UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JOSÉ PÉRICLES DINIZ BAHIA
JORNAL NA ESCOLA:
ESTRATÉGIAS DE USO PARA A CONSTRUÇÃO DE CIDADANIA
Salvador 2005
JOSÉ PÉRICLES DINIZ BAHIA
JORNAL NA ESCOLA:
ESTRATÉGIAS DE USO PARA A CONSTRUÇÃO DE CIDADANIA
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito para colação do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Edivaldo M. Boaventura
Salvador 2005
A Juciara, pelo exemplo, força e paciência. Arthur, Iana, Igor, Pedro Victor e Violeta, por existirem.
AGRADECIMENTOS
Ao amigo, sempre mestre e orientador Edivaldo Boaventura, responsável em primeira e última instância por este trabalho. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, pela qualidade e simpatia dos seus professores, pesquisadores e funcionários. Aos professores Nelson Pretto, Sara Dick e Verbena Rocha Cordeiro, que formaram uma banca examinadora de quilate acima da média. A todos os professores, diretores e coordenadores pedagógicos que entrevistei, pela disposição e confiança ao prestar depoimentos de importância inestimável para a conclusão deste estudo, por tudo que sabem e ensinam.
Por uma fatalidade,
dessas que descem do além,
o século que viu Colombo
viu Gutenberg também.
Castro Alves
RESUMO
O tema central da presente dissertação é o jornal na escola, a sua utilização em sala de aula como instrumento de apoio didático, mas principalmente de incentivo à prática da leitura e, por conseqüência, de uma interpretação mais crítica da realidade por parte dos estudantes, favorecendo assim o seu processo de formação para a cidadania. Este estudo de caso parte da premissa de que o jornalismo impresso pode – e até mesmo deve - ser utilizado como recurso auxiliar no processo de ensino-aprendizagem, desde que seus textos e todo seu conteúdo editorial sejam analisados criticamente. Para tanto, foram avaliados os diversos programas de jornal na educação desenvolvidos em todo o Brasil, abordando o uso do periódico impresso em sala de aula como instrumento de incentivo às práticas sociais de letramento. Iniciativas que, se por um lado visam à formação de novos leitores, também investem na consolidação de instrumentos de defesa da liberdade de expressão e uma interpretação mais rica e crítica da realidade. Como na Bahia apenas o jornal A Tarde mantém, desde 1996, um programa intitulado A Tarde na Escola, uma parcela maior dos esforços de pesquisa foi concentrada nesta experiência, na construção de um estudo de caso que permitiu compreender de que maneira experiências como esta têm contribuído para a formação de estudantes que sejam leitores mais criativos e mais críticos em relação ao contexto social em que vivem, desenvolvendo assim os mecanismos necessários à construção da cidadania plena. Com base no levantamento das técnicas e estratégias pedagógicas utilizadas pelos educadores que integram o programa do A Tarde, inclusive comparando-as ao que atualmente é feito por inúmeras outras empresas de comunicação social em todo o território nacional, foi possível construir um referencial com sugestões para corrigir, desenvolver e ampliar a sua atuação desse programa. Palavras-chave: Letramento. Leitura. Jornal. Escola. Cidadania.
ABSTRACT The central subject of this dissertation is the newspaper at school, its use in class as a resource of didactic support, but, mainly, as incentive to the practice of reading and, consequently, as a means for the critical interpretation of the reality by the students, favoring, this way, his/her process to the formation of the citizen hood. This study of case departs from the premise that the printed journalism can – and even must – be used as an auxiliary resource in the process of teaching-learning, once its texts and all its editorial content be critically analyzed. For that, it was evaluated the several programs of newspaper in education developed in Brazil, approaching the use of the printed periodic in class as instrument of incentive to literacy social practice. They are initiatives that, on a hand, aim the formation of new readers, and, on the other hand, invest on the consolidation of instruments of defense of the liberty of expression and a richer and more critical interpretation of the reality. As in Bahia just the A Tarde newspaper keeps, since 1996, a program entitled A Tarde na Escola – A Tarde at School – the major part of the research was concentrated on this experience, in the construction of a study of case that allowed to understand how experiences like these have contributed to the formation of students as more creative readers and more critical in relation to the social context to which they belong, developing, this way, the necessary mechanisms to the construction of the full citizen hood. Having as the basis the inventory of the pedagogic techniques and strategies used by the educators that participate of the A Tarde program, and also comparing them to what is done nowadays by several other enterprises of social communication in all country, it was possible to build one referential with suggestions to correct, develop and enlarge the actuation of this program. Key-words: Literacy. Newspaper. School. Citizen hood.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 10
1.1 O JORNAL NA FORMAÇÃO DE CONSCIÊNCIA CRÍTICA 10 1.2 PROBLEMA 12 1.3 QUESTÕES DE PESQUISA 12 1.4 OBJETIVOS 13 1.5 JUSTIFICATIVA 14 1.6 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 15 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS 19 2.1 LEITURA E FORMAÇÃO DE CIDADANIA 20 2.1.1 O poder e a palavra 24 2.1.2 Sobre ler e escrever 27 2.1.3 Letramento 34 2.1.4 Gêneros de leitura 37 2.1.5 A leitura do mundo 42 2.1.6 Texto e tecnologia 47 2.1.7 A linguagem impressa 51 2.1.8 A prática social da leitura 55 2.2 DO FATO À NOTÍCIA 58 2.2.1 O jornal e o jornalista 61 2.2.2 O estilo jornalístico 62 2.2.3 A reportagem e os esquemas narrativos 64 2.2.4 A força de uma manchete 66 2.2.5 Lead, entrevista e suíte 68 2.2.6 A imprensa no Brasil 71 2.2.7 Lógica de mercado 75 2.3 O JORNAL EM SALA DE AULA 79 2.3.1 Os programas de jornal na educação 84 2.3.2 O professor no processo 90 2.3.3 Desenvolvendo habilidades 93 2.3.4 Sugestões para dentro e fora da sala de aula 95 2.3.5 Outras palavras 99 2.3.6 O jornal como fonte de pesquisa histórica 104 2.3.7 De objeto a instrumento 108 2.3.7.1 O jornal no ensino de História 108 2.3.7.2 No ensino de Geografia 110 2.3.7.3 No ensino de Português 110 2.3.7.4 No ensino de Educação Artística 112 2.3.7.5 No ensino de Ciências 113 2.3.7.6 No ensino de Matemática 114 2.3.7.7 No ensino de Física 114 2.3.7.8 No ensino de Línguas Estrangeiras 115
2.4 PANORAMA NACIONAL E MUNICIPAL 115 2.4.1 O diagnóstico da ANJ 116 2.4.2 A pesquisa da Prefeitura de Salvador 127 3 A ABORDAGEM METODOLÓGICA 131 3.1 O ESTUDO DE CASO EM UM PROBLEMA DE EDUCAÇÃO 133 3.2 A UNIDADE DE ANÁLISE 135 3.3 AS FASES 136 3.4 A ETAPA EXPLORATÓRIA 138 3.5 OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA 139 3.6 MODELO DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS 143 4 OS RESULTADOS DA PESQUISA 145 4.1 O PROGRAMA A TARDE NA ESCOLA 146 4.2 O TRABALHO COM O JORNAL 148 4.3 TRABALHO DE CAMPO 151 4.4 ENTREVISTANDO OS PROFESSORES 163 CONSIDERAÇÕES FINAIS 171 REFERÊNCIAS 178
APÊNDICES 183
ANEXOS 189
10
1 INTRODUÇÃO
1.1 O JORNAL NA FORMAÇÃO DE CONSCIÊNCIA CRÍTICA
O jornalismo pode - e deve - ser utilizado como recurso auxiliar no processo
de ensino-aprendizagem, a partir do momento em que os seus textos e seu
conteúdo editorial sejam analisados criticamente. Mas como realmente tem sido
utilizado o jornal impresso nos processos educacionais no Brasil? O tema central
desta pesquisa é o jornal na escola, a sua utilização em sala de aula como
instrumento de incentivo à prática da leitura e, por conseqüência, de uma
interpretação mais rica e mais crítica da realidade, com vista à cidadania.
Em todo o mundo foram criados programas que envolvem a utilização do
jornal na educação, com destaque para a França, Noruega, Dinamarca, Suécia,
Estados Unidos e Argentina. No Brasil, iniciativas do gênero existem desde 1980,
através do periódico Zero Hora, de Porto Alegre. Segundo a Associação Nacional de
Jornais (ANJ)1, 17.022 escolas haviam sido atendidas até o ano passado por
intermédio de 48 programas mantidos por empresas jornalísticas a ela ligadas,
envolvendo mais de 130 mil professores e 5,8 milhões de estudantes em todo o
Brasil.
A iniciativa é interessante tanto para a empresa jornalística quanto para a
própria escola, porque de um lado fomenta o gosto pela leitura (estimulando, assim,
a formação de futuros assinantes) e ajuda na consolidação de uma boa imagem do
jornal, mas também oferece aos professores um recurso de fácil acesso para
dinamizar as aulas.
1 Disponível em: <www.anj.org.br> . Acesso em : 24 maio 2005
11
Ainda que possam apresentar características específicas, em linhas gerais
tais programas implicam no fornecimento gratuito às escolas de uma determinada
quantidade regular de exemplares e a orientação aos professores quanto ao seu uso
pedagógico, em alguns casos convocando-os a envolver os estudantes em
acompanhar todo o processo de pesquisa, produção, edição e impressão do
material noticioso. Alguns jornais também mantêm seções específicas ou cadernos
semanais ou mensais que fazem o intercâmbio entre o programa e as escolas, além
de registrar eventos e divulgar pesquisas, debates e publicações diversas sobre o
tema.
Nossa pesquisa procurou levantar quantas e quais são as experiências do
gênero planejadas e/ou executadas na Bahia e no Brasil, o que pode fornecer
subsídios para o necessário delineamento de parâmetros históricos comparativos
dos sucessos efetivos obtidos com este tipo de iniciativa. Na Bahia, apenas o jornal
A Tarde mantém desde 1996 um programa, intitulado A Tarde na Escola, que tem
como objetivo declarado estimular o desenvolvimento para uma educação interativa,
observando as múltiplas linguagens da comunicação, com enfoque na formação
social e integral do sujeito a partir do seu contexto, colaborando na aquisição de
competências crítica e ética de alunos e professores.
O projeto envolve atualmente 76 instituições de ensino na Bahia, sendo 62
escolas públicas e 5 particulares, além de 9 ligadas a organizações não-
governamentais, beneficiando um universo calculado em cerca de 63.000 mil
estudantes e 2.000 professores. De acordo com os XLV Estudos Marplan2,
realizados no primeiro trimestre de 2003, na Região Metropolitana do Salvador, 20%
dos leitores de A Tarde têm de 10 a 19 anos de idade e outros 29% estão na faixa
2 Disponível em: <www.anj.org.br> . Acesso em : 24 maio 2005
12
entre 20 e 29 anos. Do total de entrevistados, 24% informaram ter concluído o
ensino fundamental, 53% o médio, 20% o superior e 4% a pós-graduação.
1.2 PROBLEMA
A questão fundamental que permeia este estudo é a tentativa de
compreender de que maneira experiências como o projeto A Tarde na Escola (que
envolve crianças e adolescentes do ensino fundamental e médio, com idade escolar
entre 11 e 18 anos) têm contribuído para a formação de novos leitores e, mais ainda,
para a prática de uma leitura crítica e criativa do contexto escolar?
Pois o jornal impresso, como um dos mais influentes veículos de
comunicação, pode ser considerado efetivamente um instrumento de estímulo à
leitura. Por oferecer atualidade e contexto, tem potencial para ser usado em sala de
aula como instrumento pedagógico, através de programas específicos ou não,
contribuindo para a formação de leitores mais críticos e conscientes da realidade
social e política que os cerca.
1.3 QUESTÕES DE PESQUISA
A partir da escolha do nosso tema e da definição do problema central a ser
pesquisado, outras questões de pesquisa podem ser levantadas, tais como:
- Em que medida o jornal, enquanto instituição, realmente utiliza todo o seu potencial
como ferramenta na formação de consciência crítica entre os leitores, principalmente
quando se trata de alunos-leitores?
- Quais práticas pedagógicas estão contempladas no programa A Tarde na Escola?
13
- A leitura regular de jornal incentiva a formação de alunos mais conscientes, mais
criativos, tolerantes com opiniões diversas e mais aptos a relacionar eventos a
contextos?
- O jornal contribui para o sucesso escolar dos alunos envolvidos no programa?
- Que métodos, técnicas e práticas pedagógicas podem ser utilizados com melhores
resultados neste processo?
- O jornal pode ser usado em todas as disciplinas do currículo escolar regular ou é
mais adequado e eficiente como apoio didático apenas para algumas disciplinas? Se
for o caso, quais delas?
1.4 OBJETIVOS
O objetivo geral do projeto que induziu esta investigação é avaliar se os
alunos que participam do projeto A Tarde na Escola conseguiram desenvolver uma
maior capacidade de leitura e compreensão de textos, com a conseqüente
interpretação crítica da realidade, abordando questões que envolvem desde a
freqüência de leitura de periódicos até o uso do veículo impresso como material
didático.
Entre os objetivos específicos, podemos citar:
- levantar o material teórico disponível sobre a utilização do jornal em sala de aula
como material didático;
- classificar quantas e quais são as experiências neste sentido postas em prática por
jornais brasileiros, criando uma base comparativa em relação ao programa
estudado;
- descrever e caracterizar o projeto A Tarde na Escola;
14
- situar a experiência no contexto sócio-pedagógico nacional;
- compreender a proposta do projeto, a partir de suas práticas pedagógicas;
- levantar a metodologia empregada no desenvolvimento do programa A Tarde na
Escola;
- avaliar os resultados obtidos com os alunos atendidos por este programa;
1.5 JUSTIFICATIVA
Ao apontar, através da investigação proposta, quais perspectivas novas
podem ser acrescentadas aos educadores, com base nas experiências com o uso
do jornal em sala de aula, esta pesquisa procurou viabilizar mecanismos e
instrumentos capazes de estimular a consciência crítica tanto de professores quanto
de alunos. Buscou, ainda, propor métodos criativos e dinâmicos para o
encaminhamento de pesquisas escolares em sala de aula, reforçando uma postura
aberta e participativa diante dos desafios pedagógicos propostos pela nova ordem
mundial.
Levantando a discussão do papel da escola como formadora de cidadania, de
sujeitos ativos nos mecanismos de leitura e interpretação das engrenagens que
regem as organizações sociais, esta linha de pesquisa coaduna com as tendências
mais atuais em buscar uma educação que enxergue o todo em contraposição às
correntes que defendem uma especialização cada vez maior dos processos
educacionais e na formação profissional. Para tanto, o aprendizado deve ser
multidisciplinar, não compartimentado, com currículos e programas flexíveis,
abarcando conteúdos ligados à realidade concreta dos alunos.
15
1.6 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Este trabalho foi estruturado em capítulos que buscam abranger aspectos
específicos de cada questão relevante ao embasamento teórico que conduz a
discussão do tema proposto, bem como – em seu momento apropriado – apresentar
e analisar os resultados apurados durante as pesquisas documentais, os
levantamentos e as entrevistas realizadas. Desta forma, apresenta quatro capítulos
gerais, onde são contempladas as noções introdutórias ao estudo (entre definição de
tema, estabelecimento do problema, das questões de pesquisa, os objetivos a serem
alcançados e a justificativa para o projeto), a fundamentação teórica (esta, por sua
vez, subdividida em abordagens sobre leitura, escrita e letramento; as características
gerais do jornalismo impresso e sua linguagem específica e o debate teórico sobre o
uso do jornal em sala de aula, incluindo a avaliação dos resultados obtidos através
do diagnóstico realizado pela ANJ e o levantamento de opinião promovido pela
Secretaria Municipal de Educação de Salvador). Segue-se a descrição da
abordagem metodológica adotada e a caracterização do programa A Tarde na
Escola, balizada pela pesquisa documental e entrevistas conduzidas durante o
trabalho de campo, além, evidentemente, das nossas considerações finais e
recomendações para estudos futuros sobre o tema.
O primeiro capítulo introduz o tema do jornal impresso como instrumento
auxiliar na formação de consciência crítica, para em seguida problematizá-lo, a partir
do entendimento de que o periódico impresso, enquanto influente veículo de
comunicação social, deve ser considerado como fonte de estímulo à leitura e
utilizado como instrumento pedagógico, contribuindo para a formação de leitores
16
mais críticos e, portanto, aptos a trabalhar por sua plena cidadania. Definidas e
apresentadas as questões que orientariam a pesquisa, o capítulo então coloca os
objetivos a serem alcançados e justifica a sua importância para o contexto
acadêmico ao qual se refere.
O capítulo que envolve a fundamentação teórica está dividido em quatro
partes, iniciando por uma abordagem a respeito das práticas sociais de leitura e
suas implicações no processo de formação de cidadania. O assunto é colocado a
partir das discussões acerca das relações de poder implícitas nas práticas de leitura
e escrita, das questões de letramento e gêneros de leitura, das abordagens das
possíveis leituras do mundo, das relações entre texto e tecnologia e da linguagem
impressa.
A segunda parte da fundamentação teórica é dedicada às características
gerais e específicas da linguagem jornalística, sobretudo em seu formato impresso.
Partindo das diferenças entre jornal e jornalismo, são contemplados temas como a
estrutura e a dinâmica de funcionamento de uma redação, as relações profissionais
e de poder entre veículo, comunidade e mercado, bem como as nuances e
peculiaridades do estilo jornalístico, a reportagem e os diversos esquemas
narrativos, a força de uma manchete, a técnica do lead e das várias formas de
entrevistas. Acrescentamos uma breve história da imprensa brasileira e uma
discussão sobre as tendências do mercado atual.
Este segundo capítulo contempla, ainda, uma análise dos programas de jornal
na educação desenvolvidos em todo o mundo e especialmente no Brasil. Neste
sentido, é discutido o papel do professor no planejamento, execução e
desenvolvimento de tais programas, com a apresentação de sugestões de exercícios
e atividades que podem ser promovidos em sala de aula e outros espaços escolares,
17
a utilização do jornal como fonte de pesquisa histórica e como instrumento de apoio
didático em diversas disciplinas da grade curricular nacional.
Por fim, a fundamentação teórica apresenta os resultados de dois trabalhos
de pesquisa que ajudam a compor um quadro geral a respeito do problema proposto
pelo nosso estudo. Trata-se de um diagnóstico de âmbito nacional promovido pela
ANJ junto a todos os seus afiliados, no ano de 2004, com a finalidade de traçar um
quadro geral sobre os usos do jornal impresso na educação. O outro levantamento
foi realizado também no ano passado, pela Secretaria Municipal de Educação de
Salvador, envolvendo uma avaliação do programa A Tarde na Escola por parte dos
próprios professores. Tais pesquisas serviram como eloqüente base para a
caracterização e comparação com os resultados levantados durante o nosso próprio
trabalho de campo.
O processo metodológico adotado para a condução deste estudo está
descrito e justificado no terceiro capítulo, onde são apresentadas as características
mais relevantes do estudo de caso, suas unidades de análise, as fases e a etapa
exploratória. Os instrumentos de pesquisa são enumerados e descritos, bem como
os cuidados e procedimentos adotados na condução do trabalho de campo, a coleta,
análise e interpretação dos dados.
O quarto capítulo é dedicado aos resultados da pesquisa, partindo de uma
descrição detalhada do programa A Tarde na Escola, com a apresentação dos
objetivos declarados, seu histórico e estrutura atual, os métodos e processos
adotados, bem como a avaliação dos seus gestores e dos próprios educadores que
participam da iniciativa. Utilizamos, para tanto, entrevistas individuais semi-
estruturadas junto a um grupo de 15 professores, diretores e coordenadores
pedagógicos selecionados em uma amostra representativa de todas as instituições
18
atendidas pelo programa, incluindo proporcionalmente as escolas municipais,
estaduais, particulares e as mantidas por ONGs. Os resultados obtidos são
apresentados nas considerações finais, ao lado de algumas recomendações para o
aprofundamento das pesquisas.
19
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
O péssimo desempenho dos estudantes brasileiros, exposto em diversos
relatórios de estudos e sistemas de avaliação, tem aumentado a preocupação de
educadores com as dificuldades de acesso aos mecanismos de desenvolvimento do
senso crítico, tão necessário na formação de cidadãos conscientes e socialmente
ativos. Esse quadro tem alimentado a discussão sobre as condições e instrumentos
que se pode utilizar no incentivo à prática social da leitura. A partir dos novos
paradigmas colocados aos educadores, tem sido possível incorporar conceitos como
interdisciplinaridade e letramento, que apontam para leituras diversas do mundo
contemporâneo.
Com base em tais pressupostos, nos propusemos a analisar que papel pode
desempenhar o jornal impresso como instrumento pedagógico e recurso auxiliar no
processo de ensino e aprendizagem. Também os educadores devem estar
preparados para propor uma abordagem crítica e contextual do conteúdo editorial e
dos gêneros de leitura peculiares aos periódicos impressos. Trata-se, portanto, não
apenas de conseguir ler o mundo em suas dimensões políticas, socioeconômicas e
multiculturais, mas igualmente apreender as engrenagens que levam um fato a
tornar-se notícia a partir da lógica proposta pelo chamado universo midiático.
Para tanto, levaremos em consideração o pensamento de pesquisadores
como Carlos Rodrigues Brandão, Octavio Ianni, Luiz Carlos Cagliari e Paulo Freire, a
fim de investigar as questões de poder que envolvem o uso social da palavra escrita,
bem como Eliana Yunes, Verbena Rocha Cordeiro, Ângela Kleiman, Magda Soares,
Max Butlen, Paulo Afonso Caruso Ronca, Hercílio Quevedo, André Belo, Alcione
Araújo e Joel Birman, entre outros, que tratam das habilidades específicas de ler e
20
escrever, gênero e letramento, texto e tecnologia, a leitura do mundo e as práticas
sociais da leitura.
Num segundo momento, contaremos com o pensamento de Nilson Laje,
Nelson Werneck Sodré, Daniel Herz, Sílvia Costa, Marisa Lajolo, Maria Alice Faria e
Juvenal Zancheta, entre outros, para uma abordagem do universo da mídia
impressa, investigando especificamente os caminhos que tomam os fatos cotidianos
para tornarem-se (ou não) notícias de jornal, além de levantar o desenvolvimento
histórico, as peculiaridades de linguagem e estilo, bem como as principais
características do periódico impresso e dos programas de jornal na escola. A partir
de então, trataremos da utilização do veículo impresso como instrumento de apoio
didático, nas mais diversas disciplinas escolares.
2.1 LEITURA E FORMAÇÃO DE CIDADANIA
Produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), órgão do Ministério da Educação, com base nas informações
levantadas durante o censo 2000 da fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o chamado Mapa do Analfabetismo no Brasil mostra números
preocupantes para o quadro atual da educação nacional, sobretudo em relação aos
estados do Norte e Nordeste, onde há mais crianças analfabetas do que alunos fora
da escola. Ou seja, de acordo com estudos como este, a criança pobre nordestina,
em sua maioria, não aprende a ler, ainda que esteja matriculada na escola. A Bahia,
em especial, figura como a unidade da federação que concentra o maior número
absoluto de analfabetos: cerca de 2,3 milhões, certamente por reter a maior
população rural, em termos absolutos.
21
Em todo o país, são aproximadamente 30 milhões de analfabetos, que
representam 12,4 % da população com 15 anos ou mais. Para este total, a Bahia
contribui com 23,1 % de uma população de 8.891.278 de jovens nesta faixa de
idade. Tais números ainda colocam o Estado em melhor situação que outras
unidades nordestinas (Alagoas, por exemplo, ostenta nada menos que 33,4 % de
analfabetismo entre seus habitantes), mas figurando apenas em nono lugar em
relação aos demais estados brasileiros. A título de comparação, o Sul e o Sudeste
do país, onde se aplica a maior parte dos recursos e investimentos em educação,
registram respectivamente 7,1 % e 7,5 % de analfabetismo.
Nas últimas décadas, o Brasil até conseguiu ampliar a quantidade de alunos
nas salas de aula, mas ainda de maneira insuficiente para assegurar o ensino
fundamental completo a uma camada mais significativa da população. Outro aspecto
a ser destacado é o fato de que 35% dos analfabetos identificados já freqüentaram a
escola, abandonando os estudos em razão da baixa qualidade do ensino,
necessidade de trabalhar ou por mero despreparo das instituições para lidar com
esta população. São números que colocam em questionamento as políticas
definidas para a educação nacional, incluindo aí não somente a discussão sobre o
montante de verbas destinado à área como a própria metodologia, técnicas e
estratégias que envolvem a sua aplicação e eficácia.
Mais grave ainda, estes levantamentos, que utilizam também dados do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mostraram que em
1.796 localidades brasileiras (ou seja, 32,6 % do universo pesquisado) a média de
escolaridade não chega a quatro séries fundamentais concluídas, o que é
reconhecido como analfabetismo funcional. São estimados em todo o país cerca de
30 milhões de analfabetos funcionais, aqueles que até reconhecem letras e
22
palavras, mas não chegam a elaborar interpretações, mesmo as mais modestas.
Apesar de ficar até oito anos em salas de aula, não conseguem avançar além das
quatro séries iniciais. Deste total, aproximadamente 16 milhões sequer conseguem
ler uma placa, identificar o roteiro de um ônibus ou escrever um bilhete. São aqueles
que, ao questionário do IBGE afirmam saber ler, mas em verdade logram apenas
assinar o nome. A maior parte deste universo de analfabetos também está
concentrada nas regiões Norte e Nordeste, inclusive Bahia. A condição de
analfabeto funcional está intimamente relacionada às desigualdades sociais
impostas por um regime de distribuição de renda injusto.
Outros números preocupantes foram divulgados pelo Programa Internacional
de Avaliação de Alunos (PISA3), sobre o desempenho em leitura de alunos na faixa
de 15 anos de idade em escolas públicas e privadas de 41 países industrializados.
Os primeiros lugares couberam à Finlândia, Canadá e Nova Zelândia (leitura), além
de Hong Kong, China, Japão e Coréia do Sul (matemática e ciências), enquanto o
Brasil colocou-se em 37º em leitura e penúltimo em matemática e ciências no
chamado Pisa Ampliado, que acrescentou aos resultados levantados em 2000 os
das nações que aplicaram os testes depois4. Neste sentido, é importante destacar
que o conceito de eficácia em leitura não está em ler seqüencialmente as palavras e
frases de todas as páginas de um livro ou em memorizá-las mecanicamente, mas
3 O Estudo Internacional PISA 2000, patrocinado pela Unesco, foi realizado no ano de 2000 e divulgado em dezembro de 2001. Disponível em: <www.pisa.oecd.org>. Os comentários e avaliações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação (INEP) sobre o desempenho do Brasil estão disponíveis em <http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/outras/news03_25.htm> . 4 Participaram do PISA 2000: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Rússia, Suécia e Suíça. No ano seguinte, foram incorporados os testes realizados na Albânia, Argentina, Chile, Bulgária, Hong Kong /China, Indonésia, Israel, Macedônia, Peru e Tailândia, no chamado PISA ampliado.
23
sim em compreender os conceitos de que trata o texto, através da sua reflexão e
crítica.
Os estudantes estão demonstrando incapacidade em entender o que lêem,
com dificuldade para identificar as palavras-chave, hierarquizar as proposições e
extrair a idéia central daquilo que está escrito. De um modo geral, 73% dos alunos
brasileiros que saem da escola não conseguem interpretar um texto simples. Ou
seja, a escola nacional não atinge seu objetivo mínimo: ensinar a ler. Este fato é
comprovado por informações do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB5),
segundo as quais 60% dos alunos da 4ª série do ensino fundamental não
conseguem entender as notícias publicadas em jornal, enquanto 64% das crianças
do 1º ano do ensino fundamental nas escolas públicas ainda não lêem ou escrevem.
São tais índices que alimentam a chamada cultura da repetência, que
mantém elevada a defasagem entre a idade e série, além de contribuir para a
evasão escolar, criando um círculo vicioso onde quem não entende o que lê perde o
interesse pelos estudos. A baixa escolaridade registrada nos coloca, por
conseqüência, em 73ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da
própria Unesco, abaixo de outras nações da América Latina. O que também explica
o fato do nosso país ocupar o 38º lugar em número de exemplares de jornais
vendidos diariamente, em média, por habitante. Segundo dados levantados por
entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ6) e a World Association of
Newspapers (WAN7), são vendidos no Brasil apenas 45 exemplares para cada grupo
5 Este sistema de avaliação foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação, com o objetivo de coletar dados sobre a qualidade da educação no Brasil. As avaliações são realizadas de dois em dois anos, desde 1990. A mais recente refere-se a novembro de 2003. Os relatórios completos podem ser acessados no site <www.inep.gov.br/basica/saeb>. 6 Disponível em: <www.anj.org.br> Acesso em: 24 maio 2005. 7 Disponível em: <www.wan-press.org> Acesso em: 24 maio 2005.
24
de mil habitantes, ao tempo em que na Noruega, por exemplo, esta relação chega a
598 exemplares por mil habitantes.
2.1.1 O poder e a palavra
O desenvolvimento da escrita é, certamente, um dos marcos do processo
civilizatório, pois criou as condições necessárias ao controle e transmissão do saber
que ia sendo produzido e acumulado. A partir de então, foram criados mecanismos e
técnicas de registro e manipulação de dados cada vez mais sofisticados,
consolidando o poder como privilégio de quem detinha o acesso a tais meios. Desde
os primeiros signos talhados na argila, passando pelos hieróglifos nos papiros até as
pioneiras experiências tipográficas, a produção e o manuseio dos registros escritos
humanos mantêm estreita relação com o poder, enquanto determinante das funções
e do prestígio social, assim como da própria divisão do trabalho. Dominar a leitura e
a escrita é requisito para o sucesso social. É o que lembra Carlos Rodrigues
Brandão (1995, p. 10), ao afirmar que
a palavra escrita parece ter surgido em sociedades-estados enriquecidas e com um poder muito centralizado, como entre os egípcios ou astecas. Ela teria aparecido primeiro sendo usada pelos escribas para fazer a contabilidade dos bens dos reis e faraós. Só mais tarde é que foi usada pelos poetas para contarem as coisas da aldeia e de sua gente.
A importância da palavra grafada para a nossa sociedade pode ser avaliada a
partir da constatação de que a própria história da cultura moderna confunde-se com
a prática da escrita. É próprio ao pensamento ocidental que atos, eventos e fatos
importantes sejam legitimados através de papéis escritos, desde as certidões de
nascimento à identificação das lápides, das escrituras de posse da propriedade aos
25
diplomas e certidões as mais diversas, dos documentos e contratos que dão
validade aos acordos às declarações de guerra ou armistícios, das placas que
identificam as ruas às patentes que asseguram a propriedade intelectual, tudo
prescinde de escritura e assinatura apropriados. Sem falar no próprio registro da
história, literatura, ciência e técnicas humanas. Explica Octávio Ianni (2001, p.10)
que é também através do texto escrito que se estabelecem relações de hierarquia,
desigualdades, distinções de classe, gênero, partido político, sindicato e até mesmo
nações, que são expressas através de suas respectivas constituições. "Cada leitura,
assim como cada escritura, pode ser, simultaneamente, tradução e recriação"
(IANNI, 2001, p.12). Quem escreve, assim como quem lê, traduz e busca
significados.
O pleno manuseio dos códigos escritos sempre foi, portanto, determinante
nos processos de domínio social. Historicamente, a ampliação do acesso à escrita -
e ao ensino de um modo geral - não se deu por motivos humanitários, mas somente
para tentar acompanhar a crescente sofisticação dos saberes e das técnicas que a
humanidade empreende em sua jornada civilizatória. As escolas públicas, por
exemplo, são instituições muitíssimo recentes. São conquistas populares, decerto,
mas resultam de um ambiente de concorrência “em que os donos do poder, para se
manterem fortes, precisavam armar seus súditos com armas mais sofisticadas,
mesmo sob o risco de verem essas mesmas armas um dia voltadas contra si
próprios”, conforme explica Luiz Carlos Cagliari (2001, p.10).
No período compreendido entre o final do século XVIII e início do XIX, quando
os países europeus se viram empenhados com a afirmação de sua independência e
o fortalecimento de uma identidade nacional, a leitura e a escrita passaram a ser
consideradas como práticas sociais aceitáveis. Então, a necessidade de
26
consolidação dos ideais burgueses abriria espaço para a valorização de uma língua
e uma literatura locais, o que levou à sofisticação crescente dos processos de
produção gráfica. Neste contexto, o jornal impresso – como conseqüência direta do
sistema de impressão em larga escala desenvolvida por Gutenberg – surge
simultaneamente ao capitalismo e vai-se consolidando enquanto a burguesia impõe
seus modos de produção baseados na concentração urbana, na industrialização, na
especialização do trabalho e na abertura de novos mercados consumidores. A
imprensa é, portanto, filha legítima e dileta do sistema capitalista. E fala a sua língua
de forma fluente.
A distinção entre o que seja verdade a ser enunciada e fato a ser divulgado
(publicado) passa então a depender das novas regras de mercado que vão, pouco a
pouco, intermediando e tomando conta das relações sociais. Para trafegar entre o
labirinto de signos e significações propostos pela palavra escrita, cabe recorrer aos
conceitos do educador Paulo Freire (2003, p. 11), quando defende oportunamente
que "a leitura do mundo precede a leitura da palavra", uma vez que "a compreensão
do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações
entre o texto e o contexto". Ele prossegue, afirmando que "a memorização mecânica
da descrição do objeto não se constitui em conhecimento do objeto. Por isso é que a
leitura de um texto, tomado como pura descrição de um objeto e feita no sentido de
memorizá-la, nem é real leitura, nem dela portanto resulta o conhecimento do objeto
de que o texto fala" (FREIRE, 2003, p.17). Ou seja, o ato de ler implica numa relação
dialógica entre leitor e autor.
O analfabetismo é uma das mais degradantes formas de exclusão, pois tem
a característica de perpetuar seus sujeitos em um perverso estado de inércia. Se a
aceitação e até mesmo o incentivo das práticas sociais de leitura e escrita
27
favoreceram a consolidação da ideologia burguesa, a manutenção de índices tão
altos de iletrados em países periféricos, como o Brasil, parece responder a uma
estratégia distinta, mais adequada aos compromissos assumidos, desde a época da
colônia até hoje, junto ao esquema imperialista internacional. O problema assume
dimensões ainda mais graves quando consideramos os ritos e ritmos impostos pelo
mundo contemporâneo, onde pensamento e linguagem operam segundo um
esquema sintático e semântico absolutamente dominado pela escrita. Eliana Yunes
(2003, p.16) afirma que “nossa própria oralidade responde ou não às expectativas
de uma língua escrita: maior dificuldade de falar corresponde a menor capacidade
de leitura”. A linguagem traduz e intermedia a relação do homem com o mundo,
organizando o pensamento a partir de uma lógica gramatical. Neste sentido,
pensamento e linguagem são interdependentes.
2.1.2 Sobre ler e escrever
Ainda que a princípio possa parecer contraditório, em se tratando de um país
com índices de analfabetismo como o Brasil, o fato é que todo o nosso processo de
ensino do português tem sido orientando precipuamente para a prática da escrita,
chegando mesmo, de acordo com Cagliari (2001, p.96), “a se preocupar mais com a
aparência da escrita do que com o que ela realmente faz e representa”. Mas isto
explicaria apenas o valor social que é atribuído à escrita na esfera do discurso e da
tradição cultural, onde saber ler e escrever é referência para pessoa inteligente e
conseqüentemente poderosa, influente. Tal valorização não se reflete
necessariamente na adoção de políticas públicas de incentivo à leitura, pois
28
tradicionalmente as elites se valem da estratégia de manter o povo iletrado, no
máximo assinando nome, como forma de perpetuar a dominação e a exploração.
As contradições se refletem, igualmente, no ambiente escolar, onde todas as
atividades de prestígio giram em torno da escrita. Ensinar a escrever sempre teve
papel fundamental, embora pareça haver pouca preocupação, por exemplo, com a
formatação das cartilhas, onde convivem diversas formas de representação gráfica e
vários tipos de alfabeto (maiúsculas e minúsculas, por exemplo, onde o formato de
um D não guarda absolutamente nenhuma relação visual com o d). A escola quase
sempre se preocupa em ensinar a escrever, a partir da transmissão mecânica de
regras gramaticais e normas ortográficas, mas sem ensinar o que é escrever, quais
as suas implicações semânticas e significados sócio-políticos. Sem esquecer que
também a forma pessoal, individual e muitas vezes idiossincrática que cada pessoa
guarda em sua escrita cursiva implica em caracteres às vezes indecifráveis para
muita gente. Prática que é até mesmo valorizada em certos segmentos culturais, a
exemplo da categoria profissional dos médicos, que freqüentemente costuma gabar-
se do esforço que provoca para a tradução dos seus garranchos ilegíveis. Houve um
tempo em que a caligrafia era obrigatória na escola, mas esta já é outra questão.
No momento, interessa mais questionar se, de fato, ler implica
necessariamente em escrever. A propósito, Cagliari (2001, p.101) lembra que “a
escola é talvez o único lugar onde se escreve muitas vezes sem motivo”. Sobretudo
nas classes mais baixas, a prática social da escrita é quase inexistente, o que
termina passando a estas pessoas uma sensação de inutilidade, de perda de tempo,
pois não haveria para eles um referencial na família, no trabalho ou nos locais onde
convive, que a justificasse. Por outro lado, para quem cresceu em um ambiente
cercado por instrumentos de leitura e escrita, onde estes hábitos são cultivados e
29
incentivados, então o processo de letramento foi quase automático, a prática passa
ter uma referência concreta, é socialmente valorizada como forma individual de
expressão e de arte. Ninguém escreve ou lê sem um motivo.
Então, o objetivo primordial da escrita seria permitir a leitura, a tradução dos
símbolos gráficos, em fala. Alguns tipos de escrita se preocupariam com a
expressão oral e outras apenas em transmitir significados específicos, a serem
decifrados por quem está habilitado a tal. É o exemplo das placas de trânsito, que
têm uma palavra-chave intrínseca que auxilia na decifração. Trata-se, neste caso, de
escrita baseada em significado, que não necessita ter relação direta com a
expressão sonora, mas sim com o valor semântico da mensagem. Por isso mesmo,
pode ser usada internacionalmente. “Este tipo de escrita se baseia só no significado
e não no significante dos signos lingüísticos” (CAGLIARI, 2001, p.104).
Seguindo o raciocínio do autor, é possível perceber que também pode ocorrer
o inverso, a escrita representa o significante sem nada relacionar do significado. Um
exemplo apontado é a transcrição fonética de uma língua desconhecida. O
importante a destacar é que, em ambos os casos, a escrita vai permitir uma leitura,
mas o seu valor como código lingüístico desaparece, pois não há mais signo
lingüístico, mas apenas uma parte dele. Ou seja, só o significado ou só o
significante. Além disso, destaca que um desenho não é necessariamente um tipo
de escrita, já que para ser considerado como tal precisaria de um objetivo bem
definido, que seria fornecer subsídios à tradução de quem o lê. Um desenho não
precisa ser feito obrigatoriamente para ser lido. Evidentemente, pode-se ler um
desenho, mas se a ele não for atribuído um significado, não poderá ser considerado
parte de um sistema de escrita.
30
O ato de ler está automaticamente condicionado pelo exercício da escrita.
Quando alguém lê o desenho colocado numa placa de trânsito, por exemplo,
interpretando-o e relacionando expressões de fala às formas gráficas, ele pode ser
considerado escrita. Quem interpreta, não o faz meramente por prazer, mas para
atender ao que a escrita indica. Ou seja, há uma motivação concreta, que é a sua
própria razão de ser. Decifrar é somente um aspecto mecânico do seu
funcionamento. Dessa forma, concluímos que ler não é apenas somar e traduzir
signos individuais (as letras, palavras etc), mas implica em contextualizar os
significados de maneira intencional. Portanto, escrever não deve envolver somente a
transcrição da linguagem oral, mas promover habilidades de reflexão e manipulação
de conceitos.
Historicamente, Cagliari identifica três fases distintas no desenvolvimento da
escrita: uma primeira que descreve como pictórica, que se manifesta através de
desenhos ou pictogramas que não são associados a um som, mas à imagem daquilo
que se deseja representar. Uma outra seria a ideográfica, que envolve ideogramas,
convenções de escrita. E finalmente a alfabética, que se dá por meio de letras que
guardam representação fonográfica. Os sistemas de escrita, por sua vez, seriam de
dois tipos. Um, baseado no significado (escrita ideográfica), pictórico e motivado
pelos significado que quer transmitir, depende dos conhecimentos culturais prévios
de quem o opera, mas não de uma língua específica, pois é internacional. Os
exemplos são as placas, números, logotipos, logomarcas, fórmulas, abreviações e
siglas, entre outros. O outro tipo baseia-se no significante (escrita fonográfica),
depende dos elementos sonoros de uma língua para ser decifrado.
Ainda sobre a importância da leitura, argumenta que “se um aluno não se sair
muito bem nas outras atividades, mas for bom leitor, penso que a escola cumpriu em
31
grande parte sua tarefa” (CAGLIARI, 2001, p.148). Pensam assim todos aqueles que
consideram ser a leitura uma atividade fundamental para a escola no processo de
formação do aluno. Muitos dos problemas que ele geralmente encontra em seu
trajeto da pré-escola à pós-graduação pode inclusive dever-se a deficiências ligadas
à leitura. Neste sentido, tudo aquilo que se ensina e aprende na escola está de
alguma forma ligado à leitura, depende dela para se realizar, para manter-se e
desenvolver-se.
Todo processo de leitura envolve um esforço de decodificação, onde o leitor
primeiro decifra a escrita para depois entender a linguagem que lhe serve como
intermediária, para finalmente lograr refletir sobre o conteúdo que lhe foi transmitido.
Ele o interioriza e passa a formar seu próprio conhecimento e opinião sobre o que
leu. Se houver falha em alguma etapa deste processo, o resultado final ficará
comprometido. Significado e significante estarão fora de sintonia. Por isso uma
criança não lê como um adulto. Da mesma forma que pessoas com referências
sociais, ideológicas e culturais distintas podem também ler um mesmo texto e
produzir interpretações bastante diferentes. Para a professora Verbena Rocha
Cordeiro (2004, p.97), a relação entre texto e leitor é concretizada através de “um
diálogo que revivifica e atualiza seu sentido”. Ou seja, é o próprio leitor quem confere
significado ao que está escrito, filtrando-o através de um intrincado processo de
construção de sentido que envolve um ritmo e uma forma de leitura próprios, que
dependem de sua competência lingüística, conhecimento prévio do mundo e de
outros textos.
Tal bagagem cultural lhe permite fazer previsões e levantar hipóteses sobre o texto, ativando sua estrutura cognitiva e sua imaginação para confirmar ou refutar as inferências que foram sendo processadas ao longo da leitura. Assim, as previsões e as hipóteses são recursos presentes na relação dialógica entre texto e leitor. (CORDEIRO, 2004, p.97).
32
Outro ponto a ser levantado é que, se escrever e ler e são atividades de
alfabetização que deveriam acontecer simultaneamente, por que nas nossas escolas
geralmente se dá mais atenção à escrita que à leitura? Talvez a questão esteja nos
mecanismo de avaliação. É mais fácil mensurar os progressos obtidos com o ensino
da escrita do que em relação à leitura, que envolveria uma gama maior e mais
complexa de variantes e condicionantes - de ordem cultural, subjetiva - a ser
observada e considerada. De qualquer forma, parece fazer parte de um pensamento
consolidado entre o senso comum a idéia de que é mais importante ler do que
escrever, no mundo contemporâneo.
Na esteira deste raciocínio, é necessário considerar que há muitas pessoas
alfabetizadas que vivem praticamente sem escrever, mas não sem ler, enquanto que
inúmeros analfabetos de escrita conseguem ler numa cidade grande, porque
precisam desenvolver mecanismos que lhe permitam identificar placas de rua,
letreiros de ônibus e metrô, números em cartazes e etiquetas, luminosos etc. Seria,
então, possível aprender a ler sem aprender a escrever, como ocorre a uma criança
que acompanha a leitura de uma história e aprende a decifrar os sons das letras em
contextos diversos, apreendendo pequenos textos de cujo conteúdo tenha
conhecimento prévio ou saiba de cor. Assim, teria uma visão mais real do
funcionamento da escrita, o que lhe facilitaria o aprendizado da ortografia. Cagliari
(2001, p.169) defende que tudo isso deveria bastar para justificar um lugar de maior
prestígio para a leitura no processo de alfabetização e argumenta que “o objetivo da
escrita é a leitura, mas quem vai escrever só é capaz de fazê-lo se souber ler o que
escreve. Portanto, a leitura é uma habilidade que precede a própria escrita”. O que
33
remete, mais uma vez, à grande importância que tem a leitura para todo o processo
ensino-aprendizagem.
A escola deveria promover, portanto, meios de fomento à leitura regular de
revistas e periódicos de vários tipos, inclusive as fotonovelas e histórias em
quadrinho, entre outras publicações do gênero. Propiciando o acesso a estas
publicações sobretudo àqueles alunos que não podem tê-las em casa, os
professores estarão motivando para a leitura, mostrando que ler é importante
enquanto prática social, independentemente até de forma e conteúdo.
Reconhecendo o alcance limitado dos programas oficiais destinados a
estimular a leitura dentro das escolas nas redes públicas e privadas do Brasil,
Cordeiro (2004, p.97) lembra que a formação do cidadão leitor requer o contato, ao
longo da vida, com práticas capazes de desenvolver o hábito e o gosto pela leitura,
mas sem esquecer de que isso implica na realização de condições materiais de
acesso aos livros.
O ensino formal tem-se preocupado, no máximo, em ensinar a estrutura e as
regras gerais da gramática, mas pouco habilita o estudante a posicionar-se
criticamente diante de um texto ou ainda a fazer uso consciente dos inúmeros
recursos de que dispõe a linguagem escrita. Neste sentido, escrever nada mais é
que fazer escolhas - a escolha do método, da estratégia e do estilo - para expressar
o seu pensamento com clareza, organização e adeqüação aos padrões lingüísticos.
O principal objetivo do ensino da língua deveria, pois, ser a formação de leitores
críticos, capazes de ler os significados implícitos de um texto, ou seja, ler
criticamente. Para tanto, é preciso buscar menos o normativo, as regras gramaticais,
trabalhando mais a estrutura e a criação de significados.
34
A escola deve explicar os usos e funções da escrita enquanto prática social e
suas relações de poder, pois não se consegue articular o pensamento apenas
tomando conhecimento das regras lingüísticas. Cordeiro (2004, p. 97) defende, a
propósito, que o professor assuma a responsabilidade de construir novas estratégias
de leitura para seu aluno, levando em consideração a definição de objetivos que
pretende alcançar e das estratégias de planejamento de ações e avaliação de
resultados que vai utilizar. Num modelo de sociedade tão marcada pela força do
signo escrito, como a nossa, dominar a prática social da leitura é requisito básico de
sobrevivência econômica, política e cultural.
2.1.3 Letramento
Uma das mais eficientes medidas que pode o professor adotar na tentativa de
superar as dificuldades de leitura dos seus alunos é incentivar firmemente práticas
que levem ao um convívio natural e até mesmo prazeroso com os livros, inclusive os
didáticos, assim como com os de literatura, de informação geral, jornais, revistas e
outros periódicos. A pesquisadora Ângela Kleiman (2002, p.27) adverte, todavia, que
há inúmeras estratégias possíveis de aproximação ao texto, o que exige "diversos
graus de engajamento cognitivo por parte do leitor". O que vai variar em razão da
capacidade de cada um. Portanto, se o professor optar por trabalhar apenas em
desenvolver o interesse pela leitura usando atividades diversas, ainda não estará
formando o leitor.
Somente quando se ensina ao aluno a perceber esse objeto que é o texto em toda sua beleza e complexidade, isto é, como ele está estruturado, como ele produz sentidos, quantos significados podem ser aí sucessivamente revelados, ou seja, somente quando são mostrados ao aluno modos de se envolver com esse objeto,
35
mobilizando os seus saberes, memórias, sentimentos para assim compreendê-lo, há ensino de leitura (KLEIMAN, 2002, p.28).
Em geral, se dá muita ênfase aos elementos estruturais da língua, quando
mais interessante seria trabalhar os seus significados. Ao ler, a pessoa infere,
antecipa, preenche lacunas e levanta hipóteses que vão complementando o sentido
do texto. A palavra-chave em toda esta questão é significado. Para o aluno,
aprender a ler precisa fazer sentido. Pois a leitura envolve necessariamente a
interação entre autor e leitor, através de um roteiro de comunicação que sempre vai
envolver problemas de decodificação, os ruídos ao pleno entendimento de
significados. No ambiente escolar, cabe ao professor intermediar esta relação,
tornando-a o mais fluida possível. Assim, partindo do pressuposto básico de que
tanto o material escrito quanto os conhecimentos prévios do leitor vão interagir para
que ele chegue à compreensão, a autora enumera três tipos de teorias relacionadas
à leitura: as que adotam e desenvolvem os conceitos de gênero apresentados por
Bakhtin e envolvem questões ligadas à lingüística textual e a análise do discurso;
também as teorias sócio-cognitivas da compreensão, oriundas das ciências
psicológicas, principalmente a psicologia cognitiva, que trata dos modelos de
processamento da língua escrita; e finalmente os estudos do letramento, que aqui
trataremos de aprofundar.
Para tanto, é necessário caracterizar os distintos graus de domínio da escrita,
desde o conhecimento do alfabeto até o uso de textos para a aprendizagem de
assuntos diversos. Ler um pouco e grafar o nome não são suficientes para inserir o
cidadão nas práticas legitimadas e socialmente valorizadas do ato de escrever, ou
seja, os usos da escrita referem-se intrinsecamente ao contexto, têm relação direta
com cada situação. Aprender a ler vai implicar em distinguir como funcionam os
textos nas diversas práticas e usos sociais que se lhe são conferidos.
36
Uma prática discursiva é determinada pelo local onde ela ocorre, se numa
sala de aula, igreja, num ambiente de trabalho ou local público, mas também vai
depender da instituição que a legitima, pois há uma fala própria escolar, religiosa,
profissional, técnica, burocrata, popular. Todo discurso é marcado pelas relações
sociais de poder, ele modela o que será definido como realidade, imputa sentido e
significado, estabelecendo uma hierarquização entre as instituições e suas práticas.
Por tal razão, defende Kleiman (2002, p.32), que "o ensino da leitura e da língua
escrita deve estar adeqüado à realidade social do aluno e orientado para a
ampliação dos usos da escrita nas comunidades mais tradicionais".
Todo o processo de aprendizagem da leitura e da escrita é facilitado quando
se trata de crianças onde os ambientes escolar e doméstico já proporcionam contato
com as várias práticas sociais de leitura, como o hábito dos bilhetes familiares, os
livros de histórias infantis ou ainda o exemplo da leitura cotidiana de periódicos. O
que dificilmente ocorre entre famílias com pouca ou nenhuma escolaridade. Onde a
leitura é fonte de prazer e de identificação familiar, o material escrito - dos livros aos
jornais e revistas - são vistos como instrumentos através dos quais se pode ampliar
o conhecimento do mundo e de si próprios.
Assim a criança inicia a sua jornada de letramento, que deve ter
prosseguimento através do contato com as diversas práticas sociais discursivas que
são produzidas por instituições que lhe vão sendo apresentadas desde a escola e a
igreja, ao clube social, as lojas do comércio, cinema, teatro, museus, a universidade,
o ambiente de trabalho, as repartições públicas etc. Será preciso que a escola deixe
de lado sua majoritária preocupação com os conteúdos curriculares, para passar a
priorizar o contexto e a prática social na formação de cidadãos letrados. Não é tanto
conhecer e dominar o conteúdo de um dicionário ou enciclopédia que vai habilitar o
37
jovem a tornar-se cidadão, mas sim compreender a importância de consultá-los,
sabendo quando, onde e como fazê-lo.
2.1.4 Gêneros de leitura
Kleiman (2002) aborda, ao lado da noção de letramento, a de gêneros de
leitura. Neste sentido, alinha as categorias distintivas de agrupamento dos textos por
instituições por onde circulam, as formas que assumem e os temas de que tratam.
Em verdade, a definição de gênero pode ser considerada polêmica, uma vez que a
melhor maneira de abordar a noção seria através da experiência da própria prática
de leitura. A pesquisadora lembra que, quando alguém pergunta ao leitor o que ele
lê, uma resposta natural é responder com o gênero: um romance, um conto, uma
notícia de jornal ou uma bula de remédio. E conclui:
A verdadeira batalha que o professor trava para seduzir o aluno para viver o mundo da leitura não será uma batalha já perdida se forem trazidas para as aulas mais práticas de letramento relevantes para a vida social, como a leitura dos diversos gêneros jornalísticos. Daí a importância dessa reflexão para o ensino. Para isso, faz-se necessária a reflexão mais aprofundada sobre as práticas de letramento e sobre os gêneros, bem como seus possíveis usos na escola, pelo professor (KLEIMAN, 2002, p.7).
Também a propósito de definir letramento, termo que teria começado a tornar-
se popular a partir da segunda metade dos anos de 1980, a professora Magda
Soares (2003, p.15-17) parte de conceitos como analfabetismo, que é descrito pelo
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa como “estado ou condição de analfabeto;
falta de instrução, sobretudo da elementar (ler e escrever)”, enquanto que analfabeto
seria, segundo a mesma fonte, “que ou aquele que desconhece o alfabeto; que ou
aquele que não sabe ler ou escrever; que ou aquele que não tem instrução
38
primária”. Para a autora, quase os todos dicionários definem alfabetizar como
“ensinar a ler” e freqüentemente omitem a palavra escrever. O termo letrado
costuma surgir como “versado em letras, erudito”, embora dificilmente se possa
encontrar definição para letramento. A partir destes argumentos, explica que o
sentido que damos atualmente à expressão parte do termo inglês literacy, que vem
do latim littera (ou seja, letra), com o sufixo (cy) que denota qualidade, estado de ser,
apontando então a condição daquele que sabe ler e escrever.
Isto a leva a concluir que alfabetizar-se “tem conseqüências sobre o indivíduo,
e alterar o seu estado ou condição em aspectos sociais, psíquicos, culturais,
políticos, cognitivos, lingüísticos e até mesmo econômicos” (SOARES, 2003, p.18).
Letramento seria, pois, o resultado da ação específica de ensinar ou de aprender a
ler e a escrever, seria o estado ou ainda a condição que um indivíduo adquire por de
ter-se apropriado dos mecanismos de leitura e de escrita. Até há bem pouco tempo,
a falta de acesso às letras por parte de uma camada expressiva da população era
um fato tão comum que bastava o termo analfabetismo, usado pelos governantes
para eventualmente avaliar e medir as dimensões do fenômeno.
Mas em geral não era preciso o seu oposto, letramento. Este tipo de
preocupação só viria surgir mais recentemente, quando as exigências de uma
sociedade cada vez mais fabril e complexa determinaram que não mais bastava
apenas saber ler e escrever, era preciso também “saber fazer uso do ler e do
escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz
continuamente” (SOARES, 2003, p.20).
Neste sentido, os próprios institutos responsáveis pela realização de censos
passaram a alterar o modo de apurar os índices de alfabetização e, para ser
considerado alfabetizado hoje não é mais suficiente saber ler e escrever o próprio
39
nome, como antes. É preciso pelo menos conseguir ler e escrever um bilhete com
mensagem simples. Por outro lado, uma pessoa pode mesmo não saber ler e
escrever, mas ser de certa forma letrado.
Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (...), se pede a alguém que leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2003, p.24).
Como se pode verificar, a questão está, justamente, nas práticas sociais de
leitura. Ao enfatizar a maneira singular com que o jovem leitor absorve e usufrui da
experiência de leitura, atribuindo a ela inclusive uma dimensão afetiva, sobretudo em
relação às aventuras narradas nas obras literárias, Cordeiro (2004) avalia os
processos de extrema ampliação e diversificação dos suportes de leitura. Reforça,
neste sentido, que estas inúmeras práticas de leitura devem estar adeqüadas aos
interesses de cada segmento de leitor, prevendo “diferentes estratégias de acesso à
leitura face às diferentes tipologias e gêneros textuais” (CORDEIRO, 2004, p.99). E
tal responsabilidade cabe, também, ao professor. Além disso, defende que o
empenho em estimular e promover o ensino das práticas de leitura não fique restrito
aos professores de português, mas se estenda igualmente a todas as demais
disciplinas. Para ela, a leitura, em todas as suas formas e práticas, “porta uma voz e
múltiplos sentidos que dialogam com a cultura e os esquemas dominantes de uma
época” (CORDEIRO, 2004, p. 100).
Tanto ler quanto escrever são habilidades que envolvem um espectro muito
amplo de níveis e graduações. Dependem tanto de habilidade, intimidade e prática
semântica e interpretativa, quanto de domínio de vocabulário e capacidade de
40
contextualização. Dependem da riqueza de referências culturais, sociais e
econômicas que estejam à disposição do sujeito, tanto quanto de suas
peculiaridades de estilo e criatividade em reelaborar a realidade, o que envolve até
mesmo aspectos psicológicos e afetivos. Enfim, suas definições são complexas, pois
enquanto para uns é fácil e até mesmo prazeroso o ato de escrever, para outro tanto
pode ser descrito como um martírio, uma tortura somente enfrentada por conta de
alguma obrigação profissional, legal, burocrática ou acadêmica.
Para Soares (2003), outra dificuldade em definir com precisão letramento é
que ele envolve dois processos fundamentalmente diferentes. Ler e escrever,
embora complementares são dessemelhantes e guardam marcantemente suas
peculiaridades. Uma pessoa pode ler fluentemente e ter dificuldade para escrever,
enquanto outra pode produzir ótimos textos de forma fluente e todavia não gostar de
ler.
A leitura envolve tanto relacionar símbolos escritos a unidades de som quanto
interpretar textos, neste último caso implicando em decodificação, significação, uso
de analogias, comparações e linguagem figurada. Já a escrita envolve habilidades
lingüísticas e psicológicas fundamentalmente diferentes daquelas exigidas pela
leitura, como registrar as unidades de som, transmitir significado, expressar idéias,
habilidade motora em caligrafia e ortografia.
Através de uma perspectiva social, o letramento torna-se uma prática em que
as pessoas manifestam e praticam suas habilidades de escrita e de leitura, de
codificação e deciframento, dentro de um contexto político e cultural específico, que
é imensamente influenciado a partir das necessidades, valores e práticas
coletivamente pactuadas ou aceitas. Neste aspecto, é possível distinguir duas
principais vertentes de interpretação desta dimensão social do fenômeno. Uma
41
primeira que resume o letramento em suas características e habilidades funcionais,
conferindo-lhe uma abordagem mais técnica, mecanicista, e uma outra onde se
busca ressaltar sua condição de prática social historicamente localizada e, portanto,
responsável por reforçar ou questionar todo o conjunto de valores, tradições e
modelos de distribuição de poder que lhe molda a realidade.
O fato de estarmos nos ocupando cada vez mais com os fenômenos ligados
ao letramento, passando a incorporar este termo ao nosso vocabulário, significa que
compreendemos que o problema não se resume em ensinar a ler e escrever, "mas
é, também, e sobretudo, levar os indivíduos - crianças e adultos - a fazer uso da
leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e escrita” (SOARES,
2003, p.58). Para tanto, também nossos processos de formação escolar devem ir
além da simples transmissão do código escrito; eles precisam estimular os alunos a
fazerem uso da leitura e da escrita no cotidiano, legitimando sua função social. Em
outras palavras, as escolas precisam letrar. A propósito, explica a pesquisadora:
À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais da escrita: não lêem livros, jornais , revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... (SOARES, 2003, p.45-46).
O conceito de letramento tem somado significações e ampliado os horizontes
das questões ligadas aos mecanismos de alfabetização. Ele surge a partir do
reconhecimento de que a idéia de alfabetizar, simplesmente, tornou-se insatisfatória.
42
A preocupação com o letramento tem ganhado espaço nos meios acadêmicos e nas
próprias escolas, como resultado natural do aprofundamento das discussões sobre a
reorganização do ensino e de suas práticas. Percebe-se então que, além de saber
ler e escrever, a criança deve ser habilitada a reconhecer e dominar as variadas
práticas sociais de leitura e de escrita.
2.1.5 A leitura do mundo
Dando prosseguimento ao assunto, Yunes (2003, p.16) acrescenta uma
oportuna definição do conceito de letramento, que entende como “a cultura
perpassada pela letra, pela ascendência da escrita”. O que não exclui - antes o
contrário - o envolvimento de múltiplas outras linguagens no processo, a exemplo da
televisão, do cinema ou da moda. Em contato com a cultura e seus processos, a
soma das experiências sensíveis vai gerando um arsenal simbólico que habilita a
transitar em universos interpretativos cada vez mais complexos. Ler pressupõe a
construção de significado. Além disso, a prática da leitura vai ampliando
simultaneamente o vocabulário e a capacidade de interpretar, associar e encadear
eventos, tornando indissociáveis os processos de leitura do mundo e da palavra. É a
linguagem que potencializa o pensamento. Através dela, utilizando mecanismos
como a associação ou a comparação de idéias, é possível alcançar a
intersubjetividade necessária à construção da própria identidade, o que demanda
senso crítico e autonomia como requisitos indispensáveis.
Partindo da premissa de que ler é, realmente, compreender, Max Butlen
(2003) conclui que restaria, então, saber qual é o objeto da atividade (ou seja, o que
compreender) e quais são os procedimentos empregados na operação (como
43
compreender). Assim, reconhece que no processo de alfabetização o
reconhecimento das palavras é automático, trata-se de uma aprendizagem
fundamental que envolve tão somente a identificação dos componentes gráficos e
seus correspondentes fonéticos. Todavia, o mero reconhecimento automatizado das
palavras não é suficiente para a assegurar a compreensão, pois decodificar não é o
mesmo que compreender. A propósito, afirma que “a capacidade de decodificar não
se associa, automaticamente, às performances no campo da compreensão”
(BUTLEN, 2003, p.61). Portanto, além de reconhecer as palavras é necessário
saber como mantê-las na memória, combinando-as e relacionando-as a uma cadeia
evolutiva de significações.
A compreensão literal é apenas o ponto de partida, de onde é possível
desencadear processos de compreensão cada vez mais complexos e sofisticados.
Para tanto, o leitor trabalha as informações obtidas através de artifícios de dedução
e indução. Aprender a ler depende, portanto, desta capacidade de inferência, que
surge em razão de uma situação em que haja problema concreto de leitura a ser
enfrentado. Ao fazer isso, o leitor é desafiado a se posicionar em relação ao texto,
ou seja, ele precisa interpretá-lo, interpelá-lo a partir de sua subjetividade. E passa a
construir seu próprio ponto de vista, com base nos parâmetros colocados e nas
questões propostas pelo texto. Butlen (2003, p.65) conclui seu raciocínio afirmando
que, neste sentido, interpretação e compreensão passam a interagir de maneira
dialética. O que reforça a importância do debate e do diálogo no processo de ensino-
aprendizagem e, conseqüentemente, no desenvolvimento da capacidade de leitura
crítica.
Pesquisadores como Paulo Afonso Caruso Ronca (2001, p.166-169) vão além
e afirmam que "a habilidade da interpretação é uma dimensão particular da
44
habilidade da compreensão". A partir daí, argumenta que uma das mais
fundamentais características do pensamento não seria tanto as noções de
veracidade ou falsidade que mantém implícitas, pois elas podem ser freqüentemente
relativas, circunstanciais ou temporárias. Neste caso, importam bem mais as
justificativas, interpretações ou explicações que se lho possam imputar. Ou seja, ao
pensamento vale mais a contextualização. Para ele ao compreendermos algo,
estamos dando um significado próprio à realidade, ainda que sem distorcê-la ou
desvirtuá-la, o que também não significa memorizá-la sem sentido ou sem contexto.
Ao compreender algo, tornamos nosso aquilo que lemos, ouvimos, vimos ou
sentimos, transformando e filtrando tudo isso de acordo com o referencial pessoal de
que dispomos, com um variado grau de fidelidade de que somos capazes.
O autor adverte, contudo, que "a compreensão pressupõe a identificação de
modelos que, muitas vezes, convertem-se em sólidos referenciais e bases para
demanda do processo de ruptura e superação" (RONCA, 2001, p.172). Seria este,
portanto, o caminho para a autonomia. Na medida em que compreender não seja
visto como ato acabado ou mesmo objetivo final do pensamento, mas etapa de um
processo que conduz a novas e mais complexas referências e interconexões, é
possível tratá-lo como ponto inicial e desencadeador de outros processos de pensar
e de fazer. Portanto, a fim de compreender é necessário explicar. Ou seja, alguém
compreende algo quando o relaciona a um conjunto de informações que é sempre e
necessariamente amplo e dinâmico. Da mesma forma, alguém explica algo quando
expõe tal conjunto de informações de forma lógica e coerente.
Dando prosseguimento a este raciocínio, podemos concluir que compreender
uma ação é conhecer seus motivos e explicá-la é descrever tais motivos. Assim,
compreender uma pessoa é colocar-se no lugar dela, ao passo em que explicar o
45
outro é identificar os movimentos internos que determinam o seu fazer e o seu
pensar. Mas, ao compreender algo, o trazemos para dentro de nós, o tornamos
nosso e, portanto, o modificamos na medida da intensidade de sua internalização e
somos igualmente modificados por ele. Afirma ainda Ronca (2001, p.180) que a
compreensão implica quase sempre numa modificação dos referenciais internos e
na transformação das funções cognitivas e dos componentes perceptivos, sensitivos
e corporais. O que implica em uma certa responsabilidade individual e social, de
agir coletivamente. Trata-se de "uma petição interna do pensamento, que inspira e
quase obriga promessas do humano pensante" (RONCA, 2001, p. 181).
Com base em pressupostos semelhantes, Hercílio F. Quevedo (2002, p.69)
desenvolve seu raciocínio reconhecendo que em geral se considera leitor aquele
que aprendeu o processo mecânico da leitura, o domínio dos signos lingüísticos
escritos, mas lembra que desde o nascimento o homem passa a ler o mundo com
seus diversos sentidos, captando a realidade à sua volta, estabelecendo interações
e acumulando referências incontáveis. Para ele, "o conhecimento prévio do mundo,
mesmo que fragmentado, constitui-se num dos pressupostos básicos ao processo
de leitura” (QUEVEDO, 2002, p.70). Cita Ângela Kleiman (1995, p.13) e Marcuschi
(1999, p.96) para afirmar que o sentido de um texto não produz compreensões
definitivas, pois não reside no texto. Ele é o ponto de partida de onde o sentido vai
sendo construído mediante a interação de conhecimentos lingüísticos, textuais e de
mundo que possui o leitor. Ou seja, ler vai ser sempre um ato interativo e criativo,
que exige descobrir novas realidades e maneiras inéditas de relacioná-las entre si,
de acordo com o contexto.
Quevedo (2002, p-71-73) defende, a propósito, que a escola deveria buscar
trabalhar vários tipos de textos: os formativos (livros técnicos e didáticos) e os
46
informativos (jornais, revistas), mas também os literários. De fato, o objetivo
primordial não somente da escola, mas de toda instituição envolvida com os
processos de letramento, deveria ser habilitar o aluno a desvendar o mundo,
interagindo criticamente com ele através da leitura. Em geral, a escola preocupa-se
em formar leitores, quando mais relevante ainda seria promover a leitura enquanto
prática social, trabalhando a produção de sentidos, a análise crítica e a
contextualização de conteúdos, pois ler implica em competência formal e política.
Entre as especificidades necessárias à leitura da palavra o autor enumera a
concentração e o raciocínio, que permitiriam um mergulho nas possíveis
significações do texto. Portanto, ler de maneira constante e sistemática textos
escritos ajuda a ampliar as habilidades cognitivas e a agilizar o intelecto. Para
Quevedo (2002, p.77-80), a leitura da palavra é, de fato, uma das mais complexas,
pois sintetiza todas habilidades requeridas nos demais tipos de leitura. Tal
característica provavelmente é uma das fontes que alimentam a crença comum de
que o domínio da habilidade da leitura confere naturalmente um tal status aos
indivíduos que mesmo aqueles que não lêem desejam se passar por leitores de
livros. E freqüentemente o fazem. De qualquer maneira, conclui Quevedo (2002,
p.81), “tornar-se leitor e auxiliar na formação de novos leitores parece ser um
compromisso de cidadania para quem acredita que ler não é apenas decodificar
signos, mas um ato que pode mudar o rumo da(s) vida(s)”. Cabe acrescentar a
posição de Brandão (1995, p.9) ao advogar que "não há uma forma única nem um
único modelo de educação: a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez
nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática e o professor profissional
não é o seu único praticante".
47
Ao lermos o mundo, estamos na verdade apresentando uma tradução dele,
uma interpretação nossa, particular, que tem a ver com a reescrita que nossa
prática, nossos valores e (pré)conceitos nos permitem oferecer. A educação, neste
contexto, vai influenciar a produção das crenças e valores, das idéias e conceitos
que norteiam as relações de troca de que moldam a sociedade. Cabe, mais uma
vez, refletir sobre a afirmação de Freire (2003, p.20), quando explica que a leitura da
palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma outra forma de
“escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo", quer dizer, de transformá-lo através de nossa
prática consciente. Conseguir ler criticamente o ambiente que o cerca marca a
distinção básica entre estar-no-mundo simplesmente e saber-se no mundo,
conhecer a si próprio e o lugar que lhe cabe no esquema das coisas. Os números
avassaladores dos chamados analfabetos funcionais não deixam dúvidas quanto à
gravidade da questão ou ao tamanho do desafio a ser enfrentado no sentido de
reverter tal quadro.
2.1.6 Texto e tecnologia
A importância da leitura enquanto prática social pode ser igualmente
mensurada sob o prisma do seu relacionamento com a tecnologia. Partindo da
constatação de que os alunos de uma maneira geral costumam interessar-se mais
pelos veículos das novas mídias (tevê, videogame, computador pessoal, celulares)
do que pelo texto escrito, Quevedo (2002) advoga o uso das tecnologias eletrônicas
em sala de aula como suportes para gerar interesse pela leitura da palavra escrita.
Para ele, a rapidez com que o fenômeno de digitalização de textos se impõe a todo
o processo produtivo cultural e acadêmico exige respostas igualmente ágeis às
48
questões daí derivadas, desde as etapas da criação, em sua forma e conteúdo,
estilo e linguagem, até a edição, distribuição e venda, entre outros fatores que vão
interferir até mesmo no modo de se ler. Sem esquecer discussões importantíssimas,
como a propriedade intelectual, democratização do acesso e preservação de
culturas e modos de fazer originais.
Com a informatização, as etapas industriais de confecção foram
enormemente agilizadas e barateadas, alterando os custos envolvidos na produção,
embora este talvez não seja o ponto mais importante da equação. O que deve afetar
de maneira mais significativa esta relação é mesmo o fato de não mais
dependermos dos formatos impressos para ler um livro, uma revista ou um jornal.
Agora, podemos fazê-lo através da tela de um computador, em CD-ROM, telefone
celular ou qualquer um dos inúmeros aparelhos eletrônicos que têm sido
desenvolvidos como plataformas digitais de leitura.
Sobre o uso das novas tecnologias, Quevedo (2002, p.75-77) destaca que
entre as características únicas que o computador coloca à disposição do leitor do
século XXI está o hipertexto, “um fenômeno pós-moderno que alterou de maneira
definitiva as relações até então existentes entre os indivíduos e a informação”. Para
ele, a leitura de um hipertexto leva à formulação de novos textos, utilizando-se para
isso do próprio computador, que estaria assim formando novos leitores de maneira
eficaz e totalmente diferente do que se fazia até então. Mas adverte que não se
pode esperar que a informática transforme-se, por si só, em um instrumento de
educação, já que o trabalho com a máquina não deve automatizar os pensamentos,
mas antes fornecer-lhes elementos como a originalidade e a criatividade para a
construção do indivíduo enquanto sujeito de sua história.
49
Autores como André Belo (2002, p.18), por sua vez, avaliam que um texto
apresentado por intermédio destes novos veículos vão ser lidos inevitavelmente de
maneira diferente, uma vez que "desaparecem os gestos e as sensações do leitor
associados ao manuseio do livro impresso e muda a seqüência da leitura". Em lugar
de uma ordem linear, que parte de uma capa para a folha de rosto, índices e
páginas iniciais até o final, um produto digital não precisa seguir - e geralmente não
o faz - nenhuma lógica formal entre as partes ou os capítulos, permitindo ao leitor
elaborar e modificar trajetórias de leitura e navegação as mais diversas e originais.
Tal característica, em certo sentido, está presente no formato do jornal impresso
desde os seus primórdios, ao oferecer uma diagramação e uma paginação que
permitem e até mesmo induzem o leitor identificar os temas e assuntos que mais o
interessam, separados em editorias e cadernos específicos, selecionando o
conteúdo que deseja ler.
Entre os veículos de comunicação tradicionais, apenas o impresso possui
este nível de interatividade, já que até o advento da digitalização o rádio e a tevê
limitavam-se a oferecer pacotes prontos de programação que deixavam ao ouvinte
ou espectador somente a alternativa de mudar de canal ou desligar o aparelho. O
máximo de ingerência possível acontecia por meio das pesquisas de audiência e
opinião, cartas ou telefonemas com críticas e elogios à programação. No jornal
impresso, mesmo sem interferir diretamente no conteúdo, o leitor sempre pode
eleger por onde iniciar a leitura, o que deixar de lado, ao que dedicar mais atenção e
o que apenas dar uma olhada, como ocorre - evidentemente que de maneira
bastante ampliada e dinamizada - com os menus dos ambientes informáticos, onde
a navegação requer uma edição crítica dos conteúdos disponibilizados. Neste
50
sentido, o hábito da leitura do jornal pode, inclusive, facilitar a familiarização dos
novos usuário aos sistemas de informática.
Merece destaque, contudo, outras características muito específicas do texto
digital apontada pelo autor:
Por outro lado, em vez de sublinhar e anotar a lápis ou caneta nas margens do texto impresso, o leitor pode intervir diretamente sobre um texto digital, adicionando-lhe comentários. alterando-o, copiando-o por meio de um simples comando para novos documentos, juntando-o, por exemplo, a outros textos sobre o mesmo assunto que foi arquivado no computador. Recurso extraordinário, a pesquisa por palavra permite ao leitor digital percorrer o interior de um livro em busca de uma mesma expressão a uma velocidade que nenhum leitor da era do impresso, por mais rápido que fosse, podia sequer imaginar (BELO, 2002, p.19).
Aspecto relevante desta discussão diz respeito ao temor de a generalização
dos computadores pessoais leve ao desestímulo à prática de leitura de livros, jornais
e periódicos. À parte o registro de que tal vaticínio seja já recorrente, sobretudo
quando da popularização do rádio e, depois, da televisão, é importante salientar que
a rede mundial de informação configurada através da internet tem sido
constantemente abastecida com um volume gigantesco de textos os mais diversos,
multiplicando a possibilidade de leitura (inclusive podendo-se imprimir os arquivos
digitalizados) de obras exclusivas, raras, esgotadas ou inacessíveis até então.
Além disso, a facilidade em produzir, editar, publicar e até mesmo divulgar
textos inéditos representa uma revolução em grande potencial para as práticas de
leitura. E não somente em relação à produção literária, técnica ou acadêmica, mas
principalmente no que diz respeito ao jornalismo, atividade que desde o início
buscou guardar para si o monopólio da produção e distribuição de notícias. Os
portais e páginas eletrônicas de veículos de imprensa tradicionais ou não, oficiais ou
piratas, bem como o recente fenômeno dos blogs (sítios individuais facilmente
51
criados e mantidos com o objetivo de divulgar pessoas, grupos, entidades, ações,
movimentos ou idéias, entre infinitas outras possibilidades), cada vez mais se
apropriam, em forma e conteúdo, da socialização de fatos e informações, ou seja,
das notícias.
2.1.7 A linguagem impressa
Se em suas origens a imprensa foi um instrumento de transformação cultural
e social insubstituível, peça fundamental para a consolidação dos ideais humanistas,
políticos, técnicos e científicos que moldaram o liberalismo moderno, com o tempo
foi também responsável por introduzir alterações na maneira com que o ocidente
conferia significado aos textos eruditos ou religiosos, considerados nobres ou
sagrados. Ao massificá-los, tornou-os passíveis de crítica, de avaliação a partir de
uma ótica individual ou mesmo de classe. Superando uma cultura baseada no
manuscrito e na oralidade, a imprensa burguesa modificou as formas do discurso,
introduzindo a prática da leitura individual, silenciosa e seletiva. No entanto,
conforme adverte André Belo, se por um lado a imprensa altera fundamentalmente a
técnica de reprodução dos textos, perde seu caráter revolucionário quando
comparada com outras mudanças, a exemplo do aparecimento do livro, entre os
séculos II e IV, quando era copiado a mão, em substituição ao formato dos
pergaminhos. Lembra Belo (2002, p.25) que era "menos portátil do que os livros
atuais, mas já um códice, isto é, um conjunto de cadernos costurados uns aos outros
e encadernados". A propósito, comenta:
Na opinião de Chartier, o que permaneceu no livro depois de Gutenberg foi mais importante do que o que mudou: os sinais que facilitam a orientação do leitor no interior do livro (numeração de
52
páginas, de colunas ou de linhas) e no interior de cada página (títulos de capítulos e letras iniciais ornamentadas) nasceram no tempo do livro manuscrito, o mesmo acontecendo com os índices, alfabéticos ou por assunto. A imprensa não criou um objeto novo e não obrigou a novos gestos por parte do leitor, ao contrário do que aconteceu com o aparecimento do códice. (BELO, 2002, p.25).
O próprio formato do livro impresso teria sido responsável, portanto, por
consolidar novos hábitos intelectuais e posturas corporais (liberdade no manuseio e
facilidade para fazer apontamentos, poder folhear avançando ou recuando
livremente e, assim permitindo comparações ágeis entre partes do texto). Para o
autor, este novo formato deve implicar em modificações nos modos de escrever e
ler, questionando ainda se não seriam as inovações técnicas responsáveis por
transformações no modo de pensar, de ler e de conhecer ou, pelo contrário, "que
são necessidades culturais e sociais que dão origem ao aparecimento de novas
tecnologias de difusão do saber?” (BELO, 2002, p.28)
Cada veículo de comunicação, em seu desenvolvimento histórico, elabora,
adota e legitima um estilo de linguagem que resulta peculiar, em razão do contexto
sócio-cultural em que foi gerado e dos limites técnicos e estéticos que lhe são
impostos ou sugeridos, o que é facilmente identificável. Isto permite, por exemplo,
que falemos de uma linguagem do rádio, uma linguagem cinematográfica ou
televisiva. No entanto, toda nova mídia em verdade vai aproveitar, ao se estabelecer,
referências de algo anterior, que lhe serve de parâmetro para a criação de sua
própria linguagem. Assim foi com a fotografia (melhor dizendo, com o
daguerreótipo), ao basear-se na lógica da perspectiva renascentista utilizada pelas
artes plásticas e, pouco depois, no cinematógrafo - as imagens fotográficas em
movimento - que também se apropriaria de vários elementos do teatro. Igualmente
das artes cênicas se valeu o rádio em seus primórdios, abrindo espaço para a
televisão, que por sua vez nutriu-se não apenas do formato, da técnica e da
53
linguagem do rádio e do cinema, mas até mesmo dos profissionais que nele
trabalhavam.
A propósito, o dramaturgo e roteirista de cinema e televisão Alcione Araújo
(1994, p.129) estabelece diferenças de linguagem entre estes gêneros artísticos não
apenas na fenomenologia de suas percepções, mas em sua própria gênese
enquanto formas de expressão, afirmando que todas elas “guardam um elemento de
similitude que leva afoitos a arrolá-las num mesmo bloco: têm em comum o uso da
construção dramática”. Ou seja, todo o processo tenderia a evoluir da identificação
de um protagonista que deseja algo, mas para atingir seu objetivo tem que superar
obstáculos, que são os seus antagonistas. Daí, nasce toda a ação e conflito, com
uma narrativa que inclui apresentação do problema, desenvolvimento e desfecho.
O teatro, o cinema e a televisão se apoiariam nestes princípios de construção
dramática, mas a partir de linguagens completamente distintas. Segundo ele, “o
palco exige uma linguagem de síntese” (ARAÚJO, 1994, p.130), pois é totalmente
artificial, numa situação tacitamente aceita pelo espectador, que não condena por
exemplo estar um dançarino que foi morto a respirar. Mas o teatro preciso ser
profundamente verdadeiro na essência do que narra. Já o cinema - e a tevê, por
extensão - é profundamente realista em suas cenas e, por isso, pode ser artificial em
sua montagem. Trata-se de duas formas de linguagem que impõem leituras
intrinsecamente diferentes e que, portanto, não estão abertas a confusões.
Cada formato de linguagem constituiria um gênero e seria utilizado como
estratégias de leitura, a fim de facilitar a identificação e recepção da mensagem.
Então, copiar total ou parcialmente um formato estabelecido quando da introdução
de uma nova mídia seria uma estratégia onde o reforço dos traços familiares
facilitariam o aprendizado e a absorção das novas estratégias de leitura. Ao
54
alcançarmos o formato multidimensional dos mídias digitais, todavia, a questão fica
mais complexa. Primeiro, porque ao fazerem uso de ingredientes emprestados de
todos os demais veículos (não apenas o registro das imagens ou a dinâmica do
movimento; ou os significados do texto e a textura dos grafismos; ou a narrativa
musical, testemunhal e documental, mas tudo isso e muito mais), os multimídias
mostram potencial não apenas para incorporar as linguagens dos formatos que os
antecederam, mas modificá-las profundamente. Embora nem sempre isso aconteça
com sucesso. Talvez porque ainda não tenhamos alcançado a lógica (ética e
estética) digital que deve substituir o pensamento analógico construído pelas regras
do existir industrial.
O que parece claro é que o potencial das mídias digitais tem sido subutilizado,
ou seja, ainda usamos as novas tecnologias com a mesma lógica que balizou as
antigas, deixando de perceber possíveis modificações de ordem ética, estética e até
mesmo política na própria essência de todo o processo. Seriam mudanças
profundas no modo de produzir e difundir saber, de fazer pesquisa e distribuir seus
benefícios. Mudanças nas bases geopolíticas da liberdade de expressão e no poder
representativo. Para tanto, é necessário perceber antecipadamente se a discussão
será sobre o grau de acesso e utilização das novas tecnologias ou, na verdade,
sobre as intenções de quem detém poder sobre os seus usos. A questão, então, não
seria sobre a linguagem ou o meio que vão determinar as formas de lidar com elas,
mas sobre as intenções que construirão as relações nela implícitas.
Quando, então, centramos a questão nos eixos da ética e da estética,
certamente seremos remetidos a uma dimensão política. Porque a disposição em
buscar uma nova ética e uma nova estética para a linguagem dos novos mídias tem
obrigatoriamente de partir de um posicionamento político em relação aos usos
55
destes veículos: quem vai usar, como e para quê? Para mudar (ou manter) quais
tipos de estruturas e relações sociais? Trata-se de entender que uma nova
linguagem vai surgir da busca por uma nova forma de fazer, de usar a tecnologia
digital. Para tanto, não funcionaria tentar utilizar os novos veículos digitais
disponíveis com uma lógica gerada em um contexto que se vai ultrapassando, um
contexto - diríamos - analógico. Assim, uma ética e uma estética inéditas vão ser
possíveis a partir de uma nova maneira política de pensar.
A questão da manipulação da informação, por exemplo. Não cabe mais
discutir se tal ou qual veículo específico (ou mesmo tal formato ou experiência de
mídia) é mais ou menos democrático, mais ou menos conservador ou liberal, porque
todo veículo está inserido em um mercado (entendido num sentido bem lato) e a ele
deve referências. Está sujeito a todos os filtros internos (políticas da empresa, as
preferências dos editores, a orientação redacional, o estilo dos repórteres etc) e
externos (a linha editorial assumida, o relacionamento com a comunidade e com o
poder estabelecido, as verbas publicitárias - ou falta dela) que regem a atividade.
2.1.8 A prática social da leitura
Analisando a dimensão social da leitura, Joel Birman (1994, p.104) procura
definir o tipo de relação que se estabelece entre o sujeito e o texto, que se
consubstanciaria em diferentes modelos históricos de leitura. Perpassa os diferentes
modos de se relacionar com a leitura registrados através do tempo para revelar as
distintas dimensões sociais e políticas da experiência da leitura, concluindo que “a
produção do sentido implica a apropriação do texto pelo leitor, que imprime a sua
singularidade na experiência da leitura”. E cita Sartre, quando afirmava que “um livro
56
começa a existir não quando um autor termina sua redação ou quando o editor o
encaderna, mas quando o leitor fecha a sua última página” (SARTRE apud BIRMAN,
1994, p.104).
Adverte ainda o autor que, se a concepção de leitura se transformou ao longo
da história, também os conceitos de sentido e verdade surgirão descontínuos ao
longo da tradição do ocidente. Para ele, entender o leitor como intérprete foi uma
contribuição tardia para a história ocidental. Neste sentido, afirma:
O campo do sentido é marcado essencialmente pela polissemia, admitindo então múltiplas formas de interpretação. E o leitor constitui o sentido na e pela leitura do texto, pois o sentido que forja como interpretação se inscreve numa polêmica com outras interpretações existentes e possíveis (BIRMAN, 1994, p.110).
Suas conclusões apontam para a dimensão essencialmente política que
assumem as interpretações sempre conflitivas envolvidas neste processo, pois
“intervir ativamente no campo das interpretações implica necessariamente
transformar relações de força e de investimentos” (BIRMAN, 1994, p.110). Ou seja,
interpretar implica em relações de poder, o que desvela o caráter político da
experiência da leitura. “Não é mais possível separar saber, poder e verdade, pois
são dimensões diferentes da mesma problemática da modernidade, na medida em
que a verdade é uma produção do intérprete que se inscreve num sistema de forças”
(BIRMAN, 1994, p.111).
Nas últimas décadas, com a consolidação do processo de globalização das
economias e das sociedades, não apenas os veículos de comunicação têm
procurado repensar seu papel e seus processos, mas igualmente a educação tem
buscado novos paradigmas, novos conceitos e métodos. O grande desafio em
educar, atualmente, reside prioritariamente em ensinar a aprender e não somente
57
transmitir conteúdos. A escola certamente não pode mais se limitar a transmitir
assuntos avaliados por testes, ela precisa estimular o raciocínio e a criatividade,
precisa assumir a postura de auxiliar no processo de depurar e associar informações
em quantidades e velocidades cada vez mais rápidas. Se assim não conseguir fazer,
estará aumentando o distanciamento que já existe entre o conteúdo curricular e as
necessidades reais que o estudante encontra ao sair da escola.
Ao tratar destas complexas questões ligadas às políticas de leitura, Yunes
adverte que discutir ética é muito mais importante que a simples adoção de
programas formais, oficiais, porque senão a leitura permaneceria sendo apenas
manipulação de sentidos. Para ela, “a leitura não é panacéia para os males sociais,
mas ajudaria bastante que cada um pudesse e soubesse ler por conta própria, sem
tutelas” (YUNES, 2003, p.20)
Neste contexto, o diário impresso surge como recurso ideal para a
apresentação de temas atuais e urgentes, como a violência urbana, as
desigualdades sociais, os debates ecológicos, o desemprego, os direitos civis, os
avanços tecnológicos, as questões econômicas, a intolerância religiosa, a ética e os
preconceitos morais e sexuais. O imenso potencial que tem o jornal impresso como
instrumento pedagógico ideal no sentido de aproximar a escola, a sala de aula, da
vida real, é reconhecido pelas próprias diretrizes dos Parâmetros Curriculares,
quando citam a necessidade dos professores utilizarem os “textos do mundo”. A
leitura de jornal é uma prática social que deve ser trazida para dentro da sala de
aula, incentivando uma postura que privilegie a inclusão (plural, multicultural,
interdisciplinar) e não a ruptura, de distinguir o que é da vida e o que é da escola,
como se fossem universos separados.
58
Para tanto, serão necessários mestres habilitados a transitar entre as várias
esferas do fazer e do saber de uma maneira transversal, interativa e interdisciplinar.
O professor do novo milênio estará desafiado a trabalhar questões como a
relatividade física, social e cultural do tempo; a delicada equação entre quantidade e
qualidade das informações; ou ainda a aparente contradição que surge com a
valorização do regional num mundo que se globaliza. Ele terá de ser capaz de
trabalhar com os fatos em tempo real, relacionando-os às diversas áreas do saber
em que estiver transitando. Como o faz cotidianamente o jornalista em seu ofício. E,
exatamente neste sentido, o educador e o comunicador estarão cada vez mais
próximos.
2.2 DO FATO À NOTÍCIA
Para começarmos a entender um pouco os meandros da arte, técnica e ofício
da atividade jornalística é preciso, antes de mais nada, situar o contexto em que ela
surgiu e se desenvolveu. Logo, a primeira noção que devemos dominar é a de que o
jornalismo é um produto da cultura de massa, assim entendida como um conjunto de
artefatos e saberes próprios da atividade industrial. É, portanto, a partir do momento
histórico em que surge, consolida e se expande o fazer industrial moderno e toda
sua organização social, geopolítica e econômica, sobretudo, que podemos falar em
imprensa, em jornalismo.
De um modo geral, cultura pode ser entendida como um emaranhado
complexo de símbolos e representações, um fenômeno e processo social de
múltiplas faces e manifestações. A cultura é, numa palavra, plural. Um aspecto
relevante desta questão diz respeito à distinção entre o que seria cultura clássica e
59
popular, situadas a partir do entendimento mais freqüentemente atribuído ao senso
comum em pólos extremos e opostos. A primeira seria própria das elites, dos grupos
que detêm o poder em uma organização social, enquanto a outra diria respeito ao
conjunto que forma a maioria da população. A clássica estaria composta por
referências mais refinadas, sofisticadas, que denotariam maturação intelectual,
enquanto que a popular faria uso de símbolos rústicos e menos elaborados.
Todavia, através da comunicação social, com o desenvolvimento e crescente
sofisticação dos instrumentos de distribuição e difusão de informação, as barreiras
entre as duas acepções culturais foram sendo rompidas e tornando menos nítidas as
distinções entre faixa etária, classes, raças e crenças, formando uma nova cultura, a
cultura de massa. No processo, foram envolvidos novos mecanismos de produção
(industrialismo), nova divisão social do trabalho (ascensão da burguesia) e novo
paradigma intelectual (o liberalismo).
Enquanto a cultura clássica e a popular se valem da produção artesanal,
espontânea, rural, local ou regional, a cultura de massa, por sua vez, instala-se a
partir de um fazer industrial, é urbana, cosmopolita e baseada em relações de
consumo. Além disso, a cultura de massa absorve, recicla e multiplica aspectos
tanto da cultura clássica quanto da popular. A notícia, portanto, deve ser tratada
como uma informação, um fato transformado em relato jornalístico. Mas nem toda e
qualquer informação merecerá ser transformada em notícia. Para tanto, precisará
ser atual, de interesse público ou ganhar relevância social.
A notícia, então, se tornará o relato do fato, que certamente vai estar
impregnado pelos condicionamentos subjetivos do repórter, do editor, do revisor -
enfim, de toda a cadeia que gera o produto jornalístico. Pois um fato torna-se notícia
quando recebe um sentido especial, conferido por e para um determinado segmento
60
de pessoas com afinidade geográfica, política, de classe social, profissional,
histórica, cultural ou econômica. Ou seja, é a que mídia faz do fato, notícia. Os
critérios de noticiabilidade que usa para isso podem ser padronizados,
regulamentados e institucionalizados dentro das redações, mas não chegam a ser
exclusivamente lógicos, pois envolvem questões de mercado, ética, política,
responsabilidade social, cultura, ideologia, estilo, estética e até mesmo da tecnologia
envolvida em sua produção.
Assim, para assegurar um mínimo de objetividade na seleção do que vai estar
no noticiário de amanhã são adotados alguns parâmetros que tentam apreender o
que seria de interesse público, como a atualidade (diziam os mais antigos que jornal
velho só serve para embrulhar peixe), proximidade (um buraco em sua rua costuma
ser mais importante que alguma crise política do outro lado do planeta), raridade
(quanto mais difícil de acontecer ou de se encontrar mais curiosidade desperta) ou
ainda o interesse humano, que com freqüência vem recheado com alguma
rivalidade, conflito e paixão, continuidade, ruptura ou superação. São as tragédias e
romances cotidianos, que sempre costumam chamar nossa atenção, sobretudo
quando envolvem alguma celebridade. Igualmente instigantes são os temas que
envolvem violência, emoção, sexo ou mistério. Por fim, o jornalismo também se vale
das informações de utilidade pública e entretenimento, estabelecendo uma
tendência baseada no tripé informação, serviço e lazer.
No trato com a notícia, o jornalismo busca se valer de alguns princípios gerais
e entre eles destacamos a objetividade (ou seja, tentar relatar os fatos da maneira
como foram observados, com o máximo de impessoalidade possível, contemplando
todas as eventuais versões antagônicas envolvidas), a periodicidade (sem a qual
não se pode falar de jornalismo, ou seja, de uma relação de cumplicidade
61
estabelecida num tempo predeterminado em que o veículo é publicado/exibido e o
leitor/audiência o consome), a segmentação (uma realidade cada vez mais presente
num mercado global de informações cada vez mais rápido e saturado) e a
especialização (que surge e cresce em resposta a tal mercado global por tudo isso
cada vez mais exigente).
2.2.1 O jornal e o jornalista
O jornalismo é exercido por alguns agentes específicos. Um deles é a
chamada mídia, na verdade, os veículos de comunicação social, que devem ser
vistos como organizações empresariais com estrutura e fluxograma definindo
funções, responsabilidades e hierarquias como em qualquer outra empresa do
mercado. Por mais romântica e imbuída de responsabilidade social que sejam, elas
têm fluxo de caixa, folha de pagamento, margem de lucro e todos os demais
mecanismos exigidos pelo exercício contábil das pessoas jurídicas. Suas ações são
regidas por metas e estratégias de marketing estabelecidas pelo presidente,
superintendente e corpo de acionistas, se for o caso.
Nestes veículos, trabalha o jornalista, profissional do qual se espera formação
técnica acadêmica assentada sobre uma larga base humanista e cultural, ponteada
por uma inequívoca vocação e habilidade para pesquisa, mas sobretudo perpassada
por um rigor ético inegociável. Por fim, mas de fato o que realmente importa, o
público, por vezes chamado leitor, ouvinte, telespectador ou internauta, mas sempre
aquele com o poder de fechar as portas das empresas jornalísticas, desempregando
seus profissionais, apenas mudando de canal ou deixando de comprar um jornal ou
revista.
62
É importante lembrar que, entre o fato e o seu relato, ou seja, a notícia,
sempre vão existir filtros determinando o que vai ser publicado, com que destaque e
enfoque. Há dois tipos de filtros. Os internos são aqueles exercidos pela cadeia
produtiva de uma redação, que vai do chefe de reportagem ao repórter, redator,
revisor, editor e até mesmo o dono do jornal. Já os filtros externos são mesmo os
leitores ou espectadores, mas também os anunciantes e suas agências de
publicidade (que podem engordar ou não as receitas com propaganda, estas cada
vez mais onipotentes nas planilhas das empresas da grande mídia), os acionistas da
empresa e o próprio governo, que detém não só a fatia mais gorda das verbas
publicitárias, mas inclusive as concessões públicas de freqüências para rádio e tevê,
além de regulamentar as taxas de importação de papel e tinta para jornal. No
entanto, em última análise, vai ser sempre o público quem, em uma economia de
mercado, vai decidir a sobrevivência ou não de um título periódico, sítio eletrônico,
programa de rádio ou tevê.
2.2.2 O estilo jornalístico
Em geral, a linguagem de que se vale o texto jornalístico é simples, descritiva
e de fácil entendimento, lançando mão – conseqüentemente – de um vocabulário
não muito extenso ou sofisticado. Em razão de seu estilo, adota algumas
características próprias, como a maneira direta de narrar eventos, valendo-se
principalmente de substantivos e verbos que expressam ações diretas, como fazer, ir
e dizer. É também descritiva e, sempre que possível, numérica, buscando quantificar
informações exatas, conferíveis. O texto jornalístico não fala de algumas pessoas a
63
fazer algo, apresenta a quantidade exata ou aproximada delas. As frases, redigidas
quase sempre na terceira pessoa, são preferencialmente curtas, facilitando a leitura.
São, pois, características de estilo desejáveis em um texto que se pretenda
interessante a ponto de prender a atenção do leitor a clareza (objetividade,
simplicidade), síntese (condensar elementos, tornando-os mais intensos, mais
diretos e objetivos), força (impacto, por omissão ou realce, de aspectos combinados
para produzir o efeito desejado, aguçando a curiosidade de maneira emotiva ou
racional), novidade (inédito, original e imprevisto, surpreende e apresenta novos
ângulos e abordagens do já conhecido) e tensão (que cria o clima, mantém o
suspense, atiça a curiosidade e conduz ao clímax).
De acordo com a intenção, uma notícia anuncia (relata, informa, registra,
divulga, documenta), enuncia (narra, orienta, manifesta, esclarece, interpreta),
pronuncia (emite opinião, forma valor) ou denuncia (protesta, reclama, fiscaliza), mas
também diverte, educa ou orienta.
Um conceito importante em jornalismo é a pauta, que determina os assuntos
a serem abordados. A depender de sua origem, ela pode ser interna (ou seja,
produzida pelo chefe de reportagem, editores e repórteres, mas igualmente sugerida
através do rastreamento sistemático de rádios, tevês e informativos on line) ou
externa (provocadas pelas agências de notícia, assessorias de comunicação,
releases, telefonemas, e-mails e cartas do leitor).
Quanto à definição de gênero jornalístico, podemos classificar um texto como
informativo - quando tem tão somente a intenção de informar, através de uma nota
ou notícia mais elaborada, uma entrevista ou perfil de personalidade – ou ainda
opinativo - através do qual é transmitida opinião do veículo (editorial), dos seus
64
profissionais ou colaboradores (colunas, artigos, crônicas e resenhas) e do público
de uma maneira geral (cartas à redação).
2.2.3 A reportagem e os esquemas narrativos
Contudo, podemos falar ainda de um terceiro gênero, o interpretativo, que
engloba as grandes reportagens, geralmente assinadas pelo seu autor, reunindo
informação ampliada e aprofundada sobre determinado tema, por vezes utilizando
uma abordagem explicativa, investigativa ou de questionamento e denúncia. De um
modo geral, podemos dizer que a informação jornalística é notícia quando trata da
cobertura de um fato ou uma série de fatos e é reportagem quando levanta e
aprofunda um assunto. Uma reportagem jornalística pode ser dissertativa (quando
expõe, explica ou interpreta idéias), narrativa (expressa mudança, movimento,
conflito, evolução) ou descritiva (descreve um momento, uma situação, um
panorama, um local).
Quanto ao estilo, pode ser objetiva, direta, ou ainda subjetiva, comentada.
Neste sentido, como tem na literatura o seu próprio berço, não é de admirar que o
jornalismo se aproprie de alguns termos de sua narrativa no momento de definir
gêneros como a reportagem-conto (que envolve fatos reais, narrados diretamente ou
através de testemunhos e podem ser narrativas, factuais, de ação ou documental,
mas sempre têm personagens e apresenta conflitos), a reportagem-crônica (que
descreve circunstâncias, ambientes e situações; traz narrativa opinativa, de crítica
social, comportamento, cultural etc, mas não precisa envolver fatos reais, e sim
desejos, aspirações) e o livro-reportagem (que deve envolver extenso e cuidadoso
trabalho de pesquisa).
65
De todo modo, tanto nas notícias quanto para as reportagens, o jornalista
lança mão de alguns esquemas narrativos, que são tradicionalmente descritos como
a pirâmide invertida (os fatos são reportados por ordem de importância, primeiro os
considerados mais relevantes, essenciais ao entendimento da notícia, seguindo-se
os detalhes ou complementos), os blocos informativos (a seqüência de informações
é apresentada em blocos, divididos por intertítulos, capítulos, boxes, matérias
pequenas ou ainda links no material on line), cronológico (os fatos são apresentados
por ordem de acontecimento, na seqüência em que ocorreram) ou dialético
(utilizando um esquema argumentativo que apresenta uma tese e sua antítese, em
busca de uma síntese).
Os modelos narrativos são o factual (que possui relato objetivo, direto) ou
pessoal (tem estilo, inclui movimento e narrativa humanizada, onde o repórter
participa, busca identificação com o público e às vezes envolve personagens).
O tipo de narrativa mais comum, a pirâmide invertida, tem como objetivo
tornar mais rápida a leitura da notícia, que pode mesmo ser resumida aos primeiros
parágrafos sem perder seu valor informativo, porque ali já estariam concentrados os
fatos mais importantes da narrativa.
Tal disposição facilita o trabalho de edição, quando é preciso inserir o texto
escrito no espaço gráfico disponibilizado pela diagramação. Basta cortar as últimas
linhas, tantas quantas forem necessárias, perdendo-se apenas informações
complementares referentes ao contexto, o histórico, repercussão ou conseqüências
do fato.
66
2.2.4 A força de uma manchete
Um título guarda em si o desafio de chamar a atenção do leitor, de trazê-lo
para a leitura da matéria, antecipando e resumindo o aspecto que o jornal considera
mais importante ou interessante. De acordo com seu tamanho (em termos técnicos,
o corpo da letra) e posição, denota o destaque a ele conferido na edição. De
qualquer modo, deve ser atraente, original, preciso e capaz de resumir
adequadamente a informação ou o fato a ser narrado.
Para produzir uma boa manchete, que nada mais é que o título colocado em
destaque maior na página, o redator deve se valer de sua capacidade de síntese e,
sempre que possível, usar termos em ordem direta (sujeito, verbo e complemento),
algumas vezes até mesmo suprimindo artigos. É recomendável, ainda, que prefira os
substantivos aos adjetivos, que são muito perigosos em jornalismo, já que sugerem
valor, levantam suposições.
Os verbos, por sua vez, devem estar no presente, ajudando a conferir
atualidade ao título. Questão que requer bastante cuidado é o emprego das
manchetes sem verbo, que raramente logram soar adeqüadas à linguagem dos
periódicos. Um destes casos é quando o assunto é já de domínio público, foi
bastante explorado pela mídia em geral e pode ser reconhecido com facilidade,
contando com o auxílio de uma foto ou subtítulo, por exemplo.
Uma frase de efeito, genérica porém criativa e pertinente ao tema, então, tem
o mérito de enriquecer a reportagem. Em outras situações, no entanto, a falta de um
verbo pode complicar o entendimento.
67
O lugar onde o título vai ser colocado também influencia em seu estilo.
Acompanhando as chamadas de primeira página devem ser provocativos,
instigantes, enquanto que nas páginas internas tendem a assumir uma característica
mais informativa, explicativa ou interpretativa. De qualquer forma, vai incluir quase
sempre as informações básicas sobre o que ocorreu a quem, elementos que podem
ser considerados obrigatórios ao texto.
Já os complementos do tipo quando, onde, como e por que são geralmente
opcionais e devem ser usados apenas quando relevantes, interessantes ou
considerados curiosos, inusitados, justificando assim sua inclusão no título.
Outros itens auxiliam na diagramação característica das páginas de um jornal,
a exemplo do subtítulo, uma frase em destaque, colocada logo abaixo do título (ou
acima, a depender do estilo de cada veículo) com a intenção de complementar a
informação, adicionando mais alguns outros dados sobre a notícia. Em geral,
resume-se a uma única frase, duas no máximo.
Há, também, o olho, que oferece informações complementares colocadas
logo após a manchete, um pouco mais extenso que o subtítulo. Pode ser usado
igualmente para destacar frases ou depoimentos interessantes no corpo de uma
matéria ou entrevista.
Por fim, vale a pena citar o intertítulo, artifício que utiliza geralmente uma
única palavra em destaque para intercalar textos muito longos, com o objetivo de
facilitar a leitura, tornando-a mais leve.
68
2.2.5 Lead, entrevista e suíte
Como na literatura, saber abrir um texto, iniciar a narrativa, é fundamental
para prender a atenção do leitor e seduzi-lo em direção ao fecho da história. A
técnica jornalística, contudo, impõe que tal desafio seja enfrentado respeitando-se
os ditames do lead (conforme foi inicialmente incorporado a partir do vocabulário
inglês), que nada mais é que a abertura de uma notícia. É portanto, a parte mais
importante da notícia e deve ser provocativo, incisivo, mas claro, direto e simples o
bastante para que qualquer pessoa possa compreendê-lo. Lembram os manuais de
jornalismo que ele deve ser original, pois tem a missão de atrair e prender a atenção
do leitor, mas não pode deixar de ser adequado e indicar desde já a abordagem
pretendida pelo texto.
O lead clássico tem o objetivo de responder a algumas perguntas que
resumem a notícia. São elas, quem fez o que, quando, onde e por que. Se for
possível e necessário, pode-se acrescentar um como à lista, contanto que em suas
linhas ou parágrafos iniciais a notícia forneça toda a ação de forma resumida,
ressaltando o fato principal, ou seja o aspecto mais relevante, interessante,
significativo, atual ou fora do comum daquilo que se está narrando. Do jornalista, se
espera sensibilidade e técnica suficientes para distinguir em que situação deverá
abrir sua matéria com o que (em geral, é o que acontece com maior freqüência),
quem (o que vai depender da biografia, da autoridade ou tipo de atividade, da
quantidade ou do que a pessoa é ou representa para a situação narrada), quando (a
ocasião em que um acontecimento ocorre raramente merece ser o destaque do
texto, exceto em situações em que o inusitado justifica o interesse), onde (vale o
mesmo que para o quando) ou por que (deve ser usado quando a resposta a esta
indagação é o fato principal a ser esclarecido pela notícia). A justificativa para o
69
como é semelhante à do por que. Se, ao inserir as respostas mais importantes,
percebemos que o parágrafo ficou muito grande, as outras devem ir para um sub-
lead, em parágrafo subseqüente (até mais de um, se necessário) e sem intertítulo.
Com relação ao estilo, o lead pode ser resumido (quando bastante objetivo,
resumindo a informação que se quer transmitir em poucas linhas), circunstancial
(relativo tanto a acontecimentos inesperados quanto a fatos que dão
prosseguimento a eventos anteriores), original (o que vai dependes do fato
abordado, mas principalmente da criatividade e competência do jornalista ao narrá-
lo), interrogativo (quando provoca curiosidade, apresenta interrogações e questiona
determinado assunto), literário (o repórter usa recursos ficcionais de narrativa,
técnica e linguagem), numérico (cobre fatos e eventos ligados a números,
percentagens, estatísticas etc) e envolvente (tenta falar diretamente ao leitor,
simulando intimidade).
Em todo caso, mas sobretudo para ser original, literário ou envolvente, é
preciso bastante competência, senão o resultado pode sair desastroso. Ao tentar
produzir aberturas criativas e que chamem a atenção do leitor, o jornalista também
pode usar alguns artifícios de linguagem, como o impacto (usando frases fortes,
diretas, fazendo uma denuncia – quando então apela à emoção), a descrição (a
linguagem é fotográfica, cinematográfica – apelando à visão), a citação (que tem a
forma de uma declaração, sempre aspeada, um depoimento ou frase de efeito,
apelando à audição), a comparação ou contraste (que busca semelhanças ou
diferenças entre situações ou propõe uma suposição, apelando à imaginação), o uso
de personagens (quando o texto conta uma história, mostra exemplos ou traça perfil
e, assim, apela ao pessoal), o clichê (envolve o uso de frases feitas, fórmulas e
bordões, que apelam ao saber popular) e o trocadilho (que faz uso dos paradoxos,
70
contradições e anedotas, apelando ao humor e à curiosidade). Mais uma vez, ao
usar tais elementos, é preciso critérios, sob o risco de produzir um texto pobre, de
mal gosto ou inadequado.
Há, ainda, um formato bastante utilizado pelos veículos de comunicação, a
entrevista, que deve ser empregada quando a figura do entrevistado, mais que o fato
ou circunstância a ela ligados, justifique o destaque do seu depoimento. Quando não
está inserida no corpo de uma notícia ou reportagem, como mera referência,
explicação ou depoimento casual sobre o tema ou acontecimento abordado, mas é
ela própria a razão de ser da matéria, então a entrevista se justifica a partir da
própria pessoa ouvida. O que se dá, evidentemente, em razão de sua importância,
celebridade, autoridade ou peculiaridade (nestes casos, alguém que – famoso ou
não – fez, faz ou fará algo curioso, extraordinário, interessante, relevante). Em
termos de narrativa, as opiniões do entrevistado podem ser relatadas de forma
descritiva no decorrer da entrevista ou assumirem a forma de perguntas e respostas,
grafadas da maneira exata como foram produzidas, quando então são chamadas de
pingue-pongue. Nos casos em que o texto (ou a narrativa, nos casos do rádio, tevê
ou cinema) não diz respeito ao que a pessoa fez, pensa ou relata, mas sim ao que
ela é, à história da sua vida ou obra, trata-se de um perfil, que inclusive pode
estender-se a pessoas já falecidas, como em qualquer biografia.
Outro termo comum em jornalismo é a suíte, que define o texto que dá
seqüência a uma matéria anterior, desdobrando e atualizando o assunto. Pode ser
de autoria do mesmo repórter ou editoria que gerou a notícia original, mas pode
também abordar novos ângulos, com tratamento diferenciado, por parte de outras
editorias ou veículos diferentes, inclusive. Em geral, costuma-se acrescentar um
71
resumo, histórico ou ao menos referência ao fato original, a fim de esclarecer a
quem toma conhecimento do assunto pela primeira vez.
Por fim, vale lembrar que todo o material jornalístico impresso possui
elementos textuais, mas também gráficos (as fotos, ilustrações, diagramas ou
infográficos), ao tempo em que os portais informativos da internet já nos contemplem
com uma nova e ainda pouco estudada possibilidade, que são os hiperlinks,
capazes de nos remeter a toda uma nova gama de material ilustrativo e de
informações complementares à palavra escrita. Em geral, a diagramação de um
periódico impresso tem a finalidade de compor um conjunto harmônico e agradável
entre os elementos de texto, fotografia e ilustrações. A maneira como estes recursos
são utilizados deve observar os objetivos primordiais de atrair a atenção e facilitar a
leitura. Para tanto, usa os destaques nos títulos, as fotos coloridas e abertas, fios,
boxes, mapas, tabelas, desenhos e infográficos, um recurso poderoso, que alia com
criatividade elementos textuais, gráficos e ilustrativos. As possibilidades são
inúmeras. Segundo Nilson Laje (2000, p.7), “se uma imagem pode conter informação
que não cabe em mil palavras, uma palavra pode resumir o conhecimento de mil
imagens”.
2.2.6 A imprensa no Brasil
O nascimento da atividade jornalística no Brasil está relacionando às
circunstâncias que levaram a um movimento a favor da independência de Portugal,
iniciativa que recebeu apoio de uma parte significativa da elite brasileira, mas
também do próprio povo, em menor escala. A partir deste momento histórico, foram
finalmente criadas as condições para o desenvolvimento da escrita e da leitura como
72
práticas sociais valorizadas e reconhecidas na colônia. Um sentimento de
modernização política e cultural influenciado pela revolução francesa seria
combustível para o nacionalismo, que encontraria terreno fértil justamente na
imprensa, veículo fundamental na pavimentação dos caminhos institucionais que
levariam à liberdade almejada.
Mas seria por meio da iniciativa oficial que a imprensa surgiria no Brasil, em
31 de maio de 1808, com assinatura de carta régia pelo príncipe regente Dom João.
Para escapar da invasão francesa, ele foi obrigado a transferir para o Rio de Janeiro
a administração real e, como precisava de uma estrutura mínima para publicar seus
atos e proclamações, permitiu o uso de prelos no território da colônia. De acordo
com Nelson Werneck Sodré (1977, p.22), o ato real deu início à Impressão Régia,
instituição responsável exclusivamente pela produção de toda a legislação e papéis
diplomáticos a serviço da corte. Este, portanto, pode ser considerado o marco tardio
do início da imprensa no Brasil Colônia. A primeira edição da Gazeta do Rio de
Janeiro, veículo impresso oficial, saiu das oficinas instaladas na Rua dos Barbonos,
no Rio de Janeiro, no dia 10 de setembro de 1808. “Era um pobre papel impresso,
preocupado quase que tão somente com o que se passava na Europa, de quatro
páginas” (SODRÉ, 1977, p.23). O governo português manteve o monopólio sobre a
atividade gráfica na colônia, onde a abertura de prelos ilegais foi combatida com
vigor. Marisa Lajolo (1999, p.125) lembra que "fora da sede da Corte, apenas a
Bahia pôde contar com uma tipografia, propriedade de Manuel Antônio da Silva
Serva, que fundou sua oficina em 1811". Tal situação perduraria até 1821, quando
uma Constituição negociada a partir da Revolução do Porto aboliu a censura e
permitiu o funcionamento de outros prelos.
73
Todavia, a imprensa independente do poder real e com opinião própria,
nacionalista, era feita no início do século XIX apenas por intermédio do Correio
Braziliense, editado e impresso na Inglaterra por Hipólito José da Costa, a partir de
1º de junho de 1808, ou seja, três meses antes da Gazeta do Rio de Janeiro.
Editado no exterior e geralmente contrabandeado para o Brasil, o jornal tinha um
caráter eminentemente doutrinário e muito pouco noticioso, abordando as grandes
questões nacionais sempre a partir de uma perspectiva européia.
A propósito de uma possível função formativa da imprensa no fim do período
colonial, enquanto instrumento de universalização do pensamento burguês em sua
fase liberal, pesquisa de Marcília Rosa Periotto (2004, pp.61-83) avalia a estreita
vinculação que teria mantido o Correio Braziliense, entre os anos de 1808 e 1822,
com o processo de independência e afirmação da idéia de nação. Ela lembra que, a
partir do momento em que Dom João VI permitiu a instalação da imprensa em
território do Brasil, dezenas de periódicos foram surgindo, sempre com o objetivo
claro de participar do jogo político que se desenrolava. Não tinham estes jornais o
objetivo de noticiar, mas sim de produzir e reverberar acontecimentos, de inflamar o
debate político não apenas a partir de uma visão partidária, mas de difusão de
ideais.
Ao tempo em que a ordem burguesa se consolidava na Europa, crescia nas
colônias o anseio por liberdade, noção identificada com os princípios de igualdade,
progresso e identidade nacional. Na carta de princípios publicada em seus primeiros
números, o Correio Braziliense comprometia-se em preparar o povo para o regime
liberal que se inaugurava, destacando que era a educação alavanca principal desta
transformação social. Ideário que batia de frente com o papel absolutista
representado pela coroa portuguesa.
74
Fundamentado na lógica positiva e racionalista da modernidade, o jornal de
Hipólito da Costa passou a defender questões como o fim da escravidão, embora
sem deixar de considerar as implicações de ordem econômica que isto representaria
para a colônia, pugnando então pela necessidade de estabelecer um pacto de
reordenamento do poder nacional. Ou seja, queria a reforma das instituições, mas
sem a participação popular. Não clamava o fim da monarquia, mas do absolutismo, a
partir da adoção de uma forma representativa de governo, a exemplo do que
ocorrera na Inglaterra. Portanto, o fim do trabalho escravo deveria gradualmente
levar à inserção de novos processos e agentes produtivo, capazes de gerar
progresso social e econômico.
Ao longo desta trajetória editorial, o Correio Braziliense reforçava sua vocação
pedagógica, inclusive traduzindo e publicando em capítulos as obras dos
pensadores liberais que iam se destacando no Velho Continente ou ainda as
cotações dos produtos agrícolas que exportávamos, as taxas cambiais e outros
informes econômicos. Teria sido educativo, portanto, o principal papel histórico deste
veículo impresso, a exemplo do que ocorria em maior ou menor grau com grande
parte da imprensa no século XIX.
Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1999) advertem, por sua vez, que além de
muito defasada em relação à Europa, a atividade tipográfica não chegou ao Brasil
acompanhada pela necessária e correlata difusão dos produtos impressos, a
exemplo não só dos jornais, mas também dos livros e de toda a gama de instituições
que existe em razão deles, entre escolas, bibliotecas, livrarias e editoras. A situação
não melhoraria muito para o ambiente da cultura escrita até os anos de 1820, com a
abolição da censura prévia, mas principalmente em 1821, quando acabou o
monopólio estatal da imprensa. “Por essa época, multiplicam-se as tipografias e os
75
livreiros, muito embora nos pontos de venda os livros continuem disputando espaço
com outras mercadorias” (LAJOLO, 2002, p.117). Obrigada a sobreviver a partir das
regras do mercado, a imprensa nacional claudicou a mercê do conhecido - e ainda
atual - problema da falta de leitores que justifiquem um investimento maior na
atividade.
2.2.7 Lógica de mercado
Uma das queixas mais recorrentes contra a orientação neoliberal toma corpo
nas culturas ocidentais desde a década de 1980 é a prioridade quase absoluta
concedida ao capital sobre o trabalho. Toda a lógica do mercado passa a operar em
benefício das aspirações de eficiência e produtividade a custos cada vez mais
reduzidos, o que seria válido e aplicável para todas as áreas de interesse e
atividades humanas. Como resultado visível, além e apesar dos gráficos coloridos e
planilhas de resultados magnificamente administrados pelos novos condutores dos
negócios mundiais, encorpa-se uma concentração de renda brutal e em escala
mundial. Ou seja, há progressivamente menos ricos muitíssimos ricos contra pobres
cada vez mais miseráveis não somente entre as distintas classes sociais mas
igualmente no plano das nações, na chamada teia inevitável das relações
internacionais, mundialização ou globalização, como queiram.
Como conseqüência direta e imediata, um número crescente de pessoas que
vivem apenas para trabalhar, a fim de manter o (baixo) poder aquisitivo, que lhe
concede a sobrevivência mas sequer aponta para a possibilidade de
desenvolvimento intelectual ou cultural. Ou seja, é cronicamente desinformada, com
pouco ou nenhum tempo disponível para pensar ou discutir seus problemas, enfim,
76
para exercer sua cidadania. O mais grave é que este perfil não descreve apenas
uma eventual parcela rude de trabalhadores braçais, mas cabe como luva entre
segmentos profissionais como professores ou jornalistas. Porque as escolas e os
veículos de comunicação estão igualmente imersos nesta lógica neoliberal, tentando
sobreviver sujeitos às mesmas regras de mercado que tudo regulam.
Neste ambiente, tanto a mídia quanto a própria indústria cultural encontram
presas fáceis que acreditam cegamente em tudo que lhes é mostrado e dito como
sendo verdade. O real passa a ser aquilo que é focalizado pelos órgãos de imprensa
e entretenimento. A este propósito, lembra oportunamente Laurício Neumann (1991,
p.27) que “quando, por exemplo, os noticiários não tocam mais num determinado
fato ele deixa de ser realidade para a população". Os fatos seguirão acontecendo
cotidianamente, mas nem todos eles serão transformados em acontecimento, em
notícia, pois estes serão os que ganharão sentido especial conferido por e para um
determinado segmento de pessoas, de classe social ou de grupo que mantenha
alguma relação de afinidade geográfica, política, histórica, cultural ou econômica.
É a mídia, o jornal, que torna o fato notícia. Os critérios que usa para isso,
todavia, não se baseiam exclusivamente em argumentos lógicos, sendo permeados
por questões de estilo ou mesmo políticas, do interesse do mercado ou de
anunciantes. Tal potencial para a manipulação editorial da informação, bem como da
apresentação de visões parciais e/ou distorcidas de realidades distintas do ponto de
vista de quem escreve e de quem as lê, deve ser considerado ao avaliarmos o
potencial do periódico impresso como instrumento de apoio pedagógico.
Sabemos que a leitura crítica de determinado fato tem a capacidade de expor
seus mecanismos e, por conseqüência, apontar as contradições ideológicas das
traduções mais simplistas da realidade. E a imprensa escrita, enquanto veículo
77
primordial do chamado universo midiático, pode ocupar lugar de destaque no
aperfeiçoamento da formação profissional e intelectual do indivíduo. Neste sentido,
Brandão (1995, p.82) defende que "tudo o que tem o poder de alterar a qualidade da
consciência e do trabalho, tem o poder de participar de sua práxis e de ser parte
dela".
Assim sendo, o exercício da leitura crítica e interpretativa cresce em
importância numa sociedade em que os meios de comunicação social exercem uma
influência tão significativa no sentido de pasteurizar e massificar a informação,
tornando-a fácil, digerível, superficial. Negando-a o necessário esforço de
concentração e de reflexão. Afastando-a dos procedimentos lógicos de análise,
síntese, interpretação e juízo crítico. Ao considerar o papel privilegiado que
desempenham os veículos de comunicação na organização política e econômica da
sociedade moderna, Daniel Herz (1985, p.82) afirma que eles "não cumprem um
simples papel ideológico na constituição da hegemonia burguesa, mas exercem uma
função organizadora e constitutiva das relações políticas e mercantis da sociedade
brasileira”.
No Brasil, diferentemente do que ocorre com o rádio e a televisão, o jornal
impresso não é uma concessão estatal e, portanto, não necessita de permissão
especial, provisória e renovada periodicamente. A impressão de um jornal é
amparada pelos preceitos constitucionais de liberdade de expressão e, por não
depender de concessão estatal, pode ser feita a princípio por quem puder bancar os
seus custos. Assim, podemos (ou deveríamos) encontrar uma gama bem mais
variada de veículos de comunicação impressos, entre periódicos destinados aos
mais variados segmentos de uma sociedade plural como a nossa. É claro, os baixos
78
índices de leitura e as limitações do próprio mercado de consumo vão naturalmente
impor as regras de sobrevivência na selva multimídia.
Os jornais segmentados representam outro aspecto da mesma questão. Eles
atendem aos interesses de um bairro ou uma etnia específica (que, na verdade,
valem-se das mesmas regras editoriais e mercadológicas da chamada grande
imprensa, apenas com endereço mais específico). Há, também, os house organs
(que cuidam do relacionamento interno de empresas e instituições) e os veículos
comunitários e sindicais (que fazem a defesa dos interesses e da política do grupo
ao qual pretendem representar).
Neste sentido é que tratar das diversas maneiras em que pode ser baseado o
relacionamento entre imprensa e educação é tão difícil quanto avaliar o que seria um
possível jornal educativo. Se, por um lado, podemos falar de um periódico feito para
alunos e/ou professores, questionamos também se o seu conteúdo deveria ser
produzido por educadores em forma de artigos e estudos ou bastaria registrar
novidades e abordar questões ligadas à área. Seria, então, mais uma publicação
científica ou acabaria sucumbindo aos ditames de mercado, da cultura de massa?
São questões distintas e complexas, mas que apontam para o mesmo princípio que
faz com que um jornal - mesmo da grande imprensa - sinta-se comprometido em sua
vocação pedagógica e busque ser participativo sem necessariamente render-se às
demandas de mercado, criando alternativas que envolvam a comunidade acadêmica
no exercício de fazer o jornal.
Todavia, é preciso lembrar que o objetivo desta dissertação é apurar junto aos
educadores que participam de um programa de jornal na educação a sua eficácia
enquanto instrumento de estímulo à leitura e o desenvolvimento de cidadania. Os
pesquisadores envolvidos com o tema enfatizam que jornal não é livro didático e,
79
portanto, antes de ser introduzido em sala de aula requer professores preparados a
trabalhar com este novo e versátil instrumento de auxílio pedagógico. Será preciso
que eles compreendam a efetiva dimensão do jornal enquanto veículo processador e
divulgador de informação. Somente assim serão capazes de estabelecer estratégias
adequadas no sentido de despertar nos alunos o interesse pela leitura do periódico.
A inserção de artigos, reportagens ou outros textos extraídos de jornais junto às
apostilas ou nos livros didáticos pode ajudar muito nas estratégias didáticas de
incentivo à leitura, principalmente se forem levadas em consideração e plenamente
utilizadas as peculiaridades específicas da linguagem jornalística e sua
extraordinária capacidade de contextualização.
2.3 O JORNAL EM SALA DE AULA
Ao usar o jornal como material de apoio didático, o professor estará
aproximando a escola do mundo que a cerca. Apenas em praticar o manuseio típico
de um leitor de jornal, o aluno está aprendendo a fazer escolhas críticas em relação
ao que quer e quando quer ler. Ele elege a reportagem, seção ou coluna que mais
desperta seu interesse naquele momento. E esta seleção, em si, já implica em
posicionamento crítico, participativo, denotando liberdade democrática de escolha.
Além disso, o livro didático não mantém a instantaneidade da notícia de um jornal,
pois ele não é publicado no dia seguinte ao fato.
É igualmente importante atentar para a questão do aprender a ler em jornal,
no sentido de habilitar-se a distinguir a representação do fato (a notícia) e o fato em
si. Pois o chamado estilo jornalístico conferiria “naturalmente” ao texto o sentido de
veracidade, da objetividade e atualidade tão buscadas por todos os veículos de
80
comunicação. Mas ele pode – e com que freqüência o faz – incorrer em erros,
imprecisões e deturpações, intencionais ou não, embora o leitor pareça estar sempre
disposto a aceitar que o seu jornal predileto seja atual e verdadeiro. Com relação a
este aspecto, vale ressaltar que o jornal também inclui em suas páginas opiniões e
juízos de valor sobre os mais variados assuntos, ainda que não explicite isso aos
leitores. Considerando que um dos maiores atrativos do veículo impresso como
recurso pedagógico está em sua linguagem jornalística, dinâmica e sempre atual,
um desafio para professores e pesquisadores interessados no tema é passar a
definir, analisar, trabalhar e ampliar este conceito com seus alunos.
Ao propor o que define como pedagogia da informação, Maria Alice Faria
(1999, p.13) esclarece que um dos seus objetivos primordiais seria “ensinar o aluno
a se situar no caos desse excesso de informação” do mundo contemporâneo, que
seria em parte determinado pelo ritmo de produção dos grandes veículos de
comunicação social. Neste sentido, o aluno deve ser conduzido a identificar,
selecionar, organizar, combinar, classificar e ordenar as informações, enquanto o
jornal levaria ao desenvolvimento dos processos mentais de indução e dedução,
construção de hipóteses, codificação e esquematização, conceituação e
memorização.
Em sala de aula, o jornal ajuda no desenvolvimento dos processos de
aprendizagem ao exercitar as capacidades de atenção, observação, síntese,
associação, comparação e análise, aprimorando o poder de argumentação e
estimulando o gosto pela pesquisa. Antes de tornar-se crítico, ele deve aprender a
interpretar a realidade em que vive. Outras meta colocada aos programas deste tipo
é incentivar o trabalho coletivo, superando as posturas excessivamente
81
individualistas insinuadas por um sistema de ensino competitivo e voltado quase que
exclusivamente para o sucesso no funil do vestibular.
Entre as características específicas que podem ser apontadas na
identificação do jornal como excelente ferramenta pedagógica estão o seu conteúdo
diversificado e atualizado, sua natureza transdisciplinar e linguagem concisa (e
portanto acessível) e direta (informativa e factual, o que incentiva a formulação de
análises críticas da realidade), assim como a sua característica de documento, de
registro histórico dos principais fatos de relevância social, nacionais e internacionais
(e alguns outros nem tão importantes assim, do ponto de vista da coletividade).
Neste sentido, Faria (1999, p.11), afirma que os jornais são “mediadores entre a
escola e o mundo”. Não apenas enquanto fonte primária de informações, mas
responsável por apresentar temáticas variadas e até mesmo controversas,
contraditórias e conflitantes entre si, o que leva seus leitores a estabelecer contato
com distintas posturas ideológicas frente a um fato, estimulando atitudes mais
críticas diante do mundo, além de facilitar o reconhecimento da pluralidade de
pontos de vista, que é a base de uma sociedade democrática.
Na esteira deste raciocínio, Sílvia Costa (1997, p.13) lembra que "antes, se
dizia que a escola preparava o aluno para a vida futura. O jornal na educação
possibilita à criança e ao jovem viver e participar do momento presente". A leitura do
noticiário costuma despertar um sentimento de pertencimento à sociedade
contemporânea, do cidadão ao seu tempo, ao que acontece à sua volta. O jornal
aumenta a cultura geral e aprimora as qualidades intelectuais do aluno. Serve de
ponte entre o currículo escolar teórico e a realidade prática, entre professores e
alunos, pais e filhos. A natureza interdisciplinar do produto jornalístico é fator de
atração para o estudante, na medida em que oferece conteúdo renovado com uma
82
dinâmica que os livros escolares – ou mesmo os de divulgação científica e os
literários – não conseguem acompanhar, pois os veículos de comunicação não
precisam seguir o ritmo ou a lógica impostos pela estrutura e rotina acadêmicas. O
periódico impresso, desta forma, está apto a trabalhar com aspectos educativos nem
sempre contemplados pela prática escolar. Entre eles, podemos citar as relações
interpessoais, inclusive afetivas, a formação da auto-imagem, educação sexual,
noções de cidadania e orientação vocacional.
O jornal também é um poderoso instrumento auxiliar na tomada de decisões,
pois várias são as notícias do dia que vão afetar direta e imediatamente a vida de
cada um, desde uma greve nos transportes públicos ao decreto de aumento de
impostos ou o anúncio de um esquema especial de vacinação coletiva. Para alunos
da rede pública, sobretudo, matérias sobre a merenda escolar, o vestibular ou a
reforma do ensino serão certamente familiares. Como é um formador de opinião por
excelência, conduz seus leitores ao debate e à prática da discussão crítica e da
troca de idéias opostas. A leitura de jornal enriquece o vocabulário, amplia a
compreensão de textos e reforça a capacidade de retenção de conhecimento, alarga
a visão pessoal de mundo e estimula o interesse por temas atuais e assuntos locais,
regionais ou globais. Traz, portanto, o pensamento nacional para a escola e provoca
os alunos para questões próximas a eles, pois dizem respeito direta ou
indiretamente às suas vidas, demandando posicionamento crítico, o que colabora
para a formação cidadã. A competência em leitura é requisito imprescindível à
consolidação da plena cidadania.
A propósito, acrescenta Costa (1997, p.16) que, “com a utilização do jornal, o
foco se desloca do contexto curricular abstrato para a realidade palpável, nos seus
múltiplos aspectos sociais, políticos, econômicos, ambientais etc”. Com o jornal, o
83
professor consegue mais facilmente ultrapassar a exposição de conteúdos
curriculares, passando a vinculá-los à vida real, ou seja, vai da teoria à prática
deslindando o contexto. Novos temas podem ser aprofundados em sala de aula,
como de sexo e afetividade às relações internacionais, da política à economia, do
esporte à ecologia. Os alunos têm, então, a oportunidade de irem descobrindo
progressivamente como o mundo está organizado, de que forma ele funciona e - o
mais importante - qual a melhor forma de agir nesta realidade que o cerca.
O veículo também faz uso de recursos para facilitar o entendimento do texto
impresso, como as manchetes, as fotos, legendas, infográficos, mapas, tabelas etc.
Todos estes elementos completam e facilitam o processo de leitura, tornando-o mais
atraente, pois a leitura do jornal deve ser ágil, dinâmica e seletiva, sem cair na
pasteurização que levaria à diluição dos conteúdos informados. Na medida em que
conhece melhor a estrutura de um jornal, familiarizando-se com o seu modo de
transmitir a informação, o futuro leitor passa a identificar mais rapidamente as
referências que despertam seu interesse na leitura, tornando-a mais efetiva; mais
prazerosa, até. O leitor habitual de jornal, quando o lê, avalia automaticamente a
diagramação das páginas, as ilustrações e elementos gráficos apresentados, os
diversos sinais (símbolos, siglas, logomarcas etc) e os textos em suas diferentes
formas e conteúdos (notícias, reportagens, artigos, editoriais, publicidade etc). Faz
isso em busca das notícias que mais lhe interessam, podendo até desprezar e
ignorar outras completamente. Ou seja, ele edita sua leitura, faz escolhas e
incorpora uma postura crítica e ativa diante do conteúdo informativo colocado à sua
frente.
Finalmente, o jornal impresso também pode ser um instrumento eficiente no
aprimoramento da oralidade, ao oferecer subsídios úteis para a análise, debate e
84
expressão de opinião sobre os mais variados temas da atualidade. Como advoga
Lajolo (2003 p.6), “sem competência de leitura, certos graus de cidadania são hoje
inatingíveis. Cidadania supõe acesso à informação, a diferentes pontos de vista, a
formulações de ponta da ciência, das artes, da filosofia”.
2.3.1 Os programas de jornal na educação
Registros de utilização de periódicos impressos na educação têm sido
colhidos praticamente desde que os processos industriais de produção de notícias
começaram a se consolidar nas nações modernas, mas todos ainda de maneira
desarticulada, sem uma estrutura mais formal. Foi o norte-americano The New York
Times quem formalizou, no ano de 1932, o seu programa pioneiro de jornal na
educação, hoje apontado como um marco deste tipo de iniciativa, que envolve
principalmente a distribuição sistemática de sua edição nas escolas. De acordo com
levantamento feito pelo suplemento educacional do jornal Folha de S. Paulo8,
existem nos Estados Unidos cerca de 800 programas do gênero em atividade. Em
países como a Suécia, Dinamarca e Noruega, todos os jornais da grande imprensa
mantêm programas deste tipo.
Em várias partes do mundo surgiram entidades e organizações dedicadas a
estimular e coordenar este tipo de programa, a exemplo do Centro de Ligação do
Ensino e dos Meios de Informação (CLEMI), na França, e do Newspaper in
Education (NIE), nos Estados Unidos. No Brasil, a principal organização empenhada
nesta tarefa é a Associação Nacional de Jornais (ANJ), segundo a qual eram
publicados em território nacional, até o ano passado, 3.004 periódicos, dos quais
8 Folha Educação, edição 21, maio/junho de 2003, p.8
85
532 de circulação diária 9. A média registrada em 2004 foi de 6.522 exemplares ao
dia. Os programas de jornal na educação registrados na entidade somavam 48, a
maior parte concentrada na região sudeste, sobretudo no Estado de São Paulo.
Todavia, o primeiro a implantar formalmente a iniciativa no Brasil foi o gaúcho Zero
Hora, no ano de 1980.
Um típico programa de jornal na escola geralmente envolve, além da mera
distribuição de exemplares e de encalhes (os jornais não vendidos, que são
recolhidos junto às bancas de revistas), a produção de material de apoio, a criação
de hemerotecas, a publicação de edições especiais dedicadas à educação e o
treinamento de professores e demais profissionais afins para o desenvolvimento das
práticas pedagógicas de uso do impresso nas salas de aula. As ações propostas
para a sua implementação começam pela entrega regular de jornais às escolas (o
que é feito mediante a cessão de assinaturas e a remessa semanal ou mensal de
encalhes, além de acesso liberado às edições on line, se for o caso, aos
estabelecimentos da rede pública), mas incluem também várias outras atividades.
Dentre as mais comuns, podemos citar a realização de encontros, seminários
e palestras com profissionais das áreas de educação e comunicação social sobre
temas ligados à cidadania, ética, pluralidade cultural, saúde, meio ambiente,
sexualidade etc. Também podem ser realizadas oficinas com alunos e professores
para mostrar a estrutura e funcionamento de um jornal diário, com visitas à redação
e oficinas gráficas. É importante destacar que os exemplares devem ser
encaminhados às escolas de forma integral, ou seja, da maneira como se encontram
nas bancas de revistas, para que não sejam encarados como encalhe, ainda que se
trate de edições de dias anteriores. Além disso, é imprescindível a participação de
9 Disponível em www.anj.org.br. Acesso em 24 maio 2005.
86
um coordenador pedagógico junto aos demais profissionais da empresa jornalística
no planejamento e desenvolvimento destas atividades.
Um impulso significativo para este tipo de iniciativa pode ser conseguido
através da criação de um espaço - uma página, coluna ou mesmo suplemento -
dedicado à educação e que promova, entre outros conteúdos específicos, a
cobertura e divulgação do próprio programa, mas inclusive incorporando a produção
acadêmica, artigos, opiniões assinadas e os textos resultantes de atividades de
laboratório de alunos, professores e gestores envolvidos nas atividades. O número
de escolas participantes pode variar de acordo com a disponibilidade financeira, os
recursos humanos e a capacidade logística da empresa jornalística, bem como o
interesse da rede de escolas e o eventual apoio por parte dos órgãos oficiais do
setor.
Os níveis de ensino a serem contemplados podem ir do pré-escolar à pós-
graduação, entre classes regulares e especiais, de educação para jovens e adultos
ou no ensino profissionalizante. Costa (1997, p. 26-27) apresenta uma
fundamentação dos programas de jornal na educação para cada um dos níveis de
ensino formal, defendendo que se observadas suas características próprias, tais
programas podem ser aplicados em todos eles. Desde o fundamental, onde
trabalharia na formação do hábito de leitura, passando pelo ensino médio, com a
formação de cultura geral, desenvolvimento e informação vocacional, expansão da
estrutura lingüística e aprimoramento da redação, até a universidade, quando
envolveria a contextualização de conteúdos, aprimoramento e atualização
profissional e estímulo à divulgação científica.
Embora pouco utilizado por intermédio de programas específicos, o jornal tem
grande potencial e aceitação nas salas das faculdades, onde freqüentemente
87
contribuem para a ampliação dos conhecimentos sobre a sociedade, o mercado e o
campo de atuação profissional de cada um. Neste sentido, Costa (1997, p.27)
acredita que "o intercâmbio universidade/jornal facilitará a divulgação das pesquisas
realizadas, permitindo assim à comunidade tomar conhecimento dos projetos que
são desenvolvidos". De fato, é grande a carência que tem a universidade em relação
a veículos de comunicação que possam fazer um trabalho adeqüado de divulgação
científica que contemple não apenas o mundo acadêmico, mas a sociedade como
um todo, o que também deve funcionar como fator de aproximação entre a grande
mídia e as instituições de ensino superior.
Dando prosseguimento ao assunto, Costa (1997, p.12) observa que os
programas de jornal na escola realizam três funções simultaneamente. Uma
empresarial, ao formar novos leitores para a sua audiência; outra educativa, quando
contribui para o enriquecimento dos processos pedagógicos; e ainda uma função
social, permitindo o acesso de alunos de menor poder aquisitivo aos periódicos.
Cada programa, todavia, estabelece e desenvolve seus próprios objetivos, que em
geral costumam apresentar alguns pontos comuns, como formar o hábito de leitura;
aproximar o leitor em potencial do jornal; estimular o aluno a discutir sua realidade,
desenvolvendo o espírito crítico, o pensamento lógico e criativo; ampliar o horizonte
de conhecimento destes estudantes e de professores; e propor o uso do veículo
impresso como recurso de apoio didático em todas as disciplinas.
O comitê Jornal na Educação, criado pela ANJ para discutir e encaminhar as
questões ligadas aos programas mantidos por suas associadas, produziu um
documento intitulado Jornal na Educação - um conceito, assinado por sua
presidente, a educadora Carmen Lozza, em 24 de novembro de 2004. Em termos
gerais, define tais programas como uma iniciativa em prol da leitura, levada a efeito
88
por empresa jornalística associada à ANJ e que envolva necessariamente a
distribuição de exemplares diários do veículo ao público leitor por ela selecionado,
por um período nunca inferior a um semestre letivo; a capacitação dos agentes de
leitura envolvidos, de maneira sistemática e permanente; e a avaliação, pelo menos
bienal, do processo e dos resultados, para promover a conseqüente continuidade na
formação de leitores qualificados. Tais leitores seriam aqueles que tenham ampliada
a sua capacidade de serem autores de suas próprias idéias e formas de expressão,
conquistando uma autonomia progressiva no seu modo de agir, pensar e ler; e
leitores que ampliem a sua capacidade de serem cidadãos, capazes de
compreenderem o seu contexto e participarem ativamente da vida em sociedade por
um mundo melhor.
Algumas exigências foram apresentadas, como a obrigatoriedade de que tais
programas signifiquem ação concreta no cumprimento da missão da ANJ e dos seus
associados, quais sejam a defesa da liberdade de expressão, do pensamento e da
propaganda, o funcionamento sem restrições da imprensa, observados os princípios
de responsabilidade e a luta pela defesa dos direitos humanos, dos valores da
democracia representativa e da livre iniciativa. É preciso, também, associar-se
àqueles que educam em prol da humanização, da formação de leitores críticos e do
desenvolvimento de práticas de cidadania; além de realizar de maneira sistemática
a formação dos promotores de leitura inscritos no respectivo programa. Tal formação
deverá ter um caráter teórico-prático, permitindo que se reflita sobre as práticas
pedagógicas implementadas, pelo entendimento de que promotores de leitura ativos
e que investiguem suas respectivas ações em prol da leitura estão mais aptos a
formarem leitores, sujeitos do conhecimento e da leitura;
89
Diz, ainda, a ANJ que os programas de jornal na educação filiados a
ela devem vincular a ampliação do prazer de ler jornais a um maior conhecimento do
veículo por parte dos leitores envolvidos. Para tanto, precisam disponibilizar jornais
inteiros para seus públicos específicos, além de comprometerem-se a associar a
leitura de jornais a uma dimensão mais ampla, vinculada ao aperfeiçoamento da
habilidade de leitura e ao estímulo ao prazer de ler literatura. No caso de escolas,
voltar-se para a dinamização do currículo como um todo, pelo estabelecimento de
uma estreita relação entre os conceitos desenvolvidos em sala de aula e nos demais
espaços educativos, por quaisquer disciplinas ou áreas do conhecimento e os fatos
do cotidiano que aparecem no jornal. Devem contar com um profissional da
educação para compor a equipe, de modo a garantir a dimensão pedagógica do
programa. Como tal, a iniciativa deve preferencialmente, manter-se independente de
qualquer instância de governo, seja federal, estadual ou municipal; incluir instituições
que dela participem por iniciativa própria, ou seja, que escolham livremente aderir ao
programa de leitura desenvolvido pela empresa associada; e distribuir exemplares
do dia às instituições participantes.
Por outro lado, diz o documento que para a iniciativa se desenvolva com
sucesso é indiferente ter ou não empresas parceiras e/ou financiadoras para a
realização da iniciativa; ter como metas associadas ao objetivo principal questões
como qualificar positivamente a marca da empresa jornalística; dar expressão à
responsabilidade social da mesma. Também não importam o nível de habilidade de
leitura dos leitores envolvidos; o tipo de instituição escolhida pela empresa para
participar do programa; ou a forma de administração escolhida pela empresa para
implementar o seu projeto de leitura (no âmbito da própria empresa, terceirizada,
mista ou outra), desde que não seja ferido o conceito geral.
90
Desta forma, concluiu o comitê da ANJ que uma iniciativa de Jornal na
Educação não deve ser criada ou desenvolvida com objetivos meramente
comerciais, de maneira associada à venda de exemplares ou assinaturas. Ressalta
que nada impede que a empresa tenha ampliadas as suas vendas, a partir da
realização do programa, desde que tal objetivo seja subordinado ao conceito de
jornal na educação enunciado. Finalmente, recomenda que não deve ser dificultada
a leitura de outros veículos por parte das instituições participantes dos programas.
2.3.2 O professor no processo
Aos professores, o veículo impresso oferece também a possibilidade de
atualização cultural e metodológica. Todavia, será muito difícil para ele ensinar
coisas que não vivencia pessoalmente. Ou seja, o educador não vai conseguir
despertar entre os seus alunos o gosto pela leitura regular de jornais se ele mesmo
não desenvolver esta prática. Principalmente porque a fim de promover uma análise
crítica do conteúdo jornalístico, que em última análise é o nosso objetivo
pedagógico, ele deve levar em consideração dois aspectos básicos, que são a
necessidade de conhecer os sistemas e suportes do texto produzido pela imprensa
em si, além de não se deixar levar pelo mito da objetividade construído em torno do
relato jornalístico.
No primeiro caso, trata de identificar todo o trajeto que a informação percorre
entre o fato original e a versão publicada ou veiculada na mídia. Já a mitificação da
verdade transmitida através do texto escrito, está ligada às próprias origens do ato
de escrever, que era praticado apenas por iniciados, que tratavam de guardar esta
fonte de poder a fim de manter os privilégios conquistados. De todo modo, não há
91
sentido em falar de verdade jornalística, em neutralidade ou imparcialidade, uma vez
que nem os jornalistas que produziram a versão do fato e nem os leitores, que
selecionam o que querem ler e depois interpretam a notícia a partir de suas
experiências individuais, seus objetivos e suas visões de mundo, são efetivamente
neutros.
Os programas de jornal na escola podem oferecer atividades que proponham
não somente a contextualização de conteúdos, mas também uma avaliação dos
próprios critérios de noticiabilidade. Pode-se, por exemplo, propor que os mestres,
individualmente ou em grupo, façam um levantamento dos temas colocados à
discussão entre colegas, conhecidos e familiares em determinada semana ou mês,
destacando as idéias com as quais concordaram ou discordaram. Depois,
apresenta-se o desafio de cada um tentar identificar de onde recebeu as
informações que o levaram a pensar o que pensou, achar o que achou, concordar
com o que concordou. A discussão final pode levar a debates proveitosos sobre o
tema da autonomia do pensamento e do poder de influência da mídia na opinião
pública.
No trabalho com jornal em sala de aula, Costa (1997, p.33) aponta três etapas
distintas, desde a familiarização até o entendimento e a crítica. O que pode
acontecer com alunos de qualquer série, desde que o professor saiba adequar o
nível de dificuldade, o modo de abordagem e a espécie de assunto escolhido. Para
ela, ao apresentar o jornal em sala de aula, é preciso explorar inicialmente a sua
estrutura editorial, os cadernos e suplementos, as seções diárias ou semanais, as
páginas de serviços e os classificados. A partir de então, é recomendável mostrar o
que é uma notícia curta, uma reportagem mais elaborada, os artigos, cartas do leitor
e editorial, bem como a diferença entre o que é anúncio publicitário do conteúdo
92
jornalístico, entretenimento e de serviço. Também é possível, neste ponto, comparar
a estrutura e o formato de dois periódicos distintos, melhor ainda se for o caso de
mostrar um veículo da grande imprensa contra um outro menor, regional ou local.
Uma das primeiras atividades a serem trabalhadas pode ser localizar um conteúdo
desejado a partir dos índices e do formato específico dos jornais, destacando sua
importância para futuras pesquisas.
Por sua vez, Faria (1999, p.19-21) traça um roteiro de planejamento
pedagógico que envolve fases progressivas que devem ser iniciadas a partir dos
primeiros contatos com o veículo, ou seja, conhecer um jornal, visitar o jornal e
aprofundar a sua análise e prática. Neste sentido, aponta três níveis de abordagem,
entre texto, imagem e diagramação, que devem estar presentes sempre no trabalho
com o jornal em sala de aula. Em determinados momentos, a depender da turma, do
curso, série, ou disciplina, apenas um dos elementos pode estar presente, mas é
importante que não se perca de vista o contexto em que os alunos se encontram.
Com relação ao papel do professor neste processo, três pontos básicos
devem ser observados. Primeiro, é preciso incitar os alunos a formular hipóteses
sobre o trabalho a ser desenvolvido, lembrando que, no decorrer das atividades,
elas podem ser verificadas. Depois, o professor deve sugerir perguntas que levem a
uma análise aprofundada daquilo que vai sendo realizado, sempre com o cuidado de
evitar conduzir as conclusões. E por fim, levar os alunos a buscar indícios que
comprovem suas hipóteses ou evidenciem aquilo que estão procurando no jornal.
Sobre a avaliação dos trabalhos, defende que seja contínua, compartilhada e
extensiva às próprias estratégias didáticas utilizadas.
Para usar o periódico impressos como ferramenta pedagógica, é preciso levar
em conta os objetivos pretendidos, o que vai variar em razão do curso ou da
93
disciplina com a qual se esteja trabalhando, bem como a idade dos alunos, o tipo de
classe e o tempo disponível para as atividades. Neste aspecto, é necessário
bastante cuidado para não cansar a turma ou torná-la dispersa e sem uma definição
clara dos objetivos a serem alcançados.
Bem administradas, as atividades podem incluir até mesmo classes de séries
iniciais, onde os alunos ainda não dominam a escrita. Nestes casos, o professor
deve buscar que a turma levante e classifique informações, a fim de produzir
conceitos básicos, tomando para si a tarefa de escrever e anotar estas idéias.
Assim, estará promovendo o uso funcional da escrita, adequado e auxiliar ao
processo de letramento. O que, portanto, vale igualmente para as turmas de adultos,
onde a questão da contextualização dos conteúdos cresce em importância.
2.3.3 Desenvolvendo habilidades
No momento de verificar a eficácia do uso de jornal em sala de aula, é preciso
questionar se a prática tem aumentado o interesse dos alunos pelos acontecimentos
atuais, melhorado as habilidades cognitivas aplicadas às questões da vida prática,
desenvolvido a capacidade de compreensão de texto, ampliado o vocabulário e a
expressão oral e escrita. Além disso, é importante apurar também se os alunos se
tornaram mais comunicativos e adquiriram uma visão mais global e crítica do
cotidiano. Pois ao utilizar o veículo impresso, o professor estará acrescentando ao
seu universo pedagógico um elemento típico da cultura de massa, a chamada
grande imprensa, muitas vezes mitificada enquanto formadora de opinião e até
mesmo chamada de quarto poder.
94
Isto vai ajudar, inevitavelmente, a aproximar a escola da vida real, o que tem
sido uma queixa constante por parte dos estudantes. A seu favor, o periódico conta
com um elenco de temas que dificilmente pode ser classificado como elitista, difícil,
inacessível ou enfadonho. Ao contrário, os cadernos de cultura, tevê, esportes,
turismo ou informática podem até mesmo ser considerados divertidos por parte dos
jovens estudantes. O veículo impresso possui ainda o mérito de trazer para o
ambiente escolar uma gama de conteúdo informal que vai desde os problemas do
bairro aos grandes desafios nacionais, os programas de governo e a atuação dos
governantes, as propostas dos legisladores e as decisões dos magistrados, mas
também as demandas civis e os embates políticos. Tudo isso expõe os alunos à
realidade concreta que o cerca, na exata medida em que a proximidade e a urgência
do global reforçam o individual, o convívio com o internacional valoriza o regional.
Além disso, há a possibilidade de familiarização com outro tipo de leitura,
capaz de desenvolver conhecimentos úteis na formação de cidadania, como sobre a
tramitação e a publicação de leis, decretos, processos de concorrências e licitações,
a cobrança de tributos, os editais de concursos e empregos etc. Conforme destaca
Faria (1999, p.16), a importância do jornal em sala de aula “vai além da prática da
leitura, do contato com a informação, do desenvolvimento de sua inteligência”, mas
atua na formação da própria consciência cidadã.
Dando prosseguimento ao assunto, Costa (1997, p.37) lembra que há
conceitos e siglas que pouco são abordados nos livros didáticos, mas que
freqüentam abundantemente as páginas dos jornais, a exemplo da dívida externa, o
Produto Interno Bruto (PIB), distribuição de renda, Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), renda per cápita, São expressões que conduzem a questões
fundamentais para a formação de cidadania na sociedade contemporânea. Desta
95
forma, auxilia nos processos de tomada de decisão, ao trabalhar habilidades como a
discriminação dos vários aspectos que envolvem um determinado conflito, a
exploração de um problema através de vários ângulos, a percepção do ponto de
vista alheio, ou ainda a identificação de variáveis e o levantamento de hipóteses
para situações apresentadas. Ao analisar as circunstâncias em que os estudantes
vão gradativamente despertando para a necessidade de passar a “se situar de modo
crítico perante a vida”, Faria e Zanchetta (2002, p.45) defendem que é possível
estimular tal processo de tomada de consciência a partir de exercícios simples,
trabalhando com o jornal em sala de aula. Lembram que isto será muito útil ao aluno
quando passar a trabalhar também com textos dissertativos, o que costuma ocorrer
nas últimas séries do ensino fundamental. A partir de então, convocado a escrever
seus próprios relatos, deve deixar de argumentar usando apenas os recursos da
narrativa.
Quando interrogado sobre as razões que o levaram a brigar durante o intervalo, o aluno tende a contar a história do acontecido e não a se restringir aos motivos que o levaram à agressão. Ao deparar-se com textos dissertativos, o estudante recebe também todo o aparato próprio a esse tipo de texto: a delimitação do assunto, a definição de uma opinião, a escolha de argumentos capazes de sustentar tal opinião, a busca de conclusão. (FARIA; ZANCHETTA, 2002, p.45-46)
O texto jornalístico será de grande valia nestas situações, auxiliando na
transição do discurso narrativo à construção de estruturas dissertativas mais
abstratas, tanto ao oferecer amadurecimento crítico quanto no desenvolvimento de
estratégias cada vez mais complexas de argumentação.
2.3.4 Sugestões para dentro e fora da sala de aula
Alguns exercícios podem ser sugeridos para desenvolvimento em sala de
aula, a exemplo das leituras de notícias com interpretação dos fatos abordados; a
96
confecção dos jornais laboratórios da turma ou mesmo da escola; a seleção de
reportagens atuais que despertem maior interesse (a turma deve, inclusive ser
convidada a explicar os motivos da escolha) para ser reelaborada a partir de textos e
conteúdos dos próprios alunos ou ainda a transformação de um texto didático do
conteúdo formal das diversas disciplinas em notícia, aproveitando para mostrar que,
em vários casos, a reportagem de hoje estará nos livros didáticos (principalmente de
história) do futuro.
Tudo isso pode ser trabalhado pelo professor contando com o auxílio de um
jornal que sequer precisa ser a edição do dia. O educador pode sugerir, por
exemplo, que as notícias, em suas mais variadas formas e conteúdos, sejam
analisadas criticamente, a partir do desafio de identificar os distintos lados
envolvidos em uma questão qualquer. Os alunos podem, então, incorporar os papéis
citados no texto, expor, explorar e até mesmo extrapolar as versões de cada um, a
partir de argumentos lógicos e coerentes. É possível, também, identificar as fontes e
origens (redação local, sucursais, correspondente, agência de notícias, release) de
uma notícia apresentada em recorte e tentar responder a qual editoria pertence
(cidade, interior, nacional, internacional, esporte, polícia, economia, política,
informática etc). Pode localizar geograficamente o fato, verificar o grau de
objetividade e isenção do seu autor, identificar opiniões ou possíveis julgamentos de
valor emitidos no texto.
Um exercício interessante, destinado a estudantes um pouco mais velhos,
consiste em levá-los a listar, individualmente ou em grupo, as coisas que
compraram, os temas que debateram, as idéias com que concordaram ou
discordaram na última semana. Tudo anotado, basta realizar uma pesquisa entre os
principais jornais disponíveis para conseguir amplo material de discussão sobre a
97
autonomia que cada um acredita que possui em suas ações cotidianas, nas
escolhas que faz, nos assuntos que elege para ocupar-se. O professor pode mostrar
exemplares antigos e atuais de um mesmo jornal a fim de verificar as variações que
ocorrem com a evolução da língua, a escolha – a pauta, em linguagem de redação –
dos assuntos mostrando as prioridades políticas, os modismos, as preocupações e
as preferências culturais de cada época, assim como a liberalização dos costumes
ou ainda as variações de medidas e referências econômicas, tudo registrado a partir
da constante sofisticação dos recursos gráficos e fotográficos.
Comparar uma mesma notícia (ou somente os títulos delas) publicada em
jornais diferentes é um modo muito eficiente de exercitar a contextualização, a
identificação e interpretação do posicionamento político dos veículos de
comunicação, abrindo espaço para questões ligadas à ética, neutralidade e
subjetividade. Assim também será possível destacar os possíveis usos das funções
da linguagem (referencial, emotiva, explicativa, apelativa, poética, irônica, persuasiva
etc) a partir das intenções, do tipo ou mesmo do estilo de cada veículo de
comunicação. Nestes casos, poderá pedir que seus alunos reescrevam os títulos ou
as matérias usando outras funções de linguagem ou ainda sugerir variações sobre o
mesmo tema com a utilização de uma linguagem mais formal, mais coloquial e
finalmente popular, bem como lançando mão de termos técnicos especializados,
depois gírias, jargões e dialetos de grupos e segmentos sociais. É importante
acrescentar, ao final de tais exercícios, uma discussão sobre a carga ideológica e de
preconceitos embutida nos domínios da palavra, bem como os seus usos políticos e
culturais.
Em outra atividade, o professor escolhe uma notícia de jornal com tema
polêmico e pede aos estudantes que a refaçam sob o ponto de vista dos vários
98
lados envolvidos no assunto, estimulando-os a advogar em defesa de cada um,
percebendo as mudanças no discurso a partir de determinada posição assumida.
Pode também selecionar uma notícia, de preferência curta, destacando o título e
pedindo à classe que escreva novos títulos para ela, que depois serão comparados
ao original, a fim de perceber as intenções do jornal em contraposição ao que
pensou cada aluno sobre o tema. Uma série de outros exercícios pode ser proposta,
envolvendo a dramatização de notícias, produção de tabelas e infográficos, oficinas
de serviços, desenvolvimento de pesquisas e jogos de ludicidade e leitura os mais
variados, como jornal-teatro, vídeo-jornal, transformar notícia em poema ou música
etc.
Por sua vez, os editoriais, artigos e colunas assinadas serão lidos e
analisados com base nos fatos que lhe sustentam os argumentos. O estudante deve
identificar o caráter do texto, se de motivação econômica, política, cultural, ecológica
etc. O vocabulário utilizado denotará o emprego de determinada classe de palavras,
os neologismos e jargões, as siglas e estrangeirismos que desnudam, por si
próprios, um posicionamento. Será convidado, então, a responder se concorda ou
não com o que está proposto. Nestes editoriais, bem como nos artigos, resenhas e
colunas assinadas, é expressa a opinião do próprio veículo ou do profissional que
produziu o texto, o que ocorre com uma freqüência em geral insuspeita, pois está
muito presente em grande parte da atividade jornalística, inclusive na produção das
reportagens. Aos escrevê-las, no esforço de selecionar, apurar, aprofundar,
interpretar e explicar os fatos, o jornalista, por mais objetivo e profissional que seja,
simplesmente não consegue desvencilhar-se daquilo que ele é, do que pensa e
acredita, ou seja, da sua opinião pessoal. Que acaba transposta ao noticiário, de
maneira explícita ou não. Com as cartas dos leitores ocorre processo semelhante,
99
com o levantamento das opiniões manifestadas, das críticas ou elogios,
reclamações, provocações e sugestões que costumam motivar tais mensagens.
Trata-se de material fértil para instaurar e alimentar amplos debates em sala,
oportunidade que terá o mestre para esclarecer sobre as regras cidadãs para o
embate produtivo de idéias, inclusive com o possível encaminhamento de nova
correspondência sobre o tema ao periódico, desta vez assinada pela própria turma.
A leitura e legitimação de todo este material opinativo veiculado diariamente
pela grande imprensa depende, em última análise, da credibilidade que o leitor
concede – ou melhor dizendo, empresta – ao veículo. O termo emprestar é melhor
utilizado neste caso, já que o público tem a prerrogativa de tomá-la de volta assim
que o desejar. É o exercício deste poder que o educador tem como ensinar desde
cedo em sala de aula, esclarecendo aos seus alunos, por exemplo, que a própria
maneira como um texto é redigido acaba sugerindo ao leitor uma determinada
tomada de posição. O noticiário, em sua abordagem específica e continuada sobre
qualquer tema, tem a capacidade de influenciar a opinião pública. Até mesmo
colocando em pauta certos assuntos em detrimento de outros, talvez até mais
urgentes para a comunidade em questão, mas pouco explorados ou mesmo
ignorados porque não interessam e são, por conseguinte, esquecidos pela mídia. O
professor, então, tem a oportunidade de explicar aos seus alunos que aquele que
escreve o faz com a intenção de convencer o leitor sobre o seu ponto de vista.
2.3.5 Outras palavras
Um dos pontos mais fortes a favor do periódico impresso como recurso
pedagógico está justamente nas peculiaridades da linguagem jornalística. A fim de
100
explorá-la produtivamente, o professor pode propor a transformação de outros
escritos (poemas, letras de música, histórias em quadrinho, manuais de instruções
de eletrodoméstico ou receitas de bolo) em reportagens e vice-versa. Pode desafiar
a turma a produzir um texto jornalístico a partir somente de um determinado título
(ou o contrário, de um título chegar à matéria, guardando a original para posterior
comparação).
Entender como operam os mecanismos e processos de comunicação
adotados pelos veículos da grande mídia deve ser, portanto, um dos primeiros
objetivos para os professores envolvidos nos programas de jornal na educação. Pois
os periódicos impressos oferecem tanto notícias quanto opinião, mas também outros
tipos de leitura igualmente importantes na construção da cidadania, como os
anúncios classificados, a propaganda, publicidade legal (leis, decretos, editais, atos
administrativos etc), indicadores econômicos, entretenimento (das histórias em
quadrinho às palavras cruzadas, horóscopos, roteiro da programação de cinema,
tevê, peças de teatro, museus, exposições e eventos os mais diversos) e uma vasta
gama de serviços públicos e particulares.
Os classificados com oferta e procura de produtos e serviços deslindam
oportunidades comerciais e de empregos ou atividades produtivas de outra forma
bem mais difíceis ou mesmo inacessíveis, bem como orientam sobre os mecanismos
de formação de preço no mercado. Os alunos poderão descobrir que, com base dos
valores médios cobrados para aluguel ou compra de imóveis, é possível dimensionar
o perfil social de um bairro, do seu bairro. Nas páginas de emprego é possível
perceber quais profissões ou atividades estão em alta ou emergentes, com maior
procura e melhores salários (ou muito pelo contrário).
101
Os anúncios publicitários ou propagandas são outro capítulo, pois
proporcionam a oportunidade de levar para a sala de aula a discussão desde os
recursos criativos utilizados para chamar a atenção (informativos, apelativos,
promocionais, de oportunidade, ofertas ou descontos, entre outros) até os conceitos
de moda, hábitos culturais, direitos do consumidor ou princípios éticos envolvidos.
Da mesma maneira, é possível abordar a linguagem e a força dos logotipos como
formadores de imagem.
A publicidade legal envolve um extenso arsenal de gêneros textuais com
vocabulário, estrutura e critérios de atribuição de valor tão específicos que somente
está acessível à maior parte da população nas páginas dos jornais, onde inclusive é
publicada por determinação legal, quase nunca por interesse dos seus autores ou
destinatários. São leis, decretos, editais, atos administrativos e vários outros
documentos que dão conta dos trâmites legislativos, jurídicos ou executivos que
resultam em ações concretas e conseqüências diretas na vida das pessoas.
Conhecê-las e deslindar seus usos, características e estratégias fazem parte,
portanto, de qualquer planejamento pedagógico minimamente preocupado com a
formação de cidadãos.
As tiras e quadrinhos que acompanham os suplementos suscitam igualmente
exercícios para a identificação dos personagens em suas características pessoais,
seus contextos históricos, sociais, culturais e mesmo psicológicos. Costumes,
conceitos e crenças por trás das mensagens estarão assim à disposição, para
análise. Os balões podem ser retirados para que novas falas recriem situações
criativas, porém plausíveis. Da mesma forma, os cadernos ou suplementos de
esportes, tevê, economia, informática, entre outros, fornecem amplo material a ser
trabalhado com base nos mesmos princípios.
102
Por sua vez, os elementos gráficos, a exemplo das fotografias, infografias,
ilustrações e as charges, que exercem - tanto quanto a parte escrita - funções
informativas, interpretativas e opinativas, complementam e facilitam o processo de
leitura. Eles podem ser trabalhados sobretudo buscando-se a identificação dos fatos
que os motivaram. A partir da análise de uma foto publicada em jornal, mas retirada
do seu contexto (título, legenda e a matéria que ilustrou), o professor deve solicitar
que os alunos tentem identificar o que é mostrado, onde e quando aconteceu, quem
participou e como se deu o fato (pressupor o por que nestas situações é
extremamente complicado e pouco interessante para as discussões posteriores, por
isso deve ser evitado). Depois, é possível checar as informações, exibindo a página
da qual a foto foi extraída.
Pode-se, também, trabalhar na montagem de painéis fotográficos divididos
por temas que contemplem, por exemplo, cidades, pontos turísticos, aspectos
urbanos, tipos humanos, atividades profissionais, segmentos (trabalhadores, idosos,
mulheres, adolescentes, indígenas) ou movimentos sociais (sem-terra, operários em
greve, protestos e passeatas de servidores públicos). Em determinado momento,
será possível promover um levantamento crítico da visão que cada jornal privilegia
ao veicular tais segmentos. Algumas fotos podem ser analisadas levando em conta
as técnicas e narrativas empregadas ou os aspectos formais utilizados. Assim, os
alunos se familiarizariam com a linguagem fotográfica, identificando conceitos como
ângulos, perspectivas, enquadramento, planos, profundidade de campo etc. Os
exercícios podem sugerir que os alunos reescrevam seus objetivos ou produzam
novos sentidos, o que será certamente motivo para que assuntos inéditos sejam
abordados. Logo, estarão interessados e dispostos a produzir material para um
jornal laboratório ou mural da turma, escola ou bairro.
103
Esta, inclusive, é outra boa oportunidade para aprender fazendo. Os jornais
elaborados pela própria turma, grêmio mesmo a escola, são ideais para o
encaminhamento de trabalho em grupo. A propósito, lembram Faria e Zanchetta
(2002, p. 7) que, se para os periódicos da grande imprensa o que importa é a
qualidade do produto final que chega às bancas, no jornal dos estudantes vale o
fazer, o exercício de elaboração e a experiência coletiva. Nestes casos, não se trata
de torná-los jornalistas, mas propiciar o contato com uma estratégia de letramento
eficiente, pois construída a partir de uma ferramenta pedagógica que se vale, como
poucas outras, dos recursos de linguagem, contextualização e construção de
sentidos preconizados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Os autores propõem que o jornal escolar se apóie “não só no conhecimento
da imprensa escrita, como em uma atitude crítica a seu respeito” (FARIA;
ZANCHETTA, 2002, p.141). Ele deve ser instrumento de interdisciplinaridade e,
portanto, não ficar restrito às classes de português ou redação, mas buscar envolver
toda a estrutura escolar, inclusive abrindo um canal de comunicação com os pais, o
bairro e a própria comunidade. Será a prática do trabalho em grupo que decidirá
sobre questões como o nome e perfil editorial do periódico, seu conteúdo específico
e os temas que contemplará, o estilo a ser adotado e o uso ou não de classificados
ou publicidade para bancar os custos de edição.
Depois, deve-se definir a equipe, com alternância de funções e
responsabilidades. Estabelece-se, então, um cronograma de trabalho que vai
depender da periodicidade estabelecida. A supervisão de professores é
recomendável, principalmente para orientar sobre os aspectos mais práticos, como a
escolha do local para desenvolvimento dos trabalhos, equipamentos e levantamento
de recursos para as despesas gerais de redação e impressão. O jornal escolar pode
104
ser impresso desde em mimeógrafo ou cópia xerográfica a computadores pessoais
ou gráficas. Como foi dito, o fazer será sempre mais importante.
2.3.6 O jornal como fonte de pesquisa histórica
A depender do prisma que se queira eleger para conduzir o olhar,
privilegiando uma dada abordagem em particular, distintos momentos da trajetória
da humanidade podem ser apontados como marcos do processo civilizatório. Entre
tais momentos históricos, considerados decisivos por terem moldado novos
contornos ao pensamento ocidental, Eliane Lopes e Ana Maria Galvão (2001, p.60-
61) apontam o surgimento da imprensa, a expansão da escola e o impacto dos
meios eletrônicos nas relações das pessoas e destas com a escrita. A propósito dos
processos de aquisição das práticas sociais de ler e escrever, defendem estas
educadoras que a generalização da leitura parece ter sido anterior à da escrita, o
que levaria a modificar a própria noção de alfabetização, passando a incorporar
conceitos como o de letramento, para ter condições de compreender o papel social,
os usos e as funções da escrita (LOPES; GALVÃO, 2001, p-54-55).
Contudo, em relação ao ensino de história, abordagem específica desta
análise das funções formativas da imprensa, é necessário questionar inicialmente
em que medida seria o veículo impresso instrumento adequado a ser utilizado tanto
como fonte de pesquisa histórica quanto como instrumento didático na consulta em
sala de aula. Para Lopes e Galvão (2001, p.52), “a história do ensino não tem se
limitado à história das instituições escolares, do pensamento pedagógico ou de
alguns movimentos educacionais, como era comum se fazer”. Na medida em que
cresce o interesse pelas práticas pedagógicas alternativas, auxiliares e transversais,
105
os atuais pesquisadores tratam de reconstruir - para entendê-los plenamente - os
métodos e técnicas de ensino, os materiais didáticos e as relações entre alunos e
professores, os conteúdos específicos, as relações curriculares e os sistemas de
avaliação utilizados nas escolas ao longo do tempo. Os historiadores tentam
desvendar o cotidiano da escola do passado. Neste sentido, destacam Lopes e
Galvão (2001, p.52) que “a prática escolar é aquilo que menos sofre mudanças na
História da Educação”.
Desde suas origens, a pesquisa histórica tem privilegiado como fonte quase
que exclusivamente os documentos escritos, que aqui podemos chamar de “oficiais”,
quais sejam os atos administrativos, os decretos governamentais, os relatórios e
legislação produzidos por determinado grupo social historicamente localizado. As
autoras citam, a propósito, Lucien Febvre (apud LOPES; GALVÃO, 2001, p.80) para
argumentar que se pode fazer história “com tudo o que, sendo do homem, depende
do homem, serve para o homem, exprime o homem, significa a presença, a
atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”.
Este mesmo autor afirma que “no limite, todo documento é mentira, na
medida em que só tomamos conhecimento daquilo que o passado quis que fosse
memorável (FEBVRE apud LOPES; GALVÃO, 2001, p.80). Para exemplificar a
questão, propõem as autoras que imaginemos as abordagens possíveis que um
pesquisador poderia construir sobre determinado fato político contemporâneo daqui
a cem anos, se forem utilizados como fontes apenas o Diário Oficial da União ou um
jornal da grande mídia ou um de grande apelo popular. Lopes e Galvão (2001, p.80)
questionam se “encontraria a mesma versão para a mesma história? Poderia confiar
integralmente nos dados encontrados em tão díspares veículos?”
106
Entre as fontes não documentais, os jornais e revistas são os utilizados há
mais tempo e os que gozam de maior prestígio. Em alguns locais menos
desenvolvidos econômica e socialmente, eles muitas vezes são, na verdade, a única
fonte de registro dos atos cotidianos que escapam à historiografia oficial ou
burocrática. Para a história da educação, particularmente, interessam aqueles
periódicos que circulavam especificamente junto a um público escolar ou mesmo os
jornais feitos por estudantes e para o meio acadêmico, o que durante um certo
período era rigorosamente a mesma coisa, sobretudo em países tardiamente
desenvolvidos como o Brasil.
Cabe ressaltar, por fim, que o conteúdo de um jornal, expresso tanto nas
reportagens, artigos e editoriais, mas igualmente através das ilustrações, gráficos e
fotografias, dentre outros documentos que incorpora, nem sempre contempla de
maneira ampla e eqüitativa os interesses e conflitos de toda a comunidade à qual o
veículo afirma servir. Sujeito a regras de mercado e às inevitáveis - porque
intrínsecas ao processo - orientações políticas, o veículo muitas vezes espelha
apenas os pontos de vista de um grupo específico. Mas tal constatação não
invalidaria necessariamente todo o seu conteúdo enquanto fonte de pesquisa.
As definições de fonte propostas por Lopes e Galvão (2001, p.77), destacam
que “em sua inteireza e completude, o passado nunca será plenamente conhecido e
compreendido; no limite, podemos entendê-lo em seus fragmentos, em suas
incertezas”. Na verdade, vai ser o tipo de problema, do tema problematizado, que vai
determinar quais fontes deve-se utilizar na pesquisa. Partindo desta premissa,
questionam como viabilizar e tornar o menos contaminado possível este necessário
acesso ao passado, propondo que “certamente através dos traços que foram
deixados, dos vestígios não apagados que representam ou que dizem sobre a vida
107
de homens e mulheres das sociedades passadas” (LOPES; GALVÃO 2001, p.77). E
o jornal, sem dúvida, é um dos mais eloqüentes destes vestígios.
A questão, portanto, é estabelecer que grau de confiabilidade, de objetividade
– uma vez que concordamos que a imparcialidade é simplesmente inexeqüível, tanto
em jornalismo quanto em história – é possível conceder a determinado veículo da
mídia impressa. Para tanto, é necessário identificar no conjunto da obra e dos
vestígios materiais produzidos por uma determinada época, por certo grupo social ou
por um indivíduo identificado, aquela fonte que dará sentido à pergunta que
desencadeou e justificou a pesquisa. Se for possível identificar claramente qual a
posição política do veículo responsável pelo material impresso pesquisado, não
resultará impraticável contextualizar historicamente o seu conteúdo.
Além disso, cabe ressaltar que foi – e continua sendo, veículo de elite como
de fato é – principalmente através das páginas dos diários impressos que a
inteligência de uma nação tem preferido conduzir seus debates, expressar seus
pontos de vistas e anunciar suas tomadas de posição. O jornal pode, portanto, ser
relacionado junto a outras fontes escritas, como os documentos, a legislação e os
atos dos poderes constituídos, os trabalhos acadêmicos e científicos, as
correspondências e as obras literárias, entre outras. Mas não apenas, pois também
em suas folhas lograremos encontrar fotografias, ilustrações, gráficos e informações
estatísticas e pictóricas as mais diversas.
Fica claro, afinal, que tão importante quanto o registro histórico grafado nas
páginas de um jornal do passado é o tipo de abordagem que o pesquisador elege
para manipular (melhor dito, trabalhar, considerar, avaliar e compreender) as
informações ali contidas. O confronto destas informações com as obtidas em outros
tipos e formatos de fontes ajuda na tarefa difícil, mas inarredável, de contrabalançar
108
a subjetividade do pesquisador. A tradução mais aproximada da história real, do fato
real, será aquela que exponha suas contradições, desvelando-lhe os mecanismos e
processos intrínsecos.
2.3.7 De objeto a instrumento
O jornal tanto pode ser objeto de estudo, quando então é possível avaliar sua
estrutura editorial, sua narrativa e conceituação gráfica, como também instrumento,
no momento em que é utilizado como recurso didático e subsídio para as mais
diversas disciplinas. A partir da experiência acumulada e transmitida por inúmeros
educadores diretamente envolvidos no trabalho com o jornal em sala de aula, parte
dela já registrada em livros, artigos e outras publicações acadêmicas, tem sido
possível catalogar uma série de atividades especificamente destinadas a cada
disciplina escolar. Esta dissertação apresenta apenas algumas delas, a título
ilustrativo, ressaltando que as possibilidades são incontáveis, limitadas apenas pela
criatividade e disponibilidade de cada professor em seu ofício. O leque de disciplinas
também é bem maior, podendo estender-se ao ensino superior e à pós-graduação.
Segue-se, portanto, algumas sugestões.
2.3.7.1 O jornal no ensino de História
O periódico impresso mostra as transformações sociais de uma maneira
dinâmica, atual e participativa, dando ao professor a oportunidade de identificar para
os seus alunos os fatos históricos enquanto acontecem, apontando a diferença entre
um evento sem maior repercussão de outro com amplitude global e importância
109
transformadora. Pode acompanhar o desenvolvimento de guerras e conflitos
regionais, aproveitando para explicar-lhes as raízes históricas, sócio-políticas,
econômicas, culturais ou religiosas. Pode promover uma análise comparativa entre
padrões de valores e comportamentos, usos da tecnologia e questões ambientais,
entre outras. O desenvolvimento e a atuação dos blocos transnacionais e de
organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo
Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird),
bem como o estabelecimento e evolução dos índices que regulam o câmbio, as
bolsas de valores, as cotações de petróleo, ouro e produtos agropecuários. Disposto
a promover a educação para a paz, o professor pode, enfim, destacar as diferenças,
apontado caminhos para a tolerância e a convivência na diversidade.
É possível partir das indagações e desafios do presente, estampados nas
manchetes do dia, para provocar uma criteriosa investigação do passado. O mestre
pode, por exemplo, solicitar aos seus alunos que reproduzam como notícia de jornal
um fato histórico registrado nos livros didáticos, dando-lhes a oportunidade de
articular os conhecimentos do conteúdo curricular às peculiaridades da linguagem
jornalística, destacadamente no que diz respeito às técnicas utilizadas para conferir
veracidade, objetividade e atualidade à narrativa.
Por fim, cabe ressaltar que o jornal é registro histórico. Sobretudo nas
pequenas e médias cidades do Norte e Nordeste brasileiros, onde a muito custo se
encontram bibliotecas com acervo atualizado, são as coleções de jornais antigos ou
eventuais recortes e colagens com notícias de jornais elaborados a partir de alguma
tarefa escolar que ainda oferecem alguma documentação histórica da vida daquela
comunidade esquecida pela grande mídia.
110
2.3.7.2 No ensino de Geografia
Orientado para a disciplina de geografia, o jornal será veículo para despertar
a curiosidade do aluno sobre onde determinado fato ocorreu, quais as correlações
que podem ser estabelecidas entre seus agentes e o local do ocorrido, a ação do
homem sobre o espaço que ocupa, modifica, estrutura, reorganiza ou destrói. Um
bom exercício neste sentido é buscar localizar no mapa ou no globo os fatos
noticiados ou, ainda, identificar os conflitos motivados por divergências de território,
de limites geográficos, a independência, o desmembramento e a criação de novos
Estados. Os países podem ser destacados em razão de sua produção econômica,
do turismo ou de uma situação política em particular. Outras vertentes são as
relação entre a geografia e os boletins metereológicos, a tecnologia, a geologia, a
economia, a política, a cultura e a ecologia, entre outros ramos da atividade humana,
principalmente sob o prisma do acelerado fenômeno da mundialização. Utilizando o
jornal, o educador terá condições de desenvolver uma estratégia de ensino da
geografia menos classificatória, reprodutivista e excessivamente centrada no
conteúdo dos livros didáticos, superando assim algumas das principais queixas dos
alunos em relação à disciplina.
2.3.7.3 No ensino do Português
Na opinião de Costa (1997, p.70), o objetivo principal dos programas de jornal
na educação é "despertar o interesse do aluno para a leitura do mundo e formar o
hábito de ler jornais para o entretenimento, enriquecimento cultural, atualização de
informações, participação na vida comunitária". Ao mesmo tempo, o veículo
111
impresso pode contribuir para a observação da dinâmica da língua e do fluxo de
novas palavras incorporadas ao vocabulário, as gírias e os jargões, os sotaques
regionais, os neologismos e a influência de outros idiomas, o poder de síntese, de
construção de imagem, a dinâmica conotativa e a economia vocabular proposta
pelas siglas e abreviações tão comuns nos títulos e legendas da imprensa.
Desta forma, é possível trabalhar com leitura, seja silenciosa, oral ou
dinamizada, através de debates, círculos de leitura ou jornal narrado. Análise e
interpretação de conteúdo podem ser propostas, com a distinção entre os gêneros
informativos (notícia), interpretativos (reportagem) e opinativos (editorial, artigo),
separando fato de opinião ou ainda a identificação dos elementos estruturais de uma
narrativa. Podem ser abordadas as diferentes funções da linguagem, quando
referenciais, emotivas ou conotativas, como também as questões de estilo, os vícios
de linguagem, as dinâmicas do vocabulário, as novas tendências do vernáculo, as
especificidades do linguajar popular, econômico, político, esportivo, tecnológico e de
intermináveis profissões ou áreas do conhecimento.
Uma turma criativa pode até mesmo dedicar-se a compilar pequenos
dicionários regionalizados, a partir das gírias, bordões e neologismos identificados
na própria escola, no bairro ou cidade em que vivem. A freqüência e intensidade no
uso dos barbarismos (estrangeirismos) podem ser medidas, assim como podem ser
realizados interessantes jogos de caça aos erros de ortografia e gramaticais (há,
sim, vários deles em qualquer edição diária, encontrados com uma regularidade
acima do desejável) ou de observação dos variados usos de tempos verbais nos
títulos. Textos podem ser produzidos a partir de fotos ou de manchetes isoladas,
mas a turma pode também reescrever ou produzir um relatório sobre determinado
noticiário. Pode-se, ainda, buscar no noticiário diário informações que inspirem a
112
produção de poemas, pequenos contos ou crônicas, a partir de situações concretas
narradas.
2.3.7.4 No ensino de Educação Artística
O jornal impresso potencializa a discussão de temas ligados às artes e à
cultura de uma maneira geral. Através de suas páginas, é possível identificar,
classificar e comentar os artigos da crítica especializada de diversos segmentos,
desde as obras literárias às exposições de pinturas, esculturas, fotografias e
instalações, mas também as peças de teatro, os filmes de cinema e a programação
televisiva. A turma pode analisar a crítica após assistir ao espetáculo, sendo levada
naturalmente a concordar ou não com ela, apresentando argumentos baseados em
sua própria observação.
Ou então o professor organiza uma visita a uma exposição de artes plásticas,
com a recomendação de que cada detalhe das obras e da própria organização da
mostra sejam anotados em registros individuais. De volta à sala de aula, ele
apresenta as notícias e resenhas publicadas sobre o evento nos jornais,
promovendo uma comparação entre as impressões dos alunos e da imprensa. Outra
possibilidade é a avaliação crítica e estética de anúncios e outros elementos gráficos
e de design contidos em um periódico impresso, como a diagramação de suas
páginas.
113
2.3.7.5 No ensino de Ciências
Para esta área, o jornal disponibiliza um vasto espectro de informações sobre
temas como saúde, hábitos alimentares e higiene, ecologia, agropecuária,
informática, tecnologia e pesquisas as mais diversas. Será fácil, certamente,
identificar nos periódicos temas ligados a questões contempladas pelos currículos
escolares, mas a própria abordagem que a imprensa costuma conferir à divulgação
científica já merece uma análise à parte.
Os estudantes podem ser convidados a pensar sobre os usos e necessidades
da tecnologia, os aspectos éticos, econômicos e sócio-culturais com ela envolvidos,
bem como uma possível espetacularização (ou seja, uma abordagem mais para o
clima de filmes de aventura e ficção científica) que o noticiário da grande imprensa
geralmente concede ao tema. A partir dai, sentir-se-ão estimulados a propor
soluções para necessidades levantadas.
Trabalhos práticos poderão ser executados e testados a partir de idéias e
soluções apresentadas em reportagens. Visitas técnicas poderão ser realizadas a
locais relacionados a fatos discutidos em sala de aula após a leitura de uma matéria,
que igualmente pode suscitar a participação da turma em feiras, encontros,
congressos, palestras, exposições e eventos os mais variados.
Pesquisas de campo podem ser motivadas por questões apresentadas nos
jornais, como os índices de preços e cotações de certos produtos, o respeito (ou
falta dele) aos prazos de validade dos alimentos vendidos nos supermercados, os
hábitos de alimentação ou as condições de saneamento que poderiam estar
relacionados ao registro de enfermidades em dada comunidade, ou ainda as
agressões ao meio ambiente resultantes de algum processo tecnológico ou
114
atividade econômica. Enfim, as possibilidades são múltiplas e dependem apenas da
disposição e criatividade do professor.
2.3.7.6 No ensino da Matemática
Nesta disciplina, Costa (1997, p.75) sugere o uso em sala de aula dos textos
jornalísticos que contenham referenciais quantitativos, desde o noticiário econômico
aos anúncios classificados. Além disso, os alunos devem ser convidados a perceber
as referências feitas em relação a porcentagens, ao uso dos gráficos e tabelas, os
indicadores econômicos e sociais, cálculo e aplicação dos impostos e taxas. Mesmo
os anúncios publicitários podem oferecer subsídios aos cálculos de preços à vista
em contraposição aos planos de parcelamento a prazo, suas taxas de juros e
descontos, assim como as escalas de peso, comprimento, tempo e volume
apresentadas, sem esquecer as noções básicas de educação ao consumidor, a
partir da observações dos seus direitos e responsabilidades.
2.3.7.7 No ensino da Física
As matérias de jornal podem servir como ponto de partida para a discussão
em sala sobre várias questões ligadas à área, desde o anúncio de novidades
tecnológicas ou avanços científicos até as grandes descobertas. O campo da
astronomia, por exemplo, costuma atrair bastante a atenção do leitor, como ocorre
com as discussões teóricas sobre o universo microcósmico da mecânica quântica.
Além disso, soluções criativas e contextualizadas podem ser propostas para
questões clássicas envolvendo os acidentes de trânsito (propriedades da matéria,
115
velocidade, inércia etc) ou roteiros turísticos de viagens (cálculos de distância,
trajetória etc).
2.3.7.8 No ensino de Línguas Estrangeiras
É possível mensurar o nível de utilização dos barbarismos no texto
jornalístico, inclusive a partir de um levantamento percentual, com o objetivo de
balizar discussões sobre a sua necessidade e pertinência, sua relação com o
significado e a identificação dos neologismos e termos técnicos já incorporados. A
influência dos países de língua inglesa (sobretudo em relação aos Estados Unidos
da América e à Inglaterra) sobre a nossa cultura pode ser avaliada a partir de um
levantamento estatístico do uso dos anglicismos em comparação aos termos de
origem ou influência espanhola, como os dos nossos vizinhos do Mercosul.
Tendências e modismos a partir dos usos de termos alienistas também podem ser
revelados com a observação crítica dos anúncios publicitários.
2.4 PANORAMA NACIONAL E MUNICIPAL
A fim de enriquecer e ampliar as bases para o entendimento da questão em
um número ainda maior de variantes e implicações, podemos lançar mão da
contribuição apresentada por dois outros estudos realizados em 2004 e de grande
relevância para a contextualização do nosso problema. O primeiro é um diagnóstico
patrocinado pela Associação Nacional de Jornais entre todos os seus associados
sobre os programas de Jornal na Educação e o outro um levantamento realizado por
uma equipe da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Salvador envolvendo
116
um grupo representativo de professores que fazem parte do programa A Tarde na
Escola. Ambos fornecem informações complementares e comparativas para esta
pesquisa. Embora identificando possíveis equívocos de ordem metodológica e na
análise e avaliação destes diagnósticos, preferimos nesta parte da dissertação
apenas descrever as conclusões publicadas pela ANJ e Prefeitura de Salvador. No
momento e espaço adequados, as informações relatadas neste capítulo serão
utilizadas como base de comparação com os resultados do nosso próprio trabalho
de campo.
2.4.1 O diagnóstico da ANJ
Trata-se de um estudo encomendado pelo sub-comitê de Leitura do programa
Jornal na Educação da ANJ à empresa de consultoria em educação Leitores e
Leituras, intitulado Os programas de Jornal na Educação Brasileiros: um diagnóstico.
Com o objetivo declarado de conhecer mais de perto quantos eram e como
funcionavam os programas do gênero em desenvolvimento no Brasil, o
levantamento foi realizado entre maio a agosto de 2004, identificando os programas
em funcionamento, em vias de implantação e os que, por um ou outro motivo, foram
interrompidos. Todos os 130 jornais associados foram inventariados e apenas 23
não se dispuseram a participar. O questionário aplicado trazia 40 questões no total,
algumas abertas.
Os coordenadores do estudo esclareceram, a propósito, que o levantamento
não teve como base nenhum modelo do que seria ou deveria ser um programa de
jornal na educação, tentando verificar quais empresas possuíam iniciativas que se
enquadrassem nesse suposto formato ideal. Segundo eles, a intenção era saber
117
quem não desenvolvia programas e o motivo disso; bem como aqueles que os
desenvolvia, dos quais buscaram saber como realizavam suas próprias atividades,
fossem elas de que tipo fossem.
Foram incluídas no resultado final apenas as iniciativas que atendiam a um
determinado perfil. Ou seja, que fossem programas que criassem suplementos
ligados à Educação e oferecessem (ou não) orientação aos professores em sala de
aula; que distribuíssem exemplares completos e do dia para as escolas, em períodos
maiores ou menores, em dias seguidos ou intercalados, fazendo-os acompanhar (ou
não) de uma orientação pedagógica específica; que distribuíssem exemplares
completos do encalhe a escolas ou outras instituições, do mesmo modo, em dias
seguidos ou não; e que distribuíssem exemplares do dia ou do encalhe em maior ou
menor quantidade para os mais variados tipos de instituições.
Das 107 empresas jornalísticas que participaram da pesquisa, 48 mantinham
programas de jornal na educação, contra 49 que não os tinham e 6 que os tinha
interrompido, enquanto que 4 estavam com projetos em fase de implantação. Como
se vê, o universo estudado praticamente se divide ao meio, pois enquanto 51% não
têm programas ou os interrompeu, 49% os estão implantando ou já os têm em pleno
funcionamento. Entre os maiores jornais brasileiros em circulação, três têm
programas (Folha de S. Paulo, O Globo e O Dia), dois já tiveram (O Estado de São
Paulo e Zero Hora) e os demais ainda não dispõem de programas do tipo.
O levantamento verificou que os 49 jornais ainda sem este tipo de programa
são bastante diferenciados tanto em termos de sua localização - seja por região do
país ou dentro de seus próprios estados - quanto no volume de circulação, já que há
nesta situação veículos com cerca de 3.000 exemplares nos dias de semana e 5.000
nos domingos até outros cuja circulação atinge mais de 250.000 exemplares nos
118
dias úteis e mais de 350.000 aos domingos. Praticamente sem exceções, tais jornais
manifestaram desejo não só de conhecer os programas brasileiros já implantados
(apenas um não demonstrou tal interesse e outros quatro não se manifestaram a
respeito) como de participar das reuniões que o sub-comitê de Jornal na Educação
da ANJ vem promovendo para informar e coordenar ações que envolvam troca de
experiências e apoio técnico a respeito do assunto.
Os motivos enumerados por essas empresas como determinantes para a não
existência de programas de Jornal na Educação variaram desde aspectos
financeiros (29% das respostas) ao fato de estar em estudo a possibilidade de
implantação (20%), entre outros motivos variados (falta de oportunidade, a já
existência de algumas ações na área da educação, nenhum motivo específico,
problema de logística ou problema político, que somaram 9%) ou ainda o fato de não
ser este o foco da empresa (como no caso do jornal popular, comercial ou
segmentado, que foram 6%), motivo administrativo (6%) ou o tamanho do jornal
(jornal pequeno, com 4%). Por fim, 8% não souberam ou não quiseram informar os
motivos.
Seria, portanto, o aspecto financeiro o que representa quase um terço das
justificativas para a interrupção. Os organizadores do estudo destacaram que
mesmo esses jornais realizam ações, ainda que esporádicas, de caráter educativo.
Dentre elas as doações de exemplares para escolas, bibliotecas ou alunos que
solicitam; publicação de suplemento infantil com conselho editorial formado por
alunos de escolas públicas; caderno voltado para o ensino médio; dicas para o
vestibular ou páginas sobre educação; recepção de alunos em visitas ao jornal;
orientação a escola pública na elaboração do jornal escolar; realização de concursos
119
ou cobertura de eventos em escolas; produção de anuários e realização de palestras
em escolas e faculdades.
Dos seis jornais que interromperam seus programas, quatro apontaram o
aspecto financeiro como decisivo para tal decisão. Todos eles informaram que ainda
realizam algumas ações voltadas para a educação e, sem exceção, falaram da
possibilidade de uma retomada, inclusive o pioneiro ZH em Sala de Aula (do Zero
Hora), interrompido em 1999 e que está estudando o relançamento. A interrupção,
em todos os casos, se deveu a motivos circunstanciais, sem que houvesse
discordância dos responsáveis quanto à concepção que perpassa os programas de
Jornal na Educação. De acordo com o estudo, também em relação a esse grupo há
espaço – até mesmo uma certa expectativa – para que a Associação Nacional de
Jornais interceda em favor da retomada de tais programas, por meio de uma
orientação sistemática e estimuladora de parcerias que façam cruzar os aspectos
educativo e de marketing que, segundo a entidade, devem caracterizar cada um
deles.
Por sua vez, os quatro jornais que informaram à pesquisa estar implantando o
programa tanto querem conhecer outras experiências como estão confiantes de que
terão sucesso em suas iniciativas. Um deles chega a explicitar que o tipo de apoio
que quer da ANJ são maiores subsídios para a implantação e sobre como oferecer
orientação pedagógica aos professores envolvidos. Dois deles já escolheram os
nomes para as suas ações de leitura, o Lendo e relendo com o Correio Lageano e o
Pé na Escola.
Entre as unidades da Federação que contam com maior número de
programas de Jornal na Educação estão São Paulo com 12, Paraná com 6, Rio
Grande do Sul com 5 e Minas Gerais com 3, seguindo-se Santa Catarina, Rio
120
Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso do Sul
com 2. No entanto, se for estabelecida uma relação entre o número de programas e
a população de cada Estado, será possível perceber que o quadro muda um pouco,
pois é o Paraná quem concentra, em termos relativos, o maior contingente de
programas (seis, para 9,5 milhões de habitantes, enquanto São Paulo tem 38
milhões de habitantes e 12 programas. Nesse tipo de lógica, então, o Paraná supera
São Paulo.
O mais antigo deles ainda em atividade é o Quem Lê Jornal Sabe Mais,
promovido pelo O Globo, que iniciou suas atividades em 1982. Depois dele, só
surgiram novos programas a partir da década de 1990. Informa o levantamento da
ANJ que, a partir de 1991, com o lançamento do segundo programa, o Almanaque
Escola, do jornal O Popular, não teria havido nenhum ano em que pelo menos um
novo programa não se acrescentasse aos já existentes, estabelecendo portanto uma
tendência a um tipo de ampliação contínua e regular desde então.
O questionário solicitou que fossem escolhidos os objetivos que mais se
aproximassem dos que as empresas pretendiam atingir com seus respectivos
programas, entre investir na formação de novos leitores de jornal; melhorar a
imagem da empresa jornalística perante os leitores; melhorar a imagem do Jornal
perante os anunciantes; dar início a uma iniciativa que expresse a responsabilidade
social da empresa; contribuir com as escolas da região; e favorecer o exercício da
cidadania por parte dos jovens leitores. Deles, o que contou com maior adesão foi o
último, com quase 25% da preferência do grupo. Trata-se justamente do objetivo que
se volta mais especialmente para a questão da leitura de jornais como estimulador
de práticas cidadãs.
121
Para a ANJ, o quadro levantado seria esclarecedor, pois ao tempo em que
6% não fizeram nenhuma opção, 24% optaram pelo objetivo de favorecer o exercício
da cidadania por parte dos jovens; outros 20% escolheram investir na formação de
novos leitores de jornal; 18% preferiram dar início a uma iniciativa que expresse a
responsabilidade social da empresa; 17% marcaram contribuir com as escolas da
região; 8% alegaram pretender melhorar a imagem da empresa jornalística perante
os leitores; e 2% optaram pelo objetivo de melhorar a imagem do Jornal perante os
anunciantes. Além dos objetivos já previstos no questionário, houve entrevistados
que incluíram novos objetivos por eles buscados em seus respectivos trabalhos, com
2% apontando o objetivo de melhorar os índices de leitura no país; 1% em formar
cidadãos éticos que saibam fazer escolhas; 1% em formar educadores para a
melhoria do ensino; e 1% em formar alunos protagonistas.
Do ponto de vista educativo, quanto aos objetivos concretamente atingidos, a
pesquisa apontou, pela ordem, aproximar a escola das questões do cotidiano;
ensinar o aluno como é o jornal; incentivar a leitura de jornais; contribuir para que o
aluno conheça melhor o mundo em que vive; e contribuir para o exercício da
cidadania. Mas ao se considerar conjuntamente os objetivos considerados bastante
atingidos e os atingidos de forma satisfatória, o quadro apresenta uma pequena
alteração. Em primeiro lugar passa a aparecer incentivar a leitura de jornais;
seguindo-se contribuir para o exercício da cidadania, aproximar a escola das
questões do cotidiano; colaborar para a construção de um conhecimento mais amplo
e multidisciplinar pelo aluno; e por fim ensinar o aluno como é o jornal. Com base
em tais resultados, o levantamento conclui que ensinar como o jornal é e estimular a
sua leitura, ao lado da contribuição para a cidadania e do auxílio à própria escola em
suas tentativas de desvendar o mundo, seriam as maiores conquistas promovidas
122
pelos programas de Jornal na Educação. No entanto, adverte que algo precisa ser
aprimorado para que objetivos de tamanha dimensão sejam alcançados com uma
maior margem de sucesso. Programas de Jornal na Educação que tenham
dificuldade de levar a novas leituras, que não permitam o debate sobre a própria
imprensa e que não estejam ajudando, como poderiam, na formação de jornais
escolares, precisam ser estimulados a caminhar mais nessas direções.
Quanto à sua forma de administração, verificou-se que os programas em
desenvolvimento estão, em sua maioria, sob a responsabilidade da diretoria das
empresas jornalísticas. Dos 42 que prestaram esta informação, 42% deles dizem
estar sob a responsabilidade do órgão máximo do jornal. Os demais se dividem, com
14% afirmando estar sob a responsabilidade da circulação; outros 14% do
marketing; 10% se subordinam à redação; 5% são realizados sob a
responsabilidade de fundações ou institutos ligados à organização empresarial que
mantém o jornal; e há também aqueles, em menor número, que se remetem aos
setores de promoções e eventos; a todos os setores do jornal; ao planejamento
comercial; à diretoria e à circulação, simultaneamente; à assessoria de comunicação
empresarial;e à diretoria e ao marketing, também simultaneamente (2,5% cada).
Destaca o relatório final da pesquisa que a estrutura administrativa que se
escolhe para administrar tais programas por certo reflete um tipo de concepção
política e o que se encontrou traz situações inusitadas. Se, por um lado, o fato da
maioria estar subordinada à diretoria e isto indicar um grau de prioridade ao
desenvolvimento dos programas, há outros tipos de subordinação que podem
revelar outro tipo de entendimento, como nos casos em que há vínculo direto com a
circulação, que parece indicar o entendimento de que o programa é meramente uma
estratégia de ampliação de leitores.
123
O vínculo com o marketing pode ser compreendido como um indício de que o
programa incorpora uma estratégia de divulgação ou melhoria da imagem da
empresa. Entendimento também esperado pelos representantes da ANJ. Ligar-se a
fundações ou institutos também é previsível, numa possível atitude voltada para a
descentralização ou desburocratização, reservando unicamente à empresa
jornalística o trabalho que esteja ligado a sua atividade-fim, ou seja, fazer jornais.
Mais raro, no entanto, seria o vínculo de alguns programas à redação e ao setor de
promoções, no primeiro caso pela possível quebra de autonomia da redação em sua
função de noticiar e, no segundo, pelo caráter efêmero que em geral caracteriza os
eventos promovidos por esta área das empresas.
Com relação às categorias profissionais envolvidas com o desenvolvimento
dos programas, o estudo mostrou que apesar da maioria dos integrantes das
equipes serem educadores, em seu posto de comando máximo, mesmo que com
uma pequena margem de vantagem, estão comunicadores sociais ou jornalistas. De
todo modo, quase a metade das equipes, em seu conjunto, é formadas por
profissionais da educação. (44%). E mesmo que residualmente existam outros
profissionais envolvidos, a base das equipes é mesmo dividida entre educadores e
profissionais de imprensa, havendo também que se destacar a presença de
profissionais de marketing como coordenadores (17%).
Outra questão pedia que as empresas jornalísticas informassem sobre quem
administra seus respectivos programa, se um ou vários funcionários do Jornal, uma
empresa terceirizada ou uma equipe mista. Embora 15% deixassem o questionário
em branco nesta questão, a maior parte das respostas foram de 44% para uma
124
equipe do jornal10, 20% para apenas um funcionário do jornal11, 17% para uma
equipe mista12 e 4% para uma fundação13.
A pesquisa da ANJ verificou que tais programas de Jornal na Educação
variam muito em relação à sua abrangência, pois enquanto alguns atendem
somente a instituições da própria cidade-sede do jornal (10%) ou a sede e outros
poucos municípios vizinhos (5%), outros atendem à região (37%) ou mesmo todo o
Estado (31%), havendo até aqueles que ultrapassam as fronteiras da unidade
federada (5%) e um que chega ao exterior (2%). Do total de entrevistados, 10%
deixaram em branco esta questão. Há diferenças, também, quanto ao tipo de público
a que atendem, partindo de alunos da educação infantil (16%), ao primeiro e
segundo ciclos do ensino fundamental (22%), terceiro e quarto ciclos do fundamental
(25%), ensino médio (16%), superior (5%), educação de jovens e adultos (14%),
educação especial e ensino profissionalizante (1% cada). Mas não foram apenas
escolas as instituições a se inserirem nos programas, com respostas indicando
também o desenvolvimento de atividades em bibliotecas públicas (23%), centros
culturais (17%), organizações não-governamentais (8%), entidades que atendem
portadores de necessidades especiais (7%), instituições para menores infratores
(5%), bibliotecas particulares, hospitais e prisões (4% cada), entre outras.
Apenas 39 jornais informaram sobre o tipo de exemplares que mandam para
as escolas e outras instituições. Destes, 43% responderam que enviam encalhes,
31% trabalham com exemplares do dia e 26% disseram que tanto enviam
exemplares do dia como do encalhe. Sobre o tempo que dura essa distribuição, a
maioria apontou um ano letivo (70%), contra 15% para um semestre. Em 9% dos
10 Dos que informaram quantos integrantes tem cada equipe, há um mínimo de dois funcionários e um máximo de quatro administrando os programas. 11 Um dos jornais que está neste caso realiza o seu programa em parceria com uma universidade da sua região. 12 Um dos jornais esclarece que a equipe mista conta com representantes da Secretaria de Educação. 13 Esta opção não estava incluída no questionário, mas apareceu como resposta.
125
casos, dura de acordo com o interesse da instituição participante e para 3%
enquanto durar a ação. Para os restantes 3%, a distribuição é feita em lotes
quinzenais.
Cerca da metade das empresas (51%) tem material informativo (boletim ou
similar) destinado aos educadores, mas nem todas informaram com que
periodicidade este material é elaborado. Entre as que o fizeram, predominam os
mensais (31%), anuais (19%), trimestrais (12,5%), semanais (às vezes nas páginas
do próprio Jornal, também com 12,5% das respostas) e os quinzenais (6%), além
dos 19% que apontaram periodicidade variável. A propósito, os coordenadores da
pesquisa ressaltaram o fato de que a outra quase metade dos jornais (49%) não ter
material desse tipo, capaz de orientar os professores. Eles questionam se,
acreditando-se que para os alunos lerem aqueles que os educam precisam ser
preparados para ajudá-los a ler, por que praticamente a metade dos programas não
tem materiais organizados com tal intenção? Para eles, a pergunta seguinte - se os
programas oferecem uma orientação pedagógica sistemática aos professores - traria
respostas mais esclarecedoras. Os índices não são bons, pois um terço dos
programas reconhece não oferecer orientação pedagógica sistemática aos seus
professores.
Aprofundando a análise, o estudo afirma que ao procurar identificar por quais
meios tal orientação é levada a efeito, verifica-se o silêncio de 31% dos
representantes dos programas quanto às estratégias utilizadas. Ou seja, cerca de
um terço dos entrevistados não indica de que forma promove tal processo. Quando
se compara as respostas de quem afirma que promove orientação com as respostas
que estes mesmos entrevistados dão quanto aos meios empregados, revela-se um
quadro onde 31% têm orientação e material pedagógico; outros 31% têm orientação
126
pedagógica, mas não material; enquanto 10,5% dispõem de material, mas não de
orientação; e 12,5% não têm nenhum dos dois (15% deixaram em branco). Ou seja,
23% não oferecem nenhum tipo de orientação, seja por meio de textos impressos,
seja por meio de outras atividades – visitas às escolas, reuniões, oficinas etc. Outros
62% a oferecem, por meio de boletins ou maneiras diversas, enquanto 15% não se
manifestaram a respeito. Quanto às estratégias de orientação pedagógica mais
utilizadas, a preferência foi por oficinas, com 28% de indicações, o que parece
denotar, segundo os coordenadores do estudo, o caráter mais pragmático da
orientação promovida. Para eles, a perspectiva mais teórica ou teórico-prática que
poderia advir de cursos, palestras e seminários, juntas (12%), ficou bem aquém do
nível daquele tipo de ação. A não ser que sob o rótulo de oficinas estejam abrigadas
ações que também possam promover reflexões sobre as próprias atividades
práticas.
A pesquisa da ANJ conclui que os programas de Jornal na Educação em
desenvolvimento no Brasil, são, hoje, extremamente variados. Partem de uma base
mais ou menos comum mas parecem ser originais quanto à sua forma concreta de
desenvolvimento. Alguns se detêm mais nuns aspectos, outros mais em outros e,
assim, cada qual vai construindo a sua própria trajetória, algumas com maior êxito,
outras nem tanto, mas sempre com diferenças. Para a entidade, este estudo tem o
mérito de ser o primeiro a reunir um pouco mais detalhadamente, senão a história
mais completa desses programas, pelo menos a sua situação atual, numa visão de
conjunto. Ressalta que novos estudos precisam ser realizados para detalhar ainda
mais a questão.
Os responsáveis pelo levantamento sugeriram, em seu relatório final, que seja
criada pela ANJ, através do seu comitê de Jornal na Educação, uma concepção
127
básica sobre o que significa um programa de Jornal na Educação que possa
promover o avanço da cidadania, conciliando os interesses da empresa jornalística
em sua intenção de formar o leitor do futuro e de qualificar positivamente a sua
marca e a sua responsabilidade social à colaboração do jornal na escola para que
cumpra a sua função social de formar brasileiros éticos. Para eles, esta concepção
deve orientar a ação da entidade no sentido de que não que haja uma única forma de
se implantar ou desenvolver programas do gênero, mas que a multiplicidade de
ações levadas a efeito pelos vários associados venham a ter os seus objetivos
comerciais, de curto, médio e longo prazo, atingidos em função da qualidade do
trabalho em prol do conceito estabelecido em seus compromissos mais amplos.
Recomenda, ainda, que no desenvolvimento destes programas as empresas
jornalísticas não devem desviar as suas redações de sua independência e do seu
caráter noticioso. A administração dos programas, então, não deve interferir na
natureza do jornal em sua estrutura e funcionamento, mas contribuir para qualificá-la.
Por fim, diz que deve ser buscada alguma forma de parceria com universidades que
já tenham grupos de pesquisa ligados à área de jornal na educação (ou afim), para
que estudos mais sistemáticos possam ser direcionados aos programas em
desenvolvimento no país, tentando aferir o nível de sua colaboração em relação aos
fins a que se propõem.
2.4.2 A pesquisa da Prefeitura de Salvador
Outra pesquisa, desta vez mais circunscrita ao raio de ação do nosso próprio
estudo, foi o levantamento de opinião sobre o trabalho desenvolvido pelo programa
A Tarde na Escola, de responsabilidade da Secretaria Municipal da Educação e
128
Cultura de Salvador e divulgada em dezembro de 2004. Em sua apresentação, o
relatório destaca que, partindo da premissa de que a uso do jornal em sala de aula
pode aumentar o nível de interesse dos alunos pela leitura e melhorar a formação do
professor, “uma vez que o contato diário com notícias diversas e atuais contribuirá
para a atualização das informações deste profissional constantemente envolvido em
assuntos do mundo globalizado” (2004, p.3), era necessário ouvir dos professores os
reais benefícios que este trabalho teria trazido, bem como as contribuições que o
jornal tem dado à prática pedagógica.
Para tanto, foi utilizado um questionário em que os professores avaliaram a
importância do programa para a sua escola, verificando se a leitura do jornal vem
estimulando o desenvolvimento de uma educação interativa para a formação social e
integral do homem no seu contexto, melhorando a qualidade do ensino. Além disso,
pretendeu verificar se o jornal vinha sendo utilizado como recurso pedagógico,
despertando no aluno o desejo pela leitura através de dinâmica de produção de
jornal mural, como também demonstrando a capacidade de análise crítica do fato, do
contexto e da estrutura da notícia. Foi utilizado um questionário com 10 questões,
sendo seis delas com opção de escolha de apenas uma resposta e quatro questões
abertas, permitindo respostas livres. Eles foram respondidos por 15 professores de
todas as 25 escolas da 5ª a 8ª séries envolvidas no projeto.
O conceito dos pesquisados a respeito do programa variou de bom (53%) a
excelente (27%), enquanto que 20% não emitiram opinião. Do total de professores
que participaram do levantamento, 20% lecionam nas séries iniciais (da 1ª à 4ª
série), 13,3% lecionam Ciências, 6,6% Geografia e Cultura Baiana e 60% Língua
Portuguesa. Destes últimos, que são maioria, 56% acham bom o projeto, 22%
acham excelente e os outros 22% não opinaram. O jornal é visto como recurso
129
pedagógico por 100% dos professores. Neste contexto, 40% responderam que a
iniciativa contribui de forma excelente para a inovação de sua prática docente,
enquanto que 53,4% acham que é uma boa forma de contribuição e apenas 6,6%
vê a contribuição de modo regular.
Outro aspecto considerado foi a afirmação por 26,6% dos professores de que
a leitura do jornal é uma excelente contribuição para ampliar o número de alunos
leitores nas escolas, enquanto 46,6% acreditam que a leitura do jornal traz boas
contribuições e 26,6% acham a contribuição regular. Quanto ao nível de interesse
que os conteúdos trabalhados despertam nos alunos, 33,3% dos professores
afirmaram que estes despertam excelente interesse; 60% afirmaram despertar bom
interesse e apenas 6,6% acham que o interesse despertado é regular. Além disso,
20% dos professores afirmaram ser excelente o nível de desenvolvimento de
valores, formação de competência e construção de habilidades de leitura pelos
alunos; 46,5% dos professores afirmaram ser bom e 33,5% regular.
Diversos temas noticiados por A Tarde foram trabalhados pelos professores
em sala de aula, com destaque para a violência (14%), eleições, olimpíadas e meio
ambiente (8% cada), o que provavelmente deve-se ao fato de terem sido assuntos
de muita evidência na mídia nacional em 2004 e por isso foram envolvidos na prática
pedagógica do professor como forma de orientar os alunos. As atividades mais
realizadas a partir da leitura do jornal foram a interpretação e construção de texto
(32% das indicações), confecção de cartazes, murais e painéis (21%) e a realização
de seminários (em 8% dos casos).
Em relação à forma de utilização do Caderno Dez, 19% das respostas foram
para a distribuição entre os alunos e a utilização no levantamento de discussões,
enquanto que 13% responderam pesquisa em sala de aula. Quanto à forma de
130
utilização dos jornais da semana anterior (os encalhes), 20% das respostas foram
também para a distribuição do jornal entre os alunos e utilizados como fonte de
pesquisa, enquanto outros 15% responderam que usam como matéria prima nas
aulas de artes e para recortes. A maior utilização dada à cortesia diária é a leitura
pela comunidade escolar, que somou 60% das respostas. Conclui, portanto, o
relatório da Secretaria de Educação pela relevância do projeto para os alunos, bem
como para a comunidade escolar, impulsionando o conhecimento através das
informações veiculadas no jornal e contribuindo para a melhoria da leitura e a
formação da cidadania.
131
3 A ABORDAGEM METODOLÓGICA
No momento de delinear um processo de pesquisa, é preciso estabelecer
critérios, o que se consegue a partir dos objetivos que se deseja alcançar.
Considerando o que é próprio das ciências sociais, ao distinguir-se claramente do
determinismo verificado no estudo do universo físico, podemos listar como
características a serem consideradas neste tipo de estudo a imprevisibilidade, pois
lidamos com entidades que não se prestam facilmente (ou de maneira alguma, em
última análise) à quantificação. Portanto, na investigação social é preciso levar em
consideração a influência dos valores pessoais, que certamente tendem a
contaminar os resultados da pesquisa. Comparado ao método experimental da
ciência, a quantidade de variáveis com que é preciso lidar nos fenômenos sociais é
enormemente ampliada. Por tudo isso, conforme destaca a educadora Neusa Maria
M. de Gusmão (2001, p.74), só há um único caminho para desvendar os meandros
da pesquisa acadêmica, que é "fazendo pesquisa e refletindo com o próprio fazer".
Todavia, é voz corrente entre os pesquisadores que apesar de todas estas e
outras dificuldades que se pode apontar ao estudo das ciências humanas, é possível
e necessário que obtenhamos respostas com validade e segurança muito próximas
das pretendidas pelas ciências naturais. Tem sido, portanto, crescente a contestação
ao determinismo absoluto das chamadas ciências duras e hoje a influência das
explicações probabilísticas já perpassam até mesmo a física quântica ou a genética.
Ao tempo em que avançam e se consolidam as práticas e técnicas de quantificação
estatística e de projeções percentuais, entre outras.
Neste sentido, ao observar que os problemas de ordem científica podem ser
divididos em teóricos (que implicam em hipóteses e observações), técnicos (usam
132
instrumentos) ou de ação (envolvem considerações valorativas), Antônio Carlos Gil
(2002, p.41) lembra que é possível classificar as pesquisas em três grandes grupos,
as exploratórias, as descritivas e as explicativas. Para a proposta deste estudo,
concentramo-nos no primeiro tipo, que envolve quase sempre uma pesquisa
bibliográfica, entrevistas com pessoas ligadas ao objeto em estudo e a análise de
exemplos que ajudem a deslindar o problema. Em seu planejamento, as pesquisas
exploratórias privilegiam enquanto método o levantamento bibliográfico e
documental e o estudo de caso. Assim, para traçar um modelo conceitual que
operacionalizasse nossa pesquisa, seu desenvolvimento foi delineado a partir dos
procedimentos técnicos de coleta e análise de dados, inicialmente destacando os
que se utilizam das fontes de papel e digitais, os livros, periódicos, documentos e
arquivos eletrônicos disponíveis sobre o objeto estudado. Listando as principais
vantagens da pesquisa bibliográfica, Gil (2002, p.45) aponta a possibilidade de
“permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla
do que aquela que poderia pesquisar diretamente”.
Cada estratégia de pesquisa tem suas vantagens e desvantagens, a
depender do tipo de questão a ser levantada, mas também do controle que o
pesquisador possa exercer sobre os eventos comportamentais, históricos ou
contemporâneos. Neste sentido, sugere o pesquisador Robert K. Yin (2001, p.19)
que o estudo de caso é efetivamente o mais indicado para abarcar questões do tipo
como e por que, quando o investigador tem pouco controle sobre os eventos e
quando o foco estiver em fenômenos contemporâneos inseridos em contextos da
vida real. Dentre as situações que lista como indicadas ao estudo de caso,
encontram-se os estudos organizacionais, como é a proposta deste trabalho.
Também a propósito da escolha pelo método, Gil (2002, p.54) lembra que o estudo
133
de caso é modalidade bastante utilizada em ciências sociais, consistindo “no estudo
profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e
detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante outros
delineamentos”. Afirmação que justifica a nossa escolha, que foi baseada no desejo
de abordar em profundidade o projeto A Tarde na Escola a partir das experiências
contemporâneas de utilização do jornal na educação.
3.1. O ESTUDO DE CASO EM UM PROBLEMA DE EDUCAÇÃO
Considerado durante muito tempo como procedimento pouco rigoroso, o
estudo de caso serviria apenas para estudos exploratórios, mas hoje é um dos mais
indicados para pesquisar um dado fenômeno dentro do seu contexto real, quando os
limites entre um e outro não são claramente percebidos. Dificuldade bastante familiar
entre os pesquisadores da área social. Explica Yin (2001, p.22) que os estudos de
caso não são apenas exploratórios, mas podem ser também descritivos, quando
tratam uma seqüência de eventos interpessoais ao longo do tempo, descrevendo
uma subcultura que raramente foi tópico de estudos anteriores e descobrindo seus
fenômenos-chave. Podem ainda ser descritos como explanatórios, uma vez que o
objetivo do pesquisador seja “propor explanações concorrentes para o mesmo
conjunto de eventos e indicar como estas explanações podem ser aplicadas a outras
situações” (YIN, 2001, p.23).
Conforme lembra Edivaldo Boaventura (2004, p.117), o estudo de caso surgiu
como “instrumento de adequação do ensino jurídico ao espírito indutivo do common
law”, ganhando instrumentalidade didática no século XIX, por intermédio do então
diretor da Faculdade de Direito de Harvard, nos Estados Unidos da América,
134
Christopher Collumbus Langdell. Foi ele, portanto, o inventor do método do caso,
que provocou grande impacto no meio universitário norte-americano por volta de
1870, levando ao âmbito do Direito a técnica do uso de uma seleção específica de
casos para analisar a legislação dos contratos e, com isso, estreitando as lacunas
existentes entre o teórico e o prático. De acordo com Boaventura (2004, p.119), o
método do caso representava “considerável efeito prático, empírico e indutivo de
pensar e praticar o ensino jurídico”.
Na medida em que apreendia os princípios gerais, os padrões e as soluções
do Direito, a partir sobretudo da análise dos case study, o aluno desenvolvia o
raciocínio na análise concreta, na sucessão das fases e na peculiaridade de cada
um. O método de caso, por conseguinte, “é uma forma do modo empírico de estudar
e aprender indutivamente a prática do Direito” (BOAVENTURA, 2004, p.120). A partir
do universo jurídico, sua utilização como método de pesquisa se expandiu para as
áreas das ciências da saúde e posteriormente para as humanidades de uma
maneira geral, principalmente a Administração, Economia e Educação.
Miriam Goldenberg (1997, p. 33) descreve a influência da tradição de
pesquisa médica sobre o estudo de caso ao descreve-lo como "uma análise
detalhada de um caso individual que explica a dinâmica e a patologia de uma
doença dada". Tal método defende que é possível adquirir-se conhecimento
aprofundado do fenômeno a partir da exploração intensa de um determinado caso
estudado. Para tanto, trata de reunir um grande volume de informações detalhadas,
por meio de variadas técnicas de pesquisa, a fim de buscar apreender e descrever
toda a complexidade de um caso concreto. Não se propõe à neutralidade, na medida
em que procura destacar as diferenças internas e os comportamentos desviantes de
uma eventual média que possa ser aplicada.
135
Auxiliado pelas entrevistas em profundidade, o estudo de caso pretende
revelar o significado de dada situação para os indivíduos nela envolvidos, que seria
portanto mais amplo que o apurado através de questionários. Goldenberg (1997,
pp.34-35) defende que "não é possível formular regras precisas sobre as técnicas
utilizadas em um estudo de caso porque cada entrevista ou observação é única:
depende do tema, do pesquisador e de seus pesquisados". Desse modo, o
pesquisador deve esperar lidar com um volume muito grande de variáveis e
descobertas inesperadas, sendo obrigado a dar novos sentidos e orientações ao seu
estudo.
3.2 A UNIDADE DE ANÁLISE
Em nosso caso, procuramos aprofundar as situações que envolvem estudos
descritivos e explanatórios, lembrando que cada estratégia implica em uma lógica e
maneira diferentes de coletar dados e analisar provas empíricas, com suas próprias
vantagens e armadilhas. O estudo de caso mais uma vez mostra-se mais adeqüado
ao objeto em foco, que é permeado por relações operacionais que necessitam ser
traçadas ao longo do tempo, em vez de serem encaradas como meras
representações ou incidências. Como deve ser a avaliação crítica do processo de
formação de novos leitores através do programa A Tarde na Escola.
Portanto, dentre os propósitos que nortearam nossa escolha para este tipo de
método, estão: descrever o contexto efetivo em que se realizou a investigação,
facilitando a formulação de hipóteses e a definição de questões norteadoras de
pesquisa, além de explicar as variáveis causais do fenômeno em situações muito
complexas para o mero uso de levantamentos ou experimentos. Sendo a
136
flexibilidade uma das principais características dos estudos de caso, era de se
esperar que não seria possível estabelecer um roteiro muito rígido para o
desenvolvimento da nossa pesquisa. Mas sempre podemos tomar como orientação
as etapas mais comumente apontadas para este tipo de delineamento, desde a
formulação do problema, definição da unidade-caso, coleta, avaliação e análise de
tais dados, até a preparação do relatório final.
Ponto de partida para qualquer pesquisa, a formulação do problema em si já
demanda um grande esforço de reflexão e aprofundamento a partir do tema eleito,
que deve necessariamente ser passível de verificação por meio deste tipo de
abordagem metodológica. De fato, o estudo de caso tem sido adequadamente
utilizado para a abordagem de problemas de caráter exploratório, como é a intenção
do nosso olhar sobre o programa A Tarde na Escola, também permitindo identificar e
destacar os seus efeitos sobre o público ao qual é destinado, ou seja, os alunos,
professores e coordenadores pedagógicos atendidos pela iniciativa. Nossa unidade
de análise - está claro - é o projeto A Tarde na Escola dentro do seu contexto sócio-
histórico e com um recorte temporal que contempla desde o seu período de
implantação até o momento atual.
3.3 AS FASES
Formulado o problema e construídas as hipóteses, com a necessária
operacionalização das variáveis implicadas, foram definidos os caminhos que
levaram a uma abordagem que contempla as avaliações dos próprios sujeitos
envolvidos, desde os gestores e coordenadores do programa A Tarde na Escola até
os diretores, coordenadores pedagógicos e professores envolvidos na iniciativa,
137
usando ainda como parâmetros os levantamentos estatísticos com resultados e
diagnósticos de responsáveis por programas do gênero em todo o Brasil, bem como
de um grupo representativo de professores da rede municipal de ensino em
Salvador.
A partir daí, tratou-se da coleta de dados e posterior análise e interpretação
destas informações, feitas a partir de parâmetros preferencialmente qualitativos, mas
sem desprezar o precioso suporte das análises estatísticas, até a apresentação final
dos conclusões. Neste sentido, é de suma importância destacar a distinção
apontada por Gusmão (2001, p.75) entre observar interagindo, como ocorre na
esfera do senso comum, e observar com método, a fim de levantar dados para
amparar uma construção teórica. Nestes casos, é necessário uma atitude específica,
um olhar treinado, que não apenas descreve o que vê, mas tenta compreender os
objetos estudados em sua singularidade e na relação com a realidade em que está
inserido.
Não compreender tais aspectos "leva à incoerência metodológica e acarreta
sérias conseqüências quanto ao que se observa, como e porque, fazendo com que
entre o objetivo e o objeto se instaure uma confusão" (GUSMÃO, 2001, p.76). Em
tais situações, ocorre de se confundir o tema da investigação, sua problemática e o
objetivo da pesquisa. O objeto da pesquisa é uma construção intelectual que não
existe como produto acabado da realidade, mas ganha sua existência no próprio
percurso da pesquisa. A autora distingue três momentos da relação com o objeto
pesquisado. Antes, quando ele é apenas uma idéia a ser formulada e organizada em
relação a tudo o que já existe e lhe diz respeito. Durante o processo de observação,
coleta, classificação e interpretação de dados, no trabalho de campo propriamente
dito. E depois, já distante da realidade observada, quando é preciso relatar
138
objetivamente tudo aquilo que permeou a relação entre pesquisador e objeto de
estudo. E completa, afirmando que "o eixo organizador de todos os momentos é,
sem dúvida, o objetivo que se colocou no início da caminhada e a perspectiva
teórica que o informa" (GUSMÃO, 2001, p.77).
Lembra a educadora que para se fazer pesquisa é preciso ter claro o olhar
com que se olha, o modo como se olha e saber o lugar de onde se olha, pois cabe
ao pesquisador "sempre ser um estrangeiro, ou seja, ser membro do grupo, estar
próximo dele e, ao mesmo tempo, ser um outro" (GUSMÃO, 2001, p.81). Propõe,
como desafio que molda o pesquisador, "desconfiar das verdades postas e
relativizar constantemente nossas próprias descobertas" (GUSMÃO, 2001, p.86).
3.4 A ETAPA EXPLORATÓRIA
Neste tipo de pesquisa, o processo de coleta de dados para a construção de
um estudo de caso deve envolver sempre mais de uma técnica, o que pode ser
fundamental para garantir a qualidade dos dados apurados. Neste sentido, adverte
Gil (2002, p.140) que “os resultados obtidos no estudo de caso devem ser
provenientes da convergência ou da divergência das observações obtidas de
diferentes procedimentos”. Assim diminui-se a influência da subjetividade do
pesquisador sobre a análise dos dados, ajudando a validá-los. Ao lançar mão das
fontes de evidência, o estudo de caso busca conferir significado a seus resultados.
Mais ainda, para o autor este é o delineamento mais completo em termos de coleta
de dados, pois utiliza tanto dados numéricos, quantitativos, quanto “mediante análise
de documentos, entrevistas, depoimentos pessoais, observação espontânea,
observação participante e análise de artefatos físicos” (GIL, 2002, p.141). Em nossa
139
pesquisa, o estudo e interpretação dos dados envolveram modelos de análise os
mais diversos, embora de natureza predominantemente qualitativos. Para o trabalho,
nos valemos do concurso de diversos procedimentos, como a leitura e análise de
documentos (planejamentos, relatórios, avaliações), a observação de eventos
promovidos pelo programa (palestras, oficinas, seminários) e a entrevista direta.
Para o encaminhamento da pesquisa proposta, primeiro foi feita uma revisão
de literatura a fim de aprofundar e atualizar questões como a importância do ato de
ler no desenvolvimento da consciência crítica; os conceitos e estruturas pedagógicas
disponíveis para o entendimento dos processos de ensino e aprendizagem da leitura
e da interpretação de textos; o referencial teórico e histórico do uso do jornal como
instrumento pedagógico e também os estudos realizados e as experiências
promovidas com o jornal em sala de aula em várias cidade brasileiras. Foram
pesquisados também os endereços eletrônicos de instituições ligadas tanto ao
jornalismo (a exemplo da Associação Nacional de Jornais e da World Association of
Newspapers, além de veículos de comunicação que desenvolvem programas
educativos) quanto à área educacional (como o Ministério da Educação e a própria
Unesco).
3.5 OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA
Ao buscar estabelecer parâmetros de condução e avaliação dos dados a
serem coletados, optamos por uma abordagem de aspectos qualitativos, mas
buscando sempre o bom uso das informações quantitativas, evidenciando a postura
de Boaventura (2004, p.56), quando lembra que “há quem não aceite a dicotomia
quantitativo versus qualitativo”. Para ele, em ciências sociais, sobretudo em
140
educação, esta abordagem mais ampla facilita a obtenção direta de dados
complexos, contextualizados em seu próprio ambiente natural. Neste tipo de
pesquisa, “os investigadores, interessando-se mais pelo processo do que pelos
resultados, examinam dados de maneira indutiva e privilegiam o significado”,
conforme Robert Bogdan e Savi Biklen (apud BOAVENTURA, 2004, p.56).
Com relação ao controle sobre eventos comportamentais, Yin (2001, p.27)
lembra que o estudo de caso “é a estratégia escolhida ao se examinarem
acontecimentos contemporâneos, mas quando não se podem manipular
comportamentos relevantes”. Para tanto, dispõe de duas fontes de evidência que
não podem ser usadas nas pesquisas históricas, que são a observação direta e as
entrevistas. Recursos que buscamos utilizar em boa medida, a partir da larga
experiência profissional adquirida no exercício do jornalismo diário. Neste sentido,
lembramos que as entrevistas realmente costumam envolver relações sociais bem
mais amplas que a técnica costuma abarcar, mostrando-se – contudo – adeqüadas e
úteis no levantamento dos conhecimentos, memórias e expectativas, bem como dos
sentimentos, desejos e convicções de cada indivíduo pesquisado, mas igualmente a
propósito de suas razões, explicações, justificativas e pareceres sobre o tema
proposto.
A pesquisa em educação vale-se com freqüência do diálogo multidisciplinar
na solução de vários dos seus problemas em relação a referências e instrumentos
como os de pesquisa de campo. Em geral, utiliza para isso as entrevistas e os
questionários. Antes mesmo de optar por um destes instrumentos, é necessário
levar em consideração que não faz sentido contrapor métodos quantitativos com
qualitativos, pois a questão está realmente em selecionar os meios mais adequados
ao problema que se deseja investigar, até mesmo buscando combinar abordagens
141
distintas para o mesmo objeto, valendo-se das características mais apropriadas em
cada uma delas.
O recurso da entrevista foi escolhido, portanto, por adequar-se melhor ao
perfil dos pesquisados, abrindo mão da maior rapidez e facilidade de aplicação dos
questionários, em troca de uma condução mais personalizada, que inclusive não
exigia anonimato, distanciamento ou maior qualificação nas respostas. As perguntas,
por seu turno, procuraram limitar-se a fatos, mesmo quando abordaram as
avaliações individuais sobre os eventuais sucessos e avanços obtidos com o projeto.
Estas avaliações foram tratadas da maneira mais objetiva possível, buscando
validar os relatos com a justificação técnica e a descrição dos procedimentos e
critérios de classificação dos resultados. Foi possível, também, aplicar uma
combinação específica de questões tanto para professores quanto para diretores ou
coordenadores pedagógicos. Foram igualmente considerados aspectos como maior
ou menor tempo, disposição e entusiasmo dedicados ao projeto. Tal flexibilidade
seria muito difícil de viabilizar com o uso de questionários ou formulários. Com isso,
foi possível manter o foco sobre o tema específico, conservando um perfil totalmente
estruturado, ou seja, as entrevistas foram realizadas a partir de uma relação fixa de
perguntas básicas (modelo em apêndice), aproveitando, neste caso, as melhores
características da técnica de formulário.
O tipo de pergunta utilizado foi escolhido com a intenção de estabelecer
relação entre o maior número possível de variáveis que interferem na definição do
problema. Outros aspectos foram igualmente observados neste momento. As
questões foram formuladas previamente, de maneira direta e limitando-se a
aspectos estritamente relevantes ao assunto, adeqüadas aos conhecimentos e
experiências dos entrevistados e com o cuidado de não sugerir respostas ou não
142
suscitar dubiedades, vaidades, resistências ou má interpretação. Neste sentido, foi
de considerável valia a experiência de mais de 20 anos de jornalismo diário, na
condução técnica de entrevistas pessoais. Uma pré-testagem também validou a
eficácia dos instrumentos em relação aos objetivos propostos. O método que
adotamos também se mostrou o mais indicado para lidar com questões contextuais,
como sugere Yin (2001, p.34) ao afirmar que “certos trabalhos da área jornalística
podem ser qualificados como estudo de caso”.
De maneira geral, um projeto de pesquisa exige o desenvolvimento de uma
estrutura teórica que não apenas auxilie na definição do objeto a ser pesquisado e
na coleta adeqüada de dados, mas, conforme destaca o autor (YIN, 2001, p.54), que
possa também tornar-se o veículo principal para a generalização dos resultados.
Para aumentar a validade do constructo, ele recomenda utilizar várias fontes de
evidência, que devem ser encadeadas e submeter o rascunho do relatório à revisão
por parte de informantes-chave. É preciso, ainda, certificar-se de que as descobertas
realizadas são generalizáveis além do estudo imediato. O indicado, nestes casos,
seria tentar generalizar as descobertas para uma teoria. Finalmente, o projeto deve
ter confiabilidade, o que se consegue a partir de cuidados específicos com a
documentação levantada e o desenvolvimento de um banco de dados (YIN, 2001,
57-60).
A coleta de evidências deveria, portanto, se valer de fontes distintas, entre
documentos e artefatos, observações diretas e entrevistas. Com o cuidado de
observar alguns princípios básicos, como buscar fontes de evidência diversas,
encadeadas explicitamente a partir das questões apresentadas, dos dados
coletados e das conclusões a que se chegou. Pois, conforme indica Yin (2001,
p.180-185), um bom estudo de caso deve ser significativo, completo, considerar
143
perspectivas alternativas, apresentar evidências suficientes e ser elaborado de
maneira atraente. Por conta disso, também na elaboração dos relatórios de estudos
de caso é possível encontrarmos um grau de formalidade pouco menor que em
outras modalidades de pesquisa. A tendência atual indica o sentido de formatar a
apresentação dos resultados do estudo de forma semelhante a dos demais
relatórios de pesquisa, com a apresentação do problema, metodologia utilizada,
resultados verificados e conclusões alcançadas. “É uma forma de demonstrar que o
estudo de caso constitui procedimento científico e não tem propósitos literários” (GIL,
2002, p.142).
3.6 MODELO DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Precisávamos, então, definir um modelo para a análise e interpretação dos
dados levantados. Ao contrário do que ocorre em outros delineamentos de pesquisa,
estas etapas não são muito fáceis de estabelecer em estudos de caso. Em geral,
algumas pesquisas são finalizadas com a simples apresentação dos dados
coletados ou então seguem diretamente para a interpretação, buscando os
significados mais amplos possíveis de se conseguir. Por isso é tão importante neste
tipo de trabalho a preparação de um plano de análise que leve em consideração a
qualidade da amostra escolhida. Como o nosso objetivo era verificar se o programa
A Tarde na Escola efetivamente levou ao desenvolvimento e aprofundamento de
consciência crítica entre os estudantes contemplados, foi preciso definir como
evidenciar tal fato.
A escolha seguiu no sentido de ouvir os coordenadores do projeto,
professores e demais profissionais envolvidos, identificando igualmente os
144
instrumentos e procedimentos por eles utilizados no desenvolvimento do programa.
Neste sentido, buscamos questioná-los sobre os resultados que pretendiam atingir e
os efetivamente verificados, bem como sobre quais mecanismos foram utilizados
nesta avaliação. Com relação aos estudantes, era preciso saber como foi feito para
mensurar o nível de consciência crítica que traziam do seu passado escolar e quais
foram os ganhos efetivos verificados com a adesão ao programa. Assim, na
definição do grupo de educadores a ser pesquisado, optamos por uma amostragem
por cotas, levando em consideração as propriedades que consideramos mais
relevantes para o fenômeno a ser estudado, como o tempo de trabalho junto ao
programa, o interesse demonstrado e o nível de engajamento realmente verificado,
ao longo do tempo.
No momento de produzir o relatório, foi necessário descrever cuidadosamente
os dados obtidos, transcrevendo o conteúdo dos documentos analisados e as
observações registradas em entrevistas. Bem como indicar de maneira clara como
tais informações foram coletadas. A análise e interpretação dos dados buscou
estabelecer ligações entre os resultados obtidos e outras conclusões já conhecidas,
a partir de estudos realizados antes, como a pesquisa promovida pela Secretaria
Municipal de Educação de Salvador e o levantamento realizado pela ANJ, ambos no
final do ano passado. Por fim, a codificação dos dados foi feita a partir de categorias
previamente definidas e contempladas pelo roteiro de entrevistas. Foram elas, após
o estabelecimento do perfil do entrevistado: as técnicas de uso do jornal em sala de
aula mais utilizadas, o interesse dos alunos pela leitura, sua capacidade de
compreensão de textos, de crítica, contextualização e criatividade, sucesso escolar e
adeqüação do programa, além do levantamento de sugestões no sentido de
aprimorá-lo.
145
4 OS RESULTADOS DA PESQUISA
Tomando como ponto de partida a fundamentação das bases teóricas
propostas para orientar nosso estudo, validadas inclusive pelos levantamentos
promovidos pela ANJ e Prefeitura de Salvador, foi possível realizar uma abordagem
ampla e aprofundada do programa A Tarde na Escola. Neste sentido, documentos
foram analisados e comparados com a filosofia, a estrutura e a própria dinâmica do
seu funcionamento; entrevistas foram feitas com os assessores pedagógicos e
outros funcionários do jornal de alguma maneira envolvidos com a iniciativa; mas
também foi utilizada uma intensa observação participante, com a troca de
experiência entre pesquisador e vários dos professores, diretores e coordenadores
pedagógicos durante a realização de oficinas, palestras e outras atividades do
programa.
Neste capítulo, estão os relatos descritivos e analíticos das características e
do funcionamento de A Tarde na Escola, assim como do trabalho de campo,
contendo os resultados da investigação. Para a análise de conteúdo, foram levados
em consideração os pressupostos básicos da técnica, que implica na descrição do
conteúdo manifesto e latente das comunicações. Para tanto, foram identificadas as
três fases apontadas por Gil (2002, p.89) ao tratar do tema, que são a pré-análise,
envolvendo a escolha dos documentos e a definição da estrutura básica do roteiro
para as entrevistas; a exploração do material, incluindo as fases de definição das
unidades de análise, enumeração e classificação; e o tratamento e interpretação dos
resultados. Lembrando, mais uma vez, que a análise de conteúdo pode ser – como
efetivamente o foi – tanto qualitativa quanto quantitativa, com um pressuposto
orientando, balizando e legitimando o outro.
146
4.1 O PROGRAMA A TARDE NA ESCOLA
Criado em março de 1996, o programa, A Tarde na Escola iniciou a
experiência com apenas três unidades escolares, a partir do objetivo declarado de
estimular o desenvolvimento para uma educação interativa, observando as múltiplas
linguagens da comunicação, com enfoque na formação social e integral do sujeito a
partir do seu contexto, colaborando na aquisição de competências crítica e ética,
através do uso sistemático do jornal em sala de aula.
Atende, em 2005, a 76 instituições de ensino na Bahia, sendo 62 escolas
públicas e 14 particulares ou ligadas a organizações não-governamentais, nas
cidades de Salvador, Catu, São Sebastião do Passe, Vera Cruz e Itaparica. Embora
não haja como precisar a quantia exata, estima-se que mais de 3.000 alunos de
escolas particulares e de 60.000 das redes públicas estadual e municipal são
atendidos por algumas das atividades desenvolvidas pelo programa, que trabalha
essencialmente com crianças e adolescentes do ensino fundamental e médio, com
idade escolar entre 11 e 18 anos, além de professores, diretores, orientadores e
coordenadores pedagógicos.
Não há jornalistas diretamente envolvidos na iniciativa, os trabalhos são
geridos e conduzidos por dois assessores pedagógicos ligados à área de projetos
especiais da empresa. Diariamente, um exemplar do jornal é entregues às escolas
municipais, estaduais ou ligadas a organizações não-governamentais que integram
o programa. Além disso, todas as quartas-feiras são distribuídos 1.850 exemplares
do suplemento semanal Caderno 10 e mais 3.206 encalhes. Regularmente, são
realizadas visitas de estudantes à redação e oficinas gráficas do jornal. No início de
cada ano letivo, é promovido um encontro com os diretores, professores e
147
coordenadores pedagógicos envolvidos no projeto para o planejamento e realização
de seminários, oficinas e outras atividades.
Ao apontar as justificativas gerais que orientam o programa, seus gestores,
Walter Von Czékus Garrido e Etelvina Maria Moura Costa (2005), afirmam que “os
veículos de comunicação trabalham com dados que são pressupostos fundamentais
à formação escolar e profissional”. Para eles, a escola e o jornal estabelecem uma
parceria fundamentada na “necessidade de criar processos que possibilitem a
inserção de estudantes e professores na contemporaneidade sem perder de vista o
sentido ético-político que norteia a construção da cidadania”.
O objetivo básico do programa é enunciado como o desenvolvimento de uma
educação interativa, observando as múltiplas linguagens da comunicação, com
enfoque na formação social e integral do sujeito, a partir do seu contexto,
colaborando na aquisição de competência crítica e ética por parte de alunos e
professores através do uso sistemático do jornal na sala de aula. Em relatório onde
avalia e propõe ações a serem desenvolvidas pelo programa, Garrido (2005, p.1)
informa:
O A Tarde na Escola funciona durante todo o ano letivo atuando nas escolas integradas com os professores representantes através de oficinas pedagógicas periódicas para análise e produção de textos, promoção de cursos sobre informação, comunicação e educação, além de seminários para troca de experiências entre os diversos níveis e segmentos de ensino em que nós atuamos. Os processos de aprendizagem estão voltados para a criação e desenvolvimento de ações norteadoras, focados no planejamento das práticas leitoras com jornal. Periodicamente são feitas visitas às escolas parceiras para avaliação dos resultados.
O público alvo definido pelo programa é formado principalmente por crianças
e adolescentes do ensino fundamental e médio, com idade escolar entre 11 e 18
anos, além de professores, diretores, orientadores e coordenadores pedagógicos de
148
escolas municipais de Salvador, São Sebastião do Passé, Catu, Itaparica e Vera
Cruz, bem como colégios estaduais, particulares e ligados a organizações não-
governamentais da capital baiana. Para se filiar ao programa é necessário que a
instituição de ensino tenha em seu projeto pedagógico ações interdisciplinares e
atividades continuadas e de reforço à prática da leitura. Um termo de compromisso é
assinado com o jornal, quando a escola se compromete em indicar um
representante, no mínimo, para participar de todos os encontros e eventos
promovidos.
4.2 O TRABALHO COM O JORNAL
A sistemática de atuação do programa A Tarde na Escola é marcada,
principalmente, por encontros onde se realizam oficinas pedagógicas para análise e
produção de textos com enfoque nos denominados temas transversais, como ética,
pluralidade cultural, trabalho e consumo, sexualidade, saúde, meio ambiente e
tecnologia, observando os princípios norteadores da educação nacional, a partir das
especificidades e particularidades do entorno. Outras ações específicas realizadas
são os cursos sobre comunicação e educação, seminários para a troca de
experiências entre os diversos níveis e segmentos de ensino abarcados pelo
programa, onde acontecem debates sobre educação e exercícios orientados com
jornal. Também são feitas visitas às escolas para acompanhamento das atividades
planejadas e desenvolvidas.
Para um melhor aproveitamento das atividades sugeridas pelo programa, são
previamente definidas questões como a escolha de uma pessoa ou grupo, por turno,
para ficar responsável pelo recebimento dos exemplares (cortesia diária, o Caderno
149
10 e encalhes semanais), bem como de espaço e condições de armazenamento dos
jornais. Com relação ao trabalho com os diversos tipos de textos (noticiosos,
reportagens, opiniões, fotos, ilustrações, classificados etc) sugerem critérios que
envolvem reuniões periódicas com os professores para seleção do material,
articulação entre os responsáveis pelas diversas áreas do conhecimento para a
construção de uma rede de aprendizagem, escolha de local de fácil acesso para
consultas e seleção de material.
Algumas das sugestões apresentadas aos professores são a criação de um
momento de leitura do jornal em sala de aula; montagem de hemerotecas nas
bibliotecas ou na própria sala de aula; comentários sobre as matérias, manchetes,
reportagens, cartas do leitor e fotos do dia; exposição do material trabalhado durante
as aulas através de painéis; interpretação oral e escrita de notícias com o
preenchimento de fichas onde são listadas as características do material, assunto e
opinião do aluno; leitura de matérias para debate com os colegas; elaboração de
jornal semanal com a opinião da turma sobre os assuntos abordados; pesquisas
escolares a partir de temas noticiados no jornal; oficinas para a dramatização ou
criação de músicas (por exemplo, um rap, cujo ritmo facilita a assimilação) a partir de
notícias selecionadas; ou ainda o levantamento dos temas tratados e a leitura
comparativa entre jornais diferentes.
Em 2004, quando os coordenadores do programa escolheram como eixo
transversal temático do ano a questão do lixo e cidadania, as ações desenvolvidas
envolveram um seminário com o tema Meio Ambiente e Educação e a realização de
encontros por segmento – ou seja, com um dia dedicado aos representantes de
escolas municipais da capital, outro para as do interior, as estaduais e as
particulares ou mantidas por ONGs – para a distribuição e explicitação da
150
sistemática de uso de um guia geral do programa. Também aconteceram oficinas de
jornal mural; a promoção de sessões especiais de cinema, com uma série de
atividades posteriores vinculadas à temática dos filmes assistidos; encontros para
conversas com jornalistas e colunistas do jornal; oficinas sobre intertextualidade;
produção de fanzines; seminário sobre multireferencialidade e troca de experiências
sobre o uso do jornal em sala de aula.
Neste ano de 2005, os primeiros encontros aconteceram entre os dias 25 e 29
de abril, na sede do jornal, contando inclusive com a presença deste pesquisador,
na qualidade de observador participante e interlocutor em debates sobre as
especificidades da linguagem jornalística e a estrutura e funcionamento de uma
empresa de comunicação social. Foram realizadas oficinas sobre como aproveitar os
diversos textos que ele oferece, bem como avaliações e sugestões para o
desenvolvimento futuro do projeto. O programa A Tarde na Escola teve, ainda,
oficinas de orientação para a montagem de jornal mural, no período de 6 a 10 de
junho de 2005.
O planejamento anual prevê para a semana de 15 a 19 de agosto de 2005
uma oficina sobre o desenvolvimento de linguagens a partir do texto jornalístico e o
seminário intitulado Jornal, currículo e epistemologia: uma discussão sobre o
conhecimento, marcado para o dia 26 de outubro de 2005, entre outras ações ainda
em planejamento, como o Baú de Leitura, as Jornadas Ampliadas de Leitura,
encontros para a formação de monitores, o Concurso Jovem Repórter, exibição de
filmes de cinema nacionais e educativos e as visitas programadas ao jornal e à
emissora de rádio do grupo de comunicação A Tarde.
Entre as questões levantadas durante as oficinas de avaliação do programa,
das quais participei como observador e palestrante, a maioria dos professores e
151
educadores apontaram a necessidade de uma presença e acompanhamento mais
efetivos de algum profissional do jornal junto às escolas no desenvolvimento das
atividades cotidianas com o jornal em sala de aula e a reestruturação do Caderno 10
nos moldes originais ou criação de um outro suplemento, ainda que destinado
exclusivamente à circulação entre as escolas, mas abrindo espaço à participação de
alunos e professores, tanto no que diz respeito à cobertura quanto ao
aproveitamento de textos e outras experimentações.
Neste sentido, cabe esclarecer que o suplemento semanal Caderno 10 foi
criado em abril de 1996 e, até dezembro de 2000, era destinado à divulgação de
eventos exclusivamente ligados à área escolar, artigos educacionais e produção das
próprias escolas (educadores e estudantes) e outras instituições afins. A partir de
então, a empresa tomou a decisão de adotar uma nova estratégia, passando a
destinar a publicação ao público jovem, com outro perfil, menos comprometido com
uma linha editorial dedicada a questões didáticas.
4.3 TRABALHO DE CAMPO
As entrevistas com os educadores ligados ao programa A Tarde na Escola
foram realizadas no período entre 1 e 8 de junho de 2005. A pesquisa de campo
envolveu entrevistas pessoais semi-estruturadas (ou seja, a partir de um roteiro
prévio de perguntas elaboradas sob orientação das questões norteadoras deste
estudo, conforme modelo anexo) com 15 professores que participam regularmente
das atividades do programa A Tarde na Escola. Tal conjunto corresponde a uma
amostra de aproximadamente 20% das 76 instituições de ensino atualmente
cadastradas junto ao programa.
152
Observando o critério de proporcionalidade, foram ouvidos cinco professores
de escolas públicas municipais (uma vez que 27 delas integram o programa) e dois
de escolas estaduais localizadas em Salvador (que são em oito, no total), outros dois
de escolas municipais da localidade de São Sebastião do Passe (para oito que
participam do programa), um de Catu (são sete, no total), um de Itaparica (seis no
programa) e um de Vera Cruz (também seis), além de um que leciona em colégio
particular (para cinco representantes da rede privada) e outros dois ligados a
organizações não-governamentais (que são em nove as inscritas no programa,
conforme tabela abaixo).
Tabela 1 – Instituições de ensino
Instituições de ensino Quantidades Amostra de 20%
Municipais de Salvador 27 5
Estaduais de Salvador 8 2
Municipais de São
Sebastião do Passé
8 2
Municipais de Catu 7 1
Municipais de Itaparica 6 1
Municipais de Vera Cruz 6 1
Particulares 5 1
ONGs 9 2
Totais: 76 15
153
O perfil médio apurado entre estes educadores indicou uma maioria de 73,3%
de mulheres, contra 26,7% de docentes do sexo masculino, com idade de 43 anos.
Quase todos os entrevistados têm nível superior completo, contra apenas um que
concluiu o ensino médio.
Uma maioria igualmente significativa de 80% realizou pelo menos um curso
de especialização em áreas como gestão educacional, metodologia do ensino ou
psicopedagogia, entre outras. Igual proporção de 80% pertence à rede pública,
enquanto que os 20% restantes se dividem entre instituições privadas e
organizações não-governamentais.
Entre as funções e atividades exercidas, encontramos 53,3% de professores,
13,3% de diretores e 13,3% de vice-diretores, além de coordenador pedagógico,
assistente de coordenação e bibliotecária, com uma indicação cada.
Os professores, por sua vez, são em sua maioria dedicados ao ensino de
Língua Portuguesa (75%), seguindo-se as disciplinas de História (25%), Filosofia e
Espanhol (12,5% cada).
É necessário observar que, neste item, o total dos resultados não soma
exatamente 100% em razão de alguns entrevistados trabalharem com mais de uma
disciplina simultaneamente. Tais números são muito próximos do que foi revelado na
pesquisa da Prefeitura de Salvador, onde uma maioria de 60% informou também
dedicar-se a ensinar Português. Este, inclusive, foi o único ponto coincidente,
conforme podemos conferir na próxima tabela:
154
Tabela 2 – Disciplinas ensinadas
Disciplina Entrevistas levantamento da Prefeitura
Português 75% 60%
História 25% -
Filosofia 12,5% -
Espanhol 12,5% -
Séries Iniciais - 20%
Ciências - 13,3%
Geografia e Cultura Baiana - 6,6%
Os educadores ouvidos em nossa pesquisa de campo revelaram que estão,
em média, há 9,7 anos no cargo e há cerca de 4,8 anos trabalhando com o
programa A Tarde na Escola, sendo que os mais novos estavam iniciando a
experiência somente a partir deste ano letivo, enquanto os mais antigos participam
das atividades desde a sua implantação, há cerca de nove anos, acumulando
experiência em relação ao programa.
A metodologia adotada mais freqüentemente por eles para o trabalho com
jornal em sala de aula envolve, por ordem, os exercícios de leitura, interpretação e
compreensão de texto (que mereceram 53,3% das respostas), a investigação da
linguagem jornalística e sua tipologia textual (40%), a elaboração de jornal mural e
como material de pesquisa (33,3% cada), a discussão em classe de temas
noticiados (26,5%), a confecção de jornal escolar, análise do funcionamento e
estrutura de uma empresa jornalística e os exercícios de recorte e colagem (que
tiveram 13,3% de respostas, cada). Neste caso, é preciso observar que os
155
entrevistados também puderam apontar em suas respostas mais de um tipo de
trabalho preferido.
Por sua vez, com relação às atividades mais realizadas com o jornal em sala
de aula, os professores da rede municipal apontaram, no levantamento realizado
pela Prefeitura do Salvador, em primeiro lugar a interpretação e construção de texto
(32% das indicações), confecção de cartazes, murais e painéis (21%) e a realização
de seminários (em 8% dos casos). Números que, mantidas as proporções médias,
mais uma vez revelam correspondência com o que foi apurado durante nosso
próprio trabalho de campo. Tal afirmação pode ser conferida na tabela comparativa
que se segue:
Tabela 3 – Comparativo da metodologia mais utilizada em sala de aula
Metodologia entrevistas levantamento da Prefeitura
Leitura e interpretação de textos 53,3% 32%
A linguagem jornalística e tipologia
textual
40%
Confecção de jornal mural, cartazes
etc
33,3% 21%
Como material para pesquisa 33,3%
Discussão de matérias e reportagens 26,5%
Confecção de jornal escolar 13,3%
Análise do funcionamento e/ou
estrutura de empresa jornalística
13,3%
Exercícios de recorte e colagem 13,3%
Realização de seminários 8%
156
A título de comparação, vale lembrar que o periódico impresso é visto como
recurso pedagógico válido por todos os 15 professores municipais da 5ª à 8ª séries,
entrevistados durante o levantamento da Prefeitura de Salvador, no ano passado.
De acordo com o relatório que avalia os resultados deste trabalho, o jornal contribui
para a inovação de sua prática docente de forma boa (53,4% das respostas) ou
excelente (40%), com apenas 6,6% que vêem a contribuição de modo regular.
O roteiro de entrevista oferecido aos professores que compõem a amostra
deste estudo incluiu, também, questionamentos sobre os projetos por eles
desenvolvidos a partir da experiência com A Tarde na Escola, o eventual aumento
de interesse dos alunos por leitura de uma maneira geral, o desenvolvimento de
criatividade e da capacidade de compreensão de textos, a formação de alunos mais
conscientes e críticos, o sucesso escola e o conteúdo noticioso do jornal A Tarde em
relação às suas necessidades pedagógicas específicas, além de abrir espaço para
sugestões destinadas a aprimorar a iniciativa. As respostas estão tabuladas abaixo:
Tabela 4 – Projetos e experiências com jornal em sala de aula
- Há alguma experiência relacionada ao programa que você gostaria de relatar?
Resposta Percentual
Estímulo à leitura 26,6%
Jornal mural 20%
Debates em sala de aula a partir de matérias publicadas 6,7%
Produção de textos dissertativos 6,7%
Jornal falado 6,7%
Jornal e poesia 6,7%
Não responderam 26,6%
157
Como resposta a este item, cabe ressaltar que a predominância das
experiências até então acumuladas com a utilização do periódico impresso em sala
de aula concentra-se nas atividades de estímulo à leitura, podendo-se adicionar
como exercícios correlatos ou dele decorrentes os debates sobre fatos, temas e
eventos noticiados através das notícias publicadas e a produção de textos
dissertativos.
É lógico supor que este fato decorre diretamente das próprias características
de conteúdo e objetivos pedagógicos da disciplina de Língua Portuguesa, já
identificada como maioria entre os professores que participam de iniciativas que
envolvam o jornal em sala de aula. A eventual diversificação no leque de disciplinas
curriculares trabalhadas pelo programa – que é sugerida e mesmo recomendada por
pesquisadores e pelos coordenadores do sub-comitê de Jornal na Educação da ANJ
- deve vir acompanhada por correspondente ampliação, em termos quantitativos e
qualitativos, das atividades e experiências desenvolvidas.
Tabela 5 – Interesse pela leitura
- O programa tem contribuído para aumentar o interesse dos seus alunos pela
leitura?
resposta percentual
Sim 86,6%
Ainda não 6,7%
Não respondeu 6,7%
158
A expressiva margem de respostas positivas ao questionamento sobre
aumento no interesse pela leitura, o que é corroborado pelos resultados obtidos pelo
levantamento da Secretaria Municipal de Educação de Salvador (onde 26,6% dos
professores pesquisados declararam que a leitura de jornal é uma excelente
contribuição para aumentar o número de alunos leitores, somados aos 46,6% que
consideram a contribuição boa e outros 26,6% regular), deixa evidente a opinião
destes educadores. Assentados sobretudo a partir da vivência diária em sala de
aula, quase todos os educadores entrevistados apontam o jornal como instrumento
efetivo no estímulo, desenvolvimento e consolidação do hábito de ler entre
estudantes.
Tabela 6 – Desenvolvimento de criatividade e capacidade de compreensão
- Os alunos que participam do projeto têm conseguido desenvolver a criatividade e
uma maior capacidade de compreensão de textos?
Resposta percentual
Sim 86,6%
Não, o trabalho com jornal em sala está apenas iniciando 6,7%
Não pode avaliar tal fato em curto prazo 6,7%
Também nesta questão a experiência prática dos professores confere ao
periódico impresso uma ampla margem de confiança do tocante à capacidade de
desenvolver a criatividade e capacidade de interpretação e compreensão de textos.
É importante notar, a respeito, que entre as respostas negativas não há sequer uma
única que rejeite a priori o veículo, mas justificam-se em razão dos trabalhos com o
159
jornal em sala estarem apenas começando ou ainda não terem condições de avaliar
a questão em curto prazo. O que rigorosamente resultam em ser a mesma coisa.
Comentário semelhante pode ser conferido à pergunta seguinte do roteiro de
entrevistas, que aborda a formação de consciência crítica e capacidade de
contextualização, onde os percentuais obtidos são ainda mais expressivos, conforme
podemos conferir abaixo:
Tabela 7 – Formação de consciência crítica e capacidade de contextualização
- A leitura regular de jornal incentiva a formação de alunos mais conscientes, mas
críticos e aptos a relacionar eventos a contextos?
resposta percentual
Sim 93,3%
Não respondeu 6,7%
Tabela 8 – Critérios de avaliação
- Como você verifica tal fato? (apenas para os que responderam sim à questão
anterior):
resposta percentual
Não souberam ou não quiseram responder 57%
Avaliação processual e qualitativa, formação de lideranças,
observação direta do comportamento dos alunos, produção em
sala de aula etc
43%
160
Com relação à maneira como os professores avaliam o desenvolvimento de
tais habilidades, embora a maioria tenha preferido ou não teve condições de
responder, é possível constatar que os mecanismos adotados são essencialmente
processuais, baseados na observação direta e continuada das turmas de alunos. O
que se dá através de suas intervenções verbais e da realização dos trabalhos
escolares, mas sugerindo inclusive a melhoria das notas obtidas em provas, como
comprovam as respostas dadas à questão seguinte da entrevista, reproduzida a
seguir:
Tabela 9 – Sucesso escolar
- O jornal contribui para o sucesso escolar dos alunos envolvidos no programa?
resposta percentual
Sim 93,3%
Não respondeu 6,7%
A questão final da entrevista diz respeito ao conteúdo noticioso do jornal A
Tarde e justifica-se em razão da necessidade de apurar os reflexos sobre o
programa das recentes modificações editoriais e de estilo promovidas pelo veículo,
incluindo as transformações sofridas pelo Caderno 10, que migrou radicalmente de
público-alvo, linguagem, objetivos e formatação estética em relação ao produto
inicial criado para atender ao programa A Tarde na Escola. Neste sentido,
verificamos:
161
Tabela 10 – Conteúdo editorial
- O conteúdo noticioso do jornal A Tarde é adequado às suas necessidades em sala
de aula ou falta algum tipo específico de tema, assunto ou abordagem?
resposta percentual
Não, pois sentem falta de algum conteúdo específico 60%
Sim, o conteúdo editorial é plenamente adequado 33,3%
Não respondeu 6,7%
A maioria, portanto, apontou a necessidade de contar com novos temas,
assuntos ou abordagens para auxiliar em seu trabalho em sala de aula. Em termos
proporcionais, entre os 60% que assim responderam à pergunta, surgem por ordem
a produção de textos e trabalhos elaborados pelos próprios alunos (33,4%), as
temáticas adolescentes (22,2%), os assuntos ligados ao ensino fundamental, o
conteúdo lúdico, temas transversais e textos específicos sobre educação (11,1%
cada).
Por fim, o trabalho de campo buscou levantar entre os professores que já
trabalham com jornal em educação sugestões e recomendações no sentido de
aprimorar o programa. O que, em certa medida, mostrou relação direta com a última
pergunta da entrevista, ou seja, as sugestões apresentadas concentram-se, em sua
maioria, em atender à demanda identificada por maior especo editorial destinado à
produção acadêmica. O resultado está listado a seguir:
162
Tabela 11 -- Sugestões apresentadas
- Quais sugestões você apresentaria para aperfeiçoar o programa A Tarde na
Escola?
resposta percentual
Espaço no jornal destinado à publicação de material produzido por alunos e professores
40%
Mais oficinas para a troca de experiências entre as escolas 20%
Visitas mais freqüentes à redação e/ou à sede do jornal 6,7%
Acesso facilitado ao acervo de jornais antigos para pesquisa 6,7%
Concursos literários e/ou de redação 6,7%
Ampliação do programa às escolas do interior da Bahia 6,7%
Não responderam 13,2%
Neste sentido, foi possível identificar duas premissas básicas a orientar a
avaliação que este percentual maior de professores ouvidos faz de suas atividades
com o jornal em sala de aula e do próprio programa, enquanto parceiro e fomentador
da iniciativa. Primeiro, que o jornal é, em si, o veículo apropriado e indicado para que
a comunidade escolar divulgue, debata e encaminhe suas questões mais relevantes.
Em outras palavras, que o periódico impresso – sobretudo o mantenedor do próprio
programa de jornal na escola – disponibilize e garanta espaço para que a educação
reflita sobre si mesma, seus princípios e suas práticas. De uma maneira geral,
praticamente todo segmento social quer ver suas atividades registradas nas páginas
de um veículo de comunicação social e o meio escolar não seria diferente.
163
A segunda premissa a ser levada em consideração diz respeito à orientação
contemporaneamente aceita pelos educadores de que o processo de ensino e
aprendizagem deve envolver, cada vez mais e sempre que possível, a construção de
saberes a partir da práxis efetiva, do saber fazer preconizado pela Unesco como um
dos paradigmas emergentes da educação no século XXI. Neste sentido, mais uma
vez fundamenta-se o desejo expresso pela maioria dos entrevistados em dispor de
condições práticas para elaborar, trabalhar e ver publicados os conteúdos
desenvolvidos durante as oficinas e demais atividades pedagógicas do programa A
Tarde na Escola.
Com o objetivo de reforçar tais conclusões e indicações, apuradas a partir do
trabalho de quantificação das respostas ao roteiro de entrevistas previamente
estabelecido, enriquecemos esta análise com o depoimento pessoal de vários dos
educadores ouvidos durante o trabalho de campo. As declarações colhidas ilustram
convenientemente cada uma das questões estudadas, acrescentando profundidade
ao estudo na medida em que reflete – ainda que através dos filtros inevitáveis da
experiência pessoal – a opinião de uma maioria verificável da amostra delimitada.
Pois a partir do exemplo, fica facilitada a tarefa de generalização dos resultados
obtidos.
4.4 ENTREVISTANDO OS PROFESSORES
De início, é necessário lembrar, mais uma vez, os objetivos específicos que
foram propostos para balizar este estudo. Por seu intermédio, foi realizado o
levantamento de amplo material teórico sobre o uso do jornal em sala de aula e
identificadas quantas e quais experiências do gênero foram ou ainda são bancadas
por empresas jornalísticas nacionais, ajudando a criar uma base comparativa para
164
os resultados apurados durante a nossa pesquisa. Também foi possível descrever e
caracterizar o projeto A Tarde na Escola, situando-o em relação ao contexto sócio-
pedagógico nacional e compreendendo sua proposta a partir das práticas
pedagógicas desenvolvidas, além de levantar a metodologia empregada por este
conjunto de professores.
Partindo da constatação de que, em geral, as práticas pedagógicas
contempladas em A Tarde na Escola não diferem muito do que é realizado pelos
demais programas no Brasil, foi possível detectar a possibilidade de explorar mais
efetiva e criativamente todo potencial do jornal impresso como instrumento de apoio
didático. Uma exceção que ilustra eloqüentemente tal afirmação está descrita no
depoimento da professora Waldevina Costa Meireles, da Escola Municipal Joir
Brasileiro, em Salvador, que trabalha com turmas de 5ª e 6ª séries:
Eu costumo dar uma aula sobre o jornal. Como é a primeira página, as sessões, os artigos. Falo pra eles da diferença de um texto assinado, um artigo assinado da opinião do jornal. Que cada jornal tem uma linha e que os repórteres escrevem e têm que seguir aquela linha, mais ou menos. E que, quem assina, aí pode botar uma opinião diferente do jornal, mas tem que assinar. Mostro todas as sessões, os cadernos. Faço eles observarem a primeira página. A gente analisa toda a primeira página de um jornal, depois faço exercícios para eles identificarem notícias, encontrarem notícias em cada sessão do jornal, cada caderno. Aí, faço aquelas célebres perguntinhas - o que, quem, como, quando - pra eles identificarem na notícia. Depois eles partem para produzir notícias,que a gente faz um jornalzinho na escola, também.
No geral, entretanto, não chega a surpreender que nossa pesquisa de campo
tenha apontado que os métodos mais utilizados para o trabalho com jornal em sala
de aula são mesmo os exercícios de leitura, interpretação e compreensão de texto
(53,3% das respostas) e o estudo da linguagem jornalística e sua tipologia gráfica ou
textual (40% da preferência indicada). Depois, vieram a elaboração de jornal mural e
165
como material de pesquisa (33,3% cada) ou ainda a discussão a partir de notícias
publicadas (que mereceu 26,6% das indicações), a confecção de jornal escolar,
análise do funcionamento e da estrutura de uma empresa jornalística e exercícios de
recortar e colar (que tiveram 13,3% das respostas, cada). Percentuais bem próximos
dos verificados no levantamento da administração municipal, onde todos professores
ouvidos identificaram o jornal como recurso pedagógico eficiente, até reconhecendo
em sua maioria expressiva (40% responderam que de forma excelente e outros
53,4% como uma boa forma) que ele contribui para inovar a sua própria prática
docente, embora 32% o façam através de exercícios de interpretação de textos e
outros 21% para a confecção de jornal mural.
Não seria mero acaso, portanto, a constatação de que não somente em nossa
pesquisa, mas de igual forma no levantamento patrocinado pela Secretaria Municipal
de Educação, é expressiva a predominância de titulares da disciplina de Língua
Portuguesa entre os professores que mais utilizam o jornal em sala de aula e,
conseqüentemente, participam mais efetivamente do programa A Tarde na Escola.
Os percentuais foram de 75% em nossas entrevistas e 60% no caso da prefeitura.
É recomendável lembrar, a propósito, que o trabalho com jornal pode ser
ampliado para quaisquer das disciplinas dos currículos regulares do ensino
fundamental, médio ou superior. O que de fato é preciso fazer, neste sentido, é
divulgar mais efetivamente as vantagens na utilização do veículo impresso como
instrumento de apoio didático para os professores de todas as disciplinas. Em
algumas instituições tal prática já começa a ser implantada, conforme relatou em sua
entrevista a vice-diretora da Escola Municipal Heloyna Barradas, em Salvador,
professora Gisele Miranda Santos:
166
Nós fazemos trabalho interdisciplinar. É um suporte excelente para que desperte o desejo, a curiosidade dos meninos, porque hoje na escola, para que o aluno queira aprender, nós temos que seduzi-lo. E o jornal é uma forma para seduzir o nosso aluno, porque ele permeia o nosso mundo, nosso cotidiano.
Entre os projetos ou experiências desenvolvidos a partir da vivência e das
oficinas com o programa A Tarde na Escola, os entrevistados preferiram citar as
iniciativas de estímulo à leitura (que somou 26,6% das respostas) e o jornal mural
(com 20% das indicações). Com uma resposta cada (o que representa 6,7% para a
nossa pesquisa), vieram a seguir experiências com debates em sala de aula a partir
de temas selecionados entre as matérias publicadas no dia ou na semana, produção
de textos dissertativos, jornal falado e exercícios envolvendo jornal e poesia.
Merecem registro, entre os depoimentos colhidos no trabalho de pesquisa de campo,
a iniciativa intitulada Salve Salvador, posta em prática pela equipe do Colégio Batista
Brasileiro, situado na capital baiana. De acordo com o relato da orientadora
pedagógica Marilúcia Santana Lima de Jesus, o projeto utiliza um grande jornal
mural para “pesquisar os problemas de Salvador, não só a parte de beleza, o
turismo, mas o que a gente busca no jornal é levar as crianças a ter consciência da
realidade de sua cidade”, concluiu. Quem também lançou mão do recurso do jornal
mural e da pesquisa social nas páginas de A Tarde foi o educador Luciano de Melo
Freaza, da organização civil Projeto Axé, que disse em seu depoimento:
Atualmente, a gente está trabalhando com o jornal mural dentro da história dos 15 anos do Projeto Axé. A gente resgatou todas as reportagens que falavam do projeto e com isso foi buscar algumas matérias de jornais antigos que falavam sobre crianças em situação de risco nas ruas, o investimento do governo na questão da educação... Com isso, os meninos começam a perceber a importância do jornal, da leitura do jornal.
167
Perguntados se acreditavam que o programa tem contribuído para aumentar
o interesse dos alunos pela leitura, 86,6% responderam afirmativamente, contra
apenas 13,3 que disseram ainda não poder afirmar tal fato ou preferiram não
responder. Neste sentido, é bastante ilustrativo o depoimento da professora
Raimunda Marta Gesteira de Souza, do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes,
em Salvador, sobre as práticas de leitura de seus alunos:
Muitos não tinham o hábito da leitura, muitos alegavam que não liam porque não tinham o dinheiro para comprar o jornal, outros porque não achavam o jornal interessante. Interessante era ver televisão, onde a notícia era muito mais rápida e imediata. Hoje, eles estão percebendo a necessidade de ler, discutir e perceber que a leitura ajudou a melhorar a dissertação, o poder de argumentação. Eu faço sempre uma verificação para ver se está tendo retorno o que a gente está fazendo em sala. Por exemplo, quando a turma vem comigo desde o primeiro ano, no terceiro ano a gente pode dizer que tem, assim, 70 a 80% lendo. O que é muito bom. Quando eu pego a turma no terceiro ano, que são alunos desconhecidos, faço este levantamento durante o ano e, no final, eu consigo atingir um pouco mais de 50%.
Uma maioria consolidada em 86,6% dos educadores ouvidos afirmou
acreditar que os alunos que participam do programa conseguem desenvolver a
criatividade e uma maior capacidade de compreensão de textos. Somente 6,7%
afirmaram não ter condições de avaliar tal fato em curto prazo, enquanto igual
número respondeu que não, uma vez que os trabalhos com jornal em sala de aula
estavam apenas iniciando em sua escola. Sobre esta questão, a professora
Margareth Conceição Almeida de Araújo, da Escola Municipal Professor Jacelino
José Nogueira, da cidade de Catu, sintetizou em sua entrevista que “lendo mais,
conseqüentemente, você é mais questionador e mais argumentador, isto baseado
no uso do jornal”.
168
Com relação ao incentivo que o programa traria na formação de alunos mais
conscientes, mais críticos e aptos a relacionar eventos a contextos, um total
bastante expressivo de 93,3% respondeu que sim, contra apenas um dos
entrevistados (ou seja 6,7% das respostas, em termos percentuais) que preferiu não
emitir opinião a respeito. A propósito, vale a pena destacar mais uma vez o
testemunho da professora Raimunda Marta Gesteira de Souza, que leciona há mais
de 12 anos e está há quatro participando de A Tarde na Escola:
Uma coisa que eu já percebi é que a formação das lideranças está muito ligada a esta situação, porque a maioria dos alunos que está querendo formar o grêmio da escola é de alunos que lêem, que buscam estas informações, que já estão buscando inclusive parâmetros. Eles lêem A Tarde e buscam outras informações, como uma forma de comparar situações. Politicamente, eles já estão começando a atuar dentro da escola para a formação dos grêmios.
Entre os que disseram acreditar que a leitura regular de jornal incentiva o
desenvolvimento do senso crítico e a capacidade de contextualização, uma maioria
de 57% não esclareceu a respeito de como fazia para avaliar tais avanços por parte
dos seus alunos, ao tempo em que os 43% restantes informaram que procediam a
avaliações processuais e qualitativas, ou ainda levando em conta a formação de
lideranças entre as classes, a produção em sala de aula ou a partir da observação
direta e acompanhada do comportamento do estudante. A este respeito, a
professora Jaqueline da Silva Pereira Mangueira, da Escola Municipal Fazenda
Coutos, garantiu em seu relato que:
O professor tem como avaliar, porque tem um registro que vai desde a nota que o aluno tinha no primeiro semestre e que tem no segundo, ou do parecer que ele tinha no primeiro e tem no segundo. Mostra que o trabalho desenvolvido está surtindo efeito.
169
O depoimento da professora Francisca Jorge dos Santos, da Escola Municipal
João Paim, de São Sebastião do Passé, complementa a questão sobre como avaliar
o desenvolvimento do senso crítico entre os estudantes:
Primeiro, pelo próprio comportamento do aluno e segundo pelas produções que eles executam na sala e também como eles conseguem fazer a interdisciplinaridade. Por exemplo, você trabalha um texto de economia dentro de Português e eles aceitam e até discutem. Na hora de produzir um texto, eles não têm nenhuma dificuldade.
Quanto ao sucesso escolar dos alunos envolvidos com a iniciativa, 93,3% das
respostas indicaram também que sim, o programa contribui diretamente para a
melhoria do desempenho discente, inclusive em relação às notas de cada unidade.
Mais uma vez, um dos entrevistados (ou seja, 6,7%) preferiu não responder à
questão.
Questionados sobre o conteúdo noticioso do jornal A Tarde, 33,3% dos
educadores consideraram adequado às suas necessidades em sala de aula, mas a
maior parte – cerca de 60% deles – afirmou que sente falta de algum tema, assunto
ou abordagem específica, restando um percentual de 6,7% dos entrevistados sem
responder à pergunta. O tipo de conteúdo que a maioria dos entrevistados quer ver
nas páginas de A Tarde é, por ordem, a produção dos próprios alunos (que teve
33,4% das indicações), a temática adolescente (com 22,2% das respostas) ou ainda
os assuntos ligados ao ensino fundamental, as matérias de conteúdo lúdico, temas
transversais e textos específicos sobre Educação (que receberam 11,1% das
citações, cada um).
Ao final das entrevistas, foram solicitadas sugestões no sentido de aperfeiçoar
ou aprimorar o programa, ao que nem todos os entrevistados responderam, embora
outros apresentassem mais de um item. A resposta mais citada foi a criação de um
170
espaço no jornal para a publicação regular de material produzido pelos próprios
alunos e professores ligados ao programa (que mereceu 40% das indicações). A
este respeito, o professor João Fernando Batista Gouveia, atual diretor da Escola
Municipal Amélia Rodrigues, em Salvador, declarou durante sua entrevista:
O programa atende bem à escola, mas precisa ter um espaço onde a escola possa demonstrar a sua utilização do jornal em sala de aula e onde os alunos e professores que estão diretamente envolvidos com este projeto possam mostrar no próprio jornal que o seu desempenho vem melhorando em função dele.
A segunda proposição mais apresentada pelos entrevistados foi a realização
de um número maior de oficinas para a troca de experiências entre as escolas (que
teve 20% das respostas). Em seguida, com uma indicação cada, vieram o aumento
na freqüência de visitas à redação e oficinas do jornal, a facilitação do acesso ao
acervo de edições antigas para a pesquisa escolar, a realização de concursos
literários e de redação entre os estudantes e a ampliação do programa às escolas
do interior do estado.
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O problema primordial a nortear este trabalho é a busca por explicar se os
estudantes que participam do projeto A Tarde na Escola têm logrado, de fato,
desenvolver uma maior capacidade de leitura e compreensão de textos, bem como
uma interpretação crítica da realidade que o cerca (o que decerto favoreceria o seu
processo de construção da plena cidadania), podemos constatar que os objetivos
propostos foram plenamente alcançados. Os resultados da pesquisa indicam de
maneira clara que o jornal impresso guarda um enorme potencial para ser utilizado
de maneira efetiva como ferramenta pedagógica, inclusive no que diz respeito à
formação de leitores críticos, criativos e habilitados a promover a contextualização
dos conteúdos curriculares com a realidade concreta em que estão inseridos.
A partir das questões definidas para balizar nosso estudo, buscamos avaliar
em que medida o periódico impresso realmente utiliza todo o seu potencial como
ferramenta na formação de consciência crítica entre seus leitores, sobretudo entre
os estudantes contemplados por iniciativas como A Tarde na Escola. Neste
processo, foi necessário levantar quais práticas pedagógicas estão contempladas no
programa, a fim de determinar se a leitura regular de jornal pode incentivar a
formação de alunos mais conscientes ou mesmo tolerantes com opiniões diversas,
mais criativos e aptos a relacionar eventos a contextos.
Mais que isso, se o jornal consegue, inclusive, contribuir para o sucesso
escolar dos alunos envolvidos no programa. Para tanto, outras questões
investigadas foram os métodos, técnicas e práticas pedagógicas utilizados com
melhores resultados; se o impresso pode ser usado com eficácia em todas as
172
disciplinas do currículo escolar ou é mais adequado e eficiente como apoio didático
apenas para algumas matérias.
A pesquisa evidencia, neste sentido, que todo o potencial oferecido pelo
veículo impresso como instrumento pedagógico é bem mais eficazmente trabalhado
através de um programa específico, estruturado de preferência (mas não
exclusivamente) entre um veículo de comunicação social e as instituições escolares
localizadas em seu raio de atuação ou influência. O que envolve não apenas a
distribuição de exemplares diários ou cotas de encalhes, mas também e
principalmente o necessário acompanhamento pedagógico, a realização de oficinas,
palestras e o desenvolvimento de outros mecanismos de envolvimento e interação
entre a comunidade escolar e o jornal.
Durante o nosso estudo, também foi possível responder aos objetivos
específicos que foram propostos, como levantar o material teórico disponível sobre o
uso do jornal em sala de aula (através tanto da bibliografia existente, quanto do
acervo documental e eletrônico encontrado); classificar quantas e quais são as
experiências do gênero bancadas por jornais brasileiros, criando uma base
comparativa em relação ao programa estudado; descrever e caracterizar
adequadamente o projeto A Tarde na Escola, situando a experiência no contexto
sócio-pedagógico nacional e compreendendo sua proposta e filosofia a partir das
práticas pedagógicas efetivamente desenvolvidas; levantar a metodologia
empregada e avaliar os resultados obtidos junto aos alunos atendidos.
Desta forma, verificamos que em geral as práticas pedagógicas contempladas
em A Tarde na Escola não diferem muito do que é realizado pela maioria deste tipo
de iniciativa em território nacional. O programa também não tem apresentado
nenhuma inovação no sentido de explorar mais profundamente o vasto potencial
173
criativo tanto do veículo impresso em si quanto dos professores e estudantes, alvo
final de suas ações.
Lembrando que inúmeros pesquisadores que se dedicam ao assunto têm
sugerido que o trabalho com o periódico impresso pode ser ampliado se possível
para todas as disciplinas das grades curriculares desde o ensino fundamental até o
superior, uma das primeiras recomendações deste trabalho aponta para a
necessidade de divulgar de maneira mais efetiva as vantagens e possibilidades de
uso do jornal entre os professores das demais cadeiras, além daquelas dedicadas à
língua vernácula.
É importante relembrar outra importante recomendação derivada do presente
estudo, que é a criação de um suplemento dedicado à educação que não somente
noticie e acompanhe os temas e debates, os eventos e realizações ligados à área
educacional, mas inclua a publicação de artigos e demais material produzido por
professores e estudantes.
Ao cotejar as conclusões do nosso estudo com o que foi apresentado a partir
do levantamento efetuado pela Associação Nacional de Jornais, assume grande
relevo a característica que iniciativas como A Tarde na Escola apresentam no
sentido de aproximar a escola das questões do cotidiano. Este foi apontado como o
objetivo mais concretamente atingido, de acordo com a avaliação dos gestores dos
programas nacionais investigados, contudo sem deixar de registrar um significativo
espaço para a intenção de incentivar a leitura de jornais.
Por outro lado, mais uma vez em concordância com o que foi apurado através
do questionário da Secretaria Municipal de Educação, nossas entrevistas concluíram
que, segundo os professores envolvidos na iniciativa, A Tarde na Escola é relevante
não apenas do ponto de vista educativo, ao promover o sucesso escolar entre seus
174
participantes, mas responsável também pelo incentivo concreto à prática social da
leitura e pela formação de leitores mais conscientes ou, em última análise, pela
formação de cidadania.
Tais conclusões apontam para a necessidade de que o programa busque
ampliar o acesso a um número maior de alunos de escolas públicas, principalmente
aquelas situadas entre as comunidades mais carentes, no interior da Bahia, já que é
justamente nelas que se encontra o tipo de clientela que mais necessita deste tipo
de ação. Nestes locais estão os alunos cujas famílias sequer possuem condições
materiais para comprar um jornal diário, que - na verdade - deveria ser o veículo de
inclusão cultural mais acessível, já que se trata de uma mídia relativamente barata e
disponível, sobretudo se comparada aos livros (didáticos ou não), aos CDs de
música ou programas multimídia, à tecnologia eletrônica e à informática e sua rede
mundial de informação.
O jornal é também mais acessível em relação a espaços de produção e
difusão cultural como o cinema ou teatro. Museus e bibliotecas, apesar de gratuitos,
possuem estrutura inadequada ou muitas vezes inexistem nas pequenas e médias
cidades baianas. A televisão não foi incluída nesta relação porque, apesar de
bastante acessível, é sempre alvo de muita polêmica quando se trata de projetos
educacionais, merecendo em verdade vários e diversos estudos à parte,
principalmente no que diz respeito à sua natural vocação pedagógica. Por todas
estas razões, é importante manter e até mesmo ampliar o material destinado à
orientação aos professores que participam do projeto A Tarde na Escola,
incrementando igualmente a realização das atividades regulares de oficinas,
palestras e demais eventos.
175
Por fim, verificamos que o programa do jornal A Tarde tem registrado um
número muito pequeno de iniciativas destinadas a incentivar entre professores,
alunos e comunidade, a discussão sobre o papel e a responsabilidade da própria
imprensa, enquanto instituição formadora de opinião. Este é um debate cada vez
mais necessário e que deve envolver não apenas o núcleo que integra o programa
de jornal na educação, seus assessores pedagógicos e os educadores que
participam das atividades, mas sim procurar envolver amplamente jornal e escola,
corpo redacional e comunidade acadêmica, jornalistas, professores, pais e alunos.
Experiências deste tipo podem, inclusive, desaguar no estabelecimento de
conselhos editoriais efetivamente participativos e empenhados em discutir e
encaminhar um papel de responsabilidade social assumido na linha editorial e
transcrito nas páginas diárias do jornal impresso.
Um outro aspecto desta mesma questão diz respeito à necessidade
identificada durante a nossa pesquisa de que programas como o A Tarde na Escola
estejam dispostos a estimular e criar as condições para que estudantes e
professores possam planejar e produzir seus próprios jornais escolares, que podem
ter o formato impresso tradicional, ser veiculado pela internet ou como mural, não
importa, mas que seja fruto de uma disposição autêntica em produzir um instrumento
de comunicação social legítimo e independente.
Somente a lição e o exemplo de tal entendimento já é base sólida para a
construção de cidadania. Por conseguinte, uma das mais relevantes contribuições
recolhidas durante as oficinas pedagógicas e o processo de entrevistas pessoais
com os 15 professores das redes pública e privada, foi o interesse demonstrado
quase que unanimemente na criação de um espaço regular – seja um caderno
específico, editoria, página ou coluna – exclusivamente dedicado à educação,
176
sobretudo contemplando a publicação de material produzido por alunos e
professores ligados ao programa.
A presente investigação sobre o programa A Tarde na Escola nos remete
inexoravelmente à necessidade de uma abordagem explicativa, que permita,
futuramente, identificar e destacar as variantes que interferem e condicionam o
processo, o que será possível através de uma pesquisa quase-experimental e de
corte longitudinal onde o pesquisador possa acompanhar de perto e ao longo de um
tempo pré-determinado os efeitos concretos da utilização do jornal em sala de aula.
Efeitos que foram identificados e caracterizados por esta dissertação. Para tanto,
serão definidos dois grupos distintos de estudantes da rede pública municipal, na
mesma faixa etária e cursando períodos semelhantes, se possível de uma mesma
escola ou pelo menos num mesmo bairro, mas com apenas um deles atendido de
forma regular e continuada pelo programa.
Tais consultas levarão em consideração: a) se os alunos possuíam o hábito
de leitura de jornais diários, com que freqüência os lia e se já cultivavam o hábito
antes ou ele foi desenvolvido a partir do ingresso no projeto; b) se os professores da
sua escola utilizavam o jornal como instrumento pedagógico, com que freqüência e
se com o objetivo de trabalhar aspectos meramente informativos ou também de
conteúdo (análise crítica, contextualização, postura ética, influência ideológica etc);
c) se os alunos conseguiam avaliar criticamente o conteúdo de uma reportagem ou
artigo, ou seja, se conseguem interpretar uma notícia, identificar as várias
abordagens possíveis de um texto noticioso, as manipulações editoriais de conteúdo
e a distância que há entre o relato de um fato e o fato em si, bem como se logram
177
comparar e distinguir uma mesma notícia editada de maneira distinta por jornais
diferentes.
178
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183
APÊNDICE A - Endereços eletrônicos consultados A Tarde - www.atarde.com.br Ação Educativa - www.acaoeducativa.org Associação Nacional de Jornais - www.anj.org.br - Editora Segmento - www.editorasegmento.com.br Escola Interativa - www.escoainterativa.com.br Ibope - www.ibope.com.br Instituto Paulo Montenegro - www.ipm.org.br Jornal de Jundiaí - www.jj.com.br O Dia - www.odia.ig.com.br O Globo - www.oglobo.globo.com/oglobo/infoglobo/quemlesabe Planeta Educação - www.planetaeducacao.com.br Revista Educação - www.revistaeducacao.com.br Usina de Letras - www.usinadeletras.com.br Wikipedia - http://pt.wikipedia.org APÊNDICE B - Roteiro para entrevista de professores, diretores e coordenadores pedagógicos
184
Universidade Federal da Bahia Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Nome: ....................................................................................................................... Endereço e telefone: .................................................................................................................................... Email: ......................................................................................................................... 1. Perfil do entrevistado: Idade: ......................... Sexo: ( ) M ( ) F Escolaridade: ( ) Ensino Médio ( ) Ensino Superior – curso ............................................ ( ) Pós-gradução - especificar:............................................................................. Formação complementar (cursos, especialização etc): ........................................... .................................................................................................................................. Onde trabalha: ......................................................................................................... Instituição: ( ) pública ( ) privada Endereço e telefone: ................................................................................................................................. Cargo que ocupa: .................................................................................................... Funções/atividades que desempenha: .................................................................... ................................................................................................................................. ................................................................................................................................. Há quanto tempo ocupa o cargo/função?: ................................................................................................................................. Há quanto tempo trabalha com o programa A Tarde na Escola?: .................................................................................................................................
2. Entrevista
- Como o jornal impresso é trabalhado em sua escola / sala de aula?
- Há algum projeto ou experiência relacionada ao programa que você gostaria de
relatar?
- O programa tem contribuído para aumentar o interesse dos seus alunos pela
leitura?
- Os alunos que participam do projeto A Tarde na Escola têm conseguido
desenvolver a criatividade e uma maior capacidade de compreensão de textos? (Se
positivo, como avaliar isso?)
185
- A leitura regular de jornal incentiva a formação de alunos mais conscientes, mais
críticos e aptos a relacionar eventos a contextos? Como avaliar tal resultado?
- O jornal contribui para o sucesso escolar dos alunos envolvidos no programa?
- O conteúdo noticioso do jornal A Tarde é adequado às suas necessidades em sala
de aula? Falta algum tipo específico de tema, assunto ou abordagem?
- Quais sugestões você apresentaria para aperfeiçoar o programa?
APÊNDICE C - Resumo da entrevista com o gestor do programa A Tarde na Escola,
Walter Garrido, em 25 de novembro de 2004.
- O programa A Tarde na Escola foi lançado em que ano?
186
1996.
- Tinha, então, quantas escolas cadastradas?
Três escolas.
- E atualmente, atende a quantas escolas?
61, sendo 56 da rede pública e 5 da rede particular, atendidas até 2004.
- Este total representa um universo aproximado de quantos alunos?
São 3.000 alunos da rede particular e 51.600 da rede pública atendidos até
2004. Esta é uma quantidade estimada. Os professores foram 100 da rede
particular e 1.585 da rede pública.
- Há jornalistas envolvidos no programa?
Não.
- Quantos profissionais de A Tarde estão diretamente ligados ao programa?
Dois.
- Quais outros profissionais atuam com o projeto, direta ou indiretamente?
Nádia Vladi, esporadicamente. Contamos também com a colaboração do
departamento de Circulação e Marketing.
- Quantos exemplares de jornal são distribuídos pelo programa, em média, como
cortesias?
São mais de 3.200 jornais, de segunda a domingo, distribuídos para 61 escolas
em Salvador, Catu, São Sebastião do Passe, Vera Cruz e Itaparica. (ver tabela
anexada)
- Como é feita esta distribuição?
Pelo setor de expedição e distribuição de jornais do Decir, todas as quartas-
feiras, os encalhe; e as cortesias diariamente.
187
- Além da distribuição dos jornais, quais outras atividades são desenvolvidas
regularmente, como por exemplo oficinas pedagógicas, visitas à redação, cursos e
seminários? Se possível, discriminar quais e quando foram as mais recentes?
Visitas à redação são abertas a todas as escolas que nos procuram e são
realizadas quase diariamente, durante o período letivo. Há um encontro de
abertura todo início de ano. Em março de 2004, a apresentação sobre o
programa A TARDE na Escola contou com um Seminário com o tema Lixo e
Cidadania. As oficinas com professores foram, na cidade de Aramari em 26 de
maio; na Ilha de Itaparica em 28 de maio; e em Catu e Passe no dia 25 de maio.
- Qual é a regularidades destas atividades? Anual.
- Em que medida o Caderno 10 participa hoje das atividades do programa A Tarde
na Escola?
Eventualmente, realizamos alguma atividade conjunta, como exemplo o
Caderno do Dia das Crianças.
- O programa já teve um suplemento do gênero? Por que deixou de ser editado?
O Caderno 10, no seu formato anterior, voltado à publicação de artigos para a
área escolar e educacional e produção das escolas e outras instituições,
iniciou em abril de 1996 e perdurou até dezembro de 2000. A empresa tomou a
decisão, dentro de nova estratégia editorial, de fazer um caderno para os
jovens. Existem pesquisas sobre isso no marketing, com Hamilton. Seria
interessante conversar com Nádia Vladi sobre essas mudanças realizadas à
época. Atualmente, o Caderno 10 promove pontualmente algumas ações com
o setor de projetos especiais.
- Quais as parcerias e apoios mantidos pelo programa?
Com a Secretaria Municipal de Educação. A ong Cipó e o Unicef,
eventualmente.
- Quais são os projetos de expansão e/ou aperfeiçoamento planejados?
188
Todas as atividades já referidas precisam ser aperfeiçoadas e planejadas de
acordo com tendências e demandas locais, políticas públicas e teorias
pedagógicas que envolvem todo o processo dinâmico de transformação da
educação pela comunicação.
- Em sua opinião, o programa pode (ou deve) ser estendido ao ensino superior?
Não é o foco do Programa A TARDE na Escola, mas no futuro próximo isso
pode ocorrer.
ANEXOS ANEXO A - Leitura de jornais no mundo
189
Leitura de Jornais no Mundo (Circulação Média/População Adulta – Cópias por Mil Habitantes)
País 2000 2001 2002 2003 1. Islândia 249.6 393.2 339.4 705.9 2. Noruega 719.7 705.5 704.6 684.0 3. Japão 668.7 664.0 653.5 646.9 4. Suécia 541.1 543.4 508.7 590.0 5. Finlândia 545.2 543.9 531.8 524.2 6. Bulgária 203.0 203.0 203.0 472.7 7. Macau 448.9
8. Dinamarca 347.1 370.9 334.0 436.6 9. Suíça 453.7 444.2 432.5 419.6 10. Reino Unido 408.5 383.4 402.4 393.4 11. Áustria 374.3 363.1 365.0 377.5 12. Cingapura 365.8 330.6 339.6 339.6 13. Canadá 205.7 189.0 324.4 337.3 14. Alemanha 375.2 371.1 332.8 321.9 15. Países Baixos 345.9 363.5 328.9 318.9 16. Luxemburgo 351.6 339.0 326.9 316.4 17. Ilhas Caimã 303.0
18. Ucrânia 73.7 104.9 271.8 271.8 19. Hong Kong 263.1 267.5 261.6 261.6 20. Estados Unidos 263.6 274.1 269.2 263.2 21. Irlanda 191.0 233.0 196.3 249.8 22. Nova Zelândia 223.4 258.7 273.7 241.6 23. Eslovênia 215.0 214.4 211.4 211.4 24. Austrália 196.3 202.3 207.5 199.9 25. Estônia 237.3 233.7 227.5 204.2 26. Rep. Checa 198.6 205.9 195.6 193.6 27. Letônia 164.9 184.1 201.9 186.4 28. Malásia 130.0 209.1 185.2 187.0 29. Hungria 194.1 199.0 191.8 185.1 30. Bélgica 186.5 175.3 203.8 172.8 31. França 190.0 180.7 164.1 167.0 32. Itália 121.4 127.8 117.9 157.9 33. Sérvia-
Montenegro 163.0 163.0
34. Ilhas Maurício 152.0
35. Equador 136.6
36. Croácia 154.2 127.8 162.1 138.1 37. Polônia 28.1 91.8 116.1 127.6 38. Bielo-Rússia 128.2
39. Espanha 129.4 120.1 126.7 122.2 40. Eslováquia 126.0 117.1 119.5 118.4 41. Brunei 119.0
42. Costa Rica 99.0 119.6 114.4 111.6 43. Macedônia 114.2 82.9 95.9
44. Turquia 94.9 130.8 131.8 97.7 45. Chipre 93.6 93.6 93.5 93.5 46. Líbano 95.7 96.0 93.5 93.5 47. China 53.5 130.5 87.5 91.2 48. Paquistão 76.9
49. Cuba 66.7
50. Portugal 82.7 91.2 82.7 65.6 51. Romênia 70.0 70.0 70.0
52. Grécia 77.5 81.5 71.4 67.1 53. El Salvador 61.4
54. Argentina 60.7 56.0 56.0 56.0 55. Brasil 60.6 64.2 56.8 52.3 56. Rep. Dominicana 39.7
57. Índia 49.8 47.7 50.3 44.1 58. África do Sul 40.3 40.3 38.4 42.1 59. Egito 42.1
60. Sri Lanka 38.1 35.3 34.7 34.7
190
61. Colômbia 40.8 40.8 40.8 38.0 62. Bósnia-
Herzegóvina 32.4
63. Indonésia 36.1 30.8 32.8 28.5 64. Tunísia 24.9
65. Mongólia 27.5 25.6 27.5 22.8 66. Azerbaijão 24.4 24.4 24.4
67. Moldávia 21.4 21.4
68. Vanuatu 23.1
69. Turquistão 14.9
70. Marrocos 16.5
71. Quênia 13.1 14.5 14.5 14.5 72. Armênia 9.9 9.9
73. Uruguai 13.3 13.3 10.5
74. Georgia 6.5
75. Zâmbia 10.1
76. Uganda 6.2 6.2
77. Tanzânia 3.0 3.0
78. Camarões 0.8 0.8 0.7 79. Filipinas 99.4 99.4 80. Peru 341.7 341.7 341.7 81. Quirgzia 12.9 12.6 12.3 82. Rússia 199.1 83. Tailândia 253.0 233.7 249.8
Fonte: Associação Nacional de Jornais (ANJ)
191
ANEXO B - Jornais brasileiros que desenvolvem programas de jornal na educação, por cidade e estado Quantitativo de jornais que estão neste caso
Percentual em relação ao total de jornais pesquisados
Região Estados Cidades
48
45%
Norte ---------------------- Nordeste ---------------------- Sudeste ---------------------- Centro-Oeste ---------------------- Sul
AM RO RR PA -------------- BA RN PE CE MA -------------- ES SP MG RJ -------------- DF MS GO -------------- SC RS PR
Manaus Porto Velho Boa Vista Belém --------------------------- Salvador Natal Mossoró Recife (2) Fortaleza (2) São Luís --------------------------- Vitória São Paulo Santos Franca Suzano Santo André Bauru Jundiaí Piracicaba Campinas (2) Araçatuba Diadema Uberlândia Belo Horizonte (2) Rio de Janeiro (2) --------------------------- Brasília Campo Grande Dourados Goiânia (2) --------------------------- Joinville Florianópolis Passo Fundo Cachoeira do Sul Ponta Grossa Caxias do Sul Nova Hamburgo São Leopoldo Apucarana Londrina Cascavel Curitiba Maringá
Fonte: ANJ
192
ANEXO C - Relação de periódicos brasileiros que desenvolvem programas de jornal
na escola:
estado jornal projeto Amazonas A Crítica A Crítica na Escola Bahia A Tarde A Tarde na Escola Ceará Diário do Nordeste Jornal na Sala de Aula Distrito Federal Correio Braziliense Correio Escolas Gazeta Mercantil Gazeta Mercantil na Universidade Espírito Santo A Gazeta A Gazeta na Sala de Aula Goiás O Popular Almanaque Escola Minas Gerais Correio Correio Educação Estado de Minas EM Vai às Aulas Mato Grosso do Sul Correio do Estado Correio e Escola O Progresso O progresso na Educação Maranhão O imparcial Pará O Liberal O Liberal na Escola Pernambuco Diário de Pernambuco Leitor do Futuro Jornal do Commercio JC nas Escolas Piauí O Dia O Dia na Escola Paraná Folha de Londrina Projeto Cidadania Folha do Paraná Gazeta do Povo Ler & Pensar Folha de Palotina Fazendo Escola Diário dos Campos O Diário do Norte do Paraná O Diário na Escola Tribuna do Norte Rio de Janeiro O Dia O Dia na Sala de Aula O Globo Quem Lê Jornal Sabe Mais Rio Grande do Norte Diário de Natal Projeto Ler Rio Grande do Sul A Razão A Razão de Ler Diário da Manhã Jornal NH NH na Escola Zero Hora ZH na Sala de Aula Santa Catarina A Notícia A Notícia na Escola Folha do Oeste Jornal na Escola São Paulo A Tribuna Jornal, Escola e Comunidade Correio Popular Correio Escola Diário da Região O Jornal na Educação Diário de Sorocaba Diário Educação Diário de Suzano DS Escola Diário do Grande ABC Diário do Povo Diário Educação Diário Popular O Jornal na Sala de Aula Folha da Região Folha da Região na Sala de Aula Folha de São Paulo Folha Educação Jornal de Jundiaí JJ na Educação Jornal de Piracicaba JP na Escola
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O Estado de São Paulo Estadão na Escola Valeparaibano Fontes: Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Brasileira dos Jornais do Interior (ABRAJOR)