71
Os traços da minha negritude Memórias e reflexões de um negro de pele branca Jonathan Reginnie de Sena Lima 2012 Contatos: [email protected]

Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Os traços da minha

negritude

Memórias e reflexões de um negro de pele branca

Jonathan Reginnie de Sena Lima

2012

Contatos: [email protected]

Page 2: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

IdentidadeJorge Aragão

Contatos: [email protected]

Page 3: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

“Elevador é quase um temploExemplo pra minar teu sono

Sai desse compromissoNão vai no de serviço

Se o social tem dono, não vai...

Quem cede a vez não quer vitóriaSomos herança da memória

Temos a cor da noiteFilhos de todo açoite

Fato real de nossa história

Se o preto de alma branca pra vocêÉ o exemplo da dignidade

Não nos ajuda, só nos faz sofrerNem resgata nossa identidade

Se o preto de alma branca pra vocêÉ o exemplo da dignidade

Não nos ajuda, só nos faz sofrerNem resgata nossa identidade

Elevador é quase um temploExemplo pra minar teu sono

Sai desse compromissoNão vai no de serviço

Se o social tem dono, não vai...

Quem cede a vez não quer vitóriaSomos herança da memória

Temos a cor da noiteFilhos de todo açoite

Fato real de nossa história

Se o preto de alma branca pra vocêÉ o exemplo da dignidade

Não nos ajuda, só nos faz sofrerNem resgata nossa identidade

Elevador é quase um temploExemplo pra minar teu sono

Sai desse compromissoNão vai no de serviço

Se o social tem dono, não vai...

Quem cede a vez não quer vitóriaSomos herança da memória

Temos a cor da noiteFilhos de todo açoite

Fato real de nossa história”

Contatos: [email protected]

Page 4: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Contatos: [email protected]

Page 5: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

SumárioResumo...............................................................................................................................................1

Introdução.........................................................................................................................................1

Palavras-chave.................................................................................................................................2

Considerações iniciais...................................................................................................................2

O paradoxo aparente de um negro envolto em pele branca...........................................3

Preto versus negro.....................................................................................................................6

Dos critérios de analise do pertencimento etnicorracial.................................................7

Autodenominação dos povos ou análise endógena.........................................................8

Heterodenominação ou análise exógena............................................................................8

Algumas considerações sobre os critérios de pertencimento................................8

Alguns desafios à implantação da heterodenominação ou análise exógena.........9

A Constituição Federal 1988 e as normas infraconstitucionais no sentido de promover igualdade e respeito à cultura negra................................................................10

Constituição Federal de 1988..............................................................................................10

Legislação infraconstitucional.............................................................................................11

Lei 10.639/10 – Educação Afro-brasileira....................................................................11

Lei 11.645/10 - Obrigatoriedade da temática de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena............................................................................................................12

Lei 12.288/10 – Estatuto da Igualdade Racial............................................................12

O Código Penal e os crimes de racismo e injúria qualificada..............................13

A identidade negra: construções, abstrações e supressões..........................................14

A filosofia de vida voltada ao controle de malefícios sociais e ao estímulo à solidariedade..................................................................................................................................17

Brasil – África: similitudes e particularidades...................................................................19

O homem e o meio-ambiente: uma relação dialógica de pertencimento, respeito na dialética social e religiosa tradicional.............................................................................21

Os orixás e seus domínios naturais: o sincretismo da religião com os movimentos migratórios e modelos de exploração ambiental.................................23

O número 7..............................................................................................................................25

Contatos: [email protected]

Page 6: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Conclusão.........................................................................................................................................26

Referências......................................................................................................................................26

Textos sugeridos........................................................................................................................26

Vídeos sugeridos.......................................................................................................................28

Anexos...............................................................................................................................................30

Textos...........................................................................................................................................30

Espectros................................................................................................................................30

Resgate afro-brasileiro...................................................................................................31

Assim nasceu o Candomblé.........................................................................................32

Coisa de Pele........................................................................................................................33

Imagens.......................................................................................................................................34

Contatos: [email protected]

Page 7: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Jonathan Reginnie de Sena

Lima1

Resumo

Este artigo busca analisar as

relações etnicorraciais, dentro

de um prisma sociológico,

antropológico, político e

jurídico perpassando por

discussões teóricas acerca das

situações de preconceito,

racismo e intolerância que vem

se introduzindo de maneira

cada vez mais forte e sutil,

silenciosa em nossa sociedade,

buscando, ao término desta

releitura iniciar o processo de

resgate e restauração das

1 Acadêmico nas graduações de Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Bacharelado em Direito pela Faculdade Metropolitana da Grande Recife (FMGR).

relações com a ancestralidade

negra a partir de uma

perspectiva que busca

observar as similitudes e as

particularidades que

entrelaçam o continente e os

povos africanos e os povos do

Brasil.

Introdução

A questão da identidade

negra é tema recorrente nos

pensamentos diários na

sociedade brasileira por sua

complexidade e necessidade de

estudos aprofundados com o

objetivo de romper alguns

preconceitos e interdições. No

ramo acadêmico este tema

torna-se ainda mais

interessante quando se analisa

indivíduos que, em seu

desenvolvimento pessoal

acabam assumindo uma

postura política no sentido de

desenvolver mecanismos de

ação no combate de

discriminações com ênfase às

discriminações etnicorraciais.

Em especial este artigo versará

sobre aqueles indivíduos que

Contatos: [email protected]

Page 8: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

não são considerados negros

por grande parte da população

uma vez que não trazem em si

insígnias fenotípicas da

negritude, mas que

compartilham da filosofia e dos

mecanismos de

reconhecimento identitário

negro-africano de tal maneira

que estimula a relação

proximal com a ancestralidade

negra, buscando não só

proferir discursos, mas

também exercitá-lo em sua

práxis.

Analisar as interfaces da

realidade sócio histórica da

conjuntura do negro e

populações afrodescendentes

no Brasil é necessário,

buscando observar como as

noções e imagens

preconceituosas interagem no

que se refere à parcialização

do provimento de uma série de

Direitos e Garantias

Fundamentais, tratados aqui

sob um patamar de condições

mínimas de vida, e por isso

basilares, intensamente

reduzidas no que se pode

conceber em comparação com

as condições de oferta e

manutenção dos mesmos

direitos aos ditos brancos

(eleitos historicamente como

classe socialmente dominante).

Perpassando pelos

princípios da filosofia das

religiões de matrizes africanas

que se fundem à noção de

organização social

tradicionalmente africana, que

irradia para as diversas searas

da vida social, escolhemos a

antropologia como instrumento

hermenêutico, para melhor

compreendermos a conjuntura

do negro e analisar como este

está sendo tratado na

sociedade brasileira, busca-se

analisar com um pouco mais de

profundidade a relação entre

as religiões de matrizes

africanas, e a instauração de

uma identidade social que

persiga a imensa necessidade

de compreender e respeitar a

diversidade sob o prisma do

dialetismo das relações sociais.

Contatos: [email protected]

Page 9: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Palavras-chave

Identidades sociais,

afrodescendência, negritude,

africanidade, processos de

exclusão etnicorracial,

mecanismos de pertencimento

etnicorracial, pluralidade,

igualdade, influências.

Considerações iniciais

Em diversas

oportunidades já fui levado a

questionar o que é ser negro;

quem é negro; quais os

critérios de classificação,

pertencimento e

reconhecimento etnicorracial;

como vem sendo construída

essa identidade; qual a

situação econômica e os papéis

sociais que os negros vêm

desenvolvendo em nosso país.

Essas proposições me fizeram

abrir a mente e iniciar um

resgate ao mesmo tempo em

que instigou-me à pesquisa.

Sendo afim com as

ciências humanas, em especial

à filosofia, buscar o

fundamento e tentar

compreender a completude do

tema em sua complexidade que

congrega diversas áreas do

conhecimento humano

(transitando desde

fundamentos da filosofia até as

teorias mais recentes da

economia política), tornou-se

para mim uma necessidade

tanto acadêmica como pessoal

investigar a linha de

ascendência, a história e a

influência a que viemos sendo

expostos em pouco mais de

cinco séculos de historiografia

nacional oficial.

Despertado há pouco

tempo por duas brilhantes

docentes, a professora Doutora

Denise Maria Botelho, nas

aulas de Educação Afro-

brasileira no curso de

Licenciatura Plena em

Pedagogia pela Universidade

Federal Rural de Pernambuco

(UFRPE) e pelas orientações

normativas profundamente

discutidas nas aulas de Direito

Constitucional Positivo II,

ministradas pela professora

Contatos: [email protected]

Page 10: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Mestra Renata Dayanne,

pessoas por quem nutro

profunda admiração, resolvi

assumir, por total afinidade, a

identidade negra (apesar de

todas as discussões e

disposições contrárias, por

fenotipicamente ter

características que mais se

aproximam aparentemente do

padrão estético branco)

trajando o compromisso ético e

moral, afinal, como formador

de opinião, percebo como

necessário debater o tema,

pesquisar, sair da inércia

muitas vezes imposta pelo

senso comum e quebrar

paradigmas, tratei de investir

algum tempo analisando

práticas e lendo alguns livros,

leis e artigos (de cunho

científico e não científico) que

tinham por objetivo analisar

pontos cruciais tratados ora

nesse pequeno texto.

Há muito me questiono

sobre as diretrizes que

norteiam o discurso que

envolve as questões

etnicorraciais, com especial

importância para os

mecanismos de pertencimento

aos mais diversos grupos

étnicos enquadrados pelo

homem como sendo

necessários à interpretação da

essência humana. Muito me

inquietava o pensamento sobre

a metodologia de classificação,

qual a mais correta, qual a

mais precisa: a

autodeterminação dos sujeitos

ou a heterodenominação

advinda de um agente

revestido da legitimidade

estatal?

Iniciando algumas

reflexões acerca dos principais

paradigmas que dividem a

opinião das massas, devemos

pensar em como esses

mecanismos interagem entre si

e como percebem e são

percebidos dentro da dinâmica

social de determinado lugar,

como vieram sendo

constituídos tais instrumentos

e, portanto, analisando o

Contatos: [email protected]

Page 11: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

processo histórico e não

apenas seu produto.

O paradoxo aparente de um

negro envolto em pele

branca

É interessante analisar

que paira no imaginário da

coletividade brasileira uma

ideologia que é absolutamente

correlata à perspectiva dos

mecanismos taxonômicos

referentes aos traços

fenotípicos, ou seja, às

características físicas ou

insígnias de

negritude/branquitude para

que se possa efetivamente

emitir um juízo de valor no que

se refere a pertencer ao

“grupo dos negros”, “grupos

mestiços” ou ao “grupo dos

brancos”.

Além desses institutos de

classificação fortemente

higienistas, há também um

fenômeno ligados à perspectiva

freyriana com a instituição de

classificações referentes às

mestiçagens que, até hoje, se

atém, ainda que

inconscientemente, de maneira

mais proximal à matriz branca,

de tal maneira que o indivíduo

tende a negar seus traços e sua

ascendência negra em prol de

uma identidade antropológica

unificada branca. Importante

também é se fazer perceber

que dentro desta perspectiva

(iniciada por Gilberto Freyre),

estamos longe de formarmos

uma democracia racial, sendo,

na verdade, permeados de um

sentimento forte de

silenciamento e, na mesma

proporção, iniciando a

instigação dos nossos

preconceitos e discriminações

com relação não apenas ao

pertencimento etnicorracial

mas a diversas outras

categorias de análise.

A língua, enquanto

instrumento de silenciamento,

é um dos mecanismos sociais

mais efetivos na difusão de

ideologias em que podemos

analisar de maneira bastante

efetiva a influente perpetuação

das expressões de cunho

Contatos: [email protected]

Page 12: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

discriminatório (tomada aqui,

nos casos a seguir,

discriminação como fator

negativo). Varias são as

situações em que encontramos

expressões como “denegriu”

ou “a coisa ficou preta”, “tem

que ter ordem pra não ficar um

samba de crioulo doido”, uma

das mais ofensivas, por se

pautar numa perspectiva

eminentemente higienista,

“mulato” que possui como

radical o vocábulo mula,

tentando passar a ideia de que

o mulato constituiria uma

espécie híbrida entre seres de

raças diferentes e, por esse

motivo, que fosse estéril,

geneticamente inferior e

impedida de reproduzir-se,

portanto.

Entretanto, cabe observar

que a noção e o sentimento de

pertencimento etnicorracial

passam muito mais pelo crivo

subjetivo do indivíduo do que a

análise dos seus caracteres

fenotípicos, sendo de imensa

necessidade a oitiva do sujeito

para que possamos, de

maneira efetiva, entender sua

natureza, seus referenciais,

seu universo sináptico de

elementos culturais.

Carlos Serrano e

Maurício Waldman (2010) em

sua obra Memória D’África:

A temática Africana em sala

de Aula, assim apresentam a

relevância do tema ora

abordado:

“[...] no tocante à realidade brasileira de hoje, Memória D’África: A temática Africana em sala de Aula posiciona-se como uma contribuição direta aos segmentos da população brasileira de origem africana que, desde os primórdios da colonização, com o concurso da discriminação racial, tiveram as suas práticas ancestrais abafadas, marginalizadas e/ou deturpadas, comprometendo, assim, a sua inserção plena no processo social brasileiro mais amplo.

Tal repressão cultural, quando muito disfarçada pelo mito da “democracia racial”, desdobra-se, aliás, em não reconhecimento de valores e práticas sociais de raiz africana interiorizados pelo conjunto da população brasileira, independentemente da sua

Contatos: [email protected]

Page 13: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

origem racial. Portanto nesse contexto, verifica-se grande repercussão na identidade nacional, que não pode subsistir nem simplesmente reconhecer-se enquanto tal na hipótese de excluir os seus elementos africanos ou os que procedem da releitura de contribuições dessa origem.”(págs. 12 e 13)

Trabalhar a perspectiva

da africanidade reflete, na

verdade, a necessidade de

investigação realística sob os

novos prismas como a

identidade se constitui. Pensar

o negro e suas relações

históricas e sociais é atentar

para a valorização dos traços

culturais negros no Brasil e

como o Brasil influenciou o

cenário social do continente

africano sob novos moldes, os

moldes da consciência, da

pluralidade e da necessidade

de interpretação das

realidades pelos seus

instrumentos e não pelos

instrumentos padronizadores,

que inibem as singularidades.

Assim, sob esse aspecto,

exprime brilhantemente

Makota Valdina: “Eu não quero

que me tolerem, eu quero é

que me respeitem...”, pois

somente com o respeito será

possível a construção de uma

realidade onde a pluralidade

considerará as diferenças

como possibilidades de

aprendizagem, como

possibilidade de construção

diária de cidadania, de

civilidade, de solidariedade

plena e realística, integrando

povos e culturas.

Para além de traços

unicamente fenotípicos,

reconhecer-se enquanto negro,

no Brasil, perpassa por

questões políticas e ideológicas

mais ligadas à assunção de

certas identidades sociais e

características antropológicas

comuns. A Carta

Constitucional, bem como o

Estatuto da Igualdade Racial

(Lei 12.288/10) prevê que o

indivíduo tenha direito de

igualdade, mas não apenas a

igualdade considerada em seu

sentido formal e absoluto (sob

o instituto do instrumento

Contatos: [email protected]

Page 14: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

normativo contido art. 5º da

Constituição Federal de 1988

“todos são iguais perante a

lei”), mas considerando

também a possibilidade de

consegui-lo através do

princípio doutrinário que, para

se buscar a efetivação da

igualdade é importante, na

verdade, a promoção de

condições igualitárias que

foram suprimidas durante mais

de cinco séculos de história,

imputando aos negros e

comunidades indígenas e

outros indivíduos das mais

diversas etnias uma condição

de inferioridade

intelectual/cognitiva, física,

ideológica ou de qualquer

ordem que seja, negando-lhes

a possibilidade de inserção em

espaços sociais e relegando-os

a espaços de menor relevância

e prestígio social.

Preto versus negro

O termo preto liga-se com

tonalidade, com a cor. No

universo do discurso das

“raças humanas”, esse termo

refere-se ao conjunto de

caracteres negróides que

expressam-se principalmente

pela pigmentação da pele e

traços do rosto ou biótipos,

sendo que o principal fator de

reconhecimento, o marco

adotado se dá mediante a

presença em maior ou menor

grau de melanina, proteína

responsável pela cor mais

escura na epiderme. Assim,

exclui-se do indivíduo toda a

possibilidade de subsistência

de um ideário que se funde em

mecanismos psicológicos ou de

reconhecimento social. Está,

portanto, desprovido de

história, de consciência, está

despido de experiências e

similitudes, sem valores,

proximidade ou crenças, está

isolado e sem sentido, perdido

no universo da abstração.

O negro, embora utilizado

enquanto sinônimo usualmente

referenciando a tentativa de

eufemismos, uma vez que se

criou a falsa noção de que o

termo preto é preconceituoso,

Contatos: [email protected]

Page 15: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

envolve, na verdade, uma série

de instrumentos de

pertencimento, de afinidade,

de concordância com

princípios, valores e

referenciais cuja gênese se

aplica à africanidade, ou seja,

com a parte tradicional da

parcela negro-africana cujo

conjunto de crenças e valores

se aproximam das religiões e

culturas tradicionalmente

africanas, sofrendo poucas

interferências ao longo dos

séculos nas seguidas invasões

estrangeiras e diásporas

negras.

O negro não tem

obrigatoriedade de filiar-se ao

critério da pigmentação da

pele ou da presença dos traços

fenotípicos. Pelo contrário,

esta perspectiva é mais flexível

e reflexiva partindo do

referencial psicológico do

sujeito que é emanado aos

demais, e não impondo a ele

classificação pré-determinada

baseada em uma padronização

que anula sua história, seu

contexto e suas percepções.

Dos critérios de analise do

pertencimento etnicorracial

Pensando acerca deste

tópico, embora seja muito

contraditória a vasta literatura

especializada, me permito,

antes, expor acerca das duas

formas aceitáveis e suas

implicações para que, ao final,

possa expor meu ponto de vista

sem querer extinguir o assunto

ou assumir uma postura

monopolizadora, monocrática,

impositiva, acerca das

concepções do leitor, tendo em

vista que estão intimamente

ligadas com as vivências e as

diversas interpretações dos

seres.

Permitam-me iniciar este

tópico com um texto de nossa

Constituição Federal aqui

utilizado como ponto

norteador, como chave

hermenêutica e instrumento de

análise:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil,

Contatos: [email protected]

Page 16: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana.”

Sabendo-se desses

princípios, é absolutamente

pertinente que se façam alguns

questionamentos ou

apontamentos de acordo com a

funcionalidade e complexidade

do assunto ora tratado, a

saber:

1. O que é soberania, como se comporta ou se expressa, qual o objetivo deste instituto político?

2. O que é cidadania, como se comporta ou se exprime este instituto, quais as diretrizes sociais deste dispositivo?

3. Qual a amplitude do princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a definição de dignidade varia de acordo com a matriz axiológica de cada indivíduo no tempo e no espaço?

Pensar em relações

humanas é, portanto, fazer

observar espaços e relações de

poder, é investir na busca pela

compreensão e, portanto,

inserir-se num contexto em que

a realidade é muito mais

complexa do que

aparentemente se apresenta.

Desta maneira, buscamos

indicar, de maneira inicial, as

duas concepções referentes

aos critérios de julgamento do

pertencimento etnicorracial de

uma pessoa.

Autodenominação dos povos

ou análise endógena

Essa metodologia de

pesquisa e pertencimento

busca muito mais estabelecer

os traços psicossociais que o

sujeito construiu com as

diversas situações na vida do

que impor um padrão estético

mantido pela sociedade

brasileira. Analisando, a

posteriori, sob os fundamentos

sócio antropológicos e

históricos, percebi que este é o

critério mais apropriado uma

Contatos: [email protected]

Page 17: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

vez que a identidade social é o

principal instrumento de

análise, cabendo ao indivíduo,

e somente a ele, prolatar seu

grupo de referência ou de

pertencimento etnicorracial. É,

desta forma, fruto dos

processos de síntese que o

indivíduo passou na vida,

fazendo com que sua história

não seja apagada por

categorizações há muito

determinadas e pouco efetivas.

Heterodenominação ou

análise exógena

Analisando com mais

intensidade e profundidade,

esses sistemas políticos (uma

vez que não podemos

desvincular o caráter político

das demais esferas e fazendo-

se perceber que a política aqui

mencionada em nada se

aproxima das concepções

partidárias e sim com as

políticas públicas de um

Estado), ainda que imperfeitos

– e legitimados em sua própria

imperfeição – buscam, através

de agente revestido de uma

pseudolegitimidade derivada

da atribuição das funções do

Estado, investir em uma

taxonomia etnicorracial e, em

seus critérios pessoais, sem

nenhuma motivação ou

fundamentação.

Algumas considerações sobre os critérios de pertencimento

Devemos privilegiar, a

meu ver, a dimensão

psicológica do sujeito,

tornando-o autor e não objeto

de análise, sobressaindo-se,

portanto, o critério da

autodeterminação dos povos,

critério, aliás, adotado pela

nossa Carta Magna, que

assegura no seu art. 4º:

“A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...]

III - autodeterminação dos povos;”

Esse dispositivo

vanguardista, privilegia a

perspectiva subjetiva e não a

classificação de terceiros que

em nada conhecem a história

Contatos: [email protected]

Page 18: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

da pessoa a ser classificada,

suas relações sociais suas

experiências de vida.

Alguns desafios à implantação da heterodenominação ou análise exógena

Pensemos na

possibilidade de instaurar o

critério da heterodenominação,

algumas questões controversas

e, no mínimo, inquietantes se

sobressaem:

Quais critérios nós

utilizaríamos como

diretores da

pesquisa (traços

fenotípicos,

ancestralidade,

traços socioculturais

e/ou religiosos)?

Como nos

certificarmos que o

agente não estará

tendendo ao

processo de

embranquecimento

da população

brasileira,

negligenciando

indícios negro-

africanos e

indígenas sob o

escopo de

sobrepujar a cultura

e a ideologia branca

em nossa

sociedade?

Como promover o

estudo das

características

fenotípicas a fim de

que a análise seja

efetivamente

criteriosa e não

pautada

exclusivamente nas

concepções

subjetivas do

agente,

desconsiderando o

que seria mais

proximal a seu

pensamento e a seu

direito ao exercício

da cidadania plena e

aos direitos mais

fundamentais e, a

meu ver,

irrenunciável

Contatos: [email protected]

Page 19: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

enquanto ser

humano (direito à

conhecer,

reconhecer e

vivenciar vínculos

com sua

ancestralidade)?

Os critérios objetivos

devem ser construídos

seguindo um entendimento

multidisciplinar que permita no

sujeito constituir (ou pelo

menos saber sobre) elementos

de identificação, diferente, por

exemplo, dos processos que

vieram sendo feito com os

povos indígenas no Brasil e

grupos negros na África,

agrupados genericamente sem

preocupação com suas

particularidades culturais,

econômicas, linguísticas e

religiosas, como índios ou com

os povos africanos que

envolviam maciços grupos

étnicos, alterando

profundamente o mosaico

multiétnico e denominando-os

de africanos ou índios

(nomenclatura equivocada uma

vez que havia o pensamento de

que se havia chegado às

Índias).

A Constituição Federal 1988

e as normas

infraconstitucionais no

sentido de promover

igualdade e respeito à

cultura negra

Conforme LIMA (2012),

ao analisar os Direitos e

Garantias Fundamentais:

“Com a influência dos princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, invocados como temas nucleares assumidos nos aportes teóricos da Revolução Francesa, procurou-se observar a existência de direitos inerentes à essência da natureza humana e, por este fato, tendentes à universalidade, sendo assim inicialmente chamados de Direitos Naturais (posteriormente nomeados como Direitos Humanos) resultados de questionamentos filosóficos já iniciados muitos anos antes quando da Antiguidade Clássica. Esses direitos tiveram interpretações diversas de acordo com a época histórica e as concepções das doutrinas aplicadas ao direito.”

Contatos: [email protected]

Page 20: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Percebemos, assim, a

necessidade extrema de

incorporarmos em nosso

sistema jurídico uma

modalidade diferenciada de

promoção de igualdade em que

fosse possível, à baila dos

princípios básicos regentes da

Revolução Francesa, instituir

condições básicas, basilares à

convivência pacífica e

respeitosa dos povos.

Constituição Federal de

1988

A nossa Carta Magna,

promulgada no ano de 1988,

veio a incorporar em seu

arcabouço ideológico uma

série de concepções

humanísticas, tentando, a todo

custo, instaurar determinadas

garantias, por ser pós-

ditadura, tentando resguardar

os direitos dos cidadãos. Sendo

bastante extensa e analítica

(fato este que acabou por fazer

com que nossa atual

Constituição Federativa viesse

a ser conhecida pela alcunha

de Constituição Cidadã), este

compêndio legislativo deveras

avançado, já trazia em seu

interior questões de enorme

relevância social, como por

exemplo o direito a um meio

ambiente saudável (assunto

tratado em outros países

tomados por desenvolvidos

apenas décadas depois devido

ao enorme consumo dos

recursos naturais), a

importância de se poder saber

sobre sua ancestralidade, sua

classificação etnicorracial

entre outros temas complexos

e controversos.

Este instrumento

normativo substantivo é, na

verdade, como um documento

em que se depositam os

anseios, preocupações e as

propostas desenvolvimentistas

para nosso país e, por

conseguinte, para nosso povo.

Desta maneira, sustenta

ainda a C.F./88 que a

pluralidade, questão

amplamente discutida em

nossa atualidade, não seja

negada em prol de uma ou

Contatos: [email protected]

Page 21: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

outra camada social de tal

forma que os motes da

população não mais vivam em

função da manutenção do

status quo, ou seja, da situação

hierárquica de sobreposição

social que algumas classes vêm

exercendo há séculos.

Analisando nossos traços

históricos, é de imensa

relevância a observação de que

conforme houve o fenômeno da

“descoberta do Brasil”, nossos

padrões, impostos pela força

das espadas e pela ascensão da

cruz, referendadas pela

violência física, religiosa e

ideológica, nos fizeram

“embranquecer” e, junto com o

fenômeno do

embranquecimento, passamos

a, analogamente, dotar de

carga depreciativa todas as

referências não-brancas a que

fomos expostos em nossa

história, relegando a um

segundo plano os movimentos

e ideologias negras e

indígenas.

É nesse sentido que

precisamos de uma norma

substantiva que nos dê base

para, ainda de maneira inicial,

possamos cobrar das

autoridades um

posicionamento que não

permita que terceiros possam

intervir, garantindo-nos o

pleno acesso às liberdades

previstas pela Constituição.

Legislação

infraconstitucional

A lei fundamental é o

instrumento pelo qual o

legislador originário

fundamentou todos os critérios

e assuntos cuja importância é

mais profunda, ou seja, que

possuem maior relevância

jurídica e social dentro da

esfera nacional. Contudo, é

absolutamente incongruente

que se espere que a

Constituição consiga em seus

poucos capítulos abarcar toda

a amplitude dos conteúdos a

ser iniciados nela. Para isso é

necessário que tais assuntos

sejam tratados em legislação

Contatos: [email protected]

Page 22: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

infraconstitucional (emendas

constitucionais, tratados, leis

ordinárias) para regulamentar

as condutas tidas como

necessárias ou reprováveis, a

depender dos casos.

Lei 10.639/10 – Educação

Afro-brasileira

Esta lei altera o disposto

na Lei 9394/96 (Lei de

Diretrizes e Bases da Educação

Nacional), de tal forma que,

além de garantir formal e

taxativamente o ensino de uma

disciplina cujo teor se ligue

com a construção identitária

nacional onde se possa

observar a historicidade da

cultura afro-brasileira

enquanto elemento

fundamental na compreensão

de nossa realidade, ainda

percebe-se que a herança

ancestral deve ser analisada de

maneira não caricaturada ou

vil, tratada simplesmente como

uma data em que se deva

colocar nossas crianças para

brincar e estudar poucos

traços, marcos, personagens,

processos ou agentes de

imensa importância de nossos

antepassados negros.

Lei 11.645/10 - Obrigatoriedade da temática de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena

Esta lei estabelece

“diretrizes e bases da

educação nacional, para incluir

no currículo oficial da rede de

ensino a obrigatoriedade da

temática “História e Cultura

Afro-Brasileira e Indígena”,

sendo assim, se preocupa não

em garantir efetivamente o

ensino, mas em iniciar a

preocupação no sentido de

buscar-se novos horizontes,

novas frentes de pesquisa e de

ensino nas culturas

supracitadas. É a preocupação

em iniciar metodologicamente,

através de normatização que

se transformará ainda em

orientações, a possibilidade de

implantação das proposições

normativas contidas nesta lei.

Contatos: [email protected]

Page 23: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Lei 12.288/10 – Estatuto da

Igualdade Racial

Este dispositivo

normativo trata de iniciar e

instrumentalizar, de maneira

mais diretiva, as garantias no

sentido de promover a

efetivação do mandamento

constitucional de tratamento e

de reconhecimento das

influências positivas da cultura

e dos povos que integraram

nossa imbricada rede de

interações etnicorraciais no

decorrer de nossa história,

entendida aqui desde antes da

chegada dos portugueses às

terras brasileiras.

Nesse instrumento, o

legislador tentou, através do

processo de normatização,

introduzir o caráter reflexivo e

integrador, cujo sentimento de

equidade seja inserido

fortemente e permaneça

pautado nas críticas às

discriminações negativas, tento

em vista que as idiossincrasias

não são e nem poderiam ter

um entendimento

fragmentador e reducionista

enquanto instrumentos de

sobrepujança ou de ostentação

de processos de negação dos

pensamentos, processos de

identidade e das origens

étnicas, em cujas

particularidades residem

possibilidades infinitas para a

construção de uma realidade

que enseje a pluralidade

etnicorracial e o respeito à

diversidade.

Conforme se pode

observar, toda legislação tende

a formalizar relações sociais

que trazem em sua origem

fundamentos sociológicos de

relação de poder. Nesta,

repousa o entendimento de que

é necessário à construção da

paz uma interpretação

normativa que possibilite a

integração dos povos.

O Código Penal e os crimes

de racismo e injúria

qualificada.

É de imensa importância

se observar algumas questões

acerca da legislação penal,

Contatos: [email protected]

Page 24: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

como por exemplo, o fato de

que esta se constitui enquanto

a ultima esfera de ação do

poder jurisdicional do Estado,

constituindo-se, de maneira

singularíssima, na última

instancia jurisdicional, mais

conhecida como ultima ratio, a

que poderá um particular

investir contra outro acerca de

práticas tipificadas pelo Estado

enquanto reprováveis, ilícitas,

indesejadas.

Estas práticas, na

verdade podem culminar, ao

fim de um devido processo

legal ou através de

representação do Ministério

Público enquanto garantidor

das normas substantivas, na

suspensão de direitos e, de

maneira ainda mais intensa a

depender da potencialidade

lesiva ou da gravidade da ação

(ou omissão), na suspensão da

liberdade individual,

imputando-lhe sanções

intensas com o objetivo de

reduzir-lhes a possibilidade de

reiterar tais práticas ou

exprimir algumas ideologias

altamente lesivas à

estabilidade social. Essa última

seara (a penal) é de imensa

força repressiva na prevenção

de condutas adversas.

Devido à supressão das

liberdades ou direitos dos

seres humanos, ela acaba

sendo responsável pelas

detenções, fato pelo qual o

sistema penitenciário

brasileiro se mantém ainda

hoje superlotado, parecendo

ser “fiel depositário das

ameaças da sociedade” frente

à esfera criminal ainda hoje.

Com a efetiva autorização

da Constituição, que trata no

art. 5º, inciso XLII que “a

prática do racismo constitui

crime inafiançável e

imprescritível, sujeito à pena

de reclusão, nos termos da lei”,

tomada como conduta

reprovável tão intensa que

existem autores que elevando-a

à característica análoga aos

crimes hediondos, tamanha sua

Contatos: [email protected]

Page 25: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

ameaça à segurança pública e

à manutenção da paz social.

Constitui um grande

avanço no sentido de promover

uma situação mais favorável à

criminalização das condutas

representativas do ideário

pacifista pretendido pelo

Estado, em prol do que se

convencionou chamar de bem

comum, tendo em vista que as

chagas causadas pelo racismo

e/ou injúria na sua forma

qualificada (tipificada pelo

parágrafo 3º do artigo 140 do

Código Penal) acabam por

gerar diversas tensões e

instabilidades sociais. Desta

forma, por fim, a repressão

dessas práticas encontra-se

devidamente expressa da

seguinte maneira:

“Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.[...]

§ 3o Se a injúria

consiste na utilização de

elementos referentes a raça,

cor, etnia, religião, origem ou

a condição de pessoa idosa ou

portadora de

deficiência:”(grifo nosso)

A identidade negra:

construções, abstrações e

supressões

A identidade negra veio

se constituindo no Brasil como

uma identidade de resistência,

de rompimento de paradigmas

estruturais e estruturantes da

segregação social e econômica,

de base para movimentos

contra a hegemonia. Esses

traços revolucionários vieram,

na verdade, servindo como

chaves hermenêuticas para

analisar as mais diversas

expressões sociais, religiosas,

políticas, artísticas e

ideológicas que nós da

sociedade brasileira, em

especial negros, temos

buscado difundir, sob uma

ótica em que a diversidade (e

não a padronização) é o que

nos faz crescer e evoluir como

seres humanos em constate

transformação, perspectiva

inclusive defendida pelas

religiões de matrizes africanas,

Contatos: [email protected]

Page 26: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

conforme analisaremos

posteriormente, sob o

pensamento que a dialética e

nas relações sociais deve ser

mantida também visando

estabelecer-se enquanto

dialógica, ou seja, os espaços

de vivencia e aprendizado

dialogam, são indissociáveis.

Desde o processo de

“descoberta do Brasil”, se é

assim que podemos chamar, os

negros vieram a ser força

motriz da esfera econômica e

social, mas seu grau de

referência nos feitos e

processos históricos é

inversamente proporcional às

contribuições que deram na

grande parte dos segmentos

sociais para o desenvolvimento

deste país.

Intitulados de seres sem

alma, perpassando pela teoria

camita (em referência a Cam -

filho de Noé descrito na Bíblia

por ter sido amaldiçoado pelo

seu pai ao ter zombado dele)

até pensamento de o povo que

necessitava ser escravizado

para que pudesse receber a

dádiva de receber a devida

noção de civilização, o negro

sofreu flagelos corporais e,

com muito maior intensidade,

flagelos psicológicos, sociais,

familiares.

Dos processos de negação

ao nome, à terra, à

ancestralidade fomos jogados

em porões nos navios

negreiros, fomos sentenciados

às senzalas e às guerras, fomos

rotulados como incapazes, sem

cultura, tratados como

mercadorias, tornados filhos do

desprezo, quando não do

adultério dos senhores de

engenho, embebidos pelo

silêncio da agonizante viagem,

num cenário de sofrimento, das

terras áridas e tropicais que

um dia, fatidicamente, ligaram

o continente africano ao

Brasil...

Há que se fazer notar

que, na verdade, os negros

conjugam, no seu contexto

social e histórico, funções

deveras importantes e, mesmo

Contatos: [email protected]

Page 27: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

com a tentativa intensa de

silenciar-nos, ainda estamos

com voz ativa, organizando-

nos, requerendo melhorias,

fazendo observar que nossas

origens são nossa força e

orgulho que não deve, sob

nenhuma hipótese, ser negada

ou novamente deturpada.

A condição idiossincrática

dos negros no Brasil, ainda

hoje, se dá como produto do

processo de execração,

acontecido através de séculos

de supressão cultural, em

contraditoriedade com

supremacia social cedida à

cultura europeia com o que se

convencionou chamar, muito

pretensiosamente, de

“intelectualidade europeia”,

com a ideia de civilização

europeia que barbaramente

impõe suas concepções

ostensivamente aos demais

povos, despindo-os de qualquer

sentido, retirando-lhes as

particularidades inerentes aos

fenômenos locais. Outro ponto

deveras importante para a

análise desse sentimento de

superioridade europeia advém

dos instrumentos e marcos

históricos e geográficos

utilizados para medir, segregar

e separar o mundo,

notadamente perceptível, uma

vez que as condições

geográficas (relevo e, em

especial, o fator clima)

serviram para que, em sua

visão dominadora e

silenciadora pudessem

engendrar pensamentos de ser

a África e todos os territórios

intertropicais como lugares

naturalmente impenetráveis

em cujas terras habitavam

horrores, monstros e canibais

regulados pelas temperaturas

baixas que faziam permear na

mentalidade eurocêntrica uma

perspectiva que interpretava,

pautada na da mitologia

judaico-cristã, as temperaturas

mais frias como perspectiva

que equipararia à condição de

Céu, enquanto as temperaturas

mais quentes estariam ligadas

às temperaturas abrasantes do

inferno e de suas criaturas

Contatos: [email protected]

Page 28: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

horrendas e condições

angustiantes numa visão

dantesca absurdamente

deturpada do continente

africano e regiões centrais,

afinal é a África o mais central

dos continentes tendo em vista

que é nele que se encontram o

Meridiano de Greenwich com o

paralelo do Equador,

encontrando-se, também, com

parte de sua massa territorial

distribuída na zona

intertropical e temperada.

O processo de

escravização, já existente antes

da chegada dos colonizadores

europeus, antes tinha um

caráter totalmente diferente e

passou a ser concebida, pelo

crivo capitalista na primeira

fase (expansão marítima

comercial), como apenas um

objeto de valor ou de prestígio,

não mantendo nenhuma

corresponsabilidade para com

sustento do escravo, como

acontecia com o chefe da tribo

ou a pessoa que se

assenhoreou dele por motivos

específicos como a dívida (e

não de maneira arbitrária

como acontecia habitualmente

com os europeus). Enquanto

mercadoria, na ideologia

mercantilista, o negro perdeu

sua história e tradição,

encaradas aqui como

condições mínimas de

dignidade, de respeito e,

portanto, fundamentais à

manutenção da vida e de seus

elementos constitutivos.

Separados da família,

perde seus costumes ou ter

que exercitá-los às escondidas

modificou, certamente, as

estruturas psicológicas de

muitos dos africanos que,

retirados de sua terra, viram-

se forçados a iniciar uma

odisseia angustiante, para

terras desconhecidas com

pessoas que nunca teria visto,

cujos costumes, religião e

línguas nativas muitas vezes

sequer mantinham contato.

Pelos seus princípios

lógicos e, de maneira mais

efetiva, logísticos, visando

Contatos: [email protected]

Page 29: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

evitar comunicação e

rebeliões, os colonizadores

europeus acharam por bem

utilizar-se dos nomes dos

portos de exportação da mão

de obra escrava para nomear

esses grupos de escravos,

analisando também as

insígnias fenotípicas como

instrumento fragmentador das

diversas identidades e etnias

ocupantes do espaço africano,

fazendo com que o imaginário

europeu fosse aguçado,

estimulado no sentido de

construir estratégias e

metodologias de inferiorização

que permitiram que o negro

africano fosse mais facilmente

escravizado com o auxílio de

alguns chefes de tribo (faça-se

perceber que houve diversos

processos de resistência que

foram utilizados tanto na

África quanto no Brasil como

instrumento de não aceitação

das realidades desiguais

existentes naqueles

ambientes).

Desta maneira esse

resgate de informações,

suprimidas ao longo de séculos

de silenciamento é necessário

com o objetivo de desconstruir

nossas ideologias e tentar

repensar essa modalidade tão

difundida de um negro fraco,

fragmentado em sua natureza,

irracional e residente em uma

terra instável e, naturalmente,

imposta enquanto zona de

combate e de pobrezas

incomparáveis que, na História

mundial só desempenhou

papeis de coadjuvante

(realidade pouco efetiva que

em nada demonstrava sua

veracidade e, em diversas

ocasiões veio sendo posta à

prova, tamanho o grau de sua

incoerência).

A filosofia de vida voltada ao

controle de malefícios

sociais e ao estímulo à

solidariedade

Inegável é a contribuição

que o continente africano nos

dá no sentido de estimular a

construção de uma sociedade

Contatos: [email protected]

Page 30: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

que visa ser menos desigual,

que procura reduzir as

disparidades e os desafios

puramente econômicos com o

objetivo de promover justiça e

paz social. Uma sociedade que,

mesmo com as desigualdades,

tenta engendrar-se num

sentimento em que o coletivo e

a solidariedade social são mais

importantes do que a

individualidades, as

particularidades e anseios dos

indivíduos, nos mostrando que

alguns preceitos sociais

importantes reverberam em

estruturas econômicas, sociais,

históricas e culturais.

A ideia de solidariedade,

forte entre os povos africanos,

inclusive entre pessoas de

diferentes etnias, está posta

como elemento fundamental

num continente cujo

diferencial se dá pela realidade

pluriétnica ou, nas palavras de

WALDMAN e SERRANO

(2010), se comportando como

um complexo “mosaico étnico”.

Já nas sociedades ditas

complexas e civilizadas, como

se autoproclamou a sociedade

europeia, o sentimento de

solidariedade advém de uma

organização clânica, de um

pensamento fragmentador

pautado unicamente na

perspectiva da gênese dos

grupos e dos vínculos

decorrentes da estratificação

social. Assim sendo, o campo

das relações sociais

estabelecidas no seio do

continente africano se

consubstanciam enquanto

universo de possibilidades

infinitas, onde o respeito às

diferenças se transforma em

fator de aglutinação e, ao

mesmo tempo, fator de

diferenciação entre os mais

diversos grupos sociais.

WALDMAN e SERRANO

(2010) assim expressam a

relação tradicional entre

política, respeito às diferenças

e solidariedade:

“O poder político tradicional permitiu e foi capaz de criar mecanismos de solidariedade e de convivência entre povos

Contatos: [email protected]

Page 31: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

muito diversificados, operando com base na construção de consensos, estratégia fundamental em um edifício de poder no qual a autoridade central se estabelecia como mantenedora da pluralidade de interesses e de manifestações culturais e religiosas” (pag. 123) (grifo nosso)

Devido à sua

profundidade em discutir

questões de infinita relevância,

como o preconceito, as

diferenças, culturas, mitos e

outros temas, permito-me,

pois, reproduzir a música de

Chico Cézar intitulada

Respeitem meus cabelos,

brancos que muito tem a ver

com aqueles irmãos negros

que trazem em si as insígnias

fenotípicas em sua pele, e que,

acima de tudo, buscam que

suas características sejam

valorizadas, respeitadas e que

suas idiossincrasias sejam

percebidas não como

instrumento de inferiorização,

mas, simplesmente na direção

da percepção de que pode vir a

existir unidade na diversidade:

“Respeitem meus cabelos, brancosChegou a hora de falar

Vamos ser francosPois quando um preto fala

O branco cala ou deixa a salaCom veludo nos tamancos.

Cabelo veio da ÁfricaJunto com meus santos

Cabelo veio da ÁfricaJunto com meus santos.

Benguelas, zulus, gêgesRebolos, bundos, bantos

Batuques, toques, mandingasDanças, tranças, cantos

Respeitem meus cabelos, brancos.

Se eu quero pixaim, deixaSe eu quero enrolar, deixaSe eu quero colorir, deixa

Se eu quero assanhar, deixaDeixa, deixa a madeixa balançar.

Se eu quero pixaim, deixaSe eu quero enrolar, deixaSe eu quero colorir, deixa

Se eu quero assanhar, deixaDeixa, deixa a madeixa balançar.”

Brasil – África: similitudes e

particularidades

Aos que não conseguem

ver claramente uma ligação,

um elo, um denominador

comum entre essas massas

territoriais devidamente

separadas pelo Atlântico, entre

o lócus geográfico, os marcos

geográficos, referenciais e

feitos históricos que cada uma

delas mantém entre si, se torna

perceptível, na verdade, que

seu imaginário está apenas

permeado por ideologias que

Contatos: [email protected]

Page 32: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

fazem com que consumamos

silenciosa e acriticamente

determinados pontos de vista

cujo caráter muitas vezes

afropessimista não nos

encoraja a perceber nada de

válido, valioso ou relevante em

nossa formação enquanto povo

e enquanto nação assentada na

pluralidade dos povos e das

concepções e ideologias,

forçando-nos a,

inconscientemente,

reproduzirmos a África em sua

aridez, em seu primitivismo

(que, afinal, nunca existiu

tendo em vista que as mais

expoentes civilizações

nasceram em terras africanas),

em suas “fraquezas”,

fragilidades e barreiras

naturais ou culturais.

No que me cabe à nossa

observação, a África mantém

com o Brasil um intricado

modelo de referenciais que são

conjugados entre esses

espaços geográficos,

envolvendo modelos de

sociedade e esquemas

culturais que são

compartilhados numa

velocidade enorme, embora

encobertos pelo véu do

anonimato e dos diversos

processos de

embranquecimento existentes

na sociedade brasileira.

Muito além dos

empréstimos linguísticos, a

cultura africana repercute em

esferas muito mais práticas

referentes a modos de pensar e

executar determinadas

atividades, mas também com

evidências de natureza social,

histórica, religiosa e

antropológica. Analisar as

similitudes e as divergências

vão muito além de contrapor

espaços geográficos que, pela

sua conjuntura geopolítica

tendem a prolatar sua

proximidade, ou melhor, sua

unidade geográfica.

Assim como nas terras

africanas, o Brasil passou por

um processo histórico de

subjugação, de submissão, de

silenciamento em prol de um

Contatos: [email protected]

Page 33: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

povo estranho e, nesse sentido,

bárbaro, alienígena, alheio às

realidades sociais, linguísticas

e culturais desses espaços,

modificando de maneira

drástica a dinâmica

populacional, introduzindo

estruturas, instrumentos e

instituições que não se fazia

necessário mas que, por força

da imposição e da ideologia da

época, se fez importante

reforçar e prolatar como

instrumento de dominação. Eis

que por uma demanda

mercadológica baseada em

pensamentos religiosos,

políticos e científicos (se assim

podemos chamar os métodos

da época), construiu-se uma

teoria em que negros deveriam

ser forçados a trabalhar em

prol da libertação de sua alma

pecadora (quer dizer,

inicialmente os negros sequer

possuíam almas, eram tomados

como animais dotados apenas

de força, mas em alma) através

do trabalho, pois sua

penitencia seria naturalmente

se transformar na força motriz

da economia da época

(principalmente quando da

época da Idade Moderna, uma

vez que a alma era o que dava

ao ser humano o caráter mais

divino, cuja existência permitia

a proximidade com Deus (um

deus branco europeu que, na

concepção da Idade Média,

assola seu povo com pragas,

penitências, pestes bem como

curas, interdições e pecados,

com salvações, indulgências e

arrependimentos).

Entretanto, essas

concepções vieram a tomar

força com uma teoria que

categorizava as pessoas

conforme seus caracteres

físicos, de tal maneira que,

determinados traços

fenotípicos seriam o bastante

para classifica-lo dentro de

uma escala de proximidade

com o ideal branco ou com a

escória dos negros, ao

pensamento da época.

Contemporaneamente,

convencionou-se chamar este

tipo de observação, baseada

Contatos: [email protected]

Page 34: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

em critérios de cientistas

higienistas, de racismo de

marca – espécie bastante

recorrente no nosso País em

contraste com o racismo de

origem em outras partes do

mundo, como nos Estados

Unidos da América, por

exemplo.

WALDMAN e SERRANO

assim exprimem algumas

considerações acerca da

realidade africana que, ao

mesmo tempo se torna tão

idêntica e tão divergente com a

realidade brasileira:

“O mundo africano corresponde a um todo integrado onde se relacionam não só aspectos sociais mas também o espaço e o tempo vivenciados por suas sociedades. Aliás, o entrosamento do tempo com o espaço é, sobretudo, uma premissa africana. No pensamento tradicional africano, o binômio espaço-tempo compartilha tamanha cumplicidade, que tornou-se prescindíveis artifícios regulamentadores externos à realidade vivida, caso dos cronômetros e dos relógios que demarcam um tempo eminentemente

matemático e abstrato.”(pág 136)

O homem e o meio-

ambiente: uma relação

dialógica de pertencimento,

respeito na dialética social e

religiosa tradicional

É inenarrável a

proximidade que o homem

africano tem com o meio

ambiente. Numa relação

altamente sui generis, ele

exprime respeito, cuidado e

necessidade de preservação e

sustentabilidade, valores que

são hoje suscitados pelas

sociedades ditas evoluídas,

modernas e civilizadas que,

após muito degradarem o meio

ambiente (produto dos

processos contínuos de

avanços nas áreas de

amplitude técnico-científica e

social) têm se visto em

situações de extrema

vulnerabilidade ambiental e

imposto, inclusive, a outros

povos conforme seja o produto

de séculos de degradação e

Contatos: [email protected]

Page 35: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

utilização indiscriminada dos

recursos naturais, uma

situação caótica e

inconveniente frente às

gerações presentes e futuras

de países que pouco mantém

vínculos.

Para o pensamento

africano tradicional, em linhas

gerais, o homem não está

desvinculado da natureza, pelo

contrário, encontra-se

absolutamente ligado ao

contexto socioambiental que o

cerca, devendo, desta forma,

zelar por sua integridade,

respeitando-o uma vez que,

como veremos a seguir, na

própria mitologia ioruba, por

exemplo, os deuses estão

intrinsecamente ligados com

elementos da natureza. A

seguir alguns exemplos da

proximidade que legitima a

sacralização dos espaços

naturais e dos elementos

biológicos, geológicos,

geopolíticos e físicos.

SERRANO e WALDMAN

(2010), assim exprimem a

relação do binômio poder

estatal e religião, antinômicos

nas sociedades de cunho

europeu):

“[...] o sagrado surge como um princípio importante para o exercício do poder legitimando-o. O chefe sintetiza a sociedade como um todo. A sua saúde constituirazão para o bem-estar da sociedade como um todo. É o principal mediador, com as forças vitais ancestrais que trazem fertilidade aos campos e harmonia da sociedade. Portanto, estabelece um elo importante com o povo desde sua entronização até sua morte” (pág. 160)

Entre as diversas

similitudes, Brasil e África

estão ligados pelas estratégias

de resistência entre os

indivíduos de pele escura e a

possibilidade de engendrar

lutas na tentativa de solução

de conflitos e anomias

buscando, sempre que

possível, pacificar as decisões

baseados em conceitos que se

ligam com a ancestralidade

(viva ou desencarnada, em

outro ponto do Cosmos – o

Orun dentro da perspectiva

ioruba). SERRANO e

Contatos: [email protected]

Page 36: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

WALDMAN (2010), assim

exprimem o que convencionam

chamar de vínculos e

complementaridades:

“Inferências de âmbito antropológico, geográfico, histórico e sociológico que transformam o Brasil e a África em coparticipes nas mais diversas situações e experimentos da vida humana. Tanto na realidade brasileira quanto na africana são dominadas pela tropicalidade, pela pujança do meio natural, pela multiplicidade, cultural e religiosa. Sem qualquer sombra de dúvida, estamos diante de duas realidades nas quais as analogias predominam sobre as diferenças, materializando caminhos comuns passiveis de serem trilhados por africanos e brasileiros.

Podemos igualmente enfatizar a presença da África na realidade social e cultural brasileira alimentada pelo trafico de escravos, o que acabou por transplantar para o Brasil, por mais de três séculos e meio, diversas manifestações daquele continente. Essas influências, mesmo severamente reprimidas, continuaram vivas, atuantes e com inegável presença no cotidiano nacional. Constituem atualmente parte indissociável de valores e posturas que tornam os brasileiros um grupo distinto, portador de signos identitários que

contribuem para torná-lo distinto dos demais povos.” (pág. 13 - grifo nosso)

Em contraposição, as

divergências se dão de maneira

complexa de tal forma que a

unidade brasileira e a

pluralidade de concepções

africanas se esbarram no

enfrentamento real às diversas

formas de pensamento com

relação aos preconceitos e

discriminações negativas

(saibam da existência de

discriminações positivas visto

que discriminar é pôr em

evidência de maneira

axiologicamente valorosa ou

depreciativa).

Pensar que nosso modelo

de colonização, evidentemente

de caráter exploratório, teve o

objetivo de unicamente

destruir os recursos em prol do

enriquecimento desenfreado

pregado pelas potências

mercantilistas do século XVI

faz com que possamos

entender um pouco dos

problemas socioambientais

ainda existentes no Brasil.

Contatos: [email protected]

Page 37: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Assim sendo, essa ideologia

(que ainda integra o

pensamento dos cidadãos

brasileiros), torna muito difícil

a transformação de certas

concepções arraigadas no

imaginário social da

população, tendo em vista que

a desconstrução de uma

ideologia é muito mais difícil e

trabalhosa que sua construção

e sedimentação.

Desta maneira, é preciso

iniciar um processo eficaz de

desenraizamento das

ideologias de cunho

predatório, de uma exploração

irresponsável e desenfreada,

pautada unicamente no

suprimento de necessidades

efêmeras e pouco efetivas, cujo

objetivo maior é a ostentação

de um padrão social de vida,

de um status quo conferido em

nossa sociedade onde o

indivíduo é mais notório e

respeitável por aquilo que

possui e não pelas

características morais e éticas

que o constituem enquanto

sujeito que utiliza suas

habilidades e competências no

tempo e no espaço, para

exercer seus atributos e

conceitos, não como produto

de ideologias consumeristas de

cunho consuetudinário

altamente prejudiciais.

Na religiosidade

tradicional africana, existem, a

depender da localidade

geográfica, as divindades

ligadas à natureza e seus

elementos, a saber, os orixás,

os voduns e os inquices. Os

orixás têm sua origem na

tradição cultural ioruba, os

voduns têm ligação com o povo

jêje e os inquices têm como

matriz principal a cultura

banto.

Os sacerdotes destas

religiões têm como função

primordial a ligação entre os

seres humanos e as divindades

superiores. Assim sendo, seu

papel social em traduzir

oralmente as diversas

histórias, míticas ou não, os

conhecimentos sobre os

Contatos: [email protected]

Page 38: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

elementos naturais, as plantas,

as ervas medicinais ou

ritualísticas, os animais, e os

procedimentos e rituais dentre

outras tradições é de

importância fundamental na

transmissão dos

conhecimentos dentro da

sociedade. A esses sacerdotes

chamamos de babalorixá,

quando o sacerdote é do sexo

masculino e ialorixá quando é

uma sacerdotisa.

Os orixás e seus domínios

naturais: o sincretismo da

religião com os movimentos

migratórios e modelos de

exploração ambiental

Pensar as relações sociais

nesta conjuntura é, na

verdade, dotar de diversas

significações o mundo

mitológico e a própria gênese

da criação. A professora Dra.

Denise Botelho em seu texto

Religiosidade Afro-

brasileira: a experiência do

candomblé analisa essa

relação da seguinte maneira:

“Ao descrever as origens do universo e das criaturas, as relações entre os seres humanos e as divindades e, ainda, como se dá o equilíbrio dinâmico entre eles, o mito de cada divindade dota de sentido o mundo e fornece um sistema de valores e de princípios para os seus seguidores.”

Dentro do panteão

tradicionalmente africano,

incorporado por algumas de

nossas religiões afro-

brasileiras mais eminentes, a

análise de determinadas

características e da

personalidade dos orixás

(inquices ou voduns a

depender da matriz étnica)

refletem a importância dos

seus domínios naturais. Antes,

é preciso entender o que é um

orixá e quais suas atribuições.

Orixá é uma palavra que

deriva de dois radicais iorubas,

a saber, ori (cabeça ou coroa) e

xá (luz). Desta feita, o orixá é o

ser espiritual responsável pela

proteção de determinados

ambientes, elementos ou

forças naturais, que se

integram na complexidade do

Contatos: [email protected]

Page 39: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

universo, sendo sua relação

determinante para diversos

atos da vida cotidiana. É de

imensa importância se analisar

que a relação com o orixá, que

diferentemente de outras

religiões tem sentimentos e

feitos que misturam

características humanas e

divinas, este tem

discricionariedade, ou seja, seu

ori, seu pensamento, guia ou

fundamento norteador, é que

decidirá se determinado

pedido deverá ou não ser

executado e sob quais moldes

assim deverá ser feito.

É absolutamente

relevante se fazer notar que o

candomblé, a umbanda e

outras religiões de matrizes

africanas são monoteístas,

sendo Olodumaré ou Olorun

(no caso do candomblé de

matriz ioruba – mais difundido

no Brasil) o deus maior dentro

do panteon africano

tradicional, o ser incriado, se

expressando como a energia

que cria todas as coisas no

universo, sendo os demais

orixás, divindades de segunda

geração, como vibrações de

diferentes amplitudes

relacionando-se a diferentes

dimensões, domínios,

características e áreas de

atuação. Assim sendo,

BOTELHO expressa que:

“O candomblé é uma religião monoteísta. Olodumare – o Supremo Criador do Universo – é auxiliado no grande projeto de perpetuação da humanidade pelas divindades do panteon iorubá – os orixás. Tais divindades são acionadas por rituais preparatórios e o momento da absoluta sacralidade se dá quando os orixás expressam suas histórias mitológicas aos sons de atabaques e outros instrumentos, bem como das cantigas que retratam as características e feitos dessas divindades.”

É mister se fazer saber

que nenhum orixá deve ser

adorado isoladamente, tendo

em vista que todos interagem

entre si e mantem, assim como

os seres humanos, relações

interpessoais e sentimentos de

proximidade entre si e com os

seres humanos, buscando o

equilíbrio.

Contatos: [email protected]

Page 40: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Apesar de a incorporação

dos orixás ser condição de

integração, de comunicação

entre Orun (ou Orum) e Ayé

(ou Ayê), nem todos os orixás

incorporam (estado de transe)

de tal maneira que, se

estudarmos as religiões de

matrizes africanas

observarmos que nem

Olodumaré, o deus maior, nem

o Iroko, orixá tipificado na

forma de árvore incorporam

uma vez que Olodumaré é a

energia inicial e o Iroko

representa a ligação da

humanidade com sua

ancestralidade, ou seja, com as

almas desencarnadas que se

encontram em um espaço

diferente de nosso corpóreo,

físico.

Segundo WALDAN e

SERRANO (2010), ao analisar

o capítulo sobre religiosidade

africana:

“Para o africano, de um ponto de vista ontológico, a vida social insere-se, na sua totalidade, numa constante busca de equilíbrio. Seu pressuposto é um sistema

de forças – incluindo deuses, ancestrais e mortos das linhagens – que se expressa desde os tempos primordiais até a sociedade presente, segmentada em espaços como o étnico, clânico, das linhagens e aldeão. Esse sistema estabelece uma hierarquia de estruturas baseadas em critérios de ancianidade, uma qualidade social referendada por esta mesma visão ontológica”(pág. 137)

É de grande interesse que

se perceba algumas questões

análogas ou decorrentes,

talvez, do processo de

sincretismo, que ocorreu entre

as religiões de matrizes

africanas e as demais religiões

com suas respectivas

divindades.

O número 7

Sete são os orixás

derivados de Oxalá, sete são as

cores do arco-íris, sete são os

pontos de energia (conforme

poderá ser percebido no índice

de imagens constantes no

anexo deste texto), sete são as

notas musicais e os dias da

semana.

Contatos: [email protected]

Page 41: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Importante se fazer notar

que as religiões de matrizes

africanas sofreram, entre si, o

processo de sincretismo, para

que não se pense que esse

processo se deu unicamente de

maneira a considerar como

padrões mínimos o candomblé

ou a umbanda e a matriz

judaico-cristã.

Na perspectiva da

louvação aos deuses, é

importante que haja

confluência, ou seja, que todos

se empenhem na obtenção da

evolução e que nós, os

humanos demos cumprimento

a todas as obrigações,

respeitemos as interdições e

limitações a que estamos

naturalmente vinculados

percebendo, entretanto,

possibilidades de crescimento

efetivo, factível e não apenas

iniciarmos divagações e

conjecturas. Não se deve pedir

a apenas um dos orixás mas

pedir que todos deem anuência

à possibilidade de obtenção de

determinado pedido em

conjunto, permitindo que o

desejo, a aspiração seja

percebida como possível e que

seja mostrada enquanto viável

entre eles.

Conclusão

Longe de ser apenas uma

espécie de categorização, o

sujeito negro no Brasil passa

por uma série de processos

muitas vezes concomitantes ou

alternantes de negação e

aceitação, da noção de

pertencimento e exclusão, das

dúvidas constantes, de

processos impostos de

silenciamento, processos de

embranquecimento que

cominam numa identidade que,

a cada dia, vem se formatando

paradoxalmente enquanto

instrumento de resistência, de

força, denúncia, de lutas

contra as desigualdades num

país de dimensões continentais

e abismos sociais cuja

amplitude é proporcional

àquele.

Implantar, de maneira

séria, as diretrizes regentes da

Contatos: [email protected]

Page 42: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

identidade negra é resgatar o

respeito retirado de nossos

antepassados, é devolvê-los ao

seio da sociedade brasileira

exaltando suas potencialidades

exercidas e seu legado deixado

a nós negros, em especial aos

negros de pele branca, que não

permite que sejamos

novamente silenciados ou que

recebamos silenciosamente

algumas críticas e

desclassificações por nossas

características sócio históricas

ou genéticas deveras

particulares.

Aceitar-se como negro é

assumir uma postura

ideológica que se aproxima da

valorização do ser humano e

da multiplicidade das

características sociais,

econômicas e culturais

(religiosa, linguística, política,

estrutural) fazendo-se

perceber que as diferenças não

excluem a possibilidade de

crescimento, quer seja

espiritual, quer seja

materialmente.

Referências

Textos sugeridos

1. BRASIL. Constituição da

República Federativa do

Brasil. 1988. Vade

Mecum. 2011. Editora

Saraiva.

2. SERRANO, Carlos e

WALDMAN, Maurício.

MEMÓRIA D’ÁFRICA –

A temática Africana em

sala de Aula. 2010. 3ª

Edição. São Paulo.

Editora Cortez.

3. A lenda da Criação.

Disponível em:

http://odeigbo.webs.com/

olorumouolodumar.htm

4. Candomblé - Um pouco

de história. Disponível

em:

http ://odeigbo.webs.com /

5. 7 Orixás da Umbanda.

Disponível em:

http :// www.paimaneco.or

g.br/orixas/orixas-da-

umbanda

Contatos: [email protected]

Page 43: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

6. As Sete Linhas. Disponível em: http ://casaiemanjaiassoba .com.br/setelinhas.html

7. 7 Orixás da Umbanda. Disponível em: http ://www.paimaneco.or g.br/orixas/orixas-da-umbanda. Acessado em: 23/08/2012.

8. Os Orixás. Disponível em: http ://www.caboclopery.c om.br/os_orixas.htm. Acessado em: 23/08/2012.

9. Exús. Disponível em: http ://xango.sites.uol.com .br/exus.html. Acessado em: 23/08/2012.

10. Nações Ketu Jeje e Angola: O CANDOMBLÉ COMO SISTEMA DE TRANSMISSÃO DE IDENTIDADE In: Orixás, Umbanda e Candomblé. Disponível em: http ://wwworixas.blogspo t.com/2010/05/nacoes-ketu-jeje-e-angola.html. Acessado em: 23/08/2012.

11. FERNANDES, Fernando. Marte, Jorge da Capadóciae Ogum do Brasil. O

sete e a varinha mágica de Ogum. Disponível em: http ://www.constelar.com .br/revista/edicao37/jorge5.htm

12. OLIVEIRA, Aurea. IBEJI - ERÊ - CÓSME E DAMIÃO In UMBANDA ON LINE. Disponível em: http ://wwwumbandaonlin e.blogspot.com/2008/05/ibeji-er-csme-e-damio.html

13. Fonte Estudo Religioso. Disponível em: http ://estudoreligioso.wor dpress.com/2008/07/24/nacoes-da-umbanda/

14. MESTRE FREITAS. Disponível em: http ://axeforteor.dominiot emporario.com/mestre_freitas_91.html. Acessado em: 26/08/2012

15. Juremeiro Mestre NetoGoiânia – Goiás.Disponível em: http ://juremeironeto.blog spot.com/

16. BOTELHO, Denise. RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA: a experiência do candomblé. In: Educação Africanidades - Brasil, MEC.

Contatos: [email protected]

Page 44: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

17. BRASIL. Lei 7.716/89. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7716.htm. Acessado em: 26/08/2012.

18. BRASIL. Lei 10.639/10. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acessada em 26/08/2010.

19. BRASIL. Lei 11.645/10. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acessado em: 26/08/2012.

20. BRASIL. Lei 12.288/10. Disponível em: http://www.leidireto.com.br/lei-12288.html. Acessado em: 26/08/2012.

21. LIMA, Jonathan Reginnie de Sena. Direitos e Garantias Fundamentais: Uma análise sócio-antropológica do surgimento e implantação dos Direitos Humanos. 2012. Disponível em: http://www.jurisway.org.b

r/v2/dhall.asp?id_dh=7621. Acessado em 06/09/2012.

Vídeos sugeridos

1. Preconceito e racismo na escola - Parte 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SP1ZX47muUE. Acessado em: 15/08/2012.

2. Sagrado no Mais Você [Rede Globo] - Cultos Afro (Candomblé Umbanda) - Parte 01. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=RsWOKL6Fesk. Acessado em: 23/08/2012.

3. Sagrado no Mais Você [Rede Globo] - Cultos Afro (Candomblé Umbanda) - Parte 02. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=h6AIXpNuU0U. Acessado em: 23/08/2012.

4. Makota Valdina - Um Jeito Negro de Ser e

Viver – Completo. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=9X-

Contatos: [email protected]

Page 45: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

tqRFwEKk&feature=related. Acesso em: 23/08/2012.

5. A IGUALDADADE RACIAL e a INTOLERÂNCIA RELIGIOSA - Ricardo

Barreira. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=Trch___RvG0. Acessado em 23/08/2012.

6. Bença, entrevista com

Makota Valdina. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=P0ziJx0KWRE&feature=related. Acessado em 23/08/2012.

7. Pleno - STF julga constitucional política de cotas na UnB (1/4). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ZbOcW5oF2fQ&feature=relmfu. Acessado em 25/08/2012.

8. Pleno - STF julga constitucional política de cotas na UnB (2/4). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=vjPZmCRRcTc&feature

=relmfu. Acessado em: 25/08/2012.

9. Pleno - STF julga constitucional política de cotas na UnB (3/4). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=5rP1zG5m6UU&feature=relmfu. Acessado em: 25/08/2012.

10. Pleno - STF julga constitucional política de cotas na UnB (4/4). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HVNM9Fu5qms&feature=relmfu. Acessado em: 25/08/2012.

11. Minha Fé - Zeca Pagodinho Ao Vivo - DVD MTV - 2010 - HDTV.Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=fl4sSBjHQJ0. Acessado em 25/08/2012.

12. Margareth Menezes - Cordeiro de Nanã/Deixa a Gira Girar/Atabaque Chora. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=OyIsfdwhQRE. Acessado em 26/08/2012.

Contatos: [email protected]

Page 46: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Anexos

Textos

Espectros

Jonathan Reginnie

E no silêncio dos inocentes

Pela força dos grilhões

Renegando nossos nomes

Nossa cor e tradição,

Nossos deuses tão presentes

Nossa voz se faz ausente

Sangram nossos corações

Que os Orixás perdoem

Nossas falhas e inconstâncias,

Zumbi, que do alto ecoa

Como herói que não se cansa

Ganga Zumba e sua lança

Sua força e importância

Emergem dos corações

É na força do guerreiro

Na cor de nossas lembranças

Que Xangô demonstra os feitos

Com as falas, com as danças

Mostrando riqueza e graça

A sublime e iluminada

Cor do povo de Aruanda

Oxalá, meu pai amado

Me ilumina sempre atento

Olodumaré nos dá

Força, fé e provimento

Iansã, grande rainha

Olha pela vida minha

Do alto do firmamento

Ogum, Oxóssi, Ibeji, Nanã

Iaôs dançam com os atabaques

O babalorixá reinou

No terreiro iluminado

Quanto axé dos agogôs

Nos guiam em nosso caminho

E protegem nossos passos

Que o Yroko sagrado

Nos conecte aos ancestrais

Que a cultura nos permita

Viver com amor e paz

Que a importância de outrora

Nos permita ainda agora

Falar com os ancestrais

Respeite minha cultura

Minha cor, minha mensagem

Não desvirtue a realidade

Cor não mede capacidade

Não fragmente a identidade

Nunca tente silenciar

Contatos: [email protected]

Page 47: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Minha ancestralidade.

Contatos: [email protected]

Page 48: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Resgate afro-brasileiro

Claudiane Caroline A. Wanderley

Conta a história que nas terras africanas numa cidade chamada IféNasceu a religião afro-brasileira denominada CandombléTrazida para o Brasil pela nação iorubaViajando pelos mares sob a proteção de Yemanjá

Em seu culto à natureza, com suas divindades geniosasCandomblé é a religião afro-brasileira mais influente do paísOnde as mães e pais de santo são canais dos orixásEnsinando a humanidade o que fazer pra ser feliz

Olodumaré é o grande criador, de todo o Orum ele é senhor Ogum é orixá guerreiro, vai à frente do caminho, pioneiroOxossi é caçador, dos animais o grandioso protetorOssain detém o poder do axé, filho caçula de YemanjáNanã controla a lama e os pântanos e as águas paradas está sempre a governar

Oxumaré é o arco-íris, entre terra e céu transporta a águaOrixá da beleza é Logunedé, seis meses vive como homem e os outros seis como mulherOmolú ou Obaluaiê representa as doenças contagiosas, mas também a sua curaYroko é dono do tempo e do espaço, decide o início da vida e o quanto ela dura

Obá, orixá corajosa, mulher de Xangô, não era bonita e nem fazia questão de ser formosaEnquanto a majestosa Oxum representa beleza, maternidade, fertilidade e riquezaXangô é orixá do trovão e da justiça, orgulhoso, autoritário e ao mesmo tempo generoso

Yansã é senhora dos ventos e da tempestade e junto com Xangô manda no elemento fogo

Ewá é uma bela virgem que protege tudo que nunca foi tocado, aquilo que é inexploradoYemanjá é senhora do mar e dos oceanos e a mãe de todos os orixásQuem gosta de cachaça é Exu, quem veste branco é OxaláDo Candomblé nasceu o culto à natureza através dos Orixás!

Contatos: [email protected]

Page 49: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Assim nasceu o Candomblé

“No começo não havia separação entre o Orum, o Céu dos orixás, e o Aiê, a Terra dos humanos. Homens e divindades iam e vinham, coabitando e dividindo vidas e aventuras. Conta-se que, quando o Orum fazia limite com o Aiê, um ser humano tocou o Orum com as mãos sujas. O céu imaculado do Orixá fora conspurcado. O branco imaculado de Obatalá se perdera. Oxalá foi reclamar a Olorum. Olorum, Senhor do Céu, Deus Supremo, irado com a sujeira, o desperdício e a displicência dos mortais, soprou enfurecido seu sopro divino e separou para sempre o Céu da Terra. Assim, o Orum separou-se do mundo dos homens e nenhum homem poderia ir ao Orum e retornar de lá com vida. E os orixás também não podiam vir à Terra com seus corpos. Agora havia o mundo dos homens e o dos orixás, separados. Isoladas dos humanos habitantes do Aiê, as divindades entristeceram. Os orixás tinham saudades de suas peripécias entre os humanos e andavam tristes e amuados. Foram queixar-se com Olodumare, que acabou consentindo que os orixás pudessem vez por outra retornar à Terra. Para isso, entretanto, teriam que tomar o corpo material de seus devotos. Foi a condição imposta por Olodumare. Oxum, que antes gostava de vir à Terra brincar com as mulheres, dividindo com elas sua formosura e vaidade, ensinando-lhes feitiços de adorável sedução e irresistível encanto, recebeu de Olorum um novo encargo: preparar os mortais para receberem em seus corpos os orixás.

Oxum fez oferendas a Exu para propiciar sua delicada missão. De seu sucesso dependia a alegria dos seus irmãos e amigos orixás. Veio ao Aiê e juntou as mulheres à sua volta, banhou seus corpos com ervas preciosas, cortou seus cabelos, raspou suas cabeças, pintou seus corpos. Pintou suas cabeças com pintinhas brancas, como as pintas das penas da conquém, como as penas da galinha-d’angola. Vestiu-as com belíssimos panos e fartos laços, enfeitou-as com jóias e coroas. O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a pena ecodidé, pluma vermelha, rara e misteriosa do papagaio-da-costa. Nas mãos as fez levar abebés, espadas, cetros, e nos pulsos, dúzias de dourados indés. O colo cobriu com voltas e voltas de coloridas contas e múltiplas fieiras de búzios, cerâmicas e corais. Na cabeça pôs um cone feito de manteiga de ori, finas ervas e obi mascado, com todo condimento de que gostam os orixás. Esse oxo atrairia o orixá ao ori da iniciada e o orixá não tinha como se enganar em seu retorno ao Aiê. Finalmente as pequenas esposas estavam feitas, estavam prontas, e estavam odara. As iaôs eram as noivas mais bonitas que a vaidade de Oxum conseguia imaginar. Estavam prontas para os deuses. Os orixás agora tinham seus cavalos, podiam retornar com segurança ao Aiê, podiam cavalgar o corpo das devotas. Os humanos faziam oferendas aos orixás, convidando-os à Terra, aos corpos das iaôs. Então os orixás vinham e tomavam seus cavalos. E, enquanto os homens tocavam seus tambores, vibrando os batás e agogôs, soando os xequerês e adjás, enquanto os homens cantavam e davam vivas e aplaudiam, convidando todos os humanos

Contatos: [email protected]

Page 50: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

iniciados para a roda do xirê, os orixás dançavam e dançavam e dançavam. Os orixás podiam de novo conviver com os mortais. Os orixás estavam felizes. Na roda das feitas, no corpo das iaôs, eles dançavam e dançavam e dançavam. Estava inventado o candomblé.”

Disponível em: http://www.alaketu.com.br/ritos/festas.htm. Acessado em 26/08/2012.

Contatos: [email protected]

Page 51: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Coisa de Pele

Jorge Aragão

Podemos sorrir, nada mais nos impedeNão dá pra fugir dessa coisa de peleSentida por nós, desatando os nósSabemos agora, nem tudo que é bom vem de fora

É a nossa canção pelas ruas e bares queNos traz a razão relembrando PalmaresFoi bom insistir, compor e ouvirResiste quem pode à força dos nossos pagodes

E o samba se faz, prisioneiro pacato dos nossos tantãsE um banjo liberta da garganta do povo as suas emoçõesAlimentando muito mais a cabeça de um compositorEterno reduto de paz, nascente das várias feições do amor

Arte popular do nosso chão... é o povo quem produz o show e assina a direçãoArte popular do nosso chão... é o povo quem produz o show e assina a direção

Contatos: [email protected]

Page 52: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Imagens

Figura 1. Orixás dançando ao redor do Iroko que figura o centro da imagem. Os deuses do panteon africano são interdependentes e harmônicos.

Figura 2. Ibejis, espíritos de crianças que são existentes nas religiões de matrizes africanas. Assim como existem anciãos, as crianças são importantes na compreensão da dinâmica social e na lógica das populações africanas, em especial àquelas que se aproximam da africanidade (que alguns autores preferem chamar África Negra ou África Subsaariana).

Contatos: [email protected]

Page 53: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Figura 3. Esta divindade é responsável pelo ensino de uma integridade inabalável à humanidade, assim sendo, grande parte do referencial ético-moral decorre de seus ensinamentos.

Figura 4. Exú, o deus de comunicação e do movimento entre o ser humano e os orixás. É responsável por organizar os orixás nos processos ritualísticos de incorporação pelo iniciado (transe).

Figura 5. É a deusa considerada como a mãe ancestral sendo responsável pelo conhecimento.

Figura 6. É uma deusa guerreira que representa a energia e a força.

Contatos: [email protected]

Page 54: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Figura 7. É o grande responsável por abrir os caminhos, sendo coparticipe, junto com os seres humanos, na evolução espiritual e na construção de um Universo melhor.

Figura 8. É o deus responsável pelas curas e pelas doenças. Sua aparência desfigurada por uma varíola fez com que houvesse a necessidade de cobrir seu rosto a fim de que pudesse ser incorporado mais facilmente ao cotidiano dos demais orixás.

Figura 9. Versão jovial de Oxalá, o primeiro deus que foi criado como vibração de Olodumaré. É viril e galanteador.

Contatos: [email protected]

Page 55: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Figura 10. Versão anciã de Oxalá, adorado pela sua enorme responsabilidade, sabedoria e por ser o mais velho orixá de segunda geração.

Figura 11. É o provedor das necessidades dos seres humanos e, nessa condição, é admirado por ser responsável pela fartura nas mesas dos homens.

Figura 12. É responsável pela distribuição das riquezas e pela concessão da prosperidade aos seres humanos, desempenhando papel importantíssimo na dinâmica social.

Figura 13. É o orixá que se apresenta na forma de uma serpente que representa o arco-íris.

Contatos: [email protected]

Page 56: Os traços da minha negritude: memórias e reflexões de um negro de pele branca

Figura 14. Oya-Iansã é a deusa cuja atribuição se liga com os ventos e as tempestades. É responsável também por auxiliar os espíritos desencarnados no caminho do Ayé (a terra dos humanos) ao Orun (o céu dos orixás).

Figura 15. É a rainha dos domínios das águas salgadas, a grande mãe que com seus seios alimenta seus filhos.

Figura 16. Yroko – É um orixá que nunca incorpora, pois é responsável pela instituição do vínculo simbólico dos seres humanos encarnados com a ancestralidade.

Contatos: [email protected]