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10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

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Livro fruto de uma série especial para a TV Gazeta, Vitória-Espírito Santo. Conteúdo do livro 10 desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo. Caso deseje a publicação impressa pela Editora Espaço Livros, entre em contato com [email protected]

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10 DESAFIOS

PARA A GESTÃO

PÚBLICA NO

ESPÍRITO SANTO E AS SOLUÇÕES APONTADAS POR

20 ESPECIALISTAS

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Carlos Tourinho

10 DESAFIOS

PARA A GESTÃO

PÚBLICA NO

ESPÍRITO SANTO E AS SOLUÇÕES APONTADAS POR

20 ESPECIALISTAS

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Baseado na série especial da TV Gazeta "10 temas para a campanha eleitoral" (ficha bibliográfica)

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À Márcia, pelo entusiasmo desde a primeira idéia ao

amor até o fim.

Aos meus filhos Bruno, Felipe e Sofia.

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Aos meus pais Naya e Luiz.

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SUMÁRIO

Prefácio

Introdução

Desafio 1

Presídios e crimes, 13 Carlos Eduardo Lemos, Juiz.

André Luiz Moreira, Advogado.

Desafio 2

Tráfico de drogas e menores de idade, Patrícia Neves, Juíza.

Edinete Rosa, Psicóloga.

Desafio 3

Consultas Médicas Fernando Costa, Pres. CRM

Francisco José Dias, Médico.

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Desafio 4

Remédios de alto custo Luiz Carlos Reblin, Especialista em Saúde Pública.

Patrícia Luzia Ton, Coordenadora da Farmácia Popular

Desafio 5

Estradas Wagner Chieppe, Sindicato Transporte Cargas.

Mauro Leite Teixeira, Engenheiro Rodoviário.

Desafio 6

Imprudência no trânsito. Jaime de Angeli, Especialista em Trânsito.

Maria Cristina Carvalho, Assoc. Acidentes Trânsito.

Desafio 7

Impostos Orlando Caliman, Economista.

Luiz Cláudio Alemand, Advogado Tributarista

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Desafio 8

Turismo Cacau Monjardim, Especialista em Turismo.

Marco Azevedo, ES-Convention Visitors Bureau

Desafio 9

Analfabeto Funcional Cláudia Gontijo, prof. Especialista em Educação

Roberto Simões, prof. Especialista em Políticas Públicas

Desafio 10

Ética na Política Francisco Albernaz, Cientista Político.

Rafael Simões, Transparência Capixaba.

Considerações Finais,

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AGRADECIMENTO

Agradeço aos meus colegas da TV Gazeta que

participaram da série especial “10 Temas para a

Campanha Eleitoral”; ao jornalista e amigo Abdo Chequer

e, especialmente, ao professor Dr. Sebastião Pimentel,

que fez o prefácio para “ontem” , aderindo ao dead-line

do jornalismo.

Também agradeço ao Sindipostos-ES, à XXX que

acreditaram neste trabalho, adquirindo exemplares

antecipadamente, o que possibilitou a produção do livro.

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PREFÁCIO

Foi com grande satisfação que tomamos

conhecimento da publicação do jornalista Carlos

Tourinho.

O Brasil vive hoje um momento ímpar de sua história,

em que uma significativa transformação efetua-se: a

população está mais consciente quanto a seus direitos e

obrigações e, nesse sentido, tem possibilidade de

escolher melhor seus representantes governamentais,

dentre aqueles que melhor explicitam como farão para

atender às necessidades da sociedade. O que estamos

dizendo, em verdade, é que, hoje, se ampliam os recursos

disponíveis para que a população possa cobrar do

Legislativo e do Executivo idéias e soluções factíveis,

que mudem para melhor a vida do País.

No Brasil atual, a população cobra, reivindica políticas

sociais que não somente atendam aos anseios por infra-

estrutura física e melhores serviços urbanos, mas

também sirvam de esteio à promoção do ser humano,

garantindo-lhe o pleno exercício da cidadania.

Ao escolher dez desafios “a partir de um

levantamento sobre os pedidos mais freqüentes de

reportagens pelos telespectadores”, Carlos Tourinho

optou por dar vez a essa população, evidenciando que

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“jornalismo é um dos termômetros das expectativas do

cidadão”. Dentre os temas indicados, a população

sabidamente optou por escolher aqueles que mais de

perto a afligem ou simbolizam sua preocupação maior,

tais como presídios x crimes; tráfico de drogas x

menores de idade; consultas médicas; remédios de alto

custo; estradas; trânsito; impostos; turismo;

analfabetismo funcional; ética na política.

Enfocam-se aqui dois pontos de vista para cada tema.

Algumas vezes eles se complementam; outras, mostram-

se discordantes. Isso, aliás, constitui-se em um dos

pontos altos do livro: o debate de idéias exige o

contraditório. Significativo, como diz o autor, é o fato

de serem apresentadas “idéias, diagnósticos que poderão

ser de grande utilidade para os gestores públicos que, de

fato, pretendem atender às necessidades do povo”.

Este é um livro otimista, porque, à luz da letra

impressa, ao refletir sobre alguns dos principais

problemas que afligem a população, permite que se pense

em sua solução. Mas não apenas é um livro otimista. Como

afirma Carlos Tourinho, trata-se, em verdade, de um

mapa que permitirá aos eleitos localizar alguns dos

anseios mais prementes da sociedade e satisfazê-los. Se

quiserem.

Prof. Dr. Sebastião Pimentel Franco

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Professor do Programa de Pós-Graduação em História

Social das Relações Políticas da Ufes

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INTRODUÇÃO

O que você espera dos políticos? Pouco, talvez

seja a resposta mais imediata. Porque há um descrédito

com estas instituições (Assembléia, Câmaras, Governos)

e com “eles”, principalmente. Este fato registrado por

todos os institutos de opinião pública, que têm apontado

decepção e até indiferença dos eleitores com seus

"representantes". Pouco, porque na era do individualismo

a busca por soluções coletivas tem-se mostrado cada vez

mais complexa, lenta e de pouca resolutividade. Enfim,

espera-se pouco porque a ainda recente retomada da

democracia no Brasil nos surpreendeu com denúncias,

impeachment, Cpis, cassações e muita corrupção. No

Espírito Santo, tivemos um choque de moralização nos

últimos anos, mas as denúncias ainda pipocam aqui e ali,

especialmente no âmbito do Legislativo.

Mesmo assim, o eleitor, sabiamente, gosta de

votar e não abre mão do poder de apostar no futuro, dar

oportunidade a quem acha que merece ou punir quem

considera que abusou de sua confiança. Avançamos em

muitas coisas: já temos a inflação sob controle, a classe

média - apesar da habitual reclamação - tem uma vida

melhor, comparada a de uma ou duas gerações atrás,

quando ter um carro na garagem era um luxo para

poucos. Por outro lado, temos de pagar escola particular,

plano de saúde, previdência privada, seguros e

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dispositivos tecnológicos para a nossa segurança.

Direitos que deveríamos ter garantidos pelos impostos

que pagamos cada vez mais e nos compensam cada vez

menos. Mas acredita-se que o País avança. Mais lento do

que gostaríamos, com atalhos que preferiríamos evitar,

mas com a certeza de que não há alternativa melhor do

que insistir. E isso significa escolher bem nossos

representantes, definir prioridades e cobrar as soluções.

Nas últimas eleições (2006), fizemos uma série

especial para a TV Gazeta em que "elegemos" 10 temas

para enriquecer o debate na campanha eleitoral, época

que deveria ser de grande reflexão e crescimento da

educação política. Escolhemos esses temas a partir de

um levantamento sobre os pedidos mais freqüentes de

reportagens feitos por telespectadores. O jornalismo é

um dos termômetros das expectativas do cidadão: se as

coisas vão bem, há menos ligações, poucos pedidos. Se

vão mal...

A proposta foi a de escolher 10 temas que

fugissem do modelo clássico: saúde, educação, segurança

etc. É claro que é disso que tratamos, mas optamos por

"separar as sílabas" dessas palavras tão importantes e ao

mesmo tempo tão esvaziadas pelos discursos. Quando

liga para a redação, escreve ou nos procura

pessoalmente, o cidadão não vai reivindicar "saúde". Ele

quer consulta com um especialista da rede pública, pois

está tendo que dormir na fila. Ou vai pedir que o remédio

de alto custo não tenha o fornecimento interrompido na

farmácia do SUS. Ele não solicita "segurança": ele quer

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que o ônibus não seja incendiado e que o seu filho não

seja "fisgado" por um traficante de drogas. Pede

resoluções que lhe possibilitem fazer uma viagem

tranquila no fim-de-semana. O cidadão quer respostas

concretas para problemas da sua rotina.

No conjunto dos 10 Desafios, também estamos

falando de desenvolvimento. Por outro viés, que não a

tradicional abordagem empresarial ou sobre os planos

específicos dos governos para o setor. A soma das ações

apresentadas aqui pelos especialistas entrevistados

representa “desenvolvimento” no seu sentido mais

generoso. Ou até no sentido mais específico quando

tratamos, por exemplo, do turismo. Nesta mesma toada,

podemos entender que a temática do “emprego”, embora

não analisada separadamente, pode ser contemplada

quando se fala de melhorias em estradas, de presídios

mais seguros, de um sistema de saúde competente, de

uma atividade turística profissional, de impostos bem

aplicados ou do combate à corrupção. É sabido que o

Estado não é responsável por criar empregos, mas ao

fornecer uma plataforma que dê as condições

necessárias para a ação da iniciativa privada, ele faz a

sua parte. Em um ambiente ético e comprometido com a

boa aplicação dos recursos públicos, a iniciativa privada

sente-se confiante para investir no desenvolvimento e,

por conseqüência, gerar novas oportunidades de

empregos.

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Este é um livro otimista. Mostra problemas, faz

cobranças, põe o dedo na ferida. Destaca alguns dos

dramas diários da nossa população. Situações-limite que,

sem pedir licença, entraram para a sua rotina. Mas a

abordagem não é de denúncia ou protesto. É uma

publicação que pretende contribuir na solução das

questões apresentadas, a partir da “doação” intelectual

de especialistas que não estão em campanha para nada,

não querem agradar a ninguém e não se ofereceram para

falar. Foram convidados, inicialmente, para a série da TV,

por mim e pela jornalista Giovana Lanna, que atuou como

produtora de pautas. São especialistas com notório

conhecimento sobre os temas propostos. Dois pontos de

vista para cada tema. Opiniões que se complementaram

na maior parte das vezes. Apresentaram idéias,

diagnósticos que poderão ser de grande utilidade para

aqueles gestores públicos que, de fato, pretendem

atender às necessidades do povo. Como disse um popular,

em uma entrevista para a televisão, "o povo não quer

nada de excepcional", ou como sintetizou uma eleitora, "o

político só deve prometer o que ele pode cumprir".

Apesar disso, ainda vimos candidato que defendeu a

utilização de "música para ativar o córtex cerebral" ou,

mais comumente, repetiu seguidamente o velho chavão de

"saúde, segurança, transporte, educação, trabalho e

moradia", ainda que o cargo que estava pleiteando não lhe

desse a possibilidade de prometer coisas do gênero.

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O cidadão tem amadurecido mais rapidamente do

que muitos de nossos políticos. É acreditando nesse

amadurecimento de ambas as partes que resolvi escrever

este livro, partindo das entrevistas da série para a tv, e

acrescentando novas pesquisas e uma ampliada

abordagem dos temas. Da proposta inicial de oferecer

uma bússola para escolher os candidatos que

apresentassem as melhores propostas, temos agora um

mapa para que os eleitos localizem algumas das

necessidades da sociedade. Para todos - políticos e

cidadãos - uma ferramenta que pode abrir caminhos.

Alguém poderá sentir a falta dos depoimentos de

nossos representantes públicos. Não, eles não escrevem

nesse livro. Estão desafiados a serem atentos leitores.

Este é o nosso objetivo.

Há uma frase comum entre os jornalistas, que

afirma que “o papel do jornalismo é afligir os

acomodados e consolar os aflitos”. Nos meus 22 anos de

profissão, tenho aprendido a entender e privilegiar os

dramas populares, a hierarquizar as demandas daqueles

que têm poucas alternativas, a respeitar o sofrimento e

a cobrar das autoridades. Ao lado de meus colegas na

redação da TV Gazeta tentamos fazer disso o nosso

exercício diário de cidadania e de compromisso com a

vida.

Este é um livro otimista porque aprendi que, para

os problemas serem resolvidos, eles devem ser expostos.

Colocados a nu. Há muita gente querendo esconder

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problemas. As 20 pessoas entrevistadas neste livro são

otimistas.

DESAFIO 1

PRESÍDIOS X CRIMES

Ônibus incendiados, agentes penitenciários sob

constantes ameaças, assaltos para garantir o “caixa” de

pagamentos dos crimes encomendados pelos “chefes”.

Esses são alguns exemplos de uma nova modalidade de

gerência do crime organizado: o crime comandado de

dentro dos presídios.

Alguns números colaboram para entender os

motivos que têm levado os presidiários a tentar chamar a

atenção da sociedade. Em julho de 2006, os boletins de

ocupação dos presídios capixabas registravam 1.652

detentos a mais que a capacidade do sistema, que é de

3.465 vagas nas 14 unidades prisionais espalhadas pelo

Estado, incluindo aí o Manicômio Judiciário. Ou seja, o

sistema administrado pela Secretaria de Estado da

Justiça (SEJUS) contabiliza a existência de 5.117

presos. A superlotação é evidente: nesta época havia

47% de presos a mais em relação ao que o sistema era

capaz de suportar. O Estado precisaria construir mais

quatro presídios, com capacidade acima de 400 vagas

cada, somente para abrigar o excesso, considerando,

numa situação improvável, que não haveria novos presos.

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O problema poderia ser amenizado, se não

houvesse tantos presos provisórios. Eles vêm ocupando

cada vez mais espaço nas penitenciárias. São 2.648

presos nessas condições, mais da metade (51,74%) da

lotação dos presídios. Caso todos os presos provisórios

fossem julgados e absolvidos, o sistema teria um

superávit de 817 vagas, ou seja, 23,57% da capacidade

total. Um exemplo desse desequilíbrio pode ser

constatado na Casa de Passagem de Vila Velha, localizada

no bairro da Glória. Em julho de 2006, 605 detentos

aguardavam julgamento contra 110 presos já condenados

pela Justiça. Ou seja, para cada condenado, havia cinco

provisórios.

O Governo vem acenando com a promessa de

construção de novas unidades e realizando mutirões nos

presídios para verificar quantos detentos têm direito a

algum tipo de benefício, inclusive, à liberdade provisória.

Projetos polêmicos, como o da cadeia metálica

(containeres adaptados para servirem como celas de

presos) de Novo Horizonte, município da Serra, têm sido

tentados para aliviar a crise no sistema prisional. O

Tribunal de Justiça também tem anunciado esforço no

sentido de determinar inspeções nas Comarcas para que

os juízes criminais verifiquem o andamento dos

processos dos presos. A intenção é a de acelerar a

tramitação dos processos e desafogar os presídios.

Embora o Sistema seja extremamente dinâmico e

os números oscilem diariamente, veja, para efeito

ilustrativo, a relação entre ocupação e capacidade dos

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presídios capixabas. Os dados são de 12 de julho de

2006, fornecidos pela Diretoria-geral dos

estabelecimentos penais, órgão da Secretaria estadual

da Justiça.

DEMONSTRATIVO 1

OCUPAÇÃO DOS PRESÍDIOS NO ESPÍRITO SANTO PRESÍDIO OCUPAÇÃO CAPACIDADE DÉFICIT

IRS (Glória, VV). 216 210 6 vagas

CASCUVV (Glória, Vila Velha) 409 215 194 vagas

Casa de Passagem (Glória, Vila

Velha)

719 270 449 vagas

Casa de Custódia (Viana) 1.126 * 360 766 vagas

Penitenciária de

Segurança Média I (Viana)

237 110 127 vagas

Penitenciária de Segurança

Média II (Viana)

271 274 -

Penitenciária Agrícola (Viana) 224 195 29 vagas

Presídio Feminino (Cariacica) 279 105 174 vagas

Manicômio Judiciário (Cariacica) 81 90 -

Penitenciária regional de

Cachoeiro de Itapemirim

373 250 123 vagas

Penitenciária regional de

Linhares

335 356 -

Penitenciária regional de

Colatina

320 110 210 vagas

Penitenciária de Colatina (gestão

terceirizada)

264 268 -

Penitenciária de Barra de São

Francisco

266 120 146 vagas

Fonte: Diretoria-geral dos Estabelecimentos Penais (DIGESP), Secretaria

Estadual da Justiça, em 12/7/2006.

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*Destes, 673 são detentos da Penitenciária de

Segurança Máxima (PSMA).

Esta situação levou os Centros de Defesa dos

Direitos Humanos da Serra, Cariacica e Vila Velha e o

Centro de apoio aos direitos humanos “Valdício Barbosa

dos Santos” a ingressarem com ação civil pública contra

o Estado do Espírito Santo pelo descumprimento da Lei

de Execuções Penais e da Constituição Federal por

manter presídios superlotados, detentos em condições

sub-humanas e uma situação de insegurança para a

sociedade. A ação protocolada no dia 21 de junho de

2006 foi apoiada pelo Movimento Nacional de Direitos

Humanos e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-

ES. Trata-se de um problema que vem se arrastando ano

após ano, governo após governo.

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O juiz Carlos Eduardo Lemos, titular da 5ª vara criminal

de Vitória foi, durante quatro anos, o responsável pela

execução das penas de condenados presos. Nesta vara,

foi parceiro do Juiz Alexandre Martins de Castro Filho,

assassinado em 2003, numa trama que envolveu policiais

civis, militares e até um colega, Juiz de Direito, em um

caso ainda não concluído pela Justiça do Espírito Santo.

Carlos Eduardo Lemos tem-se destacado nas ações

contra o crime organizado e na cobrança pública de

providências por parte do Governo do Estado para

amenizar a crise no Sistema Penitenciário. Após muitas

dessas cobranças, ele teve suas funções alteradas,

passando a ser responsável pela execução de penas

alternativas (VEPENA) e perdendo o comando das

execuções penais.

A sociedade vive o terror da falta de segurança e

dos crimes ordenados de dentro dos presídios, como

os homicídios, assaltos e incêndios a ônibus.Qual é a

avaliação que o senhor faz deste quadro?

Carlos Eduardo Lemos: A avaliação feita

nacionalmente da situação carcerária do Espírito Santo é

dramática.

Atualmente temos no Estado um depósito de presos. Com

depósitos de presos vão-se criando monstros, o que

significa mais riscos para a sociedade.

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Ninguém está dizendo que temos de passar a mão na

cabeça de bandido. Não é isso. O Espírito Santo hoje

gasta muito com o preso, mas o devolve pior para a

família, a sociedade. É preciso construir uma Política

Penitenciária para realmente tentar recuperar esse

cidadão.

O que deve e pode ser feito nos próximos anos?

Carlos Eduardo Lemos: Nosso Estado tem tudo para

dar certo, para ser um modelo positivo. A nossa

realidade é muito simples perto da complexidade de

outros Estados brasileiros. Temos sete mil presos,

contando os que estão em delegacias e presídios -

enquanto em São Paulo,, por exemplo, tem 160 mil. Eu

acho que precisamos de um Presídio de efetiva segurança

máxima – o que não temos hoje não por falta de dinheiro,

já que o Governo Federal até ofereceu condições, mas o

Estado não conseguiu local para construir. A Segurança

Máxima reprime os presos; eles precisam ter medo de

cometer crimes bárbaros dentro das unidades e de

comandar crimes que ocorrem aqui fora.

Além disso, precisamos de mais Unidades de Segurança

Média, com possibilidade efetiva para trabalho. Hoje

menos de 20% dos presos trabalham nos nossos

presídios. O ócio é a pior mazela do cárcere. E por fim,

eu acho que precisamos de investimento sério do

Governo nas penas alternativas e nas alternativas penais.

Nos últimos governos nada foi investido nessa ação. O

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que se pratica hoje em pena alternativa é investimento

do Ministério da Justiça e do Poder Judiciário. O Poder

Executivo teria de investir nessas penas para estimular

os juízes a não mandar tantas pessoas para as cadeias.

Muitas dessas pessoas poderiam estar cumprindo penas

alternativas, lembrando sempre que a aplicação delas

exige fiscalização severa.

São propostas que podem ser executadas dentro de

um período de quatro anos?

Carlos Eduardo Lemos: Sim. Se for feito um projeto

sério, isso pode ser realizado, sim. Nos últimos anos, os

gastos foram mal planejados. E o planejamento deve

começar a partir do primeiro dia de governo, para que

possa ser executado o mais rápido possível. Agindo

assim, o Governo pode mudar a realidade em quatro

anos.

E o que cabe ao Governador, aos Deputados

Estaduais, Federais e Senadores?

Carlos Eduardo Lemos: Ao Governador cabe planejar e

executar uma Política Prisional, o que o Espírito Santo,

assim como muitos Estados Brasileiros, não tem. O que

se tem feito é reparo, reforma em presídios.

O que é uma Política Prisional?

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Carlos Eduardo Lemos: Política Prisional é pensar o

Sistema como um todo, não só pensar na construção ou

reforma de presídio. Também na capacitação e

treinamento do pessoal que trabalha com presos, no

policiamento que faz a segurança do presídio, assistência

à família, entre outras coisas. Uma Política Prisional

avalia a alternativa dos investimentos, que podem ser

públicos ou privados. Eu já presenciei, nos últimos seis

anos, unidades sendo reformadas mais de 10 vezes e

cada vez que são reformadas, e mal reformadas, são

depredadas imediatamente após. O gasto é alto e a

situação está ficndo pior.

E o que cabe aos Deputados e Senadores?

Carlos Eduardo Lemos: Aos Deputados Estaduais cabe

repensar os orçamentos para estas pastas. Noss últimos

anos foram retiradas verbas que deveriam ir para a

Segurança Pública do nosso Estado. Então, cabe aos

Deputados Estaduais repensar estes orçamentos. Já o

Deputado Federal e os Senadores, têm de fazer

gestões junto ao Governo Federal para que, por

exemplo, não se contingencie mais o dinheiro do

Departamento Penitenciário Nacional, do Fundo

Penitenciário, o FUNPEN, que hoje tem mais de R$ 500

milhões contingenciados para o aumento do superávit

primário do Governo Federal. Isso é um absurdo, pois

retira-se dinheiro que deveria ir para a Segurança

Pública do País e o repassa para aumentar o superávit. E

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cabe aos Deputados e Senadores lutarem para que isso

não aconteça.

O senhor acredita em mudanças, então?

Carlos Eduardo Lemos: Acredito. Nosso Estado é muito

pequeno, nosso problema é pontual. Como já disse, temos

tudo para sermos modelo, desde que se faça um

planejamento em todos estes setores. Tem de ser um

assunto de ponta de pauta. Toda a sociedade sofre. O

filho do pobre, do excluído, está morrendo enquanto está

assaltando, e o filho do rico está morrendo enquanto

está sendo assaltado. Acho que a todos interessa esse

assunto. Os políticos têm de discutir e pensar isso de

forma séria. É preciso fazer uma discussão profissional

sobre o assunto.

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O advogado André Luiz Moreira é membro da Comissão

de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil,

seção Espírito Santo. Ele foi um dos que assinaram a

ação civil pública contra o Estado do Espírito Santo pelo

descumprimento da Lei de Execuções Penais e da

Constituição Federal. Nessa entrevista, realizada no

auge dos ataques a ônibus ocorridos em São Paulo e no

Espírito Santo em 2006, ele diz que um dos motivos do

descalabro do Sistema Judiciário está na desobediência

do Estado à Legislação que impede a mistura de presos:

“o Estado tem sido o gestor da mão-de-obra da

criminalidade”, sentencia.

Como deve ser tratada esta questão da lotação dos

presídios e dos crimes promovidos pelos presidiários

contra a sociedade?

André Moreira: Olha, como militante dos Direitos

Humanos, eu tenho alguma experiência nesta questão, e

alguma opinião formada também. Temos verificado o

descumprimento da lei, especialmente no que dispõe a

Constituição acerca da seleção dos presos, e o que

dispõe também a Legislação Penitenciária, como a Lei de

Execução Penal e várias resoluções do Conselho Nacional

de Política Penitenciária.

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O descumprimento dessa legislação tem provocado essa

situação caótica verificada em São Paulo e no Espírito

Santo.

Esse descumprimento vem acontecendo há mais de vinte

anos. Então, a solução para o problema dos presídios

seria basicamente o cumprimento da legislação.

E é importante que essa discusão seja feita já. A

legislação nacional determina que os presos não podem

ser misturados. Por exemplo, preso provisório não pode

ficar junto com preso definitivo. Também tem de fazer a

seleção de preso por faixa-etária. Não podem ficar

juntos presos que cometeram o mesmo tipo de crime,

entre outras coisas.

Se houvesse essa seleção não teríamos esse caos que foi

instituído aí. O Estado tem sido o gestor da mão-de-obra

da criminalidade, porque coloca meninos novos juntos, em

condições extremas de convivência.. É como colocá-los

nas mãos de organizações criminosas.

O senhor acha que este assunto vem sendo tratado

de maneira correta desde as campanhas eleitorais,

tanto do Legislativo quanto do Executivo?

André Moreira: Não. A única proposta que tem sido

feita em geral é do aumento da punição, o que gera mais

superlotação e maior dificuldade do controle dos presos.

Inclusive, quando há uma rebelião, a gente percebe essa

dificuldade de controlar 700 presos onde deveria ter

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200. A superlotação aumenta a dificuldade de se debelar

uma possível rebelião e manter a disciplina dentro dos

presídios.

Então não adianta só aumentar a punição?

André Moreira: Não, essa promessa já está

ultrapassada. Há vinte anos que ela é proposta,

executada, e não deu certo...

O que de imediato a Gestão Pública pode fazer?

André Moreira: Primeiro, saber que se trata de um

sistema complexo – nem todas as medidas estão nas

mãos dos cargos eletivos. Parte do problema está a cargo

do Judiciário, cujo gestor não é eleito pela população. E o

Judiciário tem a função de fiscalizar.

No plano do Executivo, o cumprimento da Lei que já

existe, e que é uma das melhores do mundo, é a solução.

Se o Sistema está como está, é porque a Legislação não

está sendo cumprida.

Quanto ao Legislativo, eu destaco duas questões:

primeiro, ele deve estar voltado a repensar o Sistema

Penitenciário. O Legislador deve se pautar no

acompanhamento da legislação para ver se algumas

alterações precisam ser feitas. Mas os princípios dessa

legislação que existe hoje no país, principalmente a Lei

de Execução Penal, são ótimos. Em segundo lugar, tem de

haver responsabilidade. O Legislativo não pode fazer

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mudança no sistema penal só no calor da situação. Por

exemplo, aconteceu uma rebelião em São Paulo, então

vamos mudar o sistema... Não pode ser assim. Essa

decisão depende de um estudo, e existem pessoas

capacitadas para isso. O Legislativo pode trazer a

contribuição dessas pessoas, ter um espaço de debates

amplos. Se ele fizer isso, já estará cumprindo bem a

função dele.

O senhor disse que os políticos devem levar isso a

sério. E qual é a recomendação para o cidadão?

André Moreira: Exigir este tipo de debate e ter muito

cuidado com a promessa fácil nos períodos eleitorais. A

promessa de que somente aumentando a pena vai

melhorar o funcionamento do Sistema não procede.

Tem de se pensar nisso não como uma resposta de

primeira hora, mas pensar de forma racional, porque os

políticas que foram eleitos nos últimos 20 anos adotaram

medidas que não ajudaram a solucionar os problemas do

Sistema Prisional. O cidadão deve ficar de olho naquilo

que o político está propondo.Ele tem de pensar em

propostas racionais para a solução do problema. A

Legislação que nós temos hoje no País é uma das

melhores do mundo e ela já dá a solução e os

encaminhamentos adequados ao Sistema Prisional. Repito

que, se o sistema está funcionando mal é porque o

Governo vem descumprindo sistematicamente a lei que

trata do tema.

Page 34: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

34

Então tem de discutir, exigir mais o cumprimento

dessa Lei?

André Moreira: Exatamente. Discutir como implementar

a Lei de Sistema Penal que diz que não se pode colocar

dentro do mesmo presídio preso provisório e preso

definitivo, por exemplo, entre outras coisas. Essa

situação facilita a criação das facções criminosas dentro

dos presídios, onde elas não deveriam estar operando,

pois no presídio o preso está sob a custódia e sob a

vigilância do Estado.

E o senhor acredita que esse caos pode ser

revertido, que a sociedade pode voltar a viver em

paz, sem essas ações criminosas como essas?

André Moreira: Certamente. E o primeiro passo é o que

falei sobre a separação dos presos. É claro que eu não

seria simplório em dizer que só isso resolveria, até

porque o problema se agravou. Mas um passo

fundamental é fazer essa seleção que determina a Lei e

criar condições dentro do Sistema Prisional, dando

trabalho e educação para o preso, porque aí você vai

afastá-lo do interesse pelas gangues e vai despertar

neles o interesse pela ressocialização.

Page 35: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

35

DESAFIO 2

TRÁFICO DE DROGAS E MENORES

DE IDADE

Um problema para quem pensa o futuro. As

notícias mostram, a cada dia, mais jovens e adolescentes

envolvidos com crimes, incluindo aí o tráfico de drogas,

que é a porta para a maior parte das delinqüências. O

tráfico não se “emociona” com a infância. Recruta

crianças de 8, 9 e 10 anos, nas ruas e nas portas das

Escolas. Oferece balas, doces e drogas. Seduz com a

promessa de dinheiro e proteção. Um problema

gigantesco, um desafio à sobrevivência da sociedade.

Dados da Unidade de Internação Socioeducativa

(UNIS) do Governo do Espírito Santo revelam o perfil

socioeconômico dos adolescentes que estão internados

cumprindo medidas socioeducativas.

Em geral, o adolescente que cumpre medida

socioeducativa de internação é de família

economicamente desprovida, cuja renda, quando existe, é

resultante do trabalho informal, e varia de R$ 300,00 a

R$ 450,00. Seu núcleo familiar é concentrado em avós ou

somente na figura da mãe, residentes em bairros

periféricos e com alto índice de violência e tráfico de

Page 36: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

36

drogas. Muitas vezes, o adolescente chega à UNIS sem

nunca ter ido ao dentista e ao médico.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (PNAD), feita pelo IBGE em 2004, o Brasil

mantém o índice de 41,4% de famílias com filhos de zero

a seis anos vivendo com até meio salário mínimo por

pessoa.

DEMONSTRATIVO 2

QUANTITATIVO DE ADOLESCENTES POR IDADE

CUMPRINDO MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE

INTERNAÇÃO.

IDADE QUANTITATIVO

13 ANOS 1%

14 ANOS 2%

15 ANOS 9%

16 ANOS 16,5%

17 ANOS 31,5%

18 ANOS 30%

19 ANOS * 3%

20 ANOS * 4,5%

21 ANOS * 2,5%

TOTAL 100% Fonte: UNIS

* Em alguns casos o adolescente pode ficar internado até

os 21 anos (art. 2°, parágrafo único, do Estatuto da

Page 37: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

37

Criança e do Adolescente –ECA). Nos casos expressos

em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às

pessoas entre 18 e 21 anos.)

DEMONSTRATIVO 3 QUANTITATIVO DE ADOLESCENTES POR

ESCOLARIDADE CUMPRINDO MEDIDAS

SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO.

ESCOLARIDADE

QUANTITATIVO

1° ANO-ENSINO MÉDIO 5%

2° ANO– EM 1,5%

3° ANO– EM 1,5%

1° ANO- ENSINO FUNDAMENTAL 1%

2° ANO- EF 2%

3° ANO- EF 6%

4° ANO- EF 8%

5° ANO- EF 26,5%

6° ANO- EF 13,5%

7° ANO- EF 19%

8° ANO- EF 9%

ANALFABETO 1,5%

NÃO INFORMADO 5,5%

TOTAL

100%

Fonte: UNIS

Page 38: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

38

Na observação da própria UNIS, os números

demonstram que há escolaridade baixa, com muitos

adolescentes "alfabetos funcionais”: sabem ler, mas não

conseguem compreender e interpretar textos (como

destacaremos mais na frente, dentro do tema

EDUCAÇÃO ) o que demonstra a baixa qualidade da

educação.

DEMONSTRATIVO 4

QUANTIDADE DE ADOLESCENTES QUE CUMPREM

MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO POR

ATO INFRACIONAL.

ATO INFRACIONAL

QUANTITATIVO

ROUBO 42%

HOMICÍDIO 27%

DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA 9%

FURTO 9%

TRÁFICO DE DROGAS 6%

OUTROS 7%

TOTAL

100%

Fonte: UNIS

Page 39: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

39

Numa antiga casa residencial, em Vila Velha,

adaptada como sede da Vara da Infância e Juventude do

município, entrevistamos a Dra. Patrícia Neves, que

ocupa o cargo de juíza há 16 anos.Ela conhece bem a

relação do tráfico de drogas com as crianças, chama a

atenção para o número crescente de crianças e

adolescentes envolvidos com o crime no Estado e salienta

que a maioria deles é reincidente, ou seja, com passagem

anterior pela polícia. O dado mais relevante nessa

relação entre crianças e traficantes é o de que 90%

desse universo de pequenos infratores são usuários de

drogas. A juíza diz ainda que é cada vez mais comum ver

crianças de 10 e 11 anos nesse mundo das drogas e que as

idades tendem a diminuir. E faz um alerta: “até a justiça

é ameaçada. É preciso abrir os olhos agora...”

Qual é a relação que existe hoje entre a criança e o

adolescente e o tráfico de drogas?

Patrícia Neves: É uma relação que não é nova. A partir

do momento de que se divulgou uma falsa noção de o

adolescente não pode ser punido, o que não é verdade,

pois o Estatuto prevê punições; e no momento em que o

tráfico cresceu de uma forma desordenada até, a

criança e o adolescente foram utilizados como mão-de-

obra barata e facilmente reposta. Há uma questão muito

interessantes, por exemplo: o tráfico não permite a

entrada de determinadas drogas em algumas regiões, por

se tratar de drogas altamente letais, que matam muito e

Page 40: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

40

com muita rapidez. Como o menor é substituído na cadeia

hierárquica do tráfico com muita facilidade, há muitos

anos ele é utilizado de forma desumana.

Eles são substituídos por que, em que situação?

Patrícia Neves: Eles morrem, são assassinados. Temos

situações já comprovadas em processos em que eles são

assassinados por uma dívida de 50 centavos.

Dívidas com o tráfico...

Patrícia Neves: Sim, com o tráfico. Eles morrem com

muita facilidade. Muitos simplesmente desaparecem;

muitos nós não temos a comprovação da morte, mas

estão desaparecidos, e muitos morrem em razão dos

problemas de saúde que a droga cria, o que é bem

comum.

Como o tráfico recruta esses menores?

Patrícia Neves: Ele recruta até na porta de escolas.

Oferece inicialmente doces, balas, brinquedos. E depois

criam dependência. Essa dependência está acontecendo

mais cedo, com sete, oito anos. O tráfico também

recruta em praças, ruas, festas. No momento em que

você transforma aquela criança ou adolescente em

dependente, ele entra naquela instituição criminosa, pois

Page 41: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

41

precisa vender a droga para conseguir obter a droga que

vai utilizar.

Qual seria faixa de idade em que a criança ou

adolescente entra nesse mundo?

Patrícia Neves: Nós colocamos a situação dos aviões.

Temos os olheiros – crianças menores, de sete e oito

anos, que ficam vigiando a chegada da policia, do Juizado

ou de instituições que combatem o tráfico etc.

E aviões a partir de dez anos de idade, com qualquer tipo

de drogas.

E como é a relação dos traficantes que recrutam

essas crianças com as famílias delas?

Patrícia Neves: Nós temos tido situações em que

famílias que são maltratadas pelos traficantes, são

extremamente amedrontadas. Elas têm de vender tudo

para pagar dívida. Famílias que tem de abandonar suas

casas e entrar no programa de proteção porque são

ameaçadas.

E temos casos de famílias que são coniventes, que não se

importam com a entrada desse dinheiro ilícito na receita

familiar.

Page 42: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

42

Como assim, como funciona isso?

Patrícia Neves: Sabem que os filhos estão praticando

esses crimes. E muitos pais que podem ser também do

tráfico e da vida criminosa, são sustentados, vivem com

aquele dinheiro.

Existe de alguma maneira uma proteção, isto é, o

menor de certa maneira se sente protegido pelo

tráfico?

Patrícia Neves: É uma relação estranha. No tráfico ele

encontra um princípio de autoridade que ele já não vem

encontrando em casa: de impor regras, limites, é uma

relação desvirtuada, promíscua. Ele se sente protegido

sim, uma proteção que ele não tem no seio familiar dele,

uma atenção.Temos a questão de casos de crianças ou

adolescentes que entram para o crime para pertencer a

um grupo social. Eles têm essa necessidade.

Dá status...

Patrícia Neves: Sim, para eles dá status. Um falso

status para nós, que estamos do outro lado, combatendo

esse mal, mas para eles dá status.

Page 43: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

43

Está aumentando o envolvimento de crianças com o

tráfico de drogas?

Patrícia Neves: Está. Lamentavelmente tem aumentado,

até porque a gente tem de partir do principio de que o

uso do álcool leva muito facilmente ao mundo das drogas

ilícitas e é socialmente aceito. Então as famílias se

insurgem contra o Juizado quando ele faz a apreensão de

seus filhos, não uma apreensão no sentido infracional,

mas para entregar seus filhos em casa quando eles

estavam fazendo uso de bebidas alcoólicas em festas. As

famílias reclamam e perguntam se nós não temos mais

serviço, mais o que fazer, quando nós sabemos que esse

uso constante do álcool vai levar ao uso das drogas

ilícitas, é um encadeamento das coisas.

Essas crianças envolvidas têm noção do risco de

morte ou a morte já estaria sendo banalizada?

Patrícia Neves: Que a morte foi banalizada, isso é

evidente, pois a violência foi banalizada. Não há o que

discutir. Eu diria que ela tem ciência do risco da morte,

porque o entendimento da morte para a criança e o

adolescente é diferente do entendimento para nós

adultos. A criança e o adolescente têm uma visão da vida

diferente de nós. Eles têm ciência do risco, mas não a

noção real daquele risco, até porque é uma característica

Page 44: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

44

do adolescente achar que as coisas só acontecem com os

outros, não com eles. É o caso das drogas, da morte, da

gravidez, das doenças sexualmente transmissíveis que as

próprias drogas trazem. Então, ele tem essa noção de

que acontece com o outro. Agora, um ser humano em

formação de personalidade, que não tem a maturidade

suficiente, ele tem ciência de que pode morrer, mas ele

não entende realmente a dimensão do que seja isso..

Como é a relação que vocês tem com os pequenos e

grandes traficantes? Quando a Justiça se envolve,

quando alguém é chamada à sala de audiência, como é

essa relação?

Patrícia Neves: A não ser que venha com crime de

violência contra a pessoa, já de uma forma inadaptável da

ressocialização, a nossa tentativa é sempre através de

medidas de meio aberto. Sempre buscamos o tratamento

de desintoxicação e do acompanhamento da família. Nós

temos uma dificuldade muito grande, pois não temos

locais no Estado para tratamento de desintoxicação. Em

alguns municípios há tratamento ambulatorial, mas uma

grande parcela dos nossos casos depende de internação.

E não temos como fazer isso. O nosso Juizado é o único

no Estado que tem um setor específico para usuário

dependente de drogas. Mas nós temos problemas

constantemente. Há uma demanda por semana de 20

Page 45: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

45

pessoas que precisam de internação e não temos esse

local.

O nosso atendimento inicial objetiva o tratamento, a

ressocialização e o acompanhamento da família.

Vocês já chegaram a sofrer alguma ameaça na sala

de audiência?

Patrícia Neves: Não só nas salas de audiência, em

qualquer setor do Juizado. E não é só no Juizado.Isso é

constante. A gente vê que está havendo, até por um

afrouxamento dos valores sociais, essa perda de

sensação de autoridade. Seja do Estado, da família, dos

mais velhos, ou da própria Igreja, que está sendo

assaltada...

O Juizado não tem a prerrogativa de ser o único a

receber esse tipo de postura.

A senhora pode lembrar algum caso em que houve uma

ameaça?

Patrícia Neves: Já tivemos informação de que

traficantes adultos - e foi descoberto pelo Serviço de

Inteligência que faz esse monitoramento constante junto

ao Poder Judiciário, - tentariam invadir o Juizado para

arrebatarem menores, mas graças a Deus temos uma

proteção policial muito boa.

Page 46: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

46

É comum o caso de família que se apóia no tráfico e

ameaça chamar traficantes para liberar os filhos da

Justiça?

Patrícia Neves: Dentro da sala de audiência não. Já

aconteceu isso com relação aos demais funcionários do

Juizado. Existe o respeito à figura do Juiz e nós também

exigimos esse mesmo respeito em relação ao

serventuário. E é lógico que quando há essa ameaça as

pessoas são encaminhadas para abertura de inquérito, já

que ameaça é um crime previsto em lei. Mas não acontece

só conosco, as denúncias mais graves dizem respeito às

áreas de Saúde e Educação, onde esses profissionais

são ameaçados. Temos de olhar a preservação da vida

desses funcionários que trabalham com o público, e em

áreas tão importantes quanto essas.

Então é comum a família se apoiar no poder do

tráfico para conseguir coisas?

Patrícia Neves: É sim, fazer ameaça, dizendo que se não

conseguir isso vai chamar o traficante para resolver a

situação... Lamentavelmente isso tem se tornando normal.

Page 47: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

47

Como a senhora resumiria essa situação em que as

crianças são praticamente adotadas pelo tráfico de

drogas?

Patrícia Neves: Eu resumiria da seguinte forma: a

sociedade, o Estado, nós precisamos abrir os olhos de

que a área da Infância e da Juventude é a base da

pirâmide. Se ela não for bem trabalhada, se não houver

condições de trabalho aqui, nós vamos chegar aos

problemas que já vemos hoje na atualidade. O Sistema

Prisional tem um número enorme de presos com 18 a 25

anos.Temos o problema de mortalidade nesta idade,

então, a base, o investimento preventivo tem de ser

feito aqui. Nós não sabemos o que vai ser da sociedade

no futuro se não for feito um investimento em todos os

profissionais, das diferentes áreas, para estimularem

nessas crianças e adolescentes a ingenuidade e o direito

de serem crianças e adolescentes.

E o que a senhora acha que os gestores públicos

devem fazer?

Patrícia Neves: Devem debater a necessidade das

políticas não emergenciais de combate às situações de

crise, como é o caso do tráfico de drogas. Devem cuidar

da implantação de políticas que valorizem a família e a

convivência social pacífica e respeitosa, para que nós

tenhamos condições e ambiente que permitam tirar a

criança e o adolescente das mãos do tráfico.

Page 48: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

48

Essa é a principal forma de abordar esse assunto?

Patrícia Neves: Acho que sim. Nós já temos a legislação

para penalizar. Nós temos de ter, também, mecanismos

para prevenir. Legislação para penalizar, mecanismos

para penalizar nós temos. Não temos é mecanismos para

prevenir e tratar. E é isso é que é necessário.

E isso é pouco discutido?

Patrícia Neves: A área da Infância não é muito

discutida, pois ela é muito polêmica. É uma área que traz

diversas reações. Já a área da Segurança vai ser muito

discutida mas vão se esquecer que para que haja

diminuição da insegurança, é necessário que se cuide da

criança e do adolescente.

O que a senhora espera?

Patrícia Neves: Eu gostaria, depois de tantos anos nesta

área, que nós tivéssemos mecanismos para cuidar. São os

abrigos – para aquelas crianças e adolescentes que não

têm vínculo familiar ou cujas famílias vivem da sua vida

criminosa. Locais de tratamento para internação e os

programas para acompanhamento e orientação de

famílias.Está certo? Se tivermos a condição de criarmos

recursos e escolas de atendimento em tempo integral

Page 49: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

49

podem ter certeza de que muita coisa vai melhor, muita

coisa pode ser feita.

Isso é prioridade?

Patrícia Neves: Eu considero prioridade para a

sociedade. Não existe um país sem futuro e as crianças e

adolescentes são o futuro.

E hoje...

Patrícia Neves: Hoje a gente não vê perspectiva de

futuro com esse crescimento da utilização de crianças

pelo tráfico.

Page 50: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

50

Doutora em Psicologia Social e professora da UFES,

Edinete Maria Rosa trabalha com crianças de rua há 20

anos, com foco na violência. Nesse tempo ela acompanhou

uma significativa mudança no imaginário das crianças da

periferia: “há tempos a gente via muita criança brincando

de polícia e ladrão e todas desejavam ser o policial,

todas brigavam por este posto. Hoje em dia o posto mais

desejado é o do bandido, que é visto como o de maior

poder...”

Para essa entrevista, a professora nos recebeu em seu

apartamento, na Praia do Canto, com vista para o morro

São José, em Vitória, onde também atua.

Como é essa relação do tráfico de drogas com as

crianças e adolescentes?

EDINETE ROSA: Cada vez com mais freqüência o

tráfico captura um adolescente ou uma criança mais

nova. A gente vê que crianças bem pequeninas de três e

quatro anos já reconhecem uma droga. E outras, de nove

e oito anos, já tem contato com o uso das drogas. Não só

o contato na casa, na região, mas já usam essa droga. E

cada vez drogas mais pesadas, não é? Há vinte anos a

gente andava no centro de Vitória, nas ruas de Vitória e

encontrava crianças que cheiravam cola de sapateiro.

Hoje crianças na mesma idade são usuárias de drogas

ilícitas mais pesadas, vamos dizer assim.

Page 51: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

51

E também atuando no tráfico?

EDINETE ROSA: Um pouquinho maior, onze, doze anos,

já atuando no tráfico. Primeiro como ajudante, como

aprendiz, e depois assume o posto cada vez mais elevado.

Qual a vivência da senhora com crianças que fazem

parte dessa realidade?

EDINETE ROSA: A vivência é principalmente com

crianças que hoje são adolescentes, que iniciaram com o

uso de drogas, depois com o tráfico de drogas e hoje

estão cumprindo medidas sócio-educativas.

A senhora esteve pesquisando sobre essas crianças na

UNIS?

EDINETE ROSA: Em liberdade assistida e também em

privação da liberdade que seria o caso da UNIS. Um

contato direto com todas as crianças.

E o que estas crianças dizem? Porque elas foram por

esse caminho?

EDINETE ROSA: São várias as motivações. Aqueles que

já tem uma família e têm filhos, justificam pela

necessidade financeira. Outros pela facilidade com que a

droga veio. Muitos ingressaram no tráfico de drogas já

trabalhando e isso é um dado muito importante porque a

Page 52: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

52

gente pensa que o tráfico captura as crianças que estão

a toa. Não é verdade isso. Os adolescentes ingressam

muito cedo no mercado de trabalho só que são trabalhos

mal remunerados e com pouca ou nenhuma qualificação,

como ajudante de pedreiro, entregador de revista... A

esse adolescente é oferecida uma oportunidade “melhor”

de trabalho. Eles vêem isso como trabalho também.

O que a senhora descobriu nesse contato com as

crianças?

EDINETE ROSA: Elas consideram que o tráfico

ofereceu algo melhor do que a sociedade oferece. É uma

oferta muito mais interessante apesar de todo o risco

que o adolescente sofre e ele sabe que sofre. Mas

mesmo assim ele acha que vale a pena porque passa de

um ganho de trezentos a trezentos e cinqüenta reais

por mês para dois mil reais.

E eles não se arrependem disso?

EDINETE ROSA: De forma alguma, não se arrependem.

Mesmo sabendo que a vida deles corre risco?

EDINETE ROSA: Eles têm essa noção até pelo número

de adolescentes que contam dos colegas que já foram

mortos. No depoimento deles a morte é uma coisa muito

Page 53: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

53

presente. Eles falam de um grupo imenso de

adolescentes ao redor que já foram mortos.

Como eles se identificam nessa relação entre polícia e

ladrão?

EDINETE ROSA: As crianças quando vão brincar elas

captam as representações que existem na sociedade. Há

tempos atrás a gente via muita criança brincando de

polícia e ladrão. E todas desejavam ser o policial, todas

brigavam por este posto. Hoje em dia o posto mais

desejado é o do bandido, que é visto como o de maior

poder, maior destaque, o que tem os mais fortes meios

de domínio sobre o outro.

De alguma maneira o papel do bandido ganhou status?

EDINETE ROSA: Ganhou status, passou a ter um valor

maior que o do policial.

Como a senhora acha que esse assunto deva ser

tratado pelos gestores públicos?

EDINETE ROSA: Deve-se pensar num Programa de

Governo que valorize as políticas protetivas, adote

integralmente o Estatuto da Criança e do Adolescente,

traga diretrizes para o atendimento da criança.

Trabalhando nas políticas protetivas, consequentemente

as ações sócio-educativas não precisarão ser tão

Page 54: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

54

aplicadas. As crianças precisam ter garantidas as

condições para o seu desenvolvimento saudável, seguro.

Dentro de uma sociedade que acolha a criança por suas

virtudes e não uma sociedade, um Governo que pense na

criança como um traficante em potencial. As políticas

devem ser direcionadas para aquilo que a criança traz de

bom, suas possibilidades de desenvolvimento.

Em outras palavras, o que deve ser feito na prática?

A senhora não defende punição para a criança

envolvida com o tráfico?

EDINETE ROSA: Deve ser feita uma política séria para

a criança e o adolescente que atenda desde às

necessidades básicas como educação, alimentação e

saúde até a aplicação de uma medida sócio-educativa.

Nessa gama de possibilidades ter uma política

direcionada às realidades locais, para a cultura da

criança, que valorize o seu espaço, o seu ambiente, a sua

escola, para que a gente não tenha crianças que precisem

de meios de transgressão para ser aceita na sociedade,

como acontece com o tráfico de drogas. Um dos motivos

que os adolescentes colocam é que eles queriam comprar

um tênis de marca, queriam comprar uma bermuda

“Ciclone”. Eles tem conhecimento dessas marcas que são

valores na sociedade, até mesmo porque isso é divulgado

pela mídia à todo momento. O apelo ao desejo é igual

para todo mundo.

Page 55: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

55

Como se resolve isso?

EDINETE ROSA: Com a valorização de todas as formas

de viver, com todas as escolas sendo valorizadas de igual

forma. É pensar numa política que dê aquilo que o

Estatuto traz de mais importante e que não é aplicado: o

protagonismo social. É fazer da criança um sujeito de

direito, um cidadão de direitos. Isso significa dar voz à

ele para dizer “é essa política que eu quero, o

atendimento que eu quero”. Não uma política para o

jovem, mas com o jovem, não para a criança, mas com a

criança.

De maneira objetiva, o que a senhora gostaria de

ouvir dos políticos?

EDINETE ROSA: Ah, eu já ouvi isso de tantos e não

fizeram... Eu queria ouvir que a criança e o adolescente

fossem prioridades no governo dele e já demonstrasse

em seu Programa o que ele vai fazer, como vai traçar

essa política. Para ver se o seu Programa para o setor

ainda vai trazer como fundamento o antigo Código de

Menores ou se ela já traz essas concepções que são mais

libertadoras. Que são mais revolucionárias no sentido de

mudar um pouco a realidade, para que essa criança tenha

a importância que merece ter.

Page 56: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

56

Mas o que pode ser exeqüível, pode se feito de

imediato, que leve a senhora a acreditar?

EDINETE ROSA: Por exemplo, um investimento

considerável nas Políticas básicas como Saúde e

Educação para a criança. Com um atendimento que

comece no pré-natal. Uma política séria direcionada para

a família, não só de renda, mas uma política social, o que

é imprescindível. Por exemplo, o número de crianças que

saem de casa por violência é muito maior que o número

de crianças que saem por problemas financeiros. Quer

dizer, falta o pão, mas se tem o carinho a criança está lá.

Mas se há violência, desrespeito, não só para com ela,

mas violência entre o casal, a criança não fica. Então,

precisamos de uma política que enfrente essa violência,

dando condições e oportunidades para que essa família

pense as suas relações. Não existe manual para se criar

um filho. Pensa-se que é algo natural, mas não é. Já vi

teses sobre a violência conjugal e crianças que convivem

com essa violência. E os governos ainda não se deram

conta que a violência da casa não é uma questão só

familiar.

A senhora acredita, então, que uma ação de

assistência poderia reduzir o risco de uma criança

ser “adotada” pelo tráfico de drogas?

EDINETE ROSA: Acho que sim. Não transferir a

responsabilidade para família, mas assistir a família que

Page 57: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

57

precisa. O que é totalmente diferente de eu culpar um

pai ou uma mãe quando a criança vai para o tráfico de

drogas. Dar assistência e apoio à esta família naquilo que

ela precisa para que essa criança fique em casa.

Há necessidade de novas leis?

EDINETE ROSA: Acho que não.

Esse assunto vem sendo tratado com seriedade?

EDINETE ROSA: No papel sim. No papel temos coisas

fantásticas falando sobre a violência. Agora, os

programas em si, ainda são muito incipientes. Há pessoas

que dizem que já há muitos programas. Em 2004 foi feito

um pacto nacional para a questão da violência sexual. Mas

não é só a violência sexual, temos de pensar na violência

física e na violência psicológica também.

Nestas pesquisas que fez, que situação lhe chamou

mais a atenção?

EDINETE ROSA: Quando a gente visita as famílias a

gente vê as crianças bem cedo convivendo com o cheiro

das drogas. Ao invés de reconhecer o cheiro do leite,

reconhece o cheiro das drogas. Isso é muito

preocupante. Isso naturaliza o uso da droga, e nós

adultos é que somos os responsáveis.

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58

DESAFIO 3

CONSULTAS MÉDICAS

Quando está doente, o que uma pessoa menos

deseja é sair do lugar, fazer esforço. Ela precisa de

atenção, carinho, cuidado e rapidez no atendimento. Na

Rede Pública de Saúde, as consultas com médicos

especialistas oferecem o contrário disso: filas pela

madrugada na porta de Postos de Saúde, corredores

lotados de doentes nos hospitais, pacientes sendo

atendidos no chão por falta de macas...Trata-se de um

problema com várias origens, independente do lugar no

País em que o problema esteja presente. As origens vão

do evidente descaso com as camadas mais pobres da

população (também penalizadas em várias outras

demandas sociais, como sabemos), ações mais voltadas

para a cura do que para a prevenção, deficiência nos

atendimentos básicos, prioridades orçamentárias, gestão

do dinheiro público, corrupção e até mesmo a falta de

conhecimento por parte da população em relação às

regras que estabelecem diferenças entre atendimentos

de urgência, emergência e saúde básica. Na dúvida para

onde ir, ou já sabedores do que irão encontrar no

atendimento básico, todos querem hospitais e médicos

especialistas.

No dia seis de outubro de 2006, no Pronto

Atendimento de Itacibá, em Cariacica, um aposentado

morreu durante o atendimento. Motivo: uma sobrecarga

Page 59: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

59

na rede elétrica do Posto impediu o funcionamento de um

desfibrilador (aparelho de socorro que produz um choque

para reativar o coração) e o mais grave (se fosse possível

ser mais grave do que a própria morte) é que os

funcionários já haviam alertado seus superiores sobre o

problema. A Imprensa mostra diariamente a gravidade

da situação: pessoas que vão para a fila da Unidade de

Saúde à noite para garantir uma ficha no dia seguinte.

Quando conseguem, a ficha não é para uma consulta

imediata. Dependendo da especialidade requerida, a

consulto com o médico pode levar meses. E se o problema

é grave, como fica? A resposta pode ser encontrada nos

dias da consulta marcada: muitas vezes o paciente não

aparece. O motivo pode ser a desistência, a substituição

por outra forma de atendimento ou até mesmo pela

morte prematura do paciente, devido ao agravamento da

doença não tratada a tempo. Outra conseqüência que a

demora provoca é a superlotação dos hospitais. Sem ter

como esperar pela consulta e vendo a evolução do

problema, esse paciente acaba tendo de parar num

corredor de hospital lotado.

Na Rede Pública existem vários níveis de

atendimento. Da saúde básica, prestada pelos municípios,

ao atendimento com o médico especializado, o que é

função do Estado. Paralelamente a essas faixas, temos

os atendimentos de urgência e emergências nos pronto-

socorros que, apesar dos corredores lotados, ainda têm

se mostrado menos problemático do que as consultas com

os especialistas. Quando um paciente entra num hospital

Page 60: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

60

com um problema realmente grave, ele pode até ficar no

corredor, mas será atendido. Basta ver os casos de

acidentes de trânsito. Assim que chegam ao hospital de

referência, o São Lucas, em Vitória, os acidentados são

imediatamente atendidos e tratados. Já para os casos

não urgentes, o procedimento correto indicado, começa

na Unidade Básica de Saúde da rede municipal. Lá, são

tratadas (ou deveriam ser) as doenças mais simples e

feita uma triagem dos casos mais complexos. Do Posto de

Saúde é feito o encaminhamento, quando é o caso, para o

Conselho Regional de Especialidades- CRE, que oferece

consultas para cardiologista, dentista, neurologista,

endocrinologista e reumatologista entre outros. E aí está

o drama: dia ou noite, a espera por uma consulta pode

levar meses. Mas o sofrimento é imediato.

Page 61: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

61

O especialista em saúde pública, Francisco José Dias,

nos recebeu em seu gabinete, em agosto de 2006. Com

23 anos de medicina ele sempre atuou na saúde pública,

onde atualmente ocupa o cargo de Subsecretário

Estadual de Saúde. Nessa entrevista, em que fala como

profissional e não pela Instituição, aponta caminhos para

o problema das filas na marcação de consultas, mas

ressalta que essas soluções são paliativas. O que ele

defende é a mudança de foco no Sistema Público de

Saúde no Brasil, com maiores investimentos na Atenção

Básica da Saúde, caminho que nos remete aos melhores

exemplos mundo afora.

Qual a avaliação que o senhor faz do drama das

pessoas que passam horas nas filas para depois ter

de aguardar meses pela consulta com o médico

especialista na Rede Pública?

Francisco José Dias: As consultas especializadas, em

algumas áreas, ainda têm demanda reprimida por fatores

diversos. Envolve, por exemplo, o processo de formação

dos nossos especialistas. O que existe hoje ainda é um

centro de formação aleatório, com cada faculdade

escolhendo as áreas onde ela vai abrir vagas para

especialidades. Não há ainda um gerenciamento forte do

Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, para

definir o perfil de especialistas que a gente precisa no

Sistema. Tem um outro fator que é o próprio mercado de

Page 62: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

62

trabalho. Algumas especialidades garantem ao

profissional uma melhor condição. Aí ele não assume uma

atividade no serviço público porque não sente

necessidade disso na sua formação profissional ou

complementação salarial. Isso é evidente quando se faz

concurso público para determinadas especialidades. A

gente oferece vagas em quantidade mas não consegue

ocupar todas.

Explique melhor: os médicos não precisam ou não

querem trabalhar na Rede Pública?

Francisco José Dias: Não é que os médicos não queiram.

Existe uma realidade do mercado. Em outros Estados, a

gente sabe que pelo fato de haver uma oferta maior de

profissionais em determinadas áreas não há

estrangulamento. Nós estamos falando de uma realidade

regional, aqui no Espírito Santo. Algumas especialidades

têm um mercado muito peculiar, muito próprio. Apesar da

média salarial do País ser igual, você vai ver que em

determinados Estados, por ter um número maior de

especialistas, o Sistema Público consegue absorver estes

profissionais. Há outros que têm escassez. Os

profissionais conseguem sobreviver na iniciativa privada

e não estão receptivos a assumir um emprego público.

Page 63: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

63

O senhor acha que há necessidade de mudanças no

Orçamento destinado à Saúde Pública?

Francisco José Dias: Tem outras variáveis, além dessa

questão do mercado. A área que a gente chama de Média

Complexidade, onde estão os procedimentos de consultas

e exames especializados, é hoje a área menos financiada

em termos de recursos públicos. A tabela do SUS

remunera os procedimentos nessas áreas com valor

considerado baixo. Isso desloca do Sistema de Saúde,

por exemplo, os Hospitais Filantrópicos, que acabam não

oferecendo procedimentos nessa área, porque

consideram que estes valores de remuneração são

insuficientes. Essa tabela é nacional, estabelecida pelo

Governo Federal, e há um movimento muito grande de

diversos atores políticos, representantes de hospitais

filantrópicos, Secretários Estaduais e Municipais de

Saúde, para que se possa fazer uma revisão dessa tabela

e torná-la do ponto de vista da remuneração do

profissional e do prestador de serviço mais atraente.

Então, existe sim uma questão de financiamento do

Sistema para garantir a oferta desses procedimentos

especializados. A gente tem dados dos últimos cinco anos

aqui no Espírito Santo, mostrando que a oferta de

consultas especializadas aumentou em 30% tanto em

nível de Estado quanto de Município. Nesse período a

população não deve ter crescido mais do que 10%. Apesar

dessa ampliação da oferta, e de hoje as consultas

especializadas representarem cerca de 30% do total de

Page 64: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

64

consultas oferecidas no Estado, ainda há estas filas.

Isso demonstra que a gente tem ainda uma baixa

resolutividade na atuação da Atenção Primária. O

esperado é que os generalistas tivessem condições de

resolver até 85% dos problemas. Isso não está vinculado

só à competência do médico mas também às condições

dadas para que ele resolva os problemas lá no Município,

como o acesso à exames e outro procedimentos para que

ele possa ter resolutividade. Esse é o enfrentamento que

tem que acontecer: melhorar a qualidade da Atenção

Primária, tanto do ponto de vista da formação

profissional quanto dos recursos tecnológicos para que

menos pessoas precisem ser encaminhadas ao

especialista.

Essas questões poderiam representar uma mudança

imediata no quadro que relatei no início dessa

conversa, das pessoas que dormem na porta das

Unidades aguardando uma ficha?

Francisco José Dias: Na verdade o País tem uma dívida

social muito grande com a nossa população. O Brasil tem

um volume muito grande de excluídos. A Saúde,

curiosamente, sofre essa pressão por ser um dos poucos

Sistemas Públicos em que a porta está permanentemente

aberta. Boa parte das demandas que entram no Sistema

Público de Saúde, e que fazem parte dessa sobrecarga,

advém de problemas sociais. Há dados da literatura

mundial que demonstram que os Serviços de Saúde são

Page 65: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

65

responsáveis por no máximo 30% dos problemas de saúde

de uma população. E que 70% advém de outros processos

sociais como Educação, Bem Estar Social, Saneamento

Básico, Habitação etc, ou seja, estão fora do âmbito do

Serviço de Saúde. E que essas deficiências que a gente

ainda têm na sociedade para superar, acabam

sobrecarregando e gerando uma pressão imediata no

Serviço de Saúde, devido ao adoecimento maior da

população.

O que o senhor acha que os políticos devem debater

em relação a essas necessidades da Rede Pública de

Saúde?

Francisco José Dias: Eu não tenho dúvida nenhuma de

que o foco, e isso está demonstrado historicamente em

todos os países do mundo que tem bom Sistema de

Saúde, deve estar na dedicação prioritária na

organização da Saúde Primária. Se a gente não conseguir

construir no País, um Sistema Público com atenção

Primária forte, capaz de resolver problemas e que a

população acredite nessas Unidades Básicas de Saúde

como um lugar que ela vá e tenha seus problemas

resolvidos, a gente não consegue superar os problemas

que enfrenta hoje: superlotação de hospitais, de algumas

especialidades com demanda reprimida... Porque é a

Atenção Primária que vai ordenar esse Sistema.

Page 66: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

66

E como se consegue isso?

Francisco José Dias: Desde a formação profissional de

médicos, enfermeiros, dentistas, eles tem que ser

preparados para lidar como generalistas no atendimento

à população. É uma prática profissional totalmente

diferenciada e que não é ensinada hoje nas escolas

médicas. De atendimento em longo prazo, preparação

para acompanhar pacientes de forma crônica, o trabalho

em equipe, a responsabilidade sanitária do profissional

para uma determinada população, como grupos de família,

isso tudo são inovações que ainda não fazem parte da

rotina da formação dos profissionais de Saúde. E, quem

já está no exercício, os profissionais que estão no

Sistema hoje, tem que ser requalificados pelo Poder

Público. Isso permitirá que estes profissionais se

adaptem aos novos tempos e possam exercer a atividade

deles nestas Unidades de Atenção Primária.

Há ligação desse problema com a superlotação dos

hospitais e prontos-socorros?

Francisco José Dias: Não há dúvida nenhuma. A gente

pode ter soluções imediatas, a população tem demandas

de curto prazo que precisam ser sanadas. E você pode

ter incrementos na oferta de atendimento hospitalar,

oferecer maior volume de exames... Mas todas essas

soluções são paliativas. Nenhum Sistema de Saúde no

mundo conseguiu sobreviver e ser resolutivo centrando a

Page 67: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

67

atividade dele em procedimentos especializados e

atividade hospitalar. E o Brasil seguiu essa trajetória,

infelizmente. Da metade do século passado para cá, todo

o incremento foi dado à rede hospitalar e procedimentos

especializados. E muito pouco se cuidou da Atenção

Primária. Essa reversão começa só na década de 90 com

a municipalização e com a implantação estratégica da

Saúde da Família.

O senhor propõe uma reversão desse tipo de

pensamento para as novas administrações?

Francisco José Dias: Sem dúvida nenhuma. Quem tem a

responsabilidade de gestão pela frente, tem que ter em

mente que, por mais que se necessite de investimentos

em curto prazo para qualificar a rede hospitalar etc -é

preciso, a população precisa desse serviço - a gente tem

que ter uma visão estratégica de que essa mudança e a

reorganização do Sistema de Saúde só se dará com uma

Atenção Primária resolutiva. Tem que ser um foco de

preocupação da gestão pública.

E o cidadão tem como interferir nas políticas para a

Saúde Pública?

Francisco José Dias: A participação do cidadão na

Saúde tem espaços que vão muito além do momento

eleitoral. Existem fóruns permanentes. Hoje quase todos

os Serviços de Saúde têm seus colegiados de gestão com

Page 68: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

68

representação comunitária. Os Conselhos de Saúde são

espaços de participação. Então, acho que a mudança do

nosso processo de Saúde da população vem também da

construção da cidadania. Se as pessoas tiverem menos

expectativa do Estado como provedor que dá as coisas,

se sentirem mais cidadãos, participarem e lutarem mais

nesses fóruns que estão abertos, no dia-a-dia, a gente

pode discutir melhor a política pública, construir coisas

resolutivas e cobrar os resultados de quem tem a

responsabilidade de administrar os recursos.

E essa discussão tem que ser assimilada pelos

políticos também?

Francisco José Dias: Com certeza, está aí também essa

questão do controle social e da participação no Sistema

Público de Saúde com seus instrumentos públicos que são

esses Conselhos e Fóruns de participação. Temos de

valorizar essa condição do cidadão mais como sujeito do

seu processo, de cuidar da sua saúde e menos paciente

(no sentido da passividade) do Sistema de Saúde. Acho

que a gente tem que ter o indivíduo participando e

dizendo, realmente, o que ele quer da Saúde. Não tenho

dúvida de que os políticos devem colocar esses pontos em

discussão. Entendo que a gente está vendo apenas a

ponta de um iceberg. E que cada fila, cada demanda

reprimida esconde por trás dela uma necessidade de

organização do Sistema de Saúde. Então, as visões não

podem ser só imediatistas. Temos de ter o foco no

Page 69: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

69

sofrimento imediato da população, buscar a solução para

aquele problema, mas ter a capacidade de fazer essa

reflexão de que é preciso construir uma nova prática de

Saúde também.

Page 70: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

70

Fernando Costa, médico há 25 anos, é especialista em

Pediatria e Medicina do Trabalho. Atua no Conselho

Regional de Medicina dede 1998. Atualmente é o seu

Presidente. Nessa entrevista, ele dá ênfase às questões

sindicais como salários e concursos –vistas como

propostas para redução do problema - e ressalta que,

com os salários atuais os médicos preferem ficar em

seus consultórios. Daí a falta de especialistas na Rede

Pública.

Qual a avaliação que o senhor faz dessa dificuldade

para se marcar uma consulta com um médico

especialista na Rede Pública?

FERNANDO COSTA: Essa é uma questão difícil para a

população, porque uma consulta especializada muitas

vezes demora meses, e quando se consegue, esse

paciente ainda leva quase um ano para fazer o exame

especializado caso o médico o solicite.

E qual a conseqüência dessa lentidão, dessa

dificuldade?

FERNANDO COSTA: A conseqüência é que a doença vai

agravando, a doença não espera. Como demora o

atendimento, demora o exame, esse paciente

automaticamente procura os prontos-socorros.

Precisamos de novos Centros de Especialidades em

parceria com os Municípios e que tenham resolutividade.

Page 71: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

71

O médico que está lá tem que ter condições de trabalho,

e condições de fazer os exames que pede. Isso vai

ajudar a diminuir o fluxo de atendimento nos hospitais

públicos.

Como um especialista na área, o que o senhor acha

que deva ser feito pelas autoridades do Setor?

FERNANDO COSTA: Aumentar o investimento na

Saúde Pública; acabar com os contratos temporários,

porque são contratos precários, instituir o concurso

público e pagar um salário digno ao médico porque os

salários estão muito baixos.

Quanto ganha em média?

FERNANDO COSTA: No Estado está em torno de mil e

trezentos reais por 20 horas. É muito baixo. Para ter um

salário digno, o médico deveria ganhar igual ao que

ganham os magistrados, em torno de quinze a dezesseis

mil reais.

A proposta do senhor, então, é pela criação de novos

Centros de Especialidades e melhores salários para os

médicos...

FERNANDO COSTA: E condições de trabalho. Por

exemplo, existem poucos especialistas na Rede. Então

para ele se fixar lá tem que ter boas condições de

Page 72: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

72

trabalho com equipamentos apropriados, exames

especializados...

O CRM tem percebido que os médicos não estão

querendo trabalhar na Rede Pública?

FERNANDO COSTA: Não é que não estejam querendo.

As condições de trabalho e os salários é que não são

atrativos. O médico acaba preferindo ficar no

consultório onde tem mais retorno.

O senhor acha que o orçamento destinado atualmente

à Saúde Pública deva ser ampliado?

FERNANDO COSTA: Já existe um projeto tramitando

no Congresso definindo um recurso fixo para a Saúde. A

União com 10% das receitas correntes, os Estados com

12% e os Municípios com 15%. Isso no mínimo. Mas acho

que deveria ser mais, em torno de 20% para os Estados e

25% para os Municípios.

O que é aplicado hoje no Espírito Santo é pouco?

FERNANDO COSTA: Já melhorou, era muito menos.

Mas precisa avançar mais. *

*O Espírito Santo, atualmente, aplica o mínimo definido

pela Constituição que é de 12%, segundo informação da

Secretaria Estadual de Saúde.

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73

O senhor defende que o Estado compre serviços

particulares para complementar a Rede Pública?

FERNANDO COSTA: Sim, o Estado deve garantir a

Rede complementar, com os hospitais filantrópicos e

privados. Só os hospitais públicos do Espírito Santo não

atendem à demanda. Os filantrópicos, sozinhos, já

atendem a 70% dos pacientes do SUS **. Acho que tem

que ter essa Rede complementar.

Como Presidente do CRM como o senhor vê a situação

dessas pessoas que passam tanto tempo na fila,

muitas vezes tendo de dormir ao relento e nem

sempre conseguindo uma ficha?

FERNANDO COSTA: Eu vejo que essas pessoas estão

sofrendo humilhação e descaso. A população paga

impostos caros e tem o direito de ter um leito decente

nos hospitais e não ficar sendo atendida nos corredores.

Nós queremos o fim do atendimento médico à pacientes

nos corredores dos hospitais públicos.

**Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, os

filantrópicos atendem 70% das cirurgias eletivas. 90%

das urgências e emergências são atendidas nos hospitais

estaduais.

Page 74: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

74

Há quanto tempo o senhor vê essa dificuldade na

Saúde Pública?

FERNANDO COSTA: Eu vou fazer 25 anos de formado.

Desde que eu entrei para trabalhar no Serviço Público,

nós estamos lutando para melhorar as condições de

trabalho, melhoria de atendimento à população e um

salário digno para o médico. Ou seja, em torno de 25

anos.

A cada nova eleição, o senhor – que é do Setor - tem

esperança que as coisas mudem?

FERNANDO COSTA: A esperança sempre existe

porque temos que pensar positivamente. E eu espero que,

como este ano os governos já estão aplicando pelo menos

o mínimo na Saúde Pública, possam, em breve, aumentar

o orçamento para área.

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75

DESAFIO 4

REMÉDIOS DE ALTO CUSTO

É uma cena triste e rotineiramente repetitiva. É só

passar na porta das farmácias dos Centros Regionais de

Especialidade na Praça Costa Pereira, em Vitória ou na

Glória, em Vila Velha, além das farmácias municipais, e

ouvir as reclamações. Remédios de fornecimento

obrigatório por parte do Estado, do Governo Federal e

dos Municípios faltam nas prateleiras com muita

freqüência. E a cada vez que isso acontece, nasce um

drama: é um tratamento que corre o risco de ser

perdido, um transplante que pode caminhar para a

rejeição ou mesmo para o risco de morte. São

medicamentos de alto custo, tecnicamente chamados de

“excepcionais” que a maioria dos pacientes não tem

condições de comprar. Exemplos são os medicamentos

contra a Esclerose Múltipla, Hepatite, Alzheimer,

Parkinson, antibióticos de última geração, hormônio de

crescimento, artrites graves e colesterol alto.

Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o

Estado fornece aproximadamente 200 tipos de

medicamentos diferentes que atendem a 210.692

pessoas. Uma despesa, que só no primeiro semestre de

2006 chegava a R$ 50 milhões de reais. Até o ano

passado a despesa era menor: R$ 44 milhões durante

todo o ano, atendendo a 148 mil pessoas. A explicação

para o enorme crescimento da demanda é uma mudança

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76

determinada pelo Ministério da Saúde: agora as

farmácias públicas são obrigadas a aceitar receitas

particulares. Apesar do elevado valor despendido, o

serviço prestado é insatisfatório. Passam-se os anos,

mudam os governos e continua o sofrimento de quem

depende dos remédios da Rede Pública.

Muitas vezes, a Justiça é acionada para garantir o

fornecimento do remédio. E nestes casos o Estado se vê

obrigado a fornecer remédios que nem mesmo fazem

parte da lista dos 111 itens padronizados pelo Ministério

da Saúde. Em agosto de 2006, o Espírito Santo estava

fornecendo 117 itens de alto custo comprados por

demandas judiciais e ofíciais, as chamadas “situações

especiais”, ou seja, um número de itens superior ao da

lista padronizada. Já as Prefeituras são responsáveis

pelo fornecimento de remédios de Atenção Básica, em

complemento ao atendimento prestado nos Postos de

Saúde municipais. A prefeitura de Vitória, por exemplo,

gasta de 4 a 5 milhões de reais por ano, oferecendo

remédios para pressão, diabetes, saúde da família,

Tuberculose, Hanseníase, antibióticos mais simples e

anticoncepcionais. Para 2007 haverá novo incremento no

montante de recursos para a compra de medicamentos

de Atenção Básica, passando o custo per capita/ano de

R$ 2,00 para R$ 3,65, num financiamento compartilhado

entre os governos municipais, estadual e federal,

conforme garantiu a Secretaria Estadual de Saúde. São

medidas para tentar reduzir o tamanho do problema.

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77

A falta de medicamentos tem sido tema de constantes

denúncias através da imprensa. Alguns depoimentos

relatados entre o final de 2005 e 2006 dão uma amostra

do drama.

“Dona Alzira de Souza, pensionista, mora em

Cariacica e pega dois ônibus para chegar bem cedo à

farmácia do SUS na praça Costa Pereira. Ela buscava

remédio para colesterol alto, mas voltou para casa de

mãos vazias, mais uma vez”.

Mesma situação a do “aposentado Rômulo Campos,

de 73 anos, que precisava do medicamento Atorvastatina

que custa nas farmácias comerciais R$ 105,00”.

“A estudante Lorena Valentin tem Esclerose

Múltipla. Seus sintomas, no dia que procurou a farmácia

do SUS, eram dormência nas pernas e tremedeira nas

mãos. Alguns dias ela acorda sem enxergar. Esses

sintomas só aparecem em horas como essa, em que o

remédio está em falta. Seu medicamento, o Aorez, custa

R$ 5.000,00”.

“Marlon, de quatro anos, tem crises convulsivas e

corre risco de morte. O remédio custa mais de R$

300,00 a caixa. A falta do medicamento deixa a mãe,

naturalmente, desesperada”.

O mesmo problema tem o jovem “Vinicius, de 14

anos. Sem remédio, a crise convulsiva é diária. A mãe,

Carmem Thofoli, sente-se impotente diante da situação”.

“A merendeira Marilza de Souza Abreu saiu às 4

da manhã de Conceição do Castelo e chegou a Vitória às

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78

7. Veio em busca do Entropim, hormônio do crescimento,

de alto custo. Cada ampola, de uso diário, custa R$

150,00. Não há prazo para chegar o remédio. Ela volta

para a casa com o dia perdido e sem o remédio para o

filho”.

Page 79: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

79

Luis Carlos Reblin é formado em Enfermagem pela

Ufes, especializou-se pela Escola Nacional de Saúde

Pública e concluiu mestrado na mesma área pela USP.

Além da formação acadêmica e da experiência prática,

tem grande conhecimento na gestão da Saúde Pública. É

Secretário de Saúde do município de Vitória e, há 27

anos, é funcionário de carreira da Secretaria Estadual

de Saúde onde desempenhou a função de

Superintendente de Ações de Saúde do Estado, entre

2003 e 2004, tendo sob sua gerência o planejamento da

distribuição de medicamentos de alto custo para as

farmácias do Centro Regional de Especialidades. Nessa

entrevista ele defende um novo modelo de compra para

os medicamentos e diz que a solução para o problema

depende menos de dinheiro e mais de gerenciamento.

Por quê falta remédio na Rede Pública com tanta

freqüência?

Luis Carlos Reblin: Principalmente porque há uma

deficiência quando nós estimamos a população que

precisa utilizar esses medicamentos. Não há como

calcular exatamente a quantidade de pessoas que utiliza

os medicamentos excepcionais.

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80

Como é um problema que se repete há tantos anos,

por que não se tem essa estimativa e se garante esse

abastecimento permanente nos remédios utilizados?

Luis Carlos Reblin: Na verdade, nós temos um elenco

importante de medicamentos excepcionais. São mais de

220 itens. Agora, a população muda muito o seu perfil. As

doenças crônico-degenerativas, aquelas que acometem as

pessoas com avançada idade, elas estão se apresentando

cada vez com mais propriedade... São elas que vão definir

o nosso perfil epidemiológico daqui pra frente. Então, o

grupo de pessoas que precisa utilizar medicamento

excepcional cresce a cada ano e é difícil estimar esse

crescimento.

A falta dessa periocidicidade pode prejudicar

tratamentos e cirurgias já efetivadas?

Luis Carlos Reblin: A utilização do medicamento de

maneira continuada, principalmente para aqueles

pacientes que vão se utilizar para o resto de sua vida de

determinados produtos é essencial. A falta, a

descontinuidade da utilização do medicamento, traz

prejuízos sérios para a saúde dessa pessoa.

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81

É um problema que merece uma atenção maior por

parte dos gestores públicos e dos políticos?

Luis Carlos Reblin: Com certeza, a utilização de

medicamentos por parte da população, merece uma

atenção especial por parte de todos os governantes. Uma

atenção para a utilização adequada, para a vigilância

sanitária sobre os medicamentos e também para a

utilização indiscriminada de medicamentos.

E o que deveria ser feito, qual a proposta do senhor

para resolver o problema da falta dos medicamentos?

Luis Carlos Reblin: Em primeiro lugar cada um tem que

definir qual é a sua base, qual o tamanho da população

local, e que tipos de medicamentos essas pessoas

precisam utilizar. Isso é feito através de uma relação de

medicamentos, uma relação -municipal ou estadual- de

medicamentos. Isso requer a reunião de especialistas

para discutir quais são as doenças que mais afetam as

pessoas, que tipos de medicamentos resolvem esses

problemas. E aí disponibilizar esses medicamentos. A

outra questão importante é a definição dos protocolos.

Protocolo significa dizer que para cada doença, para cada

agravo, há uma indicação de determinados medicamentos

a serem utilizados. E treinar os profissionais da área

pública para a utilização desses protocolos. Por fim,

manter o abastecimento, porque a grande questão do

Page 82: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

82

abastecimento hoje seria um registro de preços a nível

nacional.

Como funciona esse registro de preços?

Luis Carlos Reblin: Registro de preços é uma modalidade

de compra usada para qualquer item de custeio, e pode

ser feita também com medicamento. Nós podemos

estabelecer um registro de preços nacional, estadual ou

mesmo a nível municipal. É basicamente um edital em que

se publica o interesse de um conjunto de compradores ou

do Estado em adquirir medicamento. O fabricante ou

fornecedor desse medicamento registra o preço dele no

processo e aí toda vez que o Estado precisar comprar um

remédio ele adquire através desse processo.

Isso deve ser implantado ou melhor gerenciado?

Luis Carlos Reblin: Isso deve ser implantado porque no

Espírito Santo, em especial, nós ainda não temos o

registro de preços na área de medicamentos para que

todos possam fazer a adesão.

Tornaria a compra mais ágil?

Luis Carlos Reblin: É um processo muito mais ágil de

aquisição e permite a reposição imediata dos itens que

vierem a diminuir no estoque ou mesmo a faltar em

determinado momento.

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83

Quer dizer, então, que uma solução para esse

problema de falta de remédios de alto custo não

passa necessariamente pela falta de dinheiro. É mais

uma questão de gerenciamento?

Luis Carlos Reblin: É um problema de gerenciamento

porque os processos de compra na forma como são feitos

hoje, dificultam a reposição. O registro de preços

facilita a reposição dos medicamentos.

Gostaria que o senhor esclarecesse um pouco mais o

processo atual de compras e como deveria ser

feito...

Luis Carlos Reblin: Hoje é um processo que segue

através do pregão (uma espécie de leilão na internet). É

um processo de compra de fornecimento de um

item.Então, você faz uma agenda programada para

determinado período, ou seja, compra de uma só vez. Já

o registro de preços facilita muito porque a todo o

momento em que houver um aumento da demanda, eu vou

ao registro de preços e retomo essa demanda, busco

aquilo que está faltando para a Prefeitura ou para o

Estado, enfim.

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84

E qual é a dificuldade de se implantar esse sistema?

Luis Carlos Reblin: Esse é um modelo novo que alguns

Estados tem utilizado e que algumas capitais, também. A

dificuldade é que os sistemas internos das

administrações públicas, de Estado e de Municípios,

ainda não estão adequados a esta forma. Mas estamos

buscando essa adequação porque esse é um tema

fundamental que afeta o cotidiano de todas as pessoas

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85

Nossa segunda entrevistada apresenta um ponto de vista

complementar a essa discussão. Patrícia Luzia Ton,

Farmacêutica e Bioquímica, é a responsável por uma

experiência pioneira no Estado. Ela atua como

Coordenadora da Farmácia Popular de Cariacica,

inaugurada em abril de 2006, através de um convênio do

Município com o Ministério da Saúde e a Fundação

Oswaldo Cruz. A farmácia atende clientes de todo o

Estado com medicamentos vendidos a preços de custo.

Os preços são até 80% mais baratos que os do mercado.

Atualmente a Unidade é procurada por aproximadamente

400 pessoas por dia e oferece 107 itens como: remédios

para pressão, Diabete, Cardiopatia, Colesterol, pílulas

anticoncepcionais e até preservativos.

Qual tem sido a experiência da Farmácia Popular aqui

em Cariacica?

Patrícia Luzia Ton: Tem sido uma experiência boa. Tem

atendido às expectativas do Município, da Fundação

Oswaldo Cruz e do Ministério da Saúde.

E qual tem sido a satisfação de quem procura a

farmácia?

Patrícia Luzia Ton: Agradar a população é uma questão

sempre complicada. Mas acredito que temos alcançado o

objetivo e atendido de forma satisfatória.

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86

Há um problema crônico hoje na Rede Pública que é a

frequente falta de alguns medicamentos distribuídos

pelas farmácias públicas do SUS e dos municípios.

Você teria alguma proposta nesse sentido?

Patrícia Luzia Ton: Uma proposta que já funciona: a

Farmácia Popular. Ela veio para auxiliar a Unidade de

Saúde, com medicamentos que nem sempre estão

disponíveis. Na Farmácia Popular a população pode

encontrar o medicamento que precisa, não de graça, mas

de uma forma bem mais barata que o preço convencional

do mercado. Acho que é uma maneira de resolver o

problema, pelo menos em parte. Minha proposta seria a

criação de novas unidades da Farmácia Popular.

Os clientes que vocês atendem aqui são os mesmos

que freqüentam as farmácias públicas?

Patrícia Luzia Ton: Também, mas não só. Temos clientes

que vem das farmácias do SUS e também outros que vem

das farmácias particulares. Temos receitas da Rede

Pública e da rede privada. Acredito que seja 50% de

cada uma dessas duas origens.

Page 87: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

87

Considerando os tipos de medicamentos que são

vendidos aqui, a criação de novas farmácias populares

seria realmente uma solução de parte do problema?

Patrícia Luzia Ton: Sim, seria um complemento.

Principalmente no acesso da população ao medicamento

básico e essencial. A Farmácia Popular foi criada com

esse objetivo.

Pelo que você pode verificar nessa primeira

experiência, qual seria o reflexo na Saúde Pública da

criação de novas Unidades da Farmácia Popular?

Patrícia Luzia Ton: O tratamento das patologias através

de uma medicação adequada e de qualidade diminui a

lotação nos hospitais públicos. Automaticamente, você

garante melhor saúde e melhor atendimento para aqueles

que realmente precisam dos hospitais. Evita que você vá

ao médico sem necessidade. Implantar Farmácia Popular

é um dos caminhos para isso. Cariacica é o primeiro

município do Estado a ter uma Farmácia Popular ligada ao

Ministério da Saúde e estamos conseguindo um bom

resultado. Acredito que outros municípios deveriam

partir para isso também. É um assunto que eu gostaria

que fizesse parte das propostas de governo de todos os

gestores públicos sejam do Estado ou dos municípios.

Page 88: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

88

DESAFIO 5

ESTRADAS

“O acidente aconteceu no município de Fundão e

envolveu um Escort, um caminhão e um Pálio. Três

pessoas morreram no local, entre elas a juíza Cristiane

Lobo...”. Assim começou mais uma, entre as muitas e

rotineiras reportagens, que tratam de acidentes

gravíssimos nas rodovias que cortam o Espírito Santo.

Um drama que, infelizmente, faz parte da rotina do

Estado, e já não provoca reação de surpresa na

população.

O Espírito Santo é cortado por dez rodovias

federais, que ultrapassam os 1200 quilômetros se

considerarmos as estradas prontas, em obras e

projetadas. Destas, apenas as quatro com maior

movimento são fiscalizadas pela Polícia Rodoviária

Federal, numa extensão de 763,5 km. São elas: a BR 101

que tem 458,4km, corta o Estado de Norte a Sul,

atravessa 20 municípios e, mais do que isso, é o principal

eixo de ligação do sul ao norte do Brasil; a BR 262, com

195,9km dentro do Espírito Santo, é a principal ligação

do Estado do Espírito Santo com Minas Gerais, além de

ser a grande via rodoviária de escoamento do corredor

centro-leste que segue até a divisa com a Bolívia; a BR

259, com 106,3km, sai de João Neiva, passa por Colatina,

Baixo Guandu e segue por Minas Gerais; e a BR 601, com

apenas 2,9km, mais conhecida como a “Reta do

Page 89: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

89

Aeroporto”, em Vitória. Além destas, segundo o DNIT,

órgão responsável pela manutenção das estradas

federais, ainda há a BR 393 (Cachoeiro/Muqui); BR 342

(Nova Venécia/Ecoporanga); BR 381 (São Mateus/Nova

Venécia); BR 484 (Itarana, Afonso Cláudio); BR 482

(contorno de Cachoeiro de Itapemirim); BR 447

(projetada para ir da BR 101 até o Porto de Capuaba).

Todas estas as rodovias apresentam problemas de

conservação.

A rodovia do Contorno –trecho da BR 101- é a

mais perigosa do Estado, sendo apontada como o

principal “gargalo” do transporte rodoviário no Espírito

Santo. Ela é assim chamada por fazer o contorno de

Vitória, facilitando a movimentação de quem vem da

Bahia ou do Rio de Janeiro, ligando o município da Serra

a Cariacica, ao longo de 26km. Este trecho apresenta um

quadro de acidentes diário, geralmente de alguma

gravidade. De primeiro de janeiro a trinta e um de

outubro de 2006, aconteceram ali 401 acidentes, com 16

mortos e 227 feridos, segundo os dados da Polícia

Rodoviária Federal. Ou seja, 1,3 acidentes por dia nesse

período. O movimento na rodovia do Contorno cresce 5%

ao ano, com uma média de 15 mil veículos/dia, podendo

chegar a 25mil nos dias de pico. Especialistas ressaltam

que o movimento desse trecho da BR 101 é quase duas

vezes superior ao que seria ideal. A estrada ficou

pequena, tem poucos pontos de ultrapassagem e é

cercada de bairros residenciais.

Page 90: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

90

Dados da Polícia Rodoviária Federal apontam que,

entre janeiro e outubro de 2006, ocorreram nas quatro

rodovias fiscalizadas 4.697 acidentes, com 2.754 feridos

e 217 mortos. Mais de 50% dos acidentes aconteceram

na BR 101.

Nas rodovias estaduais, segundo os dados da

Polícia Militar, foram 1460 acidentes entre janeiro e

novembro de 2006, com 45 mortos e 891 feridos.

Quando os primeiros dados para este estudo foram

apurados, em junho do mesmo ano, havia 870 acidentes,

com 30 mortos e 540 feridos. Ou seja, à medida que as

informações chegavam, mais 15 pessoas morreram e

outras 351 foram feridas nas rodovias estaduais.

Segundo a Secretaria Estadual de Transportes,

em janeiro de 2003, a maior parte das estradas

estaduais era ruim ou regular. Já no final de 2006, a

situação já era inversa, de acordo com os dados oficiais

(veja na tabela a seguir). Ainda assim, dos 5200Km de

rodovias estaduais no Espírito Santo, metade não tem

asfalto.

Page 91: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

91

DEMONSTRATIVO 5

QUALIDADE DAS ESTRADAS ESTADUAIS

SITUAÇÃO Janeiro/2003 DEZEMBRO/2006

Bom estado 25% 57%

Regular 34,6% 31,2%

Mau estado 40,4% 11,8% Fonte: Secretaria Estadual de Transportes

Se fizermos uma projeção das estatísticas de

acidentes nas estradas que cortam o Espírito Santo,

sejam elas administradas pela União ou pelo Estado,

teremos um número de mortos anual próximo de 290

pessoas, o que dá uma média de 24 mortes por mês.

É bom destacar que a estatística aponta como

mortos apenas os óbitos registrados no momento do

acidente, o que exclui o grande número de vítimas que

vêm a falecer nos hospitais. Uma questão que até merece

melhor discussão, posto que maquia a verdade dos

números, amenizando a dimensão das tragédias

provocadas por essas estradas

.

Page 92: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

92

Wagner Chieppe é Presidente do Sindicato de

Transportadores de Cargas, no Espírito Santo. Mais do

que isso, é um empresário com 35 anos de experiência

em transporte rodoviário, diretor de uma das maiores

empresas do ramo no País, a Águia Branca. Conhecedor

da logística que envolve passageiros, cargas,

funcionários, equipamentos e estradas, Wagner Chieppe

diz que a maior causa dos acidentes é a ultrapassagem

forçada e que isso ocorre porque os motoristas se

estressam e perdem a paciência. Nessa entrevista ele

elogia o plano de recuperação das estradas estaduais e

faz críticas ao modelo que está sendo proposto para a

concessão da BR 101. O empresário alerta para a

tragédia: “não se pode mais perder pessoas e valores nas

estradas”.

Qual o principal problema das estradas que cortam o

Espírito Santo?

Wagner Chieppe: Nós temos dois problemas sérios que

é a BR 101 e a BR 262. O maior número de acidentes está

acontecendo nestas rodovias, e elas têm como

característica um traçado já superado, para uma

demanda de veículos mais leves, sendo que hoje nós

temos equipamentos muito mais pesados, e um tráfego

muito maior. O último investimento que houve no Espírito

Santo foi no final da década de 60. Estamos com quase

Page 93: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

93

40 anos sem nenhum investimento expressivo nas

rodovias, e com aumento de tráfego, principalmente no

Espírito Santo, em razão do crescimento de vários

setores da economia. E isso aumenta a necessidade do

modal rodoviário. Por mais que se queira desenvolver os

outros modais e estão se desenvolvendo, ainda assim,

cada vez mais estamos tendo um aumento de tráfego.

Qual o perfil dessas estradas?

Wagner Chieppe: As Brs federais, como a 101, por

exemplo, são pistas simples que não comportam mais a

demanda, e que sofrem com uma demora muito grande

nos investimentos. É claro que não é um problema só do

Espírito Santo, é um problema do Brasil. Não é de agora

também, é um problema que se arrasta há muito tempo...

Nós empresários apoiamos a criação da CIDE sobre

combustíveis há sete anos, acreditando que aí nós

teríamos uma solução para a falta de recursos. E nós

temos hoje aí, uma geração de oito a nove milhões de

reais para aplicação em infra-estrutura e não estamos

vendo esse recurso aplicado. Aliás, a participação no PIB

tem caído a um valor insignificante o que se aplica em

infra-estrutura. Uma hora falta projeto, outra hora é

problema de obra embargada pelo TCU e quando tem a

verba a obra acaba não saindo por alguma razão

burocrática. Então, nós entendemos que tem que ser

priorizado, não se suporta mais essa quantidade de

acidentes que estamos tendo, perdendo valores,

Page 94: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

94

perdendo pessoas. Está difícil conviver com isso. O que

deixa a gente um pouco preocupado é com a falta de

perspectiva que temos para melhorar isso. Essa é uma

dúvida que a gente tem. Quando isso será superado?

Temos tratado desse assunto junto à bancada Federal e

junto ao Governo do Estado que tem se empenhado e

procurado conduzir o processo. Isso está se tornando

uma prioridade de todos aqui no Espírito Santo. No caso

das rodovias estaduais o processo está avançado. Os

recursos estão saindo, têm projetos, estão sendo

lançadas várias obras. Neste aspecto, no âmbito

estadual, a gente observa que a coisa está caminhando

bem. Já no federal o processo está mais atrasado. Claro

que você tem uma burocracia maior para vencer. Mas

precisa ser olhado com mais carinho. Hoje, viajar nas Brs

101 e 262 está se tornando uma opção de risco. Então

isso cria uma situação de stress, de desconforto... Você

percebe, inclusive, até um afastamento dos veículos

menores da pista porque as pessoas parecem estar com

medo de viajar.

As pistas das rodovias estaduais também são

simples...

Wagner Chieppe: São simples, mas são adequadas à

necessidade. Nas vicinais, nas estaduais, você tem um

volume de tráfego menor. O problema delas é o

tratamento do piso, melhoria de acostamento... Você tem

tanto nas federais como nas estaduais, uma questão

Page 95: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

95

séria que é a mistura de tráfego. Em muitos trechos as

rodovias tornam-se avenidas e isso cria um impacto

muito grande. O trânsito de longo percurso se confunde

com o de curto percurso, o que é um conflito. Até a

forma das pessoas dirigirem é diferente e isso causa

muitos acidentes. É uma questão que tem de ser olhada

urgentemente. Você tem de ter vias paralelas nestes

acessos para deixar o trânsito de longo percurso

liberado. Mas o que está se vendo é o contrário. Não tem

viaduto, não tem passarela, estão colocando lombadas

eletrônicas, quebra-molas. Isso vai criando uma retenção

muito grande e aumenta o custo econômico do

transporte. Isso é o “Custo Brasil”. Cada vez mais você

tem uma velocidade econômica caindo e a conseqüência é

uma baixa produtividade.

Questões como sinalização e traçados de engenharia

preocupam?

Wagner Chieppe: Sem dúvida, esse traçado da 101 está

completamente fora do padrão. Houve muito

aproveitamento de trechos que já estavam prontos no

passado. Então, nós estamos precisando duplicar a 101 de

ponta a ponta, e a 262, pelo menos, no trecho do Espírito

Santo. No mínimo, do trecho de Venda Nova até Vitória.

Isso tem que ser feito logo. A partir de uma duplicação,

você estará incentivando, no caso da 262, até o turismo.

Isso permitiria uma captação maior de turistas para o

nosso Estado. Na questão da 101, se nós temos esse eixo

Page 96: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

96

duplicado, seria também um fator de desenvolvimento do

Estado para o interior. E a partir do momento que você

tem isso aí, tanto no sentido norte como sul, seria muito

mais fácil instalar um fábrica em Linhares, Colatina ou

Cachoeiro. Seria um atrativo. Essas cidades não estão

nada mais distantes, do que Campinas para São Paulo.

Então, nós poderíamos ter essa mesma condição. Uma

estrada dessa, com qualidade, estaria tirando a

concentração do desenvolvimento de Vitória, que está

ficando inchada, e ajudando a distribuir esse

desenvolvimento para o interior do Estado.

Esse assunto tem sido tratado com prioridade pelos

governantes e representantes dos legislativos estadual

e federal?

Wagner Chieppe: Entendo que pelo Espírito Santo, sim.

Nós temos hoje pessoas envolvidas com isso, nós

estamos tendo uma seqüência desde janeiro de 2005,

desde quando se falou em fazer da 101 uma concessão,

começamos a debater esse assunto à exaustão. Temos

sido chamados, foram feitas reuniões em Brasília, então

tem havido um trabalho muito grande. O resultado é

muito baixo, mas temos tentado sim. Há um envolvimento

tanto da classe política quanto empresarial para dar uma

solução a isso. Houve um encaminhamento para uma

concessão. Quando fomos analisar, nós percebemos que o

investimento seria em longo prazo, e que isso poderia ser

um risco. Teríamos uma BR bem pavimentada, bem

Page 97: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

97

sinalizada, acostamento bem feito, mas também

estaríamos pagando em seis praças de pedágio um custo

alto, considerando que não teríamos a pista duplicada

imediatamente, que é a nossa maior necessidade. Então,

entendemos que foi melhor sair. Foi positiva a atitude do

Governador de pedir para sair do processo, do lote dois

para o lote três da concessão, e tentar com o Governo

Federal os investimentos necessários para melhorar as

condições de tráfego dessa estrada. A tentativa da

concessão ainda nos trouxe um problema: a Área

Econômica do Governo Federal viu a possibilidade de

transferir esse seu custo para a iniciativa privada, com a

mudança do gestor da rodovia, e considerou que não teria

que fazer novos investimentos. Infelizmente, é assim que

pensa a Área Econômica. Numa hora em que precisaria

investir para que pudéssemos ter um pedágio mais

barato, ela agiu ao contrário. Então, foi melhor ter saído.

Temos de lutar, temos de conseguir os investimentos

para, depois, entrarmos no processo de concessão. Por

mais que isso vá gerar custos, entendemos que é a única

forma.

Page 98: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

98

Então qual seria a melhor solução para as estradas

federais e estaduais, para resolver todos os

problemas?

Wagner Chieppe: Nas estaduais, continuar com o Plano

que está aí, para que a gente tenha toda essa malha

Rodoviária Estadual concluída e asfaltada. O que a gente

entende que em breve teremos. Isso está bem

encaminhado e acreditamos no Projeto. Nas federais,

urgentemente, um trabalho muito forte, para que a gente

possa ter a BR duplicada, urgente-urgentíssimo o

Contorno (trecho da BR 101), não esquecendo também do

trecho de Cachoeiro a Linhares. Mas temos de pensar na

Rodovia toda, para que a gente possa ter uma condição

mais confortável de trânsito.

Isso evitaria os acidentes e as mortes que temos

visto com freqüência?

Wagner Chieppe: Sem dúvida. Se você tem uma pista

bem sinalizada, com bom trabalho de acompanhamento

de velocidade, sem dúvida evitaria o que temos aí hoje. A

maioria dos acidentes que tem acontecido na BR é por

ultrapassagem forçada. É a consequência que vem

acontecendo porque as pessoas se estressam, perdem a

paciência e vão se arriscar para ver se conseguem

ultrapassar. Você não consegue entender um País que

quer se desenvolver e tem rodovias como as que nós

temos. Eu acho que elas já estão com o prazo vencido, já

Page 99: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

99

cumpriram com o seu papel nas condições atuais. Nós

temos que vencer isso, primeiro como gargalo do

momento e, segundo, pensando no desenvolvimento.

A qualidade nas estradas está bem contemplada na

Agenda Política?

Wagner Chieppe: Sem dúvida já foi contemplada no

Planejamento Estratégico do Estado. Há um espaço muito

grande dedicado à área de logística. E um dos primeiros

pontos que temos lá é exatamente a duplicação da BR 101

e da 262. Então, acho que é uma bandeira importante que

a classe política tem que pegar, defender, para que a

gente possa resolver este impasse. Então, a Bancada

Federal tem que dar uma grande contribuição nisso,

entender melhor o que está no Planejamento Estratégico

do Plano 20-25, quais são as prioridades, e alimentar o

orçamento da União com estes investimentos. Não

podemos deixar passar essa oportunidade. Já é difícil

estando no orçamento, se não tiver contemplado é

impossível.

Page 100: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

100

O Engenheiro Rodoviário Mauro Leite Teixeira entende

do setor como poucos. Trabalhou durante 35 anos no

DNER, atual DNIT, onde se aposentou. Na posição de

quem já acompanhou vários Governos, assistiu a criação,

a extinção e a desvirtuação de diversas políticas para o

setor, Mauro Leite acredita que só a vinculação de

impostos para a manutenção de estradas, aliada à

construção de ferrovias, pode superar os atuais

problemas e preparar o país para o futuro. Diz também

que não devemos nos iludir com a promessa de que a

concessão de rodovias para a iniciativa privada será a

solução de todos os males.

Qual a avaliação que o senhor faz da situação das

estradas que cortam o Espírito Santo?

Mauro Leite Teixeira: Eu tenho que analisar estradas

no cenário da matriz rodoviária do País. No Brasil, e no

Espírito Santo não é diferente, há uma predominância do

transporte rodoviário. Praticamente não temos ferrovias.

A decorrência disso é que as cargas tipicamente

ferroviárias são transportadas por rodovias. Citemos

exemplos aqui do Espírito Santo com produtos

siderúrgicos, indústrias e blocos de rochas ornamentais.

Essa carga inadequada na rodovia gera um problema sério

que é o excesso de peso por eixo. Então, a rodovia que é

planejada para durar um determinado tempo, com este

excesso de cargas vai durar até 60% a menos do tempo

previsto. Por exemplo, a rodovia que foi planejada para

Page 101: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

101

durar dez anos, vai durar até quatro anos. Outro

problema sério, talvez seja o pior, é a falta de

regularidade de recursos para o setor rodoviário. Nós

temos uma malha que carece de manutenção e

conservação permanente. Isso deveria ser uma atividade

rotineira. Mas como não temos regularidade de recursos

para o setor, acaba sendo feita uma manutenção

precária. Um pequeno buraco em uma rodovia que não foi

consertado logo, acaba virando uma “panela” e

comprometendo até a estrutura do pavimento. Então,

quando você vai fazer uma outra intervenção isso vai

custar, possivelmente, três a quatro vezes a mais, do que

custaria se a intervenção tivesse sido feita na época

correta.

Por que não há essa regularidade na manutenção?

Mauro Leite Teixeira: A malha rodoviária do Brasil foi

construída a partir dos anos 40 até os anos 70, quando

existia o denominado Fundo Rodoviário Nacional. Era um

recurso cobrado no combustível, vinculado a aplicação

nas rodovias. Esse recurso era gerido pelo DNER que o

repassava para os DERs e para os municípios> Você tinha

uma regularidade de recursos e isso permitiu expandir a

nossa malha rodoviária. Quando veio a Constituição de

1988, esse Fundo foi extinto. Foi exatamente quando a

nossa malha estava carecendo de manutenção. A partir

daí, ela ficou dependendo de recursos do orçamento da

União e de emendas de parlamentares. Os recursos

Page 102: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

102

passaram a não ser regulares. Isso causou um

desestímulo para o setor. Os problemas das rodovias no

Espírito Santo e no Brasil, vêm de longe, não são

problemas que estão acontecendo agora, são de algumas

décadas.

O senhor está propondo que um imposto já existente

seja vinculado à manutenção das rodovias ou propondo

a criação de um novo imposto?

Mauro Leite Teixeira: Veja bem, eu estou citando o

caso do Fundo Rodoviário Nacional que existiu até a

Constituição de 88. Mais recente foi criado o chamado

recurso da CIDE que é a Contribuição da Intervenção do

Domínio Econômico, um recurso também cobrado no

combustível, mas que não tem a destinação somente para

a estrada. Está previsto na lei que ele deve ser aplicado

na Área de Transporte e na questão ambiental da

exploração de petróleo. Mas, mesmo assim, é um recurso

que está destinado –também- à manutenção de estradas.

A gente defende, tem esperança, de que este recurso

passe a ser disponibilizado regularmente para ser

aplicado no setor e reverter esse cenário.

Essa falta de manutenção justificaria tantos

acidentes e mortes nas estradas como tem ocorrido?

Mauro Leite Teixeira: A experiência de quem trabalha

no setor é que o fator humano é predominante nessa

Page 103: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

103

questão. O papel da via é suplantado pelo comportamento

e pela falta de educação do motorista. Um exemplo que

a gente pode citar aqui no Espírito Santo é o que ocorre

na chamada Reta do Aeroporto (Vitória). Lá existem

todas as condições de uma boa via: Tem tangente, tem

defensa, tem ciclovia, não tem interseções e, ainda

assim, é um dos trechos com mais acidentes.

É o conhecido abuso dos motoristas...

Mauro Leite Teixeira: Há uma desinformação. Acho que

o trabalho de educação no trânsito tem que ser

resgatado porque acho que passa por aí a solução do

problema. É claro que a via também vai contribuir. Porque

a via deve dar ao motorista condições de transitar com

conforto e segurança. A via também tem a sua parcela de

responsabilidade, mas a ação do motorista é o

predominante nesse caso.

Se todas as vias dispusessem de pistas duplas, isso

não reduziria significativamente os acidentes já que a

maior parte acontece em função de ultrapassagens

forçadas?

Mauro Leite Teixeira: Não tenho essa convicção. Esse

próprio exemplo da Reta do Aeroporto demonstra isso. A

gente tem visto acidentes em locais onde tem pista

dupla, em boas condições, e acidentes graves. Na

Rodovia do Sol, por exemplo, tem havido acidentes

Page 104: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

104

apesar de ter as condições de segurança e conforto

adequadas. Então eu não tenho essa convicção.

Raciocinando com a realidade econômica brasileira, nós

não temos condições ainda de ter muitas estradas com

pistas duplas. Acho que o grande desafio hoje é você

manter as rodovias que já temos e ampliar,

evidentemente, onde for possível.

Retomando a questão do motorista, o senhor acha que

o álcool tem influência grande nas estatísticas de

acidentes?

Mauro Leite Teixeira: Perfeito, perfeito. Até gostaria

de citar dois fatos. Primeiro, acho que isso é um

subproduto da nossa sociedade de consumo. Quando você

liga a televisão para ver a Copa do Mundo ou o

Campeonato Brasileiro, os grandes patrocinadores são as

indústrias de Cerveja. E não vê um alerta para o

motorista não usar o álcool quando estiver dirigindo. Não

tem esse alerta. Acho que é uma questão a ser

trabalhada, onde cabe até uma legislação. Mas cito um

exemplo positivo: o Detran do Espírito Santo, com essa

campanha Madrugada Viva. Eu mesmo fui abordado no

trecho de Guarapari para Meaípe, por uma equipe do

Detran distribuindo uns panfletos educativos, alertando

que não se deve usar álcool quando se está dirigindo.

Achei isso extremamente positivo.

Page 105: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

105

Privatização ou concessão de rodovia é uma solução?

Mauro Leite Teixeira: Essa é uma questão que a gente

tem que tentar avançar, mas não devemos nos iludir com

essa solução. No mundo inteiro a concessão de rodovias –

o termo certo é concessão porque a rodovia é um bem

público e não pode ser privatizada, ela é concedida à uma

empresa para fazer a manutenção ou ampliação durante

um período – contempla de 3 a 5% da malha. Só é

passivo de ser fazer concessão nas rodovias que tem

grande volume de tráfego. Então, é uma solução, mas é

uma solução tímida para o tamanho do problema que nós

temos.

E qual a solução que o senhor vê para as vias nas

áreas urbanas?

Mauro Leite Teixeira: Esse é um outro grande desafio

no Brasil. Hoje a via pública é quase toda ocupada pelo

carro particular. É um desafio você tentar democratizar

o espaço da via pública. Seja através do incentivo ao

transporte coletivo, seja através do incentivo ao

transporte não motorizado. Você tem que implantar

ciclovias, calçadas para que as pessoas possam transitar

com conforto e segurança. Tentar mudar um pouco esse

comportamento que temos aí hoje. Acho que o

transporte não motorizado já é mito usado hoje,

Page 106: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

106

pesquisas demonstram isso. O Poder Público, tanto

Executivo quanto o Legislativo, tem que ter a

preocupação de criar as condições para o transporte não

motorizado.

E qual a conseqüência quando há uma mistura da via

pública urbana com a rodovia, como é o caso daquele

trecho da BR 101 na Rodovia do Contorno?

Mauro Leite Teixeira: Aquela Rodovia do Contorno já

está há um tempo precisando aumentar a sua capacidade.

Precisa até duplicar aquela via. Porque ela tem cargas

pesadas, passa em zonas semi-urbanas que possuem

conflitos com bairros populosos. Talvez seja um dos

principais problemas a ser solucionado pelos Governantes

e as pessoas envolvidas com o setor.

A questão das estradas deve ser um tema obrigatório

na agenda nacional?

Mauro Leite Teixeira: Com certeza, eu não diria nem só

estradas. A infra-estrutura do País como um todo deve

ser um tema imediatamente pautado. A responsabilidade

direta é do Executivo mas o legislativo também tem a

sua ação nesse setor. Como eu falei no início, os recursos

muitas vezes não são liberados, dependem de emendas

de parlamentares. Acho que o parlamentar tem que ter

essa visão dos problemas do setor e tentar contribuir

para a solução.

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107

Resumidamente então, qual a proposta que o senhor

deixa?

Mauro Leite Teixeira: Acho que temos de perseguir

duas questões. Uma é a de disponibilizar a regularidade

de recursos para o setor. Sem essa regularidade nós não

teremos condições de manter as nossas estradas em

condições adequadas. A outra é a de tentar contemplar

também a ampliação da nossa malha ferroviária. Aqui no

Espírito Santo eu até vejo com bons olhos a disposição

da sociedade e do Governo do Estado de implantar o

ramal ferroviário sul: de Vitória até Cachoeiro de

Itapemirim e, no futuro, até o Rio de Janeiro.

Com essas duas medidas a situação no futuro será

melhor de forma significativa?

Mauro Leite Teixeira: Sim, nós estaremos perseguindo

a solução. Mas não tenho ilusão. Acho que a solução não é

de um governo só. Essa deficiência surgiu em algumas

décadas e, portanto, teremos de gastar também algumas

décadas para recuperar. Mas tem que ter uma ação

permanente e firme nesse sentido. E com certeza, é

prioridade.

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108

DESAFIO 6

Imprudência no trânsito

No desafio anterior sobre as estradas,

deparamos com muitas respostas que nos transportaram

a uma outra questão, seguindo no mesmo destino, mas

por outras vias. Não há como falar dos acidentes e

mortes nas estradas sem citar a responsabilidade dos

motoristas que causam danos a si, às suas famílias e

sociedade.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA) revelam os custos financeiros dos

acidentes automobilísticos no Brasil. Informações ainda

de 2004 mostram que, somente nas estradas federais

que passam pelo Espírito Santo, o custo dos acidentes

chega a R$ 348 milhões e, nas estaduais, a R$ 109.3

milhões. No país inteiro esse custo é calculado em R$ 10

bilhões por ano. O cálculo é baseado nos serviços de

saúde como ambulância, hospitais, médicos,

fisioterapeutas, exames, remédios, perda da produção (o

trabalhador fica afastado do trabalho), danos ao

patrimônio que são os postes derrubados, as muretas

arrancadas, as fiações, gradis e todos os outros

equipamentos públicos que o motorista encontra pela

frente e leva ao chão. São mortos, feridos e prejuízos

espalhados por todas essas estradas.

Na guerra do trânsito é preciso desarmar os

motoristas. Especialistas são unânimes em defender

Page 109: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

109

maior rigor na emissão e renovação das Carteiras de

Habilitação, a fiscalização efetiva sobre as

irregularidades cometidas nas ruas e estradas e o

combate, sem fronteiras ao uso de álcool pelos

motoristas. Estas são as ferramentas que, aliadas à

educação no trânsito, podem promover a paz e evitar

mais vítimas.

Um ponto positivo vem sendo desenvolvido pelo

Detran no Espírito Santo em parceria com o Batalhão de

Trânsito da Polícia Militar. O programa “Madrugada

Viva”, criado em 2004, já se desdobrou em dois outros, o

“Montanha Viva” e o “Praia Viva”. O programa ganhou em

2006 um prêmio nacional do DENATRAN para trabalhos

voltados à educação no trânsito. Nas abordagens, os

motoristas fazem o teste do bafômetro e, se constatada

a embriaguez, têm a carteira recolhida e pagam multas.

A Legislação estabelece que a embriaguez pode

suspender a habilitação do motorista por um período de

quatro a doze meses e, em caso de reincidência,

suspensão de até dois anos.

Já um ponto negativo, de iniciativa nacional, é a

nova redação do Código de Trânsito Brasileiro, que exclui

o crime de trânsito da condição de homicídio doloso

eventual. Antes da alteração, se o motorista embriagado

fosse o responsável por um acidente que resultasse em

morte, poderia ser condenado por até vinte anos de

prisão. O entendimento era de que, embora eventual e

sem intenção de matar, o motorista assumiu o risco

daquela situação quando optou por beber. Com a mudança

Page 110: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

110

no texto, as prisões – que já eram raras - já não

ocorrem. E as penas mais comuns têm sido a prestação

de serviços comunitários e o pagamento de cestas

básicas.

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, mais de 90%

dos acidentes ocorridos nas rodovias federais no

Espírito Santo são causados pelo desrespeito às Leis de

Trânsito, principalmente o excesso de velocidade e a

ultrapassagem proibida. Considerando isso, temos aí,

então, ao lado da conservação, desenho e sinalização das

estradas, um outro grande desafio: a imprudência dos

motoristas. Como controlar e impedir esses abusos?

Page 111: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

111

A Médica Maria Cristina Santos de Carvalho é

Presidente da Associação de Medicina do Tráfego, no

Espírito Santo (ABRAMET), que estuda as causas dos

acidentes de trânsito. Especializada em Medicina do

Tráfego, um ramo da Ciência Médica, Maria Cristina é

Médica examinadora e perita de provas dos futuros

motoristas. Ela conhece com detalhes a forma como o

álcool atua no comportamento do motorista. Acha que o

Código de Trânsito deveria ser mais rigoroso e punitivo.

Ela não tem dúvidas de que a decisão de usar álcool não

pode ser pessoal: “beber e não dirigir é uma

responsabilidade social”.

Qual o peso da imprudência dos motoristas quando

falamos em acidentes e mortes nas vias urbanas e

estradas?

Maria Cristina Carvalho: Temos que começar lembrando

que o álcool é responsável por 61% dos acidentes

automobilísticos. E, além disso, o uso abusivo do álcool

está relacionado às principais causas de mortalidade

como, por exemplo, alguns tipos de Câncer, Hipertensão

arterial, Diabetes... Mas ele ganha mais impacto por

mortes violentas oriundas de acidentes automobilísticos.

Page 112: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

112

O álcool é fator predominante nos casos em que há

falha humana nos acidentes?

Maria Cristina Carvalho: Certamente. Temos que

analisar que precisamos melhorar a educação no trânsito,

a reeducação do condutor de veículo. Precisamos também

melhorar a fiscalização e a legislação.

O que leva o motorista a ser tão imprudente, dirigir

alcoolizado, de maneira inadequada ao trânsito? É

falta de preparo já a partir da primeira habilitação?

Maria Cristina Carvalho: Nós temos de levar

informação científica para a sociedade em geral. Não há

uma correlação exata entre a quantidade de álcool

ingerida e a quantidade de álcool presente no sangue que

é a alcoolemia. Isso varia de indivíduo para indivíduo e no

mesmo indivíduo.

Por que varia?

Maria Cristina Carvalho: Vou citar alguns exemplos.

Depende da capacidade do fígado de metabolizar o

álcool, depende da velocidade com que essa bebida

alcoólica é ingerida, depende da velocidade do

esvaziamento gástrico, ou seja, do estômago. Há

variações com relação à sexo e idade. Pelo teor alcoólico

da bebida ingerida, pela combinação do álcool com

medicamentos, drogas ilícitas e, muito importante, pela

Page 113: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

113

massa corporal. Então, nós temos como exemplo dois

indivíduos, um com cinqüenta e o outro com cem quilos.

Se estudarmos estes dois, dando a mesma dosagem de

álcool para ambos, vamos ver que o de menor massa

corporal está mais suscetível aos efeitos do álcool do

que o que tem maior massa corporal. Então, nós temos

que lembrar à sociedade o seguinte: quanto se pode ou se

deve beber antes de dirigir? O ideal é que não se possa e

não se deva beber antes de dirigir. É aquela nossa

campanha: se beber não dirija, se estiver dirigindo não

beba. A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego

trabalha com o limite ideal de alcoolemia, que é ZERO.

Muito embora o limite legal seja de até seis decigramas

de álcool por litro de sangue. Nós temos estudos

científicos que comprovam que 2 decigramas de álcool

por litro de sangue podem diminuir a sensibilidade visual

e a percepção de distância e velocidade. Ou seja, ainda

está no limite legal, não é?

Daí vem o acidente...

Maria Cristina Carvalho: Exatamente. Então ele tem

que saber: se for beber, não deve dirigir. E se estiver

dirigindo não deve beber.

Page 114: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

114

A senhora acha que falta fiscalização já que ainda há

tantos casos de motoristas envolvidos em acidentes

por terem ingerido álcool?

Maria Cristina Carvalho: A fiscalização agora tem sido

muito bem feita. Temos campanhas que tem tido efeito

aqui no estado do Espírito Santo. São campanhas inéditas

no País como a Madrugada Viva, Montanha Viva, Praia

Viva. Elas têm reduzido as fatalidades, seqüelas e óbitos

por álcool. Então são campanhas que nós precisaríamos

divulgá-las nacionalmente.

Tecnicamente como se prova que o motorista é

imprudente?

Maria Cristina Carvalho: São três coisas que ocorrem

num acidente, a negligência, a imprudência e a imperícia.

A falha humana está relacionada de 90 a 98% dos

acidentes automobilísticos. E o comportamento é uma

das principais causas da falha humana.

Que tipo de comportamento?

Maria Cristina Carvalho: O álcool afeta negativamente

três aspectos no que se concerne à direção veicular. O

indivíduo pode perder a autocrítica e fazer coisas que

normalmente ele não faria. Até a sobrevivência dos

envolvidos tem a ver. Para um mesmo acidente nós

podemos ter maiores seqüelas em quem usou bebida

Page 115: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

115

alcoólica do quem em quem não usou. Afeta também o

desempenho, na medida em que pode provocar

relaxamento, melhora do humor, diminuição dos reflexos,

diminuição da percepção de distância e velocidade,

redução da coordenação motora, déficit de atenção,

tonturas, perda do equilíbrio, visão dupla, excitação,

sonolência, coma e até óbito.

Diante desse quadro, qual a opinião da Associação

diante das mudanças que foram feitas na lei,

abrandando a pena para os motoristas que provocam

acidentes?

Maria Cristina Carvalho: Nós observamos que as

mortes violentas são provocadas muitas vezes por armas

de fogo, por armas brancas, mas, infelizmente, os

veículos automotores também estão provocando mortes

violentas com um grau muito elevado. O Brasil é um dos

campeões mundiais por acidentes automobilísticos. Com

relação à legislação, o crime de trânsito tem que ser

entendido da seguinte maneira: até que ponto o indivíduo

que usou bebida alcoólica está previamente ciente de que

ele pode vir a ter essas alterações de que nós falamos?

Até que ponto ele é responsável pelo acidente? Ele teve

a intenção de provocar o acidente com óbito, com

seqüela? Até que ponto nós poderíamos classificar esse

crime de trânsito como um homicídio culposo? Ele já não

seria doloso? Certamente há uma diferença com relação

aos crimes de trânsito, mas nós gostaríamos que os

Page 116: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

116

legisladores fizessem valer mais as leis e repensassem

sobre a questão do crime doloso, do homicídio doloso

para os crimes de trânsito.

A senhora acha que esse assunto tem sido tratado

com seriedade por parte dos órgãos responsáveis?

Maria Cristina Carvalho: Pode melhorar. Os acidentes

estão aumentando, estão sendo banalizados, a sociedade

já está em descrédito com relação à punição. Nós temos

que trabalhar todos os segmentos: a educação que

começa na escola e na família e a re-educação do

condutor que é muito mais complicada. Nós temos a

fiscalização e temos também a punição que deve ser

revista por meio dessa questão legislativa. As leis estão

aí e tem que ter validade. Agora, temos que trabalhar

toda a sociedade. É uma questão que envolve SUS, INSS,

superlota hospitais, é ruim para o condutor, para a

empresa onde ele trabalha, para as famílias, para as

seguradoras, para toda a sociedade. O acidente não é

bom para ninguém. A prioridade é máxima. O acidente

automobilístico tem muita magnitude, muita abrangência.

O prejuízo não é só econômico, é psicológico também.

Page 117: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

117

E que tipo de proposta a senhora faria para combater

o problema?

Maria Cristina Carvalho: Investimento na educação do

trânsito e nas escolas. Gostaria que os legisladores

tratassem o crime de trânsito como um delito qualquer.

Certamente cada um tem a sua qualidade e a sua

característica, mas que se fizesse do crime de trânsito

um homicídio doloso.

Isso reduziria o número de acidentes?

Maria Cristina Carvalho: Reduz a impunidade e o

número de acidentes. Então, temos de ter ações bem

articuladas, envolvendo todos os segmentos. É um

problema de saúde pública, vivemos o caos. Um momento

de conturbação no Brasil e, principalmente, no nosso

Estado. E só vamos conseguir resolver isso com ações

bem articuladas. Isso começa pelo exame de habilitação,

a renovação da habilitação, pelo Médico e Psicólogo

perito, pela fiscalização, educação e re-educação.

Precisamos de mais rigor da emissão à cassação das

habilitações. Para determinados tipos de delitos, tem que

haver a cassação da habilitação. Precisamos de rigor. A

sociedade precisa ver as medidas punitivas. É uma

emergência na Saúde Pública.

Page 118: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

118

O Coronel da Polícia Militar Jaime de Angeli é

especialista em trânsito na teoria e na prática. Foi o

criador e o primeiro Comandante da Polícia Rodoviária

Estadual, mais tarde transformada no Batalhão de

Trânsito da Polícia Militar. Reformado, é Professor de

Segurança no Trânsito em uma faculdade de Vitória.

Nessa entrevista, de Angeli surpreende dizendo que, do

ponto de vista do motorista imprudente, muitas vezes

uma pista com buracos pode ser mais segura do que uma

totalmente lisa. E é duro quando fala da falta de punição

ao motorista infrator: “as pessoas acham, as autoridades

principalmente, que o jovem infrator é um coitadinho.

Os pais ficam tentando influenciar determinada

autoridade para não punir o filho, porque é a primeira

vez... Mal sabem que agindo assim podem acabar por

enterrá-los”.

Por que acontecem tantos acidentes em vias urbanas

e estradas consideradas seguras?

Jaime de Angeli: Existe algo falso aí. Muitas vezes se

fala que a estrada é segura porque tem o piso liso que

facilita ao motorista desenvolver uma velocidade maior.

Mas quanto à segurança, ela não existe, porque quanto

maior a velocidade maior o risco de acidente. E faltando

obstáculo físico que dificulta ao motorista utilizar a

contramão, isso faz com que os acidentes aconteçam. Por

que acontecem acidentes, principalmente o acidente

Page 119: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

119

frontal que é o que mais mata mesmo? Porque ao

ultrapassar um veículo você utiliza a contramão, a mão do

outro veículo. E como você não tem paciência, como a via

não é duplicada, como não existe canteiro central

dividindo os fluxos, a via se torna insegura. Então é falso

falar “a via é de boa qualidade”, o piso é de boa

qualidade. Pode ser de boa qualidade se você comparar

com a via cheia de buracos, mas para efeito de

segurança, não há qualidade nesta via.

Como o senhor explica, por exemplo, o aumento no

número de acidentes em vias como a Rodovia do Sol

que, inclusive, é duplicada?

Jaime de Angeli: Estatisticamente acontecem

acidentes nas vias duplicadas, mas em menor proporção,

muito menor do que, por exemplo, a BR 101, que já

deveria ter sido duplicada há muito tempo. Em qualquer

país mediano, uma via como a BR 101 já estaria duplicada.

Naquelas que são duplicadas, sinalizadas e tem um

bom piso, o problema estaria na fiscalização?

Jaime de Angeli: Sim, aí falta fiscalização. E quando há

o flagrante do erro falta punição correspondente. Aí sim,

o ciclo começa a se fechar. Então, se você tiver uma

engenharia moderna e segura, e o motorista insiste em

cometer uma infração, ele sendo fiscalizado, abordado e

Page 120: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

120

retirado de ação de acordo com a lei, a coisa vai

melhorar.

O motorista capixaba é imprudente?

Jaime de Angeli: Todo motorista brasileiro é altamente

imprudente. A característica do nosso motorista é de

imprudência. Porque, culturalmente, nós dirigimos com

uma ação muito ofensiva. Nós queremos disputar espaço,

queremos chegar em primeiro. Nós não planejamos nossa

viagem. Nós saímos no horário, encontramos um

obstáculo, ficamos num engarrafamento por um período,

e queremos depois descontar. Aí vem o risco. Temos que

planejar nossa viagem mesmo que seja para levar os

filhos à escola. Temos que planejar porque podemos

encontrar obstáculos que nos atrasem.

E quais são as imprudências mais comuns?

Jaime de Angeli: Excesso de velocidade é a infração

que mais leva a acidentes. Porque ela leva à outras

infrações que, conseqüentemente, levam ao acidente. O

problema não é a velocidade, é o excesso. O motorista

consciente tem que identificar o que é “excesso”, na via

em que ele se encontra e as condições adversas que

interferem na sua dirigibilidade. Esse é o motorista

consciente, o bom motorista. Quando você está com

excesso de velocidade e precisa tomar uma decisão, você

Page 121: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

121

pode não ter espaço ou tempo, e acaba se envolvendo no

acidente.

Que outras imprudências são comuns?

Jaime de Angeli: A ultrapassagem indevida. Todo mundo

já sabe: ultrapassar na lombada, na curva, quando não há

visibilidade... Se acontecer uma colisão, é frontal. E

calcule uma colisão frontal? Acontece o que está aí:

carnificina, matança. E por quê? Porque muitas vezes o

motorista está com pressa, é a história do planejamento.

Porque a via permite isso, se não permitisse não teria.

Então são vários fatores que interferem. E quando você

encontra uma via que não é segura, você tem que ter

mecanismos para chegar ao seu destino com segurança.

Então você tem que providenciar esse mecanismo.

O telefone celular é um problema tão grave como é

falado?

Jaime de Angeli: Com certeza é um problema. Ele tira a

sua atenção. Não resta dúvida e por isso é proibido. É

uma questão de educação. A pessoa tem que ter

consciência de que não deve atender ao telefone. O

celular faz parte da vida, você não vive sem ele, mas

temos de mudar o nosso comportamento.

Page 122: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

122

E o consumo de álcool?

Jaime de Angeli: Álcool é um problema seríssimo. No

meu ponto de vista a própria lei já está errada ao

permitir que você faça uma ingestão de uma determinada

quantidade. Há muitas festas por aí, e qual o limite para

você parar de beber? O ideal é como na maioria dos

países do mundo, proibir totalmente. Quem vai dirigir

está proibido de beber. Porque, como cidadão, você não

tem mecanismos para aferir o limite. O álcool é um fator

motivante que leva à outra infração e que vai resultar no

acidente. O álcool faz você aumentar a velocidade,

forçar uma ultrapassagem de risco, entrar num

cruzamento sem observar, e aí acaba acontecendo o

acidente.

O Poder Público tem sabido coibir os abusos?

Jaime de Angeli: Não, não tem. Por exemplo, a nossa lei

de trânsito é perfeita na previsão das penalidades, nas

medidas administrativas. O problema é aplicar isso. Nós

vivemos num País onde a indústria da defesa é muito mais

forte do que aquele que existe para punir. O Código de

Processo Penal, por exemplo, facilita a defesa. E não

existe cultura no nosso País para punir. As pessoas

acham, as autoridades principalmente acham, que

“coitadinho, vamos punir?”. Os pais ficam tentando

influenciar determinada autoridade dizendo, por

exemplo, “não vão punir meu filho, porque é a primeira

Page 123: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

123

vez”. Talvez ele deixe de punir o filho, deixando-o dois

meses sem a carteira de motorista, mas ele pode ser

punido com a morte. Então, temos que parar com essa

cultura e até incentivar o Poder Público a punir os nossos

familiares. Agindo assim, a gente evita que, amanhã,

tenha que enterrá-los.

Então, devem ser punidos com mais rigor?

Jaime de Angeli: Nem estou falando com mais rigor.

Devem ser punidas com o que está previsto hoje. Já está

bom. O problema é que, hoje, mesmo com penas leves não

acontece... Se não acontece com a pena leve vai

acontecer com a pena grave?

Qual o reflexo para a sociedade quando um motorista

que provoca um acidente e mata uma pessoa não é

punido?

Jaime de Angeli: A sociedade vê o crime de trânsito

como uma fatalidade. As autoridades também enxergam

a morte no trânsito como uma fatalidade. E tem outra

coisa, embora eu não tenha dados científicos para dizer

isso: a morte no trânsito é remunerada. Nós temos um

seguro que paga para a família daquele que morre em

acidente de trânsito. O que acontece com isso?

Acontece uma desmotivação da família em procurar por

justiça. Porque a família recebeu um determinado valor e

Page 124: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

124

acaba não procurando os órgãos competentes para punir

aquele transgressor que matou alguém da sua família.

O senhor está se referindo ao Seguro Obrigatório?

Jaime de Angeli: O Seguro Obrigatório. A minha

experiência mostra que quando uma família toma

conhecimento de que vai receber uma determinada

quantia em função da morte de seus familiares, ela deixa

de procurar os órgãos competentes que existem para

punir aquele infrator, que matou aquele seu querido.

O senhor presenciou cenas desse tipo?

Jaime de Angeli: Com certeza. Eu já tive casos reais na

minha frente. A pessoa sorriu, saiu feliz, quando soube

que iria receber uma quantia em dinheiro porque o seu

marido havia morrido vítima de um acidente de trânsito.

Qual a opinião do senhor em relação à substituição

dos policiais militares de trânsito por agentes

municipais na fiscalização do trânsito?

Jaime de Angeli: O aumento do número de mortes

começou aí. Você não deve substituir, você deve somar.

Esse pensamento de que os agentes municipais de

trânsito iriam substituir o policial militar já mostrou que

foi um erro enorme. Não há substituição, tem que haver

parceria. A Polícia Militar é importantíssima no contexto

Page 125: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

125

de trânsito. A Polícia Militar pode fazer trânsito e

policiamento ostensivo ao mesmo tempo. A presença do

policial na rua, fazendo trânsito, significa que ele

também está fazendo policiamento ostensivo.

O senhor é contra a municipalização do trânsito?

Jaime de Angeli: Não, eu sou a favor. Mas a Polícia

Militar tem que assumir o seu papel importante na

segurança do trânsito. Não há substituição. O Município

não substitui o Estado. Eles têm que trabalhar em

parceria. O efetivo da Policia Militar no trânsito tem que

aumentar. E isso tem de ser revisto pelas autoridades.

Na prática como o senhor gostaria de ver essa

questão da imprudência no trânsito tratada por

políticos e autoridades?

Jaime de Angeli:. Em relação às imprudências e ao uso

de álcool nossos representantes precisam apenas fazer

com que a lei seja cumprida. O problema é que os órgãos

encarregados de cumprir a lei estão atrasados, não

acompanham a modernidade da própria lei. Então, tem

que se modernizar, tem que se integrar com os demais

órgãos. Por exemplo, uma coisa muito simples que

precisamos aqui no Estado é a integração das multas com

outros Estados. Os veículos emplacados em Estados

vizinhos vêm aqui, cometem barbaridades no trânsito,

Page 126: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

126

são autuados e nada acontece. Não pagam a multa. Isso é

o fim.

Em relação à imprudência, a proposta seria a volta

dos policiais ao trânsito?

Jaime de Angeli: Com certeza é fundamental. É

fundamental a presença da Polícia Militar no trânsito. E

como a Polícia Rodoviária Federal também deve agir mais

voltada para o trânsito. A gente sabe que a Polícia

Rodoviária Federal faz um papel importante procurando

armas, drogas, assaltantes nas rodovias. Mas também

não pode esquecer o trânsito porque as mortes que estão

acontecendo exigem isso.

Então, se há caminhos para se resolver o problema da

imprudência no trânsito, por quê isso não acontece?

Jaime de Angeli: Falta vontade política para se fazer a

coisa. O órgão que existe para ampliar penalidade tem

que aplicar penalidade. Não fazendo assim ele está sendo

omisso. É uma obrigação de todos. É o Detran, é a Polícia

Militar, é a Polícia Rodoviária Federal, são as

Prefeituras, o DNIT, o DERTES, são todos os órgãos

envolvidos no Sistema Nacional de Trânsito. Eles têm que

trabalhar de forma harmônica, integrada para atingir o

objetivo, que é o que? É Ter um trânsito seguro.

Page 127: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

127

DESAFIO 7

IMPOSTOS

Uma coisa é certa: nunca se pagou tanto tributo

no Brasil como atualmente. Em 2004 a carga tributária

do País (somatório dos impostos, taxas e contribuições

federais, estaduais e municipais) em relação ao PIB –

Produto Interno Bruto - estava em 36,8%; em 2005

passou para 37,82% e em 2006, a estimativa era de

fechar o ano em 38,2%, segundo o IBPT*. O primeiro

semestre de 2006 bateu um recorde histórico e chegou

a 39,79% (o primeiro semestre de 2005 foi de 39,16%).

Isso significa dizer que quase 40% de tudo que é

produzido no País acabam retidos nas mãos dos Governos

para se autofinanciarem. E o retorno à população acaba

sendo frustrante, em vista do alto custo de manutenção

das máquinas públicas no País. Situação que acaba

comprometendo, também, o crescimento econômico.

O Brasil lidera o ranking dos países emergentes

que têm o maior peso de tributos sobre a Economia.

Estamos à frente da Coréia do Sul, Argentina, Chile,

México, Rússia e China. E diante dos 24 principais países

do planeta, só perdemos em arrecadação para Suécia,

Noruega, França e Itália, segundo dados do IBPT e da

Receita Federal. Já em se tratando do IDH (índice de

desenvolvimento humano), que mede as condições para a

qualidade de vida de um povo, baseado em 3 pilares:

saúde, educação e rendimentos), o Brasil ocupa o 69°

Page 128: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

128

posto. Ou seja: pagamos como os ricos e vivemos como

os pobres.

O impacto sobre o trabalhador é gritante. Um

estudo do IBPT revela que o contribuinte brasileiro

trabalha do primeiro dia útil do ano até o dia 25 de maio,

somente para pagar os tributos exigidos pelos Governos

Federal, Estadual e Municipal. A pesquisa indica que a

tributação incidente sobre os rendimentos (salários,

honorários etc ) é formada principalmente pelo Imposto

de Renda Pessoa Física, pela Contribuição Previdenciária

(INSS, Previdências Oficiais) e pelas Contribuições

Sindicais. Além disso, o cidadão paga a tributação sobre

o consumo – já inclusa no preço dos produtos e serviços –

(PIS, COFINS, ICMS, IPI, ISS etc) e também a

tributação sobre o patrimônio ( IPTU, IPVA, ITCMD,

ITBI, ITR ). Ainda paga taxas ( limpeza, coleta de lixo,

emissão de documentos ) e outras Contribuições

( iluminação pública...). O estudo conclui mostrando que

em 2006 o cidadão teve que trabalhar 4 meses e 25 dias,

somente para pagar toda essa carga tributária.

Comparados com os dados dos anos anteriores, vemos

que o quadro se agrava refletindo no bolso do

trabalhador.

*Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

(www.ibpt.com.br) é uma entidade privada criada em

1992, com o objetivo de difundir, apurar e comparar os

dados oficiais sobre os tributos cobrados no Brasil.

Page 129: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

129

DEMONSTRATIVO 6

RELAÇÃO TRABALHO/TRIBUTOS

ANO DIAS DE TRABALHO (MÉDIA) PARA

PAGAR TRIBUTOS

DÉCADA DE 70 76 DIAS OU 2 MESES E 16 DIAS

DÉCADA DE 80 77 DIAS OU 2 MESES E 17 DIAS

DÉCADA DE 90 102 DIAS OU 3 MESES E 12 DIAS

PREVISÃO

2006

145 DIAS OU 4 MESES E 25 DIAS

Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)

A maior parte de tudo que é arrecadado vai para a

União: são os tributos federais. Ano após ano os índices

da arrecadação no País só fazem subir (veja a tabela ).

Desde 1991 o Governo criou contribuições como o CPMF,

CIDE e COFINS. Apenas o Imposto de Renda consome

6,76% do PIB. De acordo com o IBPT, os tributos

federais no primeiro semestre de 2006 levaram 69% de

tudo que foi arrecadado ( 2005=70,19%, 2004=69,88% ),

os tributos estaduais ficaram com 26% do bolo (

2005=25,64%, 2004=25,56% ) e os municipais com 5% (

2005=4,17% ).

A cada hora os brasileiros pagam cerca de R$ 90

milhões de reais de impostos. Para confirmar o

crescimento da carga, o IBPT revela que, em 2003, eram

R$ 61,47 milhões por hora. A previsão do Instituto é de

que ao final de 2006, a carga tributária per capta será

Page 130: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

130

de R$ 4.380,00, contra os R$ 3.987,46 de 2005, o que

significa um crescimento de 9,84%. No Espírito Santo,

por exemplo, a carga tributária per capta, calculada de

janeiro a novembro de 2006, chegava a R$ 4.132,00,

conforme o impostômetro *, da Associação Comercial de

São Paulo.

DEMONSTRATIVO 7

IMPOSTO X PIB

ANO

PESO DO IMPOSTO SOBRE O PIB

1999 31,64%

2000 32,84%

2001 33,68%

2002 35,84%

2003 35,54%

2004 36,80%

2005 37,82%

2006 37,82% FONTE: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).

*www.impostometro.com.br (Associação Comercial de

São Paulo).

Page 131: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

131

Um movimento liderado pela Associação Comercial

de São Paulo quer obrigar o comércio a indicar

claramente para o consumidor quanto ele paga de

tributos por cada item que compra. É uma campanha

educativa para conscientizar a todos sobre o tamanho da

“boca do leão”. Os eletrodomésticos, por exemplo, são

taxados entre 35 a 45% do preço final; um telefone

celular paga de impostos 41%; um disco cd embute 47%

de tributos; remédios, 35%,; alimentos, 25 a 30% e por

aí vai...

Qual o caminho para reduzir o tamanho do

problema que tomou conta do país, permitir o

crescimento da economia e levar o contribuinte a ter

uma vida melhor? Reduzir impostos? Cortar gastos?

Melhorar o retorno do tributo para o cidadão?

Page 132: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

132

O economista Orlando Caliman foi Professor da

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) por 30

anos. Participou como convidado da Comissão de

Tributação da Constituição de 1988. Atualmente é

Diretor-Presidente do Instituto de Pesquisas Futura. O

economista é conhecido por ser um permanente

pesquisador da realidade econômica nacional e regional

do Espírito Santo. Nesta entrevista, em sua sala na

Futura, Orlando Caliman diz que a carga tributária

brasileira, além de injusta, é burra.

Qual a sua visão sobre a carga tributária aplicada no

País?

Orlando Caliman: A carga tributária brasileira é

extremamente alta. E além de extremamente alta é uma

carga tributária burra. Burra porque onera

fundamentalmente a produção e recai mais fortemente

para as classes menos favorecidas. Ou seja, quanto mais

pobre mais paga.

Como isso acontece?

Orlando Caliman: Se você pega, por exemplo, uma

pessoa que ganha um salário mínimo. Ele vai ao

supermercado e compra a cesta básica. Em qualquer item

que ele comprar vai estar embutido o ICMS, o IPI, o

Cofins, o CPMF. Ou seja, indiretamente, ele está pagando

uma série de impostos. Como aquela compra tem um peso

Page 133: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

133

enorme no orçamento dele que é o salário mínimo

significa que, proporcionalmente, ele está pagando muito

mais do que estaria pagando alguém com faixa de renda

mais elevada. Esta outra pessoa sente um peso muito

menor desse imposto indireto. Então, nosso Sistema

Tributário tem essa característica de aplicar uma carga

maior de impostos de uma forma indireta, do que da

forma direta como é o Imposto de Renda, por exemplo,

que é o imposto sobre o que resulta do processo

produtivo.

Então o senhor acha que deveria ser reduzido esse

imposto indireto e aumentado o direto?

Orlando Caliman: Exatamente, seria o que chamamos de

imposto mais justo. Você tributa quem tem mais

capacidade de pagar e alivia os que têm menos

capacidade de pagar imposto.

O brasileiro é um dos povos que mais paga impostos

no mundo. De que maneira essa carga tributaria

elevada se reflete na economia?

Orlando Caliman: Um dos grandes responsáveis pela

falta de dinamismo da nossa economia, a incapacidade da

economia crescer de forma mais estável, já bate nesta

questão da carga tributária. Por exemplo, ela tributa os

investimentos. Em qualquer país do mundo, mesmo entre

os não tão desenvolvidos como o Brasil, não se onera o

Page 134: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

134

investimento produtivo. Aqui no Brasil nós tributamos,

inclusive, estes investimentos.

O senhor poderia dar algum exemplo?

Orlando Caliman: Vamos supor, você compra uma

máquina para produzir numa empresa. Está embutido no

valor dessa máquina o imposto. Diferentemente dos

Estados Unidos, da Europa, da Coréia ou mesmo da Índia,

onde você não vai ter esse tipo de ônus sobre algo que

vai contribuir para aumentar a capacidade produtiva.

Poderíamos dizer que um empresário que se

desenvolve em um país com uma carga tributária

menor, poderia enfrentar dificuldades no Brasil?

Orlando Caliman: Aliás, até o Edmar Bacha, um grande

economista, disse que se o Bill Gates abrisse a Microsoft

em São Paulo, provavelmente, ele estaria como

empresário de fundo de quintal. Por causa da carga

tributária e também da complexidade dessa carga

tributária. Um problema não só pela quantidade de

tributos como pela quantidade de Instituições que atuam

na fiscalização e no recolhimento desses impostos. É

Governo Federal, Governo Estadual, Governo Municipal.

Cada um desses, de forma diferente, tem uma estrutura

de fiscalização, o que também é um gasto. Esse é o nosso

grande problema.

Page 135: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

135

Há limites para a carga tributária?

Orlando Caliman: Esse é um outro problema. Nós temos

uma lógica perversa. É a lógica pela despesa. Você define

a carga tributária pelo tamanho da sua despesa. Você

aumenta a despesa e depois corre atrás para pagar essa

despesa. Hoje, por exemplo, esse gasto do Setor Público

está tão alto que nem a receita está sendo suficiente

para pagar. Tanto é que hoje ainda recorre-se ao sistema

financeiro captando recurso para cobrir o déficit

público.

Deveria haver um limite legal?

Orlando Caliman: Eu acredito que deveria haver um

limite, sim, porque esta carga tributária hoje está muito

acima da capacidade do brasileiro pagar. Se você pega os

Estados Unidos, a carga tributária é de 25%. Agora,

devemos imaginar que o americano tem muito mais

capacidade de pagar do que nós aqui. Argentina, por

exemplo, tem uma carga tributária de 21% , ou seja, está

mais ou menos dentro da capacidade de pagamento deles.

Agora, o brasileiro pagar 38% a 40%. É pesado.

Page 136: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

136

Também há um número grande de impostos

diferentes. É outro problema?

Orlando Caliman: É o problema da complexidade do

nosso sistema tributário. Você tem 3 instâncias –é um

sistema federativo: União, Estados e Municípios - e cada

uma destas instâncias tem a sua própria parte na

composição desse tributo. Praticamente 70% são

arrecadados pelo Governo Federal, 26% pelos Governos

Estaduais, 4% a 5% pelos Municipais. Essa é a nossa

lógica.

São quantos os impostos que pagamos?

Orlando Caliman: Entre impostos, taxas e contribuições

são mais de 50. Então, você imagina que cada instância

dessa tem lá a sua legislação. Você imagina 27 Estados

brasileiros tendo 27 legislações específicas de ICMS

com seus regulamentos específicos. Por exemplo: o

Espírito Santo tem a sua lei que regulamenta a cobrança

de ICMS e que é praticamente um livro de 700 páginas.

Ela é mudada a cada momento, na medida em que você

altera, por exemplo, a base de cálculo para a incidência

de ICMS, regimes especiais de tributação, etc.

Page 137: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

137

Quem mais sofre com essa situação, o empresário ou

o consumidor?

Orlando Caliman: No fundo, os dois. Eu diria até que o

consumidor final acaba sendo mais prejudicado porque é

onde vai bater o tributo. O empresário fica no meio. A

população é quem paga o imposto. Se você pegar

determinados produtos você vê alguns que tem no preço

dele 50% de tributos. E muitos deles são produtos até

essenciais, alimentos, por exemplo. E isso, naturalmente,

onera mais a ponta do consumo do que propriamente o

empresário. O empresário é repassador: recolhe aqui e

encaminha para o Governo. Mas ele também é

prejudicado porque tem um custo muito elevado para

fazer a gestão do pagamento dos tributos. Ele tem que

atender Município, Estado, União. Cada um de uma forma

diferente. Tem que ter 3 cadastros e tem que

acompanhar isso tudo.

Falta bom-senso por parte do Poder Público?

Orlando Caliman: Na verdade, essa questão deveria ser

resolvida pela formulação de uma nova maneira de

tributar no País. Isso já foi tentado várias vezes na

constituição de 88, nós tivemos “n” propostas de

emendas constitucionais.

Page 138: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

138

Mas os Governos têm se mostrado insensíveis?

Orlando Caliman: Insensíveis eu diria porque, como você

tem um sistema federativo, você tem por trás disso um

problema que bate, justamente, na questão do conflito

federativo. Quem tributa e quem recebe o tributo? Por

exemplo, tem uma proposta de reforma tributária que

basicamente coloca o ICMS como um tributo nacional.

Quer dizer, quem recolheria seria o Governo Federal e

repassaria para os Estados. Os Estados, logicamente, não

vão querer isso. Assim como seria também com os

Municípios, você tira a capacidade de tributar dos

Municípios. Então fica nessa discussão.

Como o senhor viu os debates em torno esse assunto

durante a última campanha eleitoral?

Orlando Caliman: Muito fracamente colocados. Deveria

ter sido mais incisivamente debatido e principalmente

incisivamente colocado em termos de propostas. Quer

dizer: que tipo de sistema tributário ou forma de

tributar que nós poderíamos ter para que o País pudesse

crescer mais? Não adianta você falar que a economia vai

crescer, falar em crescimento, sem bater nessa tecla da

reforma tributária. Assim eu acredito que seja difícil.

Page 139: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

139

Como um especialista na área o que o senhor colocaria

em discussão, qual sua proposta?

Orlando Caliman: As propostas hoje já estão

disponíveis. É uma questão de como levá-las à frente. Por

exemplo, a questão da desoneração dos investimentos, da

produção. Durante a campanha, os dois candidatos à

Presidência, o Lula e o Alckmin, até colocaram isso nas

propostas, mas não disseram concretamente como seria

trabalhado. Porque isso implica em mudar a forma de

tributar, por exemplo, o ICMS. Ou implica em redução do

número de impostos o que, necessariamente, terá de ser

feito. Hoje você tem IPI, ICMS, Cofins, ISS aplicados

sobre o faturamento. Por que não trabalhar um imposto

único sobre o faturamento ou o valor final do produto ao

invés de fazer esse picoteamento com vários tributos em

cima da mesma base de cálculo? E, por outro lado, tentar

reforçar a idéia de reduzir os chamados impostos

indiretos e aumentar os impostos diretos. Porque quando

a carga passou de 20% para 38% nesses últimos vinte

anos o que aconteceu, quais os impostos que mais

cresceram? Foram os impostos indiretos, são mais fáceis

de serem criados. A proposta, enfim, é por um sistema

mais justo de tributação. Para que quem está ganhando

menos passe a pagar menos imposto. Ao contrário do que

existe hoje no nosso sistema tributário.

Page 140: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

140

E se nada disso for feito?

Orlando Caliman: Naturalmente a gente vai seguir, nada

vai acabar, mas a Economia vai deixando de ter o

dinamismo necessário para se sustentar em termos de

futuro.

Page 141: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

141

O Advogado Tributarista Luiz Cláudio Allemand,

trabalha com tributos há 16 anos e tem especialidade em

Direito Tributário, Empresarial e Processual Civil. É

membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados

do Brasil, e foi designado pelo Presidente da OAB,

Roberto Busatto, para integrar a Comissão Especial

criada para fazer uma radiografia da arrecadação e

destinação da CPMF. Nessa entrevista, em seu

escritório, ele critica a complexa burocracia tributária

brasileira. Mas diz que não se deve pensar em cortar

tributos agora. Antes, aponta para a redução dos gastos

públicos.

Qual a avaliação que o senhor faz da legislação

tributária que temos hoje no Espírito Santo e no

País?

Luiz Cláudio Allemand: É um cipoal de regras. Você tem

algo em torno de 55 mil artigos, 33 mil parágrafos, e a

criação de 330 novas normas por ano. Isso transforma a

nossa regra tributária num verdadeiro labirinto para o

contribuinte. Isso tudo é –obviamente- manejado com

muita astúcia pelo Poder Público.

E qual a conseqüência dessa situação?

Luiz Cláudio Allemand: É o que estamos vendo hoje. Nós

temos aí um empresariado totalmente impedido de

crescer em face dessa carga tributária absurda. Uma

Page 142: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

142

carga tributária que chega a padrões nórdicos para a

arrecadação, e se assemelha a países africanos no que se

refere ao retorno à população.

Quem sai mais prejudicado hoje com essa legislação

que existe no Brasil?

Luiz Cláudio Allemand: É o cidadão brasileiro e também

o empresário que não consegue crescer. Se não consegue

crescer, não gera empregos. Se não gera empregos, o

cidadão não consegue comprar. E se ele não consegue

comprar o que as empresas produzem, o Governo não

consegue aumentar a arrecadação de uma forma

sustentável. Então, você tem um círculo vicioso. Ao

contrário, se você tivesse uma arrecadação justa, teria

uma produção maior, que geraria emprego, o cidadão

passaria a ter salário, consumir, gerar imposto, e daí

vem um círculo benéfico. Ou seja, todo o cidadão

brasileiro perde com essa carga tributária. O País não

consegue crescer. Eu sou de uma geração que está vendo

o País patinando. O País não cresce, não gera emprego,

não gera riqueza. E os nossos concorrentes estão

crescendo. O mundo teve dois “boons” de crescimento:

na década de 70 e o Brasil não acompanhou e na década

atual. O mundo está crescendo 5% e nós temos

informações de que o PIB brasileiro está fechando em

torno de 3.5 e não vai atingir a meta de 4%.

Page 143: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

143

E se o motivo é a carga elevada, por quê não muda?

Luiz Cláudio Allemand: Porque temos um gasto da

arrecadação irresponsável. Os nossos administradores

que são os políticos eleitos por nós não sabem gerir a

coisa pública. Não sabem porque gastam erradamente,

inescrupulosamente. Veja o caso dos “sanguessugas”.

Isso nada mais é do que uma forma atualizada de se

fazer dinheiro com o orçamento. Alguns anos atrás

tivemos o escândalo dos “anões do orçamento” e não se

resolveu o problema. A gente continua com esse ralo

aberto. É dinheiro que vai pelo ralo da corrupção. Um

dinheiro que foi arrecadado com o suor do cidadão e do

empresário, que está gerando riqueza para crescer o

País. Mas o País não consegue crescer porque esse

dinheiro não é investido.

O que o senhor pensa sobre os impostos indiretos?

Luiz Cláudio Allemand: Nessa carga tributária nós

temos aproximadamente 74 tributos entre impostos,

taxas e contribuições. Um exemplo clássico de imposto

indireto é o aplicado sobre medicamentos. Se você entra

numa loja de medicamentos veterinários você tem uma

carga tributária de 18% no remédio para animal. Mas se

você entra numa farmácia, a carga tributária é de 35%

no remédio para o Ser Humano. Há uma distorção no

sistema. Isso sem falar na alimentação que é o mesmo

problema. E os eletrodomésticos? Se você baixa o preço

Page 144: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

144

o povo compra mais. E comprando mais, gera mais

empregos, impostos e por aí vai.

Esse assunto tem sido discutido com conhecimento

pelos políticos?

Luiz Cláudio Allemand: De jeito nenhum. Isso para mim

é triste. Essa dormência, essa falta de percepção de um

anseio da população. A população não aguenta mais pagar.

A classe média está empobrecendo. Em vez de se

resolver o problema da classe baixa e elevá-la ao

patamar da classe média, levando-a também a consumir e

pagar impostos, temos a classe média pagando sozinha

para todo mundo. É o caso da tabela do Imposto de

Renda. Foi uma forma covarde que os nossos governantes

acharam para indiretamente aumentar a arrecadação. Eu

cito um exemplo: quem hoje recebe de R$ 3 mil a R$ 3,5

mil estaria na faixa de isenção se a tabela do Imposto

de Renda não estivesse congelada. Hoje ele paga a

alíquota máxima, 27,5%.

De que maneira o cidadão pode contribuir para uma

mudança?

Luiz Cláudio Allemand: A população já começa a ficar

ciente do seu problema. Temos uma campanha em São

Paulo, capitaneada pela OAB paulista e outras entidades

de classe, chamada Olho Vivo. Essa campanha visa,

primeiro, regulamentar o dispositivo do parágrafo quinto

Page 145: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

145

do artigo 150 da Constituição Brasileira que exige que,

assim como o preço do produto, a carga tributária

também esteja na gôndola do supermercado, farmácia,

loja. E em segundo plano, o que eu chamo de uma

cidadania tributária, acho que o contribuinte que elegeu

o administrador que faz as leis, que aumenta a nossa

carga tributária, também fiscalize esse administrador

público, para que ele gaste corretamente o dinheiro que

é arrecadado com o suor do povo brasileiro. Nós

trabalhamos hoje para poder gerar riqueza. A cada dez

reais que o cidadão brasileiro produz, quatro ficam no

cofre do Governo. É muito. É um absurdo a forma como

se tributa nesse país.

Qual a proposta do senhor?

Luiz Cláudio Allemand: Inicialmente eu gostaria de um

pouco mais de responsabilidade. Nós temos que ter

responsabilidade para administrar a coisa pública. Você

não pode ter responsabilidade com a coisa pública se

você enche a máquina administrativa com novos

funcionários a cada eleição que passa. Você não pode ter

responsabilidade com a coisa pública quando não

consegue trabalhar com metas. Tudo nesse País é de

hoje para amanhã. É imediato. É preciso ter metas,

porque sem elas não vamos conseguir resolver o problema

da carga tributária. Um exemplo é a gastança pública.

Não adianta você aumentar o gasto público, desequilibrar

a balança fiscal e querer aumentar a carga tributária

Page 146: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

146

para cobrir esse rombo. Gostaria de ver também nossos

representantes legislativos, os Vereadores, Deputados,

Senadores, fazendo leis benéficas para o cidadão e não

benéficas apenas para o Poder Executivo. Gostaria de

ver ainda a independência do Poder Judiciário ao decidir

as questões de matérias tributárias. O Judiciário não

deve ficar preocupado com a queda da arrecadação

quando for julgar algo favorável à essa questão, como foi

o caso do Supremo Tribunal Federal no caso do Salário

Educação e com o Seguro Acidente do Trabalho.

Questões gritantemente inconstitucionais, em que o

Poder Judiciário, preocupado com a queda de

arrecadação, julgou pela constitucionalidade, provocando

mais um custo tributário para a população. Ou seja,

gostaria de ver a independência entre os Poderes, como

está no artigo segundo da Constituição. Não gostaria de

ver da forma como está, com os Poderes atrelados e

preocupados com a questão da arrecadação porque

administrar um País aumentando tributos é muito fácil.

Aumenta-se o gasto, aumenta-se tributo. Espera aí, tem

que ter um limite. E esse limite eu não estou vendo.

Uma outra proposta seria a redução imediata do

número de impostos, taxas e contribuições?

Luiz Cláudio Allemand: A redução imediata não seria

viável porque você estaria tratando de forma muito

simples um problema que não se resolve em curto nem em

médio prazo. Você teria primeiro que partir para uma

Page 147: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

147

responsabilidade maior com o gasto público. A partir daí

você teria a possibilidade de trabalhar a redução de

alíquotas de impostos, redução da taxa de juros etc. O

problema econômico do País anda atrelado à questão

fiscal. Se você tem um gasto público muito alto você tem

que arrecadar e ainda acaba tomando dinheiro

emprestado com taxas altas de juros. Essas situações

andam em conjunto.

O grande problema, então, é o gasto público?

Luiz Cláudio Allemand: Sem dúvida. Nove em cada dez

economistas dizem: primeiro você acerta o gasto público

para começar a acertar o problema fiscal no futuro. O

outro economista diz que primeiro você tem que acertar

a taxa de juros, reduzindo-a. Tudo bem, mas para

reduzir a taxa de juros você também tem que acertar o

gasto público.

E o senhor acredita na redução do gasto público?

Luiz Cláudio Allemand: Não vejo como. Não quero ser

um visionário negativo, mas com as administrações

irresponsáveis dos nossos políticos não acredito em

controle do gasto público e, por conseqüência, em

redução da carga tributária.

Page 148: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

148

DESAFIO 8

TURISMO

O turismo entra neste elenco de temas como uma

atividade que nasce como solução, mas que pode se

tornar um problema, se não for bem gerida. Os grandes

especialistas do assunto resumem o conceito dos bons

atributos da atividade turística, da seguinte maneira: o

turismo é bom em uma cidade quando ela é boa para os

seus moradores. Ou seja, se o lugar tem um bom

trânsito, um bom serviço de saúde e saneamento, boas

escolas e população educada, oportunidades de trabalho,

segurança para os moradores, lá haverá qualidade de

vida. Neste lugar, o turista se deslocará com facilidade,

encontrará praias despoluídas e ruas limpas, será bem

atendido por uma população consciente da importância do

turista e não será incomodado por pivetes, ladrões e

pedintes. Nesta cidade, o turista também não será

incomodado por uma multidão de vendedores ambulantes,

posto que lá as pessoas terão ocupação de trabalho e só

se dedicará ao turismo quem for do ramo. Se esse lugar

maravilhoso ainda dispuser de pontos turísticos tanto

melhor, se não, já será um paraíso...

Foi-se o tempo em que atrações naturais, praias,

monumentos históricos eram suficientes para atrair o

turista. A atividade tem vários perfis. Um deles é

espontâneo e não precisa de planejamento. Este turismo

Page 149: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

149

é impulsionado pela proximidade, custos baixos,

facilidades e não necessariamente pela qualidade. No

Espírito Santo, podemos encaixar nestas características

os balneários como Jacaraípe, Guarapari, Piúma,

Anchieta, que são visitados por turistas de baixa renda.

Muitos viajam em ônibus de excursão, se hospedam em

imóveis alugados para grupos, trazem boa parte do que

irão consumir e, quando vão embora, praticamente não

deixam dinheiro na cidade. Deixam problemas: sujeiras e

poucas contribuições para o desenvolvimento local. Já

uma forma não espontânea de atração turística é aquela

desenvolvida por agentes captadores como, por exemplo,

os “convention bureau”, espalhados por alguns lugares do

mundo. No Espírito Santo temos o ES-Convention e

Visitors Bureau. Estes organismos disputam a atração de

grandes eventos que acabam dando um bom retorno à

atividade turística. No turismo de negócios, por exemplo,

o dinheiro gasto diariamente por um turista deste

modelo é mais expressivo que o de um turista

convencional e com um detalhe importante: o turista de

negócio costuma pedir notas de todas as despesas que

realiza, até mesmo para efeito de comprovação de

gastos junto à sua empresa. Isso representa uma boa

ajuda aos cofres públicos na hora de recolher os

tributos.

Este tipo de captação de evento turístico é

especializado e exigente. Em 2006, por exemplo, o ES-

Convention e Visitors Bureau, se candidatou a atrair um

evento esportivo internacional de grande porte para a

Page 150: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

150

praia de Camburi, o “World Champioships Beach Ultimate

2007”. O Estado concorreu inicialmente com 12 destinos

e, ao longo da captação, foram fixados quatro destinos,

incluindo o Espírito Santo, para a realização da visita de

inspeção e uma análise técnica mais apurada do local.

Concorrências deste tipo são altamente profissionais e

conduzidas por Empresas experientes. O próprio ES-

Convention e Visitors Bureau, que trabalha há oito anos

com captação de eventos, admite que neste período

ainda não havia participado de um processo de captação

tão bem conduzido e transparente quanto este. Foram

reuniões, visitas, questionários etc. Ao final, Vitória

estava empatada com a cidade de Maceió, em Alagoas,

que acabou faturando o evento. Entre os motivos de tão

difícil disputa havia os seguintes:

A praia de Camburi, apesar de possuir a extensão

necessária, tem areia grossa, com pequenas pedras

que poderiam provocar acidentes. A Prefeitura de

Vitória se dispôs a fazer uma rigorosa limpeza na

praia, mas a comissão organizadora do evento

concluiu que ainda assim a areia continuaria com seu

aaspecto físico deficiente.

A balneabilidade das praias também foi levada em

consideração, e a praia de Vitória ficou abaixo do

esperado, quando comparada à praia de Maceió.

Apesar de os atrativos turísticos do ES terem

encantado a comissão realizadora, o destino Maceió

Page 151: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

151

possui maior apelo turístico internacional, por estar

posicionado na Região Nordeste.

Maceió apresentou uma rede hoteleira de menor

custo em relação a Vitória, além de possuir muitas

pousadas na região próxima à escolhida para a

realização do evento.

Maceió possui três vôos charter para a Europa, o que

facilitaria o deslocamento dos participantes do

evento.

A segurança pública também foi levada em

consideração e as estatísticas de violência

observadas em Vitória foram consideradas altas em

comparação com Maceió.

A reprodução deste caso é interessante em nosso

estudo por provar como o turismo moderno é exigente e

feito por e para profissionais.

No Espírito Santo há indicações de que o assunto

começa a ser tratado com a seriedade que se impõe. Em

2004 foi lançado o Plano de Desenvolvimento do Turismo

2004-2013. Neste documento constavam políticas e

projetos elaborados a partir do Planejamento

Estratégico do Governo e alinhados com o Plano Nacional

do Turismo. Num segundo passo, foi lançado o Plano de

Desenvolvimento Sustentável do Turismo 2025 *.

*fonte: Secretaria de Estado de Desenvolvimento

Econômico e Turismo.

Page 152: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

152

O Plano do Governo é apresentado oficialmente como

“inserido no modelo de desenvolvimento socialmente

inclusivo, ambientalmente sustentável e geograficamente

desconcentrado”. O Plano traz projetos para a

estruturação do setor: melhoria da competitividade do

arranjo produtivo através da revitalização dos centros

turísticos; melhoria da infra-estrutura; criação de

Centros de Eventos; consolidação das rotas turísticas;

qualificação de empreendedores e trabalhadores;

desenvolvimento do turismo regional; diversidade da

oferta turística e qualificação dos produtos turísticos.

O estudo mostra que o turismo capixaba se

concentra, principalmente, no segmento de mercado do

turismo de sol e mar, com as praias funcionando como

maior atrativo. No entanto, vem crescendo com o

chamado turismo de eventos e negócios.

Veja o quadro atual em ordem de importância e

dimensão para os segmentos mais expressivos:

Turismo de sol e praia

Turismo de negócios e eventos

Turismo rural/agroturismo

Turismo cultural

Turismo náutico

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153

E, na seqüência, o Plano aponta os segmentos

promissores:

1. TURISMO DE NEGÓCIOS E EVENTOS

2. TURISMO RURAL/AGROTURISMO

3. TURISMO NÁUTICO

4. TURISMO DE AVENTURA

5. TURISMO CULTURAL

6. ECOTURISMO

7. TURISMO DE SOL E PRAIA

8. TURISMO DE SAÚDE.

9. TURISMO DE PESCA

10. TURISMO DE ESPORTES

O Plano de Turismo é recheado de roteiros,

estratégias e estatísticas. Se este vai ser apenas um

plano a mais, não dá para saber.Pelo menos, já se percebe

algum avanço numa atividade sempre encarada de forma

amadora e simplista.

Page 154: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

154

Nosso primeiro entrevistado para este desafio é um

homem que já viu muitos planos e projetos terminarem

da mesma forma como nasceram. Já esteve à frente do

planejamento turístico, foi um pioneiro na atividade e é

ainda hoje uma referência quando se fala em turismo no

Espírito Santo. José Carlos Monjardim Cavalcante, o

Cacau Monjardim, é Jornalista, Publicitário,

Administrador de Empresas, Técnico em Turismo. Foi

Secretário de Comunicação nos governos Élcio Álvares,

Gerson Camata e José Moraes, Secretário de Turismo e

Comunicação na Prefeitura de Vitória, gestão Hermes

Laranja, presidiu a antiga EMCATUR (Empresa Capixaba

de Turismo) por 10 anos. Aos 73 anos é Diretor-

executivo da Fundação Jônice Tristão. Ah, e antes que

me esqueça, Cacau Monjardim também é um conhecido

frasista, autor de expressões como “capixabismo” e o

mais célebre slogan em homenagem à culinária e ao

turismo capixaba: “moqueca só capixaba, o resto é

peixada”. Nesta entrevista ele diz, entre outras coisas,

por que o turismo capixaba não faz o mesmo sucesso que

a moqueca.

Qual o raio x do turismo no Espírito Santo?

Cacau Monjardim: Pelo tempo que nós participamos do

processo turístico capixaba, é relevante destacar que o

Estado sempre teve uma certa tendência a ser um

grande pólo turístico. No entanto, nós perdemos muito

tempo com discussões estéreis. Com aquela psicose de

Page 155: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

155

fazer projeto em cima de projeto, quando precisávamos

de ação e efetivas realizações em termos de infra-

estrutura. Nós pagamos um preço por falta de

especialização e formação profissional. É fundamental

que nós pudéssemos formar –e temos hoje como formar -

uma geração de excelente nível profissional. Essa

especialização é imprescindível ao processo de

desenvolvimento do Estado. Hoje, principalmente, nos

são lançadas algumas responsabilidades maiores do que

aquelas que tivemos no passado, quando sentimos a

degradação de Guarapari, o abandono de um produto que

só Guarapari tinha, que era a sua radioatividade

terapêutica, balsâmica e medicinal. Nós trocamos isso

por uma concorrência inútil, imprópria e que não produziu

resultado algum. Foi quando quisemos partir para um

turismo que fosse nivelado àqueles padrões de Porto

Seguro, Cabo Frio, Angra dos Reis e outras unidades,

sem termos capital, experiência e investimentos para

fazermos um processo acelerado de desenvolvimento.

Já que o senhor falou em Guarapari, qual é, ou qual

era, a vocação de Guarapari?

Cacau Monjardim: Sempre foi uma vocação turística

acentuadíssima. No litoral sul do Espírito Santo residem

75% da demanda do turismo capixaba. E para essa

região, Guarapari sempre foi o pólo de entrada. Foi o que

deu notoriedade e expressão ao turismo de nosso

Estado. Como esquecer aquelas vantagens que seu

Page 156: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

156

produto oferecia, que era um radioclima de excelente

padrão, com altos benefícios em termos de saúde, de

preservação do vigor físico e mental? Guarapari tinha

uma água que era uma maravilha, tinha condições

terapêuticas e medicinais que justificavam já àquela

altura que o balneário partisse para a implantação de

uma Clínica Terapêutica, que fosse fisioterápica,

radioterápica...

Mas o senhor acha que ainda tem jeito de recuperar

essa vocação?

Cacau Monjardim: Acho que tem jeito e é o único

caminho que Guarapari vai encontrar para tentar

compensar no tempo e no espaço o seu prestígio passado.

É se transformar, realmente, num balneário de

expressão, em termos de conquistas de novos fluxos

turísticos da terceira idade. Seria o único no País. Então,

nós temos de ter referenciais que nos permitam fugir do

comum.

Porque o Turismo do Espírito Santo não deu certo até

hoje, embora se fale sempre do potencial do nosso

litoral?

Cacau Monjardim: Eu acredito que faltou acreditar

mais. O Turismo é um fator de desenvolvimento

econômico. Só que nós nunca acreditamos nisso. E só

agora eu sinto um esforço mais concentrado, mais

Page 157: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

157

profissional, para transformar o Turismo, realmente,

num suporte de desenvolvimento estadual. E vou mais

longe. Nós corremos um desenvolvimento de risco.

Porque a expressão dos investimentos programados até

2012 na região sul do Estado deve gerar cerca de 100 mil

empregos. Somente em Anchieta , que deverá ter um

pólo do porte da CST de hoje com mais as usinas de

pelotização da Vale do Rio Doce, a ampliação do Porto de

Ubú, e a duplicação do mineroduto da Samarco, teremos

aí um desafio fantástico. Cabe àqueles que hoje estão

dentro do Turismo, que estão lutando para preservar

isso, policiar todos os investimentos programados para a

região sul do nosso Estado, para o nosso Estado como um

todo. Para que não tenhamos que pagar agora o mesmo

preço que pagamos quando ganhamos os chamados

grandes projetos de impacto que nos deram São Pedro

(Vitória), onde famílias disputavam com urubus o resto

de comida. Portanto, temos que equilibrar isso. Manter o

equilíbrio entre a preservação do meio-ambiente e o

processo de desenvolvimento que nos é muito caro.

Qual é exatamente esse risco?

Cacau Monjardim: O risco é transformar a região sul

num favelão homérico e histórico.

Page 158: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

158

E o que tem para dar certo no turismo capixaba?

Cacau Monjardim: Em primeiro lugar temos que

valorizar muito a nossa Montanha. Preservar a nossa

Montanha porque é um relicário de beleza, de vivência, o

terceiro melhor clima do mundo. Está se afirmando hoje

com aquelas idéias que tivemos no passado quando

realizamos lá, pela primeira vez, o Festival Internacional

do Vinho. Meio pedante para a época, já que não

produzíamos vinho nenhum. Mas foi aquilo que deu o

toque a nível nacional, fazendo da região de montanhas

do Espírito Santo, uma região ideal para cultura das

chamadas frutas tropicais de clima frio. E a nossa

montanha hoje tem bons empresários, homens de larga

visão, que estão fazendo da região um verdadeiro

paraíso. Agora, é preciso preservar isso! Não liberar

investimentos imobiliários a toque de caixa. Cada coisa

tem o seu lugar, cada produto da região tem que ter o

seu valor. Cada um dos nossos municípios tem que

valorizar aquilo que nasceu das suas raízes. Frutos das

mãos das suas doceiras, quituteiras, dos que realmente

fazem a força da expressão dos valores municipalistas

do Estado.

Quando o senhor fala do “terceiro melhor clima” isso

é uma peça publicitária ou uma força de expressão?

Cacau Monjardim: Não é peça publicitária não! Isso é

perfeitamente provado. O engenheiro Eliezer Batista da

Page 159: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

159

Silva é um dos que mais tem defendido essa tese com

base em estudos feitos ao longo destes últimos trinta

anos. O clima de Domingos Martins, na região de

Pedreiras, é considerado e aceito pacificamente como o

terceiro melhor clima do mundo. Nós temos a vantagem

ainda de termos como presente da natureza os nossos

colibris, as nossas orquídeas... Hoje o nosso pólo de

flores está crescendo. Daqui a pouco, quem sabe não

teremos por aqui uma Holambra, também produzindo

flores para exportação, como já começamos a fazer, é

claro, ainda engatinhando, mas nós vamos chegar lá. É só

preservar, manter as tradições e não deixar que um

cosmopolitismo acelerado faça disso uma lembrança do

passado. É preciso preservar isso.

E sobre o potencial do nosso litoral. O senhor já

falou em Guarapari. E o litoral como um todo?

Cacau Monjardim: É verdadeiramente fantástico. O

Espírito Santo tem condições excepcionais. Nós temos

em cima desse litoral a melhor culinária em frutos do

mar desse país. Isso dito por uma pesquisa do grupo

Abril, que consultou 2340 dos melhores restaurantes do

país, que apontou os frutos do mar do Espírito Santo e,

em especial, a moqueca capixaba, como o prato preferido

dessa região de freqüentadores, exigentes, viajantes,

que conhecem outras culinárias. É preciso partir para um

projeto mais arrojado que leve o Espírito Santo a um

nível de visão mais ampla além dos limites da nossa ilha.

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160

Nós tínhamos que pensar internacionalmente. Na Europa

tem 15 empresas operando ferryboats, porque não o

Espírito Santo liderar um processo com a Bahia e o Rio e

fazer aí nessa região um sistema de ferryboats que sirva

ao turismo, sirva à cargas também? Viabilizar ainda um

sistema aquaviário que seja misto, também servindo de

turismo. Por quê não enfrentar com os olhos no futuro, a

necessidade de lutar para transformar Vitória num ponto

especial para receber “caravans”? Nós temos o Espírito

Santo no meio do litoral do país. Muitos vêm do exterior

para fazer campismo de alto padrão, de motohomes,

caravans... Esse é um turismo de alto poder aquisitivo.

Porque não transformar Vitória num porto de entrada

disso para o país? Estamos entre o Norte e o Sul. Daqui

o turista pode sair para conhecer o litoral todo e ainda o

Planalto Central. Hoje, se você chegar de motohome ou

de caravan para viajar pelo Brasil, vai levar em média 20

dias para liberar o seu ingresso. Na Inglaterra você leva

vinte minutos.

Vitória não se enxerga como ilha, turisticamente?

Cacau Monjardim: Não. Vitória pagou aquele tributo de

ficar acanhada, ser aquele velho presépio de

antigamente, isso deve ter dificultado os nossos

administradores de levantarem a viseira e encararem o

oceano como maior profundidade. O Espírito Santo

precisa despolarizar, quer a Grande Vitória, quer o nosso

interior, para fazer um desenvolvimento equilibrado.

Page 161: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

161

Precisamos manter nossas populações no interior do

Estado e não trazê-las para a capital, criando condições

para isso. É louvável que hoje se faça uma administração

séria, profundamente identificada com essas aspirações

que temos de preservar. Você só ama aquilo que conhece,

então, é fundamental que nós capixabas conheçamos bem

o Espírito Santo com todos os seus municípios. Eu tive a

felicidade de ter descoberto isso há 30 anos e continuo

dentro destes mesmos propósitos.

Quando o senhor destaca as belezas do Espírito

Santo e, em especial a do nosso litoral, o senhor

considera que elas sejam suficientes para ser um

diferencial já que o Brasil possui um grande e belo

litoral?

Cacau Monjardim: Sim, desde que encontremos bons

referenciais para nos situar dentro deste litoral. Até

hoje estamos brigando por um centro de convenções e de

eventos. Vemos que o programado para Vitória continua

se arrastando em debates administrativos e

burocráticos e aquilo que deveria estar pronto já para

2007 foi reprogramado para 2009. Então isso atrasa o

esforço que está sendo feito.

Falta infra-estrutura para o Estado?

Cacau Monjardim: Claro. Vai nos faltar daqui a pouco

rede hoteleira, por isso é importante que essas redes

Page 162: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

162

que estão vindo de fora venham mesmo com suas

técnicas e visões profissionais. Precisamos transformar

o Espírito Santo numa nova imagem. O Estado mudou de

escala e é preciso que nós capixabas entendamos isso.

Mudamos de escala.

Com essa nova imagem o senhor acha que os agentes

de turismo deveriam “vender” o Espírito Santo pelo

Litoral ou pela Montanha, preferencialmente?”.

Cacau Monjardim: Deveriam vender o Espírito Santo

como o maior pequeno Estado do mundo. É uma atração.

Nosso turismo de negócios está crescendo. Você sabe

que para São Paulo se afirmar, o pessoal vai lá pela alta

produtividade de seu parque empresarial e industrial.

Nós temos um parque aqui que poderia ser explorado, ser

uma grande atração, e tentar fazer com que o

empresário que vem aqui trabalhar e investir prorrogue o

seu tempo de permanência no Estado. Nós temos que

saber conquistá-los. Seja através de uma boa mesa, de

belas paisagens, de manifestações culturais, artísticas e

folclóricas... Valorizar isso. Fazer disso o nosso banco de

investimento. Nós temos que criar um banco de

investimento turístico capaz de motivar e diferenciar o

nosso turismo dos demais Estados criando marcas

próprias, coisas próprias, referenciais próprios.

Page 163: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

163

Esse tema vem sendo bem discutido aqui no Estado?

Cacau Monjardim: Infelizmente, não. Você vê que os

vários Governos falam muito em turismo. É a simpatia de

falar em turismo. Mas quando chegam ao Poder pouco ou

nada fazem pelo turismo. Seriam muitos poucos os nomes

dos Governadores que emprestaram ao turismo uma

certa importância. Eu destacaria a preocupação de

Christiano Dias Lopes, quando criou a Emcatur, a

preocupação do Elcio Álvares, quando deu curso à

Rodovia do Sol, ao doutor Arthur Carlos Gerardt Santos

, que também deu grande apoio à Emcatur... Mas não

tivemos continuidade. No entanto, pudemos participar do

crescimento da Bahiatursa, quando se implantou, com um

estatuto que era cópia fiel do estatuto da Emcatur. Só

que eles tiveram o Antonio Carlos Magalhães e a

continuidade administrativa.

Qual a proposta do senhor para dinamizar o turismo

do Espírito Santo?

Cacau Monjardim: O turismo hoje é uma coisa

fantástica. Precisamos fazer com que esse tremendo

potencial seja encarado com responsabilidade e,

sobretudo, como fator de desenvolvimento econômico.

Page 164: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

164

Que ações objetivas o senhor sugere?

Cacau Monjardim: Criar uma infra-estrutura com os

padrões de turismo de primeiro mundo, com boas

rodovias, transporte, profissionalização, opções, custos...

Tentar nivelar os nossos custos. Já tivemos os menores

custos do país e estamos perdendo essa característica.

Temos também de valorizar os nossos produtos e

implantar pólos de atração turística no sul e no norte, em

torno da lagoa Juparanã.

O que falta para que os agentes de turismo vendam

melhor o Espírito Santo, oferecendo nosso Estado nos

pacotes turísticos?

Cacau Monjardim: O Espírito Santo precisa ser mais

agressivo em termos de marketing. Temos de vestir a

camisa, partir e ir conquistar nichos de mercado. Isso é

feito com um certo acanhamento, falta de recursos.

Então tem que haver, realmente, uma política para isso.

Eu acredito que agora, no curso desse processo de

desenvolvimento para os próximos 20-25 anos, cabe

colocar o turismo na escala das grandes preocupações do

Estado. O turismo é um instrumento social, de geração

de empregos, de valorização da cultura, das raízes e do

passado. Paul Valèry disse que uma das coisas mais

importantes do mundo foi a invenção do passado e do

futuro. Temos que nos valer da experiência do passado e

ingressar no futuro vestidos a rigor.

Page 165: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

165

O senhor fez frases famosas como “moqueca é

capixaba, o resto é peixada”. Qual a importância

desta frase?

Cacau Monjardim: Continuar fazendo da moqueca uma

autêntica moqueca capixaba. Essa frase transformou-se

num símbolo de simpatia cuja veracidade tem sido

testada e provada. Porque se fosse só uma frase, já

teria desaparecido.

Page 166: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

166

Marco Antonio Cypreste de Azevedo é profissional do

turismo dos novos tempos. Engenheiro Civil e

Administrador de Empresas, já foi Diretor-presidente

do Acquamania (parque aquático), Diretor-comercial do

Hotel Fazenda Flamboyant, membro do Conselho

Nacional de Turismo entre 1998 e 2001 e, pela segunda

vez, é o Presidente do ES-Convention e Visitors Bureau,

entidade criada em 22 de maio de 1998 que já captou ou

apoiou mais de 240 eventos regionais, nacionais e

internacionais. Esta entrevista, como não poderia deixar

de ser, foi num lugar apropriado ao assunto: a pérgula da

piscina do Hotel Hostess Costa do Sol, em frente à Praia

da Costa, em Vila Velha. Marco Azevedo é direto e sem

rodeios quando diz, por exemplo, que “não queremos ser

visitados por turistas que não convidamos...”.

O que é o Convention Bureau e porque foi criado no

Espírito Santo?

Marco Azevedo: É uma fundação. Uma entidade que tem

por objetivo a atração de negócios com foco no turismo.

O “convention” é uma entidade que já existe no mundo há

mais de cem anos, e o objetivo é criar essas demandas

turísticas. Em todos os sentidos que se fale em turismo:

negócios, eventos, lazer, religioso... Tudo isso congrega

as atividades do convention. É uma entidade privada, sem

participação do governo do Estado, nem dos municípios.

Estamos com oito anos de Convention Bureau. É um nome

Page 167: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

167

internacional, de fantasia, que facilita o acesso de

pessoas do exterior que podem pesquisar em nosso site.

Qual tem sido o resultado da atuação aqui no Estado?

Marco Azevedo: O que permitiu a criação do Convention

foi o crescimento da oferta hoteleira da cidade. Com

isso, nos organizamos em torno de todo o trading

turístico: agências de viagem, hotéis, empresas de

eventos, profissionais liberais que interagem nessa área,

que criaram essa organização. Temos mais de 340

eventos realizados, temos um turista de eventos de

negócios gastando aqui por dia, cerca de trezentos e

trinta reais, e somos responsáveis por 10% do

crescimento do fluxo turístico na Grande Vitória.

O turismo do Espírito Santo é apontado como uma

atividade que não decolou. Qual a avaliação que o

senhor faz disso?

Marco Azevedo: Fala-se muito do potencial turístico do

Espírito Santo e basta ver os resultados que temos

obtido. Temos uma das melhores taxas de ocupação

hoteleira do Brasil, aqui na Grande Vitória. Temos um

gasto médio, diário e individual, alto. O que precisamos

fazer com o Espírito Santo é levar todas as regiões a

participarem desse desenvolvimento, que se aproximem

do que é Vitória e Vila Velha hoje. Hoje nós temos um

modelo que se repete pelo nosso litoral sul e norte com

Page 168: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

168

um turista que não atende aos princípios da auto-

sustentabilidade social, econômica e até ambiental. Esse

turismo tem que respeitar isso. Fala-se muito que o

turismo não polui, mas polui. Então, esses dois trechos do

litoral estão precisando de uma assistência maior para

que possam acompanhar o desenvolvimento da capital. E

temos também a questão da região de montanhas, que

atrai um turista mais local. Tem um grande potencial de

crescimento, mas temos de cuidar para que esse turismo

também seja auto-sustentável. Para que a região não

seja transformada numa favela.

Nessa visão mais técnica do turismo o que o senhor

aponta como algo que não deu certo e precisa ser

mudado?

Marco Azevedo: O Espírito Santo paga um preço pela

localização geográfica dele. Aquilo que era uma vantagem

competitiva no passado quando o turista se deslocava

principalmente de automóvel e ônibus, deixou de ser

vantagem para nós. Outras regiões se desenvolveram

com novos equipamentos, novos hotéis, resorts, uma

estrutura mais organizada no marketing, e nós ficamos

para trás, não acompanhando esse desenvolvimento. Essa

proximidade fez com que o nosso litoral sofresse com a

grande quantidade de turistas nos períodos pequenos do

ano. Esse modelo pode ser visto em Guarapari e todas as

cidades do nosso litoral. Precisamos trabalhar a

quantidade de carga que essas cidades podem receber.

Page 169: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

169

Não podemos mais trabalhar o turismo nessas cidades

como quantidade. Temos que qualificar o turista que nos

visita. Acho que esse é o grande ponto.

O turismo de negócios é para a Grande Vitória e o de

lazer para o restante do litoral?

Marco Azevedo: O turismo de negócios da Grande

Vitória é fruto, principalmente, das nossas indústrias:

CST, Vale, Aracruz, Chocolates Garoto... Isso fez com

que tivéssemos um fluxo de negócios aqui. Junto a isso

entramos com o turismo de eventos. Mas podemos

trabalhar esse turismo de eventos, também, nessas

outras regiões. Na região das montanhas temos um

projeto junto ao governo que é o “portal do futuro” que é

contemplado com um centro de convenções. A própria

Guarapari tem outro projeto do Governo na região do

clube Siribeira, dentro do projeto de recuperação da

cidade, um projeto para um Centro de Convenções para

mil e duzentas pessoas. Isso vai facilitar para que a

gente tenha um fluxo anual, mais contínuo. Porque ficar

trabalhando apenas com a sazonalidade, nos leva àqueles

grandes problemas de sempre. Por quê não qualificamos a

mão de obra? Mas quem é que vai qualificar um

funcionário que só trabalha um mês por ano? Esses são

alguns dos desafios que a gente tem.

Page 170: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

170

Temos ainda espaço para o turismo de lazer ou só há

projetos para o turismo de negócios e eventos?

Marco Azevedo: Nós temos um resultado muito

interessante nisso aí. Eventos semelhantes aos

realizados em outros lugares, quando vêm para Vitória

recebem uma quantidade maior de inscrições. Nós temos

um lado muito forte nessa área de lazer. Uma pessoa

quando vem para um evento em Vitória traz sempre um

acompanhante. Então isso potencializa o nosso

desenvolvimento. Isso deve ser trabalhado nessas

regiões. Mas como trabalhar isso na parte do ano em que

não aparecem os turistas de lazer? Temos terceira

idade, turismo religioso, Passos de Anchieta que é um

projeto importante. A realização de eventos pode ajudar

a todas essas regiões a terem um fluxo permanente. E

até um fluxo interno. Atraindo também turistas das

nossas divisas com Minas, Rio e Bahia, mas dentro

daquele princípio: turista com auto-sustentabilidade.

Temos que definir qual o turista que queremos. Porque,

senão, seremos visitados sempre por um turista que não

convidamos.

Isso depende basicamente de quem: operadoras,

Prefeituras?

Marco Azevedo: É um ponto difícil. Mas tem que ser

trabalhada a união de todos. O Estado tem mostrado

isso. A “intervenção” em Guarapari serve como um

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171

laboratório para outras ações desse tipo. Os municípios

devem se preparar para fazer adesão à estes projetos.

Temos que qualificar o empresário. Na nossa região de

litoral temos um empresário que ainda não está

qualificado para participar desse mundo globalizado com

toda essa concorrência que existe. Então tem que

preparar ele, e depois preparar a equipe dele. E a

questão municipal: temos que escolher melhor os nossos

prefeitos. As nossas regiões do litoral ainda estão

naquela parte antiga do turismo onde se pensa que

quantidade é o que vai dar resultado, e não é. Precisamos

de um turista de qualidade.

Então, deve-se repensar essa forma que foi adotada

até hoje?

Marco Azevedo: Ela não foi pensada. Essa forma vem

acontecendo. Precisamos falar, vamos parar aqui agora e

perguntar: como é o turismo hoje? Não adianta

enchermos as nossas cidades de turistas e no final

ninguém sai ganhando. A população local não ganha, o

meio-ambiente é depredado, o empresário local não

consegue sobreviver, novas empresas não são criadas,

não geram imposto. Para que vamos querer esse fluxo

turístico? Essa é a questão. O turismo virou uma ciência.

Não é mais feito empiricamente, faz um hotel e pronto.

Não. Veja as grandes redes de hotéis de hoje, tem

escritórios no mundo todo. Como o pequeno hoteleiro

hoje vai poder participar desse mundo? Então existe a

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172

questão da união. Ele tem que estar unido à sua região, o

Estado tem que participar é muito importante também a

participação do Sebrae nesse processo.

A mudança desse perfil basicamente no litoral não

pode gerar uma imagem antipática da cidade com os

turistas que sempre freqüentaram aquele balneário?

Marco Azevedo: Eu tenho ouvido o governador falar

sobre isso, dizendo que não se faz uma omelete sem

quebrar os ovos. Precisa reorientar. As cidades no mundo

todo vêm mostrando isso. Veja o exemplo de Veneza, a

cidade cobra ingresso das pessoas. Exemplos no Brasil: o

balneário de Camboriú (SC), controla o fluxo turístico.

Vai uma excursão para a cidade? Então, se cobra uma

taxa, tem um período que pode ficar, precisa dizer onde

os turistas ficarão hospedados. O Estado que tem o

poder de fiscalização também tem que fiscalizar os

hotéis para ver se estão dentro dos padrões... Enfim, é

um trabalho conjunto e ninguém vai vencer esse desafio

se não for em conjunto.

Nas montanhas o turismo já está nascendo de

maneira mais racional ou também precisa rever suas

diretrizes?

Marco Azevedo: Eu acho que a montanha pegou um bom

momento. Nós despertamos antes na montanha do que no

litoral. Lá os prefeitos já estão compreendendo isso

Page 173: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

173

melhor. Já se trabalha os Pdms (plano diretor municipal)

da região, já se tem um projeto preparado por uma

grande empresa de auto-sustentabilidade para a região.

Acho que vamos conseguir salvar a montanha. Não vamos

precisar errar lá também.

Esse é um tema político?

Marco Azevedo: Lógico. O turismo é um grande gerador

de receita, renda, emprego. No futuro os empregos vão

estar mais nessa área de lazer, diversão, turismo. Veja

os investimentos que são feitos hoje em Catar,

Andorra... Os investimentos são grandes nessa área.

Acho até que estão se preparando para quando acabar o

petróleo... Vamos preparar também o Espírito Santo e

fazer com que todos que estão aqui hoje participem

desse desenvolvimento.

Além do Executivo, o Legislativo também deve se

envolver com esse “mutirão”?

Marco Azevedo: Acho que os três Poderes estão

envolvidos nisso. Quando há uma invasão numa região nós

precisamos do Poder Judiciário. Precisamos de decisões

firmes. Se não, como vai ser? Estamos falando da

construção de uma nova usina siderúrgica na região de

Guarapari e Anchieta. Mas não precisamos sofrer o que

já passamos da vez anterior. Esse desenvolvimento

desordenado, invasão de terras, criação de favelas, a

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174

violência explode. Acho que já aprendemos, não é? Todos

têm consciência disso. A auto-sustentabilidade, hoje, é

tema nas empresas, no Governo... O Legislativo também.

Existem leis importantes para serem votadas. Veja por

exemplo a questão das férias escolares. A Lei Rouanet

foi um grande avanço no Brasil, mas não atende mais as

nossas necessidades do momento. Nós tiramos o mês de

fevereiro das férias escolares. Para que a indústria do

lazer e do divertimento se desenvolva precisamos voltar

com esse mês de férias, pensar num novo calendário

escolar durante o ano, aumentar a carga horária diária,

incluir alguns sábados durante o ano para compensar e

ganhar um mês de férias a mais. Nos grandes países é

dessa forma. É na Europa, é nos Estados Unidos. O Brasil

precisa acordar para esse lado.

Qual o desafio para revitalizar o turismo no Espírito

Santo?

Marco Azevedo: Resumidamente, essa re-estruturação

das cidades com vistas ao desenvolvimento sustentável,

centro de convenções, o aeroporto de Vitória e qualificar

o nosso turista. Tem uma coisa que nós sempre brigamos

que é a questão da imagem. Durante anos, o Espírito

Santo passou sendo mal visto pelo Brasil inteiro como

uma região de violência. Mas o Estado mudou nos últimos

anos. Temos um Estado novo. A violência é um problema

mundial que precisa ser controlado. Hoje a divulgação da

nova imagem do Estado não é só para atrair fluxo

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175

turístico. É também para atrair novos moradores de alta

renda, de empresas para negócios principalmente na área

de serviços. Trabalhar a imagem do Espírito Santo como

um lugar bom para se divertir, para morar e para

investir. Acho que esse é o nosso grande desafio.

Se tivesse que escolher apenas um ponto para

privilegiar um início de trabalho, qual seria a sua

escolha?

Marco Azevedo: Um plano de metas. Temos um

Planejamento Estratégico já feito. Então, escolheria

algumas metas para os próximos quatro anos e privilegiar

isso aí. Então, criar uma nova imagem para o Espírito

Santo no Brasil e no mundo. Essa questão de qualificar o

turista... É difícil você pegar uma coisa só. Não tem uma

única bala que vá matar esse monstro, não tem.

Para ficar mais claro: quando o senhor fala em

melhorar a imagem do Espírito Santo, como fazer isso

diante de fatos que nem sempre são positivos?

Marco Azevedo: Marketing! Você tem que explorar

seu lado positivo. Lado negativo todo mundo tem.

Violência, que é o calcanhar de Aquiles, é uma

característica mundial. Temos que agir para que isso não

cresça, para que controlemos o problema, mas temos de

divulgar nosso lado positivo. Poxa, esse lugar é lindo, não

é? Temos tudo para desenvolver o turismo aqui. Muito

mais do que já é.

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176

DESAFIO 9

ANALFABETO FUNCIONAL

Numa palestra no Município capixaba de Nova

Venécia em 2006, o Educador e Psiquiatra paulista Içami

Tiba disse que a implantação do Sistema de Progressão

Continuada, que não deixa alunos reprovados nas escolas,

“está criando delinqüentes”. Neste encontro com

professores da Cidade, ele fez uma analogia entre a

ética e a educação e pediu aos professores uma atitude

de mudança, “arranjando um jeito de transformar

informação em conhecimento”. O Educador conclama

professores a dar novos passos, convictos de que o que

aprenderam na faculdade não será suficiente, sem

atualização, e pede aos pais que exijam mais de seus

filhos que estão “se tornando irresponsáveis na casa e na

escola”.

O debate sobre os rumos da Educação tem

ocupado cada vez mais espaço em jornais, revistas e

livros. Num seminário promovido pelo jornal O Estado de

São Paulo, o tom foi o mesmo. O Economista e Mestre em

Educação, Cláudio de Moura e Castro, articulista da

revista Veja, com mais de 30 livros publicados, expôs o

problema: “o acesso ao ensino básico cresceu de modo

espetacular no Brasil. Mas a qualidade dele nos põe na

rabeira do mundo”. Segundo ele, o problema da Educação

Brasileira não é o que se faz de errado hoje, mas o que

se deixou de fazer por quatro séculos e meio.

Page 177: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

177

De fato, o acesso à educação fundamental

melhorou nos últimos 10 anos. 90% das crianças entre

sete e quatorze anos já estão dentro da Escola, na

chamada universalização do acesso. O analfabetismo

diminuiu, mas uma nova questão ganhou destaque: a

qualidade do ensino. E um conceito começa a ser cada vez

mais debatido: o analfabeto funcional. Trata-se de uma

pessoa que freqüentou os bancos escolares em até

quatro anos, mas tem dificuldade de interpretar textos,

ter acesso à vida digital e até manusear um simples caixa

eletrônico. O conceito foi adotado pela ONU justamente

para a pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever frases

simples, não possui as habilidades necessárias para

satisfazer às demandas do seu dia-a-dia e se

desenvolver pessoal e profissionalmente.

Os dados estatísticos da inclusão no ensino, nos

últimos anos, podem parecer positivos por terem

reduzido as taxas do analfabetismo clássico. Mas

tornam-se negativos, quando identificamos as

dificuldades do analfabeto funcional.

Recentemente o Ministério da Educação criou

algumas ferramentas para aferir a qualidade do que anda

sendo ensinado nas escolas brasileiras.

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178

ENADE: O Exame Nacional de Desempenho de

Estudantes tem o objetivo de aferir o rendimento

dos alunos dos cursos de graduação em relação aos

conteúdos programáticos.

ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio. É um exame

voluntário. Foi aplicado pela primeira vez em 1997.

PROVA BRASIL: Foi idealizada para produzir

informações sobre o ensino oferecido por municípios

e escolas, individualmente, com o objetivo de auxiliar

os governantes nas decisões e no direcionamento de

recursos técnicos e financeiros para a melhoria do

ensino. A primeira edição foi em 2005.

No Prova Brasil, em 2006, o Espírito Santo foi o

Estado do Sudeste com o pior desempenho em

matemática e língua portuguesa nas turmas de quarta

série de escolas públicas. Em língua portuguesa os

estudantes do Espírito Santo tiveram 176,14 de média. O

primeiro lugar no sudeste é de Minas Gerais, com 182,13,

seguido do Rio de Janeiro com 178,40 e São Paulo com

178,19.

Em matemática, os alunos capixabas tiveram 182,85 de

média. A maior pontuação, mais uma vez, foi de Minas

Gerais, com 190,48; seguido do Rio de Janeiro com

184,44 e de São Paulo com 183,60.

Apesar do baixo desempenho, os resultados capixabas

ainda estão acima da média nacional.

Page 179: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

179

O Especialista em Políticas Públicas Roberto Garcia

Simões, Engenheiro Civil por formação e Professor

Universitário há 25 anos, é um pesquisador dos

problemas da Educação brasileira, em especial do

Espírito Santo. Ele pede o envolvimento de toda a

sociedade para as questões do sistema educacional. Diz

que os políticos têm se mostrado mais interessados na

aprovação em massa dos alunos por questões eleitorais,

ainda que a qualificação seja prejudicada. Para a

aprovação acelerada, segundo Simões, foram criadas

várias iniciativas, entre elas, a possibilidade de um

estudante poder cursas duas séries em apenas um ano. O

que, na opinião do professor, será prejudicial no futuro

porque melhora os índices, mas piora a formação. Nesta

entrevista, em seu gabinete na Universidade Federal do

Espírito Santo, Roberto Simões diz que aprova as

avaliações que estão sendo feitas para medir a qualidade

do estudo. Diz que o ENEM e o Prova Brasil são bons

exemplos para que se possa medir o desenvolvimento e o

aprendizado do aluno. Mas reprova os administradores

públicos que ainda acreditam que bom projeto para a

educação é “edificar prédios bonitos e dotá-los de

computador”. “É preciso valorizar, também, a beleza do

professor bem preparado”, sentencia.

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180

Se os índices mostram que o acesso à educação

melhorou, por quê a qualidade não acompanhou?

Roberto Garcia Simões: Em primeiro lugar porque esse

acesso se deu de forma muito concentrada. Numa década

nós universalizamos o acesso à educação de sete a

quatorze anos e esse fato fez com que perdêssemos a

qualidade que existia antes com a baixa quantidade.

Agora chegamos à alta quantidade –90% estão nas

escolas - mas o grande desafio é a qualidade. No ensino

infantil e no médio nós ainda padecemos de quantidade e

de qualidade.

Como a gente pode constatar que a qualidade piorou?

Roberto Garcia Simões: Isso é constatado nos exames

nacionais de avaliação, como o “Prova Brasil” e o “Enem”

que é o exame nacional de ensino médio. O “Prova Brasil”

mostra, por exemplo, no caso do Espírito Santo, que no

ensino médio em Vitória, a escola particular que obteve o

melhor desempenho, chegou a 70 pontos em 100. E a pior

escola do Estado, localizada no extremo norte, em ponto

belo, não chegou a 30 pontos. A gente vê que predomina

uma desigualdade de oportunidades. A prova mostrou

também que, dentro de um mesmo município, tomamos

como exemplo Vitória, a diferença entre a escola pública

que teve o maior número de pontos - a de Jardim da

Penha -, e a que teve o menor número de pontos - a de

São Pedro-, a educação não está contribuindo para

Page 181: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

181

reduzir as desigualdades sociais. Então, nós temos que

tratar a educação de uma forma que ela –efetivamente-

contribua com conhecimentos, habilidades, mas que

também tenha o papel de evitar que dentro de uma

mesma rede de ensino não haja tanta diferença.

E por quê isso acontece? Por quê há tanta diferença

numa mesma rede de ensino?

Roberto Garcia Simões: As situações sociais são

diferentes, os contextos são diferentes. Em vez de

dotar a escola mais necessitada com o docente de maior

capacitação, uma atuação de políticas públicas integradas

nesse bairro mais pobre, para que os alunos tenham um

reforço em todos os sentidos, isso não acontece. Ele tem

o mesmo tratamento que tem o aluno num bairro de

maior renda. Tratando desiguais de forma igual, o

resultado na educação acaba sendo esse, uma assimetria

no acesso ao conhecimento.

Qual a relação dessa situação com o conceito do

analfabeto funcional?

Roberto Garcia Simões: Nós estamos nos deparando

agora com o analfabeto funcional. Antes tínhamos o

analfabeto clássico. Com esse processo crescente de

alfabetização e de inclusão quantitativa nas escolas, nós

estamos chegando a uma situação que mesmo aquelas

pessoas que completaram os quatro anos básicos de

Page 182: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

182

estudo, não sabem ler nem escrever. E isso faz então

com que, muitas vezes, esses números que mostram o

crescimento do acesso, que as pessoas estão mais na

escola, que reduziu o analfabetismo, isso tenha que ser

relativizado. Agora os desafios são outros. Esse que

aprendeu as noções básicas precisa aprender a ler um

texto, interpretar, saber tomar as decisões relacionadas

à sociedade, ao seu voto, e para tudo isso ele precisa ter

conhecimento.

Ele não consegue fazer isso?

Roberto Garcia Simões: Não consegue fazer porque,

mesmo aqueles que estão chegando à oitava série, o

conhecimento que tem, corresponde à quarta série. Ou

seja, precisamos diminuir essa idéia de que a aceleração

de turmas e a progressão a qualquer custo dos alunos na

escola, para manter índices “positivos”, pode estar

revelando um grande “negativo” do ponto de vista da

qualidade do ensino.

O senhor então é contra esse sistema de aprovação

automática e de aceleração do aluno?

Roberto Garcia Simões: Sem dúvida. Nós precisamos

não é reprovar por reprovar. Mas também não podemos

achar que aprovar por aprovar esteja contribuindo no

processo de formação de um cidadão que precisa ter o

Page 183: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

183

conhecimento que uma sociedade requer. E ser for

necessária, a reprovação é um “mal” muito importante.

Como um Especialista em Políticas Públicas, o senhor

diria que o analfabeto funcional causa um mal à

sociedade?

Roberto Garcia Simões: O analfabeto funcional tem

total dificuldade de relacionamento na sociedade. Não é

que o problema esteja com ele, isso é um problema de

toda a sociedade que está concentrado nele. Ele tem

dificuldades para pegar um ônibus, para participar do

processo eleitoral, para influenciar uma decisão que lhe

interessa. Tudo isso ele tem dificuldades. O repertório

dele é mínimo, e sendo mínimo ele não consegue

distinguir entre o que está colocado para fazer uma

opção, seja ela econômica, social, política ou institucional.

Como ele reage nas eleições e após as eleições?

Roberto Garcia Simões: Todo cidadão que tem poucos

recursos de conhecimento não consegue avaliar uma

proposta que está sendo feita, cobrar uma proposta com

maior qualidade, ou até uma explicação melhor. Muitas

vezes esse reducionismo das propostas apresentadas

pelos políticos é para atender a essa baixa formação do

entendimento na sociedade. Muitos deles dizem isso:

“para uma sociedade que tem baixo conhecimento, as

propostas não podem ser requintadas”. Veja bem que,

Page 184: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

184

também quando ele chega ao poder, muitos não fazem

muito para melhorar essa educação, porque essa

educação baixa favorece a sustentação de determinadas

práticas políticas clientelísticas, inadequadas à

sociedade.

O gestor público entende de Educação?

Roberto Garcia Simões: O gestor público tem uma visão

dominante de que Educação é só construir prédios

bonitos e, agora, colocar laboratórios de informática.

Tudo isso é importante, necessário, mas o básico é a

formação e a capacitação dos docentes, de forma

continuada, com um bom conhecimento, uma boa relação

com os alunos. Principalmente, associar políticas públicas

que favoreçam o bom desempenho das famílias para que

elas tenham uma renda básica, que se traduza em

condições que sirvam de apoio ao filho. Ou seja, não

basta só ter a visão física da beleza dos prédios, é

preciso também ter a visão da beleza de um bom

professor, uma boa professora, ensinando

adequadamente para os alunos e alunas e interagindo com

eles.

O senhor acha que a sociedade e a família entendem

dessa forma ou ainda preferem os belos prédios?

Roberto Garcia Simões: Nós precisamos ser

reeducados para aprender. Nós devemos também

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185

valorizar não só a apresentação de que eu construí dez

prédios, melhorei cinco escolas, como fala a grande

maioria dos políticos. É fundamental saber quantos

docentes foram efetivamente capacitados. Qual a

perspectiva de melhora do salário do profissional e em

quanto tempo isso tudo se dará. Não podemos imaginar

que a cada quatro anos tenha uma nova proposta para a

educação. Precisamos de um projeto de longo prazo para

a Educação e que tenha continuidade. Que todo esse

processo comece já. Não se pode fazer mágica da noite

para o dia, mas precisamos saber que com esses salários

dos docentes, com essa estrutura das escolas –sem

bibliotecas, sem valorizar o que é central na educação -

nós não caminharemos. Com belos prédios, mas com

pobreza do ponto de vista do que interessa à educação.

A Educação não é sempre apontada como prioridade

pelos políticos?

Roberto Garcia Simões: A gente nota que, no palanque,

o social é prioridade. No Palácio, no Poder, o econômico é

que ganha a prioridade. Essa dissociação faz com que o

social, de fato, fique subordinado ao econômico. O ideal

é que haja uma interação, com o econômico servindo para

se dar conta desses desafios. Penso que o fundamental é

que a gente tenha uma ação que transforme essa carga

tributária, esses impostos, em resultados para a

sociedade. Se eu pudesse contribuir, diria que a tônica é

que nós demandássemos além de condições físicas

Page 186: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

186

adequadas, uma avaliação do ensino. Cada um tem que

saber qual a avaliação da escola do seu filho, seja ela

pública ou privada, qual o caminho que ela está tomando

para melhorar. Isso requer uma política de longo prazo

para cada escola que não pode ser mudada a cada eleição.

Qual, então, a proposta do senhor para melhorar a

qualidade da Educação?

Roberto Garcia Simões: Uma avaliação ampla de cada

escola. E que essa avaliação ampla seja fundamental para

subsidiar a definição de um projeto para estas escolas,

com os investimentos necessários. Portanto, a minha

proposta é avaliação com projeto de investimento numa

visão de longo prazo.

Avaliação complementar a que já é feita hoje, como o

Enem, por exemplo?

Roberto Garcia Simões: Nós temos que nos valer do

Enem, do Prova Brasil, mas tem avaliações

complementares que tem de ser feitas em cada escola.

Essa avaliação tem que ouvir a sociedade, especialistas

de fora, enfim, combinar diferentes instrumentos para

que a gente possa ter uma base para entender que a

mudança na Educação não se dará no âmbito do Poder

Federal, Estadual, Municipal, mas no âmbito de cada

escola. Mas para que cada escola mude é preciso de

outras questões mais gerais como as condições universais

Page 187: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

187

de ensino que são o salário do docente, a biblioteca, a

capacitação, as políticas integradas. Mas o centro,

repito, é a avaliação na escola.

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188

Cláudia Gontijo é coordenadora do Curso de pós-

graduação da UFES em Educação. Especialista em

alfabetização de crianças é responsável pela disciplina

de Alfabetização. Para ela o analfabetismo funcional é

resultado da falta de uma política educacional séria. Diz

que não existe comprometimento com o sistema que

engloba alunos, professores e família e que este

triângulo é tratado separadamente, de forma isolada.

Segundo ela, os problemas do uso da leitura e da escrita

já estão chegando à Universidade. Cláudia Gontijo diz

que a universalização do ensino criou uma nova situação

na sala de aula. Os professores têm que lidar com um

novo mundo, mais complexo, com contradições sociais, e é

preciso ajudar o professor nisso: “Precisamos de um

professor mais bem preparado para lidar com os diversos

problemas e situações que surgiram com a vinda das

classes menos favorecidas para a escola”. Nessa

entrevista Cláudia Gontijo deixa claro que o maior

desafio da educação é o desequilíbrio social.

Quais são os principais problemas da Educação hoje

no País?

Cláudia Gontijo: O principal problema é que o sistema

educativo brasileiro continua produzindo analfabetos e

analfabetos funcionais.

Page 189: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

189

E o que é, na visão da senhora, o analfabeto

funcional?

Cláudia Gontijo: O analfabeto funcional é justamente

aquela pessoa que apesar de ter passado pela escola

ainda não consegue fazer uso da escrita nas diversas

situações sociais. Não consegue fazer uso da leitura e da

escrita na vida. Não consegue fazer um requerimento

para reivindicar um direito seu, tirar um dinheiro no

caixa eletrônico, escrever textos, ler textos mais

complexos, são diversas as situações em que a pessoa

ainda não aprendeu. Essa pessoa é um analfabeto

funcional. E o sistema educativo tem, atualmente,

produzido analfabetos funcionais.

Por quê?

Cláudia Gontijo: existe uma série de razões. Desde

razões pedagógicas até e, principalmente, a falta de

políticas públicas que privilegiem a Educação neste País,

sobretudo no ensino fundamental. Mesmo que hoje nós

tenhamos na legislação vigente, na Constituição

Brasileira e no próprio Plano Nacional de Educação, o

prescrito de que o ensino fundamental é prioridade,

infelizmente, ele ainda não é prioridade. Porque falta

uma política de valorização do magistério, faltam

condições para o desenvolvimento de um trabalho de

qualidade. O que houve no Brasil nos últimos anos foi uma

expansão quantitativa. Hoje você tem como índices do

Page 190: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

190

MEC que praticamente toda a população tem acesso ao

ensino fundamental. Mas esse avanço quantitativo não foi

acompanhado de uma melhoria qualitativa da educação e

de políticas públicas que garantissem essa qualidade.

O problema do Brasil é o problema do Espírito Santo

também?

Cláudia Gontijo: No Espírito Santos os problemas em

algumas situações e em alguns municípios parecem ser

mais sérios. Porque o Espírito Santo tem índices de

analfabetismo maiores que em outros Estados da região

Sudeste.

Por quê isso acontece aqui?

Cláudia Gontijo: as causas são diversas. A gente tem

visto em algumas situações, tentativas de melhorar a

Educação, tentativas de estabelecimento de certas

políticas, mas o que se observa é que são políticas que

tem um caráter exclusivamente compensatório e que não

tratam as questões cruciais da Educação. Então, você

tem políticas como da progressão continuada que foram

pensadas para solucionar o problema do fracasso escolar.

Na década de 80, por exemplo, 50% das crianças que

entravam na primeira série eram retidas na primeira

série, existia uma cultura da reprovação. Não aprendeu

no final do primeiro ano, o aluno é reprovado. O sistema

de ciclos, ou bloco único, implementado no Espírito

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191

Santo, acabou tentando resolver essa questão do

fracasso escolar. Contudo, essas questões, se não

acompanhadas de um trabalho sistemático com as

crianças que apresentam alguma dificuldade na escola, e

com a formação dos professores que devem atuar junto

à essas crianças, acabam mascarando uma realidade e

aumentando os índices de aprovação. Na verdade não

solucionam os problemas de aprendizagem.

O que é a progressão continuada?

Cláudia Gontijo: A progressão continuada às vezes é

confundida com a progressão automática. Antigamente,

ao final de cada série o aluno era avaliado para ser

aprovado ou reprovado. Dependia do rendimento desse

aluno. Com a progressão continuada não existe mais a

reprovação ao final de cada ano escolar. Ou ela poderá

ocorrer ao final de um ciclo de estudos que pode durar

de dois a quatro anos, ou a reprovação pode nem ocorrer.

Na verdade, a progressão continuada rompeu com a

cultura da reprovação que era forte no meio educacional.

Mas na forma como foi implantada, sem

acompanhamento, ela acabou não se realizando. Então ela

virou uma progressão automática no sentido de

regularizar o fluxo escolar, de garantir que as crianças e

adolescentes passassem pela escola, sem que houvesse

uma preocupação de fato com a garantia da

aprendizagem.

Page 192: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

192

Isso acaba dando resultados positivos para as

estatísticas, mas negativos com a educação dos

alunos?

Cláudia Gontijo: Exatamente. As estatísticas vão bem,

as crianças passam pela escola. A questão grave e

fundamental da Educação hoje é como garantir que as

crianças aprendam na escola. E essa é uma questão que

nenhuma dessas políticas que foram implantadas,

progressão continuada, ciclos, entre outras, não

conseguiram dar conta disso.

A progressão continuada agravou o problema e

permitiu o surgimento do analfabeto funcional?

Cláudia Gontijo: Eu não sei se a progressão continuada,

sozinha. Eu sei é que a progressão continuada, sem um

trabalho de acompanhamento, não vai solucionar o

problema. Mas não é ela em si. Porque a questão não é de

progressão, não é de reprovação. A questão de se ter

políticas que incidam em projetos e programas que não

sejam de caráter compensatório que reflitam

efetivamente sobre a aprendizagem. E sobre a própria

formação do professor. Um problema que atualmente é

complicado, e vem se complicando cada vez mais. Os

professores, diante de seus salários, cada vez tem mais

carga horária e menos condições de se dedicar ao

trabalho com suas crianças.

Page 193: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

193

Esses problemas que a senhora relata na formação

escolar chegam à Universidade?

Cláudia Gontijo: Chegam até a Universidade. Na própria

Universidade Federal do Espírito Santo a gente percebe

nas salas de aula os problemas de uso da leitura e da

escrita. Algumas pesquisas, como as feitas na UFMG e na

UNICAMP, com candidatos ao vestibular tem verificado

as dificuldades que os candidatos tem de se expressar

por meio da escrita. Falta-lhes conhecimento da língua e

conhecimento de mundo.

É o analfabeto funcional?

Cláudia Gontijo: Exatamente. É aquele que não sabe

fazer uso da escrita nas diversas situações sociais. Não

sabe escrever um bilhete, não saber fazer um pedido por

escrito, lê textos, mas não consegue compreender, não

consegue fazer uma leitura crítica dos programas de

governo e das promessas dos políticos à luz das suas

necessidades e das necessidades sociais. Não consegue

interpretar e isso acaba levando que as pessoas às vezes

elejam candidatos que menos condições tem de

constituir, por exemplo, políticas educacionais

importantes.

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194

Quer dizer, então, que o problema acaba se

refletindo na escolha dos nossos representantes na

política?

Cláudia Gontijo: Certamente. Porque uma das coisas que

precisamos aprender é fazer uma leitura crítica daquilo

que nos é transmitido. Em todas as situações: pela mídia,

nos palanques pelos candidatos... E para isso é necessário

ter uma leitura crítica, e quando não se tem acaba-se

elegendo pessoas que vão legislar ou governar em

benefício próprio ou de grupos privilegiados. A Educação

é sempre um tema importante em período de eleição.

Pena que seja só em período de eleição. Veja que é uma

bandeira importantíssima. Todos os políticos e

candidatos, de forma ou de outra, mencionam a Educação

em seus Programas, mas, pelo que tenho observado,

dificilmente essas questões se concretizam. Acho até

que isso não diz respeito à falta de verbas para a

educação. Existem verbas. A Constituição já define o

quanto deverá ser aplicado em Educação, mas existem

problemas como, por exemplo, a corrupção que impede o

uso adequado das verbas na Educação.

E qual a proposta da senhora?

Cláudia Gontijo: Acho que é preciso criar uma cultura

onde se acredite que as pessoas são capazes de

aprender. E muitas vezes não aprendem porque vivem em

situações de desigualdade que impedem que as pessoas

aprendam. E que se estabeleça nesse País, de fato, uma

Page 195: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

195

política de valorização do magistério. Isso está

relacionado à implementação de planos de cargos e

salários e às condições materiais dentro da escola. Essa

é a questão central. A aprendizagem inicial do professor

deve ser seguida de uma formação continuada,

permitindo à esse professor refletir sobre o seu

trabalho, responder as demandas sociais e os problemas

que se apresentam diariamente na sala de aula.

Precisamos de reformas estruturais nesse país. Tratar o

problema da desigualdade. Para que as pessoas tenham

acesso aos bens materiais e simbólicos. Nenhuma política

educacional vai se sustentar enquanto não tivermos

políticas que tratem da questão da desigualdade social.

Então, a questão da valorização do magistério e as

desigualdades sociais se cruzam?

Cláudia Gontijo: Precisamos de um professor mais bem

preparado para lidar com os diversos problemas e

situações que a vinda das classes menos favorecidas para

a escola trouxe. Enquanto o professor era uma elite

social e cultural e as crianças também, era mais fácil ser

professor e lidar com as questões educacionais. Com as

políticas de expansão do acesso escolar, precisamos lidar

com uma diversidade de crianças e pessoas que chegam à

escola e garantir que elas aprendam a cultura, o

conhecimento científico, o conhecimento valorizado. E

que essa aprendizagem levem essas crianças a exercer

de fato a cidadania.

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196

DESAFIO 10

ÉTICA NA POLÍTICA

O que é Ética na Política? Num primeiro momento,

de forma bem simples, poderíamos dizer que é a condição

primordial para que tenhamos tudo aquilo do que falamos

até agora: atendimento médico, remédios, uma sociedade

segura, crianças longe da contravenção, impostos justos

e gastos públicos sob controle, atividades econômicas

desenvolvendo-se de maneira correta e produtiva, verbas

para a Educação, estradas seguras etc. Enfim, sem ética

na política, não construímos e não avançamos como

sociedade justa e humana e veremos as noções de

civilidade se perderem perigosamente no tempo e no

espaço. O escritor e teólogo Leonardo Boff escreveu que

“não se pode construir nenhuma sociedade minimamente

humana assentada sobre a falta de cuidado, de justiça e

de igualdade (...) Esse é o caso do Brasil. A justiça e o

cuidado são os bens mais escassos em nossa história

política”. *

*fonte: Seção Opinião, Jornal A Gazeta (Vitória-ES),

outubro de 2006.

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197

A maneira como muitos políticos têm agido

provoca o desinteresse do povo para com a política. Em

alguns casos isso pode ser proposital. No livro “O que é

participação política”, do jurista Dalmo Dallari,* há uma

citação do francês Marcel Merle, sobre a

despolitização: ”o desinteresse pregado por motivos

táticos é baseado na intenção de afastar o povo das

decisões políticas. (...) Através de um trabalho de

propaganda tentam difundir a idéia de que o povo não

pode e não quer perder tempo com problemas

políticos.(...) Dessa forma o povo sente que não influi (...)

E deixa o grupo dominante governar como quiser, sem

nenhuma responsabilidade“.

No Espírito Santo, por doze anos seguidos, a

partir de 1990, a falta de ética prevaleceu na política,

num enredo que se difundiu pelas várias esferas do

Poder Público. A partir das eleições de 2002, a situação

começou a mudar.

*Coleção Primeiros Passos, Abril/Brasiliense, página 85.

Page 198: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

198

Hoje, comemora-se a vitória de várias batalhas.

Mas alguém se arriscaria a dizer que a Ética prevalece

nas relações políticas, de modo geral? Afinal, de

mensalões federativos a mensalinhos estaduais, a política

prossegue como meio de ascensão social de muita gente

descomprometida com a vida pública.

Não será nesse espaço que iremos dissecar o

conceito da Ética, até porque já existe uma farta e bem

elaborada literatura a respeito, mas poderíamos

reproduzir aqui as palavras de um dos mais conceituados

jornalistas brasileiros do passado, Cláudio Abramo, que,

ao falar sobre ética jornalística disse: “onde entra a

ética? O que o jornalista não deve fazer que o cidadão

comum não deva fazer? (...) A ética do jornalista é a

ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para

o jornalista (...)”.* Com os políticos não pode ser

diferente. Portanto, um cidadão, um eleitor, sabe muito

bem o que pode e o que não pode . E roubar é uma coisa

que não pode!

*Livro A Regra do Jogo, Companhia das Letras, página

109.

Page 199: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

199

O Cientista Político Francisco Albernaz formado pela

Universidade de Sorbonne, em Paris, é Professor do

Departamento de Ciências Sociais da UFES, há 15 anos.

Especializado em Comportamento Político, Políticas

Públicas e Teoria Política, lamenta que o assunto “Ética

na Política” seja muito debatido às vésperas das eleições

e pouco lembrado depois. Para ele, os escândalos que

envolvem o meio político comprometem a legitimidade

das instituições e a confiança do cidadão. E assim, passa-

se a não acreditar nas autoridades, o que é grave. A

falta de confiança, segundo o professor “pode se

generalizar para toda a sociedade (...). Para você fazer

um contrato, estabelecer relações positivas entre

eleitor e político, só na base da confiança. A confiança é

fundamental para o funcionamento das instituições”.

O que há com a ética dos políticos no Brasil?

Francisco Albernaz: Nos últimos anos assistimos a um

triste espetáculo de ver políticos transgredindo fatos

básicos da moral e da ética. E isso tem grandes

implicações na legitimidade das Instituições Públicas

brasileiras. Nós precisamos de novas políticas públicas

após as eleições. De novas Políticas Públicas que devem

ter nas Instituições autoridade e legitimidade.

Page 200: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

200

Os escândalos na política têm desestimulado o

eleitor?

Francisco Albernaz: No último processo eleitoral houve

uma enorme apatia do eleitor. Pontos importantes sobre

as reformas que o Brasil precisa não apareceram nas

campanhas. Não foram discutidas nas conversas de rua

pelos cidadãos e nem pelos políticos. Isso é muito grave.

Será que os políticos não discutem as reformas nas

campanhas porque elas não despertam o interesse do

eleitor?

Francisco Albernaz: Eles acreditam que estes temas

não dão voto. Eles têm uma estratégia eleitoral baseada

em pontos que eles supõe que dêem votos.

Que Reformas deveriam ser feitas?

Francisco Albernaz: Uma Reforma Política, uma

Reforma Fiscal consistente, uma Reforma Tributária,

Reforma Administrativa, um Plano de Segurança Nacional

e para os Estados. Essas questões não apareceram com

clareza e não mobilizaram o eleitor.

Page 201: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

201

E o senhor acha que o eleitor sentiu falta dessas

discussões?

Francisco Albernaz: Se estas temáticas tivessem

aparecido, com certeza despertariam o interesse do

eleitor porque isso mexe com o seu dia a dia. O eleitor

tem uma percepção a partir do seu cotidiano.

As pesquisas mostram ao longo dos anos a falta de

credibilidade dos políticos. Qual o reflexo dessa

situação na hora em que o eleitor tem que ir às

urnas?

Francisco Albernaz: Existe uma coisa muito importante

na política que diz que se os políticos não estão

respondendo às demandas e necessidades e está havendo

corrupção na política, você passa a se desinteressar da

mesma. Você se frustra com a política e fica esperando

acontecer alguma coisa, alguma mudança para voltar a se

interessar. Então, vive-se um momento de apatia e isso é

muito grave.

O senhor defende o voto obrigatório?

Francisco Albernaz: Sem dúvida alguma. No Brasil o

nosso colégio de eleitores se forma nos anos 50 e só

cresce a partir dos anos 70. O cidadão brasileiro não

tem o sentimento de pertencer à uma República no

sentido da coisa pública. O ato de votar lembra que ele

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202

precisa participar da coisa pública. É um pequeno

aprendizado. É um mínimo de aprendizado que faz com

que ele veja que é através da participação política dele

que se pode mudar o quadro que está aí.

As coisas seriam mais claras para o eleitor se os

Partidos Políticos fossem fortes e houvesse a

fidelidade partidária?

Francisco Albernaz: Sim, a gente precisa de uma

Reforma Política para que os Partidos tenham força e o

eleitor identifique a identidade desses Partidos. Se você

acredita num Partido você vota nos candidatos do

Partido. O custo para você obter informação para avaliar

um político cai enormemente.

Está faltando ideologia no discurso político?

Francisco Albernaz: Os Partidos têm que ter identidade

e é preciso construir esse discurso ideológico. Um

desses discursos ideológicos pode ser baseado na ética,

outro na questão do emprego, em questões como preço,

nas políticas públicas, na questão do imposto. Pode-se

construir em torno desses temas um discurso ideológico.

Amarrar esse discurso, dar um nome a ele, para que

possa ver e perceber com mais facilidade, tendo menos

“custo” na hora de escolher um político. Ter um discurso

ideológico é fundamental, mas é preciso construí-lo e nós

ainda não conseguimos isso.

Page 203: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

203

Como o senhor imagina essa relação entre o candidato

e o eleitor num cenário em que predomine a

fidelidade partidária?

Francisco Albernaz: A gente tem que fazer com que o

eleitor faça o controle dos políticos, o controle dos

Partidos. Se você estabelece o voto distrital, você tem

possibilidade, na sua micro-região, de conhecer mais de

perto o seu representante e poder puni-lo caso ele não

haja bem eticamente ou não tenha uma ação consistente

com o que você esperava. Precisamos criar instituições

para facilitar esse controle. A democracia precisa de

elementos de controle de quem você elegeu.

Qual a importância de se discutir a ética?

Francisco Albernaz: É absolutamente fundamental. Se

os políticos transgridem regras morais e éticas que o

eleitor percebe como sendo suas, do seu dia a dia, isso

mancha também as instituições. E isso vai criar na

sociedade um grave problema de legitimidade e

autoridade nas instituições. E de confiança dos

indivíduos nessas instituições. Isso pode se generalizar

para toda a sociedade, esse ambiente de desconfiança.

Para você fazer um contrato, estabelecer relações

positivas entre eleitor e político, só na base da

confiança. A confiança é fundamental para o

Page 204: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

204

funcionamento das instituições. Sem confiança a política

torna-se complicada, custosa e muito conflitiva.

E a gente vive a falta de confiança?

Francisco Albernaz: Sem dúvida alguma. O momento da

falta de confiança do eleitor em relação aos políticos e

às Instituições é muito alto. Talvez até mais alto do que

as pesquisas mostram. E é fundamental reconstruir esse

quadro de confiança. Infelizmente eu não vejo como, em

curto prazo, isso possa acontecer. E, por outro lado, a

gente precisa que isso aconteça rapidamente para fazer

as mudanças que o Brasil necessita para voltar a crescer.

A falta de ética gera escândalos, corrupção. Qual a

relação disso com a economia. Qual o prejuízo que a

falta de ética causa ao povo?

Francisco Albernaz: Tendo ética e moral, quem está no

poder vai ter condições de fazer as mudanças. Fazendo

mudanças, você ajuda o país a crescer, cria emprego. As

Políticas Públicas num ambiente de confiança vão ser

mais eficientes. Vão atingir mais o cidadão. Um Programa

como o Bolsa Família, por exemplo, terá menos falcatruas

em quem vai receber essas bolsas. A ética vai permear

toda a relação do cotidiano entre os indivíduos, entre os

indivíduos e as empresas e entre os indivíduos e a

política. Por isso que ela é fundamental.

Page 205: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

205

E o senhor acha que o político, de um modo geral,

tem noção dessa abrangência da questão ética?

Francisco Albernaz: Ele tem noção da ética para o

outro. Para ele não necessariamente. Porque a

preocupação fundamental dele é se eleger. Grande parte

dos políticos no Brasil usa a política como estratégia de

mobilidade social. A política para eles é uma forma de

melhorarem de vida, melhorarem seus patrimônios. É o

primeiro objetivo. Ele pode pregar para o outro a ética,

para ele o que vale é a política do salve-se quem puder

para melhorar seu padrão de vida, como os estudos sobre

o patrimônio dos políticos têm provado. Então, é preciso

que os eleitores tenham conhecimento maior das ações

dos políticos para penalizá-los. Para puni-los quando eles

transpõem pontos fundamentais da ética em sociedade.

Qual o melhor momento para se discutir a ética?

Francisco Albernaz: Antes da campanha, na campanha e

depois. Precisamos retomar no Espírito Santo aqueles

movimentos pela ética na política para se criar um

constrangimento para os maus políticos. É preciso que

eles saibam que, se transgredirem, serão punidos. Que

existe um ambiente em torno deles que não permite que

ele faça isso. Assim você cria um ambiente na sociedade

que os vá punir. Essa punição pública antecipa as

questões processuais. Os políticos vão saber que suas

carreiras dependem da sua ética.

Page 206: 10 Desafios para a Gestão Pública no Espírito Santo

206

Este constrangimento público seria uma espécie de

ameaça “no ar” para os políticos?

Francisco Albernaz: Sim, e é fundamental. Saber que

vou perder votos por transgredir, que vou perder minha

carreira política, que minhas ambições políticas não vão

acontecer, é fundamental para eu me comportar como é

necessário.

E como se estabelece esse clima de desconforto para

os políticos?

Francisco Albernaz: Primeiro é retomar os movimentos

sociais que colocaram a ética na agenda da sociedade.

Segundo, que a Imprensa permaneça com esse grau de

liberdade. Terceiro, que o Ministério Público tenha mais

possibilidades de apurar as irregularidades, a falta de

ética, até o fim. Com esses três pontos acredito que os

políticos vão pensar duas vezes antes de transgredir os

princípios fundamentais. Punição, discussão na mídia e

participação popular. Com isso teremos possibilidade de

construir um país com menos falcatruas, mais ética,

instituições funcionando e impactando o cotidiano do

brasileiro.

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207

O senhor acredita que o cidadão esteja

amadurecendo?

Francisco Albernaz: Sem dúvida alguma. A memória

política existe mesmo que num primeiro momento não

apareça. Estamos formando uma memória por demandas

de comportamentos éticos. Num outro momento, se

algum candidato que foi eleito agora cometer alguma

transgressão, haverá uma grande força pedindo a

punição. Essa memória é história. Isso é fundamental

para avaliar e para construir uma cidadania brasileira. E

nós estamos construindo a nossa memória nesse

momento.

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208

O Professor Universitário e Historiador, Rafael Simões

é membro-fundador da ONG Transparência Capixaba,

criada em novembro de 2001, não por acaso a data em

que se comemora a Proclamação da República. O objetivo

da Instituição tem sido o de simbolizar a ética e a

transparência no meio social e político do Espírito Santo.

Para ele, os maus exemplos dos políticos contribuem para

uma espiral negativa em que uma coisa vai piorando a

outra, até terminar num voto sem qualidade e

preocupação. Ele se diz impressionado com o tamanho da

descrença de alguns eleitores que já não impede que,

mesmo políticos comprometidos com uma má imagem,

consigam se reeleger. E critica a forma como o brasileiro

se relaciona com os políticos: “nós temos uma relação

dúbia com os políticos no Brasil. Por um lado, num

ambiente privado a gente fala mal deles, mas quando a

gente encontra o político na nossa frente parece que

estamos diante de um semideus”. Como mudar isso? É o

que ele mostra nessa entrevista.

Qual a importância de se discutir a ética na política?

Rafael Simões: Enquanto nós tivermos um sistema

político comprometido com comportamentos antiéticos,

acabamos não conseguindo fazer as discussões

fundamentais, então, temos de retomar a discussão ética

para limpar o campo e retomar as discussões efetivas

dos problemas brasileiros.

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209

Isso vem sendo discutido?

Rafael Simões: Os políticos têm se esforçado pouco por

isso. Tem feito muitos discursos genéricos. As várias

organizações da sociedade e a Imprensa é que tem

chamado a atenção para isso. Penso que, de alguma

maneira, estamos avançando. E avançando não com

discursos genéricos. Estão aparecendo idéias, propostas

concretas. Um exemplo é o nosso caso da Transparência

Capixaba que lançou termos de compromissos para todos

os que se lançam como candidatos a cargos políticos. Não

ficamos nas generalidades. A gente consubstancia a ética

na política de forma concreta: Projetos de Lei que devem

ser apresentados, idéias para serem concretizadas.

O senhor poderia explicar melhor o papel da

Transparência Capixaba?

Rafael Simões: A “Transparência” é uma ONG fundada

em 2001 e o nosso papel é o de contribuir para a

discussão da transparência pública, do controle social, do

combate à corrupção e, lógico, tudo isso embasado por

uma postura ética no sistema político.

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210

Quais são os principais problemas que a falta de ética

na política e a corrupção tem causado à vida pública?

Rafael Simões: Esse crescimento desmesurado da

corrupção causa vários problemas. Um é a perda de

investimentos sociais, por estar desviando recursos

públicos para fins privados. Você perde competitividade,

aumenta o chamado “Custo Brasil”. Perde referência de

padrões éticos e morais, o que acaba te fazendo ficar,

muitas vezes, perdido: “isto é certo, não é certo?” “É

justo fazer isso, não é justo?” Isso confunde a cabeça

do próprio cidadão que, no dia a dia, ao se ver diante de

dilemas éticos acaba adotando a postura do “todo mundo

faz isso, porque eu não vou fazer também?” Então, a

falta de ética no sistema político brasileiro tem essas

conseqüências nocivas para a nossa vida moral, ética,

social e econômica.

O cidadão fica confuso?

Rafael Simões: O cidadão se encontra muito confuso.

Além de toda essa situação, nós temos uma falta de

punição. Um elemento importante para a gente readquirir

confiança no sistema político brasileiro, no aparelho do

Estado brasileiro. O certo seria que todas as denúncias

fossem logo apuradas e com punição dos culpados. Mas a

gente vê muita postergação, lentidão, e isso cria um

sentimento de que vale tudo, de que alguns podem tudo

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211

nesse País, outros não podem nada e tem que sofrer as

conseqüências negativas desse sistema político.

O eleitor está confuso?

Rafael Simões: Sim, está confuso. Vemos que várias

organizações e Instituições como a Igreja, a OAB, a

“Transparência”, vários movimentos têm feito campanhas

de esclarecimento, isso ajuda um pouco, mas a situação é

muito difícil. Acaba criando o sentimento de que político

é tudo igual. E isso é falso. Os maus políticos, os que

estão envolvidos em esquemas de corrupção, é que

querem implantar essa visão de que todos os políticos são

iguais.

O Presidente Lula falou em seu primeiro mandato que

todo mundo faz caixa dois. É este o caso?

Rafael Simões: Exatamente. “Caixa dois todo mundo

faz... Tudo mundo desvia recurso... Todo mundo pratica

nepotismo...” Tudo vira comum e o cidadão acaba se

perdendo. Não devemos acreditar nisso. Devemos ter

uma preocupação em escolher bem os candidatos, definir

quais são os nossos interesses, o que a gente acha

importante para a vida social e a partir daí verificar o

padrão ético, a vida pública desse candidato e escolher

bem. E aí é importante não só escolher bem como

também acompanhar o mandato dessas pessoas. Ter um

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trabalho permanente de acompanhamento, de cobrança

dos políticos que se elegem.

Muitas vezes vimos que as discussões éticas se

limitam à época das eleições...

Rafael Simões: É uma discussão que deve ser

permanente. Deve durar toda a nossa vida, na verdade.

Porque você vai sempre atualizar as questões. É lógico

que a ética tem um aspecto conceitual, teórico, mas do

ponto de vista do cidadão e seu cotidiano, a sua relação

com o sistema político, nós vamos sempre atualizando

isso. E, portanto, é uma discussão permanente. Lógico

que na medida em que a gente resolver todas essas

dificuldades atuais, a questão da ética pode passar para

um segundo plano, sempre presente, mas em segundo

plano, pois vamos ter outras prioridades. Mas nesse

momento é –com certeza- uma prioridade fundamental.

O voto vem sofrendo um processo de desvalorização

devido aos escândalos?

Rafael Simões: Você vê que nessas últimas eleições os

analistas falaram muito que a campanha estava morna. É

claro que um aspecto disso é que estamos nos

acostumando a ter eleições e a vida democrática vai se

sedimentando. Mas outra razão fundamental é essa, é

esse sentimento de que os políticos são iguais, que a

possibilidade de mudança não existe, de que eu não posso

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fazer nada com o meu voto. Mas isso é falso. Nós

podemos mudar as coisas com o voto e também com a

ação do cidadão, cobrando.

Para se sair do estado de desânimo que tipo de ação

deve ser adotada?

Rafael Simões: O eleitor deve ter essa preocupação em

acompanhar a vida pública dos políticos e suas propostas.

Nas eleições, por exemplo, temos de ver se a proposta

do candidato é adequada ao cargo que ele está

disputando. Muitas vezes ele faz uma proposta que não

vai poder executar, ele é candidato ao Legislativo e

promete uma ação que é do Executivo, isso é muito

comum. Outra questão que deve ser lembrada é se

existem recursos para que determinada proposta seja

colocada em execução. Eu posso como candidato

prometer a felicidade geral para o ano que vem. Mas será

que existe recurso para isso? Então é pensar bem isso e

perguntar ao candidato: de onde vem o dinheiro? É

possível fazer isso no seu mandato? Questionar os

candidatos. Nós temos uma relação dúbia com os

políticos no Brasil. Por um lado, num ambiente privado a

gente fala mal deles, fala que todos são iguais,

corruptos... Por outro lado, quando a gente encontra o

político na nossa frente a gente assume outra postura.

Parece que estamos diante de um semideus. Devemos

desmascarar essa relação. É lógico que devemos tratá-

los com todo o respeito, como todas as pessoas, mas

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devemos questioná-los sobre os motivos da proposta, das

ações etc. o político tem que ser questionado, afinal ele é

um servidor público, é um representante da sociedade.

Os políticos de modo geral entendem dessa forma,

estão dispostos a serem questionados?

Rafael Simões: Normalmente não. Mas acho que, ao

longo desses últimos anos, com a ação forte da Imprensa

e dos movimentos organizados da sociedade civil, temos

criado um novo padrão. Então, vejo que alguns políticos

modernos já se acostumaram com esse novo modelo de

relacionamento. Insisto, tratar com urbanidade, mas

questionando. Assim, na medida em que vamos criando

esse novo padrão, temos condição de abolir essa política

personalista, em que o político se acha o dono do Poder.

Na verdade ele está ali para representar a sociedade.

A ética deve ser tratada com o mesmo destaque que

as questões mais objetivas como Saúde, Segurança,

Educação, Moradia?

Rafael Simões: Acho que sim. Nós avançamos muito,

premidos por todas as denúncias e escândalos, mas

precisamos criar um espaço próprio para o debate da

ética e de questões concretas de comportamento ético.

Não só num aspecto conceitual. A sociedade não admite

mais alguns comportamentos. A gente vê isso

continuamente sendo expresso pelos cidadãos quando são

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entrevistados nas ruas e através de pesquisas de opinião.

O sistema político tem que refletir isso. Não pode fazer

de conta que é uma onda passageira de protestos e

reclamações. Nós devemos ter um espaço permanente

para o debate da ética conceitual e das ações concretas

relacionadas ao comportamento público.

Que propostas concretas o senhor teria para vencer

esse desafio?

Rafael Simões: Um aspecto fundamental dentro de

nosso padrão de comportamento ético é o que se chama

de Reforma Política. E aí nós temos algumas medidas

como a fidelidade partidária, responsabilidade dos

Partidos pelos mandatos, fim do voto secreto nos

parlamentos e reforma do sistema eleitoral brasileiro. O

voto proporcional me parece ultrapassado. Penso num

voto distrital misto com listas nacionais. Financiamento

público de campanha é uma outra questão central, com

controle social desse financiamento. Reformulação do

chamado horário eleitoral gratuito, que efetivamente não

é gratuito, porque tem toda uma renúncia fiscal.É

preciso uma remodelação do horário eleitoral gratuito.

São todos aspectos que vão colocar nosso sistema

político sob mais controle e, portanto, com uma postura

mais ética em relação ao que a sociedade dele espera.

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O senhor acredita numa „transparência“?

Rafael Simões: Acredito. Nós aqui na “Transparência”

lutamos por isso. A transparência é um dos aspectos

centrais para tornarmos o sistema político no Brasil mais

ético. Transparência, controle social, educação e punição.

Um sistema político ético é uma base fundamental para

que esse sistema consiga, efetivamente, representar os

mais diversos interesses da sociedade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cidadão capixaba tem praticado o exercício da

cidadania e percebido que os fatos de um passado

recente deixam a lição de que os tempos futuros vão

exigir, cada vez mais, o envolvimento de todos nas

soluções que afetam o coletivo, cada um contribuindo

com seu esforço, talento e ousadia. Os 20 entrevistados

deste livro foram exemplos disso. Você, leitor, é outro.

“Não há mais passageiros na espaçonave Terra. Somos todos tripulantes dentro dela”. Marshall Mcluhan, teórico da Comunicação (1911-1980)

Para os gestores públicos - comandantes de nossa

espaçonave - fica a responsabilidade de honrar a sua

missão. E é em forma de idéias que este livro contribui

para a solução de problemas que ainda sufocam o bem-

estar da população. Cabe a esses gestores buscar o

melhor caminho.

“Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir”. Sêneca, filósofo romano (40 A.C. - 65 D.C.)