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Tendências da Literatura Brasileira Contemporânea Author(s): Wilson Martins Reviewed work(s): Source: Hispania, Vol. 48, No. 3 (Sep., 1965), pp. 413-421 Published by: American Association of Teachers of Spanish and Portuguese Stable URL: http://www.jstor.org/stable/336462 . Accessed: 27/04/2012 14:13 Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at . http://www.jstor.org/page/info/about/policies/terms.jsp JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. American Association of Teachers of Spanish and Portuguese is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Hispania. http://www.jstor.org

Tendendências na literatura brasileira contemporânea, by Wilson Martins

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Tendências da Literatura Brasileira ContemporâneaAuthor(s): Wilson MartinsReviewed work(s):Source: Hispania, Vol. 48, No. 3 (Sep., 1965), pp. 413-421Published by: American Association of Teachers of Spanish and PortugueseStable URL: http://www.jstor.org/stable/336462 .Accessed: 27/04/2012 14:13

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TENDtNCIAS DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORANEA

WILSON MARTINS New York University

A 6ltima revoluqdo na prosa artistica brasileira data de 1946 (Sagarana): exata- mente dez anos mais tarde, surgiria, comrn os manifestos e o "plano-piloto" dos concre- tistas, a iltima revolu~go na poesia. Isso prop6e desde logo as perspectivas em que devemos estudar as tendencias da literatura

contemporinea no Brasil: trata-se, por um lado, de uma literatura que ainda luta comrn o monstruoso cadaver do Modernismo, atravessado na estrada, e, por outro lado, de uma literatura que procura elaborar em crialdo prbpriamente dita novas concepg6es esteticas, as quais, no que se refere a poesia, ainda ndo passaram realmente dos dominios puramente te6ricos. A prosa, ao contririo, ndo tem teoria, ou a teoria estai sendo es- truturada "a posteriori", o que e excelente, a partir da obra de Guimaraes Rosa; quanto a este iltimo, se, com a sua pr6pria extra- ordinaria e impetuosa originalidade, fechou automaticamente todos os caminhos de uma eventual "escola" literaria, forneceu, comrn Grande Sertdo: Veredas (1957), a prova de que era possivel inventar um romance ao mesmo tempo extremamente literario e lingiiistico, a meio caminho entre Joyce e Mario de Andrade-pois ndo e sbmente no Ulysses, para ndo falar de Finnegans Wake, mas tamb6m em Macunaima, que se en- contram reunidos aqueles dois caracteres, a contribuihdo prbpriamente nacional com- parecendo sob a forma clissica de regiona- lismo.

t curioso, mas perfeitamente compre- ensivel, que sejam os criticos mais pr6ximos da poesia concreta (e alguns outros que, embora her ticos, manifestam os mesmos gostos de critica "lingiiistica") os primeiros analistas a mergulhar corn alguma pro-

fundidade na obra de Guimardes Rosa, procurando fixar-lhe os pontos de referencia essenciais. Com isso, estai sendo negligen- ciado, at6 ao momento, o seu carnter, se ndo mais importante, pelo menos tdo significa- tivo quanto o da invenqao lingiiistica, que e o da sua renovaqdo romanesca: uma leitura atenta, para aldm do anteparo das palavras, demonstra que Grande Sertdo: Veredas e um romance de extraordinairia estrutura, construido com mro de mestre, evocando fundos problemas espirituais, si- tuado intelectualmente na encruzilhada das grandes correntes da ficq0o, desde a Idade Media aos nossos dias, e tendo criado, no plano das figuras humanas, um tipo liternrio, que e, como se sabe, a ambiqdo suprema e a finalidade mesma de toda a prosa de ficao. O romance de Guimardes Rosa, sendo igualmente original e inventivo na lingua, no estilo, no contetido e na configurado dos personagens, ndo estai longe, portanto, do que se poderia deno- minar a obra total, quaisquer que sejam, ao nivel do pormenor, as reservas que se lhe possam opor. Se muitos criticos parecem exceder-se nos louvores e na iddia de que os livros de Guimardes Rosa estabelecem rumos definitivos e invariiveis para a litera- tura brasileira do futuro, nao se lhes pode negar o

m.6rito de insistir sobre o alcance da

primeira obra verdadeiramente revolu- cionairia a surgir na prosa artistica brasileira depois do Modernismo.

Com efeito, os outros grandes romancistas brasileiros contemporaneos parecem situar- se mais numa esp6cie de classicismo p6s- modernista do que prbpriamente nas linhas ebulientes da vanguarda literiria: os "dois grandes" dos anos 30, Erico Verissimo e

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Jorge Amado, escreveram, respectivamente, com O Tempo e o Vento (1949) e comrn Gabriela, Cravo e Canela (1958), qualquer coisa como uma sintese epica dos seus livros anteriores; ou, se quisermos, estes

1ltimos ndo passaram da inconsciente pre- paragio dos dois grandes romances, nos quais, afinal, encontraram a sua pr6pria identidade literiria. Diga-se desde logo que, justamente por serem menos originais, nas perspectivas totalizadoras acima apontadas, os romances de 1rico Verissimo e Jorge Amado serdo muito mais "universalizaiveis" que o de Guimardes Rosa: a versdo norte- americana deste iltimo (The Devil to Pay in the Backlands [New York, 1963]) de- monstrou, como seria de esperar, que e possivel traduzir-lhe a "lingua," mas ndo a "linguagem" e, muito menos, o estilo: para encontrar correspondencias em lingua inglesa para o texto brasileiro teria sido preciso um James Joyce: para traduzi-lo em frances, um outro Romain Rolland (o Ro- main Rolland de Colas Breugnon): Grande Sertao: Veredas, no texto ingl&s, os contos de Corpo de Baile em franc4s, dao a ideia de um Ulysses escrito por Erskine Cald- well: o pr6prio Jorge Amado, que, no pre- ficio da traduSgo americana, ndo esconde o seu orgulho por ter sido um dos primeiros a "foresee the rapid universalization of his [Guimardes Rosa's] work," acrescenta ime- diatamente: "Not so much or even because of its formal aspect, more limited to our national frontiers, as because of the world revealed, re-created, and given enduring life through the extraordinarily achieved beings, through the Brazil that breathes in its every page."

H i, pois, um aspecto formalista que seria o traqo fundamental de t6da a literatura brasileira contemporanea, e que, antes de qualquer outro, ihe marcaria as tendencias atuais: podemos, mesmo, dizer que a linha do formalismo e a invisivel fronteira que separa os escritores contemporaneos dos que jai so, ou comegam a ser, "hist6ricos," tanto na ficq5o e na poesia quanto na critica e

no ensaio: embora a critica literiria no Brasil tenha sido, nestes 6ltimos anos, mais abstrusa do que realmente criadora de iddias te6ricas e estiticas, mais afetada do que interpretativa, mais repleta de doutrinas do que rica em proposiybes iluminantes ou enriquecedoras, sempre C certo que, ela tamb6m, tem p6sto t6da a enfase nos as- pectos formais da obra de arte, na sua natureza de criagqo lingitistica.

Nessas perspectivas, poderiamos apontar o romancista Jos6 Geraldo Vieira como o grande injustiqado da ficqdo brasileira. Ele tambm, muito antes de Guimaries Rosa, f4z do romance uma "maquina" literiria e lingulistica: contudo, pode-se imaginar que o cariter convencional da sua lingua, que nio inventa um dicionairio mas apenas explora as possibilidades dos dicionairios existentes, fi-lo passar, aos olhos dos "novos criticos" e dos criticos novos, como uma especie de ancestral ou de romancista '

margem das correntes caracteristicas do nosso tempo. Tal situaqdo de marginal acompanha em todos os momentos a car- reira de Jose Geraldo Vieira; mas, se houver na literatura brasileira, como em qualquer outra, um lugar de honra para os escritores que veem o romance mais como um produto das belas-letras do que como um reflexo realista da vida comum, entdo e certo que o autor de Terreno Baldio (1961) e de A Quadragisima Porta (1948) tem a sua presenqa assegurada na hist6ria literi- ria do pais. Ndo deixa de ser picante acentuar que e um pouco nessa diregqio que se encaminha o Jorge Amado de Os Velhos Marinheiros (1961): isso prova que o Modernismo, a partir, digamos, de 1945, estih bem morto, e que os sobrevi- ventes da grande 6poca, diante da impossi- bilidade natural de prolongi-lo, tentaram criar-lhe um "classicismo," o que foi bem sucedido entre os melhores. Clarice Lis- pector, que e alguma coisa como um Jose Geraldo Vieira menos rico em seiva ro- manesca e em imaginaqdo, jai sobrevive apenas como contista, depois do extraordi-

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LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORANEA 415

nario sucesso de Perto do Cora4do Selvagem (1943); ora, como contista, ela seria alguma coisa como um Guimaries Rosa urbano, o Guimaraes Rosa possivel de uma classe mrdia puramente citadina, muito mais do que o Kafka que ela procura sugerir comrn os romances posteriores a 1943.

Ora, 6 justamente no romance urbano, e tamb6m nas linhas de uma renovaldo for- mal do genero-mas .renovayio t&cnica e estrutural, ndo lingiuistica ou estilistica- que se situa a 6l1tima grande revelagio do genero no Brasil . .. o velho Marques Rebblo de Oscarina (1931) e de A Estrela Sobe (1938). Corn efeito, O Espilho Par- tido (1959) temrn todo o cariter estranho e misterioso das grandes obras de arte: em certo sentido, pode-se dizer que a tentativa de Marques Rebdlo ainda e mais ousada que a de Guimaries Rosa, pois depende menos de efeitos ruidosos e sensiveis a primeira vista, repousa menos s6bre o pitoresco, provoca mais a intelig ncia do que os sentidos, serai mais cerebral do que emocional. Se, com Maria Alice Barroso e alguns jovens escritores publicados, geral- mente, pela Edit6ra GRD, do Rio de Janeiro, o "n6vo romance" f?z a sua entrada no Brasil, Marques Rebdlo poderia ser visto como uma especie de mestre mais idoso desse grupo; sem as inclinaq6es "poeticas" de muitos dos romancistas idl- timamente surgidos (que, infelizmente, caem com mais frequencia na falsa poesia- a "poesia" de que o primeiro Jorge Amado oferecia tantos exemplos-do que se alqam a atmosfera rarefeita da prosa podtica), Marques Rebdlo restabelece, entretanto, o rumo pr6priamente romanesco, indicando que, na ficgao, hai um limite extremo que s6 se ultrapassa

" custa da descaracterizagqo do genero. t a este perigo que se exp6s a romancista de Perto do Coragdo Selvagem, e em que afinal sucumbiu nos livros pos- teriores; no conto, ao contrnirio, que tem uma s61lida tradigio podtica (Tchecov, K. Mansfield . ..) e no qual a visio po'tica, por sua pr6pria brevidade, encontra am-

biente favorivel, ela revela qualidades que nao sdo muito diferentes, em natureza, das de Guimaries Rosa.

Contudo, as tendencias formalistas da literatura contemporinea encontram uma reapdo bastante sensivel entre os escritores que parecem voltar a um certo realismo pr6- modernista. Ainda hi pouco, examinando as obras mais recentes da ficqio (mesmo assinadas por autores mais idosos, alguns dPles, ate, "formalistas" pr6priamente ditos ou "formalistas" a seu modo), eu observava que parece estar passando, para a prosa artistica brasileira, a idade das grandes in- vengbes e das grandes revolug6es: Gui- maries Rosa, na sobrevivencia dos seus exercicios lingiiisticos, come;a a parecer mais inatual do que Guilherme Figueiredo com o virtuosismo academico em que se es- mera e em que triunfa (mas a sua 6iltima novela, Historia para se ouvir de noite [1964], s6 poderia ter sido escrita pelo grande ficcionista que dle realmente '); na mesma ordem de ideias, outros romancistas contemporaneos, mantendo-se num plano honroso de estilo literario, nio manifestam o impeto renovador comrn que, em 1946, aparecia Sagarana. Assim, a iltima revolu- Iqo ou a fl1tima renovagio da nossa prosa artistica dataria de quase vinte anos: em materia de verdadeiras novidades literirias, nossa hist6ria, em lugar de exemplificar o "aceleramento" convencional, parece, antes, inclinada a um notivel alargamento de ondas ritmicas. Mirio Donato, Jose Conde, Carlos Heitor Cony, M. Teixeira Marinho, Otto Lara Resende, parecem mais afeiqo- ados ao tema do que a forma e contentam- se com o que poderiamos chamar,

' falta de melhor t&rmo, a prosa realista. Apenas Lygia Fagundes Telles manifesta, por in- termit ncias, certos anseios podticos: seria interessante verificar mais de perto, por exemplo, at6 que ponto o sucesso de Clarice Lispector repercutiu no seu tom de voz, nos seus "gestos" estilisticos.

Assim, por paradoxo, a prosa brasileira esti vivendo um periodo simulteneo de

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formalismo e de realismo. Nio mais o "realismo social" dos anos 30 (tdo bem encarnado nos primeiros romances de Jorge Amado), mas o realismo puramente es- colistico, de que Jose Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, foram, naquela d&cada, os grandes prati- cantes. Voltaram, agora, a literatura de fic-

gqo os temas chamados "grosseiros," a ob-

servaqgo minuciosa do mundo exterior, a visdo pessimista do homem, a sitira social, a linguagem direta e simples, o interesse pelo comportamento, o desafio 's conven-

q6es "burguesas" e a moda do enr&do deter- minado, a intriga s61ida e bem desenvolvida. Neste ziltimo aspecto, a ficoo brasileira continua a sofrer da sua carencia tradi- cional, pois que, a uma intriga geral- mente "dramitica," corresponde invarihvel- mente uma desoladora pobreza de agqo. O ficcionista brasileiro e capaz, em regra, de inventar o dado de base de sua his- t6ria, mas ji se mostra bem menos habil ao desenvolve-lo numa aqlao correspondente: dal a sensaao de imobilidade que nos transmite a maior parte dos contos e ro- mances, mesmo aqueles em que "acon- tecem" muitas coisas. E que a situaqdio romanesca permanece identica de comeko a fim, o personagem raramente manifes- tando aquelas sutis transformac6es de per- sonalidade (dentro de um quadro estavel de psicologia) que revelam, justamente, a passagem do tempo. Este flltimo valor 6 o grande ausente da ficqao brasileira: e uma ficoo newtoniana ou euclidiana, mais do que uma ficgqo bergsoniana ou einstei- niana. Isso indicaria o seu inegivel ana- cronismo ou a sua "a-historicidade," se to- marmos o t&rmo como designativo de in- sensibilidade ao clima espiritual da 6poca: acrescento desde logo que serai preciso al- guma coisa mais do que simples experi- mentagqes ticnicas (como as do "novo ro- mance," por exemplo), para que a fiqcdo mergulhe realmente na grande corrente im- petuosa da hist6ria: trata-se, antes, de uma

questAo de psicologia e de sensibilidade

espiritual. Ndo se tratando, aqui, de um levanta-

mento onomaistico dos grandes e dos menos grandes escritores brasileiros contempora- neos, mas de um quadro das tendancias mais caracteristicas de nossa literatura, vista em seu conjunto, ndo teria cabimento a anilise pormenorizada da obra de cada um, nem a menoo de outros ficcionistas que, embora tipicos em seus processos, ndo parecem influir na global fixago de rumos. Da mesma forma, deixaremos um pouco na sombra o ensaio liternrio, tomada a palavra no sentido amplo: com exceCdo da critica formalista, acima referida, o ensaio alcan- qou, tamb6m, um plano de classicismo de que nao vejo como poderi sair sem perder muitas das suas qualidades: e, corn relaqdo a critica formalista, penso, mesmo, que muitas das suas singularidades estruturais s6 se obtam em detrimento das virtuali- dades ensaisticas: a andlise formal, por sua pr6pria natureza, perde em generalidade critica o que possa ganhar em precisio analitica. Por isso mesmo, a critica moderna estai continuamente exposta ao perigo da

atomizaCqo, abdicando, talvez com exces- siva e imprudente ligeireza, da sua grande missdo que

' a de constituir um "corpus" organico de iddias liternrias.

Parece indiscutivel, entretanto, que o aspecto mais saliente da renovaqao literiria no Brasil, aqu le com que a "vanguarda" mais se identifica, manifesta-se na poesia. Em 1957, consolidando pela primeira vez os principios implicitos da poesia concreta (que entdo ainda se escrevia entre aspas), Augusto de Campos, que

' um dos seus

grandes te6ricos, doutrinava: - a poesia concreta comeqa por assumir uma

responsabilidade total perante a linguagem: aceitando o pressuposto do idioma hist6rico como nicleo indispensivel de comunicagdo, recusa-se absorver as palavras como meros veiculos indiferentes, sem vida sem perso- nalidade sem hist6ria-tiimulos-tabus com que a convengao insiste em sepultar a iddia.

- o poeta concreto nao volta a face s pa- lavras, nio ihes lanla olhares abliquos; vai direto ao seu centro, para viver e vivificar

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LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORANEA 417

a sua facticidade: - o poeta concreto ve a palavra em si mesma

-campo magn6tico de possibilidades-como um objeto dinimico, uma c6dula viva, um organismo completo, com propriedades psico-fisico-quimicas, tacto antenas circula- 0do coragdo: viva.

- longe de procurar evadir-se da realidade ou iludi-la, pretende a poesia concreta, contra a introspec~go autodebilitante e contra o realismo simplista e simpl6rio, situar-se de frente jiara as coisas, aberta, em posigao de realismo absoluto.

- o velho alicerce formal e silogistico-discur- sivo, fortemente abalado no comago do seculo, voltou a servir de escora as ruinas de uma po6tica comprometida, hibrido anacronico de coralgo at6mico e couraga medieval.

- contra a organizaqgo

sintixica perspectivista, onde as palavras vem sentar-se como "ca- diveres em banquete", a poesia concreta op6e um novo sentido de estrutura, capaz de, no momento hist6rico, captar, sem desgaste ou regressio, ocerne da expe- riencia humana poetizavel.

- mallarme ("un coup de d6s" - 1897), joyce ("finnegans wake"), pound ("cantos" - ideograma), cummings, e num segundo piano apollinaire ("calligrames") e as ten- tativas experimentais futuristas-dadaistas, estdo na raiz do novo procedimento poetico que tende a impor-se a organizagio con- vencional cuja unidade formal 6 o verso (livre inclusive).

- o poema concreto ou ideograma passa a ser um campo relacional de fung6es.

- o n icleo po6tico 6 p6sto em evidencia nao mais pelo encadeamento sucessivo e linear de versos, mas por sistema de relag6es e equilibrios entre quaisquer partes do poema.

- fung6es-relag6es grifico-foneticas ("fat6res de proximidade e semelhanga") e o uso substantivo do espago como elemento de composigio entretem uma dialetica simul- tanea de 61ho e f6lego, que, aliada a sintese ideogrAmica do significado, cria uma totalidade sensivel "verbivocovisual", de modo a justapor palavras e experiencia num estreito colamento fenomenol6gico, antes impossivel.

- POESIA CONCRETA: TENSAO DE PALAVRAS-COISAS NO ESPACO TEMPO

Pouco tempo depois, no primeiro tri- mestre de 1962, a revista Invenago, que foi o 6rgdo oficial do Concretismo, publi- cava, no seu ntmero inaugural, o "Plano- piloto para Poesia Concreta,"datado de 1958

e assinado pela trilogia jfi agora hist6rica dos seus tratadistas (Augusto de Campos, D6cio Pignatari e Haroldo de Campos):

Poesia concreta: produto de uma evolulgo critica de formas. Dando por encerrado o ciclo hist6rico do verso (unidade ritmico-formal), a poesia concreta comega por tomar conhecimento do espago grifico como agente estrutural, espago qualificado: estrutura espicio-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporistico- linear. Dai a importancia da idiia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual, ate o seu sentido especifico (Fenollosa/ Pound) de m~todo de compor baseado na jus- taposigao direta-anal6gica, nio 16gico-discursiva -de elementos. "I1 faut que notre intelligence s'habitue a comprendre synthitico-iddographique- ment au lieu de analytico-discursivement" (Apol- linaire). Eisenstein: ideograma e montagem.

Precursores: Mallarme (Un coup de des, 1897); o primeiro salto qualitativo: "subdivisions prismatiques de l'Id&e"; espago ("blancs") e recursos tipogrificos como elementos substantivos da composiglo. Pound (The cantos): m&todo ideogramico. Joyce (Ulysses e Finnegans Wake): palavra-ideograma; interpenetrago orggnica de tempo e espago. Cummings: atomizaCgo de pa- lavras, tipografia fisiogn6mica; valorizaCgo ex- pressionista do espago. Apollinaire (Calligram- mes): como visZo, mais do que como realizalgo. Futurismo, dadaismo: contribuig6es para a vida do problema. No Brasil: Oswald de Andrade (1890-1954): "em comprimidos, minutos de poesia". Joao Cabral de Melo Neto (n. 1920- O Engenheiro e A psicologia da composigao mais Anti-ode): linguagem direta, economia e arqui- tetura funcional do verso.

Poesia concreta: tensdo de palavras-coisas no espago-tempo. Estrutura dinmhnica: multiplicidade de movimentos concomitantes. Tamb6m na mdsica-por definigao, uma arte do tempo-in- tervem o espago (Webem e seus seguidores Boulez e Stockhausen; m6isica concreta e eletr6- nica); nas artes visuais-espaciais, por definiCao -intervem o tempo (Mondrian e a serie Boogie- woogie; Max Bill; Albers e a ambival ncia per- ceptiva; arte concreta em geral).

Ideograma: apdlo a comunica~go nao-verbal. O poema concreto comunica a sua pr6pria estru- tura: estrutura contedido. O poema concreto 6 um objeto em e por si mesmo, nao urn intiprete de objetos exteriores e/ou sensaq6es mais ou menos subjetivas. Seu material: a palavra (som, forma visual, carga semantica). Seu problema: urn problema de fung6es-relag6es d sse material. Fat6res de proximidade e semelhanga, psicologia da gestalt. Ritmo: f6rga relacional. O poema con- creto, usando o sistema fonrtico (digitos) e uma sintaxe anal6gica, cria uma AIrea lingiiistica es- pecifica-verbivocovisual-que participa das van- tagens da comunicaego ndo verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra. Comn o poema con- creto ocorr? o fen6meno da

metacomunica•Ao:

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coincidencia e simultaneidade da comunicagdo verbal e nio verbal, corn a nota de que se trata de

urea cornunica~io de formas, de uma estru-

tura-conte6do, ndo da usual comunicaldo de mensagens.

A poesia concreta visa ao minimo miltiplo comum da linguagem. Daf a sua tendencia a substantiva do e a verbificacao: "a moeda concreta da fala" (Sapir). Dai as suas afinidades com as chamadas "linguagens isolantes" (chines): "Quanto menos gramitica exterior possui a lin- guagem chinesa, tanto mais gramritica interior ihe 6 inerente" (Humboldt via Cassirer). O chines oferece um exemplo de sintaxe puramente rela- cional baseada exclusivamente na ordem das palavras (ver Fenollosa, Sapir e Cassirer).

Ao conflito de fundo-e-forma em busca de identificaCdo, chamamos de isomorfismo. Parale- lamente ao isomorfismo fundo-forma, se desen- volve o isomorfismo espaqo-tempo, que gera o movimento. O isomorfismo, num primeiro mo- mento da pragmaitica potica concreta, tende a fisiognomia, a um movimento imitativo do real (motion): predomina a forma organica e a fenomenologia da composilgo. Num estigio mais avanqado, o isomorfismo tende a resolver-se em puro movimento estrutural (movement); nesta fase, predomina a forma geom&trica e a matemai- tica da composi~go (racionalismo sensivel).

Renunciando ' disputa do "absoluto", a poesia

concreta permanece no campo magnetico do relativo perene. Cronomicrometragem do acaso. Contr6le. Cibernetica. O poema como um me- canismo, regulando-se a si proprio: "feed-back" A comunicaldo mais ripida (implicito um pro- blema de funcionalidade e de estrutura) confere ao poema um valor positivo e guia a sua pr6pria confeclqo.

Poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a linguagem. Realismo total. Contra uma poesia de expressio, subjetiva e hedonistica. Criar problemas exatos e resolv&-los em t&rmos de linguagem sensivel. Uma arte geral da pala- vra. O poema-produto: objeto uitil.

Contudo, o primeiro livro de poesia con- creta aparecera em 1954, assinado por Fer- reira Gullar, mais tarde dissidente da es- cola e, ao que parece, em pleno caminho de ret6rno. Eis, porem, uma das composi- ?oes constantes de seu 6iltimo livro (Poemas, 1958):

erva

erva erva

A Luta Corporal (primeiro volume publicado por Ferreira Gullar) foi um livro "revolucionario" que, em larga medida, marcava os limites possiveis do Concre- tismo: depois ddle, embora a parte te6rica do movimento haja fixado com maior $nfase os seus principios, pouco se Ihe acrescentou em matiria pr6priamente "poemritica."

A iddia de uma poesia "tipograifica" ou "figurativa," mais do que "conteudistica" e convencionalmente versificada, encontraria ancestrais ilustres: num ensaio intitulado "Situaci6n de la Poesia Concreta," que 6, at6 ao momento, o melhor estudo de con- junto a respeito da nova escola (Revista de Cultura Brasilefia, editada pelo Servicio de Propaganda y Expansi6n Comercial de la Embajada del Brasil en Madrid, tomo XX, junho 1963, n) 5), Angel Crespo e Pilar G6mez Bedate citavam, isto 6, foto- grafavam um poema de Simias de Rodes, o qual, segundo Decio Pignatari, que primeiro o reproduziu na "Invengdo" de 8 de maio de 1960, dataria de 300 anos antes de Cristo, e cuja figura geometrica

' a de um losango. Bem enteadido, na linha da dis- posiSao puramente tipogrifica, a finica di- ficuldade seria o embaraco da esc61ha, ndo na hist6ria da poesia apenas, mas na his- t6ria do cartaz decorativo e publicitairio e nas edi?6es simbolistas (que os concretistas ate agora tem desprezado). Contudo, o grande ancestral e ancestral direto da cor- rente seria, al6m de Mallarm6 (evocado, talvez, um pouco a contrapelo), o conh- cido Apollinaire dos Calligrammes: o seu poema "I1 Pleut" foi parafraseado em nossa lingua por Augusto de Campos:

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LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORANEA 419

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pluv pluvi

pluvi a fluvial

filuvial fluvial

fluvial fluvial fluvial

Augusto de Campos , igualmente, o tradutor de dez poemas do poeta norte- americano E. E. Cummings, que, junta- mente com Ezra Pound, e outro dos grandes classicos concretistas. Uma boa iddia da escola seria oferecida pelo poema de Cummings abaixo transcrito, seguido do texto "brasileiro":

ORIGINAL:

r-p-o-p-h-e-s-s-a-g-r who

a)s w(e Ioo)k upnowgath

PPEGORHRASS

eringint(o- aThe):1

eA

!p: S a

(r rivlinG .gRrEaPsPhOs)

to

rea(be)rran(com)gi(e)ngly ,grasshopper;

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420 HISPANIA

TRADUCAO: o-t-o-f-n-a-h-a-g que

s)e e(u olh)o altojireu

HOONAGFTA

nindosee(m- parAgle):s

aL It:

A c

eGaNdO .gAnAfToHo) a

recom(tor)pon(n)d(ar-se)o ,gafanhoto;

tsses seriam os extremos e os extremismos da escola: poetas mais velhos, como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Ban- deira ndo resistiram, tampouco, ao atrativo da novidade e produziram tambhm alguns poemas concretos. Mas, como seria de esperar, tais poemas sio muito mais "re- gulares" ou convencionais, eu diria muito mais "pamasianos," do que as produg6es tipicas dos jovens revolucionairios. Um exemplo expressivo seria "A Onda," de Manuel Bandeira:

a onda anda aonde anda

a onda? a onda ainda

ainda onda ainda anda

aonde? aonde?

a onda a onda

A "regularidade" dos poemas concretos de Bandeira indicaria, talvez melhor do que a "exemplaridade" dos que escrevem Au- gusto de Campos ou Edgard Braga, as efetivas possibilidades da escola. Eis, por exemplo, numa linha inegavelmente ban- deiriana, uma homenagem poetica 'a Sra. Niomar Muniz Sodre, diretora do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (e que, no 61timo livro de Bandeira, Estrdla da Tarde [1963], leva o titulo de "Homena- gem a Guiomar"):

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Contudo, o Concretismo nio e a iltima, em data, das escolas vanguardistas de poesia no Brasil: se desprezarmos algumas tenta- tivas ainda balbuciantes, tal lugar e ocu- pado, no momento, pelo "poema-praxis," invengdo de MArio Chamie, combativo es- critor, que o lanqou, em 1961, com o livro Lavra Lavra. Que e o poema-praxis? tle pr6prio responde, num manifesto muito a prop6sito intitulado de "diditico":

P o que organiza e monta, esteticamente, uma realidade situada, segundo tres condiqdes de acdo: a) o ato de compor: b) a drea de levanta-

Page 10: Tendendências na literatura brasileira contemporânea, by Wilson Martins

LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORBNEA 421

mento da composipao: c) o ato de consumir.

Para exemplificar priticamente ou poetica- mente as suas iddias, Mairio Chamie publi- cou Lavra Lavra, titulo que devemos tomar, antes de mais nada, em seu sentido agricola. Com efeito, ttata-se de qualquer coisa que, em natureza, seria as Georgicas brasileiras e modernas: e o poema da vida do campo, encarada pelo Angulo da profissdo do agri- cultor. Eis a primeira fase do ciclo agricola, a localizagio da sementeira:

Medir C a medida mede

a terra, medo do homem, a lavra; lavra

sarjo campo, muito cerco, viria virzea. Medir

e a medida

mede o sitio, dote do homem, o semen;

some capim seco, muito bugo, t6sca sebe.

Medir C a medida mede

a irea, fundo do homem, a t6na; touga

t6rto talo, muito valo, frigil cana. Medir ' a medida

mede a furna, rumo do homem, o t6rno;

torna f6fo brejo, muito 16do, f&rtil, m6fo.

Medir C a medida mede

a choga, cave do homem, o rancho; Ianga

certo olhar, muito azul, longo lango. As penas e sofrimentos do rude trabalho campesino estdo expressas, niio sem um discutivel trocadilho, neste poema: Lavra:

Onde tendes pai, o p e o p6, sermdo da cria: tal terreiro.

Dor: Onde tenho o p6, o pe e a pai, uinhio da via: tal meu meio

de plantar sem agua e sombra. Lavra:

Onde estai o p6, tendes caimbra; agacho d6i ao r&s e relva.

Dor: Onde jaz o p6, tenho a planta do pe e milho junto ? graga do ar de maio, um ar de cheiro.

Lavra: A planta e o pe, o p6 e a terra; o mapa vosso; v~irzea e erva.

O autor sustenta que Lavra Lavra "6 livro sem verso (livre ou ndo): isto porque nao veicula umrn discurso ritmico-linear e sim signos de conexao no espaqo em preto." Nio sera Aste o momento de discutir-lhe as ideias: basta mencionar que lanqou a poesia praxistica por entender que os con- cretistas ji eram "retardatArios," al6m do defeito mais grave de se mostrarem pura- mente estetizantes.

Na verdade, a grande influencia s6bre os concretistas (que a admitem) como s6bre os praxistas (que a silenciam) parece a do poeta Joao Cabral de Melo Neto, cujo volume Duas Aguas (1956) podera vir a ser, futuramente, um dos marcos hist6ricos da poesia moderna no Brasil. Cabral situa- se,originalmente, no ponto de intersecgAgo da poesia modernista com a poesia p6s- modernista: digamos, mais precisamente, que ele parecia destinado a assegurar a sucessdo de Carlos Drummond de Andrade, assim como este representou a evoluqgo da poesia propriamente modernista para a po'tica dos anos 30 e 40. Joao Cabral e Jorge de Lima seriam os dois nomes a guardar para uma analise, hoje mais neces- saria do que nunca, que tentasse explicar a decidida tendencia formalista que, em de- terminado momento, repudiou a inclina- qio social ou sociol6gica, se nao puramente pitoresca e humoristica, da d&cada de 20. E bem possivel que, reveladas tais correstes profundas, as revoluC6es posteriores pare- gam menos revolucionarias e, talvez, menos duradouras: da mesma forma, a exemplo do pr6prio Joio Cabral, por um lado, e de Ferreira Gullar, por outro, a vanguarda talvez se destine a um certo recuo titico e estratigico. Como negar que hi mais ecos do Joao Cabral dos anos 50 no Mario Chamie dos anos 60 do que nos concretistas anteriores a "praxis"? A hist6ria contem- porAnea, mesmo a iiteraria, nao se escreve, vive-se: mas e possivel que o "contempla- dor" da poesia-objeto nao tarde a readquirir as suas esp6cies tradicionais de simples leitor.