UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE
A DIFICULDADE DO DIAGNÓSTICO EM DISLEXIA
POR: VIVIANE RODRIGUES BARBOSA
ORIENTADORA: ANA CRISTINA GUIMARÃES
RIO DE JANEIRO 2005
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE
A DIFICULDADE DO DIAGNÓSTICO EM DISLEXIA
Monografia apresentada ao Projeto A Vez do
Mestre – Universidade Cândido Mendes
como parte dos requisitos para a obtenção
do Grau de Especialista em Psicopedagogia
Por: Viviane Rodrigues Barbosa
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AGRADECIMENTOS
A minha irmã Acácia, por mais uma vez me
auxiliar na digitação de trabalhos acadêmicos,
ao meu noivo Cláudio por entender minhas
ausências aos sábados, e a minha mãe Emi,
por estar sempre pronta a me ajudar no que
é preciso.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus, por ter
permitido a conclusão de mais uma
etapa em minha vida.
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RESUMO
O trabalho traz à tona a preocupação com o diagnóstico em Dislexia, no
que se refere à dificuldade do mesmo. Um diagnóstico incorreto ou tardio, pode
implicar em várias conseqüências para o disléxico, impossibilitando, ou até mesmo
retardando, o tratamento adequado ao portador do distúrbio em questão.
Além disso, há de se levar em consideração o fator emocional, pois a auto-
estima do portador da Dislexia fica prejudicada, à medida em que seus colegas
aprendem a ler e a escrever, enquanto o disléxico encontra várias dificuldades,
sendo atribuídas a ele características como a falta de inteligência, rebeldia,
preguiça, desinteresse, etc.
Para que isso não ocorra, é necessário que haja crescente especialização
dos profissionais envolvidos, assim como a divulgação dos sinais e sintomas da
Dislexia, e também dos métodos utilizados para o tratamento da mesma.
A maioria dos tratamentos enfatiza a assimilação dos fonemas, o
desenvolvimento do vocabulário, a melhoria da compreensão e fluência na leitura.
Esses tratamentos capacitam o disléxico a reconhecer sons, palavras e frases.
Crianças que apresentam sinais característicos e recebem treinamento
fonológico, já a partir da educação infantil, e do primeiro ano do ensino
fundamental, terão significativamente menos problemas no aprendizado da leitura
do que outras crianças disléxicas que não foram identificadas e nem devidamente
assistidas.
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Espera-se que sejam criadas estruturas mais adequadas para atender às
necessidades dos disléxicos, a fim de evitarmos o grande risco de serem
reconhecidos apenas por suas dificuldades, ficando despercebidos seus talentos.
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METODOLOGIA
A metodologia empregada para a realização do presente trabalho, foi
baseada em artigos de revista, sites da Internet e livros a cerca do tema
desenvolvido.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I 14
1- HISTÓRICO 14
CAPÍTULO II 16
2- SINTOMAS E SINAIS 16
CAPÍTULO III 23
3- DIAGNÓSTICO 23
CAPÍTULO IV 32
4- TRATAMENTO 32
CONCLUSÃO 50
BIBLIOGRAFIA 52
ÍNDICE 53
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa elucidar questões referentes à Dislexia, buscando
propiciar um diagnóstico correto o mais breve possível, para que a criança possa
receber o tratamento adequado, minimizando os sintomas existentes e afastando
possíveis constrangimentos na idade escolar.
Quando não recebem o diagnóstico correto, as crianças que o apresentam
tornam-se problemáticas em todas as disciplinas escolares e freqüentemente são
consideradas como indolentes e ignorantes, sendo ainda atribuída a elas, falta de
inteligência. Consequentemente, ocorrem efeitos prejudiciais à auto-estima dessas
crianças.
Anterior a qualquer definição, Dislexia é um jeito de ser e de aprender,
reflete a expressão individual de uma mente, muitas vezes arguta e até genial,
mas que aprende de maneira diferente.
Dislexia, do grego dys (mal) e lexis (palavra), significa qualquer dificuldade
no aprendizado da leitura e da escrita, independente da causa – má assiduidade
ou mau comportamento na escola, deficiência de visão ou audição, problemas
sociais, etc. Geralmente, os disléxicos não têm outros problemas de aprendizado
e não apresentam déficit sensorial ou de adaptação.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia, no IV Simpósio
Internacional – Cérebro, Dislexia, Cognição e Aprendizagem, realizado em 2000, a
definição assumida mundialmente é: “Dislexia: É um dos muitos distúrbios de
aprendizagem. É um distúrbio específico de linguagem, de origem constitucional,
caracterizado pela dificuldade em codificar palavras simples. Mostra uma
insuficiência no processo fonológico. Estas dificuldades na decodificação de
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palavras simples não são esperadas em relação à idade. Apesar de instrução
convencional, adequada inteligência, oportunidade sócio cultural e sem distúrbios
cognitivos fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem,
frequentemente incluídos problemas de leitura, em aquisição e capacidades de
escrever e soletrar.” (ABD, 2000, p. 12).
A Dislexia tem sido, em geral, tratada como um distúrbio emocional, quando
na realidade é uma dificuldade de aprendizagem relacionada à linguagem,
conforme mencionado acima. Há um déficit de influência genética no cromossomo
6 (dificuldade nos talentos ortográficos) e no 15 (dificuldade de palavras isoladas).
Os tipos de transtornos de leitura e escrita estão descritos sob diversos
termos: dislexia específica de evolução, gagueira verbal congênita, dislexia
congênita, legastenia e transtornos específicos de aprendizagem. Psicólogos
focam os aspectos emocionais decorrentes da dislexia, sugerindo a psicoterapia
como tratamento (CONDEMARIM & BLOMQUIST, 1989, p.73).
Cabe ressaltar, dentre as funções cerebrais, uma que possui a
especificidade humana, a linguagem. Neste campo, a dislexia é uma afecção que
atinge, pelas estatísticas, de 6 a 15% da população mundial.(BURROWS, 1983).
Nos EUA, e segundo o DSM-IV, é de 4% a estimativa da prevalência da
perturbação da leitura nas crianças com idade escolar. No entanto, conforme
vários autores, percentagens de 5 a 10% têm sido consideradas. Isto significa que
um pouco menos de um estudante inteligente em cada dez apresenta uma
Dislexia mais ou menos importante.
Pesquisas revelam que há diferenças em funções cerebrais entre crianças
disléxicas e não disléxicas, como as do processo auditivo e visual. De acordo com
Luria (1987, p. 60-61): “Perturbação da organização fonética da audição
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inevitavelmente leva a desintegração da capacidade de escrever e, dentro de
certos limites, a distúrbios de leitura.”
Em Dislexia, observa-se que muitos tipos de problemas de coordenação
visual, de análise e de integração são encontrados em crianças sem lesões
aparentes ou história de danos nas áreas occipitais.
Pesquisadores apontam para uma hipótese de que exista uma forma
mínima de disfunção cerebral que rompe a integração e transmissão nervosa das
percepções, e pode ser causada por uma imaturidade do desenvolvimento do
sistema nervoso.
Como a leitura é um processo de transcodificação de uma série de
símbolos visuais em seqüência de sons ou subvocais, a dislexia apresenta uma
interrupção das conexões entre os centros visuais e as áreas da linguagem
relacionadas com o hemisfério esquerdo.
Os principais fatores relacionados às dificuldades de leitura são: diferenças
na estrutura de funcionamento cerebral, diferenças no processamento fonológico
(atenção fonêmica, segmentação de fonemas, rima, nominação rápida de
palavras), retardo no processamento de informações apresentadas rapidamente
(visuais e auditivas) e influência genética dos cromossomos 6 e 15, conforme
mencionado anteriormente. Assim, as intervenções mais efetivas são aquelas de
linguagem estruturada e multisensorial.
A Dislexia pode estar associada à Disgrafia e à Discalculia, em maior ou
menor grau. A Disgrafia é uma inabilidade ou atraso no desenvolvimento da
linguagem escrita, especialmente da escrita cursiva. Escrever com máquina
datilográfica ou com computador pode ser mais fácil para o disléxico. Já a
Discalculia, representa as dificuldades com a linguagem matemática, que podem
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variar desde o aprendizado aritmético básico ao pensamento matemático mais
elaborado.
A perturbação da leitura, isoladamente ou em combinação com a
perturbação do cálculo ou da escrita, aparece aproximadamente em 04 de cada
05 casos de distúrbio de aprendizagem.
Outros estudos referenciam que 40% dos irmãos de crianças disléxicas
apresentam de uma forma mais ou menos grave a mesma perturbação. Uma
criança cujo pai seja disléxico apresenta um risco 08 vezes superior à da
população média.
Em disttúrbios de aprendizagem, e mais especificamente na Dislexia,
percebemos que os conceitos não são absolutos. Considerando como referência o
atual sistema educacional, as características que os disléxicos apresentam os
deixam em situação de desvantagem. Mas se consideramos, por exemplo, uma
sociedade não literata, essas diferenças passariam despercebidas. Portanto,
deve-se ter consciência da importância do fator social como, até certo ponto,
determinante para a visão das formas de organização cerebral.
Em matéria publicada na edição de 01/06/05 da Revista Veja, foi
mencionado um estudo de pesquisadores finlandeses a ser divulgado na revista
científica Cortex, que comprovou a eficácia de um exame na identificação da
tendência à Dislexia. Trata-se do potencial evocado, que surgiu para medir a
capacidade auditiva de uma pessoa. O teste consiste no acompanhamento da
atividade elétrica do cérebro mediante estímulos sonoros. No trabalho finlandês,
os sons utilizados foram sílabas.
A ciência ainda tem muito a descobrir sobre a Dislexia. Sabe-se que se
trata de um problema de ordem genética, mais comum entre os meninos, com
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uma proporção de 70 a 80%. A hipótese mais aceita para a sua origem é a de que
o distúrbio começa a se estabelecer ainda durante o processo da formação
cerebral. Entre a vigésima e a vigésima quinta semana de gestação, neurônios
migram do núcleo para a periferia do cérebro do feto. Nos disléxicos, alguns
neurônios se perderiam no caminho, comprometendo as áreas cerebrais
envolvidas no processamento da linguagem. Por isso, o cérebro dos disléxicos
seria menos especializado para decifrar e ordenar letras e números, para a
orientação espacial e para as capacidades motoras finas e grossas, como
desenhar e chutar uma bola.
Ainda não foi descoberto nada capaz de recuperar essas funções, porém,
de acordo com o neurologista infantil Mauro Muskat, “um disléxico quando bem
orientado, encontra alternativas para driblar os sintomas do distúrbio” (Revista
Veja, 01/06/05).
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1- HISTÓRICO
A descoberta dos distúrbios de leitura da criança surgiu a partir de algumas
observações publicadas quase que simultaneamente por três médicos ingleses:
Hinshelwood (1895), Morgan (1896) e Kerr (1897).
Esses médicos examinaram jovens que eram incapazes de aprender a ler,
mas eram muito bons em matemática. A conlusão foi de que não houve
desenvolvimento, nesses jovens, na zona cerebral que constitui o centro de
leitura. No plano metodológico, a contribuição consiste, principalmente, na análise
muito cuidadosa dos erros de leitura e de ortografia que conduziu à sintomatologia
específica do disléxico.
A Inglaterra foi o berço do estudo da Dislexia e tornou-se o país que mais
cuidou do assunto até a 1ª Grande Guerra. Nesse sentido, um dos nomes de
maior projeção foi o de James Hinselwood (1895), cirurgião oftalmologista
escocês, que propôs o nome de dislexia à dificuldade no aprendizado da leitura e
da escrita. Ele concluiu que a causa mais provável “deste grave distúrbio de leitura
é um defeito congênito do cérebro, afetando a memória visual de palavras e de
letras” (p.32). Acreditava que o problema poderia ser hereditário. O tratamento
sugerido por este pesquisador era “o ensino diagnóstico-prescritivo individual,
dependendo do grau de deficiência de memória visual e auditiva.” (p.32).
Houve uma fase de análise e discussão sobre o assunto, que desenvolveu-
se principalmente nos Estados Unidos da América até por volta de 1966, quando a
Inglaterra voltou a interessar-se pelo problema.
Na Dinamarca, o interesse pela Dislexia surgiu em torno de 1935. A
Holanda com ela já se preocupava desde antes da 2ª Guerra Mundial, o que
também acontecia com a Bélgica. Na França ficaram isolados trabalhos como os
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de Variot e Lecomte, de 1926, e o de Ombredane, de 1937, e somente em 1950
iniciaram-se estudos sistematizados sobre a matéria, os quais foram apresentados
no simpósio de 1951, na Sorbonne. Na Alemanha houve publicações importantes,
como a de Bachmann, de 1927. Em Portugal, J. S. Ataíde apresentou estudo
sistematizado sobre o assunto, em 1960.
Na América do Sul, a Argentina e o Uruguai ocuparam-se da questão, com
publicações de Quirós (1959;1965) e de Bauzá (1962). No Brasil, em particular,
Zaldo Rocha e col. (1964;1965;1966) têm estudado aspectos da Dislexia, sem
apresentação contudo, de um critério diagnóstico. Nesse mesmo país, houve
também importantes contribuições de Cacilda Cuba (1966;1968;1971), sobre
diagnóstico, valor dos sinais neurológicos menores e estudo fenomenológico em
relação à síndrome.
Por volta de 1969, estudos sobre assimetria cerebral acrescentaram novas
observações sobre o assunto. Wada (1969) estudou não só cérebros adultos, mas
também cérebros de recém-nascidos e de fetos, encontrando assimetrias direita-
esquerda. Pode-se concluir que as assimetrias são inatas e não adquiridas.
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2 - SINTOMAS E SINAIS
De acordo com Buscaglia (1984), seguem abaixo alguns sintomas e sinais
aos quais pais e professores dever ter atenção, quando suspeitam da existência
de problemas relacionados à leitura e à escrita em seus filhos e alunos:
Durante a primeira infância:
- Atraso no desenvolvimento motor desde a fase do engatinhar, sentar e andar
- Atraso ou deficiência na aquisição da fala, desde o balbucio à pronúncia de
palavras
- Distúrbios do sono
- Enurese noturna
- Tendência à hiper ou hipo-atividade motora
- Dificuldade de adaptação nos primeiros anos escolares
A partir dos 07 anos de idade:
- Lentidão na aprendizagem da leitura e da escrita
- Erros por dificuldades na descodificação grafema-fonema, assim como
dificuldade em compreender que as palavras podem se segmentar em sílabas
e fonemas
- Fluência em leitura inadequada para a idade
- Invenção, acréscimo ou omissão de palavras ao ler e ao escrever
- Tem mais facilidade, ou só é capaz de transmitir bem o que sabe através de
exames orais
- Dificuldade de concentração
- Baixa auto-imagem e auto-estima; não gosta de ir para a escola
- Perde-se facilmente no tempo e no espaço; geralmente perde e esquece seus
pertences
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- Confusão entre direita-esquerda, em cima-embaixo e frente-atrás
- Boa memória de longo prazo, mas pobre memória imediata, curta e de médio
prazo
- Dificuldades para andar de bicicleta, abotoar e amarrar o cadarço dos sapatos
- Escrita com muitos erros ortográficos e qualidade da caligrafia deficiente
- Apesar das dificuldades na escola, revela bastante criatividade, bom raciocínio
lógico e abstrato, podendo evidenciar capacidades acima da média em
determinadas áreas (desenho, pintura, música, teatro, desporto, etc.)
As repercussões da Dislexia são muitas vezes consideráveis, quer ao nível do
sucesso escolar, quer ao nível do comportamento da criança, originando nestes
dois domínios perturbações de gravidade variável, que cabe reconhecer e evitar
na medida do possível.
De acordo com Santos (1975), destacam-se alguns erros quanto à leitura e à
escrita:
Quanto à leitura:
- Ler uma letra em vez de outra, especialmente no que se refere a sua imagem
especular (b por d, p por q ou g) lendo-se mal as palavras.
- Alterar a ordem das letras numa palavra, lendo freqüentemente de trás para
frente (uso por sou, lurra por luar, ningume por ninguém).
- Repetir as letras ou grupo de letras iniciais no fim da palavra. Encontra-se tal
fato apenas em relação a sílaba: quatror (por quatro).
- Omitir pequenas palavras e inverter a ordem das mesmas.
- Incapacidade de perceber a forma das palavras como um todo; tentar adivinhar
a palavra à custa das primeiras ou últimas letras, ou a partir do contexto.
- Confundir os sons pertencentes aos símbolos escritos (pronunciar feio como
se, no lugar, estivesse escrito jaio. Este fato pode levar a neologismos.
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- Incapacidade de juntar unidades de sons, de modo a formar palavra com
significado; incapacidade de unir sons na ordem correta, embora as unidades
sejam pronunciadas com exatidão (a criança soletra b-o-i, mas não consegue
ler a palavra boi).
- Incapacidade de reconhecer o significado de uma palavra ou de uma frase,
podendo-se embora ler corretamente uma ou outra.
- Confundir letras de formas vizinhas: j e g, m e n: gegum (por jejum), nas (por
mas), moite (por noite).
- Confundir letras foneticamente semelhantes : t e d, p e b, g e c: turante (por
durante), tinda (por tinta), popre (por pobre), ceco (por cego), gomida (por
comida)
Quanto à escrita:
- Escrever uma letra por outra, trocando-a principalmente por sua imagem
especular; escrever letras com orientação errada.
- Confundir a ordem das letras numa palavra, tendendo principalmente a inverter
essa ordem.
- Repetir a letra ou grupo de letras iniciais no final da palavra.
- Omitir pequenas palavras, especialmente preposições.
- Incapacidade de lembrar as formas visuais das palavras; tendência a recorrer à
escrita fonética. Melhor – apreender a palavra partindo da analogia de sons.
- Incapacidade de conectar os sons da palavra, corretamente analisados com os
símbolos escritos apropriados.
- Incapacidade de analisar a palavra nas unidades de som que a constituem;
incapacidade de reter tais unidades na ordem correta.
- Confusões sintáticas e outras em relação às sentenças, indicando
incapacidade de perceber o sentido do que deve ser escrito.
A criança disléxica é geralmente triste e deprimida pelo repetido fracasso nos
esforços para superar suas dificuldades , outras vezes mostra-se agressiva e
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angustiada. A frustração causada pelos anos de dedicação sem êxito e a
permanente comparação com as demais crianças provocam intensos sentimentos
de inferioridade.
Em geral, os problemas emocionais surgem como uma reação secundária aos
problemas de rendimento escolar. As crianças disléxicas tendem a exibir um
quadro mais ou menos típico, com variações de criança para criança, cujas
reações mais características , ainda conforme Buscaglia (1984), são:
- Reduzida motivação e empenho por atividades relacionadas à leitura e à
escrita, assim como a recusa dessas atividades.
- Sintomatologia ansiosa perante situações de avaliação ou perante atividades
que impliquem a utilização de leitura e escrita.
- Sentimento de tristeza e de auto-culpabilização.
- Reduzida auto-estima e auto-conceito acadêmico.
- Sentimento de insegurança, incapacidade e de vergonha pelo sucessivo
fracasso.
- Problemas comportamentais caracterizados por comportamentos de oposição
e desobediência perante as figuras de autoridade (pais, professores, etc.),
hiperatividade, déficit de atenção, etc.
- Outras problemáticas poderão estar presentes, como a enurese noturna, a
perturbação do sono, etc.
Esta sintomatologia não permite a natural concentração, interesse e desejo de
aprender, perturbando as condições de aprendizagem da criança.
Crianças disléxicas apresentam combinações de sintomas, em intensidade de
níveis que variam do sutil ao severo, de modo absolutamente pessoal. Em
algumas delas há um número maior de sintomas e sinais, em outras, são
observadas somente algumas características. Quando sinais só aparecem
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enquanto a criança é pequena, ou se alguns desses sintomas apenas se mostram
algumas vezes, isto não significa que possam estar associados à Dislexia.
Inclusive, há crianças que só atingem uma maturação neurológica mais
tardiamente e que por isso, somente têm um quadro mais satisfatório de evolução,
também em seu processo pessoal de aprendizado, a longo prazo, se comparado à
média de crianças de sua idade.
Para entender melhor a Dislexia, é necessário saber que diferentes partes do
cérebro exercem funções específicas. A área esquerda do cérebro, por exemplo,
está mais diretamente relacionada à linguagem. Nela, foram identificadas três sub-
áreas distintas: uma delas processa fonemas, outra analisa palavras e a última
reconhece palavras. Essas três subdivisões trabalham em conjunto, permitindo
que o ser humano aprenda a ler e escrever. Uma criança aprende a ler ao
reconhecer e processar fonemas, memorizando as letras e seus sons. Ela passa
então, a analisar palavras, dividindo-as em sílabas e fonemas e relacionando as
letras e seus respectivos sons.
À medida que a criança adquire a habilidade de ler com mais facilidade, outra
parte de seu cérebro passa a se desenvolver. Sua função é a de construir uma
memória permanente que imediatamente reconheça palavras que lhe são
familiares. Conforme a criança vai progredindo no aprendizado da leitura, esta
parte do cérebro passa a dominar o processo e, consequentemente, a leitura
passa a exigir menos esforço.
Como visto anteriormente, o cérebro dos disléxicos, devido às falhas nas
conexões cerebrais, não funciona desta forma. Na leitura, os disléxicos recorrem
somente à área cerebral que processa fonemas. A conseqüência disso é que
disléxicos têm dificuldade em diferenciar fonemas de sílabas, pois sua região
cerebral responsável pela análise de palavras permanece inativa. Suas ligações
cerebrais não incluem a área responsável pela identificação de palavras e,
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portanto, a criança disléxica não consegue reconhecer palavras que já tenha lido
ou estudado. A leitura se torna um grande esforço para ela, pois toda palavra que
ela lê aparenta ser nova e desconhecida.
Pesquisadores têm enfatizado que a dificuldade de soletração tem-se
evidenciado como um sintoma muito forte da Dislexia. Há o resultado de um
trabalho publicado no jornal Biological Psychiatry e referido no The Associate
Press em 15/07/02, no qual foram estudadas as dificuldades de disléxicos em
idade entre 07 e 18 anos, que reafirma uma outra conclusão de pesquisa realizada
com disléxicos adultos em 1998, constando de que quanto melhor uma criança
seja capaz de ler, melhor ativação ela mostra em uma específica área cerebral,
quando envolvida em exercício de soletração de palavras. Esses pesquisadores
utilizaram a técnica de Imagem Funcional de Ressonância Magnética, que revela
como diferentes áreas cerebrais são estimuladas durante atividades específicas.
Esta descoberta enfatiza que essa região cerebral é a chave para a habilidade de
leitura, conforme sugerem esses estudos.
Essa área, atrás do ouvido esquerdo, é chamada região occipto-temporal
esquerda. Cientistas advertem que essa tecnologia não pode ser usada para
diagnosticar a Dislexia.
Esses pesquisadores ainda esclarecem que crianças disléxicas mais velhas
mostram mais atividade em uma diferente região cerebral do que os disléxicos
mais novos. O que sugere que essa outra área assumiu esse comando cerebral
de modo compensatório, possibilitando que essas crianças consigam ler, porém
somente com o exercício de um grande esforço.
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2.1 – Classificação dos erros cometidos pelos disléxicos
Os erros podem ser divididos em dificuldades visuo-espaciais, relacionadas
com o reconhecimento dos símbolos escritos e a orientação dos mesmos;
dificuldades correlatas dizendo respeito ao relacionamento dos símbolos que são
vistos com os sons da palavra falada; dificuldades de relacionamento entre
palavra e som, concernentes à formação de palavras a partir de sons conhecidos
e à relação entre a palavra e seu sentido.
Geralmente não são encontrados os diferentes erros, todos, num mesmo
indivíduo. Podem ser pouco numerosos nos casos leves. Podem, além disso, num
mesmo indivíduo, alterar-se quanto ao número e à variedade, de um dia ou
momento para o outro. Ainda num mesmo indivíduo podem aumentar com
cansaço, situação de exame e desinteresse ou desagrado pelo tema em questão.
Os tipos de erros variam com a idade, costumando desaparecer ou
diminuir, entre 08 e 12 anos, as confusões entre letras e as inversões da ordem
das mesmas nas palavras.
A leitura dos disléxicos é, em geral, má, independente dos erros acima
mencionados. Costuma-se fazer sílaba por sílaba , de modo hesitante, exigindo
muita atenção do indivíduo e um esforço que nem sempre se leva em
consideração. O disléxico lê monótona e lentamente.
Às vezes há a dificuldade na passagem do final de uma linha para a
seguinte, daí vem o nome de “dislexia linear” que também se dá à síndrome. A
pontuação pode não ser respeitada e, raramente, o disléxico só lê da direita para a
esquerda (leitura em espelho mencionada anteriormente).
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A leitura silenciosa geralmente é impossível, fazendo-se de modo subvocal,
isto é, murmurante ou acompanhando-se de movimentos de lábios.
Os disléxicos habitualmente apresentam dificuldades de compreensão do
que lêem, que podem ser devida ao esforço despendido em muitas palavras, mas
que se costuma encontrar ainda quando a leitura se tenha feito corretamente
3 - DIAGNÓSTICO
Para se fazer um diagnóstico correto, deve-se verificar inicialmente se na
história familiar existem casos de Dislexia ou de dificuldades de aprendizagem, e
se no desenvolvimento da criança ocorreu atraso na aquisição da linguagem.
Além disso, é recomendável que os pais procurem profissionais como
neurologista, fonoaudiólogo, psicólogo e professores especializados, para uma
avaliação. O fonoaudiólogo, por exemplo, trabalha diretamente na prevenção,
orientação e tratamento de alterações de linguagem e aprendizagem.
Os disléxicos pensam primeiramente através de imagens e sentimentos, e
não com sons e palavras, sendo bastante intuitivos.
Na leitura notam-se confusões de grafemas cuja correspondência fonética é
próxima ou cuja forma é aproximada, bem como a existência de inversões,
omissões, adições e substituições de letras e sílabas, conforme mencionado no
capítulo anterior. Ao nível da frase, existe uma dificuldade nas pausas e no ritmo,
da mesma forma em que apresentam uma deficitária compreensão da informação
lida.
Nos casos menos severos, os problemas somente passam a ser percebidos
como dificuldades significativas de aprendizado, em geral, pelo professor,
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tornando-se mais evidentes a partir do segundo ano do ensino fundamental.
Porém quando os níveis são muito tênues, há o risco de não serem
diagnosticados, embora a falta do diagnóstico e da adequada assistência
psicopedagógica a esse disléxico pode vir a agravar as suas dificuldades sociais e
de aprendizado. E quanto mais graves ou severas se apresentem essas
dificuldades, elas podem ser percebidas, como tendência ou risco, já a partir dos
primeiros anos da vida escolar dessa criança, por seus pais, especialmente por
sua mãe, e por seu professor.
Em relação à produção escrita a sintomatologia é semelhante, verificando-
se a presença de muitos erros ortográficos, grafia disforme e ilegível, como
também lacunas na estruturação e sequência lógica das idéias, ficando estas
desordenadas.
Algumas outras manifestações da Dislexia nas competências da leitura e
escrita são:
- Atraso na aquisição da leitura e da escrita
- Dificuldades acentuadas ao nível do processamento e consciência fonológica
- Leitura silábica, decifratória, hesitante, sem ritmo, com muitas correções e
erros de antecipação.
- Velocidade de leitura bastante lenta para a idade e para o nível escolar
- Dificuldades na memória auditiva imediata
- Ilegibilidade da escrita: letra rasurada, disforme e irregular
- Problemas de dominância lateral (lateralidade difusa, confunde direita e
esquerda e lateralidade cruzada).
- Problemas de motricidade fina e do esquema corporal
- Dificuldades na percepção visuo-espacial
- Dificuldades na orientação espaço-temporal
- A escrita pode surgir em espelho
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- Substituição de uma palavra por outra de significado aproximado: a roseira era
debaixo (por ficava debaixo); soltou o ratinho (por salvou o ratinho).
Cabe ressaltar, que não é necessário que estejam presentes todos estes
indicadores em simultâneo, para que seja diagnosticada a Dislexia. Eles devem
apenas alertar para a possibilidade de um caso desse distúrbio, já que é preciso
compreender a razão destes comportamentos.
Não se pode falar de Dislexia, ou melhor, não é possível fazer um
diagnóstico definitivo antes dos 07 anos, ou com mais rigor, antes de pelo menos
um ano de escolaridade, pois anterior a esta idade, erros similares são banais pela
sua freqüência.
Além disso, as dificuldades dos disléxicos às vezes não chamam a atenção
no início do aprendizado, época em que se empregam mais cópias e a leitura
pode se fazer de cor, graças às ilustrações dos textos.
Os distúrbios psicológicos que costumam ser associados à Dislexia, podem
dificultar o reconhecimento da síndrome, fato ao qual há autores que não dão
muita importância, achando que tanto nesse caso como no de indivíduos com
dificuldade de leitura e escrita de origem emocional, o tratamento seria
inicialmente psicoterapia e, a seguir, um método corretivo como os empregados
em Dislexia. Outros autores porém, apoiam a idéia da necessidade de se buscar a
a etiologia, considerando dever o tratamento ser ditado pelas realidades
diagnósticas.
O ideal quanto ao diagnóstico seria, ao avaliar um indivíduo de 1º ano
trazido com a queixa de que, apesar de sadio, não apresentando defeitos
sensoriais e frequentando a escola regularmente há tempo suficiente, não aprende
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nada relacionado à leitura e à escrita, ou progride mal nessas matérias,
cometendo erros estranhos, ao passo que vai bem nas demais, especialmente em
matemática. Num segundo caso, avaliando um indivíduo mais adiantado, com a
queixa de que não lê bem, de que troca letras à leitura e à escrita ou somente à
escrita, levantar-se-ia a hipótese de Dislexia e se procederia ao interrogatório,
procurando elementos que pudessem corroborá-la, e aos exames, como segue.
A história familiar, se revela antecedentes de Dislexia, canhotismo,
ambidestrismo, má coordenação motora, retardo ou dificuldades na fala, pode
confirmar o diagnóstico. Na história pessoal, esses mesmos elementos e os de má
noção de direita e esquerda também o fazem. É útil saber que mão a criança usa
habitualmente, pois o canhotismo pode, num caso particular, trazer ao disléxico
um prejuízo a mais, de cunho emocional, advindo da tentativa de passar a usar a
mão direita.
História minuciosa, relatando reações afetivas, é tão importante quanto o
exame. Fisicamente nada se observa que se possa relacionar com o quadro. O
exame neurológico deve ser feito sempre, ainda quando se pense que nada a ele
se achará. Ao clássico, nenhum sinal grave se encontra. Um exame mais
minucioso poderá revelar os chamados “sinais neurológicos menores”, que é a
expressão empregada para designar, entre outros, dados cujo achado se pode
verificar normalmente em crianças, sendo que vão desaparecendo à medida em
que elas crescem, conforme se depreende da descrição de muitos deles. Passam
a chamar atenção quando constatados numa idade em que já deveriam ter
desaparecido, ou quando, às vezes, mostram-se distorcidos. Consistem em sinais
de retardo no desenvolvimento de uma ou mais funções.
Devemos considerar que, em se tratando de suspeita de Dislexia, esses
sinais devem ser muito bem avaliados em cada caso particular, a fim de se
27
concluir se são mesmo devidos a puro retardo de maturação e não, mais
propriamente, a um distúrbio neurológico.
Os sinais neurológicos que possam ser descobertos através de tal exame,
não são essenciais para que se firme o diagnóstico de Dislexia. O achado dos
mesmos pode, no entanto, em exame de rotina, levar à lembrança da hipótese
desse diagnóstico, fazendo aumentar o número de casos descobertos.
Em relação à verificação de existência ou não de distúrbios sensoriais,
quanto à visão aconselha-se exame oftalmológico se nunca foi feito ou o foi há
mais de um ano. Quanto à audição, o ideal talvez fosse efetuar-se exame
otorrinolaringológico sempre, mas na prática só se encaminham pacientes para tal
quando há suspeita de alguma deficiência.
Quando a uma perturbação da leitura está associado um Q.I. elevado, a
criança pode estar ao nível dos seus companheiros durante os primeiros anos
escolares, e esta não se manifestar completamente antes do 4º ano de
escolaridade, ou mesmo posteriormente.
Os critérios de diagnóstico para perturbação da leitura, segundo o D.S.M. –
IV:
A – O rendimento na leitura, medido através de provas normalizadas de
exatidão ou compreensão da leitura, aplicadas individualmente, situa-se
substancialmente abaixo do nível esperado para a idade cronológica do sujeito,
quociente de inteligência e escolaridade própria para a sua idade.
28
B – A perturbação do critério A interfere significativamente com o
rendimento escolar ou atividade da vida cotidiana que requerem aptidões de
leitura.
C - Caso esteja presente um déficit sensorial, as dificuldades de leitura são
excessivas em relação às que lhe estariam habitualmente associadas.
3.1- Diagnóstico Diferencial
O principal quanto ao diagnóstico diferencial da Dislexia, é fazê-lo com a
deficiência mental. A respeito, consideramos que, de um lado, as dificuldades na
Oligofrenia, não se restringem à leitura e à escrita, mas são gerais e, de outro, a
inteligência é obvia na grande maioria dos disléxicos. Lembramos, porém, que a
própria Dislexia pode prejudicar a eficiência do indivíduo, fornecendo um quadro
de pseudo-oligofrenia.
Deve-se ter cuidado ao exame, pois muitos disléxicos, devido à dificuldades
na discriminação de figura-fundo, saem-se mal em testes como o das matrizes
progressivas de Raven ou, por causa de dificuldades na estruturação espacial, no
dos cubos de Kohs.
Cabe lembrar, que podem coincidir Oligofrenia e Dislexia, sendo o
diagnóstico então mais difícil, e exigindo mais prolongada observação, pelo que,
em geral, conservam-se, nos estudos, apenas casos de indivíduos de inteligência
normal.
Alguns disléxicos, segundo Orton (1966), citado por Santos (1975),
apresentam grandes distúrbios na associação do pensamento e sintomas de
29
imaturidade motora, o que pode sugerir lesão cerebral ou esquizofrenia. Deve-se
ainda fazer a diferenciação com o autismo.
Há necessidade de diferenciação entre a escrita do disléxico e a escrita do
epilético. Devemos levar em consideração as perdas ou perturbações de
consciência destes. Quando ocorrem crises de curta duração, as quais podem ser
motivadas por hiperpnéia decorrente de emoção, o indivíduo, sobretudo em
ditados, deixa de escrever algumas palavras (as ditadas durante o distúrbio de
consciência). Em casos de pequeno mal, havendo crises seguidas, notam-se à
escrita, palavras muito deformadas, com falhas ou repetição de sílabas. Em casos
de perturbação mais leve de consciência, pode a escrita se mostrar com inversões
e confusões de letras, lembrando, portanto, a do disléxico.
Como a Dislexia não se caracteriza por dificuldades específicas de grupo,
mas em combinações e níveis individuais de facilidades e dificuldades de
aprendizado, e como em Dislexia estão envolvidos fatores que requerem a leitura
de profissionais de diferentes áreas da educação e da saúde com especialização
efetiva, o diagnóstico diferencial requer a avaliação de equipe multidisciplinar para
ser equacionado.
3.2 – Reação dos pais frente ao diagnóstico
Um aspecto relevante para a condução de um diagnóstico errôneo, trata-se
da reação dos pais diante da deficiência de seus filhos. Para compreender melhor
essa questão, podemos citar uma frase do psicanalista Jacques Lacan, que diz
que “o indivíduo nasce do desejo do outro”. Diante da confirmação da gravidez
inicia-se o projeto sobre este ser, que ainda não nascido, já tem um destino
traçado. O bebê, antes de falar, já é “falado”. Não é qualquer criança que nasce,
nasce o filho do desejo de alguém. E quando é chegada a hora do sonho se
30
concretizar, do desejo se realizar, os pais conferem o sonho, e algumas vezes
com surpresa, recebem um sobrenome para esse filho: deficiente.
Nesse novo batismo, que se dá em qualquer momento da vida cronológica
quando a deficiência é apontada, os pais recebem um golpe: é a ruína do sonho.
Instaura-se a crise.
Há pelo menos três tipos de crise: a crise diante da notícia inesperada, que
acarreta frustração das expectativas que os pais alimentam acerca do futuro da
criança, a crise de valores pessoais (reações que os pais apresentam diante de
sua escala de valores), e a convivência difícil com a necessidade do filho.
Muitas vezes a inteligência do disléxico é posta em dúvida. Os pais,
geralmente, estão cansados e desanimados. Já o ajudaram, não raro já o
mudaram de escola, já lhe ofereceram professor particular, e tudo em vão. Pelo
modo de se conduzirem à consulta já se pode ter idéia do mau ambiente
psicológico em que vive a criança. Em outras situações, a criança é trazida por
problemas de indisciplina , rebeldia ou nervosismo intenso, relacionados a
questões escolares.
Ocorrem também, as reações específicas de cada membro da família, que
podem ser:
- Encarar o problema de modo realista
- Negar o distúrbio
- Desenvolver sentimentos de autocomiseração e lamentação de sua própria
sorte
- Sentimentos ambivalentes
- Projeção das causas do problema nos outros (“bodes-expiatórios”)
- Sentimento de culpa, vergonha e de compreensão
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- Dependência mútua, particularmente entre mães e filhos
Diante do caos, da angústia, os mecanismos de defesa emergem, como relata
Buscaglia (1984):
1- Negação: “Não há nada de errado com meu filho”
2- Culpa: “O que eu fiz para causar isto?”
3- Confusão: “Onde podemos buscar ajuda?”
4- Dilema: “Devo seguir orientação de quem?”
5- Raiva: “Por que não existem programas de recuperação para o meu filho?”
6- Desespero: “Não tenho mais esperança”
7- Impotência: “Não sei mais o que fazer”
8- Projeção: “Meu filho não vai bem porque a professora é ineficiente”
9- Racionalização: “Ele está agitado porque comeu muito”
10- Identificação: “Ele é igualzinho a mim”
11- Isolamento: “Não iremos mais à casa de ninguém”
Nesta medida, a reação revela o golpe da não realização do sonho, e a ferida
narcísica instala o dilema e o conflito: como aceitar o inaceitável?
Do impacto inicial, ao convívio permanente com o distúrbio, as tentativas
frutíferas e infrutíferas, vão se ajustando e transformando a dor em esperanças
possíveis.
32
4 – TRATAMENTO
Diagnosticada a Dislexia, a criança em alfabetização deve ser transferida
de onde esta se venha fazendo pelo método global, para escola que adote outro,
mais fonético ou analítico-sintético. Suprime-se, de início, o uso de livros ilustrados
porque as crianças tendem, às vezes, a se proteger e defender quando solicitadas
para ler, inventando frases a partir das figuras da página. Cada exercício deve ser
estudado profundamente, dando-se ênfase à forma de cada letra, ao som que lhe
corresponde e ao modo pelo qual ele se forma, à posição da letra, em relação às
demais de uma sílaba. Dessa maneira, muitos disléxicos, cujos sintomas são mais
leves, conseguem aprender.
Na Dislexia mais séria há freqüentemente necessidade de se recorrer a
técnicas especiais, empregando-se outros recursos além da visão e da audição,
como fazem os vários métodos visuo-audio-cenestésicos (VAK), em que entram
movimentos. Pode ser mesmo necessário o emprego dos visuo-audio-
cenestésicos-táteis (VAKT), em que entra também o contato do dedo com o
material a ser lido – a criança traça, com o indicador e o médio, a palavra que
acabou de escrever, pronunciando-a.
A maioria dos tratamentos enfatiza a assimilação de fonemas, o
desenvolvimento do vocabulário, a melhoria da compreensão e fluência na leitura.
Esses tratamentos ajudam o disléxico a reconhecer sons, sílabas, palavras e, por
fim, frases. É aconselhável que a criança disléxica leia em voz alta com um adulto
para que ele possa corrigi-la. Alguns estudos sugerem que um tratamento
adequado, administrado ainda cedo na vida escolar de uma criança, pode corrigir
as falhas nas conexões cerebrais ao ponto que elas desapareçam por completo.
No método de Borel-Maisonny, dito visuo-audio-gestual, cada vogal ou
consoante vista é pronunciada ao mesmo tempo que se lhe faz corresponder um
33
gesto relacionado com o local de formação do som emitido ou capaz de dar uma
viva impressão dele. Progride-se com a emissão de dois sons, cada qual
acompanhado de gesto correspondente, ao mesmo tempo que se mostra a sílaba
que formam. Passa-se à leitura de palavras de duas sílabas simples, à de sílabas
com três letras e assim por diante.
Qualquer que seja o método, o ensino deve ser feito com material variado e
atraente. Devido à diversidade enorme do quadro, deve ser completamente
individual, devendo cada aluno receber atenção muito especial, caso se dêem
aulas em pequenos grupos. Deve-se ainda recorrer a variações de métodos,
variações a serem mesmo inventadas se preciso, de acordo com a necessidade
de cada caso. Critchley (1964), citado por Cuba dos Santos (1975), insiste em que
o método pode ser menos importante do que a relação professor-aluno,
apontando a necessidade de compreensão e paciência por parte do primeiro.
A escrita deve ser ensinada sempre ao mesmo tempo que a leitura. O
progredir na matéria se faz atendendo ao ritmo de cada aluno. Caso o disléxico já
leia e escreva pouco, procede-se à reeducação, iniciando-se do ponto em que as
dificuldades começam a aparecer e não do ponto em que o indivíduo deveria se
encontrar.
Sobre a fenomenologia da Dislexia, Cuba dos Santos (1975) se refere à
influência de um mau esquema corporal nas dificuldades do disléxico. A melhora
do mesmo, quando necessário, faz-se com aulas de psicomotricidade. Tais aulas
costumam iniciar-se por sessão de relaxamento, procurando-se colocar o
indivíduo numa situação básica, da qual deverá partir para exercícios que lhe
eduquem o tonus muscular e permitam corrigir as más posturas e melhorar a
coordenação motora e a percepção temporo-espacial e do ritmo.
34
Deve-se incluir a própria criança na entrevista em que se dão, aos pais,
explicações sobre o diagnóstico feito, sobre a natureza da Dislexia e o
prognóstico. Deve-se incluí-la também no planejamento do tratamento. O
professor, sempre que possível, deve ser posto a par das mesmas questões. Essa
forma de agir já pode ser considerada como o início do tratamento, o qual visa não
só a uma reintegração da criança no seu meio escolar, mas também a uma
reintegração da mesma no seu meio familiar e social. De fato o conhecimento da
realidade da situação pode aliviar o disléxico de seus problemas emocionais, e os
pais, da aflição com que geralmente procuram auxílio. Pode facilitar a estes, bem
como aos professores, mudança de atitude frente à criança, a qual passará a
encontrar um ambiente mais favorável para si.
Nos casos graves não costuma haver melhora ou mesmo possibilidade de
um início de aprendizado, sem tratamento. A evolução do quadro será tanto
melhor quanto mais precoce a instituição do tratamento. Nos oligofrênicos as
inversões são mais acentuadas e a resolução do quadro, mais difícil.
Apesar de a Dislexia tender a se resolver bem, o disléxico, mesmo após o
tratamento, apresenta tendência a se mostrar como pessoa pouco interessada em
leitura e costuma ter um vocabulário empobrecido. O tempo despendido na sua
correção poderá ter-lhe imposto um retardo escolar nem sempre possível de se
compensar nos casos mais graves.
O pensamento de que a Dislexia seja total e irremediável deve-se à
concepção da Dislexia como sendo uma variação extrema do normal.
A advertência de especialistas com base em estudos conclusivos mais
recentes é de que, crianças que apresentam sinais característicos e passam a
receber efetivo treinamento fonológico já a partir da educação infantil e do primeiro
ano do ensino fundamental, apresentarão significativamente menos problemas no
35
aprendizado da leitura do que outras crianças disléxicas que não sejam
identificadas nem devidamente assistidas até o terceiro ano do ensino
fundamental.
Há pesquisas sobre a clonagem dos genes. Clonando o gene DYX3, os
geneticistas poderão demonstrar a natureza e a freqüência dos genes envolvidos
nas alterações de leitura e linguagem.
A descoberta do gene e de seu funcionamento é de extrema importância
para a pedagogia da leitura. Uma vez sendo identificado um gene ligado à Dislexia
na criança em idade escolar, provavelmente não poderemos ainda oferecer uma
cura, não obstante, para a pediatria ou neurologia a intervenção médica será
reorientada e os professores e os professores, por sua vez, poderão intervir
pedagogicamente, isto é, de forma mais individual, precisa e eficaz, no processo
de aprendizagem da leitura.
Os pesquisadores do Projeto Genoma Humano descobrem a cada
momento, que não existem mais dúvidas de que componentes genéticos estão
envolvidos com os transtornos de leitura e escrita. Os profissionais da saúde e da
educação escolar se rendem também à biotecnologia.
4.1 – Reeducação de disléxicos
Emprega-se o termo reeducação, no sentido de uma atividade pedagógica
planificada, que se vale de técnicas e recursos organizados com o fim de ajudar
certo tipo de leitor inábil a se tornar um leitor hábil, quer “reformando” seus
conhecimentos léxicos defeituosos, quer dando-lhe os que não conseguiu adquirir
em razão das características que o definem como disléxico. Na realidade, deve-se
falar de educação e reeducação de disléxicos.
36
Falar-se-ia em reeducação com referência a disléxicos já alfabetizados,
indivíduos capazes de ler um pouco, embora com grande dificuldade,
vagarosamente, com trocas de letras, inversão da ordem das mesmas, omissão
ou acréscimo de sílabas ou palavras, substituição ou recusa das últimas, etc.
(conforme mencionado nos capítulos anteriores); quanto à escrita, são capazes de
levá-la a efeito, mas com as mesmas dificuldades, às quais freqüentemente se
soma a da má caligrafia.
Por outro lado, falar-se-ia em educação nos casos em que a dislexia não
permitiu ao indivíduo levar nem um pouco adiante o seu processo de
alfabetização, de modo que nada lê ou escreve com conhecimento do que está
fazendo. Pode reconhecer uma ou outra palavra simples, pela forma, como se ela
fosse um desenho, pode escrevê-la de acordo com a lembrança de como viu
alguém fazer ou então copia como se tratasse da reprodução de uma figura ou de
um gráfico.
Deve-se portanto, fazer distinção entre educação e reeducação de
disléxicos. O termo educação seria, então, reservado para o ensino especial
quase exclusivamente de crianças de seis a sete anos de idade, consideradas
normais quanto à inteligência, mas sobre as quais paira forte suspeita de que
possam vir a apresentar dislexia. Na prática, entretanto, geralmente se fala, em
ambos os casos, de reeducação.
4.2 – O problema do método no ensino da leitura
Os disléxicos são, por definição, indivíduos que, ou não aprendem a ler e a
escrever nada ou não aprendem a ler e escrever suficientemente bem, apesar de
não lhes faltar oportunidade de aprendizagem comum. Afastam-se, naturalmente,
37
causas evidentemente prejudiciais para o aprendizado, como falta de assiduidade
às aulas, ausências freqüentes do professor, distúrbios sensoriais, deficiência
mental, problema emocional sério, etc., os quais podem estar presentes em uma
dislexia tomada no sentido amplo.
Na escola, enquanto os outros alunos, na mesma classe, com o mesmo
professor, com o mesmo método de ensino, progridem, chegando a ler com
desembaraço e entendendo o que lêem, escrevendo sob ditado ou
espontaneamente, de modo que compreendemos o que escreveram, o disléxico
se evidencia como atrasado. Aquele que não consegue tal progresso, que não se
alfabetiza absolutamente ou não se alfabetiza suficientemente , cometendo erros
quanto à leitura e à escrita. O disléxico não se beneficia do mesmo método,
segundo o qual seus colegas aprendem a ler e a escrever.
A Dislexia tende a se evidenciar mais na alfabetização pelos métodos
convencionais centralizados no aprendizado da palavra ou frase (método de
natureza global). O disléxico apresenta dificuldade em perceber como um todo, os
estímulos visuais – os grafemas (formas das letras) que compõem as palavras
isoladas ou agrupadas em orações. Apresentam dificuldade também em analisar
tais estímulos em seus detalhes e reconhecê-los quando organizados em sua
totalidade, isto é, em novas palavras, formando frases. Essa percepção do todo e
sua conseqüente análise para uma síntese posterior é justamente o que constitui o
fundamento do método global.
É necessário eximir a criança disléxica ao suplício da alfabetização por
meio de belas estórias, quadrinhos ou poemas, ilustrados com profusão de
imagens e cores. Ao contrário, é preciso oferecer-lhe condições especiais de
ensino, que lhe assegurem, de maneira simples e prática, um domínio firme dos
mecanismos da leitura, das estruturas da língua, sempre com vistas à
compreensão do que foi lido e à correta expressão escrita.
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De acordo com Santos (1975), os métodos de natureza global, tendo-se
revelado inadequado na alfabetização de disléxicos, não podem ser propostos
para a reeducação dos mesmos.
Outras técnicas, portanto, se impõem. Devem partir do princípio de síntese
– análise – síntese, proporcionando ao aluno o conhecimento individualizado das
letras pela forma (grafema) e pelo som (fonema), seguindo-se imediatamente a
combinação das letras em sílabas e, depois, em palavras, sendo seriadas as
dificuldades, em ordem crescente. Aos métodos audiovisuais poderão ser
associados recursos de natureza táctil, especialmente nos casos mais sérios.
Como outras técnicas, que não as convencionais, impõem-se na
reeducação dos disléxicos, faz-se necessário também que haja professores que
delas tenham conhecimento seguro, a fim de bem maneja-las. Um professor
particular, ainda que muito competente quanto aos métodos convencionais
utilizados na escola, mesmo os mais modernos, não levará a nenhum bom
resultado. Ao contrário, quase sempre poderá desesperar pais e disléxico, e
desapontar o professor pela repetição da falta de sucesso verificada na primeira
tentativa de ensino, uma vez que tal professor irá apelar novamente para
mecanismos cerebrais ainda insuficientemente desenvolvidos no disléxico.
4.3 - O reeducador de disléxicos
Fala-se de professor ou de reeducador de disléxicos a fim de se referir à
pessoas especialmente habilitadas para levar a efeito a alfabetização dos
indivíduos em questão, ou à correção dos mesmos, quanto à leitura e à escrita,
caso não sejam propriamente analfabetos.
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Reeducador ou professor de disléxicos, entretanto, não é título que
realmente exista, nem há cursos ou currículos que possam fornecê-lo. Tem-se
psicólogos, fonoaudiólogos e professores interessados no problema, após leituras
ou outro meio de informação, passaram a cuidar do caso, adotando ou
modificando métodos já conhecidos ou experimentando alguma técnica própria.
Alguns psicólogos e fonoaudiólogos talvez se beneficiem da formação de
professor de ensino fundamental e experiência de ensino, anteriores.
Antes de se confiar uma criança a um especialista, é preciso assegurar-se
de que ele tenha realizado estudos sérios quanto aos problemas de comunicação
escrita e que tenha experiência clínica suficiente.
A preparação do educador deve sempre ter por base o conhecimento da
síndrome. Assim, ele deve conhecer o quadro clínico, propriamente dito da
Dislexia (o pedagógico, as dificuldades à leitura e à escrita), o quadro
neuropsiquiátrico e psicológico (sintomas associados, sinais neurológicos
menores, fator inteligência, fatores emocionais, percepção e movimento) e idéias
relativas à causa da Dislexia.
É indispensável também que tenha conhecimento das técnicas a que se
pode recorrer com o objetivo de levar o disléxico a superar suas dificuldades, que
tenha aptidão para empregar tais técnicas conforme cada caso particular.
Além de tudo isso, necessita desenvolver determinadas qualidades de
personalidade, entre outras: capacidade de fácil relacionamento, dedicação e
persistência diante do progresso lento e difícil de certos alunos, ansiedade da
família e descrença de alguns diretores e professores de escolas quanto à eficácia
da reeducação, criatividade para suprir a falta de material pedagógico que possa
existir no local de trabalho ou para atender a interesses de determinado aluno.
40
Convém destacar a personalidade do reeducador. É preciso que se dê
conta de que a reeducação não é uma ação em sentido único. Trata-se de se
estabelecer um contato. Caso o reeducador procure criar para si uma opinião do
aluno, este, por sua vez, julga o reeducador e, da confiança que deve nascer,
depende mais de cinqüenta por certo das possibilidades de êxito, um erro de
comportamento é mais prejudicial do que um erro de técnica. De fato, pode-se
corrigir mais facilmente um erro de técnica do que uma inabilidade no
relacionamento.
A formação do reeducador pode ser feita com mais facilidade e ser mais
completa se ele estiver integrado a uma equipe capaz de assisti-lo nas
dificuldades que venha a encontrar no seu trabalho.
4.4 – A equipe no tratamento do disléxico
Inicialmente é necessário que haja um médico capaz de diagnosticar o
distúrbio. A Dislexia específica de evolução, podendo embora ser dita uma
síndrome pedagógica, é um quadro neurológico e seu diagnóstico, implicando
exclusão de qualquer outro problema neurológico, psiquiátrico ou médico em
sentido mais amplo está sempre a cargo da medicina.
Muitas vezes se encaminham para reeducação de disléxicos, indivíduos
que não o são senão em sentido amplo. Nesse caso pode-se mesmo dispensar o
diagnóstico, ou seja, o médico que o faria. Os métodos de correção devem ser
pautados pelas necessidades mais reais de cada caso e estas não são as
mesmas num e outro caso, isto é, no do indivíduo realmente disléxico e no do que
tem dificuldades à leitura e à escrita por problemas de ordem mais geral.
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Para o disléxico em sentido amplo (por deficiência mental por exemplo)
naturalmente será indicado ensino apropriado para excepcionais mentalmente,
para o que não aprende por deficiência auditiva, um especialista em
otorrinolaringologia dará o tratamento e/ou o encaminhamento devido, para aquele
com graves problemas emocionais, o psiquiatra procurará solução, e assim por
diante. Quanto ao disléxico cuja Dislexia é específica, para ele se reservarão
métodos específicos de reeducação.
Assim, psicologicamente, é mais interessante para pais e pacientes que os
verdadeiros motivos da dificuldade sejam esclarecidos o quanto possível e o
prognóstico fornecido com a maior franqueza. No caso de Dislexia específica, é
difícil que o diagnóstico satisfaça médico, paciente e família; sempre seria melhor
que não houvesse nada de errado com o indivíduo.
A elucidação aos pais do porquê da indicação de um professor
especializado sempre os fará colaborarem melhor no tratamento do filho, e não
raro, deixar de recorrerem às tentativas inúteis de querer ajudá-lo pelos métodos
correntes, ou seja, convencionais.
O reeducador pode se formar numa equipe com um médico a quem caiba a
responsabilidade do diagnóstico e do qual possa esperar ajuda em dificuldades no
decorrer do seu trabalho. Tais dificuldades costumam surgir em decorrência de
problemas emocionais do aluno, postos em evidências no seu relacionamento
com o reeducador, ou mais freqüentemente, devido a uma não aceitação por parte
da criança, do trabalho que deve ser feito na reeducação. Aparecem às vezes
como conseqüência da inaceitação pelo aluno da sua Dislexia. Outras vezes o
tratamento é dificultado porque essa falta de aceitação é por parte dos pais ou
porque a ansiedade destes prejudica a boa evolução do caso. Em todas essas
circunstâncias o psicólogo deve interferir, procurando resolver o problema.
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As dificuldades do professor podem surgir ainda em relação ao próprio
caso, que pode tender a mostrar-se como rebelde a todo tratamento de que ele
tenha conhecimento. Esse fato pode levar um professor inexperiente a colocar em
dúvida a inteligência normal do aluno, havendo necessidade de que seja
reassegurado de tal. Nessa eventualidade o médico deve ainda intervir, e talvez o
possa fazer também num outro sentido. Embora não seja professor, deve ter
conhecimento não só dos métodos convencionais de ensino de leitura e escrita –
e do que podemos chamar de neurofisiologia dessas matérias – mas também dos
recursos utilizáveis para ensino das mesmas aos disléxicos, bem como das bases
que fundamentam tais recursos. Deve ter ainda conhecimento do quadro
neurológico do paciente de seus sinais neurológicos menores, ou poder
reexaminá-lo quando necessário.
A partir de tudo isso, poderá ter bases para sugerir um processo diferente a
ser ensaiado no tratamento em questão, processo cuja lembrança talvez não
tenha ocorrido ao reeducador por desconhecê-lo ou por nunca o ter utilizado.
O professor não pode se beneficiar apenas de dados do trabalho em
equipe, em estreito relacionamento com o médico, mas também deve manter esse
relacionamento no exercício de sua profissão, visto que a reeducação da Dislexia
difere enormemente do ensino convencional.
Além disso, tal relacionamento é interessante para o próprio médico. O
trabalho do reeducador com os disléxicos serve como base para os médicos que
se dedicam ao assunto. Na experiência com crianças em reeducação, cada caso
em tratamento é um, e como tal, sempre uma experiência nova, podendo ocorrer
dados úteis para a compreensão teórica cada vez maior do problema.
Convém lembrar, que mesmo o preparo de reeducadores que formaram-se
autodidaticamente terá resultado com certeza não apenas de muitas leituras, mas
43
também de longas pesquisas quanto o preparo de material, utilização dos
recursos mencionados nos métodos de que puderam tomar conhecimento,
adaptação dos mesmos e/ou criação de outros.
Além do médico, elemento coordenador da equipe, ficou evidente a
necessidade do psicólogo para a aplicação de testes que se possam fazer
necessários em cada caso – de inteligência ou personalidade, de desenvolvimento
psicomotor, etc.
Quanto a testes de inteligência, embora se possam dispensar nos casos em
que estas seja óbvia, na prática nota-se o bem que faz aos pais o conhecimento
de um resultado normal a testes de nível mental, em se tratando de seus filhos
disléxicos, suspeitos que são tantas vezes, por eles e professores, de serem
deficientes mentais. E tudo o que possa dispor bem pais e professores em
relação à criança não deve ser poupado, além do que é sempre interessante,
cientificamente falando, ter o resultado destes testes, que às vezes se podem
repetir quando a criança já esteja bem. Além disso, estes testes, quando bem
conduzidos e relatados, ajudam a detectar os problemas associados à Dislexia em
si. Chega-se, através deles, a observar em que itens a criança apresenta
dificuldades. Isso pode representar uma boa premissa para escolha do que fazer
com o aluno durante o tratamento, de que recursos usar para levá-lo a
desenvolver-se melhor.
Não resta dúvida ainda, de que o psicólogo com bom conhecimento da
síndrome de Dislexia poderá também cooperar muito junto aos pais. Caso a
equipe conte também com um assistente social, melhor será, pois freqüentemente
há necessidade de entendimento com a escola onde estudam os disléxicos – com
professores ou diretores. No caso se impõe que também o assistente social tenha
certo conhecimento da síndrome, tanto mais que a Dislexia é problema não tão
conhecido, apesar de amplamente divulgado. Além disso, o auxílio do assistente
44
social é importante em casos com implicações familiares prejudicando o paciente
diretamente, ou atrapalhando seu tratamento.
É muito útil ainda que haja na equipe o psicomotricista, para os casos que
necessitem de auxílio nesta parte. Um fonoaudiólogo é indispensável nos casos
com problemas de fala, como dislalias. Estas, que já devem ter desaparecido
espontaneamente ou com tratamento antes da entrada da criança na escola,
quando ainda lhe é impedido o progresso normal e no caso de disléxicos, aumenta
a dificuldade de aprendizado, de leitura e escrita.
Cada um desses profissionais poderá não só proporcionar valiosa
colaboração ao trabalho do reeducador, mas ajudá-lo através das experiências
que traga à equipe, não apenas na sua formação como autodidata (enquanto para
tal especialização não houver cursos estruturados), mas também no seu
aperfeiçoamento, caso já esteja exercendo a profissão.
4.5 – Caracterização da criança disléxica
Tratou-se anteriormente da equipe que trabalha com o disléxico e de modo
particular, do reeducador. Foi comentado sobre a necessidade de ele conhecer
recursos utilizáveis na prática com seus alunos.
Geralmente identifica-se o disléxico como criança disléxica devido ao fato
de, na maioria dos casos, o trabalho de tratamento ser realizado com crianças. Os
adultos raramente são submetidos a tratamento, pois quando o disléxico chega,
com o seu problema à vida adulta, normalmente já se saiu na prática, o melhor
possível com a Dislexia não tratada mesmo, ou apesar dela e nunca chega a
45
submeter-se a diagnóstico. Entretanto toda a referência feita de tratamento é
aplicável tanto ao disléxico criança quanto ao adulto.
É difícil explicar que mesmo ocasionando tantos e tão grandes transtornos
na vida do indivíduo, e muitas vezes também na esfera familiar, a Dislexia seja tão
dificilmente reconhecida. A razão para este fato é que a criança disléxica, antes da
entrada para a escola e até que manifeste sua incapacidade de domínio dos
mecanismos básicos da leitura e da escrita, o que demanda alguns meses não se
mostra diferente das demais crianças de mesma idade e sexo. A Dislexia não é
um quadro neurológico grave como a poliomielite ou a paralisia cerebral, a criança
disléxica habitualmente não manca nem treme, não usa lentes grossas, não tem
distúrbios de fala nem demonstra retardo mental. Ao contrário parece em tudo,
uma criança normal. Pode ser viva e inteligente, de apresentação agradável,
esportiva, e tudo o que são meninos e meninas em toda parte, até que entre para
a escola.
Seu caso é o de uma disfunção cerebral mínima, evidenciada somente
através de atividades extremamente finas que o homem executa em nossa
complexa sociedade. Pode ser excelente goleiro, mas mostrar-se desorganizada
quando solicitada para diferentes atividades com as mãos, cada uma delas agindo
isoladamente – no cumprimento da ordem, na brincadeira infantil de bater na
cabeça e esfregar o abdômen simultaneamente. Excelente como defensor de seu
time, pode revelar-se medíocre ao tentar inscrever um círculo num quadrado de
meia polegada de lado de modo a lhe tocar todos os quatro lados. Pode
sobressair-se nos saques de “baseball”, mas falhar no reconhecimento do número
três quando traçado em suas digitais, estando de olhos fechados.
Em certos casos sabe-se mesmo que exaustivos exames neurológicos não
revelam dado algum digno de nota, pois tratam-se de crianças aparentemente
normais a todos os testes neurológicos e que têm, entretanto, dificuldades à
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leitura. Examinadas, não se encontram distúrbios de percepção visual, táctil, ou
auditiva, nem incapacidade motora de qualquer espécie, defeito de fala e
disfunção neurológica em relação com o insucesso da leitura, ou que explique tal
insucesso.
Assim, a Dislexia se revela sobretudo como uma síndrome pedagógica e é
a partir desse aspecto que a criança disléxica tem sido reconhecida e
caracterizada.
A discrepância entre os resultados obtidos em matemática e resultados
obtidos em língua pátria é tão freqüente que faz parte quase de definições de
Dislexia. Sua constatação leva os que têm conhecimento da síndrome
imediatamente a sua suspeita.
Quanto ao canhotismo, os disléxicos não são necessariamente indivíduos
que empreguem de preferência a mão esquerda, a porcentagem de canhotos
entre eles não sendo maior do que a porcentagem de canhotos entre os demais
indivíduos.
Os disléxicos podem ser mal lateralizados, mas esse fato não é obrigatório,
nem é obrigatório também que sejam “desajeitados”. Entre eles encontram-se
indivíduos com boa habilidade manual, capacidade para a dança, natação, etc.
Quanto ao sexo a Dislexia incide, cerca de três vezes em quatro no
masculino, conforme mencionado anteriormente.
Em relação à parte emocional e de comportamento, os distúrbios são
freqüentes nos disléxicos. Esse fato pode apresentar-se como decorrente da
própria síndrome, embora não se possa comprovar, sempre que exista.
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Não é difícil a tendência a admitir a correlação causa-efeito entre Dislexia e
problemas emocionais em se tratando, da leitura e da escrita, de matérias tão
importantes no meio civilizado. O que mais se espera de uma criança que acaba
de ingressar na escola, é que aprenda a dominá-las, e o fracasso não só aflige os
pais, como coloca a criança à margem entre colegas, parentes e amigos da
mesma idade tendendo a prejudicar-lhe a adaptação em geral. Não raro o
disléxico é tido por pais e professores como pouco inteligente, (como foi relatado
nos capítulos anteriores). Ao se dar conta desse fato, sofre. Além do mais, parece
que quanto mais inteligente,maior sua propensão a problemas emocionais,
provavelmente por não se conformar em sentir que, tão capaz quanto outras
crianças (ou mais do que elas) em tantas coisas, seja entretanto, incapaz em
leitura e escrita.
Em suma, o indivíduo disléxico pode ser em geral normal em tudo, menos
no aprendizado ou no desempenho da leitura e da escrita. Pode apresentar muitas
vezes, como decorrente de tal fato, problemas emocionais ou de comportamento.
Quando apresenta quadro neurológico, este é em geral representado por má
lateralização, desajeitamentos, e dificuldades no manejo de outros símbolos que
não os de leitura e escrita.
4.5.1 – Percepção e Movimento
Percepção e movimento estão intimamente ligados no agir humano e como
tal, revelam-se dados importantes em se tratando da aprendizagem em geral e da
aprendizagem da leitura e da escrita, em particular. Assim, também são
importantes em relação à reeducação dos disléxicos.
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No processo léxico e gráfico estão implicadas a percepção visual, auditiva e
tátil, especialmente as duas primeiras.
Na percepção visual são muito importantes a percepção da posição no
espaço e das relações espaciais, a constância da percepção e a percepção de
figura e fundo. A coordenação visuo-motora não pode ser esquecida.
A percepção e o movimento são considerados fatores importantes na
aprendizagem e no exercício da leitura e da escrita, Quando percebemos e
agimos, o fazemos a partir de nosso corpo. E ainda estar presente no mundo pelo
corpo significa para a pessoa o encontro de obstáculos a ultrapassar, a
determinação pelas coisas, a impressão, a expressão, a percepção e o
movimento.
O conhecimento do próprio corpo e de sua orientação no espaço e no
tempo são noções de grande significação ao se tratar da fenomenologia da
Dislexia.
Quando a imagem, o conceito e o esquema de corpo são prejudicados por
uma causa patológica, por um atraso no desenvolvimento perceptual, ou ainda,
por distúrbios emocionais graves, a criança pode apresentar inabilidade na
coordenação visuo-motora, na percepção da posição e das relações espaciais,
bem como no seu relacionamento com outras pessoas.
Os disléxicos, muitas vezes, não têm noção correta do próprio corpo,
desconhecendo mesmo partes dele, pelo que desenham de modo incompleto a
figura humana, quer considerada em sua totalidade, quer em relação somente à
face. Quanto aos dedos, na figura humana, tem-se notado entre disléxicos de
mais de sete anos, que embora sabendo dizer o número deles, ao representá-los
o aumentam ou diminuem.
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As falhas apresentadas pela maioria dos disléxicos quanto às noções do
próprio corpo os levam a uma utilização também falha do mesmo, o que os faz
irem ao encontro do mundo (de outrem e das coisas – aqui inclusas as letras,
palavras, frases) ou receber o mundo de modo incorreto.
Às vezes mal lateralizados, quer sendo canhotos, quer destros, limitados
nas suas capacidades perceptivas, podem ver, ouvir, sentir pelo tato e pelo
movimento um mundo mais ou menos deformado que traduzem na leitura, na
escrita, ou no desenho, de maneira igualmente mais ou menos deformada. Assim,
a compreensão desse mundo gráfico deturpado torna-se difícil para os outros e
para eles próprios.
4.5.2 – Orientação e organização espacial
Na organização de seu mundo vital, a criança percebe, a princípio, a
posição dos objetos em relação a seu próprio corpo. Somente mais tarde aprende
a perceber as relações de posição entre um objeto e outro. Qualquer que seja o
espaço concreto das relações vitais, haverá sempre certas propriedades gerais. O
mundo cotidiano de nossa orientação comporta sempre as especificações: em
cima, embaixo, à frente, atrás, à direita, à esquerda. Estas indicam direções em
relação ao nosso corpo. São definidas pela possibilidade de movimento e por
nossa organização. A distinção entre direita e esquerda não é, pois, uma questão
somente de sentimento, de conhecimento intuitivo. A estrutura polar de nosso ser-
no- mundo é a condição de possibilidade desse sentimento.
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CONCLUSÃO
O sofrimento tanto do portador da Dislexia como da família, dos amigos e,
até mesmo da sociedade, justificam o alerta para o cuidado com o diagnóstico,
especialmente no que se refere à formação dos profissionais envolvidos. Tal
preocupação se deve ao fato, já mencionado na introdução, de que o diagnóstico
incorreto ou tardio, impossibilita ou atrasa o tratamento adequado da Dislexia. No
entanto, apesar de muitos estudos e boa descrição dos sintomas, o erro no
diagnóstico, a sua redução a “distúrbios emocionais” é o mais freqüente.
A importância de crescentes pesquisas para a compreensão dessa afecção
se faz evidente na medida em que nos permite desenvolver alternativas de
métodos de ensino, uma vez que é direito de toda criança ter a acesso à
aprendizagem apropriada a sua habilidade e aptidão.
As formas convencionais de aprendizagem estão baseadas em um padrão
de funcionamento cerebral. Porém, o cérebro apresenta variações nesse
funcionamento, e ao que está relacionado ao exercício da leitura, essas variações
devem ser consideradas, e novos métodos elaborados para atender às
necessidades daqueles que apresentam a síndrome disléxica.
Aprofundando o conhecimento acerca do tema, espera-se que estruturas
mais adequadas venham a ser criadas para atender às necessidades dos
disléxicos, e assim evitarmos o grande risco de serem reconhecidos apenas pelas
suas dificuldades, que na maioria das vezes os coloca à margem da participação
na nossa sociedade, passando despercebidos seus talentos, que poderiam
contribuir, e muito, para o desenvolvimento dessa mesma sociedade.
A fim de fundamentar o que foi mencionado acima, podemos citar alguns
exemplos de disléxicos famosos, que destacaram-se em suas profissões,
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como: Agatha Christie, Albert Einstein, Alexander Graham Bell, Antony
Hopkins, Beethoven, Bill Gates, Julio Verne, Leonardo da Vinci, Louis
Pasteur, Magic Johnson, Mozart, Pablo Picasso, Thomas Edison, Tom
Cruise, Van Gogh, Walt Disney, entre outros.
Esses disléxicos provam que é possível conviver com os sintomas do
distúrbio. Para tanto, basta desenvolver alternativas para contornar as dificuldades
de leitura, escrita, orientação espacial, etc.
A escritora Agatha Christie ditava seus textos para uma datilógrafa, o físico
Albert Einstein tinha problemas de memória e só aprendeu a ler aos nove anos, e
o desenhista Walt Disney, tinha dificuldade para ler e escrever, sentindo-se
durante muito tempo um incapaz.
Estudos comprovam que a alteração de um dos lados do córtex de um
macaco, ainda na vida intra-uterina, leva a um desenvolvimento superior na região
correspondente no outro lado do cérebro e próximo à região afetada. Pode-se
considerar, frente a estas informações, que as mesmas modificações cerebrais
que provocam um distúrbio podem também produzir um talento. E dessa forma,
talvez seja possível trabalhar com os pais dos disléxicos no sentido de que
desistam do filho sonhado, idealizado, e se relacionem com o filho real.
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BIBLIOGRAFIA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA, Dislexia, cérebro, cognição e
aprendizagem. São Paulo:Frontis, 2000.
BURROWS, D. Dislexia. In Série ABD, 1983.
BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais. Rio de Janeiro: Record, 1983.
CONDEMARIM, M. e BROMQUIST, M. Dislexia: manual da leitura corretiva. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1989.
SANTOS, C. Dislexia específica de evolução. São Paulo: Sarvier, 1975.
VEJA. Neurônios à deriva. São Paulo: Abril, nº 22, junho de 2005
http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/spdslx05.htm. Acesso em 19 de jun. 2005
http://www.dislexia.portalpsi.com/diagnostico.htm. Acesso em 19 de jun. 2005
http://www.10emtudo.com.br/artigos. Acesso em 19 de jun. 2005
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I 14
1- HISTÓRICO 14
CAPÍTULO II 16
2- SINTOMAS E SINAIS 16
2.1 – Classificação dos erros cometidos pelos disléxicos 22
CAPÍTULO III 23
3- DIAGNÓSTICO 23
3.1- Diagnóstico diferencial 28
3.2- Reação dos pais frente ao diagnóstico 29
CAPÍTULO IV 32
4- TRATAMENTO 32
4.1- Reeducação dos disléxicos 35
4.2- O problema do método no ensino da leitura 36
4.3- O reeducador de disléxicos 38
4.4- A equipe no tratamento do disléxico 40
4.5- Caracterização da criança disléxica 44
4.5.1- Percepção e movimento 47
4.5.2- Orientação e organização espacial 49
CONCLUSÃO 50
BIBLIOGRAFIA 52
ÍNDICE 53
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