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Escola E. B. 2,3/s de Mora Português Recensão Crítica “A Igreja do Diabo” Mora, 25 de Maio de 2010 Docente: A.A. Pinto Realizado por:

recensao critica (portugues) - a igreja do diabo, machado de assis

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Page 1: recensao critica (portugues) - a igreja do diabo, machado de assis

Escola E. B. 2,3/s de Mora

Português

Recensão Crítica

“A Igreja do Diabo”

Mora, 25 de Maio de 2010

Docente:

A. A. Pinto

Realizado por:

Ana Margarida Pinto, nº2

11ºA

Page 2: recensao critica (portugues) - a igreja do diabo, machado de assis

Recensão crítica

O conto “A Igreja do Diabo” está incluído no livro Histórias sem

data de Machado de Assis, publicado em 1884.

A obra ficcional de Machado de Assis teve duas fases,

numa primeira, tendia para o Romantismo mas, na segunda,

converteu-se em Realismo. Este, veio em oposição à primeira fase,

exaltando a critica à humanidade e à sociedade. Machado de Assis

retratava o homem como ele realmente é, nem totalmente bom, nem

totalmente mau, sendo as suas personagens, simplesmente,

humanas. Presenças constantes nas obras deste escritor são críticas

à burguesia e à Igreja Católica. E o que nunca pode faltar mesmo é a

ironia, marca de Machado de Assis. No conto “A

Igreja do Diabo”, tal como o nome logo nos parece indicar, são

tratados temas como a religião e a Igreja Católica, mas o tema central

é mesmo o Homem e as suas contradições, ou melhor, todo este

conto gira em torna de críticas ao Homem e às suas atitudes. As

personagens principais desta narrativa são Deus e o Diabo que

traduzem de uma forma cómica a relação Deus/religião,

Homem/razão. Este conto encontra-se dividido em 4 partes.

Na primeira parte – De uma ideia mirífica, é começado por nos contar

o dia em que o Diabo teve a ideia de fundar uma igreja para competir

com as outras religiões. De seguida, já na segunda parte – Entre Deus

e o Diabo, este vai ter com Deus ao céu para lhe contar da ideia que

tinha tido e até para o desafiar. Deus ouve o Diabo e as suas razões

para tal decisão. Na penúltima parte, A boa nova aos Homens, o

Diabo deixe à terra e começa a pregar para conseguir arranjar fiéis

para a sua igreja. Explicou-lhes quem era e que as histórias contadas

a seu respeito eram falsas; prometeu-lhes todas as coisas boas;

defendia a inveja, a gula e a preguiça e, rapidamente, obteve muitos

seguidores, tornando-se esta a nova igreja. Na quarta e última parte –

Franjas e franjas – o Diabo descobre que os seus fiéis, às escondidas,

praticavam as antigas virtudes; muito zangado vai ter com Deus e

pergunta-lhe porque é que aquilo está a acontecer e Deus,

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simplesmente lhe responde que “É a eterna contradição humana.”.

O título do conto, “A Igreja

do Diabo”, dá-nos logo uma certa ideia de como será a história, pois

trata-se de um paradoxo entre o divino/Deus e o profano/Diabo e que,

por isso, depressa nos chama a atenção. A Bíblia é a principal

referência no recurso aos exemplos. O Homem e as suas

atitudes são o centro da história, pois ao longo do conto percebe-se

que o autor o caracteriza como corrupto e facilmente se deixa

influenciar pelas forças malignas – a questão de sermos corrompidos

pelo meio em que vivemos. Aliás, o Diabo, representante do mal, é

apresentado com características essencialmente humanas. Ele tem

sentimentos extremamente humanos ao sentir inveja e desejar o

poder e o domínio – estas são claras críticas ao Homem. Mas, a

verdade é que tanto o Diabo como Deus são espelhos da

personalidade humana.

O Diabo dizia que não era como se pensava, que era gentil, que

era o verdadeiro pai – provocando uma inversão de papéis com Deus

– também se refere ao pão e ao vinho para, como Cristo, dar um

exemplo de preocupação com o homem; mas, ele demonstra ser

invejoso, vingativo, cruel e querer dominar o mundo; Deus achava-o

um velho retórico e subtil, sem imaginação; possuía braços e asas –

“levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança”

(sinestesia),”vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não

acuseis de dissimulação...”,” Estou cansado da minha

desorganização, do meu reinado casual e adventício.”,” ar de

escárnio e triunfo”,” Tinha alguma ideia cruel no espírito, algum

reparo picante no alforge de memória, qualquer coisa que, nesse

breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus.”,”

não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das

crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio génio da

natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos

homens. Vedeme gentil a airoso. Sou o vosso verdadeiro pai.”,” Velho

retórico!”,” Tu és vulgar”,” Retórico e subtil!”,” trémulo de raiva”,”

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estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil”,”batendo as

asas”,” dobrou as asas”. O Diabo é uma personagem alegórica que

propõe uma doutrina semelhante à de Deus mas, sendo esta, a sua

completa negação. Imita muitos aspectos da igreja de Deus,

especialmente, os seus rituais e, também, a pedra fundamental –

“Escritura contra Escritura, breviário contra breviário (repetição,

paralelismo, anáfora). Terei a minha missa, com vinho e pão à farta,

as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho

eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a

minha igreja uma tenda de Abraão.”, neste caso, esta referencia

bíblica está relacionada com o desejo de juntar todos os povos (que

se encontravam divididos pelas outras religiões) em busca de uma

única religião superior; “Vou lançar a minha pedra fundamental”. As

regras da sua Igreja seriam, basicamente, transgredir todas as leis,

especialmente as divinas e praticar os sete pecados mortais, ou seja,

praticar o bem seria um crime, tal como não praticar o mal; o Diabo

conseguia também encontrar justificação para os pecados – “o amor

do próximo era um obstáculo grave à nova instituição.”, “não se

devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou

desprezo.”,”esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado

Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regímen: "Leve

a breca o próximo! Não há próximo!"” (esta “lei” é explicada com

recurso à Bíblia e a personagens da igrja católica),” A única hipótese

em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar

as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a

particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do

indivíduo a si mesmo.”;”A soberba, a luxúria, a preguiça foram

reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais

do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e

a filha, uma esgalgada.”,“O mesmo disse da gula, que produziu as

melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope;

virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo,

mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal.” Quando o

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Diabo descreve a sua igreja como uma "hospedaria barata" mostra o

acolhimento dos filhos que não têm como pagar as exigências divinas

tão altas. Já o céu é apresentado como uma hospedeira de preço alto,

comparando a imagem divina à de um negociador – “Não tarda muito

que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço,

que é alto.” Uma das alegorias presentes no conto é a das franjas e

mantos de algodão ou seda – “é que as virtudes, filhas do céu, são

em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo

rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las

por essa franja, e trazê-las todas para minha igreja; atrás delas virão

as de seda pura...” – esta demonstra a ambiguidade do carácter

humano, existe uma coexistência dos paradoxos que nos apresentam

as virtudes boas e más. Deus é nos apresentado

como uma personagem pacífica, paciente, complacente, sapiente –

“Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o

repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica.”, "olhos

cheios de doçura". A ironia é algo que

ambas as personagens têm em comum: “Nego tudo. A misantropia

pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um

misantropo, é realmente aborrecê-los...”, “Não venho pelo vosso

servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do

século e dos séculos.”, “Não tarda muito que o céu fique semelhante

a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto.”,”Que queres tu,

meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda,

como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a

eterna contradição humana.”

Na quarta parte, como já foi referido, o Diabo

descobre que os seus fiéis andavam a praticar, às escondidas, as

virtudes antigas. Isto acontece devido à “eterna contradição

humana”, pois os Homens pensavam que na igreja do Diabo teriam

liberdade mas, depois, percebem que com aquelas virtudes impostas,

estava-lhes a ser retirado o próprio poder e, como tal, começam a

praticar o contrário do que lhes é imposto. Além disso, as virtudes

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antigas tinham para eles uma explicação. Com tudo isto, o Diabo fica

chocado mas Deus não, pois ele já estava conformado e habituado a

essa contradição humana. Com a criação da igreja, o Diabo apenas

ajudou Deus. A acção passa-se,

possivelmente, no Inferno já que como Deus se encontra no Céu, por

lógica, o Diabo deve-se encontrar no Inferno. Mas como não existe

nenhuma referência, não o posso dizer com certeza. Como já referi, a

história passa-se também no Céu – “quando o Diabo chegou ao céu.”,

e na Terra – “Uma vez na terra”. A história

não é contínua, pois as primeiras três partes passam-se numa altura

e, a última, acontece “Um dia, porém, longos anos depois”.

Gostei bastante de ler este conto, para começar, achei logo o

titulo bastante interessante e apelativo; depois, a verdade é que a

história não me desiludiu e não ficou nada aquém do seu nome. Acho

fantástico o uso de ironias para enriquecer o conto e, as personagens

e a sua caracterização, também estão muito com representantes de

alegorias.

A verdade da história é a contradição humana, pois o homem

quer ser livre e, por isso, contradiz-se; porque quando o Homem não

está sobre o domínio de um deus, os valores morais são negados e, a

diferença entre bom/mau e vicio/virtude deixa de existir. O Homem é,

na verdade, um ser inexplicável e difícil de compreender. Em todo o

conto é bastante fácil de ler, nas entrelinhas, as opiniões do autor

acerca do tema; ele critica o Homem e a Igreja Católica e, para quem

conhece um pouco de Machado de Assis, percebe que isto é algo

muito comum na sua literatura.

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