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1 Projeto: Módulo 1I / 2016.2 PIBID-UEPB/LETRAS Nome:___________________________________________________________________________Série:___ Endereço:_________________________________________________________________________Nº:_____ E-mail:___________________________________________________________Telefone:________________

Módulo 2016.2

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1

Projeto:

Módulo 1I / 2016.2

PIBID-UEPB/LETRAS

Nome:___________________________________________________________________________Série:___

Endereço:_________________________________________________________________________Nº:_____

E-mail:___________________________________________________________Telefone:________________

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Universidade Estadual da Paraíba-UEPB

Programa institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-PIBID

Subprojeto Letras-Língua Portuguesa

Escola de Atuação: E.E.E.F.M Caic José Joffily

Coordenadora de Área: Magliana Rodrigues da Silva

Supervisora: Alessandra Magda de Miranda

Docentes: Benilde Cassandra

Fernanda Félix

Flávia Roberta

Joseilma Barros

Projeto:

Nas Trilhas da Língua Portuguesa: o texto em foco

Título: A CULTURA POPULAR NORDESTINA, NO FOLHETO SE

ETERNIZA!

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UMA MENSAGEM PARA VOCÊ:

Caro (a)aluno(a),

O Projeto Nas Trilhas da Língua Portuguesa: o texto em foco tem a

honra de recebê-lo(a) como integrante da nossa equipe. Hoje, você faz parte

do projeto que a cada dia obtém melhores resultados do trabalho desenvolvido

nas escolas selecionadas. Esperamos que aproveite ao máximo essa oportunidade

que surgiu em sua vida.

Este módulo contém uma coletânea de textos e de informações

relacionadas à Língua Portuguesa, cujo objetivo é servir de apoio para as

discussões e análises a serem realizadas neste primeiro período. Iniciaremos

refletindo um pouco sobre a importância da leitura e sobre a nossa cultura,

que deve ser valorizada e enaltecida, pois foi e é berçoe inspiração para vários

nomes reconhecidos nacionalmente. Neste viés, buscaremos conhecer e estudar

o gênero que é nosso símbolo regional, e que melhor retrata nosso povo e

cultura, e qual melhor exemplo para isso, se não o folheto, vulgo, cordel?

Esperamos contar com a sua presença durante todo o ano, para

podermos juntos desenvolver ainda mais os nossos conhecimentos, tanto a

respeito do estado, quanto sobre a língua portuguesa. Sendo assim, organize

sua bagagem, deixe um espaço para o conhecimento e vamos embarcar nessa

viagem trilhando caminhos paraibanos!

Atenciosamente:

As professoras

CONTATOS DO PROJETO:

Blog: http://nastrilhasdalinguaportuguesa.blogspot.com.br/

Página: https://www.facebook.com/nastrilhasdalinguaportuguesauepb?fref=ts

Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/NasTrilhasdaLinguaPortuguesa?fref=ts

Grupo no Whatsapp:Alunos do Pibid. Administradores: Joseilma (83)99190-1981;

Fernanda (83)99193-4839; Benilde (83) 98737-6681; Flávia: (83) 99654-1437

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LEITURA, PRA QUE TE QUERO?

LER FAZ BEM – Juarês Alencar

Ler faz bem a todos

amplia nossa visão

deve estar no dia-a-dia

de quem faz a educação

esse é maior recurso

faça essa lição

Com a leitura viajamos

além da imaginação

abrimos novos horizontes

vencendo a limitação

tornando-se um grande farol

que indica a direção

A leitura nos instrui

também é diversão

eleva a auto-estima

nos traz orientação

desenvolve o senso crítico

e forma o cidadão

Você que não gosta de ler

vamos mudar essa história

desenvolva a leitura

melhore sua oratória

esse é o meu conselho

arquive em sua memória

Vença esse desafio

seja um grande leitor

é uma missão do aluno

e também do professor

de todos que querem na vida

ser um grande vencedor.

Disponível em: http://juaresdocordel.blogspot.com.br/2009/04/leitura-abre-as-portas-do-

conhecimento.html

Page 5: Módulo   2016.2

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PLURALIDADE CULTURAL

– Juarês Alencar

O nosso país é exemplo

Da grande diversidade

Por sua rica cultura

Sinal de brasilidade

Com todas as diferenças

Mostra a sua pluralidade.

Terra dos muitos sotaques

Cores e manifestações

E com as várias etnias

Preservando as tradições

As diferenças existem

Entre as várias regiões.

Nordestino fala oxente

Que é próprio da região

O mineiro fala uai...

Com muita satisfação

O gaucho já fala thê

E numa forte expressão.

Com todas as etnias

Que presentes aqui estão

O negro, branco e índio

Formaram esta nação

Os brasileiros são frutos

Desta miscigenação.

O Brasil é um grande palco

De bela apresentação

Do frevo, samba e forró

Carnaval e folião

Ciranda e Coco de roda

Xote, xaxado e baião.

É o país do futebol

Do ritmo e religião

Do regue e bumba meu boi

Presentes no Maranhão

Do alegre axé da Bahia

Com toda a animação.

Tem a festa do divino

Que é muito popular

Tem a folia de reis

Maracatu pra dançar

Além da bela catira

E o belo boi bumbá.

A nossa cultura é rica

Pois tem forte tradição

Na música e na poesia

E também na religião

Carnaval e futebol

É verdadeira paixão.

A cultura religiosa

Demonstra a fé popular

Romarias a padre Cícero

Grande Sírio no Pará

Procissão do fogaréu

Faz Goiás iluminar.

Terra das vaquejadas

Das festas de apartação

Famosas pegas de boi

Que existem no sertão

Vaqueiros e repentistas

Fazem sua louvação.

As festas de boiadeiros

De cowboy e de peão

Grande festa de rodeio

CULTURA

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Que causa admiração

Com locutores famosos

Que falam com emoção.

Famosas festas juninas

É uma grande tradição

No nordeste brasileiro

É a maior animação

Fogueira e milho assado

Quadrilha, forró e quentão.

Lá pras banda da Amazônia

Bem no meio da floresta

Caprichoso e Garantido

Fazem a maior festa

Os turistas que lá vão

Diz não ter outra como esta.

Esse é o país da alegria

É cheio de sonoridade

Tem rimo de todo jeito

Forte musicalidade

Sendo um misto de beleza

É sua própria identidade.

Terra dos vários sabores

Com culinária aprovada

Pamonha e acarajé

Pé de moleque, feijoada

Baião de dois, tapioca

Carne de sol, galinhada.

Tem pato no tucupi

E também no tacacá

Tem churrasco com fartura

E o gostoso mungunzá

O chimarrão lá no sul

E na Bahia o vatapá.

Nossa cultura é marcada

Pelos afro-descendentes

Um povo de muita garra

E de coração valente

Que migraram lá da África

Para o nosso continente.

Os nativos do Brasil

Ameríndios brasileiros

Foram quase exterminados

Pelos brancos estrangeiros

Relutaram e sobrevivem

Povo forte e verdadeiro.

Amamos esse Brasil

ETA país arretado

Expresso em alta voz

Falo pra todo lado

Não importa a região

Nem tão pouco o Estado.

Pode ser aqui no Norte

Ou também lá no Nordeste

Até no longínquo Sul

Ou lá no rico Sudeste

Em todo lugar é bom

Inclusive o Centro-oeste.

Em todo lugar é bom

Dá gosto aqui viver

Esse país é tão grande

Tem riquezas pra valer

E pra ele ser melhor

Falta à corrupção varrer.

Esse é um breve relato

Da nossa pluralidade

O Brasil é um país

Que tem sua identidade

Mostra em todos os ritmos

A sua originalidade.

Disponível em: http://juaresdocordel.blogspot.com.br/2014/04/pluralidade-cultural.html

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REPORTAGENS SOBRE

LEANDRO GOMES DE BARROS:

Conheça Leandro Gomes de Barros, o pai do

cordel no Brasil - Globo Rural 02/01/2011 (2º

Bloco)

Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=ukzY-

qG5p2g9:11 min

Sesquicentenário do poeta Leandro Gomes de

Barros

Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=CvHv005bNtw

7:00 min

O cavalo que defecava dinheiro – Leandro Gomes De Barros

Na cidade de Macaé

Antigamente existia

Um duque velho invejoso

Que nada o satisfazia

Desejava possuir

Todo objeto que via

Esse duque era compadre

De um pobre muito

atrasado

Que morava em sua terra

Num rancho todo

estragado

Sustentava seus filhinhos

Na vida de alugado.

Se vendo o compadre

pobre

Naquela vida privada

Foi trabalhar nos

engenhos

Longe da sua morada

Na volta trouxe um cavalo

Que não servia pra nada

Disse o pobre à mulher:

— Como havemos de

passar?

O cavalo é magro e velho

Não pode mais trabalhar

Vamos inventar um

"quengo"

Pra ver se o querem

comprar.

Foi na venda e de lá

trouxe

Três moedas de cruzado

Sem dizer nada a ninguém

Para não ser censurado

No fiofó do cavalo

Foi o dinheiro guardado

Do fiofó do cavalo

Ele fez um mealheiro

Saiu dizendo: — Sou rico!

Inda mais que um

fazendeiro,

Porque possuo o cavalo

Que só defeca dinheiro.

Quando o duque velho

soube

Que ele tinha esse cavalo

Disse pra velha duquesa:

—Amanhã vou visitá-lo

Se o animal for assim

Faço o jeito de comprá-lo!

Saiu o duque vexado

Fazendo que não sabia,

Saiu percorrendo as terras

Como quem não conhecia

Foi visitar a choupana,

Onde o pobre residia.

Chegou salvando o

compadre

Muito desinteressado:

— Compadre, Como lhe

vai?

Onde tanto tem andado?

Há dias que lhe vejo

Parece está melhorado...

—É muito certo compadre

Ainda não melhorei

Porque andava por fora

Faz três dias que cheguei

Mas breve farei fortuna

Com um cavalo que

comprei.

—Se for assim, meu

compadre

Você está muito bem!

É bom guardar o segredo,

O CORDEL É ESTRANGEIRO, MAS O FOLHETO É BRASILEIRO!

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Não conte nada a

ninguém.

Me conte qual a vantagem

Que este seu cavalo tem?

Disse o pobre: —Ele está

magro

Só o osso e o couro,

Porém tratando-se dele

Meu cavalo é um tesouro

Basta dizer que defeca

Níquel, prata, cobre e

ouro!

Aí chamou o compadre

E saiu muito vexado,

Para o lugar onde tinha

O cavalo defecado

O duque ainda encontrou

Três moedas de cruzado.

Então exclamou o velho:

— Só pude achar essas

três!

Disse o pobre: — Ontem à

tarde

Ele botou dezesseis!

Ele já tem defecado,

Dez mil réis mais de uma

vez.

—Enquanto ele está

magro

Me serve de mealheiro.

Eu tenho tratado dele

Com bagaço do terreiro,

Porém depois dele gordo

Não quem vença o

dinheiro...

Disse o velho: — meu

compadre

Você não pode tratá-lo,

Se for trabalhar com ele

É com certeza matá-lo

O melhor que você faz

É vender-me este cavalo!

— Meu compadre, este

cavalo

Eu posso negociar,

Só se for por uma soma

Que dê para eu passar

Com toda minha família,

E não precise trabalhar.

O velho disse ao

compadre:

— Assim não é que se faz

Nossa amizade é antiga

Desde os tempo de seus

pais

Dou-lhe seis contos de

réis

Acha pouco, inda quer

mais?

— Compadre, o cavalo é

seu!

Eu nada mais lhe direi,

Ele, por este dinheiro

Que agora me sujeitei

Para mim não foi vendido,

Faça de conta que te dei!

O velho pela ambição

Que era descomunal,

Deu-lhe seis contos de réis

Todo em moeda legal

Depois pegou no cabresto

E foi puxando o animal.

Quando ele chegou em

casa

Foi gritando no terreiro:

— Eu sou o homem mais

rico

Que habita o mundo

inteiro!

Porque possuo um cavalo

Que só defeca dinheiro!

Pegou o dito cavalo

Botou na estrebaria,

Milho, farelo e alface

Era o que ele comia

O velho duque ia lá,

Dez, doze vezes por dia...

Aí o velho zangou-se

Começou loga a falar:

—Como é que meu

compadre

Se atreve a me enganar?

Eu quero ver amanhã

O que ele vai me contar.

Porém o compadre pobre,

(Bicho do quengo lixado)

Fez depressa outro plano

Inda mais bem arranjado

Esperando o velho duque

Quando viesse zangado...

O pobre foi na farmácia

Comprou uma

borrachinha

Depois mandou encher ela

Com sangue de uma

galinha

E sempre olhando a

estrada

Pré ver se o velho vinha.

Disse o pobre à mulher:

— Faça o trabalho direito

Pegue esta borrachinha

Amarre em cima do peito

Para o velho não saber,

Como o trabalho foi feito!

Quando o velho aparecer

Na volta daquela estrada,

Você começa a falar

Eu grito: —Oh mulher

danada!

Quando ele estiver bem

perto,

Eu lhe dou uma facada.

Porém eu dou-lhe a facada

Em cima da borrachinha

E você fica lavada

Com o sangue da galinha

Eu grito: —Arre danada!

Nunca mais comes

farinha!

Quando ele ver você

morta

Parte para me prender,

Então eu digo para ele:

—Eu dou jeito ela viver,

O remédio tenho aqui,

Faço para o senhor ver!

—Eu vou buscar a rabeca

Começo logo a tocar

Você então se remaxa

Como quem vai melhorar

Com pouco diz: —Estou

boa

Já posso me levantar.

Quando findou-se a

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conversa

Na mesma ocasião

O velho ia chegando

Aí travou-se a questão

O pobre passou-lhe a faca,

Botou a mulher no chão.

O velho gritou a ele

Quando viu a mulher

morta:

Esteja preso, bandido!

E tomou conta da porta

Disse o pobre: —Vou

curá-la!

Pra que o senhor se

importa?

—O senhor é um bandido

Infame de cara dura

Todo mundo apreciava

Esta infeliz criatura

Depois dela assassinada,

O senhor diz que tem

cura?

Compadre, não admito

O senhor dizer mais nada,

Não é crime se matar

Sendo a mulher malcriada

E mesmo com dez

minutos,

Eu dou a mulher curada!

Correu foi ver a rabeca

Começou logo a tocar

De repente o velho viu

A mulher se endireitar

E depois disse: —Estou

boa,

Já posso me levantar...

O velho ficou suspenso

De ver a mulher curada,

Porém como estava vendo

Ela muito ensanguentada

Correu ela, mas não viu,

Nem o sinal da facada.

O pobre entusiasmado

Disse-lhe: —Já conheceu

Quando esta rabeca estava

Na mão de quem me

vendeu,

Tinha feito muitas curas

De gente que já morreu!

No lugar onde eu estiver

Não deixo ninguém

morrer,

Como eu adquiri ela

Muita gente quer saber

Mas ela me está tão cara

Que não me convém

dizer.

O velho que tinha vindo

Somente propor questão,

Por que o cavalo velho

Nunca botou um tostão

Quando viu a tal rabeca

Quase morre de ambição.

—Compadre, você

desculpe

De eu ter tratado assim

Porque agora estou certo

Eu mesmo fui o ruim

Porém a sua rabeca

Só serve bem para mim.

—Mas como eu sou um

homem

De muito grande poder

O senhor é um homem

pobre

Ninguém quer o conhecer

Perca o amor da rabeca...

Responda se quer vender?

—Porque a minha mulher

Também é muito

estouvada

Se eu comprar esta rabeca

Dela não suporto nada

Se quiser teimar comigo,

Eu dou-lhe uma facada.

—Ela se vê quase morta

Já conhece o castigo,

Mas eu com esta rabeca

Salvo ela do perigo

Ela daí por diante,

Não quer mais teimar

comigo!

Disse-lhe o compadre

pobre:

—O senhor faz muito

bem,

Quer me comprar a rabeca

Não venderei a ninguém

Custa seis contos de réis,

Por menos nem um

vintém.

O velho muito contente

Tornou então repetir:

—A rabeca já é minha

Eu preciso a possuir

Ela para mim foi dada,

Você não soube pedir.

Pagou a rabeca e disse:

—Vou já mostrar a

mulher!

A velha zangou-se e disse:

—Vá mostrar a quem

quiser!

Eu não quero ser culpada

Do prejuízo que houver.

—O senhor é mesmo um

velho

Avarento e interesseiro,

Que já fez do seu cavalo

Que defecava dinheiro?

—Meu velho, dê-se a

respeito,

Não seja tão embusteiro.

O velho que confiava

Na rabeca que comprou

Disse a ela: —Cale a

boca!

O mundo agora virou

Dou-lhe quatro

punhaladas,

Já você sabe quem sou.

Ele findou as palavras

A velha ficou teimando,

Disse ele: —Velha dos

diabos

Você ainda está falando?

Deu-lhe quatro

punhaladas

Ela caiu arquejando...

O velho muito ligeiro

Foi buscar a rabequinha,

Ele tocava e dizia:

—Acorde, minha

velhinha!

Porém a pobre da velha,

Nunca mais comeu

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farinha.

O duque estava pensando

Que sua mulher tornava

Ela acabou de morrer

Porém ele duvidava

Depois então conheceu

Que a rabeca não

prestava.

Quando ele ficou certo

Que a velha tinha morrido

Boto os joelhos no chão

E deu tão grande gemido

Que o povo daquela casa

Ficou todo comovido.

Ele dizia chorando:

—Esse crime hei de

vingá-lo

Seis contos desta rabeca

Com outros seis do cavalo

Eu lá não mando

ninguém,

Porque pretendo matá-lo.

Mandou chamar dois

capangas:

—Me façam um surrão

bem feito

Façam isto com cuidado

Quero ele um pouco

estreito

Com uma argola bem

forte,

Pra levar este sujeito!

Quando acabar de fazer

Mande este bandido

entrar,

Para dentro do surrão

E acabem de costurar

O levem para o rochedo,

Para sacudi-lo no mar.

Os homens eram dispostos

Findaram no mesmo dia,

O pobre entrou no surrão

Pois era o jeito que havia

Botaram o surrão nas

costas

E saíram numa folia.

Adiante disse um

capanga:

—Está muito alto o rojão,

Eu estou muito cansado,

Botemos isto no chão!

Vamos tomar uma pinga,

Deixe ficar o surrão.

&mdashEstá muito bem,

companheiro

Vamos tomar a bicada!

(Assim falou o capanga

Dizendo pro camarada)

Seguiram ambos pra

venda

Ficando além da estrada...

Quando os capangas

seguiram

Ele cá ficou dizendo:

—Não caso porque não

quero,

Me acho aqui padecendo...

A moça é milionária

O resto eu bem

compreendo!

Foi passando um

boiadeiro

Quando ele dizia assim,

O boiadeiro pediu-lhe:

—Arranje isto pra mim

Não importa que a moça

Seja boa ou ruim!

O boiadeiro lhe disse:

—Eu dou-lhe de mão

beijada,

Todos os meus possuídos

Vão aqui nessa boiada...

Fica o senhor como dono,

Pode seguir a jornada!

Ele condenado à morte

Não fez questão, aceitou,

Descoseu o tal surrão

O boiadeiro entrou

O pobre morto de medo

Num minuto costurou.

O pobre quando se viu

Livre daquela enrascada,

Montou-se num bom

cavalo

E tomou conta da boiada,

Saiu por ali dizendo:

—A mim não falta mais

nada.

Os capangas nada viram

Porque fizeram ligeiro,

Pegaram o dito surrão

Com o pobre do boiadeiro

Voaram de serra abaixo

Não ficou um osso inteiro.

Fazia dois ou três meses

Que o pobre negociava

A boiada que lhe deram

Cada vez mais aumentava

Foi ele um dia passar,

Onde o compadre

morava...

Quando o compadre viu

ele

De susto empalideceu;

—Compadre, por onde

andava

Que agora me apareceu?!

Segundo o que me parece,

Está mais rico do que eu...

—Aqueles seus dois

capangas

Voaram-me num lugar

Eu caí de serra abaixo

Até na beira do mar

Aí vi tanto dinheiro,

Quanto pudesse apanhar!..

—Quando me faltar

dinheiro

Eu prontamente vou ver.

O que eu trouxe não é

pouco,

Vai dando pra eu viver

Junto com a minha

família,

Passar bem até morrer.

—Compadre, a sua

riqueza

Diga que fui eu quem dei!

Pra você recompensar-me

Tudo quanto lhe arranjei,

É preciso que me bote

No lugar que lhe botei!..

Disse-lhe o pobre: —Pois

não,

Estou pronto pra lhe

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mostrar!

Eu junto com os capangas

Nós mesmo vamos levar

E o surrão de serra abaixo

Sou eu quem quero

empurrar!..

O velho no mesmo dia

Mandou fazer um surrão.

Depressa meteu-se nele,

Cego pela ambição

E disse: —Compadre eu

estou

À tua disposição.

O pobre foi procurar

Dois cabras de confiança

Se fingindo satisfeito

Fazendo a coisa bem

mansa

Só assim ele podia,

Tomar a sua vingança.

Saíram com este velho

Na carreira, sem parar

Subiram de serra acima

Até o último lugar

Daí voaram o surrão

Deixaram o velho

embolar...

O velho ia pensando

De encontrar muito

dinheiro,

Porém secedeu com ele

Do jeito do boiadeiro,

Que quando chegou

embaixo

Não tinha um só osso

inteiro.

Este livrinho nos mostra

Que a ambição nada

convém

Todo homem ambicioso

Nunca pode viver bem,

Arriscando o que possui

Em cima do que já tem.

Cada um faça por si,

Eu também farei por mim!

É este um dos motivos

Que o mundo está ruim,

Porque estamos cercados

Dos homens que pensam

assim.

Disponível em:https://pt.wikisource.org/wiki/O_cavalo_que_defecava_dinheiro

A literatura de cordel

No Brasil cordel é sinônimo de poesia popular em verso. As histórias de

batalhas, amores, sofrimentos, crimes, fatos políticos e sociais do país e do mundo, as

famosas disputas entre cantadores, fazem parte de diversos tipos de texto em verso

denominados literatura de cordel.

Os primeiros escritores de folhetos que saíram do campo em direção às cidades

levavam consigo a esperança por melhores dias e as lembranças de contos e histórias de

príncipes e princesas, reinos distantes, homens valentes e mocinhas indefesas, além das

canções dos violeiros e repentistas que viajavam pelas fazendas animando festas e

desafiando outros cantadores. Vivendo nas cidades os poetas começaram a transpor para

o papel todo este universo de experiências. Além de contos e cantorias de viola, estavam

guardados na memória o som dos maracatus, dos reisados, do coco e da embolada. É

essa cultura, influenciada pelos ritmos afro-brasileiros, pela mistura entre rituais

sagrados e profanos, que faz do cordel uma produção cultural distinta das outras.

O folheto vai para as ruas e praças e é vendido por homens que ora declamam os

versos, ora cantam em toadas semelhantes às tocadas pelos repentistas. São nordestinos

pobres e semialfabetizados que entram no mundo da escrita, das tipografias, da

transmissão escrita e não apenas oral. A poesia popular, antes restrita ao universo

familiar e a grupos sociais colocados à margem da sociedade (moradores pobres de vilas

e fazendas, ex-escravos, pequenos comerciantes etc.), ultrapassa fronteiras, ocupa

espaços outrora reservados aos escritores e homens de letras do país.

Da literatura de folheto à literatura de cordel

Page 12: Módulo   2016.2

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A expressão “literatura de cordel” foi inicialmente empregada pelos estudiosos

da nossa cultura para designar os folhetos vendidos nas feiras, sobretudo em pequenas

cidades do interior do Nordeste, em uma aproximação com o que acontecia em terras

portuguesas. Em Portugal, eram chamados cordéis os livros impressos em papel barato,

vendidos em feiras, praças e mercados.

Os cordéis portugueses, diferentemente dos folhetos brasileiros, eram escritos e

lidos por pessoas que pertenciam às camadas médias da população: advogados,

professores, militares, padres, médicos, funcionários públicos, entre outros. Em muitos

casos, os cordéis eram comprados por uma pessoa letrada e lidos para um público não

letrado, situação que se reproduz aqui no Brasil, onde os folhetos eram consumidos

coletivamente.

DIA DE CINEMA!!!!!

As aventuras dos nordestinos João

Grilo (Matheus Natchergaele), um

sertanejo pobre e mentiroso, e

Chicó (Selton Mello), o mais

covarde dos homens. Ambos lutam

pelo pão de cada dia e atravessam

por vários episódios enganando a

todos do pequeno vilarejo de

Taperoá, no sertão da Paraíba. A

salvação da dupla acontece com a

aparição da Nossa Senhora

(Fernanda Montenegro).

Adaptação da obra homônima de

Ariano Suassuna.

Page 13: Módulo   2016.2

13

CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ – PATATIVA DO ASSARÉ

Poeta, cantô de rua,

Que na cidade nasceu,

Cante a cidade que é sua,

Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo,

Aqui, Deus me ensinou tudo,

Sem de livro precisá

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí,

Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação,

Aprendeu muntaciença,

Mas das coisa do sertão

Não tem boa esperiença.

Nunca fez uma paioça,

Nunca trabaiou na roça,

Não pode conhecê bem,

Pois nesta penosa vida,

Só quem provou da comida

Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,

Precisa nele morá,

Têarmoço de fejão

E a janta de mucunzá,

Vivê pobre, sem dinhêro,

Socado dentro do mato,

De apragatacurrelepe,

Pisando inriba do estrepe,

Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,

Sabe lê, sabe escrevê,

Pois vá cantando o seu gozo,

Que eu canto meu padecê.

Inquanto a felicidade

Você canta na cidade,

Cá no sertão eu infrento

A fome, a dô e a misera.

Pra sê poeta divera,

Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja

Bordada de prata e de ôro,

Para a gente sertaneja

É perdido este tesôro.

Com o seu verso bem feito,

Não canta o sertão dereito,

Porque você não conhece

Nossa vida aperreada.

E a dô só é bem cantada,

Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,

Com tudo quanto ele tem,

Quem sempre correu estreito,

Sem proteção de ninguém,

Coberto de precisão

Suportando a privação

Com paciença de Jó,

Puxando o cabo da inxada,

Na quebrada e na chapada,

Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa,

Veja que eu tenho razão

Em lhe dizê que não mêxa

Nas coisa do meu sertão.

Pois, se não sabe o colega

De quámanêra se pega

Num ferro pra trabaiá,

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida

É deferente da sua.

A sua rima pulida

Nasceu no salão da rua.

Já eu sou bem deferente,

Meu verso é como a simente

Que nasce inriba do chão;

Não tenho estudo nem arte,

A minha rima faz parte

Das obra da criação.

A LÍNGUA É NACIONAL, MAS O OXENTE É REGIONAL!

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Mas porém, eu não invejo

O grande tesôro seu,

Os livro do seu colejo,

Onde você aprendeu.

Pra gente aqui sê poeta

E fazê rima compreta,

Não precisa professô;

Basta vê no mês de maio,

Um poema em cada gaio

E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura,

É um tá sarapaté,

Que quem tem pôca leitura

Lê, mais não sabe o que é.

Tem tanta coisa incantada,

Tanta deusa, tanta fada,

Tanto mistéro e condão

E ôtrosnegoçoimpossive.

Eu canto as coisavisive

Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio

Com todas coisa daqui:

Pra toda parte que eu óio

Vejo um verso se bulí.

Se as vêz andando no vale

Atrás de curámeus male

Quero repará pra serra

Assim que eu óio pra cima,

Vejo um divule de rima

Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra

De fruita de jatobá,

De fôia de gamelêra

E fulô de trapiá,

De canto de passarinho

E da poêra do caminho,

Quando a ventania vem,

Pois você já tá ciente:

Nossa vida é deferente

E nosso verso também.

Repare que deferença

Iziste na vida nossa:

Inquanto eu tô na sentença,

Trabaiando em minha roça,

Você lá no seu descanso,

Fuma o seu cigarro mando,

Bem perfumado e sadio;

Já eu, aqui tive a sorte

De fumá cigarro forte

Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro,

Toda vez que quéfumá,

Tira do bôrso um isquêro

Do mais bonito metá.

Eu que não posso com isso,

Puxo por meu artifiço

Arranjado por aqui,

Feito de chifre de gado,

Cheio de argodão queimado,

Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida

E a minha é grande pená.

Só numa parte de vida

Nóis dois samo bem iguá:

É no dereito sagrado,

Por Jesus abençoado

Pra consolá nosso pranto,

Conheço e não me confundo

Da coisa mió do mundo

Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu,

O que Deus lhe deu por lá,

Aqui Deus também me deu.

Pois minha boa muié,

Me estima com munta fé,

Me abraça, beja e qué bem

E ninguém pode negá

Que das coisanaturá

Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade

Toda cheia de razão:

Fique na sua cidade

Que eu fico no meu sertão.

Já lhe mostrei um ispeio,

Já lhe dei grande conseio

Que você deve tomá.

Por favô, não mexa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.

Disponível em: http://www.moisesneto.com.br/estudo66.pdf

Page 15: Módulo   2016.2

15

Variação linguística

A linguagem é a característica que nos difere dos demais seres, permitindo-nos a oportunidade de

expressar sentimentos, revelar conhecimentos, expor nossa opinião frente aos assuntos relacionados ao

nosso cotidiano, e, sobretudo, promovendo nossa inserção ao convívio social.

E dentre os fatores que a ela se relacionam destacam-se os níveis da fala, que são basicamente

dois: O nível de formalidade e o de informalidade.

O padrão formal está diretamente ligado à linguagem escrita, restringindo-se às normas gramaticais

de um modo geral. Razão pela qual nunca escrevemos da mesma maneira que falamos. Este fator foi

determinante para a que a mesma pudesse exercer total soberania sobre as demais.

Quanto ao nível informal, este por sua vez representa a linguagem do dia a dia, das conversas

informais que temos com amigos, familiares etc.

Compondo o quadro do padrão informal da linguagem, estão as chamadas variedades linguísticas, as

quais representam as variações de acordo com as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que é

utilizada.

Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/gramatica/variacoes-linguisticas.htm

Variação regional

O Brasil é um país com um território amplo e mesmo assim ainda possui uma língua única. Além

de contribuir para uma grande diversidade nos hábitos culturais, religiosos, políticos e artísticos, a influência

de várias culturas deixou na língua portuguesa marcas que acentuam a riqueza de vocabulário e de

pronúncia. É importante destacar que as diferenças na nossa língua não constituem erro, mas são

consequências das marcas deixadas por outros idiomas que entraram na formação do português brasileiro.

Entre esses idiomas estão os indígenas e africanos, além dos europeus, como o francês e o italiano. A

influência desses elementos presentes em cada região do país, aliada ao desenvolvimento histórico de cada

lugar, fez com que surgissem regionalismos, isto é, expressões típicas de determinada região.

Regionalismo é, na língua, o emprego de palavras ou expressões peculiares a determinadas

regiões. Em literatura, é a produção literária que focaliza especialmente usos, costumes, falares e

tradições regionais.

Disponível em: http://letrasmarques2013.blogspot.com.br/2013/08/regionalismos.html

Page 16: Módulo   2016.2

16

A MOÇA QUE FOI ENTERRADA VIVA - João Martins de Athayde

Nos sertões de Teresina

Habitava um

fazendeiro,

Era materialista

Além disso interesseiro

Só amava a duas coisas

Homem valente e

dinheiro

Era quase um

analfabeto

Ostentava o fanatismo

Mostrava grande

afeição

Pelo imperialismo

Ele era um potentado

Nos tempos do

carrancismo

Como era muito rico

Confiava em sua sorte

Era o temor dos sertões

Naquela zona do Norte

Que o que quisesse

fazia,

Ainda encarando a

morte

Vivendo como casado

Na mais perfeita

harmonia

Tinha quatro filhos

homens

Todos em sua

companhia

Tinha uma filha moça,

Por nome de Sofia

Esta moça era caçula

Vinte e um anos

contava,

Os irmãos eram mais

velhos

Mas nenhum se

emancipava

Só era dono de si

No dia que se casava

O velho não se

importava

De fazer revolução,

Para sustentar o

capricho

Ou se vingar sua paixão

Seus filhos também

seguiam

Nessa mesma opinião

Quando ele conversava

No meio de muita gente

Dizia: “Tenho uma filha

É uma moça decente

Porém só casa com ela

Quem for um bicho

valente”

Com poucos dias depois

A noticia se espelhava,

Qualquer um rapaz

solteiro

Que na estrada passava

Já ia com tanto medo,

Pra fazenda nem olhava

Sofia se lastimava

Dizendo: “Até onde vai,

Este meu padecimento

Sem se ver de onde sai

Eu hei de ficar solteira,

Pra fazer gosto a meu

pai?!”

Depois enxugou as

lágrimas

Que banhavam o lindo

rosto

Dizia: “Eu encontrando

Um rapaz moço e

disposto

Eu farei com que meu

pai

Passe por esse

desgosto”

Um rapaz sabendo disto

Se condoeu da donzela

Vendo que não

encontrava

Outra moça igual àquela

Um da determinou-se

Dizendo: “Vou roubar

ela”

Escreveu logo um

bilhete

Dizendo: “Dona Sofia,

Eu ontem fui sabedor

Do que a senhora sofria

Fiquei muito indignado

Pois lhe tenho simpatia

Conheço perfeitamente

Que vou entrar em

perigo

Porque seu pai

conhecendo

Torna-se meu inimigo

Basta saber que a

senhora,

Pretende se casar

comigo

Eu sou um rapaz

solteiro

Não tenho conta a quem

dar

Responda esse bilhete

Pra eu me desenganar

Se me aceita como

esposo,

O jeito eu vou procurar”

Sofia mandou o sim

Pela manha muito cedo,

A VISÃO DA MULHER NO FOLHETO DEPENDE DO CONTEXTO!

Page 17: Módulo   2016.2

17

Fazendo ver a seu noivo

Que de nada tinha medo

Queria falar com ele,

No outro dia em

segredo

O moço aí preveniu-se

De um punhal e um

facão,

Pistola boa na cinta

Cartucheira e munição

Seguiu para a casa do

velho,

Porém com boa

intenção

Encontrou uma criada

Com um candeeiro na

mão

Perguntou-lhe: “Onde é

o quarto

Da filha de seu patrão?”

Diz ela: “Ao lado

esquedo

Pela porta do oitão”

A noite era muito escura

Por ali ninguém o viu,

Ele tanto pelejou

E tanto se retraiu

Que entrou no quarto da

moça

E o velho nem

pressentiu

Foi entardecendo a

noite

Acabaram de cear,

Quando a moça entrou

no quarto

Para se agasalhar

Foi avistando o rapaz,

Ficou sem poder falar

O rapaz muito ligeiro

Pegou ela pela mão,

Porém com muito

respeito

Contou-lhe sua intenção

Dizendo: “Eu arranjo

tudo,

Sem precisar de questão

Assim passaram a noite

A moça muito assustada

Quando amanheceu o

dia

Por sua mãe foi

chamada

Para cuidar dos

trabalhos,

Como era acostumada

O rapaz ficou no quarto

Do povo se ocultou,

Quando botaram o

almoço

Então a moça voltou

De parelha com seu

noivo

Ao velho se apresentou

O rapaz saiu do quarto

Seu rosto não

demudava,

Fincou o punhal na

mesa

Dizendo se aproximava:

“É este o homem

valente!...

Que o senhor

procurava?”

Sou eu, seu futuro genro

Que amo a esta donzela,

Tudo isso que já fiz

Não é criticando dela

Embora me custe a

vida,

Só me casarei com

ela”...

O velho conheceu logo

Que não tinha jeito a

dar

Correu a vista nos filhos

Como quem quer avisar

Aí todos convidaram

O moço para almoçar

Ele aceitou o convite

Porque não tinha

precisão

Disse o velho

mansamente:

“Entre nós não há

questão

Precisamos fazer logo,

Toda esta arrumação

O senhor vá para casa

Veja que falta arrumar,

Arrumação para a noiva

Eu também vou

aprontar

E o senhor no dia

quinze,

Venha para se casar”

Assim que o rapaz saiu

O velho chamou Sofia,

Dizendo: “Filha maldita

Quem te deu tanta

ousadia?

Me obrigastes da fazer

O que nunca pretendia!”

Aí gritou para os filhos,

Dizendo de cara dura:

“Agarrem esta maldita

Prendam ela bem segura

E vão no quarto do

meio

Cavem uma sepultura”

Naquele mesmo

momento

Sofia foi amarrada,

Para o quarto que estava

A sepultura foi cavada

Aonde a triste donzela

Havia de ser sepultada

Reuniu-se em roda dela

Toda aquela comitiva,

O pai, a mãe, os irmãos

Por infame tentativa

Condenaram a pobre

moça

Page 18: Módulo   2016.2

18

Para sepultarem-na viva

Naquela situação

Que estava a pobre

Sofia,

Pedindo ao pai, em

soluços,

E o velho não atendia:

“Meu pai, não me mate

hoje

Deixe eu viver mais um

dia!”

Sofia se lastimava

E o velho não dava

ouvido,

Depois disse para ela:

“Nada vale o seu pedido

A senhora está passando

Da hora de ter morrido”

Sofia disse: “Meu pai

Tenha de mim

compaixão

Mande chamar o vigário

Pra me ouvir em

confissão

Talvez por este meio

Eu possa alcançar o

perdão!”

“A senhora em parte

alguma

Podia ser perdoada,

Não há sentença

bastante

Para filha excomungada

Quem fez o que você

fez

Só paga sendo

queimada”

O velho zangou-se e

disse:

“Não quero mais

discutir

Palavras de sua boca

Não pretendo mais

ouvir

Siga; entre para a cova

Para eu mandar entupir”

Aí botaram Sofia

Pra dentro da cova

escura,

O buraco foi cavado

Com dez palmos de

fundura

Que sofrimento tirano

Desta infeliz criatura

O velho como uma fera

Mandou ela se deitar

Ela na ânsia da morte

Começou logo a gritar

Pedia aos outros: “Me

acudam

Que meu pai quer me

matar!”

O velho era malvado

Pior que o Satanás

Pegou Sofia dizendo:

“Veja bem como se

faz!”...

Botou-lhe terra por

cima,

Até que não gritou mais

Aí seguiram para a sala

Ele, os filhos e a mulher

Dizendo: “Estou

satisfeito

Vou esperar o que

houver

Só fica mais perigoso,

Se o noivo dela souber”

Logo preveniu-se tudo

Contra o noivo de Sofia

Nisto bateram à porta

Mandaram ver quem

batia

Era o rapaz noivo dela,

Porém de nada sabia

O velho disse para ele

“O senhor de onde

vem?

Minha derrota está feita

Aqui não me sai

ninguém

Matei sua noiva agora,

E o senhor morre

também”

Aí partiu para ele

Como uma fera

assanhada,

O rapaz negou-lhe o

corpo

E deu-lhe uma

punhalada

O velho caiu gritando

Não pode mais fazer

nada

Reuniu-se contra ele

Os quatro irmãos de

Sofia,

Atirando à queima-

roupa

Mas nem um tiro atingia

E ele os poucos que

dava,

La um ou outro perdia

Com meia hora de luta

Estava tudo sem ação,

Os quatro irmãos de

Sofia

Dois morreram na

questão

Um correu espavorido

E o outro ficou no chão

O rapaz ficou sozinho

Porém já muito ferido

Quando foi passando a

porta

Ouviu um grande

gemido

Diz ele: “Talvez Sofia

Inda não tenha morrido”

O rapaz muito ferido

Conhecendo que

morria,

Seguiu pela casa

adentro

Page 19: Módulo   2016.2

19

Procurando quem gemia

Acertou logo no quarto

Onde enterraram Sofia,

No mesmo canto

encontrou

A alavanca e a enxada

Os ferros que tinham

sido

A dita cova cavada

Com eles tirou Sofia,

Quase morta asfixiada

O leitor preste atenção

Sofia foi arrancada

Não morreu por um

motivo

A cova não foi socada

Só fazia quatro horas,

Que tinha sido enterrada

O rapaz muito doente

Ainda conduziu Sofia

Pra casa de sua mãe

Que nada disso sabia

A velha quando viu ele

Quase morre de agonia

Não fazia dez minutos

Que o rapaz tinha

chegado,

Na casa de sua mãe

Quando recebeu um

recado

Pelo irmão de Sofia

Ia ser assassinado

Disse o rapaz a Sofia:

“Me acabo aqui mas

não corro

Já estou muito ferido

Desta conheço que

morro

E também não me

sujeito

Gritar pedindo socorro”

Aí ele pediu à mãe:

“Veja as armas que aí

tem

O bacamarte, a

espingarda

E a pistola também

E corra para bem longe

Porque o povo já vem”

A velha morta de medo

Trouxe as armas e

entregou

Transpassada de agonia

Chorando o abençoou

Temendo a morte fugiu

Porém Sofia ficou

O rapaz entrincheirou-

se

Bem na porta da entrada

Sofia estava por tudo

Não se temia de nada

Foi botar o sei piquete

Atrás pela retaguarda

Sofia triste pensando

Tão depressa se acabar

Conhecendo que morria

Talvez antes de casar

Quando levantou a vista

Foi vendo o grupo

chegar

O rapaz que estava

pronto

Com o seu revólver na

mão

Amparou-se num portal

Enfrentou o pelotão

Cada tiro era um

defunto

Que embolava no chão

Sofia na retaguarda

Inda emparelhou seis

O bacamarte era bom

Certa pontaria fez

Quando puxou o

gatilho,

Caiu tudo de uma vez

Entrou um pela janela

Sofia não pressentiu

O rapaz estava lutando

De forma nenhuma o

viu

Atirou nele nas costas

Que o pobre rapaz caiu

Aí pegaram Sofia

Que não podia escapar,

Cortaram todo o cabelo

Mandaram os olhos

furar

Depois dependuraram

ela

Dizendo: “Vamos

sangrar”

Sangraram devagarinho

Pra ainda mais judiar

Antes da moça morrer

Eles foram retalhar

Em pedaços tão

pequenos

Que não puderam

enterrar

Quem me contou essa

história

Foi um rapaz muito

sério

Foi testemunha de vista

Daquele caso funéreo

Os corpos foram

levados

Num cesto pro

cemitério

O mundo está

corrompido

O erro vem de atrás

Muitos acontecimentos

De resultados fatais

Só acontecem com as

filhas

Que vão de encontro

aos pais

Page 20: Módulo   2016.2

20

A SORTE DE UMA MERETRIZ - João Martins de Athayde

Não se engane com o

mundo

Que o mundo não tem o

que dar,

Quem com ele se iludir

Iludido há de ficar

Pois temos visto

exemplos,

Que é feliz quem os

tomar

Doze anos tinha Aulina

Seu pai era fazendeiro,

Casa que naquele tempo

Havia tanto dinheiro

Muitas joias de valor,

Crédito no mundo

inteiro

Aulina, eu creio, não

tinha

Outra igual na

perfeição,

Parece que a natureza

Carregou mais nela a

mão

Pois nela via-se a força

Do autor da criação

Os olhos dela fingiam

Raios do sol da manhã,

O rosto bem regular

Corado como a romã

Parecia que as estrelas,

Queriam chama-la

irmão

Os dedos alvos e finos

Qual teclados de piano,

Quem a visse só diria

Que não era corpo

humano Parecia ser

propósito, Do Divino

Soberano

Também tinha tanto

orgulho Que nem aos

pais conhecia, Se

julgava saliente A todo

mundo que via Julgando

que todo mundo A ela

se curvaria

Quando inteirou vinte

anos Por si se prostituiu

O pai quase

enlouqueceu tanto

desgosto sentiu Porque

em toda família Um

caso assim nunca viu

Logo que caiu no

mundo Por todos foi

abraçada, Por as mais

altas pessoas Era

sempre visitada Por

fidalgos e militares, Por

todos era adorada

Recebeu logo um

presente

De um palacete

importante Com uma

mobília sublime Dada

pelo seu amante

A obra de mais estima

A quem se chama

elegante

Para sala de visita

Comprou um rico piano,

Quatro consolos de

mármore

Um aparador de ébano

Uma cômoda muito

rica,

Que só a de um

soberano

Ricas cadeiras

modernas Candeeiros

importantes,

Jarros de fino cristal

Espelhos muito

elegantes

O retrato dela em um

quadro Com quatro ou

cinco brilhantes

Um grande damasco

verde

A sala toda cobria

Toalha bordada a ouro

Em qualquer quarto se

via

Era só de porcelana

Toda a louça que existia

Nem é preciso falar

No quarto onde ela

dormia, Porque já se viu

na sala

A riqueza que existia

Agora na cama dela,

Faça ideia o que havia

Durante cinco ou seis

anos

A vida dela era assim

A casa era um céu de

estrelas Rodeada de

Marfim

Vivia ela qual vive

Um beija-flor no jardim

Adoeceu de repente

Não cuidou logo em

tratar-se Julgando que

dos amantes Nenhum a

desamparasse

Devido à sua influência

Qualquer médico

curasse

Page 21: Módulo   2016.2

21

Foi vice-verso o seu

cálculo

A si só chegaram dores,

Foi perdendo a

influência,

Multiplicando os

clamores

Não foi mais em sua

casa Nenhum dos

adoradores

Pegou logo a empenhar

As jóias que possuía,

Por menos do seu valor

Diversas coisas vendia

E a moléstia no seu

auge Crescendo de dia a

dia

No período de dois anos

Gastou o que possuía,

Pegou logo pelas jóias

De mais valor que

existia

Sofás, cadeiras e

consolos, Vendeu tudo

em um só dia

Os quadros, os

aparadores Pianos,

relógios, espelhos

Vendeu-os para curar

Duas fístulas nos

joelhos

Já desejava encontrar

Quem lhe desse alguns

conselhos

Afinal vendeu a casa

E a cama onde dormia

Era o único objeto

Que em seu poder

existia

Ainda um amante vendo

Jamais a conheceria

"Meu Deus", exclamava

ela

Vai infeliz meu futuro

Nasci em berço dourado

Para morrer no monturo

Quanta diferença existe,

Da seda para o chão

duro

Quantos lordes aos

meus pés

Se esqueciam de seus

cargos, Me adoravam

como santa

Me mostrando mil

afagos

Hoje não vejo nenhum,

Nesses dias tão amargos

Quede os grandes

militares

Que não podiam passar,

Três dias numa semana

Sem me virem visitar

E faziam de mim santa,

De meu divã um altar

Nada disso existe mais

Tudo já se dissipou,

As promessas e os

presentes

O vento veio e levou

Em paga de tudo isso

Na miséria me deixou

Essas dores que hoje

sofro

É justo que sofra elas,

Essas lágrimas que eu

derramo Serão em

pagas daquelas

Que fiz gotejar dos

olhos

Das casadas e das

donzelas

Sinto dores com

excesso

Ouço a voz da

consciência

Me dizer: "Filha maldita

Tua desobediência

Clamará perante Deus

E pedirá providência"

Ela em soluços

exclamava:

"Meu Deus, tende

compaixão, Nega-me

tudo na vida

Mas me alcançai o

perdão Santíssima

Virgem, rogai,

Pela minha salvação"

Que cobertores tão

caros

Já forraram meu

colchão,

Que cortinas de seda

De grande admiração

Hoje não tenho uma

estopa

Que forre aqui esse

chão

Ricos vestidos de seda

Lancei muitos no

monturo,

Saias ainda em estado

Camisa de linho puro

Não pensava na

desgraça

Que vinha para o futuro

Minha mesa nesse

tempo

Tinha de tudo que

havia,

Só mesa de um

personagem

De alta categoria

Hoje o resto de uma

sopa Quando agora me

servia

Peço esmola a quem

passa

Esse nem me dá ouvido,

Quem outrora me

adorava

Não ouve mais meu

gemido Passa por mim

torce a cara,

Page 22: Módulo   2016.2

22

Se finge desconhecido

Eu era como uma flor

Ao despontar da manhã

Representava outrora

Aquela deusa louçã

Meus amantes

perguntavam,

Se a lua era minha irmã

As majestades

chegavam

Antes da celebração,

Humildes como um

escravo

Me faziam saudação

Como se a render-me

culto

Seria uma obrigação

O exército e o comércio

A arte e agricultura,

Todos me ofereciam

Seu afeto de ternura

Tudo vinha admirar

Minha grande

formosura

Mas eu vivia enganada

Com essas tristes

carícias,

Eu bem podia saber

Que o mundo não tem

delícias

É um gozo provisório,

É um cofre de malícias

Donzelas eis o exemplo

para todos que estão

vendo,

Não me viram a poucos

dias Como o sol que

vem nascendo? Já estou

aqui no chão,

Os tapurus me comendo

Ah! meu pai se tu me

visse Nessa miséria

prostrada,

Embora que vossa face

Foi por mim injuriada

Talvez que ainda

dissesse:

"Deus te perdoe,

desgraçada"

Ah! minha mãe

carinhosa

Se eu agora te

abraçasse,

Inda com essa agonia

Talvez que me

consolasse

E antes de partir do

mundo,

Essa sede saciasse

Sinto o soluço da morte

Já é hora de partir,

Peço ao meu anjo da

guarda Para comigo

assistir

Porque temo que o

demônio,

Não venha me

perseguir"

Uma velha caridosa

Trouxe água, ela bebeu,

Matou a sede que tinha

E graças a Jesus rendeu

Erguendo os olhos ao

céu,

Nesse momento morreu.

João Martins de Athayde (24/06/1880 – 07/08/1959)

O poeta popular e editor de folhetos João Martins de Athayde nasceu no

povoado de Cachoeira de Cebolas, município de Ingá do Bacamarte, Paraíba, no dia 23

de junho de 1880.

Nunca freqüentou uma escola. Aprendeu a ler e escrever sozinho. Segundo seu

próprio depoimento, aos oito anos, assistindo pela primeira vez a um desafio de Pedra

Azul, um famoso cantador da região, começou a se interessar e fazer poesia popular.

Fez sua primeira rima aos doze anos de idade.

Em 1898, por causa da seca, migrou da sua cidade natal para Camaragibe, um

município da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, mudando-se,

posteriormente, para a capital, onde trabalhou como auxiliar de enfermagem no Hospital

Português.

Page 23: Módulo   2016.2

23

Seu primeiro folheto de cordel, O preto e o branco apurando qualidade, que

alcançou grande sucesso de vendas, foi escrito, em 1908, e impresso na Tipografia

Moderna. A partir daí, começou a vender folhetos de sua autoria e de outros em feiras e

mercados do Recife.

Em 1909, conseguiu montar uma pequena tipografia na Rua do Rangel,bairro de

São José, tornando-se um dos maiores editores de folhetos de cordel do País. Da sua

oficina saíram, durante mais de quarenta anos, estórias fantásticas, recriações de estórias

famosas, crítica de costumes, notícias de acontecimentos da época que divertiam,

informavam e educavam o homem da cidade grande e das localidades mais distantes

do Nordeste brasileiro.

Os folhetos que tivessem a marca de João Martins de Athayde tinham sucesso

garantido, independente da autoria. Com um próspero negócio no “ramo do poesia”,

Athayde deu oportunidades de emprego a poetas, folheteiros, agentes e distribuidores,

dando uma grande contribuição para o desenvolvimento da arte e da comercialização do

folheto popular no Recife.

João Martins de Athayde foi o desbravador da indústria do folheto de cordel no

País. Industrializando e comercializando sua produção e a de outros artistas, criou uma

grande rede de atividades lucrativas no Nordeste, que se espalhou para outras regiões

brasileiras, possibilitando a diversos poetas populares se dedicarem exclusivamente à

poesia como atividade profissional. Foi o responsável por profundas mudanças na

edição de folhetos de cordel, no que se refere à relação entre os artistas e a tipografia,

criando, inclusive, contratos de edição com o pagamento de direitos de propriedade

intelectual, assim como na apresentação gráfica dos folhetos.

Athayde foi aclamado na década de 1940 como o maior poeta popular do

Nordeste, sendo elogiado por Tristão de Athayde e Mário de Andrade. Tinha uma

grande admiração por Leandro Gomes de Barros, escrevendo em sua homenagem, em

1918, o folheto A pranteada morte do grande poeta Leandro Gomes de Barros.

Em 1921, comprou à viúva de Leandro, por seiscentos mil réis, os direitos de

publicação de toda a obra do poeta paraibano. Foi acusado então de publicar como sua a

obra de Leandro e de ter posto o seu nome em poemas de vários outros poetas populares

de quem também comprou o direito de edição. No caso da obra de Leandro, no início

ele se colocava como editor proprietário e, posteriormente, retirou a informação da

autoria de Leandro, chegando até a modificar alguns acrósticos (última estrofe da

poesia, cujas letras iniciais identificam o autor da obra).

Em 1949, sofreu um acidente vascular cerebral, tendo que se afastar de suas

atividades.

Page 24: Módulo   2016.2

24

Em 1950, vendeu a tipografia e os direitos de edição a José Bernardo da Silva,

proprietário da Tipografia São Francisco, localizada em Juazerio de Norte, Ceará, que

passou a ser o maior centro editorial de folhetos de cordel do Nordeste, posição ocupada

até então pelo Recife.

Para o pesquisador popular Liêdo Maranhão, os poetas Leandro Gomes de

Barros e João Martins de Athayde deveriam ter um monumento na Praça do Mercado de

São José, pelos relevantes serviços prestados à poesia e ao folclore nordestinos.

João Martins de Athayde morreu no dia 7 de agosto de 1959, na cidade de

Limoeiro, Pernambuco, onde viveu seus últimos anos de vida.

Disponível em:

http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=375&Ite

mid=189

Page 25: Módulo   2016.2

25

A PROPOSTA

De acordo com os estudos, leituras e discussões realizados nas aulas anteriores,

redija um texto que corresponda às normas do gênero Folheto. Lembre-se que ele

deverá ser escrito com base em uma das três temáticas em que você já foi

contemplado nas aulas anteriores, que são:

O cordel é estrangeiro, mas o folheto é brasileiro!

A língua é nacional, mas o oxente é regional!

A mulher no folheto, depende do contexto!

OFICINA DE FOLHETOS

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26

O que é um verso?

É cada uma das linhas constitutivas de um poema. (o mesmo que pé).

Versos brancos: versos não rimados; versos soltos.

Verso de seis pés: sextilhas

Verso de pé quebrado: Verso errado ou malfeito

O que é estrofe? É um grupo de versos que apresentam, comumente, sentido completo, o mesmo que

estância. Existem vários tipos de estrofes, no cordel as mais usadas são: quadra (que

caiu em desuso), sextilha, setilha e décima. Veja os exemplos abaixo:

Quadra (estrofes de quatro versos de sete sílabas)

O sabonete cheiroso,

Bonitinho e perfumado;

Ele ouviu alguns rumores

Que o deixou encabulado. (A briga do sabão com o sabonete, Izaías Gomes de Assis)

Sextilhas (estrofes de seis versos de sete sílabas)

A sujeira aqui em baixo

Já está fazendo mal

E o Homem achando pouco

Lá no Espaço Sideral

Contamina nossa órbita

Com o lixo espacial. (A Terra pede socorro, Izaías Gomes de Assis)

Setilhas (estrofes de sete versos de sete sílabas)

Bin Laden conectado

Com Nete ficou teclando

Passando noites no Messagen

Por ela se declarando.

Bom! Gosto não se discute,

Mas não é que pelo Orkut

Um romance foi rolando. (Férias que Bin Laden passou em Natal, Izaías Gomes de

Assis)

Décimas

Se eu morrer neste lugar

Cessando aqui minha lida

Lá do outro lado da vida

Do Sertão hei de lembrar

E se Deus me castigar

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27

Será branda a punição

Pois ele dirá então:

– Pior castigo foi ser

Um sertanejo e viver

Distante lá do Sertão. (Saudades do meu sertão, Izaías Gomes de Assis)

O que é métrica?

Arte que ensina os elementos necessários à feitura de versos medidos.

Sistema de versificação particular a um poeta: (Dicionário Aurélio)

Uma sílaba poética é diferente de uma sílaba comum. É possível unir duas ou mais

sílabas ou fonemas em apenas uma sílaba poética. Veja o verso abaixo:

Lá do_outro lado da vida

Observe que essa estrofe tem oito sílabas comuns, mas poeticamente só tem sete sílabas

metrificadas.

1 2 3 4 5 6 7

Lá do ou tro la do da vi da

A sílaba poética é pronunciada como ouvimos os versos, por isso a sonoridade é

importante num verso metrificado (a essa contração dá-se o nome de crase ou elisão) e

só se conta as sílabas até a sílaba tônica da última palavra.

Veja outro exemplo:

Em pleno século vinte,

O colossal transatlântico

Partindo lá da_Inglaterra

E_atravessando o Atlântico,

Chega à_América em cem horas.

Feito digno de cântico. (Manuel Azevedo, A tragédia do Nyengurg)

As sílabas em negrito são as sílabas tônicas das últimas palavras, onde termina a

contagem das sílabas métricas, e as sílabas sublinhadas são as que se contraem

formando uma única sílaba.

Observa-se que três vocais se contraindo no quinto verso e no sexto verso a consoante

“g” forma uma sílaba.

Na literatura de cordel geralmente usa-se os versos de sete sílabas (redondilhas maiores)

e os versos de dez sílabas (decassílabos). Outro ex.:

Vou narrar uma história

De_um pavão misterioso

Que levantou vôo da Grécia

Com um rapaz corajoso

Raptando_uma condessa

Filha de_umconde_orgulhoso. (* Romance do Pavão Misterioso.)

O que é rima?

Identidade de som na terminação de duas ou mais palavras. Palavra que rima com outra.

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Rimas ricas

Rimas entre palavras de que só existem poucas, ou raríssimas, (chamadas também de

rimas difíceis) com a mesma terminação, como novembro e dezembro;

túmido e úmido, ou, segundo critério mais seguro, entre palavras de classes gramaticais

distintas, como santo (adjetivo) e enquanto (conjunção), minha (pronome)e

caminha(verbo).

Rimas pobres

Rimas entre palavras de que se encontra superabundância com a mesma terminação,

(chamadas também de rimas fáceis) como agonia e sombria; caminhão e pão ou entre

palavras antônimas, como fiel e infiel, simpático e antipático, ou, ainda, segundo

critério preferível, entre vocábulos da mesma classe gramatical, como chorasse (verbo)

e cantasse (verbo); meu (pronome) e seu (pronome).

Rimas toantes

Aquelas em que só há identidade de sons nas vogais, a começar das vogais tônicas até a

última letra ou fonema, ou algumas vezes, só nas vogais tônicas, ex.: fuso e veludo;

cálida e lágrima. (essa forma não é aceita na cantoria nem na literatura de cordel).

Rimas consoantes

As que se conformam inteiramente no som desde a vogal tônica até a última letra ou

fonema. Ex.: fecundo e mundo; amigo e contigo; doce e fosse; pálido e válido; moita e

afoita. (essa é a forma adotada nas cantorias e na literatura de cordel por ser uma rima

perfeita).

Palavras com grafia diferente, mas com fonemas (sons) iguais são consideradas rimas

perfeitas, ex.: chorasse e face; princesa e riqueza; peça e pressa; seis e mês; faz e mais,

PT e dendê.

Temos que ter maior cuidado com palavras estrangeiras, porém podem ser usadas, ex.:

discute e orkut; batuque e notebook; bauex e você; Internet e chevete, gay e rei.

(Existe uma linha de poetas contemporâneos que não utilizam a rima com grafia

diferente).

Rimas aparentes (em hipótese alguma se usa no cordel)

São palavras que enganam pelas suas sonoridades parecem que rimam com outras,

porém não rimam, ex.: Ceará e cantar; café e chofer; doutor e cantou; desistir e aqui;

preferido e amigo; esperto e concreto, pensamento e centro; menina e clima;

métrica e genérica; pensamento e tempo vazio e sumiu;cururu e azul.

Cuidado que tem palavras que praticamente não existem rimas para elas, ex.: pizza,

tempo, cinza e lâmpada.

CUIDADO: Não se rima plural com singular.

Devido um fato histórico-linguístico não se rima palavras terminadas em “l” com

terminadas em “u”, ex.: Brasil e viu; Natal e bacurau Gabriel e chapéu não rimam.

Boas rimas!!!

Disponível em: http://cordeldobrasil.com.br/v1/aprenda-fazer-um-cordel/

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29

Literatura oral

Faz parte da literatura oral os mitos, lendas, contos e provérbios que são

transmitidos oralmente de geração para geração. Geralmente, não se conhece os autores

reais deste tipo de literatura e, acredita-se, que muitas destas estórias são modificadas

com o passar do tempo. Muitas vezes, encontramos o mesmo conto ou lenda

com características diferentes em regiões diferentes do Brasil. A literatura oral é

considerada uma importante fonte de memória popular e revela o imaginário do tempo e

espaço onde foi criada.

Muitos historiadores e antropólogos estudam este tipo de literatura com o

objetivo de buscarem informações preciosas sobre a cultura e a história de uma época.

Em meio a ficção, resgata-se dados sobre vestimentas, crenças, comportamentos,

objetos, linguagem, arquitetura etc.

Podemos considerar como sendo literatura oral os cantos, encenações e textos

populares que são representados nos folguedos.

Exemplos de mitos, lendas e folclore brasileiro: saci-pererê, curupira, boto cor

de rosa, caipora, Iara, boitatá, lobisomem, mula-sem-cabeça, negrinho do pastoreio.

Disponível em: http://www.suapesquisa.com/cordel/

É NO RAP, OU NO REPENTE – Caju e Castanha

É no rap ou no repente,

é na batida do pandeiro,

sou poeta brasileiro,

e a minha vida é cantar.

E na poesia que eu faço,

eu nasci para improvisar. (bis)

Venha do jeito que queira,

seja do jeito que for,

eu também tenho meu valor,

os meus versos são ligeiros.

E na levada do pandeiro,

Eu nasci para improvisar. (bis)

TIPOS DE FOLHETOS

Page 30: Módulo   2016.2

30

Paparaparapapa,

tararaturututu,

tapioca contra caju,

manga, abacaju e caja.

E no swing do pandeiro,

eu nasci para improvisar. (bis)

Sou repente, sou tumada,

minha rima tem história,

cantador comigo chora

quando eu começo a cantar.

E na pancada do pandeiro,

eu nasci para improvisar. (bis)

Rap:

Fala cantador,

canta cantador,

entre pra essa rima que tua história tem valor.

Quando você canta,

encanta a multidão,

na escola da vida vai cantando esse refrão.

Eu sou o castanha,

você pode acreditar,

no décimo repente eu também sei improvisar.

Eu sou o caju,

faço filinha de fé,

dança a mão no rádio como são todo repente.

Disponível em: https://www.vagalume.com.br/caju-castanha/no-rap-ou-no-repente.html

Page 31: Módulo   2016.2

31

Sobre o repente

O repente nordestino é uma das diversas formas que surgiu de interpretação de

canto e poesia a partir da tradição medieval ibérica dos trovadores. Seus personagens,

chamados de repentistas ou cantadores improvisam versos sobre os mais variados

assuntos, e andando pelas feiras e espaços populares se apresentam sozinho ou trocam

versos com outro cantador, o chamado desafio.

O estilo é característico da região nordeste do Brasil, e praticado em especial

pelos habitantes da região do sertão paraibano e pernambucano, mais especificamente

na região do Pajeú e Sertão do Moxotó (PE) e Serra do Teixeira e Cariri Ocidental (PB),

onde estão as cidades de São José do Egito, Sertânia, Arcoverde (PE), Teixeira,

Princesa e Monteiro (PB).

Com a migração de muitos nordestinos para a cidade de São Paulo, a cantoria se

tornou uma tradição conhecida em todo o Brasil, a partir da mídia massiva que a capital

paulista dispõe. Também foi a partir de São Paulo que os cantadores começaram a

adotar uma viola de dez cordas criada pelos fabricantes e comerciantes de instrumentos

Del Vecchio, a chamada "viola dinâmica", com seus característicos bocais de metal,

inspirada em modelos americanos das fábricas National e Dobro, diferentes apenas pelo

corpo do instrumento, fabricado em metal. A viola dinâmica de dez cordas se tornou um

símbolo dos cantadores, especialmente a partir da década de 70 do século XX.

Disponível em: http://www.infoescola.com/musica/repente/

O que é uma Peleja?

Nesse tipo de folheto, cada poeta mostra suas habilidades no verso e tenta

depreciar o oponente. As pelejas podem basear-se em desafios reais ou imaginários e

geralmente são escritas em versos de sete sílabas. Quando escrita, a descrição da luta é

antecedida por uma pequena introdução em que são apresentados os cantadores, o lugar

da disputa, o público e os antecedentes. Os folhetos possuem outras características

formais que se assemelham aos repentes, tais como o mote, tema em forma de verso,

proposto por cantadores durante uma disputa.

Page 32: Módulo   2016.2

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O que é um folheto de circunstância?

Os folhetos de circunstância, outra modalidade da literatura de cordel, não

podem ser confundidos com o relato jornalístico dos acontecimentos. Nesses folhetos é

possível encontrar desde as últimas notícias sobre os acontecimentos do país e do

mundo, até histórias curiosas [...].

Os fatos eram narrados logo depois de acontecidos e por esta razão os folhetos

de circunstância, também chamado folhetos de época, têm um tempo limitado de venda,

exceção feita aos que se tornam clássicos.

O que é um ABC?

Além dos folhetos que narram fatos do dia a dia existem os ABCs, poemas

narrativos em que cada estrofe corresponde a uma letra do alfabeto. Os ABCs dão conta

de um assunto de A a Z e neles cabem vários tipos de histórias. Esse modelo de

composição revela o poder de inventividade do poeta, sendo comumente encontrado na

literatura infantil.

O que é um romance?

Os romances são comumente escritos em sextilhas [...]. Nas primeiras estrofes

ficamos conhecendo os heróis e heroínas, os vilões, o lugar onde se passaa história, o

tipo de história (de luta, aventura, humor, amor, mistério...).

Em relação aos aspectos formais, pode-se ressaltar a presença de poucos

personagens e a ausência de descrições detalhadas de paisagens e situações. Não

existem restrições temáticas, mas os aspectos da vida no Nordeste possuem maior

destaque. Também se encontram nos folhetos adaptações de romances e peças teatrais.

MARINHO, Ana Cristina. O cordel no cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012.

A PELEJA DO CEGO ADERALDO COM ZÉ PRETINHO – Firmino

Teixeira do Amaral

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Apreciem meus leitores

Uma forte discussão

que tive com Zé Pretinho

Um cantador do sertão

O qual no tanger do verso

Vencia qualquer questão

Um dia determinei

A sair do Quixadá

Uma das belas cidades

Do estado do Ceará

Fui até ao Piauí

Ver os cantores de lá

Hospedei-me em Pimenteira

Depois em Alagoinha

Cantei em Campo Maior

No Angico e na Baixinha

De lá tive um convite

Pra cantar na Varzinha

Quando cheguei na Varzinha

Foi de manhã bem cedinho

Então o dono da casa

Me perguntou sem carinho:

Cego, você não tem medo

Da fama de Zé Pretinho?

Eu lhe disse: Não senhor

Mas da verdade eu não zombo

Mande chamar esse preto

Que eu quero dar-lhe um

tombo

Ele vindo um de nós dois

Hoje há de arder o lombo

O dono da casa disse:

Zé Preto pelo comum

Dá em dez ou vinte cegos

Quanto mais sendo só um;

Mandou ao Macumanzeiro

Chamar José do Tucum

Chamou um dos filhos e disse

Meu filho, você vá já

Dizer a José Pretinho

Que desculpe eu não ir lá

E ele como sem falta

À noite venha por cá

Em casa do tal Pretinho

Foi chegando o portador

Foi dizendo: Lá em casa

Tem um cego cantador

E meu pai manda dizer

Que vá tirar-lhe o calor

Zé Pretinho respondeu:

- Bom amigo é quem avisa

Menino, dizei ao cego

Que vá tirando a camisa

Mande benzer logo o lombo

Que eu vou dar-lhe uma pisa

Tudo zombava de mim

Eu ainda não sabia

Que o tal José Pretinho

Vinha para a cantoria

Às cinco horas da tarde

Chegou a cavalaria

O preto vinha na frente

Todo vestido de branco

Seu cavalo encapotado

Com um passo muito franco

Riscaram de uma só vez

Todos no primeiro arranco

Saudaram o dono da casa

Todos com muita alegria

O velho bem satisfeito

Folgava alegre e sorria

Vou dar o nome do povo

Que veio pra cantoria

Vieram o capitão Duda

Tonheiro Pedro Galvão

Augusto Antônio Feitosa

Francisco Manuel Simão

Senhor José Carpinteiro

Francisco e Pedro Aragão

O José da Cabeceira

E seu Manuel Casado

Chico Lopes, Pedro Rosa

E Manuel Bronzeado

Antônio Lopes de Aquino

E um tal de Pé Furado

José Antônio de Andrade

Samuel e Jeremias

Senhor Manuel Tomás

Manduca João de Ananias

E veio o vigário velho

Cura de três freguesias

Foi dona Meridiana

Do grêmio das professoras

Essa levou duas filhas

Bonitas e encantadoras

Essas eram da igreja

As mais exímias cantoras

Foi também Pedro Martins

Alfredo e José Raimundo

Senhor Francisco Palmeira

João Sampaio Secundo

E um grupo de rapazes

Do batalhão vagabundo

Levaram o negro pra sala

E depois para a cozinha

Lhe ofereceram um jantar

De doce, queijo e galinha

Para mim veio um café

Com uma magra bolachinha

Depois trouxeram o negro

E colocaram no salão

Assentado num sofá

Com a viola na mão

Junto a uma escarradeira

Para não cuspir no chão

Ele tirou a viola

Dum saco novo de chita

E cuja viola estava

Toda enfeitada de fita

Ouvi as moças dizendo:

Grande viola bonita!

Então para me sentar

Botaram um pobre caixão

Já velho desmantelado

Desses que vem com sabão

Eu sentei, ele envergou

E me deu um beliscão

Eu tirei a rabequinha

Dum pobre saco de meia

Um pouco desconfiado

Por está em terra alheia

Ouvi as moças dizendo:

Meu Deus, que rabeca feia!

Um disse a Zé Pretinho:

A roupa do cego é suja

Botem três guardas na porta

Para que ele não fuja

Cego feio assim de óculos

Só parece uma coruja

Dissera o capitão Duda

Como homem mui sensato

Vamos fazer uma bolsa

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Botem dinheiro no prato

Que é mesmo que botar

Manteiga em venta de gato

Disse mais: eu quero ver

Pretinho espalhar os pés

E para os dois cantores

Tirei setenta mil réis

Mas vou inteirar oitenta

Da minha parte dou dez

Me disse o capitão Duda

– Cego, você não estranha

Este dinheiro do prato

Eu vou lhe dizer quem ganha

Pertence ao vencedor

Nada leva quem apanha

Nisto as moças disseram:

Já tem oitenta mil réis

Porque o capitão Duda

Da parte dele deu dez

Se encostaram a Zé Pretinho

E botaram mais três anéis

Então disse Zé Pretinho:

De perder não tenho medo

Este cego apanha logo

Falo sem pedir segredo

Tendo isto como certo

Botou os anéis no dedo

Afinemos os intrumentos

Entremos em discussão

O meu guia disse a mim:

O negro parece o cão

Tenha cuidado com ele

Quando entrar em questão

Eu lhe disse: seu José

Sei que o senhor tem ciência

Parece que és dotado

Da Divina Providência

Vamos saudar o povo

Com a justa excelência

P- Sai daí, cego amarelo

Cor de ouro de toucinho

Um cego da tua forma

Chama-se abusa vizinho

Aonde eu botar os pés

Cego não bota o toucinho

C- Já vi que seu Zé Pretinho

É um homem sem ação

Como se maltrata outro

Sem haver alteração

Eu pensava que o senhor

Possuísse educação

P- Esse cego bruto hoje

Apanha que fica roxo

Cara de pão de cruzado

Testa de carneiro mocho

Cego, tu és um bichinho

Que quando come vira o cocho

C- Seu José, o seu cantar

Merece ricos fulgores

Merece ganhar na sala

Rosas e trovas de amores

Mais tarde as moças lhe dão

Bonitas palmas de flores

P- Cego, creio que tu és

Da raça do sapo sunga

Cego não adora a Deus

O Deus de cego é calunga

Aonde os homens conversam

O cego chega e resmunga

C- Zé Preto não me aborreça

Com o teu cantar ruim

O homem que canta bem

Não trabalha em verso assim

Tirando as faltas que tem

Botando em cima de mim

P- Cala-te cego ruim

Cego aqui não faz figura

Cego quando abre a boca

É uma mentira pura

O cego quanto mais mente

Inda mais sustenta a jura

C- Esse negro foi escravo

Por isso é tão positivo

Quer ser na sala de branco

Exagerado e ativo

Negro da canela seca

Todo ele foi cativo

P- Dou-te uma surra

De cipó de urtiga

Furo-te a barriga

Mais tarde tu urra

Hoje o cego esturra

Pedindo socorro

Sai dizendo: eu morro

Meus Deus que fadiga

Por uma intriga

Eu de medo corro…

C- Se eu der um tapa

Num negro de fama

Ele come lama

Dizendo que é papa

Eu rompo-lhe o mapa

Lhe rasgo de espora

O negro hoje chora

Com febre e com íngua

Eu deixo-lhe a língua

Com um palmo de fora

P- No sertão eu peguei

Um cego malcriado

Danei-lhe o machado

Caiu eu sangrei

O couro eu tirei

Em regra de escala

Espichei numa sala

Puxei para um beco

E depois dele seco

Fiz mais de uma malha

C- Negro és monturo

Molambo rasgado

Cachimbo apagado

Recanto de muro

Negro sem futuro

Perna de tição

Boca de porão

Beiço de gamela

Venta de moela

Moleque ladrão

P- Vejo a cousa ruim

O cego está danado

Cante moderado

Eu não quero assim

Olhe pra mim

Que sou verdadeiro

Sou bom companheiro

Cante sem maldade

Eu quero a metade

Cego, do dinheiro

C- Nem que o negro seque

A engolideira

Peça a noite inteira

Que eu não lhe abreque

Mas este moleque

Hoje dá pinote

Boca de bispote

Venta de boieiro

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Tu queres dinheiro

Eu dou-te chicote

P- Cante mais moderno

Perfeito e bonito

Como tenho escrito

Cá no meu caderno

Sou seu subalterno

Embora estranho

Creio que apanho

E não dou um caldo

Te peço, Aderaldo

Reparta do ganho

C- Negro é raiz

Que apodreceu

Casco de judeu

Moleque infeliz

Vai pra teu país

Senão eu te surro

Dou-te até de murro

Tiro-te o regalo

Cara de cavalo

Cabeça de burro

P- Fala doutro jeito

Com melhor agrado

Seja delicado

Cante mais perfeito

Olhe, eu não aceito

Tanto desespero

Cante mais maneiro

Com versos capaz

Façamos a paz

Reparta o dinheiro

C- Negro careteiro

Eu rasgo-te a giba

Cara de guariba

Pajé feiticeiro

Queres dinheiro

Barriga de angu

Barba de quandu

Camisa de saia

Te deixo na praia

Escovando urubu

P- Eu vou mudar de toada

Para uma que mete medo

Nunca achei um cantor

Que desmanchasse esse enredo

É um dedo é um dado é um dia

É um dia é um dado é um dedo

C- Zé Preto este teu enredo

Te serve de zombaria

Tu hoje cegas de raiva

O diabo será teu guia

É um dia é um dado é um dedo

É um dedo é um dado é um dia

P- Cego respondestes bem

Como se estivesse estudado

Eu também de minha parte

Canto verso aprumado

É um dedo é um dado é um dia

É um dia é um dedo é um dado

C- Vamos lá, José Pretinho

Que eu já perdi o medo

Sou bravo como o leão

Sou forte como o penedo

É um dedo é um dado é um dia

É um dia é um dado é um dedo

P- Cego agora puxa uma

Das tuas belas toadas

Para ver se essas moças

Dão algumas gargalhadas

Quase todo o povo ri

Só as moças estão caladas

C- Amigo José Pretinho

Eu não sei o que será

De você no fim da luta

Porque vencido já está

– Quem a paca cara compra

A paca cara pagará

P- Cego, estou apertado

Que só um pinto no ovo

Estás cantando aprumado

E satisfazendo ao povo

Este seu lema da paca

Por favor cante de novo

C- Digo uma e digo dez

No cantar não tenho pompa

Presentemente não acho

Quem o meu mapa rompa

Paca cara pagará

Quem a paca cara compra

P- Cego, teu peito é de aço

Foi bom ferreiro que fez

Pensei que o cego não tinha

No verso tal rapidez

Cego, se não for massada

Repita a paca outra vez

C- Arre com tanta pergunta

deste negro capivara

Não há quem cuspa pra cima

Que não lhe caia na cara

– Quem a paca cara compra

Pagará a paca cara

P- Agora cego me ouça

Cantarei a paca já

Tema assim é um borrego

No bico de um carcará

Quem a cara cara compra

Caca cacaCacará

Houve um trovão de risadas

Pelo verso do Pretinho

O capitão Duda disse:

Arrede, pra lá negrinho

Vai descansar teu juízo

O cego canta sozinho

Ficou vaiado o Pretinho

Aí eu lhe disse: me ouça

José, quem canta comigo

Pega devagar na louça

Agora o amigo entregue

O anel de cada moça

Desculpe José Pretinho

Se não cantei a seu gosto

Negro não tem pé, tem gancho

Não tem cara tem é rosto

Negro na sala de branco

Só serve pra dar desgosto

Quando eu fiz estes versos

Com a minha rabequinha

Procurei o negro na sala

Já estava na cozinha

De volta queria entrar

Na porta da camarinha

Disponível em: http://osrascunhos.blogspot.com.br/2011/07/poesia-peleja-do-cego-aderaldo-com-ze.html

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Terror nas Torres Gêmeas – José João dos Santos (Mestre Azulão)

Como poeta repórter

Nordestino Brasileiro

Descrevo neste cordel

Um lamentável roteiro

Do mais cruel fanatismo

Num ato de terrorismo

Que abalou o mundo inteiro

Uma môça americana

Muito educada e gentil

Veio até a minha casa

Fez-me um convite febril

Para ir ao Cite Lore

Entre cordel e folclore

Representar o Brasil

(…)

Foi no dia dez de Abril

De noventa e nove o ano

Eu andando em Nova York

Isento de qualquer dano

Subi até o terraço

Daquele monstro de aço

E orgulho americano

Foi no World Trade Center

Com seus cento e dez andares

Eu contemplando a altura

Avistei muitos lugares

Dando a impressão

Que estava de avião

Ou flutuando nos ares

Do seu enorme terraço

Olhei a imensidão

Eu vi que de Nova Jersey

Vindo em nossa direção

um pouco se desviando

Passava de vez em quando

Velozmente um avião

Eu pensei naquela hora

Refletindo em minha mente

Deus defenda um avião

Se chocar por acidente

Nestes prédios e explodir

Além de se destruir

Pode matar muita gente

Pois, Azulão previu o acontecimento. Embora

proposital, ao invés de acidental, aquelas duas

torres eram um alvo e tanto. E comenta o

atentado terrorista:

Dois anos e cinco meses

Depois da minha visita

Terroristas portadores

De crueldade esquisita

Entre vinganças e tédios

Explodiram aqueles prédios

Ação cruel e maldita

(…)

É covarde e desumano

Quem faz atos de terror

Vingar-se de quem não fez

Maldade ou crime de horror

Uma ação injustamente

Fazer que o inocente

Pague pelo traidor

Passados alguns versos, o poeta faz algumas

críticas à política de “combate ao terror” do

governo estadunidense:

George Bush e seu império

Que quase o mundo governa

Com seus mísseis bombardeiros

Mata, destrói e inferna

Para Bin Laden encontrar

E sem perdão lhe matar

Com todos numa caverna

Mas só tem gastado armas

Helicóptero e avião

Bombardeando cidades

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37

Mulher, criança, ancião

Toda aquela pobre gente

Indefesa e inocente

Porém Bin Laden não

Assim, minha gente, Mestre Azulão narra mais

esta barbárie que impulsiona muitas outras

mais. Sem deixar de lado o humor, o Mestre

apresenta suas críticas e nos brinda com mais

um interessantíssimo cordel. Como de praxe,

finaliza com um acróstico, isto é, com versos

que são iniciados pelas letras que fazem seu

nome:

Não sou a favor do terror

Da morte e destruição

Mas quem fez ou faz maldade

Recebe a compensação

Não lembram os americanos

Que há cinquenta anos

Bombardearam o Japão

Milhares perderam as vidas

Ali num ato tirano

Zuada, grito e lamento

Um desastre desumano

Logo o fogo consumiu

Agonizou e feriu

O país americano

Disponível em: https://lercordel.wordpress.com/2011/09/11/o-11-de-setembro-em-cordel/

ABC DO NORDESTE FLAGELADO - Patativa do Assaré

A — Ai, como é duro viver

nos Estados do Nordeste

quando o nosso Pai Celeste

não manda a nuvem chover.

É bem triste a gente ver

findar o mês de janeiro

depois findar fevereiro

e março também passar,

sem o inverno começar

B — Berra o gado impaciente

reclamando o verde pasto,

desfigurado e arrasto,

com o olhar de penitente;

o fazendeiro, descrente,

um jeito não pode dar,

o sol ardente a queimar

e o vento forte soprando,

a gente fica pensando

que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,

como os trapos de um lençol,

pras bandas do pôr do sol,

as nuvens vão em fracasso:

aqui e ali um pedaço

vagando... sempre vagando,

quem estiver reparando

faz logo a comparação

de umas pastas de algodão

que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,

vem da montanha um agouro

de gargalhada e de choro

da feia e triste cauã:

um bando de ribançã

pelo espaço a se perder,

pra de fome não morrer,

vai atrás de outro lugar,

e ali só há de voltar,

um dia, quando chover.

E — Em tudo se vê mudança

quem repara vê até

que o camaleão que é

verde da cor da esperança,

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38

com o flagelo que avança,

muda logo de feição.

O verde camaleão

perde a sua cor bonita

fica de forma esquisita

que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta

o bonito sabiá,

quando flagelo não há

cantando se manifesta.

Durante o inverno faz festa

gorjeando por esporte,

mas não chovendo é sem sorte,

fica sem graça e calado

o cantor mais afamado

dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta

e dali desaparece,

o sabiá só parece

que com a seca se encanta.

Se outro pássaro canta,

o coitado não responde;

ele vai não sei pra onde,

pois quando o inverno não vem

com o desgosto que tem

o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau

de lá de dentro das grotas,

manda suas feias notas

o tristonho bacurau.

Canta o João corta-pau

o seu poema funério,

é muito triste o mistério

de uma seca no sertão;

a gente tem impressão

que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor,

a gente sente fugir,

tudo parece carpir

tristeza, saudade e dor.

Nas horas de mais calor,

se escuta pra todo lado

o toque desafinado

da gaita da seriema

acompanhando o cinema

no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça

dos animais do Nordeste;

com a seca vem a peste

e a vida fica sem graça.

Quanto mais dia se passa

mais a dor se multiplica;

a mata que já foi rica,

de tristeza geme e chora.

Preciso dizer agora

o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado

o coitado camponês

porque tanto esforço fez,

mas não lucrou seu roçado.

Num banco velho, sentado,

olhando o filho inocente

e a mulher bem paciente,

cozinha lá no fogão

o derradeiro feijão

que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira,

diz ele, vamos embora,

e depressa, sem demora

vende a sua cartucheira.

Vende a faca, a roçadeira,

machado, foice e facão;

vende a pobre habitação,

galinha, cabra e suíno

e viajam sem destino

em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte

sai aquela pobre gente,

agüentando paciente

o rigor da triste sorte.

Levando a saudade forte

de seu povo e seu lugar,

sem um nem outro falar,

vão pensando em sua vida,

deixando a terra querida,

para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião

de deixar mãe, deixar pai,

porém para o Sul não vai,

procura outra direção.

Vai bater no Maranhão

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39

onde nunca falta inverno;

outro com grande consterno

deixa o casebre e a mobília

e leva a sua família

pra construção do governo.

P - Porém lá na construção,

o seu viver é grosseiro

trabalhando o dia inteiro

de picareta na mão.

Pra sua manutenção

chegando dia marcado

em vez do seu ordenado

dentro da repartição,

recebe triste ração,

farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento,

quando há seca no sertão,

procura uma construção

e entra no fornecimento.

Pois, dentro dele o alimento

que o pobre tem a comer,

a barriga pode encher,

porém falta a substância,

e com esta circunstância,

começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente

fica a pobre criatura

e a boca da sepultura

vai engolindo o inocente.

Meu Jesus! Meu Pai Clemente,

que da humanidade é dono,

desça de seu alto trono,

da sua corte celeste

e venha ver seu Nordeste

como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro

sofre o velho, sofre o moço,

não tem janta, nem almoço,

não tem roupa nem dinheiro.

Também sofre o fazendeiro

que de rico perde o nome,

o desgosto lhe consome,

vendo o urubu esfomeado,

puxando a pele do gado

que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste

este fardo tão pesado,

no Nordeste flagelado

em tudo a tristeza existe.

Mas a tristeza mais triste

que faz tudo entristecer,

é a mãe chorosa, a gemer,

lágrimas dos olhos correndo,

vendo seu filho dizendo:

mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar

quem for reparar de perto

aquele mundo deserto,

dá vontade de chorar.

Ali só fica a teimar

o juazeiro copado,

o resto é tudo pelado

da chapada ao tabuleiro

onde o famoso vaqueiro

cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato,

a abelha zumbindo voa,

sem direção, sempre à toa,

por causa do desacato.

À procura de um regato,

de um jardim ou de um pomar

sem um momento parar,

vagando constantemente,

sem encontrar, a inocente,

uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora

na grande árvore copada,

vendo a floresta arrasada,

bate as asas, vai embora.

Somente o saguim demora,

pulando a fazer careta;

na mata tingida e preta,

tudo é aflição e pranto;

só por milagre de um santo,

se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão

dardeja o sol inclemente,

cada dia mais ardente

tostando a face do chão.

E, mostrando compaixão

lá do infinito estrelado,

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40

pura, limpa, sem pecado

de noite a lua derrama

um banho de luz no drama

do Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei

aquilo que observei;

tenho certeza que dei

aprovada relação.

Tudo é tristeza e amargura,

indigência e desventura.

— Veja, leitor, quanto é dura

a seca no meu sertão.

Disponível em: http://vermelho.org.br/noticia/43510-11

AS PROEZAS DE JOÃO GRILO – João Ferreira de Lima

João Grilo foi um cristão

que nasceu antes do dia

criou-se sem formosura

mas tinha sabedoria

e morreu depois da hora

pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses

chorou no bucho da mãe

quando ela pegou um gato

ele gritou: não me arranhe

não jogue neste animal

que talvez você não ganhe

Na noite que João nasceu

houve um eclipse na lua

e detonou um vulcão

que ainda continua

naquela noite correu

um lobisomem na rua

Porem João Grilo criou-se

pequeno, magro e sambudo

as pernas tortas e finas

boca grande e beiçudo

no sitio onde morava

dava noticia de tudo

João perdeu o pai

com sete anos de idade

morava perto de um rio

ia pescar toda tarde

um dia fez uma cena

que admirou a cidade.

O rio estava de nado

vinha um vaqueiro de fora

perguntou: dará passagem?

João Grilo disse: inda agora

o gadinho de meu pai

passou com o lombo de

fora.

O vaqueiro botou o cavalo

com uma braça deu nado

foi sair já muito embaixo

quase que morre afogado

voltou e disse ao menino:

você é um desgraçado!

João Grilo foi ver o gado

para provar aquele ato

veio trazendo na frente

um bom rebanho de pato

os patos passaram n'agua

João provou que era exato

Um dia a mãe de João

Grilo

foi buscar água à tardinha

deixou João Grilo em casa

e quando deu fé lá vinha

um padre pedindo água

nessa ocasião não tinha

João disse; só tem garapa

disse o padre: donde é?

João Grilo lhe respondeu:

é do engenho Catolé!

disse o padre: pois eu quero

João levou uma coité

O padre bebeu e disse:

oh! que garapa boa!

João Grilo disse: quer

mais?

o padre disse; e a patroa

não brigará com você?

João disse: tem uma canoa

João trouxe outra coité

naquele mesmo momento

disse ao padre: bebe mais

não precisa acanhamento

na garapa tinha um rato

estava podre o fedorento

O padre disse: menino

tenha mais educação

e porque não me disseste?

oh! natureza do cão!

pegou a dita coité

arrebentou-a no chão

João Grilo disse; danou-se!

misericórdia, S. Bento!

com isto mamãe se dana

me pegue mil e quinhentos

essa coité, seu vigário

é de mamãe mijar dentro!

O padre deu uma pôpa

disse para o sacristão

esse menino é o diabo

em forma de cristão!

meteu o dedo na goela

quase vomita o pulmão

João Grilo ficou sorrindo

pela cilada que fez

dizendo: vou confessar-me

no dia sete do mês

êle nunca confessou-se

foi essa a primeira vez

João Grilo tinha um

costume

para toda parte que ia

era alegre e satisfeito

no convivio da alegria

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41

João Grilo fazia graça

que todo mundo sorria

Num dia de sexta-feira

às cinco horas da tarde

João Grilo disse: hoje a

noite

eu assombro aquele padre

se êle não perdoar-me

na igreja há novidade

Pegou uma lagartixa

amarrou-a pelo gogó

botou-a numa caixinha

no bolso do palitó

foi confessar-se João Grilo

com paciência de Jó

As sete horas da noite

foi ao confissionário

fez logo pelo-sinal

pôsto nos pés do vigário

o padre disse: acuse-se;

João disse o necessário

Eu sou aquele menino

da garapa e da coité;

o padre disse: levante-se,

eu já sei você quem é;

João tirou a lagartixa

soltou-a junto do pé

A lagartixa subiu

por debaixo da batina

entrou na perna da calça

tornou-se feia a buzina

o padre meteu os pés

arrebentou a cortina

Jogou a batina fora

naquela grande fadiga

a lagartixa cascuda

arranhando na barriga;

João Grilo de lá gritava;

seu padre, Deus lhe castiga!

O padre impaciente

naquele turututu

saltava pra todo lado

que parecia um timbu

terminou tirando as calças

ficando o esqueleto nu

João disse: padre é homem?

pensei que fosse mulher anda vestido de saia

não casa porque não quer

isto é que é ser caviloso

cara de mata bebé

O padre disse: João Grilo

vai-te daqui infeliz!

João Grilo disse: bravo

do vigário da matriz

é assim que ele me paga

o benefício que fiz?

João Grilo foi embora

o padre ficou zangado

João Grilo disse: ora sêbo

eu não aliso croado

vou vingar-me duma raiva

que tive o ano passado

No subúrbio da cidade

morava um português

vivia de vender ovos

justamente nesse mês

denunciou de João Grilo

pelas artes que ele fez

João encontrou o português

com a égua carregada

com duas caixas de ovos

João lhe disse: oh!

camarada

deixa eu dizer a tua égua

uma pequena charada

O português disse: diga,

João chegou bem no ouvido

com a ponta do cigarro

soltou-a dentro escondido

a égua meteu os pés

foi temeroso estampido

Derrubou o português

foi ovos pra todo lado

arrebentou a cangalha

ficou o chão ensopado

o português levantou-se

tristonho e todo melado

O português perguntou:

o que foi que tu disseste

que causou tanto desgosto

a esse animal agreste?

- Eu disse que a mãe

morreu

o português respondeu:

oh égua besta da peste!

João Grilo foi a escola

com sete anos de idade

com dez anos êle saiu

por espontânea vontade

todos perdiam pra êle

outro Grilo como aquele

perdeu-se a propriedade

João Grilo em qualquer

escola

chamava o povo atenção

passava quinau nos mestres

nunca faltou com a lição

era um tipo inteligente

no futuro e no presente

João dava interpretação

Um dia pergunta ao mestre:

O que é que Deus não vê

o homem vê qualquer hora?

diz ele: não pode ser

pois Deus vê tudo no

mundo

em menos de um segundo

de tudo pode saber

João Grilo disse: qual nada

quêde os elementos seus?

abra os olhos, mestre velho

que vou lhe mostrar os

meus

seus estudos se consomem

um homem ver outro

homem

só Deus vão ver outro Deus

João Grilo disse: seu

mestre,

me diga como se chama

a mãe de todas as mães?

tenha cuidado no drama

o mestre coça a cabeça

disse: antes que me esqueça

vou resolver o programa

- A mãe de todas as mães

é Maria Concebida

João Grilo disse: eu

protesto

antes dela nascer

já esta mãe existia

não foi a Virgem Maria

oh que resposta perdida!

João Grilo disse depois

num bonito português:

a mãe de todas as mães já disse e digo outra vez

como a escritura ensina

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42

é a natureza divina

que tudo criou e fez

- Me responda professor

entre grandes e pequenos

quero que fique notável

por todos nossos terrenos

responda com rapidez

como se chama o mês

que a mulher fala menos?

- Êste mês eu não conheço

quem fez esta tabuada?

João Grilo lhe respondeu:

ora sêbo, camarada

pra mim perdeu o valor

ter o nome de professor

mais não conhece de nada

- êste mês é fevereiro

por todos bem conhecido

só tem vinte e oito dias

o tempo mais resumido

entre grandes e pequenos

é o que a mulher fala

menos

mestre, você está perdido

- Seu professor, me

responda

se algum tempo estudou

quem serviu a Jesus Cristo

morreu e não se salvou

no dia que êle morreu

seu corpo o urubu comeu

e ninguém o sepultou?

- Não conheço quem é esse

porque nunca vi escrito;

João Grilo lhe respondeu:

foi um jumento está dito

que a Jesus Cristo servia

na noite que êle fugia

de Belém para o Egito

João Grilo olhou de um

lado

disse para o diretor:

fique sabendo o senhor

sem dúvida exame não fez

o aluno desta vez

ensinou ao professor

João Grilo foi para casa

encontrou sua mãe chorando

êle então disse: mamãe

não está ouvindo

encantando?

não chora, cante mais antes

pois o seu filho garante

pra isso vive estudando

A mãe de João Grilo disse:

choro por necessidade

sou uma pobre viúva

e tu de menor idade

até da escola saíste;

João lhe disse: ainda existe

o mesmo Deus de bondade

— A senhora pensa em

carne

de vinte mil réis o quilo

ou talvez no meu destino

que a fôrça hei de segui-lo?

não chore, fique bem certa

a senhora só se aperta

quando matarem João Grilo

João chegou no rio

ás cinco horas da tarde

passou até nove horas

porém tudo foi debalde

na noite triste e sombria

João Grilo sem companhia

voltava sem novidade

Chegando dentro da mata

ouviu lá dentro um gemido

os lobos devoradores

o caminho interrompido

e trepou-se num pinheiro

como era forasteiro

ficou calado escondido

Os lobos foram embora

e João não quis descer

disse: eu dormirei aqui

siceda o que suceder

eu hoje imito araquan

só vou embora amanhã

quando o dia amanhecer

O Grilo ficou trepado

temendo lobos e leões

pensando na fatal sorte

e recordando as lições

que na escola estudou

quando do súbito chegou

uns quatro ou cinco ladrões

Eram uns ladrões de Meca

que roubavam no grito

se ocultavam na mata

naquele bosque esquisito

pois cada um de persi

que vinha juntar-se ali

para ver quem era perito

O capitão dos ladrões

disse: não fala ninguém?

um respondeu: não senhor

disse ele: muito bem

cuidado, não roubem vã

vamos ajuntar-nos amanhã

na capela de Belém

— Lá partiremos o dinheiro

pois aqui tudo é graúdo

temos um roubo a fazer

desde ontem que estudo

mas já estou preparado;

e o Grilo lá trepado

calado e escutando tudo.

Os ladrões foram embora

depois da conversação

João Grilo ficou ciente

dizendo em seu coração:

se Deus ajudar a mim

acabou-se tempo ruim

sou eu quem ganho a

questão

João Grilo desceu da árvore

quando o dia amanheceu

mas quando chegou em

casa

não contou o que se deu

furtou um roupão de malha

vestiu fez uma mortalha

lá no mato se escondeu

À noite foi pra capela

por detraz da sacristia

vestiu-se com a mortalha

pois a capela jazia

sempre com a porta aberta

João Grilo partiu na certa

colhêr o que pretendia

Deitou-se lá num caixão

que enterrava defunto

João Grilo disse: hoje aqui

vou ganhar um bom

presunto;

os ladrões foram chegando João Grilo observando

sem pensar em outro

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assunto

Acenderam um farol

penduraram numa cruz

foram contar o dinheiro

no claro de uma luz

João Grilo de lá gritou:

esperem por mim que vou

com as ordens de Jesus!

Os ladrões dali fugiram

quando viram a alma em pé

João Grilo ficou com tudo

disse: já sei como é

nada no mundo me atrasa

agora vou pra casa

tomar um rico café

Chegou e disse: mamãe

morreu nossa precisão

o ladrão que rouba outro

tem cem anos de perdão;

contou o que tinha feito

disse a velha: está direito

vamos fazer refeição

Bartolomeu do Egito

foi um rei de opinião

mandou convidar João

Grilo

pra uma adivinhação

João Grilo disse: eu vou,

no outro dia embarcou

para saudar o sultão

João Grilo chegou na corte

cumprimentou o sultão

disse: pronto, senhor rei

(deu-lhe um aperto de mão)

com calma e maneira doce

o sultão admirou-se

da sua disposição

O sultão pergunta ao Grilo:

de onde você saiu?

aonde você nasceu?

João Grilo fitou ele e sorriu

— Sou deste mundo

d'agora

nasci na ditosa hora

que minha mãe me pariu

— João Grilo, tu adivinha?

e Grilo respondeu, não

eu digo algumas coisas conforme a ocasião

quem canta de graça é galo

cangalha só pra cavalo

e sêca só no sertão

— Eu tenho doze perguntas

pra você me responder

no prazo de quinze dias

escute o que vou dizer

veja lá como se arruma

è bastante faltar uma

está condenado a morrer

João Grilo disse: estou

pronto

pode dizer a primeira

se acaso sair-me bem

venha a segunda e a terceira

venha a quarta e a quinta

talvez o Grilo não minta

diga até a derradeira

Perguntou: qual o animal

que mostra mais rapidez

que anda de quatro pés

de manhã por sua vez

ao meio-dia com dois

passando disto depois

a tarde anda com três?

O Grilo disse: é o homem

que se arrasta pelo chão

no tempo que engatinha

depois toma posição

anda em pé bem seguro

mas quando fica maduro

faz três pés com o bastão

O sultão maravilhou-se

com sua resposta linda

João disse: pergunte outra

vou ver se respondo ainda;

a segunda o sultão fez

João Grilo daquela vez

celebrizou sua vinda

— Grilo, você me responda

em termos bem divididos

uma cova bem cavada

doze mortos estendidos

e todos mortos falando

cinco vivos passeando

trabalham com três sentidos

— Esta cova é um violão

com prima, baixo e bordão

mortas são as doze cordas quando canta um cidadão

canta, toca e faz verso

cinco vivos num progresso

os cinco dedos da mão

Houve uma salva de palma

com vivas que retumbou

o sultão ficou suspenso

seu viva também bradou

depois pediu silencio

com outro desejo imenso

a terceira perguntou

João Grilo, qual é a coisa

que eu mandei carregar

primeiro dia e segundo

no terceiro fui olhar

quase dá-me a tiririca

se tirar mais grande fica

não mingua, faz aumentar?

— Senhor rei, sua pergunta

parece me fazer guerra

um Grilo não tem saber

criado dentro da serra

mas digo pra quem conhece

o que tirando mais cresce

é um buraco na terra

— João Grilo, vou terminar

as perguntas do tratado

e Grilo disse: pergunte

quero ficar descansado;

disse o rei: é muito exato

o que é que vem do alto

cai em pé, corre deitado?

— Aquele que cai em pé

e sai correndo no chão

será uma grande chuva

nos barros de um sertão;

o rei disse: muito bem

no mundo todo não tem

outro Grilo como João

— João Grilo, você bebe?

João disse: bebo 1

pouquinho

e disse: eu não sou filho

de Baco que fez o vinho

o meu pai morreu bebendo

eu o que estou fazendo?de

boca aberta em seu ninho

O rei disse: João Grilo

beber è coisa ruim

e Grilo respondeu: qual o meu pai dizia assim:

na casa de seu Henrique

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zelam bem um alambique

melhor do que um jardim

O rei disse: João Grilo

tua fama é um estrondo

João Grilo disse: eu

sabendo

o que perguntar respondo

disse o rei enfurecido:

o que tem o pé comprido

e faz o rastro redondo?

Senhor rei, tenho

lembrança

de tempo da minha avó

que ela tinha um compasso

na caixa do bororó

como êsse eu também ando

fazendo o rastro redondo

andando com uma perna só

João qual é o bicho,

que passa pela campina

a qualquer hora da noite

andando de lamparina?

é um pequeno animal

tem luz artificial;

veja o que determina

— Esse bicho eu já vi

pois eu tinha por costume

de brincar sempre com êle

minha mãe tinha ciúme

eu andava pelo campo

uns chamam pirilampo

e outros de vagalume

O rei já tinha esgotado

a sua imaginação

não achou uma pergunta

que interrompesse a João

disse: me responda agora

qual é o olho que chora

sem haver consolação?

O Grilo então respondeu:

lá muito perto da gente

tem num oiteiro importante

um moço muito doente

suas lágrimas têm paladar

quem não deixa de chorar

é ôlho d'água vertente

O rei inventou um truque

do jeito que lhe convinha — Vou arrumar uma cilada

ver se João adivinha

mandou vir um alçapão

fez outra adivinhação

escondeu uma bacurinha

— João, o que é que tem

dentro deste alçapão?

se não disser o que é

é morto, não tem perdão

João Grilo lhe respondeu:

quem mata um como eu

não tem dó no coração

João lhe disse: esse objeto

nem é manso nem é brabo

nem é grande nem é

pequeno

nem é santo nem é diabo

bem que mamãe me dizia

que eu ainda caía

onde a porca torce o rabo

Trouxeram uma bandeja

ornada de muitas flores

dentro dela uma latinha

cheia de muitos fulgores

o rei lhe disse: João Grilo

é este o último estrilo

que rebenta tuas dores

João Grilo desta vez

passou na última estica

adivinhar uma coisa

nojenta que se pratica

fugir da sorte mesquinha

pois dentro da lata tinha

um pouquinho de xinica

O rei disse: João Grilo

veja se escapa da morte

o que tem nesta latinha?

responda se tiver sorte

toda aquela populaça

queria ver a desgraça

do Grilo franzino e forte

— Minha mãe profetizou

que o futuro è minha perda

— Dessas adivinhações

brevemente você herda

faz de conta que já vi

como esta hoje aqui

parece que dá em merda

O rei achou muita graça

nada teve o que fazer João Grilo ficou na corte

com regosijo e prazer

gozando um bom paladar

foi comer sem trabalhar

desta data até morrer

E todas as questões do

reino

era João que deslindava

qualquer pergunta difícil

ele sempre decifrava

julgamentos delicados

problemas muito

enrascados

e João Grilo desmanchava

Certa vez chegou na corte

em mendigo esfarrapado

com uma mochila nas

costas

dois guardas de cada lado

seu rosto cheio de mágoa

os olhos vertendo água

fazia pena o coitado

Junto dele estava um duque

que veio denunciar

dizendo que o mendigo

na prisão ia morar

por não pagar a despesa

que fizera por afoiteza

sem ter como lhe pagar

João Grilo disse ao

mendigo:

e como é, pobretão

que se faz uma despesa

sem ter no bolso um tostão

me conte todo passado

depois de eu ter-lhe

escutado

lhe darei razão ou não

Disse o mendigo: sou pobre

e fui pedir uma esmola

na casa do senhor duque

levei a minha sacola

quando cheguei na cozinha

vi cozinhando galinha

numa grande caçarola

Como a comida cheirava

eu tive apetite nela

tirei um taco de pão

e marchei pro lado dela

e sem pensar na desgraça

botei o pão na fumaça que saia da panela

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45

O cozinheiro zangou-se

chamou logo o seu senhor

dizendo que eu roubara

da comida o seu sabor

só por eu ter colocado

um taco de pão mirrado

aproveitando o vapor

Por isso fui obrigado

a pagar essa quantia

como não tive dinheiro

o duque por tirania

mandou trazer-me

escoltado

para depois de ser julgado

ser posto na enxovia

João Grilo disse: está bem

não precisa mais falar:

então perguntou ao duque:

quanto o homem vai pagar?

- Cinco coroas de prata

ou paga ou vai pra chibata

não lhe deve perdoar

João Grilo tirou do bolso

a importância cobrada

na mochila do mendigo

deixou-a depositada

e disse para o mendigo:

balance a mochila, amigo

pro duque ouvir a zuada

O mendigo sem demora

fez como Grilo mandou

pegou sua mochilinha

sem compreender o truque

bem no ouvido do duque

o dinheiro tilintou

Disse o duque enfurecido:

mas não recebi o meu,

diz João Grilo: sim senhor,

isto foi o que valeu

deixe de ser batoteiro

o tinido do dinheiro

o senhor já recebeu

- Você diz que o mendigo

por ter provado o vapor

foi mesmo que ter comido

seu manjar e seu sabor

pois também é verdadeiro

que o tinir do dinheiro

representa o seu valor

Virou-se para o mendigo

e disse: estás perdoado

leva o dinheiro que dei-te

vai pra casa descansado

o duque olhou para o Grilo

depois de dar um estrilo

saiu por ali danado

A fama então de João Grilo

foi de nação em nação

por sua sabedoria

e por seu bom coração

sem ser por êle esperado

um dia foi convidado

para visitar um sultão

O rei daquele país

quis o reino embandeirado

pra receber a visita

do ilustre convidado

o castelo estava em flores

cheio de tantos fulgores

ricamente engalanado

As damas da alta côrte

trajavam decentemente

tôdacôrte imperial

esperava impaciente

ou por isso ou por aquilo

para conhecer João Grilo

figura tão eminente

Afinal chegou João Grilo

no reinado do sultão

quando êle entrou na côrte

que grande decepção!

depalitó remendado

sapato velho furado

nas costas um matulão

O rei disse: não é ele

pois assim já é demais;

João Grilo pediu licença

mostrou-lhe as credenciais

embora o rei não gostasse

mandou que ele ocupasse

os aposentos reais

Só se ouvia cochichos

que vinham de todo lado

as damas então diziam:

é esse o homem falado?

duma pobreza tamanha

e ele nem se acanha

de ser nosso convidado?

Até os membros da côrte

diziam num tom chocante

pensava que o João Grilo

fôsse dum tipo elegante

mas nos manda 1

remendado

sem roupa, esfarrapado

um maltrapilho ambulante

E João Grilo ouvia tudo

mas sem dar demonstração

em toda a côrte real

ninguem lhe dava atenção

por mostrar-se

esmolambado

tinha sido desprezado

naquela rica nação

Afinal veio um criado

e disse sem o fitar:

já preparei o banheiro

para o senhor se banhar

vista uma roupa minha

e depois vá pra cozinha

na hora de almoçar

João Grilo disse; está bom;

mas disse com seu botão:

roupas finas trouxe eu

dentro de meu matulão

me apresentei rasgado

para ver neste reinado

qual era a minha impressão

João Grilo tomou um

banho

vestiu uma roupa de gala

então muito bem vestido

apresentou-se na sala

ao ver seu traje tão belo

houve gente no castelo

que quase perdia a fala

E então toda repulsa

transformou-se de repente

o rei chamou-o pra mesa

como homem competente

consigo, dizia João:

na hora da refeição

vez ensinar esta gente

O almoço foi servido

porém João não quis comer

despejou vinho na roupa

só para vê-lo escorrer

ante a corte estarrecida

encheu os bolsos de comida

para toda corte ver

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46

O rei bastante zangado

perguntou pra João:

por que motivo o senhor

não come da refeição?

respondeu João com

maldade:

tenha calma, majestade

digo já toda razão

Esta mesa tão repleta

de tanta comida boa

não foi posta pra mim

um ente vulgar a toa

desde sobre-mesa a sopa

foram postas à minha roupa

e não à minha pessoa

Os comensais se olharam

o rei pergunta espantado:

por que o senhor diz isto

estando tão bem tratado?

disse João: isso se explica

por está de roupa rica

não sou mais esmolambado

Eu estando esfarrapado

ia comer na cozinha

mas como troquei de roupa

como junto da rainha

vejo nisto um grande ultraje

homenagem ao meu traje

e não a pessoa minha

Toda corte imperial

pediu desculpa a João

e muito tempo falou-se

naquela dura lição

e todo mundo dizia

que sua sabedoria

era igual a Salomão.

Disponível em: http://poesianordestina.blogspot.com.br/2013/10/as-proezas-de-joao-grilo.html

O ALUNO INTELIGENTE E OS COLEGAS IGNORANTES

(Trechos do cordel de Janduhi Dantas)

Havia numa escola

entre muitos estudantes

quatro colegas de classe

de estilos contrastrantes:

um que era inteligente

e três bem ignorantes.

'Falso', 'Mínimo', 'Arrependido'

e o quarto 'Quero-Tentar'

eram os quatro meninos

cuja história vou contar

peço a atenção dos leitores

que o desfecho é exemplar!

O aluno 'Falso' era

preguiçoso e vagabundo

se o assunto era estudar

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47

se sentia moribundo

quando era dia de prova

filava de todo mundo.

O aluno 'Mínimo', 'esperto'

assim vivia pensando:

'Pra eu passar, basta um 7

vou com a barriga empurrando'

era o tal aluno-cobra

que só passa se arrastando!

O aluno 'Arrependido'

faltava muito à escola

faltava três, ia um dia

queria saber de bola

e no seu time jogava

trombadinha e cheira-cola.

'Quero-Tentar' era esperto

muito vivo, inteligente

não entendendo o assunto

não ficava indiferente

pedia pra professora:

'Nos explique novamente!'

O tempo, que nunca pára

acabou por transformar

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48

aqueles quatro meninos

em adultos, por lhes dar

hoje a oportunidade

de seu destino encontrar.

'Falso' hoje vive mal

pensando que é artista

vive de enganar o povo

é um grande vigarista

dá golpe de toda espécie

(e a polícia em sua pista!).

O aluno 'Mínimo' hoje

vive miseravelmente

sequer um salário mínimo

'Mínimo' ganha atualmente

vive mais desempregado

faz um bico raramente

Hoje em dia 'Arrependido'

não é feliz, não tem paz

está envolvido em tráfico

de droga com marginais

no jornal tem sua foto

nas páginas policiais.

'Quero-Tentar' hoje em dia

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49

é uma grande autoridade

honesto, simples, leal

(sua personalidade)

se tornou o Presidente

do país 'Felicidade'."

Disponível em:http://cordelendo.blogspot.com.br/2016/05/tipos-de-aluno.html

A TERRA É NATURÁ – Patativa do Assaré

Sinhô dotô, meu ofiço

É servi ao meu patrão.

Eu não sei fazêcomiço,

Nem discuço, nem sermão;

Nem sei as letra onde mora,

Mas porém, eu quero agora

Dizê, com sua licença,

Uma coisa bem singela,

Que a gente pra dizê ela

Não percisa de sabença.

Se um pai de famia honrado,

Morre, dexando a famia,

Os seus fiinho adorado

Por dono da moradia,

E aqueles irmão mais véio,

Sem pensá nos Evangéio,

Contro os novo a toda hora

Lança da inveja o veneno

Intébotá os mais pequeno

Daquela casa pra fora.

Disso tudo o resurtado

Seu dotô sabe a verdade,

Pois, logo os prejudicado

Recorre às oturidade;

E no chafurdo infeliz

Depressa vai o juiz

Fazê. a paz dos irmão

E se ele fôjusticêro

Parte a casa dos herdêro

Pra cada quá seu quinhão.

Seu dotô, que estudou munto

E tem boa inducação,

Não ignore este assunto

Da minha comparação,

Pois este pai de famia

É o Deus da Soberania,

Pai do sinhô e pai meu,

Que tudo cria e sustenta,

E esta casa representa

A terra que Ele nos deu.

O pai de famia honrado,

A quem tô me referindo,

É Deus nosso Pai Amado

Que lá do Céu tá me uvindo,

O Deus justo que não erra

E que pra nós fez a terra,

Este praneta comum;

Pois a terra com certeza

É obra da natureza

Que pertence a cada um.

Esta terra é como o Só

Que nace todos os dia

Briando o grande, o menó

E tudo que a terra cria.

O só quilarêa os monte,

Tombém as água das fonte,

Com a sua luz amiga,

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Potrege, no mesmo instante,

Do grandaião elefante

A pequenina formiga.

Esta terra é como a chuva,

Que vai da praia a campina,

Móia a casada, a viúva,

A véia, a moça, a menina.

Quando sangra o nevuêro,

Pra conquistá o aguacêro

Ninguém vai fazê fuxico,

Pois a chuva tudo cobre,

Móia a tapera do pobre

E a grande casa do rico.

Esta terra é como a lua,

Este foco prateado

Que é do campo até a rua,

A lampa dos namorado;

Mas, mesmo ao véiocacundo,

Já com ar de moribundo

Sem amô, sem vaidade,

Esta lua cô de prata

Não lhe dêxa de sê grata;

Lhe manda quilaridade.

Esta terra é como o vento,

O vento que, por capricho

Assopra, as vez, um momento,

Brando, fazendo cuchicho.

Otras vez, vira o capêta,

Vai fazendo piruêta,

Roncando com desatino,

Levando tudo de móio

Jogando arguêro nos óio

Do grande e do pequenino.

Se o orguiôsopodesse

Com seu rancô desmedido,

Tarvez até já tivesse

Este vento repartido,

Ficando com a viração

Dando ao pobre o furacão;

Pois sei que ele tem vontade

E acha mesmo que percisa

Gozá de frescô da brisa,

Dando ao pobre a tempestade.

Pois o vento, o só, a lua,

A chuva e a terra também,

Tudo é coisa minha e sua,

Seu dotô conhece bem.

Pra se sabê disso tudo

Ninguém precisa de istudo;

Eu, sem escrevê nem lê,

Conheço desta verdade,

Seu dotô, tenha bondade

De uvi o que vô dizê.

Não invejo o seu tesoro,

Sua mala de dinhêro

A sua prata, o seu ôro

o seu boi, o seu carnêro

Seu repôso, seu recreio,

Seu bom carro de passeio,

Sua casa de morá

E a sua loja surtida,

O que quero nesta vida

É terra pra trabaiá.

Iscute o que tô dizendo,

Seu dotô, seu coroné:

De fome tão padecendo

Meus fio e minha muié.

Sem briga, questão nem guerra,

Meça desta grande terra

Umas tarefa pra eu!

Tenha pena do agregado

Não me dêxe deserdado

Daquilo que Deus me deu.

Disponível em: http://vermelho.org.br/noticia/43510-11

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51

Como você vê a mulher sendo representada, nos diferentes gêneros textuais

e/ou literários aos quais você já teve acesso?

O NORDESTE É A PERIFERIA DO BRASIL – Jarid Arraes

Já dizia Patativa

Grande mestre

professor:

Pra falar da minha terra

Tem de ser conhecedor

Só possui conhecimento

Com bastante

embasamento

Quem daqui é morador.

Nordestina é essa gente

Que conhece a exclusão

O injusto esquecimento

Triste de desilusão

Pois se vive condenado

Invisível e renegado

Feito fosse reclusão.

O nordeste é preterido

Já tem tempo até demais

E por causa dessa sina

Já de nossos ancestrais

Muita gente foi simbora

Desde antes té agora

Vivendo nas capitais.

Só que na cidade grande

Nordestino vira bicho

Humilhado e explorado

Só tratado como lixo

O trabalho e a labuta

É o som que se escuta

Nessa vida de serviço.

Trabalhando feito

escravo

Sem direito ou

assistência

Nosso povo é oprimido

Num teste de resistência

No sol quente ou no frio

Pelos cantos do Brasil

Sem espaço pra

clemência.

Esse prédio tão bonito

Que paulista tanto gosta

Só pode ser construído

Com o peso em nossas

costa

Sem família pra cobrar

Se morreu, pode

enterrar

Feito um pedaço de

bosta.

Foi assim com os

candangos

Que fizeram essa

Brasília

E saíram de suas terras

Pra viver na disbulia

Até hoje esse sumiço

Foi o pago do serviço

Duma constante vigília.

Trabalhar de sol a sol

É coisa de nordestino

Que batalha todo dia

Pra mudar o seu destino

Não tem tempo ocioso

Muito menos

preguiçoso

Só vivendo o desatino.

As mulheres nordestinas

Desde cedo exploradas

Na cozinha ou no bordel

São ainda traficadas

Ser mulher não é

moleza

E falando com

franqueza

Só nos veem de

empregada.

A batalha feminina

É puxada e dolorida

É na roça e na cidade

Trabalhando por comida

Com os filho

abandonada

É de meretriz chamada

E com força reprimida.

ATIVIDADE ORAL

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52

Se virar uma empregada

Pra limpar a casa alheia

O dinheiro é uma

miséria

Que não faz um pé de

meia

E o patrão que assedia

Só demonstra a

covardia

Dessa elite brasileira.

Muitas dessas

nordestinas

Que acabam no sudeste

Não arranjam um

trabalho

Nem um salário que

preste

E a prostituição

Vira a única opção

Nesse mundo cafajeste.

Para além de tudo isso

Que envolve o trabalhar

É notável e evidente

O desejo de apagar

A cultura nordestina

De riqueza que ensina

E só faz nos orgulhar.

Já começa do sotaque

Essa padronização

Que imita nossa fala

Nessa vil televisão

E a gente é debochado

Com o riso escrachado

Sem contextualização.

Para o povo nordestino

Fica o resto do sobejo

Bota a gente de piada

Nesse cultural despejo

Que rejeita nossa arte

Faz de nós a contraparte

Dum cruel e mau

desejo.

Quem despreza nossa

gente

Não esconde o que

almeja

Que é a nossa extinção

Bem entregue de

bandeja

Pedem a separação

Dividindo essa nação

Numa linha que traceja.

Mas pior é perceber

O que dói é constatar

Que nem mesmo a

esquerda

Que se diz politizar

Lembra do nosso

nordeste

Pois só olha pro sudeste

Sem querer mobilizar.

Só quem fala é

sudestino

O lembrado maiorial

Convidado em todo

canto

Palestrante coisa e tal

O nordeste é invisível

Na política risível

Sem conduta e imoral.

É por isso que eu digo

Fácil é ser miltante

E falar coisa bonita

Dando uma de

importante

Mas na hora de provar

E na prática atestar

Só se mostra ignorante.

Pois o reconhecimento

Pro sudeste é destinado

Não importa a corrente

Nem problema

abordado

Se falar de feminismo

De favela, de racismo

O nordeste é apagado.

Mas pra cá no

Pernambuco

E no Rio Grande do

Norte

Ceará ou Paraíba

Também acontece

morte

Nordestino é minoria

Sem nenhuma regalia

E jogado à própria

sorte.

No nordeste tem

racismo

E a mulher é espancada

Também tem

homofobia

E a travesti rejeitada

Também vive nessa

terra

Enfrentando uma guerra

Onde é silenciada.

Nossa terra tem favela

E a polícia é militar

Aqui tem periferia

Falta só tu enxergar

É por isso que eu grito

E nem vou falar bonito

Pra paulista se agradar.

Já estamos saturados

Dessa discriminação

Pois a nossa inteligência

Não é para a servidão

A gente não é capacho

Dessa bando de diacho

Elitista fi do cão.

Eu não mudo meu

sotaque

Nem meu termo

imponente

A riqueza da minha

terra

Que é falada pela gente

Como disse o Suassuna

Minha língua é

Jaguaruna

E não troco meu oxente.

Com orgulho falo alto

Essa pátria me pariu

Como filha nordestina

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Dessa força feminil

Me calar não poderia

Eu sou da periferia

Da perifa do Brasil.

Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2015/04/25/cordel-o-nordeste-e-

periferia-brasil/

Jarrid Arraes

Nascida e criada em Juazeiro do Norte, Jarid é íntima da literatura de cordel

desde criança. Seu pai e avô são cordelistas e também fazem xilogravuras (técnica na

qual se usa madeira como matriz e a reprodução da imagem é geralmente gravada sobre

papel). "Cresci nesse contato direto com o cordel, que é uma manifestações da cultura

popular nordestina. Eu era a primeira a ler os cordéis do meu pai e do meu avô, que

tratam de assuntos mais politizados em suas obras - é o que chamamos de Cordel

Engajado."

Quando começou a produzir os seus, Jarid não teve dúvida de eles também

seriam politizados. "Escrevo sobre o que me deixa engasgada", diz. Mulher, negra e

nordestina, Jarid transforma suas vivências em versos rimados. "Os temas foram

surgindo a partir da minha própria experiência, dos preconceitos e assédios que sofro

diariamente e assisto o outro sofrer", revela.

Além de cordelista, Jarid é comprometida com projetos sobre direitos humanos e

tem uma coluna semanal na revista Fórum, chamada Questão de gênero. Por lá, ela

publica textos de opinião e também cordéis. Um dos últimos, "Não me chame de

mulata", viralizou e causou discussões na internet. "Recebi dezenas de comentários me

xingando por causa do cordel ‘Não me chame de mulata’. Por outro lado - e esse, sim,

vale a pena - já li pessoas afirmando que nunca mais usarão o termo", escreveu em sua

timeline do Facebook.

Disponível em: http://revistatrip.uol.com.br/tpm/cordelista-e-feminista-conheca-jarid-arraes-uma-voz-

de-protesto-contra-a-opressao