UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PAULO HENRIQUE DA SILVA MEDEIROS
ANÁLISE SOBRE AS CAUSAS DA DESACELERAÇÃO E APROFUNDAMENTO
DA CRISE BRASILEIRA
Natal
2017
Paulo Henrique da Silva Medeiros
ANÁLISE SOBRE AS CAUSAS DA DESACELERAÇÃO E APROFUNDAMENTO
DA CRISE BRASILEIRA
Trabalho de conclusão de curso de graduação
apresentado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel(a) em Ciências Econômicas.
Orientador: Prof. Dr. André Luís Cabral de Lourenço
Natal
2017
Paulo Henrique da Silva Medeiros
ANÁLISE SOBRE AS CAUSAS DA DESACELERAÇÃO E APROFUNDAMENTO
DA CRISE BRASILEIRA
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel(a) em Ciências Econômicas.
Aprovado em: 18 de Agosto de 2017.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Fabrício Pitombo Leite - UFRN
__________________________________________
Prof. Dr. André Luís Cabral de Lourenço - UFRN (orientador)
AGRADECIMENTO
Agradeço aos meus pais, amigos, professores e a todos aqueles que puderam tornar a
conclusão deste curso possível (inclusive minha própria paciência).
RESUMO
Essa monografia tem como objetivo analisar as causas que levaram o Brasil à desaceleração do
produto e posteriormente ao quadro de recessão técnica. Para fazer tal análise, será utilizado
como apoio teórico o modelo dos dois preços de Hyman P. Minsky, o esquema dos três balanços
de Godley (2006) e o Índice de Fragilidade Financeira de De Paula (2004). Após a introdução,
o capítulo dois apresentará o embasamento teórico do trabalho. No capítulo três será
apresentada uma análise dos dados de maneira individual. Por último, será feita uma ligação da
estrutura teórica com os dados de uma maneira mais direta. O trabalho concluiu que o consumo
no período da desaceleração (2011 – 2013) e o investimento no período da recessão técnica
(2014 – 2016) foram responsáveis por causar os maiores efeitos negativos. Foi constatado
também que existem indicações que a desaceleração e o aprofundamento da crise brasileira
podem ser explicados na perspectiva de Minsky.
Palavras Chave: Ciclo Econômico. Minsky. Economia Brasileira.
ABSTRACT
This monograph aims to analyze the causes that led Brazil to decelerate the product and later to
the technical recession. In order to do such an analysis, the model of the two prices of Hyman
P. Minsky, the scheme of Godley's three balances (2006) and De Paula's Financial Fragility
Index (2004) will be used as theoretical support. After the introduction, chapter two will present
the theoretical basis of the work. In chapter three an analysis of the data will be presented in an
individual way. Finally, the theoretical framework will be linked to the data in a more direct
way. The study concluded that consumption in the period of deceleration (2011-2013) and
investment in the period of the technical recession (2014 - 2016) were responsible for causing
the greatest negative effects. It was also found that there are indications that the deceleration
and deepening of the Brazilian crisis can be explained in Minsky's perspective.
Keywords: Economic Cycle. Minsky. Brazilian economy.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Determinação do preço dos ativos de capital 14
Gráfico 2 – Determinação do preço dos ativos de capital e determinação da demanda por bens
de investimento 15
Gráfico 3 – Determinação do preço dos ativos de capital e determinação da demanda por
investimento com risco do tomador 16
Gráfico 4 – Curva oferta de bens de investimento com risco do emprestador 17
Gráfico 5 – Determinação do preço dos ativos de capital e determinação do ritmo do
investimento 18
Gráfico 6 – Taxa de crescimento real do PIB 28
Gráfico 7 – PIB real trimestral 28
Gráfico 8 – Consumo do governo e PIB 29
Gráfico 9 – Dívida líquida do setor público/PIB e despesa bruta do governo geral/PIB 30
Gráfico 10 – Necessidade de financiamento do setor público/PIB (nominal e primário) 31
Gráfico 11 – Exportações e PIB 32
Gráfico 12 – Câmbio nominal e taxa de câmbio efetiva real 33
Gráfico 13 – Saldo de transações correntes/exportações e reservas internacionais/passivo
externo líquido 34
Gráfico 14 – Índice de fragilidade externa 35
Gráfico 15 – Consumo privado e PIB 37
Gráfico 16 –Taxa de desemprego 37
Gráfico 17 – Investimento e PIB 38
Gráfico 18 – Selic real 38
Gráfico 19 – Utilização da capacidade instalada 39
Gráfico 20 – IBOVESPA/INCC (2003 – 2016) 40
Gráfico 21 – Importações e PIB 41
Gráfico 22 – Superavit do setor privado/PIB 44
Gráfico 23 – Superavit do setor externo/PIB 45
Gráfico 24 – Deficit do setor público/PIB 45
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
2. REFERENCIAIS TEÓRICOS ............................................... Erro! Indicador não definido.
2.1. O MODELO DOS DOIS PREÇOS................................................................................12
2.1.1. Determinando o preço dos ativos de capital..............................................................13
2.1.2. Determinando a curva “demanda por bens de investimento” ....................................15
2.1.3. Determinando a curva “oferta de bens de investimento”...........................................18
2.1.4. Determinando o ritmo de investimento.......................................................................18
2.1.5. Exercícios de estática comparativa...........................................................................19
2.1.6. Inversão do ciclo econômico em Minsky..................................................................22
2.1.7. Minsky além das fronteiras nacionais........................................................................22
2.2. ANÁLISE DOS TRÊS BALANÇOS..............................................................................24
3. ANÁLISE DOS DADOS PARA O CASO BRASILEIRO...............................................26
3.1. DA DESACELERAÇÃO À RECESSÃO TÉCNICA....................................................26
3.2. ENTENDENDO O MOVIMENTO DOS COMPONENTES DA DEMANDA
AGREGADA............................................................................................................................29
3.2.1. Variáveis de comportamento autônomo....................................................................29
3.1.2. Variáveis de comportamento dependente.................................................................35
3.2. COMPARANDO OS RESULTADOS........................................................................41
3.3. RELAÇÃO ENTRE O INVESTIMENTO E OS DEMAIS COMPONENTES DA
DEMANDA AGREGADA.......................................................................................................44
4. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS ............................................................................... 48
REFERÊNCIAS............................................................................................................50
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Medeiros, Paulo Henrique da Silva.
Análise sobre as causas da desaceleração e aprofundamento da crise brasileira /
Paulo Henrique da Silva Medeiros. - Natal, 2017.
51f. : il.
Orientador: Prof. Dr. André Luís Cabral de Lourenço.
Monografia (Graduação em Economia) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Economia. Curso
de Graduação em Ciências Econômicas.
1. Economia - Monografia. 2. Crise econômica - Brasil - Monografia. 3. Ciclo
econômico – Monografia. 4. Situação econômica - Monografia. I. Lourenço, André
Luís Cabral de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 338.124.4(81)
9
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo estudar as causas da inversão do ciclo econômico
brasileiro e o aprofundamento posterior da situação de crise utilizando como base o modelo dos
dois preços de Minsky, a análise dos três balanços de Godley e o índice de fragilidade externa.
A crise financeira que começa nos Estados Unidos, em meados de 2007, decorrente do
aumento da inadimplência e da desvalorização dos imóveis e dos ativos financeiros associados
às hipotecas americanas de alto risco (subprime), levanta questionamentos sobre a estrutura do
sistema financeiro internacional, seus possíveis riscos sistêmicos e seus mecanismos de
regulação. Essa estrutura acabou por transformar uma crise de crédito simples em uma crise
financeira e bancária de caráter sistêmico (CINTRA, 2008).
De 2004 até 2010 o Brasil passou por um ritmo de crescimento acelerado respaldado
principalmente pela demanda externa. Este período foi caracterizado por queda do desemprego,
aumento do rendimento real, aumento do crédito bancário e diminuição da pobreza e
desigualdade (BARBOSA, 2010). Esse movimento fez com que o consumo das famílias
(principalmente as de menor renda) crescesse consideravelmente, e com isso, o setor produtivo
respondeu com um aumento do ritmo do investimento privado (ARESTIS, 2007). O período
foi marcado por superavits do setor privado e um grande aumento na massa dos lucros.
Com a inversão do ciclo das commodities e a crise internacional que se inicia no segundo
semestre de 2007, o superavit em conta corrente se torna deficit, diminuindo a folga do setor
privado, que agora não mais encontra uma demanda extra nas exportações. Para sustentar o
ritmo de investimento as empresas passaram a se financiar utilizando capital de terceiros em
maior quantidade a partir de 2007, aumentando o seu endividamento líquido. Com a queda das
receitas (queda da atividade econômica gradual a partir de 2010 e programa de subsídio para
grandes empresas foram fatores importantes) o governo passou a operar com deficit crescente,
posteriormente apontado como causa (e não efeito) da situação econômica (REZENDE, 2016).
Atualmente o país ainda enfrenta problemas que derivam da crise internacional, seja pelas
repercussões da crise em si ou pelas políticas praticadas em meio as conturbações dos
indicadores macroeconômicos.
Com a mudança no ciclo econômico, que começa com a desaceleração do produto
brasileiro em 2011, muitas hipóteses sobre suas causas ganharam espaço de discussão, como a
10
hipótese da dominância fiscal, por exemplo. Novas explicações – e outras não tão novas assim
– tentam elucidar o caso brasileiro, ao mesmo tempo em que buscam direcionar os rumos da
economia nacional. Abordagens mais tradicionais, como a de Fraga (2016), apontam para a
necessidade de buscar um equilíbrio fiscal, necessário para garantir o retorno da confiança dos
agentes e, assim, retomar o ciclo de crescimento. Por outro lado, autores como Rezende (2016)
apontam que a condição atual é resultado de processos endógenos, que ao gerarem forças
desestabilizadoras, reduziram as margens de segurança e aumentaram a fragilidade financeira
da economia.
Apesar da existência de diversas visões sobre as causas, consequências e ajustes para a
crise brasileira, a estrutura política atual aposta nas medidas ortodoxas para contornar a crise,
ignorando as possibilidades de debate e soluções alternativas. As políticas implementadas a
partir de 2015 têm como foco a busca por uma melhoria nas contas públicas, o que, de acordo
com as teorias que divergem do padrão de análise mais tradicional, implicaria em um
agravamento da crise ao invés de soluciona-la (REZENDE, 2016).
Afinal, quais as causas da desaceleração e aprofundamento da recessão técnica na
economia brasileira? A hipótese inicial deste trabalho é que a desaceleração e a recessão técnica
foram causadas pela queda do investimento dado o comprometimento da estrutura de passivos
das firmas.
Este trabalho tem como objetivo verificar se as causas da desaceleração e posterior
quadro de recessão técnica da economia brasileira podem ser explicados pelo modelo dos dois
preços de Misnky, e com isso, mostrar que existem formas alternativas de analisar e corrigir os
rumos das políticas macroeconômicas nacionais. Será feita uma revisão da literatura em um
primeiro momento, seguido da análise do caso brasileiro a partir dos dados oficiais e por último
será explicado (se possível) as causas da desaceleração e aprofundamento a partir do aporte
teórico escolhido.
Em um país como o Brasil, que conta com uma rede de seguridade social bastante
simplória para suas necessidades, o aprofundamento de uma crise significa um custo social
altíssimo. A aplicação de políticas econômicas que possam aprofundar e/ou prolongar a
situação de recessão em que o país se encontra merece um maior espaço para discussão, assim
como as políticas econômicas utilizadas para reverter tal quadro. Com a devida investigação do
11
tema pode ser possível trazer para o debate novas formas de política econômica, na forma de
política anticíclica e principalmente na forma de política preventiva. A ausência de um debate
teórico sério e difundido sobre o tema permite que determinados agentes venham a público
difundir um falso consenso sobre recomendação de política econômica. É de interesse não só
da academia, mas de toda a nação, que a discussão sobre ciclos econômicos, suas causas e as
políticas desenhadas para contorna-las estejam em constante pauta na academia, assim como os
frutos das pesquisas sempre disponibilizados de forma didática para a população geral.
A metodologia aplicada a essa pesquisa será composta pela análise bibliográfica e de
dados quantitativos referentes ao tema. As referências utilizadas incluem autores da área de
Economia com foco na área da Macroeconomia. As informações e dados obtidos a partir das
fontes supracitadas serão apresentados de modo descritivo. Dados quantitativos serão
demonstrados em forma de tabelas, gráficos ou ainda de modo descritivo.
A primeira parte irá apresentar um referencial teórico, explicando o funcionamento do
modelo dos dois preços de forma minuciosa, apresentando exercícios de estática comparativa e
elementos que complementam a análise do modelo, como o Índice de Fragilidade Financeira e
o esquema dos três balanços de Godley. O segundo capítulo apresenta um breve resumo da
situação do Brasil antes, durante e depois da crise, mostrando as respostas emitidas pelas
autoridades econômicas com o objetivo de estabilizar a economia e as principais repercussões.
O terceiro capítulo apresenta uma análise dos dados da economia brasileira e os relaciona com
os elementos teóricos apresentados no primeiro capítulo. Por último, será apresentada a
conclusão do trabalho, com os principais resultados e alguns apontamentos sobre possíveis
caminhos a serem explorados posteriormente a partir dos resultados.
12
2. REFERENCIAIS TEÓRICOS
A discussão sobre as causas e consequências dos ciclos econômicos passou por diversos
autores. A primeira aparição histórica a tratar do tema consta na Bíblia, tema revisitado
posteriormente por Jevons em meados do século XIX (STRATHERN, 2003). Atualmente
diversas teorias tentam explicar o comportamento cíclico das economias capitalistas.
Geralmente divididas em três tipos1: as que tentam explicar tal fenômeno a partir de choques
exógenos, amplificados por fatores secundários (Ciclos reais de negócios, por exemplo –
KYDLAND e PRESCOTT, 1982); ciclos endógenos, quando o funcionamento da própria
economia gera efeitos cíclicos sobre o produto (Modelo acelerador/multiplicador, por exemplo
– SAMUELSON, 1939); e por último os modelos mistos que misturam ambas as características
(Modelo de ciclo econômico minskyano, por exemplo – MINSKY, 1975).
Nesse tópico serão apresentadas as ferramentas que servirão de base teórica para
complementar a análise dos dados apresentada no capítulo seguinte.
2.1. O MODELO DOS DOIS PREÇOS
O modelo dos dois preços em Minsky (1986) surge como uma tentativa de explicar o
ritmo do investimento em uma economia capitalista moderna, relacionando o preço de produção
de novos bens de capital (bens de investimento) e o preço de bens de capital no mercado
secundário (ativos de capital). Na visão do autor, seria o investimento o principal componente
macroeconômico responsável por explicar os ciclos econômicos, destinando um papel
secundário ao gasto do governo e ao consumo (MINSKY, 2008).
O modelo dos dois preços surgiu como aprimoramento na forma que o investimento é
determinado em Minsky, antes explicada pela tentativa de incluir aspectos financeiros em um
modelo do tipo acelerador-multiplicador à la Samuelson (1939) em seus primeiros trabalhos
entre 1957 e 1965 (LOURENÇO, 2004). A utilização de um modelo desse tipo, ainda que com
restrições financeiras, caracterizava um modelo essencialmente não financeiro. O autor descarta
o uso do modelo acelerador-multiplicador – preservando outras características de seu trabalho
– e o substitui por um modelo que trabalha com expectativa de fluxos de caixa, nesse caso, o
modelo dos dois preços.
1 Para maiores informações sobre ciclo político – que evito abordar por estar distante do objetivo geral do trabalho – consultar Nordhaus (1989).
13
A adoção do modelo dos dois preços trouxe uma nova perspectiva do funcionamento
cíclico – agora visto como endógeno – do sistema capitalista. Em uma fase mais desenvolvida
de seu trabalho (1982), o modelo não necessitava mais de um choque exógeno para explicar o
movimento cíclico de uma economia capitalista, pelo contrário, possibilitou uma análise que
enxergava flutuações endógenas e aperiódicas (LOURENÇO, 2004).
2.1.1. Determinando o preço dos ativos de capital
Por possuírem preços, ativos de capital podem ser negociados como qualquer outro ativo
dentro de uma economia capitalista. Para entender o modelo dos dois preços, é necessário
compreender a formação do preço dos ativos de capital (Pk). A preocupação inicial seria
mostrar a existência de uma relação entre a quantidade de moeda e o preço dos ativos de capital
através da preferência pela liquidez à la Keynes (1930).
Como ponto de partida, precisamos compreender que o preço da moeda sempre será de
um para um, ou seja, o preço de uma unidade monetária qualquer sempre será seu próprio preço
nominal, nesse caso, um dólar sempre será um dólar. Os ativos de capital, por sua vez, possuem
um preço que pode variar por diversos fatores, como por exemplo, as quase-rendas esperadas
(rendimento esperado de um ativo de capital descontado seus custos de produção e
manutenção). O que interessa nesse momento é determinar como uma variação na quantidade
de moeda afeta o preço dos ativos de capital. A moeda proporciona uma segurança em forma
de liquidez para liquidar contratos assumidos no passado, assim como obrigações
contingenciais. A preferência pela liquidez é explicada pela relação entre demanda por moeda
e a quantidade de moeda em circulação, assim, revelando a escassez de moeda na economia.
Um aumento na quantidade de moeda diminui a escassez de moeda, logo, seu prêmio de
liquidez se torna menor. Assumindo que o preço de uma unidade monetária é exatamente uma
unidade monetária, podemos entender que mudanças na quantidade de moeda (refletindo uma
mudança também em seu prêmio de liquidez) alteram a forma com a qual os agentes decidem
organizar seu portfólio, demandando mais ou menos ativos de capital, consequentemente,
aumentando ou reduzindo seu preço.
O gráfico abaixo mostra a relação entre a quantidade de moeda (M) e o preço de mercado dos
ativos de capital (Pk):
14
Gráfico 1: Determinação do preço dos ativos de capital
Fonte: LOURENÇO (2004)
Um aumento na quantidade de moeda não tem a capacidade de aumentar o preço dos
ativos de capital indefinidamente, já que a existência de um princípio de risco crescente
(princípio que indica um maior risco associado à composição dos portfólios dos agentes quanto
maior a participação de um ativo no mesmo - Kalecki, 1937) torna inviável uma alocação
absoluta de bens de capital no portfólio dos agentes. A falta de liquidez torna o risco de
insolvência (incapacidade de arcar com suas obrigações financeiras) das firmas maior, logo,
quanto maior a quantidade de ativos de capital nos portfólios, menor poder tem a moeda de
induzir a uma demanda por ativos de capital, assim como aumentar seu preço.
Os movimentos estudados até agora se dão dentro da própria função Pk, porém, outros
fatores ligados à subjetividade dos agentes podem movimentar a própria função Pk, alterando
o preço dos ativos de capital com uma mesma quantidade de moeda. Os agentes estão
constantemente reavaliando suas expectativas, e com isso, a função Pk assume um caráter
volátil. São os motivos responsáveis pelo deslocamento paralelo da função Pk:
a) As quase-rendas esperadas: a variação na expectativa de retorno em forma de quase-
rendas dos ativos de capital influenciam diretamente nos seus preços. Maiores
rendimentos significam mais procura, e com isso, um preço mais elevado (e vice-versa).
b) O grau de liquidez dos ativos de capital: maior liquidez dos ativos de capital significa
uma maior segurança para os agentes organizarem seus portfólios de forma a alocar
mais ativos de capital e menos moeda (e vice-versa).
c) O grau de confiança nas expectativas: ao sentirem-se mais confiantes, os agentes passam
a exigir uma menor quantidade de segurança em forma de moeda (e vice-versa).
Pk
M M0
Pk0
Pk
15
d) A expectativa de valorização dos ativos de capital: a expectativa de um preço maior no
futuro por parte dos agentes influencia na preservação ou aquisição de ativos de capital
no portfólio (e vice-versa).
e) O ônus máximo decorrente da estrutura passiva aceitável para empresários e banqueiros:
emprestadores e tomadores irão dispor de margens de segurança para financiar projetos
de investimento, logo, essas posições de risco aceitável determinarão as condições de
financiamento, assim como o preço dos ativos de capital.
Também é importante ressaltar a capacidade dos bancos de, a partir de empréstimos, alterarem
os meios de pagamento, influenciando diretamente na liquidez da economia. Inovações por
parte das instituições financeiras também podem alavancar a quantidade de empréstimos com
a mesma quantidade de moeda em circulação.
2.1.2. Determinando a curva “demanda por bens de investimento”
Para Minsky, a diferenciação entre “ativos de capital” e “bens de investimento” se deve
à importância de distinguir uma riqueza que pode ser adquirida no mercado secundário e uma
riqueza a ser produzida, nesse caso, os bens de investimento. A determinação do investimento
(I) depende diretamente do preço dos ativos de capital (Pk), por isso, só agora poderemos
introduzir a segunda parte do modelo dos dois preços. Como ponto de partida, precisamos gerar
uma curva de demanda por bens de investimento (Pk0), nesse caso, será uma proxy do preço
dos ativos de capital determinado no primeiro gráfico como mostra a figura abaixo:
Gráficos 2: Determinação do preço dos ativos de capital e determinação da demanda por bens
de investimento
Fonte: LOURENÇO (2004)
Pk0
I
Pk
Pk0
M0
M
Pk
PI
16
O comportamento da curva de demanda (perfeitamente elástica) se deve ao fato de que
no modelo está pressuposta a ausência de poder de mercado por parte das firmas demandantes
de bens de investimento. Para construirmos uma curva de demanda por bens de investimento
que obedeça de maneira mais adequada às imposições do modelo, não podemos deixar de
adicionar um elemento financeiro muito importante, nesse caso, a parte da curva de demanda
correspondente ao risco do tomador. Na figura abaixo, a curva Pk/B apresenta a parte decrescente
referente ao risco do tomador que apresenta um risco crescente:
Gráficos 3: determinação do preço dos ativos de capital e determinação da demanda por
investimento com risco do tomador
Fonte: LOURENÇO (2004)
O aumento da quantidade de investimento financiado externamente coloca a firma em
uma posição de risco cada vez maior, resultado de maiores posições de risco ao assumir uma
estrutura de passivos com mais débitos, por isso, a curva assume um formato descendente. É
importante frisar que a posição de risco do tomador também afeta a função Pk, como descrito
anteriormente. Mesmo com a introdução do risco do tomador na função demanda por bens de
investimento, ainda é necessário introduzir a função oferta de bens de investimento, assim,
determinando o equilíbrio do modelo.
2.1.3. Determinando a curva “oferta de bens de investimento”
A primeira etapa para a construção da curva de oferta será determinar a quantidade de
investimento a ser realizado pela firma utilizando apenas recursos próprios. Uma firma pode se
financiar através de recursos próprios até certo limite, onde após isso, precisará se financiar
externamente. O preço dos bens de investimento (Pi) é determinado no mercado e já entra no
Pk/pB
Pk0
I
Pk
Pk0
M0
M
Pk
PI
17
modelo seguido de uma curva oferta de investimento perfeitamente elástica, sinalizando que
até o limite (ÎF0) a firma pode se alavancar com recursos internos. A partir do limite de
financiamento interno, acontece uma quebra da função oferta de bens de capital, surgindo então
a função oferta de bens de investimento com risco do emprestador (PI/L). A existência da quebra
é justificada pela adição de custos financeiros que resulta da utilização de recursos de terceiros
para financiamento. O ponto de quebra é limitado pela função QiQi, responsável por delimitar
a quantidade possível de investimento com recursos próprios, provenientes de um dado nível
de lucros esperados. Neste caso, podemos observar que, para um dado nível de lucros esperados,
uma subida no preço dos investimentos permite uma menor quantidade de investimento com
financiamento interno (e vice-versa). Segue o gráfico com a curva de oferta:
Gráfico 4: curva oferta de bens de investimento com risco do emprestador
Fonte: LOURENÇO (2004).
Portanto, até o ponto ÎF0, encontramos o investimento realizado internamente pela firma,
onde o preço Pi0 é determinado no mercado de bens de investimento. A partir do ponto ÎF0, a
firma só pode se financiar com capital de terceiros. Assim como na função Pk/B, existe a
presença de uma posição de risco por parte dos emprestadores que muda de acordo com a
estrutura de passivo das firmas. Quanto mais bens de capital as firmas possuírem como
proporção em relação aos ativos mais líquidos, maior é a chance dessa firma não ter capacidade
de arcar com suas obrigações. Para continuar realizando empréstimos, os emprestadores optam
por taxas cada vez maiores, prazos cada vez menores e a imposição de certas condições as
empresas, o que resulta em maiores custos para uma mesma quantidade de investimento.
Em síntese, podemos entender dada a confirmação das expectativas que: a) um nível de
investimento para além de ÎF irá aumentar o endividamento líquido das firmas; b) um nível de
QiQi
Pi
ÎF0 I
Pi0
PI/L
18
investimento igual à ÎF não fará alterações no endividamento líquido das firmas; c) um nível de
investimento abaixo de ÎF irá reduzir o endividamento líquido das firmas. As condições de
endividamento líquido das firmas irão determinar as posições de risco dos agentes, sendo essa
uma peça importante no processo de fragilização da economia.
Dada a estrutura de passivos dos agentes, estes podem atuar em diferentes posições
financeiras (MINSKY, 2008): a) hedge: endividamento líquido decrescente; b) especulativa:
endividamento líquido estável; c) Ponzi: endividamento líquido crescente. Com o acerto das
expectativas, os agentes passam a mudar seus portfólios de forma a migrar para a posição
“especulativa” e “Ponzi”, essas mais suscetíveis a um possível default. Na medida em que
posições de risco são acumuladas, a chance de um choque exógeno causar uma reversão se
torna maior.
2.1.4. Determinando o ritmo de investimento
Agora que já entendemos a construção das curvas de oferta e demanda de bens de
investimento, podemos determinar o ritmo de investimento. Segue o esquema gráfico com
todos os elementos presentes:
Gráfico 5: Determinação do preço dos ativos de capital e determinação do ritmo do
investimento
Fonte: LOURENÇO (2004)
Recapitulando: a quantidade de moeda (M) determina o preço dos ativos de capital ao
longo da curva Pk; Assumindo que a demanda por bens de investimento é proxy do preço dos
I I0 ÎF
QiQi
Pk/B
Pi/L
Pi
M M0
Pk
Pk0
Pk
19
ativos de capital, é formada a curva Pk/B que leva em consideração o risco do tomador; O preço
dos bens de investimento (Pi) é determinado no mercado agregado, e a partir dele, é possível
construir a curva PI/L, que até ÎF, determina a capacidade de financiamento interno das firmas;
A partir da quebra que ocorre em ÎF (essa oriunda do aumento dos custos por utilizar
financiamento externo após romper o limite de financiamento interno determinado pela função
QiQi), a curva assume uma postura de risco crescente de acordo com a estrutura de passivo das
firmas; O cruzamento das curvas PI/L e Pk/B vai determinar o montante de investimento na
economia (I0); A diferença entre I0 e ÎF determina o montante de investimento financiado por
capital de terceiros. A quantidade de investimento financiado externamente (além da curva
QiQi) resultará em um aumento do endividamento líquido das firmas – caso a expectativa
quanto ao lucro esperado se confirme. Um aumento do endividamento líquido das firmas pode
alterar a percepção de risco dos agentes, além de ser elemento central no processo de
fragilização da economia. Um fato importante a ser notado é a capacidade da quantidade de
moeda influenciar o ritmo do investimento, e com isso, a estrutura produtiva no longo prazo.
Se a moeda passa a afetar a estrutura produtiva no longo prazo, entendemos que a neutralidade
da moeda, no longo prazo, não existe neste modelo.
O próximo passo é entender o que acontece com o investimento quando determinadas
variáveis se movem. A próxima sessão abrigará exercícios que simularão tais movimentos.
2.1.5. Exercícios de estática comparativa
Para melhor entendimento do encadeamento lógico do modelo, alguns exercícios de
estática comparativa revelarão o passo-a-passo da sequência lógica dos eventos dentro do
modelo do Minsky.
O primeiro exercício mostrará o que acontece com o ritmo do investimento quando as
expectativas são corretamente previstas em um momento inicial e, como consequência,
aumenta o grau de confiança dos agentes privados em sua capacidade de prever o futuro.
Seguem os gráficos mostrando o movimento dentro do modelo:
20
Exercício de estática comparativa 1: aumento no grau de confiança dos agentes
Fonte: LOURENÇO (2004).
Um hipotético acerto nas expectativas dos agentes levaria a um aumento do grau de
confiança, fazendo com que os indivíduos em suas decisões achem interessante manter mais
ativos de capital no portfólio e menos moeda – uma queda na demanda por moeda baixa as
taxas de juros, além disso, a disposição dos bancos a emprestar aumenta. Observamos o
deslocamento da curva Pk para Pk’; com o aumento do preço dos ativos de capital, a demanda
por bens de investimento sobe de maneira simétrica, e nesse momento Pk/B é deslocada até
Pk/B’; tanto o risco do tomador quanto o risco do emprestador se contraem (as partes não
plenamente elásticas das curvas Pk/B e PI/L) por um incremento da confiança dos agentes. Os
emprestadores passam a emprestar em condições mais favoráveis e os tomadores passam a ter
uma posição de endividamento mais arriscada; Um novo ritmo de investimento maior que I0 é
determinado. A curva QiQi se desloca para a direita graças a uma maior expectativa de lucros
dos agentes, fazendo com que Îf0 se desloque até Îf1, permitindo assim um maior nível de
financiamento com recursos próprios. Mesmo com esse movimento, o hiato entra o
investimento total (I1) e o investimento financiado internamente (Îf1) aumentou (o lucro efetivo
maior que o esperado – esse resultante do aumento do investimento – permite uma maior folga
no financiamento externo), mesmo com o deslocamento da curva QiQi permitindo um maior
financiamento interno, logo, um aumento do grau de endividamento líquido acontecerá caso as
expectativas se confirmem. Um aumento no grau de endividamento líquido faz com que os
agentes passem a assumir uma posição de risco mais elevada, passando de hedge para
especulativa e/ou Ponzi. O aumento da participação de agentes com tais posturas na economia
tende a aumentar a fragilização da economia.
21
Em um novo exercício, o que aconteceria em uma situação na qual o governo coloca em
operação uma política monetária contracionista? Seguem os gráficos, e em sequência, o
encadeamento lógico:
Exercício de estática comparativa 2: política monetária contracionista
Fonte: LOURENÇO (2004).
Uma redução na quantidade de moeda torna a taxa de juros maior (dada uma maior
escassez de moeda); os agentes nesse momento passam a desejar organizar o portfólio de
maneira a manter mais liquidez – com a queda da confiança os empréstimos se retraem. A
demanda por ativos de capital cai; a queda do preço dos ativos de capital também provoca uma
queda da demanda por bens de investimento; a queda da demanda por bens de investimento cria
um novo ponto de equilíbrio da função Pk/B e PI/L, mostrando a queda do investimento global
da economia. A contração da curva QiQi mostra uma diminuição no lucro esperado, assim como
uma quantidade menor de investimento financiado internamente. Com uma nova quantidade de
investimento determinada, podemos observar uma queda no hiato entre o investimento
financiado internamente (ÎF’) e o investimento total (antes I0 e agora I1), mostrando uma
diminuição do endividamento líquido das firmas caso as expectativas se confirmem (processo
inverso ao que ocorre no exercício anterior). Uma diminuição do endividamento líquido faz
com que os agentes retornem em média a uma postura financeira mais segura, diminuindo a
fragilização da economia.
22
2.1.6. Inversão do ciclo econômico em Minsky
Para Minsky, o processo de fragilização da economia acontece endogenamente e de
forma inerente ao sistema capitalista, sendo esse responsável por permitir que choques
exógenos tenham cada vez mais capacidade de causar uma inversão do ciclo econômico
(MINSKY, 2008). O constante processo de fragilização da malha financeira dos agentes (neste
caso, a passagem dos agentes de posição hedge para especulativo e Ponzi), assim como a perda
de liquidez nos portfólios, tornam os agentes mais suscetíveis a um possível default. Isso
acontece dada a constante busca por ativos com maior remuneração e menor segurança,
impulsionada (e retroalimentada caso os agentes continuem a acertar suas expectativas) pelo
aumento da confiança (LOURENÇO, 2004).
Ao atingir um determinado patamar de fragilização após consecutivos ajustes na
estrutura de passivos, os agentes passam a ter mais dificuldade de sanar futuras obrigações
emergenciais, já que o comprometimento com ativos de maior rentabilidade e menor liquidez
predominam em seu portfólio. Além disso, a posição em que os agentes do tipo especulativo e
Ponzi se encontram exige um constante amparo (mais ao segundo que ao primeiro) do sistema
de crédito. Dado o tamanho do choque (e também do nível de fragilização em que a economia
se encontra), o estado de confiança dos agentes e das instituições financeiras podem se inverter,
fazendo com que agentes procurem retornar a um portfólio mais seguro (ativos mais líquidos e
menos rentáveis) e as instituições fornecedoras de crédito passem a aumentar os custos e
diminuir os prazos de seus empréstimos. Esse processo faz com que os agentes dependentes da
constante irrigação de crédito (especulativo e Ponzi) não consigam arcar com suas obrigações,
iniciando um movimento de default que pode se alastrar em cadeia. Como resultado desse
movimento, o nível de investimento passa a cair como reposta a mudança na postura dos agentes
– assim como o emprego e a renda, e com isso, o nível do produto. O processo só será
novamente invertido quando os agentes voltarem a acertar suas expectativas, voltando a assumir
posições de maior risco e menor liquidez, impulsionando o investimento novamente.
2.1.7. Minsky além das fronteiras nacionais
A fragilização de uma economia pode ir além da questão doméstica, estando esta sujeita
as novas formas de investimento e ao maior fluxo financeiro internacional que se inicia nos
anos 70 (WOLFSON, 2002). É possível que as empresas se endividem em capital estrangeiro
e passem a encarar um risco de variação cambial em conjunto com a variação da taxa de juros
do país de onde o capital é originado, portanto, estando exposta a novos fatores que podem
23
causar a inversão de um ciclo de crescimento que, há certo tempo, pode estar fragilizando uma
determinada economia.
Para De Paula (2004) a existência de um fluxo de capital além das fronteiras nacionais
permite observarmos a taxa de câmbio como uma variável que irá determinar a variação:
a) Nas atividades operacionais das firmas;
b) Do endividamento das firmas dada a moeda na qual elas se endividaram;
Dessa forma, o resultado macroeconômico financeiro das firmas determinará o nível de
fragilização externa de uma economia, e dependendo do grau da vulnerabilidade, será
necessário para o país refinanciar suas obrigações e/ou até mesmo reduzir suas reservas
internacionais.
O grau de abertura comercial e financeira está diretamente relacionado à capacidade do
câmbio influenciar a economia real, e com isso, De Paula (2014) apresenta um índice de
fragilidade financeira externa (IFE) que tenta medir a evolução da estrutura financeira externa
de um país, comparando suas obrigações reais e potenciais em moeda estrangeira com sua
respectiva capacidade de pagamento:
IFE = (M + Di + DOS + A + CCP-1 + IPL-1) / (X + Ri + ROS + RE-1 + IED + Eml),
onde:
M = importações;
X = exportações;
D = despesas com juros "i" e outros serviços (OS);
R = receitas de juros "i" e outros serviços (OS);
A = amortizações de empréstimos;
CCP-1 = estoque de capital de curto prazo, acumulado até o trimestre anterior;
IPL-1 = estoque de investimento líquido em portfólio, acumulado até o trimestre anterior;
RE-1 = reservas oficiais, acumuladas até o trimestre anterior;
IED = entrada de divisas correspondente a investimentos diretos;
24
Eml = empréstimos de médio e longo prazo.
Quanto maior (menor) o índice, maior (menor) será a exposição do país a mudanças na
conjuntura internacional – mudança nas taxas de juros externas, por exemplo. Dessa forma as
posturas propostas por Minsky podem ser definidas em uma economia aberta da seguinte forma:
a) Hedge: tem capacidade de cumprir suas obrigações reais e potenciais em moeda
estrangeira sem recorrer a financiamento.
b) Especulativo: tem necessidade de recorrer a refinanciamento ou perda de reservas para
cumprir suas obrigações em moeda estrangeira.
Ao recorrer ao aumento do financiamento de curto prazo o país agrava sua fragilidade
financeira, a não ser que, no ano seguinte, as obrigações potenciais não aumentem em relação
às receitas financeiras obtidas durante o ano, às receitas correntes e às reservas. Se essa situação
se instala, as políticas econômicas com foco em atrair capitais de curto prazo irão se intensificar,
aumentando gradativamente o passivo externo líquido. Observações quanto ao índice IFE:
a) Deve ser visto apenas como um indicador de tendência, destinado a ponderar a
importância das avaliações subjetivas de agentes econômicos responsáveis por ativos
ou obrigações em moeda estrangeira quanto à situação internacional da economia;
b) É indicador de margens de segurança que mede a exposição ao risco de um país num
contexto de normalidade. Em uma economia que tem seu longo prazo pautado na
expectativa dos agentes em diversas variáveis, uma situação de maior fragilidade pode,
com um índice similar, representar uma situação de risco maior. Não necessariamente
o índice representa segurança contra uma crise cambial.
2.2. ANÁLISE DOS TRÊS BALANÇOS
A análise dos três balanços de Godley (2006) nos permite identificar, através de uma
identidade contábil, as relações existentes entre os deficits e superavits do setor público, privado
e externo. Esta análise mostra mais uma forma de enxergar o impacto do setor externo e do
setor público no endividamento do setor privado ao explicitar o impacto da transação de ativos
entre os setores.
O saldo total (neste caso, a soma dos três setores) deve ser, obrigatoriamente, igual a zero.
Segue-se:
25
Balanço do setor privado + balanço do setor público + balanço do setor externo = 0
E se reorganizarmos os termos teremos:
Balanço do setor privado = -balanço do setor público – balanço do setor externo
Ou em termos macroeconômicos mais comuns:
Superavit do setor privado = deficit orçamentário do setor público + superavit em conta
corrente
Com a ajuda do esquema de Godley é possível entender que, necessariamente, um
superavit no setor privado deve ser respaldado por um deficit no setor público e/ou um superavit
em conta corrente. Da mesma forma, uma tentativa de forçar um superávit no setor público,
necessariamente, afeta o setor privado. Os balanços nos mostram como os ativos transitam entre
os diferentes setores e como alterações em um setor afeta a liquidez disponível nos demais.
Um ponto importante a ser destacado é a capacidade de enxergar a interação entre os
setores, algo nem sempre levado em consideração na visão econômica mais tradicional que
utiliza análises isoladas de período único.2
2 Para maiores informações consultar Lindenberg (1981).
26
3. ANÁLISE DOS DADOS PARA O CASO BRASILEIRO
A década de 2000 criou um ambiente econômico propício ao aumento do investimento
e à expansão da renda. As políticas do governo Lula a partir de 2004 passaram a expandir a
demanda agregada, levando a resultados positivos que repercutiram em vários setores da
sociedade (REZENDE, 2015). Antes da crise da crise econômica entre 2007 e 2008, o Brasil
tinha um suporte externo bastante favorável, tanto na demanda externa por produtos primários
quanto no fluxo de investimentos direcionados aos mercados emergentes (KREGEL, 2009).
Os formuladores das políticas econômicas da época tinham convicção plena na robustez
do sistema financeiro nacional, ignorando possíveis efeitos que causariam instabilidade em suas
estruturas, o surgimento de novas fontes de instabilidade e a necessidade de redesenhar a
estrutura reguladora para garantir a eficácia da estabilidade financeira e fornecer financiamento
para o desenvolvimento (REZENDE, 2016). Antes da crise, os bancos (públicos e privados)
praticamente dobraram seus empréstimos como parte do PIB, aumentando os empréstimos de
forma geral. Além disso, após a crise financeira global, o investimento público aumentou (PAC
I e II e financiamento de investimento de longo prazo via BNDES) e o financiamento da
habitação aumentou através do programa “Minha Casa, Minha Vida” para atender às
necessidades de investimento do Brasil e atuar como uma ferramenta anticíclica,
contrabalanceando os efeitos da queda do investimento privado (REZENDE 2015). A taxa de
desemprego do Brasil atingiu níveis recordes de baixa, os rendimentos reais cresceram, o
crédito bancário praticamente duplicou desde 2002 (passando de 26,01% do PIB em 2002 para
45,25% em 2010 – MORA, 2015), acumulou US $ 289 bilhões em reservas internacionais até
2010 e diminuiu sua restrição externa. A taxa de pobreza e a desigualdade de renda diminuíram
acentuadamente devido a políticas governamentais e programas de inclusão social, retirando 36
milhões da pobreza extrema desde 2002. Além disso, a estabilidade dos sistemas econômicos e
financeiros do Brasil enfrentou relativamente sem problemas a crise financeira internacional de
2007-2008 (BARBOSA, 2010).
Após a crise global, a combinação da redução dos gastos do setor privado norte
americano e a redução do deficit em conta corrente dos EUA levou a uma queda acentuada na
demanda por exportações de mercados emergentes, dadas as mudanças estruturais nos
mercados internacionais e o final do ciclo de commodities. Como uma estratégia de crescimento
liderada pela exportação exige que pelo menos uma nação, por identidade contábil, possua
27
deficit em conta corrente, o Brasil precisou redesenhar sua estratégia de crescimento, antes
respaldada no impulso externo3 (REZENDE, 2016).
Mesmo com as respostas políticas para aumentar o comércio mundial e diminuir os
efeitos da crise, desde 2010 houve uma queda no comércio e produção mundial, com isso, uma
nova queda na demanda e uma inversão nos termos de troca, afetando assim o desempenho
econômico dos países que respaldavam suas estratégias de crescimento na comercialização de
commodities. A estratégia de crescimento do pré-crise não mais seria possível, dada a
desaceleração da China e a queda dos preços das commodities, mesmo com o relativo sucesso
das políticas anticíclicas que o Brasil utilizou para enfrentar os efeitos imediatos da crise global.
A combinação de uma desaceleração do crescimento global, as mudanças nas condições
externas e a incapacidade de implementar políticas para apoiar o crescimento da demanda
doméstica contribuíram para neutralizar o crescimento continuado da economia brasileira
(REZENDE, 2016).
Os impactos da crise no Brasil, em particular, foram substanciais. Mudou-se de um
superavit de conta corrente igual a 1,25% do PIB em 2006 para um deficit igual a 3,6% do PIB
em 2013, sendo a terceira maior economia deficitária (depois dos EUA e Reino Unido) no
mundo (IMF WEO, 2014). Já a demanda foi respaldada pelo setor privado assumindo uma
posição deficitaria, ou seja, a despesa privada total era maior que o rendimento disponível
privado, o que significou uma rápida acumulação de endividamento por parte do setor privado
(REZENDE, 2016).
Levando em conta as informações do cenário brasileiro até agora apresentadas, esta
parte do trabalho irá se dedicar em analisar os dados da economia brasileira de forma que:
a) Fique claramente definido o período da desaceleração e da posterior recessão técnica.
b) Sejam analisados os componentes da demanda agregada de maneira individual,
observando suas possíveis causas e impactos causados na renda agregada.
c) Seja definido quais componentes são responsáveis por causar o maior impacto no
período da desaceleração e no período da recessão técnica.
3 Para maiores informações consultar Jung (1985).
28
3.1. DA DESACELERAÇÃO À RECESSÃO TÉCNICA
Gráfico 6: taxa de crescimento real do PIB
Fonte: IBGE (2017)
Após o crescimento de 7,53% em 2010, a economia brasileira começa a desacelerar a
partir de 2011. Mesmo com um crescimento de 3% em 2013, a tendência de queda continua até
2015, onde a economia começa a operar com uma taxa de crescimento negativo, e a economia
se recupera muito pouco em 2016, ainda com uma taxa de crescimento negativa.
Gráfico 7: PIB Real Trimestral (trimestre contra trimestre)
Fonte: IBGE (2017)
1,14%
5,76%
3,20%3,96%
6,07%5,09%
-0,13%
7,53%
3,97%
1,92%3,00%
0,50%
-3,77%
-3,60%
-6,00%
-4,00%
-2,00%
0,00%
2,00%
4,00%
6,00%
8,00%
10,00%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Taxa de crescimento real do PIB
5,7%5,2%4,7%3,5%
2,6%1,7%
1,0%
2,5% 2,5%2,7%
4,0%
2,8%2,6%
3,5%
-0,4%
-0,6%-0,3%
-1,8%-3,0%
-4,5%-5,8%
-5,4%-3,6%
-2,9%
-2,5%
-8,0%
-6,0%
-4,0%
-2,0%
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
PIB Real Trimestral
29
A partir do primeiro trimestre de 2011 a economia começa a desacelerar e no segundo
trimestre de 2014 podemos observar um crescimento negativo do produto que se estende até o
quarto trimestre de 2016. De acordo com o NBER (National Bureau of Economic Research)
um quadro de recessão técnica é definido por uma taxa de crescimento negativa por dois
trimestres consecutivos, e de acordo com os dados trimestrais mostrados acima, o Brasil segue
em recessão técnica por 11 trimestres.
3.2. ENTENDENDO O MOVIMENTO DOS COMPONENTES DA DEMANDA
AGREGADA
Nesse item será exposto, de maneira individual, o comportamento de cada elemento e
as possíveis causas para seu desempenho. Em um primeiro momento será feita uma análise dos
componentes autônomos (consumo do governo e exportações) e posteriormente dos
componentes dependentes (consumo privado, investimento e importações).
3.2.1. Variáveis de comportamento autônomo
O consumo do governo é um componente autônomo da demanda agregada que pode
funcionar de maneira discricionária, portanto, é um elemento chave por ter a capacidade de
atuar de maneira anti-cíclica com eficácia. Segue abaixo o gráfico que mostra o comportamento
do consumo do governo entre o primeiro trimestre de 2008 e o último trimestre de 2016:
Gráfico 8: Consumo do Governo e PIB (trimestre contra trimestre)
Fonte: BCB (2017)
-8,0
-6,0
-4,0
-2,0
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
20
08
.I2
00
8.I
I2
00
8.I
II2
00
8.I
V2
00
9.I
20
09
.II
20
09
.III
20
09
.IV
20
10
.I2
01
0.I
I2
01
0.I
II2
01
0.I
V2
01
1.I
20
11
.II
20
11
.III
20
11
.IV
20
12
.I2
01
2.I
I2
01
2.I
II2
01
2.I
V2
01
3.I
20
13
.II
20
13
.III
20
13
.IV
20
14
.I2
01
4.I
I2
01
4.I
II2
01
4.I
V2
01
5.I
20
15
.II
20
15
.III
20
15
.IV
20
16
.I2
01
6.I
I2
01
6.I
II2
01
6.I
VConsumo do Governo e PIB
CONSUMO DO GOVERNO PIB 4 por Média Móvel (CONSUMO DO GOVERNO)
30
Por ser uma variável de comportamento autônomo, a influência no comportamento da demanda
agregada é direta, ou seja, o movimento da série em si contribui para melhorar (ou piorar) o
desempenho da economia. Foi inserido no gráfico uma média móvel de quatro períodos para
melhor representar a tendência da série. É possível observar que o consumo do governo no
período da desaceleração sofre uma queda, porém, durante o período da recessão técnica sofre
uma queda bastante acentuada que acompanha o movimento do produto em menor grau com
uma leve recuperação no fim da série. A queda do consumo do governo contribuiu para o
agravamento da situação econômica do país, principalmente no período da recessão técnica.
O consumo do governo é de natureza autônoma, porém, a existência de regras fiscais ou
pressões políticas podem alterar as decisões de gasto. Uma forma de começar a analisar o
comportamento dos gatos do governo é observar a situação das finanças públicas:
Gráfico 9: Dívida Líquida do Setor Público/PIB e Despesa Bruta do Governo Geral/PIB
Fonte: IPEA (2017)
A Dívida Líquida do Setor Público (DLSP)4 em relação ao PIB sofre um grande aumento
a partir de 2013. A Despesa Bruta do Governo Geral (DBGG – dados a partir de 2006) segue
um movimento similar à DLSP5. Mesmo com a queda do gasto do governo, a queda no produto
4 Corresponde ao saldo líquido do endividamento do setor público não-financeiro e do Banco Central com o
sistema financeiro (público e privado), o setor privado não-financeiro e o resto do mundo (Fonte: BCB - 2017).
5 A dívida bruta do governo geral abrange o total dos débitos de responsabilidade do Governo Federal, dos
governos estaduais e dos governos municipais, junto ao setor privado, ao setor público financeiro, ao Banco
5,06 5,004,42 4,35 4,15 3,85 3,66 3,43
3,774,09
5,13
6,046,36 6,58 6,29
5,65 5,736,11 5,80
6,51
7,53 7,77
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
7,00
8,00
9,00
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
DLSP/PIB E DBGG/PIB
DLSP/PIB DBGG/PIB
31
mais que compensou o movimento, principalmente durante o período de recessão técnica onde
a relação das variáveis DLSP E DBGG em relação ao PIB se torna ainda mais alta.
Gráfico 10: Necessidade de Financiamento do Setor Público/PIB (Nominal e Primário)
Fonte: BCB (2017)
A necessidade de financiamento do setor público (NFSP) pode ser vista no gráfico acima em
uma série nominal e real6 em relação ao PIB. Podemos observar que, a partir de 2013, ambas
as séries sobem de maneira acentuada (principalmente a série primária), mostrando que,
independente do corte de gastos por parte do governo, as séries continuam se distanciando do
equilíbrio com a queda do produto.
Como foi apontado anteriormente o comportamento do consumo do governo depende
principalmente do plano de atuação da autoridade governamental vigente. As leituras das
situações onde o consumo do governo é ou não uma escolha adequada pode variar por diversos
fatores políticos e ideológicos. Os gráficos mostram que os indicadores fiscais se deterioraram
Central e ao resto do mundo. Os débitos de responsabilidade das empresas estatais das três esferas de governo
não são abrangidos pelo conceito (Fonte: BCB - 2017).
6 A necessidade de financiamento do setor público (NFSP) nominal corresponde à variação nominal dos saldos da dívida líquida, deduzidos os ajustes patrimoniais efetuados no período, neste caso, privatizações e reconhecimento de dívidas. Já a série de resultado primário corresponde ao déficit nominal (NFSP) menos os juros nominais apropriados por competência, incidentes sobre a dívida pública (Fonte: BCB).
-3,24 -3,69 -3,74 -3,15 -3,24 -3,33-1,94 -2,62 -2,94
-2,18 -1,71
0,561,85 2,495,18
2,88 3,54 3,572,74
1,99
3,192,41 2,47 2,26
2,96
5,95
10,22 8,98
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10
12
14
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
NFSP/PIB (Nominal e Primário)
Nominal Primário
32
dada a queda do produto, portanto, a tentativa de melhorar a situação do endividamento público
diminuindo o consumo do governo se mostrou ineficaz.
As exportações, assim como o consumo do governo, é uma variável independente do
produto, mas seu resultado afeta de maneira direta o comportamento do produto. Segue abaixo
o gráfico para as exportações:
Gráfico 11: Exportações e PIB (trimestre contra trimestre)
Fonte: IBGE (2017).
As exportações agem como elemento positivo para a demanda agregada e também
geram uma entrada de ativos que vêm de fora da economia, permitindo que o setor privado e o
setor público tenham folgas em suas estruturas de passivo. Durante o período da desaceleração
as taxas de crescimento das exportações caem em meio a volatilidade atingindo valores bastante
baixos entre o primeiro semestre de 2012 e o primeiro semestre de 2013. No quarto trimestre
de 2014 acontece uma queda significativa na série, no entanto, já no primeiro trimestre de 2015
volta a subir e, no segundo semestre de 2016, volta a cair de maneira significativa até o fim da
série.
Podemos observar com a ajuda de uma média móvel de quatro períodos que o
desempenho das exportações teve uma contribuição para a queda do produto no fim do período
da desaceleração (a partir do fim do terceiro trimestre de 2013) e se recupera no início do
período da recessão técnica (primeiro trimestre de 2014).
-20,0
-15,0
-10,0
-5,0
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
20
08
.I
20
08
.II
20
08
.III
20
08
.IV
20
09
.I
20
09
.II
20
09
.III
20
09
.IV
20
10
.I
20
10
.II
20
10
.III
20
10
.IV
20
11
.I
20
11
.II
20
11
.III
20
11
.IV
20
12
.I
20
12
.II
20
12
.III
20
12
.IV
20
13
.I
20
13
.II
20
13
.III
20
13
.IV
20
14
.I
20
14
.II
20
14
.III
20
14
.IV
20
15
.I
20
15
.II
20
15
.III
20
15
.IV
20
16
.I
20
16
.II
20
16
.III
20
16
.IV
EXPORTAÇÕES E PIB
PIB EXPORTAÇÕES 4 por Média Móvel (EXPORTAÇÕES)
33
Um dos fatores determinantes das exportações é a taxa de câmbio. Abaixo segue o
gráfico do comportamento do câmbio nominal e real:
Gráfico 12: Câmbio Nominal e Taxa de Câmbio Efetiva Real
Fonte: BCB (2017)
A taxa de câmbio nominal no período da desaceleração segue em trajetória de
apreciação até partir de 2011, atingindo os valores mais baixos da série. A partir de 2012
começa a se depreciar e segue em essa trajetória até 2016. A taxa de câmbio real efetiva7 segue
um movimento similar com uma pequena diferença no movimento na passagem de 2015 para
2016. Vale ressaltar a relação da taxa de câmbio com o desempenho das exportações e
importações.
7 A taxa de câmbio real estabelece uma conexão do câmbio em relação aos preços dos bens e serviços do país e no estrangeiro.
185,95 181,76
160,43150,53
133,74117,72 119,06
100,0085,93
94,56 96,18 103,11
126,44109,91
3,08 2,932,43
2,181,95 1,83 2,00
1,76 1,671,95
2,16 2,353,33
3,49
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
0,00
50,00
100,00
150,00
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Câmbio Nominal e Taxa de Câmbio Efetiva Real
Real Nominal
34
Gráfico 13: Saldo de Transações Correntes/Exportações e Reservas Internacionais/Passivo
Externo Líquido
Fonte: BCB (2017)
O setor externo também influencia diretamente na quantidade de ativos disponíveis,
obrigando, por identidade contábil, que os demais setores (público e privado) gerem superavit
ou deficit de acordo com o saldo do setor externo. O gráfico acima mostra como as reservas
internacionais se comportam em relação ao passivo externo líquido8, mostrando uma queda
significativa em 2015 com uma recuperação em 2016. Já o saldo de transações correntes9 em
relação as exportações sofre uma queda em 2014 e já volta a subir em 2015.
As mudanças no setor externo afetam as firmas diretamente, assim como suas posições
de endividamento, seja pela mudança no saldo externo de acordo com os balanços de Godley,
ou pela mudança direta no fluxo de caixa das empresas por fatores diversos. É possível notar
com os dados apresentados que os fatores externos mudaram significativamente depois da crise
internacional, e com isso, a estrutura de passivo das firmas sofre alterações de forma a
8 Posição de investimento internacional do país com sinal trocado. O passivo externo líquido mostra o passivo externo bruto do país, descontando o ativo externo bruto. 9 Exportações e importações (saldo da balança comercial); receitas e despesas de serviços totais, inclusive os relacionados a transportes, viagens internacionais, seguros, financeiros, computação e informação, royalties e licenças, aluguel de equipamentos, governamentais e outros serviços; receitas e despesas de rendas, incluindo salários e ordenados, renda de investimentos diretos (lucros e dividendos e juros de empréstimos intercompanhia), renda de investimentos em carteira (lucros e dividendos e juros de títulos de dívida) e renda de outros investimentos (inclui juros de empréstimos, financiamentos, depósitos e de outros ativos e passivos); (BCB, 2017).
5%
12% 11% 9%
0%
-15% -17%
-38%-30% -31%
-31%
-46%
-31%
-13%
-18%
-19% -18%-25%
-36%
-85%
-43%-32%
-43% -47% -51%
-48%
-80%
-54%
-90%
-70%
-50%
-30%
-10%
10%
-50%
-40%
-30%
-20%
-10%
0%
10%
20%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Saldo de Transações Correntes/Exportações e Reservas Internacionais/Passivo Externo Líquido
STC/X R/PEL
35
beneficiar setores exportadores e a prejudicar (via câmbio) firmas que contraíram
endividamento em moeda estrangeira ou que utilizam matéria prima importada, por exemplo.
Como explicado anteriormente, no capítulo dois, é possível utilizar o IFE para mensurar
a fragilidade externa da economia:
Gráfico 14: Índice de Fragilidade Externa
Fonte: BCB (2017)
Foi utilizada uma linha de tendência polinomial de segunda ordem para facilitar a
observação do comportamento da série. Podemos observar que a fragilidade cai ao longo da
série e se torna mais estável, tanto no período da desaceleração quanto no período da recessão
técnica, mostrando que as firmas (na média) diminuíram ao longo do tempo sua vulnerabilidade
a fatores externos como câmbio ou taxas de juros estrangeiras.
3.1.2. Variáveis de comportamento dependente
O consumo privado é uma variável induzida pelo PIB, logo, a abordagem utilizada para
apontar se uma variável desse tipo afeta positivamente ou negativamente vai além da utilizada
anteriormente para o consumo do governo ou para as exportações, que são autônomas. É preciso
comparar o comportamento da taxa de crescimento do consumo com a do PIB. Se a primeira
for maior que a segunda, essa está contribuindo para o crescimento do produto (o contrário
também é verdade).
R² = 0,8907
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
4,00
4,50
2º
Trim
.20
03
4º
Trim
.20
03
2º
Trim
.20
04
4º
Trim
.20
04
2º
Trim
.20
05
4º
Trim
.20
05
2º
Trim
.20
06
4º
Trim
.20
06
2º
Trim
.20
07
4º
Trim
.20
07
2º
Trim
.20
08
4º
Trim
.20
08
2º
Trim
.20
09
4º
Trim
.20
09
2º
Trim
.20
10
4º
Trim
.20
10
2º
Trim
.20
11
4º
Trim
.20
11
2º
Trim
.20
12
4º
Trim
.20
12
2º
Trim
.20
13
4º
Trim
.20
13
2º
Trim
.20
14
4º
Trim
.20
14
2º
Trim
.20
15
4º
Trim
.20
15
2º
Trim
.20
16
4º
Trim
.20
16
Índice de Fragilidade Externa
36
Gráfico 15: Consumo Privado e PIB (trimestre contra trimestre)
Fonte: IBGE (2017)
Podemos observar que o consumo privado ajuda a sustentar o PIB durante a maior parte
da série. Durante o início do período da desaceleração a série do consumo se mantém abaixo
do produto durante três semestres e depois volta a contribuir positivamente. No segundo período
de 2015, a taxa de crescimento do consumo cai abaixo da do PIB e passa a atuar negativamente
para o resultado da renda (já durante o período de recessão técnica).
O consumo é uma variável que tem uma forte ligação com o nível de emprego10. O
gráfico abaixo mostra o comportamento do nível de desemprego:
10 Para maiores informações consultar Keynes (1936).
-8,0
-6,0
-4,0
-2,0
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
20
08
.I
20
08
.II
20
08
.III
20
08
.IV
20
09
.I
20
09
.II
20
09
.III
20
09
.IV
20
10
.I
20
10
.II
20
10
.III
20
10
.IV
20
11
.I
20
11
.II
20
11
.III
20
11
.IV
20
12
.I
20
12
.II
20
12
.III
20
12
.IV
20
13
.I
20
13
.II
20
13
.III
20
13
.IV
20
14
.I
20
14
.II
20
14
.III
20
14
.IV
20
15
.I
20
15
.II
20
15
.III
20
15
.IV
20
16
.I
20
16
.II
20
16
.III
20
16
.IV
Consumo Privado e PIB
PIB CONSUMO
37
Gráfico 16: Taxa de Desemprego
Fonte: IPEA (2017)
Podemos observar um aumento agudo da série em 2015 e posteriormente em 2016. Se
compararmos o comportamento com o gráfico anterior do consumo poderemos observar que o
consumo começar a cair de maneira aguda a partir do mesmo período e em 2016 se mantém
abaixo do PIB.
O comportamento do investimento, nesse caso da Formação Bruta de Capital Físico
(doravante FBCF), é apresentado ao lado da variação do PIB no gráfico abaixo:
Gráfico 17: Investimento e PIB (trimestre contra trimestre)
Fonte: IBGE (2017)
12,3%11,4%
9,8% 9,9%9,3%
7,8% 8,1%
6,7%6,0%
5,5% 5,4%4,8%
6,9%
11,5%
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
10,0%
12,0%
14,0%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Taxa de Desemprego
-30,0
-20,0
-10,0
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
20
08
.I
20
08
.II
20
08
.III
20
08
.IV
20
09
.I
20
09
.II
20
09
.III
20
09
.IV
20
10
.I
20
10
.II
20
10
.III
20
10
.IV
20
11
.I
20
11
.II
20
11
.III
20
11
.IV
20
12
.I
20
12
.II
20
12
.III
20
12
.IV
20
13
.I
20
13
.II
20
13
.III
20
13
.IV
20
14
.I
20
14
.II
20
14
.III
20
14
.IV
20
15
.I
20
15
.II
20
15
.III
20
15
.IV
20
16
.I
20
16
.II
20
16
.III
20
16
.IV
Investimento e PIB
PIB INVESTIMENTO
38
A taxa de crescimento do investimento atinge seu ápice no primeiro trimestre de 2010
quando começa a cair até ficar abaixo da taxa de crescimento do produto no terceiro trimestre
de 2012. Volta a impactar positivamente no segundo trimestre de 2013, porém no segundo
trimestre de 2014 volta a ficar abaixo do PIB e segue aumentando a distância até o quarto
trimestre de 2015, quando atinge seu vale. Volta a se recuperar, mas ainda fica abaixo da do
PIB. Podemos observar que durante a fase da aceleração, o crescimento e o investimento se
mantém acima do do PIB, porém, na fase de recessão técnica se mantém consideravelmente
abaixo.
O investimento é, por si só, um componente bastante volátil da demanda agregada. Sua
variação depende principalmente da expectativa dos agentes quanto ao futuro e também das
oportunidades de rentabilidade alternativas ao investimento propriamente dito, nesse caso,
FBCF. Além de fatores já citados, acesso ao crédito e a dependência de fatores de infraestrutura,
entre outros, também podem impactar tais decisões.
Abaixo segue o gráfico mostrando o comportamento da taxa de juros real:
Gráfico 18: Selic Real
Fonte: BCB (2017)
A taxa de juros real influencia as decisões de investimento ao determinar o preço do
crédito11. Podemos observar que durante o período da desaceleração (2011 – 2013) a taxa de
11 A importância do crédito para a teoria minskyana atua como forma em que os agentes financiam seus
investimentos e refinanciam suas dívidas. Além da própria escolha de aplicação de capital ou financiando novos
15,74%
8,04%
12,83% 12,95%
7,94%
5,05%
6,65%
2,68%
4,46%3,69%
1,27%
4,08%
1,88%
7,49%
0,00%
2,00%
4,00%
6,00%
8,00%
10,00%
12,00%
14,00%
16,00%
18,00%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
SELIC REAL
39
juros atingiu seu menor valor na série (1,27%), porém, justamente durante o período de recessão
técnica ela seguiu crescendo até atingir o patamar de 7,49%, fazendo com que a política
monetária atuasse de maneira contracionista, portanto, pro-cíclica. Vale lembrar que existe um
lapso temporal para que a política monetária comece a fazer efeito (FRIEDMAN, 1968).
As decisões de investimento levam em consideração elementos como taxas de juros e
expectativas de longo prazo. A existência de um efeito “dual” no investimento faz com que o
efeito pelo lado da demanda em gerar renda via multiplicador aconteça no curto prazo, porém,
o efeito pelo lado da oferta em criar capacidade acontece apenas no futuro dada a existência de
um prazo de maturação12. Uma maneira interessante de entender melhor o comportamento do
investimento por essa ótica é observando o gráfico “utilização da capacidade instalada”:
Gráfico 19: Utilização da Capacidade Instalada (trimestre contra trimestre)
Fonte: BCB (2017)
A utilização da capacidade instalada possui uma volatilidade grande em sua variação,
por isso, foi utilizada uma linha de tendência polinomial de segunda ordem para representar, de
maneira mais visual, a tendência da série. A utilização da capacidade vem caindo a partir do
investimentos, a taxa de juros pode ser um fator chave para a inversão do ciclo econômico de uma economia
fragilizada.
12 Para maiores informações consultar Busato (2016).
R² = 0,7371
74
76
78
80
82
84
86
20
10
.01
20
10
.04
20
10
.07
20
10
.10
20
11
.01
20
11
.04
20
11
.07
20
11
.10
20
12
.01
20
12
.04
20
12
.07
20
12
.10
20
13
.01
20
13
.04
20
13
.07
20
13
.10
20
14
.01
20
14
.04
20
14
.07
20
14
.10
20
15
.01
20
15
.04
20
15
.07
20
15
.10
20
16
.01
20
16
.04
20
16
.07
20
16
.10
Utilização da Capacidade Instalada
40
início de 2012 e atinge valores gradualmente menores dentro do quadro de recessão técnica que
começa no segundo trimestre de 2014.
A queda na utilização da capacidade instalada está geralmente associada a queda do
investimento dada a falta de necessidade de ampliar a capacidade produtiva. Tanto no período
da desaceleração quanto no período da recessão técnica a utilização da capacidade instalada
vem, na média, caindo.
O gráfico abaixo irá mostrar a série IBOVESPA/INCC como proxy da relação Pk/Pi
apresentada no capítulo dois – condição básica para determinar o investimento no modelo de
Minsky. Segue:
Gráfico 20: IBOVESPA/INCC (2008 – 2016)
Fonte: BCB (2017)
A série assume uma trajetória descendente desde abril de 2010 e atinge seu ponto
mínimo em janeiro de 2016 onde volta a crescer. A série condiz com o comportamento médio
do investimento apresentado anteriormente (decrescimento volátil a partir de 2010 e retorno
muito tímido do crescimento em 2016). Esse indicador mostra que o comportamento do
investimento parece ter alguma relação com o Pk/Pi e a forma como o investimento é descrito
em Minsky.
As importações dependem, principalmente, da taxa de câmbio e da renda. Ao contrário
das exportações, enviam recursos ao exterior e privam o setor público e privado doméstico de
folgas no portfólio. Dado o comportamento de queda na renda (a partir de 2011) e depreciação
cambial (a partir de 2014), a tendência natural é a queda do volume de importações:
-
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
25.000,00
30.000,00
35.000,00
40.000,00
45.000,00
50.000,00
jan
/08
mai
/08
set/
08
jan
/09
mai
/09
set/
09
jan
/10
mai
/10
set/
10
jan
/11
mai
/11
set/
11
jan
/12
mai
/12
set/
12
jan
/13
mai
/13
set/
13
jan
/14
mai
/14
set/
14
jan
/15
mai
/15
set/
15
jan
/16
mai
/16
set/
16
IBOVESPA/INCC
41
Gráfico 21: Importações e PIB (trimestre contra trimestre)
Fonte: IBGE (2017)
Nesse caso o comportamento é inverso: quando as importações estão crescendo acima
do produto, contribuem para a desaceleração do crescimento da renda. Podemos observar que
a importação se manteve acima do PIB por grande parte do período da desaceleração e durante
a recessão técnica se manteve consideravelmente abaixo. Esse movimento pode ser
parcialmente explicado pelas mudanças no câmbio e na renda apresentadas no sub-tópico
anterior.
Exportações e importações funcionam de maneira inversa, sendo possível derivar o
conceito de exportações líquidas13. Seu valor afeta os saldos em transações correntes e do
balanço de pagamentos, assim como o produto.
3.2. COMPARANDO OS RESULTADOS
Após observarmos os componentes da demanda agregada de maneira individual,
podemos comparar o impacto de cada um na renda durante o período da desaceleração e da
recessão técnica. O quadro abaixo mostra o impacto de cada um dos componentes ao longo do
período da desaceleração (amarelo) e da recessão técnica (vermelho):
13 Consiste em subtrair o total de importações do total de exportações. Também conhecido como saldo das balanças comercial e de serviços.
-30,0
-20,0
-10,0
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
20
08
.I
20
08
.II
20
08
.III
20
08
.IV
20
09
.I
20
09
.II
20
09
.III
20
09
.IV
20
10
.I
20
10
.II
20
10
.III
20
10
.IV
20
11
.I
20
11
.II
20
11
.III
20
11
.IV
20
12
.I
20
12
.II
20
12
.III
20
12
.IV
20
13
.I
20
13
.II
20
13
.III
20
13
.IV
20
14
.I
20
14
.II
20
14
.III
20
14
.IV
20
15
.I
20
15
.II
20
15
.III
20
15
.IV
20
16
.I
20
16
.II
20
16
.III
20
16
.IV
Importações e PIB
PIB IMPORTAÇÕES
42
Tabela 1: PIB (ótica da despesa)
Período Consumo do Governo Exportações Consumo Privado Investimento Importações PIB
2011.I 2,6 4,3 6,4 8,2 11,8 5,2
2011.II 3,3 6,6 6,6 8,1 14,2 4,7
2011.III 1,8 4,4 4,0 5,8 6,0 3,5
2011.IV 1,2 3,9 2,5 5,5 6,8 2,6
2012.I 2,1 4,9 3,0 3,1 6,1 1,7
2012.II 2,1 -1,7 2,2 1,1 1,9 1,0
2012.III 1,9 -4,0 3,9 -1,5 -5,9 2,5
2012.IV 3,0 2,8 4,8 0,6 1,6 2,5
2013.I -0,1 -4,8 3,8 2,9 7,1 2,7
2013.II 1,2 6,4 4,1 8,5 7,2 4,0
2013.III 2,5 3,2 3,5 7,3 12,0 2,8
2013.IV 2,4 4,0 2,6 4,5 3,1 2,6
2014.I 1,9 3,2 3,7 4,3 0,5 3,5
2014.II 1,2 -0,3 1,7 -6,3 -3,8 -
0,4
2014.III 1,0 4,5 1,1 -7,5 1,0 -
0,6
2014.IV -0,8 -10,8 2,6 -6,7 -5,2 -
0,3
2015.I 0,0 3,6 -1,2 -9,8 -5,2 -
1,8
2015.II -1,2 8,0 -2,9 -12,5 -11,0 -
3,0
2015.III -1,4 1,5 -4,7 -14,8 -19,7 -
4,5
2015.IV -1,7 12,3 -6,7 -18,7 -19,6 -
5,8
2016.I -0,8 12,7 -5,8 -17,3 -21,5 -
5,4
2016.II -0,5 4,0 -4,8 -8,6 -10,4 -
3,6
2016.III -0,8 0,2 -3,4 -8,4 -6,8 -
2,9
2016.IV -0,1 -7,6 -2,9 -5,4 -1,1 -
2,5
Fonte: IBGE (2017)
A tabela mostra o desempenho de cada componente ao longo do período como vimos nos
gráficos individualmente, porém, para uma melhor visualização, segue a variação acumulada
dos agregados:
43
Tabela 2: Resultados acumulados do PIB e seus componentes nos períodos de desaceleração e
recessão técnica, Brasil.
PERÍODO Cg X C I M Y
DESACELERAÇÃO 29,14% 37,69% 64,94% 76,13% 98,96% 47,04%
RECESSÃO TÉCNICA -4,94% 28,59% -24,49% -71,06% -67,48% -26,92%
Fonte: IBGE (2017)
Podemos observar que durante a desaceleração o componente que teve a menor
performance foi o consumo do governo (Cg), enquanto o investimento (I) era o principal
responsável por garantir o ritmo de crescimento do produto (Y), seguido do consumo (C). As
exportações (X) tiveram sua contribuição mais que compensada pelas importações (M).
Durante a recessão técnica observamos uma inversão grande do comportamento do
gasto do governo, passando a atuar negativamente na soma do período. O consumo tem uma
queda significativa e passa a atuar também de maneira negativa. O investimento foi, de longe,
o elemento que mais agravou a situação do produto. As exportações caíram, porém, ainda
continuam atuando de forma positiva, enquanto as importações caíram significativamente.
3.3. RELAÇÃO ENTRE O INVESTIMENTO E OS DEMAIS COMPONENTES DA
DEMANDA AGREGADA
É válido relembrar as relações que existem entre os saldos gerados pelos movimentos
dos componentes da renda. De acordo com o esquema de Godley visto no capítulo dois, o saldo
do setor privado sofre influência dos saldos financeiro do setor público e do setor externo. Segue
abaixo o gráfico do comportamento do saldo do setor privado:
Gráfico 22: Superavit financeiro do setor privado/PIB
5,85%
4,58%5,06% 4,75%
2,77%
0,18%
1,62%
-1,02%-0,48% -0,75%
-0,07%
1,71%
6,91%7,67%
-2,00%
-1,00%
0,00%
1,00%
2,00%
3,00%
4,00%
5,00%
6,00%
7,00%
8,00%
9,00%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
SUPERAVIT DO SETOR PRIVADO/PIB
44
Fonte: BCB (2017)
O superavit do setor privado teve uma queda significativa em 2010, onde passa a operar
com um valor negativo (nesse momento o setor privado está acumulando endividamento) e só
consegue se recuperar em 2014. O acumulo de endividamento compromete o portfólio das
firmas, que de acordo com Minsky, prejudica a capacidade das firmas arcarem com suas
obrigações financeiras (MINSKY, 2008).
Gráfico 23: Superavit do setor externo/PIB
Fonte: BCB (2017)
O desempenho do setor externo acompanhou bastante o movimento das exportações e
importações. Podemos observar que durante o período da desaceleração os saldos foram
negativos e bastante diferentes dos saldos no momento do ciclo das commodities (2004 – 2007).
No período da recessão técnica a folga garantida pela queda das importações fez com que o
saldo do setor externo se tornasse menos deficitário, porém ainda negativo.
0,22%
0,58% 0,62%0,54%
0,01%
-0,99%
-0,79%
-1,95%-1,76%
-1,54%-1,40%
-1,80%
-0,99%
-0,38%
-2,50%
-2,00%
-1,50%
-1,00%
-0,50%
0,00%
0,50%
1,00%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
SUPERAVIT DO SETOR EXTERNO/PIB
45
Gráfico 24: Déficit do setor público/PIB
Fonte: BCB (2017)
No início do período da desaceleração o setor público operou com os menores deficits
da série, período onde o setor privado acumulou endividamento e o saldo externo estava
negativo. Com a ampliação do deficit do setor público no período da recessão técnica (passando
de 2,96% em 2013 para 5,95% em 2014) o setor privado conseguiu ter mais espaço e parou de
acumular endividamento.
Com a análise dos três balanços observamos que existe relação entre os saldos dos diversos
setores e como as mudanças no setor externo e/ou na condução da política fiscal afeta a liquidez
disponível para o setor privado.
Como citado anteriormente no capítulo dois, para Minsky o investimento é o componente
mais importante para determinar as mudanças no ciclo econômico, sendo o gasto do governo e
o consumo secundários para tal determinação. No caso brasileiro, podemos observar que o
investimento de fato teve um papel fundamental no agravamento da crise. Para Minsky, a
expectativa dos agentes quanto ao futuro determina a capacidade dos agentes aceitarem maiores
riscos, assim como sua preferência pela liquidez. A situação de queda das expectativas
relacionada a queda gradual do consumo no período da desaceleração em conjunto com uma
falta de folga do setor privado por parte do setor público e do setor externo acabou por colocar
a situação dos portfólios das firmas em perigo. Dessa forma, o investimento acabou caindo por
várias situações, entre elas:
5,18%
2,88%3,54% 3,57%
2,74%1,99%
3,19%
2,41%
2,47%
2,26%
2,96%
5,95%
10,22%
8,98%
0,00%
2,00%
4,00%
6,00%
8,00%
10,00%
12,00%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Deficit do setor público/PIB
46
a) A existência de uma percepção dos investidores de que o consumo caia ao longo do
período da desaceleração e posteriormente na recessão técnica, efeito refletido – e
retroalimentado – pela queda da utilização da capacidade e aumento dos estoques;
b) Diminuição dos gastos do governo, principalmente no período da recessão técnica,
resultante de políticas que tinham como objetivo equilibrar o orçamento público,
invertendo o papel do que seria o principal componente de combate à crise dada sua
natureza autônoma e discricionária ao passo em que compromete a disponibilidade de
ativos para o setor privado.
c) Queda nos saldos positivos nas transações correntes que ajudavam a “puxar” o produto
para cima nas situações de vantagem nos termos de troca e aumenta a demanda
internacional, elemento que também compromete a disponibilidade de ativos para o
setor privado.
Além disso, fatores como preferência pela liquidez, capacidade de financiamento,
expectativas de longo prazo e fatores políticos podem influenciar no comportamento do
investimento, variáveis que estão fora do escopo deste trabalho.
47
4 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
O presente artigo analisou o desempenho do produto brasileiro ao longo do período da
desaceleração (2011-2013) e da recessão técnica (2014-2016), utilizando o modelo dos dois
preços de Minsky como principal aporte teórico.
O trabalho tinha como hipótese inicial que a desaceleração e a recessão técnica foram
causadas pela queda do investimento dado o comprometimento da estrutura de passivos das
firmas.
Após a investigação foi concluído que o grau de confiança na hipótese aumentou.
Muitos dos elementos abordados contribuíram para ligar de forma empírica a hipótese inicial à
realidade.
Em um primeiro momento foi apresentado o referencial teórico do trabalho. O modelo
dos dois preços, o índice de fragilidade externa e o esquema dos três balanços. Todas as
ferramentas foram bastante úteis para explicar o movimento da economia brasileira no período
estudado.
Em um segundo momento foram analisados os dados da economia brasileira. Foi visto
que durante o período da desaceleração (2011 – 2013) o setor privado acumulou endividamento,
o consumo do governo teve a pior performance entre os agregados do PIB e foi o período onde
o setor externo teve uma atuação abaixo da média, sendo mais um fator que fez com que o setor
privado acumulasse endividamento. Já no período da recessão técnica (2014 – 2016), o
investimento caiu muito em relação ao período da desaceleração, corroborando com a ideia do
Minsky que o investimento é o agregado macroeconômico com maior importância na
determinação do ciclo econômico. Durante todo o período estudado houveram quedas (na
média) do investimento, assim como mostrado pelo índice IBOVESPA/INCC que serviu como
proxy da curva Pk/Pi no modelo dos dois preços. Além disso, o IFC mostrou que durante todo
o período abordado (2011 – 2016) a fragilidade externa da economia estava bastante baixa e
com pouca volatilidade, ou seja, durante o período estudado a pressão do setor externo foi
menor que em períodos anteriores.
O escopo de investigação do trabalho necessita de uma abordagem mais ampla, entrando
em pontos mais complexos e abrangentes. A ausência de elementos como crédito, desempenho
do portfólio das firmas de uma maneira mais apurada e a relação das firmas com a
disponibilidade de recursos poderia tornar os resultados deste trabalho mais precisos. Seria
interessante que trabalhos futuros pudessem explorar tais elementos que complementem a
análise feita até aqui.
48
A análise de Minsky ainda dispõe de muito espaço para investigação, assim como
espaço dentro das instituições responsáveis por pautar decisões importantes de política
econômica. Talvez com uma ampliação da diversidade nas pesquisas possamos diminuir os
erros de condução de política econômica e buscar melhores maneiras de prevenir episódios
catastróficos como a desaceleração e principalmente o período de recessão técnica com seus
altíssimos custos sociais. É preciso que uma nova geração de pesquisadores quebre com a forma
unilateral de estudar e aplicar macroeconomia.
49
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