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Nicolas Pelicioni de OLIVEIRA Licenciatura em Letras - Ibilce, UNESP http://nicolas-pelicioni.blogspot.com/ [email protected] Algumas notas: A tradução não é minha, meu trabalho é apenas o de leitura: comparo o texto original francês à tradução, acrescentando as notas que considero importantes (em alguns casos, para justificar a tradução - eventualmente, mudo a tradução!), e acrescento imagens para contextualizar. Infelizmente, não tenho o nome do tradutor do texto em português. Os textos que utilizei foram os seguintes: BAUDELAIRE, C. Sobre a Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. BAUDELAIRE, C. Le peintre de la vie moderne. Disponível em: < http://baudelaire.litteratura.com>. Acessado em 2 de novembro de 2012. A seguinte nota acompanha o texto que utilizei em português: “Esta obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda deste ebook ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente.” Em seguida, são apresentados os sites: <http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros> <http://groups.google.com/group/digitalsource> Além destes, muitas das imagens foram pegas no: <http://www.wikipaintings.org/>

Le peintre de la vie moderne baudelaire

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Page 1: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

Nicolas Pelicioni de OLIVEIRA

Licenciatura em Letras - Ibilce, UNESP

http://nicolas-pelicioni.blogspot.com/

[email protected]

Algumas notas:

A tradução não é minha, meu trabalho é apenas o de leitura: comparo o

texto original francês à tradução, acrescentando as notas que

considero importantes (em alguns casos, para justificar a tradução -

eventualmente, mudo a tradução!), e acrescento imagens para

contextualizar. Infelizmente, não tenho o nome do tradutor do texto

em português.

Os textos que utilizei foram os seguintes:

BAUDELAIRE, C. Sobre a Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1996.

BAUDELAIRE, C. Le peintre de la vie moderne. Disponível em: <

http://baudelaire.litteratura.com>. Acessado em 2 de novembro de

2012.

A seguinte nota acompanha o texto que utilizei em português: “Esta

obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de

maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que

não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos

para ler. Dessa forma, a venda deste ebook ou até mesmo a sua troca

por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer

circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da

distribuição, portanto distribua este livro livremente.”

Em seguida, são apresentados os sites:

<http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros>

<http://groups.google.com/group/digitalsource>

Além destes, muitas das imagens foram pegas no:

<http://www.wikipaintings.org/>

Page 2: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

Charles Baudelaire

LE PEINTRE DE LA VIE MODERNE

SOBRE A MODERNIDADE

PAZ E TERRA

Coleção Leitura

© Editora Paz e Terra, 1996.

Editores responsáveis: Christine Röhrig e Maria Elisa Cevasco

Edição de texto: Thaís Nicoleti de Camargo

Produção Gráfica: Katia Halbe

Capa: Isabel Carballo

Page 3: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Baudelaire, Charles, 1821-1867.

Sobre a modernidade o pintor da vida moderna /

Charles Baudelaire; [organizador Teixeira Coelho].

— Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. — (Coleção Leitura)

ISBN 85-219-01984

1. Arte 2. Arte — História 3. Baudelaire, Charles,

1821-1867 4 Crítica de arte 5. Pintura 6. Usos e costumes

I. Coelho, Teixeira, 1944- II. Título.

III. Séries.

96-2061 CDD-709

Índices para catálogo sistemático:

1. Arte : Avaliação crítica 709

2. Arte : Estudos críticos 709

3. Arte : História 709

EDITORA PAZ E TERRA S.A.

Rua do Triunfo, 177

01212-010 — São Paulo — 5P

Tel.: (011)223-6522

Rua Dias Ferreira nº. 417—Loja Parte

22431-050 — Rio de Janeiro — RJ

Tel.: (021) 259-8946

Conselho editorial:

Celso Furtado

Fernando Gasparian

Roberto Schwarz

Rosa Freire D’Aguiar

1996

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Page 4: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

1

Índice

Le peintre de la vie moderne O pintor da vida moderna

I

Le beau, la mode et le bonheur 2

O belo, a moda e a felicidade

II

Le croquis de moeurs 8

O croqui de costumes

III

L’artiste, homme du monde, homme des foules et enfant 10

O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança

IV

La modernité 22

A modernidade

V

L’art mnémonique 28

A arte mnemônica

VI

Les annales de la guerre 35

Os anais da guerra

VII

Pompes et solennités 43

Pompas e solenidades

VIII

Le militaire 49

O militar

IX

Le dandy 54

O dândi

X

La femme 61

A mulher

XI

Eloge du maquillage 64

Elogio da maquiagem

XII

Les femmes et les filles 71

As mulheres e as cortesãs

XIII

Les voitures 79

Os veículos

Page 5: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

2

I

Le beau, la mode et le bonheur O belo, a moda e a felicidade

Il y a dans le monde, et même dans le monde des artistes, des gens

qui vont au musée du Louvre, passent rapidement, et sans leur

accorder un regard, devant une foule de tableaux très intéressants,

quoique de second ordre, et se plantent rêveurs devant un Titien ou

un Raphaël, un de ceux que la gravure a le plus popularisés ; puis

sortent satisfaits, plus d’un se disant : « Je connais mon musée. »

Il existe aussi des gens qui, ayant lu jadis Bossuet et Racine,

croient posséder l’histoire de la littérature.

Há neste mundo, e mesmo no mundo dos artistas, pessoas que

vão ao Museu do Louvre, passam rapidamente — sem se dignar

a olhar — diante de um número imenso de quadros muito

interessantes embora de segunda categoria e plantam-se

sonhadoras diante de um Ticiano ou de um Rafael, um desses

que foram mais popularizados pela gravura1; depois todas

saem satisfeitas, mais de uma dizendo consigo: “Conheço o

meu museu”. Há também pessoas que, por terem outrora lido

Bossuet e Racine, acreditam dominar a história da

literatura.

1. Gravura, aqui tem o sentido da “imagem” reproduzida no quadro,

não o processo técnico.

Par bonheur se présentent de temps en temps des redresseurs de torts,

des critiques, des amateurs, des curieux qui affirment que tout n’est

pas dans Raphaël, que tout n’est pas dans Racine, que les poetae

minores ont du bon, du solide et du délicieux ; et, enfin, que pour

tant aimer la beauté générale, qui est exprimée par les poètes et les

artistes classiques, on n’en a pas moins tort de négliger la beauté

particulière, la beauté de circonstance et le trait de moeurs.

Felizmente, de vez em quando aparecem justiceiros,

críticos, amadores e curiosos afirmando nem tudo estar em

Rafael, nem tudo estar em Racine, que os poetae minores1

possuem algo de bom, de sólido e de delicioso, e,

finalmente, que mesmo amando tanto a beleza geral, expressa

pelos poetas e artistas clássicos, nem por isso deixa de

ser um erro negligenciar a beleza particular, a beleza de

circunstância e a pintura de costumes.

1. “poetae minores”, em latim, “poeta” tem o sentido de “o que faz

(alguma coisa), artista”, não somente o escritor de poesias. Assim,

“poetae minores” pode ser traduzido por “artistas menores”.

Je dois dire que le monde, depuis plusieurs années, s’est un peu

corrigé. Le prix que les amateurs attachent aujourd’hui aux

gentillesses gravées et coloriées du dernier siècle prouve qu’une

réaction a eu lieu dans le sens où le public en avait besoin ;

Page 6: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

3

Debucourt, les Saint-Aubin et bien d’autres, sont entrés dans le

dictionnaire des artistes dignes d’être étudiés. Mais ceux-là

représentent le passé ; or c’est à la peinture des moeurs du présent

que je veux m’attacher aujourd’hui. Le passé est intéressant non

seulement par la beauté qu’ont su en extraire les artistes pour qui

il était le présent, mais aussi comme passé, pour sa valeur

historique. Il en est de même du présent. Le plaisir que nous

retirons de la représentation du présent tient non seulement à la

beauté dont il peut être revêtu, mais aussi à sa qualité essentielle

de présent.

Devo dizer que o mundo, após muitos anos, se corrigiu um

pouco. O valor que os amadores atribuem hoje aos mimos1

gravados e coloridos do século passado, prova que houve uma

reação na direção reclamada pelo público: Debucourt, Saint-

Aubin e muitos outros entraram para o dicionário dos

artistas dignos de serem estudados. Mas eles representam o

passado. Ora, hoje quero me ater estritamente à pintura de

costumes do presente. O passado é interessante não somente

pela beleza que dele souberam extrair os artistas para quem

constituía o presente, mas também como passado, por seu

valor histórico. O mesmo ocorre com o presente. O prazer

que obtemos com a representação do presente deve-se não

apenas à beleza de que ele pode estar revestido, mas também

à sua qualidade essencial de presente.

1. “mimos” traduz “gentillesses”. São os “costumes gentis do século

passado” registradas em arte.

J’ai sous les yeux une série de gravures de modes commençant avec la

Révolution et finissant à peu près au Consulat. Ces costumes, qui

font rire bien des gens irréfléchis, de ces gens graves sans vraie

gravité, présentent un charme d’une nature double, artistique et

historique. Ils sont très souvent beaux et spirituellement dessinés ;

mais ce qui m’importe au moins autant, et ce que je suis heureux de

retrouver dans tous ou presque tous, c’est la morale et l’esthétique

du temps. L’idée que l’homme se fait du beau s’imprime dans tout son

ajustement, chiffonne ou raidit son habit, arrondit ou aligne son

geste, et même pénètre subtilement, à la longue, les traits de son

visage. L’homme finit par ressembler à ce qu’il voudrait être. Ces

gravures peuvent être traduites en beau et en laid ; en laid, elles

deviennent des caricatures ; en beau, des statues antiques.

Tenho diante dos olhos uma série de gravuras de modas que

começam na Revolução1 e terminam aproximadamente no

Consulado2. Esses trajes que provocam o riso de muitas

pessoas insensatas, essas pessoas sérias sem verdadeira

seriedade apresentam um fascínio de uma dupla natureza, ou

seja, artístico e histórico. Eles quase sempre são belos e

desenhados com elegância, mas o que me importa, pelo menos

em idêntica medida, e o que me apraz encontrar em todos ou

em quase todos, é a moral e a estética da época. A idéia

que o homem tem do belo imprime-se em todo o seu vestuário,

Page 7: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

4

torna sua roupa franzida ou rígida, arredonda ou alinha seu

gesto e inclusive impregna sutilmente, com o passar do

tempo, os traços de seu rosto. O homem acaba por se

assemelhar àquilo que gostaria de ser. Essas gravuras podem

ser traduzidas em belo e em feio; em feio, tornam-se

caricaturas; em belo, estátuas antigas.

1. Revolução Francesa: (1789 – 1799).

2. Consulado: “Consulat” (9 – 10 de novembro de 1799 à 18 de maio de

1804) regime político da França resultante do golpe de Estado do 18

brumário, teve fim quando Napoleão Bonaparte se proclamou imperador.

Les femmes qui étaient revêtues de ces costumes ressemblaient plus ou

moins aux unes ou aux autres, selon le degré de poésie ou de

vulgarité dont elles étaient marquées. La matière vivante rendait

ondoyant ce qui nous semble trop rigide. L’imagination du spectateur

peut encore aujourd’hui faire marcher et frémir cette tunique et ce

schall. Un de ces jours, peut-être, un drame paraîtra sur un théâtre

quelconque, où nous verrons la résurrection de ces costumes sous

lesquels nos pères se trouvaient tout aussi enchanteurs que nous-

mêmes dans nos pauvres vêtements (lesquels ont aussi leur grâce, il

est vrai, mais d’une nature plutôt morale et spirituelle), et s’ils

sont portés et animés par des comédiennes et des comédiens

intelligents, nous nous étonnerons d’en avoir pu rire si étourdiment.

Le passé, tout en gardant le piquant du fantôme, reprendra la lumière

et le mouvement de la vie, et se fera présent.

As mulheres que envergavam esses trajes se pareciam mais ou

menos umas às outras, segundo o grau de poesia ou de

vulgaridade que as distinguia. A matéria viva tornava

ondulante o que nos parece muito rígido. A imaginação do

espectador pode ainda hoje movimentar e fremir esta túnica

ou este xale. Talvez, um dia desses, será montado um drama

num teatro qualquer, onde presenciaremos a ressurreição

desses costumes nos quais nossos pais se achavam tão

atraentes quanto nós mesmos em nossas pobres roupas (que

também têm sua graça, é verdade, mas de uma natureza

sobretudo moral e espiritual), e se forem vestidos e

animados por atrizes e atores inteligentes, nós nos

admiraremos de nos terem despertado o riso de modo tão

leviano. O passado, conservando o sabor do fantasma,

recuperará a luz e o movimento da vida, e se tornará

presente.

Si un homme impartial feuilletait une à une toutes les modes

françaises depuis l’origine de la France jusqu’au jour présent, il

n’y trouverait rien de choquant ni même de surprenant. Les

transitions y seraient aussi abondamment ménagées que dans l’échelle

du monde animal. Point de lacune, donc point de surprise. Et s’il

ajoutait à la vignette qui représente chaque époque la pensée

philosophique dont celle-ci était le plus occupée ou agitée, pensée

Page 8: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

5

dont la vignette suggère inévitablement le souvenir, il verrait

quelle profonde harmonie régit tous les membres de l’histoire, et

que, même dans les siècles qui nous paraissent les plus monstrueux et

les plus fous, l’immortel appétit du beau a toujours trouvé sa

satisfaction.

Se um homem imparcial folheasse uma a uma todas as modas

francesas desde a origem da França até o momento, nada

encontraria de chocante nem de surpreendente. Seria

possível ver as transições organizadas de forma tão

gradativa quanto na escala do mundo animal. Nenhuma lacuna;

logo, nenhuma surpresa. E se ele acrescentasse à vinheta

que representa cada época o pensamento filosófico que mais

a ocupou ou agitou, pensamento cuja lembrança é

inevitavelmente evocada pela vinheta, constataria a

profunda harmonia que rege toda a equipe da história, e

que, mesmo nos séculos que nos parecem mais monstruosos e

insanos, o imortal apetite do belo sempre foi saciado.

C’est ici une belle occasion, en vérité, pour établir une théorie

rationnelle et historique du beau, en opposition avec la théorie du

beau unique et absolu ; pour montrer que le beau est toujours,

inévitablement, d’une composition double, bien que l’impression qu’il

produit soit une ; car la difficulté de discerner les éléments

variables du beau dans l’unité de l’impression n’infirme en rien la

nécessité de la variété dans sa composition. Le beau est fait d’un

élément éternel, invariable, dont la quantité est excessivement

difficile à déterminer, et d’un élément relatif, circonstanciel, qui

sera, si l’on veut, tour à tour ou tout ensemble, l’époque, la mode,

la morale, la passion. Sans ce second élément, qui est comme

l’enveloppe amusante, titillante, apéritive, du divin gâteau, le

premier élément serait indigestible, inappréciable, non adapté et non

approprié à la nature humaine. Je défie qu’on découvre un échantillon

quelconque de beauté qui ne contienne pas ces deux éléments.

Na verdade, esta é uma bela ocasião para estabelecer uma

teoria racional e histórica do belo, em oposição à teoria

do belo único e absoluto; para mostrar que o belo

inevitavelmente sempre tem uma dupla composição, embora a

impressão que produza seja uma, pois a dificuldade em

discernir os elementos variáveis do belo na unidade da

impressão não diminui em nada a necessidade da variedade em

sua composição. O belo é constituído por um elemento

eterno, invariável, cuja quantidade é excessivamente

difícil determinar, e de um elemento relativo,

circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou

combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem

esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível,

palpitante, aperitivo do divino manjar, o primeiro elemento

seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não

apropriado à natureza humana. Desafio qualquer pessoa a

descobrir qualquer exemplo de beleza que não contenha esses

Page 9: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

6

dois elementos.

Je choisis, si l’on veut, les deux échelons extrêmes de l’histoire.

Dans l’art hiératique, la dualité se fait voir au premier coup d’oeil

; la partie de beauté éternelle ne se manifeste qu’avec la permission

et sous la règle de la religion à laquelle appartient l’artiste. Dans

l’oeuvre la plus frivole d’un artiste raffiné appartenant à une de

ces époques que nous qualifions trop vaniteusement de civilisées, la

dualité se montre également ; la portion éternelle de beauté sera en

même temps voilée et exprimée, sinon par la mode, au moins par le

tempérament particulier de l’auteur. La dualité de l’art est une

conséquence fatale de la dualité de l’homme. Considérez, si cela vous

plaît, la partie éternellement subsistante comme l’âme de l’art, et

l’élément variable comme son corps. C’est pourquoi Stendhal, esprit

impertinent, taquin, répugnant même, mais dont les impertinences

provoquent utilement la méditation, s’est rapproché de la vérité,

plus que beaucoup d’autres, en disant que le Beau n’est que la

promesse du bonheur. Sans doute cette définition dépasse le but ;

elle soumet beaucoup trop le beau à l’idéal infiniment variable du

bonheur ; elle dépouille trop lestement le beau de son caractère

aristocratique ; mais elle a le grand mérite de s’éloigner décidément

de l’erreur des académiciens.

Escolho, se preferirem, os dois escalões extremos da

história. Na arte hierática, a dualidade salta à vista; a

parte de beleza eterna só se manifesta com a permissão e

dentro dos cânones da religião a que o artista pertence. A

dualidade se evidencia igualmente na obra mais frívola de

um artista refinado pertencente a uma dessas épocas que

qualificamos, com excessiva vaidade, de civilizadas; a

dualidade igualmente se mostra; a porção eterna de beleza

estará ao mesmo tempo velada e expressa, se não pela moda,

ao menos pelo temperamento particular do autor. A dualidade

da arte é uma consequência fatal da dualidade do homem.

Considerem, se isso lhes apraz, a parte eternamente

subsistente como a alma da arte, e o elemento variável como

seu corpo. É por isso que Stendhal, espírito impertinente,

irritante, até mesmo repugnante, mas cujas impertinências

necessariamente provocam a meditação, se aproximou mais da

verdade do que muitos outros ao afirmar que o Belo não é

senão a promessa da felicidade. Sem dúvida, tal definição

excede seu objetivo, submete de forma excessiva o belo ao

ideal indefinidamente variável da felicidade, despoja com

muita desenvoltura o belo de seu caráter aristocrático, mas

tem o grande mérito de afastar-se decididamente do erro dos

acadêmicos.

J’ai plus d’une fois déjà expliqué ces choses ; ces lignes en disent

assez pour ceux qui aiment ces jeux de la pensée abstraite ; mais je

sais que les lecteurs français, pour la plupart, ne s’y complaisent

guère, et j’ai hâte moi-même d’entrer dans la partie positive et

Page 10: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

7

réelle de mon sujet.

Já expliquei estas coisas mais de uma vez; estas linhas são

suficientes para aqueles que apreciam os exercícios do

pensamento abstrato; mas sei que os leitores franceses, em

sua maioria, neles pouco se comprazem e eu mesmo tenho

pressa de entrar na parte positiva e real de meu tema.

Page 11: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

8

II

Le croquis de moeurs O croqui

1 de costumes

Pour le croquis de moeurs, la représentation de la vie bourgeoise et

les spectacles de la mode, le moyen le plus expéditif et le moins

coûteux est évidemment le meilleur. Plus l’artiste y mettra de

beauté, plus l’oeuvre sera précieuse ; mais il y a dans la vie

triviale, dans la métamorphose journalière des choses extérieures, un

mouvement rapide qui commande à l’artiste une égale vélocité

d’exécution. Les gravures à plusieurs teintes du dix-huitième siècle

ont obtenu de nouveau les faveurs de la mode, comme je le disais tout

à l’heure ; le pastel, l’eau-forte, l’aqua-tinte ont fourni tour à

tour leurs contingents à cet immense dictionnaire de la vie moderne

disséminé dans les bibliothèques, dans les cartons des amateurs et

derrière les vitres des plus vulgaires boutiques. Dès que la

lithographie parut, elle se montra tout de suite très apte à cette

énorme tâche, si frivole en apparence. Nous avons dans ce genre de

véritables monuments. On a justement appelé les oeuvres de Gavarni et

de Daumier des compléments de La Comédie Humaine. Balzac lui-même,

j’en suis très convaincu, n’eût pas été éloigné d’adopter cette idée,

laquelle est d’autant plus juste que le génie de l’artiste peintre de

moeurs est un génie d’une nature mixte, c’est-à-dire où il entre une

bonne partie d’esprit littéraire. Observateur, flâneur, philosophe,

appelez-le comme vous voudrez ; mais vous serez certainement amené,

pour caractériser cet artiste, à le gratifier d’une épithète que vous

ne sauriez appliquer au peintre des choses éternelles, ou du moins

plus durables, des choses héroïques ou religieuses. Quelquefois il

est poète ; plus souvent il se rapproche du romancier ou du moraliste

; il est le peintre de la circonstance et de tout ce qu’elle suggère

d’éternel. Chaque pays, pour son plaisir et pour sa gloire, a possédé

quelques uns de ces hommes-là. Dans notre époque actuelle, à Daumier

et à Gavarni, les premiers noms qui se présentent à la mémoire, on

peut ajouter Devéria, Maurin, Numa, historiens des grâces interlopes

de la Restauration, Wattier, Tassaert, Eugène Lami, celui-là presque

Anglais à force d’amour pour les éléments aristocratiques, et même

Trimolet et Traviès, ces chroniqueurs de la pauvreté et de la petite

vie.

Para o croqui de costumes, a representação da vida burguesa

e os espetáculos da moda, o meio mais expedito e menos

custoso, evidentemente, é o melhor. Quanto mais beleza o

artista lhe conferir, mais preciosa será a obra; mas há na

vida ordinária, na metamorfose incessante das coisas

exteriores, um movimento rápido que exige do artista

idêntica velocidade de execução. As gravuras de várias

tonalidades do século XVIII obtiveram novamente o favor da

moda, como eu afirmava há pouco; o pastel, a água-forte, a

água-tinta forneceram sucessivamente seus contingentes para

Page 12: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

9

o imenso dicionário da vida moderna, disseminado nas

bibliotecas, nas pastas dos amadores e nas vitrines das

lojas mais comuns2. A litografia, desde o seu surgimento,

imediatamente se mostrou bastante apta a essa enorme tarefa

aparentemente tão frívola. Possuímos, nesse gênero,

verdadeiros monumentos. As obras de Gavarni e de Daumier

foram com justiça denominadas complementos de A Comédia

Humana3. O próprio Balzac, tenho certeza absoluta, não

estaria longe de adotar essa ideia, pela justa razão de que

o gênio do pintor de costumes é um gênio de uma natureza

mista, isto é, no qual entra uma boa dose de espírito

literário. Observador, flâneur, filósofo, chamem-no como

quiserem, mas, para caracterizar esse artista, certamente

seremos levados a agraciá-lo com um epíteto que não

poderíamos aplicar ao pintor das coisas eternas, ou pelo

menos as mais duradouras, coisas heróicas ou religiosas. Às

vezes ele é um poeta; mais, frequentemente, aproxima-se do

romancista ou do moralista; é o pintor do circunstancial e

de tudo o que este sugere de eterno. Todos os países, para

seu prazer e glória, possuíram alguns desses homens. Em

nossa época atual, a Daumier e a Gavarni, primeiros nomes

que nos vêm à memória, podemos acrescentar os de Devéria,

Maurin, Numa, historiadores das ambíguas belezas da

Restauração; Wattier, Tassaert, Eugène Lami — este último

quase inglês, de tanto amor pelas elegâncias aristocráticas

— e inclusive Trimolet e Traviès, cronistas da pobreza e da

banalidade quotidiana.

1. “Croquis”, traduzido pela mesma palavra: “croqui”. O croqui é um

desenho rápido, na forma de esboço (o dicionário Le Robert Micro dá

para “croquis” os sinônimos “esquisse” e “ébauche”, palavras

entendidas em portugues como “esboço”).

2. “Comuns” traduz “vulgaires”. O contexto parece sugerir mais

leveza do que o pejorativo “vulgares”; embora “vulgaire”, em

francês, também seja pejorativo.

3. “A comédia Humana”, obra de Honoré de Balzac (1799 – 1850),

composta de 95 volumes, procura retratar todos os níveis da

sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia.

Page 13: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

10

III

L’artiste, homme du monde, homme des foules et

enfant O artista, homem do mundo, homem das

multidões e criança

Je veux entretenir aujourd’hui le public d’un homme singulier,

originalité si puissante et si décidée, qu’elle se suffit à elle-même

et ne recherche même pas l’approbation. Aucun de ses dessins n’est

signé, si l’on appelle signature ces quelques lettres, faciles à

contrefaire, qui figurent un nom, et que tant d’autres apposent

fastueusement au bas de leurs plus insouciants croquis. Mais tous ses

ouvrages sont signés de son âme éclatante, et les amateurs qui les

ont vus et appréciés les reconnaîtront facilement à la description

que j’en veux faire. Grand amoureux de la foule et de l’incognito, M.

C. G. pousse l’originalité jusqu’à la modestie. M. Thackeray, qui,

comme on sait, est très curieux des choses d’art, et qui dessine lui-

même les illustrations de ses romans, parla un jour de M. G. dans un

petit journal de Londres. Celui-ci s’en fâcha comme d’un outrage à sa

pudeur. Récemment encore, quand il apprit que je me proposais de

faire une appréciation de son esprit et de son talent, il me supplia,

d’une manière très impérieuse, de supprimer son nom et de ne parler

de ses ouvrages que comme des ouvrages d’un anonyme. J’obéirai

humblement à ce bizarre désir. Nous feindrons de croire, le lecteur

et moi, que M. G. n’existe pas, et nous nous occuperons de ses

dessins et de ses aquarelles, pour lesquels il professe un dédain de

patricien, comme feraient des savants qui auraient à juger de

précieux documents historiques, fournis par le hasard, et dont

l’auteur doit rester éternellement inconnu. Et même, pour rassurer

complétement ma conscience, on supposera que tout ce que j’ai à dire

de sa nature si curieusement et si mystérieusement éclatante, est

plus ou moins justement suggéré par les oeuvres en question ; pure

hypothèse poétique, conjecture, travail d’imagination.

Quero entreter hoje o público de um homem singular,

originalidade tão poderosa e tão decidida que se basta a si

mesma e não busca qualquer aprovação. Nenhum de seus

desenhos é assinado, se chamarmos assinatura essas poucas

letras, passíveis de falsificação, que representam um nome,

e que tantos a colocam faustosamente embaixo de seus

croquis mais insignificantes. Porém, todas as suas obras

são assinadas com sua alma resplandecente, e os amadores

que as viram e apreciaram as reconhecerão sem dificuldade

na descrição que delas pretendo fazer. Enamorado pela

multidão e pelo incógnito, C. G1. leva a originalidade às

raias da modéstia. Thackeray, que, como se sabe, interessa-

se bastante pelas coisas de arte e desenha ele próprio as

ilustrações de seus romances, um dia falou de G. num

Page 14: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

11

pequeno jornal de Londres. Aquele irritou-se como se fosse

um ultraje a seu pudor. Ainda recentemente, quando soube

que eu me propunha fazer uma apreciação de seu espírito e

talento, suplicou-me, de uma maneira muito imperiosa, que

seu nome fosse suprimido e que só se falasse de suas obras

como das obras de um anônimo2. Obedecerei humildemente a

esse estranho desejo. Fingiremos acreditar, o leitor e eu,

que G. não existe, e trataremos de seus desenhos e

aquarelas, pelos quais ele professa um desdém

aristocrático, agindo como esses pesquisadores que tivessem

de julgar preciosos documentos históricos fornecidos pelo

acaso e cujo autor devesse permanecer eternamente

desconhecido. Inclusive, para apaziguar completamente minha

consciência, vamos supor que tudo quanto tenho a dizer

sobre sua natureza, tão curiosamente e tão misteriosamente

brilhante, é sugerido, mais ou menos justamente, pelas

obras em questão; pura hipótese poética, conjetura,

trabalho de imaginação.

1. Trata-se do desenhista, aquarelista e gravador Constantin Guys

(1802 - 1892).

2. A nota 1, acima, rompe com a delicadeza de Baudelaire! Monsieur

Constantin Guys (M. G., como é apresentado por Baudelaire), é aqui

revelado, bem como suas pinturas.

M. G. est vieux. Jean-Jacques commença, dit-on, à écrire à quarante-

deux ans. Ce fut peut-être vers cet âge que M. G., obsédé par toutes

les images qui remplissaient son cerveau, eut l’audace de jeter sur

une feuille blanche de l’encre et des couleurs. Pour dire la vérité,

il dessinait comme un barbare, comme un enfant, se fâchant contre la

maladresse de ses doigts et la désobéissance de son outil. J’ai vu un

grand nombre de ces barbouillages primitifs, et j’avoue que la

plupart des gens qui s’y connaissent ou prétendent s’y connaître

auraient pu, sans déshonneur, ne pas deviner le génie latent qui

habitait dans ces ténébreuses ébauches. Aujourd’hui, M. G., qui a

trouvé, à lui tout seul, toutes les petites ruses du métier, et qui a

fait, sans conseils, sa propre éducation, est devenu un puissant

maître, à sa manière, et n’a gardé de sa première ingénuité que ce

qu’il en faut pour ajouter à ses riches facultés un assaisonnement

inattendu. Quand il rencontre un de ces essais de son jeune âge, il

le déchire ou le brûle avec une honte des plus amusantes.

G. é um velho. Dizem que Jean-Jacques começou a escrever

aos quarenta e dois anos. Foi talvez por essa idade que G.,

obcecado por todas as imagens que lhe povoavam o cérebro,

teve a audácia de lançar tintas e cores sobre uma folha

branca. Para dizer a verdade, ele desenhava como um

bárbaro, como uma criança, irritando-se com a imperícia de

seus dedos e a desobediência de seus instrumentos. Vi

muitas dessas garatujas primitivas e confesso que a maioria

das pessoas capazes de julgar, ou com essa pretensão, teria

Page 15: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

12

podido, sem prejuízo, não adivinhar o gênio latente que

habitava esses tenebrosos esboços. Atualmente G., que

descobriu sozinho todos os pequenos truques do ofício e,

sem receber conselhos, realizou sua própria formação,

tornou-se um admirável mestre à sua maneira, conservando da

simplicidade inicial apenas o necessário para acrescentar

às suas mais ricas faculdades um toque desconcertante.

Quando ele descobre uma dessas tentativas de sua juventude,

rasga ou queima com uma vergonha das mais divertidas.

Constantin Guys,

por Félix Nadar (1820 – 1910)

Pendant dix ans, j’ai désiré faire la connaissance de M. G., qui est,

par nature, très voyageur et très cosmopolite. Je savais qu’il avait

été longtemps attaché à un journal anglais illustré, et qu’on y avait

publié des gravures d’après ses croquis de voyage (Espagne, Turquie,

Crimée). J’ai vu depuis lors une masse considérable de ces dessins

improvisés sur les lieux mêmes, et j’ai pu lire ainsi un compte rendu

minutieux et journalier de la campagne de Crimée, bien préférable à

tout autre. Le même journal avait aussi publié, toujours sans

signature, de nombreuses compositions du même auteur, d’après les

Page 16: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

13

ballets et les opéras nouveaux. Lorsque enfin je le trouvai, je vis

tout d’abord que je n’avais pas affaire précisément à un artiste,

mais plutôt à un homme du monde. Entendez ici, je vous prie, le mot

artiste dans un sens très restreint, et le mot homme du monde dans un

sens très étendu. Homme du monde, c’est-à-dire homme du monde entier,

homme qui comprend le monde et les raisons mystérieuses et légitimes

de tous ses usages ; artiste, c’est-à-dire spécialiste, homme attaché

à sa palette comme le serf à la glèbe. M. G. n’aime pas être appelé

artiste. N’a-t-il pas un peu raison ? Il s’intéresse au monde entier

; il veut savoir, comprendre, apprécier tout ce qui se passe à la

surface de notre sphéroïde. L’artiste vit très peu, ou même pas du

tout, dans le monde moral et politique. Celui qui habite dans le

quartier Breda ignore ce qui se passe dans le faubourg Saint-Germain.

Sauf deux ou trois exceptions qu’il est inutile de nommer, la plupart

des artistes sont, il faut bien le dire, des brutes très adroites, de

purs manoeuvres, des intelligences de village, des cervelles de

hameau. Leur conversation, forcément bornée à un cercle très étroit,

devient très vite insupportable à l’homme du monde, au citoyen

spirituel de l’univers.

Durante dez anos desejei conhecer G., que é, por

temperamento, apaixonado por viagens e muito cosmopolita.

Sabia que durante muito tempo ele fora correspondente de um

jornal inglês ilustrado e que nele publicara gravuras a

partir de seus croquis de viagem (Espanha, Turquia,

Crimeia1). Vi, durante esse tempo, uma quantidade

considerável de desenhos improvisados sobre os próprios

locais e pude ler, assim, uma crônica minuciosa e diária da

campanha da Criméia, melhor do que qualquer outra. O mesmo

jornal publicara também, sempre sem assinatura, inúmeras

composições do mesmo autor, inspiradas nos balés e óperas

recentes. Quando finalmente o conheci, logo vi que não se

tratava precisamente de um artista, mas antes de um homem

do mundo. Entenda-se aqui, por favor, a palavra artista num

sentido muito restrito, e a expressão homem do mundo num

sentido muito amplo. Homem do mundo, isto é, homem do mundo

inteiro, homem que compreende o mundo e as razões

misteriosas e legítimas de todos os seus costumes; artista,

isto é, especialista, homem subordinado à sua palheta como

o servo à gleba2. G. não gosta de ser chamado artista. Não

teria ele alguma razão? Ele se interessa pelo mundo

inteiro; quer saber, compreender, apreciar tudo o que

acontece na superfície de nosso esferóide. O artista vive

pouquíssimo, ou até não vive, no mundo moral e político. O

que mora no bairro Bréda ignora o que se passa no bairro

Saint-Germain. Salvo duas ou três exceções que não vale a

pena mencionar, a maioria dos artistas são, deve-se convir,

uns brutos muito hábeis, simples artesãos, inteligências

provincianas, mentalidades de cidade pequena. Sua conversa,

forçosamente limitada a um círculo muito restrito, torna-se

rapidamente insuportável para o homem do mundo, para o

Page 17: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

14

cidadão espiritual do universo.

1. Crimeia (o nome francês é “Crimée”), é a região da Ucrânia

formada por uma península que avança no mar Negro, separando-o do

mar de Azov.

2. Gleba: terreno, feudo a que os servos estavam subordinados.

Ainsi, pour entrer dans la compréhension de M. G., prenez note tout

de suite de ceci : c’est que la curiosité peut être considérée comme

le point de départ de son génie.

Assim, para compreender G., anotem imediatamente o

seguinte: a curiosidade pode ser considerada como o ponto

de partida de seu gênio.

Vous souvenez-vous d’un tableau (en vérité, c’est un tableau !) écrit

par la plus puissante plume de cette époque, et qui a pour titre

L’Homme des foules ? Derrière la vitre d’un café, un convalescent,

contemplant la foule avec jouissance, se mêle par la pensée, à toutes

les pensées qui s’agitent autour de lui. Revenu récemment des ombres

de la mort, il aspire avec délices tous les germes et tous les

effluves de la vie ; comme il a été sur le point de tout oublier, il

se souvient et veut avec ardeur se souvenir de tout. Finalement, il

se précipite à travers cette foule à la recherche d’un inconnu dont

la physionomie entrevue l’a, en un clin d’oeil, fasciné. La curiosité

est devenue une passion fatale, irrésistible !

Lembram-se de um quadro (é um quadro, na verdade!) escrito

pelo mais poderoso autor desta época e que se intitula

L’Homme des Foules1? Atrás das vidraças de um café, um

convalescente, contemplando com prazer a multidão, mistura-

se mentalmente a todos os pensamentos que se agitam à sua

volta. Resgatado há pouco das sombras da morte, ele aspira

com deleite todos os indícios e eflúvios da vida; como

estava prestes a tudo esquecer, lembra-se e quer

ardentemente lembrar-se de tudo. Finalmente, precipita-se

no meio da multidão à procura de um desconhecido cuja

fisionomia, apenas vislumbrada, fascinou-o num relance. A

curiosidade transformou-se numa paixão fatal, irresistível!

1. “L’Homme des Foules”: “O Homem das Multidões”, é um texto de

Edgar Allan Poe (1809 – 1849), The Man of the Crowd, traduzido por

Baudelaire. Baudelaire também possui, em “Le Spleen de Paris” um

poema chamado “As Multidões” (Les Foules).

Supposez un artiste qui serait toujours, spirituellement, à l’état du

convalescent, et vous aurez la clef du caractère de M. G.

Imagine um artista que estivesse sempre, espiritualmente,

em estado de convalescença e se terá a chave do caráter de

G.

Or la convalescence est comme un retour vers l’enfance. Le

convalescent jouit au plus haut degré, comme l’enfant, de la faculté

Page 18: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

15

de s’intéresser vivement aux choses, même les plus triviales en

apparence. Remontons, s’il se peut, par un effort rétrospectif de

l’imagination, vers nos plus jeunes, nos plus matinales impressions,

et nous reconnaîtrons qu’elles avaient une singulière parenté avec

les impressions, si vivement colorées, que nous reçûmes plus tard à

la suite d’une maladie physique, pourvu que cette maladie ait laissé

pures et intactes nos facultés spirituelles. L’enfant voit tout en

nouveauté ; il est toujours ivre. Rien ne ressemble plus à ce qu’on

appelle l’inspiration, que la joie avec laquelle l’enfant absorbe la

forme et la couleur. J’oserai pousser plus loin ; j’affirme que

l’inspiration a quelque rapport avec la congestion, et que toute

pensée sublime est accompagnée d’une secousse nerveuse, plus ou moins

forte, qui retentit jusque dans le cervelet. L’homme de génie a les

nerfs solides ; l’enfant les a faibles. Chez l’un, la raison a pris

une place considérable ; chez l’autre, la sensibilité occupe presque

tout l’être. Mais le génie n’est que l’enfance retrouvée à volonté,

l’enfance douée maintenant, pour s’exprimer, d’organes virils et de

l’esprit analytique qui lui permet d’ordonner la somme de matériaux

involontairement amassée. C’est à cette curiosité profonde et joyeuse

qu’il faut attribuer l’oeil fixe et animalement extatique des enfants

devant le nouveau, quel qu’il soit, visage ou paysage, lumière,

dorure, couleurs, étoffes chatoyantes, enchantement de la beauté

embellie par la toilette. Un de mes amis me disait un jour qu’étant

fort petit, il assistait à la toilette de son père, et qu’alors il

contemplait, avec une stupeur mêlée de délices, les muscles des bras,

les dégradations de couleurs de la peau nuancée de rose et de jaune,

et le réseau bleuâtre des veines. Le tableau de la vie extérieure le

pénétrait déjà de respect et s’emparait de son cerveau. Déjà la forme

l’obsédait et le possédait. La prédestination montrait précocement le

bout de son nez. La damnation était faite. Ai-je besoin de dire que

cet enfant est aujourd’hui un peintre célèbre ?

Ora, a convalescença é como uma volta à infância. O

convalescente goza, no mais alto grau, como a criança, da

faculdade de interessar-se intensamente pelas coisas, mesmo

por aquelas que aparentemente se mostram as mais triviais.

Retornemos, se possível, através de um esforço

retrospectivo da imaginação, às mais jovens, às mais

matinais de nossas impressões, e constataremos que elas

possuem um singular parentesco com as impressões tão

vivamente coloridas que recebemos ulteriormente, depois de

uma doença, desde que esta tenha deixado puras e intactas

nossas faculdades espirituais. A criança vê tudo como

novidade; ela sempre está embriagada. Nada se parece tanto

com o que chamamos inspiração quanto a alegria com que a

criança absorve a forma e a cor. Ousaria ir mais longe:

afirmo que a inspiração tem alguma relação com a congestão,

e que todo pensamento sublime é acompanhado de um

estremecimento nervoso, mais ou menos intenso, que

repercute até no cerebelo. O homem de gênio tem nervos

sólidos, a criança os tem fracos. Naquele, a razão ganhou

Page 19: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

16

um lugar considerável; nesta, a sensibilidade ocupa quase

todo o seu ser. Mas o gênio é somente a infância

redescoberta sem limites; a infância agora dotada, para

expressar-se, de órgãos viris e do espírito analítico que

lhe permite ordenar a soma de materiais involuntariamente

acumulados. É a está curiosidade profunda e alegre que se

deve atribuir o olhar fixo, estático e animalesco das

crianças diante do novo, seja lá o que isso for, rosto ou

paisagem, luz, brilhos, cores, tecidos cintilantes,

fascínio da beleza realçada pelo traje. Um de meus amigos

disse-me um dia que, ainda pequeno, vira seu pai lavando-se

e então contemplava, com uma perplexidade mesclada de

deleite, os músculos dos braços, as gradações de cores da

pele matizada de rosa e amarelo, e a rede azulada das

veias. O quadro da vida exterior já o impregnava de

respeito e se apoderava de seu cérebro. A forma já o

obcecava e o possuía. A predestinação mostrava precocemente

a ponta do nariz. A danação estava consumada. É preciso

dizer que essa criança hoje é um pintor célebre?

Revue de troupes françaises en Crimée

Constantin Guys

Je vous priais tout à l’heure de considérer M. G. comme un éternel

convalescent ; pour compléter votre conception, prenez-le aussi pour

un homme-enfant, pour un homme possédant à chaque minute le génie de

l’enfance, c’est-à-dire un génie pour lequel aucun aspect de la vie

n’est émoussé.

Eu os exortava ainda há pouco a que considerassem G. como

um eterno convalescente; para completar a intelecção,

considere-o também como um homem-criança, como um homem

dominado a cada minuto pelo gênio da infância, ou seja, um

gênio para o qual nenhum aspecto da vida é indiferente.

Je vous ai dit que je répugnais à l’appeler un pur artiste, et qu’il

se défendait lui-même de ce titre avec une modestie nuancée de pudeur

Page 20: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

17

aristocratique. Je le nommerais volontiers un dandy, et j’aurais pour

cela quelques bonnes raisons ; car le mot dandy implique une

quintessence de caractère et une intelligence subtile de tout le

mécanisme moral de ce monde ; mais, d’un autre côté, le dandy aspire

à l’insensibilité, et c’est par là que M. G., qui est dominé, lui,

par une passion insatiable, celle de voir et de sentir, se détache

violemment du dandysme. Amabam amare, disait saint Augustin. « J’aime

passionnément la passion », dirait volontiers M. G. Le dandy est

blasé, ou il feint de l’être, par politique et raison de caste. M. G.

a horreur des gens blasés. Il possède l’art si difficile (les esprits

raffinés me comprendront) d’être sincère sans ridicule. Je le

décorerais bien du nom de philosophe, auquel il a droit à plus d’un

titre, si son amour excessif des choses visibles, tangibles,

condensées à l’état plastique, ne lui inspirait une certaine

répugnance de celles qui forment le royaume impalpable du

métaphysicien. Réduisons-le donc à la condition de pur moraliste

pittoresque, comme La Bruyère.

Dizia que me desagradava chamá-lo de puro artista e que ele

próprio recusava esse título com uma modéstia mesclada de

pudor aristocrático. Eu o chamaria de bom grado dândi1, e

teria algumas boas razões para isso; pois a palavra dândi

implica um refinamento de caráter e uma compreensão sutil

de todo mecanismo moral deste mundo; mas, por outro lado, o

dândi aspira à insensibilidade, e é por esse ângulo que G.,

que é dominado por uma paixão insaciável, a de ver e de

sentir, se afasta violentamente do dandismo. Amabam amare2,

dizia Santo Agostinho. “Amo apaixonadamente a paixão”,

diria G., com naturalidade. O dândi é entediado, ou finge

ser, por política e razão de casta. G. tem horror às

pessoas entediadas. Ele possui a arte extremamente difícil

(os espíritos refinados irão me compreender) de ser sincero

sem ser ridículo. Poderia condecorá-lo com o título de

filósofo, que ele merece por várias razões, se seu amor

excessivo pelas coisas visíveis, tangíveis, condensadas no

estado plástico, não lhe inspirassem uma certa repugnância

por aquelas que formam o reino impalpável do metafísico.

Vamos então reduzi-lo à condição de puro moralista

pitoresco, como La Bruyère3.

1. Baudelaire define “dândi” no capítulo IX desse mesmo livro.

2. “Amabam amare”, em latim: “eu amava amar”.

3. La Bruyère: Jean de La Bruyère (1645 – 1696), moralista francês

famoso por uma única obra, “Dos Personagens ou costumes do século”

(Les Caractères ou les Mœurs de ce siècle).

La foule est son domaine, comme l’air est celui de l’oiseau, comme

l’eau celui du poisson. Sa passion et sa profession, c’est d’épouser

la foule. Pour le parfait flâneur, pour l’observateur passionné,

c’est une immense jouissance que d’élire domicile dans le nombre,

Page 21: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

18

dans l’ondoyant dans le mouvement, dans le fugitif et l’infini. Etre

hors de chez soi, et pourtant se sentir partout chez soi ; voir le

monde, être au centre du monde et rester caché au monde, tels sont

quelques-uns des moindres plaisirs de ces esprits indépendants,

passionnés, impartiaux, que la langue ne peut que maladroitement

définir. L’observateur est un prince qui jouit partout de son

incognito. L’amateur de la vie fait du monde sa famille, comme

l’amateur du beau sexe compose sa famille de toutes les beautés

trouvées, trouvables et introuvables ; comme l’amateur de tableaux

vit dans une société enchantée de rêves peints sur toile. Ainsi

l’amoureux de la vie universelle entre dans la foule comme dans un

immense réservoir d’électricité. On peut aussi le comparer, lui, à un

miroir aussi immense que cette foule ; à un kaléidoscope doué de

conscience, qui, à chacun de ses mouvements, représente la vie

multiple et la grâce mouvante de tous les éléments de la vie. C’est

un moi insatiable du non-moi, qui, à chaque instant, le rend et

l’exprime en images plus vivantes que la vie elle-même, toujours

instable et fugitive. « Tout homme », disait un jour M. G. dans une

de ces conversations qu’il illumine d’un regard intense et d’un geste

évocateur, « tout homme qui n’est pas accablé par un de ces chagrins

d’une nature trop positive pour ne pas absorber toutes les facultés,

et qui s’ennuie au sein de la multitude, est un sot ! un sot ! et je

le méprise ! »

A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como

a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a

multidão. Para o perfeito flâneur1, para o observador

apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no

numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no

infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa

onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do

mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos

prazeres desses espíritos independentes, apaixonados

imparciais, que a linguagem não pode definir senão

toscamente. O observador é um príncipe que frui por toda

parte do fato de estar incógnito. O amador da vida faz do

mundo a sua família, tal como o amador do belo sexo compõe

sua família com toda as belezas encontradas, encontráveis

ou inencontráveis; tal como o amador de quadros vive numa

sociedade encantada de sonhos pintados na tela. Assim o

apaixonado pela vida universal entra na multidão como em um

reservatório de eletricidade. Pode-se igualmente compará-lo

a um espelho tão imenso quanto essa multidão; a um

caleidoscópio dotado de consciência, que, a cada um de seus

movimentos, representa a vida múltipla e o encanto

cambiante de todos os elementos da vida. É um eu insaciável

do não-eu, que a cada instante o revela e o exprime em

imagens mais vivas do que a própria vida, sempre instável e

fugidia. “Todo homem”, disse G. um dia, numa dessas

conversas que ele ilumina com um olhar intenso e um gesto

evocativo, “todo homem que não é atormentado por uma dessas

Page 22: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

19

tristezas de natureza demasiado concreta, o bastante para

absorver todas as faculdades, e que se entedia no seio da

multidão, é um imbecil! um imbecil! e o desprezo!”

1. “flâneur” é aquele que passeia ociosamente, o que vagueia, o que

perambula.

Quand M. G., à son réveil, ouvre les yeux et qu’il voit le soleil

tapageur donnant l’assaut aux carreaux des fenêtres, il se dit avec

remords, avec regrets : « Quel ordre impérieux ! quelle fanfare de

lumière ! Depuis plusieurs heures déjà, de la lumière partout ! de la

lumière perdue par mon sommeil ! Que de choses éclairées j’aurais pu

voir et que je n’ai pas vues ! » Et il part ! et il regarde couler le

fleuve de la vitalité, si majestueux et si brillant. Il admire

l’éternelle beauté et l’étonnante harmonie de la vie dans les

capitales, harmonie si providentiellement maintenue dans le tumulte

de la liberté humaine. Il contemple les paysages de la grande ville,

paysages de pierre caressés par la brume ou frappés par les soufflets

du soleil. Il jouit des beaux équipages, des fiers chevaux, de la

propreté éclatante des grooms, de la dextérité des valets, de la

démarche des femmes onduleuses, des beaux enfants, heureux de vivre

et d’être bien habillés ; en un mot, de la vie universelle. Si une

mode, une coupe de vêtement a été légèrement transformée, si les

noeuds de rubans, les boucles ont été détrônés par les cocardes, si

le bavolet s’est élargi et si le chignon est descendu d’un cran sur

la nuque, si la ceinture a été exhaussée et la jupe amplifiée, croyez

qu’à une distance énorme son oeil d’aigle l’a déjà deviné. Un

régiment passe, qui va peut-être au bout du monde, jetant dans l’air

des boulevards ses fanfares entraînantes et légères comme l’espérance

; et voilà que l’oeil de M. G. a déjà vu, inspecté, analysé les

armes, l’allure et la physionomie de cette troupe. Harnachements,

scintillements, musique, regards décidés, moustaches lourdes et

sérieuses, tout cela entre pêle-mêle en lui ; et dans quelques

minutes, le poème qui en résulte sera virtuellement composé. Et voilà

que son âme vit avec l’âme de ce régiment qui marche comme un seul

animal, fière image de la joie dans l’obéissance !

Quando G., ao despertar, abre os olhos e vê o sol

flamejante invadindo as vidraças, diz para si mesmo com

remorso, com arrependimento: “Que ordem imperiosa! Que

fanfarra de luz! Há muitas horas já, luz em toda parte! Luz

perdida por causa de meu sono! Quantas coisas iluminadas

poderia ter visto e não vi!” E ele sai! E observa fluir o

rio da vitalidade, tão majestoso e brilhante. Admira a

eterna beleza e a espantosa harmonia da vida nas capitais,

harmonia tão providencialmente mantida no tumulto da

liberdade humana. Contempla as paisagens da cidade grande,

paisagens de pedra acariciadas pela bruma ou fustigadas

pelos sopros do sol. Admira as belas carruagens, os

garbosos cavalos, a limpeza reluzente dos lacaios, a

destreza dos criados, o andar das mulheres ondulosas, as

belas crianças, felizes por viverem e estarem bem vestidas;

Page 23: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

20

resumindo, a vida universal. Se uma moda, um corte de

vestuário foi levemente transformado, se os laços de fita e

os cachos foram destronados pelas rosetas, se a mantilha se

ampliou e o coque desceu um pouquinho na nuca, se a cintura

foi erguida e a saia alargada, acreditem que a uma

distância enorme seu olhar de águia já adivinhou. Um

regimento passa, ele vai talvez ao fim do mundo, difundindo

no ar dos bulevares suas fanfarras sedutoras e diáfanas

como a esperança; e eis que o olhar de G. já viu,

inspecionou, analisou as armas, o porte e a fisionomia

dessa tropa. Arreios, cintilações, música, olhares

decididos, bigodes espessos e graves, tudo isso ele absorve

simultaneamente; e em alguns minutos o poema que disso

resulta estará virtualmente composto. E sua alma vive com a

alma desse regimento que marcha como se fosse um único

animal, altiva imagem da alegria na obediência!

Mais le soir est venu. C’est l’heure bizarre et douteuse où les

rideaux du ciel se ferment, où les cités s’allument. Le gaz fait

tache sur la pourpre du couchant. Honnêtes ou déshonnêtes,

raisonnables ou fous, les hommes se disent : « Enfin la journée est

finie ! » Les sages et les mauvais sujets pensent au plaisir, et

chacun court dans l’endroit de son choix boire la coupe de l’oubli.

M. G. restera le dernier partout où peut resplendir la lumière,

retentir la poésie, fourmiller la vie, vibrer la musique ; partout où

une passion peut poser pour son oeil, partout où l’homme naturel et

l’homme de convention se montrent dans une beauté bizarre, partout où

le soleil éclaire les joies rapides de l’animal dépravé ! « Voilà,

certes, une journée bien employée, » se dit certain lecteur que nous

avons tous connu, « chacun de nous a bien assez de génie pour la

remplir de la même façon. » Non ! peu d’hommes sont doués de la

faculté de voir ; il y en a moins encore qui possèdent la puissance

d’exprimer. Maintenant, à l’heure où les autres dorment, celui-ci est

penché sur sa table, dardant sur une feuille de papier le même regard

qu’il attachait tout à l’heure sur les choses, s’escrimant avec son

crayon, sa plume, son pinceau, faisant jaillir l’eau du verre au

plafond, essuyant sa plume sur sa chemise, pressé, violent, actif,

comme s’il craignait que les images ne lui échappent, querelleur

quoique seul, et se bousculant lui-même. Et les choses renaissent sur

le papier, naturelles et plus que naturelles, belles et plus que

belles, singulières et douées d’une vie enthousiaste comme l’âme de

l’auteur. La fantasmagorie a été extraite de la nature. Tous les

matériaux dont la mémoire s’est encombrée se classent, se rangent,

s’harmonisent et subissent cette idéalisation forcée qui est le

résultat d’une perception enfantine, c’est-à-dire d’une perception

aiguë, magique à force d’ingénuité !

Mas a noite chegou. É a hora estranha e ambígua em que se

fecham as cortinas do céu e se iluminam as cidades. Os

revérberos1 se sobressaem sobre a púrpura do poente.

Honestos ou desonestos, sensatos ou insanos, os homens

Page 24: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

21

dizem: “Enfim, acabou-se o dia!” Os plácidos e os de má

índole pensam no prazer e todos acorrem ao lugar de sua

preferência para beber a taça do esquecimento. G. será o

último a partir de qualquer lugar onde possa resplandecer a

luz, ressoar a poesia, fervilhar a vida, vibrar a música;

de todo lugar onde uma paixão possa posar diante de seus

olhos, de todo lugar onde o homem natural e o homem

convencional se mostrem numa beleza estranha, de todo lugar

onde o sol ilumina as alegrias efêmeras do animal

depravado! “Foi, com certeza, uma jornada bem empregada”,

pensará certo leitor que todos conhecemos. “Todos têm

talento suficiente para preenchê-la da mesma maneira.” Não!

poucos homens são dotados da faculdade de ver; há ainda

menos homens que possuem a capacidade de exprimir. Agora, à

hora em que os outros estão dormindo, ele está curvado

sobre sua mesa, lançando sobre uma folha de papel o mesmo

olhar que há pouco dirigia às coisas, lutando com seu

lápis, sua pena, seu pincel, lançando água do copo até o

teto, limpando a pena na camisa, apressando, violento,

ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem,

belicoso, mas sozinho e debatendo-se consigo mesmo. E as

coisas renascem no papel, naturais e, mais do que naturais,

belas; mais do que belas, singulares e dotadas de uma vida

tão entusiasta quanto a alma do autor. A fantasmagoria foi

extraída da natureza. Todos os materiais atravancados na

memória classificam-se, ordenam-se, harmonizam-se e sofrem

essa idealização forçada que é o resultado de uma percepção

infantil, isto é, de uma percepção aguda, mágica à força de

ser ingênua!

1. “revérberos” são lampiões de rua.

Page 25: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

22

IV

La modernité A modernidade

Ainsi il va, il court, il cherche. Que cherche-t-il ? A coup sûr, cet

homme, tel que je l’ai dépeint, ce solitaire doué d’une imagination

active, toujours voyageant à travers le grand désert d’hommes, a un

but plus élevé que celui d’un pur flâneur, un but plus général, autre

que le plaisir fugitif de la circonstance. Il cherche ce quelque

chose qu’on nous permettra d’appeler la modernité ; car il ne se

présente pas de meilleur mot pour exprimer l’idée en question. Il

s’agit, pour lui, de dégager de la mode ce qu’elle peut contenir de

poétique dans l’historique, de tirer l’éternel du transitoire. Si

nous jetons un coup d’oeil sur nos expositions de tableaux modernes,

nous sommes frappés de la tendance générale des artistes à habiller

tous les sujets de costumes anciens. Presque tous se servent des

modes et des meubles de la Renaissance, comme David se servait des

modes et des meubles romains. Il y a cependant cette différence, que

David, ayant choisi des sujets particulièrement grecs ou romains, ne

pouvait pas faire autrement que de les habiller à l’antique, tandis

que les peintres actuels, choisissant des sujets d’une nature

générale applicable à toutes les époques, s’obstinent à les affubler

des costumes du Moyen Age, de la Renaissance ou de l’Orient. C’est

évidemment le signe d’une grande paresse ; car il est beaucoup plus

commode de déclarer que tout est absolument laid dans l’habit d’une

époque, que de s’appliquer à en extraire la beauté mystérieuse qui y

peut être contenue, si minime ou si légère qu’elle soit. La

modernité, c’est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié

de l’art, dont l’autre moitié est l’éternel et l’immuable. Il y a eu

une modernité pour chaque peintre ancien ; la plupart des beaux

portraits qui nous restent des temps antérieurs sont revêtus des

costumes de leur époque. Ils sont parfaitement harmonieux, parce que

le costume, la coiffure et même le geste, le regard et le sourire

(chaque époque a son port, son regard et son sourire) forment un tout

d’une complète vitalité. Cet élément transitoire, fugitif, dont les

métamorphoses sont si fréquentes, vous n’avez pas le droit de le

mépriser ou de vous en passer. En le supprimant, vous tombez

forcément dans le vide d’une beauté abstraite et indéfinissable,

comme celle de l’unique femme avant le premier péché. Si au costume

de l’époque, qui s’impose nécessairement, vous en substituez un

autre, vous faites un contre-sens qui ne peut avoir d’excuse que dans

le cas d’une mascarade voulue par la mode. Ainsi, les déesses, les

nymphes et les sultanes du dix-huitième siècle sont des portraits

moralement ressemblants.

Assim ele vai, corre, procura. O que procura? Certamente

esse homem, tal como o descrevi, esse solitário dotado de

uma imaginação ativa, sempre viajando através do grande

deserto de homens, tem um objetivo mais elevado do que o de

Page 26: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

23

um simples flâneur, um objetivo mais geral, diverso do

prazer efêmero da circunstância. Ele busca esse algo, ao

qual se permitirá chamar de Modernidade; pois não me ocorre

melhor palavra para exprimir a idéia em questão. Trata-se,

para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de

poético no histórico, extrair o eterno do transitório. Se

lançarmos um olhar a nossas exposições de quadros modernos,

ficaremos espantados com a tendência geral dos artistas de

vestirem todas as personagens com indumentária antiga.

Quase todas se servem das modas e dos móveis do

Renascimento, como David se servia das modas e dos móveis

romanos. Há, no entanto, uma diferença, pois David, tendo

escolhido temas especificamente gregos ou romanos, não

podia agir de outra forma senão vesti-los à moda antiga,

enquanto os pintores atuais, escolhendo temas de uma

natureza geral que podem aplicar a todas as épocas,

obstinam-se em fantasiá-los com trajes da Idade Média, do

Renascimento ou do Oriente. Evidentemente, é sinal de uma

grande preguiça; pois é muito mais cômodo declarar que tudo

é absolutamente feio no vestuário de uma época do que se

esforçar por extrair dele a beleza misteriosa que possa

conter, por mínima ou tênue que seja. A Modernidade é o

transitório, o efêmero, o contingente, a metade da arte1,

sendo a outra metade o eterno e o imutável. Houve uma

modernidade para cada pintor antigo; a maior parte dos

belos retratos que conhecemos das épocas passadas está

revestida dos costumes da própria época. São perfeitamente

harmoniosos; assim, a indumentária, o penteado e mesmo o

gesto, o olhar e o sorriso (cada época tem seu porte, seu

olhar e seu sorriso) formam um todo de completa vitalidade.

Esse elemento transitório, fugitivo, cujas metamorfoses são

tão frequentes, não temos o direito de desprezar ou de

prescindir. Suprimindo-os, caímos forçosamente no vazio de

uma beleza abstrata e indefinível, como aquela da mulher

única antes do primeiro pecado. Se à vestimenta da época,

que se impõe necessariamente, substituirmos uma outra,

cometemos um contra-senso só desculpável no caso de uma

máscara ditada pela moda. Assim, as deusas, as ninfas e as

sultanas do século XVIII são retratos moralmente

verossímeis.

1. Neste capítulo temos a epígrafe do livro “Metade da Arte”, de

Marcos Siscar: ...le transitoire, le fugitif, le contingent, la

moitié de l’art... (... o transitório, o fugitivo, o contingente, a

metade da arte...).

Il est sans doute excellent d’étudier les anciens maîtres pour

apprendre à peindre, mais cela ne peut être qu’un exercice superflu

si votre but est de comprendre le caractère de la beauté présente.

Les draperies de Rubens ou de Véronèse ne vous enseigneront pas à

faire de la moire antique, du satin à la reine, ou toute autre étoffe

Page 27: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

24

de nos fabriques, soulevée, balancée par la crinoline ou les jupons

de mousseline empesée. Le tissu et le grain ne sont pas les mêmes que

dans les étoffes de l’ancienne Venise ou dans celles portées à la

cour de Catherine. Ajoutons aussi que la coupe de la jupe et du

corsage est absolument différente, que les plis sont disposés dans un

système nouveau, et enfin que le geste et le port de la femme

actuelle donnent à sa robe une vie et une physionomie qui ne sont pas

celles de la femme ancienne. En un mot, pour que toute modernité soit

digne de devenir antiquité, il faut que la beauté mystérieuse que la

vie humaine y met involontairement en ait été extraite. C’est à cette

tâche que s’applique particulièrement M. G.

Sem dúvida, é importante estudar os antigos mestres para

aprender a pintar, mas isso deve ser apenas um exercício

supérfluo, caso nosso objetivo seja compreender o caráter

da beleza atual. Os tecidos de Rubens ou de Véronèse não

nos ensinarão a fazer chamalote1, cetim à rainha ou qualquer

outro tecido de nossas fábricas, entufado, equilibrado pela

crinolina2 ou pelos saiotes de musselina engomada. O tecido

e a textura não são os mesmos que os da antiga Veneza ou os

usados na corte de Catherine. Acrescentemos também que o

corte da saia e do corpete é muito diferente, que as pregas

são dispostas de acordo com um novo sistema, que os gestos

e o porte da mulher atual dão a seu vestido uma vida e uma

fisionomia que não são as da mulher antiga. Em poucas

palavras, para que toda Modernidade seja digna de tornar-se

Antiguidade, é necessário que dela se extraia a beleza

misteriosa que a vida humana involuntariamente lhe confere.

É a essa tarefa que G. se dedica em particular.

1. “chamalote” traduz “la moire antique”: tecido em que a posição do

fio produz um efeito ondeado.

2. “Crinolina” traduz “crinoline”: tecido feito de crina.

J’ai dit que chaque époque avait son port, son regard et son geste.

C’est surtout dans une vaste galerie de portraits (celle de

Versailles, par exemple) que cette proposition devient facile à

vérifier. Mais elle peut s’étendre plus loin encore. Dans l’unité qui

s’appelle nation, les professions, les castes, les siècles

introduisent la variété, non seulement dans les gestes et les

manières, mais aussi dans la forme positive du visage. Tel nez, telle

bouche, tel front remplissent l’intervalle d’une durée que je ne

prétends pas déterminer ici, mais qui certainement peut être soumise

à un calcul. De telles considérations ne sont pas assez familières

aux portraitistes ; et le grand défaut de M. Ingres, en particulier,

est de vouloir imposer à chaque type qui pose sous son oeil un

perfectionnement plus ou moins despotique, emprunté au répertoire des

idées classiques.

Disse que cada época tinha seu porte, seu olhar e seu

gesto. É sobretudo numa vasta galeria de retratos (a de

Versalhes, por exemplo) que se torna fácil verificar essa

Page 28: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

25

proposição. Mas ela pode estender-se mais amplamente. Na

unidade que se chama nação, as profissões, as castas e os

séculos introduzem a variedade, não somente nos gestos e

nas maneiras, mas também na forma concreta do rosto. Tal

nariz, tal boca, tal fronte correspondem ao intervalo de

uma duração que não pretendo determinar aqui, mas que

certamente pode ser submetida a um cálculo. Essas

considerações não são suficientemente familiares aos

retratistas; e o grande defeito de Ingres, em particular, é

querer impor a cada tipo que posa diante de seus olhos um

aperfeiçoamento mais ou menos compulsório colhido no

repertório das idéias clássicas.

La grande Odalisque, 1814

Jean Auguste Dominique Ingres (1780 – 1867)

En pareille matière, il serait facile et même légitime de raisonner a

priori. La corrélation perpétuelle de ce qu’on appelle l’âme avec ce

qu’on appelle le corps explique très bien comment tout ce qui est

matériel ou effluve du spirituel représente et représentera toujours

le spirituel d’où il dérive. Si un peintre patient et minutieux, mais

d’une imagination médiocre, ayant à peindre une courtisane du temps

présent, s’inspire (c’est le mot consacré) d’une courtisane de Titien

ou de Raphaël, il est infiniment probable qu’il fera une oeuvre

fausse, ambiguë et obscure. L’étude d’un chef-d’oeuvre de ce temps et

de ce genre ne lui enseignera ni l’attitude, ni le regard, ni la

grimace, ni l’aspect vital d’une de ces créatures que le dictionnaire

de la mode a successivement classées sous les titres grossiers ou

badins d’impures, de filles entretenues, de lorettes et de biches.

Em semelhante matéria, seria fácil e mesmo legítimo

raciocinar a priori. A correlação perpétua do que chamamos

alma com o que chamamos corpo explica perfeitamente como

tudo o que é material ou emanação do espiritual representa

e representará sempre o espiritual de onde provém. Se um

pintor paciente e minucioso, mas dotado de uma imaginação

medíocre, em vez de pintar uma cortesã do tempo presente,

inspira-se (essa é a expressão consagrada) em uma cortesã

de Ticiano ou de Rafael, é muito provável que fará uma obra

Page 29: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

26

falsa, ambígua e obscura. O estudo de uma obra-prima

daquela época e daquele gênero não lhe ensinará nem a

atitude, nem o olhar, nem o trejeito, nem o aspecto vital

de uma dessas criaturas que o dicionário da moda

sucessivamente classificou, com nomes grosseiros ou

maliciosos, de impuras, mulheres sustentadas, loureiras e

mundanas1.

1. Toda essa adjetivação diz respeito a prostitutas: “impures”, é

traduzido por “impuras”; “filles entretenues”, literalmente: “jovens

sustentadas”, diz respeito a mulheres que vivem com o auxílio

financeiro de um amante; “lorettes”, é traduzido por “loureira”:

mulher provocante, sedutora, que procura agradar a todos;

finalmente, “biches”, foi traduzido por “mundana”.

Deux biches

Constantin Guys

La même critique s’applique rigoureusement à l’étude du militaire, du

dandy, de l’animal même, chien ou cheval, et de tout ce qui compose

la vie extérieure d’un siècle. Malheur à celui qui étudie dans

l’antique autre chose que l’art pur, la logique, la méthode générale

! Pour s’y trop plonger, il perd la mémoire du présent ; il abdique

la valeur et les priviléges fournis par la circonstance ; car presque

toute notre originalité vient de l’estampille que le temps imprime à

nos sensations. Le lecteur comprend d’avance que je pourrais vérifier

facilement mes assertions sur de nombreux objets autres que la femme.

Que diriez-vous, par exemple, d’un peintre de marines (je pousse

l’hypothèse à l’extrême) qui, ayant à reproduire la beauté sobre et

élégante du navire moderne, fatiguerait ses yeux à étudier les formes

surchargées, contournées, l’arrière monumental du navire ancien et

les voilures compliquées du seizième siècle ? Et que penseriez-vous

d’un artiste que vous auriez chargé de faire le portrait d’un pur-

sang, célèbre dans les solennités du turf, s’il allait confiner ses

Page 30: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

27

contemplations dans les musées, s’il se contentait d’observer le

cheval dans les galeries du passé, dans Van Dyck, Bourguignon ou Van

der Meulen ?

A mesma crítica aplica-se rigorosamente ao estudo do

militar, do dândi ou mesmo dos animais, cão ou cavalo, e de

tudo o que compõe a vida exterior de um século. Ai daquele

que estuda, no antigo, outra coisa que não a arte pura, a

lógica e o método geral! De tanto se enfronhar nele, perde

a memória do presente; abdica do valor dos privilégios

fornecidos pela circunstância, pois quase toda nossa

originalidade vem da estampilha que o tempo imprime às

nossas sensações. O leitor compreende antecipadamente que

eu poderia comprovar facilmente minhas asserções por meio

de numerosos outros objetos além da mulher. Que diriam, por

exemplo, de um pintor de marinhas (levo a hipótese ao

extremo) que, tendo de reproduzir a beleza sóbria e

elegante do navio moderno, atormentasse seus olhos

estudando as formas sobrecarregadas, retorcidas, a popa

monumental de um navio antigo e os velames complicados do

século XVI? E o que pensariam de um artista a quem tivessem

incumbido de fazer o retrato de um puro-sangue, célebre nas

solenidades do turfe, se ele fosse confinar suas

contemplações nos museus, se se contentasse em observar o

cavalo nas galerias do passado, em Van Dyck, Bourguignon ou

Van der Meulen?

M. G., dirigé par la nature, tyrannisé par la circonstance, a suivi

une voie toute différente. Il a commencé par contempler la vie, et ne

s’est ingénié que tard à apprendre les moyens d’exprimer la vie. Il

en est résulté une originalité saisissante, dans laquelle ce qui peut

rester de barbare et d’ingénu apparaît comme une preuve nouvelle

d’obéissance à l’impression, comme une flatterie à la vérité. Pour la

plupart d’entre nous, surtout pour les gens d’affaires, aux yeux de

qui la nature n’existe pas, si ce n’est dans ses rapports d’utilité

avec leurs affaires, le fantastique réel de la vie est singulièrement

émoussé. M. G. l’absorbe sans cesse ; il en a la mémoire et les yeux

pleins.

G., guiado pela natureza, tiranizado pela circunstância,

enveredou por um caminho completamente diferente. Começou

contemplando a vida e só muito tarde se esforçou para

aprender os meios para expressá-la. Disso resultou uma

originalidade extraordinária, na qual o que pode restar de

bárbaro ou de ingênuo aparece como nova prova de obediência

à impressão, como lisonja à verdade. Para a maioria dentre

nós, sobretudo para os homens de negócios, aos olhos de

quem a natureza existe apenas em suas relações de utilidade

com seus negócios, o fantástico real da vida acha-se

singularmente embotado. G. o absorve continuamente e dele

tem a memória e os olhos repletos.

Page 31: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

28

V

L’art mnémonique A arte mnemônica

Ce mot barbarie, qui est venu peut-être trop souvent sous ma plume,

pourrait induire quelques personnes à croire qu’il s’agit ici de

quelques dessins informes que l’imagination seule du spectateur sait

transformer en choses parfaites. Ce serait mal me comprendre. Je veux

parler d’une barbarie inévitable, synthétique, enfantine, qui reste

souvent visible dans un art parfait (mexicaine, égyptienne ou

ninivite), et qui dérive du besoin de voir les choses grandement, de

les considérer surtout dans l’effet de leur ensemble. Il n’est pas

superflu d’observer ici que beaucoup de gens ont accuse de barbarie

tous les peintres dont le regard est synthétique et abréviateur, par

exemple M. Corot, qui s’applique tout d’abord à tracer les lignes

principales d’un paysage, son ossature et sa physionomie. Ainsi, M.

G., traduisant fidèlement ses propres impressions, marque avec une

énergie instinctive les points culminants ou lumineux d’un objet (ils

peuvent être culminants ou lumineux au point de vue dramatique), ou

ses principals caractéristiques, quelquefois même avec une

exagération utile pour la mémoire humaine ; et l’imagination du

spectateur, subissant à son tour cette mnémonique si despotique, voit

avec netteté l’impression produite par les choses sur l’esprit de M.

G. Le spectateur est ici le traducteur d’une traduction toujours

claire et enivrante.

A palavra barbárie, que talvez tenha aparecido com

excessiva frequência nos meus escritos, poderia induzir

algumas pessoas a acreditar que se trata, neste caso, de

alguns desenhos informes, aos quais tão-somente a

imaginação do espectador sabe transformar em coisas

perfeitas. Seria compreender-me erroneamente. Quero falar

de uma barbárie inevitável, sintética, infantil, que muitas

vezes permanece visível numa arte perfeita (mexicana,

egípcia ou ninivita) e que resulta da necessidade de ver as

coisas de maneira ampla, e de, principalmente, considerá-

las no seu efeito de conjunto. Não é supérfluo observar

aqui que muitas pessoas acusaram de barbárie todos os

pintores cujo olhar é sintético e abreviador — Corot, por

exemplo, que se dedica, inicialmente, a traçar as linhas

principais de uma paisagem, sua ossatura e sua fisionomia.

Assim, G., traduzindo fielmente as próprias impressões,

marca com uma energia instintiva os pontos culminantes ou

luminosos de um objeto (podem ser culminantes ou luminosos,

do ponto de vista dramático), ou suas principais

características, algumas vezes inclusive com um exagero

útil para a memória humana; e a imaginação do espectador,

submetendo-se por sua vez a essa mnemônica tão despótica,

vê com nitidez a impressão produzida pelas coisas sobre o

Page 32: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

29

espírito de G. O espectador é aqui o tradutor de uma

tradução sempre clara e inebriante.

Une matinée, la danse des nymphes

Jean-Baptiste Camille Corot (1796 – 1875)

Il est une condition qui ajoute beaucoup à la force vitale de cette

traduction légendaire de la vie extérieure. Je veux parler de la

méthode de dessiner de M. G. Il dessine de mémoire, et non d’après le

modèle, sauf dans les cas (la guerre de Crimée, par exemple) où il y

a nécessité urgente de prendre des notes immédiates, précipitées, et

d’arrêter les lignes principales d’un sujet. En fait, tous les bons

et vrais dessinateurs dessinent d’après l’image écrite dans leur

cerveau, et non d’après la nature. Si l’on nous objecte les

admirables croquis de Raphaël, de Watteau et de beaucoup d’autres,

nous dirons que ce sont là des notes, très minutieuses, il est vrai,

mais de pures notes. Quand un véritable artiste en est venu à

l’exécution définitive de son oeuvre, le modèle lui serait plutôt un

embarras qu’un secours. Il arrive même que des hommes tels que

Daumier et M. G., accoutumés dès longtemps à exercer leur mémoire et

à la remplir d’images, trouvent devant le modèle et la multiplicité

de détails qu’il comporte, leur faculté principale troublée et comme

paralysée.

Existe um elemento que acrescenta muito à força vital dessa

tradução lendária da vida exterior. Refiro-me ao método de

desenhar de G. Ele desenha de memória, e não a partir do

modelo, salvo em casos (a guerra da Criméia, por exemplo)

em que há a necessidade urgente de tomar notas imediatas,

Page 33: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

30

rápidas, e de fixar as linhas principais de um tema. Na

verdade, todos os bons e verdadeiros desenhistas desenham a

partir da imagem inscrita no próprio cérebro, e não a

partir da natureza. Se nos fizerem objeçõe quanto aos

admiráveis croquis de Rafael, de Watteau e de muitos

outros, diremos que são notas muito minuciosas, é verdade,

mas simples notas. Quando um verdadeiro artista chega à

execução definitiva de sua obra, o modelo lhe será mais um

embaraço do que um auxílio. Há casos até em que homens como

Daumier e G., acostumados há muito a exercitar sua memória

e a povoá-la de imagens, têm as faculdades principais

perturbadas e como que paralisadas diante do modelo e da

multiplicidade de detalhes que ele comporta.

La République

Honoré-Victorin Daumier (1808 – 1879)

Il s’établit alors un duel entre la volonté de tout voir, de ne rien

oublier, et la faculté de la mémoire qui a pris l’habitude d’absorber

vivement la couleur générale et la silhouette, l’arabesque du

contour. Un artiste ayant le sentiment parfait de la forme, mais

accoutumé à exercer surtout sa mémoire et son imagination, se trouve

alors comme assailli par une émeute de détails, qui tous demandent

justice avec la furie d’une foule amoureuse d’égalité absolue. Toute

Page 34: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

31

justice se trouve forcément violée ; toute harmonie détruite,

sacrifiée ; mainte trivialité devient énorme ; mainte petitesse,

usurpatrice. Plus l’artiste se penche avec impartialité vers le

détail, plus l’anarchie augmente. Qu’il soit myope ou presbyte, toute

hiérarchie et toute subordination disparaissent. C’est un accident

qui se présente souvent dans les oeuvres d’un de nos peintres les

plus en vogue, dont les défauts d’ailleurs sont si bien appropriés

aux défauts de la foule, qu’ils ont singulièrement servi sa

popularité. La même analogie se fait deviner dans la pratique de

l’art du comédien, art si mystérieux, si profond, tombé aujourd’hui

dans la confusion des décadences. M. Frédérick-Lemaître compose un

rôle avec l’ampleur et la largeur du génie. Si étoilé que soit son

jeu de détails lumineux, il reste toujours synthétique et sculptural.

M. Bouffé compose les siens avec une minutie de myope et de

bureaucrate. En lui tout éclate, mais rien ne se fait voir, rien ne

veut être gardé par la mémoire.

Estabelece-se assim um duelo entre a vontade de tudo ver,

de nada esquecer, e a faculdade da memória, que adquiriu o

hábito de absorver com vivacidade a cor geral e a silhueta,

o arabesco do contorno. Um artista que tem o sentimento

perfeito da forma, mas acostumado a exercitar sobretudo a

memória e a imaginação, encontra-se então como que

assaltado por uma turba de detalhes, todos reclamando

justiça com a mesma fúria de uma multidão ávida por

igualdade absoluta. Toda justiça acha-se forçosamente

violada, toda harmonia destruída e sacrificada; muitas

trivialidades assumem importância, muitos detalhes sem

importância tornam-se usurpadores. Quanto mais o artista se

curva com imparcialidade sobre o detalhe, mais aumenta a

anarquia. Que seja míope ou presbita, toda hierarquia e

toda subordinação desaparecem. É um acidente que aparece

constantemente nas obras de um de nossos pintores mais em

voga, cujos defeitos, aliás, são tão bem apropriados aos da

multidão que contribuíram singularmente para sua

popularidade. Adivinha-se a mesma analogia no exercício da

arte do ator, arte tão misteriosa, tão profunda, vítima nos

dias de hoje da confusão das decadências. Frédérick

Lemaitre desempenha um papel com a amplitude e a grandeza

do gênio. Por mais que sua criação esteja semeada de

detalhes luminosos, permanece sintética e escultural.

Bouffé compõe os seus papéis com uma minúcia de míope e de

burocrata. Nele tudo brilha, mas nada transparece, nada

quer ser guardado pela memória.

Ainsi, dans l’exécution de M. G. se montrent deux choses : l’une, une

contention de mémoire résurrectioniste, évocatrice, une mémoire qui

dit à chaque chose : « Lazare, lève-toi ! » ; l’autre, un feu, une

ivresse de crayon, de pinceau, ressemblant presque à une fureur.

C’est la peur de n’aller pas assez vite, de laisser échapper le

fantôme avant que la synthèse n’en soit extraite et saisie ; c’est

Page 35: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

32

cette terrible peur qui possède tous les grands artistes et qui leur

fait désirer si ardemment de s’approprier tous les moyens

d’expression, pour que jamais les ordres de l’esprit ne soient

altérés par les hésitations de la main ; pour que finalement

l’exécution, l’exécution idéale, devienne aussi inconsciente, aussi

coulante que l’est la digestion pour le cerveau de l’homme bien

portant qui a dîné. M. G. commence par de légères indications au

crayon, qui ne marquent guère que la place que les objets doivent

tenir dans l’espace. Les plans principaux sont indiqués ensuite par

des teintes au lavis, des masses vaguement, légèrement colorées

d’abord, mais reprises plus tard et chargées successivement de

couleurs plus intenses. Au dernier moment, le contour des objets est

définitivement cerné par de l’encre. A moins de les avoir vus, on ne

se douterait pas des effets surprenants qu’il peut obtenir par cette

méthode si simple et presque élémentaire. Elle a cet incomparable

avantage, qu’à n’importe quel point de son progrès, chaque dessin a

l’air suffisamment fini ; vous nommerez cela une ébauche si vous

voulez, mais ébauche parfaite. Toutes les valeurs y sont en pleine

harmonie, et s’il les veut pousser plus loin, elles marcheront

toujours de front vers le perfectionnement désiré. Il prépare ainsi

vingt dessins à la fois avec une pétulance et une joie charmantes,

amusantes même pour lui ; les croquis s’empilent et se superposent

par dizaines, par centaines, par milliers. De temps à autre il les

parcourt, les feuillette, les examine, et puis il en choisit

quelques-uns dont il augmente plus ou moins l’intensité, dont il

charge les ombres et allume progressivement les lumières.

Assim, na execução de G. se evidenciam duas coisas: a

primeira, um esforço de memória ressurreicionista,

evocadora, uma memória que diz a cada coisa: “Lázaro,

levanta-te”; a outra, um fogo, uma embriaguez de lápis, de

pincel, que se assemelha quase a um furor. É o medo de não

agir com suficiente rapidez, de deixar o fantasma escapar

antes que sua síntese tenha sido extraída e captada; é o

pavor terrível que se apodera de todos os grandes artistas

e que os faz desejar tão ardentemente apropriarem-se de

todos os meios de expressão para que jamais as ordens do

espírito sejam alteradas pelas hesitações da mão; para que

finalmente a execução, a execução ideal se torne tão

inconsciente, tão fluente quanto a digestão para o cérebro

do homem sadio que acabou de jantar. G. começa por leves

indicações a lápis, que apenas indicam a posição que os

objetos devem ocupar no espaço. Os planos principais são

indicados em seguida por tons em aguada, massas de início

coloridas vagamente, levemente, porém retomadas mais tarde

e carregadas sucessivamente com cores mais intensas. No

último momento, o contorno dos objetos é definitivamente

delineado com a tinta. A menos que já os tenha visto, não

se pode imaginar os efeitos surpreendentes que G. consegue

obter com esse método tão simples e quase elementar. Tem a

incomparável vantagem de, em qualquer etapa de sua

Page 36: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

33

progressão, cada desenho parecer suficientemente acabado;

alguém dirá que isso é um esboço, se quiser, mas um esboço

perfeito. Todos os valores se encontram em perfeita

harmonia, e se G. quiser levá-los adiante. eles se

encaminharão decididamente para o aperfeiçoamento desejado.

Ele prepara desse modo vinte desenhos ao mesmo tempo, com

uma petulância e alegria encantadoras, divertidas até mesmo

para ele - os croquis empilham-se e superpõem-se às

dezenas, às centenas, aos milhares. De vez em quando G. os

percorre, os folheia, os examina, e depois escolhe alguns,

nos quais aumenta mais ou menos a intensidade, carrega as

sombras e clareia progressivamente as zonas luminosas.

Demi-mondaines

Constantin Guys (1802-1892)

Il attache une immense importance aux fonds, qui, vigoureux ou

légers, sont toujours d’une qualité et d’une nature appropriées aux

figures. La gamme des tons et l’harmonie générale sont strictement

observées, avec un génie qui dérive plutôt de l’instinct que de

l’étude. Car M. G. possède naturellement ce talent mystérieux du

coloriste, véritable don que l’étude peut accroître, mais qu’elle

Page 37: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

34

est, par elle-même, je crois, impuissante à créer. Pour tout dire en

un mot, notre singulier artiste exprime à la fois le geste et

l’attitude solennelle ou grotesque des êtres et leur explosion

lumineuse dans l’espace.

G. dedica uma imensa importância aos fundos que, vigorosos

ou evanescentes, sempre são de uma qualidade e de uma

natureza apropriadas às figuras. A gama de tons e a

harmonia geral são estritamente observadas, com um gênio

que provém mais do instinto que do estudo. Pois G. possui,

naturalmente, o talento misterioso do colorista, verdadeiro

dom que o estudo pode desenvolver, mas que é, por si mesmo,

creio, incapaz de criar. Para resumir em poucas palavras,

nosso singular artista exprime ao mesmo tempo o gesto e a

atitude solene ou grotesca dos seres e sua explosão

luminosa no espaço.

Page 38: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

35

VI

Les annales de la guerre Os anais da guerra

La Bulgarie, la Turquie, la Crimée, l’Espagne ont été de grandes

fêtes pour les yeux de M. G., ou plutôt de l’artiste imaginaire que

nous sommes convenus d’appeler M. G. ; car je me souviens de temps en

temps que je me suis promis, pour mieux rassurer sa modestie, de

supposer qu’il n’existait pas. J’ai compulsé ces archives de la

guerre d’Orient (champs de bataille jonchés de débris funèbres,

charrois de matériaux, embarquements de bestiaux et de chevaux),

tableaux vivants et surprenants, décalqués sur la vie elle-même,

éléments d’un pittoresque précieux que beaucoup de peintres en renom,

placés dans les mêmes circonstances, auraient étourdiment négligés ;

cependant, de ceux-là j’excepterai volontiers M. Horace Vernet,

véritable gazetier plutôt que peintre essentiel, avec lequel M. G.,

artiste plus délicat, a des rapports visibles, si on veut ne le

considérer que comme archiviste de la vie. Je puis affirmer que nul

journal, nul récit écrit, nul livre, n’exprime aussi bien, dans tous

ses détails douloureux et dans sa sinistre ampleur, cette grande

épopée de la guerre de Crimée. L’oeil se promène tour à tour aux

bords du Danube, aux rives du Bosphore, au cap Kerson, dans la plaine

de Balaklava, dans les champs d’Inkermann, dans les campements

anglais, français, turcs et piémontais, dans les rues de

Constantinople, dans les hôpitaux et dans toutes les solennités

religieuses et militaires.

A Bulgária, a Turquia, a Crimeia e a Espanha foram grandes

festas para os olhos de G., ou melhor, para os olhos do

artista imaginário que convencionamos chamar de G.; pois me

lembro de vez em quando ter prometido a mim mesmo, para

tranquilizar sua modéstia, supor que ele não existe.

Compulsei os arquivos da guerra do Oriente (campos de

batalha juncados de restos mortais, carroças de materiais,

embarques de gado e de cavalos), quadros vivos e

surpreendentes, decalcados na própria vida, elementos de um

pitoresco precioso que muitos pintores famosos, colocados

nas mesmas circunstâncias, teriam negligenciado

imprudentemente; no entanto, destes excluirei naturalmente

Horace Vernet, verdadeiro jornalista em vez de pintor

essencial, com quem G., artista mais delicado, tem

afinidades visíveis, se quisermos considerá-lo apenas como

arquivista da vida. Posso afirmar que nenhum diário, nenhum

relato escrito, nenhum livro exprime tão bem, em todos os

seus detalhes dolorosos e em sua sinistra amplitude, a

grande epopéia da guerra da Crimeia. O olhar vagueia

sucessivamente pelas margens do Danúbio, pelas margens do

Bósforo, pelo cabo Kerson, pela planície de Balaklava,

pelos campos de Inkermann, pelos acampamentos ingleses,

Page 39: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

36

franceses, turcos e piemonteses, pelas ruas de

Constantinopla, pelos hospitais e por todas as solenidades

religiosas e militares.

Quatre équipages

Constantin Guys

Une des compositions qui se sont le mieux gravées dans mon esprit est

la Consécration d’un terrain funèbre à Soutari par l’évêque de

Gibraltar. Le caractère pittoresque de la scène, qui consiste dans le

contraste de la nature orientale environnante avec les attitudes et

les uniformes occidentaux des assistants, est rendu d’une manière

saisissante, suggestive et grosse de rêveries. Les soldats et les

officiers ont ces airs ineffaçables de gentlemen, résolus et

discrets, qu’ils portent au bout du monde, jusque dans les garnisons

de la colonie du Cap et les établissements de l’Inde : les prêtres

anglais font vaguement songer à des huissiers ou à des agents de

change qui seraient revêtus de toques et de rabats.

Uma das composições que mais se gravaram em meu espírito é

a Consécration d’un Terrain Funèbre à Scutari par l’Évêque

de Gibraltar1. O caráter pitoresco da cena, que consiste no

contraste da natureza oriental circundante com as atitudes

e os uniformes ocidentais da assistência, é expresso de uma

maneira fascinante, sugestiva e cheia de fantasia. Os

soldados e os oficiais têm esses ares indeléveis de

gentlemen, resolutos e discretos, que os distinguem até o

fim do mundo, até nas guarnições da colônia do Cabo e nas

feitorias da Índia: os pastores ingleses lembram vagamente

meirinhos ou agentes de câmbio que tivessem vestido barrete

e cabeção2.

1. “Consécration d’un Terrain Funèbre à Scutari par l’Évêque de

Page 40: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

37

Gibraltar”, traduzido por: “Consagração de um Cemitério em Scutari

pelo Bispo de Gibraltar”. “Scutari” é uma localidade da Turquia,

hoje incorporada a Istambul, na margem oriental do Bósforo.

2. “que tivessem vestido barrete e cabeção” traduz “qui seraient

revêtus de toques et de rabats”. O “barrete” é o pequeno chapéu

quadrangular usado por clérigos, e o “cabeção” é a gola dos

eclesiásticos, à qual se prende o colarinho.

Ici nous sommes à Schumla, chez Omer-Pàcha : hospitalité turque,

pipes et café ; tous les visiteurs sont rangés sur des divans,

ajustant à leurs lèvres des pipes, longues comme des sarbacanes, dont

le foyer repose à leurs pieds. Voici les Kurdes à Scutari, troupes

étranges dont l’aspect fait rêver à une invasion de hordes barbares ;

voice les bachi-bouzoucks, non moins singuliers avec leurs officiers

européens, hongrois ou polonais, dont la physionomie de dandies

tranche bizarrement sur le caractère baroquement oriental de leurs

soldats. Je rencontre un dessin magnifique où se dresse un seul

personnage, gros, robuste, l’air à la fois pensif, insouciant et

audacieux ; de grandes bottes lui montent au delà des genoux ; son

habit militaire est caché par un lourd et vaste paletot strictement

boutonné ; à travers la fumée de son cigare, il regarde l’horizon

sinistre et brumeux ; l’un de ses bras blessé est appuyé sur une

cravate en sautoir. Au bas, je lis ces mots griffonnés au crayon :

Canrobert on the battle field of Inkermann. Taken on the spot.

Aqui estamos em Schumla, nas propriedades de Omar Paxá:

hospitalidade turca, cachimbos e café; todos os visitantes

estão acomodados em divãs, ajustando em seus lábios

cachimbos longos como sarabatanas, cujos fornilhos repousam

a seus pés. Aqui, os Kurdes à Scutari1, tropas estranhas

cujo aspecto faz pensar em uma invasão de hordas bárbaras;

ali, soldados turcos, não menos peculiares com seus

oficiais europeus, húngaros ou poloneses, cuja fisionomia

de dândis contrasta estranhamente com o caráter

barrocamente oriental de seus soldados. Vejo um desenho

magnífico onde emerge uma única personagem, grande,

robusta, com ar ao mesmo tempo pensativo, despreocupado e

audacioso; grandes botas lhe chegam acima dos joelhos; seu

uniforme militar está escondido sob um pesado e largo

casaco completamente abotoado; através da fumaça do

charuto, ela perscruta o horizonte sinistro e brumoso; um

dos braços ferido é sustentado por uma gravata servindo de

tipóia. Embaixo, leio estas palavras rabiscadas a lápis:

Canrobert ou the battle field of lnkermann. Taken on the

spot.

1 “Kurdes à Scutari”, pode ser traduzido por “Curdos em Scutari”.

2. “Canrobet” ou “the battle field of lnkermann. Taken on the spot”.

François Certain Canrobert (1809 – 1895), marechal francês, comandou

o corpo expedicionário da Crimeia, em 1855.

Page 41: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

38

Autoportrait à la pipe

Émile Jean-Horace Vernet (1789 – 1863)

Quel est ce cavalier, aux moustaches blanches, d’une physionomie si

vivement dessinée, qui, la tête relevée, a l’air de humer la terrible

poésie d’un champ de bataille, pendant que son cheval, flairant la

terre, cherche son chemin entre les cadavres amoncelés, pieds en

l’air, faces crispées, dans des attitudes étranges ? Au bas du

dessin, dans un coin, se font lire ces mots : Myself at Inkermann.

Quem é esse cavaleiro, de bigodes brancos, com uma

fisionomia tão intensamente desenhada, que, com a cabeça

erguida, dá a impressão de sorver a terrível poesia de um

campo de batalha, enquanto seu cavalo, farejando a terra,

procura um caminho entre os cadáveres amontoados, pernas

para o ar, faces crispadas, em estranhas atitudes? Embaixo

do desenho, num canto, pode-se ler estas palavras: Myself

at Inkermann1.

1. “Myself at Inkermann”, pode ser traduzido por “Eu mesmo em

Inkermann”. Inkermann é uma cidade da Ucrânia, na Crimeia,

periferia leste de Sebastopol, onde ocorreu a vitória franco-

inglesa sobre os russos durante a campanha da Crimeia (5 de

novembro de 1854).

J’aperçois M. Baraguay-d’Hilliers, avec le Séraskier, passant en

revue l’artillerie à Béchichtash. J’ai rarement vu un portrait

militaire plus ressemblant, buriné d’une main plus hardie et plus

spirituelle.

Entrevejo Baraguay-d’Hilliers, com o comandante-em-chefe do

exército otomano passando em revista a artilharia em

Béchichtash. Raramente vi um retrato militar mais

verossímil, burilado por mão mais arrojada e inteligente.

Page 42: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

39

Un nom, sinistrement illustre depuis les désastres de Syrie, s’offre

à ma vue : Achmet-Pacha, général en chef à Kalafat, débout devant sa

hutte avec son état-major, se fait présenter deux officiers

européens. Malgré l’ampleur de sa bedaine turque, Achmet-Pacha a,

dans l’attitude et le visage, le grand air aristocratique qui

appartient généralement aux races dominatrices. La bataille de

Balaklava se présente plusieurs fois dans ce curieux recueil, et sous

différents aspects. Parmi les plus frappants, voici l’historique

charge de cavalerie chantée par la trompette héroïque d’Alfred

Tennyson, poète de la reine : une foule de cavaliers roulent avec une

vitesse prodigieuse jusqu’à l’horizon entre les lourds nuages de

l’artillerie. Au fond, le paysage est barré par une ligne de collines

verdoyantes.

Um nome, sinistramente ilustre desde os desastres da Síria,

aparece à minha vista: Achmet-Pacha, Général en Chef à

Kalafat. Debout Devant sa Hutte, avec son État-majo, se Fait

Presenter Deux Officiers Européens1. Apesar do volume de sua

pança turca, Achmet Paxá tem, na atitude e no rosto, o

grande ar aristocrático que geralmente pertence às raças

dominadoras. A batalha de Balaklava aparece várias vezes

nessa curiosa coletânea, e em diferentes aspectos. Entre os

mais surpreendentes, eis a histórica carga da cavalaria

cantada pela trombeta heróica de Alfred Tennyson, poeta da

rainha: uma multidão de cavaleiros se precipita numa

velocidade prodigiosa em direção do horizonte, entre as

pesadas nuvens da artilharia. Ao fundo, a paisagem é cortada

por uma linha de colinas verdejantes.

1. “Achmet-Pacha, Général en Chef à Kalafat. Debout Devant sa Hutte,

avec son État-majo, se Fait Presenter Deux Officiers Européens”,

pode ser traduzido por “Achinet Paxá, General-de-exército Kalafat,

em Pé Diante de sua Tenda, com seu Estado-maior. Recebendo a

Apresentação de Dois Oficiais Europeus”.

De temps en temps, des tableaux religieux reposent l’oeil attristé

par tous ces chaos de poudre et ces turbulences meurtrières. Au

milieu de soldats anglais de différentes armes, parmi lesquels éclate

le pittoresque uniforme des Ecossais enjuponnés, un prêtre anglican

lit l’office du dimanche ; trois tambours, dont le premier est

supporté par les deux autres, lui servent de pupitre. En vérité, il

est difficile à la simple plume de traduire ce poème fait de mille

croquis, si vaste et si compliqué, et d’exprimer l’ivresse qui se

dégage de tout ce pittoresque, douloureux souvent, mais jamais

larmoyant, amassé sur quelques centaines de pages, dont les

maculatures et les déchirures disent, à leur manière, le trouble et

le tumulte au milieu desquels l’artiste y déposait ses souvenirs de

la journée. Vers le soir, le courrier emportait vers Londres les

notes et les dessins de M. G., et souvent celui-ci confiait ainsi à

la poste plus de dix croquis improvisés sur papier pelure, que les

graveurs et les abonnés du journal attendaient impatiemment.

De vez em quando, quadros religiosos repousam um olhar

Page 43: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

40

entristecido por todo esse caos de pólvora e essas

turbulências mortíferas. No meio dos soldados ingleses de

diferentes armas, entre os quais se sobressai o pitoresco

uniforme dos escoceses de saia, um pastor anglicano lê o

ofício do domingo; três tambores, o primeiro apoiado sobre

os outros dois, lhe servem de púlpito. Na verdade, é

difícil traduzir unicamente através de palavras esse poema

composto de mil croquis, tão imenso e complexo, e exprimir

a exaltação que se desprende de todo esse pitoresco

coligido, frequentemente doloroso, mas jamais lacrimejante,

em algumas centenas de páginas, cujas máculas e ranhuras

testemunham, a seu modo, a perturbação e o tumulto em meio

a que o artista ali depositava suas lembranças do dia. À

tardinha, o correio levava para Londres as notas e desenhos

de G.; e muitas vezes este entregava ao correio mais de dez

croquis improvisados em papel pelure, aguardados

impacientemente pelos gravadores e assinantes do jornal.

“Papel pelure”, papel de trapo, extremamente fino e flexível, usado

sobretudo em transportes litográficos e copiadores de cartas.

Tantôt apparaissent des ambulances où l’atmosphère elle-même semble

malade, triste et lourde ; chaque lit y contient une douleur ; tantôt

c’est l’hôpital de Péra, où je vois, causant avec deux soeurs de

charité, longues, pâles et droites comme des figures de Lesueur, un

visiteur au costume négligé, désigné par cette bizarre légende : My

humble self. Maintenant, sur des sentiers âpres et sinueux, jonchés

de quelques débris d’un combat déjà ancien, cheminent lentement des

animaux, mulets, ânes ou chevaux, qui portent sur leurs flancs, dans

deux grossiers fauteuils, des blessés livides et inertes. Sur de

vastes neiges, des chameaux au poitrail majestueux, la tête haute,

conduits par des Tartares, traînent des provisions ou des munitions

de toute sorte : c’est tout un monde guerrier, vivant, affairé et

silencieux ; c’est des campements, des bazars où s’étalent des

échantillons de toutes les fournitures, espèces de villes barbares

improvisées pour la circonstance. A travers ces baraques, sur ces

routes pierreuses ou neigeuses, dans ces défilés, circulent des

uniformes de plusieurs nations, plus ou moins endommagés par la

guerre ou altérés par l’adjonction de grosses pelisses et de lourdes

chaussures.

Ora são retratados os hospitais ambulantes onde a própria

atmosfera parece doente, triste e pesada, onde cada leito

contém uma dor; ora é o hospital de Péra, onde vejo,

conversando com duas irmãs de caridade, altas, pálidas e

rígidas como figuras de Lesueur, um visitante vestido com

desleixo, designado por esta estranha legenda: My humble

self1. Agora em veredas ásperas e sinuosas, juncadas de

restos de um combate já antigo, seguem lentamente alguns

animais, mulas, asnos ou cavalos, que carregam em seus

flancos, em dois grosseiros assentos, feridos lívidos e

inertes. Na copiosa neve, camelos de peitoril majestoso,

Page 44: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

41

cabeça erguida, conduzidos por tártaros, arrastam provisões

ou munições de várias espécies: é todo um universo

guerreiro, vivo, atarefado e silencioso; são acampamentos,

bazares onde se expõem amostras de todas as mercadorias,

espécies de cidades bárbaras improvisadas pela

circunstância. Através dessas barracas, nesses caminhos

pedregosos ou nevados, nesses desfiladeiros, circulam

uniformes de várias nações, mais ou menos deteriorados pela

guerra ou alterados pela adjunção de volumosas peliças e de

pesados calçados.

1. “My humble self”, pode ser traduzido por “minha humildade mesma”,

ou “minha própria humildade”.

Hôpital de Péra

Constantin Guys; em baixo, à direita, temos a inscrição “My humble

self”.

Il est malheureux que cet album, disséminé maintenant en plusieurs

lieux, et don’t les pages précieuses ont été retenues par les

graveurs chargés de les traduire ou par les rédacteurs de

l’Illustrated London News, n’ait pas passé sous les yeux de

l’Empereur. J’imagine qu’il aurait complaisamment, et non sans

attendrissement, examiné les faits et gestes de ses soldats, tous

exprimés minutieusement, au jour le jour, depuis les actions les plus

éclatantes jusqu’aux occupations les plus triviales de la vie, par

cette main de soldat artiste, si ferme et si intelligente.

É pena que este álbum, espalhado agora em vários lugares e

cujas páginas preciosas foram retidas pelos gravadores

encarregados de traduzi-las ou pelos redatores do

Page 45: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

42

Illustrated London News, não tenha caído sob os olhos do

imperador. Imagino que ele teria examinado com complacência

e não sem certo enternecimento os feitos e os gestos de

seus soldados, todos expressos minuciosamente, dia a dia,

desde as ações mais extraordinárias até as tarefas mais

triviais da vida, por essa mão de soldado-artista, tão

firme e tão inteligente.

Page 46: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

43

VII

Pompes et solennités Pompas e solenidades

La Turquie a fourni aussi à notre cher G. d’admirables motifs de

compositions : les fêtes du Baïram, splendeurs profondes et

ruisselantes, au fond desquelles apparaît, comme un soleil pâle,

l’ennui permanent du sultan défunt ; rangés à la gauche du souverain,

tous les officiers de l’ordre civil ; à sa droite, tous ceux de

l’ordre militaire, dont le premier est Saïd-Pacha, sultan d’Egypte,

alors présent à Constantinople ; des cortèges et des pompes

solennelles défilant vers la petite mosquée voisine du palais, et,

parmi ces foules, des fonctionnaires turcs, véritables caricatures de

décadence, écrasant leurs magnifiques chevaux sous le poids d’une

obésité fantastique ; les Lourdes voitures massives, espèces de

carrosses à la Louis XIV, dorés et agrémentés par le caprice

oriental, d’où jaillissent quelquefois des regards curieusement

féminins, dans le strict intervalle que laissent aux yeux les bandes

de mousseline collées sur le visage ; les danses frénétiques des

baladins du troisième sexe (jamais l’expression bouffonne de Balzac

ne fut plus applicable que dans le cas présent, car, sous la

palpitation de ces lueurs tremblantes, sous l’agitation de ces amples

vêtements, sous cet ardent maquillage des joues, des yeux et des

sourcils, dans ces gestes hystériques et convulsifs, dans ces longues

chevelures flottant sur les reins, il vous serait difficile, pour ne

pas dire impossible, de deviner la virilité) ; enfin, les femmes

galantes (si toutefois l’on peut prononcer le mot de galanterie à

propos de l’Orient), généralement composées de Hongroises, de

Valaques, de Juives, de Polonaises, de Grecques et d’Arméniennes ;

car, sous un gouvernement despotique, ce sont les races opprimées,

et, parmi elles, celles surtout qui ont le plus à souffrir, qui

fournissent le plus de sujets à la prostitution. De ces femmes, les

unes ont conservé le costume national, les vestes brodées, à manches

courtes, l’écharpe tombante, les vastes pantalons, les babouches

retroussées, les mousselines rayées ou lamées et tout le clinquant du

pays natal ; les autres, et ce sont les plus nombreuses, ont adopté

le signe principal de la civilisation, qui, pour une femme, est

invariablement la crinoline, en gardant toutefois, dans un coin de

leur ajustement, un léger souvenir caractéristique de l’Orient, si

bien qu’elles ont l’air de Parisiennes qui auraient voulu se

déguiser.

A Turquia forneceu igualmente a nosso caro G. admiráveis

motivos de composições: as festas do Baïram, esplendores

profundos e cintilantes, ao fundo das quais aparece, como

um sol pálido, o tédio permanente do sultão defunto:

alinhados à esquerda do soberano, todos os oficiais da

ordem civil; à sua direita, todos os da ordem militar, o

primeiro deles Said Paxá, sultão do Egito, então em

Page 47: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

44

Constantinopla; cortejos e pompas solenes desfilam em

direção à pequena mesquita próxima do palácio, e, no meio

dessas massas, funcionários turcos, verdadeiras caricaturas

de decadência, esmagando seus magníficos cavalos sob o peso

de uma obesidade fantástica; as pesadas viaturas compactas,

espécies de carruagens à Luís XIV, douradas e adornadas

pelo capricho oriental, das quais surgem, às vezes, olhares

curiosamente femininos, no estrito intervalo que as faixas

de musselina grudadas no rosto deixam aos olhos; as danças

frenéticas dos bailarinos do terceiro sexo (jamais a

expressão burlesca de Balzac foi mais aplicável do que no

caso presente, pois, sob a palpitação daquelas refulgências

tremulantes, sob a agitação daquelas amplas roupas, sob

aquela ardente maquiagem das faces, olhos e sobrancelhas,

naqueles gestos histéricos e convulsivos, naquelas longas

cabeleiras esvoaçando sobre os rins, seria difícil, para

não dizer impossível, adivinhar a virilidade); e,

finalmente, as mulheres galantes (se contudo podemos

pronunciar a palavra galanteria em relação ao Oriente),

geralmente compostas de húngaras, valáquias, judias,

polonesas, gregas e armênias, já que, num governo

despótico, são as raças oprimidas, e entre estas sobretudo

as fadadas ao maior sofrimento, que fornecem mais

contingentes à prostituição. Algumas dessas mulheres

conservaram os trajes nacionais, os jalecos de mangas

curtas bordados, as echarpes sinuosas, as calças largas, as

babuchas dobradas, as musselinas listradas ou lameladas, e

todo o ouripel do país natal; as outras, e são as mais

numerosas, adotaram o signo mais peculiar da civilização,

que para a mulher invariavelmente é a crinolina,

conservando, no entanto, numa parte do traje, uma leve

recordação característica do Oriente, o que faz com que

dêem a impressão de parisienses que se tivessem fantasiado.

Bazar de la volupté

Constantin Guys

Page 48: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

45

M. G. excelle à peindre le faste des scènes officielles, les pompes

et les solennités nationales, non pas froidement, didactiquement,

comme les peintres qui ne voient dans ces ouvrages que des corvées

lucratives, mais avec toute l’ardeur d’un homme épris d’espace, de

perspective, de lumière faisant nappe ou explosion, et s’accrochant

en gouttes ou en étincelles aux aspérités des uniformes et des

toilettes de cour. La fête commémorative de l’indépendance dans la

cathédrale d’Athènes fournit un curieux exemple de ce talent. Tous

ces petits personnages, dont chacun est si bien à sa place, rendent

plus profond l’espace qui les contient. La cathédrale est immense et

décorée de tentures solennelles. Le roi Othon et la reine, debout sur

une estrade, sont revêtus du costume traditionnel, qu’ils portent

avec une aisance merveilleuse, comme pour témoigner de la sincérité

de leur adoption et du patriotisme hellénique le plus raffiné. La

taille du roi est sanglée comme celle du plus coquet palikare, et sa

jupe s’évase avec toute l’exagération du dandysme national. En face

d’eux s’avance le patriarche, vieillard aux épaules voûtées, à la

grande barbe blanche, dont les petits yeux sont protégés par des

lunettes vertes, et portant dans tout son être les signes d’un flegme

oriental consommé. Tous les personnages qui peuplent cette

composition sont des portraits, et l’un des plus curieux, par la

bizarrerie de sa physionomie aussi peu hellénique que possible, est

celui d’une dame allemande, placée à côté de la reine et attachée à

son service.

G. pinta admiravelmente o fausto das cenas oficiais, das

pompas e solenidades nacionais, não de modo frio e

didático, como os pintores que vêem nessas obras apenas

fardos lucrativos, mas com todo o ardor de um homem

apaixonado pelo espaço, pela perspectiva, pela luz que

envolve ou explode e se fixa em gotas ou em centelhas nas

asperezas dos uniformes e dos trajes de corte. La Fête

Commémorative de l’Indépendance dans la Cathédrale

d’Athènes1 oferece um curioso exemplo desse talento. Todas

essas pequenas personagens, cada qual no seu devido lugar,

tornam mais profundo o espaço que as contém. A catedral é

imensa e decorada com tapeçarias solenes. O rei Oto e a

rainha, em pé sobre um estrado, vestem o costume

tradicional, que trajam com uma naturalidade maravilhosa,

como para dar testemunho da sinceridade de sua adoção e do

mais refinado patriotismo helênico. A cintura do rei está

cingida como a do mais garrido combatente, e sua saia

alarga-se com todo o exagero do dandismo nacional. Diante

deles, caminha o patriarca, um ancião de costas curvadas,

grande barba branca, cujos pequenos olhos são protegidos

por óculos verdes, que traz em todo o seu ser os sinais de

uma consumada fleuma2 oriental. Todas as personagens que

povoam essa composição são retratos, e um dos mais

curiosos, pela estranheza de sua fisionomia tão pouco

helênica quanto possível, é o de uma dama alemã, postada ao

lado da rainha e fazendo parte de seu serviço.

Page 49: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

46

1. “La Fête Commémorative de l’Indépendance dans la Cathédrale

d’Athènes”, pode ser traduzido por “A Festa Comemorativa da

Independência na Catedral de Atenas”.

2. “Fleuma” traduz “flegme”: frieza de ânimo, falta de interesse. A

fleuma faz parte do “humor”, cada um de quatro tipos de matéria

líquida ou semilíquida que existiam no organismo humano, de acordo

com a antiga medicina, e que, no indivíduo sadio, se encontrariam em

equilíbrio e lhe caracterizariam o temperamento. A ruptura de tal

equilíbrio determinaria o aparecimento de doenças. Eram eles: o

sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra.

Dans les collections de M. G., on rencontre souvent l’Empereur des

Français, dont il a su réduire la figure, sans nuire à la

ressemblance, à un croquis infaillible, et qu’il exécute avec la

certitude d’un paraphe. Tantôt l’Empereur passe des revues, lancé au

galop de son cheval et accompagné d’officiers dont les traits sont

facilement reconnaissables, ou de princes étrangers, européens,

asiatiques ou africains, à qui il fait, pour ainsi dire, les honneurs

de Paris. Quelquefois il est immobile sur un cheval dont les pieds

sont aussi assurés que les quatre pieds d’une table, ayant à sa

gauche l’Impératrice en costume d’amazone, et, à sa droite, le petit

Prince impérial, chargé d’un bonnet à poils et se tenant

militairement sur un petit cheval hérissé comme les poneys que les

artistes anglais lancent volontiers dans leurs paysages ; quelquefois

disparaissant au milieu d’un tourbillon de lumière et de poussière

dans les allées du bois de Boulogne ; d’autres fois se promenant

lentement à travers les acclamations du faubourg Saint-Antoine. Une

surtout de ces aquarelles m’a ébloui par son caractère magique. Sur

le bord d’une loge d’une richesse lourde et princière, l’Impératrice

apparaît dans une attitude tranquille et reposée ; l’Empereur se

penche légèrement comme pour mieux voir le théâtre ; audessous, deux

cent-gardes, debout dans une immobilité militaire et presque

hiératique, reçoivent sur leur brillant uniforme les éclaboussures de

la rampe. Derrière la bande de feu, dans l’atmosphère idéale de la

scène, les comédiens chantent, déclament, gesticulent harmonieusement

; de l’autre côté s’étend un abîme de lumière vague, un espace

circulaire encombré de figures humaines à tous les étages : c’est le

lustre et le public.

Nas coleções de G. encontra-se frequentemente o imperador

dos franceses, cuja figura ele soube reduzir, sem prejuízo

da verossimilhança, a um croqui infalível, executado com a

segurança de uma rubrica. Ora o imperador passa tropas em

revista, galopando e acompanhado por oficiais cujos traços

são facilmente reconhecíveis, ou por príncipes

estrangeiros, europeus, asiáticos ou africanos, a quem

presta, por assim dizer, as honras de Paris. Outras vezes

nós o vemos imóvel, montado num cavalo cujos pés são tão

firmes quanto os quatro pés de uma mesa, tendo à sua

esquerda a imperatriz em trajes de amazonas e, à sua

direita, o pequeno príncipe imperial, usando um barrete de

Page 50: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

47

pele e mantendo-se com porte militar sobre um cavalinho

eriçado como os pôneis que os artistas ingleses costumam

colocar em suas paisagens; algumas vezes sumindo nas

alamedas do Bois de Boulogne num turbilhão de luz e de

poeira; outras vezes, caminhando lentamente sob as

aclamações do faubourg Saint-Antoine. Uma dessas aquarelas

me fascinou particularmente por seu caráter feérico. Na

extremidade de um camarote de uma riqueza pesada e

principesca, a imperatriz aparece numa atitude tranquila e

repousada; o imperador curva-se ligeiramente, como que para

melhor apreciar o teatro; embaixo, dois soldados da guarda

imperial, em pé, numa imobilidade militar e quase

hierática, recebem sobre os brilhantes uniformes os

reflexos da ribalta. Atrás da faixa de luz, na atmosfera

ideal do palco, os atores cantam, declamam, gesticulam

harmoniosamente; do outro lado estende-se um abismo de luz

vaga, um espaço circular cheio de figuras humanas em todos

os andares: é o esplendor e o público.

Napoléon III passant en revue un régiment de cuirassiers

Constantin Guys

Les mouvements populaires, les clubs et les solennités de 1848

avaient également fourni à M. G. une série de compositions

pittoresques dont la plupart ont été gravées pour l’Illustrated

London News. Il y a quelques années, après un séjour en Espagne, très

fructueux pour son génie, il composa aussi un album de même nature,

dont je n’ai vu que des lambeaux. L’insouciance avec laquelle il

donne ou prête ses dessins l’expose souvent à des pertes

irréparables.

Os movimentos populares, os clubes e as solenidades de 1848

forneceram igualmente a G. uma série de composições

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48

pitorescas, a maior parte delas gravada pelo Ilustrated

London News. Há alguns anos, depois de uma estada na

Espanha, muito profícua para seu talento, G. compôs também

um álbum do mesmo gênero, do qual vi apenas alguns

fragmentos. A displicência com a qual ele dá ou empresta

seus desenhos muitas vezes o expõe a perdas irreparáveis.

O jornal “Ilustrated London News”

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49

VIII

Le militaire O militar

Pour définir une fois de plus le genre de sujets préférés par

l’artiste, nous dirons que c’est la pompe de la vie, telle qu’elle

s’offre dans les capitales du monde civilisé, la pompe de la vie

militaire, de la vie élégante, de la vie galante. Notre observateur

est toujours exact à son poste, partout où coulent les désirs

profonds et impétueux, les Orénoques du coeur humain, la guerre,

l’amour, le jeu ; partout où s’agitent les fêtes et les fictions qui

représentent ces grands éléments de bonheur et d’infortune. Mais il

montre une prédilection très marquée pour le militaire, pour le

soldat, et je crois que cette affection dérive non seulement des

vertus et des qualités qui passent forcément de l’âme du guerrier

dans son attitude et sur son visage, mais aussi de la parure voyante

dont sa profession le revêt. M. Paul de Molènes a écrit quelques

pages aussi charmantes que sensées, sur la coquetterie militaire et

sur le sens moral de ces costumes étincelants dont tous les

gouvernements se plaisent à habiller leurs troupes. M. G. signerait

volontiers ces lignes-là.

Para definir uma vez mais o gênero de temas preferido pelo

artista, afirmaremos que é a pompa da vida, tal como ela se

oferece nas capitais do mundo civilizado, a pompa da vida

militar, da vida elegante, da vida galante. Nosso

observador está sempre, infalivelmente, a postos em toda a

parte onde fluem os desejos profundos e impetuosos, os

Orinocos do coração humano1, a guerra, o amor e o jogo; em

toda parte onde se agitam as festas e as ficções que

representam esses grandes elementos da felicidade e do

infortúnio. Mas ele mostra uma predileção muito acentuada

pelo militar, pelo soldado, e acredito que essa propensão

se deve não somente às virtudes e qualidades que passam

forçosamente da alma do guerreiro para sua atitude e seu

rosto, como também ao paramento vistoso com que sua

profissão o reveste. Paul de Molènes escreveu algumas

páginas tão encantadoras quanto sensatas sobre a coqueteria

militar e sobre o sentido moral da indumentária cintilante

com que todos os governos se comprazem em vestir suas

tropas. G. assinaria de bom grado essas linhas.

1. “os Orinocos do coração humano” traduz “les Orénoques du coeur

humain”. Orinoco é um rio da Venezuela.

Nous avons parlé déjà de l’idiotisme de beauté particulier à chaque

époque, et nous avons observé que chaque siècle avait, pour ainsi

dire, sa grâce personnelle. La même remarque peut s’appliquer aux

professions ; chacune tire sa beauté extérieure des lois morales

auxquelles elle est soumise. Dans les unes, cette beauté sera marquée

Page 53: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

50

d’énergie, et, dans les autres, elle portera les signes visibles de

l’oisiveté. C’est comme l’emblème du caractère, c’est l’estampille de

la fatalité. Le militaire, pris en général, a sa beauté, comme le

dandy et la femme galante ont la leur, d’un goût essentiellement

différent. On trouvera naturel que je néglige les professions où un

exercice exclusif et violent déforme les muscles et marque le visage

de servitude. Accoutumé aux surprises, le militaire est difficilement

étonné. Le signe particulier de la beauté sera donc, ici, une

insouciance martiale, un mélange singulier de placidité et d’audace ;

c’est une beauté qui dérive de la nécessité d’être prêt à mourir à

chaque minute. Mais le visage du militaire idéal devra être marqué

d’une grande simplicité ; car, vivant en commun comme les moines et

les écoliers, accoutumés à se décharger des soucis journaliers de la

vie sur une paternité abstraite, les soldats sont, en beaucoup de

choses, aussi simples que les enfants ; et, comme les enfants, le

devoir étant accompli, ils sont faciles à amuser et portés aux

divertissements violents. Je ne crois pas exagérer en affirmant que

toutes ces considérations morales jaillissent naturellement des

croquis et des aquarelles de M. G. Aucun type militaire n’y manque,

et tous sont saisis avec une espèce de joie enthousiaste : le vieil

officier d’infanterie, sérieux et triste, affligeant son cheval de

son obésité ; le joli officier d’état-major, pincé dans sa taille, se

dandinant des épaules, se penchant sans timidité sur le fauteuil des

dames, et qui, vu de dos, fait penser aux insectes les plus sveltes

et les plus élégants ; le zouave et le tirailleur, qui portent dans

leur allure un caractère excessif d’audace et d’indépendance, et

comme un sentiment plus vif de responsabilité personnelle ; la

désinvolture agile et gaie de la cavalerie légère ; la physionomie

vaguement professorale et académique des corps spéciaux, comme

l’artillerie et le génie, souvent confirmée par l’appareil peu

guerrier des lunettes : aucun de ces modèles, aucune de ces nuances

ne sont négligés, et tous sont résumés, définis avec le même amour et

le même esprit.

Já falamos do idiotismo1 da beleza particular de cada época

e observamos que cada século possuía, por assim dizer, sua

graça particular. Pode-se aplicar a mesma observação às

profissões; cada qual extrai sua beleza exterior das leis

morais às quais é submetida. Em algumas, essa beleza será

marcada pela energia; em outras, trará os sinais visíveis

do ócio. É como o emblema do caráter, é a estampilha da

fatalidade. O militar, considerado em sua generalidade, tem

sua beleza, como o dândi e a mulher galante a têm, de gosto

essencialmente diferente. Alguns acharão natural que eu

negligencie as profissões em que um exercício exclusivo e

violento deforme os músculos e marque o rosto com um sinal

de servidão. Acostumado às surpresas, o militar raramente

se surpreende. Então, nesse caso, o sinal particular da

beleza será uma despreocupação marcial, mescla singular de

placidez e de audácia; é uma beleza que decorre da

necessidade de estar pronto para morrer a cada minuto. Mas

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51

o semblante do militar ideal deverá trazer a marca de uma

grande simplicidade; pois, vivendo em comunidade como os

monges e os estudantes, habituados a se descarregarem das

preocupações quotidianas da vida a respeito de uma

paternidade abstrata, os soldados são, em muitos aspectos,

tão ingênuos como as crianças; e, como elas, estando o

dever cumprido, divertem-se com facilidade e preferem as

diversões violentas. Acredito não estar exagerando ao

afirmar que todas essas considerações morais brotam

naturalmente dos croquis e das aquarelas de G. Deles nenhum

tipo militar está ausente e todos foram captados com uma

espécie de alegria entusiasta: o velho oficial de

infantaria, sério e triste, mortificando o cavalo com sua

obesidade; o belo oficial de Estado-maior, uniforme

cintado, remexendo os ombros, curvando-se sem timidez sobre

a poltrona das senhoras, e que, visto de costas, evoca os

insetos mais esbeltos e elegantes; o zuavo2 e o atirador,

que manifestam em seu porte um excessivo caráter de audácia

e de independência, e como que um sentimento mais vivo de

responsabilidade pessoal; a desenvoltura ágil e alegre da

cavalaria ligeira; a fisionomia vagamente professoral e

acadêmica dos corpos especiais, como a artilharia e a

engenharia, frequentemente confirmada pelo aparato pouco

guerreiro dos óculos: nenhum desses modelos, nenhum desses

matizes é negligenciado, e todos são sintetizados,

definidos com o mesmo amor e o mesmo espírito.

1. “idiotismo” traduz “idiotisme”: forma linguística prórpia de uma

língua que não possui correspondente sintático em outra língua,

idiomatismo – o infinitivo flexionado é um idiotismo do português; o

apresentativo “c’est” é um idiotismo do francês. Baudelaire usa o

termo para referir-se à moda.

2. “zuavo” traduz “zouave”: soldado de infantaria argelino, outrora

a serviço da França.

J’ai actuellement sous les yeux une de ces compositions d’une

physionomie générale vraiment héroïque, qui représente une tête de

colonne d’infanterie ; peut-être ces hommes reviennent-ils d’Italie

et font-ils une halte sur les boulevards devant l’enthousiasme de la

multitude ; peut-être viennent-ils d’accomplir une longue étape sur

les routes de la Lombardie ; je ne sais. Ce qui est visible,

pleinement intelligible, c’est le caractère ferme, audacieux, même

dans sa tranquillité, de tous ces visages hâlés par le soleil, la

pluie et le vent.

Tenho neste momento diante dos olhos uma dessas composições

de aspecto geral verdadeiramente heróico, que representa a

frente de uma coluna de infantaria; talvez esses homens

estejam acabando de voltar da Itália e tenham feito uma

parada nos bulevares face ao entusiasmo da multidão; talvez

acabem de realizar uma longa marcha pelas estradas da

Page 55: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

52

Lombardia; não sei. O que é visível, plenamente

inteligível, é o caráter firme, audacioso, mesmo em sua

tranquilidade, de todos esses rostos crestados pelo sol,

pela chuva e pelo vento.

Deux grisettes et deux soldats

Constantin Guys

Voilà bien l’uniformité d’expression créée par l’obéissance et les

douleurs supportées en commun, l’air résigné du courage éprouvé par

les longues fatigues. Les pantalons retroussés et emprisonnés dans

les guêtres, les capotes flétries par la poussière, vaguement

décolorées, tout l’équipement enfin a pris lui-même l’indestructible

physionomie des êtres qui reviennent de loin et qui ont couru

d’étranges aventures. On dirait que tous ces hommes sont plus

solidement appuyés sur leurs reins, plus carrément installés sur

leurs pieds, plus d’aplomb que ne peuvent l’être les autres hommes.

Si Charlet, qui fut toujours à la recherche de ce genre de beauté et

qui l’a si souvent trouvé, avait vu ce dessin, il en eût

singulièrement frappé.

Eis a uniformidade de expressão gerada pela obediência e

pelas dores suportadas em comum, o ar resignado da coragem

testada pelas longas fadigas. As calças arregaçadas e

presas nas polainas, os capotes manchados de poeira,

Page 56: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

53

vagamente desbotados, todo o equipamento, enfim, assumiu

ele próprio a indestrutível fisionomia dos seres que vêm de

longe e viveram estranhas aventuras. É possível dizer que

todos esses homens estão mais solidamente apoiados sobre os

rins, mais firmemente instalados sobre os pés, manifestando

mais firmeza do que os outros homens são capazes. Se

Charlet — que sempre buscou esse tipo de beleza e que

tantas vezes o encontrou — tivesse visto esse desenho,

teria ficado singularmente impressionado.

Troupes françaises rendant les honneurs au carrosse du Pape

Constantin Guys

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54

IX

Le dandy O dândi

L’homme riche, oisif, et qui, même blasé, n’a pas d’autre occupation

que de courir à la piste du bonheur ; l’homme élevé dans le luxe et

accoutumé dès sa jeunesse à l’obéissance des autres hommes, celui

enfin qui n’a pas d’autre profession que l’élégance, jouira toujours,

dans tous les temps, d’une physionomie distincte, tout à fait à part.

Le dandysme est une institution vague, aussi bizarre que le duel ;

très ancienne, puisque César, Catilina, Alcibiade nous en fournissent

des types éclatants ; très générale, puisque Chateaubriand l’a

trouvée dans le forêts et au bord des lacs du Nouveau-Monde. Le

dandysme, qui est une institution en dehors des lois, a des lois

rigoureuses auxquelles sont strictement soumis tous ses sujets,

quelles que soient d’ailleurs la fougue et l’indépendance de leur

caractère. Les romanciers anglais ont, plus que les autres, cultivé

le roman de high life, et les Français qui, comme M. de Custine, ont

voulu spécialement écrire des romans d’amour, ont d’abord pris soin,

et très judicieusement, de doter leurs personnages de fortunes assez

vastes pour payer sans hésitation toutes leurs fantaisies ; ensuite

ils les ont dispensés de toute profession. Ces êtres n’ont pas

d’autre état que de cultiver l’idée du beau dans leur personne, de

satisfaire leurs passions, de sentir et de penser. Ils possèdent

ainsi, à leur gré et dans une vaste mesure, le temps et l’argent,

sans lesquels la fantaisie, réduite à l’état de rêverie passagère, ne

peut guère se traduire en action. Il est malheureusement bien vrai

que, sans le loisir et l’argent, l’amour ne peut être qu’une orgie de

roturier ou l’accomplissement d’un devoir conjugal. Au lieu du

caprice brûlant ou rêveur, il devient une répugnante utilité.

O homem rico, ocioso e que, mesmo entediado, não tem outra

ocupação senão correr ao encalço da felicidade; o homem

criado no luxo e acostumado a ser obedecido desde a

juventude; aquele, enfim, cuja única profissão é a

elegância sempre exibirá, em todos os tempos, uma

fisionomia distinta, completamente à parte. O dandismo é

uma instituição vaga tão estranha quanto o próprio duelo;

muito antiga, já que César, Catilina e Alcebíades nos deram

alguns modelos brilhantes; generalizada, já que

Chateaubriand a encontrou nas florestas e à beira dos lagos

do Novo Mundo. O dandismo, instituição à margem das leis,

tem leis rigorosas a que são estritamente submetidos todos

os seus adeptos, quaisquer que forem, aliás, a audácia e a

independência de seu caráter. Os romancistas ingleses, mais

do que outros, cultivaram o romance de high life1, e os

franceses que, como Custine, quiseram escrever

especialmente romances de amor, tiveram o cuidado, de

início e muito judiciosamente, de dotar suas personagens de

Page 58: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

55

fortunas bastante consideráveis, para que pudessem pagar

sem hesitação todas as suas fantasias, em seguida

dispersaram-nas de qualquer profissão. Esses seres não têm

outra ocupação senão cultivar a idéia do belo em suas

próprias pessoas, satisfazer suas paixões, sentir e pensar.

Possuem, a seu bel-prazer e em larga medida, tempo e

dinheiro, sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de

devaneio passageiro, dificilmente pode ser traduzida em

ação. Infelizmente, é bem verdade que, sem tempo e

dinheiro, o amor não pode ser mais do que uma orgia de

plebeu ou o cumprimento de um dever conjugal. Em vez da

fantasia ardente ou sonhadora, torna-se uma repugnante

utilidade.

1. “high life”: vida sofisticada, mas supérflua. A “high life” seria

a vida social de um “socialite”, de um dândi, por exemplo.

Dandys et amazones

Constantin Guys

Si je parle de l’amour à propos du dandysme, c’est que l’amour est

l’occupation naturelle des oisifs. Mais le dandy ne vise pas à

l’amour comme but spécial. Si j’ai parlé d’argent, c’est parce que

l’argent est indispensable aux gens qui se font un culte de leurs

passions ; mais le dandy n’aspire pas à l’argent comme à une chose

essentielle ; un crédit indéfini pourrait lui suffire ; il abandonne

cette grossière passion aux mortels vulgaires. Le dandysme n’est même

pas, comme beaucoup de personnes peu réfléchies paraissent le croire,

un goût immodéré de la toilette et de l’élégance matérielle. Ces

choses ne sont pour le parfait dandy qu’un symbole de la supériorité

aristocratique de son esprit. Aussi, à ses yeux, épris avant tout de

Page 59: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

56

distinction, la perfection de la toilette consiste-t-elle dans la

simplicité absolue, qui est en effet la meilleure manière de se

distinguer. Qu’est-ce donc que cette passion qui, devenue doctrine, a

fait des adeptes dominateurs, cette institution non écrite qui a

formé une caste si hautaine ? C’est avant tout le besoin ardent de se

faire une originalité, contenu dans les limites extérieures des

convenances. C’est une espèce de culte de soi-même, qui peut survivre

à la recherche du bonheur à trouver dans autrui, dans la femme, par

exemple ; qui peut survivre même à tout ce qu’on appelle les

illusions. C’est le plaisir d’étonner et la satisfaction orgueilleuse

de ne jamais être étonné. Un dandy peut être un homme blasé, peut

être un homme souffrant ; mais, dans ce dernier cas, il sourira comme

le Lacédémonien sous la morsure du renard.

Se falo de amor a propósito do dandismo, é porque o amor é

a ocupação natural dos ociosos. Mas o dândi não visa o amor

como um fim em si. Se falo do dinheiro, é porque o dinheiro

é indispensável aos que cultuam as próprias paixões; mas o

dândi não aspira ao dinheiro como a uma coisa essencial; um

crédito ilimitado poderia lhe bastar - ele deixa essa

grosseira paixão aos mortais vulgares. O dandismo não é

sequer, como parecem acreditar muitas pessoas pouco

sensatas, um amor desmesurado pela indumentária e pela

elegância material1. Para o perfeito dândi, essas coisas são

apenas um símbolo da superioridade aristocrática de seu

espírito. Por isso, a seus olhos ávidos antes de tudo por

distinção, a perfeição da indumentária consiste na

simplicidade absoluta, o que é, efetivamente, a melhor

maneira de se distinguir. Que é, pois, essa paixão que,

transformada em doutrina, conquistou adeptos dominadores,

essa instituição sem leis escritas, que formou uma casta

tão altiva? É antes de tudo a necessidade ardente de

alcançar uma originalidade dentro dos limites exteriores

das conveniências. É uma espécie de culto de si mesmo, que

pode sobreviver à busca da felicidade a ser encontrada em

outrem, na mulher, por exemplo, que pode sobreviver,

inclusive, a tudo a que chamamos ilusões. É o prazer de

provocar admiração e a satisfação orgulhosa de jamais ficar

admirado. Um dândi pode ser um homem entediado, pode ser um

homem que sofre; mas, neste último caso, ele sorrirá como o

Lacedemônio mordido pela raposa.

1. “un goût immodéré de la toilette et de l’élégance matérielle” é

traduzido por: “um amor desmesurado pela indumentária [roupas] e

pela elegância material”, ou seja: a ostentação.

On voit que, par de certains côtés, le dandysme confine au

spiritualisme et au stoïcisme. Mais un dandy ne peut jamais être un

homme vulgaire. S’il commettait un crime, il ne serait pas déchu

peut-être ; mais si ce crime naissait d’une source triviale, le

déshonneur serait irréparable. Que le lecteur ne se scandalise pas de

cette gravité dans le frivole, et qu’il se souvienne qu’il y a une

Page 60: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

57

grandeur dans toutes les folies, une force dans tous les excès.

Etrange spiritualisme ! Pour ceux qui en sont à la fois les prêtres

et les victimes, toutes les conditions matérielles compliquées

auxquelles ils se soumettent, depuis la toilette irréprochable à

toute heure du jour et de la nuit jusqu’aux tours les plus périlleux

du sport, ne sont qu’une gymnastique propre à fortifier la volonté et

à discipliner l’âme. En vérité, je n’avais pas tout à fait tort de

considérer le dandysme comme une espèce de religion. La règle

monastique la plus rigoureuse, l’ordre irrésistible du Vieux de la

Montagne, qui commandait le suicide à ses disciples enivrés,

n’étaient pas plus despotiques ni plus obéis que cette doctrine de

l’élégance et de l’originalité, qui impose, elle aussi, à ses

ambitieux et humbles sectaires, hommes souvent pleins de fougue, de

passion, de courage, d’énergie contenue, la terrible formule :

Perinde ac cadaver !

Vê-se que, sob certos aspectos, o dandismo assemelha-se ao

espiritualismo e ao estoicismo. Mas um dândi nunca pode ser

um homem vulgar1. Se cometesse um crime, talvez não se

degradasse; mas, se esse crime tivesse uma causa trivial, a

desonra seria irreparável2. Que o leitor não se escandalize

com essa gravidade no frívolo, que se lembre que há uma

grandeza em todas as loucuras, uma força em todos os

excessos. Estranho espiritualismo! Para os que são ao mesmo

tempo seus sacerdotes e suas vítimas, todas as condições

materiais complexas a que se submetem, desde o traje

impecável a qualquer hora do dia e da noite até as proezas

mais perigosas do esporte, não passam de uma ginástica apta

a fortificar a vontade e a disciplinar a alma. Na verdade,

eu não estava totalmente errado ao considerar o dandismo

como uma espécie de religião. A regra monástica mais

rigorosa, a ordem irresistível do Vieux de la Montagne3, que

recomendava o suicídio a seus discípulos inebriados, não

eram mais despóticas nem mais obedecidas do que essa

doutrina da elegância e da originalidade, que impõe

igualmente a seus ambiciosos e humildes seguidores — homens

muitas vezes cheios de ardor, de paixão, de coragem e de

energia contida — a fórmula terrível: Perinde ac cadaver4!

1. “vulgar”, no sentido de “comum”.

2. “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde (1854-1900), tem nas

personagens Lord Henry Wotton e Dorian Gray, exemplos de dandismo.

3. “Vieux de la Montagne” (Velho da Montanha), é o nome dado pelos

cruzados e pelas histórias ocidentais, aos chefes das seitas xiitas

ismailitas dos “Assassinos” – “Assassinos”, aqui é a designação dada

aos membros da referida seita, na época das Cruzadas (séc. XII), que

inebriavam-se com o cânhamo antes de atacar e matar líderes sunitas

e cristãos.

4. “Perinde ac cadaver”, em latim, “Como um cadáver”: expressão

usada por Inácio de Loiola nas Constituições com as quais prescreve

Page 61: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

58

aos Jesuítas a disciplina e obediência aos superiores.

Que ces hommes se fassent nommer raffinés, incroyables, beaux, lions

ou dandies, tous sont issus d’une même origine ; tous participent du

même caractère d’opposition et de révolte ; tous sont des

représentants de ce qu’il y a de meilleur dans l’orgueil humain, de

ce besoin, trop rare chez ceux d’aujourd’hui, de combattre et de

détruire la trivialité. De là naît, chez les dandies, cette attitude

hautaine de caste provoquante, même dans sa froideur. Le dandysme

apparaît surtout aux époques transitoires où la démocratie n’est pas

encore toute-puissante, où l’aristocratie n’est que partiellement

chancelante et avilie. Dans le trouble de ces époques quelques hommes

déclassés, dégoûtés, désoeuvrés, mais tous riches de force native,

peuvent concevoir le projet de fonder une espèce nouvelle

d’aristocratie, d’autant plus difficile à rompre qu’elle sera basée

sur les facultés les plus précieuses, les plus indestructibles, et

sur les dons célestes que le travail et l’argent ne peuvent conférer.

Le dandysme est le dernier éclat d’héroïsme dans les décadences ; et

le type du dandy retrouvé par le voyageur dans l’Amérique du Nord

n’infirme en aucune façon cette idée : car rien n’empêche de supposer

que les tribus que nous nommons sauvages soient les débris de grandes

civilisations disparues. Le dandysme est un soleil couchant ; comme

l’astre qui décline, il est superbe, sans chaleur et plein de

mélancolie. Mais, hélas ! la marée montante de la démocratie, qui

envahit tout et qui nivelle tout, noie jour à jour ces derniers

représentants de l’orgueil humain et verse des flots d’oubli sur les

traces de ces prodigieux mirmidons. Les dandies se font chez nous de

plus en plus rares, tandis que chez nos voisins, en Angleterre,

l’état social et la constitution (la vraie constitution, celle qui

s’exprime par les moeurs) laisseront longtemps encore une place aux

héritiers de Sheridan, de Brummel et de Byron, si toutefois il s’en

présente qui en soient dignes.

Mesmo que esses homens sejam chamados indiferentemente de

refinados, incríveis, belos, leões ou dândis, todos

procedem de uma mesma origem; todos participam do mesmo

caráter de oposição e de revolta; todos são representantes

do que há de melhor no orgulho humano, dessa necessidade,

muito rara nos homens de nosso tempo, de combater e

destruir a trivialidade. Disso resulta, nos dândis, a

atitude altiva de casta, provocante inclusive em sua

frieza. O dandismo aparece sobretudo nas épocas de

transição em que a democracia não se tornou ainda todo-

poderosa, em que a aristocracia está apenas parcialmente

claudicante e vilipendiada. Na confusão dessas épocas,

alguns homens sem vínculos de classe, desiludidos,

desocupados, mas todos ricos em força interior, podem

conceber o projeto de fundar uma nova espécie de

aristocracia, tanto mais difícil de destruir pois que

baseada nas faculdades mais preciosas, mais indestrutíveis,

e nos dons celestes que nem o trabalho nem o dinheiro podem

Page 62: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

59

conferir. O dandismo é o último rasgo de heroísmo nas

decadências; e o tipo de dândi encontrado pelo viajante na

América do Norte não invalida de forma alguma esta idéia:

pois nada impede de se supor que as tribos a que chamamos

de selvagens sejam os resquícios de grandes civilizações

desaparecidas. O dandismo é um sol poente; como o astro que

declina, é magnífico, sem calor e cheio de melancolia. Mas,

infelizmente, a maré montante da democracia, que invade

tudo e que tudo nivela, afoga dia a dia esses últimos

representantes do orgulho humano e despeja vagas de

esquecimento sobre os vestígios desses prodigiosos

mirmidões. Os dândis tornam-se, em nosso meio [na França]

cada vez mais raros, enquanto entre nossos vizinhos, na

Inglaterra, o estado social e a constituição (a verdadeira

constituição, a que se exprime pelos costumes) deixarão por

muito tempo ainda um lugar aos herdeiros de Sheridan, de

Brummel e de Byron, se por acaso surgirem alguns que sejam

dignos deles.

La présentation du visiteur

Constantin Guys

Ce qui a pu paraître au lecteur une digression n’en est pas une, en

vérité. Les considérations et les rêveries morales qui surgissent des

dessins d’un artiste sont, dans beaucoup de cas, la meilleure

traduction que le critique en puisse faire ; les suggestions font

partie d’une idée mère, et, en les montrant successivement, on peut

la faire deviner. Ai-je besoin de dire que M. G., quand il crayonne

un de ses dandies sur le papier, lui donne toujours son caractère

historique, légendaire même, oserais-je dire, s’il n’était pas

Page 63: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

60

question du temps présent et de choses considérées généralement comme

folâtres ? C’est bien là cette légèreté d’allures, cette certitude de

manières, cette simplicité dans l’air de domination, cette façon de

porter un habit et de diriger un cheval, ces attitudes toujours

calmes mais révélant la force, qui nous font penser, quand notre

regard découvre un de ces êtres privilégiés en qui le joli et le

redoutable se confondent si mystérieusement : « Voilà peut-être un

homme riche, mais plus certainement un Hercule sans emploi. »

O que pode parecer ao leitor uma digressão, na verdade não

chega a sê-lo. As considerações e os devaneios morais que

sugerem os desenhos de um artista são, em muitos casos, a

melhor tradução que o crítico possa fazer deles; as

sugestões fazem parte de uma idéia-mãe, e, mostrando-as

sucessivamente, pode-se levá-la a emergir. Será preciso

dizer que G., quando desenha um de seus dândis, dá-lhe

sempre seu caráter histórico, até mesmo lendário, ousaria

dizer, se não se tratasse da época presente e de coisas

consideradas geralmente como levianas? É justamente essa

leveza de atitudes, essa segurança nas maneiras, essa

simplicidade no ar de dominação, esse modo de vestir uma

casaca e de conduzir um cavalo, essas atitudes sempre

calmas, mas revelando força, que nos fazem pensar, quando

nosso olhar descobre um desses seres privilegiados em quem

o belo e o temível se confundem tão misteriosamente: “Aqui

talvez esteja um homem rico, mas, com maior probabilidade,

um Hércules sem emprego”.

Le caractère de beauté du dandy consiste surtout dans l’air froid qui

vient de l’inébranlable résolution de ne pas être ému ; on dirait un

feu latent qui se fait deviner, qui pourrait mais qui ne veut pas

rayonner. C’est ce qui est, dans ces images, parfaitement exprimé.

O tipo da beleza do dândi consiste sobretudo no ar frio que

vem da inabalável resolução de não se emocionar, é como um

fogo latente que se deixa adivinhar, que poderia — mas não

quer — se propagar. E é isso o que essas imagens expressam

com perfeição.

Page 64: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

61

X

La femme A mulher

L’être qui est, pour la plupart des hommes, la source des plus vives,

et même, disons-le à la honte des voluptés philosophiques, des plus

durables jouissances ; l’être vers qui ou au profit de qui tendent

tous leurs efforts ; cet être terrible et incommunicable comme Dieu

(avec cette différence que l’infini ne se communique pas parce qu’il

aveuglerait et écraserait le fini, tandis que l’être dont nous

parlons n’est peut-être incomprehensible que parce qu’il n’a rien à

communiquer), cet être en qui Joseph de Maistre voyait un bel animal

dont les grâces égayaient et rendaient plus facile le jeu sérieux de

la politique ; pour qui et par qui se font et défont les fortunes ;

pour qui, mais surtout par qui les artistes et les poètes composent

leurs plus délicats bijoux ; de qui dérivent les plaisirs les plus

énervants et les douleurs les plus fécondantes, la femme, en un mot,

n’est pas seulement pour l’artiste en général, et pour M. G. en

particulier, la femelle de l’homme. C’est plutôt une divinité, un

astre, qui préside à toutes les conceptions du cerveau mâle ; c’est

un miroitement de toutes les grâces de la nature condensées dans un

seul être ; c’est l’objet de l’admiration et de la curiosité la plus

vive que le tableau de la vie puisse offrir au contemplateur. C’est

une espèce d’idole, stupide peut-être, mais éblouissante,

enchanteresse, qui tient les destinées et les volontés suspendues à

ses regards. Ce n’est pas, dis-je, un animal dont les membres,

correctement assemblés, fournissent un parfait exemple d’harmonie ;

ce n’est même pas le type de beauté pure, tel que peut le rêver le

sculpteur dans ses plus sévères méditations ; non, ce ne serait pas

encore suffisant pour en expliquer le mystérieux et complexe

enchantement. Nous n’avons que faire ici de Winckelman et de Raphaël

; et je suis bien sûr que M. G., malgré toute l’étendue de son

intelligence (cela soit dit sans lui faire injure), négligerait un

morceau de la statuaire antique, s’il lui fallait ainsi perdre

l’occasion de savourer un portrait de Reynolds ou de Lawrence. Tout

ce qui orne la femme, tout ce qui sert à illustrer sa beauté, fait

partie d’elle-même ; et les artistes qui se sont particulièrement

appliqués à l’étude de cet être énigmatique raffolent autant de tout

le mundus muliebris que de la femme elle-même. La femme est sans

doute une lumière, un regard, une invitation au bonheur, une parole

quelquefois ; mais elle est surtout une harmonie générale, non

seulement dans son allure et le mouvement des ses membres, mais aussi

dans les mousselines, les gazes, les vastes et chatoyantes nuées

d’étoffes dont elle s’enveloppe, et qui sont comme les attributs et

le piédestal de sa divinité ; dans le métal et le minéral qui

serpentent autour de ses bras et de son cou, qui ajoutent leurs

étincelles au feu de ses regards, ou qui jasent doucement à ses

oreilles. Quel poète oserait, dans la peinture du plaisir causé par

Page 65: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

62

l’apparition d’une beauté, séparer la femme de son costume ? Quel est

l’homme qui, dans la rue, au théâtre, au bois, n’a pas joui, de la

manière la plus désintéressée, d’une toilette savamment composée, et

n’en a pas emporté une image inséparable de la beauté de celle à qui

elle appartenait, faisant ainsi des deux, de la femme et de la robe,

une totalité indivisible ? C’est ici le lieu, ce me semble, de

revenir sur certaines questions relatives à la mode et à la parure,

que je n’ai fait qu’effleurer au commencement de cette étude, et de

venger l’art de la toilette des ineptes calomnies dont l’accablent

certains amants très équivoques de la nature.

O ser que é, para a maioria dos homens, a fonte das mais

vivas e mesmo — admitamo-lo para a vergonha das volúpias

filosóficas — dos mais duradouros prazeres; o ser para o

qual, ou em benefício do qual, tendem todos os seus

esforços; esse ser terrível e incomunicável como Deus (com

a diferença de que o infinito não se comunica porque

cegaria ou esmagaria o finito, enquanto o ser de que

falamos só é incompreensível por nada ter a comunicar,

talvez); esse ser em quem Joseph de Maistre via um belo

animal cujos encantos alegravam e tornavam mais fácil o

jogo sério da política, para quem e por meio de quem se

fazem e se desfazem as fortunas, para quem, mas sobretudo

devido a quem os artistas e os poetas compõem suas jóias

mais delicadas; de quem derivam os prazeres mais excitantes

e as dores mais fecundantes; a mulher, numa palavra, não é

somente para o artista em geral, e para G. em particular, a

fêmea do homem. É antes uma divindade, um astro que preside

todas as concepções do cérebro masculino, é uma

reverberação de todos os encantos da natureza condensados

num único ser; é o objeto da admiração e da curiosidade

mais viva que o quadro da vida possa oferecer ao

contemplador. É uma espécie de ídolo, estúpido talvez, mas

deslumbrante, enfeitiçador, que mantém os destinos e as

vontades suspensas a seus olhares. Não é, digo eu, um

animal cujos membros, corretamente reunidos, fornecem um

perfeito exemplo de harmonia; não é sequer o tipo de beleza

pura, tal como pode sonhá-lo o escultor nas suas mais

severas meditações; não, isso não seria ainda suficiente

para explicar seu misterioso e complexo fascínio.

Winckelmann e Rafael não nos são de nenhuma utilidade aqui;

e estou persuadido que G., apesar de toda a extensão de sua

inteligência (que se diga isto sem ofendê-lo), desprezaria

uma obra da estatuária antiga se tivesse que perder por

isso a ocasião de saborear um retrato de Reynolds ou de

Lawrence. Tudo que adorna a mulher, tudo que serve para

realçar sua beleza, faz parte dela própria; e os artistas

que se dedicaram particularmente ao estudo desse ser

enigmático adoram finalmente todo o mundus muliebris1 quanto

a própria mulher. A mulher é, sem dúvida, uma luz, um

olhar, um convite à felicidade, às vezes uma palavra; mas

Page 66: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

63

ela é sobretudo uma harmonia geral, não somente no seu

porte e no movimento de seus membros, mas também nas

musselinas, nas gazes, nas amplas e reverberantes nuvens de

tecidos com que se envolve, que são como que os atributos e

o pedestal de sua divindade; no metal e no mineral que lhe

serpenteiam os braços e o pescoço, que acrescentam suas

centelhas ao fogo de seus olhares ou tilintam delicadamente

em suas orelhas. Que poeta ousaria, na pintura do prazer

causado pela aparição de uma beldade, separar a mulher de

sua indumentária? Que homem, na rua, no teatro, no bosque,

não fruiu, da maneira mais desinteressada possível, de um

vestuário inteligentemente composto e não conservou dele

uma imagem inseparável da beleza daquela a quem pertencia,

fazendo assim de ambos, da mulher e do traje, um todo

indivisível? Parece-me que esta é a ocasião de retomar

certas questões relativas à moda e aos adereços, que apenas

indiquei no começo deste estudo, e de vingar a arte do

vestir das calúnias ineptas com que a atormentam certos

amantes muito equivocados da natureza.

1. “mundus muliebris”, em latim: “o universo feminino”

Dame du haut monde

Constantin Guys (1802-1892)

Page 67: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

64

XI

Eloge du maquillage Elogio da maquiagem

Il est une chanson, tellement triviale et inepte qu’on ne peut guère

la citer dans un travail qui a quelques prétentions au sérieux, mais

qui traduit fort bien, en style de vaudevilliste, l’esthétique des

gens qui ne pensent pas. La nature embellit la beauté ! Il est

présumable que le poète, s’il avait pu parler en français, aurait dit

: La simplicité embellit la beauté ! ce qui équivaut à cette vérité,

d’un genre tout à fait inattendu : Le rien embellit ce qui est.

Há uma canção, tão trivial e inepta que não se deveria

citá-la num trabalho com algumas pretensões de seriedade,

mas que traduz muito bem, em estilo de opereta, a estética

das pessoas que não pensam. A natureza embeleza a beleza! É

presumível que, se o poeta pudesse falar em francês, teria

dito: A simplicidade embeleza a beleza!, o que equivale a

esta verdade, de um gênero completamente inesperado: O nada

embeleza aquilo que é.

Petite bonne

Constantin Guys

La plupart des erreurs relatives au beau naissent de la fausse

conception du dix-huitième siècle relative à la morale. La nature fut

prise dans ce temps-là comme base, source et type de tout bien et de

tout beau possibles. La négation du péché originel ne fut pas pour

peu de chose dans l’aveuglement général de cette époque. Si toutefois

Page 68: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

65

nous consentons à en référer simplement au fait visible ; à

l’expérience de tous les âges et à la Gazette des Tribunaux, nous

verrons que la nature n’enseigne rien, ou presque rien, c’est-à-dire

qu’elle contraint l’homme à dormir, à boire, à manger, et à se

garantir, tant bien que mal, contre les hostilités de l’atmosphère.

C’est elle aussi qui pousse l’homme à tuer son semblable, à le

manger, à le séquestrer, à le torturer ; car, sitôt que nous sortons

de l’ordre des nécessités et des besoins pour entrer dans celui du

luxe et des plaisirs, nous voyons que la nature ne peut conseiller

que le crime. C’est cette infaillible nature qui a créé le parricide

et l’anthropophagie, et mille autres abominations que la pudeur et la

délicatesse nous empêchent de nommer. C’est la philosophie (je parle

de la bonne), c’est la religion qui nous ordonne de nourrir des

parents pauvres et infirmes. La nature (qui n’est pas autre chose que

la voix de notre intérêt) nous commande de les assommer. Passez en

revue, analysez tout ce qui est naturel, toutes les actions et les

désirs du pur homme naturel, vous ne trouverez rien que d’affreux.

Tout ce qui est beau et noble est le résultat de la raison et du

calcul. Le crime, dont l’animal humain a puisé le goût dans le ventre

de sa mère, est originellement naturel. La vertu, au contraire, est

artificielle, surnaturelle, puisqu’il a fallu, dans tous les temps et

chez toutes les nations, des dieux et des prophètes pour l’enseigner

à l’humanité animalisée, et que l’homme, seul, eût été impuissant à

la découvrir. Le mal se fait sans effort, naturellement, par fatalité

; le bien est toujours le produit d’un art. Tout ce que je dis de la

nature comme mauvaise conseillère en matière de morale, et de la

raison comme véritable rédemptrice et réformatrice, peut être

transporté dans l’ordre du beau. Je suis ainsi conduit à regarder la

parure comme un des signes de la noblesse primitive de l’âme humaine.

Les races que notre civilisation, confuse et pervertie, traite

volontiers de sauvages, avec un orgueil et une fatuité tout à fait

risibles, comprennent, aussi bien que l’enfant, la haute spiritualité

de la toilette. Le sauvage et le baby témoignent, par leur aspiration

naïve vers le brillant, vers les plumages bariolés, les étoffes

chatoyantes, vers la majesté superlative des formes artificielles, de

leur dégoût pour le réel, et prouvent ainsi, à leur insu,

l’immatérialité de leur âme. Malheur à celui qui, comme Louis XV (qui

fut non le produit d’une vraie civilisation, mais d’une récurrence de

barbarie) pousse la dépravation jusqu’à ne plus goûter que la simple

nature !

A maior parte dos erros relativos ao belo nasce da falsa

concepção do século XVIII relativa à moral. Naquele tempo a

natureza foi tomada como base, fonte e modelo de todo o bem

e de todo o belo possíveis. A negação do pecado original

contribuiu em boa parte para a cegueira geral daquela

época. Se todavia consentirmos em fazer referência

simplesmente ao fato visível, à experiência de todas as

épocas e à Gazette des Tribunaux1, veremos que a natureza

não ensina nada, ou quase nada, pode-se dizer que ela

obriga o homem a dormir, a beber, a comer e a defender-se,

Page 69: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

66

bem ou mal, contra as hostilidades da atmosfera. É ela,

igualmente, quem leva o homem a matar seu semelhante, a

devorá-lo, a sequestrá-lo e a torturá-lo; pois mal saímos

da ordem das necessidades e das obrigações para entrarmos

na do luxo e dos prazeres, vemos que a natureza só pode

incentivar apenas o crime. É a infalível natureza quem

criou o parricídio e a antropofagia, e mil outras

abominações que o pudor e a delicadeza nos impedem de

nomear. É a filosofia (refiro-me à boa), é a religião que

nos ordena alimentar nossos pais pobres e enfermos. A

natureza (que é apenas a voz de nosso interesse) manda

abatê-los. Passemos em revista, analisemos tudo o que é

natural, todas as ações e desejos do puro homem natural,

nada encontraremos senão horror. Tudo quanto é belo e nobre

é o resultado da razão e do cálculo. O crime, cujo gosto o

animal humano hauriu no ventre na mãe, é originalmente

natural. A virtude, ao contrário, é artificial,

sobrenatural, já que foram necessários, em todas as épocas

e em todas as nações, deuses e profetas para ensiná-la à

humanidade animalizada, e que o homem, por si só, teria

sido incapaz de descobrir. O mal é praticado sem esforço,

naturalmente, por fatalidade; o bem é sempre o produto de

uma arte. Tudo quanto digo da natureza como má conselheira

em matéria de moral, e da razão como verdadeira redentora e

reformadora, se pode transpor para a ordem do belo. Assim,

sou levado a considerar os adereços como um dos sinais da

nobreza primitiva da alma humana. As raças que nossa

civilização, confusa e pervertida, trata com naturalidade

de selvagens, com um orgulho e uma enfatuação absolutamente

risíveis, compreendem, tanto quanto a criança, a alta

espiritualidade da indumentária. O selvagem e o baby

provam, por sua aspiração ingênua em relação a tudo o que é

brilhante, às plumagens multicores, aos tecidos

cintilantes, à majestade superlativa das formas

artificiais, sua aversão pelo real, e testemunham, dessa

forma, à sua revelia, a imaterialidade de sua alma. Ai

daquele que, como Luís XV (que foi não o produto de uma

verdadeira civilização, mas de uma recorrência de

barbárie), leva a depravação ao ponto de apreciar apenas a

simples natureza!2

1. Gazette des Tribunaux, 1775 – 1789, é um jornal que apresentava

as notícias dos tribunais, as notícias de causas, memórias e pleitos

interessantes.

2. Sabe-se que a sra. Dubarry, quando queria evitar receber o rei,

tinha o cuidado de passar ruge. Era um sinal suficiente. Ela fechava

assim a sua porta: era embelezando-se que evitava o real discípulo

da natureza.

La mode doit donc être considérée comme un symptôme du goût de

Page 70: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

67

l’idéal surnageant dans le cerveau humain au-dessus de tout ce que la

vie naturelle y accumule de grossier, de terrestre et d’immonde,

comme une déformation sublime de la nature, ou plutôt comme un essai

permanent et successif de réformation de la nature. Aussi a-t-on

sensément fait observer (sans en découvrir la raison) que toutes les

modes sont charmantes, c’est-à-dire relativement charmantes, chacune

étant un effort nouveau, plus ou moins heureux, vers le beau, une

approximation quelconque d’un idéal dont le désir titille sans cesse

l’esprit humain non satisfait. Mais les modes ne doivent pas être, si

l’on veut bien les goûter, considérées comme choses mortes ; autant

vaudrait admirer les défroques suspendues, lâches et inertes comme la

peau de saint Barthélemy, dans l’armoire d’un fripier. Il faut se les

figurer vitalisées, vivifiées par les belles femmes qui les

portèrent. Seulement ainsi on en comprendra le sens et l’esprit. Si

donc l’aphorisme : Toutes les modes sont charmantes, vous choque

comme trop absolu, dites, et vous serez sûr de ne pas vous tromper :

Toutes furent légitimement charmantes.

A moda deve ser considerada, pois, como um sintoma do gosto

pelo ideal que flutua no cérebro humano acima de tudo o que

a vida natural nele acumula de grosseiro, terrestre e

imundo, como uma deformação sublime da natureza, ou melhor,

como uma tentativa permanente e sucessiva de correção da

natureza. Assim, observou-se judiciosamente (sem se

descobrir a razão) que todas as modas são encantadoras, ou

seja, relativamente encantadoras, cada uma sendo um esforço

novo, mais ou menos bem-sucedido, em direção ao belo, uma

aproximação qualquer a um ideal cujo desejo lisonjeia

incessantemente o espírito humano insatisfeito. Mas, para

serem verdadeiramente apreciadas, as modas não devem ser

consideradas como coisas mortas; seria o mesmo que admirar

os trapos pendurados, frouxos e inertes como a pele de São

Bartolomeu, no armário de um vendedor de roupas usadas. É

preciso imaginá-los vitalizados, vivificados pelas belas

mulheres que os vestiram. Somente assim compreenderemos seu

sentido e espírito. Se, por conseguinte, o aforismo: Todas

as modas são encantadoras, o escandaliza como

excessivamente absoluto, diga e estará certo de não se

enganar: todas foram legitimamente encantadoras.

La femme est bien dans son droit, et même elle accomplit une espèce

de devoir en s’appliquant à paraître magique et surnaturelle ; il

faut qu’elle étonne, qu’elle charme ; idole, elle doit se dorer pour

être adorée. Elle doit donc emprunter à tous les arts les moyens de

s’élever au-dessus de la nature pour mieux subjuguer les coeurs et

frapper les esprits. Il importe fort peu que la ruse et l’artifice

soient connus de tous, si le succès en est certain et l’effet

toujours irrésistible. C’est dans ces considérations que l’artiste

philosophe trouvera facilement la légitimation de toutes les

pratiques employées dans tous les temps par les femmes pour

consolider et diviniser, pour ainsi dire, leur fragile beauté.

Page 71: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

68

L’énumération en serait innombrable ; mais, pour nous restreindre à

ce que notre temps appelle vulgairement maquillage, qui ne voit que

l’usage de la poudre de riz, si niaisement anathématisé par les

philosophes candides, a pour but et pour résultat de faire

disparaître du teint toutes les taches que la nature y a

outrageusement semées, et de créer une unité abstraite dans le grain

et la couleur de la peau, laquelle unité, comme celle produite par le

maillot, rapproche immédiatement l’être humain de la statue, c’est-à-

dire d’un être divin et supérieur ? Quant au noir artificiel qui

cerne l’oeil et au rouge qui marque la partie supérieure de la joue,

bien que l’usage en soit tiré du même principe, du besoin de

surpasser la nature, le résultat est fait pour satisfaire à un besoin

tout opposé. Le rouge et le noir représentent la vie, une vie

surnaturelle et excessive ; ce cadre noir rend le regard plus profond

et plus singulier, donne à l’oeil une apparence plus décidée de

fenêtre ouverte sur l’infini ; le rouge, qui enflamme la pommette,

augmente encore la clarté de la prunelle et ajoute à un beau visage

féminin la passion mystérieuse de la prêtresse.

A mulher está perfeitamente nos seus direitos e cumpre até

uma espécie de dever esforçando-se em parecer mágica e

sobrenatural; é preciso que desperte admiração e que

fascine; ídolo, deve dourar-se para ser adorada. Deve,

pois, colher em todas as artes os meios para elevar-se

acima da natureza para melhor subjugar os corações e

surpreender os espíritos. Pouco importa que a astúcia e o

artifício sejam conhecidos de todos, se o sucesso está

assegurado e o efeito é sempre irresistível. O artista-

filósofo encontrará facilmente nessas considerações a

legitimação de todas as práticas empregadas em todos os

tempos pelas mulheres para consolidarem e divinizarem, por

assim dizer, sua frágil beleza. O catálogo dessas práticas

seria inumerável; mas, para nos limitarmos àquilo que nossa

época chama vulgarmente de maquiagem, quem não vê que o uso

do pó-de-arroz, tão tolamente anatematizado pelos filósofos

cândidos, tem por objetivo e por resultado fazer

desaparecer da tez todas as manchas que a natureza nela

injuriosamente semeou e criar uma unidade abstrata na

textura e na cor da pele, unidade que, como a produzida

pela malha, aproxima imediatamente o ser humano da estátua,

isto é, de um ser divino e superior? Quanto ao preto

artificial que circunda o olho e ao vermelho que marca a

parte superior da face, embora o uso provenha do mêsmo

princípio, da necessidade de suplantar a natureza, o

resultado deve satisfazer a uma necessidade completamente

oposta. O vermelho e o preto representam a vida, uma vida

sobrenatural e excessiva; essa moldura negra torna o olhar

mais profundo e singular, dá aos olhos uma aparência mais

decidida de janela aberta para o infinito; o vermelho, que

inflama as maçãs do rosto, aumenta ainda a claridade da

pupila e acrescenta a um belo rosto feminino a paixão

Page 72: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

69

misteriosa da sacerdotisa.

Femmes espagnoles à leur balcon

Constantin Guys

Ainsi, si je suis bien compris, la peinture du visage ne doit pas

être employées dans le but vulgaire, inavouable, d’imiter la belle

nature, et de rivaliser avec la jeunesse. On a d’ailleurs observé que

l’artifice n’embellissait pas la laideur et ne pouvait servir que la

beauté. Qui oserait assigner à l’art la fonction stérile d’imiter la

nature ? Le maquillage n’a pas à se cacher, à éviter de se laisser

deviner ; il peut, au contraire, s’étaler, sinon avec affectation, au

moins avec une espèce de candeur.

Assim, se sou bem compreendido, a pintura do rosto não deve

ser usada com a intenção vulgar, inconfessável, de imitar a

bela natureza e de rivalizar com a juventude. Aliás,

observou-se que o artifício não embelezava a feiúra e só

podia servir a beleza. Quem se atreveria a atribuir à arte

a função estéril de imitar a natureza? A maquiagem não tem

por que se dissimular nem por que evitar entrever-se; pode,

ao contrário, exibir-se, se não com afetação, ao menos com

uma espécie de candura.

Je permets volontiers à ceux-là que leur lourde gravité empêche de

chercher le beau jusque dans ses plus minutieuses manifestations, de

rire de mes réflexions et d’en accuser la puérile solennité ; leur

Page 73: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

70

jugement austère n’a rien qui me touche ; je me contenterai d’en

appeler auprès des véritables artistes, ainsi que des femmes qui ont

reçu en naissant une étincelle de ce feu sacré dont elles voudraient

s’illuminer tout entières.

Aqueles a quem uma pesada gravidade impede buscar o belo

mesmo em suas mais minuciosas manifestações, autorizo de

boa vontade a rirem de minhas reflexões e a assinalarem

nelas a pueril solenidade; nada em seus julgamentos

austeros me afeta; contento-me em remeter-me aos

verdadeiros artistas, assim como às mulheres que receberam

ao nascer uma centelha desse jogo sagrado com que gostariam

de iluminar-se por inteiro.

Page 74: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

71

XII

Les femmes et les filles As mulheres e as cortesãs

Ainsi M. G., s’étant imposé la tâche de chercher et d’expliquer la

beauté dans la modernité, représente volontiers des femmes très

parées et embellies par toutes les pompes artificielles, à quelque

ordre de la société qu’elles appartiennent. D’ailleurs, dans la

collection de ses oeuvres comme dans le fourmillement de la vie

humaine, les différences de caste et de race, sous quelque appareil

de luxe que les sujets se présentent, sautent immédiatement à l’oeil

du spectateur.

Assim G., tendo-se imposto a tarefa de buscar e explicar a

beleza na Modernidade, se apraz em representar as mulheres

muito enfeitadas e embelezadas por todas as pompas

artificiais, seja qual for o meio a que pertençam. Aliás,

na coleção de suas obras, como no fervilhamento da vida

humana, as diferenças de casta e de raça, sob qualquer

aparato de luxo com que as pessoas se apresentem, saltam

imediatamente aos olhos do espectador.

La loge de l'opéra

Constantin Guys

Tantôt, frappées par la clarté diffuse d’une salle de spectacle,

Page 75: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

72

recevant et renvoyant la lumière avec leurs yeux, avec leurs bijoux,

avec leurs épaules, apparaissent, resplendissantes comme des

portraits, dans la loge qui leur sert de cadre, des jeunes filles du

meilleur monde. Les unes, graves et sérieuses, les autres, blondes et

évaporées. Les unes étalent avec une insouciance aristocratique une

gorge précoce, les autres montrent avec candeur une poitrine

garçonnière. Elles ont l’éventail aux dents, l’oeil vague ou fixe ;

elles sont théâtrales et solennelles comme le drame ou l’opéra

qu’elles font semblant d’écouter.

Ora aparecem jovens da mais seleta sociedade, iluminadas

pela claridade difusa de uma sala de espetáculo, recebendo

e refletindo a luz com seus olhos, jóias, espáduas,

resplandecentes como retratos no camarote que lhes serve de

moldura. Umas, graves e sérias; outras, louras e vaporosas.

Umas exibem com aristocrática displicência um colo precoce;

outras exibem com candura um busto de rapaz. Mordiscam o

leque, o olhar vago ou fixo, são teatrais e solenes como o

drama ou a ópera que fingem escutar.

Tantôt, nous voyons se promener nonchalamment dans les allées des

jardins publics, d’élégantes familles, les femmes se traînant avec un

air tranquille au bras de leurs maris, dont l’air solide et satisfait

révèle une fortune faite et le contentement de soi-même. Ici

l’apparence cossue remplace la distinction sublime. De petites filles

maigrelettes, avec d’amples jupons, et ressemblant par leurs gestes

et leur tournure à de petites femmes, sautent à la corde, jouent au

cerceau ou se rendent des visites en plein air, répétant ainsi la

comédie donnée par leurs parents.

Ora vemos elegantes famílias passeando indolentemente nas

alamedas dos jardins públicos, as mulheres, com um ar

tranquilo, caminhando lentamente, braços dados com os

maridos, cujo aspecto sólido e satisfeito revela uma

fortuna realizada e o contentamento de si. Aqui a aparência

opulenta substitui a distinção sublime. Meninas magrelas,

com saias rodadas, parecendo mulherzinhas graças aos gestos

e atitudes, pulam corda, brincam com arcos ou se visitam ao

ar livre, repetindo assim a comédia dada em casa pelos

pais.

Emergeant d’un monde inférieur, fières d’apparaître enfin au soleil

de la rampe, des filles de petits théâtres, minces, fragiles,

adolescentes encore, secouent sur leurs forms virginales et maladives

des travestissements absurdes, qui ne sont d’aucun temps et qui font

leur joie.

Emergindo de um mundo inferior, orgulhosas de aparecerem,

enfim, sob as luzes da ribalta, as jovens dos pequenos

teatros, delgadas, frágeis, ainda adolescentes, agitam suas

formas virginais e doentias fantasias absurdas, que não são

de época alguma e que as enchem de contentamento.

Page 76: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

73

A la porte d’un café, s’appuyant aux vitres illuminées par devant et

par derrière, s’étale un de ces imbéciles, dont l’élégance est faite

par son tailleur et la tête par son coiffeur. A côté de lui, les

pieds soutenus par l’indispensable tabouret, est assise sa maîtresse,

grande drôlesse à qui il ne manque presque rien (ce presque rien,

c’est presque tout, c’est la distinction) pour ressembler à une

grande dame. Comme son joli compagnon, elle a tout l’orifice de sa

petite bouche occupé par un cigare disproportionné. Ces deux êtres ne

pensent pas. Est-il bien sûr même qu’ils regardent ? à moins que,

Narcisses de l’imbécillité ; ils ne contemplent la foule comme un

fleuve qui leur rend leur image. En réalité ils existent bien plutôt

pour le plaisir de l’observateur que pour leur plaisir propre.

À porta de um café, apoiando-se nos vidros iluminados por

todos os lados, exibe-se um desses imbecis, cuja elegância

é feita pelo alfaiate e a cabeça, pelo barbeiro. A seu

lado, com os pés apoiados sobre o indispensável tamborete,

está sentada sua amante, mulher bastante leviana, a quem

não falta quase nada (esse quase nada é quase tudo, é a

distinção) para parecer uma grande dama. Como seu belo

companheiro, ela tem todo o orifício da pequena boca

ocupado por um charuto desproporcional. Esses dois seres

não pensam. Será que eles até mesmo olham? A menos que,

Narcisos da imbecilidade, contemplem a multidão como um rio

que lhes devolve a imagem. Na verdade, existem bem mais

para o prazer do observador do que para o próprio prazer.

Voici, maintenant, ouvrant leurs galeries pleines de lumière et de

mouvement, ces Valentinos, ces Casinos, ces Prados (autrefois des

Tivolis, des Idalies, des Folies, des Paphos), ces capharnaüms où

l’exubérance de la jeunesse fainéante se donne carrière. Des femmes

qui ont exagéré la mode jusqu’à en altérer la grâce et en détruire

l’intention, balayent fastueusement les parquets avec la queue de

leurs robes et la pointe de leurs châles ; elles vont, elles

viennent, passent et repassent ; ouvrant un oeil étonné comme celui

des animaux, ayant l’air de ne rien voir, mais examinant tout.

Eis, agora, abrindo suas galerias plenas de luz e de

movimento, esses Valentinos, Cassinos, Prados (outrora

Tívolis, Idálias, Folias, Pafos), esses cafarnauns1 onde a

exuberância da juventude ociosa se manifesta livremente.

Mulheres que exageraram a moda, a ponto de lhe alterar a

graça e lhe destruir a intenção, varrem faustuosamente os

soalhos com a cauda de seus vestidos e a ponta de seus

xales; vão e vêm, passam e repassam, abrindo os olhos

espantados como os dos animais, dando a impressão de nada

verem, mas examinando tudo.

1. “Cafarnaum”, cidade da Galileia, na margem NO do lago de

Tiberíades. No início da er cristã era um porto de pesca e um centro

comercial prospero por onde Jesus frequentemente passava. Tido como

lugar sem ordem, bagunçado.

Page 77: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

74

Sur un fond d’une lumière infernale ou sur un fond d’aurore boréale,

rouge, orangé, sulfureux, rose (le rose révélant une idée d’extase

dans la frivolité), quelquefois violet (couleur affectionnée des

chanoinesses, braise qui s’éteint derrière un rideau d’azur), sur ces

fonds magiques, imitant diversement les feux de Bengale, s’enlève

l’image variée de la beauté interlope. Ici majestueuse, là légère,

tantôt svelte, grêle même, tantôt cyclopéenne ; tantôt petite et

pétillante, tantôt lourde et monumentale. Elle a inventé une élégance

provoquante et barbare, ou bien elle vise, avec plus ou moins de

bonheur, à la simplicité usitée dans un meilleur monde. Elle

s’avance, glisse, danse, roule avec son poids de jupons brodés qui

lui sert à la fois de piédestal et de balancier ; elle darde son

regard sous son chapeau, comme un portrait dans son cadre. Elle

représente bien la sauvagerie dans la civilisation. Elle a sa beauté

qui lui vient du Mal, toujours dénuée de spiritualité, mais

quelquefois teintée d’une fatigue qui joue la mélancolie. Elle porte

le regard à l’horizon, comme la bête de proie ; même égarement, même

distraction indolente, et aussi, parfois, même fixité d’attention.

Type de bohème errant sur les confins d’une société régulière, la

trivialité de sa vie, qui est une vie de ruse et de combat, se fait

fatalement jour à travers son enveloppe d’apparat. On peut lui

appliquer justement ces paroles du maître inimitable, de La Bruyère :

« Il y a dans quelques femmes une grandeur artificielle attachée au

mouvement des yeux, à un air de tête, aux façons de marcher, et qui

ne va pas plus loin. »

Sobre um fundo de luz infernal ou de aurora boreal,

vermelho, alaranjado, sulfuroso, rosa (o rosa revela uma

idéia de êxtase na frivolidade), algumas vezes violeta (cor

preferida das abadessas, brasa que se apaga por trás de uma

cortina de azul), sobre esses fundos mágicos, imitando

diversamente os fogos de Bengala, eleva-se a imagem variada

da beleza equívoca. Aqui majestosa, lá delicada; ora

esbelta, franzina até, ora ciclópica; ora pequena e vivaz,

ora pesada e monumental. Ela inventou uma elegância

provocante e bárbara, ou então aspira, com maior ou menor

felicidade, a simplicidade de praxe na melhor sociedade.

Caminha, desliza, dança e rodopia com seu peso as

crinolinas bordadas que lhe servem ao mesmo tempo de

pedestal e de contrapeso. Lança o olhar por debaixo do

chapéu, como um retrato em sua moldura. Representa

perfeitamente a selvageria na civilização. Ela tem sua

beleza que lhe vem do Mal, sempre desprovida de

espiritualidade, mas por vezes matizada de uma fadiga que

simula a melancolia. Ela dirige o olhar ao horizonte, como

animais caçando; mesma exaltação, mesma distração indolente

e também, às vezes, mesma fixidez de atenção. Espécie de

boêmia errante nos confins de uma sociedade regular, a

trivialidade de sua vida, que é uma vida de astúcia e de

combate, vem à luz fatalmente através de seu invólucro

majestoso. Aplicam-se a ela justamente estas palavras do

Page 78: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

75

mestre inimitável, La Bruyère: “Há em algumas mulheres uma

grandeza artificial ligada ao movimento dos olhos, a um

menear de cabeça, à maneira de andar, que não vai muito

longe”.

Les considérations relatives à la courtisane peuvent jusqu’à un

certain point, s’appliquer à la comédienne ; car, elle aussi, elle

est une créature d’apparat, un objet de plaisir public. Mais ici la

conquête, la proie, est d’une nature plus noble, plus spirituelle. Il

s’agit d’obtenir la faveur générale, non pas seulement par la pure

beauté physique, mais aussi par des talents de l’ordre le plus rare.

Si par un côté la comédienne touche à la courtisane, par l’autre elle

confine au poète. N’oublions pas qu’en dehors de la beauté naturelle,

et même de l’artificielle, il y a dans tous les êtres un idiotisme de

métier, une caractéristique qui peut se traduire physiquement en

laideur, mais aussi en une sorte de beauté professionnelle.

As observações relativas à cortesã podem, até certo ponto,

aplicar-se à atriz, pois ela também é uma criatura de

aparato, um objeto de prazer público. Mas aqui a conquista,

a presa, é de natureza mais nobre e mais espiritual. Trata-

se de obter a consideração geral, mediante não só a pura

beleza física, mas também através de talentos de uma ordem

mais rara. Se de um lado a atriz se aproxima da cortesã,

por outro assemelha-se ao poeta. Não nos esqueçamos de que,

além da beleza natural, e mesmo da artificial, há em todos

os seres um idiotismo de profissão, uma característica que

se pode traduzir fisicamente em feiúra, mas também numa

espécie de beleza profissional.

Au salon

Constantin Guys

Page 79: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

76

Dans cette galerie immense de la vie de Londres et de la vie de

Paris, nous rencontrons les différents types de la femme errante, de

la femme révoltée à tous les étages : d’abord la femme galante, dans

sa première fleur, visant aux airs patriciens, fière à la fois de sa

jeunesse et de son luxe, où elle met tout son génie et toute son âme,

retroussant délicatement avec deux doigts un large pan du satin, de

la soie ou du velours qui flotte autour d’elle, et posant en avant

son pied pointu dont la chaussure trop ornée suffirait à la dénoncer,

à défaut de l’emphase un peu vive de toute sa toilette ; en suivant

l’échelle, nous descendons jusqu’à ces esclaves qui sont confinées

dans ces bouges, souvent décorés comme des cafés ; malheureuses

placées sous la plus avare tutelle, et qui ne possèdent rien en

propre, pas même l’excentrique-parure qui sert de condiment à leur

beauté.

Na galeria imensa da vida londrina e parisiense,

encontramos os diversos tipos da mulher errante, da mulher

revoltada em todos os níveis: inicialmente a mulher

galante, na flor da idade, arrogando-se ares

aristocráticos, orgulhosos ao mesmo tempo de sua juventude

e de seu luxo, no qual ela põe todo o seu engenho e toda a

sua alma, levantando delicadamente com dois dedos uma ampla

faixa de cetim, de seda ou de veludo que esvoaça à sua

volta, e avançando o pé pontiagudo, cujo calçado

excessivamente ornado bastaria para denunciá-la, na falta

da ênfase um pouco viva de toda a sua indumentária;

seguindo a escala, descemos até as escravas, que são

confinadas em pocilgas frequentemente decoradas como bares;

desditadas, mantidas sob a mais severa tutela, e que não

possuem nada de seu, nem mesmo o excêntrico adorno que lhes

serve de condimento à beleza.

Parmi celles-là, les unes, exemples d’une fatuité innocente et

monstrueuse, portent dans leurs têtes et dans leurs regards,

audacieusement levés, le bonheur évident d’exister (en vérité

pourquoi ?). Parfois elles trouvent, sans les chercher, des poses

d’une audace et d’une noblesse qui enchanteraient le statuaire le

plus délicat, si le statuaire moderne avait le courage et l’esprit de

ramasser la noblesse partout, même dans la fange ; d’autres fois

elles se montrent prostrées dans des attitudes désespérées d’ennui,

dans des indolences d’estaminet, d’un cynisme masculin, fumant des

cigarettes pour tuer le temps, avec la résignation du fatalisme

oriental ; étalées, vautrées sur des canapés, la jupe arrondie par

derrière et par devant en un double éventail, ou accrochées en

équilibre sur des tabourets et des chaises ; lourdes, mornes,

stupides, extravagantes, avec des yeux vernis par l’eau-de-vie et des

fronts bombés par l’entêtement. Nous sommes descendus jusqu’au

dernier degré de la spirale, jusqu’à la foemina simplex du satirique

latin. Tantôt nous voyons se dessiner, sur le fond d’une atmosphère

où l’alcool et le tabac ont mêlé leurs vapeurs, le maigreur enflammée

Page 80: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

77

de la phtisie ou les rondeurs de l’adiposité, cette hideuse santé de

la fainéantise. Dans un chaos brumeux et doré, non soupçonné par les

chastetés indigentes, s’agitent et se convulsent des nymphes macabres

et des poupées vivantes dont l’oeil enfantin laisse échapper une

clarté sinistre ; cependant que derrière un comptoir chargé de

bouteilles de liqueurs se prélasse une grosse mégère dont la tête,

serrée dans un sale foulard qui dessine sur le mur l’ombre de ses

pointes sataniques, fait penser que tout ce qui est voué au Mal est

condamné à porter des cornes.

Entre estas, algumas, exemplos de uma enfatuação inocente e

monstruosa, exibem na atitude e nos olhos audaciosamente

erguidos a felicidade evidente de existirem (na verdade,

por quê?). Às vezes assumem sem querer poses de uma audácia

e nobreza que fascinariam o estatuário mais delicado, se

este tivesse a coragem e o espírito de colher a nobreza em

toda a parte, mesmo na lama; outras vezes exibem-se

prostradas em atitudes desesperadas de tédio, em

indolências de botequim, com um cinismo masculino, fumando

cigarros para matar o tempo, com a resignação do fatalismo

oriental; espalhadas, espojadas sobre os canapés, e saia

arredondada atrás e na frente num duplo leque, ou

penduradas em equilíbrio sobre os banquinhos e cadeiras;

pesadas, taciturnas, estúpidas, extravagantes, com os olhos

vítreos devido à aguardente e com as frontes arqueadas pela

obstinação. Descemos até o último degrau da espiral, até o

foemina simplex1 do satírico latino. Ora vemos se destacar,

sobre o fundo de uma atmosfera onde o álcool e o tabaco

misturaram seus vapores, a magreza inflamada da tísica ou

as curvas da adiposidade, essa hedionda saúde de ócio. Num

caos brumoso e dourado, insuspeitado pelas castidades

indigentes, agitam-se e convulsionam-se ninfas macabras e

bonecas vivas cujo olhar infantil deixa escapar uma

claridade sinistra, enquanto atrás de um balcão repleto de

garrafas de licores se emproa uma gorda megera, cuja

cabeça, amarrada num lenço sujo que projeta na parede a

sombra de suas pontas satânicas, faz pensar que tudo o que

é consagrado ao mal está fadado a ter chifres.

1. “foemina simplex”, em latim: “mulher ingênua” ou “mulher pura”.

En vérité, ce n’est pas plus pour complaire au lecteur que pour le

scandaliser que j’ai étalé devant ses yeux de pareilles images ; dans

l’un ou l’autre cas, c’eût été lui manquer de respect. Ce qui les

rend précieuses et les consacre, c’est les innombrables pensées

qu’elles font naître, généralement sévères et noires. Mais si, par

hasard, quelqu’un malavisé cherchait, dans ces compositions de M. G.,

disséminées un peu partout, l’occasion de satisfaire une malsaine

curiosité, je le préviens charitablement qu’il n’y trouvera rien de

ce qui peut exciter une imagination malade. Il ne rencontrera rien

que le vice inévitable, c’est-à-dire le regard du démon embusqué dans

les ténèbres, ou l’épaule de Messaline miroitant sous le gaz ; rien

Page 81: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

78

que l’art pur, c’est-à-dire la beauté particulière du mal, le beau

dans l’horrible. Et même, pour le redire en passant, la sensation

générale qui émane de tout ce capharnaüm contient plus de tristesse

que de drôlerie. Ce qui fait la beauté particulière de ces images,

c’est leur fécondité morale. Elles sont grosses de suggestions, mais

de suggestions cruelles, âpres, que ma plume, bien qu’accoutumée à

lutter contre les représentations plastiques, n’a peut-être traduites

qu’insuffisamment.

Na verdade, não foi para deleitar meu leitor nem para

escandalizá-lo que coloquei diante de seus olhos

Semelhantes imagens; num ou noutro caso, teria sido faltar-

lhe com o respeito. O que as torna preciosas e as consagra

são os inumeráveis pensamentos que despertam, geralmente

severos e sombrios. Mas, se, por acaso, algum impudente

procurasse nessas composições de G., espalhadas em quase

toda parte, a ocasião de satisfazer uma curiosidade malsã,

previno-o caridosamente que nada encontrará que possa

excitar uma imaginação doente. Encontrará apenas o vício

inevitável, isto é, o olhar do demônio emboscado nas

trevas, ou a espádua de Messalina1 resplandecendo sob a luz;

nada, a não ser arte pura, isto é, a beleza particular do

mal, o belo no horrível. E até, para reafirmá-lo de

passagem, a sensação geral que emana de todo esse cafarnaum

contém mais tristeza do que graça. O que confere beleza

particular a essas imagens é sua fecundidade moral. São

ricas em sugestões, mas em sugestões cruéis, ásperas, que

minha pena, embora acostumada a lutar com as representações

plásticas, talvez só insuficientemente tenha traduzido.

1. “Messalina”, Valeria Messalina, imperatriz romana (c. 25 – 48

d.C.). Casou-se com Cláudio e deu-lhe dois filhos, Britânico e

Otávio. Teve uma vida muito devassa.

Page 82: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

79

XIII

Les voitures Os veículos

Ainsi se continuent, coupées par d’innombrables embranchements, ces

longues galeries du high life et du low life. Émigrons pour quelques

instants vers un monde, sinon pur, au moins plus raffiné ; respirons

des parfums, non pas plus salutaires peut-être, mais plus délicats.

J’ai déjà dit que le pinceau de M. G., comme celui d’Eugène Lami,

était merveilleusement propre à représenter les pompes du dandysme et

l’élégance de la lionnerie. Les attitudes du riche lui sont

familières ; il sait, d’un trait de plume léger, avec une certitude

qui n’est jamais en défaut, représenter la certitude de regard, de

geste et de pose qui, chez les êtres privilégiés, est le résultat de

la monotonie dans le bonheur. Dans cette série particulière de

dessins se reproduisent sous mille aspects les incidents du sport,

des courses, des chasses, des promenades dans les bois, les ladies

orgueilleuses, les frêles misses, conduisant d’une main sûre des

coursiers d’une pureté de galbe admirable, coquets, brillants,

capricieux eux-mêmes comme des femmes. Car M. G. connaît non

seulement le cheval général, mais s’applique aussi heureusement à

exprimer la beauté personnelle des chevaux. Tantôt ce sont des haltes

et, pour ainsi dire, des campements de voitures nombreuses, d’où,

hissés sur les coussins, sur les sièges, sur les impériales, des

jeunes gens sveltes et des femmes accoutrées des costumes

excentriques autorisés par la saison, assistent à quelque solennité

du turf qui file dans le lointain ; tantôt un cavalier galope

gracieusement à côté d’une calèche découverte, et son cheval a l’air,

par ses courbettes, de saluer à sa manière. La voiture emporte au

grand trot, dans une allée zébrée d’ombre et de lumière, les beautés

couchées comme dans une nacelle, indolentes, écoutant vaguement les

galanteries qui tombent dans leur oreille et se livrant avec paresse

au vent de la promenade.

Assim prosseguem, cortadas por inumeráveis ramificações,

essas longas galerias do high life e do low life1. Emigremos

por alguns instantes para um mundo, se não puro, pelo menos

mais refinado; respiremos perfumes, não mais salutares,

talvez, porém mais delicados. Já disse que o pincel de G.,

como o de Eugène Lami, era maravilhosamente capaz de

representar as pompas do dandismo e a elegância da

perfidez. As atitudes do rico lhe são familiares; ele sabe,

com um leve traço de pena, com uma segurança infalível,

representar a segurança do olhar, do gesto e da pose que,

nos seres privilegiados, resulta da monotonia na

felicidade. Nessa série particular de desenhos se

reproduzem, sob inúmeros aspectos, os incidentes do

esporte, as corridas, as cenas de caça, os passeios nos

bosques, as ladies orgulhosas, as frágeis misses,

Page 83: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

80

conduzindo com uma mão segura os corcéis de uma pureza

admirável de garbo, coquetes, brilhantes, eles próprios

caprichosos como mulheres. Pois G. conhece não somente o

cavalo em geral, mas dedica-se também com êxito a exprimir

a beleza particular dos cavalos. Ora são as paradas e, por

assim dizer, os acampamentos de numerosas carruagens em que

alçados sobre as almofadas, sobre os bancos e sobre os

tetos, jovens esbeltos e mulheres com roupas excêntricas,

permitidas pela estação, assistem a qualquer solenidade do

turfe que se desenrola ao longe; ora um cavaleiro galopa

graciosamente ao lado de uma caleche descoberta, e seu

cavalo parece, por seus movimentos, saudar à sua maneira. O

veículo leva a galope, numa alameda zebrada de sombra e

luz, as beldades reclinadas como numa barca, indolentes,

escutando vagamente os galanteios que lhe chegam aos

ouvidos e abandonando-se preguiçosamente à brisa do

passeio.

1. Como posto no capítulo IX, “high life” é vida sofisticada, mas

supérflua. A “high life” seria a vida social de um “socialite”, de

um dândi, por exemplo. A “low life”, por sua vez, é a vida marginal,

vulgar.

Un bon petit cigare

Eugène Louis Lami (1800 – 1890)

La fourrure ou la mousseline leur monte jusqu’au menton et déborde

comme une vague par-dessus la portière. Les domestiques sont roides

et perpendiculaires, inertes et se ressemblant tous ; c’est toujours

Page 84: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

81

l’effigie monotone et sans relief de la servilité, ponctuelle,

disciplinée ; leur caractéristique est de n’en point avoir. Au fond,

le bois verdoie ou roussit, poudroie ou s’assombrit, suivant l’heure

et la saison. Ses retraites se remplissent de brumes automnales,

d’ombres bleues, de rayons jaunes, d’effulgences rosées, ou de minces

éclairs qui hachent l’obscurité comme des coups de sabre.

O casaco de pele ou a musselina lhes chega ao queixo e

transborda como uma onda por cima da portinhola. Os criados

estão rígidos e perpendiculares, inertes, uns parecidos com

os outros: é sempre a efígie monótona e sem relevo do

servilismo, pontual e disciplinada; sua característica é a

de não terem nenhuma. Ao fundo, o bosque verdeja ou se

inflama, cobre-se de eflorescências luminosas ou escurece

conforme a hora e a estação. Seus recantos se enchem de

brumas outonais, de sombras azuis, de raios amarelos, de

cintilações róseas ou de estreitos fachos de luz que cortam

a obscuridade como golpes de sabre.

Si les innombrables aquarelles relatives à la guerre d’Orient ne nous

avaient pas montré la puissance de M. G. comme paysagiste, celles-ci

suffiraient à coup sûr. Mais ici, il ne s’agit plus des terrains

déchirés de Crimée, ni des rives théâtrales du Bosphore ; nous

retrouvons ces paysages familiers et intimes qui font la parure

circulaire d’une grande ville, et où la lumière jette des effets

qu’un artiste vraiment romantique ne peut pas dédaigner.

Se as inumeráveis aquarelas relativas à guerra da Criméia

não nos tivessem mostrado a capacidade de G. como

paisagista, estas com certeza seriam suficientes. Mas aqui

já não se trata dos campos dilacerados da Criméia, nem das

margens teatrais do Bósforo; encontramos as paisagens

familiares e íntimas que formam o adorno circular de uma

grande cidade, em que a luz cria efeitos que um artista

verdadeiramente romântico não pode desdenhar.

Au portail de la caserne

Constantin Guys

Page 85: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

82

Un autre mérite qu’il n’est pas inutile d’observer en ce lieu, c’est

la connaissance remarquable du harnais et de la carrosserie. M. G.

dessine et peint une voiture, et toutes les espèces de voitures, avec

le même soin et la même aisance qu’un peintre de marines consommé

tous les genres de navires. Toute sa carrosserie est parfaitement

orthodoxe ; chaque partie est à sa place et rien n’est à reprendre.

Dans quelque attitude qu’elle soit jetée, avec quelque allure qu’elle

soit lancée, une voiture, comme un vaisseau, emprunte au mouvement

une grâce mystérieuse et complexe très difficile à sténographier. Le

plaisir que l’oeil de l’artiste en reçoit est tiré, ce semble, de la

série de figures géométriques que cet objet, déjà si compliqué,

navire ou carrosse, engendre successivement et rapidement dans

l’espace.

Um outro mérito que não é inútil observar aqui é o

conhecimento notável dos arreios e da carroçaria. G.

desenha e pinta uma viatura, e todas as espécies de

viaturas, com o mesmo cuidado e a mesma facilidade que um

consumado pintor de marinhas pinta todas as espécies de

navios. Toda a sua carroçaria é perfeitamente ortodoxa;

cada parte está no seu devido lugar e não há nada a

corrigir. Seja qual for a posição ou a velocidade em que

ela for lançada, uma viatura, como um navio, recebe do

movimento uma graça misteriosa e complexa, dificílima de

registrar. O prazer que o olhar do artista dela recebe

decorre, ao que parece, da série de figuras geométricas que

esse objeto, já tão complicado — navio ou carruagem —,

engendra de forma rápida e sucessiva no espaço.

La promenade de l’Empereur

Constantin Guys

Nous pouvons parier à coup sûr que, dans peu d’années, les dessins de

M. G. deviendront des archives précieuses de la vie civilisée. Ses

Page 86: Le peintre de la vie moderne   baudelaire

83

oeuvres seront recherchées par les curieux autant que celles des

Debucourt, des Moreau, des Saint-Aubin, des Carle Vernet, des Lami,

des Devéria, des Gavarni, et de tous ces artistes exquis qui, pour

n’avoir peint que le familier et le joli, n’en sont pas moins, à leur

manière, de sérieux historiens. Plusieurs d’entre eux ont même

sacrifié au joli, et introduit quelquefois dans leurs compositions un

style classique étranger au sujet ; plusieurs ont arrondi

volontairement des angles, aplani les rudesses de la vie, amorti ces

fulgurants éclats. Moins adroit qu’eux, M. G. garde un mérite profond

qui est bien à lui : il a rempli volontairement une fonction que

d’autres artistes dédaignent et qu’il appartenait surtout à un homme

du monde de remplir ; il a cherché partout la beauté passagère,

fugace, de la vie présente, le caractère de ce que le lecteur nous a

permis d’appeler la modernité. Souvent bizarre, violent, excessif,

mais toujours poétique, il a su concentrer dans ses dessins la saveur

amère ou capiteuse du vin de la Vie.

Podemos apostar com toda certeza que, dentro de alguns

anos, os desenhos de G. se tornarão arquivos preciosos da

vida civilizada. Suas obras serão procuradas pelos curiosos

tanto quanto as dos Debucourt, dos Moreau, dos Saint-Aubin,

dos Carle Vernet, dos Lami, dos Devéria, dos Gavarni, e de

todos esses artistas excelentes que, por terem pintado

somente o familiar e o belo, não deixam de ser, a seu modo,

sérios historiadores. Vários deles fizeram inclusive muitas

concessões ao belo e introduziram algumas vezes em suas

composições um estilo clássico alheio ao tema; vários

arredondaram voluntariamente os ângulos, aplainaram as

asperezas da vida, amorteceram-lhe as fulgurantes

explosões. Menos hábil do que estes, G. tem um mérito

profundo que lhe é peculiar; desempenhou voluntariamente

uma função que outros artistas desdenharam e que cabia

sobretudo a um homem do mundo preencher. Ele buscou por

toda a parte a beleza passageira e fugaz da vida presente,

o caráter daquilo que o leitor nos permitiu chamar de

Modernidade. Frequentemente estranho, violento e excessivo,

mas sempre poético, ele soube concentrar em seus desenhos o

sabor amargo ou capitoso do vinho da Vida.