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Surgimento e expansão do Cristianismo História/ 3º Bimestre – Professor José Knust
Estudante: _________________________________________ Turma:______
Zele por sua casa
De todas as histórias contadas sobre a vida de Jesus
de Nazaré, há uma (...) que mais do que qualquer
outra palavra ou ação, ajuda a revelar quem era Jesus
e o que Jesus quis dizer. (...) Tão revelador é esse
momento único na breve vida de Jesus que por si só
pode ser usado para esclarecer sua missão, sua
teologia, sua política, sua relação com as autoridades
judaicas, sua relação à ocupação romana. Acima de
tudo, esse evento singular explica por que um simples
camponês das baixas colinas da Galileia era visto
como uma ameaça ao sistema estabelecido a ponto de
ser caçado, preso, torturado e executado.
O ano é 30 d.C. e Jesus acaba de entrar em Jerusalém
(...). Com seus discípulos e, supõe-se, com a multidão
a louvá-lo a reboque, Jesus entra no pátio público do
Templo – o Pátio dos Gentios – e começa a “limpá-
lo”. Num acesso de raiva, ele derruba as mesas dos
cambistas e expulsa os vendedores de comida barata
e souvenirs. Solta as ovelhas e o gado prontos a serem
vendidos para sacrifício a abre as gaiolas de pombas
e pombos, colocando as aves em fuga. “Tirai essas
coisas daqui”, ele grita.
(...) Então, enquanto a multidão de vendedores, fiéis,
sacerdotes e curiosos embaralha-se sobre os detritos
espalhados, enquanto os animais partem assustados
em debandada, perseguidos pelos proprietários em
pânico, correndo freneticamente para fora dos portões
do Templo e para as ruas lotadas de Jerusalém,
enquanto uma tropa de guardas romanos e de
policiais do Templo fortemente armados invade o
pátio procurando prender quem quer que seja
responsável pelo caos, lá está Jesus, segundo os
evangelhos, distante, aparentemente imperturbável,
gritando acima do barulho: “Está escrito: a minha
casa será chamada casa de oração para todas as
nações. Mas vós fizestes dela um covil de ladrões”.
(...) As autoridades do Templo (...) criam um ardiloso
enredo para leva-lo a se implicar como um
revolucionário zelota [corrente política entre os
judeus que defendia a luta para acabar com o domínio
romano sobre a terra santa]. Avançando até Jesus à
vista de todos os presentes, eles perguntam: “Mestre,
sabemos que és verdadeiro, que ensinas o caminho de
Deus segundo a verdade e que não reverencias
nenhum homem. Diz-nos: é lícito pagar o tributo a
César ou não?”
Essa não é uma pergunta simples, claro. É o teste
essencial do pertencimento à crença zelota. Desde a
revolta de Judas, o Galileu, a questão de saber se a lei
de Moisés permitia pagar tributos a Roma tornou-se
a característica distintiva dos que aderiram aos
princípios zelotas. O argumento era simples e
entendido por todos: a demanda de tributo por Roma
demonstrava nada menos do que uma reivindicação
de propriedade sobre a terra e seus habitantes. Mas a
terra não pertencia a Roma. A terra pertencia a Deus.
César não tinha direito a receber o tributo, porque não
tinha direito à terra. Ao perguntar a Jesus sobre a
legalidade do tributo a Roma, as autoridades
religiosas estavam fazendo-lhe uma pergunta
totalmente diferente: você é ou não é um zelota:
“Mostrai-me um denário”, diz Jesus, referindo-se à
moeda romana usada para pagar o tributo. “De quem
é esta imagem e esta inscrição?”
“É de César”, as autoridades respondem.
“Bem, então devolvei a César a propriedade que
pertence a César, e devolvei a Deus a propriedade que
pertence a Deus.”
É surpreendente que séculos de estudos bíblicos
tenham deturpado essas palavras como um apelo de
Jesus para pôr de lado as “coisas deste mundo” –
impostos e tributos – e concentrar o coração, em vez
disso, nas únicas coisas que importam: a adoração e a
obediência a Deus. (...)
As palavras de Jesus falam por si: “Devolvei
(apodidomi) a César a propriedade que pertence a
César...”. [O verbo grego] Apodidomi é usado
especificamente quando se paga a alguém uma
propriedade sobre a qual se tem direito; a palavra
implica que a pessoa que recebe o pagamento é o
legítimo proprietário da coisa que está sendo paga.
Em outras palavras, de acordo com Jesus, César tem
o direito a “receber de volta” a moeda de denário não
porque ele mereça o tributo, mas porque é a sua
moeda: seu nome e imagem estão estampados nela.
Deus não tem nada a ver com isso. Por extensão, Deus
tem o direito de “receber de volta” a terra que os
romanos tomaram para si, porque é a terra de Deus:
“A terra é minha”, diz o Senhor (Levítico 25:23).
César não tem nada a ver com isso.
Então, devolva a César o que é dele, e devolva a Deus
o que pertence a Deus. Esse é o argumento zelota em
sua forma mais simples e concisa. E parece ser
suficiente para as autoridades em Jerusalém
rotularem imediatamente Jesus como lestes. Um
bandido. Um zelota. (...)
Foi por isso exatamente que eles vieram prendê-lo.
(...) Declarado culpado, Jesus é enviado ao Gólgota
para ser crucificado ao lado de dois outros homens,
que são especificamente chamados de lestai,
bandidos (Mateus 27:38-44; Marcos 15:27). Tal
como acontece com todos os criminosos pendurados
em uma cruz, a Jesus é dada uma placa, ou titulus,
detalhando o crime pelo qual está sendo crucificado.
No titulus de Jesus se lê REI DOS JUDEUS. Seu
crime: lutar pelo poder real – sedição. (...)
(...) Não era Jesus um violento revolucionário
defendendo a rebelião armada, embora seus pontos de
vista sobre o uso da violência sejam muito mais
complexos do que muitas vezes se admite. Mas olhe
atentamente para as palavras e ações de Jesus no
Templo em Jerusalém – o episódio que, sem dúvida,
precipitou sua prisão e execução – e esse fato torna-
se difícil de negar: Jesus foi crucificado por Roma
porque suas aspirações messiânicas ameaçavam a
ocupação da Palestina e sua exasperada devoção
colocava em perigo as autoridades do Templo. Reza Aslam, Zelota. A vida e a época de Jesus de
Nazaré. Rio de Jeneiro: Zahar, 2013, p.97-103.
Paulo, Tiago e as primeiras comunidades cristãs
Tiago, o líder da Igreja em Jerusalém
(...) Tiago era mais do que apenas o irmão de Jesus.
Ele era, como a evidência histórica atesta, o líder
indiscutível do movimento que Jesus tinha deixado.
Hegésipo, que pertencia à segunda geração dos
seguidores de Jesus, (...) escreve que “o controle da
Igreja passou, juntamente com os apóstolos, ao irmão
do Senhor, Tiago (...)”. Na não canônica epístola de
Pedro, o apóstolo-chefe e líder dos Doze refere-se a
Tiago como “Senhor e Bispo da Santa Igreja”.
Clemente de Roma (30-97 d.C.), que iria suceder a
Pedro na cidade imperial, endereça uma carta a Tiago
como “o Bispo dos Bispos, que governa Jerusalém, a
Santa Assembleia dos Hebreus e todas as
Assembleias de toda parte”. No evangelho [apócrifo]
de Tomé, geralmente datado entre o final do século I
e início do século II d.C., o próprio Jesus nomeia
Tiago seu sucessor. O pai da Igreja primitiva
Clemente de Alexandria (150-215 d.C.) afirma que
(...) foi Tiago que se tornou “o primeiro, como o
registro nos diz, a ser eleito para o trono episcopal da
Igreja de Jerusalém”. Em sua obra Sobre homens
ilustres, são Jerônimo (c.347-420 d.C.), que traduziu
a Bíblia para o latim (Vulgata), escreve que, depois
que Jesus subiu ao céu, Tiago foi “imediatamente
nomeado bispo de Jerusalém pelos apóstolos”.
Mesmo o Novo Testamento confirma o papel de
Tiago como chefe da comunidade cristã: é Tiago
quem geralmente é mencionado primeiro quando se
listam os “pilares” da Igreja: Tiago, Pedro e João;
Tiago que, pessoalmente, envia seus emissários para
as diferentes comunidades espalhadas na Diáspora
(Gálatas 2:1-4); é Tiago a quem Pedro relata suas
atividades antes de sair de Jerusalém (Atos 12:17); e
é Tiago quem lidera os “anciãos” quando Paulo chega
para fazer súplicas (Atos 21:18). Tiago é a autoridade
que preside o Conselho Apostólico, quem fala por
último durante suas deliberações e aquele cujo
julgamento é definitivo (Atos 15:13). (....)
Por que, então, Tiago foi quase totalmente retirado do
Novo Testamento e seu papel na Igreja primitiva
ofuscado por Pedro e Paulo na imaginação da maioria
dos cristãos modernos? (...)
O Cristianismo imperial, como o próprio Império,
exigia uma estrutura de poder facilmente
determinável, preferivelmente com sede em Roma,
não em Jerusalém, e ligada diretamente a Jesus. O
papel de Pedro como primeiro bispo de Roma e seu
status como apóstolo fizeram dele a figura ideal sobre
quem basear a autoridade da Igreja romana.
[Além disso,] a principal preocupação da epístola de
Tiago é como manter o equilíbrio adequado entre a
devoção à Torá e a fé em Jesus como messias. Ao
longo do texto, Tiago exorta repetidamente os
seguidores de Jesus a permanecerem fiéis à lei. (...)
Isso não quer dizer que Tiago e os apóstolos estavam
desinteressados em alcançar os gentios, ou que
acreditavam que estes não poderiam se juntar ao
movimento. (...) Simplesmente insistia que eles não
se divorciassem inteiramente do judaísmo, que
mantivessem certa fidelidade às crenças e práticas do
próprio homem que eles alegavam estar seguindo
(Atos 15:12-21). Caso contrário, o movimento
arriscava tornar-se uma nova religião totalmente, e
isso é algo que nem Tiago nem seu irmão, Jesus,
teriam imaginado.
Paulo, o herege
[Depois da visão de Jesus no caminho para
Damasco,] (...) Saulo foi batizado no movimento de
Jesus. Mudou seu nome para Paulo e imediatamente
começou a pregar sobre Jesus ressuscitado, não para
seus companheiros judeus, mas para os gentios [isto
é, os não-judeus] que tinham sido, até aquele
momento ignorados pelos principais missionários do
movimento. (...) Embora tenha havido uma grande
discussão entre os apóstolos sobre o quão
estritamente a nova comunidade deveria aderir à lei
de Moisés, com alguns defendendo seu cumprimento
rigoroso e outros tomando uma posição mais
moderada, houve pouca discussão sobre a quem a
comunidade deveria servir: aquele era um movimento
judaico destinado a um público judeu. (...)
As opiniões de Paulo sobre Jesus são tão extremas,
tão além dos limites do pensamento judaico aceitável,
que apenas afirmando que elas vêm diretamente do
próprio Jesus é que ele poderia conseguir pregá-las.
O que Paulo oferece em suas cartas não é (...) apenas
uma forma alternativa de encarar a espiritualidade
judaica. Paulo, em vez disso, ofereceu uma doutrina
completamente nova (...) transformando Jesus em
uma criatura completamente nova, que parece quase
por inteiro de sua autoria: Cristo.
Apesar de “Cristo” ser, tecnicamente, a palavra grega
para “messias”, não é assim que Paulo emprega o
termo. Ele não dota Cristo de qualquer das
conotações ligadas ao termo “messias” nas Escrituras
Hebraicas, nunca fala de jesus como “o ungido de
Israel”. (...) Mais revelador é que, ao contrário dos
escritores dos evangelhos (exceto João), Paulo não
chama Jesus de o Cristo (Yesus ho Xristos), como se
fosse um título. Em vez disso, chama-o de “Jesus
Cristo”, ou apenas “Cristo”, como se fosse um
sobrenome. (...). O Cristo de Paulo não é nem mesmo
humano, embora tivesse assumido a semelhança de
um ser humano (Filipenses 2:7). Ele é um ser
cósmico, que existia antes do tempo. Ele é a primeira
das criações de Deus, por meio de quem se formou o
resto da criação (1 Coríntios 8:6). (...)
O Jesus retratado como Cristo por Paulo pode soar
familiar aos cristãos contemporâneos – desde então
se tornou a doutrina padrão da Igreja – mas teria sido
absolutamente aberrante e francamente bizarro aos
seguidores judeus de Jesus. (...)
(...) sua concepção de Jesus como Cristo teria sido
chocante e claramente herética, razão pela qual, por
volta de 47 d.C., Tiago e os apóstolos requerem que
Paulo vá a Jerusalém para responder por seus
ensinamentos. (...)
Lucas [Atos 15:1-21], escrevendo sobre essa reunião
cerca de quarenta ou cinquenta anos depois, pinta um
quadro de perfeita harmonia entre Paulo e os
membros do Conselho, com o próprio Pedro
defendendo Paulo e ficando a seu lado. (...) No
entanto, o relato do próprio Paulo sobre o encontro
com o Conselho Apostólico, escrito em uma carta aos
gálatas [2:1-10] não muito depois do ocorrido pinta
uma imagem completamente diferente do que
aconteceu em Jerusalém. Paulo afirma ter sido
emboscado no Conselho Apostólico por um grupo de
“falsos crentes” (...) ele não consegue disfarçar a
raiva pelo tratamento que diz ter recebido dos “líderes
supostamente reconhecidos” da Igreja: Tiago, Pedro
e João.
(...) quase imediatamente depois de Paulo ter deixado
Jerusalém, Tiago começou a enviar seus próprios
missionários às congregações dele (...). Paulo ficou
indignado (...). Sentindo-se amargo e não mais preso
à autoridade de Tiago e dos apóstolos em Jerusalém
(...), Paulo passou os anos seguintes expondo
livremente sua doutrina de Jesus como Cristo. (...) por
volta de 57 d.C., os rumores sobre os ensinamentos
de Paulo não podiam mais ser ignorados. E assim,
mais uma vez, ele é convocado a Jerusalém para se
defender. Desta vez, Tiago confronta Paulo
diretamente, dizendo-lhe que chegara a seu
conhecimento que Paulo estava ensinando os crentes
“a se apartarem de Moisés” e “a não circuncidar seus
filhos nem observar os costumes da lei” (Atos 21:21).
Paulo não responde à acusação, embora fosse isso
exatamente o que vinha ensinando. Ele chegara
mesmo a ir tão longe a ponto de dizer que aqueles que
se deixavam circuncidar estavam “se separando de
Cristo” (Gálatas 5:2-4). Para esclarecer as questões
de uma vez por todas, Tiago força Paulo a participar
com outros quatro homens de um rigoroso ritual de
purificação no Templo.
O cerco de Jerusalém e a reabilitação de Paulo
Depois que o Templo foi destruído [pela invasão
romana em 70 d.C. durante a rebelião dos judeus
entre 66 e 73 d.C.], a Cidade Santa queimada até o
chão e os remanescentes da assembleia de Jerusalém
dispersos, Paulo passou por uma reabilitação
impressionante na comunidade cristã. (...) os únicos
escritos sobre Jesus que existiam em 70 d.C. eram as
cartas de Paulo. Essas cartas já estavam em circulação
desde os anos 50 d.C. Elas foram escritas para as
comunidades da Diáspora que, após a destruição de
Jerusalém, eram as únicas comunidades cristãs que
sobraram no reino. Sem a assembleia original para
guiar os seguidores de Jesus, a ligação do movimento
com o judaísmo foi cortada e Paulo tornou-se o
principal veículo através do qual uma nova geração
de cristãos foi apresentada a Jesus, o Cristo. (...)
A concepção de Paulo sobre o cristianismo pode ter
sido um anátema antes de 70 d.C., mas, depois, sua
noção de uma religião inteiramente nova, livre da
autoridade de um Templo que já não existia, aliviada
de uma lei que não mais importava e divorciada de
um judaísmo que havia se tornado pária, foi
entusiasticamente abraçada por convertidos em todo
o Império Romano. (...)
Isso não deveria surpreender. O cristianismo depois
da destruição de Jerusalém era quase exclusivamente
uma religião de gentios, que precisava de uma
teologia gentia. E foi isso precisamente o que Paulo
forneceu. Adaptado de: Reza Aslam, Zelota. A vida e a época de
Jesus de Nazaré. Rio de Jeneiro: Zahar, 2013, p.202-233.
Missão e conversão: a expasão do cristianismo
primitivo
Quem quer que tenha sido Jesus, e independente da
natureza da relação de seus seguidores com o
judaísmo contemporâneo (ou judaísmos), é
indiscutível que o movimento em que ele era
considerado o Messias acabou por ser muito bem-
sucedido. Como é que o cristianismo se transformou
de um grupo de poucos discípulos sitiados na Judéia
em um movimento mundial em um espaço
relativamente curto de tempo? (...) Como o
cristianismo chegou a essas várias regiões? Desde o
início de sua existência, a religião parece ter possuído
um forte impulso missionário. (...) De toda a
antiguidade cristã antes de Constantino, no entanto,
há apenas um missionário cristão cujas estratégias são
explicadas e descritas: Paulo. (...) Em termos de
objetivos missionários, Paulo parece ter tido em
mente um projeto universal bastante ambicioso (...)
As comunidades da diáspora judaica parecem ter
desempenhado um papel significativo na estratégia
de Paulo. “Atos”, em particular, descreve-o sempre
indo primeiro ao local de encontro judeu (...) em cada
uma das cidades que ele visitou ao longo do
Mediterrâneo oriental. Em tais lugares, ele poderia
esperar encontrar não somente os judeus, mas
também os gentios / pagãos “tementes a Deus” [não-
judeus que ouviam e rezavam nos locais judaicos,
atraídos pela religião dos judeus].
[No entanto], é claro que a presença de comunidades
judaicas não podem ser apontadas em todos os
lugares para explicar a chegada algum tempo depois
do cristianismo. Que outras estratégias missionárias
podem ser deduzidas a partir de narrativas do Novo
Testamento de Paulo? Uma, claramente, é que sua
missão era essencialmente urbana. A razão para esta
incidência urbana foi, presumivelmente, que as
cidades proporcionariam oportunidades para a
difusão do evangelho para o maior público possível,
pois lá grandes concentrações de pessoas poderiam
ser encontradas. (...) As cidades que teriam oferecido
o melhor espaço para difundir a mensagem cristã
seriam aquelas que tivessem não só uma grande
população local, mas também uma multidão de
viajantes que poderiam, então, levar a mensagem para
outro lugar.
É também evidente a partir do Novo Testamento, que
as viagens de Paulo não nos dão um quadro completo
da atividade missionária cristã para esse período
inicial. (...) Fica claro que havia cristãos além de
Paulo que procuravam espalhar o evangelho. (...) A
presença de uma quantidade significativa de cristãos
em Roma antes da chegada de Paulo não é de
surpreender: a cidade estava cheia de estrangeiros e
seus cultos. (...) A literatura cristã que sobreviveu
desse período mostra que o Cristianismo no Ocidente
estava ligado a populações de imigrantes. (...)
Por que as pessoas se convertiam ao cristianismo
aparentemente em um número cada vez maior? (...)
Os pesquisadores modernos (...) buscam explicações
em ansiedades sobre o mundo ou em respostas a
momentos de crise, como surtos de peste ou fome.
Como os números de cristãos multiplicaram-se no
terceiro século [uma época de crise], talvez fosse o
caso de que, aparentemente, a conversão era atrativa
porque permitia o pertencimento a uma substancial
rede social de ajuda mútua.
(...) [Na verdade,] a conversão pode ocorrer por
diversas razões, que desafiam as tentativas de
generalização. Devemos também ter em mente que a
experiência religiosa de indivíduos no mundo antigo
foi diversificada e mais fluida do que categorias como
“pagão”, “judeu”, e “cristão” podem sugerir. (...) Isto
aponta a forma como a curiosidade religiosa pode
levar à conversão. Qualquer análise sobre o sucesso
do cristianismo em obter conversos no mundo
romano deve ter em conta esta fluidez das fronteiras
religiosas. Conversão ao cristianismo era uma opção
– mas não a única para aqueles que estavam
interessados em reflexões religiosas. Mark Humprhies, Early Cristianity.
Londres: Routledge, p.108-125. (Tradução: José Knust)
Verdade expressa e profissão de fé
(...) a seita cristã deixava para os pagãos uma questão
agressiva e nova: “qual é a religião verdadeira, a sua
ou a nossa?” Essa questão da verdade pode parece
natural, imediata e eterna em todos os domínios, mas
no decurso dos séculos não será. (...) a questão da
verdade não é tão importante como seria de supor;
não vivemos a nos perguntar, a propósito de cada
assunto, se uma coisa é verdadeira (ou até evitamos
nos interrogar sobre isso, por prudência ou por uma
questão de respeito), de tal modo que nós mesmo
ignoramos se acreditamos ou não. (...)
Quando um pagão descobria que um povo longínquo
adorava deuses que lhe eram desconhecidos, não se
preocupava com a questão de saber se esses deuses
eram verdadeiros ou falsos (...) Para ele, os deuses
dos outros eram deuses desconhecidos (...); ou até
achava que os deuses eram por toda parte os mesmos
sob nomes diferentes (...).
Contudo, acontecia de a cidade se recusar ou expulsar
certas divindades, não porque fossem falsas, mas
porque seu culto era imoral (...) Pagãos incréus
raramente diziam: “os deuses não existem, não são
verdadeiros”; limitavam-se mais habitualmente a
dizer: “É inútil prestar-lhes um culto pensando em
conseguir seu favor, sua proteção”. (...)
Quanto a esse ponto, o cristianismo se distinguia por
uma característica que ainda sofria maiores
acusações: tratava-se de uma religião com profissão
de fé. Não era suficiente ser cristão, era preciso dizer-
se cristão, professar o cristianismo, porque nele havia
uma relação pessoal com Deus (...), ignorada no
paganismo. (...) Com o exclusivismo cristão é que se
passou a empregar o verbo “crer” (...). Paul Veyne, Quando nosso mundo se tornou cristão. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p.61-63.