:Pe. Camilo
PaulettiDiretor Nacional das POM do BrasilTextos:Irmo Israel Jos
Nery, fsc;Pe. Paulo Suess;Pe. Estevo Raschietti,
sx.Colaboradores:Pontifcias Obras Missionrias (POM), Comisso
Episcopal Pastoral para a AoMissionria e a Cooperao Intereclesial,
Comisso Episcopal para a Amaznia,Comisso Episcopal da Misso
Continental, Conselho Missionrio Nacional(Comina), Conferncia dos
Religiosos do Brasil (CRB), Centro Cultural Missio-nrio (CCM),
Arquidiocese de Palmas (TO).Reviso: Prof Susana Marques Rodrigues
de OliveiraDiagramao: Jovailton VagnerImpresso: Grfica e Editora
AmricaTiragem: 15 mil exemplaresFevereiro de 2012Pontifcias Obras
MissionriasSGAN 905 Conj. B 70790-050 Braslia DFCaixa Postal: 3.670
70089-970 Braslia DFTel.: (61) 3340-4494 Fax: (61)
[email protected] www.pom.org.br
5. SumrioApresentao
........................................................................................................................................................53
Congresso Missionrio Nacional
.........................................................................................................................7Programao
......................................................................................................................................................11Um
pouco de histria
..........................................................................................................................................14O
secular e pluricultural no qual nos cabe ser Discpulos Missionrios
......................................................................15Discipulado
missionrio do Brasil para o mundo luz do Vaticano II e do magistrio
latino-americano ......................37Discpulos missionrios e
missionrias ad gentes do Brasil para o
mundo.................................................................61
6. Apresentao Como o Pai me enviou, assim eu vos envio (Jo
20,21) Vivemos num processo de rpidas mudanas e transformaes que
afe-tam a todos, em todos os nveis. Somos convidados e desafiados a
fazernossa parte como Igreja missionria. Para refletirmos juntos
sobre nossa ca-minhada neste mundo secularizado e pluricultural,
promovemos o 3 Con-gresso Missionrio Nacional, em Palmas, TO, nos
dias 12 a 15 de julho de2012. Nesse propsito, estamos unidos a
todos os pases do nosso continenteque se preparam para a celebrao
do CAM 4 COMLA 9, que acontecerna Venezuela nos dias 26 de novembro
a 01 de dezembro de 2013 e que tercomo tema: Discpulos Missionrios
de Jesus Cristo num mundo seculari-zado e pluricultural. Depois de
muitos esforos, chegamos at vocs com o instrumento detrabalho para
o 3 Congresso Missionrio Nacional, que pretende nos ajudara
preparar e viver este momento. Neste subsdio vamos encontrar: as
motivaes para o Congresso, osobjetivos, a programao, a organizao,
um pouco da histria e a reflexodos nossos assessores. O Irmo Nery
se debrua sobre o tema do CAM 4 COMLA 9, que en-foca a misso no
mundo secularizado e pluricultural. Retoma a histria desdea
cristandade at o mundo contemporneo. Apresenta questionamentos
edesafios, assim como alguns encaminhamentos. Por sua vez, Pe.
Paulo Suess nos aproxima de nossa realidade brasileirade discpulos
missionrios para o mundo, iluminados pelo Conclio VaticanoII e
pelos documentos latino-americanos: nos apresenta quem o mestre
equem somos ns; retoma o Deus do xodo no AT, Eu sou aquele que
sou,e o conecta com o Evangelho de So Joo; faz-nos sentir a
profunda e belaherana do Vaticano II e os nossos compromissos como
Igreja missionria. Enfim, Pe. Estevo Raschietti nos fala sobre os
discpulos missionriosalm-fronteiras e da importncia da misso ad
gentes para a caminhada daIgreja no Brasil: A Igreja peregrina por
sua natureza missionria (AG 2). 5
7. Apresentando os aspectos essenciais da misso, ele chama a
ateno sobreo perigo de achar que temos preocupaes suficientes ao
nosso redor: issoacaba sufocando o impulso de sair e de se doar.
nesse clima de busca e de esperana, que somos motivados a vivereste
tempo presente, confiando no Esprito do Senhor. Nossa
missionariedadefaz a diferena! Temos que atear fogo, fazer surgir
um novo ardor, a foraque impulsiona a se lanar ao mundo! Sair do
egosmo, do comodismo e doapego s coisas, e acreditar que temos
muito a contribuir, colocando nossasforas e dons a servio para um
outro mundo possvel. Pe. Camilo Pauletti Diretor das Pontifcias
Obras Missionrias 6
8. 3 Congresso Missionrio Nacional Palmas, TO, 12 a 15 de julho
de 2012 O mandato de pregar o Evangelho no se esgota com a
solicitude pelaporo do Povo de Deus confiada aos cuidados
pastorais, nem com o envio de qualquer sacerdote, leigo ou leiga
fidei donum. O referido mandato deve envolver toda a atividade da
Igreja particular, todos os seus sectores, em suma, todo o seu ser
e operar (...). Isto exige que estilos de vida, planos pastorais e
organizao diocesana se adqem, constantemente, a esta dimenso
fundamental de ser Igreja, sobretudo num mundo como o nosso em
contnua transformao. E o mesmo vale para os Institutos de Vida
Consagrada e as Sociedades deVida Apostlica e tambm para os
Movimentos eclesiais: todos os elementos que compem o grande
mosaico da Igreja devem sentir-se fortemente interpelados pelo
mandato de pregar o Evangelho para que Cristo seja anunciado em
toda a parte. (Mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial das
Misses de 2012) MOTIVAO A caminhada dos Congressos Missionrios
Nacionais (CMNs) chega sua terceira etapa. Pensados e realizados em
vista da convocao aos Con-gressos Americanos e Latino Americanos
Missionrios (CAMs COMLAs),os CMNs propuseram-se como forte momento
de reflexo, animao e arti-culao em torno da natureza missionria da
Igreja e de suas tarefas evan-gelizadoras prioritrias no mundo de
hoje, com enfoque na misso ad gentes. O 1 Congresso Missionrio
Nacional foi realizado em Belo Horizonte,MG, de 17 a 20 de julho de
2003, em preparao do CAM 2 COMLA 7 naGuatemala. O local desse
evento nos remeteu celebrao do V CongressoMissionrio
Latino-americano (COMLA 5), que aconteceu de 18 a 23 de julhode
1995. Nesta ocasio, refletimos sobre os fundamentos trinitrios da
Misso,a gratuidade da Missio Dei, o protagonismo dos pobres e dos
outros, o papel 7
9. das pequenas comunidades e a articulao missionria da grande
comunidade.O impulso do tema geral expressava o testemunho tocante
e proftico da Igrejada Guatemala e de toda a Amrica Central:
Anunciar o evangelho da paz apartir da pobreza, da alteridade e do
martrio. Resumimos, ento, os nossoscompromissos em trs
palavras-chave: gratuidade, comunidade, projeto. O 2 Congresso foi
realizado em Aparecida, SP, a um ano de distncia, eno mesmo local
os bispos do Continente se reuniram para celebrar a V Con-ferncia
Geral do Episcopado Latino Americano. A Conferncia de
Aparecidamarcou o passo, o tom e o tema do 2 CMN em vista do CAM 3
COMLA 8na cidade de Quito, no Equador, em agosto daquele ano.
Refletimos e parti-lhamos juntos sobre as diversas perspectivas do
discipulado-missionrio entreparquia missionria, misso continental e
misso ad gentes. Fizemos memriados 40 anos da Conferncia de
Medelln, onde encontramos o DNA da mis-sionariedade
latino-americana, a partir da opo pelos pobres. Aprofundamoso
sugestivo tema do CAM 3 COMLA 8, Misso ad gentes como misso paraa
humanidade, luz do ensinamento do Vaticano II. Em Belo Horizonte,
redescobrimos o fundamento trinitrio da misso,particularmente sua
origem no Pai e seus desdobramentos na misso do Filhoe do Esprito.
Em Aparecida, sentimos perpassar, a partir das celebraes eem todos
os momentos dos trabalhos, a presena de Nossa Senhora, medos pobres
e dos povos, como uma caracterstica profunda enraizada na tra-dio
missionria do Continente. Ela presidiu o Congresso junto a seu
FilhoCrucificado, e ao povo sofrido que nela deposita todas suas
angstias e es-peranas, e que acolheu em suas casas os participantes
do Congresso. O tremda f e da misso, dirigido pelo olhar de Maria e
pilotado pelos leigos e leigas,convocou religiosas e religiosos,
bispos e presbteros, incorporando-os marcha: um sinal claro que
expressa como se edifica a Igreja e como procedea misso a partir do
continente. O 3 Congresso Missionrio Nacional ser realizado em
Palmas, TO, amais jovem das capitais de estado, uma das mais jovens
arquidioceses doBrasil. O tema do CAM 4 COMLA 9, a ser celebrado na
Venezuela em 2013,nos convida a refletir sobre a misso da Igreja
num mundo secularizado epluricultural, a 50 anos do Conclio
Vaticano II. Voltam a ressoar em ns aspalavras da Evangelii
Nuntiandi: a ruptura entre o Evangelho e a cultura 8
10. sem dvida o drama da nossa poca (EN 20). Por isso preciso
chegar aatingir e como que a modificar pela fora do Evangelho os
critrios de julgar,os valores que contam, os centros de interesse,
as linhas de pensamento, asfontes inspiradoras e os modelos de vida
da humanidade, que se apresentamem contraste com a Palavra de Deus
e com o desgnio da salvao (EN 19). A Igreja se encontra hoje numa
situao de dispora diante da fragmen-tao e da multiculturalidade do
mundo atual. A hegemonia das tradies re-ligiosas em determinados
territrios deixou lugar ao pluralismo possvel,graas s encruzilhadas
proporcionadas por tecnologias, mercados, mobili-dades humanas e
aglomeraes urbanas. Nesse contexto, a misso ad gentesamplia por
inrcia seu mbito de ao. Antigamente, na mentalidade da
cris-tandade, ela coincidia com a misso ad extra, em territrios
culturalmente nocristos. Hoje, parece impor-se como realidade em
qualquer lugar, particu-larmente nos contextos de antiga tradio
crist. Mais do que tudo, o anncio do Evangelho aos povos precisa
escolherurgente e decididamente o caminho do dilogo intercultural,
inter-religiosoe inter gentes. A Encclica Ecclesiam Suam de Paulo
VI (1964), na poca doConclio, j expressava de maneira contundente
essa necessidade: Nem a guarda nem a defesa so os nicos deveres da
Igreja quanto aos dons que possui. Dever seu, inerente ao patrimnio
recebido de Cristo, tambm a difuso, a oferta, o anncio: Ide, pois,
ensinar todos os povos (Mt 28,19). Foi a ltima ordem de Cristo aos
seus Apstolos. Estes, j com o simples nome de Apstolos, definem a
prpria misso indeclinvel. A este interior impulso da caridade, que
tende a fazer-se dom exterior, dare- mos o nome, hoje comum, de
dilogo (ES 37). O 3o Congresso Missionrio Nacional quer ser um
momento propciopara refletir sobre a caminhada missionria em nosso
pas, celebrar as graasque recebemos, agradecer a criatividade e os
sacrifcios das nossas testemu-nhas na f e, particularmente,
aprender a dialogar profeticamente com todos,alm do mundo que nos
rodeia, alm de toda fronteira. 9
11. OBJETIVO GERAL Assumir a dimenso universal da misso, neste
mundo secularizado epluricultural, guiados pelo Esprito, a servio
do Reino, luz do Conclio Va-ticano II e da caminhada da Igreja na
Amrica. OBJETIVOS ESPECFICOS n Preparar o CAM 4 COMLA 9; n Refletir
a misso permanente da Igreja no Brasil, neste mundo secu- larizado
e pluricultural, em todas as suas dimenses; n Acolher prticas
missionrias significativas a servio dos pobres e de dilogo com os
outros; n Fortalecer os projetos missionrios ad gentes da Igreja do
Brasil; n Incentivar a cooperao intereclesial; n Articular os
organismos e as foras missionrias; n Despertar vocaes missionrias;
n Celebrar a caminhada da dimenso missionria. TEMA: DISCIPULADO
MISSIONRIO DO BRASIL PARA UM MUNDO SECULARIZADO E PLURICULTURAL,
LUZ DO VATICANO II. EIXOS: Secularizao: a misso diante de um mundo
seculari- zado e pluricultural; Vaticano II: relevncia missionria
do Conclio Vaticano II, a 50 anos da abertura; Ad Gentes: a Igreja
no Brasil e o compromisso com a misso ad gentes. LEMA: COMO O PAI
ME ENVIOU, ASSIM EU VOS ENVIO. MUTIRES DE REFLEXO: 4 grandes
mutires de reflexo, que por sua vez se subdividiro emoficinas e
grupos: n Infncia, adolescncia e juventude missionria; n Leigos e
leigas; n Religiosos e religiosas; n Ministrios ordenados. 10
12. PROGRAMAO Nos congressos anteriores o trecho de Lc
24,13-35, os discpulos deEmas, foi o motivo bblico condutor de todo
o evento. Desta vez escolhemosAt 8,26-40, o encontro sugestivo
entre Felipe e o etope. Os dias do 3 CMNficam estruturados desta
maneira: Dia do caminho (At 8,26-28); Dia do en-contro (At
8,29-31); Dia da partilha (At 8,32-35); Dia do compromisso
(At8,36-38). Quinta feira 12 de julho de 2012 DIA DO CAMINHO 14h00
18h00 Credenciamento e acolhida dos participantes 18h00 19h30 Sesso
de Abertura Sexta feira 13 de julho de 2012 DIA DO ENCONTRO 08h00
08h30 Orao 08h30 10h00 Painel temtico Olhar sobre o mundo
secularizado e pluricultural no qual nos cabe ser discpulos
missionrios. 10h00 10h30 Intervalo 10h30 12h00 Conferncia
Discipulado missionrio do Brasil para um mundo secularizado e
pluricultural, luz do Vaticano II 14h00 15h30 Mutires de reflexo
Exposies temticas 15h30 16h00 Intervalo 16h00 17h30 Mutires de
reflexo Debate em grupos 18h00 19h00 Missa nos mutires Sbado 14 de
julho de 2012 DIA DA PARTILHA 08h00 08h30 Orao 08h30 10h00 Mutires
de reflexo Partilha e testemunhos 10h00 10h30 Intervalo 10h30 12h00
Mutires de reflexo Snteses e concluses 14h00 15h30 Painel de
experincias missionrias significativas 11
13. 15h30 16h00 Intervalo 16h00 17h30 Painel de experincias
missionrias significativas 19h00 20h00 Nas parquias, missa
Confraternizao e mo- mento cultural Domingo 15 de julho de 2012 DIA
DO ENVIO 08h00 08h30 Orao 08h30 10h00 Sesso de encerramento:
apresentaes dos muti- res 10h00 10h30 Intervalo 10h30 12h00
Celebrao final e envio missionrio PARTICIPANTES O 3o Congresso
Missionrio Nacional conta com a participao de maisde 600 pessoas.
Os convidados so os delegados dos Conselhos Mission-rios Diocesanos
(COMIDIs), de Instituies e Organismos missionrios en-gajados na
animao missionria de suas Igrejas. Cada Regional da CNBB,por meio
de seu Conselho Missionrio Regional (COMIRE), ter disposioum nmero
de vagas proporcional ao nmero de suas dioceses, e comps ogrupo de
participantes de acordo com sua prpria realidade eclesial.
Convida-se a escolher pessoas que saibam debater e levar
contribuiesaos temas propostos, de modo que o resultado da reflexo
conjunta seja re-presentativo da caminhada missionria das diversas
Igrejas. Por isso, a indicao e a inscrio dos participantes dever
seguir crit-rios bem definidos, alm de uma composio heterognea
entre presbteros,religiosos/as e leigos/as, representantes de
instituies, assessores e coorde-nadores de pastoral e bispos da
Dimenso Missionria dos Regionais. 12
14. ORGANIZAO1. O COMINA, atravs de sua equipe executiva e dos
coordenadores dos Regionais, promove este evento, assume sua conduo
e convoca os participantes.2. A Presidncia do Congresso ser
constituda por: Presidente de honra: DOM PEDRO BRITO GUIMARES,
Arcebispo de Palmas, TO; Presidente do Congresso: DOM SRGIO BRASCHI
Bispo de Ponta Grossa, PR, e Presidente do Conselho Missionrio
Nacional (COMINA) Presidente executivo: PE. CAMILO PAULETTI Diretor
das Pontifcias Obras Missionrias (POM); Vice Presidente: IR. MRIAN
AMBROSIO Presidente da Conferncia dos Religiosos do Brasil (CRB);
Coord. da Assessoria: PE. ESTEVO RASCHIETTI, SX Secretrio Exe-
cutivo do Centro Cultural Missionrio (CCM); Secretrio Executivo:
PE. FBIO GLEISER Coordenador do Conselho Missionrio Diocesano de
Palmas.3. A Arquidiocese de Palmas responsvel pela organizao da
infra- estrutura, do alojamento, da alimentao, do transporte, do
creden- ciamento, da acolhida, da animao, da liturgia, do
bem-estar/sade, da segurana, da limpeza e da superviso.4. Uma
equipe da CRB se encarregar da secretaria do evento.5. A divulgao
do evento e o contato com rgos de imprensa tm como responsvel o Pe.
Jaime Patias, IMC, Diretor da Revista Misses.6. Os recursos
financeiros sero garantidos pelos organismos e insti- tuies ligadas
ao COMINA e pelos participantes. Braslia, DF, 21 de fevereiro de
2012 13
15. Um pouco de histria A caminhada eclesial e missionria da
Igreja na Amrica Latina rumo auma progressiva, responsvel e
original abertura universal ficou profundamentemarcada pelos
Congressos Missionrios Latino-Americanos (COMLAs). Os COMLAs
tiveram origem nos Congressos Missionrios Nacionaisdo Mxico. Foram
promovidos pelas Pontifcias Obras Missionrias (POM) eorganizados
com a colaborao co-responsvel das Conferncias Episcopais. O Mxico
foi um dos primeiros pases da Amrica Latina a organizar-se na
dimenso missionria. At 1977, j havia realizado seis
CongressosMissionrios Nacionais. Nesse ano, celebrava-se o 7
Congresso Missionrio Nacional mexicano,em Torren. Por iniciativa do
Card. Agnelo Rossi, ento Prefeito da Congregao paraa Evangelizao
dos Povos, enviado especial do Papa para o evento, foram
con-vidados ao Congresso os bispos responsveis de Comisses
Missionrias dasrespectivas conferncias episcopais e os Diretores
Nacionais das PontifciasObras Missionrias de vrios pases
latino-americanos, que lhe imprimiram umcarter quase continental,
lanando-se a proposta de repetir a experincia emnvel de Amrica
Latina, a cada cinco anos. O congresso de Torren tornou-se,assim, o
1 Congresso Missionrio Latino-Americano (COMLA 1). No ano de 1999,
por ocasio do 6 COMLA em Paran (Argentina), oCongresso abriu suas
fronteiras a todo o Continente Americano, tornando-se assim o CAM 1
(Primeiro Congresso Missionrio Americano). No prximo ano, nos dias
26 de novembro a 1 de dezembro de 2013,na Venezuela, estaremos
unidos a todos os pases do nosso continente parao CAM 4 COMLA 9.
1977 COMLA 1, Torren (Mxico) 1983 COMLA 2, Tlaxcala (Mxico) 1987
COMLA 3, Bogot (Colmbia) 1991 COMLA 4, Lima (Peru) 1995 COMLA 5,
Belo Horizonte (Brasil) 1999 COMLA 6/CAM 1, Paran (Argentina) 2003
COMLA 7/CAM 2, Cidade da Guatemala (Guatemala) 2008 COMLA 8/CAM 3,
Quito (Equador) 14
16. O secular e pluricultural no qual nos cabe ser Discpulos
Missionrios Irmo Nery, fsc* Introduo O CAM 4 COMLA 9 acontecer em
novembro de 2013 em Maracaibo, Ve-nezuela. O tema: Discpulos
missionrios de Jesus Cristo, a partir da Amrica, nummundo
secularizado e pluricultural, com o lema: Amrica Missionria
partilha tua F. Dois eventos de cunho internacional marcam a
preparao deste grandeCongresso em Maracaibo na Venezuela: o
primeiro Simpsio Missionrio In-ternacional, celebrado em janeiro de
2011, em Caracas, Venezuela, que abordouo tema Secularizao,
presente e futuro, desafio para a misso; e o segundoSimpsio
Missionrio Internacional, na cidade do Panam, entre os dias 23 e27
de janeiro de 2012 com o tema: Pluriculturalidade, presente e
futuro, desafiopara a misso e o lema: E passaram para a outra
margem (Jo 6,17). As Pontifcias Obras Missionrias do Brasil (POM) e
o Conselho Missio-nrio Nacional (COMINA) promovero, nos dias 12 a
15 de julho de 2012,em Palmas, TO, como parte da preparao ao CAM 4
COMLA 9, o TerceiroCongresso Missionrio Nacional, com o tema
Discipulado missionrio: doBrasil para um Mundo secularizado e
pluricultural, luz do Vaticano II. Celebraremos, a partir de
outubro de 2012, os 50 anos do inicio do ConclioVaticano II
(1962-1965), um precioso fruto da docilidade de Joo XXIII e de
grandeparte da Igreja Catlica ao Esprito Santo. No dizer do Padre
Manoel Godoy: Era preciso reencontrar o caminho do dilogo da Igreja
com a socie- dade, que havia sofrido uma ruptura drstica com o
advento da modernidade e do positivismo. Eram tempos da emergncia
da secularizao. Hoje, o de- safio se desloca para o aprendizado
difcil da convivncia num mundo plural. A Instituio Catlica j no
mais a nica instituio religiosa produtora de bens simblicos capaz
de oferecer codificao global s relaes humanas.11 GODOY, Manoel:
Conclio Vaticano II: balano e perspectivas luz dos seus 40 anos, in
Revista Eclesistica Brasileira, REB, n 259, Editora Vozes,
Petrpolis, 2005* Irmo Israel Jos Nery, Irmo Nery, como mais
conhecido, lasalista, autor de dezenas de livros, considerado uma
das maiores referncias da catequese no Pas. 15
17. Cabe, neste texto preparatrio ao Terceiro Congresso
MissionrioNacional, apresentar algumas reflexes sobre o mundo
secularizado epluricultural, com seus desafios e oportunidades para
os Discpulos Mis-sionrios na Amrica e, a partir da Amrica, para o
mundo. Dividimos otexto em trs partes: 1) Cristandade, secularizao
e secularismo; 2) Omundo pluricultural em que estamos mergulhados;
3) Alguns encami-nhamentos. 1. Cristandade, secularizao e
secularismo 1.1 A CRISTANDADE Do final do sculo IV ao sculo XII,
com fortes consequncias posterio-res, e que em parte at hoje ainda
perduram em alguns lugares, aconteceuuma profunda impregnao de tudo
na sociedade pelo cristianismo. Duranteum longo perodo da histria
ocidental, mormente na Idade Mdia, reinouplenamente a cristandade2,
que fez as pessoas e grupos terem, como umaatitude quase espontnea
e natural, o hbito de se referir a Deus. Tudo partiado sagrado,
girava e se desenvolvia nele. Nada tinha sentido sem refernciaa
Deus e religio. O cristianismo, depois de muito perseguido pelo
imprio romano, al-canou a liberdade com o Edito de Tolerncia, em
Milo, decretado pelo im-perador Constantino, em 313 dC. Mais tarde,
o imperador Teodsio I, oGrande, (347-395), declarou, em 380, o
cristianismo como a religio oficialdo Imprio Romano.
Estabeleceu-se, da em diante, a unio oficial entre ocristianismo e
o Estado, que, aos poucos, se solidificou durante quase dezsculos,
chegando a tal ponto que interferir com a religio crist era
tambminterferir com o Estado. Para garantir proteo contra toda e
qualquer possi-bilidade de intento de mudana, tanto no modo de
pensar como de agir, ini-ciativas foram tomadas pelo Estado e pelo
cristianismo. O ponto mais alto2 H duas cristandades. A cristandade
oriental, Igreja Ortodoxa, que comeou a se desmembrar da Igreja de
Roma em 395 e culminou com a separao em 1054, quando era Patriarca
de Constantinopla, Miguel I, Cerulrio (1000- 1059); e a cristandade
ocidental, que dominou o ocidente, particularmente a Europa, at o
sculo XII e continuou a influenci-lo fortemente por todo o primeiro
milnio da era crist. 16
18. deste pacto aconteceu com a Inquisio.3 As pessoas suspeitas
de propor al-guma mudana no pensamento, nas convices, nas cincias e
na estruturasocial e religiosa passaram, ento, a ser perseguidas,
presas, torturadas e as-sassinadas. Foi, sem dvida, uma pgina
horrvel na histria do ocidente, prin-cipalmente para a religio
crist. LIBERDADE DE CONSCINCIA, DE PENSAMENTO E DE ESCOLHA Mas, do
sculo XIII em diante e a semente se encontra nos escritos do
fran-ciscano Frei Guilherme de Ockham (1285-1347)4 , a filosofia e
o estilo de vida nodia-a-dia comearam a abrir espao para a
possibilidade da distino terica e pr-tica entre direito natural e
direito sagrado, entre o profano e o sagrado. As coisasdeste mundo,
do tempo do aqui histrico-geogrfico, da vida de todos os seres,
eespecialmente do ser humano, tm em si mesmas sentido, valor e
cidadania, mesmosem referncia explcita a Deus e sem o aval da
religio. Ockham, em sua polmicacom o Papa Joo XXII, redigiu vrios
ensaios defendendo a tese de que a autoridadedo lder limitada pelo
direito natural e pela liberdade dos liderados, e que isto
estafirmado nos Evangelhos. Ele denunciava abertamente aqueles que,
em nome dareligio, usurpavam o livre arbtrio, a liberdade de
pensamento e de escolha do serhumano. E ele afirmava que a
liberdade humana dom de Deus e da natureza,como, alis, a religio
crist ensina; e conclua que, se assim, evidentemente a li-berdade
precisa ser respeitada primeiramente pelo Papa. Evidentemente, como
erade se esperar, a situao dele com a Igreja hierrquica tornou-se
muito difcil. SECULARIDADE DESTE MUNDO A partir de Ockham foi
acontecendo, aos poucos, um resgate do esquecidocontedo da palavra
ain, muito importante na cultura grega, e que foi tradu-3 Inquisio
(inquirir, indagar, investigar, interrogar judicialmente). A Santa
Inquisio ou Santo Ofcio tinha como objetivo instaurar oficialmente
um processo jurdico contra as pessoas que no aceitavam a doutrina e
a moral da Igreja Catlica, e puni-las. Os suspeitos de heresia
representavam uma ameaa autoridade clerical e do Estado, e a
Inquisio era um recurso para impor fora a supremacia catlica,
fazendo calar e mesmo exterminando os que no aceitavam o que a
Igreja ensinava.4 Guilherme de Ockham (1285-1347), frade
franciscano, considerado o ltimo grande filsofo medieval, j na
transio para o pensamento renascentista. Trabalhou em Oxford, em
Avinho e em Munique, sempre fugindo da perseguio da hierarquia
catlica, que o acusava de ser um herege pelas idias veiculadas em
seus livros com fortes crticas ao poder do Papa. 17
19. zida para o latim pelo termo saeculum (o que do mundo)
termos usadospara expressar que as realidades deste mundo tm valor,
com isso, a humani-dade ocidental, at ento toda imbuda da religio,
passava a conviver com cres-centes grupos de pessoas que lidavam
com as realidades deste mundo, massem necessariamente referi-las a
Deus e autoridade da religio, porque essasrealidades seculares
ensinavam, de modo especial, que a liberdade humana temem si mesma
valor, utilidade e leis especficas no grande concerto do cosmos.
Aos poucos, apesar dos conflitos inerentes s novidades, o mundo
ocidentalfoi incorporando, como natural e normal, a secularidade de
tudo o que existe. Eesta assimilao foi facilitada pelo fato de a
secularidade, em si, no excluir a pos-sibilidade de divindade e de
religio. Hoje, no sculo XXI, j no se atribui signifi-cado religioso
s realidades deste mundo, nem sequer s doenas e s
catstrofesnaturais, antes interpretadas como castigos de Deus. As
cincias esto a para darexplicaes aos fenmenos da natureza e para
avanar na pesquisa em buscados segredos e mistrios de tudo o que
existe no macro e no microcosmos. 1.4 O SECULARISMO E O ATESMO Mais
tarde, porm, especialmente nos sculos XVII e XVIII, com a
in-fluncia dos enciclopedistas franceses5 e, de modo especial, de
alguns filso-fos como Descartes, Hobbes, Montesquieu, e, acima de
todos, Emanuel Kant,a cidadania da secularidade foi levada aos
pncaros. De fato, os filsofos do5 O Iluminismo, iniciado na
Inglaterra, na Holanda e na Frana, nos sculos XVII e XVIII, foi um
movimento cultural que fez avanar as idias da liberdade,
especialmente da liberdade poltica, econmica, cultural e religiosa.
Filsofos e economistas exaltavam e impulsionavam a luz do
conhecimento racional. O matemtico Decartes (1596 - 1650) foi quem
antecipou, no sculo XVII, as idias que alguns pensadores
iluministas ingleses, como John Locke e Isaac Newton, desenvolveram
tendo grande aceitao na Frana do sculo XVIII. Estas idias foram
assumidas e desenvolvidas por Voltaire (1694 - 1770), o maior dos
filsofos iluministas franceses, e um dos maiores crticos do Antigo
regime e da Igreja. Ele defendia ferrenhamente a liberdade de
pensamento e de expresso e previa que a partir dos ideais
iluministas aconteceria uma grande revoluo na Frana. No campo
poltico, a maior influncia foi de Montesquieu (1698-1755), que
propunha a diviso do poder em executivo, legislativo e judicirio,
mantendo-se, porm, em equi- lbrio permanente. Jean Jacques Rousseau
(1712-1778) distinguiu-se por criticar a burguesia e a propriedade
privada. O auge do iluminismo poltico e filosfico na Frana
aconteceu quando seus princpios foram colocados em prtica por meio
da Revoluo Francesa (1789-1799). Cf. HIMMELFARB, Gertrude: Os
caminhos para a modernidade Ed. Realizaes, 2011, que destaca a
proeminncia dos filsofos britnicos iluministas sobre os iluministas
franceses. 18
20. iluminismo (a razo humana autnoma e independente a luz de
tudo e atudo ilumina) passaram a endeusar a razo, estimulando o ser
humano aousar, pensar e agir por si mesmo, sem autoridade alguma
acima da razosoberana, principalmente, a do poder religioso.6
Abria-se, assim, com esta ousadia do endeusamento da razo e da
liber-dade e tambm da crena no poder da cincia, da tecnologia e da
indstria o caminho para uma novidade na considerao das realidades
deste mundo,de tudo o que existe, isto , o secularismo. Mais que
aceitar o valor em si detudo o que existe, introduziu-se a separao,
a mais clara possvel, entre o sa-grado e profano, particularmente
no terreno do pensamento, da cincia, dapoltica e da economia, assim
como da organizao democrtica do Estado. Nascem assim os Estados
polticos com a separao entre religio e Es-tado, entre Igreja e
Estado. Esta situao denominada, tambm, de laicismo,marcado pela
liberdade de conscincia, a igualdade entre os cidados e a
va-lorizao da total independncia da poltica em relao religio. Quase
sem-pre este ltimo item traz consigo forte desvalorizao da religio.
Esta posiod margem, aos poucos, rejeio do sagrado, da divindade, da
religio,enfim, de Deus. Em alguns casos, chega-se a respeitar os
que crem em al-guma divindade e tentam viver segundo suas crenas,
preservando-se, porm,qualquer possibilidade de influncia e
interferncia da religio no Estado.7 E o passo seguinte, em relao
rejeio da religio, no podia ser outrodo que o atesmo, isto , o
esforo para provar que Deus no existe e que areligio no tem
sentido, uma iluso, pois construda e administrada apartir de e
sobre uma iluso. Mais que isso, a religio no apenas intil,6 Emanuel
Kant (1724-1804), filsofo prussiano dos mais influentes no mundo
ocidental, ensina que o ser humano precisa guiar-se por sua prpria
razo, sem deixar-se enganar por crenas, tradies e opinies alheias.
com esta ousadia de pensar e agir, diz ele, que acontecer a grande
libertao da menoridade humana, deixando de ser uma criana e
tornando-se consciente da sua fora e inteligncia para fundamentar a
sua prpria maneira de agir, sem estar submisso a doutrinas, leis ou
tutela de outra pessoa ou grupo.7 A respeito do humanismo secular,
ver os livros do filsofo e fundador do Council of Secular Humanism,
Paul Kurtz, e publicados por Prometheus Books: a) The
Transcendental Temptation; b) Forbidden Fruit: The Ethics of
Humanism; c) Living Without Religion: Eupraxophy; d) In Defense of
Secular Humanism. Cf. http://www.dantas.com/ateismo/def_hs.htm.
19
21. mas prejudicial ao ser humano e ao universo, pois dificulta
e impede que arazo avance na conquista do saber e que a cincia
desvende os segredosdo universo e da vida humana.8 Esta postura
radical levou alguns regimes polticos a uma ferrenha per-seguio
religiosa, a exemplo da Revoluo Francesa, a primeira a aplicar
naorganizao social e poltica os princpios da filosofia iluminista,
levando guilhotina no apenas a liderana religiosa, mas tambm a
liderana poltica,cientfica e cultural (o Antigo Regime), no
compatvel com os ideais do ilu-minismo. Mais e mais pessoas e
grupos passaram a acreditar que o ser hu-mano deixaria de crer em
Deus e de referir-se a uma religio, pois estariamsuperados pela
cincia e pela tecnologia, que a tudo respondia e, mais ainda,tinha
possibilidade de criar o paraso aqui na terra. O resultado, porm,
foi o fracasso total destas promessas messinicas,como o comprovam
as duas guerras mundiais, as ditaduras polticas, a mer-cantilizao
de tudo, inclusive da vida humana e da religio. As
desastrosasconsequncias esto s claras como o vazio interior do ser
humano, domi-nado pelos dolos do ter, do poder, do prazer, do
dinheiro e do consumo.Em seu discurso no Encontro das Religies, em
Assis, alm de denunciar vee-mente o uso da religio para legitimar a
violncia, o terrorismo e as guerras,assim Bento XVI falou no dia 1
de novembro de 2011: A adorao do dinheiro, do ter e do poder
revela-se uma contra-re- ligio, na qual j no importa o homem, mas s
o lucro pessoal. O desejo de felicidade degenera num anseio
desenfreado e desumano como se ma- nifesta, por exemplo, no domnio
da droga com as suas formas diversas. A esto os grandes que com ela
fazem os seus negcios, e depois tantos que acabam seduzidos e
arruinados por ela tanto no corpo como na alma.8 A Revista Veja, de
25/12/2002, s pginas 116-120, inicia sua reportagem sobre A
sobrevivncia da f com esta sntese: Deus foi morto no sculo XIX e os
matadores so conhecidos. Karl Marx, Charles Darwin, Friedrich
Nietzsche e Sigmundo Freud, para ficar nos nomes mais grandiosos,
elaboraram teorias para o mundo e para a na- tureza humana que
prescindiam das explicaes tradicionalmente oferecidos pela religio.
Mais do que prescindiam: competiam com elas, com todas as vantagens
oferecidas pela lgica e pela irreversvel marcha da histria. Os
seres humanos, que desde a noite dos tempos se perguntavam de onde
viemos e para onde vamos, j podiam buscar respostas fora da esfera
divina. 20
22. A violncia torna-se uma coisa normal e, em algumas partes
do mundo, ameaa destruir a nossa juventude. Uma vez que a violncia
se torna uma coisa normal, a paz fica destruda e, nesta falta de
paz, o homem destri- se a si mesmo. A ausncia de Deus leva
decadncia do homem e do hu- manismo. Mesmo com os avanos
inimaginveis da cincia e da tecnologia, nadaest satisfazendo, num
razovel mnimo humano, a sede de felicidade, paz,segurana, amor,
sentido para a vida e para o mundo. E uma das consequn-cias deste
vazio est no crescimento das vias de fuga, principalmente o
com-plexo mundo da droga, da explorao sexual, do devaneio via
internet e daocupao da vida com espetculos fugazes (cine, grandes
shows, CDs, DVDs,dolos da arte e da comunicao...). 1.5 O RETORNO DA
BUSCA DO HUMANUM E, PORTANTO, DATRANSCENDNCIA Nestes ltimos anos o
atesmo militante teve manifestaes de granderepercusso, sobretudo,
por envolver cientistas e intelectuais de renome.9Estes
reacionrios, porm, esto ainda no passado, especialmente no
sculoXIX, j que a partir da Segunda Guerra Mundial, apesar da forte
influnciamarxista e de alguns filsofos, intelectuais e cientistas
existencialistas ateus, aabertura ao transcendente foi se firmando.
J a partir de meados do sculoXX, o predomnio da racionalidade, da
frieza, dos nmeros, dos resultadosmensurveis e da aceitao apenas do
que comprovado cientificamente despao para expresses antes nada
aceitas pelas empresas, pelas organiza-es sociais, pelos governos.
Eis alguns exemplos: alma da empresa, missosocial da empresa,
ecologia dos negcios, responsabilidade social das em-presas,
resgate da tica pblica, combate pobreza e misria, respeito9 VIDIGAL
DE CARVALHO, Jos Geraldo: O fenmeno do atesmo no mundo de hoje,
disponvel em http://www.cons- ciencia.org/ateismovidigal.shtml,
acessado dia 15/12/2011. Quanto aos principais escritores ateus
militantes no momento referimo-nos a trs deles: 1. DAWKINS,
Richard: a) Deus, um delrio (Companhia das Letras, 2006); b) O
capelo do diabo (Companhia das Letras, 2005); c) Desvendando o
Arco-ris (Companhia das Letras, 2000); 2. HARRIS, Sam: a) The End
of the Faith (O fim da f), ainda no traduzido; b) Carta a uma nao
crist (Companhia das Letras, 2006); 3. HITCHENS, Christopher: Deus
no grande, Ediouro, Rio de Janeiro, RJ, 2007. 21
23. e reconhecimento da alteridade e da diversidade sexual,
luta contra a vio-lncia domstica e social e contra a pedofilia e a
explorao sexual, assimcomo contra o trfico de pessoas, as ditaduras
de todos os tipos, os terroris-mos e corrupo poltica, econmica e
cultural, etc. Em tudo isso, sem dvida, a preocupao com o humanum,
com os va-lores, com a cidadania e com a capacidade de trabalho em
equipe, vem au-mentando em todas as partes, como uma necessidade em
cada pessoa, grupoe organizao social. E por mais que empresas e
muitas mdias permaneamainda acorrentadas busca do lucro, custa do
sofrimento das pessoas e danatureza, e outras exploram a seu favor
a luta pelo humanum, percebe-seque a priorizao da vida, da pessoa
humana, da comunidade humana e dobem estar fsico, psquico, social e
religioso de cada ser humano se torna evi-dente. 1.6 O RETORNO
SACRALIDADE Mas, no corao da modernidade racional, cientfica e
secular, surgemcorrentes de novas sacralidades. crescente o
interesse por bruxas, videntes,astrlogos, adivinhos, pastores,
lderes religiosos, especialmente mobilizado-res de grandes massas,
igrejas das mais diversas denominaes e gruposprocurando foras
divinas na natureza (montanhas, cristais, cascatas, grutas). grande
o sucesso da literatura e dos filmes com bruxas, vampiros e
seressobrenaturais (Harry Potter, Crepsculo, Avatar e outros
tantos) e cultos adolos tais como Elvis Presley, Michael Jackson,
entre outros. Vimos comomeros romances e novelas, com falsos
fundamentos histricos espertamentemanipulados, mexem fortemente com
as pessoas, tais como o Cdigo DaVinci, Anjos e Demnios, Maria
Madalena. E, no Brasil, Paulo Coelho a re-ferncia para este tipo de
literatura. No universo do mundo cristo, ao mesmo tempo em que as
igrejas tra-dicionais perdem adeptos, elas so vistas, por pessoas
que transitam na mo-dernidade a caminho da ps-modernidade, como
demasiadamenteformatadas em ritos, hierarquias eclesisticas, muita
burocracia, formalidade,clericalismo, doutrina e moral rgidas,
sacramentalizao, cerebralizao dareligio crist e estrutura pastoral
medieval. Enquanto isso acontece, novasigrejas e grupos cristos
experimentam um vertiginoso crescimento. Eles 22
24. mexem fortemente com a emoo, com a vida do dia-a-dia,
especialmentecom o sofrimento, o desemprego, a doena, com os
desejos humanos, a fomee sede de felicidade, do muito valor ao
poder de Deus sobre o demnio eos males, destacam os milagres e a
recompensa pela generosidade na doaode dinheiro e bens para Deus. O
trnsito entre as Igrejas crists, especialmente da Igreja Catlica
paraas demais denominaes religiosas crists e pseudocrists, tem
assustandode modo especial a Igreja Catlica, que vem procurando ir
s causas e buscarsolues. E uma das causas mais graves, j detectada,
que uma alta por-centagem de catlicos formada por pessoas no
convertidas a Jesus Cristo,ignorante de sua f, sem convices slidas
em termos de tica, moral, valorescristos, e so religiosamente
infantis. No havendo compromisso com JesusCristo, com a Comunidade
Eclesial e com a Misso Salvfica, esses catlicosesto, na verdade,
disponveis a quem lhes oferecer alguma alternativa reli-giosa que
implique converso e compromisso. No caso especfico do Brasil, a
imensa maioria da populao, pelomenos 160 milhes de brasileiros
sobre um total de 190 milhes, se declaracatlica, mas, na verdade,
significa pouco em termos de vibrao por JesusCristo, engajamento na
Igreja e na Misso e, consequentemente, em termosda transformao
social de nosso pas, luz dos valores do Evangelho. Apartir desta
dura realidade, o Documento de Aparecida e a Misso Continen-tal
propem a urgente necessidade de se oferecer a todos os catlicos,
par-ticularmente aos adultos e aos jovens, a chance para que
realizem ourenovem seu encontro pessoal intransfervel com Jesus
Cristo, e vivenciemum srio processo de converso, para serem,
efetivamente, discpulos mis-sionrios segundo o corao do Senhor.10
1.7 O EMBATE ENTRE SECULARIZAO, SECULARISMO ESTATALE A
RESSACRALIZAO NO MUNDO CONTEMPORNEO O retorno ao sagrado nestes
ltimos tempos no eliminou os ideais e aprxis dos que lutam por uma
sociedade secular e mesmo laica, secularista,que v alm da
secularidade das coisas. O que se quer, na verdade, que a10 Ver no
Documento de Aparecida a Primeira Parte: A vida de nossos povos
hoje, sobretudo os nmeros 98 e100 e todo o Captulo VI: O caminho de
formao dos discpulos missionrios (DAp 204 346). 23
25. religio, qualquer uma, mas de modo especial o cristianismo,
no tenha as-cendncia nem competncia ou fora sobre o universo
complexo e envolventeda economia, da poltica, da cincia, da educao
e da cultura.11 Neste embate,o cristianismo, que antes dominara no
ocidente em todas as esferas humanas,reluta em reconhecer a
realidade em que se encontra e se esfora por abrirespao numa
sociedade que, mais e mais, demonstra que no precisa paranada da
religio para firmar-se como uma unidade nacional a servio dopovo,
especialmente de interesses pessoais e de grupos e corporaes,mesmo
que em desrespeito frontal tica e moral. No caso do Brasil, um pas
de forte matriz cultural crist, predomina naorganizao poltica e
econmica a secularidade, pois segue um modelo dedemocracia que d
espao religiosidade e religio, mesmo com grandesmanifestaes
pblicas. , sim, crescente a construo de um estilo de
Estadodemocrtico, totalmente autnomo em relao religio, sendo que
suas ins-tituies educativas, sanitrias, culturais devem, em
coerncia com seus prin-cpios, ser regidas por uma organizao prpria
sem influncia e interfernciada religio. O Brasil, pelo que se deduz
de sua histria, pode at chegar pri-vatizao da religio (como prtica
religiosa privada), portanto, sem manifes-taes religiosas em pblico
e em espaos pblicos; mas dificilmente cairianuma organizao estatal
secularista, de rejeio da religio e, menos ainda,de estilo ateu
militante, com proibio da religio e, at mesmo, com perse-guio
religiosa. Neste complexo contexto secular e, por vezes,
secularista, assiste-se auma crescente mundanizao das religies e
igrejas, especialmente quantoa vestes, linguagem, ritos, lugares,
tempos, estilos de culto, com amplo usode shows miditicos e do
mercado religioso, etc. H tambm lderes religiosos11 Eis uma sntese
sobre o tema no artigo O que Humanismo Secular? Fritz Stevens,
Edward Tabash, Tom Hill, Mary Ellen Sikes, Tom Flynn: Os Humanistas
Seculares no dependem de deuses ou outras foras sobrenaturais para
resolver seus problemas ou oferecer orientao para suas condutas. Em
vez disso, dependem da aplicao da razo, das lies da histria, e
experincia pessoal para formar um fundamento moral e tico e para
criar sentido na vida. Humanistas Seculares veem a metodologia da
cincia como a mais confivel fonte de informao sobre o que factual
ou verdadeiro sobre o universo que todos partilhamos, reconhecendo
que novas descobertas sempre estaro alterando e expandindo nossa
compreenso deste, e possivelmente mudaro tambm nossa abordagem de
assuntos ticos. Cf. http://www.dantas.com/ateismo/def_hs.htm,
acessado em 15/12/2011. 24
26. que assumem tranquilamente uma certa teologia da
prosperidade, e quefazem da religio um negcio empresarial e um
espao de ascenso poltica,econmica, cultural, seguindo o modelo de
qualquer grande empresa de ne-gcios do mundo capitalista. Ao zelo,
quase irracional, de buscar novos adep-tos a todo custo, se soma o
interesse de mais ingresso econmico, decrescimento a olhos vistos
de sinais de poder, tais como megatemplos, ocu-pao de espao no rdio
e na TV e aumento do negcio com produtos re-ligiosos, alm de forte
presena na poltica e na arte, mormente por meio deespetculos
musicais religiosos e grandes concentraes de massa e passea-tas.
Neste complexo universo da secularidade, do secularismo, do atesmoe
do pluralismo, preciso uma referncia ao fundamentalismo. Alm do
jpropalado fundamentalismo em correntes islmicas, algumas incluindo
emseus ensinamentos treinamentos e prticas como o assassinato e o
terro-rismo, h diversos fundamentalismos tambm no mundo cristo. Mas
omundo ateu tem revelado ultimamente seu lado fundamentalista, que
temsuscitado polmica, como ocorrido no Brasil, em importante
jornal, com odebate, em novembro e dezembro de 2011, com artigos de
Ives Gandra Mar-tins, Daniel Sottomaior, Hlio Schwartsman, Cotardo
Calligaris e outros.12 bom lembrar aqui a frase conclusiva do
Documento A Interpretao da Bbliana Igreja13 de 1993: A abordagem
fundamentalista perigosa, pois ela atraente para as pessoas que
procuram respostas bblicas para seus problemas da vida. O
fundamentalismo convida, sem diz-lo, a uma forma de suicdio do pen-
samento. Ele coloca na vida uma falsa certeza, pois ele confunde
incons- cientemente as limitaes humanas da mensagem bblica com a
substncia divina dessa mensagem. Toquemos, tambm, nem que seja de
leve, na questo do mundo ur-12 Cf. SHWATISMAN Fundamentos do
atesmo, in Folha de So Paulo, A2-Opinio, 10/12/2011; CALLIGARIS,
Contardo: Sentidos do fundamentalismo in Folha de So Paulo E-21
Ilustrada, 15/12/2011.13 PONTIFCIA COMISSO BBLICA: A Interpretao da
Bblia na Igreja. Ed. Paulinas, SP, 1993. 25
27. bano, que, no caso do Brasil, congrega mais de 80% da
populao brasileirae vive crescente onda secular. Nele, no que se
refere Igreja Catlica, as Pa-rquias tradicionais tm cada vez menos
fiis nas missas dominicais e nasdiversas pastorais. O domingo, no
universo da cidade, dia de descanso, delazer, de ficar em casa e de
encontrar amigos ou de fugir para outros locais.Feriados religiosos
se tornam apenas feriados sem nada de religio. enormeo contingente
de jovens que no comparecem s missas. E, em algumas si-tuaes
urbanas, o apelo religioso j nem mais existe ou muito tnue e
noexerce atrao, ainda mais quando frente do rebanho esto pastores
alie-nados da realidade e da linguagem do mundo de hoje, acomodados
numasagrada rotina que no lhes permite nem ver o esvaziamento dos
templos emuito menos mudar para adaptar, encarnar, inculturar a f e
suas mediaes. Questionamentos 1. O que significa ser discpulo
missionrio numa sociedade que mais e mais dispensa Deus, dispensa
religio, manipula Deus e as festas religiosas tradicionais em funo
do comrcio e do con- sumo? 2. Como ser testemunha da f crist,
profeta, missionrio neste con- texto de secularizao e de
secularismo? 3. Que sugestes propor para a misso do discpulo
missionrio neste mundo em mudana e que no d valor religio, no caso,
ao cristianismo, Igreja? 2. O mundo plural em que estamos
mergulhados 2.1 A DIVERSIDADE: RIQUEZA E DESAFIOS Basta abrir os
olhos, ter os ouvidos atentos, sentir os odores, testar ossabores,
tocar as formas e conviver com a natureza, com sua quase
infinitabiodiversidade, mas, sobretudo, com pessoas para comprovar
que, nesteimenso universo no qual habitamos, coisas e situaes,
pensamentos e ati-tudes, pessoas e o que elas so e realizam so
distintas entre si, diferentes, 26
28. portanto, formam uma pluralidade em convivncia e interao
permanentes.Ao ser humano, consciente da pluralidade de tudo o que
existe, cabe a tarefanada fcil, porm necessria, de perceber,
analisar, reconhecer, aceitar e tole-rar... a existncia do
diferente e dos diferentes e, como consequncia, procurarmodos de
convivncia pacfica com realidades, situaes, pensamentos e pos-turas
as mais distintas e at mesmo contraditrias. A pluralidade do
dia-a-dia se manifesta de modo espontneo, mas tam-bm
propositadamente organizado pelo poder do pensamento e da ao
hu-mana, especialmente nas esferas do pensamento, da arte, das
ideologias, dopoltico, do governo e, tambm, do mundo filosfico e
religioso. E a existnciae a convivncia da heterogeneidade tnica,
social, cultural, ideolgica, poltica,artstica e religiosa, que
garante a pluralidade e por ela sustentada e prote-gida,
apresentam-se como uma enorme riqueza para este mundo,
particu-larmente para o ser humano e, ao mesmo tempo, como um no
menosenorme desafio de como sabiamente acolher esta realidade
complexa e bemtrabalh-la em seu favor e em favor da vida com
qualidade para o PlanetaTerra. No campo da poltica, a hegemonia da
monarquia e especialmente daditadura vem sendo substituda pelo
pluralismo de propostas que motivame incentivam a participao dos
cidados e das cidads, de maneira pessoal,grupal e em massa, em
busca da corresponsabilidade pelos destinos da casa,da rua, do
bairro, da associao, do sindicato, da empresa, da cidade e
doEstado. O ideal democrtico, aos poucos, foi assimilado pela
maioria das pes-soas, apesar de pases e grupos insistirem no
sistema poltico hegemnicoideolgico e partidrio. Nestes ltimos anos,
avassaladora a onda de ma-nifestaes no mundo todo, especialmente no
mundo rabe, contra as dita-duras e a favor da democracia. Nesse
sentido, um sistema governamentalpluralista no funciona como
monoplio ou oligarquia de um partido ou deum setor social, mas sim
constri o poder e os destinos das organizaessociais e do pas a
partir do dilogo, da consulta, do debate, da participaodas mais
deferentes propostas. esta, portanto, no campo poltico, uma
dasriquezas do pluralismo. Ele permite espao para diferentes
ideologias, formasde governo, modos de eleio, vigilncia dos cidados
sobre os eleitos emesmo participao nas decises, na aplicao do que
foi decidido, cobrana 27
29. e avaliao. Mas h outros campos em que o pluralismo mostra
ser de grande utili-dade. o caso, por exemplo, da filosofia, que at
tem uma corrente denomi-nada monismo, que defende a realidade como
uma s, com manifestaesvariadas, mas secundrias. No entanto, a
filosofia, por si, considera a totalidadedo mundo como uma composio
complexa de realidades interdependentes,inter-relacionadas e em
constante interao. A busca de resposta s grandesquestes humanas,
que sempre acompanham a existncia (de onde vim, paraonde vou, se a
vida e o mundo tm sentido, o mal, o mistrio da morte, etc.)tem
encontrado em todas as partes do mundo respostas diferentes,
contras-tantes, contraditrias, dando origem a grande pluralismo
filosfico. 2.2 A QUESTO DO PLURALISMO RELIGIOSO No o caso aqui de
entrar no complexo e rico mundo da arte em todasas suas manifestaes
musicais, pictricas, teatrais, arquitetnicas e outras,uma das mais
fortes comprovaes do pluralismo entre os seres humanos.Mas
importante, dentro do tema que estamos tratando, falar um
poucosobre o pluralismo religioso. Segundo a grande antroploga e
pesquisadoracientfica Margareth Mead14, uma das provas mais
candentes de que achadosarqueolgicos so de seres humanos ou a eles
se referem , sem dvida, si-nais de culto religioso, pois nenhuma
outra criatura neste mundo tem con-dies de ligao com o sagrado, e
fazem manifestaes religiosas. Todareligiosidade natural humana e
todas as religies em qualquer povo ao longoda histria expressam a
busca incansvel do ser humano, no tanto de com-provao da existncia
de um ou mais deuses e outros seres do alm-mundo,mas de manter com
ele e eles um relacionamento amigvel, pacfico, muitasvezes motivado
pelo medo, pela conscincia da fragilidade, pelo mistrio da14
Margareth Mead (1901-1978), antroploga americana, que se dedicou
especialmente a pesquisas em Bali, uma ilha da Indonsia, no Pacfico
Oeste, em Samoa e na Ilha de Tau. Distinguiu-se em temas
relacionados mulher e sexualidade, preocupada em provar as
influencias biolgicas e culturais no comportamento dos
adolescentes, so- bretudo das adolescentes. Em seus artigos,
conferncias e livros, Margareth sempre fazia aplicaes para a
sociedade americana. Tinha pertinentes denncias relacionadas com a
educao, a adolescncia, a sexualidade, as condutas sociais, os
direitos da mulher e a falta de cuidado com a natureza. Sexo e
Temperamento em Trs sociedades Pri- mitivas foi um dos livros mais
influentes de Margareth Mead. 28
30. gerao da vida no ventre materno, pelo enigma da morte, pela
busca de umsentido para a vida e para o mundo e especialmente para
o sofrimento e amorte. A conscincia religiosa, que foi se
expandindo e se diversificando emexpresses verbais (oraes, cantos,
discursos, gritos, clamores), em gestos ecoreografias (inclinaes,
elevao dos braos, danas) em escritos, vestimen-tas, ritos e
organizaes, tambm recorreu ajuda de drogas alucingenas,a oferendas
e a sacrifcios sangrentos de animais e tambm de seres huma-nos. Ela
est segura de ser a expresso mediadora do contato humano como
divino e da manifestao divina ao ser humano. As religies
tematizadas eestruturadas se diversificaram segundo as diferentes
reas geogrficas e cul-turais do mundo. Mas, na verdade, elas todas
constituem partes de umagrande sinfonia em construo no sonho humano
da unidade de todos osseres humanos num mesmo Deus e numa mesma
fraternidade religiosa. evidente, portanto, que neste contexto
plural religioso fique muito di-fcil aceitar que apenas uma tradio
religiosa, por mais perfeita que seja oujulgue ser, pretenda ser
toda a verdade, a nica religio e que no permita aexistncia de
outras. Isso simplesmente porque se esta religio se julgar anica
estar descartando um dom do verdadeiro Deus para toda a
humani-dade, que exatamente a beleza da diversidade, da alteridade,
do pluralismo,um Deus que, portanto, acolhe em sua infinita bondade
e misericrdia todasas religies e manifestaes religiosas que o ser
humano, na sinceridade desua conscincia, acredita ser para ele o
melhor caminho para a comunhocom a divindade e para a construo de
um mundo justo e solidrio. A existncia do pluralismo religioso
acarreta o pluralismo teolgico, quetem como base a aceitao de que
todas as religies so caminhos teis parase chegar ao conhecimento de
Deus e para se obter a salvao (cf. Tm 4,4).Esse dado fundamental
para se poder falar e se poder trabalhar o DilogoReligioso entre
todas as religies, j que, sem a acolhida do diferente, no hcomo
construir compreenso mtua, tolerncia, fraternidade e busca de
ca-minhos de unio em vista do bem da humanidade. As prprias
religies de-nominadas reveladas isto , com base nos escritos da
Bblia ou SagradaEscritura, ou seja, o Judasmo, o Cristianismo e o
Islamismo que aceitam eadoram o mesmo nico Deus uno, o Deus de
Abrao, Isaac, Jac, dos Pa- 29
31. triarcas e de Jesus Cristo tratam este mesmo Deus com nomes
diferentes eo cultuam de modos distintos. Alm disso, cada religio
se considera comoforma vlida de unio com Deus e de cooperao com Ele
na construo domundo a partir dos ideais da justia, da fraternidade
e da paz. Nesta questo admirvel a histrica mudana ocorrida na
Igreja Ca-tlica, j durante o Conclio Vaticano II, quando estudou,
aprovou e publicoudocumentos especficos quanto Igreja e s religies
no crists (Nostra Ae-tate), e a Liberdade Religiosa (Dignitatis
Humanae). As tentativas de aproxi-mao e de efetivo dilogo religioso
com as religies foram e ainda sotmidas, com umas poucas manifestaes
de grande repercusso como osdois Encontros das Religies em Assis,
uma com o Papa Joo Paulo II, e ooutro como o Papa Bento XVI. Neste
ltimo, em 2011, que marcou os 25 anosda primeira iniciativa do
gnero, sob liderana do Papa Joo Paulo II, com-pareceram ao encontro
300 representantes religiosos e acadmicos, prove-nientes de 50
pases: cristos de vrias denominaes, assim como judeus,muulmanos,
hindus, budistas, representantes de religies africanas e asiti-cas
e at agnsticos. Questionamentos 1 Por que h, entre muitos discpulos
missionrios, insegurana, re- ceio e at medo diante do crescente
pluralismo religioso do mundo de hoje? 2. O que deveria marcar a
presena e ao do discpulo missionrio no mundo plural, sobretudo, em
termos religiosos? 3. Alguns encaminhamentos 3.1 A SECULARIDADE
ABERTA AO SAGRADO O Livro da Sabedoria, escrito por volta do ano 50
aC, logo no seu incio,numa linguagem utpica e de profunda f, diz
que Deus criou tudo para a exis-tncia, e as criaturas do mundo so
sadias: nelas no h veneno de morte, nemo mundo dos mortos reina
sobre a terra, porque a justia imortal (Sb 1,14-15). 30
32. Para cumprirmos, como discpulos missionrios, a misso de
evangelizaro mundo secular essencial uma atitude de despojamento,
de encarnao(cf. Fl 2,5-11) e de escuta obediente ao Esprito Santo,
para entrar na intimi-dade deste mundo secular, e a descobrir as
sementes do Verbo15, isto , es-paos e situaes, ilaes e achegas que
possibilitam e revelam que nocorao mesmo deste mundo secular h
abertura ao sagrado. Com isso, re-conhece-se com mais facilidade a
distino sadia e positiva entre o secular eo sagrado, mas que no tem
nada a ver com diviso e com oposio entreum e outro. Ler com olhar
crtico e luz da f crist os sinais dos tempos, to gri-tantes nas
mais diversas situaes do universo e do agir humano, nos ajudaneste
processo de encarnao-redeno neste mundo secular, isto ,
fazeracontecer nele Jesus Cristo. esta a posio clara assumida pelo
Conclio Va-ticano II, especialmente na Constituio Pastoral Gaudium
et Spes. Alis, o pri-meiro pargrafo deste importante documento j
sintetiza a nova posio daIgreja em relao ao mundo: As alegrias e as
esperanas, as tristezas e as angstias dos homens de hoje, sobretudo
dos pobres e de todos aqueles que sofrem, so tambm as alegrias e as
esperanas, as tristezas e as angstias dos discpulos de Cristo; e no
h realidade alguma verdadeiramente humana que no en- contre eco no
seu corao. Porque a sua comunidade formada por ho- mens, que,
reunidos em Cristo, so guiados pelo Esprito Santo na sua peregrinao
em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvao para a
comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e
intimamente ligada ao gnero humano e sua histria. (GS,1) 3.2
PLURALISMO E LIBERDADE O ser humano, alm do pluralismo que lhe
natural por fazer parte dadiversidade da criao do universo, gera e
alimenta outro tipo de pluralismo,que fruto do uso que faz da sua
liberdade. Mas a liberdade de algum, por15 A expresso semina verbi,
que j aparece por volta do ano 150 d.C, foi muito usada pelos
Padres da Igreja para dizer que nas religies no crists h verdades e
realidades boas, ss, santas e que os cristos devem acolher. En-
tretanto, a histria mostra que telogos e o prprio magistrio da
Igreja, por sculos e sculos, nem por isso se in- teressaram pelas
religies, mas, antes, as combateram com energia. 31
33. si mesma, est condicionada liberdade dos outros, pois
qualquer ato hu-mano tem suas consequncias, o que acarreta
responsabilidade. A liberdadepessoal, portanto, no total, pois
implica responsabilidade pessoal e social.Um falso conceito de
liberdade no aceita que ela tenha limites o que emsi contraditrio,
j que o ser humano , por natureza, limitado e vive numcontexto que
lhe revela as limitaes da convivncia social e do prpriomundo. Para
gerir sua liberdade, o ser humano, ao longo da histria, sentiu
anecessidade de uma filosofia de vida, com tica e moral, leis e
autoridade,que, por sua vez, exigiu um processo educativo no
sentido de compreendere viver a liberdade tanto pessoal como
social. Sem isso, as diferentes liberda-des estariam em constante
conflito, pois no levariam em conta a alteridade,os limites, a
responsabilidade por seus atos e a convivncia prazerosa entreas
pessoas, num ambiente positivo de ateno humana aos outros e de
res-peito legtima autoridade. O aprendizado humano a respeito do
uso da liberdade foi e continuasendo difcil e muitas vezes
dramtico, trgico. A facilidade com que pessoase grupos caem na
intolerncia face ao diferente, gerou muitas e muitas vezesa no
aceitao do pluralismo poltico, cultural e religioso. Ainda hoje
existemsituaes de discriminao, perseguio, priso e morte por questes
polti-cas, culturais e religiosas. , sem dvida, uma tarefa
necessria e indispensvelaprender a conviver com o diferente em
termos de opes polticas, culturais,filosficas e religiosos. O
cristianismo tem muito a ensinar e praticar nestesentido, com seu
patrimnio histrico herdado de Jesus Cristo, do Manda-mento Novo da
fraternidade, que d primazia vida, dignidade humana, liberdade com
responsabilidade e convivncia no amor, na solidariedade,na justia e
na paz. 3.3 A NECESSIDADE DE UMA NOVA EVANGELIZAO No ano em que
celebraremos, em outubro de 2012, o Snodo sobre aNova Evangelizao,
importante recordar que em 1975, na Exortao Apos-tlica Evangelii
Nuntiandi (EN), fruto do Snodo de 1974, sobre Evangelizao,o Papa
Paulo VI denunciava a falta de evangelizao explcita das pessoas eda
cultura, e a consequente separao f e cultura e f e vida como graves
32
34. problemas da Igreja Catlica. A evangelizao no seria
completa se ela no tomasse em conside- rao a interpelao recproca
entre Evangelho e vida concreta, pessoal e social dos homens. por
isso que a evangelizao comporta uma mensa- gem explcita, adaptada s
diversas situaes e continuamente atualizada: sobre os direitos e
deveres de toda a pessoa humana e sobre a vida fami- liar, sem a
qual o desabrochamento pessoal quase no possvel, sobre a vida em
comum na sociedade; sobre a vida internacional, a paz, a justia e o
desenvolvimento; uma mensagem sobremaneira vigorosa nos nossos
dias, ainda, sobre a libertao (EN 29). A ruptura entre o Evangelho
e a cultura sem dvida o drama da nossa poca, como o foi tambm de
outras pocas. Assim, importa envidar todos os esforos no sentido de
uma generosa evangelizao da cultura, ou mais exatamente das
culturas. Estas devem ser regeneradas mediante o impacto da Boa
Nova. Mas um tal encontro no vir a dar-se se a Boa Nova no for
proclamada (EN 20). Diante da realidade do mundo em mudana preciso,
sem dvida, reverem profundidade o significado de misso e de
evangelizao e, consequen-temente, de discpulo missionrio. E Paulo
VI d orientaes que so essen-ciais para a misso: Para a Igreja no se
trata tanto de pregar o Evangelho a espaos geo- grficos cada vez
mais vastos ou populaes maiores em dimenses de massa, mas de chegar
a atingir e como que a modificar pela fora do Evan- gelho os
critrios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse,
as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de
vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de
Deus e com o desgnio da salvao (EN 19). A Boa-Nova proclamada pelo
testemunho da vida dever, mais tarde ou mais cedo, ser proclamada
pela palavra da vida. No haver nunca evangelizao verdadeira se o
nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino, o mistrio de Jesus
de Nazar, Filho de Deus, no forem anunciados (EN 22). 33
35. O Documento de Aparecida colocou como essencial para ser
discpulomissionrio o encontro pessoal com Jesus Cristo vivo e o
processo de con-verso. O cristo segue acima de tudo uma pessoa, j
que a f crist no resultado de uma deciso tica, mas do encontro com
um acontecimento,com uma pessoa, Jesus Cristo. Aparecida retoma e
coloca no seu devidolugar a misso. No h como ser discpulo sem ser
missionrio e no hcomo ser Igreja sem que ela seja missionria. Esse
princpio da missionari-dade est enraizado na prpria Santssima
Trindade. Jesus foi claro ao dizerque, assim como o Pai o havia
enviado para salvar o mundo, ele estava en-viando seus discpulos
para esta mesma misso (cf. Jo 20,21). Cabe-nos re-pensar a nossa
misso diante dos desafios e oportunidades que o mundode hoje nos
apresenta. O discpulo missionrio que zela pela misso de seuentorno
mais prximo sabe que, pela fora da Palavra, dos Sacramentos e desua
participao da vida da Igreja, , em si, missionrio sem fronteiras
(cf. DAp376), pois cidado do mundo, cidado do infinito, como
expressa to bemuma cano do Padre Zezinho scj. E missionariedade
implica adeso incon-dicional a Jesus e a seu projeto salvfico,
entrega e despojamento, prontidoe generosidade, obedincia vontade
do Pai, a exemplo de Jesus. 3.4 O DEUS UNITRINO E A DIVERSIDADE
RELIGIOSA Ao longo de toda a Sagrada Escritura, ns cristos
descobrimos a infinitae multiforme sabedoria de Deus Pai e Filho e
Esprito Santo, em si mesmo,mltiplo e uno, portanto, comunidade de
trs pessoas distintas, na unidadede uma s natureza, a divina; um
Deus que a mais perfeita comunidade noamor circulante, mas que, ao
mesmo tempo, se difunde e se irradia numamultiplicidade quase
infinita de criaturas que embelezam o universo. A criatura
preferida de Deus, o ser humano, carrega dentro de si umacentelha
do divino, pela infuso nela da Ruach de Deus, isto , o sopro,
ohlito do prprio Deus unitrino, que faz desta criatura imagem e
semelhanado prprio Deus. Por meio desta fora interior da sua Ruach,
o ser humano,desde seus primeiros momentos na face da terra, busca
incansavelmente en-contrar-se e unir-se com Deus. A saudade de
Deus, de quem veio a Ruach e,ao mesmo tempo, o desejo incontido de
encontr-lo e a Ele unir-se, faz doser humano um eterno buscador de
Deus, portanto, articulador de caminhos 34
36. para encontrar Deus, dando, assim, origem s mais diferentes
expresses re-ligiosas ao longo da histria humana. A f crist nos diz
que o Deus bblico criador, providente, redentor e santificador atua
na histria por meio demediaes distintas e diversificadas, inclusive
no que se refere religio (re-ligare = ligar novamente com Deus;
re-legere = reler a vida, a histria, omundo a partir do Deus
revelado). O privilgio do cristianismo de ser, conviver e atuar a
partir da experin-cia do prprio Filho de Deus, encarnado na histria
humana e que veio parasalvar a todo ser humano e a todos os seres
humanos, lhe concede exata-mente as necessrias condies para
acolher, como dom de Deus, a diversi-dade de religies. E lhe
concede tambm o poder de estabelecer com todaselas, respeitando-as
no estgio em que esto, caminhos de dilogo, coope-rao e unio, em
vista da glria de Deus que, segundo Santo Irineu de Lio, o ser
humano vivo e feliz e cuja glria ver Deus, ser de Deus, convivercom
Deus, a servio dele para no mundo estabelecer seu Reino. 3.5 A LUTA
PELA VIDA, PELA DIGNIDADE HUMANA E A OPOPELOS POBRES Numa civilizao
em mudana, dominada pela violncia contra as pes-soas e contra o
planeta terra, pelo esvaziamento da tica e da moral, pelafalta de
respeito vida, em todas as suas formas, pelo desrespeito
dignidadehumana e pela escravizao de milhes de pessoas, de um lado
ao consu-mismo e de outro lado fome e misria, medidas fundamentais
de salvaoso urgentes. Primeiramente a luta pela vida, e vida de
qualidade. precisoque acontea a unio do maior nmero de pessoas,
grupos e instituies nagrande tarefa mundial de salvar o restinho de
humanidade que ainda existeno corao do ser humano, em todas as
partes do mundo. Esta unio pelohumanum forosamente se dedicar
incansavelmente a favor da dignidadehumana e a favor da libertao e
promoo dos pobres, famintos, sedentos,enfermos, nmades, excludos
sociais e escravizados pelas drogas e pelaideologia do terrorismo.
O assim chamado Evangelho dos Cristos Annimos, o captulo
25,31-46,do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, sem dvida a
plataformapara a solidariedade entre todas as culturas, filosofias,
religies, polticas epessoas de boa vontade: Venham, abenoados de
meu Pai. Recebam como 35
37. herana o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criao do
mundo. Poiseu estava com fome e vocs me deram de comer; eu estava
com sede e vocsme deram de beber; eu era um estrangeiro e vocs me
receberam em suacasa; eu estava sem roupa e vocs me vestiram; eu
estava doente e vocs cui-daram de mim; eu estava na priso e vocs
foram me visitar. Todas as vezesque vocs fizeram isto a um dos
menores de meus irmos, foi a mim que ofizeram. Para o discpulo
missionrio, a luta pela vida, pela dignidade humana,pela libertao
de qualquer forma de pobreza, misria, escravizao e injustia parte
do seguimento de Jesus Cristo. No h possibilidade de ser cristosem
a evanglica opo pelos pobres e sem o compromisso pela
evanglicatransformao da sociedade. E, para isso, consequentemente
ele se coloca,pela f, em atitude de dilogo e de cooperao para somar
foras com todasas pessoas, acima de religies, ideologias, polticas,
para a grande misso dehumanizar as pessoas, as relaes pessoais e
interpessoais, as relaes entreos povos, culturas, religies,
filosofias. E o discpulo missionrio, exatamenteporque cr que um
outro mundo possvel, profeta de esperana, semea-dor de sonhos e
utopias, que vo se concretizando em pequenas e grandesdoses, de um
mundo justo, solidrio, fraterno e de paz. Reflexo: 1. O que voc
destaca como importante no texto? 2. Em sua vida voc j viveu
situaes semelhantes? Quais? 3. O que voc sugere para melhorar a
conscincia missionria em nossas comunidades? 36
38. Discipulado missionrio do Brasil para o mundo luz do
Vaticano II e do magistrio latino-americano Paulo Suess* A
estrutura desta colocao est no tema indicado: (1) discipulado
mis-sionrio a partir da identidade de Jesus, (2) imperativos e
contextualizaodesse discipulado luz do Conclio Vaticano II e do
magistrio latino-ameri-cano e, por fim, (3) relevncia desse
discipulado missionrio para o mundoatravs de uma converso pastoral
permanente. 1. Discipulado, missionariedade, seguimento Discpulos
(as) so aprendizes do Mestre (Rabbi) e seguidores de seu cami-nho.
O discipulado aponta para dois aprendizados diferentes: um, atravs
de umarelao de proximidade, empatia e mstica com Jesus; outro,
atravs do segui-mento como caminhar histrico e experincia vivencial
no mundo sem ser domundo: O discpulo bem formado ser como o mestre
(Lc 6,40), enviado no Es-prito Santo por Jesus, como Jesus foi
enviado pelo Pai (cf. Jo 20,21): Todos serodiscpulos de Deus (Jo
6,45). O discipulado nos coloca num processo de formaopermanente no
qual procuramos saber quem o Mestre e quem somos ns. apergunta
sobre nossa identidade. Trata-se de uma identidade dinmica
queemerge do envio histrico e da misso salvfica e libertadora do
Mestre. A abran-gncia do tema exige certa concentrao em alguns
pontos essenciais. 1.1. Quem o Mestre? O Evangelho de S. Joo coloca
na palavra de Jesus sete expresses cris-tolgico-soteriolgicas de
autoidentificao. Elas lembram a revelao de Java Moiss no Horeb. No
incio da libertao de Israel, um Deus sem templo esem pompa revela
na sara ardente a sua identidade: Eu sou aquele que sou(Ex 3,14).
Semelhante autoidentificao de Deus encontra-se no Dutero-Isaas (Is
40-55) que, no incio da libertao do cativeiro babilnico, fala da*
Pe. Paulo Suess, doutor em Teologia, trabalhou na Amaznia, assessor
teolgico do CIMI e do Comina, foi presidente da Associao
Internacional de Missiologia (IAMS) e professor de ps-graduao em
Missiologia. 37
39. esperana de um novo xodo: Eu, que sou o Deus de Israel, no
vou medescuidar deles (Is 41,17). Nas expresses de autorrevelao,
que so imagensque descrevem a vida a partir de certa penria
histrica (escravido, deserto,exlio), Jesus revela que, na
simplicidade desta proposta de vida, ser, ter edoar coincidem. O
divino Mestre no aquilo que Ele tem ou representa.Ele aquilo que
Ele d na unidade com o Pai. Ele dom de Deus (Jo 3,16;6,32). Na cruz
fala o Deus despojado da sara ardente. Em seu dom oferecidopela
vida do mundo Jesus Messias revela o Pai e a misso que ele do Pai
re-cebeu: Eu sou o po da vida (6,35.32.48), a luz do mundo (8,12),
a porta(10,7.9), o bom pastor (10,11.14), a ressurreio e a vida
(11,25), o caminho,a verdade e a vida (14,6), a videira (15,1.5).
1.1.1. Eu sou o po da vida (Jo 6,35). Na sada da escravido, na
passagem para a Terra Prometida, os israe-litas sofreram perodos de
fome e receberam de Deus po do cu. O novoman, o po eucarstico,
simbolizado pelo po que se ganha pelo trabalhoe que se reparte pela
doao da vida. A multiplicao e partilha do po noscolocam num
contexto pascal (6,1-13) e eucarstico. Jesus aquele que sedeu num
movimento de descida e entrega, de encarnao e oblao, povivo que
desceu do cu [...], entregue pela vida do mundo (6,51). O caminhoda
misso descida do cu e subida para Jerusalm. Nesses dois
movimentosse realiza o dom de si mesmo. Deus revela a sua face
precisamente na figurado Servo sofredor que partilha a condio do
homem abandonado por Deus,tomando-a sobre si (Spe salvi, 43; cf. Is
53). O mistrio da comunho trinitria, que a origem da misso na
Igreja,tem seu ponto alto na Eucaristia, que o princpio e projeto
da misso docristo (DAp 153). Aparecida estabelece uma ligao entre o
po de cada diae o po eucarstico, exortando que os pobres, que vivem
privados do poque sacia a fome, no sejam tambm privados da
Eucaristia, po de vidaeterna, alimento substancial dos discpulos e
missionrios (DAp 25). Noexiste algo mais material que o po, produto
do trabalho humano, e maismaterialmente insignificante que a hstia
sagrada. O isto--o-meu-corpoda Missa lembra o Corpo de Cristo,
prostrado nas ruas das nossas cidades.Aparecida lembrou a palavra
de Joo Crisstomo: Querem em verdade hon-rar o corpo de Cristo? No
consintam que esteja nu. No o honrem no templo 38
40. com mantos de seda enquanto fora o deixam passar frio e
nudez (DAp 354).S depois de saciar o povo com po e peixe, Jesus
fala do po que desceudo cu e revela, que ele o po da vida (Jo
6,1-13.45). 1.1.2. Eu sou a luz do mundo (Jo 8,12) Por ser a luz
verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina (Jo 1,9),Jesus
anuncia a sua misso universal como iluminao e esclarecimento.
Je-sus o Messias que Jav chamou para o servio da justia: Eu te
encarregueide seres a aliana do meu povo e a luz das naes, para
abrires os olhos aoscegos (Is 42,6s), a fim de que minha salvao
chegue at os confins da terra[...] e para dizeres aos presos em
crcere escuro: `Vinde para a luz! (Is 49,6.9).A misso de Jesus
anunciar e iniciar o novo xodo da humanidade. A curado cego de
nascena (Jo 9,1ss) simboliza a cegueira pr-batismal das pessoas.Ela
significa dependncia de outrem e desconhecimento da realidade em
suaprofundidade material e espiritual. A luz de Cristo ilumina o
caminho daqueleque o segue pelo mundo afora. Os Padres da Igreja
entendiam o seguimentode Jesus Aparecida fala do discipulado
missionrio como exigncia dobatismo que constitui a natureza
missionria (AG 2, 6, 35; DAp 213) e clareiaos rumos da misso. O ver
precede o julgar e o agir. Na Igreja primitiva, os batizados foram
chamados os iluminados e obatismo, festa da iluminao. No rito
batismal, os nefitos recebem uma vela,acesa no Crio Pascal, smbolo
da insero no mistrio da morte e ressurreiode Cristo. A imagem da
luz aponta para a misso crist: ser luz do mundo.Na Concluso do
Decreto Ad gentes, os padres conciliares e o papa sadamos
missionrios e fazem votos que a claridade de Deus, que resplandece
naface de Cristo Jesus, pelo Esprito Santo a todos ilumine (AG
42.2). 1.1.3. Eu sou a porta (Jo 10,7.9) A porta, no contexto da
misso de Jesus, significa acesso vida, porconseguinte, abertura,
vigilncia, discernimento e limite. No muro nem cor-tina. Jesus no
foi pedreiro, para fazer muros fechados; foi carpinteiro quesabia
que portas podem ser abertas e fechadas, para dentro e para fora.
Ar-ticula introverso com extroverso. Para dentro a porta, que
Jesus, abrepara se conhecer a si mesmo. Para fora, ela nos d acesso
ao mundo para 39
41. ver e conhecer os outros e a realidade do mundo. Conhecer,
na linguagembblica, significa amar e encontrar a Deus, que precede
todos os caminhosda misso. A imagem da porta lembra novamente o
xodo e a Pscoa: a liberdadede ir e vir para experimentar a vida e a
legitimidade do acesso de Jesus spessoas e pelas pessoas, que o
buscam com corao sincero, talvez sem co-nhec-lo, a Ele (cf. LG 16).
Como novo Moiss, o Mestre prope sadas e mos-tra novos territrios e
arepagos que aguardam responsabilidade esolidariedade. Ele no
porteiro, mas porta experimentada na passagem. Seussinais sejam
curas ou convites para um novo relacionamento como
aosalvfica-libertadora so todos sinais de abertura atravessados
pelo feta(abre-te). O convite salvfico da libertao dirige-se a
todos, mas a graa doconvite da porta aberta, que Jesus, no
substitui o esforo da prpria pas-sagem. A graa, tampouco, um
mecanismo que iguala as injustias de la-dres e assaltantes (10,8)
aos mritos de confessores e mrtires. No fim, nobanquete eterno, no
se sentaro mesa indistintamente os malvados juntocom as vtimas,
como se nada tivesse acontecido (Spe salvi, 44). Na porta,imagem do
Messias-Jesus, coincidem e coexistem, numa dialtica densa,
mi-sericrdia e justia, graa e vigilncia, limites de abertura e
fechamento, inti-midade mstica e extroverso social. A porta no d
passagem para umcaminho linear. Na coincidncia de opostos, entre
sair e entrar, permite en-contrar vida em abundncia (10,10). 1.1.4.
Eu sou o bom pastor (Jo 10,11.14) A comunidade do quarto Evangelho
compreendeu a imagem do bompastor a partir de profecias do Antigo
Testamento (cf. Ez 34; Sl 23). O Se-gundo Zacarias (Zc), por
exemplo, fala do pastor abatido (Zc 13,7) e do lutopor aquele que
foi traspassado (Zc 12,10). Para encontrar em nossa culturaurbana
de hoje o Sitz im Leben da imagen do bom pastor temos, muitas
ve-zes, de abandonar o imaginrio das pastagens verdes e ir ao
matadouro. Aimagem de Jesus Messias como bom pastor no se associa
ao mercado ouao abate. Ele que se deixa abater pela vida das
ovelhas: O bom pastor da vida por suas ovelhas (10,11). Ele as
conhece e as ama. O conhecimento,que na linguagem da bblia uma
forma de amor, recproco: Eu sou o bom 40
42. pastor. Conheo as minhas ovelhas e elas me conhecem
(10,14). S a quemama as ovelhas e as conhece, Jesus diz: Cuida das
minhas ovelhas (Jo 21,17).O bom pastor no um profissional que
trabalha pelo salrio como um ca-pataz de fazenda. Ele arrisca a sua
vida pelos seus amigos (cf. 15,13). Jesusno quer l nem carne das
ovelhas, mas d a sua carne seu corpo paraque elas tenham vida. E
Ele deseja essa vida para todos, para que haja ums rebanho e um s
pastor (10,16). Com a imagem do bom pastor, o evan-gelista explica
a morte de Jesus na radicalidade da knose, no desprendimentoda
prpria vida, iniciado pela encarnao (pr-existncia) e pleno na
ressur-reio. Por encargo do Pai, Jesus enviado como bom pastor que
tem o po-der de dar e receber a vida (cf. 10,18). O discurso sobre
o bom pastor,enraizado no discurso trinitrio do envio, est
articulado com o discurso so-bre o po da vida. Po e pastor existem
para a vida do mundo. Os discur-sos sobre a vida tm como pano de
fundo a cruz e a ressurreio, cujarepresentao simblica e real se
realiza na Eucaristia. Jesus, que d livre-mente a sua vida (10,17s)
como bom pastor, tambm transforma o ato deviolncia exterior da
crucificao num ato de oblao em liberdade, que Elefaz de si mesmo em
favor dos outros. Jesus no d algo , mas d-se a simesmo. Ele d a
vida.1 O discipulado missionrio realiza sua misso num dar e
receber. Quemno sabe dar fica sufocado, no pela carncia de
recursos, mas pelo excessode seus dons e bens no partilhados. Quem
s sabe dar, mas no receber,transforma a sua vida numa casa queimada
(burn out!), da qual sobram ape-nas algumas fachadas. 1.1.5. Eu sou
a ressurreio e a vida (Jo 11,25) No contexto da ressurreio de
Lzaro, que o stimo sinal do Messiasno quarto Evangelho, Jesus se
declara ressurreio e vida.2 o sinal datransformao da morte em vida
para os que acreditam na Palavra que se fez1 RATZINGER,
Joseph/BENTO XVI. Jesus de Nazar I. So Paulo, Planeta, 2007, p.
241s.2 Os outros seis sinais so: transformao da gua em vinho (Jo
2), cura do filho do funcionrio real (Jo 4,46-54), cura de um
paraltico (Jo 5,1-18), multiplicao dos pes (Jo 6,1-15), Jesus
caminha sobre as guas (Jo 6,16- 21), cura de um cego (Jo 9,1-7).
41
43. carne. Novamente, o Mestre diz de si o que Ele d e resume a
sua misso napalavra vida; vida como expresso e fruto da f e
transformao profundaque permeia o Evangelho de Joo desde a
transformao da gua em vinho,nas bodas de Can (Jo 2). A voz forte
com que Jesus chama Lzaro parafora do sepulcro ecoa com a voz com
que o Enviado do Pai chama a todosos que nEle acreditam vida.
Ressurreio no uma promessa para depoisda morte fsica. A ressurreio
novo modo de existir no mundo. Estamosno centro do kerigma
missionrio: com a ressurreio de Jesus, o ltimo ini-mi