12
MINUTA PRELIMINAR PARA DISCUSSÃO Favor enviar contribuições e críticas para o email: [email protected] Condições favoráveis e dificuldades para envolver participação privada em infraestrutura no Brasil 1 - 2 Mauricio Portugal Ribeiro 3 1. Introdução Esse texto busca mapear as razões porque, desde o final dos anos 90, quando houve um grande movimento para envolvimento da participação privada em infraestrutura no Brasil, ainda não ocorreu uma segunda onda de participação privada, há muito esperada em vista das condições amplamente favoráveis para tanto no país. Para isso, esse texto pressupõe ou toma como premissa que o envolvimento de participação privada para a prestação de serviços nos setores de infraestrutura, por meio de contratos de longo prazo, como concessões e PPPs, se realizada adequadamente, é um instrumento importante para expandir o acesso aos serviços de infraestrutura e aumentar a eficiência da sua prestação, garantindo, aos usuários e ao Poder Público, a qualidade e preços pactuados. Vale notar que, em vista da melhoria contínua das condições macroeconômicas do país, desde 2003, várias vezes se criaram expectativas de que uma ocorrência específica – por exemplo, a aprovação da Lei de PPP, ou a criação do PAC, etc. – fosse finalmente destravar os fatores que dificultam a participação privada em infraestrutura. Contudo, parece cada vez mais claro que os fatores que limitam a participação privada em infraestrutura no Brasil são variados e demandam para sua solução uma abordagem sistemática. Perceba-se que, neste texto, focaremos atenção apenas nos fatores que travam a ampla utilização de participação privada nos setores de infraestrutura, com o objetivo de gerar apenas um diagnóstico sobre o problema. Não há aqui intenção de mapear as soluções possíveis (remédios e terapia) para tais problemas. 4 1 As idéias expostas neste texto foram objeto originariamente de apresentação realizada pelo Professor Mario Engler Pinto Junior, no seminário “A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: REALIZAÇÕES E PERSPECTIVAS”, em 04 de setembro de 2008, em Salvador-BA. 2 Agradeço a Cecilia de Lima Pessanha a ajuda no trabalho com os dados e elaboração dos gráficos utilizados nesse ensaio. 3 Mauricio Portugal Ribeiro, é Chefe do Departamento de Consultoria de Infraestrutura do IFC no Brasil, Professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Mestre em Direito (LL.M.) pela Harvard Law School, autor do livro “Concessões e PPPs: melhores práticas em licitações e contratos”, no prelo para publicação em 2011 pela Editora Atlas, e autor também (em conjunto com Lucas Prado) do livro “Comentários à Lei de PPP – Fundamentos Econômico Jurídicos”, publicado pela Malheiros Editores, em 2007 (reimpresso em 2010), participou da equipe que redigiu o projeto que se tornou a Lei Federal 11.079/04 (Lei de PPP), e da reforma da Lei das Concessões, Lei Federal 8.987/95, realizada em 2005. 4 Eventual planejamento da renovação do programa de participação privada em infraestrutura brasileiro deveria incorporar uma série de preocupações com a melhoria da qualidade da participação privada em infraestrutura. Para isso, seria necessário analisar a atividade

Condições favoráveis e dificuldades para envolver participação privada em infraestrutura no brasil publicado

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MINUTA PRELIMINAR PARA DISCUSSÃO Favor enviar contribuições e críticas para o email: [email protected]

Condições favoráveis e dificuldades para envolver participação privada em infraestrutura no

Brasil1-2

Mauricio Portugal Ribeiro3

1. Introdução

Esse texto busca mapear as razões porque, desde o final dos anos 90, quando houve um grande movimento para envolvimento da participação privada em infraestrutura no Brasil, ainda não ocorreu uma segunda

onda de participação privada, há muito esperada em vista das condições amplamente favoráveis para tanto no país. Para isso, esse texto pressupõe ou toma como premissa que o envolvimento de participação privada para a prestação de serviços nos setores de infraestrutura, por meio de contratos de longo prazo, como concessões e PPPs, se realizada adequadamente, é um instrumento importante para expandir o acesso aos serviços de infraestrutura e aumentar a eficiência da sua prestação, garantindo, aos usuários e ao Poder Público, a qualidade e preços pactuados.

Vale notar que, em vista da melhoria contínua das condições macroeconômicas do país, desde 2003, várias vezes se criaram expectativas de que uma ocorrência específica – por exemplo, a aprovação da Lei de PPP, ou a criação do PAC, etc. – fosse finalmente destravar os fatores que dificultam a participação privada em infraestrutura. Contudo, parece cada vez mais claro que os fatores que limitam a participação privada em infraestrutura no Brasil são variados e demandam para sua solução uma abordagem sistemática.

Perceba-se que, neste texto, focaremos atenção apenas nos fatores que travam a ampla utilização de participação privada nos setores de infraestrutura, com o objetivo de gerar apenas um diagnóstico sobre o problema. Não há aqui intenção de mapear as soluções possíveis (remédios e terapia) para tais problemas.4

1 As idéias expostas neste texto foram objeto originariamente de apresentação realizada pelo Professor Mario Engler Pinto Junior, no seminário

“A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: REALIZAÇÕES E PERSPECTIVAS”, em 04 de setembro de 2008, em Salvador-BA.

2 Agradeço a Cecilia de Lima Pessanha a ajuda no trabalho com os dados e elaboração dos gráficos utilizados nesse ensaio.

3 Mauricio Portugal Ribeiro, é Chefe do Departamento de Consultoria de Infraestrutura do IFC no Brasil, Professor da Faculdade de Direito da

Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Mestre em Direito (LL.M.) pela Harvard Law School, autor do livro “Concessões e PPPs: melhores

práticas em licitações e contratos”, no prelo para publicação em 2011 pela Editora Atlas, e autor também (em conjunto com Lucas Prado) do

livro “Comentários à Lei de PPP – Fundamentos Econômico Jurídicos”, publicado pela Malheiros Editores, em 2007 (reimpresso em 2010),

participou da equipe que redigiu o projeto que se tornou a Lei Federal 11.079/04 (Lei de PPP), e da reforma da Lei das Concessões, Lei Federal

8.987/95, realizada em 2005.

4 Eventual planejamento da renovação do programa de participação privada em infraestrutura brasileiro deveria incorporar uma série de

preocupações com a melhoria da qualidade da participação privada em infraestrutura. Para isso, seria necessário analisar a atividade

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Por isso, o texto a seguir limita-se a enumerar as condições favoráveis ao investimento privado em infraestrutura no Brasil e os principais fatores que dificultam a sua realização.

A idéia é dar ao leitor a percepção do conjunto das questões que precisariam ser tratadas para destravar o uso de participação privada em infraestrutura no Brasil, sem tocar ainda aqui em outro problema relevante, a ser tratado em paralelo, que é o tema da qualidade da regulação e das estruturas contratuais e de licitação para a realização de concessões e PPPs.5

2. Situação favorável ao investimento privado em infraestrutura no Brasil

Vivemos, atualmente, uma situação paradoxal no Brasil nos setores de infraestrutura. Por um lado, o Brasil possui uma enorme necessidade de investimentos nestes setores, que dificilmente pode ser suprida adequadamente e de maneira sustentável sem a utilização das competências da iniciativa privada.6

Quadro 1 - A demanda por investimentos em infraestrutura no Brasil

Veja-se, por exemplo, a estimativa, realizada em 2007, pela ABDIB – Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base, de necessidade de investimentos em infraestrutura, para o período 2007-2010, e veja, também, abaixo a estimativa feita em 2010, das necessidades de investimento para o ano de 2009:

Sobre esse mesmo assunto, vale a pena também olhar as estimativas consolidadas do que o Governo Federal pretende fazer por meio do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento 1 e 27:

regulatória e de fiscalização pelo Poder Público, notadamente pelas agências reguladoras, dos parceiros privados nos diversos setores em que

foi feita participação privada em infraestrutura nos últimos 15 anos, com o objetivo de melhorar não apenas a qualidade da regulação e

fiscalização dos contratos em curso, mas também para aproveitar da experiência dos contratos em curso para melhorar a estrutura dos novos

projetos, contratos e licitações. Para avaliação da experiência com estruturação de editais e contratos de concessão e PPP.

5 Sobre esse tema, e sobre a necessidade de utilizar e consolidar melhores práticas na elaboração de contratos e editais de licitação de

concessões e PPP para melhoria da qualidade da participação privada em infraestrutura,ver ver o livro de minha autoria Concessões e PPPs:

melhores práticas em licitações e contratos, Editora Atlas, no prelo a ser publicado em 2011.

6 Perceba-se que essas perspectivas de investimentos em infraestrutura, especialmente com objetivo de servir indústrias e consumidores do

mercado interno, foi pouco afetada pela crise econômico-financeira dos últimos anos. Cf.: Puga, Fernando, Investimentos em perspectiva já são

superiores aos valores pré-crise, Visão do Desenvolvimento, n. 81, 21/05/2010, BNDES, pp. 11.

7 É bem verdade que, publicadas em junho de 2010, essas estimativas podem já estar influenciadas por objetivos eleitorais. É difícil ter clareza

sobre isso. De qualquer modo, é claro, pelo próprio histórico de investimentos do PAC dos últimos anos que só uma parcela dos investimentos

são realizados nos prazos previstos. Prova disso é própria existência no PAC 1 de dados para pós 2010. O PAC 1 foi criado como uma agenda de

alterações legislativas e investimentos a serem feitos até 2010. Como os órgãos públicos não conseguiram executá-lo nesse prazo, adiou-se

esses investimentos para pós 2010, conforme dados acima.

Energia Elétrica28.3

Petróleo e Gás*75.3

Transp./Logística24.1

Saneamento 13.5

Telecom **19.7

Necessidade anual de Investimentos em Infraestrutura no Brasil (R$ bilhões) - 2009

* E&P, Abastecimento, Gás e Energia** Telefonia Fixa e Celular

Fonte: ABDIB, 2010

Energia Elétrica16.6

Petróleo e Gás*31.5

Transp./Logística16.8

Saneamento 13.2

Telecom**9.6

Necessidade anual de Investimentos em Infraestrutura no Brasil (R$ bilhões) - Agenda de Infraestrutura 2007-2010

* E&P, Abastecimento, Gás e Energia** Telefonia Fixa e CelularFonte: ABDIB, 2007

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Ainda sobre as necessidades de investimento nos setores de infraestrutura, em relação aos serviços mais básicos, o PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2009, indica, conforme tabela abaixo, que os maiores desafios estão na área águas, coleta de esgotamento sanitário e acesso a internet:8-9

Essa grande demanda por investimentos em infraestrutura combina-se com um momento especialmente favorável à atração de investidores domésticos e internacionais para os setores de infraestrutura no Brasil.

Por conseqüência de suas atuais condições macroeconômicas, políticas, jurídico-institucionais e regulatórias, o país está na vitrine do mundo, e goza de condições privilegiadas para atrair investidores privados, domésticos ou internacionais, de longo prazo para setores como os de infraestrutura.

Por outro lado, já desde o final dos anos 90 que o Brasil não consegue destravar os fatores que têm impedido uma nova onda de participação privada nos setores de infraestrutura, similar aquela ocorrida na década de

8 Note-se que na tabela sobre acesso aos serviços básicos de infraestrutura, em relação ao abastecimento de água, o PNAD não distingue quais

as outras formas de abastecimento de água além da conexão com a rede pública. Isso cria uma certa distorção porque (a) iguala aqueles que

não tem acesso a água, com aqueles que tem por outros meios além do acesso a rede pública; (b) trata na mesma rubrica aqueles que possuem

acesso inadequado a água (por exemplo, domicílios na área urbana que não possuem acesso a rede de água), com domicílio em áreas rurais,

onde por exemplo, é razoável que o acesso a água seja por meio de cisternas ou outras fontes). Nesta mesma tabela, em relação ao

esgotamento sanitário, está abrangido por “não tem ou outras formas” aqueles que possuem fossa séptica, para o ano de 2007, 22.3%, e, para

2008, 20.7%, os que possuem outras formas de acesso a esgoto, não especificados na pesquisa, para o ano de 2007, 22.1%, e, para o ano de

2008, 22.9%, e, os que não possuíam acesso a esgoto, para o ano de 2007, 4.5%, e, para o ano de 2008, 3.9%. Além disso, os dados da pesquisa

não permitem saber quantos daqueles que usam fossa séptica para esgotamento sanitário o fazem em condições adequadas. Geralmente

fossas sépticas não são aconselháveis para grandes aglomerações urbanas, mas podem fazer sentido na zona rural.

9 Perceba-se que uma boa parte da população não tem acesso à rede coletora de esgotamento sanitário, ao abastecimento de água realizado

pela rede geral e acesso internet. Esses serviços representam os principais desafios para os próximos anos em termos de universalização de

acesso a infraestruturas. No caso dos serviços de águas e saneamento, a sua falta tem impacto extremamente relevante nos indicadores de

saúde, e, dessa forma, o acesso a ele reduz de maneira relevante a desigualdade social, impactando, entre outras, as taxas de mortalidade

infantil e adulta.

Saneamento, Mobilidade, Pavimentacao e Prevençao a Riscos

57.1 UPA, UBS, Creches, Quadras esportivas, Praças, Postos de Política

23

Minha Casa, Minha Vida278.2

Água e Luz para Todos30.6

Rodovias50.4

Ferrovias46

Portos5.1

Hidrovias2.7

Aeroportos3

Equipamentos para estradas vicinais1.8

Geração de Energia Elétrica136.6

Transmissão de Energia Elétrica37.4

Petróleo de Gás Natural875.1

Marinha Mercante36.7

Combustíveis renováveis

1 Eficiência Energética1.1

Pesquisa Mineral

0.6

Investimentos previstos no PAC 2 para 2011-14

R$ bilhões

Fonte: Relatório PAC 2, junho de 2010

RODOVIAS 8.0955

FERROVIAS 35.5934

AEROPORTOS 0.651

PORTOS 0.1994

HIDROVIAS 0.02

GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA 39.5416TRANSMISSÃO DE ENERGIA

ELÉTRICA 8.609

PETRÓLEO E GÁS NATURAL 5.47

REFINO, PETROQUÍMICA E HBIO 39

COMBUSTÍVEIS RENOVÁVEIS 1.5

METRÔS 1.7698

RECURSOS HÍDRICOS 1.675

HABITAÇÃO 0.375

SANEAMENTO 0.2042

Investimentos previstos no PAC 1 para depois de 2010

(R$ Bilhões)

Fonte: Relatório PAC 1, 10 relatório, junho de 2010,

Tem Não tem ou outra forma Tem Não tem ou outra formaAbastecimento de Água (rede geral) 83.2 16.8 83.9 16.1

Esgotamento sanitário (rede coletora) 51.1 48.9 52.5 47.5

Iluminação elétrica 98.2 1.8 98.6 1.4

Telefone (fixo ou móvel) 76.8 23.2 82.1 17.9

Acesso a internet 20 80 23.8 76Fonte: PNAD, 2009

2007 2008

Acesso aos serviços básicos nos setores de infraestrutura

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90, que logrou transferir para a iniciativa privada, a operação da maioria dos serviços nos setores de telecomunicações, energia (transmissão e distribuição), e transporte ferroviário, e que permitiu a realização de uma verdadeira revolução na qualidade e acesso aos serviços em setores como telecomunicações e energia elétrica.10

Quadro 2 – Revolução no acesso ao serviço de telecomunicações criada pelas desestatizações

havidas a partir de 1997-98

Veja-se, por exemplo, o Quadro 2 acima, de 1998, quando foram feitas as concessões e autorizações11 do setor de telecomunicações, tínhamos menos de 20 telefones por cada 100 habitantes. Qualquer usuário que quisesse comprar um novo telefone fixo urbano, a depender da cidade e da região em que se localizaria a linha, tinha que esperar muitas vezes 10 anos para consegui-lo. O mercado respondia a pouca oferta de linhas telefônicas, valorizando-as, de maneira que seu preço podia chegar a custar mais que U$10.000,00, o que as tornava completamente inacessíveis para a população de baixa renda. E isso criava outra distorção: é que apesar das empresas públicas de telecomunicações, pré envolvimento de participação privada, terem tarifas fortemente subsidiadas pelo Erário, esse subsídio ia para classe média e alta, pois a população menos abastada em regra não tinha acesso a linha telefônica.12

10 Daí a grande expectativa de que a conjunção entre a necessidade de investimentos e o apetite da iniciativa privada para fazê-los gerasse uma

nova onda de participação privada em infraestrutura, complementar em vários aspectos à que ocorreu ao longo da década de 90. Por isso, em

diversos momentos ao longo dos últimos anos, essas expectativas se concentraram e se manifestaram em torno de alguma grande ocorrência

que permitiria finalmente destravar os fatores que impediam ou dificultavam participação privada em ampla escala em infraestrutura. Foi

assim, por exemplo, com o debate em torno da Lei de PPP brasileira em 2004, depois com o debate em torno do marco legal do setor de

saneamento em 2007, e, com o PAC, a partir de 2006, e mais recentemente com os investimentos necessários à realização da Copa do Mundo

de 2014, e da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Mas nenhuma dessas ocorrências logrou até aqui resolver as questões que impedem o

deslanche de uma onda de participação privada em infraestrutura.

11 Queremos nos referir a ambos, as vendas de empresas da STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado, o telefone fixo, que foram feitas já com os

novos contratos de concessão assinados, como também à realização das autorizações do SMP – Serviço Móvel Pessoal, a telefonia celular.

12 Essas distorções não são alheias aos setores de infraestrutura e indústria de base no Brasil até hoje. Uma distorção desse tipo que tem sido

apontada por vários analistas é o financiamento a juros subsidiados pelas agências estatais de desenvolvimento da compra de participação

acionárias nos setores de infraestrutura, especialmente quando isso tem efeito de concentração do mercado. O financiamento por agências de

desenvolvimento em regra é voltado para novos investimentos, pois novos investimentos geram renda, empregos, receitas tributárias,

treinamento de pessoas, e novas formas de organização da produção. Contudo, ao financiar a troca de participação acionária, não há a geração

de qualquer desses efeitos, e, por isso, o subsídio é dado sem que haja um benefício para a sociedade e para o Estado que o justifique. Além

disso, esses subsídios são utilizados muitas vezes para obter o efeito de concentração de mercado, o que termina prejudicando também os

consumidores do serviço. Dessa forma, esses subsídios terminam tendo efeito concentrador de renda.

•Fonte: Anatel (http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do#)

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Densidade total de telefones (telefones total /100 habitantes)

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Desde, então, foi feita uma verdadeira revolução no setor de telecomunicações, com base em um marco regulatório que foi estabelecido originariamente da maneira adequada, com metas claras de universalização e qualidade para os serviços entendidos como essenciais, e com regras para garantir a competitividade entre os agentes do setor.13

Quanto às condições favoráveis ao investimento privado, passado o período mais difícil da crise econômica mundial, não há dúvidas que, sobretudo no mercado doméstico, mas também no mercado internacional, há uma crescente disponibilidade de recursos e apetite para investimento em negócios de infraestrutura no Brasil, justificados pelos seguintes fatores:14

(a) a já mencionada enorme demanda por infraestrutura no país;

(b) a estabilidade macroeconômica: estabilidade da moeda, inflação controlada, taxas de juros cadentes, e a obtenção recente pelo país do grau de investimento;15

(c) a grande experiência do país com o envolvimento, acompanhamento e regulação de participação privada em infraestrutura;16

(d) a maturidade político-institucional, e atitude governamental de respeito aos contratos firmados;17

(e) a qualidade do marco legal, e das garantias montadas para assegurar o cumprimento das suas

13 Uma parte dessa universalização foi certamente feita por meio da tecnologia de serviço móvel, o que não existia com perfil comercial no

princípio da década de 90. De qualquer modo, não há como saber se as estatais de telefonia conseguiriam, com a ajuda do celular, mudar a

trajetória do crescimento lento do acesso. Atualmente, as pessoas que tem acesso ao serviço telefônico só por meio do celular, um pouco menos

da metade do total de pessoas com acesso a telefonia. Os dados do PNAD 2008 mostram que 37.6% dos domicílios tem acesso a telefonia só por

meio de celular.

14 Cf.: nota de rodapé 6, acima.

15 Apesar de já ser senso comum que há fragilidades do ponto de vista fiscal, com aumento de despesas correntes, e queda lenta da trajetória da

dívida, e preocupações quanto a capacidade do Banco Central de continuar o controle da inflação em um contexto de crescimento da

participação dos Bancos estatais (especialmente Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES), que em 2010 chegaram a representar

quase que 50% do mercado total de crédito, com práticas de subsídio ao preço de financiamentos, muitas vezes insensíveis às mudanças das

taxas de juros básicas.

16 Quanto à experiência em desestatizações, por qualquer que seja a medida – seja pelas receitas geradas para os Governos (Federal, Estaduais

e Municipais), seja pelos investimentos gerados na prestação dos serviços – o Brasil foi o país em desenvolvimento que realizou o maior

processo de desestatização, excepcionando-se apenas as economias em transição.

17 No que concerne à estabilidade político-institucional, o Brasil foi o único país na América Latina, e talvez um dos poucos no mundo, em que a

assunção do poder pela esquerda não levou a uma postura de descumprimento sistemático de contratos de concessão ou de privatização, e,

particularmente, não houve renacionalizações nem esforço sistemático de desmontagem da estrutura institucional criada para realizar as

desestatizações. Isso é um acervo que coloca o país numa condição única na América Latina, e raríssima nos países em desenvolvimento, em

termos de segurança para realização de investimentos. É importante notar que houve, entretanto, um processo silencioso – e, por isso, menos

visível ao público em geral, mas também lesivo ao interesse público – de boicote e enfraquecimento das agências reguladoras, por conseqüência

da associação, algo pitoresca, das agências reguladoras à suposta matriz neoliberal, quando é óbvio, pelo menos em círculos minimamente

educados, que o fortalecimento da independência das agências reguladoras é uma demanda natural de uma esquerda responsável.

Page 6: Condições favoráveis e dificuldades para envolver participação privada em infraestrutura no brasil   publicado

Favor enviar contribuições e críticas para o email: [email protected]

obrigações pela Administração Pública

(f) os mecanismos que protegem a responsabilidade fiscal, por exemplo, em relação aos pagamentos com PPPs, a Lei 11.079/04 estabelece Estados e Municípios para gastos anuais com PPP.

Quadro 3 – Experiência Brasileira em Participação Privada em Infraestrutura

18 No tocante aos projetos de PPPs, no sentido da Lei 11.079/04, ou seja projetos que envolvem pagamento pelo Poder Público ao parceiro

privado, já se desenvolveu no país, tanto no âmbito da União, quanto nos Estados e Municípios, sistemas de garantias que pode

para melhorar o nível de crédito dos pagamentos públicos. No âmbito federal, o FGP

Municípios uma grande variedade de sistemas que utilizam as receitas não tributárias, por exemplo,

caso da PPPs feitas pela Embasa e pela Sabesp)

Companhia Paulista de Parceria Público-Privada pelo Estado de São Paulo; (c)

Royalties advindos da exploração de petróleo, como foi o c

do FPM – Fundo de Participação dos Municípios ou do

no Estado da Bahia.

19 Cf.: Ribeiro, Mauricio e Prado, Lucas, Comentários à Lei de PPP

Capítulo XXVIII, entre outros.

• Entre 1996 e 2001, o Governo reduziu intensamente sua participação em alguns setores de infra

• Telecom e Ferrovias são atualmente praticamente controlados pelo setor privado

• Nos maiores portos, os terminais operados por entes privados já movimentam mais de 50% das cargas

• Mais de 2/3 da distribuição e mais de 1/5 da geração de energia são realizados por empresas privadas

• No setor de rodovias, algumas das principais rodovias estão sob operação privada (ainda menos de 10% da malha pavimentada)

• No setor de águas saneamento, controle privado ainda é marginal

MINUTA PRELIMINAR PARA DISCUSSÃOFavor enviar contribuições e críticas para o email: [email protected]

ação Pública18;

os mecanismos que protegem a responsabilidade fiscal, por exemplo, em relação aos pagamentos com PPPs, a Lei 11.079/04 estabelece atualmente limite de 3% da receita corrente líquidaEstados e Municípios para gastos anuais com PPP.

Experiência Brasileira em Participação Privada em Infraestrutura

projetos de PPPs, no sentido da Lei 11.079/04, ou seja projetos que envolvem pagamento pelo Poder Público ao parceiro

privado, já se desenvolveu no país, tanto no âmbito da União, quanto nos Estados e Municípios, sistemas de garantias que pode

para melhorar o nível de crédito dos pagamentos públicos. No âmbito federal, o FGP – Fundo Garantidor de PPP, e no âmbito dos Estados e

Municípios uma grande variedade de sistemas que utilizam as receitas não tributárias, por exemplo, (a) tarifas ou p

Sabesp); (b)Pagamentos pela outorga de outras concessões (como no caso da criação da CPP

Privada pelo Estado de São Paulo; (c) Recebíveis fruto de renegociação de dívidas tributárias (REFIS)

advindos da exploração de petróleo, como foi o caso da PPP de saneamento básico, realizada pelo Município de Rio das Ostras; (d) uso

Fundo de Participação dos Municípios ou do FPE – Fundo de Participação dos Estados, como foi o caso da PPP do Hospital do Subúrbio

Cf.: Ribeiro, Mauricio e Prado, Lucas, Comentários à Lei de PPP – fundamentos econômico-jurídicos, Malheiros Editores, São Paulo,

Entre 1996 e 2001, o Governo reduziu intensamente sua participação em alguns setores de infra-estrutura

Telecom e Ferrovias são atualmente praticamente controlados pelo setor privado

Nos maiores portos, os terminais operados por entes privados já movimentam mais de 50% das cargas

Mais de 2/3 da distribuição e mais de 1/5 da geração de energia são realizados por empresas privadas

No setor de rodovias, algumas das principais rodovias estão sob operação privada (ainda menos de 10% da malha pavimentada)

No setor de águas saneamento, controle privado ainda é marginal

PARA DISCUSSÃO Favor enviar contribuições e críticas para o email: [email protected]

os mecanismos que protegem a responsabilidade fiscal, por exemplo, em relação aos pagamentos limite de 3% da receita corrente líquida19 dos

Experiência Brasileira em Participação Privada em Infraestrutura

projetos de PPPs, no sentido da Lei 11.079/04, ou seja projetos que envolvem pagamento pelo Poder Público ao parceiro

privado, já se desenvolveu no país, tanto no âmbito da União, quanto nos Estados e Municípios, sistemas de garantias que podem ser utilizados

Fundo Garantidor de PPP, e no âmbito dos Estados e

tarifas ou preço público (como foi o

como no caso da criação da CPP –

renegociação de dívidas tributárias (REFIS); (c)

da PPP de saneamento básico, realizada pelo Município de Rio das Ostras; (d) uso

de Participação dos Estados, como foi o caso da PPP do Hospital do Subúrbio

jurídicos, Malheiros Editores, São Paulo, 2007,

Page 7: Condições favoráveis e dificuldades para envolver participação privada em infraestrutura no brasil   publicado

MINUTA PRELIMINAR PARA DISCUSSÃO Favor enviar contribuições e críticas para o email: [email protected]

3. Dificuldades para envolvimento de participação privada

Apesar das condições favoráveis ao investimento privado em infraestrutura no Brasil, a participação privada em infraestrutura no Brasil tem sido utilizada de maneira limitada em vários setores20, e com qualidade e problemas variados a depender do setor21.

De forma geral, podemos dizer que existem as seguintes dificuldades que têm limitado o uso de participação privada para a implantação e operação de projetos em diversos setores:

a) Preconceito ideológico e corporativismo – é comum que a decisão sobre envolver participação privada na implantação e operação de projetos nos setores de infraestrutura seja influenciada por preconceitos ideológicos e corporativismo dos agentes políticos e técnicos envolvidos nessa decisão.22-23

20 Por exemplo, nos setores sociais, saúde e educação a participação privada ainda é ainda raríssima. Em setores como saneamento, apenas em

torno de 8% da população é atendida por empresas privadas. No setor rodoviário, menos de 20% da malha pavimentada brasileira é operada

pelo setor privado.

21 Uma questão que passamos ao largo neste texto é a discussão sobre o quanto do investimento em infraestrutura deve ser feito por meio do

envolvimento da participação privada em contratos de longo prazo.

22 Na nossa experiência, temos percebido que é um fator relevante para a resistência, por funcionários públicos, à participação privada a

sensação de perda de controle causada pelo deslocamento do foco da atividade do agente público da definição e controle das características

das obras e dos insumos, para a regulação e fiscalização dos níveis de serviço.

Fonte: Banco Mundial e PPIAF, PPI Project Database. (http://ppi.worldbank.org) Acesso em: 15/08/2008

Brasil (Receitas + Investimentos)(Milhões/US$)

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Brownfield (Concession)

Divestiture

Greenfield Projects

Management and LeaseContract

Brasil 1990-2007

24896.014

14%

110521.46

60%

46377.49

26%

74.9

0%

Brownfield (concessions)

Divestitures

Greenfield Projects

Management and LeaseContracts

Brasil: Receitas Governamentais 1990-2007

29884.7246%

29404.945%

4510.37%

1593.32%

Energia

Telecomunicações

Transporte

Água e Saneamento

Brasil: Investimentos 1990-2007

32720.8328%

62689.654%

18951.1516%

2115.0642%

Energia

Telecomunicações

Transporte

Água e Saneamento

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b) Sensibilidade política do tema – apesar de todos os benefícios que a participação privada trouxe para usuários no Brasil em setores como telecomunicações, energia elétrica, e infraestrutura rodoviária, as desestatizações se tornaram um tema de extrema sensibilidade política. Por exemplo, o rótulo “privatização” adquiriu junto à população em geral aspecto pejorativo, relacionado especialmente à cobrança de tarifas por serviços antes gratuitos. Essa sensibilidade política do tema também incentiva aos órgãos de controle, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas e as Controladorias, a terem uma postura excessivamente rigorosa em relação ao tema que, muitas vezes, dificulta a sua realização.

c) Incompatibilidade entre o cronograma político e os longos prazos necessários para a estruturação e licitação de projetos para a participação privada – os estudos necessários à realização, por exemplo, de concessões e PPPs, se feitos adequadamente, demoram em torno de 8 a 10 meses para ficarem prontos, contados da data da contração pelo Poder Público da sua equipe de consultores. Além disso, são necessários em torno de 6 meses para realização do processo de licitação, até a assinatura do contrato de PPP ou concessão comum, incluindo-se nesse prazo também a consulta e audiências públicas. Portanto, apenas para estruturação do projeto e licitação são necessários pelo menos entre 14 e 16 meses. Note-se que muitas vezes, o Poder Público, realiza licitação para contratação dos seus consultores para estruturação de projetos, o que pode demorar mais 4 a 9 meses24. O total neste caso seria, pois, de 18 a 25 meses. Ora, com um prazo tão longo para contratação de consultores, estruturação e licitação de projeto, há sempre risco de que haja atrasos e que as primeiras obras e os demais resultados decorrentes de uma concessão ou de uma PPP não fiquem prontas dentro do prazo do mandato de 4 anos do agente político que a iniciou. Isso tem feito com que vários agentes políticos hesitem antes de iniciar um processo para realização de concessões comuns e PPPs, especialmente quando é preciso enfrentar resistências políticas no processo de decisão e desenvolvimento do projeto de concessão ou PPP.25

d) Oferta de projetos pelo setor privado tem provado que não resolve o problema dos prazos para a realização de concessões comuns ou PPPs – a experiência de realização de projetos pela via da, assim chamada, “manifestação de interesse”, na prática não reduz os prazos necessários à preparação dos estudos e realização da licitação do projeto. É que, se realizado adequadamente, o processo de análise pelo setor público dos estudos realizados pelo setor privado leva muitas vezes mais tempo que nos casos em que o Poder Público realiza diretamente tais estudos. Perceba-se que, para análise adequada dos estudos ofertados pelo setor privado, muitas vezes, o Poder Público terá que contratar consultores externos, e refazer pelo menos parte de tais estudos. Perceba-se que, em

23 Concessões comuns e PPPs muitas vezes aumentam o controle do Poder Público sobre a operação dos ativos, de maneira que, muitas vezes,

tais contratos têm por efeito, na prática, paradoxalmente, uma espécie de “reestatização” do serviço, no sentido de aumento do controle sobre

a sua prestação.

24 Atualmente, tanto o IFC, quanto o BNDES e a EBP, podem ser contratados sem licitação para realização de desenvolvimento de projetos para

realização de PPPs, concessões etc.

25 No âmbito, contudo, da parceria IFC/BNDES/BID, no caso do Hospital do Subúrbio, foi batido um recorde em termos de prazo de

desenvolvimento do projeto. Entre a assinatura do contrato do Governo com os consultores e a assinatura do contrato de PPP foram apenas 14

meses. O Projeto do Mineirão desenvolvido pela EBP também foi desenvolvido nesse prazo.

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países como o Chile, no qual tal sistema vem sendo adotado com sucesso, o seu objetivo é antes aproveitar das capacidades do setor privado nos casos em que o Poder Público tem dúvida sobre qual o melhor projeto a ser implantado, que reduzir prazos. No Chile, entre o momento em que os estudos são recebidos pelo Poder Público e a publicação da documentação final, revisada pelo Poder Público, para a realização da licitação, há um interregno de em torno de um ano, o que torna os prazos desse tipo de processo comparáveis às formas de desenvolvimento de projeto ordinárias do setor público.

e) Capacidade técnica inadequada na Administração Pública para a estruturação de concessões e PPPs e raridade da conjunção entre agente político e área técnica com capacidades adequadas – a estruturação de concessões e PPPs requer geralmente a realização de estudos sofisticados. Raramente a Administração Pública no Brasil dispõe de quadros com a capacitação técnica e experiência adequadas para tanto. Exceção feita à União e a alguns poucos Estados e, talvez, um ou dois Municípios, o Poder Público no Brasil não dispõe de pessoal sequer com o preparo adequado para desenhar o processo de contratação de consultores para realizar o trabalho de estruturação de concessões ou PPPs. Observe-se que a oferta de projetos pelo setor privado, por meio da assim chamada “manifestação de interesse”, não dispensa a capacidade de análise do Poder Público. Ao contrário, a realização adequada de uma “manifestação de interesse” requer muito mais experiência e capacitação do Poder Público que a contratação ordinária de consultores para assessorarem a Administração na estruturação de desestatização. Mesmo onde há capacidade técnica adequada para a realização de concessões, PPPs ou outras formas de participação privada em infraestrutura, é necessário que o agente político tenha disposição para enfrentar as resistências à participação privada, que geralmente se manifestam no processo de desenvolvimento das concessões, PPPs etc. Além disso, a nossa experiência mostra que é preciso que a área técnica goze da confiança do agente político responsável pelo projeto e que tenha afinidade de objetivos e preocupações com ele, para que seja viável a delegação à área técnica da tomada das diversas decisões que a estruturação de um projeto desse tipo requer.

f) Dificuldades de coordenação entre órgãos integrantes de um mesmo ente governamental – a estruturação de projetos de concessões comuns e PPPs geralmente requer participação de diversos órgãos: os setoriais, os responsáveis pela gestão das finanças, do orçamento e da coordenação política do ente governamental. Em Governos de coalizão, em que há loteamento de cargos do Poder Executivo para atender a demandas de vários partidos, essa coordenação raramente existe.

g) Dificuldades para contratação de consultorias para o desenvolvimento dos projetos – como mencionamos acima, é comum que apenas o processo de contratação da consultoria para desenvolver o projeto de desestatização, se feita por meio da Lei 8.666/93, demore mais que 6 meses. Além disso, por conta da cultura de controle em torno da Lei 8.666/93 ter desenvolvido facciosidade em direção à contratação por melhor preço, não é incomum que sejam contratados os consultores que oferecem preços mais baixos, mas sem a qualificação e sofisticação adequada para dar cabo do trabalho. Observe-se que, como há grandes valores envolvidos na implantação e operação de projetos de desestatização, a consultoria para a sua estruturação pode tanto resultar na geração de ganhos de eficiência relevantes para o Poder Público e o usuário, quanto pode levar a

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perdas relevantes conseqüentes de uma estruturação inadequada. Daí que faz sentido o Poder Público investir na contratação de consultorias de alta qualidade e reputação para estruturação e modelagem de projetos de infraestrutura para participação privada.

h) Necessidade que o desenvolvimento de projetos se torne atividade permanente, como desdobramento da atividade de planejamento governamental – a realização de estudos técnicos para desenvolvimento de projetos que podem ser estruturados para participação privada tem sido, no nível Federal, Estadual ou Municipal, atividade excepcional, que só ocorre quando há priorização política para a sua realização sob a forma de concessão ou PPP. Com efeito, há em todos os níveis governamentais subinvestimento na atividade de preparação dos estudos necessários para a implantação de projetos. Seria desejável que, para todos os projetos vistos como relevantes, em cada setor, o Poder Público, como parte da sua atividade de planejamento, levantasse, diretamente ou por meio de consultores, dados e realizasse estudos preliminares de viabilidade técnica e econômico-financeira dos projetos, independentemente da decisão sobre se o projeto será ou não implantado por meio de participação privada. A realidade atual é que as áreas de planejamento em geral, e especialmente do investimento em infraestrutura, nos diversos níveis de Governo, estão enfraquecidas, e, por isso, sequer têm capacidade para levantar dados sobre os projetos e realizar estudos de custo benefício e de viabilidade técnica e econômico-financeira.

i) Recuperação da capacidade de investimento do setor público favorece soluções estatizantes – a discussão das PPPs no Brasil foi encampada pelo primeiro Governo Lula em um momento em que, por conseqüência da situação fiscal do país e do acordo, então vigente, com o FMI, que incluía, entre outras, a obrigação de geração de superávits primários mínimos preestabelecidos, o país tinha limitações muito estritas em relação à sua capacidade de realização de investimentos públicos. A partir, sobretudo, de 2004, com a implantação do PPI – Projeto Piloto de Investimento, do FMI (que foi a origem do PAC), e com a melhoria expressiva da situação fiscal a partir de 2006, o Governo Federal voltou a priorizar investimento público direto e deixou o envolvimento de participação privada em segundo plano. Essa preferência pelas soluções estatizantes muitas vezes se manifesta de forma velada. Por exemplo, os valores disponibilizados pelo Governo Federal como parte do PAC, para investimento pelos Municípios, em saneamento básico, só podem ser transferidos para ente estatal municipal ou para a empresa de saneamento estadual. As regras de uso dessas transferências não permitem o seu uso para pagamento, por exemplo, a parceiro privado, de contraprestação de uma PPP municipal no setor de saneamento que inclua no seu escopo a realização dos investimentos em saneamento básico planejados para aquele Município.

j) Preferência do setor privado e público pelo modelo tradicional de contratação – ao lado da melhoria da condição fiscal, há também uma preferência do setor privado pelas formas tradicionais de contratação para realização do investimento público. Parcela relevante do empresariado no setor de infraestrutura prefere a contratação de obra tradicional à realização de concessão ou PPP. Em primeiro lugar, porque na obra os ganhos da empresa privada são realizados no curto prazo, com riscos substancialmente menores do que no caso das PPPs e concessões – especialmente pelo uso que ordinariamente é feito entre nós do, assim chamado, equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Além disso, contratos de concessão e PPPs são muito mais complexos, e, por isso,

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requerem, como já fizemos notar no item “c)” acima, tempo para serem adequadamente estruturados. Ademais, as áreas técnicas das entidades governamentais em regra estão muito mais preparadas para estruturar obras públicas do que concessões e PPPs, de maneira que tais áreas técnicas em regra preferem, também, a forma tradicional de investimento público.

O resultado da atuação conjunta dessas dificuldades é o uso limitado de participação privada para a implantação e operação de projetos em infraestrutura, particularmente em setores novos em que a experiência de envolvimento de participação privada é escassa, ou ainda inexistente no Brasil. Vejam a tabela abaixo que tenta sumarizar a situação em relação ao uso de participação privada para implantação de projetos em novos setores. Observe que o número de projetos em desenvolvimento é bastante limitado.

Tabela 1 – Participação Privada em Infraestrutura em novos setores

Setores Mandato em discussão

Em modelagem

Em licitação Contrato assinado

Aeroportos Estaduais 1

(34 aeroportos?)

? 0 0

Federais 3 3 0 0 Saúde

Hospitais 0 1 (17 hospitais)

0 2

Centros de diálise 0 0 0 0 Centros de diagnóstico por imagem e patológico

1 1 (4 centros de diagnóstico)

0 0

Educação Creches 0 0 1

(Suspensa) 0

Escolas 1 0 1 (37 escolas)

0

Universidades 0 0 0 0 Florestas +3 0 2 3 Irrigação +3 1 0 0

Provimento de infra-estrutura predial 0 1 0 0 Saneamento

Distribuição de água ? ? ? +50 Coleta de esgoto 1 2 ? +50 Projetos para provimento de infraestrutura para estatais estaduais (adutoras, estações de tratamento etc.)

? +3 0 2

Equipamentos militares 0 0 0 0 Centros de ressocialização 1 1 0 2 Gestão de atividades meio da prestação jurisdicional 0 0 0 0 Transporte urbano

Metrô 2 1 0 1 Monotrilho 0 1 0 0 VLT 1 0 0 0 VLR 0 0 0 0 BRT 0 2 0 0

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Fonte: levantamento realizado pelo autor do texto