Universidade de So Paulo
Faculdade de Educao
Um retrato da formao de professores de espanhol
como lngua estrangeira para crianas:
um olhar sobre o passado, uma anlise do presente
e caminhos para o futuro.
Simone Rinaldi
Orientadora: Profa.Dra. Isabel Gretel M. Eres Fernndez
Mestrado em Educao
So Paulo
2006
2
Simone Rinaldi
Um retrato da formao de professores de espanhol
como lngua estrangeira para crianas:
um olhar sobre o passado, uma anlise do presente
e caminhos para o futuro.
Dissertao apresentada Faculdade de Educao
da Universidade de So Paulo como requisito
parcial para obteno de ttulo de Mestre em
Educao, Linha de Pesquisa Linguagem e
Educao, sob orientao da Profa. Dra. Isabel
Gretel M. Eres Fernndez.
So Paulo
2006
3
Dados Internacionais de Catalogao (CIP)
Biblioteca da FE USP
T 371.12 R578u
Rinaldi, Simone Um relato da formao de professores de Espanhol como Lngua
Estrangeira para crianas: um olhar sobre o passado, uma anlise do presente e caminhos para o futuro / Simone Rinaldi; orientadora Profa. Dra. Isabel Gretel Maria Eres Fernndez. So Paulo, SP: 2006.
171 p. Dissertao (Mestrado). Curso de Ps-Graduao. rea de
concentrao: Linguagem e educao Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.
1. Formao de professores 2. Ensino de lngua estrangeira 3.
Lngua espanhola 4. Ensino Fundamental 5. Crianas (estudo e ensino) I. Fernndez, Isabel Gretel Maria Eres
4
A meu filho Alessandro,
a quem amo incondicionalmente. Ontem, hoje e sempre, razo da minha luta e do meu viver.
A meus pais que jamais duvidaram da minha capacidade e
sempre vibraram comigo o alcance de cada degrau.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por minha vida, por todas as oportunidades de crescimento com que me brindou e por ter me dado a chance de aproveit-las. minha famlia, por ter entendido minha ausncia em mais esta jornada. Profa. Dra. I.Gretel M.Eres Fernndez, pelo carinho com que me acolheu durante a orientao segura deste trabalho e pela amizade e confiana que tem depositado em mim. Profa. Dra. Maria de Fatima F. dos Santos, pelas valiosas sugestes e pela pacincia com que acompanhou cada etapa deste estudo. Profa. Ms. Marta A. de Oliveira, pela sua colaborao, amizade e por ter me mostrado que nada acontece por acaso. Ao Prof. Dr. Joo Teodoro DOlim Marote, pela generosa entrevista concedida. Profa. Dra. Glucia DOlim Marote Ferro e Profa. Dra. Cristina de Souza Vergnano Junger, pelas inestimveis contribuies por ocasio do Exame de Qualificao. Profa. Dra. Eunice Ribeiro Durham e a Vera Ceclia da Silva, do Ncleo de Pesquisas sobre Ensino Superior, por terem me facilitado acesso a documentos preciosos. Profa. Ms. Marlia de Oliveira Vasques Callegari, pela amizade, pelo apoio e pelo incentivo. Editora Moderna, pelo importante apoio oferecido. Aos participantes da Lista de Discusses ELEBRASIL, pela colaborao durante a pesquisa. s amigas do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem de Espanhol, pelo incentivo e companheirismo. A Maria Luiza Loureno, funcionria da Biblioteca da Faculdade de Educao USP. A todos os meus professores, modelos nos quais eu me espelho para ser a educadora que sou hoje. Aos meus coordenadores, que muito me ensinaram sobre a sala de aula. Aos meus alunos, inspirao para que eu me torne uma professora sempre melhor.
6
Os homens sempre desaprovam o que no so capazes de fazer.
Cristina, rainha da Sucia
Em toda a cincia, o difcil o comeo. Karl Marx
1
SUMRIO
LISTA DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRFICOS ............................ 04
RESUMO.......................................................................................... 07
RESUMEN ........................................................................................ 08
ABSTRACT ....................................................................................... 09
INTRODUO ................................................................................... 10
CAPTULO I ENSINO DE LNGUAS ESTRANGEIRAS PARA CRIANAS.
DESEJVEL? NECESSRIO? ..................................................... 16
1.1 Consideraes preliminares ............................................................. 16
1.1.1 O que dizem os textos legais?.......................................... 16
1.1.2 O que dizem os pesquisadores?....................................... 25
1.1.2.1 Alguns esclarecimentos .................................... 26
1.1.2.2 A criana e a lngua estrangeira........................ 27
1.1.3 Qual a postura dos pais? ............................................... 35
1.2 As teorias de aprendizagem e o ensino de lnguas estrangeiras a
crianas ............................................................................................ 37
1.2.1 A teoria behaviorista ......................................................... 37
1.2.2 A teoria psicogentica....................................................... 41
1.2.3 A teoria scio-interacionista .............................................. 48
1.2.4 Caractersticas das crianas no estgio operatrio .......... 54
1.2.5 As teorias sobre aquisio/aprendizagem de
lnguas estrangeiras ......................................................... 56
2
CAPTULO II CAMINHOS DO ENSINO DO ESPANHOL COMO LNGUA
ESTRANGEIRA NO BRASIL ......................................................... 60
2.1 Consideraes preliminares ............................................................. 60
2.2 Veredas do ensino de idiomas no Brasil........................................... 60
2.3 Principais abordagens e mtodos de ensino de lngua estrangeira.. 63
2.3.1 O mtodo tradicional ou gramtica e traduo ................. 64
2.3.2 O mtodo direto ................................................................ 64
2.3.3 O mtodo udio-lingual..................................................... 65
2.3.4 A abordagem comunicativa .............................................. 66
2.3.5 O enfoque por tarefas ....................................................... 67
2.4 A formao de professores de espanhol nos trilhos da Academia ... 69
2.4.1 As origens da FFLCH e da FE .......................................... 70
2.5 A oferta do espanhol nas escolas brasileiras.................................... 76
CAPTULO III PANORAMA ATUAL DA FORMAO E DA ATUAO DE
PROFESSORES DE E/LE PARA AS PRIMEIRAS SRIES DO ENSINO
FUNDAMENTAL ........................................................................ 80
3.1 Metodologia de pesquisa.................................................................. 81
3.2 Coleta e anlise dos dados............................................................... 82
3.2.1 Sobre os questionrios ..................................................... 84
3.2.1.1 Sobre as dificuldades dos informantes ............. 98
3.2.1.2 Sobre as atividades e estratgias usadas pelos
Informantes .................................................... 127
CAPTULO IV ALGUMAS REFLEXES............................................... 137
4.1 A presena da lngua espanhola nas escolas................................. 137
4.2 Os materiais didticos e a atuao do professor de lngua
espanhola ....................................................................................... 139
4.3 O fator tempo de experincia docente............................................ 141
4.4 O ensino de lnguas estrangeiras no Brasil .................................... 142
4.5 Algumas experincias na formao de professores de lnguas
estrangeiras.................................................................................... 144
4.5.1 Uma experincia brasileira ............................................. 144
3
4.5.2 Uma experincia espanhola ........................................... 145
CONSIDERAES FINAIS.................................................................. 147
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................ 153
APNDICES.................................................................................... 164
4
LISTA DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRFICOS
GRFICOS
Grfico 1 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Geral ................................................................................................ 101
Grfico 2 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 4 srie do EF .................................................... 104
Grfico 3 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 4 srie do EF............................................. 105
Grfico 4 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo B ................................... 107
Grfico 5 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo B............................ 107
Grfico 6 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo C ................................... 108
Grfico 7 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo C ........................... 109
Grfico 8 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo A ................................... 110
Grfico 9 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo A............................ 110
Grfico 10 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo D ................................ 112
Grfico 11 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 4 srie do EF Grupo D......................... 112
Grfico 12 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo B................................. 114
Grfico 13 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo B ......................... 114
Grfico 14 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo C ................................ 116
Grfico 15 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo C......................... 116
5
Grfico 16 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo A................................. 117
Grfico 17 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo A ......................... 117
Grfico 18 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo D ................................ 118
Grfico 19 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 5 a 8 srie do EF Grupo D......................... 119
Grfico 20 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo B................................ 121
Grfico 21 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo B ........................ 121
Grfico 22 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo C................................ 122
Grfico 23 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo C ........................ 123
Grfico 24 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo A................................ 124
Grfico 25 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo A ........................ 124
Grfico 26 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo D................................ 125
Grfico 27 Comparao entre os grupos de indicadores sobre dificuldades
No Magistrio de 1 a 3 srie do EM Grupo D ........................ 126
TABELAS
Tabela 1 Nacionalidade dos informantes........................................................... 86
Tabela 2 Formao secundria dos informantes............................................... 87
Tabela 3 Habilitao da formao superior dos informantes............................. 89
Tabela 4 Opo dos informantes por licenciatura ............................................. 90
Tabela 5 Estudos de ps-graduao................................................................. 91
Tabela 6 Obteno dos conhecimentos de lngua espanhola ........................... 92
Tabela 7 Tempo de atuao docente ................................................................ 93
6
Tabela 8 Tipo de instituio na qual o informante leciona ................................. 94
Tabela 9 Sries em que h a disciplina de E/LE na instituio mencionada ..... 95
Tabela 10 Sries em que os informantes lecionam ou lecionaram ................... 96
Tabela 11 Tipo de material didtico utilizado..................................................... 97
Tabela 12 Quantidade de dificuldades segundo sua classificao.................. 100
Tabela 13 Proporo de dificuldades segundo sua classificao.................... 100
Tabela 14 Proporo de dificuldades segundo sua classificao
(Magistrio 1 a 4 srie do EF) .................................................... 106
Tabela 15 Proporo de dificuldades segundo sua classificao
(sem Magistrio 1 a 4 srie do EF) ............................................ 106
Tabela 16 Proporo de dificuldades segundo sua classificao
(Magistrio 5 a 8 srie do EF) .................................................... 113
Tabela 17 Proporo de dificuldades segundo sua classificao
(sem Magistrio 5 a 8 srie do EF) ........................................... 113
Tabela 18 Proporo de dificuldades segundo sua classificao
(Magistrio 1 a 3 srie do EM) ................................................... 120
Tabela 19 Proporo de dificuldades segundo sua classificao
(sem Magistrio 1 a 3 srie do EM)............................................ 120
Tabela 20 Estratgias e atividades usadas com alunos de 1 a 4 srie
do EF ............................................................................................... 128
Tabela 21 Estratgias e atividades usadas com alunos de 5 a 8 srie
do EF ............................................................................................... 132
Tabela 22 Estratgias e atividades usadas com alunos de 1 a 3 srie
do EM .............................................................................................. 133
Tabela 23 Ranking de atividades e estratgias usadas pelos informantes em
geral................................................................................................. 134
QUADROS
Quadro 1 Caracterizao dos informantes ........................................................ 85
FIGURAS
Figura 1 Teoria psicogentica de Piaget ........................................................... 45
7
RESUMO
Este trabalho trata da formao de professores de espanhol para crianas. A pergunta inicial que nos motivou foi: o ensino de espanhol para crianas necessrio e desejvel? Textos legais, tericos, pesquisadores e pais nos mostraram que sim, tanto desejvel quanto necessrio. A partir disso, buscamos saber como se d a formao dos docentes que trabalham com a faixa etria dos 7 aos 10 anos. Explicitamos alguns pontos da histria do ensino de lnguas estrangeiras no Brasil, das abordagens e mtodos de ensino de idiomas, da criao da Universidade de So Paulo e, com ela, a Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas e a Faculdade de Educao ambas responsveis pela formao de professores de espanhol e da insero da lngua espanhola nas escolas brasileiras de Ensino Fundamental e Mdio. A partir da anlise de questionrios respondidos por treze informantes de So Paulo SP, Suzano SP, Foz do Iguau PR e Porto Alegre RS, todos professores de espanhol que j atuam com crianas no nvel escolar que nos diz respeito, traamos o perfil da formao desses docentes, da sua atuao, bem como das dificuldades vividas por eles em sala de aula. Averiguamos que tanto os professores que cursaram Magistrio quando os que no optaram por essa formao secundria se valem de prticas semelhantes: usam as mesmas estratgias e as mesmas atividades. Constatamos, tambm, que, embora as prticas utilizadas se assemelhem, as dificuldades que esses profissionais encontram em sua atuao diferem em quantidade, mas no em tipologia, ou seja, falta de ateno, problemas de concentrao e de (in)disciplina dos estudantes. As dificuldades apontadas pelos docentes, associadas s lacunas em sua formao acadmica, nos induzem a concluir que realmente falta um programa especfico para professores de espanhol para crianas e, assim, sugerimos algumas opes de insero desse tema nos vrios nveis de formao: no Magistrio (secundrio e/ou superior), no curso de Graduao e na Ps-graduao. Est claro que no seria suficiente oferecer somente uma formao inicial. importante a possibilidade de formao continuada, na qual os profissionais possam compartilhar experincias, alm de aprofundarem seus estudos. Imprescindvel seria, tambm, que se ampliasse a lei que habilita professores a trabalharem com as primeiras sries do Ensino Fundamental, para que profissionais com Licenciatura e Ps-graduao pudessem exercer plenamente essa funo.
Palavras-chave: 1. Formao de professores 2. Ensino de lngua estrangeira 3. Lngua espanhola 4. Ensino Fundamental 5. Crianas (estudo e ensino)
8
RESUMEN
Este trabajo trata de la formacin de profesores de espaol para nios. Nos motiv la siguiente pregunta inicial: es necesaria y deseable la enseanza de espaol para nios? Los textos legales, los tericos, los investigadores y los padres nos mostraron que s, tanto es deseable como necesaria. A partir de esa constatacin, nos interes saber cmo ocurre la formacin de los docentes que trabajan con nios entre los 7 y los 10 aos de edad. Explicitamos algunos puntos de la historia de la enseanza de lenguas extranjeras en Brasil, de los enfoques y mtodos de enseanza de idiomas, de la creacin de la Universidade de So Paulo y, con ella la Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas y la Faculdade de Educao ambas responsables de la formacin de profesores de espaol y de la insercin de la lengua espaola en las escuelas brasileas. A partir del anlisis de cuestionarios respondidos por trece informantes de So Paulo SP, Suzano SP, Foz do Iguau PR y Porto Alegre RS, todos profesores de espaol que ya actan con nios del nivel escolar que nos interesa, esbozamos el perfil de la formacin de esos docentes, de su formacin y de su actuacin, as como de las dificultades que ellos viven y/o vivieron en sus clases. Averiguamos que tanto los profesores que cursaron Magisterio como los que no optaron por esa modalidad de formacin en secundaria emplean prcticas semejantes: usan las mismas estrategias y las mismas actividades. Constatamos, tambin que, aunque las prcticas utilizadas se asemejan, las dificultades que esos profesionales encuentran en su actuacin se diferencian en cantidad pero no en tipologa, o sea, falta de atencin, problemas de concentracin y de (in)disciplina de los estudiantes. Las dificultades indicadas por los docentes, asociadas a las carencias en su formacin acadmica, nos inducen a concluir que realmente falta un programa especfico para profesores de espaol para nios y, as, sugerimos algunas opciones de insercin de ese tema en los varios niveles de formacin: en el Magisterio (secundario y/o superior), en el curso de Graduacin y en el posgrado. Est claro que no sera suficiente ofrecer solamente una formacin inicial. Es importante que haya la posibilidad de formacin continuada, en la cual los profesionales puedan compartir experiencias, adems de profundizar sus estudios. Imprescindible sera, tambin, que se ampliase la ley que habilita a profesores a trabajar con los primeros cursos de la Enseanza Primaria (Enseanza Fundamental), para que profesionales con Licenciatura y posgrado pudiesen ejercer plenamente esa funcin.
Palabras-clave: 1. Formacin de profesores 2. Enseanza de lengua extranjera 3. Lengua espaola 4. Enseanza Primaria (Enseanza Fundamental) 5. Nios (estudio y enseanza)
9
ABSTRACT
This paper discusses the training of teachers of Spanish as a foreign language to young learners. The initial question for the investigation was: is the teaching of Spanish as a foreign language to young learners necessary and desirable? Legal and theoretical texts, researchers and parents have shown us that yes, it is both necessary and desirable. Starting from this premise, the work consisted of finding out information about the training of teachers who work with students in the 7 to 10 age bracket. Points covered in the study include the history of foreign language teaching in Brazil, approaches and methods for the teaching of foreign languages, the inauguration of the University of So Paulo, and its college of Philosophy, Languages and Human Science and the college of Education both responsible for the training of teachers of Spanish and the introduction of Spanish as a discipline in the curriculum of primary and secondary education (Ensino Fundamental e Mdio). Based on the analysis of questionnaires completed by thirteen informants from the state of So Paulo (the capital and Suzano), and from the state of Paran (Foz do Iguau) and Rio Grande do Sul (Porto Alegre), all teachers of Spanish for children in the target age bracket, we built a profile of the training of these teachers, of their teaching and of the difficulties experienced by them in their classroom practice. It was noticed that both the teachers who had attended teacher training college (Magistrio) and those who had not, had similar performance: they used the same strategies and activities. It was also noticed that although the activities used were similar, the difficulties encountered by these professionals in their teaching differed in quantity, but not in the type of problem like lack of attention, concentration and discipline problems. The difficulties encountered, associated to gaps in their academic background, lead us to think that there is a real need for a program for the training of teachers of Spanish as a foreign language to young learners. We suggest, therefore, some options for the insertion of this aspect in the curriculum at the various levels of teacher training programs from high school to post-graduation. It is clear that it would not be enough to offer initial training but also continuous development, through which professionals can share experiences, besides getting further training. It is also essential to broaden the scope of the law regulating the qualification requirements for teachers of the first grades primary education, so that professionals with graduation and post-graduation in languages can fulfill these positions satisfactorily
Key words: 1 Teacher training 2. Foreign Language Teaching 3. Spanish language 4 Primary education 5. Children (teaching and learning)
10
INTRODUO
A gnese desta pesquisa foi a realidade vivida por ns em 1997, quando
comeamos a dar aulas de Espanhol como lngua estrangeira no Ensino Mdio em
escolas particulares da cidade de So Paulo.
Naquela ocasio, deparamo-nos com alunos que menosprezavam esse
idioma referindo-se a ele como Portugus mal falado. Isso causou-nos desgosto,
preocupao e curiosidade. Desgosto porque ver o idioma (e relacionado a ele uma
cultura, por no dizer vrias) com o qual escolhemos trabalhar sendo desprezado
no nos dava nem d nenhum prazer; preocupao porque aqueles adolescentes
desprezavam uma lngua que no conheciam, nem demonstravam abertura para
conhecer, ou seja, o desprezo significava, naquele caso, preconceito; por fim,
curiosidade ao nos perguntarmos por que a lngua de maior prestgio, o Ingls, era
vista como o nico idioma pelo qual valia a pena perder tempo estudando.
Decidimos, ento, por ocasio da realizao do curso de Licenciatura na
Faculdade de Educao da USP, comear a pensar no visvel preconceito
apresentado por muitos alunos adolescentes em relao lngua castelhana e como
diminu-lo, j que querer elimin-lo pode ser uma utopia, uma vez que a imagem que
um aluno tem de um idioma muito influenciada pela sociedade e pela famlia ao
longo de toda a sua vida, inclusive com as informaes e pr-conceitos que lhes so
transmitidos durante a infncia, momento em que muitos valores so fixados.
(CALLEGARI, 2004: 96-99).
Conclumos que uma das possveis solues seria fazer com que alunos mais
novos passassem a conhecer a lngua e as culturas hispnicas. Assim, voltamos
nossos olhares ao curso de 1 a 4 sries do Ensino Fundamental. Partimos da
hiptese de que se esses estudantes, mais jovens, tivessem desde cedo contato
com outra viso da lngua estrangeira que nos ocupa, possivelmente, mais tarde,
11
suas concepes e crenas no apresentariam os preconceitos presentes na viso
dos alunos adolescentes com os quais trabalhvamos naquele momento. Assim,
ainda naquele momento de realizao do curso de Licenciatura, optamos por
desenvolver nossas atividades de estgio com crianas: por um lado, essa seria a
oportunidade de termos uma experincia inovadora para ns, j que at aquele
momento no havamos lecionado lngua estrangeira para esse pblico e, por outro,
poderamos comear a refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem para
estudantes das sries iniciais do Ensino Fundamental.
Como a experincia revelou-nos, de maneira mais contundente, a importncia
de que o professor possua uma formao adequada e direcionada para o trabalho
com esse pblico, confirmamos nossa inteno de aprofundar nossos estudos na
Ps-Graduao. Assim, uma vez iniciadas as atividades nesse nvel, delimitamos o
foco de nossa investigao na figura do professor por entendermos que ele constitui,
muitas vezes, o principal elemento externo capaz de despertar, no aprendiz,
sentimentos favorveis em relao quilo que lhe desconhecido, no nosso caso, a
lngua espanhola e tais sentimentos so, em grande medida, responsveis pelo
sucesso do estudante.
Tal viso encontrou respaldo no trabalho de Gardner e Lambert (19721, apud
CALLEGARI, 2004: 89), ao afirmar que a atitude do aprendiz frente lngua alvo e
seus falantes assim como a sua motivao so tambm responsveis por diferentes
nveis de aprendizagem e desempenho. Para esses autores,
... as suas atitudes [dos estudantes], as suas vises do povo estrangeiro e da sua
cultura, e a sua orientao em relao ao processo de aprendizagem determinam
ou limitam o seu progresso no desenvolvimento da competncia na segunda
lngua.2
Dessa forma, podemos inferir que, ao propiciar criana um contato positivo,
ou seja, livre de preconceitos para com a lngua espanhola, aumentaramos as
1 GARDNER, R. C.; LAMBERT, W. E. Attitudes and Motivation in Second Language Learning. Massachusetts, Newbury House Publishers, 1972, p. 3. 2 Original: ...his attitudes, his views of foreign people and cultures, and his orientation toward the learning process might well determine or limit his progress in developing second-language competence. Traduo livre de Marlia Oliveira Vasques Callegari.
12
possibilidades de que ela desenvolvesse sentimentos tambm positivos em relao
ao idioma e aos povos hispnicos e, por conseguinte, melhores resultados. Mas,
para isso, conviria garantir que seus primeiros contatos, tanto com a lngua, quanto
com a(s) cultura(s) que abarcam esse idioma fossem prazerosos e motivadores.
Entretanto, outra dvida ainda se fazia presente: como efetivar essa garantia?
Acreditamos que o principal caminho a formao de profissionais bem preparados
e cientes dessa necessidade; professores conscientes de que os primeiros contatos
com um novo idioma devem tender ao sucesso. Considerando que crianas so
vidas por novidades, julgamos imprescindvel procurar manter esse interesse e dele
tirar proveito para abrir e/ou ampliar os acessos ao conhecimento. Essa foi a nossa
primeira e principal hiptese de trabalho e, a partir dela, prosseguimos nossa
pesquisa bibliogrfica e de campo.
A busca por investigaes sobre o assunto levou-nos a concordar com Ferro
(1995: 52), para quem
o ensino de lngua estrangeira j nas primeiras sries pode ser bastante positivo se
for reforado o aspecto ldico da aprendizagem. Isso pode ser conseguido por meio
de jogos e msicas que fazem parte do cotidiano dos alunos. Como as crianas
pequenas tm facilidade para reproduzir sons e gostam muito de falar, deve-se
privilegiar a produo oral, que d uma percepo auditiva maior e extremamente
benfica ao processo de aprendizagem. A escrita no uma necessidade nessa
fase e, dependendo do mtodo, pode at dificultar o aprendizado da lngua materna,
uma vez que o aluno passa a enfrentar dois processos, o da oralidade e o da
escrita, em duas lnguas...3
Encontramos, em nossas pesquisas, alguns cursos de espanhol para
crianas, em escolas regulares particulares. Tais cursos muitas vezes mostraram
estar no caminho contrrio a essa viso ao exigirem produo escrita de crianas
que ainda no estavam totalmente alfabetizadas em sua lngua materna (Lngua
Portuguesa, para o caso do Brasil). Essa exigncia acontecia, provavelmente,
porque os professores reproduziam a maneira pela qual aprenderam o idioma
3 Em resposta pergunta de uma leitora mineira da revista Nova Escola aconselhvel o ensino de lngua estrangeira nas sries iniciais do primeiro grau? publicada em outubro de 1995.
13
estrangeiro, sem se dar conta de que cursos para crianas devem ser organizados e
ministrados de maneira diferente daqueles destinados a adolescentes e adultos, ou
porque transferiam consciente ou inconscientemente formas de ensino
amplamente utilizadas para o trabalho com lngua materna sem considerar que os
objetivos e as necessidades entre ambas (lngua materna e lngua estrangeira) so
muito diferentes.
Tais inadequaes pedaggicas devem-se, segundo nosso ponto de vista, ao
fato de que o ensino de lngua estrangeira (LE) para as primeiras sries do Ensino
Fundamental no est previsto na legislao em vigor (especificamente, a lei
9.394/96 LDBEN). De idntica maneira, o curso de Licenciatura tambm deixa de
abordar o ensino de LE para esse segmento, a exemplo do que ocorre nos cursos
Magistrio em nvel de 2 grau, Magistrio Superior e Pedagogia.
Alm disso, Callegari (2004: p.97) menciona outro fator que leva os
professores a repetirem a mesma prtica com a qual se formaram:
... sabido que o trabalho do professor muitas vezes dificultado pelo grande
nmero de alunos por sala, problema atualmente encontrado tanto em escolas
pblicas como em particulares. Em aulas de lngua estrangeira, a situao complica-
se ainda mais. Torna-se praticamente invivel para o professor realizar atividades
orais com todos os alunos. Muitas vezes a soluo encontrada controlar a sala
com freqentes exerccios escritos e sucessivas correes, o que pode desestimular
o interesse dos alunos.
Desestimulados, os alunos podem se fechar para a aprendizagem de um
novo idioma adquirindo, dessa forma, um pr-conceito em relao ao seu estudo e,
inclusive, lngua e cultura estrangeira.
Para se tentar evitar a formao do pr-conceito a respeito de novos idiomas,
supomos ser de extrema importncia que os professores que atuam com crianas
sejam muito bem preparados e qualificados porque depende deles incutir nesses
alunos o gosto pela aprendizagem e pela lngua estrangeira que ensinam, ou seja,
no consideramos suficiente introduzi-los no conhecimento do novo idioma:
julgamos que preciso motiv-los para esse aprendizado. Tal preocupao levou-
14
nos a questionar quem so os docentes que atuam na rea de ensino da lngua
espanhola nas sries iniciais do Fundamental e qual a formao que possuem,
tanto no que se refere tipologia quanto qualidade.
Dessa forma, procuramos, no captulo I, discutir a necessidade e o desejo de
se ensinar lnguas estrangeiras a crianas de 1 a 4 sries a partir da viso legal, de
pesquisadores, de tericos e dos pais. Com isso, nosso propsito foi verificar at
que ponto , de fato, necessrio ou vivel introduzir-se o ensino de um novo idioma
em idades precoces. Nosso estudo revelou que h uma certa valorizao social e
um interesse crescente pelo estudo de idiomas, o que converte a incluso de aulas
de LEs nas sries iniciais num diferencial almejado.
No captulo II, abordamos o aspecto histrico do ensino de lngua estrangeira
no Brasil, dos mtodos de ensino de idiomas, da formao de professores de
espanhol no Estado de So Paulo e da oferta da lngua espanhola na grade
curricular das escolas de ensino regular. Como dissemos, contar com um panorama
diacrnico permitiu-nos ter uma viso global do percurso do ensino de idiomas e da
formao inicial dos docentes assim como confirmar a necessidade de direcionar
nossa ateno para a formao de profissionais que so cada vez mais requisitados
pelo mercado de trabalho.
Os captulos anteriores levaram-nos a, no captulo III, descortinar um
fragmento da formao docente daqueles que j ensinam a lngua espanhola a
alunos dos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, desde sua educao
secundria, superior e ps-graduao. Abordamos, tambm, suas principais
dificuldades no trato com esses alunos, alm de compararmos essas dificuldades
com as sentidas ao lidarem com os outros nveis de ensino. Por fim, comparamos
suas prticas nos trs momentos do Ensino Bsico. A anlise dos dados permitiu-
nos confirmar nossa hiptese de que os docentes licenciados, com Magistrio ou
no, que lecionam nos trs segmentos do Ensino Bsico adotam procedimentos
semelhantes para os trs sem considerar dificuldades, desigualdades etrias, de
desenvolvimento, de objetivos.
15
O captulo seguinte abarca nossas reflexes acerca de alguns pontos que
ficaram descosturados, como a oferta do idioma espanhol nas escolas pblicas e
privadas, bem como a continuidade desse estudo que elas oferecem; a relativa falta
de material didtico para o ensino de espanhol nas primeiras sries do Ensino
Fundamental, relativa porque efetivamente h, no Brasil, mais ttulos destinados a
esse segmento que na Espanha; comentamos mais profundamente a relao entre
a formao docente, suas dificuldades e suas prticas, bem como analisamos o fator
tempo de experincia que, junto formao adequada, propicia o ensino ideal;
inclumos, tambm o que entendemos por formao adequada que abrange
algumas disciplinas que deveriam ser estudadas, bem como seu principal objetivo;
comentamos, ainda, dois modelos de formao de professores de lnguas
estrangeiras para crianas: o brasileiro, que ocorre numa faculdade no Paran e o
espanhol, oferecido numa faculdade em Len.
As consideraes finais trazem algumas sugestes dirigidas aos cursos de
Magistrio, Licenciatura em Letras e ps-graduao que acreditamos possam
incrementar seus currculos e oportunizar mais investigaes sobre o tema da
formao de professores de espanhol para crianas.
16
CAPTULO I
ENSINO DE LNGUAS ESTRANGEIRAS PARA CRIANAS. DESEJVEL?
NECESSRIO?
1.1 Consideraes preliminares
Embora muitas escolas particulares e pblicas j adotem a incluso de aulas
de lngua estrangeira a partir das primeiras sries do ensino fundamental, de
extrema importncia tecer algumas consideraes sobre essa adoo, j que tal
medida mostra-se, por vezes, polmica: h os que defendem o ensino de uma lngua
estrangeira ou inclusive mais de uma em idades precoces, e h os que opinam
que tal ensino s deve ocorrer a partir de idades mais avanadas. Os argumentos
arrolados por uns e outros so variados e nem sempre facilmente refutveis. Da que
consideremos relevante discutir alguns dos aspectos que vm tona quando
pensamos no melhor momento de expor a criana aprendizagem de um novo
idioma.
1.1.1 O que dizem os textos legais?
Nem todo texto legal sobre educao brasileira manifestou-se quanto ao
ensino de lnguas estrangeiras em territrio nacional. Entretanto, verificamos a
existncia, especificamente, de uma lei paulista, que tratava da reforma de ensino
neste Estado lei 1.750, de 08 de dezembro de 1920 e um decreto federal que se
referia aquisio de terras brasileiras por estrangeiros, o decreto no. 1.164, de
1939.
17
Em seu texto, Cavaliere (2003: 35) afirmava que
Quanto questo nacional, a lei [1.750, de 8 de dezembro de 1920] foi clara
e minuciosa: as escolas particulares deveriam submeter-se s determinaes da
Diretoria de Instruo Pblica. Deveriam assumir compromisso por escrito relativo a
diversos pontos, tais como: respeito aos feriados nacionais, ensino do portugus (por
professor brasileiro ou portugus nato), ensino de geografia e histria do Brasil (por
professor brasileiro nato), ensino dos cantos nacionais, proibio do ensino de
lngua estrangeira para crianas menores de 10 anos, abertura do
estabelecimento s autoridades do ensino. As medidas acima visavam
especificamente s escolas estrangeiras, implantadas em quantidade nas colnias de
imigrantes, e no embutiam qualquer rejeio escola privada em si. (grifo nosso).
Em 1939, o decreto 1.164 sobre a aquisio de terras brasileiras por
estrangeiros, principalmente aqueles que habitavam as regies fronteirias, incluiu
em seu texto a proibio do ensino de lngua estrangeira a menores de catorze
anos4.
Esses dois momentos do incio do sculo XX demonstram uma preocupao
com a identidade nacional, principalmente porque, em So Paulo, a existncia de
estrangeiros era resultado de ondas de imigrao europia em busca de trabalho e,
na regio fronteiria, procurava-se preservar a extenso do territrio brasileiro.
Com o passar do tempo, o governo entendeu a necessidade de se incluir
mais efetivamente o ensino de lnguas estrangeiras no currculo escolar. Entretanto,
esse ensino continuou restrito a crianas a partir de 12 anos (idade comum aos
alunos de 5 srie do Ensino Fundamental), como podemos ver na LDBEN de 1996.
Em 1996, a legislao educacional brasileira passou por uma reforma que
resultou em diversos documentos fundamentais: uma nova lei de diretrizes e bases e
parmetros curriculares nacionais para todas as disciplinas integrantes do currculo.
No nos cabe, aqui, analisar a ntegra desses textos nem discutir a repercusso por
eles gerada. Contudo, para o presente estudo, interessa tecer alguns comentrios
sob a ptica do ensino de lnguas estrangeiras, como expomos a seguir. 4 Eber Z. SANTA HELENA. O estrangeiro e a aquisio de imveis rurais no direito nacional e comparado. p.94.
18
a) LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAO NACIONAL
A Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educao nacional LDBEN, ressalta em vrias oportunidades a
importncia dada ao estudo de lnguas estrangeiras nos trs nveis de ensino da
Educao Bsica (Educao Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Mdio), como
veremos a seguir. Dessa forma define, em seu Captulo II Da Educao Bsica,
Seo I Das Disposies Gerais, artigo 26, pargrafo 5, que
Na parte diversificada do currculo ser includo, obrigatoriamente, a
partir da quinta srie, o ensino de pelo menos uma lngua estrangeira
moderna, cuja escolha ficar a cargo da comunidade escolar, dentro das
possibilidades da instituio.
Podemos depreender do texto anterior que, a critrio de cada instituio de
ensino e ouvida a comunidade escolar, a incluso de pelo menos uma lngua
estrangeira pode ocorrer no nvel anterior quinta srie, ou seja, desde que se
obedea ao currculo mnimo obrigatrio, pode-se incluir, sob a gide da parte
diversificada, quaisquer disciplinas e, entre elas, uma ou mais lnguas estrangeiras
nas primeiras sries do Ensino Fundamental, ou ainda, na Educao Infantil.
Ainda na Seo I, o texto legal dispe sobre os contedos curriculares da
educao bsica:
Art. 27. Os contedos curriculares da educao bsica observaro,
ainda, as seguintes diretrizes:
I a difuso de valores fundamentais ao interesse
social, aos direitos e deveres dos cidados, de
respeito ao bem comum e ordem democrtica;
II considerao das condies de escolaridade dos
alunos em cada estabelecimento;
III orientao para o trabalho;
IV promoo do desporto educacional e apoio s
prticas desportivas no-formais.
19
Do artigo anterior, dois incisos merecem, neste momento, ateno especial:
a) o primeiro, que se volta para a formao integral do indivduo e, assim, considera
ser tal formao um dos objetivos da Educao Bsica; e b) o terceiro, que explicita
a orientao para o trabalho tambm como um dos propsitos curriculares desse
nvel de ensino. Estando a lngua estrangeira includa entre os contedos
curriculares desse nvel de ensino, pode-se concluir que os relatores do texto legal
consideram que o conhecimento de pelo menos um idioma estrangeiro faz parte da
formao integral do indivduo ao mesmo tempo em que auxilia a sua capacitao
para o mercado de trabalho.
Ainda que se refira especificamente ao Ensino Mdio, novamente a LDBEN
afirma a importncia da incluso de lnguas estrangeiras no currculo escolar atravs
da Seo IV - Do Ensino Mdio, artigo 36, inciso III:
...ser includa uma lngua estrangeira moderna, como disciplina
obrigatria, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em carter
optativo, dentro das disponibilidades da instituio.
Assim, em vrias ocasies, o texto legal destaca o valor que outorga ao
estudo de idiomas estrangeiros sem, contudo, restringir explicitamente seu
aprendizado a determinado nvel escolar, como comentado anteriormente. Contudo,
apesar de no haver restrio legal incluso de lnguas estrangeiras antes da 5.
srie do Ensino Fundamental, na prtica no se observa essa oportunidade com
muita freqncia.
b) O QUE OBSERVAMOS NA PRTICA
Na prtica, o que temos visto que, por falta de condies ( conveniente
lembrar que o texto legal afirma dentro das possibilidades da instituio), a maioria
das escolas da rede pblica v-se forada a cumprir apenas essas diretrizes
mnimas e oferecer a disciplina de lngua estrangeira, quase sempre a lngua
inglesa5, somente a partir da 5. srie. Contudo, desde 1987, com a criao dos
Centros de Estudos de Lnguas no Estado de So Paulo, (CEL), os alunos
5 Discutimos as razes da hegemonia da oferta de lngua inglesa nas escolas pblicas no captulo II.
20
matriculados a partir da 6. srie6 tm a oportunidade de estudar outra(s) lngua(s)
estrangeira(s).
Na rede particular de ensino muitas escolas passaram a oferecer, de maneira
mais acentuada durante a ltima dcada, a lngua inglesa como lngua estrangeira a
partir das primeiras sries do Ensino Fundamental (muitas vezes at a partir da
Educao Infantil). Mais recentemente, algumas delas optaram pela incluso de uma
segunda lngua na maioria dos casos a lngua espanhola j na 5. srie; e h,
ainda, algumas escolas7 que comearam a adotar o estudo da lngua espanhola,
alm da lngua inglesa, nas primeiras sries do Ensino Fundamental.
O que se pode notar que a insero da lngua estrangeira, principalmente a
lngua espanhola, est crescendo em todos os nveis que integram a Educao
Bsica. Tal iniciativa originada em centros escolares v-se, atualmente, ao menos
em parte, respaldada pela sano da Lei no. 11.161, de 05 de agosto de 2005, que
obriga a oferta da lngua espanhola no Ensino Mdio por todas as escolas
brasileiras, ainda que seja opcional ao aluno estud-la, e como opcional s escolas
a oferta desse idioma a partir da 5. srie do Ensino Fundamental. Apesar de alguns
colgios caminharem em direo contrria8, outros esto aproveitando essa
oportunidade legal para incluir (ou manter), como diferencial, o idioma espanhol em
todos os nveis de ensino.9
c) REFERENCIAL CURRICULAR E PARMETROS NACIONAIS
Publicados com o intuito de propiciar aos professores subsdios para a
reflexo sobre objetivos, contedos e orientaes didticas necessrias
elaborao ou reelaborao de propostas curriculares para Educao Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Mdio, o Referencial Curricular Nacional para a
Educao Infantil e os Parmetros Curriculares Nacionais PCNs dos demais
6 Condio de escolaridade mnima, segundo a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas do Estado de So Paulo. 7 Voltaremos a esse ponto no captulo 3. 8 Temos conhecimento, informal e extra-oficial, de que alguns colgios da cidade de So Paulo esto excluindo a lngua espanhola de sua grade curricular de Ensino Fundamental, a pesar de t-la oferecido por oito anos seguidos. 9 A relao de algumas dessas escolas encontra-se no captulo 3 deste trabalho.
21
nveis da Educao Bsica foram o resultado de discusses pedaggicas entre
muitos educadores e aprovados pelos representantes do governo.
O documento oficial Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil
traz a viso do poder pblico em relao existncia e importncia do convvio
com outras culturas.10 No volume 2 desse texto oficial destaca-se a importncia da
linguagem:
Por meio da linguagem o ser humano pode ter acesso a outras
realidades sem passar, necessariamente, pela experincia concreta. Por
exemplo, algum que more no sul do Brasil pode saber coisas sobre a
floresta ou povos da Amaznia sem que nunca tenha ido ao Amazonas,
simplesmente se baseando em relatos de viajantes, ou em livros. Com esse
recurso, a criana tem acesso a mundos distantes e imaginrios(...)11
O recurso da linguagem pode oferecer criana acesso a mundos distantes e
imaginrios, mas tambm a mundos distantes e reais, a outras culturas, como outros
pases e outros povos, por exemplo. A partir desse contato, ainda que no
concretamente, criana vivel e possvel a introduo do idioma estrangeiro
como parte de outro mundo, de outro contexto. Atravs da relao precoce (no de
maneira pejorativa) com a lngua estrangeira, a criana pode vir a criar, no seu
ntimo, ao longo do seu desenvolvimento intelectual e social, um espao para abrigar
o que lhe for novo - sem rechaar o desconhecido, sem repelir o diferente, mas ao
contrrio, com respeito ao que lhe vier a ser diverso.
Em busca de uma linha coerente de Educao, os PCNs de 1 4 srie
mantiveram o mesmo carter adotado no Referencial Curricular para a Educao
Infantil contrrio discriminao e se referem pluralidade cultural da seguinte
maneira:
Para viver democraticamente em uma sociedade plural preciso
respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade
brasileira formada no s por diferentes etnias, como por imigrantes de
10 Ver Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil, vol I, p.76. 11 Op.cit., vol.2, p.24-5.
22
diferentes pases. [...] O grande desafio da escola investir na superao da
discriminao e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade
etnocultural que compe o patrimnio sociocultural brasileiro, valorizando a
trajetria particular dos grupos que compem a sociedade...12
O poder pblico pretende que a discriminao deixe de ser uma realidade, a
julgar pela orientao de convivncia com o outro, com outras culturas. Uma das
formas de se alcanar esse objetivo pode ser permitir criana, tambm nos
primeiros ciclos do Ensino Fundamental, conhecer outras culturas por meio do
estudo de lnguas estrangeiras. Pode-se dizer que essa idia encontra-se, tambm,
no seguinte trecho dos PCNs:
Conhecer a existncia do uso de outras lnguas diferentes da Lngua
Portuguesa, idioma oficial, significa no s ampliao de horizontes, como
tambm compreenso da complexidade do Pas. [...] Pode, com isso,
promover no s a reflexo metalingstica, como tambm a compreenso
de como se constituem identidades e singularidades de diferentes povos e
etnias. 13
Nota-se, outra vez, o alto valor que dado ao conhecimento de lnguas
estrangeiras, desde as primeiras sries do Ensino Fundamental, o que pode
incentivar ainda mais sua oferta para esse nvel escolar.
No que se refere Educao Infantil e s primeiras sries do Ensino
Fundamental, como vimos, o estudo de lnguas estrangeiras est inserido nos temas
de diversidade e pluralidade cultural. Porm, se os prprios PCNs assinalam a
importncia da lngua estrangeira nas fases iniciais da educao, por que no foi
aberta explicitamente essa possibilidade na lei?
Uma das possveis respostas questo anterior pode ser o fato de no haver
um curso que habilite professores de lngua estrangeira a trabalharem com
crianas14, embora haja vrios profissionais atuando de maneira louvvel nesse
12 Parmetros Curriculares Nacionais - livro 8, p.26. 13 Op.cit. vol. 10, p.35-36. 14 Durante o perodo em que esta pesquisa foi feita no foi possvel obter qualquer informao sobre um curso de formao de professores que habilite o profissional a trabalhar com crianas at a 4.
23
segmento educacional, como veremos no captulo III quando abordaremos alguns
aspectos relacionados ao panorama atual da formao de professores de espanhol
em algumas regies do Brasil. Outra possvel resposta pode ser o fato de alguns
tericos criticarem o ensino de lngua estrangeira em tenra idade. Sobre a questo
da idade, trataremos o assunto mais adiante, neste mesmo captulo.
Vale a pena citar que situao semelhante a esta viveu a Espanha h alguns
anos: muitas escolas comearam a oferecer as lnguas inglesa e francesa nas
primeiras sries escolares, mesmo no tendo professores habilitados legalmente
para trabalharem com esse nvel escolar. Com o passar do tempo, o governo
reformulou o ensino superior e incluiu na lei a habilitao de professor especialista
em lngua estrangeira no magistrio superior. Voltaremos a esse tema no captulo 4,
quando abordaremos alguns aspectos positivos e negativos dessa alternativa
encontrada pela Espanha.
No que tange ao nvel escolar mais avanado, ou seja, as ltimas sries do
Ensino Fundamental, os PCNs destinam um volume somente para Lngua
Estrangeira. Isso acontece porque a LDBEN estipula a obrigatoriedade dessa
disciplina a partir desse nvel escolar.
Para se manter dentro de uma coerente linha educativa, os PCNs de Lngua
Estrangeira destinados aos dois ltimos ciclos do Ensino Fundamental apiam-se
na relao respeitosa com o outro. Essa situao fica mais clara logo que lemos as
Consideraes Preliminares:
O distanciamento proporcionado pelo envolvimento do aluno no uso
de uma lngua diferente o ajuda a aumentar sua autopercepo como ser
humano e cidado. Ao entender o outro e sua alteridade, pela aprendizagem
de uma lngua estrangeira, ele aprende mais sobre si mesmo e sobre um
srie do Ensino Fundamental. de nosso conhecimento que apenas uma faculdade particular, em Rolndia-PR, aborda, em seu programa de Prtica Educativa, aspectos relacionados ao ensino de lngua estrangeira para crianas da Educao Infantil e primeiras sries do Ensino Fundamental. Contudo, mesmo nesse caso especfico, trata-se da incluso do assunto no programa de curso, mas no da criao de uma habilitao especial para lecionar lngua estrangeira nesse nvel de ensino.
24
mundo plural, marcado por valores culturais diferentes e maneiras diversas
de organizao poltica e social.15
O fragmento anteriormente citado retoma em seu discurso muito do que foi
preconizado nos PCNs da 1. 4. Srie e tambm no Referencial Curricular
Nacional para a Educao Infantil: conhecer o outro para conhecer-se melhor,
estudar sobre um mundo diverso para aprender a respeit-lo, a entend-lo e, com
isso, tentar banir o preconceito da nossa sociedade. Esforos nesse sentido
permeiam muitas das disciplinas escolares. Por que no seria igual com a Lngua
Estrangeira, uma vez que ela, por si s, j considerada (legitimamente) diferente?
Abolir um possvel preconceito, como aquele que encontramos no incio de nossa
atividade docente e que descrevemos na Introduo deste trabalho, contra a Lngua
Estrangeira j um passo em direo tolerncia.
Quanto aos Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio, no
momento em que realizamos este trabalho investigativo16 tem-se informao de que
esto em fase de elaborao. Segundo o que foi possvel apurar, os novos PCNs-
EM possuiro um volume especfico para Lngua Inglesa e outro para Lngua
Espanhola. Como tais documentos ainda no se tornaram pblicos, no h como
antecipar as diretrizes que defendero, mas podemos esperar que sigam a mesma
linha educacional dos outros documentos oficiais, voltada para o estudo da
diversidade cultural e considerao ao outro.
Embora no explicitamente declarado, enquanto a lngua estrangeira, na
Educao Infantil, teria (ou tem, para os casos em que a LE esteja inserida nas
primeiras sries do Ensino Fundamental) a finalidade de estabelecer um primeiro
contato ldico e prazeroso com um idioma e uma cultura estrangeira, alm de
propiciar a ampliao dos horizontes reais e imaginrios dos pequenos, nos
primeiros dois ciclos do Ensino Fundamental esse contato passaria (ou passa) a
15 Parmetros Curriculares Nacionais. Lngua Estrangeira 1. e 2. ciclos do Ensino Fundamental, p.19. 16 Soubemos que os novos documentos estavam em fase de redao em setembro/05 e que foram revisados em outubro/05. Posteriormente, segundo informao do MEC, tivemos conhecimento de que o documento especfico para lngua espanhola receber o ttulo Orientaes Curriculares Nacionais Lngua Estrangeira Espanhol, diferenciando-se, assim, dos PCNs-EM-Lngua Estrangeira. Ainda segundo o MEC, tais documentos s se tornaro pblicos no decorrer do primeiro semestre de 2006.
25
auxiliar na percepo e na tolerncia das diferenas entre pessoas e culturas. A
insero obrigatria de uma lngua estrangeira nos ciclos seguintes do Ensino
Fundamental visa o aprimoramento dessa relao (j estabelecida inicialmente nas
primeiras sries do Ensino Fundamental) com outras maneiras de se pensar o
mundo. Finalmente, esperamos que, no Ensino Mdio, a(s) lngua(s) estrangeira(s)
possam servir como meio de acesso ao conhecimento tecnolgico e cultural.
Essa linearidade sugerida anteriormente aparece, tambm, no ltimo
pargrafo das Consideraes Preliminares dos PCNs de 5. 8. srie:
Outro pressuposto bsico para a aprendizagem de uma lngua
estrangeira a necessidade de garantir a continuidade e a sustentabilidade
de seu ensino.17
Esse fragmento vem corroborar a idia inicial desta pesquisa: a insero do
ensino de lnguas estrangeiras, mais precisamente, da lngua espanhola, j nas
primeiras sries do Ensino Fundamental (ou quem sabe antes ainda?). Permitir que
o primeiro contato com lnguas estrangeiras acontea naturalmente (ainda que a
sala de aula no seja um ambiente natural), atravs de jogos e brincadeiras, maneira
pela qual as crianas aprendem, pode contribuir para se criar, nesses alunos, uma
base slida de comportamento e de desenvolvimento em direo s lnguas
estrangeiras.
Alm de nos pautar pelas leis que regem o ensino de outras lnguas no Brasil
devemos considerar, tambm, as opinies dos diversos tericos que investigaram
sobre a questo da lngua estrangeira e as crianas. Passaremos a descrever e
comentar algumas teorias que tratam dessa questo.
1.1.2 O que dizem os pesquisadores?
Antes de entrarmos na questo do ensino de lngua estrangeira para crianas,
convm explicar a causa da opo pelo ensino e no pela aprendizagem de lngua
17 Op.cit., p.20.
26
estrangeira como os estudos mais recentes preconizam e, tambm, conceituar o
termo lngua estrangeira.
1.1.2.1 Alguns esclarecimentos
Primeiramente, optamos por tratar do ensino de lngua estrangeira por
acreditar que, tendo como foco a atuao do professor, esta pesquisa possa
colaborar para que ele se conscientize de que, se estiver bem preparado, poder
melhorar seu desempenho docente e, assim, auxiliar a que os resultados da
aprendizagem sejam mais positivos.
Consideramos importante explicar, tambm, que a escolha por tratar de
lngua estrangeira (e diferenci-la da segunda lngua) refere-se ao fato de que o
Brasil um pas oficialmente monolnge, ou seja, salvo algumas comunidades
indgenas e de imigrantes - mas sempre extra-oficialmente - a lngua falada no pas
a portuguesa. Assim, qualquer lngua que se queira ensinar no territrio nacional
considerada estrangeira por no se tratar de idioma de comunicao presente no
cotidiano dos brasileiros.
De igual significncia comentarmos a diferenciao que se faz entre
aprendizagem e aquisio de uma lngua estrangeira. Segundo o lingista
S.D.Krashen (1995: 10), a aprendizagem de um idioma acontece de maneira formal
e consciente, por meio da qual o aprendiz pode explicitar regras gramaticais desse
idioma. J a aquisio se d de forma natural (o contato com o idioma acontece
porque h uma necessidade de comunicao, o que desloca o foco da forma para a
mensagem) e de maneira inconsciente, ou seja, o indivduo no faz um esforo
consciente para que ocorra a aquisio. Para esse pesquisador, a aprendizagem
no se transformar nunca em aquisio. Neste trabalho, fazemos a opo de no
distinguir aprendizagem de aquisio. Essa opo significa que entendemos,
diferentemente desse autor, que aprendizagem pode ser transformada em
aquisio.
27
Finalmente, consideramos que o termo criana, nesta pesquisa, designa
alunos com idade entre 6 e 11 anos, normalmente estudantes dos dois primeiros
ciclos do Ensino Fundamental.
Esclarecidos esses pontos conceituais, podemos afirmar que este estudo se
refere formao do professor de um idioma com o qual o aprendiz teria um contato
mnimo, restringindo-se, provavelmente, sala de aula, nas sries iniciais nas quais
a lei no prev a obrigatoriedade do ensino de lnguas estrangeiras.
1.1.2.2 A criana e a lngua estrangeira
Quando se referem ao aspecto etrio, pesquisadores como Krashen (1995),
Jalles (2003), Schtz (2004) e Rodrigues (2005) concordam que as crianas at por
volta de seus 11 anos apropriam-se da lngua estrangeira de forma mais rpida e
eficiente do que os adultos, mas tanto Krashen quanto Rodrigues chamam a
ateno para alguns aspectos que acrescentam ressalvas a essa afirmativa.
Segundo Krashen (1995: 43),
(...) it is not simply the case that younger is better; children are
superior to adults only in the long run.18
J Rodrigues (2005: 82), aps analisar vrias pesquisas19 conclui que
as crianas parecem realmente apresentar maior ndice de
aproveitamento quando comparadas aos adultos, principalmente, em
pronncia, quando esto em ambientes nos quais h grande exposio
segunda lngua, ou mais especificamente, em situaes naturais de
aquisio. Entretanto, adolescentes e adultos parecem se sobressair nos
aspectos morfolgicos e sintticos, quando a aprendizagem ocorre em
situaes formais, por gozarem de maior controle consciente sobre suas
atividades cognitivas.
18 Esta e todas as demais so tradues livres nossas. No simplesmente o caso de quanto mais novo, melhor; crianas superam adultos apenas a longo prazo.. 19 De Snow e Hoefnagel-Hhle, 1978, Olse e Samuels, 1973, Cochrane, 1980, Neufel, 1978, Thompson, 1991, Coppetiers, 1987, Burstall, 1975, Harley, 1986, Oyama, 1976, Patkowski, 1990, Johnson e Newport, 1989, Cummins e Nakajima, 1987 e Riney, 1990.
28
Embora com ressalvas sobre prazos e aspectos formais da lngua, esses
pesquisadores reafirmam que o desempenho infantil se sobressai ao do adolescente
e ao do adulto, ainda mais se considerarmos que o fator scio-cultural
preponderante no ensino de lngua estrangeira no Brasil como pudemos ver nos
textos legais, ou seja, a apropriao do idioma estrangeiro aborda questes que vo
alm dos aspectos formais da lngua.
Ainda sobre a relao idade e lngua estrangeira, outros pesquisadores
tambm foram levados em considerao e alguns dos pontos de vista por eles
defendidos so comentados a seguir.
Referente especificamente oferta do ensino de lngua estrangeira a crianas
de 6 a 10 anos (perodo de nosso interesse), a Dra. Maria Lusa Solla20, em seu
artigo Uma prenda de Natal ou o Papai Noel entrou pela porta dos fundos, lanou
algumas perguntas sobre a necessidade ou funo desse ensino e que se retomam
neste estudo por estarem perfeitamente relacionadas ao nosso objeto de pesquisa.
Escolhemos comear pela seguinte questo por considerarmos que uma
pergunta anterior e mais abrangente que as demais entre as formuladas pela
pesquisadora: Nesta idade [antes da 5. srie do ensino bsico] deve a criana
aprender uma lngua estrangeira ou deve apenas ser sensibilizada a outras lnguas
e culturas?
Segundo a experincia da Profa. Cristina Pureza Duarte Bossio21, relatada
no III Congresso Brasileiro de Hispanistas ocorrido em Santa Catarina, em 2004, a
criana deve ser, inicialmente, sensibilizada a outras lnguas e culturas, como
explica a seguir:
A LE dever servir como motivador para novas descobertas, atravs
dos temas transversais, no com nfase na lngua, e sim nos interesses
20 Vice-presidente do Conselho Cientfico do Departamento de Lnguas, Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico de Setbal, em Portugal, em seu artigo Uma prenda de Natal ou o Papai Noel entrou pela porta dos fundos http://www.ese.ips.pt/ese/Opiniao/2005/op27_01_2005.htm, acessado em 18.04.2005. 21 Uma prtica reflexiva do ensino de Espanhol nas sries iniciais, http://www.cce.ufsc.br/~lle/ congresso/trabalhos_lingua/Cristina%20Pureza%20Duarte%20Boessio.doc, acessado em 02.05.2005
29
infantis, por isso a importncia do ldico nessa fase. A LE deve servir como
instrumento de comunicao e de brincadeira entre essas crianas que se
encontram totalmente motivadas ao aprendizado do Espanhol.(p.6)
Como afirma Bossio, importante que a lngua estrangeira seja abordada
com o propsito de sensibilizar os alunos pequenos para a existncia de outras
lnguas e outras culturas.22 Apresentar a lngua estrangeira de maneira natural, entre
brincadeiras que so prprias para essa faixa etria pode ser uma forma de garantir
a motivao dos alunos para o aprendizado, alm de no os sobrecarregar com a
formalidade estrutural que vero num momento mais adequado, a partir da 5.srie,
por exemplo.
Entretanto, ao proporcionar os primeiros contatos com a lngua estrangeira,
conveniente que os professores estejam conscientes da importncia que o ldico
tem na formao das crianas e que procurem a melhor forma de conduzir esses
contatos, sem causar dificuldades futuras na relao aluno-lngua estrangeira.
Quando pensamos em criana, pensamos em jogos e brincadeiras. o ldico
presente. Como bem expem Cunha e Nascimento (2005: 14)
Brincar fundamental porque brincando a criana expressa
necessidades e desenvolve potencialidades. O desafio contido nas situaes
ldicas provoca o pensamento, exercita habilidades e leva a criana a
alcanar nveis de desempenho que s as aes por motivao intrnseca
conseguem.
Brincando a criana aprende a engajar-se nas atividades
gratuitamente, sem visar recompensas ou temer punies.23
Compartilhamos da mesma opinio de Bossio (2004) e de Cunha e
Nascimento (2005): a aprendizagem deve ser prazerosa. Isso significa que, para as
crianas, a motivao est intimamente ligada ao ldico, ao prazer de brincar. Se os
primeiros contatos com a lngua estrangeira no trouxerem prazer s crianas, estas
podero desenvolver um receio, um afastamento e, porque no dizer, uma repulsa
22 Essa viso est de acordo com as recomendaes dos PCNs, como visto no item 1.1. 23 Sobre motivao intrnseca, ver Callegari, 2004.
30
contra outros idiomas e sua aprendizagem. Desenvolvida a repulsa, quando houver
a necessidade de estudar uma lngua estrangeira obrigatoriamente (a partir da 5.
srie do Ensino Fundamental), essa criana poder vir a obter um desempenho
insatisfatrio que poder ser-lhe prejudicial por toda sua vida.
A pergunta seguinte est intimamente relacionada exposio anterior e
tambm foi lanada por Solla (2005): Para que serve a lngua estrangeira s
crianas desta idade?
Tomando como exemplo o ensino de lngua espanhola no Brasil, em situao
de fronteira, como o caso, por exemplo, de Foz do Iguau, municpio paranaense
cujo governo municipal instituiu a obrigatoriedade da presena desse idioma no
Ensino Fundamental I, ou da cidade fronteiria Dionsio Cerqueira (SC), onde o
ento ministro da Educao Tarso Genro lanou o primeiro projeto de escola
bilnge do Brasil24, o objetivo comunicativo pode e deve ser levado em conta como
subsdio para a discusso sobre ensinar ou no lngua estrangeira para crianas.
Esses indivduos mantm contato estreito com falantes do castelhano e, por isso,
supe-se que seja conveniente que tenham a oportunidade de estudar esse idioma
na escola.
Porm, a situao de fronteira embora a fronteira brasileira com pases
hispanoparlantes seja grande no a preocupao principal deste trabalho, posto
que a incluso do ensino do castelhano para crianas crescente em vrias outras
localidades do pas. Em cidades no-fronteirias como Campinas (SP), So Paulo
(SP), Santo Andr (SP), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), por exemplo, h
uma oferta crescente de lngua espanhola para alunos das primeiras sries Ensino
Fundamental em escolas particulares. Dessa forma, a segunda pergunta lanada por
Solla poderia ser reformulada para: quais seriam os objetivos do ensino de espanhol
para as crianas em escolas de cidades no-fronteirias?
24 Instituto de Investigao e Desenvolvimento em Poltica Lingstica Escolas bilnges em reas de fronteira Notcias > Banco de Dados sobre as Escolas Bilnges de Fronteira > Artigos (03 03 2005), www.ipol.com.br, acessado em 03.05.2005.
31
Uma das finalidades desse ensino poderia ser a oferta, aos alunos de 1 a 4
sries, de oportunidades de conhecer e melhor compreender culturas diferentes da
sua, como propem Bossio (2004) e os PCNs, evitando o estigma do preconceito
que aparece com freqncia quando se tem contato com aquilo que diferente.
Outra finalidade seria favorecer o surgimento e desenvolvimento de atitudes
positivas dos alunos em relao ao processo de aprendizagem de uma lngua
estrangeira, o que poderia levar os estudantes a encarar essa aprendizagem de
forma significativa, prazerosa e interessante, dependendo de como acontea seu
ensino. certo que esse favorecimento pode ocorrer com o ensino de qualquer
lngua estrangeira, desde que inserida no contexto da comunidade do aluno; no
nosso caso, o interesse especfico recai sobre a lngua espanhola.
A pergunta subseqente, formulada pela Dra. Solla, diz respeito idade ideal
para a aprendizagem de lngua estrangeira: H uma idade ptima [sic] para se
iniciar a aprendizagem de uma lngua estrangeira?
Para muitos pesquisadores, como Jalles (2003) e Schtz (2004) entre outros,
deve-se considerar o fator idade na aquisio da lngua estrangeira, ou seja, em
seus estudos afirmam que h um perodo ideal ou idade limite para a aquisio de
idiomas, que se estenderia at a puberdade. Porm, outros estudiosos j
comentados anteriormente, como Rodrigues (2005: 82), constataram que em
situao natural as crianas levam vantagem na aquisio de idioma estrangeiro,
mas em situao formal de sala de aula, adultos e adolescentes se mostraram mais
aptos utilizao da lngua estrangeira.
Jalles (2003: 101) comenta os trabalhos de Lenneberg sobre a lateralizao
do crebro e sobre a idade crtica ao afirmar que, segundo este pesquisador, se uma
criana sofrer algum dano no hemisfrio esquerdo (onde est localizada a funo da
linguagem) antes dos 13 anos, poder reaprender a linguagem usando o lado direito
do crebro. O mesmo no pode acontecer com adolescentes mais velhos ou
adultos. Esse fato poderia indicar que o mesmo acontece com a aquisio de lngua
estrangeira.
32
A favor, tambm, do ensino de lnguas estrangeiras para crianas pequenas,
Schtz, em seu artigo A idade e o aprendizado de lnguas25, comenta que:
O estudo dos diferentes fatores que afetam o desenvolvimento
cognitivo do ser humano pode ajudar a explicar o fenmeno da idade crtica.
Os principais fatores so:
a) fatores biolgicos
b) fatores cognitivos
c) fatores de ordem afetiva
d) o ambiente e o input lingstico (p.1)
A seguir, expomos, brevemente, as explicaes dos diversos fatores que,
segundo Schtz, esto implicados na aquisio da lngua estrangeira.
a) Fatores biolgicos
O principal fator biolgico, de acordo com Schtz, diz respeito lateralizao
do crebro. Esse estudo, feito anteriormente por Lenneberg (1967) foi o mesmo
utilizado por Jalles (2004), j citado.
Outro fator biolgico citado por Schtz a acuidade auditiva, a que Assis-
Peterson e Gonalves (2001: 17) denominam acuidade sensorial. Trata-se da
habilidade que as crianas teriam em perceber e segmentar os sons da L2 com mais
propriedade do que um adulto por este apresentar uma deteriorao dessa
habilidade.
Schtz menciona, ainda, a existncia de outra hiptese que considera
favorvel a aprendizagem de uma lngua estrangeira em idades precoces: a
hiptese de Harpaz26.
Diz a hiptese de Harpaz que a aquisio da fala e a aquisio de conceitos
so processos que ocorrem de forma paralela na criana, pois as suas interaes
25 Ricardo SCHTZ. A Idade e o Aprendizado de Lnguas. 2004. 26 Y.HARPAZ. Myths and misconceptions in cognitive science. 2002.
33
lingsticas proporcionam a aquisio desses conceitos. Conseqentemente, as
estruturas neurais no crebro que correspondem aos conceitos aprendidos acabam
natural e intimamente associadas s estruturas neurais que correspondem s formas
da lngua. O adulto, que j possui conceitos formados e estruturas neurais
correspondentes fixas, apresenta maior dificuldade em associar as novas estruturas
da lngua estrangeira s suas estruturas neurais j fixas.
b) Fatores cognitivos
Sobre os fatores cognitivos que atuam na aquisio de uma lngua
estrangeira Schtz cita, primeiramente, a formao fonolgica. Na criana, a matriz
fonolgica ainda no est completa. Durante o seu processo de formao a criana
tem a possibilidade de expandir sua matriz fonolgica com a aquisio dos fonemas
das lnguas estrangeiras com as quais tem contato, alm daqueles de sua lngua
materna. J o adulto monolnge apresenta essa matriz fonolgica completa e
sedimentada, hbil em compreender e produzir apenas os fonemas da sua lngua
materna, o que dificulta a aprendizagem de outros idiomas.
Schtz aponta como outro fator cognitivo que contribui para a assimilao de
uma lngua estrangeira a hiptese de Krashen sobre a diferena entre aquisio e
aprendizagem, conforme comentamos anteriormente. Diz Krashen (1995) que existe
uma predominncia da aquisio sobre a aprendizagem no desenvolvimento de
proficincia em lnguas. A aquisio de uma lngua, segundo este pesquisador,
acontece num ambiente natural, de maneira intuitiva, inconsciente, em situaes
reais e concretas de interao humana. J a aprendizagem o estudo formal, ou
seja, o ato de receber e acumular informaes e transform-las em conhecimento
por meio de esforo intelectual e de capacidade de raciocnio lgico. Tanto o esforo
intelectual quanto a capacidade de raciocnio lgico no fazem parte das habilidades
de uma criana at seus onze ou doze anos.27 possvel entender, ento, a razo
pela qual Schtz afirma que a criana tem maior facilidade que o adulto em
apreender novas informaes das lnguas estrangeiras e reproduzi-las de forma
27 Sobre estas questes, remetemos a Piaget (1972).
34
criativa, ou seja, capaz de produzir, na lngua estrangeira, frases novas sem t-las
ouvido antes.
c) Fatores de ordem afetiva
Ainda apoiado em Krashen, Schtz aponta a teoria do filtro afetivo. Sem
experincias frustrantes anteriores, as crianas possuem o filtro afetivo baixo, isto ,
no se apresentam ansiosas, receosas em errar. Dessa forma, a aquisio da lngua
estrangeira acontece naturalmente, com autoconfiana elevada e com alta
motivao. Com os adultos isso nem sempre acontece, pois muitas vezes se sentem
pressionados a no cometer erros ou possuem experincias anteriores negativas e,
ao terem contato com uma lngua estrangeira, as alteraes no filtro afetivo (alta
ansiedade, pouca autoconfiana e baixa motivao) impedem que a aquisio da
lngua estrangeira ocorra de forma natural.
d) o ambiente e o input lingstico
Novamente Schtz toma como base uma hiptese da teoria de Krashen. A
hiptese do input compreensvel aborda a idia de que a aquisio/aprendizagem de
uma lngua acontece quando se est exposto a uma linguagem um pouco alm da
capacidade de compreenso que o aprendiz possui em dado momento. Ao se
comunicarem, os adultos no se preocupam em adaptar sua linguagem para serem
compreendidos, mesmo que um deles no tenha pleno conhecimento do idioma do
outro. Com crianas, a tendncia do adulto simplificar seu linguajar para fazer-se
compreender. Numa situao de comunicao, a probabilidade de a criana receber
input compreensvel maior do que a do adulto em situao semelhante.
Dessa forma, Schtz corrobora a idia de que essa a faixa etria ideal para
a aprendizagem de lnguas estrangeiras, sempre que se tenha como objetivo
compreenso e produo similar de um falante nativo, ou seja, aproximao a uma
situao de bilingismo28.
28 Segundo Renzo TITONE, Psicolingstica Aplicada, p.147, o bilingismo a capacidade que uma pessoa tem de passar de um cdigo lingstico a outro sem ter que valer-se da traduo de um no outro.
35
A questo do ensino de lngua estrangeira para crianas preocupa, como
brevemente apontamos, tanto legisladores quanto pesquisadores. Entretanto, eles
no so os nicos envolvidos diretamente nessa questo; da que no prximo tpico
enfoquemos a viso que os pais tm acerca desse assunto.
1.1.3 Qual a postura dos pais29?
uma realidade, hoje em dia, o nmero crescente de pais que busca escolas
que ofeream cada vez mais oportunidades de aprendizagem a seus filhos em
idades cada vez menores. Um dos motivos sugeridos por Pires (2001: 6) a
preocupao antecipada desses pais em relao qualificao e empregabilidade
futura de seus filhos. A pesquisadora explica que
a preocupao geral com o desemprego e qualificao profissional
que garanta um futuro estvel financeiramente tem levado os pais a procurar
cada vez mais cedo o ensino de ingls e de informtica para seus filhos,
como forma de garantir-lhes possibilidades de competir por um lugar no
mercado de trabalho.
Quando a escola eleita para seus filhos oferece tambm a lngua espanhola,
os pais passam a considerar essa oferta como um benefcio a mais, pois um
segundo idioma poder trazer vantagens quando essas crianas estiverem
crescidas: tero adquirido um diferencial cultural em relao maioria da populao
por terem tido contato com uma segunda lngua estrangeira. Tal linha de raciocnio
pode se tornar promessa de portas abertas para uma colocao profissional
diferenciada.
Porm, h pais que se preocupam tambm com a qualidade dessa oferta. Em
conversa informal com uma me, ela se mostrou receosa em relao maneira com
que a lngua espanhola estava sendo oferecida a sua filha na 1 srie do Ensino
Fundamental. Dizia que, quando as aulas de espanhol comearam, sua filha ficou 29 Dado que dificilmente pais de crianas na faixa etria em estudo se dispem a participar de pesquisas ao menos esse foi o nosso caso , optamos por no generalizar as opinies coletadas informalmente com os pais de uma nica criana. Valemo-nos, tambm, de idias que circulam, de maneira mais ou menos estendida, no ambiente escolar infantil e em alguns trabalhos acadmicos.
36
muito animada. Entretanto, essa disposio para a aprendizagem diminuiu
sensivelmente quando a professora comeou a solicitar em sala de aula e em provas
formais a leitura e a escrita na lngua estrangeira. Essa me contou que a filha no
conseguia assimilar as diferenas entre a lngua espanhola e a lngua portuguesa
(uso de apenas um s em espanhol, modalidade escrita, frente a dois em portugus,
palavras terminadas por n em espanhol e por m em portugus, para citar apenas
alguns exemplos) e que estava disposta a conversar com a professora de espanhol
sobre isso para sugerir que as aulas seguissem com canes e atividades menos
formais, como haviam sido no incio do curso.
Dessa entrevista informal com essa me foi possvel depreender que a
referida professora poderia se encontrar em uma de duas situaes. Primeira: a
direo da escola no compreendeu os objetivos do curso e reorientou as atividades
da professora, exigindo dela o cumprimento de um currculo equivalente aos
destinados a cursos para alunos das etapas posteriores (3 e 4 ciclos do Ensino
Fundamental, por exemplo); segunda: ausncia de uma formao adequada e
especfica que a levou a lanar mo das estratgias mais freqentes (muitas vezes
direcionadas a alunos mais velhos), isto , nfase na modalidade escrita da lngua.
Tanto a primeira situao quanto a segunda demonstram a necessidade de
uma preparao mais condizente dos profissionais que lidam com lngua estrangeira
em sala de aula de crianas de at 11 anos: obter informaes e refletir sobre
aquisio/aprendizagem de lnguas estrangeiras (no caso de ser verdadeira a
primeira situao) e conhecer algumas teorias sobre a aprendizagem e
desenvolvimento infantil, bem como quais so as melhores atividades para colaborar
para esse desenvolvimento (no caso de ser verdadeira a segunda situao).
No item seguinte descrevemos resumidamente algumas das principais teorias
sobre o desenvolvimento infantil e sua relao com a aquisio/aprendizagem de
lnguas estrangeiras que podero ser teis para profissionais que se encontram em
situaes como as descritas anteriormente.
37
1.2. As teorias de aprendizagem e o ensino de lnguas
estrangeiras a crianas
A aprendizagem de lnguas estrangeiras foi e continua sendo alvo de
muitos estudos, pois os fatores que intervm nesse processo so responsveis no
todo ou em parte pelo seu sucesso ou fracasso e, portanto, o conhecimento das
diferentes teorias que procuram explicitar e explicar tais fatores de fundamental
importncia.
Nesse sentido, torna-se relevante especificar, mesmo que brevemente,
algumas das caractersticas prprias de crianas de 6 a 11 anos, pblico que nos
interessa, bem como das principais teorias de aprendizagem propostas por alguns
estudiosos.
De maneira geral, so trs as principais teorias de aprendizagem humana: a
teoria behaviorista ou comportamentalista, a teoria psicogentica e a teoria scio-
interacionista.
1.2.1 A teoria behaviorista
O behaviorismo ou comportamentalismo foi uma tentativa de se construir um
modelo terico luz das Cincias Naturais cuja origem est na teoria de Descartes.
So caractersticas das Cincias Naturais:
o empirismo, no qual os eventos e fatos devem ser fisicamente
detectados, confrontveis e mensurveis;
o determinismo, relao de causa e efeito, sem a interveno do
acaso, em que se pressupe uma ordem nos acontecimentos;
a parcimnia, ou seja, o princpio da simplicidade: deve-se considerar
verdadeira a hiptese mais simples que explica um determinado fato;
a manipulao cientfica, na qual se busca a objetividade ao valer-se
da descrio operacional e que pode empregar os seguintes
procedimentos:
38
o o mtodo da experimentao, no qual se deve alterar apenas
uma varivel e manter fixas as outras para se conhecer o efeito
de um nmero de variveis num determinado objeto e, assim,
elaborar leis cientficas, ou seja, leis universais;
o o mtodo da observao, no qual se deve observar um
fenmeno diversas vezes para se chegar s leis universais.
Pode-se classificar o behaviorismo em trs correntes: a metodolgica, a
radical e a social. A corrente que mais influenciou o ensino de lnguas estrangeiras
foi a radical, com seu terico principal B.F.Skinner. Essa gerao foi conhecida como
radical porque negava a existncia de tudo o que escapa do mundo fsico e,
tambm, porque no exclua nenhum padro de comportamento.
Para Skinner (1974), os eventos internos eram continuidade dos eventos
externos e no objetos diferentes. Assim, afirmava que o comportamento era unitrio
e a diviso entre interno e externo era feita somente para se proceder anlise.
Sustentava, ainda, que internamente havia comportamentos que tambm seriam
aprendidos, embora a prpria meno de internamente no fosse aceitvel para os
tericos dessa gerao.
A maneira de se estudar os comportamentos se dava pelo estudo do
chamado comportamento verbal. Os dados verbais passaram a ser considerados
como expresso do comportamento interno. Dessa forma, o dado verbal foi aceito
como estudvel. A obteno do dado verbal era efetuada atravs do relato que um
indivduo fazia de seu comportamento interno e, para os behavioristas radicais, esse
comportamento seguia as mesmas regras dos eventos externos, ou seja, o que se
pensava e o que se sentia eram padres de comportamento aprendidos. Os
behavioristas radicais, ao estudarem comportamentos internos, no deixaram de
lado a idia de ambiente. Para eles, existia tambm o ambiente interno identificado
como histria pessoal e/ou experincia anterior.
Skinner definiu o comportamento de forma mais ampla: no eram respostas,
pois a Biologia que as estuda; no era estmulo, pois a Fsica que o estuda.
Dessa forma, o objeto a ser estudado era a relao entre o estmulo e as respostas,
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ou seja, as relaes funcionais entre estmulo e resposta e, assim, Skinner
estabeleceu que o comportamento era o conjunto de condies e respostas.
Os pressupostos do behaviorismo so:
a) quase a totalidade do comportamento aprendida (o
homem nasce com um aparelho que o torna capaz de falar;
o que vai falar aprendido.);
b) a noo de normalidade relativa; o padro de
funcionamento social;
c) os comportamentos inadequados apresentam histria e so
mantidos por contingncias persistentes;
d) ao reconhecer as contingncias de um comportamento,
pode-se alter-lo alterando as contingncias.
Para a compreenso do behaviorismo, necessrio conhecer seus conceitos
bsicos, includos a seguir.
a) comportamento reflexo e operante:
a1) comportamento reflexo um comportamento aprendido atravs do reflexo
condicionado, isto , quando um estmulo elicia uma resposta incondicionada (no
aprendida). Nesse caso, o estmulo antecedente controla a resposta (S > R30). Pode-
se dizer que a maioria das respostas emocionais classificada como
comportamento reflexo. Se o estmulo for pareado (associado) repetidas vezes com
um estmulo neutro, esse estmulo neutro adquirir as propriedades do estmulo
incondicionado. Isso ter como resultado um comportamento condicionado. Por
exemplo: se a ca