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1 Linguagem e Estilo Queirosiano (Cf. Pág. 251-253 Manual Português 11º - Santillana) «Eça de Queirós é um dos dois ou três grandes artistas que mais modelam a língua portuguesa, e pode dizer-se que das suas mãos saíram a técnica e os paradigmas estilísticos ainda hoje mais correntes na nossa língua literária.» António José Saraiva e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa A prosa queirosiana é detentora de um estilo muito característico e singular, em que se evidenciam alguns recursos expressivos, que se enunciam de seguida: O ADJETIVO O adjetivo é um dos recursos mais habilmente utilizados por Eça de Queirós, de forma criativa e inovadora, recorrendo, com frequência, à adjetivação dupla e tripla ou jogando com a expressividade ou a sonoridade das palavras. Adjectivação Expressividade Exemplos Simples Animiza dados objetivos «por cima uma tímida fila de janelinhas» «casarão de paredes severas» Valor adverbial « Carlos […] deu uma volta curiosa e lenta pela sala.» Dupla Exprime as duas faces da realidade: a objetiva e a subjetiva. «fértil e estúpida província espanhola…» «os seus dois olhos redondos e agoirentos» Tripla Vários adjetivos para caracterizar a mesma realidade e enfatizar a perspetiva particular de contemplação e avaliação do mundo. «traziam [Pedro] dias e dias mudo, murcho, amarelo…» «longos, espessos, românticos bigodes grisalhos» O ADVÉRBIO A superlativação dos atributos através de formas convencionais (tão, muito, assaz, etc. ou com os sufixos –íssimo e –érrimo) é substituída por advérbios, conferindo um aspeto novo e pitoresco. Adverbiação Expressividade Exemplos Simples Com efeito de superlativação. «Ser verdadeiramente ditoso» Dupla Semelhante ao adjetivo, em que um dos advérbios aponta para uma realidade mais emocional. «Cruges respirava largamente, voluptuosamente» Tripla Intenção fónica e rítmica. «Ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro.» Colégio do Amor de Deus – Cascais Português 11º ano

Linguagem e estilo queirosiano

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Page 1: Linguagem e estilo queirosiano

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Linguagem e Estilo Queirosiano (Cf. Pág. 251-253 Manual Português 11º - Santillana)

«Eça de Queirós é um dos dois ou três grandes artistas que mais modelam a língua portuguesa, e pode dizer-se que das suas mãos saíram a técnica e os paradigmas estilísticos ainda hoje mais correntes na nossa língua literária.»

António José Saraiva e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa

A prosa queirosiana é detentora de um estilo muito característico e singular, em que se evidenciam alguns recursos expressivos, que se enunciam de seguida:

O ADJETIVO

O adjetivo é um dos recursos mais habilmente utilizados por Eça de Queirós, de forma criativa e inovadora, recorrendo, com frequência, à adjetivação dupla e tripla ou jogando com a expressividade ou a sonoridade das palavras.

Adjectivação Expressividade Exemplos

Simples Animiza dados objetivos «por cima uma tímida fila de janelinhas»

«casarão de paredes severas»

Valor adverbial « Carlos […] deu uma volta curiosa e lenta pela sala.»

Dupla Exprime as duas faces da realidade: a objetiva e a subjetiva.

«fértil e estúpida província espanhola…»

«os seus dois olhos redondos e agoirentos»

Tripla Vários adjetivos para caracterizar a mesma realidade e enfatizar a perspetiva particular de contemplação e avaliação do mundo.

«traziam [Pedro] dias e dias mudo, murcho, amarelo…»

«longos, espessos, românticos bigodes grisalhos»

O ADVÉRBIO

A superlativação dos atributos através de formas convencionais (tão, muito, assaz, etc. ou com os sufixos –íssimo e –érrimo) é substituída por advérbios, conferindo um aspeto novo e pitoresco.

Adverbiação Expressividade Exemplos

Simples Com efeito de superlativação. «Ser verdadeiramente ditoso»

Dupla Semelhante ao adjetivo, em que um dos advérbios aponta para uma realidade mais emocional.

«Cruges respirava largamente, voluptuosamente»

Tripla Intenção fónica e rítmica. «Ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro.»

C o l é g i o d o A m o r d e D e u s – C a s c a i s P o r t u g u ê s 1 1 º a n o

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O VERBO

Expressividade Exemplos

Verbo

Derivados de cor, de modo a provocar um efeito impressionista

«estátua de mármore […] enegrecendo a um canto»

Sentido metafórico « os dois olhos do velho […] caíram sobre ele, ficaram sobre ele, varando-o até às profundidades da alma, lendo lá o seu segredo.»

Animização « o alto repuxo cantava» « as paredes […] onde já desmaiavam as rosas das grinaldas e as faces dos cupidinhos.»

Uso do gerúndio Permite evitar as orações relativas; confere um sentido de duração, continuidade aos acontecimentos relatados; retarda a ação e dá lugar às descrições.

«Ega andava-se formando em Direito, mas devagar, muito pausadamente – ora reprovado, ora perdendo o ano.»

Criação de neologismos Conferir um sentido cómico ou irónico «na Havanesa fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.»

FIGURAS DE ESTILO

Adverbiação Expressividade Exemplos

Ironia Crítica e ridicularização da sociedade lisboeta da 2ª metade do séc. XIX.

«O Eusébiozinho foi então preciosamente colocado ao lado da titi.»

Metáfora Caracterizar, caricaturar as personagens, ambientes, etc.

«barba de neve aguda e longa.» «o jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de Inverno»

Aliteração (repetição intencional de

sons consonânticos)

Expressar através da musicalidade de certos sons a ideia que quer transmitir.

«passos lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete.»

Hipálage (inversão de sentido em que se transfere para uma palavra uma característica que, na realidade, pertence a outra.)

Forma impressionista do autor captar a realidade

«passou os dedos lentos pela testa» «tomava naquele fim de tarde um tom mais pensativo e triste»

Sinestesia (mistura de sensações que

pertencem a sentidos diferentes)

«e transparentes novos de um escarlate estridente.» (sensação visual e auditiva)

IMPRESSIONISMO LITERÁRIO

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Impressionismo Literário Exemplos

Incidência nas qualidades visuais ao nível da cor e da luz.

«avistou uma claridade que se movia no fundo do quarto. […] o clarão chegava, crescendo; a luz surgiu – e com ela o avô Afonso atravessou o patamar, onde a luz sobre o veludo espalhava um tom de sangue».

Acentuação de traços visíveis nas personagens (o que, frequentemente,

produz um efeito de ironia)

«passava horas à banca de Carlos, aplicado e vermelho, com a ponta da língua de fora, o olho redondo.»

Anteposição da característica cromática ou luminosa do objeto, ao próprio

objeto.

«entre as velas do piano, que lhe punham um traço de luz no perfil puro e tons de ouro e esfiado no cabelo, o incomparável ebúrneo da sua pele ganhava um esplendor e mimo.»

OUTROS RECURSOS E PROCESSOS ESTILÍSTICOS

Expressividade Exemplos

Empréstimos (antigos estrangeirismos)

Criticar a sociedade lisboeta, deslumbrada com a língua, a moda e os hábitos franceses e ingleses.

«ao fundo da sua adresse» «cavaquear com o high life»

Caricatura Na construção das personagens-tipo é, com frequência, utilizada a caricatura, através do exagero dos traços físicos, de vestuário, de linguagem, psicológicos ou comportamentais.

Dâmaso Cândido de Salcede «bochecha corada, camélia na casaca, exibindo botões de punho que eram duas enormes bolas.» (pp.188-189)

Diminutivo Normalmente, com sentido irónico, pejorativo e de caricatura.

«Carlos cumprimentou as duas irmãs do Taveira magrinhas, loirinhas, ambas correctamente vestidas de xadrezinho.»

Contraste O contraste entre personagens ou situações é recorrente na obra.

Carlos Vs. Eusébiozinho (pp. 156-161) Carlos Vs. Dâmaso (pp. 173-175)

Discurso Indireto Livre (cf. Pág.252 – Manual)

Resulta da mistura do discurso directo e indirecto. No discurso indirecto livre quem “fala” é o

locutor-relator, mas incorpora no seu discurso palavras ditas pelo

primeiro locutor (entoações, exclamações e outros processos expressivos próprios do discurso directo), sem recorrer ao verbo

subordinante (introdutor do relato do discurso) que introduz a frase

subordinada substantiva completiva no discurso indirecto, embora mantenha as mudanças

características do discurso indireto (morfossintáticas e

deíticas).

Permite fazer ouvir falar e pensar as personagens; quebra a monotonia do discurso e confere maior vivacidade, já que é uma linguagem mais próxima da falada.

«Maria, que procurava os «nocturnos» de Chopin, voltou-se: - É esse grande orador de que falavam na Toca? Não, não! Esse era outro, a sério, um amigo de Coimbra, o José Clemente, homem de eloquência e de pensamento…Este Rufino era um ratão de pêra grande, […] e sublime nessa arte, antigamente nacional e hoje mais particularmente provinciana, de arranjar, numa voz de teatro e de papo, combinações sonoras de palavras…