UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
ESCOLA DE ENGENHARIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA, GESTÃO DE NEGÓCIOS E MEIO AMBIENTE
MESTRADO PROFISSIONAL EM SISTEMAS DE GESTÃO
ALINE DE CARVALHO MEIRA
A INCLUSÃO DO ASSENTO PARA O REPRESENTANTE DOS EMPREGADOS EM
CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA UM NOVO
MODELO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA: O CASO DA PETROBRAS
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Sistemas de Gestão da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Sistemas de Gestão. Área de
concentração: Organizações e Estratégia. Linha de
Pesquisa: Sistema de Gestão pela Qualidade Total.
Orientador:
Emmanuel Paiva de Andrade, D. Sc.
Niterói
2016
Ficha Catalográfica
M 514 Meira, Aline de Carvalho.
A inclusão do assento para o representante dos empregados em
Conselhos de Administração e sua contribuição para um novo modelo
de governança corporativa: o caso da Petrobras / Aline de Carvalho
Meira. – 2016.
159 f.
Orientador: Emmanuel Paiva de Andrade.
Dissertação (Mestrado em Sistema de Gestão) – Universidade
Federal Fluminense. Escola de Engenharia, 2016.
Bibliografia: f. 124-137.
1. Governança corporativa. 2. Empregados. 3. Conselho de
Administração. I. Andrade, Emmanuel Paiva de, Orientador. II.
Universidade Federal Fluminense. Escola de Engenharia, Instituição
responsável. III. Título.
CDD 658.152
Dedico este trabalho a minha mãe, ao meu pai
(in memoriam), a minha irmã (in memoriam) e
ao meu irmão, que tanto me incentivaram ao
longo dessa caminhada com seus ensinamentos
e exemplos que serviram como base para a
minha formação.
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por ter me guiado neste caminho e ter me dado forças e
coragem para seguir viagem.
Aos meus pais e irmãos, pelos valores, pelo amor incondicional e por tudo o que me
ensinaram. Sem eles, não teria sido possível chegar até aqui.
À Universidade Federal Fluminense (UFF), modelo de referência em qualidade de
ensino e pesquisa, com base em princípios éticos e humanitários.
Ao Prof. D. Sc. Emmanuel Paiva de Andrade, militante do saber, profissional ímpar
que, com sua extrema dedicação, seriedade, paciência e generosidade, me conduziu por essa
trilha de indagações e descobertas, dentro de uma visão crítica e metodológica. Seu diálogo
estimulante, rigor técnico apurado e interesse pelo tema enriqueceram a pesquisa.
Aos professores integrantes desta Banca Examinadora, pelo interesse, disponibilidade,
gentileza e por suas contribuições sobre a pesquisa, que serão fundamentais para o
desenvolvimento e aprimoramento acadêmico deste estudo.
Aos demais docentes e membros da Secretaria do Laboratório de Tecnologia, Gestão
de Negócios & Meio Ambiente da UFF (Latec), pela cordialidade, atenção, compreensão e
apoio no desenvolvimento das atividades acadêmicas.
Ao consultor da Petrobras Edson Cordeiro da Silva, aos colegas e profissionais da
companhia que, gentilmente, contribuíram para este estudo com seu apoio, orientação,
opiniões, sugestões e participações em entrevistas. O esforço de realização dessa pesquisa
nasce, antes de tudo, de uma história da qual nos orgulhamos. Nossa bandeira é uma corrente
que não se rompe. Nosso sonho é o ideal do povo brasileiro.
Às áreas de Governança, Risco e Conformidade; Financeira e de Relacionamento com
Investidores; e de Recursos Humanos, Segurança, Meio Ambiente, Saúde e Serviços (ex-
Corporativa e de Serviços); às gerências executivas de Governança; Recursos Humanos;
Comunicação e Marcas; e Relacionamento com Investidores da Petrobras, pelo apoio e acesso
a informações fundamentais para o desenvolvimento deste estudo.
Aos colegas da turma de 2012 do Mestrado em Sistemas de Gestão e a todos aqueles
que, de algum modo, me incentivaram e compartilharam a experiência dessa enriquecedora
jornada do conhecimento.
“A arruaça pode mudar de ídolos, como o
lupanar varia de amantes, como a roleta varia de
sorte... Mas o espírito da fidelidade e da honra
vela constantemente, como a estrela da manhã e
a estrela da tarde, sobre essas regiões, onde a
força e o desinteresse, o patriotismo e a bravura,
a tradição e a confiança assentaram os seus
reservatórios sagrados”. (BARBOSA, Rui, 1893).
RESUMO
Nas duas últimas décadas, as organizações brasileiras passaram por transformações intensas
na esfera econômica que alteraram a configuração do espaço democrático da sociedade como
um todo. Ao mesmo tempo, a nova geopolítica das nações que se configura no século XXI,
agravada por sucessivas crises econômicas e mudanças de cenários dos negócios, aumenta o
nível de exigências do mercado e dos stakeholders quanto à adequação do modelo de
governança corporativa das empresas a estas novas circunstâncias. Um exemplo disso é a
implementação da Lei nº 12.353, de 28 de dezembro de 2010, que dispõe sobre a participação
de empregados ativos nos conselhos de administração das empresas públicas e de economia
mista e suas subsidiárias e controladas. Este novo mecanismo representa um avanço na
governança das empresas estatais e de economia mista, na medida em que em que aprimora os
processos de discussão e tomada de decisão. Diante deste cenário, este estudo tentará buscar o
elo de significados que une a presença de um representante dos empregados no Conselho de
Administração da Petrobras, a legitimação do poder representativo do trabalhador, face às
transformações do capital e do trabalho, ao longo do último século, as mudanças nos espaços
organizacionais e as exigências crescentes do mercado quanto ao aprimoramento dos
mecanismos de governança e do papel dos conselhos de administração das empresas. A
Petrobras passa por um processo de revisão de suas perspectivas futuras, com a redefinição de
sua estrutura e reorganização do modelo de governança e gestão que abrange todas as áreas.
De um lado, a companhia mantém o compromisso de expandir os projetos do pré-sal com
competitividade e eficiência, frente às mudanças do mercado internacional de óleo e gás. De
outro, busca realizar esforços de aprimorar sua governança e garantir maior transparência ao
negócio. Neste sentido, o estudo busca responder de forma empírica à questão-chave da
pesquisa: “A inclusão do assento para o representante dos empregados em conselhos de
administração, especificamente no caso da Petrobras, contribui para a construção de um novo
modelo de governança corporativa?”. O estudo de caso irá abordar os pleitos eleitorais
realizados na Petrobras no período entre janeiro de 2012 e janeiro de 2016.
Palavras-chave: Governança Corporativa. Conselho de Administração. Empregados.
Petrobras
ABSTRACT
In the last two decades, Brazilian organizations have undergone sweeping changes in the
economic sphere that changed the configuration of the democratic space of the society as a
whole. At the same time, the new geopolitics of nations in the twenty-first century,
exacerbated by continuing economic crises and changing business environment, increases the
level of requirements from both the market and the stakeholders on the adequacy of the
corporate governance model of the companies, under the new circumstances. An example of
this is the implementation of Law no. 12,353 of December 28 2010, which regulates the
participation of active employees in the boards of public companies and public-private
companies, and theirs subsidiaries. This new mechanism is a step forward in the governance
of state-owned or state-controlled enterprises as it greatly enhances the debate and the
decision-making process. In this scenario, this study aims at exploring the links uniting the
presence of an employee representative on the Board of Directors of Petrobras, the legitimacy
of the representative power of the worker, given the transformations of capital and labor over
the last century, the changes in organizational spaces and the increasing demand from the
market for an improvement of corporate governance mechanisms and the discussion of the
role of executive boards. Petrobras is undergoing a process of reviewing its future prospects
with the redefinition of its structure and reorganization of the both corporate governance and
organizational management models comprising all departments. On the one side, the company
is committed to expand its pre-salt projects with competitiveness and efficiency despite recent
changes in the international oil and gas market. On the other, it works to improve their
corporate governance and ensure greater transparency to its business practices. In this respect,
the study seeks to answer empirically the key issue of the research: "The inclusion of a seat
for the representative of the employees in the board of directors, specifically in the case of
Petrobras, contributes to the construction of a new corporate governance model?". The case
study will address the voting process for an employee's representative in the executive board
in Petrobras from January 2012 to January 2016.
Keywords: Corporate Governance. Board of Directors. Employees. Petrobras
LISTA DE FIGURAS
Figura 01– Nuvem de palavras TreeCloud do projeto de dissertação © 2007-2014................ 27
Figura 02– Nuvem de palavras Wordle™ © 2008 Jonathan Feinberg .................................... 28
Figura 03 – Mapa de literatura da pesquisa .............................................................................. 29
Figura 04 - Camadas do pré-sal. Autor: Paulo Cabral .............................................................. 70
Figura 05 – Estrutura organizacional da Petrobras ................................................................... 75
Figura 06 – Modelo de gestão da Petrobras ............................................................................. 77
Figura 07 – Cadeia de valor da Petrobras ................................................................................. 78
Figura 08 – Valores Petrobras .................................................................................................. 79
Figura 09 – Modelo de governança corporativa da Petrobras .................................................. 82
Figura 10 – Nuvem de palavras Wordle™ © 2008 Jonathan Feinberg ................................. 119
Figura 11 – Nuvem de palavras TreeCloud do projeto de dissertação © 2007-2014 ............ 120
Figura 12 – Matriz SWOT do processo eleitoral na Petrobras ............................................... 121
Figura 13 – Modelo de gestão do conhecimento da Petrobras ............................................... 122
Figura 14 – Mapa mental do estudo de caso da pesquisa ....................................................... 150
Figure 15 – Autorização de uso de informações do Sistema Petrobras.................................. 153
file:///C:/Users/uqmh/Documents/MSG%202016_ALINE%20MEIRA_DISSERTAÇÃO.doc%23_Toc449628190file:///C:/Users/uqmh/Documents/MSG%202016_ALINE%20MEIRA_DISSERTAÇÃO.doc%23_Toc449628191file:///C:/Users/uqmh/Documents/MSG%202016_ALINE%20MEIRA_DISSERTAÇÃO.doc%23_Toc449628193file:///C:/Users/uqmh/Documents/MSG%202016_ALINE%20MEIRA_DISSERTAÇÃO.doc%23_Toc449628194
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Valores da governança corporativa na Lei Sarbanes-Oxley ................................ 42
Quadro 02 – Filtros do mecanismo de busca da Base Scopus, no Portal da Capes ............... 138
Quadro 03 – Registros encontrados no estudo bibliométrico por tipo de documento ............ 139
Quadro 04 – Periódicos com classificação WebQualis e no de referências na pesquisa ....... 148
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Evolução do número de eleitores na Petrobras.................................................102
Gráfico 02 – Participação de empregados ativos nas eleições................................................103
Gráfico 03 – Evolução do número de candidatos na Petrobras..............................................104
Gráfico 04 – Distribuição dos registros por área na Base Scopus..........................................139
Gráfico 05 – Número de artigos relacionados por ano de publicação na Base Scopus..........140
Gráfico 06 – Número de artigos relacionados por ano de publicação na Base Scopus..........140
Gráfico 07 – Artigos da revisão de literatura: organizações...................................................141
Gráfico 08 – Artigos da revisão de literatura: governança corporativa.................................142
Gráfico 09 – Artigos da revisão de literatura: trabalhadores..................................................143
Gráfico 10 – Série histórica dos grupos 1, 2 e 3.....................................................................143
Gráfico 11 – Artigos do Grupo 1 classificados por periódicos WebQualis Interdisciplinar..144
Gráfico 12 – Artigos do Grupo 1 classificados por periódicos WebQualis Engenharias III..144
Gráfico 13 – Artigos do Grupo 2 classificados por periódicos WebQualis Interdisciplinar..145
Gráfico 14 – Artigos do Grupo 2 classificados por periódicos WebQualis Engenharias III..145
Gráfico 15 – Artigos do Grupo 3 classificados por periódicos WebQualis Interdisciplinar..146
Gráfico 16 – Artigos do Grupo 3 classificados por periódicos WebQualis Engenharias III..146
Gráfico 17 – Classificação total de periódicos WebQualis na área Interdisciplinar...............147
Gráfico 18 – Classificações total de periódicos WebQualis na área Engenharias III.............147
Gráfico 19 – Classificação de periódicos por relevância........................................................149
Gráfico 20 – Distribuição de periódicos por região geográfica no Brasil e no exterior.........149
LISTA DE SIGLAS
ADR American Depositary Receipts
AEPET Associação dos Engenheiros da Petrobras
AIE Agência Internacional de Energia
ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
API American Petroleum Institute
BOE Barris de Óleo Equivalente
CAASE Comissões para Análise de Aplicação de Sanção
CPPIB Conselho de Investimentos em Planos de Pensão do Canadá
CVM Comissão de Valores Mobiliários
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CSP Central Sindical e Popular Conlutas
CUT Central Única dos Trabalhadores
DEST Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais
DJSI Índice Dow Jones de Sustentabilidade
FMI Fundo Monetário Internacional
FNP Federação Nacional dos Petroleiros
FUP Federação Única dos Petroleiros
GNDI Global Network of Director Institutes
IBCA Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração
IBGC Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
ICGN International Corporate Governance Network
IGC Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada
IGCLA Institutos de Gobierno Corporativo de Latino América
IPO Initial Public Offering
IRR Índice de Reposição de Reservas
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico das Nações Unidas
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OTC Offshore Technology Conference
PPSA Pré-Sal Petróleo S.A.
PROCAP Programa de Capacitação Tecnológica em Águas Profundas
SEC Securities and Exchange Commission
SPE Society of Petroleum Engineers
SUMÁRIO
1 O PROBLEMA....................................................................................................................14
1.1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................14
1.2 FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA..............................................................17
1.3 OBJETIVOS.......................................................................................................................21
1.3.1 Objetivo Geral................................................................................................................21
1.3.2 Objetivos Específicos.....................................................................................................21
1.4 QUESTÕES DE PESQUISA..............................................................................................22
1.5 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO.........................................................................................23
1.6 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO.........................................................................................23
1.7 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO........................................................................................25
2 REVISÃO DA LITERATURA...........................................................................................26
2.1 O CONHECIMENTO NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL.......................................30
2.1.1 Teoria da criação do conhecimento organizacional....................................................30
2.1.2 A gestão do conhecimento no contexto das organizações...............................................32
2.2 O CAMPO DE PODER NAS ORGANIZAÇÕES.............................................................34
2.2.1 Formulação do campo de poder e análise de Bourdieu..............................................35
2.2.2 A nova teoria organizacional........................................................................................36
2.3 ASPECTOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA......................................................38
2.3.1 A governança corporativa no mundo...........................................................................40
2.3.2 A governança corporativa moderna no Brasil............................................................43
2.3.3 Governança corporativa em empresas estatais...........................................................51
2.4 AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO............................................54
2.4.1 A nova classe trabalhadora hoje...................................................................................56
2.4.2 Construindo uma nova relação de poder no espaço público das organizações........57
3 METODOLOGIA DE PESQUISA.....................................................................................58
3.1 TIPOLOGIA DA PESQUISA............................................................................................59
3.2 POPULAÇÃO.....................................................................................................................60
3.3 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS....................................................................60
3.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS....................................................................61
3.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO............................................................................................62
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO..................64
4.1 A PETROBRAS..................................................................................................................64
4.1.1 Uma trajetória que se confunde com a história do Brasil..........................................64
4.1.2 Plano Estratégico Petrobras 2030 e Plano de Negócios e Gestão 2015-2019............72
4.1.3 Estrutura organizacional e modelo de gestão da Petrobras.......................................75
4.1.4 Modelo de governança corporativa da Petrobras.......................................................82
4.1.5 Revisão da governança e do modelo de gestão organizacional..................................87
4.2 O REPRESENTANTE DOS EMPREGADOS NO CA DA PETROBRAS.....................89
4.2.1 Processo eleitoral 2012...................................................................................................93
4.2.2 Processo eleitoral 2013...................................................................................................95
4.2.3 Processo eleitoral 2014...................................................................................................96
4.2.4 Processo eleitoral 2015...................................................................................................97
4.2.5 Processo eleitoral 2016...................................................................................................98
4.2.6 Percepções das partes envolvidas no processo............................................................99
4.2.7 Lições aprendidas no processo....................................................................................122
5 CONCLUSÃO....................................................................................................................123
REFERÊNCIAS....................................................................................................................124
APÊNDICES..........................................................................................................................138
APÊNDICE A – Direcionadores da revisão de literatura – estudo bibliométrico..........138
APÊNDICE B – Direcionadores da revisão de literatura – eixos temáticos....................141
APÊNDICE C – Mapa mental do estudo de caso..............................................................150
APÊNDICE D – Instrumento de coleta de dados...............................................................151
APÊNDICE E - Autorização de uso de informações do Sistema Petrobras....................153
APÊNDICE F - Listagem de entrevistados.........................................................................154
ANEXOS................................................................................................................................155
ANEXO A – Lei nº 12.353, de 28 de dezembro de 2010....................................................155
ANEXO B – Portaria nº 026, de 11 de março de 2011.......................................................157
14
1 O PROBLEMA
Neste capítulo são identificados os principais elementos que constituem e delimitam o
problema de pesquisa, a questão central que o sustenta e os objetivos do estudo, a partir de
uma investigação empírica sobre a importância do papel do representante dos empregados em
conselhos de administração de empresas públicas e de economia mista, especificamente no
caso da Petrobras, e sua contribuição para um novo modelo de governança corporativa.
1.1 INTRODUÇÃO
Nas duas últimas décadas, as organizações brasileiras passaram por transformações
intensas na esfera econômica que alteraram a configuração do espaço democrático da
sociedade como um todo. A adequação do modelo de governança corporativa – em princípio,
uma nova maneira de se organizar as relações entre as empresas e o mercado – a estas novas
circunstâncias, é precedida por movimentos resultantes da globalização, ocorridos a partir da
segunda metade do século XX, como fusões, aquisições, incorporações, privatizações e a
redefinição do papel do Estado na economia (GUILLÉN, 2000; GRÜN, 2003).
A complexidade da questão aumenta quando entram em campo novos atores, oriundos
dos espaços políticos, sindicais e de organizações não governamentais, conformados segundo
a lógica reaberta na redemocratização do país, com maior impulso a partir dos anos 2000. A
boa governança corporativa, nesse sentido, seria o instrumento de deflagração de um ciclo
virtuoso de transparência nos procedimentos contábeis e administrativos das empresas de
capital aberto e de respeito aos direitos dos acionistas minoritários, ideias que lembram
importantes bandeiras de luta pela instauração da cidadania plena no Brasil (GRÜN, 2005).
Ainda mais recente é a análise sociológica sobre governança corporativa, que destaca
o seu aspecto desafiante em relação às diretrizes ortodoxas inspiradas na economia financeira.
A “financeirização” das empresas, a prevalência do ponto de vista financeiro sobre outras
questões estratégicas para as empresas, acabaria por ameaçar os sistemas nacionais de
relações do trabalho e, até mesmo, as bases de segurança social construídas nos países
desenvolvidos durante o século XX (AGLIETTA, M; A. REBÉRIOUX, 2004).
Fiori (2009), ao examinar a nova geopolítica das nações que se configura no século
XXI, agravada por sucessivas crises econômicas, prevê que, antes do colapso, o sistema
mundial moderno ainda viverá algumas rodadas de ajustes e transformações estruturais.
15
Essa “cegueira institucional” consagrada pelo sistema financeiro tradicional remete ao
estabelecimento de linhas de forças do chamado campo de poder (BOURDIER, 2003), uma
construção social capaz de transformar significativamente o espaço organizacional,
especialmente no tocante à governança corporativa, a partir da construção de uma cultura e de
um quadro moral que vão muito além dos mercados financeiros (GRÜN, 2009).
Agamben (2013) avança nessa análise e compara a dialética do capitalismo, segundo
as visões de Weber (2004) e Benjamin (2013), aos movimentos históricos que anunciam e
definem uma época. Paradoxalmente, essa “religião capitalista” a que Benjamin se refere,
vive de um contínuo endividamento e alimenta-se ficticiamente do seu próprio futuro,
hipotecado em quantidades cada vez maiores de produção e trabalho.
Os processos de internacionalização do capital e da propriedade e a lógica financeira
da gestão, que dominaram o debate econômico no século XX, culminaram na introdução de
novos modelos organizacionais – entre os quais, a governança corporativa – e seguem, no
século XXI, com a reformulação da concepção tradicional de organização preconizada pela
teoria das organizações, em contraponto a um sentido mais amplo de governança corporativa,
alavancado pelas diferenças globais (GUILLÉN, 2000; GRÜN, 2003).
Dimaggio e Powell (2005) chamam atenção para a “mão invisível” que opera as
mudanças nos campos organizacionais e um grupo de organizações que emerge como um
campo estruturado de interesses nem sempre convergentes, produto de forças poderosas que
operam imersas em um ambiente de respostas das organizações.
Na tentativa de postular um sentido mais amplo de governança corporativa, está a
necessidade de considerar os diversos stakeholders (partes interessadas) e não apenas aqueles
com os quais as organizações possuem relação contratual (FREEMAN, 2001). Neste sentido,
a dimensão humana terá papel fundamental, a começar pela mudança de paradigma
promovida pela análise dos atores que operam nesse contexto (BLAIR, 2005).
Assim, as organizações caminham hoje para um novo modelo de governança
corporativa: relacional, interorganizacional, interdependente de recursos, com forte demanda
por parte dos atores relevantes e consequente necessidade de fortalecimento dos mecanismos
de gestão e sustentabilidade empresariais (STEINBERG, 2003).
Como ponto de partida para a indagação quanto ao futuro da governança corporativa
segundo este novo modelo, o estudo pretende abordar o atual modelo de governança
corporativa do Sistema Petrobras, constituído hoje por cerca de 220 sociedades e o
aprimoramento do seu processo decisório, por meio de um sistema de delegação de autonomia
e competência para os conselheiros de administração e diretores estatutários.
16
Como avanço legal e institucional nesse sentido, foi sancionada pelo ex-presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 28 de dezembro de 2010, a Lei nº 12.353, que
dispõe sobre a participação de empregados ativos nos conselhos de administração das
empresas públicas e de economia mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em
que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.
Para atender a este dispositivo, a Petrobras realizou mudanças estruturais para alterar o
seu Estatuto Social e demais instrumentos de governança corporativa. A lei determina a
realização de eleições anuais para a escolha do representante dos empregados, em pleito
organizado em conjunto com as entidades sindicais das categorias representadas.
No caso da Petrobras, as entidades representativas são a Federação Única dos
Petroleiros (FUP), criada em 29 de junho de 1993, filiada à Central Única dos Trabalhadores
(CUT), que congrega 14 sindicatos e a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), criada em
26 de agosto de 2006, entidade autodeclarada independente, que reúne cinco sindicatos das
bases colegiadas, alguns filiados à Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas).
Entre janeiro de 2012 e janeiro de 2016, período delimitado para este estudo, a
Petrobras realizou cinco eleições para representante dos empregados junto ao Conselho de
Administração (CA). Para a companhia, além de exigência legal, o pleito marca a participação
dos empregados nas decisões estratégicas e busca dar mais transparência às suas ações,
contribuindo para o fortalecimento do seu modelo de governança corporativa.
Na visão de seus empregados, essa conquista, embora importante, é alvo de uma
análise um tanto difusa, onde se confundem objetivos mercadológicos, interesses de classe e
processos coletivos, que necessitam ainda dos ajustes necessários à manutenção do sistema.
Para o Brasil, a lei marca um avanço da classe trabalhadora no sentido de uma
participação mais ativa e estratégica nas organizações, especialmente as de capital aberto, que
necessitam de um modelo de sustentação sólido para suas atividades, imagem e reputação.
No imaginário dos trabalhadores, o direito à representatividade lança um novo olhar
sobre o seu lugar no mundo. Sob essa nova ordem mundial de transformações e caos, a face
oculta do capitalismo e o colapso da modernização, descritos por Harvey (2011) e Kurz
(1993), trazem à luz os conflitos e ditames da organização do capital e do trabalho que
mudaram radicalmente o perfil dos trabalhadores e das organizações nos séculos recentes.
Nesse caleidoscópio de culturas e interesses de mercado que o mundo globalizado
traçou, na era da mundialização do capital, apontada por Antunes e Alves (2004), as empresas
buscam continuamente reforçar uma identidade única, como traço diferencial, porém múltipla
em seus aspectos e significados diante de um mundo estarrecido, em constante metamorfose.
17
1.2 FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA
A Petrobras, ao longo de seus 63 anos de existência, sempre foi um símbolo nacional.
Deitada em berço esplêndido, a “gigante” brasileira do petróleo precisou logo cedo aprender a
lutar pelo simples direito de existir longe das garras dos interesses nacionais e internacionais
que se opunham à sua criação e à hegemonia brasileira sobre o petróleo, então alvo do
predomínio do capital estrangeiro sobre os investimentos.
Com dinamismo e competência técnica, a companhia ultrapassou fronteiras e ampliou
seu mercado no Brasil e no exterior. Era preciso crescer e explorar, crescer e multiplicar
reservas, capital e produção. Era o sonho de uma Petrobras e de um Brasil do futuro.
Porém, no inverno de 2013, outro “gigante” adormecido pelo distanciamento
democrático dos anos de chumbo acordou sobressaltado e assistiu atônito ao despertar da
“fúria” dos movimentos radicais, iniciados na Primavera Árabe de 2010 e que tomaram as
ruas do Brasil nas manifestações de junho de 2013, liderados por movimentos ativistas
anarquistas, inicialmente contra o aumento nas tarifas de transportes públicos, assumindo
depois propagação “viral”, como uma onda de espanto e “fúria” democrática.
A insatisfação popular viria novamente a manifestar-se em março e abril de 2015; e,
com mais intensidade, em 13 de março de 2016, nos protestos contra a corrupção e o cenário
político-econômico, que reuniram milhares de pessoas nas capitais brasileiras. Embora de
perfil mais conservador, estes protestos forçam a uma releitura das ruas e daquilo que ecoam.
Esse fenômeno seria o primeiro sinal de abalo no equilíbrio das instituições e de crise
de representatividade no cenário político nacional, em meio ao já fértil terreno da incerteza
econômica que assombra as economias mundiais desde as crises de 2008 e 2009 e que veio a
se intensificar no Brasil, em 2015, com um panorama de rupturas e incerteza política.
Na visão de Kurz (2014), a resposta pós-moderna a esta situação de permanente crise
capitalista consiste em viver a perda de todas as certezas, como resposta a um tempo de
transição que pretende ver nessa rejeição justamente o novo em geral, uma garantia de
salvação, cuja promessa de felicidade consiste em já não ter que se comprometer com nada.
Esse conflito, por vezes violento, reproduz-se na crítica e na oposição. “A história
como campo de batalha das ideias, as ideias, como armas da história” – um novo paradigma
do relativismo que, ao rejeitar uma nova clareza ou definição de conteúdo, apenas apela para
o potencial de barbárie nele adormecido (KURZ, 2014).
18
Tal análise é fundamental para vislumbrar o pano de fundo do problema, uma vez que
a atual crise de representatividade política expõe novos modelos de governabilidade e
profundas reconfigurações socioeconômicas. Nesse contexto, partidos e sindicatos são
colocados à prova pela desconfiança da classe trabalhadora do século XXI e pela inquietude
das massas e experimentam críticas de diversos setores; não somente pela ausência de
lideranças e ineficácia do diálogo, mas por suas opções de governabilidade pautadas por
alianças duvidosas e pelo distanciamento das bases e dos movimentos sociais.
Maria Chaves Jardim (2009) vai além, ao afirmar que “o conceito de crise é que está
em crise, assim como os conceitos de sindicato, de representação política e de partidos”. Ao
mesmo tempo, ela enfatiza que a visão de um “sindicalismo de elite”, aliado ao patronato e
aos interesses de mercado, seria uma visão muito simplista para um problema complexo. A
autora insiste que a sociedade atual vive uma mudança de dinâmica, segundo uma perspectiva
de crise, que não mais comporta a análise dos fenômenos por categorias clássicas; que, por
sua vez, já não representam este novo cenário.
Para a Petrobras, tamanha complexidade só veio a aumentar o grau de incerteza e
exposição ao risco em um momento crítico, quando o debate ganhou as ruas diante dos
desdobramentos das investigações promovidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público
na Operação Lava-Jato, iniciada em 17 de março de 2014. A operação trouxe à tona uma série
de irregularidades envolvendo empreiteiras responsáveis pelo fornecimento de bens e serviços
à Petrobras, revelando a existência de um suposto esquema de corrupção e pagamentos
indevidos a partidos, agentes políticos e ex-administradores da companhia.
Essa onda negativa de acontecimentos acarretou para a Petrobras consequências
nefastas, como a perda de valor de mercado, a desconfiança dos investidores, uma série de
ações judiciais motivadas por perdas financeiras; a necessidade de financiamentos e
desinvestimentos, o aumento do endividamento e a intensa volatilidade das ações, em meio a
uma conjuntura de preços internacionais do petróleo em baixa e perdas das petrolíferas.
Em meio à crise, em janeiro de 2015, a companhia acenou para o mercado com um
pacote de medidas urgentes, como a intensificação de investigações internas, promovidas por
escritórios especializados em fraudes corporativas, a instauração de um Comitê Especial para
acompanhamento dos desdobramentos das investigações, a criação de uma nova diretoria de
Governança, Risco e Conformidade, a constituição de Comissões para Análise de Aplicação
de Sanção (Caase), tendo como medida inicial o bloqueio cautelar de empresas citadas na
Operação Lava-Jato e a criação do Programa Petrobras de Prevenção da Corrupção (PPPC).
19
Após o episódio de divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2014 com
atraso, em 28 de janeiro de 2015, sem a revisão de auditores independentes e sem conclusão
quanto às perdas financeiras, a Diretoria Executiva da Petrobras protocolou uma renúncia
coletiva, em 4 de fevereiro de 2015, quando já eram evidentes os sinais de desgaste e cansaço.
Em 6 de fevereiro de 2015, foi aprovada pelo Conselho de Administração a nomeação
de Aldemir Bendine (ex-presidente do Banco do Brasil) para a presidência da Petrobras, com
uma nova diretoria interina composta por técnicos.
As demonstrações contábeis de 2014 revisadas pelos auditores independentes foram
publicadas em 22 de abril de 2015 e, apesar de acusarem perdas “gigantes”, da ordem de R$
44,6 bilhões, baixas contábeis e excessivo endividamento, representaram um importante passo
para a retomada da credibilidade da empresa, juntamente com a renovação do seu Conselho
de Administração e a implantação de medidas urgentes de cortes de gastos e investimentos.
Contudo, as investigações por corrupção, o atraso nas demonstrações, as pressões por
liquidez e a alta da alavancagem fizeram a Petrobras perder sucessivamente o seu grau de
investimento; em fevereiro de 2015, na avaliação da agência de rating (classificação de risco)
Moody’s; em setembro e dezembro de 2015, como resultado do rebaixamento da nota
brasileira pelas agências Standard & Poor’s e Fitch; e em fevereiro de 2016, quando a S&P e
a Moody’s novamente revisaram o nível de risco da dívida da companhia.
A “tempestade perfeita” que se abateu sobre a Petrobras mostrou a face de um
“gigante” abalado. Há uma década, o Brasil e os brasileiros vibravam orgulhosos com a
conquista do pré-sal. Porém, desde o pico histórico de valorização na Bovespa, em 2008,
quando valia R$ 510 bilhões, a companhia perdeu o equivalente a 85% do seu valor de
mercado. O efeito cambial de valorização do dólar e a queda nas cotações do petróleo, ao
longo de 2015, também obrigaram a empresa a realizar novos cortes e desinvestimentos, além
de ajustes organizacionais e aprimoramento nos seus mecanismos de governança e gestão.
Em paralelo, a indústria do petróleo, em 2015, comportou-se com o preço médio do
barril a US$ 50, chegando a menos de U$ 30, e parece ter deixado para trás o mundo com o
barril a US$ 100 e a síndrome da riqueza fácil atrelada ao negócio. Além disso, turbulências
na China e na Europa renovam os temores do mercado sobre o crescimento global e exigirão
das empresas respostas ágeis e mudanças estratégicas para adaptação a essa nova realidade.
Para o Conselho Mundial de Energia, fórum global do setor sediado em Londres, a
Petrobras tem um grande potencial para o futuro, porém precisa resolver problemas internos
de gestão, afastar as questões políticas que a influenciaram e restabelecer sua imagem e
credibilidade no mercado internacional para atrair novos investidores, bem como o Brasil.
20
Diante deste cenário, o estudo tentará buscar o elo de significados que une a presença
de um representante dos empregados no Conselho de Administração da Petrobras, a
legitimação do poder representativo do trabalhador, face às transformações do capital e do
trabalho, ao longo do último século, as mudanças nos espaços organizacionais e as exigências
crescentes do mercado quanto ao aprimoramento dos mecanismos de governança corporativa
e do papel dos conselhos e conselheiros de administração.
Neste sentido, alguns problemas se apresentam: a participação de representantes de
empregados em conselhos de administração das empresas de administração pública e de
economia mista representa uma mudança no modelo de governança destas empresas ou
somente uma proposta casuística para fortalecer o antagonismo nas bases sindicais?
Quais os impactos e as limitações da aplicação deste novo modelo de governança
corporativa nas organizações?
No caso da Petrobras, quais os papéis e responsabilidades do conselheiro representante
dos empregados? Quais as tendências de evolução e sustentabilidade deste novo modelo, a
partir da curva de aprendizado adquirida ao longo do seu processo de implementação?
Entre caminhos tortuosos, de interesses difusos, por vezes conflitantes, ante o apelo
vigilante e cerrado do mercado, como a Petrobras pretende garantir a transparência e a
efetividade desse modelo?
São muitas as indagações, quando se examina um quadro de crise que motiva uma
empresa como a Petrobras a rever e aprimorar os seus mecanismos de governança corporativa
à luz da legislação e dos interesses dos acionistas. Porém, o aparentemente frágil ponto de
equilíbrio do tema reside na questão central da pesquisa: “A inclusão do assento para o
representante dos empregados em conselhos de administração, especificamente no caso da
Petrobras, contribui para a construção de um novo modelo de governança corporativa?”.
A problematização desse fenômeno ultrapassa as várias esferas envolvidas: pública,
privada, institucional, empresarial, sindical e acadêmica, na medida em que constrói e
alimenta uma rede multifacetada de relações fundamentadas em ícones da cultura nas
organizações, como valores, crenças, sentimentos, percepções e perspectivas de futuro.
Na visão de Schein (2009) e Choo (2011), deve-se aqui considerar a contribuição da
cultura organizacional para a formação de lideranças representativas e a transformação do
conhecimento originado nesse processo em base para o fortalecimento dos processos
decisórios e mecanismos de governança das organizações, de modo a refletir o seu
aprendizado e o nível atual de adaptação a um ambiente constantemente mutável.
21
1.3 OBJETIVOS
O presente estudo pretende explorar o universo da governança corporativa, sob a ótica
da cultura e do conhecimento organizacional, com base nas lições aprendidas do processo de
implementação na Petrobras da Lei nº 12.353, de 28 de dezembro de 2010 e da Portaria nº
026, de 11 de março de 2011, que dispõem sobre a participação de empregados ativos nos
conselhos de administração das empresas públicas e de economia mista e suas subsidiárias e
controladas e as mudanças decorrentes dos mecanismos de implantação da lei na Petrobras.
1.3.1 Objetivo Geral
O objetivo geral da pesquisa consiste em compreender e analisar a importância da
inclusão do assento para o representante dos empregados nos conselhos de administração das
empresas públicas e de economia mista, suas subsidiárias e controladas e sua contribuição
para a construção de um novo modelo de governança corporativa, no caso da Petrobras.
1.3.2 Objetivos Específicos
Com o estudo, espera-se alcançar outros objetivos específicos:
(i) identificar as bases históricas, econômicas, sociais, políticas e legais que orientam a
implementação do assento do representante de empregados em conselhos de administração;
(ii) analisar o modelo de governança corporativa que dá sustentação ao processo de
implementação da lei nas organizações, especificamente no caso da Petrobras;
(iii) identificar o papel do representante dos empregados e demais conselheiros no Conselho
de Administração da Petrobras, suas atribuições e responsabilidades;
(iv) delinear a percepção dos atores envolvidos, no caso da Petrobras (representantes,
empregados, gestores, entre outros), e os pontos críticos do processo;
(v) avaliar a contribuição do processo para a criação do conhecimento organizacional em
torno do tema e de uma possível tendência futura de mudança de cultura na organização.
22
1.4 QUESTÕES DE PESQUISA
O objetivo central do estudo consiste em responder criticamente à questão-chave da
pesquisa: “A inclusão do assento para o representante dos empregados em conselhos de
administração, especificamente no caso da Petrobras, contribui para a construção de um novo
modelo de governança corporativa?”.
Outras questões críticas relativas ao tema também se apresentam e buscam fornecer
respostas condicionais frente ao problema de pesquisa inicialmente formulado, direcionando a
sua investigação. Por exemplo:
(i) Quais as bases históricas, econômicas, sociais, políticas e legais que deram origem à
implementação do assento do representante de empregados em conselhos de administração?
(ii) Quais as diferenças entre o atual e o novo modelo de governança corporativa, fruto da
reestruturação proposta pela Petrobras e os seus possíveis impactos, mudanças, tendências e
desafios frente ao futuro?
(iii) Qual o papel do conselheiro representante dos empregados e dos demais conselheiros no
Conselho de Administração da Petrobras, suas atribuições e responsabilidades?
(iv) Qual a percepção dos atores envolvidos, no caso da Petrobras (representantes,
empregados, gestores, entre outros), e os pontos críticos do processo de implementação do
assento para o representante dos empregados no Conselho de Administração?
(v) Qual a contribuição do processo para a criação do conhecimento organizacional em torno
da matéria e de uma possível tendência futura de mudança de cultura na organização em
relação aos tópicos de governança?
A análise dos resultados obtidos pelo método de estudo de caso pretende abordar
criticamente estas questões, a partir da análise dos desdobramentos dos cinco pleitos eleitorais
para promover a escolha dos representantes dos empregados da Petrobras, no período entre
janeiro de 2012 e janeiro de 2016, bem como dos resultados preliminares do Projeto de
Revisão de Estrutura Organizacional e Modelo de Governança e Gestão da Petrobras.
23
1.5 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
A pesquisa está limitada ao âmbito do Sistema Petrobras, especificamente à Petrobras
controladora (Petrobras S.A.), durante o período de 2012 a 2016, que abrange o processo de
implantação de cinco pleitos eleitorais para a eleição do representante dos empregados no
Conselho de Administração da companhia.
O estudo pretende abordar o modelo de governança corporativa da Petrobras e suas
mudanças recentes, à luz de modelos tradicionais de mercado e os pressupostos científicos
inovadores contidos na proposta, que irá ancorar-se nos direcionadores de literatura e nas
fontes bibliográficas, referenciais e testemunhais sobre o tema.
As transformações sobre o capital e o trabalho, a ótica das representações sociais e as
formulações do campo de poder na análise de Bourdieu (1999), além da teoria organizacional
clássica e da teoria do conhecimento organizacional, também servirão como modelos
conceituais para a análise do tema.
O estudo ficará restrito às relações processuais internas existentes na Petrobras e entre
os atores envolvidos. Não serão objeto direto deste estudo enfoques, tendências ou relações
político-partidárias e sindicais derivadas do tema; bem como possíveis desdobramentos
decorrentes do processo, como a consolidação de uma cultura de governança e conformidade
na companhia, elementos passíveis de outros estudos.
A moldura do objeto de estudo em questão justifica-se em função do interesse da
pesquisadora sobre o tema, por ser testemunha ocular do processo, observadora interna do
problema e parte integrante do contexto da pesquisa, para o qual buscou manter o necessário
alinhamento profissional, distanciamento acadêmico e equilíbrio instrumental.
1.6 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
Por se tratar de um tema relativamente novo para as organizações e como objeto de
investigação científica, por não ter sido ainda suficientemente testado empiricamente e não
possuir ampla literatura a respeito, o estudo buscará dar contribuições qualitativas para a
análise e melhoria contínua do processo de implementação do assento para representantes de
empregados em conselhos de administração de empresas públicas e de economia mista e sua
contribuição para um novo modelo de governança na organização em questão, a Petrobras.
24
Da mesma forma, se oportuno e relevante, o estudo poderá servir como embasamento
para a modelagem do processo em organizações similares, do ponto de vista prático de sua
aplicação; além de detectar e sugerir possíveis aspectos e tendências relacionados ao processo
e seu poder de transformação frente a uma realidade objetiva: a dos trabalhadores como peça
fundamental na defesa dos interesses dos acionistas e da sociedade.
Neste sentido, a pesquisa visa contribuir para a formação de uma base de
conhecimento organizacional, social e acadêmico sobre governança corporativa e motivar
novos estudos nesse campo, que despertem o interesse no mergulho em um tema inovador
para as organizações, para o mundo do trabalho, para a esfera sindical de representação e para
os trabalhadores, protagonistas desse objeto de estudo.
A pesquisa apresenta o princípio geral de que os mecanismos de governança
corporativa são norteados por princípios de justiça, transparência, equidade e conformidade; e
buscam equilibrar e conciliar os interesses de todas as partes interessadas (stakeholders):
acionistas, governo, trabalhadores e sociedade em geral.
Portanto, além das exigências legais e reguladoras de mercado e dos mecanismos de
controles internos, existe um movimento que visa ampliar os instrumentos de governança
corporativa e gestão das organizações e promover princípios mais éticos de conduta.
Este novo elemento confere uma dimensão mais humana e participativa ao processo,
com maior transparência para as práticas de administração das companhias e contribui para a
discussão e melhoria dos processos decisórios como um todo.
Ao mesmo tempo, representa a oportunidade de dar legitimidade à representação da
classe trabalhadora no processo de construção de um modelo mais sustentável de liderança
para os trabalhadores e de governança para as empresas, contribuindo para a melhoria da
imagem e reputação dessas organizações junto ao mercado, acionistas e públicos de interesse.
Para os empregados da Petrobras e demais trabalhadores de empresas públicas e de
economia mista, o estudo pretende oferecer um espelho para o reconhecimento do caráter
histórico dessa conquista e lançar um olhar crítico sobre os anseios, antagonismos e
contradições que cercam o jogo de forças que sustenta o processo.
A análise dos resultados deste estudo possibilitará a proposição de ações específicas,
como: contribuir com sugestões de melhoria a partir de avaliações perceptivas apuradas em
comentários de campo ou avaliações externas; intensificar ações de monitoramento e controle
da governança, promover possíveis ajustes da governança do processo e incentivar a prática
da gestão do conhecimento e das lições aprendidas no ambiente organizacional.
25
1.7 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
O relatório de pesquisa está estruturado em elementos pré-textuais, textuais e pós-
textuais, segundo a norma NBR 14724:2011, da ABNT (Associação Brasileira de Normas
Técnicas). Os elementos que constituem o corpo do trabalho de dissertação estão divididos
em cinco capítulos.
O capítulo 1 abrange a contextualização do tema e da situação-problema, a questão
central que o sustenta, objetivos, principais questões da pesquisa, delimitação, importância e
organização do estudo.
O capítulo 2 descreve a fundamentação teórica, os principais referenciais e a revisão
de literatura que fundamentam o problema e sustentam o desenvolvimento do estudo. O tema
de estudo em questão aborda a inclusão de trabalhadores em conselhos de administração e sua
contribuição para a mudança dos mecanismos de governança das empresas públicas e de
economia mista, especificamente no caso da Petrobras.
O capítulo 3 reúne definições e aspectos metodológicos relativos à pesquisa, tais como
o tipo de pesquisa, o método de investigação, as características da população analisada, a
forma de coleta, tratamento e análise dos dados, o instrumento utilizado para pesquisa e as
limitações do método.
No capítulo 4, são apresentados os resultados da pesquisa, a partir da análise e
discussão do estudo de caso do processo de implementação do assento para o representante
dos empregados na Petrobras, no período de 2012 a 2016, de acordo com o constructo teórico
desenvolvido durante a revisão de literatura e as verificações realizadas quanto aos objetivos
da pesquisa e generalizações pertinentes.
O capítulo 5 traz as conclusões da pesquisa e algumas alternativas possíveis para
exploração do tema e desenvolvimento de pesquisas futuras relativas ao objeto de estudo e ao
universo da governança corporativa, em geral.
Ao final do relatório da pesquisa, apresentam-se os elementos pós-textuais
obrigatórios e opcionais, de acordo com a NBR 14724:201: referências bibliográficas,
apêndices e anexos.
Os anexos apresentam as legislações federais que serviram como base referencial para
este estudo – a Lei 12.353, de 28 de dezembro de 2010 e a Portaria no 026, de 11 de março de
2011. Deve-se atentar para a atualização das respectivas bases referenciais legais, se
necessário, em caso de futuros estudos e revisões sobre este tema.
26
2 REVISÃO DA LITERATURA
Neste capítulo, são apresentados os principais referenciais teóricos e ferramentas de
pesquisa que orientaram o desenvolvimento do estudo. Os objetivos fundamentais da revisão
da literatura, como define Gray (2012), envolvem identificar lacunas no conhecimento que
mereçam aprofundar a investigação, questionar ideias vigentes ou partir de uma teoria já
estabelecida, aplicada a um novo campo de investigação. Uma revisão abrangente, para ele, é
essencial para:
Apresentar um entendimento atualizado sobre o tema, sua importância e estrutura.
Identificar questões e temas relevantes que se apresentem para novas pesquisas,
especialmente onde houver lacunas na produção atual.
Orientar o desenvolvimento de temas e questões de pesquisa.
Auxiliar futuros pesquisadores a entender o modelo de pesquisa, a fim de esta possa
vir a ser desenvolvida e replicada.
Identificar métodos e ferramentas que possam guiar o estudo proposto.
A revisão de literatura, segundo Creswell (2007), passa pela localização e sumarização
de tópicos oriundos de estudos de pesquisas e inclui artigos, matérias de jornais e revistas,
documentos de instituições e entidades especialistas e legislações; além de consultas
conceituais a livros, periódicos, teses e dissertações disponíveis nas principais bases
científicas eletrônicas de dados reconhecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes), tais como Emerald, SciELO, Scopus, Wiley, entre outras,
e na base de dados eletrônica da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFF.
Para orientar a pesquisa, foram aplicadas as ferramentas eletrônicas de nuvens de
palavras TreeCloud, de Véronis et al. (2007) e Wordle, de Feinberg (2008), a fim de extrair as
palavras-chave do plano de trabalho aprovado pelo Colegiado da UFF.
As palavras mais visualizadas foram governança corporativa, conselhos de
administração, mercado, práticas, gestão, modelo, capital, processo, organizações,
trabalhadores, empregados e Petrobras. Para efeito deste estudo, foram definidas pela
pesquisadora as palavras-chave governança corporativa, conselhos de administração,
empregados e Petrobras. A figura 01, a seguir, apresenta a nuvem de palavras TreeCloud
resultante do conteúdo do plano de trabalho:
27
Figura 01– Nuvem de palavras TreeCloud do projeto de dissertação © 2007-2014
Fonte: elaborado pela autora a partir da ferramenta eletrônica TreeCloud
As nuvens de palavras, inicialmente, foram largamente utilizadas como recurso de
aceleração de navegação em blogs durante os anos 2000. Contudo, nos últimos 10 anos, vêm
ganhando espaço também no meio acadêmico, como um método heurístico de análise.
Embora não resolvam problemas ou respondam às questões da pesquisa, apontam caminhos
para objetos de observação em um texto, na medida em que o mesmo objeto medido
(palavras) é utilizado para representar as relações entre o que está sendo medido (palavras).
A figura 02, na próxima página, mostra a visualização gráfica da nuvem de palavras
do aplicativo Wordle, que segue o mesmo padrão de combinações randômicas (aleatórias) de
outras ferramentas digitais analíticas, como a TreeCloud (2007-2014).
O maior destaque (em tamanho e cor da letra) para algumas palavras corresponde à
sua relevância em determinado corpo de texto. Normalmente, o resultado parte da contagem
simples das ocorrências de determinada palavra no texto e sua correlação semântica com o
tema principal do objeto de pesquisa. A ferramenta permite múltiplas combinações.
28
Figura 02– Nuvem de palavras Wordle™ © 2008 Jonathan Feinberg
Fonte: elaborado pela autora a partir da ferramenta on-line Wordle™
Após a definição dos tópicos da pesquisa, foi realizado o estudo bibliométrico sobre o
tema, a partir da base científica eletrônica Scopus, disponível no Portal da Capes. O estudo
bibliométrico tem como objetivo apoiar a definição de um conjunto inicial de referências
bibliográficas para o desenvolvimento do tema de pesquisa. Para tanto, foram selecionados os
principais artigos relacionados à temática, os principais autores e os principais periódicos
disponíveis na base científica Scopus. Os resultados deste estudo estão no Apêndice A.
A teoria organizacional foi a vertente definida para a pesquisa e o estudo ancorou-se
nos seguintes tópicos, divididos em três grupos: (i) Teoria das Organizações; (ii) Governança
Corporativa e (iii) Trabalhadores.
A fim de complementar o estudo bibliométrico, foram elaborados gráficos para
correlacionar os principais tópicos da pesquisa, considerando-se os critérios de avaliação de
periódicos do Sistema WebQualis Capes, por área de conhecimento, nas áreas
Multidisciplinar e Engenharias III. A apresentação destes resultados está no Apêndice B.
29
Para a organização dos principais tópicos de pesquisa, foi adotada a ferramenta de
construção do mapa de literatura da pesquisa sobre um tópico (CRESWELL, 2007), que
apresenta uma visão geral da literatura existente sobre o tema, conforme a figura 03 abaixo:
Figura 03 – Mapa de literatura da pesquisa
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Creswell (2007)
O mapa de literatura da pesquisa, segundo Creswell (2007), é um sumário vital da
pesquisa, pois organiza os tópicos e representa a estrutura hierárquica do estudo, com a
apresentação de diferentes temas e elementos, além de possíveis referências relacionadas aos
tópicos. A partir desse quadro visual, elaborado com a ferramenta interativa conceitual
Cmaptools©
, desenvolvida pelo The Institute for Human & Machine Cognition (IHMC), da
Flórida (EUA), a pesquisadora elabora uma visão geral da literatura mais ampla sobre o tema.
O mapa de literatura da pesquisa está ancorado no eixo: “A inclusão do assento para o
representante dos empregados em conselhos de administração e sua contribuição para um
novo modelo de governança corporativa: o caso da Petrobras”, definido pela pesquisadora
como o tópico principal da pesquisa, e seus desdobramentos em subtópicos e temas
correlatos, principais autores e referenciais de estudo para a revisão de literatura.
30
2 .1 O CONHECIMENTO NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL
Conhecimento é uma mistura fluida de experiência condensada, valores, informação
contextual e insight experimentado, a qual proporciona uma estrutura para a
avaliação e incorporação de novas experiências e informações. Ele tem origem e é
aplicado na mente dos conhecedores. Nas organizações, ele costuma estar embutido
não só em documentos ou repositórios, mas também em rotinas, processos, práticas
e normas organizacionais. (DAVENPORT; PRUSAK, 2010).
2.1.1 Teoria da criação do conhecimento organizacional
A necessidade de mudança contínua nas organizações surge no final do século XX
como reflexo mais intenso de uma era de economia turbulenta, pressões sociais e mudanças
tecnológicas aceleradas. A busca por competitividade e a sobrevivência organizacional no
curto prazo dominaram a agenda das empresas nos anos 1980; mas foi a década de 1990 que
inaugurou uma onda avassaladora de reestruturações, fusões e aquisições de empresas. A
flexibilidade dos novos arranjos organizacionais, a revolução tecnológica, as privatizações e a
redução de custos foram alguns dos vetores de competitividade no mundo globalizado.
O mundo do trabalho foi cirurgicamente redesenhado. Tudo o que antes era dito sobre
mudança organizacional ganhou outro relevo, pois o que era feito em empresas reconhecidas
por culturas estáveis, perdeu a validade. Não se discutia mais se uma mudança cultural era ou
não possível, mas como fazê-la de modo a reduzir danos (FREITAS, 2012).
Na década de 1980, muitas grandes empresas do mundo ocidental, preocupadas
essencialmente com uma abordagem quantitativa de suas estratégias, começaram a perder
dinamismo e a competitividade, frente aos novos modelos de organização orientais.
Takeuchi e Nonaka (1997), ao buscarem explicar o sucesso das empresas japonesas,
nas décadas de 70 e 80, chamaram atenção para o fato de que o estudo do conhecimento seria
o componente básico desse fenômeno. Segundo essa visão, as organizações não somente
teriam a capacidade de processar o conhecimento, como de criá-lo, disseminá-lo e incorporá-
lo a seus produtos, serviços e sistemas. A conclusão, após anos de pesquisas, é que a criação
do conhecimento consiste na principal fonte de competitividade global das empresas.
Os autores classificam o conhecimento humano em dois tipos: o “conhecimento
explícito” – articulado por meio da linguagem formal, dos números e manuais –, que pode ser
facilmente formalizado e transmitido entre os indivíduos e o “conhecimento tácito”, mais
difícil de ser articulado em termos de linguagem, mas que representa o conjunto de
experiências individuais e envolve fatores intangíveis, como crenças, valores e ideais.
31
Na filosofia dominante no Ocidente, o indivíduo é o principal agente que concentra e
processa o conhecimento. O racionalismo e a tradição administrativa ocidental priorizam a
visão do conhecimento organizacional como algo explícito, formal e sistemático.
Na abordagem oriental, o indivíduo interage com a organização e a criação do
conhecimento ocorre em três níveis: do indivíduo, do grupo e da organização. O
conhecimento é expresso como tácito – algo dificilmente visível ou exprimível, altamente
pessoal e subjetivo, com uma dimensão técnica, que abrange um conjunto de habilidades e, ao
mesmo tempo, uma dimensão cognitiva, que reside em experiências, modelos mentais,
crenças e percepções. Reflete a imagem da realidade e a visão de futuro, combinando as
incertezas do mundo moderno com o desafio do novo, entre a inovação e a obsolescência.
Na teoria da criação do conhecimento organizacional, ambos os tipos de conhecimento
(tácito e explícito) se complementam para promover a criação do conhecimento
organizacional, um processo em espiral em que a interação ocorre continuamente ao longo do
tempo. A criação do conhecimento estaria na conversão do conhecimento tácito para o
explícito e novamente para o tácito, a fim de gerar mais valor, sucessivamente.
Segundo os autores, “isso confere à organização um caráter de organismo vivo”
(TAKEUCHI; NONAKA, 1997, p.8). Desse modo, criar novos conhecimentos significa,
literalmente, recriar a empresa e seus integrantes, em um processo contínuo de
autorrenovação organizacional e pessoal. Portanto, não seria responsabilidade de poucos
eleitos – especialistas em finanças, marketing ou planejamento –, mas de toda a organização e
de todos na organização.
O conhecimento deve ser construído por si mesmo, requerendo uma contínua interação
entre os membros da organização e o seu ambiente interno e externo, a fim de transformar o
aprendizado em algo novo a ser internalizado (conhecido, modificado, enriquecido e
traduzido) segundo imagem e identidade da organização.
Schein (2009), outro estudioso da cultura organizacional, destaca o aspecto humanista
da cultura empresarial, que determina a maneira de pensar, os valores e o comportamento das
pessoas, a partir de experiências compartilhadas em grupo e define a cultura como:
Um padrão de pressupostos básicos – inventados, descobertos ou desenvolvidos por
um determinado grupo à medida que ele aprende a lidar com seus problemas de
adaptação externa e integração interna – que tenha funcionado suficientemente bem
para ser considerado válido e, assim, ser ensinado aos novos membros como a forma
correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas (SCHEIN, 2009).
32
Drucker (1993), por sua vez, defende que a cada dois ou três séculos ocorre na
História uma grande transformação que obriga a sociedade a se reorganizar. No seu entender,
a sociedade industrial do pós-guerra evoluiu, transformando-se em uma sociedade de serviços
e, mais recentemente, na chamada “sociedade do conhecimento”, na qual o recurso básico não
é mais o capital, a mão de obra ou os bens tangíveis, mas o conhecimento. Nessa sociedade,
os “trabalhadores do conhecimento” têm um papel central.
Senge (2012) reconhece que a principal dificuldade de autorrenovação das empresas
está na sua capacidade de ampliar o aprendizado organizacional e propõe um modelo de
desenvolvimento do conhecimento que priorize o “raciocínio sistêmico”, o “domínio
pessoal”, os “modelos mentais”, a “visão compartilhada” e o “aprendizado de equipe”. Nesse
sentido, o desenvolvimento da liderança adquire valor fundamental na condução de projetos,
introdução de novos conceitos, quebra de paradigmas e comunicação com as equipes.
Para estimular o grau de compromisso dos membros da organização, é preciso
promover uma visão não definitiva do conhecimento, de forma que os gestores e lideranças
tenham a consciência de que “o tamanho de sua aspiração pessoal e sua intenção determinará
a qualidade do conhecimento criado pela empresa” (TAKEUCHI; NONAKA, 1997, p. 267).
Em sua análise, Choo (2011) promove uma visão holística da organização do
conhecimento, a “conexão do conhecimento”, com o estabelecimento de parcerias com outras
empresas e a constatação de que a construção do conhecimento é provocada por situações que
revelam lacunas no conhecimento atual, que impedem a sua construção. Esta ocorre quando
os diversos recursos de informação que cercam o conhecimento se conectam e complementam
e a organização se torna capaz de manter ciclos contínuos de aprendizagem e inovação.
2.1.2 A gestão do conhecimento no contexto das organizações
Takeuchi e Nonaka (2008) afirmam que a criação do conhecimento organizacional
deve ser entendida como uma síntese entre o indivíduo e organização, por meio de um
processo que amplifica o conhecimento criado pelo indivíduo e o cristaliza em nível do grupo,
por meio do diálogo e do compartilhamento de experiências e práticas.
Do mesmo modo, os autores japoneses defendem que o conhecimento em uma
organização não vem somente do topo da hierarquia (top-down) e nem somente de
empregados empreendedores da linha de frente (bottom-up); mas, principalmente, dos
administradores medianos (middle-up-down), que buscam interpretar e articular as dicotomias
existentes entre a visão idealizada da alta administração e a realidade do chão de fábrica.
33
Takeuchi e Nonaka (2008) apostam na síntese oriente/ocidente para o futuro das
empresas, reunindo o que há de melhor nos dois mundos, com a vantagem da revolução da
informação para a construção de um modelo universal de criação do conhecimento.
Isso pressupõe uma dialética empresarial que gerencie as aparentes contradições
existentes em organizações que promovem a disciplina e o empreendedorismo, a integração e
a individualização de segmentos; o lucro e, ao mesmo tempo, uma política contrária às
demissões. Para as empresas dialéticas, gerenciar o paradoxo é parte da rotina de
transformações que impõe a necessidade de introdução de novos paradigmas de
administração, fundamentados na criação do conhecimento; que, por sua vez, é gerado pela
síntese do que aparenta ser contraditório: o tácito e o explícito.
Neste sentido, considera-se o objeto deste estudo, a presença do representante dos
empregados em conselhos de administração, como um novo paradigma do conhecimento
organizacional acerca da governança corporativa e do trabalho.
O conhecimento é considerado atualmente a mais importante fonte de criação de valor
e vantagem competitiva para as empresas (DRUCKER, 2003). Contudo, há ainda um
distanciamento da geração do conhecimento em relação às teorias econômicas e
organizacionais, pela dificuldade de adaptação das organizações às contradições existentes
entre os seus recursos internos e as pressões externas.
Desse modo, a criação do conhecimento nas organizações depende não somente da
interação entre o tácito e explícito, mas também da interação com o ambiente e da formação
de alianças estratégicas.
Takeuchi e Nonaka (2008) caracterizam organizações inovadoras como aquelas que
possuem a oportunidade de “sair de dentro da caixa”, “quebrar a moldura”, “nadar contra a
corrente”, seguir outro caminho, ignorar a sabedoria convencional, questionar e repudiar o
que é estabelecido e modificar o status quo. Assim, novas formas, propostas, desafios e
mudanças não possuem limite e a habilidade de envolver opostos tornar-se-á cada vez mais
importante para os líderes de amanhã, conforme salientam:
Alguém escreveu certa vez: “Se Deus quisesse que o homem voasse, teria lhe dado
asas”. Mas a humanidade sempre sonhou em voar. Se você pensa que não consegue,
não conseguirá. Porém, se pensar que consegue, existe uma chance de conseguir. Os
irmãos Wright pensaram que conseguiram. Vislumbrar é procurar coisas que não
podem ser feitas. Vislumbrar é alcançar algo além do considerado possível.
Vislumbrar é pensar além do futuro (TAKEUCHI; NONAKA, 2008, P. 296)
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Amorim e Fischer (2013) sustentam que a luta das organizações pela liderança, ou
simplesmente pela sobrevivência, em um mercado que se move com rapidez, está diretamente
ligada à sua capacidade de adaptação e inovação. Em um mundo de informação cada vez mais
abundante, conhecer e aprender são habilidades indispensáveis para todas as organizações,
sejam elas públicas, privadas, empresariais ou sindicais. E destacam ainda a importância das
bases econômicas e das melhores escolhas em termos de estratégica e estrutura para o campo
da aprendizagem organizacional e para a criação do conhecimento nas organizações.
Este estudo pretende buscar as bases para conhecer e compreender o atual modelo de
governança corporativa de Petrobras, segundo a ótica de sua cultura organizacional, e a
contribuição do processo de representatividade dos empregados junto ao Conselho de
Administração para a construção de um novo modelo de governança e para a criação de uma
base de conhecimento estruturado sobre o tema.
2.2 O CAMPO DE PODER NAS ORGANIZAÇÕES
A construção do poder e a disputa pelos arranjos locais de governança nos espaços das
organizações são resultado de uma construção histórica, política e social, fruto dos diferentes
tipos de capital, que atuam como um campo de forças e de lutas entre os diferentes atores
(BOURDIEU, 1989).
Com o crescimento das organizações, como observam Cappelle et al. (2005), passa a
haver cada vez mais estruturas e tarefas especializadas, posições funcionais diferenciadas e
conhecimento compartimentado, exigindo a criação de estratégias para a sobrevivência da
organização e para dirimir possíveis conflitos de interesses decorrentes da divisão do trabalho.
Mintzberg (2000) enfoca o poder em sua forma hegemônica, que determina a obtenção
e detenção do poder, do ponto de vista da estratégia. Entretanto, o poder, na visão de Foucault
(1984), também pode ser encarado segundo o seu exercício e concebido como um conjunto de
práticas sociais e discursos construídos historicamente, que disciplinam os indivíduos.
Foucault (1984) procura captar o poder em suas extremidades capilares e acredita que
a arte de governar envolve uma pluralidade de formas de governo; e vai além à análise do
poder, ao reconhecer o seu caráter relacional, contingencial e localizado, bem como a sua
capacidade de estabelecer objetos do conhecimento e, nesse sentido, seria algo potencialmente
criativo e não apenas negativo. Assim como não estaria somente ligado à hierarquia
organizacional e à submissão funcional. O poder, segundo essa ótica, representa uma
capacidade de agir sobre a ação do outro (CAPPELLE et al., 2005).
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2.2.1 Formulação do campo de poder e análise de Bourdieu
Pierre Bourdieu (1930-2002) é um autor estruturalista francês do movimento pós-
Segunda Guerra Mundial, que desafiava a explicação positivista universal da sociedade e do
conhecimento, trazendo uma visão mais estrutural ou diferencial da realidade, que considera a
análise dos agentes participantes e das estruturas sociais que a compõem.
O espaço social estruturado, onde as posições dos atores encontram-se fixadas e as
formas de interações entre os agentes são determinadas pelas relações objetivas entre as
posições que ocupam, é o que Bourdieu denomina “campo”. Os campos são relativamente
autônomos (campo político, econômico, religioso, científico etc.), resultado de suas
particularidades, regras de convivência, compromissos, alianças, concorrências e a natureza
dos conflitos que permeiam as relações entre os seus agentes (BOURDIEU, 1989).
Desse contexto, nasce a ideia de que o mundo social pode ser entendido como um
espaço de várias dimensões, constituído por diversos campos que possuem regras e
propriedades que atuam para conferir força ou poder a este universo. O que constitui o espaço
social mais amplo são os múltiplos campos, com a desigual distribuição dos diferentes tipos
de capitais: econômico, social, cultural e simbólico (GOBBI et al., 2005).
Cabe ainda ressaltar que o campo social é também um espaço de luta pelo domínio do
Estado e do capital estatal, que assegura o poder sobre os diferentes tipos de capital. Embora o
campo de poder não deva ser confundido com o campo político (BORDIEU, 1999, 2011).
Em virtude da distribuição desigual do capital entre os agentes, o campo se
particulariza como um lugar de manutenção das relações de poder, dividido em dois polos:
dominantes – os que detêm o maior capital – e dominados – com menor volume de capital.
Essa relação de assimetria passa a definir o campo como um espaço de luta concorrencial
entre os agentes pela posse do capital que lhes garanta a dominação (BOURDIEU, 1989).
Na construção de uma teoria da prática, Bourdieu (1999, 2011) introduz o conceito de
habitus para explicar a mediação entre agente social e sociedade. Nessa perspectiva, as
práticas e representações são produto de um modus operandi do qual o agente social não é o
produtor e o senso prático tende a desconhecer o significado de seus comportamentos.
O entendimento do objeto de estudo como um campo de poder pode ampliar suas
perspectivas de análise, ao considerar a realidade com uma construção social envolvendo uma
pluralidade de agentes num espaço social dinâmico, desigual e conflituoso, que faz emergir, a
partir dessa complexidade, os mecanismos de governança (GOBBI et al., 2005).
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Os críticos de Bourdieu, como aponta Thiry-Cherques (2006), não aceitam a sua
concepção utilitarista da vida social, subordinada à lógica do interesse e da concorrência e
apontam que a noção de “campo relativamente autônomo” não poderia ser generalizada, uma
vez que compreenderia um amplo espectro indeterminado de possibilidades.
Por outro lado, a objetividade do seu método também é questionada; pois esta só seria
possível mediante a neutralização dos interesses econômicos, sociais, culturais e simbólicos
do pesquisador. Apesar de tais críticas, Bourdieu (1930-2002) constitui importante referência
no pensamento social deste século.
Bordieu incomodou muita gente. Foi um pensador original, um crítico impiedoso.
Tinha alguns dos defeitos comuns às inteligências privilegiadas: a vaidade não
sendo o único. Mas teve o mérito de sacudir o marasmo político e intelectual da sua
época (THIRY-CHERQUES, 2006).
2.2.2 A nova teoria organizacional
A teoria institucional emerge, nas ciências sociais, ao final do século XIX. Esta
relativa antiguidade, entretanto, longe de estabelecer uma evolução linear e cumulativa, revela
as disputas de campo pelo monopólio da competência científica e um movimento de
evolução, ruptura e acomodação, que sofre uma retomada na década de 1970 (CARVALHO
et al., 2012). A teoria institucional se divide entre o velho institucionalismo, de Selznick
(1948) e o novo institucionalismo, que tem origem nos trabalhos de Berger e Luckman
(1967), Meyer e Rowan (1977), DiMaggio e Powell (1991) e Scott e Meyer (1991).
A teoria instrumental de Bourdieu (1989) igualmente se insere em uma perspectiva
neoinstitucional da teoria das organizações e permite identificar os mecanismos determinantes
de dominação e reprodução das instituições e o funcionamento de outros fenômenos
organizacionais, como a cultura organizacional, as estratégicas e as ferramentas de
governança e gestão. Na mesma ótica, o espaço da empresa é considerado como um campo de
dominação e um meio de relações de força e interações políticas.
Em contraponto à teoria de Bourdieu (1989), o neoinstitucionalismo vem iluminando
importantes aspectos de dissociação e diálogo entre esses corpos teóricos, na medida em que a
emergência e proliferação de novas formas organizacionais assumem um papel de destaque
no mundo dos negócios. Esses novos arranjos seriam uma forma híbrida de governança, com
base na dicotomia entre a racionalidade das transações e a hierarquia na qual se baseia o poder
formal delegado aos agentes (GOBBI et al., 2005).
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Misoczky (2003) traça um paralelo entre o neoinstitucionalismo e a teoria de Bourdieu
(1989). Sua estratégia é a desagregação dos corpos teóricos. Assim, o neoinstitucionalismo
estaria mais próximo da descrição do comportamento e da ação intencional, ao passo que a
teoria de Bordieu seria mais adequada aos interesses construtivos da ação social.
A permanência das instituições decorre não somente do fato de que estas satisfazem
necessidades humanas culturalmente definidas, como também de um conjunto de fatores
contingenciais fruto das relações sociais e do ambiente. Em sociedades civilizadas,
caracterizadas pela crescente mobilidade, a estrutura institucional torna-se cada vez mais
complexa e especializada, sujeita a um número maior de contingências (PECI, 2005).
Uma vez estruturado o campo social, poderosas forças emergem e levam as
organizações a se tornarem similares entre si. O campo organizacional se torna um espaço que
inclui todas as organizações que oferecem produtos ou serviços e o conjunto de organizações
associadas: fornecedores, consumidores, reguladores, entre outros. (AVELAR JR., 2012).
As novas arquiteturas organizacionais são moldadas pelos modelos de gestão atuais,
comportamentos, tendências, entre outros aspectos que transparecem um período de transição
face à imprevisibilidade e complexidade do ambiente das organizações. Desse modo, a teoria
institucional ganha espaço nos estudos organizacionais por fornecer maneiras de compreender
padrões implícitos e a diversidade dentro das organizações (PEREIRA, 2012).
A maioria dos atores nos sistemas econômicos e políticos modernos são organizações
formais e as instituições legais e burocráticas ocupam um importante papel no contexto
contemporâneo (MARCH; OLSEN, 2008).
Várias abordagens tentam explicar o fenômeno das grandes corporações modernas,
assim como a sua relação com o mercado de capitais. A abordagem econômico-financeira
parece ter papel de destaque em termos de volume de pesquisas e orientações para o mercado.
Essa perspectiva conservadora dominou o cenário moderno e mostrou-se eficaz por anos,
dando suporte aos elementos de controle e estratégia das organizações. Contudo, os
escândalos de fraude e corrupção envolvendo grandes corporações norte-americanas, nos anos
2000, afetaram a credibilidade das organizações e do mercado, apontando para mudanças
necessárias na governança corporativa (ROSSONI; MACHADO-DA-SILVA, 2010).
Diante da crise de legitimidade que tais escândalos geraram no mercado, estudiosos
das organizações buscaram compreender o fenômeno da governança corporativa sob
diferentes lógicas, entre elas a institucional. Nessa perspectiva, práticas organizacionais são
açõe