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Na família Hymenolepididae existem algumas espécies que atingem humanos e roedores, com bastante controvérsia quanto a toxonomia. Assim, o Hymenolepis nana (Siebold, 1952)já foi denominado Taenia nana, depois Vampirolepis nana, e atualmente (2004) é denominado Rodentolepis nana. Essa espécie é cosmopolita, atingindo roedores, humanos e outros pnmatas, estimando-se que atinja 75 milhões de pes- soas que vivam em baixas condições sanitárias e em aglome- rados (favelas, creches etc.) no mundo todo. Portanto, na familia Hymenolepididae temos os seguin- tes gêneros oriundos de mamíferos: - Hymenolepis Weinland, 1858: espécies desprovidas de rostelo e sem acúleos, oriundas de roedores (H. diminu- ta Rudolphi, 1819); - Rodentolepis Spasskij, 1954: espécies com rostelo ar- mado de acúleos, oriundas de humanos e roedores (R. nana (Siebold, 1852); - Vampirolepis Spasskij, 1954: espécies com rostelo ar- mado, porém oriundos de morcegos. Assim, em decorrência dessa controvérsia e do uso mais frequente de Hymenolepis nana, ainda continuaremos usando aqui este nome antigo, conforme mostrado nas Figs. 27.1 e 27.2. MORFOLOGIA Mede cerca de 3 a 5cm, com 100 a 200 proglotes bastante estreitas. Cada um destes possui genitália masculina e femi- nina. O escólex apresenta quatro ventosas e um rostro re- trátil armado de ganchos (Fig. 27.1). Ovos internamente apresentam outra membrana envolvendo a oncosfera. Essa membrana interna apresenta dois mamelões claros em posições opostas, dos quais partem alguns filamentos longos. Entre os alunos, esse ovo é conhecido como "chapéu de mexicano, visto por cima" (Figs. 27.1 e 56.4). É uma pequena larva, formada por um escólex inva- ginado e envolvido por uma membrana. Contém pequena quantidade de líquido. Mede cerca de 500ym de diâmetro (Fig. 27.1). Como nos demais cestoda, pode-se denominar de protoescólex ao escólex da larva (Fig. 21.4B). BIOLOGIA O verme adulto é encontrado no intestino delgado, prin- cipalmente íleo e jejuno do homem. Os ovos são encontra- dos nas fezes e a larva cisticercóide pode ser encontrada São quase esféricos, medindo cerca de 40pm de diâme- Fig. 27.1 - Hyrnenolepis nana. A) Verme adulto; B) detalhe do escólex com tro. são transparentes e incolores. A~~~~~~~~~ uma mem- O rostro retrátil; C) ovo típico, com o embrião hexacanto e os filamentos polares. brana externa delgada envolvendo um espaço claro; mais Capitulo 27 247

Hymenolepis nana - cap. 27

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Na família Hymenolepididae existem algumas espécies que atingem humanos e roedores, com bastante controvérsia quanto a toxonomia. Assim, o Hymenolepis nana (Siebold, 1952) já foi denominado Taenia nana, depois Vampirolepis nana, e atualmente (2004) é denominado Rodentolepis nana.

Essa espécie é cosmopolita, atingindo roedores, humanos e outros pnmatas, estimando-se que atinja 75 milhões de pes- soas que vivam em baixas condições sanitárias e em aglome- rados (favelas, creches etc.) no mundo todo.

Portanto, na familia Hymenolepididae temos os seguin- tes gêneros oriundos de mamíferos: - Hymenolepis Weinland, 1858: espécies desprovidas

de rostelo e sem acúleos, oriundas de roedores (H. diminu- ta Rudolphi, 18 19); - Rodentolepis Spasskij, 1954: espécies com rostelo ar-

mado de acúleos, oriundas de humanos e roedores (R. nana (Siebold, 1852);

- Vampirolepis Spasskij, 1954: espécies com rostelo ar- mado, porém oriundos de morcegos.

Assim, em decorrência dessa controvérsia e do uso mais frequente de Hymenolepis nana, ainda continuaremos usando aqui este nome antigo, conforme mostrado nas Figs. 27.1 e 27.2.

MORFOLOGIA

Mede cerca de 3 a 5cm, com 100 a 200 proglotes bastante estreitas. Cada um destes possui genitália masculina e femi- nina. O escólex apresenta quatro ventosas e um rostro re- trátil armado de ganchos (Fig. 27.1).

Ovos

internamente apresentam outra membrana envolvendo a oncosfera. Essa membrana interna apresenta dois mamelões claros em posições opostas, dos quais partem alguns filamentos longos. Entre os alunos, esse ovo é conhecido como "chapéu de mexicano, visto por cima" (Figs. 27.1 e 56.4).

É uma pequena larva, formada por um escólex inva- ginado e envolvido por uma membrana. Contém pequena quantidade de líquido. Mede cerca de 500ym de diâmetro (Fig. 27.1). Como nos demais cestoda, pode-se denominar de protoescólex ao escólex da larva (Fig. 21.4B).

BIOLOGIA

O verme adulto é encontrado no intestino delgado, prin- cipalmente íleo e jejuno do homem. Os ovos são encontra- dos nas fezes e a larva cisticercóide pode ser encontrada

São quase esféricos, medindo cerca de 40pm de diâme- Fig. 27.1 - Hyrnenolepis nana. A) Verme adulto; B) detalhe do escólex com

tro. são transparentes e incolores. A~~~~~~~~~ uma mem- O rostro retrátil; C) ovo típico, com o embrião hexacanto e os filamentos polares. brana externa delgada envolvendo um espaço claro; mais

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nas vilosidades intestinais do próprio homem ou na ca- vidade geral do inseto hospedeiro intermediário (pulgas e caiunchos de cereais).

Esse helminto pode apresentar dois tipos de ciclo: um, monoxênico, em que prescinde de hospedeiro intermediário, e outro, heteroxênico, em que usa hospedeiros intermediá- rios, representados por insetos (pulgas: Xenopsylla cheopis, Ctenocephalides canis, Pulex irritans e coleó- pteros: Tenebrio molitor, 7: obscurus e Tribolium confu- sum). Observar o esquema do ciclo na Fig. 27.2.

Ciclo monoxêmico: os ovos são eliminados juntamente com as fezes e podem ser ingeridos por alguma criança. Ao pas- sarem pelo estômago, os embrióforos são semidigendos pelo suco gástrico; daí chegam ao intestino delgado onde ocorre a eclosão da oncosfera, que penetra nas vilosidades do jejuno ou íleo, dando, em quatro dias, uma larva cisticercóide.

Dez dias depois a larva está madura, sai da vilosidade, desenvagina-se e fixa-se a mucosa intestinal através do escólex. Cerca de 20 dias depois já são vermes adultos. Es- ses possuem uma vida curta, pois cerca de 14 dias depois morrem e são eliminados.

Deve ser ressaltado que esse ciclo é o mais frequente e que as larvas cisticercóides, nas vilosidades intestinais, es- timulam o sistema imune e conferem a imunidade ativa es- pecifica.

Ciclo heteroxênico: os ovos presentes no meio externo são ingeridos pelas larvas de algum dos insetos já citados. Ao chegarem ao intestino desses hospedeiros intermediá- rios, liberam a oncosfera, que se transforma em larva cis- ticercóide. A criança pode acidentalmente ingerir um inse- to contendo larvas cisticercóides que, ao chegarem ao intes- tino delgado, desenvaginam-se, fixam-se à mucosa e 20 dias depois já são vermes adultos.

O mecanismo mais frequente de transmissão é a ingestão de ovos presentes nas mãos ou em alimentos contaminados. Nestes casos ocorrem normalmente pou- cas reinfecções no hospedeiro, pois a larva cisticercóide, tendo se desenvolvido nas vilosidades da mucosa intes- tinal, confere forte imunidade ao mesmo. É por esse mo- tivo que esse parasito é mais frequente entre crianças do que nos adultos: estes já possuem alguma imunidade ad- quirida ativamente, reduzindo a chance de novas reinfec- ções (autocura).

Quando o hospedeiro ingere um inseto com larvas cis- ticercóides e estas dão vermes adultos, pode ocorrer hipe- rinfecção, uma vez que não há imunidade e milhares de ovos podem ser liberados no intestino, dando uma auto-infecção interna (a oncosfera de cada ovo penetraria na mucosa do íleo, dando uma larva cisticercóide, e esta depois transfor- mar-se-ia em verme adulto).

Fig. 27.2 - Ciclo biológico do Hymenolepis nana: 1) criança; 2) ovos eliminados nas fezes e contaminando ambiente; (27 quarto com ovos contaminando alimentos (37 dando ciclo monoxênico (sem hospedeiro intermediário); 3) larva de pulga ingerindo ovos do helminto; 4) pupa de pulga, com larva cisticerc6ide do helminto; 5) pulga adulta, com larva cisticercóide dentro, que será ingerida por outra criança (6), completando o ciclo heteroxênico (com hospedeiro in- termedidrio).

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Mas para ocorrer essa auto-infecção interna há neces- sidade de ter havido antes um retroperistaltismo, para que, através desse mecanismo, os ovos (embrióforos) sejam semidigeridos pelo suco gástrico e, após voltarem para o íleo, ocorra a eclosão das larvas.

PATOGENIA "A generalidade dos autores concorda que as infecções

humanas não são usualmente acompanhadas por manifes- -- tações clínicas. O aparecimento de perturbações está asso- ciado à idade dohpaciente e ao número de vermes alberga- dos. Os sintomas atribuídos as crianças são: agitação, insô- nia, irritabilidade, diarréia, dor abdominal, raramente ocorren- do sintomas nervosos, dos quais os mais penosos são ata- ques epilépticos em formas várias, incluindo cianose, perda de consciência e convulsões" (Milward de Andrade, 1968). As alterações nervosas talvez se devam a uma excitação do córtex, por ação reflexa ou por liberação de toxina.

Na sintomatologia acima indicada, devido a hiperinfecção, ainda se pode notar congestão da mucosa, infiltração linfocitária, pequenas ulcerações, eosinofilia e perda de peso.

Em geral os pacientes com hirnenolepíase costumam apre- sentar remissão dos sintomas espontaneamente, sem trata- mento. Esse processo ocorre devido a eliminação dos vermes por vários mecanismos de defesa, quais sejam: hiperplasia das células secretoras de muco, com grande produção desse pro- tetor de mucosa, associada a ação do sistema imune com in- terferência de anticorpos humorais e celulares. Esses meca- nismos de expulsão do verme são os mesmos que impedem a reinfecção, especialmente a grande quantidade de muco produzido nessa ocasião e a ação imunológica específica.

É de pouca utilidade e difícil, mas em casos de crianças com ataques epileptiformes deve-se pensar primeiramente em alguma verminose, a qual será confirmada, ou não, pelo exame de fezes.

Exame de fezes pelos métodos de rotina e encontro do ovo característico (ver Capítulo 56).

EPIDEMIOLOGIA Conforme já dissemos na introdução deste capítulo, o

rato e o camundongo albergam uma espécie morfologica- mente idêntica ao H. nana. Entretanto, quanto a pos- sibilidade dos roedores exercerem a função de reservatório do H. nana para os humanos, ainda não está bem esclare- cido. No Brasil, não se considera o rato e o camundongo como fonte de infecção relevante para a espécie humana. Assim sendo, conclui-se ser nossa espécie o reservatório do H. nana que o parasita.

Apesar do H. nana ser cosmopolita, ele é mais frequen- te nos países ou regiões de clima frio. Entretanto, dentro desses países, dois fatores são muito importantes na deter- minação da incidência dessa verminose entre a população:

densidade populacional e hábito de viver em ambientes fe- chados. No Brasil, o H. nana é mais comum na Região Sul, onde durante os meses de inverno as crianças permanecem por mais tempo em ambiente fechado.

Na população em geral, sua prevalência é muito baixa, ou seja, de 0,04% a 3,5%. Já quando se examina a faixa etária de 2 a 9 anos, em educandários coletivos (creches, asilos, in- ternatos etc.), a prevalência pode chegar a 40,1%.

Os principais fatores que parecem determinar a dis- tribuição e incidência do H. nana em nosso meio são:

resistência curta do ovo no meio extemo: até dez dias; promiscuidade e maus hábitos higiênicos; presença de hospedeiros intermediários próprios no ambiente; transmissão ser também direta: criança-fezes-ovos- chão-criança.

PROFILAXIA Higiene individual, uso de privadas ou fossas, uso de

aspirador de pó e tratamento precoce dos doentes. O com- bate aos insetos de cereais (carunchos) e pulgas existentes em ambiente doméstico é medida muito útil. Fazer exame de fezes nos demais membros da comunidade (família, creche, etc.) e tratá-los corretamente para se evitar a manutenção de fontes de infecção.

TRATAMENTO A droga de escolha é o praziquantel, na dose oral de

25mgJkg intervalada de dez dias. Esse intervalo é importan- te porque o medicamento só atua contra as formas adultas e não sobre as larvas cisticercóides. A miclosamida, na dose de 2g para adultos e lg para criança, também é eficiente, como a anterior, recomenda-se dar o medicamento em duas vezes, com intervalo de dez dias.

HYMENOLEPIS DIMINUTA RUDOLPHI, 1819

Mede cerca de 30 a 60cm, possuindo escólex com qua- tro ventosas, sem rostro. São parasitos habituais de ratos e raramente de humanos. O ciclo é sempre heteroxeno e o ho- mem infecta-se ingerindo insetos (pulgas, coleópteros etc.) com a larva cisticercóide. Normalmente, o parasitismo huma- no não leva a nenhuma alteração orgânica. Em geral, o ver- me é eliminado dois meses após a infecção. O diagnóstico é feito pelo encontro dos ovos nas fezes (são maiores do que H. nana e não possuem os filamentos polares). O tra- tamento é semelhante aos dos outros Cestoda.

Experimentos feitos em camundongos demonstraram que existe uma forte imunidade cruzada entre o H nana e o H. di- minuta. Quando um camundongo é previamente infestado por uma espécie e depois reinfectado pela outra, essa segun- da espécie não consegue se desenvolver no hospedeiro. Is- so se deve a antigenicidade não só da forma tecidual (larva cisticercóide) como da forma adulta que é altamente imuno- gênica, levando a produção de altos títulos de IgG. Em vista disso, pode-se fazer a proteção de hospedeiros (camun- dongos e humanos) contra o H. nana, provocando-se uma infecção controlada e discreta pelo H. diminuta.

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