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Este livro foi escrito com a pretensão de organizar idéias sobre o tema de políticas para incentivar o desenvolvimento do setor energético na direção de maior participação de fontes renováveis e maiores esforços para se economizar energia, justamente em um momento quando novos agentes passam a fazer parte do processo de decisão e investimentos no setor energético. A busca de maior competição e eficiência econômica em um setor importante como este não é uma tarefa fácil e as expectativas de que os mecanismos de mercado poderão cumprir esses objetivos ainda merecem mais discussões. O tema é extremamente novo e não existem fórmulas mágicas. Em todo o mundo ainda se aprende a acomodar os interesses do mercado de energia com objetivos de desenvolvimento sustentável e as experiências não são facilmente transferíveis de um contexto para outro. Procura-se aqui mostrar algo da recente experiência dos EUA em tentar garantir a preservação e estimular a utilização de formas mais sustentáveis de energia e ao mesmo tempo criar reformas para permitir livre concorrência entre os produtores de energia. Desde o início da década de 90 aquele país experimenta uma transição de uma indústria composta de monopólios regionais com preços e lucros fortemente regulados pelo poder público para uma situação de mercado competitivo com preços de energia elétrica determinados de acordo com a oferta e demanda. Chama-se a atenção para os riscos de uma privatização e introdução de competição sem se definir quais são as características de interesse público que o setor energético deve manter. A expectativa é que esse material possa servir como referência para as experiências que se iniciam no Brasil.
Citation preview
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFICIÊNCIAENERGÉTICA E ENERGIA RENOVÁVEL NO
NOVO CONTEXTO DE MERCADO
Uma análise da experiência recente dos EUA e doBrasil
por
Gilberto De Martino Jannuzzi
Professor Livre-docente do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica, UniversidadeEstadual de Campinas
C.P. 6122 13088-970 Campinas, São PauloTelefone/fax: 19-788-3282 email: [email protected] http://www.fem.unicamp.br/~jannuzzi
1999
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer o apoio recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - CNPq durante minha estadia no Lawrence Berkeley National
Laboratory, Universidade da Califórnia-Berkeley, onde foi desenvolvido o presente trabalho. Ao
meu colega e amigo Dr. Ashok Gadgil que me facilitou diversos contatos e com quem mantive
interessantes discussões nesse e em outros temas sobre energia, tecnologia, meio ambiente e
ambiciosamente especulamos sobre o futuro da humanidade.
Dedico este trabalho à minha querida família, companheira
solidária e fiel em todas minhas empreitadas:
Ana Maria
Felipe, Helena e Daniel
Berkeley, Maio 1999
ii
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS................................................................................................. ILISTA DE TABELAS............................................................................................... IVLISTA DE FIGURAS ................................................................................................ VLISTA DE QUADROS ............................................................................................. VIGLOSSÁRIO .........................................................................................................VIIPREFÁCIO ............................................................................................................ XRESUMO........................................................................................................... XICAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ....................................................................................1
Motivação, objetivos e estrutura do estudo .....................................................1Energia e “bem público”...................................................................................3Externalidades do setor energético .................................................................4Benefícios públicos de sistemas energéticos e o mercado .............................6
CAPÍTULO 2: A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO NOS EUA .....................................11Introdução......................................................................................................11Conceituando as Reformas do Setor Elétrico................................................12
As reformas segundo mecanismos de coordenação ..................................12As reformas segundo sua natureza e objetivos ..........................................14
As motivações para as reformas nos EUA ....................................................17Causas das mudanças na estrutura do setor elétrico dos EUA..................19Quais foram as mudanças e principais impactos........................................21
Impactos das mudanças................................................................................24Eqüidade.....................................................................................................25O papel do governo federal ........................................................................28Acesso e divulgação de informações..........................................................28A questão da competição entre gás e eletricidade .....................................28
CAPÍTULO 3: A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ..............................................................31Introdução......................................................................................................31
Os programas de eficiência energética antes das reformas .......................32Tipos de programas de eficiência energética .............................................34
As implicações das reformas para a eficiência energética ............................34Efeitos da des-verticalização ......................................................................35Efeitos da competição ................................................................................37
A eficiência energética e o mercado.............................................................40O “energy efficiency gap”............................................................................41Barreiras, falhas e intervenção no mercado de energia .............................45
As mudanças das atividades em eficiência energética nos EUA...................47Atividades comerciais .................................................................................47Atividades para o setor público...................................................................49
CAPÍTULO 4: FONTES RENOVÁVEIS E MEIO AMBIENTE.............................................52Introdução......................................................................................................52As fontes renováveis .....................................................................................52
Introdução...................................................................................................52O mercado de energia renovável (green marketing) ..................................58O mercado e políticas públicas...................................................................59
O meio ambiente ...........................................................................................60
iii
Mecanismos de mercado: a experiência com SO2 .....................................63A geração distribuída.....................................................................................65
CAPÍTULO 5: A PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ....................................................67Introdução......................................................................................................67
Pesquisa de interesse público ....................................................................69Efeitos da reestruturação...............................................................................71O papel futuro da P&D no setor energético ...................................................73
CAPÍTULO 6: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL...............................................75Introdução......................................................................................................75Califórnia .......................................................................................................76Nova Inglaterra: .............................................................................................78A Região do Noroeste-Pacífico......................................................................79Minnesota ......................................................................................................80Texas.............................................................................................................82
CAPÍTULO 7: MECANISMOS PARA PROMOVER PROGRAMAS DE BENS PÚBLICOS......83Introdução......................................................................................................83Mecanismos fiscais........................................................................................83Mecanismos regulatórios...............................................................................88Ações diretas do governo ..............................................................................89
CAPÍTULO 8: EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E OUTROS BENS PÚBLICOS NO BRASIL..........91Introdução......................................................................................................91Bens públicos e as reformas setoriais no Brasil ............................................92
Características da regulação para Eficiência Energética e P&D ................93As reformas do setor energético e o novo arranjo institucional .....................94Mudanças do papel do setor público .............................................................95Investimentos em Programas Regulados durante 1998-99...........................98
Eficiência Energética ..................................................................................98Pesquisa e desenvolvimento ....................................................................101
O problema de consumidores de Baixa Renda ...........................................105Conclusões..................................................................................................106
CAPÍTULO 9: CONCLUSÕES ................................................................................109Bens públicos nos EUA ...............................................................................110Bens Públicos no Brasil ...............................................................................112
ANEXO..............................................................................................................115O Protocolo de Quioto .................................................................................115
Características dos mecanismos de implementação................................115A Implementação Conjunta (Joint Implementation – JI) ...........................116O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo................................................116Os Certificados de Emissões (Global Tradable Permits) .........................119
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................120
iv
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: AS RESPONSABILIDADES DE POLÍTICAS PÚBLICAS .....................................9TABELA 2: O EFEITO DO MERCADO NAS RESPONSABILIDADES PÚBLICAS DAS EMPRESAS
DE ENERGIA ..................................................................................................10TABELA 3: TIPOLOGIA DE MODELOS DE COORDENAÇÃO ..........................................12TABELA 4: TIPOLOGIA DE MODELOS DE COORDENAÇÃO MISTOS...............................13TABELA 5: IMPLICAÇÕES DA DES-VERTICALIZAÇÃO PARA A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ..36TABELA 6: IMPLICAÇÕES DA COMPETIÇÃO PARA A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ..............40TABELA 7: PRIORIDADES PARA PROGRAMAS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA FINANCIADAS
PELOS CONSUMIDORES DE ENERGIA................................................................50TABELA 8: A ESTRUTURA DE PRODUÇÃO DE ELETRICIDADE NA CALIFÓRNIA (1989-95)
....................................................................................................................57TABELA 9: CAPACIDADE INSTALADA DOS NGU (GW).............................................58TABELA 10: SUMÁRIO DAS IMPLICAÇÕES DE REFORMAS DO SETOR ELÉTRICO NO SEU
DESEMPENHO AMBIENTAL...............................................................................62TABELA 11: PREÇOS DE ENERGIA RENOVÁVEL NA INGLATERRA DURANTE A
PRIVATIZAÇÃO (1991-94) (EM C/KWH) ............................................................63TABELA 12: INVESTIMENTOS EM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM ALGUNS PAÍSES
....................................................................................................................69TABELA 13: MECANISMOS PROPOSTOS PARA FINANCIAMENTO DE P&D...................75TABELA 14: MECANISMOS PARA INCENTIVAR A PROMOÇÃO DE BENS PÚBLICOS: TAXAS
E INCENTIVOS ...............................................................................................84TABELA 15: EXEMPLOS DE APLICAÇÃO DO SBC EM ALGUNS ESTADOS.....................86TABELA 16: RENÚNCIA FISCAL FEDERAL PARA PRODUTOS EFICIENTES E FONTES
RENOVÁVEIS 1999 ........................................................................................87TABELA 17: MECANISMOS PARA INCENTIVAR BENEFÍCIOS PÚBLICOS NO CONTEXTO
COMPETITIVO: MEDIDAS REGULATÓRIAS ........................................................89TABELA 18: POSSÍVEIS AÇÕES DO GOVERNO PARA IMPLEMENTAÇÃO DE BENEFÍCIOS
PÚBLICOS NO CONTEXTO COMPETITIVO: MECANISMOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DEPROGRAMAS .................................................................................................90
v
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA ESTRUTURA DO SETOR ELÉTRICO DOSEUA, ANTES E APÓS AS REFORMAS ................................................................24
FIGURA 2: EXEMPLO DO “ENERGY EFFICIENCY GAP”..............................................42FIGURA 3: EXEMPLO DE CURVA DE SUPRIMENTO DE ENERGIA CONSERVADA ...........43FIGURA 4: O PAPEL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EXPLORAR O POTENCIAL DE
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA.................................................................................47FIGURA 5: INVESTIMENTOS EM P&D NA ÁREA DE ENERGIA NOS E.U.A. (1974-80-90-
96) ..............................................................................................................67FIGURA 6: SEGMENTAÇÃO DO POTENCIAL DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ENTRE OS
DIVERSOS AGENTES.......................................................................................97FIGURA 7: INVESTIMENTOS REGULADOS PARA PROGRAMAS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
E P&D DE INTERESSE PÚBLICO.....................................................................114
vi
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: AS AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO DA CALIFÓRNIA E SUAS ATRIBUIÇÕES .....25QUADRO 2: PROGRAMAS PARA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA..................................27QUADRO 3: OS PRINCIPAIS ATORES PÚBLICOS DO SETOR ENERGÉTICO APÓS A
REFORMA SETORIAL.......................................................................................95QUADRO 4: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE CE E IC..................................118
vii
GLOSSÁRIO
AIC Atividades Implementadas Conjuntamente, o mesmo que AIJ.
AIJ Activities Implemented Jointly. Atividades Implementadas Conjuntamente.
ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica.
ANP Agência Nacional do Petróleo.
CDM Clean Development Mechanism. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
CE Comércio de Emissões.
CEPEL Centro de Pesquisas em Eletricidade
CER Certified Emissions Reductions Certificados de Redução de Emissões (gases estufa)
CLF Conservation Law Foundation. Organização Não Governamental.
CNPE Conselho Nacional de Política Energética
COP Conference of the Parties . Conferência das Partes.
CPUC California Public Utility Commission
CPUC California Public Utilities Commission. Agência de regulação para as empresas que operam serviços públicosna Califórnia.
DISCO Distribution Utility. É a companhia regulada de distribuição que constrói e mantém a rede de distribuiçãoao consumidor final.
DOE Department of Energy. Ministério de Energia do governo norte americano.
DSM Demand-side management. Gerenciamento do lado da Demanda ou GLD.
EB Executive Board. Conselho Executivo.
EC Emission Certificates.. Unidades de Certificados de Emissões.
EDF Environmental DefenFund. Organização Não Governamental dos EUA
EP Emission Permits. Quota autorizada de emissão de poluentes.
EPA Environmental Protecxtion Agency. O´rgão de Proteção Ambiental do governo federal americano.
EPACT Energy Policy Act. Lei do governo americano que facilitou o acesso à rede de transmissão paraprodutores independentes.
EPRI Electric Power Research Institute.
viii
ERAM Electric Revenue Adjustment Mechanism. Mecanismo concebido para compensar as concessionárias poreventuais perdas de receitas com o resultados de programas de eficiência energética.
ESCO Energy Service Company. Uma companhia que se propõe a oferecer serviços para reduzir os gastos deenergia de seu cliente, tendo como pagamento parte dessas economias, ou algum outro arranjo baseado nessaredução.
EST Energy Savings Trust. Agência responsável por programas de eficiência energética na Inglaterra.
ET Emissions Trading. Comércio de Emissões (CE).
FERC Federal Energy Regulatory Commission. Agência Federal que regula preços, contratos e condições defornecimento e transmissão de energia transacionados entre estados americanos. É o equivalente federal dasagências estaduais de regulação.
G77 Grupo de países em desenvolvimento.
GEE Gases de Efeito Estufa.
GLD Gerenciamento do Lado da Demanda.
IC Implementação Conjunta.
IOU Investor-owned utilities. Companhia de propriedade privada (de acionistas).
IOU—Investor owned utility. Uma companhia de propriedade de acionistas que tem o objetivo de produzir lucroatravés de serviços de energia. É uma terminologia utilizada para diferenciar das companhias de propriedademunicipal, ou cooperativas rurais.
IPP Independent Power Producer. Produtores Independentes de Energia.
IPP—Independent Power Producer. Uma entidade privada que opera uma unidade de geração de energia e vendepara a rede ou clientes.
ISO Independet System Operatior. Operador Independente do Sistema (no Brasil é chamado Operador Nacional doSistema - ONS).
ISO Independent System Operator. Operador Independente do Sistema. Uma organização independente e neutrasem interesse financeiro na geração de energia que administra a operação e uso do sistema de transmissão. AOIS tem a palavra final sobre o despacho da geração para preservar a confiabilidade e eficiência do sistema,garantir o acesso público, administrar as tarifas de transmissão e fornecer informações sobre o estado do sistemae capacidade de transmissão.
JI Joint Implementation. Implementação Conjunta (IC).
MME Ministério de Minas e Energia.
MOP
MRPR Mandate Renewables Purchase Requirements. Reduções mandatórias para compra de energia renovável.
NARUC National Association of Regulatory Utility Commissioners. É um conselho consultivo composto pelasagências de cinqüenta estados, Distrito de Columbia, Porto Rico e Virgin Islands com o objetivo de defender ointeresse do consumidor para aprimorar a qualidade e eficácia da regulação pública no país.
ix
NASUCA National Association of Utility Consumer Advocates. Organização que congrega membros de 38 estados edo Distrito de Columbia com o objetivo de trocar informações e defender posições de interesse do consumidorem questões relacionadas a tarifas de energia em audiências das agências federais, Congresso Nacional e tribunaisde justiça.
NDRC Natural Resources Defence Council. Organização Não Governamental (ONG).
NFFO Non Fossil Fuel Obligation. Medida que obrigava as companhias regionais de eletricidade do Reino Unido acomprar uma parcela de sua demanda de fontes nuclear ou renovável.
NGO Non governmental organization. Organização não governamental (ONG).
NGU Non Generating Utility. CHECK
NPPC Pacific Northeast Electric Power Planning. Órgão regional de planejamento do setor elétrico.
OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PD&D Pesquisa, Desenvolvimento e Demonstração.
PIR Planejamento Integrado de Recursos.
PROCEL Programa de Combate ao Desperdício de Eletricidade, inicialmente concebido como Programa deConservação de Eletricidade
PU Public Utility.
PUC Public Utility Commission. Agência de Regulação.
RD&D Research, Development and Demonstration. Pesquisa, Desenvolvimento e Demonstração (PD&D).
REC Renewable Energy Credits. Certificados transacionáveis no mercado referentes a quotas de produção deeletricidade a partir de fontes renováveis.
SBC Systema Benefit Charge. Taxa cobrada dos consumidores para financiar programas públicos de energia.
SE Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia.
SMUD Sacramento Municipal Utility District
T&D Transmissão e Distribuição de energia.
UEC Units of Emmision Certificates. Unidades de Certificados de Emissão ( o mesmo que UCE). CHECK
URE Unidades de Redução de Emissão (o mesmo que CER)
USAID United States Agency for International Development. Agência de Cooperação do governo dos EUA.
x
PREFÁCIO
Este livro foi escrito com a pretensão de organizar idéias sobre o tema de políticas para
incentivar o desenvolvimento do setor energético na direção de maior participação de fontes
renováveis e maiores esforços para se economizar energia, justamente em um momento
quando novos agentes passam a fazer parte do processo de decisão e investimentos no setor
energético.
A busca de maior competição e eficiência econômica em um setor importante como
este não é uma tarefa fácil e as expectativas de que os mecanismos de mercado poderão
cumprir esses objetivos ainda merecem mais discussões. O tema é extremamente novo e não
existem fórmulas mágicas. Em todo o mundo ainda se aprende a acomodar os interesses do
mercado de energia com objetivos de desenvolvimento sustentável e as experiências não são
facilmente transferíveis de um contexto para outro.
Procura-se aqui mostrar algo da recente experiência dos EUA em tentar garantir a
preservação e estimular a utilização de formas mais sustentáveis de energia e ao mesmo
tempo criar reformas para permitir livre concorrência entre os produtores de energia. Desde o
início da década de 90 aquele país experimenta uma transição de uma indústria composta de
monopólios regionais com preços e lucros fortemente regulados pelo poder público para uma
situação de mercado competitivo com preços de energia elétrica determinados de acordo com
a oferta e demanda. Chama-se a atenção para os riscos de uma privatização e introdução de
competição sem se definir quais são as características de interesse público que o setor
energético deve manter. A expectativa é que esse material possa servir como referência para
as experiências que se iniciam no Brasil.
xi
RESUMO
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFICIÊNCIAENERGÉTICA E ENERGIA RENOVÁVEL NO
NOVO CONTEXTO DE MERCADO
Uma análise da experiência recente dos EUA e doBrasil
No Brasil e em vários outros países, o setor energético passa por grandes
transformações na sua estrutura de gerenciamento, nas decisões de novos investimentos e nas
formas da sociedade implementar mecanismos de controle e regulação. Este é um fenômeno
relacionado com novas condições financeiras, tecnológicas e econômicas principalmente para
a geração de eletricidade. De uma forma geral, a grande preocupação dessas reformas é
garantir competitividade, eficiência econômica para o setor e maiores investimentos da
iniciativa privada. Dependendo da situação em cada país tem se observado maior ou menor
ênfase em um desses aspectos.
É possível notar, no entanto, que o denominador comum dessas mudanças é um
enfraquecimento do poder público, seja ele como o principal gestor da indústria de eletricidade,
ou como regulador de uma concessão privada para a oferta de serviços de energia (conforme
era o caso dos EUA até recentemente). Algumas das reformas inclusive, especialmente
aquelas que se preocupam em introduzir maior competição no segmento da geração, têm
provocado um completo desinteresse em promover serviços de utilidade pública, como é o
caso da eficiência energética, seja pelas companhias de geração, ou distribuição de
eletricidade.
O grande desafio dessas mudanças é, a nosso ver, garantir que a indústria de
eletricidade além de ser competitiva, seja capaz também de atender objetivos sociais, de
proteção ambiental, e assegurar investimentos que promovam maior sustentabilidade do
xii
sistema energético para o futuro. É com esse objetivo que se desenvolve o presente trabalho
para analisar a experiência recente dos EUA com relação a reestruturação do seu setor elétrico
e iniciativas desenvolvidas naquele país para preservar os “bens públicos”. Este país teve um
desempenho diferenciado nessa questão quando comparado com os demais e, embora as
reformas estejam sendo feitas para promover uma agressiva competição nos serviços de
energia, tem havido preocupação em manter o caráter de “indústria de interesse público”.
A tendência das reformas no Brasil é fazer com o setor público participe cada vez
menos de iniciativas diretamente relacionadas com eficiência energética, pesquisa e
desenvolvimento e fontes renováveis, e se dedique mais à criação de um ambiente favorável
para que outros agentes se envolvam nessas atividades.
A análise aqui desenvolvida para o caso norte-americano procura aproveitar sua larga
experiência em criar incentivos através de regulação para estimular a ação de companhias de
energia em investimentos em programas de eficiência energética, embora tenham sido
concebidos durante um período onde ainda não havia competição.
Nossa intenção aqui é a de procurar entender quais são e quais foram as motivações
para preservar “bens públicos” nesse período de reformas e, na medida do possível, procurar
descrever os mecanismos que estão sendo discutidos ou colocados em prática para a
promoção desses bens no ambiente de maior competição.
Verificamos, como conclusão do trabalho, que três fatores tem sido especialmente
importantes para a preservação dos aspectos de utilidade pública da indústria de eletricidade
nos EUA. Em primeiro lugar destacamos a forte tradição do país na implementação de
programas federais, estaduais e regionais de conservação de energia e proteção ambiental.
Essas iniciativas são uma importante herança das várias décadas de rigorosa regulação
pública a que esteve submetida a indústria de eletricidade nos EUA, que inclusive, foi
responsável pela criação de mercados para várias tecnologias eficientes e de energia
renovável. Outro fator foi a participação da sociedade civil, seja através de grupos de proteção
ao consumidor, ambientalistas, acadêmicos, grupos comerciais e industriais ligados a fontes
renováveis. Finalmente observamos o interesse e sintonia de órgãos legislativos, tanto no
âmbito federal como estadual, para atender às reivindicações e preocupações da sociedade.
xiii
Trata-se de um processo ainda em elaboração e com diferentes enfoques de acordo com as
especificidades de cada estado, mas que oferece uma contribuição e inspiração para que
iniciativas semelhantes sejam experimentadas em países como o Brasil.
O presente trabalho consiste de 9 capítulos. Inicialmente são apresentados os
conceitos de bens e benefícios públicos do sistema energético. No segundo capítulo analisam-
se as principais causas e objetivos das reformas nos EUA, buscando evidenciar as principais
mudanças que poderiam comprometer o papel de interesse público dessa indústria. Os
capítulos seguintes discutem com maiores detalhes os efeitos das reformas do setor para a
eficiência energética, fontes renováveis e pesquisa e desenvolvimento, procurando mostrar as
iniciativas que foram realizadas naquele país para garantir esses aspectos. O capítulo 6 discute
o importante papel desempenhado pela opinião pública organizada através de grupos civis na
manutenção dos aspectos de interesse público da indústria. O capítulo 7 resume alguns dos
principais mecanismos utilizados pelos governos estaduais e federal para promover programas
de bens públicos nos EUA. O capítulo 8 apresenta uma análise do mecanismo regulatório
colocado em prática no Brasil para fomentar investimentos em eficiência e pesquisa e
desenvolvimento pelas empresas privatizadas, com o objetivo de verificar se está sendo
realmente eficaz para prover bens públicos para o país. As conclusões estão discutidas no
capítulo oitavo.
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO
As reformas do setor energético e a situação dos “bens públicos”. Objetivos e contexto
do estudo.
Motivação, objetivos e estrutura do estudo
No Brasil e em diversos outros países, o setor energético experimenta grandes
transformações com relação a sua estrutura de gerenciamento e decisões de novos
investimentos. Este é um fenômeno relacionado com novas condições financeiras, tecnológicas
e de custos para a geração de eletricidade. Existe, é certo, uma diversidade com relação aos
objetivos das mudanças e consequentemente, o mesmo ocorre com a forma como elas estão
sendo implantadas em cada país. No entanto, pode-se afirmar que de uma maneira geral, a
grande preocupação é garantir que estas introduzam maior competitividade, eficiência
econômica e maior investimentos da iniciativa privada no setor energético. Dependendo da
situação particular de cada país, tendo sido dado maior ou menor ênfase a cada um desses
três fatores. Nos EUA, que é o objeto de maior atenção neste trabalho, grande parte das
expectativas com relação a reestruturação se refere a um efetivo decréscimo nos preços de
energia aos consumidores (especialmente para os grandes consumidores) e ao aparecimento
de inovações tecnológicas decorrente da competição entre os chamados Energy Services
Providers – ESP.
É possível notar que o denominador comum das mudanças nos vários países onde se
tem analisado os efeitos das reformas (Hagler Baily 1998a,b,c; Diesendorf, 1996) é um
enfraquecimento do poder público, seja ele como o principal gestor da indústria de eletricidade,
ou como o regulador de uma concessão privada para a oferta de serviços de energia (conforme
era o caso dos EUA até recentemente). Alguns tipos de reformas inclusive, especialmente
aquelas que se preocupam em introduzir maior competição no segmento da geração, têm
provocado um completo desinteresse - pelo menos inicialmente - em promover serviços de
2
utilidade ou benefícios públicos, como é o caso da eficiência energética seja pelas companhias
de geração, ou distribuição (como foi o caso da Noruega, Chile e Argentina).
O grande desafio dessas mudanças é, a nosso ver, garantir que a indústria de
eletricidade além de ser competitiva, seja também capaz de atender objetivos sociais, de
proteção ambiental, e assegurar investimentos que promovam maior sustentabilidade do
sistema energético para o futuro. É com esse objetivo que se desenvolve o presente trabalho
para analisar a experiência recente dos EUA com relação com a reestruturação do seu setor
elétrico e as iniciativas desenvolvidas naquele país para preservar os “bens públicos” (V.
definição na próxima seção). Embora seja um processo ainda em consolidação em vários
estados daquele país, é possível verificar desde o início o interesse e preocupação em
preservar o caráter interesse público dessa indústria. Nosso objetivo aqui é o de procurar
entender quais são e quais foram as motivações para preservar “bens públicos” e, na medida
do possível, procurar descrever os mecanismos que estão sendo discutidos ou colocados em
prática para a promoção desses bens no ambiente maior de competição. Também analisamos
o caso brasileiro que desde 1998 colocou em prática um mecanismo regulatório para financiar
eficiência energética e P&D, o que inicialmente se configura como um avanço considerável e
até mesmo mais agressivo quando comparado ao que se verifica nos EUA. Interessa-nos
verificar, no entanto se essa regulação realmente garante a provisão de bens públicos e quais
são os limites de uma regulação sem uma definição de uma política pública para eficiência
energética e P&D para o setor energético, como tem sido o caso brasileiro.
O presente trabalho consiste de 9 capítulos. No primeiro são apresentados os
conceitos de bens e benefícios públicos do sistema energético. Os capítulos 2 a 7 referem-se
ao caso norte-americano. No segundo capítulo analisam-se as principais causas e objetivos
das reformas nos EUA, buscando evidenciar as principais mudanças que poderiam
comprometer o papel de interesse público dessa indústria. Os capítulos seguintes discutem
com maior detalhes os efeitos das reformas do setor para a eficiência energética, fontes
renováveis e pesquisa e desenvolvimento, procurando mostrar as iniciativas que foram
realizadas naquele país para garantir esses aspectos. O capítulo 6 discute o importante papel
da opinião pública organizada através de grupos civis na manutenção dos aspectos de
3
interesse público da indústria. O capítulo 7 resume alguns dos principais mecanismos utilizados
pelos governos estaduais e federal para promover programas de bens públicos nos EUA. O
capítulo oitavo discute a obrigatoriedade de implantação de programas de eficiência e P&D nas
empresas privatizadas no Brasil, seus primeiros resultados e limitações. As conclusões estão
discutidas no capítulo nono com algumas reflexões sobre aprimoramento da regulação para
fomentar iniciativas de interesse público da indústria de eletricidade.
Energia e “bem público”
É importante definir o que se entende como "bem público". Vários economistas no
início dos anos 50 e 60 se preocuparam com esse tema. São chamados de “bens públicos”
aqueles bens e serviços que não são produzidos em função da existência de um mercado
competitivo, ao contrário, são na verdade um clássico exemplo das chamadas imperfeições de
mercado. São bens (e serviços) consumidos por todos indivíduos e não podem ser restritos
para beneficiar somente um ou poucos grupos de compradores. Dessa maneira tampouco
existe interesse de indivíduos ou firmas agindo isoladamente na produção desses bens, uma
vez que não existirá um consumidor que individualmente esteja disposto a pagar por um bem
que é usufruído por todos1.
Bens públicos são caracterizados por três fatores. Um deles é o atributo da não
exclusão (ou não exclusividade), mencionado acima, ou seja, uma vez que esse bem foi
colocado a disposição de um consumidor, não é possível restringir o seu consumo por outros.
Por exemplo, investimentos em melhoria da qualidade do ar de uma cidade beneficiam todos
os cidadãos daquela região. Outro atributo de um bem público é a chamada não rivalidade: o
consumo desses bens por um indivíduo não diminui as possibilidades dos outros consumirem.
1 A teoria dos "bens públicos" teve início entre economistas europeus e começou a ser discutida
nos EUA em meados da década de cinqüenta, especialmente por Paul Samuelson. Mais tarde,discussões sobre a teoria de ação coletiva (Mancur 1965) foram também baseadas na teoriade bens públicos e deram novos enfoques sobre o acesso aos "bens públicos". Foi tambémconsiderado que enquanto bens privados são perfeitamente fornecidos pelo mercado, osuprimento de "bens públicos" deve se dar através de instituições políticas (Buchanan 1968)(citação extraída de Mielnik 1998). Existe também o clássico artigo Hardin (1968) intitulado“Tragedy of the Commons” que analisa o caso de uma vila onde cada habitante podia levar seucarneiro para pastorear em campos que pertenciam a todos. Como o campo era coletivo, cadaum procurava levar o maior número de animais para pastar até exaurir a pastagem. Esse é umexemplo que ilustra o tipo de dificuldades para gerenciar benefícios de recursos públicos. Apresente seção baseia-se em Pindyck&Rubinfeld (1994), Nordhaus (1999) e Rosset (1997).
4
Isso significa que a produção de quantidades adicionais desses bens não implica em que
novas quantidades de recursos seja utilizadas, em outras palavras, o custo marginal para a
produção de novos bens é zero. É claro que existem limitações quando a demanda por esses
bens é excessiva, por exemplo vias públicas utilizadas para trânsito de veículos é um bem
público que não exclui nenhum usuário, mas pode tornar-se congestionada em função de um
excesso de veículos trafegando ao mesmo tempo e impedir que outros veículos tenha acesso.
Finalmente, e como conseqüência dos aspectos anteriores, bens públicos são caracterizados
pela falta de interesse de firmas ou indivíduos em produzi-los. É necessário que sejam fundos
coletados da sociedade através de taxas, impostos, ou outras formas, para o financiamento da
produção desses bens.
No caso do setor de energia elétrica o que se observou na literatura recente dos EUA,
foi a preocupação de se definir quais seriam os aspectos de "bens públicos" cuja manutenção
seria necessária no contexto de menor regulação pública no que se refere a preços e
organização da indústria e maior competição entre as empresas.
Como exemplo dessa preocupação, tem-se que em 1994 a CPUC (CPUC, 1997)
apresentou um documento onde fica explicitada a relação de "bens públicos" que deveriam ser
mantidos pela nova configuração do setor elétrico da Califórnia e estabelecia níveis de recursos
que deveriam ser investidos em programas para que os mesmos fossem disponibilizados para
os cidadãos daqueles estado. Foi definido que os bens públicos eram: eficiência energética,
fontes renováveis, proteção ambiental, pesquisa, desenvolvimento e demonstração em áreas
de interesse público, e a manutenção de programas para atender a população de baixa renda.
Externalidades do setor energético
Este é outro conceito relevante quando se discute a reforma do setor energético.
Externalidades são os efeitos sobre terceiros, ou sobre a sociedade como um todo, causadas
por atividades na produção, transmissão, distribuição e consumo de energia que não são
capturados adequadamente através de mecanismos de preços. Essas externalidades podem
ser positivas quando beneficiam outros, ou negativas quando trazem prejuízos. Por exemplo,
embora os custos de produção de eletricidade através de painéis fotovoltaicos sejam maiores
que a eletricidade produzida por óleo diesel, o sistema de preços não reconhece nenhuma
5
vantagem da fonte renovável (solar) sobre o diesel. Como será visto mais adiante (Capítulo 4:
fontes renováveis e meio ambiente) os diferentes impactos sociais e ambientais das fontes de
energia podem também justificar a intervenção do setor público para sinalizar as preferências
da sociedade, quando os mecanismos usuais de mercado são limitados para esse fim.
A indústria de energia é particularmente responsável por uma série de impactos
negativos no meio ambiente local e global. Existem basicamente três maneiras de se procurar
refletir as preferências da sociedade de minimizar os efeitos negativos da produção ou
consumo de energia: estabelecimento de normas, ou padrões; impostos ou taxas; e mais
recentemente temos a criação de quotas de poluição que podem ser transacionadas entre os
agentes através de mecanismos de mercado.
O setor público pode estabelecer limites para emissões de poluentes, ou especificar
padrões de desempenho energético de equipamentos. Essa tem sido uma ferramenta muito
usada para controlar qualidade de combustíveis, poluição atmosférica, eficiência energética de
equipamentos e edificações, entre outros. A contínua revisão dessas normas tem possibilitado
incorporar os avanços tecnológicos e exigências da sociedade e em alguns casos inclusive,
induzir o desenvolvimento de novas técnicas e padrões de uso de energia.
Taxas ou impostos podem ser adicionados de acordo com critérios que possam
encarecer aquelas fontes de energia que são mais poluentes e favorecer as demais que
apresentem maiores benefícios sociais e ambientais.
A criação de quotas ou permissões transferíveis é um sistema onde se estabelece um
teto global para emissões (ou outro aspecto de interesse) que é repartido entre os agentes
responsáveis. Dependendo das possibilidades de cada um em promover reduções ele pode
transferir (vender) a parcela não utilizada de sua quota para um outro, ou seja, essas
permissões são negociadas entre os agentes. Esse mecanismo possibilita o aproveitamento de
diferentes oportunidades existentes entre as empresas de promover as reduções utilizando o
mecanismo de mercado (“preço” das permissões e o custo das reduções) para priorizar as
soluções de menor custo. Esse mecanismo foi introduzido com sucesso para controlar as
emissões de enxofre na indústria de eletricidade dos EUA (v. Capítulo 4) e mais recentemente
6
é parte dos esforços para controle de emissões de CO2 através do Mecanismo de
desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto (v. Anexo).
Benefícios públicos de sistemas energéticos e o mercado
É possível verificar a preocupação que existiu em se definir quais devem ser os
interesses públicos a serem atendidos pela indústria de eletricidade nos EUA desde o início
das discussões sobre a restruturação. As discussões que se desenrolaram criaram a
possibilidade de um contexto favorável para proposição de políticas para o atendimento de
interesses públicos em mercados competitivos.
Golove & Eto (1996) sumariam os interesses públicos associados a essa indústria a
partir de vários documentos elaborados por órgãos encarregados de conduzir o processo de
reestruturação nos EUA: 1) promoção da eqüidade inter e intra-classe (eqüidade vertical) de
consumidores e entre gerações; 2) the equal treatment of equals (eqüidade horizontal), mesmo
tipo de consumidores recebem mesmo tratamento (tarifas, condições de
pagamento/fornecimento, etc.); 3) equilíbrio entre metas de longo e curto prazo que possuem o
potencial de comprometer o futuro das novas gerações; 4) proteção contra o abuso de poder
monopolístico; e 5) proteção geral para a saúde e bem estar dos cidadãos do estado, nação e
mundo.
Outro documento bastante esclarecedor sobre a visão do papel das políticas públicas
para a manutenção de benefícios coletivos da indústria de eletricidade nos EUA é o “Public-
Policy Responsabilities in a Restructured Electricity Industry” de Bruce, Hirst & Bauer (1995).
Esse trabalho foi escrito a partir dos resultados de um seminário onde participaram
representantes de diversos setores: companhias de eletricidade, PUCs, agências estaduais de
energia, NGOs, comunidade acadêmica e produtores de energia. A Tabela 1 mostra o elenco
de benefícios coletivos segundo esse estudo que estão associados à indústria de eletricidade e
sua relação com a promoção de crescimento econômico, eqüidade social e proteção ambiental.
É interessante verificar que houve a preocupação de se explicitar as áreas de atuação para
políticas públicas no novo ambiente de maior competição e menor regulação da indústria:
confiabilidade do sistema, investimentos em pesquisa e desenvolvimento, gerência de recursos
naturais e riscos, acesso não discriminatório de produtores à rede de transmissão, programas
7
de fornecimento de energia para população de baixa renda, estabelecimento de padrões
mínimos de qualidade de serviço, proteção aos consumidores, incentivo ao uso de fontes
renováveis e redução de níveis de poluição. Essas áreas de atuação atendiam a metas e
objetivos dessa comunidade e que devem ser a base das políticas públicas. Essa Tabela
mostra também a estreita relação da indústria de eletricidade com diversas áreas de interesse
público.
A Tabela 2 apresenta os possíveis impactos do mercado competitivo para o acesso
desses benefícios públicos. Enquanto alguns objetivos que satisfazem interesses coletivos
como, por exemplo a confiabilidade do sistema elétrico, poderão ser garantidos por um
mercado competitivo outros não o serão, e devem ser supridos por iniciativa do poder público.
Esse é o caso de medidas de proteção ambiental e proteção ao consumidor, entre outras.
Essas informações ilustram o importante exercício de análise feito nos EUA para se
entender os limites e os benefícios que o mercado competitivo pode trazer para a manutenção
dos aspectos de interesse público considerados relevantes naquele país.
9
Tabela 1: As responsabilidades de políticas públicas
Ações
Valores e objetivos
P&D
Confia-bilidade do
sistema
Gerênciados
recursos/riscos
GLD Acesso nãodisc. Trans-
missão
Progra-masde Baixa-
renda
Padrõesmínimos de
serviços
Proteção aoconsumi-
dor
Energiarenovável
Redução deníveis depoluição
Progresso Econômico
Eficiência econômica 33 33 33 33
Competitividade industrial 33 33 33 33 33 33 33
DesenvolvimentoEconômico
33 33 33 33 33 33 33
Escolhas paraconsumidores
33 33 33 33 33
Equidade Social
Repartição eqüitativa decustos e benefícios
33 33 33 33 33 33 33
Participação pública 33 33 33
Proteção ao bem estarpúblico
33 33 33 33 33 33
Proteção ambiental
Geração e distribuição deeletricidade limpa
33 33 33 3333 33
Qualidade ambientalregional
33 3333 33
Fonte: Bruce, T. & E. Hirst, Bauer, D. 1995.
10
Tabela 2: O efeito do mercado nas responsabilidades públicas das empresas de energia
Ações favorecidas pelo mercado
Confiabilidade dossistema
Consumidores em um mercado competitivo poderão considerar a confiabilidade doserviço e o preço pago para escolher seus fornecedores.
Acesso não-discriminatório
Como a transmissão continuará a ser um monopólio, ela permanecerá sob aregulação do FERC. Discriminação poderia ser um problema se os proprietários datransmissão também controlassem a geração ou a distribuição.
Ações parcialmente favorecidas pelo mercado
Pesquisa eDesenvolvimento
Haverá investimentos em determinados tipos de P&D. Algumas inovações poderãoter repercussões sociais importantes, outras ficarão restritas a determinados nichose sempre terão o objetivo maior de aumentar a competitividade e lucros da empresade energia.
GLD Deverá haver o fornecimento de serviços de energia para os consumidores quandoessas atividades fornecerem receitas para as companhias. As decisões sobre quetipo de programas se farão sob uma perspectiva da empresa (rate-impact measuretest) e não sob uma perspectiva social (total resource cost test)
Energia renovável A falta do PIR e a habilidade de engajar diversos atores nas decisões sobre autilização de recursos naturais deverá reduzir o uso de fontes renováveis quepossuem preços mais caros que as alternativas convencionais. Reduções em P&Dnessa área também adiarão a entrada de novas fontes. Por outro lado com o acessonão discriminatório os produtores existentes poderão ter acesso a um mercado.
Gerenciamento derecursos naturais eriscos
Existe uma incerteza sobre os critérios que nortearão as decisões sobreinvestimentos na exploração de recursos naturais, especialmente quando se pensano longo prazo.
Ações que não serão favorecidas pelo mercado
Controle da poluiçãoe proteção ambiental
Custos de controle de poluição ainda não são internalizados pela indústria. Se osreguladores puderem estabelecer incentivos para a redução de níveis de emissões,por exemplo, a indústria deverá procurar maneiras de atingir essa meta com o menorcusto. O despacho ambiental é uma maneira de se atingir esse objetivo.Reguladores poderão taxar as plantas mais poluentes ou estabelecer um limite deemissões.
Programas paraconsumidores debaixa renda
O fornecimento de serviços para consumidores de baixa renda não é uma atividaderentável.
Padrões mínimos deserviços
Referem-se aqui a serviços que devem ser mantidos obrigatoriamente (mesmo sempagamento) para os consumidores (como fornecimento durante os meses deinverno). Esses serviços somente serão mantidos se forem mandatórios. Pequenosconsumidores ou consumidores cativos terão dificuldades para controlarem aqualidade de serviços de energia.
Proteção aoconsumidor
O mercado por si mesmo não oferece garantias ao consumidor. Isso é importante sehouver um grande número de companhias e intermediários para vendas de energia.
Fonte: baseado em Tonn, Hirst & Bauer, 1995.
CAPÍTULO 2: A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO NOS EUA
Antecedentes e motivações
Introdução
O setor elétrico dos EUA possui uma capacidade instalada de cerca de 725 GW (1996),
ou seja mais de dez vezes que o Brasil, o que dá idéia da complexidade e dimensão dos
impactos que as reformas devem causar no contínuo desenvolvimento de iniciativas de
economia de energia e de fontes renováveis naquele país. O crescimento do consumo total de
eletricidade tem sido modesto, entre 2-3% nos últimos anos, sendo que o setor comercial e
residencial apresentam as maiores taxas de crescimento. As reformas não foram motivadas
pela busca de maior eficiência no gerenciamento do setor, uma vez que já é um setor bem
administrado, com perdas técnicas em torno de 3% e perdas comerciais menores que 1%, mas
sim com o objetivo de reduzir os custos finais de energia, possibilitando a introdução de novas
tecnologias de produção de energia e aumentar a competitividade da economia americana no
mercado global.
O processo e velocidade da implantação das reformas variam muito de estado para
estado. Algumas regiões se encontram em estágios mais avançados, como a Califórnia e
estados da Nova Inglaterra, mas cerca de um total de 48 estados (1998) já estão introduzindo
reformas no setor para estimular a competição principalmente do lado da geração.
O objetivo deste capítulo é descrever de uma maneira geral as principais mudanças
ocorridas no setor elétrico e quais foram as motivações que determinaram iniciativas de
proteção aos bens públicos. Neste capítulo serão apresentadas as principais causas das
reformas no país e em alguns estados em particular. Inicialmente procura-se conceituar o
significado das reformas promovidas no âmbito da indústria de eletricidade de maneira geral,
para melhor colocar o contexto das mudanças nos EUA.
12
Conceituando as Reformas do Setor Elétrico
A análise de novas estruturas de organização do setor elétrico em vários países mostra
que existe uma grande diversidade de enfoques adotados. As mudanças que estão sendo
chamadas de “reformas” do setor energético são basicamente novas formas de organização
industrial e gerenciamento desse setor.
Para melhor apresentar as reformas implantadas nos EUA dentro do contexto de
possibilidades de novas organizações da indústria de eletricidade lança-se mão aqui de dois
referenciais: um que mostra as possibilidades de reformas segundo mecanismos de
coordenação entre os governo e empresas de energia, e outro que procura categorizar as
mudanças de acordo com sua natureza e objetivos.
As reformas segundo mecanismos de coordenação
Arentsen e Künneke (1996) propõem um modelo conceitual para representar os
diversos mecanismos de coordenação que caracterizam a organização de uma indústria
nacional de eletricidade. São considerados três tipos de mecanismos: preços de mercado,
acordos voluntários e autoridade governamental (Tabela 3). Cada unidade de decisão possui
um mecanismo de alocação prioritário com objetivos próprios.
Tabela 3: Tipologia de modelos de coordenação
Modelos decoordenação
Tomadores de decisão Mecanismo dealocação
Objetivo econômico
Mercado Indivíduo Sistema de preços Vantagens individuais
Rede de atores Grupo Acordos voluntários Vantagens mútuas
Hierarquia Autoridade pública Normas, leis, regras Interesse público
Fonte: a partir de Arentsen e Künneke (1996)
Uma combinação desses três mecanismos em pares, considerando “mecanismo de
coordenação dominante/ mecanismo de coordenação acessório”, gera a tipologia de modelos
de coordenação setorial que esses autores utilizam para estudar a organização do setor
13
energético em vários países. Essa tipologia oferece um referencial teórico para analisar a
diversidade de reformas setoriais (Tabela 4). Esses autores propõem chamar de liberalização a
qualquer movimento na direção ao topo da tabela e/ou à sua esquerda, ou seja fora da
localização da estrutura hierárquica e mais próxima do Mercado Puro.
Tabela 4: Tipologia de modelos de coordenação mistos
Mecanismo de coordenação dominante
Preço
(A)
Acordos Voluntários
(B)
Autoridade Pública
(C)
Preço Mercado Puro Auto-CoordenaçãoCompetitiva
HierarquiaCompetitiva
(A)
Acordovoluntários
MercadoCoordenado
Auto-CoordenaçãoPura
CoordenaçãoHierárquica
(B)
Mec
anis
mo
de
Co
ord
enaç
ão S
ecu
nd
ária
Autoridadepública
Mercado Reguladopelo Poder Público
Auto-CoordenaçãoControlada
Hierarquia Pura (C)
Fonte: a partir de Arentsen & Künneke 1996
Uma representação matricial desses modelos segundo o grau de centralização de seus
decisores permite elencar um espectro de configurações possíveis desde aquelas onde
predominam ações de Mercado baseada em preços de energia (Tabela 4, coluna A) até
Organização Hierárquica onde as iniciativas são do tipo “comando e controle” (Tabela 4, coluna
C). Como exemplo, podemos utilizar esse referencial representando a situação do Brasil até
meados da década de 90, como a de “Coordenação Hierárquica” uma vez que havia a
característica de interação entre diversos atores do setor elétrico, representando diferentes
companhias de eletricidade estaduais e regionais, sob a coordenação da ELETROBRÁS.
Decisões sobre o planejamento da operação e expansão, juntamente com financiamento e
execução dos planos eram coordenados através da ELETROBRÁS. A França através da
Eléctricité de France - EDF tem ainda a característica de ser tipicamente um caso de
“Hierarquia Pura”.
14
As reformas nos EUA e no Brasil
De acordo com essa tipologia, a presente reestruturação dos EUA pode ser descrita
como sendo um movimento a partir de um Mercado Regulado pelo Poder Público (através de
controle de tarifas e lucros das empresas) na direção de um Mercado Puro (competição livre
para produção e distribuição e preços determinados pelas regras de oferta e demanda). Nos
EUA, portanto, as reformas significam um movimento de baixo para cima, mas restrito à
segunda coluna à esquerda da Tabela 4, um movimento de (A,C) para (A,A).
Já no caso brasileiro as reformas implicam em mudanças profundas na propriedade (de
pública, ou estatal para privada) e gestão do setor que deixou de ter um planejamento
centralizado, em um movimento de (C, B) para (A,A) ainda não completado.
As reformas segundo sua natureza e objetivos
Um estudo realizado para o Departamento de Energia, Meio Ambiente e Tecnologia da
Agência norte-americana USAID (Hagler Bailly, 1996) categoriza em 5 os tipos principais de
reformas realizadas no setor elétrico a partir de uma análise comparativa entre vários países.
São elas comercialização, privatização, des-verticalização, competição para o mercado
atacadista mercado varejista, e regulação. No entanto, é bom ressaltar, se processam dentro
de um período de tempo que pode ser longo e incluir muitas das etapas descritas a seguir.
Comercialização
A comercialização significa a introdução de princípios de gerência e administração
comercial em companhias de propriedade do estado. Essas companhias passam a obedecer
as mesmas regras de preços, empréstimos, contabilidade e impostos que as empresas
privadas. São eliminados subsídios governamentais e outras vantagens como interferência e
garantias governamentais para obtenção de novos empréstimos. Freqüentemente o passivo de
dívidas da empresa é assumido pelo poder público.
Além disso, as empresas passam a apresentar sua contabilidade em separado para as
atividades de geração, transmissão e distribuição de energia. Suas decisões de investimentos
possuem um caráter comercial e deixam de ter uma conotação de política de desenvolvimento
15
econômico-social, e sofrem ajustes visando redução de custos, aprimoramento do sistema de
tarifas e faturamento, melhorando a medição e redução de perdas comerciais.
A comercialização tem sido encarada como uma etapa intermediária na direção da
privatização e outras reformas. Alguns países tem introduzido a comercialização do setor
elétrico através da gestão privada, mas mantendo ainda o setor sob domínio público, como por
exemplo a Costa do Marfim, Gana, Senegal, Tailândia, Singapura e Malásia.
Privatização
Privatização significa a transferência de empresas originalmente pertencentes ao setor
público para a iniciativa privada. Em algumas situações inicia-se o processo dando à iniciativa
privada a oportunidade de investir em capacidade adicional e depois passa-se a vender as
companhias existentes. Uma maneira de transferir à iniciativa privada novos investimentos é
designar, a partir de um determinado plano de expansão, aqueles empreendimentos que
devem ser explorados pela iniciativa privada. Outra maneira tem sido identificar as
necessidades de nova capacidade e deixar para a iniciativa privada determinar as fontes de
menor custo. A privatização tem sido a maneira de se introduzir reformas em países como
Argentina, Brasil, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Costa do Marfim, entre outros.
Quando se decide pela transferência do setor energético para a iniciativa privada é
necessário manter um conjunto de regras para controlar o setor e proteger o interesse público,
principalmente o controle de tarifas e garantias de qualidade de serviço. Isso pode ser feito
através de contratos na ocasião da venda das empresas ou através de comissões/agências de
regulação. Idealmente as comissões de regulação e as novas regras devem ser criadas antes
da privatização por agências com certa independência política, mas isso tem sido raro.
Des-verticalização ou Reestruturação
Esse tipo de reforma refere-se a um desmembramento das companhias de eletricidade,
separando as unidades de geração, da transmissão e distribuição de energia em diferentes
companhias. A Inglaterra e o Chile foram os pioneiros a realizar esse tipo de reforma. Outros
países que estão adotando a des-verticalização incluem a Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil,
El Salvador, Hungria, Nova Zelândia, Nicarágua, Paquistão, Filipinas, Polônia, Suécia, Ucrânia.
16
Em alguns países tem havido também um desmembramento horizontal com divisões
de companhias responsáveis por um segmento de atividade da indústria (geração ou
distribuição) segundo regiões geográficas.
Competição
Embora a porção da transmissão e distribuição seja considerada um monopólio natural,
pode-se introduzir a competição tanto para companhias de geração de energia (que venderão
no mercado atacadista) como também diretamente no varejo. A competição no lado da oferta
pode contar com produtores independentes de energia que podem negociar contratos com as
companhias de eletricidade.
A competição no varejo significa que consumidores finais podem negociar contratos de
compra diretamente com diferentes fornecedores. A competição no varejo inicia-se com
grandes consumidores industriais e comerciais, que são tipicamente mais atraentes para
disputarem contratos diretos com produtores de eletricidade.
Regulação
Esse é o tipo de reforma que vem associado principalmente quando também se
introduz a privatização. É seu objetivo principal proteger o interesse público, principalmente a
evolução de tarifas, qualidade do serviço e atendimento da região de concessão.
Quando existe uma privatização de companhias verticalmente integradas é
extremamente importante controlar a transferência de recursos dos consumidores para as
companhias através de regulação. Essa era a situação prevalecente nos EUA até
recentemente. Quando existe uma competição estabelecida no lado da geração deixa-se de se
regular esse segmento pois acredita-se que o próprio mercado se encarregará de controlar a
evolução das tarifas de suprimento.
As reformas nos EUA
O sistema elétrico americano já possuía uma estrutura descentralizada na qual vários
proprietários privados poderiam participar em um mercado competitivo para fornecimento de
energia, uma vez estabelecidas as novas regras. Não eram necessárias, portanto, iniciativas de
comercialização ou privatização de empresas.
17
Nos EUA duas das reformas mencionadas anteriormente foram praticadas: a des-
verticalização (ou reestruturação) da indústria e a introdução da competição a nível da geração
e distribuição, chamada de des-regulamentação. Foi necessário realizar uma reforma nas
regras de operação da indústria (des-regulamentação), eliminando total ou parcialmente as
restrições do governo de modo a permitir a mais completa competição entre as diferentes
unidades seja no mercado atacadista como no varejista.
Em quase todos os estados as reformas buscam inicialmente a competitividade do lado
da geração de eletricidade com a participação de novos agentes como os Independent Power
Producers – IPP (Produtores Independentes de Energia), ou mesmo intermediários comerciais
que poderão realizar contratos e entrar em processos de leilão promovidos por grandes
compradores de energia ou com operadores de sistemas de Transmissão/Despacho de
energia.
As motivações para as reformas nos EUA
Desde o início do século 20 até recentemente o setor elétrico era considerado um
monopólio natural nos EUA, e franquias eram concedidas para que companhias privadas (IOU)
operassem em regiões definidas. Em contrapartida estas companhias tinham a obrigação de
atender a área servida e eram submetidas a uma forte regulação pública abrangendo todos os
aspectos de sua operação. O controle público se dava através de comissões estaduais de
regulação. Ao longo do tempo, muitos estados introduziram a obrigação de se realizar o
planejamento integrado de recursos - PIR, um processo de planejamento onde oportunidades
de gerenciamento da demanda, proteção ambiental e utilização de recursos naturais para
produção de eletricidade eram contempladas simultaneamente. A partir desses estudos a
agência de regulação autorizava os investimentos das companhias de energia. A regulação da
indústria se realizava principalmente a nível estadual, sendo as transações inter-estaduais de
energia controladas por um órgão federal (FERC- Federal Energy Regulatory Commission).
As reformas que começaram a ser implantadas na década de 90 em diversos estados
dos EUA tiveram o objetivo principal de criar competição nessa indústria e reduzir custos finais
de energia dos consumidores, principalmente para o setor industrial, que necessitava manter-
se competitivo globalmente, e grandes consumidores comerciais. As mudanças incluíram a
18
introdução de novos tipos de compradores e produtores de energia2; novos mecanismos para
compra e venda de energia como leilões de blocos de energia de produtores; a des-
verticalização das companhias de eletricidade, separando as unidades de geração,
transmissão e distribuição. O resultado foi o surgimento de produtores independentes - IPPs,
uma entidade central para comandar a transmissão e o despacho de energia, companhias de
distribuição – DISCOs , companhias de comercialização ou brokers e companhias de serviços
de energia - ESCOs. Hoje o mercado de energia elétrica nos EUA é extremamente sofisticado
e dinâmico.
Nos primórdios da implantação da indústria de eletricidade nos EUA, no final do século
19, a situação era bem diferente. Não havia interesse em promover competição entre diferentes
produtores de eletricidade pois isso ocasionava um aumento nos custos de eletricidade aos
consumidores (Smeloff & Asmus, 1997, pg. 10.). Era um período onde a indústria recém
implantada estava lutando com dificuldades para criar um mercado para seu produto. Admitia-
se na época que a produção de energia era um monopólio natural3 e debatia-se então se as
vendas (distribuição) de energia deveriam ser um monopólio privado ou público. A partir de
1907 um grupo, o National Civic Federation, composto por influentes homens de negócios e
banqueiros estabeleceu um modelo que foi adotado durante os 90 anos seguintes. Nesse
modelo as companhias elétricas eram consideradas monopólios naturais mas eram reguladas
por comissões públicas. As empresas poderiam produzir e vender energia em uma
determinada região de sua exclusividade, ou seja, elas possuíam uma franquia territorial para
explorar os serviços de energia. Esse tipo de regulação criou bases estáveis que propiciaram o
desenvolvimento dessa indústria que a partir de então assumiu uma estrutura verticalizada
responsável por todas as atividades desse negócio.
2 Além das classes de consumidores (residencial, comercial, industrial, etc.) com necessidades e
nível de informação distintos, existe uma diversidade de atores como os IOU (Investor-OwnedUtility), POU (Public-Owned Utility), NGU (Non Generating Utility), e ESCO (Energy ServicesCompany).
3 Um monopólio natural se caracteriza quando uma firma pode produzir um dado nível deprodução de um produto a custos inferiores que quando várias firmas o fazem. Monopóliosnaturais ocorrem em indústrias que exibem custos médios de longo prazo decrescentes devidoa economias de escala.
19
Segundo Smeloff & Asmus (1997) foi somente nos anos 30 que houve um esforço e
interesse no desenvolvimento de uma indústria pública de eletricidade. Isso ocorreu durante o
governo de Franklin D. Roosevelt com o início da exploração do potencial hidroelétrico através
de agências públicas. Dessa época datam as primeiras companhias (públicas) municipais, e
diferentemente das outras não eram submetidas às comissões públicas de regulação, uma vez
que já eram de propriedade de governos municipais e submetidas à fiscalização pública.
Causas das mudanças na estrutura do setor elétrico dos EUA
Historicamente as IOUs dominaram a indústria de eletricidade nos EUA, representando
na década de 90 mais de 70% da capacidade de geração e a maior parte da T&D e durante
quase 90 anos esse setor foi operado como uma coleção de monopólios regulados,
geograficamente independentes entre si. As companhias possuíam franquias para serviços de
eletricidade que permitiram sua integração vertical, condição importante para atingir as
economias de escala.
A indústria de eletricidade se desenvolveu muito bem de acordo com esse modelo até
a década de 70. Significativas economias de escala eram até então obtidas com o sistema de
grandes monopólios, que por sua vez construíam grandes usinas e sistemas de transmissão
cada vez maiores. O desenvolvimento tecnológico durante o período possibilitou que as
turbinas a vapor melhorassem continuamente sua eficiência permitindo a construção de usinas
maiores e mais eficientes. Durante esse período houve a diminuição dos custos de produção
de eletricidade, aumento extraordinário do consumo e lucros para a indústria. No entanto, na
medida em que se estabilizaram os ganhos de eficiência técnica através de economias de
escala também se estabilizaram os custos de produção e rentabilidade da indústria. Nesse
momento a energia nuclear passou a ser então uma alternativa tecnológica procurada pela
indústria para diminuir os custos de uma geração baseada até então no carvão.
No final da década de 60 a energia nuclear começava a ser implantada em várias
regiões do país. Ao mesmo tempo dois fatores começaram a impor mudanças no setor:
problemas internos da economia dos EUA (alta inflação e pressões para manter a
competitividade de seus produtos no mercado internacional), e o surgimento de um forte
movimento de consumidores de energia e de ambientalistas.
20
Para um setor intensivo em capital como este, os custos crescentes de financiamento
pressionavam aumento das tarifas dos consumidores. Os novos preços do petróleo da década
de 70 tiveram que ser repassados, uma vez que grande parte da eletricidade era baseada em
petróleo e gás natural.
Concomitantemente uma nova legislação ambiental estava sendo posta em prática a
nível federal e em alguns estados americanos como a Califórnia. É criada a agência ambiental
americana EPA, e leis ambientais bastante restritivas como o Clean Air Act e o California
Environmental Quality Act, entre outros.
Um dos resultados desse conjunto de medidas foi que os custos e o tempo necessário
para a implantação de projetos energéticos começaram a crescer. Na medida em que esses
custos começaram a ser repassados aos consumidores uma forte reação começou a ser
orquestrada por todo o país através de entidades civis. Os grupos de pressão começaram a se
organizar de maneira bastante efetiva e passaram a influir nas audiências das Comissões de
regulação onde se debatiam as novas tarifas (v. também Cap. 6). Resultados importantes
começaram a surgir com a criação de tarifas especiais de cunho de assistência social para
consumidores e foram incrementados os esforços para conservação de energia.
Durante o governo Carter houve interesse em aumentar a independência energética
dos EUA, começou-se a tomar medidas para promover a substituição do petróleo importado e
incentivar a conservação de energia. Três importantes decretos federais foram assinados
durante sua gestão com implicações para os investimentos do setor elétrico que viriam a
seguir:
• O Power Plant and Industrial Fuel Act, que proibia o uso de derivados de petróleo e gás
natural em novas usinas termelétricas. Nessa época metade do petróleo usado em
termelétricas do país era importado e havia também a preocupação com o nível das
reservas de gás natural. Além disso, a população já tinha experimentado problemas com o
abastecimento desse combustível durante os meses de inverno de 1977 e 78. A idéia
prevalecente na época era preservar o gás para aquecimento doméstico.
21
• O Natural Gas Policy Act foi criado para des-regulamentar os preços das novas jazidas e,
com isso estimular a exploração de gás natural no país. Com essa medida os preços de gás
passaram a ser determinados pelo mercado.
• A competição no setor elétrico começou de certo modo com o decreto do PURPA (Public
Utilities Regulatory Policy Act). Esse decreto estipulava que as companhias deveriam
comprar eletricidade de produtores independentes quando o preço era menor que o custo de
se construir novas usinas. Em 1982 a CPUC autorizou contratos de longo prazo que foram
fundamentais para o desenvolvimento de produtores independentes. Outras companhias em
várias partes do país começaram a ver as vantagens das tecnologias que começavam a ser
instaladas na Califórnia. Eram tecnologias de geração em pequena escala.
A partir da década de 80 principalmente, as economias de escala na geração foram
drasticamente reduzidas com o surgimento em escala comercial de novas tecnologias como
turbinas a gás com ciclo combinado que podiam ser instaladas modularmente com custos de
capital e prazos de construção muito menores que as principais tecnologias disponíveis
comercialmente.
Em 1992 o Energy Policy Act (EPACT) facilitou ainda mais a des-regulamentação
obrigando o acesso à rede de transmissão para produtores que quisessem vender energia a
grandes consumidores (third party wheeling of power to wholesale customers).
Quais foram as mudanças e principais impactos
Na seção anterior definimos reestruturação como sendo o processo de mudanças na
forma de organização de um determinado tipo de indústria e des-regulamentação como sendo
uma reforma nas regras de operação dessa indústria, eliminando total ou parcialmente as
restrições do governo de modo a permitir a mais ampla competição entre as diferentes
unidades dessa indústria. Na verdade, o setor energético é um dos últimos a experimentar o
processo de des-regulamentação e reestruturação nos EUA. Esse tipo de experiência em
várias indústrias similares a de energia elétrica já se iniciou há uma década, como foi o caso da
indústria de gás natural, telecomunicações, companhias aéreas, transporte rodoviário de carga.
Todas essas indústrias possuem um conjunto de produtores independentes que se utilizam de
22
uma rede de dutos, vias, estradas, linhas de transmissão, etc. para fornecer seus produtos e
serviços a seus consumidores - portanto similares à indústria de eletricidade - já passaram por
um processo de des-regulamentação há mais de uma década.
O resultado da experiência com des-regulamentação nessas indústrias tem
demonstrado, segundo afirma Crandall & Ellig (1998), que maior competição trouxe benefícios
aos consumidores quando comparada com a situação anterior de forte regulação econômica.
Esses autores, baseados em outros estudos, mostram que houve uma queda real de preços ao
consumidor final para os produtos dessas indústrias e quantificam esses benefícios aos
consumidores4.
Esses fatos foram importantes não só para tornar o debate em torno das reformas do
setor elétrico mais concreto, como também já apontavam um referencial para as iniciativas de
proteção ao consumidor e para disciplinar as transações entre fornecedores, redes de
distribuição e consumidores finais. Outro elemento importante foi o fato que consumidores,
especialmente aqueles do setor comercial e industrial, já possuíam a experiência de se
relacionar com diferentes fornecedores, especialmente na área de telecomunicações, e atuar
dentro de um mercado mais competitivo.
A Figura 1 representa esquematicamente a estrutura da indústria de eletricidade e a
abrangência do órgão regulador antes e depois das reformas. O poder público continua sendo
o responsável pela elaboração de políticas gerais para o setor através de seus órgãos, como o
DOE (Department of Energy) a nível federal e os organismos correspondentes a nível estadual,
mas com menor interferência que antes das reformas.
As companhias de eletricidade foram desmembradas (des-verticalizadas), sendo que
no segmento da geração inicialmente houve a criação de um sistema de um power pool onde
os geradores competem entre si para vender energia a compradores, ou então um sistema
onde os geradores fornecem ao Operador Independente do Sistema (ISO- Independent System
Operator) suas planilhas de regime de operação, que descrevem as quantias e custos de
4 Após a des-regulamentação da indústria de telecomunicação estima-se que US$ 5 bilhões
(1995 $) foram economizados pelos consumidores, no setor de aviação civil a cifra é de US$19,4 bilhões, no transporte de carga rodoviária US$ 19,6 bilhões e no transporte ferroviário US$9,1 bilhões (Crandall&Ellig 1998).
23
energia a serem fornecidas ao longo de um período de tempo. Ao ISO compete a consolidação
dessas planilhas e planos de operação diversos assegurando os melhores preços e
confiabilidade do sistema. O ISO é responsável pelas estimativas horárias de demanda,
controle de leilões de compra de energia (caso seja essa a opção escolhida) e despacho de
energia. O ISO não pode ser proprietário de sistemas de transmissão ou geração e não pode
determinar os preços de energia ou de transmissão.
Com as reformas nos EUA as comissões de regulação não são mais responsáveis pela
fiscalização do segmento de geração, apenas naqueles estados que ainda mantém
companhias verticalmente integradas, ou quando ainda não existe competição. O papel
tradicional de se controlar a evolução das tarifas de geração também está sendo abolido com
as reformas, uma vez que se espera que o próprio mercado se encarregará de minimizar os
preços de energia. Essas agências controlarão as tarifas para a transmissão e distribuição,
mas não mais pelo sistema de custo do serviço e uma taxa de retorno, e sim através de
sistema que incentive preços finais mais baixos possíveis.
24
ANTES DA REESTRUTURAÇÃO APÓS A REESTRUTURAÇÃO
Figura 1: Representação esquemática da estrutura do Setor Elétrico dos EUA, antes e após asreformas
Fonte: a partir de USAID/Office of Energy.
Impactos das mudanças
Nesta seção serão analisados alguns dos impactos que a reestruturação ocasionou
com relação a eqüidade, papel do governo federal, acesso e divulgação de informações, e
promoção de substituição entre eletricidade e gás. Nos capítulos seguintes serão analisados os
impactos das reformas para o fornecimento dos chamados bens públicos, conforme foi definido
no capítulo 1: eficiência energética, fontes renováveis, proteção ambiental e pesquisa e
desenvolvimento. Serão discutidos mecanismos que estão sendo considerados para a
proteção ou promoção desses bens dentro de um contexto de competição e quais foram os
motivos que levaram à sua implementação.
POLÍTICASPOLÍTICAS
GERAÇÃOGERAÇÃO
TRANSMISSÃOTRANSMISSÃO
DESPACHODESPACHO
IMPORT/IMPORT/EXPORT.EXPORT.
DISTRIBUIÇÃODISTRIBUIÇÃO
AGÊNCIAS EXECUTIVASFEDERAIS E ESTADUAIS
COMPANHIAS
VERTICALMENTE
INTEGRADAS
CONSUMIDORES
REGULAÇÃOREGULAÇÃO
AGÊNCIAS
REGULADORAS
FEDERAIS E
ESTADUAIS
POLÍTICASPOLÍTICAS
GERAÇÃOGERAÇÃO
OIS/ OIS/ POWER POWER EXCHANGE EXCHANGE
DISTRIBUIDORES DISTRIBUIDORES
REGULAÇÃOREGULAÇÃO
AGÊNCIAS
REGULADORAS
FEDERAIS E
ESTADUAIS
NOVO DIS-TRIBUIDOR
CIA. DEELE-TRICIDADE
CIA DE TRANS-MISSÃO
CIA DE DES-PACHO
CIA GE-RADORA
PROD. IND.
INTERME-DIÁRIOS
AGÊNCIAS EXECUTIVASFEDERAIS E ESTADUAIS
CONSUMIDORES
25
Quadro 1: As Agências de Regulação da Califórnia e suas Atribuições
The California Public Utilities Commission (CPUC) é a principal agência governamental que
fiscaliza as empresas de serviços públicos (eletricidade, gás, telefone, água e esgotos e transportes). Ela
é constituída por 5 commissioners designados pelo governador para um período de 6 anos e aprovados
pela Assembléia Legislativa do estado. Ela é responsável pela aprovação de preços para eletricidade e
atende os interesses dos consumidores, fiscaliza e aprova os planos de investimentos e a operação das
empresas de eletricidade. Foi a entidade principal e responsável pelo plano de re-estruturação do estado.
Com a re-estruturação a CPUC não é mais responsável por determinar as tarifas a serem cobradas, mas
continua sendo o principal fiscalizador para garantir a qualidade e fornecimento de energia para o estado,
bem como a manutenção dos programas de “bens públicos”.
The California Energy Commission (CEC) também é constituída por 5 elementos designados
pelo governador para um período de 4 anos e aprovados por um comitê específico da Assembléia
Legislativa estadual. A lei exige que quatro membros da CEC tenham especializações nas áreas de
engenharia e ciências exatas, proteção ambiental, economia e direito. O quinto membro deve ser um
representante do público geral. A CEC é responsável por cinco áreas de atividades: projeção da demanda
futura de eletricidade do estado, desenvolvimento de fontes renováveis, promover o uso eficiente de
energia, licenciamento de usinas termelétrica com capacidade maior que 50 MW e o planejamento de
planos de emergência para o estado5.
The Federal Energy Regulatory Commission (FERC) é constituída por cinco elementos
apontados pelo presidente e aprovados pelo Senado Federal. È o órgão encarregado de regular as
vendas de energia entre os estados americanos. FERC verifica se as taxas cobradas para a transmissão
são justas e não abusivas e não discriminatórias entre os vários compradores e fornecedores. Ela revisa
os acordos e as transações comerciais entre as companhias.
Além dessas agências, as empresas de energia (na verdade todo o setor indústrial) está sujeito a
uma série de leis ambientais, de saúde pública e de segurança estaduais e federais.
Eqüidade
Eqüidade se refere a assegurar procedimentos e garantias de serviço para todos os
consumidores. Isso, mais especificamente nos EUA, significa proteção de serviço para
1. A Califórnia é sujeita a terremotos.
26
pequenos consumidores no que se refere, por exemplo, ao adiamento de pagamento de contas
durante meses de pico no verão e inverno, quando são maiores os gastos com energia para o
condicionamento ambiental. A manutenção de serviços de energia nessas condições não está
baseada em princípios de racionalidade econômica de um mercado competitivo, mas sim de
princípios de bem estar social, tendo portanto a característica de um bem público.
Parece óbvio inferir que somente os grandes consumidores com possibilidades de
negociação com fornecedores poderão se beneficiar da maior competição proporcionada com a
restruturação. Pequenos consumidores não são interessantes e freqüentemente não estão em
condições de negociar contratos vantajosos para si. Grandes consumidores podem exercitar
seu poder de barganha ameaçando trocar de fornecedor e dessa maneira negociar reduções
de preço de tarifas. Uma vez que a companhia elétrica necessita recuperar seus investimentos,
isso pode inclusive implicar em aumentos de preços para outros consumidores, ou seja para os
pequenos consumidores.
Colton (1996) destaca os problemas a serem enfrentados por pequenos consumidores
em um mercado liberal. Além das mencionadas acima, tem-se ainda que firmas competitivas
não terão interesse próprio em assegurar um serviço universal, quando isso significar maiores
custos ou retornos pouco atrativos para os seus investimentos. É muito provável também que
ocorra uma segmentação geográfica, onde firmas procurarão oferecer serviços diferenciados
(inclusive qualidade de fornecimento de energia) de acordo com o tipo de mercado atendido.
É possível afirmar em um primeiro momento que maior parte dos benefícios da maior
competição no setor elétrico deve ir para alguns poucos grandes consumidores, conforme
analisa (Colton, 1996). Entretanto, Crandall & Ellig (1998) argumentam que é muito provável
que os benefícios auferidos por grandes consumidores de energia serão eventualmente
repassados para os demais, uma vez que eles devem enfrentar competição também. Segundo
esses autores, a experiência com des-regulamentação mostra que não se redistribui
simplesmente os custos de um grupo de consumidores a outro, mas existem desdobramentos
com relação ao desempenho das indústrias e em última instância existem ganhos para o
consumidor final. Afirmam ainda que quando se introduz maior risco e mais competição para as
27
empresas existe o mérito de se estimular inovação e eficiência econômica. É provável que a
análise de Crandall& Ellig (1998) faça sentido considerando a situação dos EUA.
No entanto, a experiência com o gás natural e telecomunicações mostra que 60-75%
dos pequenos consumidores não se interessam em participar do mercado competitivo e trocar
seus fornecedores, tendo em base somente as economias com suas contas. As companhias de
distribuição de eletricidade dos EUA sabem que deverão incluir novos serviços para atrair
esses consumidores.
Quadro 2: Programas para população de baixa renda
Durante a re-estruturação estão sendo implantados basicamente dois tipos de programas para a
população de baixa renda: um que oferece uma tarifa diferenciada e outro que consiste em programas
com componentes de eficiência energética ou melhoria de isolamento térmico das residências. Além
desses programas existem ainda os programas de informação que em muitos lugares são concebidos
especificamente para atender à população de baixa renda, com orientações de como comprar, utilizar e
manter equipamentos elétricos.
Um programa de tarifa especial oferece descontos que apenas consumidores credenciados
podem usufruir. Inicialmente a tarifa é fixada nos valores de 1996 ou antes da re-estruturação. Na
Califórnia o programa é chamado California Alternative Rates for Energy, e o desconto é de 15%. Em
Massachusetts e Rhode Island a tarifa foi estabelecida por atos do poder legislativo. No Arizona a
comissão de regulação estabeleceu valores para a tarifa e em Wisconsin o próprio estado possui um
programa para auxiliar o pagamento das contas de energia de consumidores credenciados, sendo o
programa financiado através de taxas cobradas das companhias de energia.
Os programas de eficiência energética realizam investimentos em tecnologias e reformas em
prédios residenciais ocupados por famílias de baixa renda, como uma medida para auxiliar a redução das
contas de energia.
Em geral, os programas para baixa renda procuram agregar várias outras iniciativas das áreas
de assistência social nos âmbitos de governos municipais, estaduais e federal.
28
O papel do governo federal
Outro impacto importante dessas reformas nos EUA refere-se ao papel do estado no
processo de des-regulação. Tem havido um enfraquecimento do governo federal no que se
refere à tomada de decisão sobre novos recursos energéticos, e só recentemente o FERC
comecou a ficar mais ativo no processo de regulação.
A presença do órgão federal de regulação é bastante antiga, tendo sido estabelecida
pelo Federal Power Act de 1935.
Acesso e divulgação de informações
Outro problema que começa a ocorrer com a reestruturação é o acesso as informações
sobre o mercado de energia. Vine 1997 discute a questão da divulgação de informação entre
empresas num contexto competitivo e diz:
Companhias de energia ficarão relutantes em compartilhar suas informações se
existir a percepção que poderão tirar alguma vantagem competitiva desse fato. Por esta
razão os reguladores deverão ter uma atitude mais pro-ativa ao instituírem processos de
revisão e coleta de informações das companhias. Muitas das políticas com relação a
confidencialidade de informações das companhias devem ser revistas. Sem uma atualização
do marco regulatório incluindo regras específicas para acesso a informações os problemas
atuais apenas se agravarão.
Informações são especialmente importantes para que o próprio setor público possa
realizar um planejamento de longo prazo, avaliar e acompanhar o progresso de programas
específicos de eficiência energética e outros.
A questão da competição entre gás e eletricidade
Outro problema decorrente de maior competição entre empresas de energia - em
particular entre as de eletricidade e gás - é a dificuldade de implementar a substituição de
combustíveis nas situações que podem trazer vantagens para o consumidor ou para a
29
sociedade em geral (menor impacto ambiental, por exemplo). A questão é saber como os
reguladores deverão criar dispositivos para que as companhias invistam em programas para
promover a substituição de eletricidade por gás natural quando isso for conveniente para o
consumidor. Caso não existam determinações nesse sentido, as companhias de eletricidade
somente se preocuparão em realizar investimentos para encorajar o uso de eletricidade, o
mesmo acontecendo com a indústria de gás natural. (Wiel & Goldman.1994).
Quando o planejamento integrado de recursos era mandatório em várias regiões dos
EUA (por exemplo, Washington, Oregon, Califórnia, e outros) era possível identificar
oportunidades de substituição entre energéticos que fossem vantajosas para consumidores,
meio ambiente ou para a sociedade. Isso fez com que várias comissões de regulação (foi o
caso, por exemplo dos estados de Vermont, Georgia, Wisconsin, Califórnia, Oregon e Nova
Iorque) estabelecessem obrigações ou incentivos para programas de substituição de
energéticos conduzidos pelas companhias de eletricidade ou gás. O caso mais interessante de
programas de substituição parece ter sido o da Califórnia, que coincidentemente possuia
também a maior companhia que comercializa gás e eletricidade (PG&E).
Nessa época, a CPUC determinou a consideração de medidas de substituição entre
energéticos dentro dos planos de GLD. Os programas de substituição que deveriam ser
implementados pelas companhias de energia eram identificados através de três testes
1) o programa não deve aumentar a quantidade de energia (medida em BTU) consumida para
o uso final considerado,
2) o programa deve ter um Total Resource Cost ou um benefício-custo total 6 maior ou igual a
1,
3) o programa não deve ter impactos negativos no meio ambiente.
6 Total Resource Cost inclui os custos do programa para a companhia e também os custos
adicionais para o consumidor com as medidas. Também são contabilizados os benefíciosdecorrentes tanto para a companhia (custos evitados) como para os consumidores (economiasde energia, por exemplo).
30
Os critérios da Califórnia são mais rigorosos daqueles que estão sendo utilizados pelos
outros estados e tem a intenção de limitar também programas substituição que sejam
exclusivamente financiadas pelos próprios consumidores.
É bom lembrar que tem existido nos EUA bastante resistência e debates para aumentar
a regulação e a interferência das comissões. A idéia prevalecente das reformas é deixar que o
mercado decida sobre as melhores soluções quanto à substituição. No entanto, existe a
experiência de que em algumas situações, como foi o caso da Califórnia, tenha se garantido
maneiras de promover a substituição através de regulação.
31
CAPÍTULO 3: A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
O passado e os novos impactos
Introdução
Durante as décadas de 70 e 80 a construção de novas usinas elétricas nos EUA
implicavam em custos de energia superiores àqueles obtidos com as usinas existentes. O
sistema de preços de eletricidade era baseado em custos médios, de acordo com o sistema
regulatório vigente e, dessa maneira, as vendas da energia produzida pelas novas unidades
não eram suficientes para cobrir os custos dos novos investimentos destinados a suprir a
demanda adicional de energia.
Nessa época, portanto, suprir nova demanda significava aumentar os custos de
produção e distribuí-los através de tarifas mais altas entre todos os consumidores. Nesse tipo
de contexto era razoável esperar que as companhias elétricas tivessem um papel importante e
interesse na implantação de programas de conservação de energia. Mesmo repassando os
custos dos programas de conservação aos consumidores isso significava muitas vezes em um
menor aumento de tarifa que se tivesse que atender a demanda adicional através de novas
unidades de produção.
Outro fator relevante, foi que durante esse período era pouco prático e caro para que
consumidores, ou outros agentes, gerassem sua própria eletricidade dada a situação de
monopólio conferida às companhias de eletricidade. Não era possível a introdução de outros
sistemas de geração de energia que pudessem competir com as companhias verticalmente
integradas e com concessões territoriais..
Já em meados da década de 90 o contexto era bem diferente com preços baixos de
gás natural, melhores tecnologias e o acesso dos consumidores a outros sistemas de
transmissão e distribuição decorrente das reformas no setor elétrico. Com isso, os
investimentos das companhias de eletricidade em medidas de eficiência energética junto aos
seus consumidores começaram a ficar comprometidos e diversos estados procuraram
32
assegurar recursos para que as reformas não eliminassem os benefícios públicos advindos de
medidas de conservação de energia.
Nesse capítulo apresenta-se brevemente a evolução dos programas de conservação
nos EUA antes das reformas e sua continuidade durante o período de reformas. A seguir,
procura-se mostrar as dificuldades de se introduzir melhorias em eficiência energética somente
por ações do mercado. A nosso ver o caso americano é uma ilustração de que são necessárias
ações públicas para manter a continuidade de programas de eficiência.
Os programas de eficiência energética antes das reformas
Os EUA possuem uma sólida e respeitável tradição em iniciativas de programas de
eficiência energética e GLD (Gerenciamento do Lado da Demanda). Muitas delas foram
conduzidas pelas próprias companhias verticalmente integradas e outras surgiram a partir de
determinações a nível federal e estadual. A nível federal foram concebidos programas, tanto no
âmbito do DOE como EPA, responsáveis por significativos avanços em economias de energia.
Dentre os exemplos importantes que tiveram impactos a nível mundial estão programas como o
Energy Star Program, que influenciou o desempenho energético de microcomputadores e
periféricos no mundo todo. Outro exemplo é o Green Lights Program, um programa de
participação voluntária responsável por significativas economias de energia no setor de
iluminação, que agora passa a ser replicado em outros países, como a China. O
estabelecimento de normas técnicas mais rigorosas tanto a nível federal como estadual tem
acelerado a introdução em escala comercial de avanços técnicos e tecnologias que de outra
maneira não teriam entrado no mercado. O mesmo acontece com normas de edificações para
prédios públicos a nível federal e em muitos estados. O DOE tem dedicado recursos
substanciais para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias eficientes até recentemente.
Muitas dessas iniciativas datam desde a década de setenta durante o choque do petróleo e
também como resposta à crescente pressão de ambientalistas preocupados com a proliferação
da energia nuclear e poluição de termelétricas a carvão e petróleo.
Antes das reformas do setor elétrico, programas de eficiência energética ao nível dos
estados foram estimulados fortemente através de regulação, financiamento para pesquisas e
desenvolvimento, e campanhas de informação financiadas pelo poder público. Desde a década
33
de 80 diversos estados passaram a exigir que as companhias de eletricidade adotassem o
Planejamento Integrado de Recursos - PIR e investissem em programas de GLD como
alternativas para controlar a expansão da geração. Os programas conduzidos pelas
companhias eram, portanto, determinados pelas comissões de regulação que requeriam a
adoção de medidas de GLD consideradas de custos menores que as alternativas de geração,
ou então, quando analisados os planos de expansão sob a ótica do PIR, as oportunidades de
conservação de energia mais atraentes que novas usinas ou sistemas de transmissão. Muitas
companhias realizaram investimentos em uso eficiente de energia porque percebiam sua
atratividade, mas muitas outras o fizeram para cumprir determinações das agências estaduais
de regulação.
Reid (1992) descreve a evolução dos diversos mecanismos de incentivo ao GLD nos
EUA desde o início da década de 80 até os primeiros anos da década de 90. Já a partir de
1991, 30 estados possuíam algum tipo de incentivo para atividades de GLD em seu sistema de
regulação para o setor. Experiências importantes como as ocorridas na Califórnia, Washington
e Wisconsin estabeleceram mecanismos regulatórios que puderam influenciar sua adoção em
vários outros estados.
Em 1980 um estatuto regulatório do Estado de Washington estipulava que as
companhias de eletricidade poderiam obter um bônus de 2% na taxa de retorno de seus
investimentos em conservação. Nesta época, também, o Estado da Califórnia implementou o
Electric Revenue Adjustment Mechanism - ERAM, que permitiu um desacoplamento entre
vendas de energia e receitas para a companhia. A idéia básica do ERAM era razoavelmente
simples: a companhia deveria manter somente a receita previamente acordada advinda da
tarifa básica autorizada pelo órgão regulador. Qualquer rendimento em excesso ou a menos,
em um dado ano, era colocado em uma conta separada. Esse balanço contábil, que inclui
juros, é “zerado” a cada ano usando uma taxa adicional (que pode ser positiva ou negativa) a
ser incluída nas tarifas do ano seguinte. Outro tipo de enfoque, ainda, foi dado pela comissão
de regulação de Wisconsin em meados da década de 80, através de uma determinação que
uma companhia local iniciasse um programa de financiamento a juros baixos para que seus
34
consumidores investissem em medidas de eficiência energética, em lugar de autorizar novos
investimentos na ampliação de uma de suas usinas.
Como resultado, aproximadamente um terço das companhias de eletricidade dos EUA
realizaram programas de GLD nos últimos quinze anos. Essa tradição de incentivos
regulatórios possibilitou a prática do GLD permitindo que as companhias pudessem recuperar
seus custos e lucrar com investimentos em eficiência energética. Entretanto, já a partir de
meados da década de 90, com a introdução das reformas, esse quadro passa a mudar
drasticamente.
Tipos de programas de eficiência energética
No contexto deste trabalho chama-se programa de conservação de energia, ou
programa de eficiência energética a três diferentes tipos de atividades:
Programas de GLD para promover substituição de combustíveis
São programas destinados a reduzir a demanda de energia em períodos de pico, ou
tornar certos usos cativos. Exemplos: sistemas de ventilação e ar condicionado, aquecimento
de água e bombas de calor, transporte elétrico
Programas de administração de carga
Modulação da carga sem necessariamente reduzir o consumo de energia. Exemplos:
tarifas horosazonal, aquecedores de água com reservatórios de armazenagem, sistemas de
aquecimento abastecidos por dois tipos de combustíveis (ou eletricidade-gás), sistemas de ar-
condicionado com armazenamento de gelo.
Programas de eficiência energética
São programas destinados a reduzir a quantidade de eletricidade consumida.
Exemplos: auditorias energéticas, condicionamento climático de edifícios, informação ao
consumidor, melhoria de processos, mudanças de tecnologias.
As implicações das reformas para a eficiência energética
Nesta seção analisam-se os efeitos potenciais do tipo de reforma experimentada pelos
EUA, para a eficiência energética tendo como base o estudo realizado para a USAID/Office of
35
Energy (Hagler Baily 1998b) que discute os impactos das reformas no setor elétrico em seis
países, entre eles os EUA.
Como foi visto no capítulo anterior, as mudanças verificadas nos EUA são classificadas
de des-verticalização e competição. Em um primeiro momento estas mudanças são
desfavoráveis para a eficiência energética, como se apresenta abaixo.
Efeitos da des-verticalização
Com a des-verticalização cada segmento da indústria (geração, transmissão,
distribuição) é responsável pela contabilidade e formação de preços relativos à sua atividade.
Desse modo, o efeito de preços como instrumento para introdução de maior eficiência
energética no mercado de consumo dependerá de como os custos de fornecimento de energia
serão repassados nessa cadeia da indústria de energia. Nessa estrutura os investimentos em
geração e transmissão não são mais controlados pela distribuição. O consumidor final somente
receberá os sinais de preços corretos se sua tarifa refletir adequadamente os investimentos
que, na verdade, são feitos ao longo de toda a cadeia da indústria. Por exemplo, o distribuidor
de energia poderá repassar certos custos que dependem da demanda horária, como custos
fixos (ampliação de sua capacidade de distribuição). Porém, na medida em que custos que
poderiam auxiliar na modulação da carga do consumidor são absorvidas como custos fixos,
diminui seu interesse em conservação e as oportunidades para muitas das atividades
desenvolvidas pelas ESCOs.
Quando as companhias eram verticalmente integradas elas podiam tirar proveito dos
programas de GLD uma vez que não só eram inteiramente responsáveis pelo suprimento como
também possuíam detalhado conhecimento do padrão de demanda de seus consumidores
finais, um aspecto fundamental para se realizar programas de GLD. As economias de energia
conseguidas junto aos seus consumidores podiam ser integralmente capturadas pela
companhia.
Com as reformas, os distribuidores finais de energia, que são os únicos a terem
informações detalhadas do mercado consumidor, podem estar fortemente desmotivados para
realizar programas de GLD. Isso porque além de perderem receitas reduzindo as vendas de
36
kWh, é possível também que eles não usufruam integralmente dos benefícios que poderão
estar ocorrendo à jusante (na geração ou transmissão). Uma vez que os demais distribuidores
competidores que também estão comprando energia de um mesmo fornecedor (ou de um
power pool) compartilharão dos benefícios sem ter realizado nenhum investimento em GLD.
Essa situação pode caracterizar uma desvantagem competitiva da companhia que fez
investimentos em programas de GLD, e mesmo que isso tenha reflexos positivos diminuindo
custos da companhia geradora, esses benefícios são passados também para seus
competidores.
A Tabela 5 mostra as implicações da des-verticalização para a eficiência energética
para cada segmento da cadeia de produção e consumo de eletricidade.
Tabela 5: Implicações da des-verticalização para a eficiência energética
Agente Efeito provável da reforma Valor
Companhias de geração etransmissão
Companhia de distribuição- atacado
Companhias de distribuição- varejo
Todos (geração,transmissão e distribuição)
Nenhum contato com os consumidores para poder implementarprogramas de GLD
Poderá não receber os incentivos por reduzir os requerimentosde geração e transmissão através de seus investimentos emeficiência energética
Tem interesse em não diminuir as vendas de energia
Os incentivos para implementar GLD dependem de como oscustos variáveis são repassados entre os agentes
_
_
_
-/+
Consumidor Depende de como os custos à jusante serão repassados à suaconta de energia. Depende de sua percepção sobre a evoluçãodos custos futuros de energia com a competição.
-/+
ESCOs Depende de como os custos à jusante serão repassados aosconsumidores. Idem acima.
-/+
Governo/ Órgão regulador Tem o papel de estabelecer regras para preços e fornecimentode energia e pode (ou não) oferecer incentivos para iniciativas deeficiência energética para as companhias de energia econsumidores.
-/+
Efeito líquido da reforma -/+
Fonte: Hagler&Baily 1998b (modificado pelo autor).
37
Efeitos da competição
A maior competição entre as companhias de energia introduzida pelas reformas tanto
para a geração como para o segmento de vendas de energia (distribuição/comercialização)
junto aos usuários finais tampouco incentiva necessariamente o surgimento de esforços para o
uso eficiente de energia.
A competição entre os produtores de energia especialmente em um mercado spot faz
com que se priorize a formação de preços baseados em custos de curto prazo de energia, ou
seja, são considerados basicamente os custos operacionais, e não os seus custos marginais
de longo prazo. Custos de longo prazo levam em conta futuros investimentos em produção e
distribuição de energia de se produzir energia.
Os consumidores, que também são responsáveis por investimentos em eficiência
energética, farão suas considerações de acordo com um horizonte de tempo (em geral
bastante curto) e ponderarão se os custos anuais com a conservação de energia serão mais
atrativos que os custos com energia elétrica. Se apenas os custos de energia de curto prazo
são repassados para eles, não existe incentivo para se realizar novos investimentos em
conservação, pois não se tem nenhuma sinalização quanto aos futuros preços de energia.
Ainda, se o usuário final pode optar entre diferentes companhias, é provável que exista maior
relutância de uma companhia realizar investimentos junto ao seu usuário final, uma vez que
existe o risco dele migrar para outro fornecedor. No entanto, programas de eficiência
financiados pelas companhias distribuidoras poderão progredir, por exemplo, se houver um
interesse e a percepção de que este tipo de serviço poderá auxiliar em melhoria de sua
imagem e consequentemente fazer parte de sua estratégia de manter o consumidor.
A competição entre as firmas encarregadas da comercialização de energia junto ao
usuário final é também negativa para o uso eficiente de energia. Isso acontece porque seu
interesse será o de vender cada vez mais energia até o ponto onde o custo marginal pago aos
fornecedores se iguala ao incremento marginal de sua receita.
38
Quando o gerador vende sua energia diretamente a consumidores (situação chamada
de Direct Access ou Retail Wheeling) pode haver interesse em se promover maior eficiência no
uso de energia nos seguintes casos:
• O produtor está interessado em maximizar o fator de capacidade de sua usina e poderá,
portanto promover incentivos para GLD junto aos seus consumidores.
• A utilização da rede de distribuição poderá implicar em taxas adicionais para o produtor que
podem variar segundo horários do dia/épocas do ano. Se essas taxas são repassadas para o
consumidor haverá incentivos para que ele se engaje em programas de GLD juntamente com
o gerador e distribuidor para atingir benefícios, ou seja, diminuindo os custos de energia para
o consumidor, e também evitando novos investimentos na infra-estrutura de distribuição.
• O gerador poderá promover a conservação de energia em alguns de seus consumidores e
vendê-la para outros. Isso seria uma estratégia interessante sempre quando o custo da
energia conservada for menor que seus custos de geração e os preços dos demais
competidores.
• Quando o gerador/distribuidor de energia possui a obrigação de atender consumidores que
não lhe rendem lucros, é interessante diminuir as vendas de kWh através de melhorias em
eficiência energética, sempre que esses investimentos sejam menores que os custos de
fornecimento de energia.
A competição no varejo pode afetar os incentivos dos consumidores em investimentos
em eficiência energética em diferentes maneiras:
• A competição poderá de fato diminuir os preços finais de energia, o que não encoraja
investimentos em novas medidas cujo custo/kWh conservado seja maior.
• O consumidor terá uma alternativa adicional para controlar seus custos com energia, além
daquelas que tradicionalmente considerava antes das reformas. Agora ele poderá também
escolher entre diferentes companhias aquelas com menores preços de energia.
39
• A maneira como se estabelece a competição poderá afetar o financiamento dos programas
de GLD. Por exemplo, uma companhia pode repassar os custos desses programas para
seus consumidores cativos e beneficiar aqueles outros pelos quais ela necessita competir.
Essa é uma situação de competição parcial onde grandes consumidores podem escolher seu
fornecedor, mas os demais ficam sob uma área de serviço designada para uma companhia.
• Poderão surgir nova atividades para ESCOs que passariam a vender serviços de compra de
energia, além daqueles relacionados com a otimização da demanda para os grandes
consumidores (não-cativos).
• A competição dificulta a atuação de uma série de agentes relacionados com o setor de
consumo de energia, como fabricantes de equipamentos, comerciantes, construtores,
arquitetos, e outros técnicos, que tradicionalmente participavam de iniciativas de eficiência
energética e de transformação de mercado. Além disso, tradicionalmente essas medidas só
fazem sentido quando dirigidas a uma determinada região geográfica ou segmento de
consumidores. A indústria de eletricidade competitiva não terá interesse em realizar
investimentos e promover transformação de mercado em uma região ou classe de
consumidores que não são cativos.
40
Tabela 6: Implicações da competição para a eficiência energética
Agente Efeito provável da reforma Valor
Companhias degeração etransmissão
Companhias dedistribuição
Todos (geração,transmissão edistribuição)
A competição baseada em preços spot incentiva amaximizar a produção de usinas com menores custosoperacionais
Poderá fazer parte de sua estratégia para manterconsumidores oferecendo serviços de conservação deenergia
Programas que aumentem custos para a companhia outarifas para os consumidores, ou comprometam a receitacom vendas de energia serão evitados
_
+
_
Consumidor A competição poderá aumentar a incerteza com relação apreços futuros de energia, que poderão inclusive baixar,não incentivando investimentos em maior eficiênciaenergética
_
ESCOs Perspectivas de preços mais baixos dificultarão a criaçãode um mercado para atuar
_
Governo/O.regulador
Poderá desempenhar maiores atividades para suprir ainexistência de interesse privado para realizar programasde transformação de mercado.
+
Efeito líquido da reforma _
Fonte: Hagler&Baily 1998b.
A eficiência energética e o mercado
Quando se passa a retirar os incentivos e regulamentos que estimulavam e, muitas
vezes obrigavam, as companhias a realizarem esforços para implementar medidas de
eficiência energética, assume-se que o mercado será responsável por isso. Mas será o
mercado capaz de conduzir os investimentos dos vários agentes da sociedade na direção de
padrões de consumo e uso de tecnologias mais eficientes?
A discussão em um primeiro momento das reformas se resume na decisão de se
promover ou não intervenção do poder público para possibilitar o progresso das medidas de
conservação no mercado de energia. Eto & Golove (1996) fazem uma revisão sobre as
posições prevalecentes nos EUA e resumem a questão do seguinte modo:
41
Os proponentes de maior intervenção do governo acreditam que barreiras significantes
impedem que níveis socialmente desejáveis de investimentos em eficiência energética sejam atingidos.
Eles sustentam que é pouco provável que qualquer que seja a estrutura de mercado para a indústria
de eletricidade melhore substancialmente essas “barreiras” para eficiência energética. Essa posição é
usada para justificar uma contínua intervenção do governo em mercados de energia para corrigir as
distorções inerentes à alocação de recursos nesse setor.
Os proponentes de menor (ou nenhuma intervenção para promover eficiência energética
argumentam que, dada a libertada para operar em uma maneira menos regulada, o mercado
alcançará eficiências ainda não conseguidas pela indústria de eletricidade. Eles opinam que as várias
imperfeições ou falhas que possam persistir nó funcionamento do mercado ou são ilusórias ou de
pequena importância, ou mesmo que devem ser melhor resolvidas por agentes privados atuando de
maneira a preservar seus interesses, e não através da intervenção governamental.
Como foi visto anteriormente a tradição de incentivos regulatórios nos EUA foi rompida
com a introdução das reformas e houve uma discussão para se determinar se o mercado
viabilizaria a introdução contínua de medidas e tecnologias de uso mais eficiente. A polêmica
entre os dois pontos de vista mencionados acima ainda persiste.
Nas seções seguintes apresentamos três conceitos relacionados entre si e que
aparecem freqüentemente na discussões acerca da necessidade de regulação para manter
investimentos em eficiência energética: o “energy-efficiency gap”, barreiras e falhas de
mercado.
O “energy efficiency gap”
Existe uma abundante literatura (v. por ex. Reddy, 1991; Howarth & Andersson, 1993)
que discute as barreiras para a introdução de medidas e tecnologias eficientes no mercado. Em
geral, percebe-se que existem muitas ações e tecnologias que poderiam ser utilizadas mas não
o são. Define-se (v. por exemplo. Gunn, 1997) “energy efficiency gap” como sendo a diferença
entre o nível atual de demanda de energia, e aquele que seria obtido com a introdução de
42
tecnologias mais eficientes, ou seja, refere-se a diferença entre os níveis de investimento em
eficiência energética que são economicamente justificáveis do ponto de vista técnico e
econômico mas que não prática não ocorrem. Graficamente esse gap é representado por uma
curva chamada de supply curve of conserved energy ou curva de suprimento de energia
conservada. Esse conceito tem sido muito usado por aqueles que advogam maior intervenção
no mercado de energia.
Figura 2: Exemplo do “Energy Efficiency Gap”
A Figura 2 apresenta esquematicamente a evolução da demanda de energia com e
sem uma deliberada intervenção para acelerar a adoção de tecnologias e medidas de
eficiência, sendo a diferença entre as curvas o chamado energy efficiency gap. A Figura 3 é um
exemplo da chamada curva de suprimento de energia conservada que apresenta os potenciais
de energia conservada de acordo com determinadas tecnologias ou medidas e seus
respectivos custos7
7 Para maiores informações de como construir curvas de suprimento de energia conservada,
consultar Jannuzzi & Swisher, 1997, cap. 3 e 4. V. também Koomey et al. 1991, Rosenfeld, et.Al., 1993.
GWh
Ano 0 Ano N
Sem conservação
Com conservação
EnergyEfficiencyGap
EVOLUÇÃO DA DEMANDA DE ENERGIA
43
Expansão do Setor
Conservação 1
Conservação 3
Conservação 2
CM
cce2
cce1
cce4
D1 D3D2
Demanda de Energia GWh
$ / kWh
Figura 3: Exemplo de Curva de suprimento de Energia Conservada
Notas: CCEi= custo de conservar energia através da medida i; CM= custo marginal da expansão
Esse tipo de análise foi desenvolvido por técnicos interessados em verificar o potencial
e os custos envolvidos com adoção de medidas e tecnologias mais eficientes (Rosenfeld et al,
1993, por ex.). Estas são informações básicas para estudos no âmbito do PIR.
Existem questões técnicas importantes por detrás dessas curvas que influenciam os
resultados e sua interpretação. A taxa de desconto, por exemplo, utilizada para se calcular os
custos de energia conservada é freqüentemente comparável com aquela taxa utilizada pelos
consumidores para outros investimentos. Na perspectiva social, taxas de desconto poderiam
ser menores, favorecendo o potencial econômico das tecnologias e medidas consideradas.
Portanto, curvas desse tipo elaboradas por diferentes agentes (consumidores, agências
públicas, companhias de energia, etc.) irão indicar diferentes potenciais economicamente
atrativos para investimentos em eficiência energética. No capítulo 8 voltaremos a essa questão
procurando destacar o papel do agente público.
44
A literatura mostra também que existe uma diferença fundamental entre os analistas de
origem técnica e os economistas nesse tipo de estudo. Os técnicos tendem a assumir taxas de
desconto relativamente menores e desconsideram grandes incertezas futuras com relação a
preços de energia e vida útil de equipamentos8. A natureza do investimento em eficiência
energética é diferente daquela em outros tipos onde pode existir maior liquidez. Assim vejamos,
o investidor em eficiência energética precisa considerar a vida útil real do equipamento e não
pode mudar seus hábitos de utilização durante esse período, com o risco de afetar a
rentabilidade de seu investimento. Os economistas analisam os investimentos em função de
taxas de mercado.
Outros analistas ainda consideram variáveis “não econômicas” como determinantes
para a decisão de investimentos do consumidor final. Os trabalhos de Stern (1986) e Stern &
Aronson (1984) abordam a questão de valores comportamentais e suas implicações na
determinação de decisões com relação ao uso de energia. Existe evidência empírica que tanto
os economistas como os tecnologistas tem simplificado demais as descrições de serviços de
energia: caso do ar condicionado- existem outros parâmetros, como ruído, que podem afetar a
decisão e operação do consumidor. Consumidores podem deixar luzes acesas por questão de
segurança e não para satisfazer as necessidades de iluminação. Essas considerações são
importantes porque elas podem ser mais determinantes que os aspectos econômicos ou
estritamente técnicos relacionados ao uso eficiente de energia.
Embora o potencial existente para representar esse energy efficiency gap seja passível
de discussão, pode-se reconhecer que muitas vezes oportunidades de eficiência energética
não são aproveitadas pelo consumidor, seja por falta de informação, seja por considerações
econômicas ou outras.
A seção a seguir discute algumas das barreiras que podem explicar a existência desse
gap e justificar uma intervenção no mercado de energia.
8 A vida útil de um equipamento é fortemente afetada por condições incorretas de seu uso ou
qualidade de energia, conferindo grandes incertezas nos cálculos de custo e benefícios.
45
Barreiras, falhas e intervenção no mercado de energia
As barreiras e falhas de mercado se referem a diversas características que impedem
que investimentos em eficiência energética se realizem de maneira ótima, seja do ponto de
vista privado ou social. Vários autores têm analisado essas dificuldades para a disseminação
de medidas de eficiência energética (v. por ex. Reddy, 1991; Lutzenhiser, 1993, Jannuzzi &
Swisher 1997, Levine et al. 1994).
Preços são necessários mas não parecem ser suficientes para estabelecer um
equilíbrio entre oferta e demanda. A existência de um efficiency gap, conforme visto na seção
anterior, em relação a investimentos em tecnologias eficientes que são “econômicas” é um
exemplo nessa direção. A literatura identifica um número grande de barreiras de mercado para
a introdução de eficiência energética. No entanto, alguns tem feito a distinção que apenas
algumas barreiras são realmente falhas (ou defeitos) de mercado (imperfeições de mercado).
Fazemos aqui a seguinte distinção entre barreira e falhas de mercado: a) barreiras: podem ser
removidas através de políticas energéticas adequadas que orientam a tomada de decisão dos
agentes privados na direção considerada ótima do ponto de vista social (por exemplo, para
remover o desincentivo que as empresas de energia encontravam em financiar programas de
conservação de energia, a comissão de energia do estado da Califórnia elaborou o ERAM9); b)
falhas de mercado: exigem uma intervenção direta do setor público (um exemplo típico é o
financiamento de pesquisas de alto risco e longo prazo de maturação, cujos resultados não
podem ser apropriados por um único agente).
Imperfeições ou falhas de mercado tem sido usados como justificativa para intervenção
governamental em mercados específicos. Um mercado competitivo assume que os custos de
transação entre firmas e indivíduos é zero, o que não é verdade no caso da energia. Custos
transacionais incluem: custos de busca de informação, os custos de se realizar barganhas e
decisão sobre investimentos, monitoramento e verificação de contratos ou regras. Existem
custos de transação apreciáveis para se adquirir ou ter acesso a informação sobre tecnologias
de energia, escolha de regime de tarifas mais apropriados para um padrão de demanda do
consumidor, por exemplo.
46
A Figura 4 mostra de uma maneira esquemática o papel das políticas públicas para
melhor explorar o potencial de eficiência energética. Conforme dito antes, diferentes agentes
terão diferentes percepções sobre as vantagens de investimentos em eficiência. Nessa figura
estão representados dois agentes: as concessionárias de energia e a sociedade. Uma das
explicações do potencial de eficiência energética avaliado pela sociedade ser maior que aquele
das concessionárias está relacionado com o fato das taxas de desconto sociais serem menores
que aquelas utilizadas por investidores privados (as concessionárias). Na verdade, o objetivo
de uma boa política pública para eficiência energética é maximizar as o potencial realizado de
economias de energia fazendo melhor uso dos recursos existentes, tanto públicos como
privados. É possível remover barreiras para que investidores privados (as concessionárias, no
caso) se interessem em investir em eficiência energética e deixar que o próprio mercado os
guiem para tomar suas decisões. No entanto, é provável que muitas opções de investimentos
desejáveis do ponto de vista da sociedade podem não ser contempladas pelo mercado. Desse
modo serão necessários que recursos públicos sejam utilizados e uma ação direta do setor
público na promoção de algumas dessas iniciativas. No Capítulo 8 discutimos esse tipo de
questão para o caso brasileiro através da regulação que estabelece a aplicação de recursos
das concessionárias em programas de eficiência energética e pesquisa e desenvolvimento.
9 Vide Os programas de eficiência energética antes das reformas, pág. 32
47
A Exploração do Potencial
sociedade concessionárias
Políticas públicas podemestimular maioresinvestimentos privados emEE (Remoção de barreirasde mercado)
Ações determinadaspelo mercadocompetitivo efinanciados pelaspróprias companhias
Investimentos com recursosregulados (públicos)
Ações que requeremfinanciamento público“Falhas de Mercado”
Limite consideradosatisfatório/econo-micamente viável paraa sociedade
Objetivo de políticas públicas:maximizar ações com usomínimo de recursos $
Figura 4: O papel de políticas públicas para explorar o potencial de eficiência energética
Nota: EE = eficiência energética.
As diferenças de opinião com relação à necessidade de intervenção pública não estão
baseadas na disputa sobre a existência de barreiras de mercado, mas de diferentes
percepções com relação à magnitude dessas barreiras, e principalmente com relação à eficácia
e conseqüências de políticas elaboradas para superar as barreiras (Golove & Eto, 1996).
As mudanças das atividades em eficiência energética nos EUA
Atividades comerciais
Em várias partes dos EUA muitos serviços antes gratuitos para o consumidor agora
começam a ser cobrados dentro do novo contexto do setor. Mesmo assim existe a necessidade
de ações mais abrangentes que só podem ser levadas a cabo com a participação do poder
público. No Capítulo 7 serão discutidas as ações mais importantes que estão sendo conduzidas
pelo setor público.
48
Smith,(1997) apresenta uma relação de mecanismos que estão sendo utilizados
comercialmente pelas companhias de eletricidade:
Informação (usando Internet)
Várias companhias estão investindo em serviços via internet para orientar os
consumidores a controlarem seus gastos com energia.
Venda de serviços para melhoria de uso final de energia.
Companhias de energia oferecem serviços para treinar consumidores para operarem
equipamentos elétricos, principalmente para o setor comercial e industrial, mas também para o
residencial. São serviços pagos e algumas companhias estão oferecendo pacotes que incluem
outros serviços como telecomunicações e segurança eletrônica..
Sistemas de tarifação e medição
Consumidores podem requisitar medições individualizadas em equipamentos por
tempo determinado, para estudar as tarifas mais convenientes. Antes esse tipo de assistência
era gratuito, mas agora está sendo cobrado pela maioria das companhias.
Fornecimento de equipamentos e serviços de manutenção
Algumas companhias fornecem equipamentos e incluem serviço de manutenção
através de contratos de leasing.
Contratos de economias compartilhadas
A companhia realiza contratos com grandes companhias comerciais e industriais para
fazer leasing de equipamentos. A companhia instala os equipamentos e compartilha as
economias com o consumidor, no estilo das ESCOS.
Chauffage programs
A companhia instala o equipamento e vende para o consumidor o produto, por exemplo
água fria ou quente/gelo.
Além desses exemplos de serviços comercializados pelas companhias de eletricidade
nos EUA, Nilsson (1998) reporta o caso do também sofisticado mercado de eletricidade da
Suécia, também experimentando os efeitos da reestruturação. As reformas no mercado de
49
eletricidade naquele país tem forçado que as companhias se preocupem em atender
demandas específicas dos consumidores. Embora existe maior competição com preços,
eficiência energética e outros serviços são importantes componentes paro o mix de produtos
em todas as empresas de eletricidade da Suécia.. Na área de eficiência energética, o foco tem
sido até agora em medidas de baixo custo e rápido retorno. Se as medidas de eficiência de
maior tempo de maturação serão realizadas isto ainda é incerto.
Atividades para o setor público
Eto, Golove & Kito (1996) listam uma série de argumentos a favor da participação do
setor público na implementação de programas de eficiência energética. A Tabela 7 apresenta
as diferentes características que os programas públicos (ou financiados pelos próprios
consumidores) podem ter e seus efeitos no mercado.
A necessidade da participação do setor público em atividades para promover o uso
eficiente de energia já é aceita em muitas regiões dos EUA e aparece, por exemplo em
resoluções do órgão regulador da Califórnia.
50
Tabela 7: Efeitos de alguns tipos de programas de eficiência energética promovidospelo setor público
Tipo de atividade ou programa Impactoseconômicos
Proteçãoambiental
Superação defalhas demercado
Preservar eestimularESCOs
Informação/educação/auditorias
Baixo Baixo Médio Baixo
Incentivos financeiros (rebates) Alto Alto Baixo Médio
Normas, padrões de eficiênciaenergética
Curto prazo:baixo
Longo prazo:alto
Médio Alto Baixo
Programas de transformaçãode mercado
Curto prazo:baixo
Longo prazo:alto
Depende doprograma
Alto Altoinicialmente
DSM bidding/standard offer(a) Médio Médio Médio Alto
Avaliação dos programas(medidas)
TRC teste Economias deenergia,
redução deemissões
Verificação daredução de
imperfeições demercado
Verificação dacompetitividade
de mercado
Fonte: modificado de Eto, Golove & Kito, 1996. Nota: (a) v. texto.
DSM bidding (licitação de projetos de DSM)e Standard Offer programs se mostraram
importantes para estimular o surgimento de companhias de serviços de energia, em particular
as ESCOs. Em um DSM bidding program uma companhia de eletricidade lança um Request for
Proposals oferecendo um contrato de longo prazo com uma ESCO ou possivelmente com
grandes consumidores para que ocorra uma redução de consumo e demanda a um
determinado valor de custo. Em um programa Standard Offer a companhia estabelece um
padrão e condições (incluindo preço) que são disponíveis para interessados até que se
complete a meta desejada. As comissões de regulação no passado tiveram um papel
importante colocando requerimentos que induziram as companhias a realizar licitação de
“negawatts” através de programas de eficiência ou quantias de energia renovável através de
Standard Offers.
51
No passado os objetivos dos programas de eficiência energética foram articulados
pelas companhias e reguladores no contexto do PIR ou do planejamento de atividades de
DSM. Tipicamente o mix de investimentos em novos empreendimentos energéticos e
programas de GLD representava um equilíbrio nem sempre muito explícito entre diversos
objetivos (least-cost resource plans10, metas ambientais, impactos nas tarifas e serviços aos
consumidores). Daqui para frente esses objetivos deverão ser mais claros para evidenciar a
repartição dos custos e benefícios entre consumidores, empresas de energia e o setor público.
Será necessário distinguir quais ações na área de eficiência energética necessitarão de fundos
coletados publicamente e interferência do setor público, e quais o próprio mercado será capaz
de promover.
10 Planos de expansão da geração, transmissão ou distribuição a custos mínimos para o setor
elétrico.
52
CAPÍTULO 4: FONTES RENOVÁVEIS E MEIO AMBIENTE
A demanda de bens públicos em um mercado
competitivo
Introdução
O desenvolvimento de fontes renováveis e sua maior participação na estrutura de
produção de energia, juntamente com medidas de proteção ambiental são outros dois dos
chamados “bens públicos” assim entendidos pelos reguladores e analistas americanos
conforme foi visto no capítulo 1. Neste capítulo serão analisados alguns dos procedimentos
que estão sendo adotados para a manutenção desses bens em um ambiente de maior
competição e menor interferência governamental no mercado.
Fontes renováveis estão em desvantagem em um ambiente de maior competição para
produção de eletricidade onde o tempo de retorno de investimentos privados é menor e essas
tecnologias são mais capital intensivas. Além disso, possuem características particulares, como
a intermitência de algumas fontes que dificulta o planejamento de seu despacho.
A literatura sobre o assunto nos EUA mostra também um intenso debate sobre a
necessidade ou não de se utilizar recursos públicos e até que ponto é necessária uma
intervenção no mercado para viabilizar as alternativas de geração baseadas em fontes
renováveis. No caso da proteção ambiental veremos que a situação é um pouco diferente.
As fontes renováveis
Introdução
O principal mecanismo de apoio a projetos de energia renovável nos EUA foi
implantado em 1978, chamado de PURPA (Public Utilities Regulatory Policy Act) que
estabeleceu que as companhias de eletricidade deveriam comprar energia de origem renovável
ou de co-geradores quando seus preços fossem menores que os custos evitados das
companhias elétricas. A aplicação desse mecanismo adicionou vários megawatts de
capacidade instalada de energia produzida a partir de fontes renováveis, especialmente em
53
estados como a Califórnia e Maine. No entanto, com a queda dos preços de energia fóssil nos
anos seguintes ficou comprometido o progresso das fontes renováveis através desse
mecanismo.
Com as reformas iniciou-se a discussão sobre o papel que subsídios públicos deveriam
ter para apoiar os produtores de eletricidade a partir de fontes renováveis e como isso poderia
também introduzir um viés favorecendo alguns em um mercado competitivo de energia.
As fontes renováveis são representadas por uma diversificada coleção de tecnologias,
cada uma tendo características e custos diferentes para a produção de eletricidade. Algumas
estão em processo de desenvolvimento técnico e são menos competitivas que outras: a solar,
por exemplo, é mais cara que a eólica e a geotérmica. Além disso, nem todas possuem os
mesmos benefícios econômicos, sociais e ambientais. A utilização de biomassa envolve uma
classe de produtores bem diferente daquela que explora recursos hidroelétricos ou
geotérmicos, por exemplo. Os impactos ambientais desses empreendimentos, embora bem
menores quando comparados com as fontes convencionais (geração fóssil, ou grandes
hidroelétrica) são também bem diversos e muitas vezes podem ser significativos.
A experiência com programas de energia renovável nas companhias americanas
iniciou em 1993 no Colorado, Califórnia e Flórida e em 1997 cerca de 20 companhias já
possuíam programas baseados em green marketing11 (Wiser, R. & S. Pickle. 1997). Os
programas tem sido estruturados em basicamente três maneiras:
1) Compra de energia renovável ou Green Marketing: programas que oferecem a opção de
compra de energia renovável com uma taxa adicional ou com preços mais elevados. Esses
programas de energia renovável tem sido também implementados aproveitando a nova
estrutura de maior competição do lado da demanda, onde algumas companhias tentam agora
se diferenciar oferecendo um novo produto para seu consumidor: green energy;
11 Green marketing é um mecanismo de mercado que possibilita aos produtores e distribuidores
que comercializam eletricidade divulgar através de propaganda uma diferenciação de seuproduto. Ele basicamente se utiliza dos resultados de pesquisa de opinião junto asoconsumidores que têm demonstrado nos EUA um interesse em pagar mais por energia deorigem renovável.
54
2) Doação: oferece a possibilidade dos consumidores fazerem doações cujo fundo é revertido
para o apoio a projetos de energia renovável;
3) instalação de equipamentos de energia renovável junto a consumidores: a companhia
oferece contratos de leasing ou compra de equipamentos para serem instalados junto aos
consumidores. Esses programas tem principalmente envolvido a instalação de painéis
fotovoltaicos.
A seguir é analisada a experiência da Califórnia em incorporar maior proteção às fontes
renováveis.
Energia Renovável na Califórnia
A Califórnia é uma líder no movimento de reestruturação dos EUA e historicamente tem
sido a pioneira no tratamento do uso de fontes renováveis em sua matriz energética. Sua
política energética para renováveis tem seguido três enfoques principais dentro do contexto
das reformas para o setor:
(1) resoluções mandatórias para compra de energia renovável (Mandate Renewables Purchase
Requirements – MRPR),
(2) programas financiados através de fundos coletados de consumidores de energia (programas
públicos); e
(3) compras voluntárias de energia renovável através de “green marketing”.
Esses mecanismos começaram a ser discutidos desde o início da reestruturação em
1994, quando a CPUC orientou o green marketing como sendo o principal meio de suporte
para as fontes renováveis. Esse tipo de resolução era apoiada por uma constatação que se
tinha na época de haveria consumidores dispostos a comprar energia de fontes renováveis,
mesmo se elas custassem mais que as alternativas convencionais. Era portanto um
mecanismo de mercado coerente com as reformas em curso e o tamanho desse mercado seria
determinado pela própria sociedade. Houve, no entanto, uma forte reação das entidades
ambientalistas e organizações ligadas a tecnologias renováveis, que criticaram essa política,
argumentando que green marketing não seria capaz de corrigir imperfeições de mercado,
especialmente com referência aos maiores benefícios ambientais que as fontes renováveis
55
podem trazer. Além disso, não se sabia ao certo qual seria a dimensão desse mercado “verde”
voluntário e se ele seria adequado para sustentar uma indústria de produção de eletricidade
baseada em fontes renováveis. Havia pressão dos ativistas ambientais e de setores comerciais
ligados às fontes renováveis para se criar fundos ou mecanismos mandatórios para serem
destinados ao fomento de atividades na área.
Em 1995 a CPUC decidiu colocar em pauta um mecanismo para apoiar energias
renováveis, o Mandate Renewables Purchase Requirements - MRPR, sendo contrária na
época, à idéia de criação de um fundo para financiar fontes renováveis. O MRPR permite que
reguladores/legisladores possam determinar que uma certa percentagem do uso de
eletricidade (ou de sua capacidade instalada) do estado seja produzida a partir de fontes
renováveis. Esse sistema permitiria também a introdução de mecanismos que adicionariam
grande flexibilidade para os produtores e vendedores de eletricidade através de certificados
transacionáveis no mercado, conhecidos como Renewable Energy Credits (REC), permitindo
que esses agentes aderissem aos padrões de produção/venda estipulados. Existiriam 3
possibilidades para que um produtor/vendedor de eletricidade atendessem aos requisitos do
MRPR:
• ele pode ser o proprietário de uma instalação e produzir a quantia determinada pelo MRPR
de energia renovável,
• ele pode comprar RECs de outros produtores/vendedores juntamente com quantias
associadas de energia renovável,
• ele pode comprar somente RECs de outros produtores/vendedores que tenham excedido a
determinação das quotas estipuladas pelo MRPR, sem ter que produzir ou comprar energia
renovável.
Dessa maneira criou-se um mercado de RECs e de energia renovável entre os
produtores e vendedores de energia elétrica. No entanto, mesmo assim seria necessária a
participação do governo através da (a) estipulação da porcentagem de produção (ou de
capacidade) que deveria vir de fontes renováveis, (b) certificação dos RECs e (c)
monitoramento e fiscalização dos requisitos MRPR para validação dos RECs.
56
Essa solução não agradou a todos. Embora o custo do MRPR seja, em princípio,
determinado pelo mercado, baseado no nível de requisitos de energia renovável e nos custos
dos RECs, havia a percepção de que esse sistema requereria muita burocracia para os
produtores e distribuidores de energia. Havia também dúvidas com relação aos resultados
dessa política, ainda mais se a burocracia envolvida fosse financiada com recursos públicos.
Após vários meses de discussões e negociações o Legislativo da Califórnia resolveu
adotar um outro enfoque de política que favorece a criação de um fundo: o surcharge-funded
production credit. Essa proposta incluiu a implementação de um fundo cujos recursos seriam
distribuídos através de concorrência entre projetos para o desenvolvimento de novos
empreendimentos com fontes renováveis.
Cerca de US$ 540 milhões deverão ser alocados para esse fundo entre 1998 e 2002, e
serão coletados pelas 3 maiores IOU do Estado, através de taxas junto aos seus
consumidores. As outras companhias de eletricidade que operam no estado mas de
propriedade publica também coletarão taxas para programas públicos, mas possuem
flexibilidade para alocar os recursos entre programas de eficiência energética, pesquisa,
desenvolvimento e demonstração, renováveis e programas para consumidores de baixa renda.
Esse fundo foi criado através do decreto AB 1890 e também contém dispositivos para
apoiar “green marketing”. A California Energy Comission (CEC) é responsável pela
administração do fundo que deve ser utilizado com os seguintes objetivos e princípios:
• incentivar ou priorizar as fontes economicamente mais atraentes,
• implementar um processo de certificação de possíveis produtores de energia renovável,
• permitir que consumidores obtenham um rebate com recursos desse fundo se eles
comprarem energia renovável, e
• maximizar o uso dos recursos do fundo através de financiamentos ou outros mecanismos.
Houve muita discussão entre os mecanismos MRPR e surcharge-funded renewable
energy policy. O MRPR era apoiado pelas associações de fabricantes de equipamentos para
energia renovável e produtores de energia renovável, algumas entidades ambientalistas e as
companhias de eletricidade. Já a criação do fundo era apoiado pela maioria das entidades
57
ambientalistas, power marketers, consumidores industriais, e também algumas companhias de
eletricidade.
O MRPR foi efetivamente abandonado, não só pela sua pouca praticidade segundo os
produtores/vendedores privados, mas também, e talvez principalmente, por ele conferir uma
vantagem adicional para aquelas companhias que possuem uma porcentagem maior de
produção a partir de fontes renováveis. Esse tipo de política feriria um dos princípios da
competição concebido pelas reformas chamado de competitive neutrality.
Tabela 8: A estrutura de produção de Eletricidade na Califórnia (1989-95)
Porcentagem da produção total anual (%)
1989 1991 1993 1995
13.72 9.59 17.19 20.15
14.17 15.34 15.11 14.11
8.26 9.67 9.47 6.99
3.89 0.22 0.86 0.19
33.08 31.29 29.22 30.57
6.39 6.42 6.52 5.57
2.18 3.02 2.38 2.33
0.89 1.10 1.18 1.24
0.19 0.30 0.35 0.31
83.31 76.95 82.27 81.46
7.43 11.89 6.39 7.76
9.78 11.16 11.33 10.78
17.21 23.05 17.72 18.54
100.52 100.00 100.00 100.00
Produção interna
Hidroeletricidade
E. Nuclear
Carvão
Petróleo
Gás Natural
Geotermal
Biomassa (mat. orgânica) (a)
Eólica
Solar
Total
Importação
Pacific Northwest
Southwest
Total
Total(b)
Total geração (TWh) 238.57 242.34 242.03 256.37
Fonte: Comissão de Energia da Califórnia, 1996. Notas: (a) inclui biomassa e resíduos; (b) existem errosde arredondamento.
58
Tabela 9: Capacidade Instalada dos NGU (GW)
Ano Cogeração Resíduos E. Geotérmica Peq. Hidro. Solar Eólica Total
1980 227 14 0 0 0 173 414
1981 261 14 0 0 0 176 451
1982 412 32 0 48 1 176 669
1983 658 46 9 59 8 227 1.007
1984 893 79 96 67 27 496 1.658
1985 1.444 140 178 107 57 1.015 2.941
1986 1.788 275 188 144 122 1.235 3.752
1987 3.063 396 319 176 155 1.366 5.475
1988 3.662 513 587 229 221 1.378 6.590
1989 4.942 783 806 298 301 1.382 8.512
1990 5.315 878 870 321 381 1.647 9.412
1991 5.838 883 813 330 374 1.698 9.936
1992 5.991 951 845 341 374 1.745 10.247
1993 5.947 1.180 836 253 374 1.756 10.346
Nota: Inclui as vendas de energia e auto-geração. Fonte: Califórnia Energy Commission, EnergyCommission, Electricity Report, Draft Final, June 1995
O mercado de energia renovável (green marketing)
Havia uma expectativa desde o início das reformas de que consumidores,
principalmente de algumas regiões do país, estariam dispostos a pagar a mais por energia
elétrica produzida a partir de fontes renováveis. Haveria, portanto um mercado, chamado de
“mercado verde de energia” (green power market), apontado como uma nova oportunidade
para a disseminação de tecnologias de fontes e principalmente com abertura do mercado para
pequenos consumidores que podem escolher o supridor dos serviços de energia.
Dados mais recentes (Wiser&Pricle, 1998, Oakland Tribune, 1998) dizem que no
momento apenas se registra um modesto interesse por parte de consumidores residenciais
59
para mudar de companhias de eletricidade, portanto esse potencial será desenvolvido muito
lentamente, ao contrário das indicações iniciais. Estima-se que apenas 1-2 % dos
consumidores residenciais (100-200 mil) que poderão escolher o seu supridor, optarão por
energia renovável. A idéia é que essa porcentagem suba para 4-10% em 2003. As indicações
de pesquisas realizadas (Wiser & Pricle, 1998) entre os diversos consumidores revelam que
75% das vendas de energia renovável advirão de consumidores residenciais, 14% de
consumidores comerciais, 9% da indústria e 3% do governo. A demanda residencial será
dominante.
Até o momento as vendas de energia renovável pouco fizeram para expandir esse tipo
de produção. Na Califórnia, quatro dos cinco distribuidores existentes de energia renovável
apenas revendem a energia das instalações já existentes e pertencentes a empresas públicas,
ou compram energia de outros produtores fora do estado.
O mercado e políticas públicas
É crucial determinar o nível de apoio com fundos públicos que devem ter os programas
de energia renovável. Para se conhecer o ótimo social para gastos com renováveis é
necessário se conhecer os custos de desenvolvimento de renováveis e os benefícios para a
sociedade (meio ambiente, redução de riscos, mais empregos, etc.), mas o fator mais
determinante depende de preferências públicas. Diversas pesquisas de opinião, algumas
conduzidas por associações com interesses na área de energia renovável, como a Sustainable
Energy Coalision, que reúne um grupo de 35 empresas, entidades ambientalistas e
representantes de classes de consumidores, mostram um forte apoio para o desenvolvimento
de energias renováveis e eficiência energética (ENN Daily News, 1999). Algumas regiões dos
EUA parecem ter maior interesse em dedicar fundos públicos para subsidiar a geração de
energia renovável, o mesmo acontece em vários países da Europa também. Existem benefícios
para toda a sociedade que advém da utilização de energia renovável, especialmente com
relação á poluição atmosférica e a produção de gases estufa. É muito pouco provável que a
maximização desses benefícios seja atingida somente com a parcela dos consumidores que
voluntariamente estão dispostos a pagar os preços ainda superiores da energia renovável.
60
Uma constatação deste fato é que mesmo havendo um nicho de mercado para ser
explorado através de mecanismos convencionais não impediu que fossem realizadas ações ao
nível de políticas públicas, como no caso da Califórnia, para conferir recursos adicionais para o
desenvolvimento das fontes renováveis. Conforme indicam Wiser&Prickle (1998), o próprio
surgimento desse “green power market” é resultado de anos de prévias políticas públicas
através de órgãos não governamentais e agência de regulação. O mercado verde não surgiu
espontaneamente, mas foi fomentado ao longo do tempo em conseqüência de políticas
públicas que tinham o objetivo de estimular o desenvolvimento tecnológico e a utilização de
fontes renováveis.
É relevante mencionar também que como o produto final - a eletricidade - é o mesmo,
seja ele de origem fóssil ou renovável, uma tarefa do green marketing é justamente explicar ao
consumidor as vantagens das fontes renováveis e providenciar uma contabilidade que
demonstre o que ele está efetivamente consumindo.
Existe um programa de certificação liderado por um órgão sem fins lucrativos, com o
objetivo de educar o consumidor e fazer uma definição mais técnica sobre o conteúdo
renovável da eletricidade vendida por cada companhia. Isso é necessário também para conferir
credibilidade e até que ponto os produtos verdes conferem benefícios ambientais de acordo
com a fonte originalmente utilizada para produção de eletricidade.
O meio ambiente
As chamadas externalidades ambientais possuem dificuldades para serem capturadas
através de preços em um mercado de energia que procura ser altamente competitivo, conforme
foi discutido no Capítulo 1 (pág. 4). Dentre os vários impactos ambientais produzidos pelo setor
de eletricidade o problema de poluição atmosférica se destaca, e mais recentemente tem-se
ainda a questão de emissões de gases estufa - principalmente o dióxido de carbono (CO2).
Como muitas vezes os maiores e mais evidentes impactos ambientais ocorrem em locais muito
distantes do consumidor final, existe um dificuldade de transmitir-lhes informação para explicar
as diversas formas de se produzir energia e seus diferentes impactos. O consumidor
freqüentemente só tem a percepção e interesse em ter os serviços de energia (iluminação,
lazer, etc.) que são fornecidos com a mesma qualidade independentemente da origem da
61
energia elétrica. Para a maioria dos consumidores, exceto a pequena parcela que está disposta
a investir em fontes renováveis e eficiência energética o que realmente vai influenciar sua
escolha de companhias de serviços de eletricidade serão os preços finais. Isso é
particularmente válido para os grandes consumidores industriais e comerciais.
Duas das maneiras onde os efeitos ambientais do setor elétrico podem ser minorados
são através de eficiência energética e maior uso de renováveis. Maior eficiência energética
tanto do lado da demanda como na oferta (melhorando o desempenho das usinas elétricas
existentes, investindo em novas tecnologias de produção e diminuindo as perdas em T&D) são
maneiras de reduzir os problemas ambientais como poluição atmosférica das usinas
termelétricas, por exemplo. A maior utilização de fontes renováveis como solar em substituição
a carvão ou óleo combustível reduz drasticamente as emissões de poluentes. As decisões que
o setor energético pode realizar, seja na escolha de tecnologias para produção, tipo de
combustível, gerenciamento de carga, investimento em eficiência energética e mesmo sua
formação de preços para o consumidor, tem influência causando maiores ou menores impactos
ao meio ambiente.
O estudo feito para o Office of Technology da USAID (Hagler & Baily 1998b) apresenta
uma lista de possíveis efeitos das reformas no desempenho ambiental da indústria de energia
elétrica. Embora alguns impactos sejam positivos, como a possibilidade de entrada de
tecnologias para geração de energia mais eficientes, e principalmente do gás natural em
substituição ao carvão e petróleo, é certamente difícil esperar que a maioria das oportunidades
de introdução de novas tecnologias e medidas de eficiência sejam implementadas sem esforço
adicional (Tabela 10).
A experiência com as reformas implementadas no Reino Unido mostram que são
necessários mecanismos próprios para proteger as iniciativas de conservação de energia e
proteção ambiental em um ambiente de maior competitividade econômica.
Naquele país três iniciativas na área ambiental tiveram lugar: a introdução de uma
regulação ambiental baseado no Environmental Protection Act, que foi aprovado no Parlamento
junto com o processo de privatização. O segundo foi o Non Fossil Fuel Obligation, criado
inicialmente para proteger a indústria nuclear que incluiu o Fossil Fuel Levy, uma taxa sobre
62
combustíveis fósseis que se destinou a financiar projetos de energia renovável. A terceira
iniciativa foi o Energy Saving Trust (EST), criado para apoiar as iniciativas de conservação de
energia (Brower & Mitchell 1996).
Tabela 10: Sumário das implicações de reformas do setor elétrico no seu desempenho ambiental
Tipo dereforma
Efeitos em tecnologias de geração e eficiênciado lado da oferta
Efeitos para melhoria de eficiência do lado dademanda
Des-verticalização
O acesso a rede de transmissão dosprodutores de energia renovável depende decontratos ⇔⇔
Possibilidade de geração descentralizada ⇔⇔
A busca de lucros no sistema de T&D reduzperdas ⇑⇑
Projetos de geração com energia fóssil sãofavorecidos em contratos de compra ⇓⇓
Incentivos para os consumidores investiremem eficiência depende como os custos sãorefletidos nas tarifas ⇔⇔
Investimentos do distribuidor em eficiênciadepende de como é o tratamento de custos decapacidade, T&D ⇔⇔
Competiçãono atacado
No curto prazo somente fontes de menor custosão despachadas ⇓⇓
Fontes de energia fósseis usando tecnologiaseficientes são favorecidas no curto prazo ⇑⇑
Incentivos para que o consumidor invista emeficiência podem desaparecer se preços deenergia caem ou tornam-se imprevisíveis nofuturo ⇓⇓
Competiçãono varejo
Tecnologias de geração que demandamcapital de baixo custo são favorecidas ⇓⇓
Não existem incentivos para se investir emP&D em tecnologias ambientais ⇓⇓
Incentivos para maximizar vendas deeletricidade ⇓⇓
Consumidor tem menos incentivos parainvestir em eficiência se ele pode mudar paraoutro fornecedor mais barato. ⇓⇓
Serviços de gerenciamento da demandapodem ser oferecidos para diferenciar doscompetidores ⇑⇑
Fonte: Baseado em Hagler Bailly Services 1998. Notas: ⇑⇑ impacto favorável, ⇓⇓ impacto desfavorável, ⇔⇔ depende de suaimplementação.
O Non Fossil Fuel Obligation estabelece que as companhias elétricas devem comprar
uma certa quantia de energia renovável e elas são reembolsadas caso exista algum diferencial
de custos de produção. Esse diferencial é calculado com referência aos preços mensais de
energia oferecidos pelo pool. É importante notar que esse diferencial é passado para os
63
consumidores através de uma taxa adicional, chamada de Fossil Fuel Levy12. Esse mecanismo
foi responsável por uma significativa e rápida aumento da oferta de energias renováveis
naquele país.
O sistema introduzido no Reino Unido para proteção ambiental num ambiente
competitivo contemplou portanto dois dispositivos: o Non Fossil Fuel Obligation (NFFO) que
obrigava as companhias regionais de eletricidade a comprar uma parcela de sua demanda de
fontes nuclear e renovável e a criação de uma taxa cobrada dos consumidores para criação de
um fundo (Energy Savings Trust).
Tabela 11: Preços de Energia Renovável na Inglaterra durante a privatização (1991-94) (em c/kWh)
Tecnologias Preços Preços
1991 NFFO 1994 NFFO
E. Eólica (>1.6 MW) 17.3 6.8
E. Eólica (<1.6 MW) 8.3
Hidroeletricidade 9.4 7.0
Gás de aterros sanitários 8.9 5.9
Combustão de resíduos 10.3 6.0
Outros sistemas de comb. 9.3 8.0
Biogás (Sewage gas) 9.3 N/A
Média 11.3 6.8
Fonte: C. Mitchell1995 Renewable Energy in the UK available from the Council for theProtection of Rural England citado em Brower & Mitchell 1996
Mecanismos de mercado: a experiência com SO2
Em geral a maioria das medidas relacionadas a proteção ambiental têm as
características de serem do tipo comando e controle e estão relacionadas principalmente com
aspectos de poluição atmosférica. Uma novidade, no entanto, tem sido o caso de emissões de
12 O FFL foi criado em 1989 com o Electricity Act, sendo reformulado em 1998
(http://www.hmso.gov.uk/acts/acts1998/ 1998005.htm), passando a ser chamado do Fossil FuelLevy Act 1998.
64
SO2. Existe em prática um sistema de permissões de poluição chamado de tradable permits,
que se baseia em um mecanismo de mercado cujo objetivo foi de limitar e controlar as
emissões do setor. Desde 1990 a legislação ambiental americana no âmbito do Clean Air Act
Amendments estabelecia metas anuais para redução de emissões de SO2 e NOx para as
companhias de eletricidade 13. Esse mecanismo introduziu uma maneira onde as companhias
podiam buscar independentemente formas mais baratas de redução e aquelas que
conseguiam superar as metas de redução podiam comercializar o excedente com outras
companhias cujo custo de redução era mais alto. Iniciativas semelhantes, mas bem mais
complexas estão em curso com relação às emissões de CO2 (v. anexo) e iniciaram
formalmente com o Tratado de Quioto.
As avaliações do controle de emissões de SO2 e NOx mostram que as reduções
através do mecanismo proposto avançaram bem depressa (Bohi & Burtraw, 1997) e os preços
associados com a redução foram menores daqueles previstos inicialmente. Esses resultados
positivos são encorajadores e mostram que o mecanismo de tradable permits pode ser uma
alternativa mais flexível que procedimentos de comando e controle, deixando para os agentes
do mercado a busca de soluções de mínimo custo segundos as possibilidades de cada um. No
caso de redução de SO2 em lugar das firmas adotarem uma especificada tecnologia, ou
medida padronizada de redução para atingir as metas estabelecidas elas puderam tirar proveito
das diferentes eficiências e características das unidades existentes com potencial e custos de
redução que variam enormemente entre si.
O papel de agências públicas como o EPA e as comissões de regulação do setor
elétrico estaduais são realizar a avaliação das reduções de emissões e controle da alocação,
uso e transferências dos permits entre os agentes. Foi necessário também a intervenção
pública para se criar um mercado para uma nova commodity : os certificados de redução de
13 As determinações da Lei dispunham de metas de redução de 10 milhões de toneladas de SO2
e de 2 milhões de toneladas de NOx dos níveis de 1980. A partir do ano 2000 o total dasemissões das companhias de eletricidade estriam limitadas a 8,9 milhões por ano e o total dasemissões para as outras indústrias em 5,6 milhões/ano. Esses valores seriam implementadosem duas etapas. Numa primeira fase os proprietários/operadores de 110 unidades listadas nalei são obrigados a reduzir emissões em 3,5 milhões/ano a partir de 1995. Na segunda fase,todas as unidades acima de 25 MW devem obedecer os limites da lei. Para manter asreduções obrigatórias para as instalações existentes são estabelecidos caps (limites) em
65
SO2 avalizados pelos setor público. O lado positivo é que, embora com alguns problemas, está
havendo de fato uma redução de níveis de poluição através desse mecanismo.
A geração distribuída
A geração distribuída se refere a unidades de produção de eletricidade de tamanho
reduzido localizados ao longo do sistema de distribuição com o objetivo de atender demandas
localizadas (ao nível de sub-estações, por exemplo) durante períodos de pico ou então
postergando a necessidade de novas instalações ou expansão daqueles existentes. As
principais tecnologias de geração distribuída são aquelas relacionadas a sistemas de
cogeração e energia renovável como fotovoltaicos, geração eólica, pequenas centrais
hidrelétricas e uso de biomassa para produção de eletricidade. A localização dessas fontes
próxima a centros de consumo diminuem (ou evitam) os custos necessários para transmissão e
mesmo distribuição para o atendimento de mercados locais.
O uso de tecnologias para geração distribuída oferece problemas técnicos e
operacionais que muitas vezes criam barreiras adicionais à sua disseminação e competição
com as alternativas convencionais de geração. Alguns problemas técnicos relacionados com o
uso de fontes renováveis estão relacionadas com a interface de conexão com o sistema
elétrico14 e problemas de ordem operacional devido a característica de intermitência de muitas
das fontes utilizadas para geração distribuída.
As companhias de eletricidade, por sua vez, devem manter determinados padrões de
desempenho e se proteger contra eventuais perdas de geração, flutuações ou inesperadas
quedas de energia na rede. Por isso, a integração de geração distribuída ao seu sistema
convencional pode significar também uma necessidade de compensar a imprevisibilidade de
curto prazo de alguns tipos de geração distribuída com reservas operacionais adicionais para
manter a integridade do sistema.
toneladas para cada fonte e para as novas instalações que irão emitir quantias adicionais, sãoexigidas medidas mitigadores que neutralizem as emissões (off-set measures).
14 Harmônicos, potência reativa, controle de freqüência e sincronização com a rede principal.
66
De uma maneira geral, com relação à operação desses sistemas, os principais
problemas para a rede elétrica estão relacionados com:
• Margem de reserva
• Despacho econômico
• Intermitência da produção
Essas características podem impor desvantagens adicionais a sistemas de geração
distribuída em uma situação de competição. No entanto, assegurar maneiras de se incluir
oportunidades de geração distribuída no planejamento dos investimentos das companhias de
eletricidade podem resultar em economias para os consumidores e maior uso de fontes
renováveis.
67
CAPÍTULO 5: A PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
Introdução
O processo de reestruturação nos EUA foi acompanhado por um decréscimo
acentuado de investimentos em pesquisa e desenvolvimento - P&D, em especial pelas
companhias de eletricidade do tipo Investor-owned utilities – IOU. Investimentos totais
realizados no país em P&D tiveram seu pico no final da década de 70 e no início dos anos 80
quando chegaram a representar quase 0,25% do PIB anual, declinando posteriormente
chegando a atingir um valor de apenas 0,05% em 1996 (Dooley 1997). A Figura 4 mostra a
evolução dos gastos em P&D e é possível observar que tanto investimentos públicos como
privados foram reduzidos na década de 90.
Os seis principais programas de P&D existentes nos EUA experimentaram
decréscimos de financiamento público e privado, principalmente a partir de 1995: Esses
programas abrangiam as seguintes áreas: (a) células de combustível (Fuel cells), (b)
gaseificação do carvão, (c) turbinas a gás (advanced gas turbines), (d) energia solar
fotovoltaica, (e) tecnologias de armazenamento de energia elétrica; (f) energia eólica (US.
General Accounting Office, 1996).
Figura 5: Investimentos em P&D na área de Energia nos E.U.A. (1974-80-90-96)
Fonte: (Dooley, 1997). Notas: incluem investimentos em energia fóssil, renováveis e conservação deenergia e energia nuclear.
0
2
4
6
8
10
12
14
74 80 90 96
bilh
ões
de
US
$ (1
995)
setor privado
setor público
68
Citando dados colhidos pela Comissão Federal de Regulação (Federal Energy
Regulatory Commission), Blumstein et al (1998) mostram que os investimentos anuais em P&D
tiveram uma acentuada queda a partir de 1993, sendo que em 1996 o total investido (US$ 386
milhões) representou apenas 45% daquele correspondente ao ano de 1993. Esse fato não
apenas ocorreu no país como um todo, mas foi especialmente marcante na Califórnia,
tradicional centro inovador de tecnologias e práticas de eficiência energética. Neste estado os
investimentos em P&D diminuíram em mais de 50% após o início do processo de
reestruturação do setor.
A redução em P&D tem diminuído não só nos EUA, mas também em diversos países
da OCDE que passaram a introduzir reformas liberais no setor energético orientadas para a
promoção da competição. Na Holanda, por exemplo investimentos em fontes renováveis
caíram pela metade desde 1992, enquanto que na área nuclear diminuíram em 40% e aqueles
relacionados com energia fóssil mantiveram-se constantes em termos nominais (Friedman,
1998).
Uma maneira de se medir a importância que é dada para a P&D é verificar a
porcentagem investida nessa atividade em relação ao faturamento da indústria. Embora a
NARUC tenha feito uma recomendação no sentido de que as companhias dos EUA
dedicassem pelo menos 1% de suas vendas de eletricidade em P&D, na prática isso não tem
ocorrido. Cerca de apenas 0,3% em média do faturamento com as vendas de eletricidade no
EUA15 foram investidos em P&D em 1994, e esse valor tem diminuído desde então. A Tabela
12 apresenta os níveis de investimento em P&D como percentuais do faturamento do setor de
eletricidade em alguns países industrializados. Deve-se observar que a maior percentagem tem
sido verificada na Holanda onde se situa na faixa de 0,7-0,6%, ou seja, em nenhum desses
países tem sido atingida a marca de 1%.
15 Como referência tem-se que o setor industrial no EUA gasta cerca de 3,1% de seu faturamento
em P&D.
69
Tabela 12: Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento em alguns Países
% das vendas
E.U.A. Média: 0,3%. Existe a recomendação daNARUC para se destinar 1% da receita paraP&D, mas isso raramente tem sido verificado.
Inglaterra 0,3-0,1%
Holanda 0,7-0,6%
Espanha Antes da re-estruturação as companhiaseram obrigadas a investir 0,85% da receitaem P&D. Após a re-estruturação aexpectativa é que esses valores se reduzampara 0,35%
Noruega 0,3%
Fonte: Dooley, 1998.
Pesquisa de interesse público
Blumstein et al (1998) definem pesquisas de interesse público sendo aquelas que não
são adequadamente concebidas e financiadas pelo mercado competitivo, uma vez que alguns
ou todos os benefícios resultantes são amplamente difundidos e não podem ser capturados
exclusivamente por firmas individuais. Como exemplo podem ser citadas pesquisas básicas na
área de combustão e controle de emissões e conservação de energia, que podem ter impactos
positivos não só para o meio ambiente como também propiciar benefícios para a operação de
todo o sistema elétrico.
Existem dificuldades em se definir com precisão quais pesquisas são de interesse
público e o debate nos EUA fez com que alguns estados abordassem essa questão durante o
processo de reformas. Na Califórnia, a CPUC elaborou um documento onde procura, entre
outros objetivos, colocar os limites das atividades em PD&D que competem ao setor público e
privado (California Public Utilities Commission, 1996). Esse documento define três tipos de
P&D:
70
P&D competitiva: atividades dirigidas ao desenvolvimento científico e
tecnológico cujos benefícios são apropriados integralmente pela entidade privada responsável
pelos investimentos realizados.
P&D regulada: atividades dirigidas ao desenvolvimento científico e tecnológico
cujos benefícios estão relacionados às funções reguladas da entidade responsável pelo
investimento.
P&D de interesse público: atividades dirigidas ao desenvolvimento
científico e tecnológico com as seguintes características: 1) seus benefícios se estendem a todos
os cidadãos da Califórnia e 2) não são adequadamente atendidas através do mercado
competitivo ou entidades reguladas.
Conforme observam Blumstein et al (1998) a característica principal de pesquisas de
interesse público é a sua coerência com metas estabelecidas por outras políticas públicas,
como melhoria do meio ambiente, políticas sociais de melhoria de qualidade de vida, etc.,
áreas que fogem ao escopo principal de atividades de empresas privadas. Desse modo cabe
ao poder público determinar quais são os investimentos que devem ser realizados nessas
áreas e quais as prioridades.
O relatório do grupo de trabalho mencionado da CPUC apresenta também
recomendações sobre os níveis adequados para financiamento em PD&D, e maneiras como
recursos devem ser coletados e administrados. É importante observar que nos EUA, como
ilustra o exemplo da Califórnia, houve a preocupação de se definir melhor a atuação do setor
público para que as oportunidades de pesquisa, desenvolvimento e demonstração - PD&D que
atendem ao interesses coletivos não fossem perdidas durante o processo de reestruturação.
Foi reconhecido que a nova estrutura concebida para o setor colocava esses aspectos em
risco. A própria lei (AB 1890) que estabelece os princípios das reformas no estado da
Califórnia, também introduz mecanismos para coleta de recursos através de uma taxa, a Public
Goods Tax - PGT, um imposto adicional cobrado sobre as vendas de eletricidade e que são
recolhidas para financiar os programas de bens públicos do estado. Um total estimado de US$
71
62,5 milhões deverão ser coletados com o objetivo específico de financiar programas de PD&D
na Califórnia durante o período 1998-2001.
No passado a pesquisa de interesse público nos EUA era financiada por uma
combinação de instituições públicas e privadas, reguladas ou não, federais e estaduais. Esses
recursos eram administrados em forma de consórcios, como o EPRI, ou através do DOE e das
comissões estaduais de energia. Durante a reestruturação muitos desses arranjos foram
interrompidos.
Efeitos da reestruturação
As reformas do setor elétrico tem levado a uma alteração da estrutura da indústria com
conseqüências para o financiamento da P&D na área de energia. Na Inglaterra, por exemplo
tem surgido super utilities que combinam diversos tipos de serviços: lixo, gás natural, água e
esgotos, e telefone. Nos EUA isso também tem acontecido, com algumas companhias
oferecendo serviços de TV a cabo, telefone, serviços de Internet, e água esgotos. Essa
diversidade de serviços e formas de realizar negócios também re-orienta os interesses desses
companhias em investimentos em P&D. Havendo novas oportunidades de realizar negócios
com retornos mais atraentes e mais rápidos que aqueles relacionados com energia é provável
que não exista interesse imediato em investimentos de maior risco e tempo de maturação na
área de energia propriamente dita.
De uma forma geral, a introdução de maior competição trouxe três tipos de
conseqüências para a condução de P&D dentro do setor elétrico (Friedman, 1998):
a) uma redução imediata no financiamento de P&D;
b) mudança na direção de investimentos em projetos de curto-prazo;
c) interrupção de programas de cooperação e colaboração em P&D.
Um dos primeiros efeitos das reformas é a redução dos níveis de investimentos em
P&D. Esses cortes fazem parte da estratégia das empresas de diminuir seus custos
operacionais e melhor se posicionar em um mercado competitivo.
72
Além disso, as incertezas de como poderão ser apropriados os benefícios de
investimentos em P&D faz com que se interrompam projetos e atividades realizadas
cooperativamente. A abertura do mercado à competição induz as empresas a considerar
somente investimentos de curta maturação, baixos riscos e que objetivem manter suas
vantagens competitivas (menores preços de energia ao consumidores e menores custos de
produção).
A percepção de que existem outras oportunidades de serviços e negócios que podem
ser desempenhados pela companhia de energia com melhor retorno e menor risco, também
diminui seu interesse em investimentos em P&D.
A pesquisa colaborativa entre empresas de energia e órgãos públicos que era prática
comum nos EUA, começou a declinar uma vez que companhias percebiam isso como uma
desvantagem comparativa com relação a outras companhias (incluindo produtores
independentes) que não participavam desses esforços. Várias companhias retiraram-se de
pesquisas realizadas em conjunto e com longos prazos de maturação, dando clara preferências
para projetos de curto prazo, com riscos menores e passíveis de serem patenteados, ou seja
onde podiam adquirir direitos para comercializar os resultados das pesquisas. Órgãos como o
EPRI que desenvolviam pesquisas consorciadas entre empresas sofreram bastante. Entre
1994-96 as contribuições e anualidades das companhias consorciadas caíram em cerca de
30%, mesmo após o EPRI realizar mudanças e re-orientações nos projetos de pesquisa para
atender aos novos interesses das companhias. Por exemplo, em 1995 cerca de 50% de seus
fundos eram alocados em pesquisas com prazos de maturação de 5 ou menos anos, 30% em
projetos com período de 5-10 anos e os restantes 20% com prazos de 10 -20 anos. Na
Califórnia as companhias do tipo IOU reduziram ou eliminaram o financiamento de pesquisas
como o Photovoltaic USA - PVUSA e o Collaborative Advanced Gas Turbine Project.
Como se não bastasse o financiamento governamental também foi diminuído durante
esses primeiros anos das reformas, conforme mostra a Figura 4. Havia a argumentação de que
a des-regulamentação também assumia a transferência de responsabilidades em P&D para a
iniciativa privada e que a maior competição estimularia maior inovação tecnológica e
necessariamente maiores inversões em P&D. No entanto, o fato foi que houve uma forte
73
retração de investimentos, conforme já mencionado, ficando claro que atividades de P&D de
maior risco, maior tempo de maturação com maiores benefícios públicos não será
desempenhada por firmas privadas.
Além da iniciativa da Califórnia, outro exemplo de coleta de fundos para financiamento
de P&D de interesse público é a proposta do governo federal de criar um fundo de 3 bilhões
para oferecer como contrapartida de financiamento de projetos. Esse fundo foi criado a partir
de uma cobrança de 1 mill16 por kWh de todos consumidores.
É provável que uma vez esgotadas as oportunidades de redução de custos com as
tecnologias e métodos atuais, haverá renovado interesse das empresas privadas em aumentar
os recursos para P&D. No entanto, é razoável admitir que haverá uma concentração de
esforços em áreas que não impliquem em benefícios e forneçam vantagens comparativas para
outras companhias, ou seja, haverá uma clara delimitação de áreas e interesses para
investimentos em P&D. Desse modo é bastante provável que muitas atividades de pesquisa
que poderiam trazer benefícios públicos e coletivos, especialmente na área ambiental, não
sejam financiadas dessa maneira.
O papel futuro da P&D no setor energético
A perspectiva de menor prazo para obtenção de resultados de P&D são motivadas pela
necessidade de maiores lucros e competitividade do atual modelo para a indústria de
eletricidade. Como resultado o papel da P&D está mudando, começa a haver menor interesse
em investimentos em modernas e avançadas tecnologias de geração em favor de tecnologias
de informática que ajudam a diferenciar os produtos entre as empresas. Hoje os projetos
possuem as características de serem de curto prazo, baixo risco e procuram atender os
interesses dos acionistas e investidores. A pesquisa básica e ambiental perdeu terreno para
projetos cujo mérito é aumentar a curto prazo a competitividade da indústria de energia. Isso
acontece na Inglaterra onde o setor tinha um horizonte típico de investimentos em P&D de 5-7
anos e agora considera projetos apenas na faixa de 1-3 anos. O mesmo está acontecendo na
Suécia e Bélgica e Itália. Nos EUA muitas companhias estão retirando recursos de projetos
16 1 mill é igual a um milésimo de dólar americano.
74
relacionados com tecnologias avançadas como turbinas a gás (advanced gas turbines) e novos
tipos de células de combustível (fuel cells), conforme mencionado (Friedman,1998) .
Existem áreas, entretanto, onde se espera um incremento em investimentos em P&D,
como por exemplo pesquisas para melhorar a eficiência da operação do sistema elétrico.
Nessa área incluem também necessidades de investimentos em tecnologias para melhor
gerenciar a distribuição de carga, medição em consumidores possibilitando tarifação em tempo
real. No entanto, a maior área onde tem se verificado investimento em pesquisa é a área
destinada a criar novos serviços e produtos, uma classe ainda em definição, mas fortemente
centrada no mercado consumidor.
Os problemas de energia e meio ambiente do futuro certamente serão mais difíceis e
complexos de serem resolvidos e necessitarão de novas tecnologias, é importante garantir
investimentos em P&D com horizontes relativamente largos para produzir resultados
esperados. A expectativa de redução de preços finais de energia resultante de maior
competitividade entre as empresas de energia impõe também novos desafios para as fontes
alternativas e tecnologias mais eficientes de uso de energia. Isso deve implicar em
necessidade de maiores esforços e investimentos nessas áreas para que essas opções
possam competir com as fontes convencionais no futuro.
Em alguns estados começam ser discutidos mecanismos para gerar recursos e
administração de P&D considerando a diversidade de grupos de interesse que agora
participam do setor energético: investidores, consumidores, pesquisadores. A Tabela 13
apresenta dois dos mecanismos propostos para financiar P&D nos EUA. No Capítulo 8
analisaremos o caso brasileiro e os mecanismos recentemente criados para fomentar o
financiamento de P&D do setor elétrico.
Em resumo, existe o entendimento que o papel do governo é crítico para atingir os
objetivos da pesquisa de interesse público mas existe um consenso de que é ainda cedo definir
precisamente seu papel. Um mecanismo de colaboração é necessário entre os estados,
agencias federais, e companhias de gás e eletricidade, grupos de interesses, e outros para o
desenvolvimento de opções de políticas, não havendo necessidade de novas instituições e sim
melhor colaboração entre as existentes.
75
Tabela 13: Mecanismos propostos para Financiamento de P&D
Taxa estadual (State Surcharge) Vários estados estão considerando a criaçãode uma taxa para financiar P&D de interessepúblico: California, Nova Iorque,Massachussets e Rhode Island.
Existe a preocupação de que se algunsestados não implementam esse tipo definanciamento colocariam aqueles que ofazem em um posição de desvantagemcomparativa, além de uma preocupação coma administração desses fundos.
Taxa nacional ( non-bypassable NationwideWires Charge)
Existe a proposta de uma taxa nacional deacesso a rede de transmissão que financiariapesquisas realizadas pelo EPRI de longoprazo e pesquisas colaborativas. Segundoesta proposta toda a eletricidade seja intra-estado ou inter-estado seria taxadaigualmente.
Fonte: U.S. General Accounting Office, 1996.
CAPÍTULO 6: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
Introdução
A sociedade civil americana organizada através de entidades ambientalistas,
representantes de associações de classes e interesses corporativos possui uma tradição em
participar de decisões na área de energia, principalmente devido ao debate nuclear da década
de 60, como comentaremos neste capítulo. É importante destacar a influência que a sociedade
tem exercido nesse processo de reformas do setor, com qualificadas intervenções no sentido
de garantir a manutenção e promoção de benefícios públicos.
76
O objetivo deste capítulo é o de apresentar uma análise das principais atividades da
sociedade civil e seu papel em garantir e fiscalizar a manutenção das características públicas
da indústria de energia. As informações apresentadas a seguir cobrem alguns dos estados
americanos e grande parte dessas informações estão baseadas em Smeloff & Asmus, 1997.
Califórnia
O processo de reestruturação na Califórnia, iniciado em 1992, foi caracterizado por um
longo processo de consultas públicas, análises técnicas e econômicas, definição de metas,
elaboração e discussão de relatórios específicos cobrindo os pontos mais polêmicos do
processo de reestruturação. Desde seu início houve o envolvimento de entidades de
consumidores, grupos ambientais, representantes das empresas de energia (IOU e PU), NGU,
legisladores, e outros17.
Em 1994 a CPUC lançou o documento “A vision for the future of California’s Electric
Services Industry” (conhecido como Blue Book) onde apresenta os princípios básicos da
reestruturação para o estado: fim do monopólio que até então dispunham as IOUs no estado,
eliminando a supervisão do governo sobre o planejamento das novas unidades de produção e
dando aos consumidores a escolha de seus fornecedores. Novamente iniciam-se consultas
públicas em todo o estado para discussão do documento. Esse processo continuou até 1996,
com várias novas adições prevendo os aspectos de proteção ambiental e os impactos para os
consumidores durante a transição do sistema regulado para o outro. Além disso, havia o
processo formal da reforma do setor energético que corria em paralelo na Assembléia
Estadual. Somente em setembro 1996 é que foi aprovada a lei que dispunha sobre a nova
estrutura para o setor elétrico da Califórnia.
Como se observa esse processo foi extremamente aberto à participação pública e pode
contar com contribuições importantes de entidades como o EDF - Environmental Defense
Council e NRDC - Natural Resources Defense Council, entre outros. Muitas das entidades
possuem um quadro de pessoas bem qualificadas tecnicamente e que puderam enriquecer o
17 É interessante consultar alguns dos relatórios elaborados pelos diversos grupos de trabalhos
criados nessa época para melhor apreciar a diversidade dos elementos que efetivamenteelaboraram e opinaram sobre o processo de reestruturação. A maior parte desses documentosestão disponíveis no endereço: http://www.cpuc.ca.gov.
77
debate e garantir concretamente medidas para manter programas de eficiência energética,
proteção ambiental, maior investimento em P&D, programas para população de baixa renda.
Toda essa militância de entidades bem informadas e com especialistas em várias áreas
não é recente na Califórnia. É interessante observar a experiência da companhia SMUD18 com
o fracasso de um grande empreendimento nuclear - a usina de Rancho Seco (913 MW) que era
responsável por grande parte de sua geração. Com o acidente verificado nessa usina em 1985,
a companhia teve que buscar rapidamente alternativas para suprir seus consumidores. A
imprensa local desempenhou um papel fundamental, na opinião de Smeloff & Asmus (1997)
no debate sobre o desempenho da usina nuclear de Rancho Seco. A preocupação da
população com relação a energia nuclear estava no auge, pois nessa época outros acidentes
como o de Chernobyl e o de Three Mile Island também repercutiam na mídia. Esses fatos
estimularam maior participação popular nas discussões sobre os serviços de energia naquela
região.
Os altos custos decorrentes dos reparos da usina rancho Seco e de toda a controvérsia
em torno da energia nuclear fizeram com a SMUD iniciasse três tipos de atividades para
garantir o fornecimento de energia: a realização de licitações para compra de grandes blocos
de energia de outros fornecedores (era a primeira vez que isso era feito nos EUA), maior uso
de fontes renováveis e programas de eficiência energética. Finalmente foi decidido que a usina
de Rancho Seco seria fechada e colocada em prática uma série de idéias para estimular o uso
eficiente de energia e uso de renováveis na área de serviço da empresa. Como era uma
companhia municipal, havia interesse em reduzir a remessa de recursos para fora do município
com compras de eletricidade. Essas medidas estimulariam a economia local. A eletricidade
conservada significaria menos recursos exportados para fora do município. SMUD começou a
investir em energia eólica, sistemas fotovoltaicos e cogeração. SMUD buscou eleger
alternativas economicamente competitivas para substituir a usina nuclear que foi desativada, e
com essa estratégia foi possível também manter as tarifas constantes durante a década de 90.
18 SMUD é uma companhia municipal que serve a cidade de Sacramento, capital do estado da
Califórnia. É a maior companhia municipal de eletricidade dos EUA.
78
Uma outra conquista que se atribui a ação da sociedade civil na Califórnia, diz respeito
a garantias para acesso a serviços básicos de energia para população de baixa renda. Foi o
caso da criação do lifeline rate19, feito sob pressão da organização não governamental TURN
(Toward Utility Rate Normalization). Já na década de 70 esse tipo de preocupação surgiu a
partir de grupos como Citizens Action, Fair Share e Public Interest Research Group que se
estabeleceram em vários estados do país e exerciam pressão contra os aumentos de tarifas
que estavam sendo praticados na época.
Nova Inglaterra:
O sistema elétrico dessa região é bem diferente daquele encontrado na Califórnia.
Biomassa é a mais importante fonte de energia renovável dessa região e tem também sido
tradicional centro de iniciativas na área de eficiência energética.
Em 1989 houve um sério problema no reator da usina nuclear de Seabrook, New
Hampshire, agravando um debate regional que já durava cerca de dez anos sobre os
problemas da energia nuclear. O fracassado complexo nuclear de Seabrook levou à falência
seu principal acionista, a Companhia elétrica do Estado de New Hampshire e dificuldades para
as demais empresas da região consorciadas no empreendimento.
O problema nuclear fez com que entidades ambientalistas tomassem interesse em
participar do planejamento de recursos da região, uma vez que havia falta de energia, ao
contrário da Califórnia, onde havia um excesso da capacidade instalada durante a década de
80. O Conservation Law Foundation - CLF um grupo baseado em Boston começou a discutir o
plano do estado de expansão dos serviços de geração. Eles argumentaram que o PIR deveria
ser empregado na região para reduzir o consumo através de medidas de conservação de
energia. Inicialmente houve atuação específica em cima de alguns empreendimentos mas logo
essa entidade ganhou credibilidade e passou a interferir no planejamento da região. Em 1987
esse grupo confeccionou um estudo: Power to Spare: a plan to increase New’s England
competitveness Through Energy Efficiency criticando os planos do governo de construir mais
usinas. Um componente importante do estudo foi a preocupação com as tarifas da região, já
19 Lifeline rate é um sistema de tarifação por blocos onde se estabelece um mínimo de consumo
mensal necessário para uma família sendo cobrada uma tarifa com descontos.
79
25% mais altas que a média do país, e deveriam aumentar ainda mais em função de
investimentos para a expansão da capacidade instalada dos planos oficiais.
Problemas ambientais já eram grandes na região e o grupo CLF foi bastante ativo para
garantir a manutenção de investimentos das companhias da região em programas de eficiência
energética demonstrando que eram alternativas mais atraentes que investimentos em
tecnologias para atender aos requisitos do Clean Air Act para as novas usinas.
O CLF continuou atuando durante a reestruturação do setor nessa região procurando
garantir a continuidade de investimentos para proteção ambiental, especialmente para acelerar
a substituição de usinas antigas e poluentes da região por versões mais modernas movidas por
fontes mais limpas.
A Região do Noroeste-Pacífico
Assim como a Califórnia e a Nova Inglaterra essa região dos EUA também teve
experiências de intensa participação de grupos ambientais com a instalação mal sucedida de
usinas nucleares. É uma região também que teve um grande avanço da energia hidráulica até
os anos 60, quando esse potencial já se encontrava praticamente esgotado nos EUA e se
expandiu ainda através de acordos com o Canadá através da British Columbia Hydro - BC
Hydro.
Em meados da década de 70 iniciou-se no estado de Washington a construção de
usinas nucleares cujos custos começaram a escalar rapidamente nos anos seguintes e 4 dos 5
reatores planejados não puderam ser concluídos.
Em 1980 foi criado o Pacific Northeast Electric Power Planning , primeiro órgão regional
de planejamento do setor elétrico dos EUA.. Seu primeiro trabalho foi realizar um levantamento
e planejamento da oferta de energia para os quatro estados da região: Washington, Oregon,
Montana e Idaho. Além dessa tarefa esse órgão deveria elaborar um plano para os próximos
20 anos para proteger as espécies de peixes que haviam sido prejudicadas por anos de
exploração de energia hidroelétrica. O ato legislativo do congresso federal20 que criou esse
órgão também determinava que deveria haver participação e consulta pública para a realização
20 Pacific Northwest Electric Power Planing and Conservation Act.
80
desses planos. Diversos grupos da sociedade civil e também algumas companhias de
eletricidade se reuniram e fundaram a Northwest Conservation Act Coalition e conjuntamente
produziram um estudo de Planejamento Integrado de Recursos em 1982 chamado de Model
Electric Power and Conservation Plan. Esse estudo serviu de base para o estudo oficial
produzido pela NPPC.
Em outro estado da região, o Oregon, também houve uma forte reação contra uma
usina nuclear chamada Trojan de 1,1 GW de capacidade, construída em 1975. Ao longo dos
anos 80 e 90 houve tentativas públicas de fechamento desta usina mas somente em 1993 a
usina foi fechada, em parte devido a sérios problemas com vazamento de água radioativa e os
altos custos de manutenção e reparação exigidos.
A criação do NPPC foi importante para criar possibilidades de maior participação
pública nos trabalhos de planejamento energético e opções para o futuro da região. Em 1993
foi realizado o Renewables Northwest Project que procurou conquistar o suporte da população
para outras tecnologias de geração de eletricidade renováveis diferentes da hidroeletricidade e
também desenvolver projetos de energia eólica e geotérmica na região.
É claro que o processo de reestruturação teve que levar em consideração o alto grau
de envolvimento da sociedade com a questão do planejamento energético. Diferentemente da
Califórnia que iniciou a discussão pública após a elaboração de um documento (o Blue Book)
esse região já engajou a sociedade antes de qualquer proposta formal. Um grupo de
representantes dos vários segmentos dos estados da região foram convidados para o debate
(eles se chamaram a si mesmos de learning groups) e se reuniam duas vezes por semana para
discutir e elaborar propostas para aumentar a competitividade do setor elétrico sem
comprometer os interesses da sociedade ali representada.
Minnesota
Minnesota é um estado que possui uma longa tradição de regulação ambiental e onde
predomina maior presença do poder público regulando as atividades econômicas das
empresas privadas, ao contrário do que ocorre na Califórnia e Texas, por exemplo. Embora
81
grande parte de sua geração seja de origem nuclear e carvão, foi uma região onde ocorreram
várias iniciativas pioneiras de geração eólica.
Novamente a energia nuclear teve uma importante participação para catalisar a opinião
pública e gerar controvérsias que possibilitaram a discussão de fontes alternativas de energia
para o estado. No caso específico o problema não foi exatamente a geração de energia de
origem nuclear ou os altos custos, e sim o destino dos resíduos das usinas nucleares. Houve
controvérsias com relação a decisão sobre o local de depósito que era próximo a terras de
tribos indígenas. Após algum tempo em disputas judiciais foi permitido a localização de um
depósito em terras do estado para acumular os resíduos equivalentes a sete anos de operação
da usina nuclear e em contra-partida a companhia de eletricidade responsável deveria investir
$500 milhões de dólares na construção de várias unidades de porte usando energia eólica e
biomassa.
Minnesota possui também a mais agressiva legislação em favor do PIR. Sua PUC tem
uma curiosa política default que requer que toda a concessionária deve provar inicialmente que
fontes renováveis não são de interesse público antes de investir em fontes não renováveis. A
PUC também estabelece padrões de eficiência energética e impõe também que as companhias
invistam 1,5% das vendas de eletricidade em GLD21.
As reformas tem a participação de grupos que apoiam fontes renováveis e que têm se
associado a cooperativas de eletricidade, concessionárias municipais, e grupos de interesse
público representando classes de baixa renda para desenvolver pontos de consenso sobre as
novas regras. Ficou acordado que a qualidade ambiental e proteção dos recursos do estado
seria mantida através do PIR ou processo publico similar que assegure uma consideração de
um portfolio de diferentes opções economicamente eficientes do lado da demanda e fontes
renováveis.
21 A companhia Regional Northern States Power - NSP se propôs a investir 3,7% de suas
vendas.
82
Texas
O estado do Texas recentemente (junho 1999) aprovou as leis que introduzem
reformas no seu setor elétrico. A novidade nesse estado de tradição liberal e de alto consumo
energético, foi a inserção de dispositivos mandatórios que garantam um progressivo aumento
de fontes renováveis e investimentos em eficiência energética. Com isso o Texas possui agora
uma das melhores leis de des-regulamentação dos EUA, que contempla objetivos de controlar
a poluição atmosférica ocasionada pela indústria da eletricidade (EDF Newsletter, 1999).
Isso só foi possível devido ao trabalho de duas organizações, uma de âmbito nacional
(EDF) e outra local (Public Citizen and Sustainable Energy and Economic Development)
preocupadas com os altos índices de contaminação atmosférica do estado onde o petróleo é
barato e extensamente utilizado. A nova legislação coloca metas para redução de emissões de
óxidos de enxofre e nitrogênio e gases estufa. Além disso, estabelece de forma mandatória o
desenvolvimento de 2GW de capacidade instalada de fontes renováveis durante os próximos
10 anos e que as companhias de energia deverão ter programas de eficiência energética para
reduzir o crescimento anual de demanda em pelo menos 10%.
83
CAPÍTULO 7: MECANISMOS PARA PROMOVER PROGRAMAS DE BENS
PÚBLICOS
Introdução
A atuação do setor público para "proteger" o acesso a bens públicos nesse contexto de
menor regulação do setor não é isenta de controvérsias nos EUA. Existem aqueles que
rejeitam qualquer intervenção do governo e acreditam que o mercado deverá ser capaz de
prover aqueles bens que a sociedade deseja (v. por exemplo Taylor, 1999). Entre aqueles que
defendem a intervenção nota-se também a preocupação que a utilização de fundos públicos
não deva introduzir diferenciais no mercado que levem algumas firmas serem privilegiadas ou
terem vantagens competitivas subsidiadas com recursos públicos.
Os mecanismos existentes se classificam em duas categorias: os de natureza fiscal
(taxas e incentivos) e os regulatórios. Eles tem sido praticados segundo diversas versões nas
várias regiões dos EUA e ainda se encontram em evolução e experimentação. Além desses
dois mecanismos, o governo pode interferir diretamente no mercado de energia, seja como
uma grande consumidor, ou como o responsável pela formulação de políticas de
desenvolvimento, normas técnicas para garantir eficiência energética de equipamentos e
edifícios, educação e pesquisa que podem ter impactos na provisão dos bens público (Figura
4).
A experiência dos EUA parece indicar de maneira clara que a disponibilidade de "bens
públicos" requer mecanismos para arrecadação de recursos, agências para coleta e
administração e implementação de programas para disseminá-los. Em que pese a controvérsia,
na prática tem sido necessária intervenção do poder público para esses propósitos.
Mecanismos fiscais
A Tabela 14 apresenta alguns dos mecanismos fiscais que o poder público pode lançar
mão com o objetivo de arrecadar fundos para financiar programas de "bens públicos" como
aqueles que foram discutidos neste trabalho: eficiência energética, fontes renováveis,
84
programas de acesso a serviços de energia para população de baixa renda, medidas de
proteção ambiental e financiamento a pesquisa de interesse público.
Tabela 14: Mecanismos para incentivar a promoção de bens públicos: Taxas e Incentivos
Taxa ao nível dadistribuição
Taxas cobradas diretamente dos consumidores de energia e recolhidas para umfundo independente da companhia de energia. Pode ser fixa ou dependente doconsumo ($/kWh) ou da demanda ($/kW)
Taxa ao nível datransmissão
Aplicada ao nível da transmissão para uma determinada região.
Taxa nacional(national wirescharge)
Taxa cobrada ao nível da transmissão em todo o país.
Imposto sobre oconsumo deenergia
Imposto cobrado sobre as vendas de energia da companhia para financiarprogramas diversos.
Imposto sobreemissões
Taxa cobrada sobre combustíveis dependendo de suas características de poluição.
Permissão paraoperar
Companhias que vendem eletricidade a consumidores poderiam ser requeridas apagar uma taxa para operarem esse privilégio.
Incentivos/créditos
O governo pode conceder incentivos fiscais para determinadas ações ou forma deenergia
Impostos gerais Imposto de renda, imposto sobre propriedades (IPTU)
Fonte: baseado em Tonn, Hirst & Bauer, 1995.
Tem-se observado uma preferência para a adoção de mecanismo do tipo de "taxa ao
nível da distribuição", chamada nos EUA de System Benefit Charge - SBC, que é cobrada dos
consumidores. Diversos estados estão usando esse mecanismo para manter programas que
trazem benefícios públicos durante a transição de monopólio para a competição.
O SBC é um mecanismo de coleta de fundos mandatório ao nível da distribuição ou
uso final de energia, tendo em base o consumo (kWh) para taxação. Algumas vezes é referido
como wires charge ou um access charge, se cobram valores pelo uso ou acesso à rede de
distribuição (em geral valores fixos). Pode também vir sob forma de uma taxa anual que é
cobrada das companhias de gás ou eletricidade. Nesse caso essa taxa anual não é imposta
85
diretamente aos consumidores finais (não é estritamente uma SBC), mas certamente elas
serão repassadas através das tarifas cobradas pelas companhias.
A decisão de se adotar um mecanismo do tipo SBC para financiar programas públicos
é feita pelo legislativo estadual ou pela comissão de regulação, que mesmo assim em alguns
casos deve submeter a decisão ao legislativo para sua implementação (Fang 1997).
O SBC tem sido empregado como um mecanismo para financiar benefícios públicos na
área de telecomunicações, como por exemplo programas para colocar linhas telefônicas,
acesso a internet e tarifas subsidiadas para escolas, bibliotecas e postos de saúde. Mudanças
introduzidas a partir do Telecommunications Act de 1996 aumentaram ainda mais a
arrecadação de recursos para financiar programas de benefícios públicos. Somente o apoio a
bibliotecas e escolas tem uma verba anual de cerca de US$ 2.25 bilhões. Esse tipo de taxa tem
sido aplicado a outras indústrias que começaram a experimentar competição com o objetivo de
manter benefícios públicos associados a elas e que a competição poderia comprometer. A
aviação é outro exemplo. Existe o Airway Trust Fund, um órgão financiado por taxas cobradas
sobre as vendas de bilhetes e responsável por fiscalizar a segurança em aeroportos e controle
de ruído (Cowart 1997).
Alguns estados colocaram metas específicas para arrecadar fundos para os
programas, outros especificaram uma sobretaxa em termos de US$/MWh cobrado dos
consumidores, conforme mostra a Tabela 15.
86
Tabela 15: Exemplos de aplicação do SBC em alguns estados
Califórnia Na CA os níveis de fundos para os diferentes programas são determinadospelo legislativo. Para eficiência energética foi estabelecido o valor de US$106milhões por ano durante 98-2001 para a PG&E; US$32 milhões por ano para aSan Diego Gas and Electricity Co (1998-2001) e US$90 milhões por anodurante 98-2000 com um mínimo de US$50 milhões em 2001 para a SouthernCalifornia Edison Co. Para energia renovável o valor é de US$ 540 milhõesdurante 1998-2001 para todas as companhias juntas. Para os programas debaixa renda devem-se manter os valores de 1996, de acordo com asnecessidades dos consumidores
Rhode Island Foi estabelecido a taxa de 2,3 mills/kWh para eficiência energética eprogramas de energia renovável, começando em 1997. Isso totaliza mais deUS$18 milhões ao ano. Em 1997 US$210.000 foram alocados para energiarenovável e espera-se aumentar esse valor.
Nova Iorque Foi determinado o valor de 1 mill/kwh ou aquela necessária para manter o nívelde 1995 de gastos com eficiência energética, P&D, programas de baixa renda(um total de US$ 98 milhões). O financiamento de proteção ambiental deveráser adicional.
Massachusetts A taxa para programas de renováveis é 1 mill/kwh. O financiamento paraeficiência energética e programas para baixa renda será determinado paracada companhia.
Wisconsin A comissão de regulação estipulou níveis determinados na sua proposta:US$100 milhões para conservação de energia, US$5 milhões para energiarenovável, US$105 milhões para baixa renda. Esses valores têm aumentadonos anos recentes.
Fonte: Fang 1997
Tem sido considerados quatro tipos de modelos para administrar os fundos recolhidos
através do SBC:
1) Conselhos independentes (Independent Boards). Nesse modelo as comissões de regulação
apontam um outro grupo que ficará encarregado de tomar decisões sobre a alocação dos
fundos e programas a serem financiados e lança os concursos públicos para contratar
administradores dos programas. Esse grupo pode também designar um conselho técnico
para assessorá-lo.
2) Comissão de regulação. Nesse modelo a decisão final fica a cargo da comissão de regulação
ou da agência estadual responsável. Um Conselho Assessor pode ser designado para
auxiliar. Indivíduos podem ser contratados especificamente para administrar programas
87
específicos, como tem ocorrido na Califórnia, Massachusetts, Nova Iorque, Rhode Island e
Wisconsin.
3) Companhias de distribuição. Nesse sistema as companhias de distribuição continuam a
operar os programas de benefícios públicos aprovados pelas comissões e podem cobrar
taxas diretamente de seus consumidores para cobrir os custos dos programas, devendo, no
entanto, se submeter à aprovação das comissões. Esse é o modelo adotado em Arizona.
Esse tipo de administração, no entanto, é visto como transitório e deverá ser abandonado
devido a conflitos de interesses potenciais das companhias.
4) Um sistema híbrido. Permite que companhias reguladas possam administrar fundos em suas
áreas de interesse e ao mesmo tempo selecionar administradores para cuidar de fundos e
programas para todo o estado. Esse é o caso do Estado de Nova Iorque.
Incentivos fiscais têm sido um importante instrumento do governo federal para
estimular a disseminação de tecnologia eficientes nos EUA. A Tabela 16 mostra os valores
referentes à renúncia fiscal federal para o ano de 1999 relativos aos impostos incidentes sobre
equipamentos e atividades consideradas importantes para reduzir o consumo de energia e as
emissões de gases estufa.
Tabela 16: Renúncia Fiscal Federal para produtos eficientes e fontes renováveis 1999
Incentivos fiscais Perda de receita (em milhões dedólares)
Equipamentos eficientes para uso em edificações 230
Residências eficientes 60
Sistemas de coletores solares em telhados de edifícios 9
Eletricidade produzida por energia eólica ou biomassa 20
Co-geração industrial 64
Total 383
Fonte: Taylor, 1999.
88
Mecanismos regulatórios
O poder público através dos órgãos reguladores ou do poder legislativo pode introduzir
regras destinadas a garantir e promover os benefícios públicos do setor energético. A Tabela
17 apresenta uma listagem das principais medidas discutidas e algumas já aplicadas. Algumas
dessas medidas possuem a característica de serem capazes de criar condições para o
surgimento de um mercado para que certos benefícios público passem a ser disponibilizados. É
o caso, por exemplo, do controle de emissões de enxofre que fez surgir um mercado de
transações de certificados de emissões e uma efetiva redução de poluentes de maneira
economicamente eficiente.
89
Tabela 17: Mecanismos para incentivar benefícios públicos no contexto competitivo: Medidasregulatórias
Green electronwheeling
As comissões de regulação poderiam permitir que somente fontes renováveis façamparte do mercado de vendas diretas aos consumidores (retail wheeling).
Licitação defranquias
Regiões geográficas seriam organizadas em áreas de franquias e processos deleilão ou licitação seriam abertos para fornecedores de serviços de energia segundodeterminadas especificações.
Regulaçãobaseada nodesempenho
Especificações relacionadas a benefícios públicos decorrentes de programas deGLD ou fontes renováveis seriam requeridas das companhias.
Permissões ecertificações
Agências de proteção ambiental especificam padrões de emissões e autorizam ounão a instalação e operação de novas usinas elétricas.
Padrões deeficiênciaenergética
São estabelecidos padrões de eficiência energética mínimos para equipamentoselétricos e edificações.
Regulaçãoambiental
Agências governamentais regulam os níveis emissão de substâncias tóxicasconsiderando efeitos para a saúde pública e ecossistema.
Especificação deum portfolio depadrões deprodução
O governo pode estabelecer determinados níveis para que uma companhia forneçauma percentagem especificada de sua produção a partir de energia renovável ouque invista uma percentagem de suas vendas em medidas de GLD, por exemplo.
Criação demercados
Governos podem criar mercados: por exemplo a criação de um mercado paratransacionar emissões de SO2.
Limites deemissões
Governos podem limitar emissões de poluentes. Essas emissões poderiam sertransacionadas dentro de certas regras.
Fonte: baseado em Tonn, Hirst & Bauer, 1995.
Ações diretas do governo
Existem algumas medidas que podem ser tomadas diretamente pelo poder público
tirando partido de sua importância como setor expressivo de demanda de serviços de energia.
Por exemplo, ele pode se utilizar de mecanismos licitatórios e encomendar a compra de
serviços e equipamentos com determinadas especificações de eficiência energética. Ele pode
atuar na divulgação de informações referente a usos de energia e tecnologias renováveis. A
Tabela 18 apresenta as várias maneiras do poder público ser também um agente direto no
fornecimento de benefícios públicos no contexto competitivo.
90
A criação de legislação para garantir o contínuo desenvolvimento de equipamentos que
devem apresentar índices mínimos de eficiência energética e outra importante área de atuação
do setor público.
Tabela 18: Possíveis ações do governo para implementação de benefícios públicos no contextocompetitivo: Mecanismos para implementação de programas
Trust funds(Fundos)
Representam uma combinação de fundos do governo e fundos coletados através detaxas diretas para fomentar programas de "bens públicos"
Programas decompras
Governo podem realizar encomendas específicas de serviços e equipamentos deenergia garantindo a criação de escala de produção e mercado.
Programas deinformação
Governo faz divulgação de tecnologias eficientes e apropriadas para melhorproteção ambiental.
OrganizaçõesNãoGovernamentais
Podem ser financiadas pelo governo e podem promover eficiência energética,programas para população de baixa renda e fontes renováveis.
P&Dadministradapelo governo
Pesquisa de longo prazo administrada pelo governo dos EUA através doDepartamento de Energia - DOE
Estabelecimentode normastécnicas
Laboratórios governamentais propões normas técnicas para equipamentos eedificações com especificações que levam a redução de consumo de energia.Periodicamente essas normas são revistas e induzem o desenvolvimento ecomercialização de tecnologias mais eficientes.
PlanejamentoIntegrado deRecursos a nívelEstadual
Comissões de energia ou órgãos de planejamento desenvolvem PIR
Programas paraBaixa Renda
O governo pode assumir a administração desses programas através de seus 'órgãosde assistência social.
Fonte: baseado em Tonn, Hirst & Bauer, 1995.
91
CAPÍTULO 8: EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E OUTROS BENS PÚBLICOS NO
BRASIL
Limitações da regulação sem uma política de bens públicos
Introdução
Diferentemente dos EUA, o processo de reformas no Brasil se iniciou sem um claro
referencial regulatório e se baseou em um primeiro momento na privatização das companhias
de distribuição. Seus reflexos foram enormes para o planejamento do setor elétrico e para o
estabelecimento de uma política de bens públicos. Ao mesmo tempo que a tradição de
planejamento centralizado foi sendo abandonada foi introduzida a idéia de que o setor público
deve realizar apenas um planejamento indicativo e deixar que os agentes privados a decisão
de determinar os investimentos em expansão dos serviços de energia. Até meados da década
de 90 a ELETROBRÁS era a encarregada de planejar, financiar, construir e operar todo o
sistema elétrico em cooperação com as demais empresas de eletricidade do país. Diversos
programas de utilidade pública como eletrificação rural, eletrificação de favelas, tarifas
subsidiadas para consumidores de baixa renda, entre outros era assumidos pela
ELETROBRÁS e demais companhias estaduais. No campo da eficiência energética, em
particular, o país mantinha desde 1985 um programa de âmbito nacional, PROCEL, que vinha
acumulando experiência na coordenação, implantação e avaliação de uma série de ações
nessa área. A partir de 1998 os trabalhos do PROCEL sofreram discontinuidade sem que
fosse definido seu novo papel. O mesmo acontece com as atividades de P&D tradicionalmente
realizadas no CEPEL, principal centro de pesquisas financiado e gerenciado pelo setor elétrico,
e exigem novas definições frente ao novo contexto de P&D no ambiente competitivo.
Embora o processo de reformas não tenha explicitado uma política para provisão de
bens públicos durante a transição para um ambiente de gerenciamento privado do setor e de
maior competição, no âmbito da regulação algumas medidas importantes foram introduzidas
para garantir investimentos em eficiência energética e P&D, como será visto neste capítulo.
Desde 1998 as empresas privatizadas têm a obrigação de investir 1% de sua receita anual em
programas de eficiência energética e pesquisa e desenvolvimento.
92
A obrigatoriedade desse tipo de investimento em um mercado crescentemente
competitivo é uma novidade. A considerável experiência dos EUA com a regulação de
iniciativas de interesse público nos últimos 20 anos não foi feita em um contexto onde
empresas competem entre si. Mas até que ponto o mecanismo concebido é capaz de corrigir e
complementar a atuação do mercado? Esse é o objetivo deste capítulo.
Bens públicos e as reformas setoriais no Brasil
A preocupação com aspectos de interesse público da indústria de eletricidade estão
presentes na Lei 8987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação
de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal. O artigo 29, inciso X da
referida lei estabelece ao Poder Concedente a obrigatoriedade de “estimular o aumento da
qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente e conservação”. Existe, portanto, o
reconhecimento de que essa indústria deve manter características de interesse público mesmo
sob gerenciamento privado
Esse dispositivo possibilitou que a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL,
criasse a Resolução 242/98 estabelecendo a obrigatoriedade da aplicação de 1% da receita
operacional líquida das empresas privatizadas em programas de conservação de energia e
pesquisa e desenvolvimento. Anualmente, a ANEEL publica uma Resolução e um Manual que
regulamenta a aplicação dos recursos regulados (1% da receita operacional líquida das
empresas) conforme previsto nos contratos de concessão. Assim, para o ciclo 1998/1999 foi
publicada a Resolução 242/98 e para o ciclo 1999/2000, foi publicada a Resolução 261/99, que
introduziu alguns ajustes relacionados a prioridades e limites de investimentos segundo tipos
de programas.
Durante 1995-98, antes portanto da resolução da ANEEL, algumas iniciativas para
garantir investimentos em preservação ambiental, eficiência energética e P&D foram colocadas
como cláusulas em contratos de concessão. Em muitos casos, essas cláusulas eram muito
genéricas e de difícil verificação, e na verdade não havia interesse do próprio setor público em
torná-las mais específicas uma vez que se temia com isso a desvalorização das empresas a
serem privatizadas.
93
Características da regulação para Eficiência Energética e P&D
A Tabela 19 apresenta os principais requisitos da regulação da ANEEL que rege a
aplicação dos fundos regulados para eficiência energética e P&D: um mínimo de 0,25% da
receita operacional líquida deve ser investida em programas de melhoria de eficiência do uso
final e 0,1% em programas de pesquisa e desenvolvimento, sendo o restante em programas de
melhoria de eficiência do lado da oferta.
Tabela 19: Alocação dos recursos regulados em programas de eficiência energética (lado da oferta edemanda) e pesquisa e desenvolvimento (Resolução ANEEL 261/99)
% da receita anuallíquida
Tipos de programas Limites sugeridos e prioridades estabelecidas
(a) >1.00% Eficiência de usofinal, pesquisa edesenvolvimento eeficiência do ladoda oferta
>0.25% Eficiência do uso final (lado da demanda)
>0.1% Pesquisa e desenvolvimento
Eficiência do lado da oferta (sem limites)
(b) >0.25% Eficiência do usofinal (lado dademanda)
Até o máximo de 0.125% a ser investido em iluminação pública emarketing
Mínimo de 0.025% a ser investido no setor industrial
Mínimo de 0.025% a ser investido no setor residencial
Mínimo de 0.025% a ser investido no setor público
(c) >0.1% Pesquisa edesenvolvimento
Áreas sugeridas: planejamento energético, fontes alternativas,melhoria da qualidade do serviço, co-geração
(d) (a)-(b)-(c) Eficiência do ladoda oferta
Melhoria do fator de carga (mínimo de 30% a ser investido nasregiões S, SE e CO, mínimo de 10% nas regiões N e NE).
Perdas de energia (técnicas e comerciais)
Nota: Níveis mínimos em relação à receita operacional líquida segundo a Resolução ANEEL 261/1999; (*) companhias degeração que não possuem distribuição devem aplicar um mínimo de 0.25% em P&D. Fonte: ANEEL 1999.
A presente sistemática de aplicação desse regulamento confere às empresas de
energia a tarefa de elaborar, submeter seus projetos para aprovação da ANEEL e finalmente
implementá-los sob a fiscalização da ANEEL. Em lugar de coletar os recursos e gerenciar um
fundo a ANEEL entendeu que as concessionárias seriam quem melhor realizariam a alocação
de recursos uma vez que são os maiores conhecedores do mercado e do comportamento dos
consumidores. Havia também a preocupação de que o gerenciamento pudesse ser
monopolizado politicamente por alguma entidade existente com o prejuízo para a implantação
94
de programas de maior abrangência e eficácia. As Agências Estaduais de Regulação e o
PROCEL em convênio com a ANEEL tem o papel, no momento, de oferecer suporte técnico
para realizar uma avaliação dos projetos submetidos. ANEEL é responsável pela definição de
regras e aprovação de programas anuais das concessionárias e também por sua fiscalização.
Esse modelo, aliado com a ausência de uma política pública para eficiência energética
e P&D, vai se revelar limitado e redundante, conforme apontaremos mais adiante.
As reformas do setor energético e o novo arranjo institucional
As reformas introduziram importantes modificações no aparelho público de formulação
de políticas para o setor energético brasileiro. A organização do setor energético atual
estabeleceu a criação do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, como sendo o
mais importante órgão do setor, responsável pela determinação de políticas capazes de
formatar o futuro desenvolvimento do setor e seu relacionamento com o mercado. O Conselho
é um órgão vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Minas e Energia
– MME, sendo constituído majoritariamemte por Ministros de Estado e conta também com a
participação de membros da sociedade civil (v. Quadro 3). Sua secretaria executiva é a própria
Secretaria de Energia (SEN) do MME. Dentre as principais funções do CNPE está a de propor
políticas públicas de energia que servirão de guia indicativo ao investidor privado e fornece
orientação aos órgão reguladores (ANP e ANEEL). O CNPE tem um caráter deliberativo com
responsabilidade executiva sobre a definição de diretrizes para importação e exportação de
petróleo, gás natural e derivados e assegurar o adequado suprimento de combustíveis no país.
O CNPE tem o suporte dos Comitês técnicos onde a indústria encaminha propostas para a
decisão do governo.
Embora a lei de criação do CNPE tenha sido sancionada pelo presidente da república
em 1997, ainda não houve nenhuma reunião e nem nomeação de seus integrantes22, ou seja,
ainda não se tornou operacional. Em junho de 2000 novo decreto presidencial define a
estrutura e o funcionamento do CNPE.
22 Até junho/2000.
95
O Quadro 3 apresenta os principais atores públicos e seu respectivo papel definidos
com a reformas do setor.
Presidente da República: decide em última instância sobre matéria de política energética, nomeia osmembros do CNPE e defina sua operação.
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE): tem a responsabilidade geral de assegurarsuprimento adequado de energia ao país, promover o uso racional de energia, revisar periodicamentea matriz energética nacional. Promover políticas para proteger os interesses do consumidor, atrairinvestimentos para a produção de energia, promover a livre concorrência, ampliar a competitividadedo país no mercado internacional. Promover programas específicos para gás natural, álcool, energianuclear, e outros. Garantir sistema adequado de financiamento das reservas estratégicas decombustíveis do país.
Ministro de Minas e Energia (MME): preside o CNPE, é o interlocutor das políticas energética com opresidente da República e nomeia os membros dos comitês técnicos.
Secretaria Executiva do CNPE (é a Secretaria de Energia – SEN do MME): Organiza as pautas,monitora a implantação das diretrizes definidas pelo CNPE e coordena os trabalhos dos ComitêsTécnicos.
Demais membros do CNPE: deliberam sobre política energética e sobre a criação de comitês técnicosno plenário do CNPE. Fazem parte do CNPE: Ministro de Ciência e Tecnologia, Ministro do MeioAmbiente, Ministro do Orçamento, Planejamento e Gestão, Ministro da Fazenda, Ministro doDesenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, um representante dos Estados e Distrito Federal,Ministro Chefe da Casa Civil, um representante da Universidade e um cidadão brasileiro ambosespecialistas em matéria de energia.
Apoio técnico ao CNPE: ANP e ANEEL são responsáveis para oferecer apoio técnico ao CNPE.
Comitês Técnicos: constituem o plenário de análise técnica das principais questões do setor. Sãocriados conforme a necessidade e possuem caráter temporário. São através deles que os demaisagentes sociais (concessionárias, indústrias) interessados nas questões interagem com o CNPE.
Quadro 3: Os principais atores públicos do setor energético após a reforma setorial
Fontes: Lei no 9.478 (06/08/1997) e Decreto no 3.520 (21/06/2000).
Mudanças do papel do setor público
Na medida em que as reformas avançam percebe-se que o governo está deixando de
ser o principal protagonista para implementar medidas de eficiência energética (anteriormente
capitaneadas pelo PROCEL, ELETROBRÁS e concessionárias estaduais), assumindo um
papel de atuação indireta, responsável pela criação de um contexto de políticas favorável para
que agentes privados tomem decisões e invistam nessa área. Esse movimento deverá ser
acompanhado simultaneamente por mudanças na forma de financiamento das ações de
eficiência energética em particular e para os demais bens públicos em geral. Em outras
palavras, a tendência deverá ser cada vez depender menos de recursos públicos (recolhidos
96
através de impostos) e financiar essas ações com recursos recolhidos diretamente dos próprios
consumidores de energia. A criação das resoluções 241/98 e 261/99 e as indefinições sobre o
futuro do PROCEL ilustram claramente essa tendência.
É importante observar, no entanto, que no caso de investimentos em eficiência
energética e P&D de interesse público, entendemos que o setor público deverá manter uma
papel importante de atuação direta, conforme explicaremos a seguir. A Figura 6 representa o
potencial econômico para investimentos em medidas de eficiência energética, que pode ser
determinado através de técnicas do PIR e servem para identificar segmentos desse “mercado
potencial” segundo as perspectivas de atratividade econômica dos diversos agentes:
concessionárias, consumidores, fabricantes de equipamentos, etc.
A competitividade do mercado de energia deve estimular que concessionárias
identifiquem oportunidades para reduzir seus custos através de investimentos em eficiência,
realizar gestão de carga (GLD), realizar programas e outros serviços junto a determinados
consumidores para mantê-los como clientes, etc. Dependendo dos preços de energia, o próprio
consumidor pode perceber vantagens em realizar investimentos em eficiência energética.
Fabricantes de equipamentos podem perceber oportunidades para lançar novas tecnologias
mais eficientes. Ou seja, é possível constatar que a exploração de uma razoável parcela do
potencial de eficiência energética pode ser realizado através de mecanismos do próprio
mercado.
No entanto, sabemos que diversas oportunidades, especialmente aquelas que
envolvem maiores riscos, maior tempo de maturação, maiores custos de transação e maior
coordenação entre diferentes agentes, não serão adequadamente resolvidas por mecanismos
usuais de mercado. É sabido por exemplo, que o mercado de eficiência energética necessita
de informação adequada sobre preços de energia, desempenho de tecnologias, etc. para que
seus agentes possam tomar decisões e funcione adequadamente. São estas áreas que devem
ser objeto de atenção e atuação direta do setor público.
O novo contexto que o próprio setor público almeja com maior participação de decisões
do mercado competitivo, impõe novos e maiores esforços para a identificação e definição de
bens públicos, ou seja aqueles bens que o mercado não será capaz de prover. O setor público
97
deve dedicar particular atenção para a determinação do potencial de eficiência energética que
a sociedade considera e sua segmentação conforme apresentado na Figura 6. É possível
conceber um conjunto de políticas que podem incentivar que agentes privados se sintam
estimulados a capturar parte desse potencial através de mecanismos do próprio mercado. Essa
Figura ilustra o destino ideal dos fundos recolhidos dos consumidores de energia através de
regulação para financiar as atividades diretas do setor público, e cada vez menos deverá haver
a utilização de outros fundos como tem sido até recentemente.
Ao contrário do que se observou nos EUA, a pouca discussão ocorrida no Brasil sobre
os objetivos dos programas implementados pelas concessionárias, e o vácuo existente com a
falta de definições do CNPE, não criaram diretrizes para aplicações de investimentos em
eficiência energética e P&D que possam ser caracterizados como bens públicos. Isso ficará
mais claro com a análise dos resultados obtidos durante o ciclo 1998-99 com a Resolução da
ANEEL apresentada a seguir.
Figura 6: Segmentação do potencial de eficiência energética entre os diversos agentes
Concessionárias de EnergiaAções de interesse próprio da empresa:- redução de custo- aumento de competitividade- DSM, tarifas
Investimentos do consumidor
Mercado Privado, ESE, ONGs,empresas de equipamentos.
Principal agente: setor público.Ações: Transformação demercado, Normas técnicas, P&Dde interesse público
Recursoscoletados dos
consumidores deenergia
Potencial de Eficiência Energética
+
+
RGR, PROCEL,Eletrobrás, etc
Financiamento deBens Públicos
98
Investimentos em Programas Regulados durante 1998-99
Eficiência Energética
Durante o ciclo 1998-99 um total de US$ 113 milhões (R$ 196 milhões) foram
investidos em programas de eficiência energética, cerca de 16% a mais que o mínimo
requerido pela regulação. Desse total, 68% foram investidos em programas de eficiência do
lado da oferta e 32% em programas de eficiência energética do lado da demanda23. É
importante observar que a definição de programas considerados como de melhoria de
eficiência do lado da oferta é bastante amplo e inclui: a) melhorias no sistema de distribuição
de energia (reforços e novas instalações) visando redução de perdas técnicas; b) regularização
de consumidores (instalação de medidores)24 reduzindo perdas comerciais; c) projetos de
redução perdas reativas no sistema de distribuição e d) melhoria na operação de circuitos
secundários. O total investido exclusivamente em projetos destinados a reduzir perdas técnicas
e comerciais representaram 0.54% do total da receita operacional líquida das concessionárias
reguladas nesse período.
Do lado da demanda é possível verificar que as concessionárias cumpriram os
requisitos mínimos exigidos pela regulação e, de fato, investiram além do exigido em alguns
setores. Esse foi o caso de programas de iluminação pública, programas para o setor industrial
e residencial. No entanto uma análise mais detalhada dos programas de uso final revela
algumas distorções. Algumas concessionárias concentraram seus investimentos em iluminação
pública, por exemplo, porque houve oportunidades de compartilhar esses investimentos com as
prefeituras locais e ganhos financeiros para as concessionárias. Algumas concessionárias
investiram em projetos de melhorias em suas próprias instalações creditando essas iniciativas
como projetos de melhorias em prédios do setor comercial, quando que na verdade, esses
projetos deveriam ser considerados pelo menos como projetos de melhoria de eficiência do
23 O relatório da ANEEL classifica programas de melhoria do fator de carga como programas de
eficiência do lado da demanda, preferimos considerar aqui os programas do lado da demandaapenas aqueles investimentos realizados junto ao consumidor final, ou seja programas deeficiência de uso final de energia. No ciclo 1998-99 os programas de melhoria do fator de cargadas concessionárias reguladas representou 17% do total de investimentos regulados emeficiência energética. O Manual elaborado para o ciclo 1999-2000 já é consistente com nossoenfoque.
24 Desde 1999 ANEEL exige que um esforço adicional seja realizado pelas concessionárias queimplementam esse tipo de projetos. São requisitados programas especiais de informação eoutros com o objetivo de reduzir o consumo desses consumidores.
99
lado da oferta, pois desse modo teriam maior disponibilidade de energia para vender a seus
consumidores25. Em algumas concessionárias os investimentos em projetos de melhoria do
consumo de energia em seus prédios foi equivalente ao total gasto em programas de eficiência
para o setor residencial.
Esses exemplos ilustram a clara tendência das concessionárias priorizarem seus
investimentos com os fundos regulados em projetos que lhes tragam benefícios, o que é
natural e esperado. No entanto, o presente mecanismo e não garante que esses benefícios
sejam transferidos para o consumidor e se mostra redundante, uma vez que grande parte dos
projetos estariam sendo feitos mesmo sem a existência da regulação. Na verdade, a grande
maioria dos projetos são difíceis de serem justificados como “bens públicos” e que exigiriam um
esforço ou necessidade de regulação, pois são projetos que concessionárias competitivas,
interessadas em reduzir seus custos e aumentar sua disponibilidade de energia para vender
deveriam estar fazendo de qualquer maneira.
25 Isso já foi corrigido para os programas apresentado no ciclo 1999-2000.
100
Tabela 20: Alocação de investimentos em Projetos de Eficiência Energética – Projetos regulados ciclo1998-99
Tipos de projetos
Iluminação Pública 50%
Industrial 12%
Marketing 10%
Residencial 10%
Prédios Públicos 8%
Outros 10%
Projetos de melhoriade eficiência do ladoda demanda (usofinal)
(32%)
Total 100%
Melhorias no sistema de distribuição (reformas, ampliação e novossistemas)
27%
Instalação de medidores, regularização de consumidores, redução deperdas comerciais e técnicas
26,6%
Compensação reativa 9%
Melhoria em transformadores e circuitos secundários 7,9%
Outros 4,5%
Projetos de melhoriade eficiência do ladoda oferta
(68%)
Melhoria do fator de carga 25%
Total 100%
TOTAL US$ 112.7 milhões
Fonte: ANEEL (1999d).
Outro grande desafio para a ANEEL é realizar uma avaliação dos programas
implementados pelas concessionárias. O procedimento presentemente estabelecido baseia-se
em um mecanismo de controle de despesas das concessionárias. Não existe uma avaliação
com relação ao desempenho dos projetos, ou seja metas de energia conservada, custos por
unidade de energia conservada e capacidade evitada. Para isso seriam necessários dados
referentes ao mercado das próprias concessionárias, estabelecimento de referências ou “bench
marks” para se proceder a essa avaliação. Trata-se de um tipo de avaliação de caráter
bastante técnico e especializado que exigirá a confecção de protocolos de avaliação e
monitoramento juntamente com as proposições dos programas.
101
Quanto aos benefícios econômicos que as próprias concessionárias poderão estar
auferindo com a aplicação dos recursos regulados, também existem dificuldades para sua
avaliação no momento. Idealmente espera-se que recursos regulados por uma agencia pública
tenham claro o seu objetivo final de beneficiar a sociedade e, portanto, em última análise esses
benefícios deveriam ser revertidos em tarifas menores para os consumidores.
Pesquisa e desenvolvimento
Nesta seção procura-se apresentar os principais elementos que são encontrados no
Manual de orientação para elaboração de projetos da ANEEL, com o propósito de caracterizar
a presente estratégia e tendência de investimentos em P&D. É feita também uma breve análise
dos projetos aprovados em 1998/99 com o objetivo de verificar a participação das áreas de
Eficiência energética do lado do Uso final e do lado da oferta.
O Manual da ANEEL distingue três categorias para as atividades de P&D:
1. Pesquisa Básica Dirigida: trabalho teórico ou experimental executado com o
objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos,
com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores.
Envolve a análise de propriedades, estruturas e conexões para formular e
comprovar hipóteses, teorias e leis. Em geral são projetos desenvolvidos no âmbito
acadêmico e em institutos de pesquisas. São exemplos típicos os
desenvolvimentos nas áreas de materiais, tais como supercondutores, novos
materiais isolantes, ferromagnéticos, etc.
2. Pesquisa Aplicada: trabalho executado com objetivo de adquirir novos
conhecimentos , com vistas ao desenvolvimento ou aprimoramento de produtos,
processos e sistemas. Determina possíveis usos para as descobertas de Pesquisa
Básica Dirigida ou novos métodos e maneiras de alcançar um objetivo específico.
O resultado da Pesquisa Aplicada geralmente propicia à empresa de energia
elétrica a possibilidade de registro de patente junto ao INPI.
3. Desenvolvimento Experimental: trabalho sistemático delineado a partir do
conhecimento existente, visando a comprovação ou demonstração da viabilidade
102
técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas e serviços ou ainda,
um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos.
Além disso, o Manual destaca cinco áreas de P&D para classificação dos projetos das
empresas:
1. Eficiência Energética: desenvolvimento de tecnologias e métodos para reduzir o
consumo de energéticos para a geração de eletricidade (melhoria de eficiência do
lado da oferta) e equipamentos de uso final (lado da demanda, ou uso final).
Incluem também o desenvolvimento de tecnologias para avaliar a melhoria de
eficiência das tecnologias de uso final.
2. Energia Renovável: captação e conversão das fontes renováveis (solar, eólica,
biomassa, PCHs) para gerar eletricidade e melhoria do desempenho técnico e
econômico dos sistemas de energia renovável.
3. Geração de Energia Elétrica: são projetos direcionados a obter melhorias de
eficiência energética e/ou desempenho ambiental de tecnologias de geração,
reduzindo os custos de produção.
4. Meio Ambiente: projetos destinados a melhorar o entendimento dos impactos
ambientais provocados pela exploração de energia elétrica e as medidas
mitigadoras dos mesmos.
5. Pesquisa Estratégica: melhorar a capacidade competitiva das empresas. Novos
negócios para as empresas adequação de produtos e serviços a diferentes
padrões de mercado e regulações para melhorar a posição competitiva das
empresas.
O Manual deixa claro as preocupações em se definir quais são os resultados
desejáveis de projetos de pesquisa e necessidade de equipes com formação acadêmica
adequada. Existe a preocupação por parte da ANEEL de analisar os projetos de acordo
também com diretrizes de P&D do setor elétrico, avaliar seus riscos e benefícios, mas não se
103
distingue aquelas áreas que são de interesse público daquelas que possuem caráter comercial
e que não necessitam de regulação.
Uma avaliação dos projetos apresentados no ano de 1998 mostra que o total de
recursos que foram aplicados pelas empresas no ciclo 1998-99 foi de US $ 6,9 milhões (R$
12.026.567,00)26. Cerca de aproximadamente 92% desse montante foi destinado a pesquisas
consideradas do tipo estratégicas, 3% na área de Meio Ambiente e 5% em projetos de P&D na
área de Eficiência Energética. Cerca de 16% desses recursos estão sendo gastos nas próprias
empresas, com gastos de pessoal envolvido nos projetos. É notória a concentração de
investimentos em projetos de interesse próprio das concessionárias (“projetos estratégicos”). A
maioria dos projetos são de curto prazo e destinados a melhorar a eficiência do lado da oferta
(ANEEL, 1999c). Não se observou nenhum projeto para fontes renováveis de energia (Tabela
21).
Tabela 21: Investimentos em P&D durante 1998/99: indicadores
Total de investimentos: 6,9 milhões de dolares
Estrutura dos investimentos:
♦ 24% do total foram gastos em salários de funcionários das próprias concessionárias envolvidos emprojetos de P&D
♦ 76% foi usado para contratar serviços de universidades e centros de pesquisa (17% foram gastos comcontratos com CEPEL)
♦ Despesas com projetos de uso eficiente do lado da demanda: 0.6% do total
♦ Despesas com projetos de P&D com objetivos ambientais: 3%
♦ Despesas com pesquisas de caráter comercial: 92%
Fonte: a partir de dados da ANEEL
Os projetos na área de eficiência energética que puderam ser identificados estão
apresentados na Tabela 22. Não é de se surpreender que a maioria dos projetos propostos
pelas empresas tenham a classificação de pesquisas estratégicas, e que todos os projetos de
26 Em 1999, somente a Comissão de Energia da Califórnia aprovou projetos num montante de
US$ 34 milhões em seu Programa de Pesquisa de Interesse Público (Public Interest Energy
104
eficiência energética (com exceção dos dois de menor porte, v. Tabela 22) visassem a melhoria
de eficiência do lado da oferta, diminuindo as perdas técnicas das empresas.
Tabela 22: Investimentos em projetos de P&D na área de Eficiência Energética aprovados pelaANEEL ciclo 1998/99
Empresa Recursos investidos Título do projeto
EBE R$ 335.040,00 Metodologia para avaliação de perdas técnicas e comerciais
R$ 147.067,00 Metodologia para cálculos de perdas em alimentadores.
R$ 45.900,00 Avaliação de equipamentos Eletrorurais.
CEMIG
R$ 50.000,00 Implementação de novas funções de controle em bancos decapacitores, reduzindo perdas no sistema com correção deperdas de reativo de forma padronizada.
COELBA R$ 33.175,00 Medição online do rendimento de um motor de induçãotrifásico – bancada de ensaio.
Total de investimentos em projeto de P&D na área de EficiênciaEnergética
R$ 611.182,00 (5% do total)
Total de recursos destinados a P&D (ciclo 1998/99) R$ 12.026.567,00
A pergunta que cabe é: é papel do regulador orientar, avaliar e fiscalizar essas
atividades? Não existem outras áreas que requerem uma intervenção mais explícita do
regulador para serem promovidas, e que não serão contempladas através dos mecanismos
usuais do mercado competitivo?
Na verdade existe a necessidade de uma definição de objetivos de política energética e
o papel da eficiência energética e P&D nesse contexto. A partir daí é possível estabelecer
mecanismos de regulação e acompanhar sua avaliação. No próximo capítulo voltaremos a
essa questão procurando aplicar a maior experiência dos EUA na regulação das atividades das
companhias privadas de energia.
Research - PIER), ou seja cerca de 5 vezes mais que todo o Brasil (a capacidade instalada daCalifórnia é ligeiramente superior que a do Brasil) (CEC 1999).
105
O problema de consumidores de Baixa Renda
Muito embora a presente regulação não prevê nenhuma obrigação de investimentos
para atingir metas de universalização ou atendimento de consumidores de baixa renda esta é
outra área fortemente afetada pela introdução de maior competitividade e privatização dos
serviços de eletricidade.
Na medida em que as concessionárias foram privatizadas elas começaram a revisar a
classificação de seus consumidores considerados como baixa renda e sujeitos a tarifas
especiais. Como resultado de maior rigor na aplicação das regras herdadas desde 1995 do
antigo DNAEE que determinava os critérios para consumidores de baixa renda para cada
concessionária houve um acentuado declínio no número desse tipo de consumidor conforme é
apresentado na Tabela 23.
Se por um lado existe o interesse das concessionárias em diminuir o número de
consumidores que recebem uma tarifa mais baixa e subsidiada existe a realidade que esses
consumidores se vêem com contas maiores de energia, possuem pouca informação,
equipamentos obsoletos, baixa qualidade de suas instalações. Algumas dessas questões estão
sendo tratadas mais recentemente juntamente com os programas regulados de eficiência
energética quando concessionárias apresentam programas de instalação de medidores em
consumidores de baixa renda.
No entanto, dada as condições de renda do brasileiro e o fato de que ainda não existe
cobertura completa de serviços de eletricidade existe a necessidade de se pensar em uma política
para financiamento do acesso e manutenção desses consumidores à rede elétrica. A introdução de
competição impõe o problema de novo tipo de financiamento para substituir a atual prática de
subsídios cruzados.
106
Tabela 23: A participação de consumidores de baixa renda nas várias regiões do país (março 1999)
Região % em relação ao total de consumidoresresidenciais
Variação do número de consumidores deBaixa Renda
(Dez. 97/ Mar. 99)
Centro-oeste 11,80% -19,52%
Norte 31,93% -17,90%
Nordeste 19,58% -26,44%
Sul 6,61% -40,75%
Sudeste 42,34% -9,47%
Brasil 29,10% -14,47%
Fonte: ANEEL, 1999
Conclusões
Atualmente, conforme apresentado acima, são as próprias concessionárias que
administram seus recursos aplicados em projetos de P&D aprovados pela ANEEL. Dentro
desse modelo, cabe à ANEEL apenas fiscalizar os itens de desembolsos dos projetos.
Assim como se observou no caso da grande parte dos projetos de melhoria de
eficiência, os projetos de P&D aprovados possuem a característica de trazer benefícios
financeiros às próprias companhias, e não fica claro como estes poderão ser repassados aos
consumidores e sociedade em geral. Não se trata de impedir que concessionárias tenham
benefícios, mas devem haver objetivos outros que justifiquem a necessidade dos recursos
regulados pela ANEEL.
É importante perceber que existem conflitos naturais de interesses para promover um
programa de eficiência de energia que poderá significar perda de receitas para a
concessionária e é necessário entender os limites de eficácia de uma regulação que deixa para
a própria concessionária a implantação desses programas.
A avaliação dos programas financiados com os recursos regulados é complexa e vai
além de uma contabilidade de despesas efetuadas. Os programas devem ser eficazes para
promoverem economias de energias para os consumidores, reduzir suas contas de energia,
107
aumentar a confiabilidade do setor elétrico, auxiliar fontes menos poluentes a serem mais
competitivas, etc. É necessário que se estabeleçam objetivos e prioridades para programas de
eficiência e P&D juntamente com procedimentos de avaliação e monitoramento para melhor
utilização dos recursos regulados.
Caso modificações não sejam introduzidas no atual sistema de alocação e
gerenciamento de recursos, é possível apontar as seguintes conseqüências:
• Somente serão financiados projetos de P&D de curto prazo, de caráter comercial, não
havendo oportunidades para pesquisas de interesse público que permanecem sem definição
e sem financiamento.
• Projetos de P&D e eficiência energética do lado da demanda envolvem outros parceiros:
indústrias, consumidores. Existe uma dificuldade de realização de pesquisa e projetos
colaborativos, pois pode haver conflito de interesse entre as concessionárias e outros
parceiros. A competição entre concessionárias pode impedir sua colaboração para o
desenvolvimento de programas de maiores impactos e menores custos para a sociedade.
Projetos realizados em colaboração ajudam a diluir riscos entre os participantes, possibilitam
maior escala e recursos.
• Haverá um agravamento de disparidades regionais. As maiores e mais rentáveis companhias
estão localizadas nas regiões mais desenvolvidas, com maior renda per capita. Programas
de uso final deverão ser mais caros, mais difíceis de serem implementados em outras
regiões, onde inclusive poderão ter maiores benefícios sociais. Algumas regiões
(especialmente Norte e Nordeste) apresentam características menos investigadas e
problemas de fornecimento de energia que poder requerer maiores recursos que aqueles que
serão disponibilizados pelas concessionárias locais.
• Algumas das prioridades discriminadas nos manuais da ANEEL e a tendência observada
atestam que muitas ações seriam implementadas pelo próprio mercado e por companhias
que desejam manter vantagens competitivas, não havendo necessidade de uma intervenção
do órgão regulador para sua realização.
108
• A atual sistemática não fornece meios para que o órgão público avalie o desempenho dos
investimentos em programas de eficiência energética e dos programas de P&D. Apenas
pode-se fazer uma contabilidade de gastos nesses programas, sem se saber quantificar as
economias de energia obtidas. Não é possível quantificar a apropriação de benefícios
advindos com a aplicação dos recursos regulados pelas concessionárias e como repassá-las
aos consumidores através de tarifas mais baratas.
A experiência brasileira serve para ilustrar a necessidade de se explicitar uma política
para aplicação de recursos e que a criação de um mecanismo de coleta de recursos para
financiar bens públicos como eficiência energética e P&D não é suficiente para garantir a
satisfação de interesses públicos que o regime de mercado pode não prover.
109
CAPÍTULO 9: CONCLUSÕES
No plano internacional, a experiência tem mostrado que iniciativas de interesse público
nas áreas de eficiência energética, proteção ambiental e investimentos em pesquisas, por
exemplo, são minimizadas ou simplesmente ignoradas durante os estágios iniciais das
reformas. O desenvolvimento de um mercado competitivo captura toda a atenção da indústria
de eletricidade e freqüentemente dos órgãos encarregados das reformas. Como o ponto central
da competição baseia-se em preços de energia, mesmo atividades tradicionais ou em
andamento em áreas de eficiência energética, pesquisa e desenvolvimento, perdem sua
importância ou são desativadas se elas não apresentam vantagens para as companhias
privadas. Salvo, alguns casos onde existem oportunidades economicamente atraentes de
introdução de medidas de conservação e eficiência energética em grandes consumidores
comerciais e industriais, é que pode-se verificar uma continuidade de ação das ESCOs. Até
mesmo em países, como os EUA, onde já existia uma atividade considerável na área de
eficiência energética, fontes renováveis e pesquisa e desenvolvimento, o que ocorreu foi um re-
orientação de decisões e investimentos para fora do setor elétrico, antes regulado pelo setor
público, na direção do mercado consumidor, justamente onde o horizonte de tempo de
investimentos é menor quando comparado com o setor elétrico (ou governo), e apresenta altas
taxas de descontos.
Somente após 3 - 5 anos de reformas, alguns países com mercados mais sofisticados,
estão mostrando sinais de mais ativa participação do setor elétrico em matéria de eficiência
energética. É o caso da Nova Zelândia, onde as companhias de eletricidade estão formando
joint-ventures com fabricantes de equipamentos para introdução de modelos eficientes, na
busca de novas oportunidades de negócios (Hagler & Bailly, 1997). Na Inglaterra e Suécia
(Nilsson 1998) também existe a tendência das companhias de eletricidade iniciarem
investimentos em eficiência energética com o objetivo de diferenciar seus produtos no
mercado.
110
A queda em investimentos em P&D na área energética é extremamente preocupante
por dois motivos principais: é crescente a evidência de que os impactos ambientais das fontes
e tecnologias de combustão de energéticos são grandes e crescentes, e que novas alternativas
necessitam ser investigadas para poder atingir metas mesmo modestas estabelecidas pelo
Protocolo de Quioto. Outro fato é que são necessários mais esforços de P&D para que
tecnologias de uso eficiente de energia e fontes renováveis venham a se tornar mais atraentes
frente às alternativas convencionais que deverão ter preços menores, como resultado de maior
competição.
Bens públicos nos EUA
Os EUA tem sido uma exceção dentre vários países que introduziram reformas no
setor energético no que se refere ao acesso a bens públicos durante o período de transição
para um ambiente de menor regulação e maior competição econômica. O debate e as
iniciativas para adaptação das reformas variam muito de estado para estado, no entanto, é
possível notar essa preocupação quando se constatou, por exemplo, a incapacidade do
mercado em manter os programas de eficiência energética e de pesquisa e desenvolvimento.
Em vários estados houve atenção e cuidado desde o início do processo para que informações
fossem levadas ao público e fossem promovidos amplos debates sobre os fundamentos e
implicações da reestruturação. A boa qualidade da intervenção pública foi grande responsável
pela introdução de mecanismos para criar e financiar os programas de bens públicos.
O caracter público da indústria de eletricidade era mais facilmente garantido nos EUA,
quando ela era um monopólio regulado, mas é possível constatar que as reformas consideram
que o governo deve determinar os limites de ações que favorecem uma agressiva competição,
sem comprometer o interesse da comunidade. A polêmica parece residir na extensão e forma
de sua intervenção no mercado de energia.
É importante reconhecer que se hoje existe um mercado para determinadas
tecnologias eficientes, fontes renováveis e maior nível de informação dos consumidores nos
EUA, isso se deve também aos vários anos de forte regulação pública.
111
Além da tradição em implementar grandes programas de eficiência energética e uso de
fontes renováveis, o fato dos EUA já terem tido a experiência de realizar reformas nos setores
de telecomunicações e transportes auxiliou a formulação de políticas públicas para preservar
os aspectos de interesse para a sociedade.
Houve a preocupação em se definir quais são os bens públicos que devem ser
mantidos e até que ponto o próprio mercado competitivo poderia estimular ou comprometer o
acesso a esses bens. Percebe-se que ainda existem dificuldades para se estabelecer os limites
da intervenção do setor público, principalmente quando se trata da coleta e gerenciamento de
recursos financeiros27.
O caso da Califórnia é bastante ilustrativo no que se refere aos seguintes pontos:
a) intensa participação da sociedade através de suas organizações civis;
b) preocupação na definição dos "bens públicos" cuja manutenção era importante para os
cidadãos do estado e que estariam comprometidos com a maior competição entre as
empresas de energia;
c) definição de mecanismos transitórios para arrecadação de recursos para financiar a
continuidade de programas de "bens públicos";
d) definição de responsabilidades para o gerenciamento e definição de prioridades para os
programas.
O exemplo dos EUA mostra que é necessário garantir que investimentos continuem
fluindo para que iniciativas de eficiência energética, fontes renováveis, programas de pesquisa
e desenvolvimento, medidas de proteção ambiental e programas para população de baixa
renda. E que para isso ocorra é relevante a participação do governo através de suas agências
de regulação e a constante vigilância dos diversos grupos de interesses de consumidores,
27 É ilustrativo reproduzir aqui a posição do Cato Institute durante debate no 1996 ACEEE
Summer Study on Energy Efficiency in Buildings, Asilomar, Califórnia: ‘As decisões sobreinvestimentos em P&D devem ser feitas pela iniciativa privada, pois se existem oportunidadesde investir em idéias que gerem lucro, as empresas privadas o farão. O papel do governo é tãosomente o de facilitar o crescimento econômico. Eficiência energética não é tão importantequanto eficiência econômica’. Cato Institute é uma organização não-governamental quepromove estudos e análises sobre políticas públicas defendendo menor intervençãogovernamental e maior liberalismo econômico (http://www.cato.org).
112
fabricantes de equipamentos eficientes, companhias relacionadas com fontes renováveis,
organizações ambientalistas, acadêmicos e pesquisadores, etc.
Bens Públicos no Brasil
As motivações e o processo de reformas introduzidas no Brasil são bem diferentes
daquelas observadas para os EUA. Ao mesmo tempo em que se privatizam as companhias de
energia estamos definindo os novos papeis para o setor público e nos capacitando para criar
regras para promover a competição e controlar um setor importante da infra-estrutura do país.
Nos primeiros momentos das reformas o que se observou foi uma orientação dos
órgãos ligados ao setor público de se afastarem das ações de eficiência energética e P&D e
deixar para que o próprio setor realizasse esses investimentos.
Um dos elementos chaves dessa estratégia foi a criação de uma resolução da ANEEL
obrigando que as companhias privatizadas alocassem 1% de suas receitas para investimentos
em medidas e programas de eficiência energética e P&D. Trata-se de um mecanismo bastante
explícito de fomento que foi colocado em prática em curto tempo e exigiu grande mobilização
do órgão regulador e das companhias para colocá-lo em operação. Ã luz da experiência dos
EUA, notamos duas diferenças relevantes: em primeiro lugar não houve aqui uma definição de
como esses investimentos deveriam ser conduzidos para atingir benefícios públicos que o
mercado não seria capaz de prover. Outro fator é a relativa pouca experiência no país
(comparada com os 20 anos de regulação em eficiência energética nos EUA e a experiência
com as reformas nos setores de transportes e telecomunicações) em criar regras e incentivos
para as companhias de eletricidade investirem em eficiência energética.
A falta de uma política nacional para o setor energético definida pelo CNPE é
largamente responsável pela omissão ou incompleta formulação de orientação para que a
ANEEL possa criar regulações eficazes. A criação da Resolução do 1% é uma iniciativa
progressista, mas por si só não garante nada. A formulação de programas de eficiência e P&D
pelas próprias concessionárias limita a abrangência das oportunidades que trazem maiores
benefícios sociais.
113
É verdade que a atual regulação da ANEEL e as recentes iniciativas do governo para
criar recursos para eficiência e P&D são importantes, mas se não houver uma clara definição
de como aplicar esses recursos os resultados poderão ser modestos ou distorcidos como se
tem verificado até agora.
Esses recursos criados através de regulações devem ter como objetivo principal
financiar bens públicos. Deve haver maior preocupação em se verificar se os programas
implementados pelas concessionárias possuem desejado impactos sociais e econômicos nas
várias regiões do país. Ao mesmo tempo deve-se minimizar a utilização desses recursos em
atividades que são particularmente do interesse de companhias competitivas e que deveriam
estar sendo realizadas mesmo na ausência de regulação.
Faltam estudos de referência que avaliem as necessidades e potenciais para
investimentos em eficiência energética e P&D necessários para o desenvolvimento do país.
Falta maior definição sobre quais são as pesquisas de interesse público que um setor
privatizado não terá interesse em desenvolver.
É necessário entender também limitação do interesse das concessionárias brasileiras
em promover programas de eficiência energética, uma vez que para elas esses programas
podem representar perda de receitas. Aqui é relevante aproveitar a experiência dos EUA em
promover uma regulação por incentivos, conforme foi apresentado no capítulo 3.
No caso dos recursos do 1% a Figura 7 ilustra a presente alocação dos recursos e
como deverá ser o seu futuro emprego.
114
Figura 7: Investimentos regulados para programas de eficiência energética e P&D de interessepúblico
A criação de um mercado competitivo implica em uma redefinição de papéis para o
poder público que agora deve se preocupar na definição de áreas de interesse publico onde é
necessária sua atuação direta e áreas onde deve adequar instrumentos para estimular que os
agentes do mercado convergiam para ações consideradas ótimas. As agência públicas devem
criar um contexto de políticas favoráveis para investimentos de agentes privados em medidas
de eficiência energética, fontes renováveis, e outras removendo as “barreiras” de mercado e
atuar diretamente utilizando fundos recolhidos de consumidores para financiar ações diretas
em áreas identificadas como “falhas” desse mercado.
A experiência brasileira serve para ilustrar a necessidade de se explicitar uma política
para aplicação de recursos regulados e que a criação de um mecanismo para financiar bens
públicos como eficiência energética e P&D não é suficiente para garantir a satisfação de
interesses públicos que o regime de mercado pode não prover.
Regulação Hoje
Futura regulação
SOCIEDADECONCESSIONÁRIA
Programas deEficiência e P&D deinteresse para asconcessionárias
Programas deEficiência e P&Dde interesse
Áreas determinadas pelomercado e levam abenefícios financeiros
Áreas querequeremfinanciamento.“Falhas demercado”
115
ANEXO
O Protocolo de Quioto
O propósito desta seção é de fazer uma caracterização dos aspectos principais
relacionados ao Protocolo assinado em Quioto em dezembro de 1997. Ainda existem diversas
pendências e aspectos não definidos que serão necessários para viabilizar a operacionalização
das metas estabelecidas no protocolo.
Estamos interessados em apresentar aqui este protocolo porque ele incorpora uma
grande flexibilidade nos mecanismos que estão sendo propostos e eles são mecanismos de
mercado.
O Protocolo adotado pelo Third Conference of the Parties - COP-3 em Quioto
estabelece que as nações industrializadas (OCDE, mais Rússia, algumas nações da antiga
República Soviética e outros países do Leste Europeu – Países do Anexo I) deverão limitar as
emissões de gases estufa, em média a 5% a menos que os níveis registrados em 1990, para o
período de 2008 até 2012. Essa redução média representa de fato diferentes níveis de
emissões para esses países, indo desde –8% até +10%, com referência ao ano de 1990.
O protocolo incorpora a característica de deixar para que agentes privados
individualmente procurem por oportunidades de reduções economicamente atraentes para
serem transacionadas entre nações. Pela primeira vez mecanismos de mercado foram
introduzidos para implementar mudanças tecnológicas que resultem na redução de emissões.
O Protocolo regula seis GEEs: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso
(N2O), hidro-fluorcarbonetos (HFCs), perfluorcarbonetos (PFCs) e hexafluor sulfúrico (SF6).
Características dos mecanismos de implementação
Com vistas a regular as emissões de GEE foram concebidos três mecanismos: i)
Certificados de Emissões Transacionáveis - Emissions Trading Among Nations with Caps (ET);
ii) Implementação Conjunta - Joint Implementation Between Nations With Caps (JI), que são
iniciativas baseadas em projetos visando a redução de emissões; e iii) Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo Clean Development Mechanism Between Industrialized and
116
Developing Nations (CDM) acordo entre países industrializados e em desenvolvimento visando
a negociação de transferência de certificados de emissão (Certified Emissions Reductions -
CER).
Existem ainda sérias indefinições com relação aos aspectos operacionais dos
mecanismos propostos, mas algumas características podem ser elencadas: a adicionalidade
ambiental e a adicionalidade financeira.
Existe uma clara determinação de se estimular a participação de entidades privadas
em soluções tecnológicas para o problema climático.
A Implementação Conjunta (Joint Implementation – JI)
Esta é uma modalidade onde os países do Anexo I, ou empresas dos mesmos,
realizam projetos em outros países com vistas a redução de GEE. Cada projeto gera um
número de Unidades de Certificados de Emissões – (Emission Certificates Units - EC) que
poderão ser utilizadas pelo país investidor. As UEC adquiridas pelo país investidor são
acrescentadas às quotas de emissões e deduzidas do país que recebeu os investimentos.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
O artigo 12 cria condições para que países do Anexo I colaborem com países em
desenvolvimento através de projetos regulados por um conjunto de regras acordadas
multilateralmente, sendo essa cooperação supervisionadas pela Conferência das Partes e um
Executive Board.
Existe uma preocupação em se conceber mecanismos de mercado que são flexíveis e
estimulam uma competição de maneira transparente para introduzir no mercado as maneiras
mais eficientes e efetivas. Existe uma clara preocupação em se afastar de um modelo de
intervenção tradicional do setor público.
As decisões sobre a operação do CDM serão determinadas pelos seus órgãos de
governo. O artigo 12 da Convenção delega ao COP/MOP e a um Executive Boad (EB) as
funções gerais de orientação e supervisão do CDM.
As unidades transacionáveis pelo MDL são os certificados de reduções de emissões
(CREs) resultantes de projetos também certificados. Esta certificação tem um cariz multilateral
117
e independente. Assim, a COPmop (designação dada à reunião das Partes da Convenção
destinadas à discussão do Protocolo de Quioto) designa (acredita) as entidades certificadoras,
as quais serão supervisionadas pela “comissão executiva” do MDL. Os CERs são então
adicionados às quotas de emissão dos países do Anexo 1 e apenas podem representar “Parte”
dessas quotas (requisito idêntico ao de suplementariedade).
O MDL é o resultado de várias pressões nem sempre coincidentes, que debateram até
à exaustão a inclusão no Protocolo de uma figura muito controversa: as atividades
implementadas conjuntamente. Acontece porém que esta figura se encontra numa fase piloto
que, na prática “não ata nem desata”. Foi então que, sob proposta do Brasil, surgiu a idéia de
criação de um “fundo de desenvolvimento limpo” que seria financiado através de sanções
pecuniárias aplicadas aos países que não cumprirem com as obrigações do Protocolo.
Todavia esta proposta acabaria por se transformar no MDL. Assim, por cada transação no
âmbito do MDL é cobrada uma taxa, que será aplicada no financiamento dos custos de
adaptação dos impactes das AICs em países em desenvolvimento, “particularmente
vulneráveis” à mudança climática. Esta componente de assistência financeira—aliada à
transferência de tecnologia resultante dos projetos do MDL propriamente dito--, foi uma das
condições essenciais de viabilização do Protocolo por Parte do chamado “Grupo dos
77+China” i.e. o grupo dos países em desenvolvimento (G77).
Em aberto porém ficam todas as questões que se colocavam em relação às atividades
implementadas conjuntamente, e que deram razão precisamente à criação de uma fase piloto
para essa figura. Por isso é essencial a articulação entre o funcionamento do MDL e a referida
fase piloto.
118
Quadro 4: Diferenças e semelhanças entre CE e IC
Comércio de emissões Implementação Conjunta
Diferenças
Por programa (licenças deemissão)
Antes das reduções ocorrerem (exante)
Governo-a-governo
por projecto (unidades de reduçãode emissões-UREs)
reduções antes da troca de UREs(ex post)
companhias podem participar
Semelhanças
Comércio de emissões entre países do Anexo I
um país adiciona as emissões à sua quota e o outro país deduz essasemissões na sua quota
suplementariedade: as emissões devem ser sobretudo reduzidas no paísde origem
identificação das emissões por país de origem
Somente parte das reduções podem ser transacionadas
CDM Entre país do Anexo I e País em Desenvolvimento (companhias podemparticipar)
Identificação por país e por projeto
119
Os Certificados de Emissões (Global Tradable Permits)
As Partes do Anexo 1 podem comercializar uma porção da suas quotas de emissões.
Em princípio, através do comércio de emissões em sentido estrito (CE), cada Parte converterá
a sua quota de emissões em licenças de emissão transaccionáveis (V. Quadro 2: diferenças
entre CE e IC). Do ponto de vista contábil, o país adquirente adiciona as licenças compradas à
sua quota de emissões, e o país vendedor deduz essas mesmas licenças da sua quota de
emissões. Do ponto de vista das emissões, portanto, o país vendedor tem de emitir menos e o
país comprador pode emitir mais GEE, sendo que o limite global de emissões mantém-se
inalterado.
120
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