UTOPIAS RELIGIOSAS E VIOLÊNCIA NO PERÍODO DE CONSOLIDAÇÃO
DO ESTADO NOVO
Fabian Filatow
Prefeitura Municipal de Esteio
Resumo:
Em 1938 Vargas permitiu o uso militar para reprimir possívies opontentes ao Estado
Novo. Ocorreram intervenções contra dois movimentos sóciorreligiosos: os Monges
Barbudos (RS) e Pau de Colher (BA). Ambos os estados se opuseram ao golpe de 1937.
Nestes estados ocorreram movimentos sociais com características religiosas os quais
foram identificados como inimigos e acusados de comunistas, sendo reprimidos pela
polícia. Nossa proposta é refletir sobre os usos da violência para fins políticos. Para
isso, nos utilizamos das reflexões de Hannah Arendt sobre violência. Almejamos
demonstrar que a violência política esteve presente no período de consolidação do
estado autoritário. E mais, demonstrar que o estudo dos movimentos sóciorreligiosos
podem contribuir para o compreendermos as ações políticas do referido período.
Palavras-chave: Monges Barbudos; Pau de Colher; movimentos sociorreligiosos;
repressão; política.
No ano de 1938 o governo federal autorizou uma violenta repressão contra os
membros de dois movimentos sóciorreligiosos: Monges Barbudos, localizados no
município de Soledade, RS e Pau de Colher, no município de Casa Nova, na Bahia. No
presente trabalho almejamos refletir sobre a possibilidade desta ação repressora ser uma
extenção da política do período de consolidação do Estado Novo. Cientes de que tanto o
Rio Grande do Sul quanto o estado da Bahia, nas figuras de seus governates, opuseram-
se a instauração do novo regime. Assim sendo, a repressão teria por finalidade conter
possíveis ameaças ao novo regime instaurado em 10 de novembro de 1937.
Hannah Arendt dedicou-se a refletir sobre a violência e suas implicações para a
política. Assim, destacou a existência de uma confusão e mesmo uma banalização do
uso do conceito violência, destacadamente no campo da política. Para a filósofa, a
violência é caracterizada por sua instrumentalidade, assim sendo, distingui-se de outros
conceitos do campo da política, tais como o de poder, vigor, força e autoridade. Neste
sentido, violência contrapõe-se ao poder, ou seja, onde domina a violência absoluta o
poder está ausente e vice-versa.
Em 1969 Arendt publicou a obra Sobre violência, uma investigação acerca da
natureza e das causas da violência. A obra está organizada em três partes, na primeira
preocupa-se em mostrar que a multiplicação dos meios de violência pela revolução
tecnológica fez com que as antigas verdades a respeito da violência e do poder se
tornassem “inaplicáveis” (1994, p. 17). Analisa também aquilo que chamou de
“glorificação da violência”, apontando para a fragilidade desta argumentação e
fundamentação teórica. Na segunda parte, busca compreender o que constitui a essência
do poder e da criatividade da ação. Na terceira, faz um confronto com as diversas
explicações sobre a violência, como as de base biológica e ideológica, reafirmando a
especificidade própria do campo político e a sua pertinência hermenêutica para explicar
os fenômenos do poder e da violência.
Uma contribuição de Arendt para a reflexão sobre a violência está atrelada a sua
delimitação conceitual. “Penso ser um triste reflexo do atual estado da ciência política
que nossa terminologia sobre violência não distinga entre palavras-chave tais como
“poder”, “vigor”, “força”, “autoridade” e, por fim, “violência” - as quais se referem a
fenômenos distintos e diferentes” (1994, p. 36). Os termos poder, vigor, força,
autoridade e violência são tomados como sinônimos porque têm, na compreensão
comum, a mesma função, isto é, indicar “quem domina quem”. No pensamento
arendtiano, a violência se distingue por seu caráter instrumental.
Arendt sustenta que “nem a violência nem o poder são fenômenos naturais, isto
é, uma manifestação do processo vital, eles pertencem ao âmbito político dos negócios
humanos, cuja qualidade essencialmente humana é garantida pela faculdade do homem
para agir, a habilidade para começar algo novo.” (1994, p. 60) Como instrumental a
violência é detentora de uma certa racionalidade, à medida que é eficaz em alcançar o
fim que deve justificá-la.
Arendt reluta em associar violência com o poder ou com o Estado. Para a autora
“o poder é de fato a essência de todo o governo, mas não a violência” (1994, p. 40). A
autora não se identifica com uma tradição do pensamento político que busca equacionar
o poder político com a organização dos meios de violência e o consenso em aceitar que
a violência é a mais flagrante manifestação de poder. A filósofa não apenas diferencia
poder e política de violência mas coloca-os em espaços contraditórios. “Poder e
violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência
aparece onde o poder está em risco, mas, deixada a seu próprio curso, ela conduz à
desaparição do poder” (1994, p. 44).
Partindo-se destas reflexões de Hannah Arendt, apresentadas aqui de maneira
breve, queremos pensar o uso político da violência imposta aos membros dos dois
movimentos sóciorreligiosos ocorridos em 1938, Monges Barbudos e Pau de Colher, a
fim de legitimar o novo regime vigente no país a partir do golpe de 1937.
Entre 1937 e 1941 o Estado Novo vivenciou a fase de consolidação (CARONE,
1976). Neste período o governo federal implantou os interventores estaduais e o uso da
violência contra grupos de prováveis opositores ao regime, entre os quais podemos
inserir os movimentos sóciorreligiosos dos Monges Barbudos e Pau de Colher. Estes
foram foram identificados com o comunismo, servindo desta maneira para fins
políticos, pois o “perigo vermelho” era o inimigo comum de integralistas, nazistas,
fascistas, liberais, de Getúlio Vargas e de Flores da Cunha. (BELLINTANI, 2002, p.
40)
Assim, com os dois movimentos sóciorreligiosos mencionados, almejamos
demonstrar a prática da violência como sendo uma extensão da política que esteve
vigente no Estado Novo, se não no todo, pelo menos da fase de consolidação.
O movimento sóciorreligioso dos Monges Barbudos ocorreu entre os anos de
1935 e 1938 em Soledade, interior do Rio Grande do Sul. Formou-se em torno da
crença do monge João Maria e arregimentou camponeses da região. Foi reprimido por
forças militares na Semana Santa de 1938. Apresentamos alguns documentos que
corroboram a ideia de que o movimento religioso foi alvo da violência policial como
uma extensão da política daquele período.
No relatório do 1º Tenente Januário Dutra, datado de 30 de março de 1938,
temos indícios para a justificativa do uso da força:
Consoante vossa determinação telegráfica, fiz sair daqui, na madrugada do
dia 19 do corrente, um contingente composto de vinte praças sob o comando
do 2º tenente Arlindo Rosa, com destino ao 6º Distrito deste município a fim
de reconhecer e dispersar uma reunião de fanáticos que constava existir e que
estavam empregando ideias subversivas.1
Existia uma suspeita política sobre os Monges Barbudos. O uso de “ideias
subversivas” foi amplamente utilizado ao longo do período do primeiro governo Vargas
para identificar possíveis opositores. Essa suspeita está presente também nos
interrogatórios: “[...] no dia 22 de março, foi remetido pelo tenente Arlindo, um grupo
de oito fanáticos [...]. Interroguei cada um deles, verifiquei minuciosamente todos os
documentos e papéis que possuíam, não tendo encontrado tanto nas declarações como
nos papéis nada de importância, que indicasse a pregação de ideias exóticas.”2
No relatório assinado pelo 2º tenente Arlindo Rosa temos as percepções sobre os
habitantes da região e dados do grupo religioso.
(...) a maior parte do pessoal que habitam nos lugares acima mencionados são
descentendes do nosso caboclo indolente, pouco gostam de trabalhar, de
maneira que, a miséria começou a bater-lhe a porta da casa, então, por meio
de uma seita religiosa tendo como padroeira a Santa Catarina, procuram a se
reunirem e se auxiliarem mutuamente. Os mais espertos então começaram a
fazer a propaganda da religião, dizendo que, quem não pertencesse aquela
religião muito em breve morreria e seus bens seriam repartidos com o pessoal
da seita, aconselham também andarem desarmados, respeitar as autoridades,
apanharem e não brigarem, não beberem, trabalharem pouco, não
trabalharem sábados e nem domingo e purificarem o sangue, tomando
Caroba, erva de mato e outras.3
A condição de “caboclos indolentes” teria contribuído para a divulgação das
ideias religiosas, pois “pouco gostam de trabalhar”. Além disso, a crença estava
permeada pela ideia messiânica, ou seja, tinham a crença de que tudo seria reordenado
na futura vinda do santo monge, marcada para a semana santa de 1938. Este foi o
motivo de grande número de pessoas se dirigirem para a capela de Bela Vista local da
repressão orquestrada pelo Estado.
Há indícios de que os Monges Barbudos não eram um grupo violento ou
1 Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria.
Relatório enviado ao sr. Comandante Geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado
pelo 1º Tenente Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1. (APERS) 2 � Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria.
Relatório enviado ao comandante geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado
pelo 1º Tenente Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1. (APERS) 3 � Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria.
Relatório enviado ao comandante geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado
pelo 1º Tenente Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1. (APERS)
fomentador de agitações sociais. Não temos informação que comprove as suspeitas de
serem eles adeptos de “ideias exóticas” ou “subversivas”; pelo contrário, as informações
existentes contribuem para identificá-los como uma expressão religiosa e cultural
identificada no Brasil Meridional desde o século XIX.
O conflito ocorrido nos dias 13 e 17 de abril de 1938 entre soldados da Brigada
Militar, os quais contaram com o apoio de alguns civis da localidade, e membros do
movimento dos Monges Barbudos, ficou registrado no relatório do tenente Januário
Dutra. Neste documento podemos ler:
[...] nos lugares denominados Bela Vista e Rincão dos Bernabés uma grande
reunião de fanáticos que praticavam uma religião exótica e não conhecida,
tendo as referidas reuniões causado pânico entre os moradores dos referidos
lugares; ocasionado terem diversas pessoas pedido às autoridades garantias e
providências a respeito, pois os fanáticos haviam invadido o lugar
denominado Bela Vista e se apoderaram da igreja denominada Santa
Catarina, aonde localizaram um grande acampamento, tendo o chefe do
bando conforme consta, postado-se sobre o altar da referida igreja a tomar
chimarrão. O primeiro apelo foi dirigido ao Delegado de Polícia de
Sobradinho, cuja autoridade atendeu com presteza e dirigindo-se com uma
patrulha para o local Bela Vista, e, ao se aproximar do referido local foi
hostilmente recebido, tendo alguns dos componentes do bando feito disparos
de arma contra o delegado e sua patrulha, que revidaram a agressão,
resultando saírem diversos feridos, entre eles o chefe do bando Anastácio
Fiúza, que veio a falecer; também foram feitos diversos prisioneiros e o
restante do grupo foi dispersado.4
Percebe-se uma mudança na forma de descrever a conduta dos Monges
Barbudos. A documentação policial é contraditória e deixa margem para interpretações,
pois, num documento consta que não eram violentos e eram orientados a andarem
desarmados; noutro, temos a descrição de um grupo armado e violento, além de
atacarem lugares sagrados da Igreja Católica. Segundo ficou registrado no relatório, a
patrulha do cabo Centenário efetuou a prisão de 104 fanáticos.5
Podemos identificar significtivas discordâncias nos relatórios apresentados. Em
um deles os Monges Barbudos não representavam ameaça, porém, em outro, são
descritos como portando armas, “[...] foram apreendidas em poder dos fanáticos duas
4 �
Relatório enviado da Delegacia de Polícia em Soledade, datado de 15 de maio de 1938,
assinado, Januário Dutra, p. 1. (APERS). 5 �
Relatório enviado da Delegacia de Polícia em Soledade, datado de 15 de maio de 1938,
assinado, Januário Dutra, p. 1. Constam no relatório os nomes dos 104 presos.
Winchesters e um revólver calibre quarenta e quatro”6 e oferecendo resistência.
Em um terceiro relatório que também foi produzido pela Brigada Militar e
redigido após a conclusão das operações militares, temos que “[...] com as medidas
adotadas, dentro de pouco tempo passou a reinar completa ordem naquela região.”7 O
major José Rodrigues da Silva, ao concluir o relatório, sugere medidas complementares
para a manutenção da ordem,
Concluído este breve relatório sobre os fanáticos que infestaram os
municípios de Soledade e Sobradinho, tomo a liberdade de seguir, com
medida complementar à ação de vigilância do destacamento especial, o
seguinte: criação de uma escola, ou grupo escolar em Tunas, sede do 6º
Distrito de Soledade, o aproveitamento dos elementos que pertenceram
àquela seita nos trabalhos do Departamento Rodoviário, bem como a
distribuição de sementes pela Secretaria de Agricultura aos mesmos
elementos, esta última com fim de evitar a situação de miséria a que estão
sujeitos tais elementos em consequência de suas crendices, que os levou a
deixarem de trabalhar por largo espaço de tempo.8
A correspondência trocada entre membros do governo contribuem para
pensarmos os Monges Barbudos inseridos na política daquele período. Mesmo deposto
e exilado Uruguai Flores da Cunha foi alvo da rígida vigilância do governo federal, o
qual temia um contragolpe contra o Estado Novo. Uma correspondência enviada por
Aladino Neves à Alzira Vargas em 20 de abril de 1938 coloca os Monges Barbudos no
centro desta disputa política.
Peço transmitir Chefe seguintes informações: - Thales Garcia e outros
floristas está aliciando elementos município Livramento levante
revolucionário deverá irromper Estado fina corrente ou princípios mês
vindouro. Este levante será reflexo movimento estalará Rio e S. Paulo.
Conspiradores alardeiam contar totalidade tropa artilharia Livramento e
possivelmente guarnição Bagé, graças trabalho feito esta ultima integralista
Nestor Contreiras. Consta caudilhos uruguaios Vilau Neva e Nepumoceno
Saraiva comprometidos Flores auxiliar movimento. Interior município
Soledade está reunido grupo mais de mil homens atitudes suspeitas. Há
suposição se trate meros fanáticos explorados alguns espertalhões que se
6 �
Relatório enviado da Delegacia de Polícia em Soledade, datado de 15 de maio de 1938,
assinado, Januário Dutra, p. 1. 7 � Relatório apresentado ao comandante geral da Brigada Militar pelo major José Rodrigues da
Silva, sobre os acontecimentos ocorridos nos municípios de Soledade e Sobradinho, com o surto de
fanatismo religioso praticado por elementos que se tornaram conhecidos por “monges barbudos”. 8 � Relatório apresentado ao comandante geral da Brigada Militar pelo major José Rodrigues da
Silva, sobre os acontecimentos ocorridos nos municípios de Soledade e Sobradinho, com o surto de
fanatismo religioso praticado por elementos que se tornaram conhecidos por “monges barbudos”.
dizem monges. Cel. Feio tomou providencias mandando destacamento
Brigada fazer reconhecimento. Houve tiroteios resultanto morte em fanático,
ferido um soldado e presos noventa e seis indivíduos integravam grupo.
Receia-se haja referido agrupamento intuitos políticos mascarados. Peço
dizer me si devo continuar informando para aí essas ocorrências. Saudações.
Aladino Neves.9
A citação nos permite identificar o município de Soledade e mais
especificamente os Monges Barbudos inseridos nas disputas políticas entre Flores da
Cunha e Getúlio Vargas. O Partido Republicano Liberal, partido de Flores da Cunha,
conquistou o município de Soledade em 1932, permanecendo no poder até o Estado
Novo, evidenciando ser uma região identificada com o florismo, ou pelo menos
podendo ser identificada como possível reduto político oposicionista, o que chamou a
atenção do governo federal. Seria este mais um ingrediente para os trágicos
acontecimentos confirmando que os Monges Barbudos sofreram a violência como uma
extensão da política.
Por fim, o tenente Januário expressou sua opinião sobre os Monges Barbudos:
“sr. Coronel, apesar de não ter encontrado, não posso negar ou afirmar a inexistência de
algum núcleo disfarçado, para inocular, aos poucos, ideias exóticas aos moradores da
referida região.”10 Não foi possível identificar a presença ou a ligação do movimento
com ideias políticas, porém, mesmo assim, foram reprimidos pelo Estado.
Pau de Colher era o nome de uma localidade que ficava distantes 18 léguas11 de
Casa Nova, na Serra dos Dois Irmãos, região fronteiriça entre o sudeste do Piauí e o
extremo norte da Bahia. Entre os dias 19 e 21 de janeiro de 1938, a polícia
pernambucana massacrou 400 dos aproximadamente 1000 “fanáticos” reunidos no lugar
desde os últimos dias de dezembro de 1937. (POMPA, 1995, p. 85)
A tradição religiosa de Pau de Colher está associado a duas outras manifestações
religiosas ocoridas no Ceará: Juazeiro do Norte (1889-1934), do Padre Cícero Romão
9 � Carta de São Lorenço por Aladino Neves para Alzira Vargas 20/04/1938. CPDOC/FGV.
Arquivo GV 38.04.20/1 XXXIX-54. 10 � Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria.
Relatório enviado ao comandante geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado
pelo 1º Tenente Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1. (APERS) 11
A distância varia entre as 18 léguas (= 108 Km) relatada por alguns informantes e os “90 Km
aproximadamente” dos estudiosos (MELLO, 1991:53). As diferenças dependem em parte da variação do
ponto de referência (hoje Pau de Colher não existe mais) e em parte da deslocação da cidade de Casa
Nova para mais perto da divisa com o Piauí, depois da construção da Barragem. (POMPA, 1995, p. 85.
Nota 14)
Batista (1844-1934), e Caldeirão dos Jesuítas (1926-1936), que teve como liderança a
figura do beato José Lourenço Gomes da Silva (1872-1946). Segundo fontes da época o
movimento chegou a reunir aproximadamente mil integrantes. Sendo estes oriundos de
diversas partes do sertão nordestino. Estes sertanejos criaram regras de convivência,
ritos e mitos religiosos, e na fase final do movimento, começaram a praticar atos de
violência, apresentaram condutas agressivas aos membros que discordavam das regras e
dos que não aceitavam o convite para ingressarem no mesmo.
A repressão policial imposta aos membros de Pau de Colher nos meses de
janeiro e fevereiro de 1938 mobilizou um forte agrupamento militar oriundos de
Pernambuco, Bahia e Piauí. Azevedo Marques, jornalista que acompanhou as
diligências em Pau de Colher12, publicou em O Jornal, de Salvador, em 1º de fevereiro
de 1938, um artigo sobre o ocorrido, destacamos o título deste artigo Possível
infiltração do comunismo nas hostes fanáticas do nordeste.13 A ameaça comunista
também foi mencionada pela antropóloga Cristina Pompaem seus trabalho sobre o tema.
Um dado interessante é a convicção, difundida na época (e ainda hoje entre
os expoentes da classe política de Remanso, São Raimundo Nonato e
Petrolina), do movimento de Pau de Colher ser uma revolta camponesa
organizada por elementos do partido comunista. A razão disto parece ser o
fato de um membro da família Viana, Josevi Sodré Viana [cit.], jornalista
aliancista perseguido pelo regime do Estado Novo, estava na ocasião
escondido na caatinga da região, passando de fazenda em fazenda e
organizando forças subversivas. (POMPA, 1995, p. 133)
Gilmário Moreira Brito detalha a participação política oposicionista de Viana:
“Sodré Viana, partidário da Aliança Nacional Libertadora, jornalista atuante em
Salvador e no Rio de Janeiro, tecia críticas às ações continuístas de Vargas”. (1999, p.
53.) Podemos identificar que Pau de Colher também estava inserido nas disputas
políticas locais quando os irmãos José e João Araújo, inimigos políticos da família
Viana, denunciaram Sodré Viana o qual estaria “hominizado” em uma fazenda nas
12 � Algumas referências sobre o trabalho de campo do jornalista Azevedo Marques podem ser
aprofundadas na obra: ESTRELA, Raimundo. Pau-de-Colher, um pequeno Canudos: conotações
políticas e ideológicas. Salvador: Assembleia Legislativa, 1997, p. 97-116. O autor apresenta publicações
realizadas na imprensa antes e depois da participação de Azevedo Marques. 13 � O Jornal, Salvador, 1º de fevereiro de 1938. In: MONTEIRO, Filipe Pinto. Santos e
peregrinos: aspectos da vivência religiosa no movimento messiânico-milenarista de Pau de Colher (Casa
Nova, Bahia, 1934-1938). Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHHIS - Dissertação de mestrado, 2011, p. 14.
proximidades de Pau de Colher, de propriedade de Raimundo Santos, prefeito de Casa
Nova. (1999, p. 53.)
Existindo desde 1934 o movimento Pau de Colher só foi identificado como uma
amaça em 1938. Acreditamos que através da repressão ao movimento composto por
sertanejos, o governo federal aproveitou para instaurar seu projeto estadonovista
naquela região do país.
Estabelecer o controle da região poderia ser o real motivo da violência praticada
pelas forças policiais. Pois a prática da violência como extensão da política era uma
presença na região.
Às disputas, verdadeiras guerras sertanejas, participavam, de um lado ou de
outro, todas as famílias, cada uma com seus próprios homens armados, os
jagunços, que percorriam o território e atacando as fazendas e as casas dos
adversários políticos de um ou outro grande “coronel”. As lutas terminavam,
via de regra, com o ataque à cidade (...), a vitória de uma família e a fuga
para cidades vizinhas (...) dos partidários derrotados. (POMPA, 1995, p. 84)
Ainda segundo a autora, “em alguns casos, até o próprio governo enviava
tropas para apoiar um ou outro coronel”. Segundo POMPA,
(…) única exceção parece ter sido a família Viana,(...): “homens de letras e
não de cangaço”, que exercia o poder principalmente através das ligações
políticas e da presença econômica, nunca mantendo um permanente exército
de fiéis jagunços, como os outros “coronéis”. (POMPA, 1995, p. 84)
Dois acontecimentos políticos de âmbito nacional tiveram grande impacto na
política regional, a Revolução de 1930 e o Estado Novo.
A revolução de trinta e a implantação do Estado Novo provocaram radicais
mudanças no quadro político da região e no equilíbrio entre as oligarquias,
em consequência da mudança de atitude do poder central para com o
“coronelismo”: houve uma rápida sucessão de prisões e de volta ao poder dos
grandes chefes (como no caso de Franklin de Albuquerque). A própria família
Viana, tradicionalmente estranha às disputas, foi envolvida na tentativa de
eliminação do poder dos coronéis. Em 1938 houve presos ilustres como
Antonio Honorato de Castro, acusado de ter participado, ou até organizado,
ou de qualquer maneira não impedido, o movimento de Pau de Colher.
(POMPA, 1995, p. 84)
Em 1930 Getúlio Vargas chega à presidência do Brasil tendo para isso o apoio,
dentre outros, dos estados da região norte e nordeste do país. Estes estados estavam
reunidos na “Delegacia do Norte”, a qual se encontrava sob o comando de Juarez
Távora.
No ano seguinte, Vargas nomeou como interventor14 da Bahia o tenente Juraci
Montenegro Magalhães (1905-2001). Após várias mudanças políticas, o interventor deu
posse a Raymundo Santos, como prefeito do município de Casa Nova. Raymundo dos
Santos era “próximo da família Viana, o clã mais poderoso da cidade e um dos mais
influentes do Estado”.15
A política implementada pelo interventor exigiu uma ampla coligação com os
líderes políticos locais. Isto também ocorreu com o município de Casa Nova, onde
Juraci Montenegro Magalhães sempre teve seu maior sustentáculo político. E no
período eleitoral, quando chegavam os resultados das eleições, ele obtinha grande
quantidade de votos. (MONTEIRO, 2011, p. 101)
Com os acontecimentos de 1937, no mês de outubro, Juraci Magalhães
renunciou ao governo da Bahia. A pressão política sobre sua administração já vinha
sendo alvo da oposição que o acusavam de compactuar com os comunistas ou, no
mínimo, de ser coniventes com eles, apesar de sua dura campanha contra a ANL e a
AIB. (MONTEIRO, 2011, p. 101-102)
A suspeita da ligação de Juraci Montenegro Magalhães com os comunistas
estaria associada ao nome de Agildo Barata, então seu amigo, que teria participado do
levante comunista de 1935. (MONTEIRO, 2011. p. 102) O coronel Antônio Fernandes
Dantas (1881-1956) substituiu Juraci Magalhães como interventor interino. Dantas
acumulava os cargos de Comandante da 6ª Região Militar em Salvador e Executor do
Estado de Guerra na Bahia. Com o governo de Antônio Dantas ocorreu uma
rearticulação das forças políticas em nível municipal. Fez-se necessário “remover da
14 � As interventorias eram valiosos instrumentos de centralização política e administrativa,
imposta pelo Governo Federal. Foram estabelecidas algumas convenções para a escolha dos
interventores, que deveriam ser “estrangeiros”, “militares” e politicamente “neutros”. Se, por um lado, o
fato de o escolhido ser necessariamente de uma região diferente da que foi selecionado para governar,
permitiu sua desvinculação das oligarquias tradicionais, por outro, dificultou a formação de alianças
políticas em alguns Estados em que, como no caso baiano, as condições objetivas de negociação
dependiam diretamente do mando pessoa desses mesmos oligarcas. MONTEIRO, 2011, p. 100. Nota 303. 15 � MONTEIRO, Filipe Pinto. Santos e peregrinos: aspectos da vivência religiosa no movimento
messiânico-milenarista de Pau de Colher (Casa Nova, Bahia, 1934-1938). Rio de Janeiro:
UFRJ/PPGHHIS, 2011, p. 100.
vida partidária baiana os prefeitos que permaneciam fiéis ao grupo ligado a Juraci
Magalhães e que não apoiavam o Estado Novo”. (MONTEIRO, 2011, p. 102)
Novamente identificamos a presença da ameaça comunista como legitimação
para fins de promover uma nova estrutura política local e regional segundo os preceitos
do Estado Novo. Este foi o caso do município de Casa Nova, onde o
(...) prefeito Raymundo Santos foi acusado de compactuar com militantes
comunistas, como o jornalista Jerônimo Sodré Viana, que, a despeito de ser
membro da tradicional família, também fazia parte da ANL, sendo, portando,
tratado como um radial de esquerda. Diziam os detratores que não apenas a
prefeitura estava tomada por marxistas, como também Sodré deveria ser um
dos principais mentores do movimento de Pau de Colher. (MONTEIRO,
2011, p. 102)
Em sua pesquisa Gilmário Moreira Brito demonstrou a suspeita da ligação entre
Pau de Colher e o marxismo.
Entre inúmeras informações contidas no relatório do capitão Cezimbra
Tavares ao comandante da Polícia Militar da Bahia, chama atenção o que se
refere à ordem para a substituição do prefeito de Casa Nova: “em rádio de 11,
recebi ordens para designar um oficial a fim de responder pela prefeitura”,
em função de “denúncias de que o movimento Pau de Colher obedecia a
orientação intelectual de Jeronymo Sodré Viana acusado de defender ideias
marxistas”. (BRITO, 1999, p. 53)
Também na imprensa temos a aproximação de Pau de Colher com o comunismo.
Segundo o jornal O Pharol, que estampou numa edição do mês de janeiro de 1938 um
questionamento sobre o embasamento do movimento: “Um novo Canudos, em
perspectiva, em nossas fronteiras ou uma agitação vermelha?”16 Em ambas as
possibilidades, o grupo religioso já estava estigmatizado.
No jornal O Povo, temos uma publicação também abordando a questão do
comunismo. A matéria saiu na capa do periódico.
Um Comunista entre os fanáticos! Os celebrados recebiam armas modernas –
engroçavam Suas fileiras com moradores das margens do São Francisco. Foi
confirmado que os fanáticos recebiam armas modernas de pessoas residentes
à margem do São Francisco, bem como o extremista Sodré Viana se acha
16 � O Pharol, 11/01/1938. In: MONTEIRO, 2011, p. 102.
entre os celerados.17
Toda esta situação prestou-se a dois propósitos: “eliminar os políticos contrários
à ditadura estado-novista do poder casanovense e fundamentar um ataque a Pau de
colher, que, àquela altura, já contava com mais de mil integrantes”. (MONTEIRO, 2011,
p. 102)
Desde 1936 existiram notícias sobre a concentração de “fanáticos” em Pau de
Colher, as autoridades municipais vinham pedindo ajuda ao governo do Estado.
Somente em 10 de janeiro de 1938 ocorreu a primeira expedição contra do reduto uma
diligência formada por quatro praças da polícia militar e 30 civis. Do confronto, saíram
mortos dois soldados, quatro civis, além de Ângelo Cabaça e João Damásio, tidos como
“subchefes” do movimento, Pedro Benvenuto, importante colaborador e o próprio José
Senhorinho, líder do movimento.18
As notícias divulgadas principalmente pelos sobreviventes do primeiro conflito
declaravam existir mais de mil pessoas reunidas na fazenda do falecido Senhorinho e
estariam preparadas para invadir Cassa Nova. Frente a estas notícias, as autoridades
estaduais e federais organizaram uma força de repressão ao movimento. Reuniram-se
tropas compostas por militares e policiais de três estados. Estava formado o
Destacamento do Vale do São Francisco19, cujo comando central estava localizado na
cidade de Juazeiro da Bahia.
A operação militar planejava forçar os “caceteiros” a se entregarem
pacificamente, para isso buscaram cercar o local, interceptar mananciais, interromper as
17 � O Povo, Fortaleza, 27/01/1938. “Um comunista entre os fanáticos”. In: MONTEIRO, 2011, p.
102. 18 � LAMEGO, Tito Coelho. Relatório apresentado ao Ex.mo Sr. Major Oswaldo Nunes dos
Santos, Secretaria da Segurança Pública, a respeito da campanha ao Fanatismo no Vale do São Francisco.
Salvador: 1938 (mimeo). In: MONTEIRO, 2011, p. 102-103. Nota 311. 19 � O Destacamento do Vale do São Francisco englobava: Seção de Metralhadoras do 28º BC de
Aracaju (SE), sob o comando do coronel Augusto Maynard Gomes (ex-interventor e ex-governador de
Sergipe); 2ª Companhia de Fuzileiros do 19º BC de Salvador (BA), sob comando do capitão João Perouse
Pontes; Esquadrão Motorizado da PM da Bahia, sob o comando do capitão Maurino Cezimbra Tavares;
Companhia de Fuzileiros da PM baiana, sob o comando do tenente Zacharias Justiniano dos Santos;
Brigada Militar de Pernambuco, sob o comando do capitão Optato Gueiros e o Contingente da Força
Pública do Piauí, sob o comando do capitão da Polícia Militar piauiense, Benedito Alves da Cruz.
(MONTEIRO, 2011, p. 103. Nota 314). Confira também, sobre o Destacamento do Vale do São
Francisco, a obra de ESTRELA, Raimundo. Pau de Colher, um pequeno Canudos: conotações políticas e
ideológicas. Salvador: Assembleia Legislativa, 1997, p. 53-54.
linhas de suprimentos e evacuar mulheres e crianças, visando um ataque organizado.
Porém, “o que se viu foi um massacre executado pela Brigada Militar de Pernambuco,
comandada pelo capitão Optado Gueiros, que lançou uma ofensiva antes do restante do
Destacamento”. (MONTEIRO, 2011, p. 103-104)20
Em 19 de janeiro de 1938, às 10 horas da manhã, Pau de Colher foi atacada. O
conflito prolongou-se por dois dias e duas noites, resultando em 400 vítimas fatais, entre
homens, mulheres e crianças.
Após o confronto, terminado às 6 da manhã de 21 de janeiro de 1938, alguns
“caceteiros” conseguir escapar para a caatinga e reorganizaram pequenos grupos. Estes
“remanescentes foram caçados pela Companhia de Fuzileiros da Polícia Militar da
Bahia, sob o comando do tenente Zacharias Justiniano dos Santos, que chegou ao local
dos conflitos naquele mesmo dia”. (MONTEIRO, 2011, p. 104.) O último grupo de
resistência foi derrotado em 12 de fevereiro de 1938, com a prisão do único membro da
liderança que sobrevive, José Camilo.
Ao retratar a perseguição feita pelas forças policiais aos que conseguiram
escapar de Pau de Colher, POMPA destacou o uso da violência,
Depois da chacina, policiais baianos e piauienses procuraram os fugitivos na
caatinga. O último reduto, organizado por José Camilo, caiu sem vítimas, nas
mãos dos fuzileiros baianos em 12 de fevereiro, enquanto as Forças volantes
continuaram a ação de vasculhamento. A polícia do Piauí, acompanhada por
voluntários, é acusada, seja pelas testemunhas, seja pelo próprio relatório do
capitão baiano Maurino Cezimbra, de ter se abandonado, nesta ocasião, a
uma inútil e cruel perseguição, mesmo contra mulheres e crianças, ainda
durante dois meses. (POMPA, 1995, p. 132)
A polícia baiana efetuou a prisão de 266 pessoas, que foram conduzidas para
Salvador. Não houve a abertura de processo contra eles. A grande maioria obteve a
liberdade. José Camilo cumpriu pena em semi-liberdade, em Casa Nova. Os pais
perderam o direito de pátrio poder sobre seus filhos. Estas foram adotas ou criadas por
famílias da região, foram educadas, junto com órfãos das vítimas de Pau de Colher, em
escolas militares ou profissionais, em Salvador. (POMPA, 1995, p. 132)
20 � Foi este último [Optado] que, apesar das ordens de esperar os outros contingentes militares,
resolveu destruir o reduto (por medo, justificar-se-á depois o capitão, de ser cercado pela retaguarda dos
caceteiros). (...) deixando, de acordo com o relato do Optado Gueiros, 400 vítimas. Segundo o relato do
ten. Zacarias Justiniano dos Santos, os mortos foram 218. (POMPA, 1995, p. 128)
A interpretação da violência organizada contra o movimento Pau de Colher ter
tido uma conotação política fica explícita quando MONTEIRO descreve os objetivos
das ações militares em Pau de Colher.
Importante papel nessa história teve o Esquadrão Motorizado da polícia
baiana, comandado pelo capitão Maurino Cezimbra Tavares. A volante, assim
como outras forças que haviam se reunido para a intervenção em Pau de
Colher, chegou a terras casa-novenses municiada das informações necessárias
para aprisionar os oponentes do regime estado-novista. O capitão Tavares
deteve não apenas o prefeito, mas também Antônio Honorato (ex-chefe
político e pai adotivo de Sodré Viana), Antunes Bacelar (ex-delegado do
município) e o próprio Sodré, sob acusação de terem sido os “ideólogos” do
movimento de Pau de Colher, que, como suspeitavam, tinha tendências
marxistas. Eram boatos não comprovados, mas que serviram aos seus
objetivos. (MONTEIRO, 2011, p. 105)
Também neste sentido, o trabalho de POMPA oferece contribuições importantes.
Uma consequência política dos acontecimentos de Pau de Colher foi a
destituição do então prefeito de Casa Nova, Raimundo Santos, e a prisão (por
poucos dias) do “coronel” da região, Antônio Honorato de Castro, da família
Viana, sob acusação de ter apoiado o foragido Sodré e de ter organizado o
movimento camponês, ou, pelo menos de não tê-lo denunciado antes às
forças policiais. (POMPA, 1995, p. 133)
POMPA apresenta a instauração da ordem em Casa Nova, com a eliminação de
Pau de Colher, como sendo uma necessidade do Estado Novo.
Já no relatório do Tenente Zacarias Justiniano DOS SANTOS [1938],
apresentando ao interventor do Estado da Bahia, ressente-se do fato do autor
ser comandante da tropa de Fuzileiros que participou das operações de
captura dos remanescentes do reduto, em fevereiro de 1938, e, ao mesmo
tempo, prefeito interino de Casa Nova, depois da prisão de Raymundo
Santos. Esta dupla posição, e a necessidade de sua legitimação, leva-o a frisar
sua diligência na extinção do “foco dos fanáticos” mas, ao mesmo tempo,
evidenciar as providências humanitárias tomadas para com as mulheres e
crianças, e, mais importante, a salvaguarda da “ordem pública”, aquela ordem
da qual precisava o Estado Novo para avançar rumo ao progresso e à
modernização. (POMPA, 1995, p. 167)
Num documento de autoria anônima, temos a informação do comunismo em
Casa Nova. Segundo este documento o coronel Antonio Honorato, o prefeito Raimundo
Santos e o ex-delegado Antunes Bacelar foram detidos depois de prolongado
interrogatório. À tarde embarcaram para a capital a margem direita do São Francisco. A
essa altura dos acontecimentos Casa Nova já era considerada uma célula comunista
[...].21 Pau de Colher tornou-se, para seus opositores, um foco comunista22 e uma força
oposicionista ao Estado Novo.
Segundo o secretário de segurança pública, Cordeiro Neto,
Parece que os componentes do reduto de Casa Nova não eram
exclusivamente sectários do “Beato” Lourenço. Estamos na suspeição de que
os agrupamentos daquele município baiano eram compostos de conhecidos
perturbadores da ordem social, de aproveitadores e agitadores profissionais e,
enfim, de gente descontente com a implantação do Estado Novo.23
MONTEIRO através das fontes documentais possibilitou a oportunidade para
compreendermos a situação política existente na Bahia. É da opinião que ocorreu uma
ação de caráter político no município. (MONTEIRO, 2011, p. 106) E argumenta:
Os sertanejos viram-se, sem dúvida, em meio a uma conturbada luta que se
pulverizava por todos os municípios do estado da Bahia. E o movimento de
Pau de Colher, aos olhos das autoridades repressoras, tornou-se uma desculpa
perfeita, o pretexto ideal para atingir grupos adversários, que não marcharam
junto às tropas do Estado Novo. (MONTEIRO, 2011, p. 106)
Assim sendo, acreditamos que tanto o movimento dos Monges Barbudos quanto
o movimento do Pau de Colher foram vítimas da violenta repressão muito mais por
força da conjuntura política do período no qual estavam inseridos do que por suas
crenças religiosas, as quais tiveram seu surgimento mutios anos antes. A violência
empregada contra ambos os movimentos contribuem para identificar a instauração do
autoritarismo com o golpe do Estado Novo. Para isso, fazia-se necessário submeter
toda e qualquer ameaça que pudesse ser movida contra o novo regime, isso foi
executado tanto no sul quanto no nordeste brasileiro, como demonstrado. Atacando os
membros destes movimentos sóciorreligiosos o Estado passou a ideia política que
desejava para aquele momento, a centralização, e que para obter este fim estava
21 � HISTÓRICO de Pau de Colher. Carta anônima ao bispo de Juazeiro D. José Rodrigues.
Juazeiro da Bahia, maio de 1983. In: MONTEIRO, 2011, p. 105. 22 � Segundo MONTEIRO, não encontramos nenhum indício concreto que confirmasse a
circulação de militantes comunistas em Pau de Colher, nem mesmo a presença do jornalista Sodré Viana
entre os fiéis. MONTEIRO, 2011, p. 106. 23 � Diário de Pernambuco, Fortaleza, 30/01/1938. “Fomentadores de perturbações sociais
provocaram a incursão dos bandoleiros no sertão”. In: MONTEIRO, 2011, p. 105-106.
disposto a recorrer ao uso da violência. Enfim, acreditamos que os movimentos aqui
analisados serviram para fins políticos nas regiões onde ocorreram, não sendo eles,
isoladamente, uma exceção, pelo contrário, a repressão a todos os opositores era a regra
vigente. Contudo, salientamos que inúmeros elementos se fizeram presente na
ocorrência dos acontecimentos apresentados ao longo do texto, tais como os aspectos
religiosos, identitários, as disputas locais, os elementos culturais entre outros.
Salientamos o político como mais um elemento que nos possibilita responder sobre os
motivos do uso da violência. Em nossa opinião, esta se deu como extensão dos
interesses e disputas políticas.
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